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FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA FAVIP Bacharelado em Direito Adilson Leite Silva LEASING FINANCEIRO E A REVISÃO CONTRATUAL: INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS (TEORIA DA IMPREVISÃO) OU A INCIDÊNCIA DO ART. 6º INCISOS IV E V DO CDC? CARUARU-PE 2009

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TRATA-SE DE UM TCC PARA CONCLUSÃO CDO CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO QUE ABORDA OS ASPECTO DA REAVALIAÇÃO DOS CONTRATOS DE LEASING À LUZ DO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

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FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA – FAVIP

Bacharelado em Direito

Adilson Leite Silva

LEASING FINANCEIRO E A REVISÃO CONTRATUAL: INCIDÊNCIA DA

CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS (TEORIA DA IMPREVISÃO) OU A

INCIDÊNCIA DO ART. 6º INCISOS IV E V DO CDC?

CARUARU-PE

2009

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Adilson Leite Silva

LEASING FINANCEIRO E A REVISÃO CONTRATUAL: INCIDÊNCIA DA

CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS (TEORIA DA IMPREVISÃO) OU A

INCIDÊNCIA DO ART. 6º INCISOS IV E V DO CDC?

CARUARU-PE

2009

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Curso de Bacharelado em

Direito da Faculdade do Vale do Ipojuca,

como exigência parcial para a obtenção do

título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Esp. Patrícia Lapa.

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Adilson Leite Silva

LEASING FINANCEIRO E A REVISÃO CONTRATUAL: INCIDÊNCIA DA

CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS (TEORIA DA IMPREVISÃO) OU A

INCIDÊNCIA DO ART. 6º INCISOS IV E V DO CDC?

Aprovado em ____/____/_____

_________________________________________________

Profª Patrícia Lapa (Orientadora)

_________________________________________________

Profª. Ana Júlia

_________________________________________________

Profº. Damião Severiano

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Curso de Bacharelado em

Direito da Faculdade do Vale do Ipojuca,

como exigência parcial para a obtenção do

título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Esp. Patrícia Lapa.

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S586l Silva, Adilson Leite.

Leasing financeiro e a revisão contratual: incidência da

cláusula Rebus Sic Stantibus (Teoria da Imprevisão) ou a

incidência do art. 6º, incisos IV do CDC? / Adilson Leite Silva.

-- Caruaru : FAVIP, 2009.

64 f.

Orientador(a) : Maria Daniella de O. P. Silva.

Trabalho de Conclusão de Curso (Direito) -- Faculdade do

Vale do Ipojuca.

Inclui anexo.

1. Código de Defesa do Consumidor. 2. Aplicação.

3. Leasing Financeiro. 4. Teoria da Imprevisão. 4. Código Civil.

5.Cláusula abusiva. 6. Excessiva onerosidade. I. Título. CDU 34(09.2)

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367

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Aos meus pais, irmãos e irmãs, e muito

especialmente a minha esposa Edilsa e meu

amado filho Tales Emanoel, que foram a força

motriz para a conclusão do meu sonho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que de algum modo deram sua parcela de contribuição para que

pudesse chegar até o término do curso.

Em especial, a minha mãe pela a paciência e benevolência com que me dedicava o

seu dia a dia, ao meu pai que com seu caráter rígido não me deixou se perder pelos caminhos

que a vida oferta a todos nós, me mostrando qual deles seguir. A minha amada esposa, Edilsa,

pelo apoio e crença que tem depositado em mim até agora. Ao meu amado filho, Tales

Emanoel, um pingo de gente que mudou radicalmente a minha percepção do mundo. A

Aparecido Gomes que de forma indireta foi meu exemplo de vida tendo em vista sua vida

nada fácil, mas que com bravura me mostrou que era possível dar vazão ao sonho almejado. A

Dr Lauro Pedro dos Santos Neto pelo amplo aprendizado que me propiciou durante os meus

estágios, dispensando-me total atenção, sempre pronto para tirar as minhas dúvidas. A minha

amiga Tatiane que me suportou durante muito tempo nos estágios no Núcleo Prática Jurídica,

às vezes sisuda, contudo, de um carinho e um senso de ajuda ao próximo inestimável,

inigualável.

Aos colegas de sala que fizeram com que os nossos dias de aula fossem, na

verdade, encontros prazerosos que mascaravam a dureza e o cansaço do dia-a-dia tornando o

aprendizado menos cansativo. Com certeza posso dizer que mais do que colegas de profissão,

fiz, antes de tudo, amigos eternos. Jamais os esquecerei!

Aos meus inesquecíveis professores que contribuíram com o seu saber e com sua

preciosa vivência no meio jurídico, nos mostrando em curtas aulas o que levaram meses,

talvez anos para aprender com o duro ensinamento da vida, o meu singelo, mas de coração,

muito obrigado.

A minha querida orientadora por disponibilizar suas poucas horas de folga me

dispensando sua preciosa orientação sem a qual este trabalho não seria possível.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo avaliar a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas

resoluções e/ou revisões contratuais que envolvam o leasing financeiro em contraposição a Teoria da imprevisão

aplicada às relações contratuais regidas pelo Código Civil, tendo em vista a visão renovada sobre o contrato

inaugurada pela Constituição Federal 1988 redundando no modelo contratual traçado pelo CDC relativisando o

princípio do pacta sunt servanda além de outros, nas relações de consumo. O estudo pauta-se na pesquisa

bibliográfica, jurisprudencial e legal buscando o modo de como se tem comportado a doutrina bem como os

nossos tribunais a respeito do assunto. No aspecto legal avaliamos algumas inconsistências em relação ao

sistema jurídico atual, dentro de uma abordagem hermenêutica, suscitando o confronto entre o que está

estabelecido nas resoluções do Banco Central e o sistema legal do CDC. No aspecto jurisprudencial verificamos

que a aplicação do CDC ao leasing financeiro, dentro da abordagem dada neste trabalho, é possível, havendo

entendimento sumulado. Quanto à doutrina verificou-se, como é de se esperar, que o assunto é divergente,

contudo, a doutrina majoritária milita no sentido da aplicação. Finalmente, com o final do estudo, concluímos

que, embora a jurisprudência milite no sentido da aplicação do CDC, as decisões têm sido um pouco acanhadas

não explorando o CDC haja vista o seu caráter cogente. Há a necessidade de uma maior participação do

Ministério Público, com maior publicidade de sua atuação para que se crie uma política preventiva, por parte das

empresas, forçando-os adequarem suas cláusulas contratuais ao CDC. Portanto, sem a pretensão de esgotar o

tema do proposto, abordamos o que entendemos ser necessário a sua explicação, merecendo um maior

aprofundamento em face dos abusos ocorridos nesta modalidade contratual.

Palavras-chaves: Código de Defesa do Consumidor. Aplicação. Leasing Financeiro. Teoria da imprevisão.

Código Civil. Cláusula abusiva. Excessiva onerosidade.

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ABSTRACT

This study aims to evaluate the possibility of implementing the Code of Consumer Protection in the resolutions

and/or contractual discussions involving the leasing as opposed to improvisation theory applied to contracts

governed by the Civil Code, in view of the renewed vision of agreement inaugurated by the Federal Constitution

in 1988, which translated the model contract drafted by the CDC relativised the principle of pacta sunt servanda

and other in consumer relations. The study is guided in the research literature, jurisprudence and legal method of

seeking has behaved as if the doctrine and our courts on the subject. In the legal aspect evaluate some

inconsistencies in the current legal system, within a hermeneutic approach, raising the confrontation between

what is established in the resolutions of the Central Bank and the legal system of the CDC. In the aspect-law

found that the application of the CDC to leasing, in the approach taken in this work, is likely, with understanding

the scoresheet. The doctrine was found, as expected, that the subject is divergent, however, the majority doctrine

militates towards implementation. Finally, with the end of the study concluded that, although the case militate

towards the implementation of the CDC, the decisions have been a bit bashful not exploring the CDC

considering his character cogent. There is need for greater involvement of prosecutors, with greater publicity of

its activities in order to create a preventive policy by businesses, forcing them to adapt their contractual terms to

the CDC. Therefore, without claiming to exhaust the subject of the proposed approach which we consider

necessary for its explanation, and merit further deepening in the face of abuses in this kind of contract.

Keywords: Code of Consumer Protection. Application. Leasing financial. Theory of improvidence. Civil Code.

Abusive clause. Excessively expensive.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ______________________________________________________ 07

2. VISÃO GERAL DOS CONTRATOS DE LEASING E SUAS ESPÉCIES

_______________________________________________________________________ 10

2.1. Leasing (arrendamento mercantil): breve abordagem ________________________ 10

2.1.1. Conceito e elementos ________________________________________________ 11

2.1.2. Breve abordagem histórica ____________________________________________ 13

2.1.3. Surgimento do leasing no Brasil _______________________________________ 15

2.1.4. Natureza jurídica ___________________________________________________ 16

2.1.5. Espécies de leasing __________________________________________________ 18

a. Leasing financeiro __________________________________________________ 18

b. Leasing operacional _______________________________________________ 20

c. Leasing back _____________________________________________________ 21

3. NOÇÕES GERAIS SOBRE CONTRATOS _______________________________ 22

3.1. Conceito de contrato __________________________________________________ 22

3.2. Princípios norteadores dos contratos ______________________________________ 23

3.3. Contrato de adesão ___________________________________________________ 26

3.4. Extinção dos contratos ________________________________________________ 28

3.5. Teoria da imprevisão no Direito do Consumidor ____________________________ 35

4. REVISÃO DOS CONTRATOS DE LEASING FINANCEIRO: APLICAÇÃO

DA TEORIA DA IMPREVISÃO OU DO CDC?

_______________________________________________________________________ 38

4.1. Aplicação do CDC aos contratos de arrendamento mercantil ___________________ 38

4.2. Conflito aparente de normas ____________________________________________ 40

4.3. Revisão e resolução do contrato de leasing financeiro à luz do CDC _____________ 44

4.3. Superendividamento sob a inteligência do art. 6º, V do CDC __________________ 50

4.4. Exegese do art. 53 do CDC aos casos leasing financeiro ______________________ 53

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ___________________________________________ 59

REFERÊNCIAS ________________________________________________________ 62

ANEXOS ______________________________________________________________ 65

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1 INTRODUÇÃO

Durante muito tempo as relações comerciais ficaram sob o crivo do Código Civil,

notadamente o de 1916, haja vista que o atual Código Civil (CC) data de 2002 entrando em

vigor em 2003, portanto o CC passado surtiu efeitos até bem pouco tempo atrás.

No prosseguimento, fomos contemplados com uma nova Constituição, a de 1988,

que trouxe diferente rumo para o direito, principalmente no tratamento dispensado ao ser

humano. Dentre as mudanças mais importantes, trouxe a previsão para criação do Código de

Proteção e Defesa do Consumidor – CDC, que iria nortear as relações de consumo,

estabelecidas entre fornecedores e consumidores. Contudo, mesmo passados 19 (dezenove)

anos de sua edição, ainda nos deparamos com polêmicas envolvendo a sua aplicação, o que

certamente decorre de embargos fundados em raízes culturais do Código Civil de 1916.

Na ordem jurídica inicial, sob a égide do Diploma Civilista que regulamentava

também as relações de consumo, prevalecia o princípio do pacta sunt servanda, no qual as

cláusulas contratuais faziam a lei que regia os acordos de vontades exarados nos contratos.

Com maior ou menor aplicação do princípio, o fato era que, via de regra e observadas poucas

limitações traçadas pelo Código Civil de 1916, este princípio, aliado ao da autonomia da

vontade, regulou por muito tempo as relações oriundas de contrato firmado entre as partes.

E muito embora ainda tenham importante aplicação no mundo jurídico, tais

princípios sofreram certa mitigação quando se trata de relações de consumo. Continuam

prevalecendo no tocante às relações tratadas no bojo do CC, entretanto, quando o regime

aplicável ao caso é o Código de Defesa do Consumidor, não é possível fazer tal afirmação.

Nesse diapasão, considerando em especial o contrato de leasing financeiro, que

constantemente materializa uma relação de consumo firmada entre um banco e o consumidor

interessado em capital para aquisição de bens, o presente trabalho propõe como objetivo geral

discutir qual o regime a ser aplicado: se o consumerista ou o civilista, usando como

justificativa teórica para pesquisa os fundamentos jurídicos apontados pelos magistrados nas

decisões derivadas de inúmeras batalhas judiciais travadas nos primeiros 10 ou 15 anos de

vigência do CDC.

Os dois institutos jurídicos – Código Civil e o CDC – abordam a questão da

revisão contratual. O primeiro, tratando o assunto de modo mais reservado, permite a revisão

contratual dentro da chamada Teoria da imprevisão (rebus sic stantibus), o segundo, por sua

vez, não exige critérios tão rígidos vez que faz a proteção do consumidor por meio de normas

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cogentes, trazendo entre o rol de direitos básicos irrenunciáveis, a proteção contratual contra

cláusulas consideradas abusivas, independente do contrato ter sido subscrito pelo consumidor.

Quando o assunto é leasing financeiro, as relações contratuais dão azo a

expressivo número de demandas ajuizadas, considerando que muitos consumidores fecham

negócio nessa modalidade contratual e só depois se deparam com uma situação negocial

insustentável, seja por não poderem mais arcar com o pagamento avençado em virtude de

atribulações financeiras responsáveis pela perda de sua capacidade econômica, ao que todos

estão sujeitos, seja porque as cláusulas são simplesmente desequilibradas na ótica do direito

do consumidor, sendo somente percebidas por este após a assinatura do termo, provocando

um desequilíbrio contratual.

E inobstante ao fato de ser impossível aqui esgotar o tema, pretende-se destacar os

pontos mais relevantes das respostas encontradas com base em análise de dados de caráter

eminentemente qualitativos, seguindo classificação doutrinária de Lakatos (2007, p. 265/267),

que assim define a metodologia empregada como aquela que “preocupa-se em analisar e

interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento

humano”.

A pesquisa baseou-se especialmente em fontes bibliográficas, utilizando como

principais teóricos Luis Antônio Rizzatto Nunes, Cláudia Lima Marques e Otávio Luis

Rodrigues Júnior, todos os autores de obras relacionadas ao direito do consumidor e aos

contratos em espécie, primordialmente o de leasing ou leasing financeiro.

Com finalidade exploratória pautada na necessidade de “esclarecer e modificar

conceitos e idéias” (GIL, 2007, p. 43), objetiva-se propiciar uma melhor compreensão e

interpretação dos regimes civilista e consumerista, tendo em mente a necessidade de

consolidar a efetiva defesa do consumidor, assegurando a todo custo o equilíbrio nas relações

por ele travadas, especialmente quando a partir de um contrato de leasing.

Por fim, importante ainda registrar como traço da metodologia de pesquisa

empregada neste trabalho, o viés intervencionista sugerido por Vergara (2004, p. 87), uma vez

que o resultado da análise dos dados coletados interfere na realidade estudada para modificá-

la, sugerindo uma melhor interpretação do texto legal para revisão dos contratos, como

condição a uma prestação jurisdicional eficiente e justa.

O tema tratado foi disposto em cinco capítulos, para uma melhor organização. No

segundo capítulo, além de uma breve abordagem dos aspectos históricos, a pesquisa expõe

conceitos basilares sobre os contratos em geral e sobre as minúcias da espécie denominada de

leasing em nosso sistema jurídico-econômico.

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No terceiro tomo, uma panorâmica dos elementos que compõem os contratos,

princípios orientadores e aspectos legais envolvidos na extinção dos pactos, além de um

estudo comparativo entre o CDC e o CC, no que pertine ao conteúdo abordado

Na quarta parte, a discussão da problemática proposta com a exposição dos

argumentos que dão sustentação ao posicionamento adotado, passando por um estudo

hermenêutico fundado em interpretação teleológica e sistemática do CDC, e crítica a modelo

contratual contraposto a Resolução do Banco Central (Bacen) que traça exigências mínimas a

serem obedecidas em todos os contatos de arrendamento mercantil. Por fim, na última parte,

abordo, em uma análise sintética do assunto, a conclusão obtida por meio da pesquisa sobre o

tema proposto.

Com tudo isso, a pesquisa ora exposta espera apontar caminhos indicadores de

respostas efetivamente eficientes dentro do contexto de sempre garantir ao consumidor o

equilíbrio no contrato, contribuindo com uma pequena parcela de conhecimento para todos

aqueles que se interessam pelo assunto.

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2 VISÃO GERAL DOS CONTRATOS DE LEASING E SUAS ESPÉCIES

Durante um longo tempo nossas relações civis foram reguladas sob a vigência do

Código Civil de 1916, este, por sua vez, refletia o pensamento jurídico do século que lhe

antecedeu. Assim, passamos muito tempo sob o efeito de um pensamento jurídico

ultrapassado que refletia uma realidade de comércio totalmente diversa da atual.

Embora o Código Civil atual não tenha tratado de algumas figuras contratuais já

existentes quando da elaboração de seu projeto, o legislador não descurou neste aspecto

editando leis especiais para tratar do assunto.

Estranho, a figura contratual em estudo não ter sido acrescida ao Diploma Civil

vigente, tendo em vista o projeto originário ser da mesma época do surgimento do leasing

aqui no Brasil. É por isso que alguns doutrinadores, com muita razão, dizem que o Código

Civil atual já nasceu velho. Isso é verdade, pois deixou de retratar muitos fatos de nossa atual

realidade, não só das relações negociais próprias da vida em sociedade.

No tocante a estas inovações1 contratuais não abordadas pelo Código Civil,

interessa-nos neste trabalho de pesquisa o leasing ou arrendamento mercantil, como é tratado

pela norma.

Essa espécie de contrato, bem como alguns outros, reproduzem o

desenvolvimento econômico do país, trazendo uma nova forma de contratar, coadunando-se

com as exigências e dinamismo do mercado (DINIZ, 2007).

Assim sendo, merecem novel atenção, pelo que, a partir deste ponto, um breve

estudo sobre suas características especiais.

2.1 Leasing (arrendamento mercantil): breve abordagem

Antes de qualquer aprofundamento do tema, insta trazer alguns conceitos e

elementos característicos desta espécie de contrato para só depois passar a esmiuçá-lo.

1 Não é tão novo assim, pois sua existência no Brasil – como forma de contrato atípico, se bem que há aqueles

que afirmem ser o leasing um contrato típico - conforme veremos mais adiante, data de 1967.

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2.1.1 Conceito e elementos

É preferível a corrente que atribui aos Estados Unidos a criação do arrendamento

mercantil (leasing), muito embora sua origem seja tratada pela doutrina como palco de

divergências quanto ao seu surgimento.

A palavra leasing tem raízes no vocábulo inglês to lease, que significa “alugar”,

refletindo uma das diversas semelhanças do leasing com demais espécies contratuais, em

especial, o contrato de aluguel, com quem possui pontos de intersecção, sem, contudo, com

ele se confundir (DINIZ, 2007).

Minudenciando, explica Silvio Venosa (2006, p. 571): “O termo leasing é o

particípio substantivado do verbo to lease (alugar, arrendar), na língua inglesa. Sua derivação,

portanto, provem do sistema anglo-saxão, mais propriamente dos EUA, onde começou a ser

utilizado.”.

No Brasil, o nome adotado para esta espécie de contrato é o arrendamento

mercantil, como é denominado em todo o texto da Lei 6.099/742, não vingando o nome

originário, muito embora, não fuja ao conhecimento do senso comum o seu nome em inglês -

leasing.

O leasing é a modalidade contratual na qual o arrendador adquire o bem, objeto

do contrato, sob orientação do arrendatário, sendo este o consumidor final que, mediante o

pagamento de prestações ao arrendador, ao final do contrato, por meio de cláusula

previamente acertada, decide pela aquisição do objeto contratual, ou não. Assim, alcançado o

termo contratual, abrem-se três opções ao arrendatário: aquisição do bem mediante opção de

compra, por meio de cláusula previamente estabelecida, pagando-se, para tanto, o Valor

Residual Garantido3 (VRG); renovação do contrato e, por último, a devolução do bem.

Assim, é possível concluir que o arrendatário do bem possui sua posse resolúvel,

não sendo ele, portanto, o proprietário do bem posto a sua utilização, tanto assim é que o

arrendador se vale da ação possessória quando há atrasos no pagamento das parcelas

referentes ao seu uso.

2 Lei que regulamentou o instituto do arrendamento mercantil no Brasil.

3 É preciso ressaltar, para que o conceito de leasing fique mais completo, que nem todas as sub-modalidades

desta espécie contratual exige a cláusula contratual para aquisição do bem. Havendo, deste modo, exceção a esta

regra.

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A Lei 6.099/744 conceituou o que seria esta espécie de contrato, definindo-o no

parágrafo único de seu art. 1°5 como o negócio jurídico realizado entre pessoas jurídicas ou

entre pessoas jurídicas e físicas, configurando ao menos uma delas como arrendatário e a

outra como arrendadora. Fica a cargo do arrendador, adquirir o bem objeto da relação jurídica,

por meio das especificações fornecidas pelo arrendatário.

Percebe-se, por conseguinte, no conceito dado pelo legislador, duas figuras que

caracterizam esta espécie de contrato: o arrendador e o arrendatário. E embora a lei não

mencione o terceiro de quem o bem é adquirido, mostra-se relevante falar dele, tendo em vista

que o seu papel se mostra crucial no que diz respeito aos direitos do consumidor.

Na modalidade de leasing aqui tratada – leasing financeiro – o bem é adquirido

de terceiros, o que impõe reflexos no direito consumerista, a nosso ver no que diz respeito à

garantia do bem, vício e fato do produto, quando o arrendador haja falido. Para esse estudo,

em que pese discutível a relevância, deve-se registrar a presença do terceiro, muito embora

que para a relação contratual entre as partes no contrato de leasing, ele em nada contribua ou

atrapalhe.

A primeira figura contratual tratada pela Lei é o arrendador ou arrendante. Esta é a

pessoa jurídica6 incumbida de adquirir o bem de acordo com as especificações do

arrendatário. É controlada pelo Banco Central, haja vista que a atividade que desenvolve é,

eminentemente, financeira. Trocando em miúdos, para a prática de leasing a pessoa jurídica

arrendadora do bem, é, necessariamente, instituição financeira. Na lição de Silvio Venosa

(2006, p. 572), “[...] é a empresa de leasing, de atuação financeira, com objetivo assim

expresso nos estatutos sociais, conforme nosso Direito, que se encarrega de arrendar o bem ao

arrendatário.” Vê-se, pois, que a arrendante deve ser instituição financeira sendo esta, bem

como outras, uma condition sine quo non para existência e validade do contrato de leasing,

vez que a norma traz tratamento diverso do dispensado a esta modalidade de contrato, para

àqueles que contratam de forma diferente no modelo criado pela Lei 6.099/74.

4 BRASIL. LEI No 6.099, DE 12 DE SETEMBRO DE 1974.Dispõe sobre o tratamento tributário das operações

de arrendamento mercantil e dá outras providências. Brasília, 12 de setembro de 1974. [DIÁRIO OFICIAL DA

UNIÃO] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l6099.htm> Acesso em: 17 de mar. de

2009. [art. 1° e §2° do art. 2° desta Lei]. 5 Art 1º [...]

Parágrafo único. Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado

entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que

tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e

para uso próprio desta. 6 E por expressa disposição legal, somente a pessoa jurídica pode ocupar este pólo da relação, consoante o

parágrafo único do art. 1º da Lei 6.099/74.

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De outra banda, no pólo diverso da relação contratual em comento, encontra-se a

figura do arrendatário. Este é o consumidor final na relação, como já referido. É a pessoa

física ou jurídica que utiliza a coisa objeto do contrato, dando instruções ao arrendante, sobre

qual bem deseja adquirir. É interessante notar que nos primórdios do contrato de leasing só

foi permitida à pessoa física figurar no pólo contratual a partir de posterior alteração dada pela

Lei 7.132/83, que acresceu ao parágrafo único da Lei 6.099/74, a expressão “pessoa física”.

Quanto ao bem, objeto do contrato, este pode ser móvel ou imóvel, não havendo

objeções no que diz respeito a sua natureza, não havendo maiores digressões tendo em vista a

clareza com que este ponto é abordado pela doutrina.

Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 658), classifica o contrato de leasing da

seguinte forma:

O contrato de arrendamento mercantil é consensual, porque se aperfeiçoa com a

manifestação de vontade das partes, independentemente da entrega da coisa; solene,

porque exige a forma escrita; bilateral, uma vez que gera obrigações recíprocas;

oneroso, pois ambos os contratantes obtêm proveito, ao qual corresponde um ônus

ou sacrifício; comutativo, porque as prestações são certas e as partes podem antever

as vantagens e os sacrifícios; de trato sucessivo, tendo em vista que a execução se

faz durante o prazo previsto ou renovado; de adesão, porque é inteiramente

elaborado pelo arrendador, não tendo o arrendatário possibilidade de discutir as suas

cláusulas: adere em bloco a elas ou não realiza o negócio.

Tal classificação não segue o mesmo modelo com relação a outros autores,

variando desde a nomenclatura até ao número de classificações dadas. Contudo, esta pesquisa

não tem a pretensão de exaurir o assunto, firmando o compromisso em abordar apenas o que

seja mais pontual para compreensão dos conceitos basilares envoltos no tema, deixando para

o leitor o desafio de buscar o que mais lhe instigar, de maneira aprofundada.

2.1.2 Breve abordagem histórica

Quando o assunto é abordagem histórica do contrato de Arrendamento Mercantil,

a doutrina pátria não trata o tema com segurança quanto aos aspectos do local e época de seu

surgimento.

O debate sobre a origem cronológica do contrato não chega a um consenso, como

já dito antes, entretanto, o que se mostra pacífico é que esta espécie de contrato tenha nascido

das necessidades econômicas visando atender ao dinamismo do comércio.

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Em posição contrária, Maria Helena Diniz (2007, p. 714) afirma a autora que tem

seu delineamento em motivos políticos, senão vejamos:

Nasceu a idéia do leasing (do verbo to lease, alugar), quando Boothe, após a

segunda mundial, contratou o fornecimento de alimentos com o exército norte-

americano e, ao verificar que o volume excedia sua capacidade operacional, firmou

um contrato com um banco para que este comprasse os equipamentos que lhe eram

necessários. Ante o grande sucesso dessa operação surgiram a U. S. Leasing

Company e a Boothe leasing Corporation, às quais se seguiram outras.

Sendo assim, para a renomada autora, não foram as necessidades mercantis que

fomentaram a origem do leasing, mas as necessidades políticas, muito embora que de forma

indireta, não tendo o leasing qualquer origem em outra época ou lugar. É claro que com o

sucesso obtido pelo novo sistema adotado, a idéia ganhou conotações econômicas a partir do

fato de que empresas financeiras puderam viabilizar os sonhos expansionistas de outras

empresas menores que não tinham capital para investir em equipamentos. A nova espécie de

contrato supriu a deficiência econômica destas empresas.

Irineu Strenger (2003, p. 409) pondera dizendo que “embora se possa, com o uso

do paralelismo, remeter o leasing a um passado remoto e até mesmo dizer que tem tradição

milenar, sua forma moderna surge, pela primeira vez, nos Estados Unidos em 1950, [...]”.

Desse modo, vemos que o autor remete a existência do leasing a épocas mais remotas, além

do que não parece atribuir o surgimento do leasing aos Estados Unidos.

Já Angélica Carro7, em artigo sobre a origem histórica do arrendamento

mercantil, infere sobre o viés histórico do leasing que:

A formação histórica dos contratos de „leasing‟ busca inspirações em operações

realizadas na antigüidade, praticadas por centenas de anos. Tais operações eram

difundidas nas operações utilizadas pelo governo ateniense sobre as minas de

propriedade do Estado, onde os indivíduos pagavam ao Estado determinada quantia

em dinheiro com garantia de exploração e uma renda anual era fixada como

percentagem dos lucros. Ao arrendatário cabiam duas opções: vender o minério ou

subarrendar o direito à exploração.

Para esta autora, o leasing encontra raízes no direito ateniense, corroborando para

a existência de uma verdadeira Torre de Babel erigida pela doutrina quando o assunto é a

origem do leasing.

7 CARRO, Angélica. Contratos de leasing . Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 10, abr. 1997. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=626>. Acesso em: 17 mar. 2009.

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O fato é que, vindo de épocas remotas ou não, o leasing tem sido amplamente

utilizado, principalmente por pessoas jurídicas, mas também por pessoas físicas visando juros

menores que os praticados em outras espécies de contratos oferecidas no mundo dos negócios.

O legislador, ao que parece, ao editar a lei que regulamenta o contrato de leasing,

dando-lhe um tratamento tributário mais ameno, quis incentivar o uso deste instituto para

fomentar o crescimento econômico do país.

2.1.3 Surgimento do leasing no Brasil

No Brasil, o leasing passou a existir formalmente em 1967, como uma modalidade

de contrato atípico, tendo em vista que só foi regulado por lei específica em 1974. A partir de

1970, quando efetivamente o leasing tomou vulto no mercado, foi criado a ABEL (Associação

Brasileira de Empresas de Leasing), um sinal claro de que esta modalidade contratual veio

para ficar (DINIZ 2007, p. 715).

Com a edição da Lei 6.099/74, o Banco Central passou a controlar e incentivar a

prática deste negócio jurídico, dando-lhe, a Lei, o nome de arrendamento mercantil. Tal Lei

trouxe a segurança legal para os negócios realizados com fulcro no leasing tendo em vista que

o contrato que era atípico passou a ser típico, merecendo tratamento próprio, não se

socorrendo, em regra, da parte geral do Código Civil relativa aos contratos (GOMES, 2008, p.

572).

Com regulamento próprio, assegurando-lhe segurança jurídica, alicerce que

precisava para ser aceito no mercado, rapidamente os setores econômicos aderiram ao

instituto, pois do ponto de vista empresarial, tornou-se bastante seguro contratar por meio do

leasing, vez que a garantia do negócio esposava no próprio bem objeto do contrato. Como

assinala Angélica Carro em artigo já mencionado antes.

A partir da sistematização do leasing em nosso ordenamento jurídico, as

regulamentações fizeram aperfeiçoar o tratamento, editando leis e resoluções

que travaram do assunto, incrementando as operações. Porém, cerca de 1975,

as operações mantiveram-se estagnadas até 1978. E em 1982 o país chegou

ao auge das operações, computando um saúdo de dois bilhões e meio de

dólares de investimentos. E em 1984, as operações foram ampliadas,

admitindo-se então o leasing para pessoas físicas, para investimentos em

setores agropecuários, agro-industriais, e demais atividades rurais, além de

firmas individuais e trabalhadores autônomos e profissionais liberais. Com a

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universalização do instituto, uma comissão tem estudado a possibilidade de

adoção de regras uniformes internacionais para os contratos de leasing.

Vê-se, pois, que o contrato de leasing surgiu no Brasil como ferramenta capaz de

viabilizar o crescimento das empresas que, em dado momento, não dispunham de capital

suficiente para adquirir maquinários e atender a demanda comercial, assim, o leasing permitiu

que estas empresas pudessem lançar-mão desta inovação contratual para que, com os lucros

advindos do emprego dos equipamentos no atendimento à demanda, pagassem os aluguéis

oriundos do contrato, havendo ainda a possibilidade de comprar o equipamento arrendado.

Por conseguinte, o crescimento dessas empresas refletiu sobremaneira no crescimento do país,

mostrando-se o leasing um vantajoso contrato para ambas as partes (arrendador e

arrendatários).

O leasing fez tanto sucesso que resolveram estendê-lo não só as classes

comerciais, mas também para as pessoas físicas, conforme se depreende do texto de CARRO,

supra transcrito.

2.1.4 Natureza jurídica

Outro ponto espinhoso relativo ao contrato de leasing é a questão de sua natureza

jurídica. A doutrina também se mostra bastante controvertida nesse ponto. A legislação que

regulamenta o leasing não tratou sobre o assunto, deixando para a doutrina estabelecê-la,

dando azo a celeuma.

Há diversas opiniões sobre o tema, entretanto três correntes merecem atenção: a

que sustenta ser o leasing um contrato atípico; a que lhe atribui natureza financeira, e a que

diz ter o leasing natureza mista.

Os que lhe atribuem caráter atípico o fazem com base no fato da lei que o instituiu

ter abordado apenas os aspectos tributários, deixando as minúcias à cargo de resoluções de

competência do Bacen. De longe e strictu sensu, uma resolução é lei em seu sentido formal,

portanto, a repulsa de alguns em admiti-lo como contrato atípico. É um posicionamento

razoável, pois, diversos outros institutos são tratados por lei ordinária, como por exemplo, o

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contrato de compra e venda pela Lei Civilista que é lei ordinária, e o contrato de aluguel que

também é abordado em lei ordinária, de modo profundo (FRANÇA, 2009).

Ao leasing restaram apenas as resoluções que foram editadas no decorrer dos anos

que seguiram a sua regulamentação pela Lei 6.099/74.

Orlando Gomes (2008, p. 574) explica que “[...] muito embora resulte da fusão de

elementos de outros contratos, não pode ser considerado como contrato misto [...], porque tem

causa própria e já se tipicizou.”. No mais, completa que “até mesmo o leasing operacional não

deve ser enquadrado na locação, pois a prestação adicional de assistência técnica lhe modifica

a função.” E continua o autor:

Não é possível qualificar o leasing entre as modalidades de compra e venda apesar

de sua semelhança com a venda e a prestação clausulada com reserva de domínio. O

concedente do leasing não se obriga a transferir a propriedade dos bens entregues ao

tomador, como se sucede na venda com o referido pacto; tal obrigação nasce do

exercício, por este, da faculdade de opção que lhe é reservado ao contrato. [...].

Quanto ao leasing-back, a semelhança com a retrovenda não lhe atribui sua natureza

porque a finalidade do financiamento, como operação de crédito típica do contrato, o

afasta daquele pacto adjeto à compra e venda.

Como se percebe, não se sustenta o argumento de que o leasing teria natureza de

compra e venda, pois lhe falta o essencial para se configurar como tal, ou seja, a obrigação de

entregar o bem quando se verifica o seu termo. Tanto é assim que a Lei 6.099/74 prevê

tratamento diferenciado como forma punitiva, tendo em vista as benesses fiscais para àqueles

que contratam em leasing, quando celebrarem o negócio jurídico em desconformidade com o

estabelecido na norma. Ora, se o leasing tivesse natureza de compra e venda o legislador não

traria para a lei tal dispositivo, isto só firma a posição de que, embora pareça compra e venda,

com este não se confunde. Também não se sustenta a hipótese de se configurar uma

retrovenda no que concerne a espécie de leasing-back. Basta lembrar que a retrovenda só

existe em função do instituto da compra e venda, quando avençada entre as partes que

participam do contrato de compra e venda. A regra é que o acessório siga o principal, e não o

inverso.

Muito embora o leasing guarde algumas similitudes com o contrato de compra e

venda a prestação, bem como com a locação, está muito mais próximo do financiamento

creditício (GOMES, 2008, p. 574).

Veja-se, por exemplo, o que escreve Angélica Carro (2009) a respeito deste ponto:

O financiamento é o meio pelo qual a instituição financeira concede crédito à

terceiro, para aquisição de bens, recebendo deste o crédito que lhes cedeu, mediante

pagamento de taxas de juros fixadas, capaz de sustentar os lucros da instituição e

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custos administrativos e financeiros. Assim como no financiamento estão incluídas

no valor final da operação, lucros e custos, os contratos de "leasing" também estão

compostos por tais elementos.

Para o pagamento das prestações, como já explanado alhures, tem-se o valor do

aluguel, a depreciação do bem e a essência do financiamento: lucros e custos, pois as

prestações são fixadas bem além do valor ideal para locação.

No financiamento há transferência da propriedade, muito embora alienada,

configurada no passivo do adquirente. No leasing isto não ocorre, exceto com o exercício da

opção de aquisição do bem pelo consumidor, depois de pago o Valor Residual Garantido

(VRG).

Também não se pode confundi-lo com o contrato de aluguel, tendo em vista que

as prestações, fixadas por ocasião do uso do bem, estão acrescidas de juros e taxas

administrativas que descaracterizam, por completo, o aluguel. Corroborando com o

pensamento exposto, as parcelas do leasing correspondem a quase que o valor total do bem,

ficando para o VRG valor quase que simbólico em relação ao valor do bem no mercado.

Desse modo, não é certo dizer que o leasing nada mais é que um contrato de aluguel com uma

nova roupagem, pois tem ele características próprias.

Por tudo isso, mais acertada a corrente majoritária que defende a natureza mista,

do leasing, haja vista os vários pontos de contato existente entre ele e outras modalidades

contratuais abordados pelo Regramento Civilista.

2.1.5 Espécies de leasing

Há várias espécies de arrendamento mercantil, entretanto, convém aqui destacar

apenas três delas: o leasing financeiro, o leasing back ou de retorno e, por último, o leasing

operacional ou reting. Entre elas, merece atenção especial o leasing financeiro, por ser a

espécie mais recorrente no nosso meio comercial, sendo este o enfoque desse trabalho.

a. Leasing financeiro

Como já abordado acima, é a modalidade de arrendamento mercantil mais

praticada no nosso país. Em suma, é o instituto jurídico financeiro de contração de obrigações

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na qual uma pessoa, a pedido de outra, adquire um bem de terceiro, nas especificações

indicadas pelo primeiro. Desse modo, identificam-se, nessa modalidade de leasing, três

sujeitos que compõem a relação. O arrendatário, que indica o bem que deverá ser adquirido

pelo ente financeiro, ficando com ele caso decida pagar o Valor Residual Garantido. O

arrendador ou empresa arrendadora, que adquirirá o bem de um terceiro de acordo com as

especificações do arrendatário. E por último, a empresa fornecedora – pode este ainda ser

pessoa física - que fornecerá o bem que deverá ser adquirido pela empresa arrendadora. Note-

se, contudo, que a empresa fornecedora é um terceiro na relação existente entre arrendatário e

a empresa arrendadora. Assim, nada tem a ver com essa relação, apenas guardando vínculo

com a empresa fornecedora.

Aproveitando o que narra Irineu Strenger (2003, p. 415) sobre as características

dessa espécie, temos:

a) O arrendador não é fabricante do bem objeto do leasing, apenas entidade financeira

que irá adquiri-lo junto à outra empresa. Age como intermediário financeiro com a

única finalidade de conseguir o bem objeto do leasing;

b) Há, ainda que implicitamente, relação de mandatário entre a empresa arrendadora e o

arrendatário8 já que aquela adquire o bem de acordo com as especificações deste;

c) Não há limitações impostas ao arrendatário salvo as de utilizar o bem tal como

especificações do fabricante;

d) As taxas ou prestações cobradas pela empresa arrendadora compreendem a diferença

entre o Valor Residual Garantido e as inversões realizadas mais os encargos incidentes

próprios da operação;

e) As despesas com o bem, tal como assistência técnica, correm por conta do

arrendatário. A empresa arrendadora se compromete apenas em dispor o bem ao

arrendatário.

8 No que diz respeito ao fato de ser o arrendador mandatário do arrendatário, não é um entendimento tranqüilo.

Roberto Gonçalves (2007:660) diverge desse entendimento afirmando que, antes de adquirir o bem para o

arrendatário, o bem pertence ao fornecedor (terceiro). Nos filiamos a essa corrente haja vista que a primeira

corrente em nada tem haver com o instituto do mandato. Ora o mandato, na definição de Marcus Cláudio

Acquaviva (2003, p. 515), é: “[...] Contrato pelo qual alguém, denominado de mandante, determina que outrem,

denominado de mandatário, atue em seu nome, praticando determinados atos. [...]” não é o simples fato de agir,

mas agir em nome de alguém. Assim, quando a empresa arrendadora adquire o bem na empresa fornecedora o

faz em nome próprio e não no nome do arrendatário, adquire para si com a finalidade comercial. Não podemos

falar, desse modo, em mandato, já que o bem pertence a empresa arrendadora não havendo nenhuma relação

entre a empresa fornecedora e o arrendatário. Há, in casu, tão somente uma relação de consumo entre a

empresa arrendadora e o arrendatário consumidor.

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As diferenças existentes entre as modalidades de leasing não possuem pontos de

contatos capazes de causar confusão nas suas definições. As diferenças são bastante

acentuadas. Deixa-se a cargo do leitor observá-las, tendo em vista a sua clareza.

b. Leasing operacional

Outra modalidade de arrendamento mercantil é o leasing renting ou leasing

operacional. Nesta modalidade, o bem adquirido pelo arrendatário compõe o patrimônio do

arrendador. Em outras palavras, o bem já pertence ao arrendador, sendo esse um dos pontos

diferenciadores desta modalidade de leasing. Entretanto, há outras diferenças como o valor

máximo aplicado não poder ser superior a 75% do valor do bem. O VRG é bastante

expressivo para aquele que opta por essa modalidade de leasing. É esta uma das melhores

modalidades de leasing para empresas, tendo em vista que, em sua grande parte, há o dever

contratual, do arrendador, de prestar assistência técnica ao bem objeto do leasing. Se

levarmos em consideração as peculiaridades de certa máquina que necessita de assistência

técnica especializada, e que boa parte dessa assistência não exista na sua região, veremos que,

essa modalidade é uma boa opção para uma empresa.

Fran Martins (2001, p 456) aponta como diferença fundamental entre o contrato

de leasing financeiro e o operacional, o seguinte:

[...] O que distingue essencialmente o leasing operacional do leasing financeiro é o

fato de que, enquanto neste há sempre a cláusula da obrigatoriedade do contrato por

todo o período do arrendamento, leasing operacional o contrato pode ser rescindido

a qualquer momento pelo arrendatário, desde que haja um aviso prévio. [...]

Não que no leasing financeiro a parte não possa desistir do avençado. O fato é

que lá há cláusula impondo o cumprimento do contrato até o seu término, ou seja, tendo em

vista o término normal do contrato, na modalidade de leasing operacional, tal cláusula não

existe, podendo qualquer das partes resilir9 o contrato quando bem entender, observando-se,

9 Embora Fran Martins tenha o usado o termo „rescindir‟ como se depreende da citação supra colacionada, o fato

é que, em nome da boa técnica jurídica, o termo seria „resilir‟ haja vista que, como se verá no capítulo posterior,

que a resilição é o meio pelo qual a parte ou as partes resolvem finalizar o contrato antes de alcançado o seu

termo normalmente, portanto, pauta-se na vontade de não contratar. A rescisão contratual, por seu turno, é o

meio pelo qual a parte termina o contrato antes do aprazado, tal como na resilição, mas que este o faz com lesão

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contudo, o que será dito, posteriormente, no tópico referente à extinção dos contratos. São

contratos com pouca duração e os riscos da coisa correm por conta do arrendador10

, pelo fato

de que este continua no nome da empresa arrendadora, daí o porquê da assistência técnica ser

de responsabilidade do arrendador, devendo ao término do contrato ser devolvido em

condições de uso normal que permita ao arrendador continuar com a sua atividade de

arrendamento. É claro nos casos em que o arrendatário não resolva ficar com o bem, quando

assim clausulado.

Não podemos deixar de mencionar a divergência existente na nomenclatura

„reting‟. Há autores que afirmam ser o leasing renting outra modalidade contratual11

, outros

afirmam ser o leasing renting o mesmo que leasing operacional12

, ou seja, são termos

sinônimos. A divergência em nada acrescenta ao nosso estudo, entretanto fazemos a ressalva

para alertar o leitor sobre as diversidades de nomenclaturas bem como a variedade de espécies

que podem surgir de um autor para outro.

c. Leasing back

Nesta espécie, o bem pertencente a uma pessoa jurídica, é vendido à outra pessoa

também jurídica, sendo que, de forma simultânea à venda, é celebrado o contrato de leasing

entre o vendedor e comprador, passando o vendedor a ser arrendatário e o comprador a ser o

arrendador na relação contratual de leasing agora estabelecida. Veja-se, pois, que o bem nem

chegou a sair da esfera da posse do arrendatário, antigo proprietário do bem. É também

chamada de leasing de retorno tendo em vista que o bem sai da esfera da propriedade do

arrendatário, ora vendedor, passando a esfera do bem do arrendador, ora comprador, voltando

para aquele na forma da posse do bem, aliás, diga-se de passagem, nem mesmo chegou a sair

de sua posse, entretanto, só possui agora, tão somente só, a posse, não mais a propriedade.

ao direito da outra parte, por tanto os dois institutos, embora sejam indicativos de término de relação contratual

de modo anormal, são, sobretudo, diferentes em suas definições e efeitos. 10

Fran Martins, op. cit. p. 456. 11

Maria Helena op. cit., p.723). 12

Fran Martins, ibid., p. 457.

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3 NOÇÕES GERAIS SOBRE CONTRATOS

3.1 Conceito de contrato

O contrato é o instrumento pelo qual se materializa uma avença realizada por duas

ou mais pessoas com o intuito de modificar, criar ou extinguir direitos (Gonçalves, 2007). É a

forma mais usual de realização de obrigações. Seja em sua modalidade tácita ou escrita, o

contrato está presente quase que diariamente na vida do homem moderno. Contratamos quer

quando compramos o ingresso para assistir ao jogo do nosso time favorito, quer quando

compramos o bilhete da passagem do ônibus, ou até mesmo quando casamos.

O contrato não tem como objeto apenas bens materiais, mas também imateriais.

Pode se estabelecer um contrato que disponha sobre um bem imóvel ou até sobre as próprias

condições de vida de quem contrata.

O Código Civil traz um capítulo inteiro dedicado a regular a disposição de

obrigações pela via contratual, como forma de realização do negócio jurídico havido entre as

partes. Explica Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 2), que o contrato é “[...] uma espécie de

negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo menos duas

partes.”. Assim, o negócio jurídico seria o gênero do qual o contrato encaixa-se como espécie,

o que não merece nossa inteira anuência, data vênia do entendimento do renomado autor. Na

verdade, entendemos ser o contrato apenas um instrumento no qual se assenta as diretrizes

que nortearão o negócio jurídico ali estipulado, por meio de suas cláusulas.

Há também algumas leis esparsas que regulam outras formas negociais que não

estão tratadas no Código Civil, tal com a Lei 8.245/ 91 (Lei do inquilinato). Tendo em vista as

suas peculiaridades, preferiu o legislador abordá-la em lei especial.

O fruto da vontade das partes é estipulado, então, no instrumento contratual, a

partir da disposição das cláusulas. Via de regra, as partes deveriam poder discutir as cláusulas

traçando condições que resultem em vantagens para ambos os lados, pois, parte-se do

pressuposto de que a ninguém interessaria contratar com perceptível desvantagem para si,

salvo no caso de vício de vontade. Ocorre que, com a massificação das relações, a fim de

atender a uma demanda negocial intensa, nem sempre estas cláusulas podem ser discutidas,

estando o instrumento pronto apenas para adesão ao não do interessado em contratar, sem

possibilidade de discussão do conteúdo de forma pessoal e individual. E isso não desvirtua a

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natureza contratual, pois ainda assim haverá uma chance de uma parte anuir ou não ao que foi

disposto, unilateralmente, pela outra.

O que se vê, em suma, é que o contrato perdeu muito de suas características

originárias, tendo em vistas as exigências da sociedade moderna, principalmente no tocante à

discussão das cláusulas contratuais.

3.2 Princípios norteadores dos contratos

Há uma série de princípios norteadores dos contratos. Alguns devem ser

observados na fase de elaboração e assinatura dos contratos, enquanto outros servem como

norteadores para decisão de conflitos gerados a partir das relações neles contidas. São

divergentes as classificações doutrinárias de tais regras gerais, assim destaca-se abaixo apenas

o que é mais convergente entre os autores, e de maior relevância para o foco desta pesquisa.

Em primeiro lugar, o princípio da autonomia das vontades, segundo o qual as

partes podem estabelecer as avenças de acordo com os seus desejos, sendo estes a mola

propulsora do negócio jurídico em comento. Maria Helena Diniz (2007) vai mais além,

dizendo que este princípio se manifesta sob três formas, quais sejam: A liberdade de contratar,

a liberdade de escolher o outro contraente e a liberdade de fixar o conteúdo do contrato. Pela

liberdade de contratar, aqueles que convergiram suas vontades com o fito de estabelecer um

negócio jurídico, em regra o podem fazer como bem entenderem, entretanto, adverte a

renomada autora, que esta liberdade sofre mitigação tendo em vista que alguns produtos e

serviços impõem a contratação quase compulsória de determinadas empresas fornecedoras.

Como exemplo disso temos as concessionárias de energia elétrica e água. Nesses casos há

uma limitação da liberdade de escolha, elemento integrante do princípio da autonomia da

vontade das partes, e que incidirá sobre a pessoa com quem se contrata.

De outra banda, aproveitando o mesmo exemplo, as concessionárias de serviços

públicos também podem escolher aqueles que serão seus clientes – mesmo que só nos casos

em que a lei expressamente autorizar.

Outrossim, integra ainda o princípio da autonomia das vontades a liberdade de

fixar o conteúdo do contrato, e é neste ponto que entendemos residir a válvula de controle

para que se faça valer a função social do contrato, por meio do judiciário, nas revisões de

contratos quando reclamada a presença do Estado-juiz, para dirimir conflito, pautado no

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desequilíbrio contratual. É por meio do dirigismo contratual que o Estado tem constantemente

interferido nas vontades das partes para atender a função social, deste instrumento. Na versão

de Maria Helena Diniz (2007, p. 26):

O princípio da autonomia da vontade sofre, portanto, restrições, trazidas pelo

dirigismo contratual, que é a intervenção estatal na economia do negócio jurídico

contratual, por entender-se que, se se deixasse o contratante estipular livremente o

contrato, ajustando qualquer cláusula sem que o magistrado pudesse interferir,

mesmo quando uma das partes ficasse em plena ruína, a ordem jurídica não estaria

assegurando a igualdade econômica. A expressão dirigismo contratual é aplicável às

medidas restritivas estatais que invocam a supremacia dos interesses coletivos sobre

os meros interesses individuais dos contraentes, com o escopo de dar execução à

política do Estado de coordenar os vários setores da vida econômica e de proteger os

economicamente mais fracos, sacrificando benefícios particulares em prol da

coletividade, mas sempre conciliando os interesses das partes e da sociedade. (grifo

nosso)

A ingerência do Estado se funda, então, no objetivo de manter a ordem social,

tendo em vista que o desequilíbrio econômico de um indivíduo a ponto de levá-lo a ruína

pessoal, certamente trará conseqüências desastrosas para a sua família e a sociedade como um

todo. Nesse desiderato, a ação estatal é preventiva, criando diretrizes legais que visam o

controle de prováveis causas que podem, se verificadas em uma relação contratual, levar uma

das partes à ruína. Age de modo curativo ao permitir, também, por meio da lei, tanto a revisão

como a declaração de nulidade das cláusulas. Portanto, há de se encarar o princípio da

autonomia da vontade sob um verdadeiro tripé: liberdade de escolher, liberdade de contratar e

liberdade de fixar o conteúdo do contrato.

Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 23), em análise diversa, atribui como causa

da mitigação sofrida pelo princípio da autonomia da vontade das partes, o princípio da

supremacia da ordem pública afirmando que:

O princípio da autonomia da vontade, como vimos, não é absoluto. É limitado pelo

princípio da supremacia da ordem pública, que resultou da constatação, feita no

início do século passado e em face da crescente industrialização, de que a ampla

liberdade de contratar provoca desequilíbrios e a exploração do economicamente

mais fraco.

O autor pondera que a liberdade contratual precisou de freios a fim de não

ocasionar desequilíbrio nas relações negociais. E outra forma de controle não se enxergou,

senão pela intervenção do Estado, como ocorreu com a edição do Código de Defesa do

Consumidor.

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Prossegue Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 24-25) explicando que “no campo

intervencionista, destinado a coibir abusos advindos da desigualdade econômica mediante a

defesa da parte economicamente mais fraca, situa-se ainda o princípio da revisão dos

contratos ou da onerosidade excessiva, baseado na teoria da imprevisão, (...)”. Outrossim, “a

intervenção do Estado na vida contratual é, hoje, tão intensa em determinados campos

(telecomunicações, consórcios, seguros, sistema financeiro etc.) que se configura um

verdadeiro dirigismo contratual.” Destarte, o Estado se faz presente nas relações contratuais

traçando linhas-guias para servir de observação obrigatória por parte daqueles que contratam,

visando o controle dos problemas sociais que, ocasionalmente, possam surgir, limitando a

vontade das partes, submetendo-a ao interesse coletivo.

Já o princípio do consensualismo preconiza que basta apenas a convergência de

vontades para que o contrato produza seus efeitos validamente. Há contratos, no entanto, que

exigem o cumprimento de certas formalidades como condição para que o instrumento possa

ter efeito. Visa a lei, nesses casos, dar maior respaldo, prevenindo vícios que poderiam

facilmente ocorrer se o contrato pudesse ser celebrado de outro modo. Esse princípio, de certo

modo, dispensa maiores digressões, pois, os contratos são, em regra, consensuais.

O princípio da probidade e da boa-fé exige das partes, ao contratar, um agir

condizente com boa conduta, com honradez e retidão. A regra é geral para todos os contratos

e está expressamente prevista no art. 42113

do CC. A boa-fé se biparte em boa-fé subjetiva e

boa-fé objetiva. A boa-fé subjetiva já era exigida pelo antigo Código Civil, sendo aquela em

que o indivíduo age conforme seu entendimento do que seja certo ou errado, ou seja, pauta

sua conduta dentro dos conceitos que tem, em si mesmo, sobre os aspectos do bom

comportamento, do que seja moralmente correto. Para Carlos Roberto Gonçalves (2007, p.34-

35), “diz respeito ao conhecimento ou à ignorância da pessoa relativamente a certos fatos,

sendo levada em consideração pelo direito, para os fins específicos da situação regulada. [...]

diz-se „subjetiva‟ justamente porque, para sua aplicação, deve o intérprete considerar a

intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção”. Assim,

deve o julgador analisar a questão sub judice sob o prisma daqueles que compõem a relação

contratual, dentro do conceito que eles próprios têm no tocante ao negócio, analisando tudo

dentro do velho conceito do homem médio.

A inovação do código está, justamente, na boa-fé objetiva. É esta que determina o

comportamento que deve ser externado na relação contratual, agindo de acordo com padrões

13 Art. 421. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os

princípios de probidade e boa-fé.

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sociais já conhecidos, por todos seguidos. É aquela conduta que denota confiança perante os

demais que compõem a relação contratual. É o comportamento que honra a avença em todos

os seus termos.

Noutro ponto, o princípio da relatividade dos contratos informa que o mesmo só

cria laços obrigacionais entre as partes que dele participem. É diretamente ligada a autonomia

da vontade das partes, pois, se o contrato tem com marco inicial a vontade dos contratantes

em firmar obrigações entre si, não faz sentido, ressalvadas as exceções criadas por lei, que

terceiros sejam forçados a cumprir com o que não avençaram. Como toda regra de direito

possui exceções, com esta não seria diferente. Embora este princípio inspire o vínculo

somente entre as partes que anuíram ao contrato, nos termos de suas cláusulas, é preciso falar

que, por vezes, o negócio jurídico nele estabelecido surtirá efeitos contra terceiros14

. Por

exemplo, o contrato celebrado pelo de cujus será transmitido aos herdeiros universais que, não

renunciando ao seu quinhão, também herdarão as dívidas que compõem o seu patrimônio até

o limite da herança (DINIZ, 2007, p. 32).

E inobstante ao fato do que já foi advertido sobre a variedade de classificações

doutrinárias acerca dos princípios orientadores dos contratos, acredita-se serem esses os mais

importantes para a abordagem do assunto neste trabalho.

3.3 Contrato de adesão

A sociedade em que vivemos hoje, não é mais a mesma. Deixamos de ser uma

sociedade se subsistência e passamos a produzir cada vez mais. A produção que antes se dava

no próprio âmbito das casas de família, cedeu espaço para as grandes empresas que, com suas

máquinas, passaram a produzir em larga escala visando a atender a demanda crescente de

bens de consumo. O marco: a Revolução Industrial. O mundo saiu de um comércio baseado

no artesanato, na manufatura e no simples extrativismo, para galgar uma sociedade de

consumo em larga escala, dando vazão às chamadas necessidades de segunda categoria. O

homem, a partir da condição de trabalhador remunerado, passou a dispor de renda fixa que

propiciou profundas mudanças em seu comportamento.

14 Terceiros são aqueles que não guardam nenhuma relação com o negócio pelo qual foram afetados, são aqueles

que não sofreram, via de regra, os efeitos do contrato e nem os benefícios dele decorrentes.

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Mais recentemente, novo marco: a revolução mercadológica. As formas

contratuais eletrônicas deram vazão a um grande e significante mercado de relações em

massa, atingindo um patamar tal de desenvolvimento que até mesmo as linhas limítrofes das

fronteiras geográficas foram superadas pela globalização através da internet.

O mercado encontrou um meio mais rápido e fácil de fazer circular os seus

produtos e serviços, aliados a produção acelerada das linhas industriais automatizadas,

atendendo de modo mais eficiente à demanda crescente de consumo. Nesse contexto,

imperiosa a criação ou adaptação de instrumentos jurídicos que acompanhem o ritmo da

referida evolução mercadológica. Entre os exemplos de tais instrumentos, tem-se o contrato

de adesão, facilitador de escoamento dos produtos e serviços ofertados, sem prescindir da

segurança necessária para a conclusão de seus negócios.

O contrato de adesão possui cláusulas pré-estabelecidas por uma das partes, às

quais, a outra parte, o aderente, irá tão somente anuir. Se não fosse dessa forma ficaria

praticamente impossível materializar as relações de consumo tendo em vista a velocidade com

que as vendas se realizam além de um mercado de consumo cada vez maior que, como já

falamos, não sofre mais com as questões diplomáticas relativas às fronteiras, bem como do

idioma, já que nem precisamos mesmo sair de casa para comprar algo.

Imagine-se, por exemplo, que todas as vezes que alguém fosse comprar ou

contratar algo nos dias de hoje, tivesse que discutir as cláusulas de um contrato para que, só

depois, se efetuasse a venda do produto ou serviço que se pretendesse adquirir. Certamente o

volume das vendas seria muito baixo, sem contar com o dispendioso tempo perdido para se

realizar uma simples operação.

Para resolver esse tipo de necessidade é que surgiu o contrato de adesão, e na sua

contrapartida a possibilidade da parte que dispõe seus termos, unilateralmente, praticar

abusos. Como antídoto, surge na esteira o Código de Defesa do Consumidor, com a missão

constitucional de manter o equilíbrio entre as partes contratantes, tratando de maneira desigual

os desiguais.

A Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) traz uma nova forma de ver o

contrato, diferente daquela empregada pelo regime civilista. Na lição de Otavio Luiz

Rodrigues Junior (2006, p. 159):

Após a vigência da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, criou-se um novo

sistema contratual no âmbito das relações de consumo, fundado nos seguintes

princípios: (a) socialização da teoria contratual; (b) imposição do princípio da boa-

fé; (b) intervencionismo estatal na edição de leis limitadoras do poder de auto-

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regulação de cláusulas contratuais e a determinação do conteúdo de alguns em

atividade essenciais, além de permitir ao Poder Judiciário controlar a economia

contratual, através da proibição do cumprimento de cláusulas abusivas.

A julgar pelos princípios norteadores das relações contratuais consumeristas, o

manto protetor do CDC milita em favor do consumidor por ser este reconhecidamente o elo

mais fraco da relação contratual. E ao longo deste trabalho se verá que a onerosidade

excessiva como argumento de revisão do pacto não goza, no CDC, dos rigores ínsitos às

relações contratuais realizadas sob o regime do Diploma Civil. Embora haja limites para a

utilização deste argumento, a bem de não por em risco a segurança, abrindo uma perigosa

“brecha” para caloteiros, em nada tais exigências se aproximam das nuances do instituto no

Direito Civil.

3.4 Extinção dos Contratos

Uma vez estudado o conceito de contrato, cabe fazer um estudo das suas formas

de extinção. Considerando que o contrato se funda na convergência de vontades com o fito de

constituir direitos, podem estas também extingui-los ou mesmo modificá-los. Na verdade, as

partes assinalam no corpo do instrumento escrito, o início de uma obrigação, anuindo ao que

foi ali acordado, obrigando-se, cada um, a cumprir aquilo a que se dispôs com a avença. E é

obvio que se há a livre disposição de um termo inicial haverá também o termo final, que

poderá vir marcado ou não pela satisfação do objeto contratual.

Quando apostas as assinaturas pelas partes no corpo do contrato, sendo livre a

declaração da vontade expressa15

, mesmo no caso do contrato de adesão admite-se que houve

aceitação tácita por uma das partes, observada, é claro, a restrição legal prevista no art. 111 do

Código Civil: “o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou usos o autorizarem, e

não for necessária a declaração de vontade expressa”.

Trocando em miúdos, onde a lei determina que a vontade deva ser expressa, esta

deve ocorrer da maneira tal como exigida para que se tenha uma obrigação válida. De outra

15 Segundo Silvio Venosa (2005, p. 467) há duas formas de manifestação da vontade: uma direta outra indireta.

Na direita, a manifestação da vontade é perceptível por sinais externados de modo inequívocos, por gestos, pela

fala ou escrita, quando estas atitudes revelem uma intenção. Na indireta, quando a intenção das partes, na

intenção de contratar, é inferida por meio um comportamento negocial. O comportamento do agente se manifesta

por meio de um contrato.

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banda, quando a lei não faz restrição quanto à expressão da vontade de modo escrito, esta

pode ocorrer de forma tácita, desde que em conformidade com usos e costumes existentes ao

tempo e local do que se pretendia estabelecer como uma relação contratual tácita.

Um detalhe neste ponto da pesquisa é importante: a informalidade como regra

para os contratos de consumo. Como visto, a Lei Civil traz restrições no que diz respeito aos

contratos tácitos, que ocorrem com muito mais freqüência nas relações de consumo.

Assim esclarece Claudia Lima Marques (2006, p. 67):

Por fim cabe lembrar que nas relações de massa nem sempre os contratos serão

feitos por escrito, pois, ao lado dos contratos de adesão, expressos em formulários,

existem os contratos orais, a aceitação através da chamada condutas sociais típicas,

os simples recibos, os tickets de caixas automáticas.

É o caso da oferta, segundo o tratamento que lhe foi dado pelo legislador no CDC,

vez que ela vincula aquele que a veicula ou faz veicular a informação precisa, de qualquer

modo feita, que passa a integrar o contrato. Quando o consumidor vai a uma loja em busca de

um produto anunciado em meios de comunicação de massa, anui o consumidor à proposta

realizada pelo fornecedor na exata medida da oferta publicitária. Isso nada mais é do que uma

forma de contrato tácito, onde a avença não foi escrita, as cláusulas estão representadas pelas

condições da oferta, e as formas de resolução encontram-se estipuladas na lei, no caso,

consumerista. A Lei Consumerista resguardou também os contratos tácitos para não deixar

sem amparo legal os contratos não escritos, aumentando, assim, a guarida ao hipossuficiente,

contra os abusos praticados com freqüência nas relações de consumo.

É preciso ter em mente que o fito do contrato é o alcance de seu objeto, tal como

firmado pelas partes quando de sua constituição. No contrato de compra e venda, por

exemplo, aquele que vende tem por objetivo auferir os dividendos decorrentes da operação de

venda, já o comprador, tem por escopo agregar ao seu patrimônio o objeto da relação

contratual. Desse modo, conclui-se que, o contrato se extingue, normalmente, com o alcance

de seus objetivos, com a realização das avenças.

Ao falar da instabilidade do contrato, Otávio Luiz (2002, p.74) nos revela a forma

normal em que se dá o termo contratual: “A estabilidade subjetiva-objetiva do contrato

somente deveria ser afetada com sua extinção normal, decorrente do cumprimento ou da

execução de suas prestações”.

De modo geral, há duas formas de extinção dos contratos: a extinção normal e a

anormal. A extinção normal se dá pela satisfação bilateral do avençado na relação contratual,

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dizendo-se, assim, que houve a execução do contrato, que equivale a dizer que o contrato foi

cumprido na íntegra, tal como o avençado (RODRIGUES Jr., 2002, p.75).

A extinção anormal, por seu turno, é aquela em que o avençado não foi cumprido,

seja por causas intrínsecas ou extrínsecas ao contrato, concomitantes ou supervenientes, mas

que exercem tamanha influência no pactuado que impossibilita ou torna onerosa em demasia,

a sua conclusão, para uma das partes ou até mesmo para tantos quantos sejam os que

compõem o pacto contratual.

Minudenciando, é possível que fatos concomitantes ao ato de contratar resultem

na sua inexecução, não permitindo o seu desfecho normal. Fatos concomitantes são aqueles

que ocorrem no momento em que a avença está sendo estabelecida. Pode ser um fato tal como

a inobservância de norma cogente na elaboração do contrato, como é o caso da elaboração de

um contrato por um menor, sem representação ou assistência.

Por outro lado, é possível ainda a ocorrência de fatos supervenientes, ocorridos

depois de firmada a relação contratual, impossibilitando sua normal execução. Diferentemente

dos fatos concomitantes, o que impossibilita a continuidade normal do contrato está em fato

localizado na esfera extracontratual. Tais fatos podem ser classificados como resolução,

resilição e rescisão.

Resolução do contrato ocorre quando há o descumprimento de obrigação por uma

das partes. Conceituando, Orlando Gomes (apud VENOSA, 2005, p. 532) diz que “é um

remédio concedido à parte para romper o vínculo contratual mediante ação judicial.” Por isso,

não cabe à parte deixar de cumprir a avença, dando o contrato por resolvido, enquanto não

houver a declaração de resolução do vínculo por meio de sentença judicial isto, é claro, que

nos casos em que a resolução se dê com base em cláusula resolutória tácita haja vista o teor

do art. 47416

do CC atual. Aquele que deu azo ao descumprimento deverá arcar com todos os

ônus decorrentes da inobservância clausular.

Segundo Maria Helena Diniz (2007, p. 162), a resolução pode ser encarada das

seguintes formas: resolução por inexecução voluntária, resolução por inexecução contratual

involuntária e resolução por onerosidade excessiva.

A resolução contratual involuntária ocorre por fato alheio a vontade dos

contratantes (DINIZ, 2002, p. 162). Sua justificativa firma-se na seara do caso fortuito e força

maior. Nessas situações, embora possa ser previsível o evento, os efeitos ocasionados pelo

surgimento não podem ser evitados. Exemplificando, é o caso em que há previsão de chuvas

16 „A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpretação judicial.‟

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para região além do índice pluviométrico médio, mas as pessoas contrataram junto ao banco,

financiamentos para plantação, sendo depois seriamente atingidas pelas chuvas, vindo a

perder tudo que plantaram, ficando sem condições de honrar os compromissos assumidos

junto ao banco, tal como avençado no contrato de financiamento. Ora, o evento era totalmente

previsível, embora estejamos diante de um estudo meteorológico onde variações temporais

podem ocorrer, entretanto, tal previsibilidade, não tem o condão de descaracterizar o motivo

de força maior, por fugir tal previsão da razoabilidade que se espera de um homem médio.

Sabe-se que irá chover durante o ano, pois isso é natural, entretanto, fazer previsões

alarmantes, já não parece normal, assim como, não é razoável exigir que uma pessoa comum

possa prevê que tal evento ocorrerá em tão avantajadas proporções. Como asseverado por

Clóvis Beviláqua, citado por Otávio Luiz Rodrigues (2006, p. 95):

Não é, porém, a imprevisibilidade que deve, principalmente, caracterizar o caso

fortuito e, sim, a inevitabilidade. E porque a força maior também é inevitável,

juridicamente, se assimilam estas duas causas de irresponsabilidade. Uma seca

extraordinária, um incêndio, uma tempestade, uma inundação produzem danos

inevitáveis. (...) o caso fortuito ou de força maior é o fato necessário, cujos efeitos

não era possível evitar ou impedir.

Logo, percebe-se que o conceito de imprevisibilidade, embora importante na

constituição do caso fortuito e de força maior, não é conditio sine quo non para a configuração

dessas figuras jurídicas responsáveis pela resolução por inexecução contratual involuntária. É

um dos elementos que compõem essas figuras, contudo, não é o elemento essencial para a sua

ocorrência.

Já a resolução por inexecução voluntária ocorre quando uma das partes, por

liberalidade não cumpre o estabelecido no contrato, dizendo-se assim, que houve o

inadimplemento do contrato. Nesta espécie de extinção contratual há culpa por parte do

inadimplente, do devedor. Decorre que, tendo em vista a culpa, algumas conseqüências

jurídicas surgirão para o devedor.

Seguindo os ensinamentos de Maria Helena Diniz (2007, p. 161), temos:

I. O contrato será extinto com efeitos ex tunc, caso seja de prestação única, e

ex nunc, caso seja o contrato de prestações sucessivas. Em outras palavras,

sendo ex tunc os efeitos, as relações jurídicas oriundas deste contrato são

consideradas inexistentes, como se nunca tivessem existido. Para ser mais

claro, as coisas voltam ao status quo ante. Nos contratos de trato

sucessivo, como os efeitos são ex nunc, não retroagindo, assim, ao início

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do contrato, as coisas permanecerão no estado em que se encontram, logo,

as prestações cumpridas não serão devolvidas.

II. Os créditos de terceiros serão afetados, neste caso há mitigação dos efeitos

ocorridos nos casos do primeiro efeito, havendo aquisição de direito real

por parte do terceiro. Ao credor da relação contratual inadimplida só

caberá a indenização por perdas e danos, muito embora Maria Helena

alerte sobre controvérsia existente neste ponto. Logo, aquele que ao anuir

em um negócio jurídico paralelo, a outro, pré-estabelecido entre partes

diversas, não pode ser afetado pela resolução de um contrato do qual não

participa em homenagem à segurança jurídica e ao princípio da

relatividade dos contratos aqui já estudados corolário do princípio da

autonomia da vontade.

III. Haverá o ressarcimento, a indenização por perdas e danos e lucros

cessantes, em todos os contratos cuja resolução se der por culpa de uma

das partes. Nesses casos, pode-se exigir que se paguem os prejuízos

sofridos além da resolução do contrato. Nada mais justo que seja o credor

indenizado em seus lucros cessantes, além das perdas e danos, haja vista

que, quando contratamos com alguém, criamos uma expectativa para

ambas as partes da relação, uma provisão sobre o que se pretende colher

dentro do que fora estabelecido no contrato, com a concepção de que o

contrato tenha sua normal resolução que é com a satisfação do objeto

contratual por ambas as partes.

Por fim, temos a resolução por onerosidade excessiva, que ocorre quando a

resolução normal do contrato se mostra inviável para uma das partes, posto que sua conclusão

representa onerosidade exacerbada para um e lucro absurdo para outro. Em outras palavras, o

seu término normal é impossível haja vista implicar em ruína pessoal de uma das partes,

ferindo o princípio da eqüidade contratual e a função social do contrato.

Há certa resistência da jurisprudência em acatar o argumento de excessiva

onerosidade para a resolução do contrato, quando esta tenha por base o argumento a alteração

da realidade econômica e a impossibilidade econômica pessoal. Para a maioria, as alegações

com base na ruína pessoal ou na realidade econômica não podem ser admitidas, haja vista os

riscos inerentes a liberdade de contratar. Sobre o assunto, explica Otávio Luiz Rodrigues

(2002, p. 113-117):

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Já a impossibilidade econômica pode ser analisada sob dois aspectos: (a) o

superveniente empobrecimento do contratante; (b) a alteração da realidade

econômica. Em ambos os casos, tornar-se-ia insuportável a continuidade da

execução do contrato. Porém, nenhuma dessas hipóteses merece ser aplicada para

justificar a teoria da imprevisão no direito comum. A superveniência de condições

pessoais adversas, que dizem respeito ao patrimônio do devedor ou às condições de

sua existência material, não pode ser invocada sob o color de impossibilidade

econômica, e, com base nisso, admitir-se a imprevisão. A ruína pessoal ou societária

há de ser tratada como risco nas atividades negociais, impondo-se ao solvens

inadimplente sofrer o processo de execução forçada e, configurada a sua

incapacidade econômica, transmudar-se em procedimento de execução civil por

quantia certa contra devedor insolvente, ou mesmo mediante os instrumentos

peculiares da falência, da concordata17

ou da liquidação extrajudicial.

Em sentido oposto, há quem sustente que a excessiva onerosidade está ligada às

causas de resolução, deixando a cargo da parte, caso queira dar continuidade ao contrato após

os devidos ajustes efetuados pela interferência estatal, anuir ou não pela continuidade do

contrato, sendo este, por exemplo, o entendimento de Maria Helena Diniz (2007, p. 164):

A onerosidade excessiva está adstrita à resolução e não à revisão contratual, mas

nada obsta que o interessado (réu da ação de resolução do contrato) se ofereça, ante

o princípio da conservação do negócio jurídico, na contestação ou transação judicial,

para modificar a prestação, evitando a rescisão do contrato (CC, art. 317 c/c 479) e

restabelecendo o equilíbrio contratual.

Ao que parece, a autora tem a onerosidade em excesso como um direito subjetivo

de quem resolve o contrato, podendo, caso queira, dar continuidade a avença uma vez

afastada a condição causal.

Além da resolução, temos ainda como formas de extinção, a rescisão e resilição

contratual. A resilição pode ser uni e bilateral. Partindo do conceito genérico, resilição é a

forma de extinção contratual onde os motivos não guardam nenhuma relação com

inadimplemento ou falta contratual de qualquer natureza. Na lição de Venosa (2005, p. 529),

“a resilição é a cessação do vínculo contratual pela vontade das partes, ou, por vezes, de uma

das partes. A resilição é, portanto, termo reservado para o desfazimento voluntário do

contrato.” Há simples vontade em por fim ao contrato, efetuando-se, para tanto, a denúncia.

Na resilição bilateral, as partes, em comum acordo, resolvem por fim a relação

contratual, fazendo, para tanto, um novo contrato. Um ponto marcante, diferente de qualquer

outra forma de extinção contratual, é que na resilição não há necessidade da intervenção

17 O instituto da concordata não mais existe em nosso direito tendo sido extinto por alteração da Lei de Falência

(Lei nº 11.101/2005) em seu lugar há um novo instituto chamada de recuperação judicial e extrajudicial.

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estatal para que seus efeitos sejam válidos. É o simples ato de declaração de vontade que criou

o pacto e, agora, põe fim a ele.

Na resilição unilateral, apenas uma das partes decide não mais manter laços

obrigacionais com a outra, fazendo a denúncia do contrato. Quanto a está espécie de extinção,

a Lei Civil atual fez uma pequena ressalva:

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o

permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito

investimentos consideráveis para sua execução, a denúncia unilateral só produzirá

efeitos depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e vulto dos

investimentos.

Desse modo, vemos que não pode uma das partes se utilizar do instrumento da

resilição unilateral sem que leve em conta os investimentos que a outra parte fez para que o

contrato se estabelecesse. Ora, se uma das partes lançou mão de investimentos para a

consecução do contrato, havendo, assim, em um primeiro momento, uma redução de seu

patrimônio, não havendo a continuidade do contrato, nada mais justo que seja ressarcido dos

investimentos que fez como condição para que o contrato tenha seu prosseguimento, em

homenagem ao princípio da boa-fé e da função social.

A rescisão, por sua vez, é a extinção do contrato fundada em lesão a direito da

outra parte por causa oriunda na formação do contrato ou antes dele. É o desfazimento do

contrato por falha anterior a sua formação, ou seja, está ligada à questão da culpa na feitura do

contrato. Embora o instituto se confunda com a resolução por inexecução voluntária o fato é

que são institutos diferentes. Enquanto na rescisão os motivos que lhes dão ensejo estão afetos

às circunstâncias relacionadas a defeitos ocorridos antes da formação do contrato, a resolução,

seja por inexecução voluntária, involuntária ou por onerosidade excessiva, se funda em

motivos supervenientes quando da realização do contrato, tal como pontuado por Arnaldo

Rizzardo (1999, p. 524,525).

Usualmente, os termos resilição e rescisão são tidos como sinônimos, entretanto,

tecnicamente falando, são institutos distintos que merecem tratamento jurídico também

distinto, quando da sua materialização (GONÇALVES, 2007, p.183). A culpa não se verifica

na resilição, embora o parágrafo único do art. 473 do CC, supra transcrito, tenha criado, de

certo modo, uma forma indireta de indenização, mas que se coaduna com os princípios

norteadores do contrato e não tem o fito de descaracterizar o instituto da resilição.

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3.5 Teoria da imprevisão no Direito do Consumidor

A lei consumerista não se descurou do aspecto da teoria da imprevisão, também

tratada no Código Civil. Da mesma forma, não se esqueceu de tratar sobre a questão da

excessiva onerosidade. O art. 6º da Lei 8.078/90 elenca direitos básicos pertencentes ao

consumidor, dentre os quais merecem destaque, para este trabalho, dois incisos: o IV e o V.

O inciso IV traz em seu preceito a proteção, dentre outras, contra cláusulas

abusivas, sendo esta considerada toda aquela que vise minar o direito do consumidor,

tornando desvantajoso o contrato para o consumidor. São cláusulas limitadoras de direito, que

estabelecem desvantagens absurdas para o consumidor, dentre muitas outras causas. No artigo

51 do CDC, o legislador trouxe vários exemplos de cláusulas abusivas, não tendo o

dispositivo o condão de exaurir todas as hipóteses da espécie, tendo assim, um caráter

meramente exemplificativo (NUNES, 2005, p.627).

Interessante notar o sistema de nulidade disposto no CDC. Por lá, a nulidade se

opera de pleno direito por expressa disposição. Otávio Luiz Rodrigues Júnior (2006, p. 162),

citando Nelson Neri Júnior assevera:

[...] não são inteiramente aplicáveis às relações de consumo as norma sobre

nulidades inscritas no Código Civil, Código Comercial, Código de Processo Civil ou

outras leis extravagantes. Mesmo porque os sistemas de nulidade não são uniformes,

variando de acordo com a peculiaridade de cada ramo da ciência do Direito.

[...] As invalidades, modernamente, reclamam tratamento microssistêmico, o que foi

feito pelo CDC, a fim de poderem atender às peculiaridades existentes no

microssistema. O CDC afastou-se do sistema de nulidades do Código Civil,

restando, pois, superado o entendimento de que as nulidades pleno jure independem

da declaração judicial para se fazerem atuar, e de que as nulidades absolutas

precisam de sentença judicial para produzirem seus efeitos no ato do negócio

jurídico. Abandonou-se no sistema do CDC a dicotomia existente entre as nulidades

do Direito Civil (nulidades absolutas e relativas), pois o código só reconhece as

nulidades de pleno direito quando enumera as cláusulas abusivas, porque ofendem a

ordem pública de proteção ao consumidor, base normativa de todo o Código, como

se vê no art. 1º do CDC: „O presente Código estabelece normas de proteção e defesa

do consumidor, de ordem pública e interesse social [...]. A nulidade da cláusula

abusiva deve ser reconhecida judicialmente, por meio de ação direita (ou

reconvenção) a exceção substancial alegada em defesa (contestação), ou, ainda, por

ato ex officio do juiz. A sentença que reconhece a nulidade não é declaratória, mas

constitutiva negativa. Quanto à subsistência da relação jurídica de consumo

contaminada por cláusula abusiva, o efeito da sentença judicial que reconhece a

nulidade da cláusula abusiva é ex tunc, pois desde a conclusão do negócio jurídico

de consumo já preexistia essa situação de invalidade, de sorte que o magistrado

somente faz reconhecer essa circunstância fática anterior a propositura da ação.

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Como já é sabido, o CDC milita em prol do consumidor dentro da idéia de ser este

hipossuficiente e vulnerável nas relações de consumo. Não foi diferente no que diz respeito às

nulidades, pois dentro da peculiaridade do sistema de proteção do consumidor, o legislador

tratou de modo diverso do Código Civil, acabando com a dicotomia existente entre a nulidade

relativa e absoluta, considerada por este último. O consumidor repousa sobre o manto da

nulidade absoluta, pois é esta a única tratada no CDC, fazendo com que os efeitos de uma

sentença prolatada que venha declarar a existência de cláusula abusiva, retome os seus efeitos

até o ponto de partida da avença, voltando ao status quo ante.

Três princípios permeiam o instituto da nulidade no CDC: são os princípios da

boa-fé-objetiva18

, da vulnerabilidade e, por último, o da eqüidade contratual (Rodrigues Jr,

2006, p. 163). Pelo da vulnerabilidade, o consumidor merece tratamento protetivo maior,

tendo em vista a sua condição de hipossuficiente. Esse princípio tem fundamento na eqüidade

tratada pelo texto da Carta Política nacional de 1988, impondo, por força do art. 5º, I, que

todos recebam tratamento equânime diante do ordenamento jurídico, entretanto, não dentro de

uma igualdade matemática, mas, jurídica, visando dirimir as diferenças materiais existentes

entre as pessoas. Na lição de Alexandre de Moraes (2005, p. 31), “[...] o tratamento desigual

dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio

conceito de justiça [...]”, só assim podemos entender a atitude do legislador ao mitigar o

instituto da nulidade no CDC, diminuindo as diferenças existentes entre o consumidor e o

proponente da relação contratual de consumo, por meio da lei.

A boa-fé-objetiva é o guia na aplicação hermenêutica do julgador. Ao analisar as

causas postas em juízo, deve o julgador pautar-se pela boa-fé com o fito de verificar a real

intenção por trás de quem alega causa passível de resolução ou discussão de cláusula

contratual. Ou mais além, não só nos casos daqueles que alegam motivo para discutir

cláusula, mas também do proponente quando da formulação das cláusulas postas à análise do

adquirente. Portanto, a boa-fé objetiva deve ser observada antes, durante e depois da avença.

Entretanto, é possível a revisão contratual no caso de não se verificar a boa-fé? O já

mencionando artigo 51 do CDC, em seu inciso IV, traz expressa disposição sobre a nulidade

de qualquer avença que não se coadune com os princípios da boa-fé ou da eqüidade. É

18 Interessante notar que este mesmo princípio foi adotado pelo Código Civil de 2002, constituindo um a

verdadeira inovação para o instituto civilista. Foi o CDC, em relação ao CC, quem primeiro idealizou a idéia da

boa-fé objetiva, esta, por sua vez, foi adotada, posteriormente, no CC de 2002 constituindo uma verdadeira

inovação jurídica, mas para este instituto, pois, como já mencionamos, este princípio já era adotado pelo CDC

que data de 1990.

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verdadeira norma cogente que não admite às partes e até mesmo ao magistrado restringir o

seu alcance. Portanto, como menciona o próprio caput do artigo retro mencionado, é nulo.

É o princípio da eqüidade que permite a revisão contratual sempre que esse se

mostra oneroso, ou na dicção do preceito normativo, sempre que houver excessiva

onerosidade. Lembrando que o que foi dito a respeito da boa-fé se aplica a eqüidade no

tocante à nulidade do contrato e sua revisão. Tal princípio encontra seu fundamento nos

artigos 4º, III, e 6º, V onde o legislador abriu uma válvula de escape para os casos em que o

prosseguimento do contrato, nos moldes em foi idealizado, se mostra demasiado excessivo

ensejando a sua resolução, ou, ao menos, a revisão contratual do que couber, na esperança de

manter-se intacto naquilo onde o avençado continua em perfeita condições de ser mantido em

homenagem ao princípio da continuidade (manutenção) do contrato, ainda que este sofra certa

mitigação, haja vista, também, a incidência da função social do contrato.

Assim, pelo que se percebe, a teoria da imprevisão do Diploma Civil sofre certo

abrandamento dentro da aplicação do CDC. Enquanto nas relações regidas pelo CC a

imprevisão está afeta às regras da lei civilista, que preza pelo pacta sun servanda, pelo

princípio da continuidade dos contratos, o princípio da imprevisão é endurecido a ponto de se

tornar quase impossível a sua incidência. No CDC, este princípio não é levado ao extremo.

O CDC não obsta sua incidência, tendo em vista que estamos diante de um

instituto jurídico onde as relações estabelecidas ocorrem entre pessoas desiguais: de um lado,

o consumidor hipossuficiente, tal como definido pela lei, do outro, o fornecedor que está, na

relação jurídica, bem acima do consumidor. Já segundo o CC, as pessoas que contratam, pelo

menos na ficção jurídica estão em pé de igualdade, daí porque no CDC a teoria da imprevisão

sofre certo abrandamento, como anteriormente falado, em relação aos negócios jurídicos

contratuais realizados sob o crivo do CC. Seria um contra senso do legislador

infraconstitucional estabelecer tamanha rigidez para a incidência da teoria da imprevisão nas

relações de consumo.

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4 REVISÃO DOS CONTRATOS DE LEASING FINANCEIRO: APLICAÇÃO DA

TEORIA DA IMPREVISÃO OU DO CDC?

4.1 Aplicação do CDC aos contratos de arrendamento mercantil

Na pesquisa para a produção deste trabalho, foi possível constatar a tendência

majoritária dos Tribunais em firmar a jurisprudência no sentido de impor a aplicação do CDC

aos contratos de Arrendamento Mercantil19

. E por suposto isso decorre da luta incessante dos

advogados das empresas arrendadoras dos bens postos a disposição do consumidor, na

tentativa de se desvencilhar da sua aplicação, tendo como resposta a escusa da justiça

impávida diante dos constantes suplícios daquelas empresas. É uma luta semelhante a que

durante muito tempo foi travada por advogados dos bancos para que o CDC não tivesse

aplicação nos contratos bancários firmados com seus clientes. Ao que parece, ao menos nas

modalidades de leasing financeiro, não se discute mais a aplicação do CDC. Nesse sentido, o

disposto por Claudia Lima Marques (2006, p. 550, 553-554), acerca das lides que envolvem o

contrato de leasing:

[...] A aplicação do contrato de leasing no campo de aplicação do CDC não é mais

polêmica. [...] O contrato de leasing massificou-se no Brasil, conquistou o mercado

de consumo, e a este leasing massificado perante os consumidores é aplicável o

CDC. [...] Importante é que, diante da massificação do leasing, a jurisprudência

majoritária brasileira, inclusive do STJ, optou claramente pela inclusão do

arrendamento mercantil no campo de aplicação do CDC. (grifo nosso)

19 Nesse sentido é o teor da ementa da decisão prolatada pelo STJ, ao julgar um Embargo Infringente: “I.

Embargos Infringentes. Arrendamento Mercantil. II. Recurso lastreado na inaplicabilidade do Código de Defesa

do Consumidor, na impossibilidade de alteração de cláusula contratual ("pacta sunt servanda"), na presunção

"juris tantum" de captação de recursos no exterior e na mora do embargado gerada por depósitos incompletos.

III. argumentos recursais improcedentes. código do consumidor aplicável ao "leasing". onerosidade excessiva

autorizadora de modificação de cláusula contratual (art. 6º, v, do cdc). ônus da arrendante de provar a captação

de recursos no exterior específica ao contrato em lide. depósito de parcela pelo índice do inpc que não configura

mora. iv. recurso desprovido.1-"O Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos de arrendamento

mercantil" - (STJ, RESP 213565/ES, 3ª TURMA, REL. MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, J.

EM 1º.06.2000, DJU DE 1º.08.00). 2-O Código de Defesa do Consumidor permite, no campo dos contratos, a

ação modificadora do Judiciário, quando verificada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado de fato

superveniente. 3-No "leasing", cabe à financeira o ônus de comprovar ter captado recursos no exterior para

viabilizar especificamente o contrato em lide. 4-O depósito de parcelas de arrendamento mercantil com base em

índice diverso do pactuado, e autorizado por decisão judicial, não caracteriza mora.”

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Pela leitura do texto, é fácil perceber que a celeuma que possa advir sobre a

aplicação ou não do CDC ao tipo de contrato em comento está fadada a morrer no STJ20

, se

antes não se nos der próprios juízos de primeiro grau. É claro que as afirmações de caráter

peremptoriais em direito são um tanto quanto perigosas haja vista que o brocardo da mihi

factum, dabo tibis jus (dá-me o fato que te darei o direito), continua mais firme do que nunca,

sendo aí, na questão factual, que o direito se revela, e não o inverso. Destarte, o fato é quem

deve dizer se é ou não cabível a aplicação do CDC. Em suma, o fato não foi feito ou criado

para o direito, mas é o direito que se amolda ao fato, por meio das técnicas de hermenêutica as

quais tantas vezes não se dispensa a devida importância.

É preciso ter em mente que com a edição do CDC deve-se fazer uma nova leitura

dos contratos. Deve-se perquirir a pertinência da aplicação do CDC ao contrato posto em

crivo, seja no deslinde de questões, seja na labuta advocatícia, tendo em mente que o CDC,

bem como demais regramentos, faz parte de um grande sistema jurídico, e juntamente com

este deve ser analisado, e não fora dele, além de sua relação com os demais ramos do Direito.

Desse modo, as normas se entrelaçam formando uma grande rede onde cada fibra é

importante e necessária para o bom desempenho da trama. O problema é que muita vezes,

tendo em vista a cultura civilista e positivista de alguns aplicadores do direito, vemos a sua

aplicação obstada em seus princípios, esquecem-se de analisar a norma dentro do contexto

histórico em que foi criada ficando presos a orientações passadas não condizentes com a

época em que vivemos, pois cabe aos aplicadores do direito lhe dar moldes para que se

20 Entendimento exarado no acórdão no sentido de aplicação do CDC aos contratos de arrendamento mercantil

de seguinte teor: “Revisão de contrato - Arrendamento mercantil (leasing) - Relação de consumo - Indexação em

moeda estrangeira (dólar) - Crise cambial de janeiro de 1999 - Plano real. Aplicabilidade do art. 6, inciso V do

CDC - Onerosidade excessiva caracterizada. Boa-fé objetiva do consumidor e direito de informação.

Necessidade de prova da captação de recurso financeiro proveniente do exterior. - O preceito insculpido no

inciso V do artigo 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a

demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor. - A desvalorização da moeda

nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial

de janeiro de 1999, apresentou grau expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que

impede o devedor de solver as obrigações pactuadas. - A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada

quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do

bem da vida no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida que apenas a instituição financeira

está assegurada quanto aos riscos da variação cambial, pela prestação do consumidor indexada em dólar

americano. - É ilegal a transferência de risco da atividade financeira, no mercado de capitais, próprio das

instituições de crédito, ao consumidor, ainda mais que não observado o seu direito de informação (art. 6º, III, e

10, "caput", 31 e 52 do CDC). - Incumbe à arrendadora se desincumbir do ônus da prova de captação de recursos

provenientes de empréstimo em moeda estrangeira, quando impugnada a validade da cláusula de correção pela

variação cambial. Esta prova deve acompanhar a contestação (art. 297 e 396 do CPC), uma vez que os negócios

jurídicos entre a instituição financeira e o banco estrangeiro são alheios ao consumidor, que não possui meios de

averiguar as operações mercantis daquela, sob pena de violar o art. 6º da Lei n. 8.880/94.” STJ, REsp 268661/RJ

3ª turma. Rel. Min. Nancy Adrighi, J. em 15.08.2000, DJU de 24.09.2001.

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acompanhe o dinamismo da vida em sociedade. Assim deve agir o jurista: ter na norma escrita

um norte a ser seguido, pois o direito21

quem dirá somos nós, e não a norma positivada.

4.2 Conflito aparente de normas

Um ponto importante que não se poderia deixar de frisar é o que diz respeito à

resolução de um possível conflito aparente de normas, insurgindo-se a discussão sobre a

prevalência do CDC ou da Lei de Arrendamento Mercantil, sob o argumento de que ambas

são leis especiais, por trazerem regramentos diferenciados com relação aos de caráter geral.

Não se pode começar sem antes tratar o assunto sob a égide do Direito

Constitucional, por ser este o primeiro caminho a ser percorrido por qualquer um que labore

na esfera jurídica, quando o assunto é conflito aparente de normas. Afinal, a Carta Política de

1988 traz consigo princípios que orientam o legislador infraconstitucional no processo de

produção da norma, além de auxiliar o hermeneuta na correta solução dos conflitos aparentes,

ou mesmo na busca da correta aplicação da lei, que deve ser interpretada com clareza.

O art. 1º da Constituição da República tem a livre iniciativa como um dos

fundamentos do Estado brasileiro, juntamente com o valor social do trabalho. Juntos,

respaldam o compromisso inscrito no art. 3º da Carta, no sentido de garantir o

desenvolvimento nacional. Daí decorre para nossos governantes o dever de manter traçados

em seus planos de governo, medidas que visem ao desenvolvimento da nação com

observância dos demais princípios e fundamentos constitucionais, de forma que não haja

prevalência de um sobre o outro, mas a convergência de todos para um só ponto.

Ao estabelecer como fundamentos o valor social do trabalho e a livre iniciativa

privada, o legislador constitucional originário afirmou a priorização do crescimento

econômico nacional. Não se pode perder de vista que o trabalho não é apenas a acumulação

de capital, como pensa o explorador do mercado. Ao incentivar a produção do trabalho e a

livre iniciativa o objetivo traçado não foi outro senão o desenvolvimento da nação. Como

analisado por Walber de Moura Agra (2002, p.125), “[...] este fundamento constitucional

21 A palavra “direito” aqui deve ser lida como “justiça” sendo esta empregada no sentido de ser aquilo que se

destina a cada parte, claro que dentro do subjetivismo de quem julga.

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enfoca que o trabalho e livre iniciativa se destinam a um engrandecimento social, e não

podem ser considerados apenas como um processo de acumulação pessoal”.

Nesse esteio a ordem constitucional vigente trouxe também outros princípios

basilares que funcionam como limites a qualquer meta traçada pelo legislador originário, a

exemplo do que está inscrito no art. 1º da Lei Maior, ao tratar o respeito à dignidade da pessoa

humana, que no dizer de Walber de Moura Agra (2002, p.124), “representa um complexo de

direitos que são apanágio da espécie humana, [...] que devem ser propiciados pelo Estado

[...]”. Além disso, o art. 5º, inc. XXXII traz ainda mais uma baliza: a aplicação do princípio

do desenvolvimento econômico, enquadrado também pelo que diz o a art. 170, inc. V. O

primeiro, no que concerne à defesa do consumidor como obrigação do Estado, o segundo,

além de outros interesses sociais que cabe ao Estado garantir, dentre eles o da defesa do

consumidor usando de coerção, se necessário.

Tal como já referido, temos na Constituição atual o delineamento principiológico

fundamental do desenvolvimento econômico, aliado ao objetivo fundamental da garantia do

desenvolvimento nacional, traçando o rumo das políticas públicas que muitas vezes lançam

mão do ordenamento jurídico para promover22

, de certo modo, este desenvolvimento.

Contudo, não são esses os únicos princípios a serem observados no caminhar do

desenvolvimento. Legislador e administrador público devem observar outros princípios

constitucionais, além de várias normas que regem a vida pública administrativa.

No que tange a lei que trata dos aspectos fiscais/tributário do arrendamento

mercantil, parece ter por intuito garantir o crescimento econômico, dando respaldo a quem

queira investir capital no mercado, utilizando uma forma contratual tão benéfica para o

arrendador quanto para o arrendatário, deixando de constituir um contrato atípico para

assumir espécie de contrato típico, com um tratamento legal diferenciado.

O leasing foi criado ainda sob o manto de outra ordem constitucional –

Constituição 1967/ 1969. O governo militar tinha entre seus propósitos o de promover o

crescimento econômico. O período correspondente a ditadura militar ainda é lembrado por

muitos como „o milagre econômico‟, com a implementação de um programa de governo

22 Na verdade, promovendo o desenvolvimento indiretamente, tendo em vista que o desenvolvimento se dará

pelas medidas adotadas pelo governo, a lei é coadjuvante neste desenvolvimento, trazendo garantia legal

necessário para a realização do negócio jurídico de modo diverso da legislação geral tendo em vista as

peculiaridades relativas ao negócio que se pretende implementar como política pública de desenvolvimento

nacional. Frise-se no que falamos a respeito da livre iniciativa como forma de desenvolvimento nacional adotada

como fundamento principiológico do Estado republicano que nascia com a Constituição de 1988.

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visando o combate a inflação e reformas estruturais com a expansão de indústrias de base

(KOUREICHE, 2009).

Com raízes datadas de 1974, o leasing traz em seu bojo o espírito do

desenvolvimento econômico da época, observando alguns apontamentos da Lei Civil de 1916,

e com amparo numa ordem constitucional que até então desconhecia princípios como o do

respeito à dignidade da pessoa humana e da proteção ao consumidor. Somente a partir da

Carta de 88 foi possível festejar a normatização dessas garantias, além de outros princípios

jamais tratados em Cartas Políticas anteriores. Ressalte-se que a atual constituição delineou

um novo horizonte em matéria de direitos humanos, com seu belíssimo art. 5º e outras

inovações a exemplo da proteção do consumidor, como já mencionado anteriormente.

É justamente dentro do espírito estabelecido pela Constituição de 1988 que se

quer refletir sobre a aplicação da Lei 6.099/74, que por sua vez também é anterior ao Código

de Defesa do Consumidor. Entretanto, em que pese a disparidade entre as épocas de edição

das normas, é possível afirmar que a lei do leasing foi recepcionada pela Constituição atual,

contudo, é preciso frisar que a interpretação dada ao citado regramento não logrou amparo em

nossos tribunais quando se tentou afastar as relações jurídicas originadas sob seu fundamento

da aplicação do CDC.

Em suma, o que temos é o seguinte: os administradores públicos, com o fito de

produzir o desenvolvimento econômico, muitas vezes lançam mão da prática legislativa para

permear o caminho do desenvolvimento. Ainda é assim nos dias atuais, seja na edição de leis

que promovem subsídios fiscais, seja editando leis que facilitem e incentivem a prática de

crédito fácil ou na edição de leis que permitam a redução de impostos por certo período.

Entrementes, os limites impostos pela Constituição e pelo Código de Defesa do Consumidor

devem ser observados a todo custo.

O artigo7º do Diploma consumerista, por exemplo, deixa evidente ferramentas de

proteção que levam a uma interpretação sistemática de todo ordenamento jurídico. Agindo

assim, o legislador fez questão de tratar com certo cuidado a pessoa do consumidor, trouxe

previsão da sua vulnerabilidade e hipossuficiência, estabelecendo a inversão do ônus da prova

e outras providências para facilitação da defesa de seus interesses.

Por isso, nos julgamentos onde a discussão recaia sobre qual norma aplicar, não

há outra resposta mais adequada a não ser a conclusão pela aplicação da regra legal mais

favorável ao consumidor, podendo até mesmo se afastar a aplicação do próprio CDC, quando

haja previsão mais vantajosa para o consumidor, tal como poderá ocorrer em relação ao

Código Civil de 2002, a depender do caso concreto.

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Se há dois regramentos aplicáveis às relações de consumo, que não sobre dúvida

acerca do dever de se aplicar o mais benéfico para o consumidor, como impõe o texto do

caput do art. 7º do CDC. Agir de modo diverso é transportar o risco para o consumidor, o que

é inadmissível dentro da ordem legal de que os riscos correm por conta de quem explora o

mercado.

Complementando, importante mencionar ainda a solução de conflitos pela

aplicação dos direitos humanos como balizador no desembaraçar de questões judiciais

(MARQUES, 2006, p. 605), o que é substantemente defendido por grande parte dos

doutrinadores. Nunca é demais lembrar que o CDC é de cunho eminentemente social,

encontrando suas raízes no princípio sociológico da proteção ao mais fraco nas relações

jurídicas, para dotar o consumidor de meios para superar a desigualdade material em relação

ao fornecedor de bens e produtos, equilibrando a relação contratual. Outrossim, repousa no

princípio da igualdade constitucional prevista no art. 5º.

Assim, diante do conflito aparente, deve prevalecer sempre o regramento mais

favorável ao consumidor, em regra, o CDC. Mas se preciso for, deve-se afastar até mesmo a

sua aplicação, no que se apresentar mais prejudicial in casu, colhendo-se regra mais benéfica

em outra legislação, dentro da orientação principiológica erigida pela Lei consumerista.

Cláudia Lima Marques (2006, p. 625), citando ementa da decisão prolatada pelo TJRJ onde se

discutiu a aplicação do CDC no que pertine a aplicação do art. 17 – conceito de consumidor

por equiparação - e o prazo decadencial do art. 26 da Lei 8.078/90, milita nesse sentido:

Não há relação de consumo entre vítima de ônibus abalroado e o abalroador a

justificar a incidência do Código de Defesa do Consumidor in malam partem.

Prescrição que não pode ser aplicada contra a parte a quem favorece a pretexto de

fazer incidir a lei mais favorável. Há contradition in terminis na aplicação do

Código de Defesa do Consumidor em desfavor desse beneficiário com a aplicação

de lei menos favorável e que reduz expressivamente o prazo prescricional. Nessas

hipóteses aplica-se a lei mais favorável ao lesado desprezando-se a lei maléfica.

E no mesmo contexto, explica a autora em discurso proferido no V Congresso de

Direito do Consumidor, ocorrido em Belo Horizonte, em maio de 2000:

Sendo o princípio constitucional eficaz e cogente, a defesa do consumidor deve ser

realizada não somente mediante aplicação das normas positivadas no CDC, mas,

também, mediante a interpretação direcionada ao atendimento do objetivo e da

principiologia que orienta essa codificação. Destarte, os direitos subjetivos do

consumidor devem ser assegurados da forma mais ampla possível, subsidiados pelas

normas civis, comerciais, administrativas, penais e processuais que não conflitarem

com o sistema do CDC. (grifo nosso)

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Destarte, temos que a tendência jurisprudencial é adotar tal entendimento, e não

há que se falar em ingerência do judiciário no âmbito legislativo, por decisões como esta do

acórdão supramencionado, visto que, como já abordado nesse trabalho, encontram respaldo

no enunciado pelo caput do art. 7º do CDC.

4.3 Revisão e resolução do contrato de leasing financeiro à luz do CDC

Todos nós aprendemos, nas aulas de Direito Civil, que todo negócio jurídico é

passível de ser revisto. Até mesmo os contratos de cunho vitalício podem ser revistos, apenas

os fatos são imutáveis restando para estes (fatos) apenas sua reparação na medida do possível.

As relações jurídicas são, sem sombra de dúvidas mutáveis, passíveis de revisão.

Como outrora afirmamos no decorrer deste trabalho, todo negócio jurídico tem o

seu início e é natural que tenha seu fim, podemos ter negócios jurídicos sem data aprazada, no

entanto, não quer dizer que não terá o seu termo final. Ao estabelecermos um negócio

devemos ter em mente que seguirá o seu rumo normal ou, como falamos em outro capítulo,

terá a sua extinção normal, que ocorre com a implementação do objeto contratual. O problema

é que por vezes isto não ocorre, e é aí onde residem as celeumas judiciais no que diz respeito

à extinção contratual.

O que vimos até o momento é que o tema proposto nos leva a pensar qual dos

regimes jurídicos deve ser aplicado aos casos de revisão contratual nos deslindes das questões

referentes à revisão dos pactos firmados na espécie do leasing financeiro, ou até mesmo de

sua extinção. Esta questão resta superada, haja vista o entendimento jurisprudencial

dominante com esteio no conteúdo da súmula 297 do STJ, confirmando a aplicação do CDC

aos contratos bancários, extirpando qualquer discussão em contrário, mormente porque o

leasing é também um contrato de adesão, sendo desnecessárias maiores explicações23

.

Posto isso, nos parece que a problemática encontra-se resolvida, haja vista que a

teoria da imprevisão tal como idealizada pelo Código Civil de 2002, como vimos no capítulo

23 Embora haja quem defenda que não se trata de um contrato de adesão haja vista que a Resolução nº 2.309/96

do Banco Central assevera que algumas cláusulas sejam discutidas com o arrendatário, entretanto, esquecem os

defensores dessa tese o preconizado no art. 54, caput, e seu parágrafo 1º perfeitamente aplicável ao caso embora

fale sobre inserção de cláusula ao contrato, ora, não há como inserir cláusula alguma ao contrato sem antes

serem discutidas.

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anterior sob o tópico Teoria da Imprevisão no CDC, se mostra um pouco rígida24

para tratar

de questões de natureza consumerista, portanto, inadequada a sua aplicação nos moldes

traçados naquele instituto jurídico (Lei 10.406/2002). Em suma, para as relações consumo se

faz necessário a observância ao CDC e aos princípios nele traçados no que diz respeito à

revisão e/ou extinção contratual.

Não se quer dizer, com isso, que o consumidor tem o direito de quando bem

quiser rescindir contratos sem sofrer nada por isso, mas que, as hipóteses elencadas pelo

consumidor para rescindir o contrato, é que deverão ser vistas com um olhar criterioso, não se

descurando do caráter consumerista da relação pactuada, por aquele que irá aplicar a solução

ao caso concreto, via de regra, é claro que com observância as nuances que só o caso concreto

pode trazer.

Dentro do aspecto da abusividade, o contrato de leasing financeiro é sem igual.

Não se pode deixar de mencionar a Resolução nº 2.309/96 do Banco Central que, ao que

parece, foi produzida ao arrepio da Lei Consumerista, não levando em consideração suas

garantias, nem havendo observância ao art. 170, caput, e seu inciso V da Constituição de

1988.

Partindo da Resolução supramencionada, vê-se que esta traz um mínimo que deve

ser observado nos contratos de leasing para que este possa ser assim caracterizado haja vista o

disposto na mesma resolução em seu art. 33 de seguinte teor: “as operações que se realizarem

em desacordo com as disposições deste Regulamento não se caracterizam como de

arrendamento mercantil.”. Logo, o disposto no art. 7º do mesmo instituto, em seus doze

incisos, traz um rol critérios mínimo a serem observados no estabelecimento das cláusulas

contratuais sob pena da incidência do art. 33. Merece atenção o preceituado na alínea „d‟ do

inciso “IX‟ do art. 7º, in verbis:

Art.7º Os contratos de arrendamento mercantil devem ser formalizados por

instrumento público ou particular, devendo conter, no mínimo, as especificações

abaixo relacionadas:

I - .............................................................................................................................

IX - as demais responsabilidades que vierem a ser convencionadas, em decorrência

de:

a) (omissis)

d) ônus advindos de vícios dos bens arrendados; (grifos nosso)

24 Na verdade, a Teoria da imprevisão tem tratamento mais rigoroso no Código Civil tendo em vista que este

regula relações contratuais entre iguais, no CDC as relações contratuais se dão entre desiguais daí o caráter

eminentemente de norma cogente de seus artigos, pois, visa a tutela do mais fraco, nas relações de consumo que

é o consumidor.

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O caput do art. 7º estabelece exigências e não faculdades, haja vista que o termo

“devendo conter”, inserto no preceito do artigo, não traz, implícito em seu sentido, faculdade

alguma. Em seguida, o inciso IX do mesmo normativo estabelece, como exigência mínima,

disposição clausular que trate sobre a responsabilidade de vícios do bem arrendado. De forma

mais clara, quer a Resolução que as partes convencionem de quem será a responsabilidade

pelos vícios, que por ventura venha a surgir, sobre o objeto do arrendamento, e nesse caso,

devem as partes, no contrato, tratar a respeito.

Nesse momento, importante a consulta ao anexo „A‟ deste trabalho, para verificar

como está essa disposição clausulada no contrato, sendo possível constatar, inclusive, outros

abusos insertos no modelo de contrato colacionado no anexo citado. Ora, dúvida não há que

os contratos de leasing se submetem ao crivo do CDC, que em seu art. 51, inc. I, extirpa

qualquer possibilidade de se estabelecer cláusula nesse sentido:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao

fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por

vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou

disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor

pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; (grifo

nosso)

A norma do art. 51 é norma de natureza pública, de observância obrigatória, não

podendo ser nem mesmo objeto de renúncia ou atenuação por parte do consumidor. Aliás, o

CDC é um compêndio de artigos de natureza pública (norma cogente), haja vista o

estabelecido no art. 5º, XXXII da CF/8825

, só se podendo estabelecer convenções de vontade

(contrato) de natureza consumerista nos limites traçados no CDC. Assim, o dispositivo da

Resolução supra colacionado só terá aplicação nos casos de leasing financeiro onde não seja

possível a incidência do CDC ou após o escoamento da garantia legal/contratual do produto

objeto do contrato. Antes disso, dentro da garantia legal/contratual, a responsabilidade pelos

vícios e fatos do produto ou serviços é do fornecedor, conforme a Lei 8.078/90 que traz uma

seção inteira (art. 18 ao art. 25) abordando a questão da responsabilidade. Nos casos em que

de um lado figure um consumidor, esta disposição será eivada de nulidade absoluta, portanto,

sem valor algum, não produzindo qualquer efeito.

Desse modo, o contrato de leasing que trouxer disposição no sentido de mitigar

este direito, transferindo, dentro do prazo de garantia do produto ou serviço, a

25 “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”

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responsabilidade pelo vício do produto ou fato do produto para o consumidor-arrendatário,

dará ensejo à revisão contratual por se tratar de cláusula abusiva nula de pleno direito, sendo

este direto básico do consumidor conforme o estabelecido no art. 6º, IV e V do CDC.

Embora possa haver dúvidas sobre a natureza do contrato de leasing, não se pode

olvidar que os contratos de consumo são regidos pelo CDC e que, tratando-se do contrato de

leasing financeiro, estamos falando de contrato de adesão onde quem adere pode ser o

destinatário final de um bem, o que torna totalmente possível a aplicação do CDC, não

importando a natureza jurídica do contrato. Sendo assim, discussões no sentido de que a

natureza é mista em nada acrescentam ou diminuem o entendimento aqui externado tendo em

vista que o leasing é sem sombra de dúvidas, um contrato de adesão26

.

Pode ser que, em virtude de disposição existente na Resolução nº 2.309/96, se

diga que não estamos diante de um contrato de adesão, haja vista a imposição da livre

pactuação do valor relativo à opção de compra e venda caso essa venha a ser exercida. Data

vênia de opiniões em contrário, tal argumento não deve encontrar guarida diante da boa

hermenêutica. O art. 54, §1º estabelece o seguinte:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela

autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos

ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu

conteúdo.

§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do

contrato. (grifos nosso)

Ora, para se inserir cláusula no contrato se faz necessário que haja prévio acordo,

não podendo, nem o consumidor-arrendatário, nem o fornecedor-arrendador, colocá-las por

livre arbítrio se não precedido de prévia discussão a respeito daquilo que se materializará,

posteriormente, como cláusula contratual. Logo, desde que, aquilo que se pretende acrescer

ou suprimir, não modifique substancialmente o conteúdo contratual não há que se falar de

desfiguração do contrato de adesão pelo simples fato de se discutir os valores que deverão ser

pagos durante a vigência do contrato.

Há contratos de arrendamento mercantil financeiro que estabelece cláusula

resolutória do contrato. Uma dela seria a perda total do bem estabelecendo prazo para que a

parte entregue outro em seu lugar, substituindo o outrora arrendado, além de dar continuidade

26 Lei 8.078/90, Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade

competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor

possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

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às parcelas vincendas como forma de indenização. É simplesmente absurda tal cláusula.

Estabelece total desequilíbrio contratual entre as partes, o que fere o direito básico do

consumidor estabelecido no art. 6º, V do CDC tamanha a desproporção que causa entre as

partes, além da excessiva onerosidade que provoca a cláusula, não se esquecendo da natureza

abusiva desta disposição27

.

O consumidor-arrendatário opta pela aquisição do bem por meio do leasing tendo

em vista a facilidade é permeada pela facilidade de obtenção do crédito, então, como pode ser

justo exigir-lhe, com a eventual perda do bem, que arque com um percentual das parcelas

vincendas além da entrega de um bem no lugar do que se perdeu? Sem falar que os prazos

concedidos são exíguos, muitas vezes apenas 30 (trinta) dias para a substituição do bem.

Da mesma forma, a cláusula resolutória é permitida pelo Código de Defesa do

Consumidor, desde que o estabelecimento desta traga caráter alternativo e não imposição,

respeitando-se, de todo modo, a escolha final como prerrogativa do consumidor-arrendatário,

sobre a rescisão ou continuidade do contrato28

. Mais justa seria uma cláusula que

estabelecesse um total a ser pago, se houvesse a perda total do bem, com vistas a uma

avaliação de quanto o arrendador pagou pelo bem e qual o seu valor de mercado no momento

da ocorrência que deu causa a perda do bem. Ora, muitas vezes o que já se arrecadou com o

pagamento das parcelas, cobriu todas as despesas pagas pela aquisição do bem pelo

arrendador, até mesmo o próprio valor do bem já pode ter sido completamente coberto,

ficando apenas as despesas relativas às operações financeiras realizadas na aquisição do

objeto, é claro que tudo isso avaliado junto a outras vertentes inerentes a cada caso. Do

contrário, perfeitamente possível o ajuizamento de ação revisional de cláusula contratual pela

iniqüidade provocada pela cláusula na relação contratual. Cláudia Lima Marques (2006, p.

557), em nota de rodapé, colacionou a seguinte decisão, asseverando no mesmo sentido do

controle do lucro obtido na operação de leasing:

27 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos

e serviços que:

I - .........................................................................................................................

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem

exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; 28

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou

estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou

modificar substancialmente seu conteúdo. § 1° (omissis) § 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao

consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.

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[...] „Arrendamento mercantil – Rescisão – Lesão enorme – Cautelar para devolução

do bem - Reintegração de posse. Ajuizada pelo arrendatário ação cautelar para

devolução do bem, falece ao arrendante interesse jurídico para aforar demanda

reintegratória. Lucro bruto de 91% sobre o custo do bem, em leasing de 24 meses,

consiste em lesão enorme ao arrendatário (art. 6.º, V, CDC). Nulidade de cláusula.

Rescisão do contrato com devolução do veículo e o perdimento pelo arrendatário das

parcelas pagas‟.

Não nos esqueçamos que há também cláusulas que vedam descontos quando o

consumidor deseja antecipar no todo ou em parte as parcelas vincendas, pondo termo ao

contrato ou reduzindo os juros incidentes. Tal cláusula contratual não possui validade alguma.

O CDC expressamente assegura a redução de juros e demais acréscimos praticados na

aquisição de bens ou serviços que envolvam operações de financiamento ou crédito. O que é

perfeitamente aplicável ao leasing financeiro tendo em vista, que nessa modalidade de

contrato, o aspecto de financiamento do bem é latente, além do que, o Código Civil em seu

art. 112 nos preceitua o seguinte: „Nas declarações de vontade se atenderá mais a intenção

nelas consubstanciada do que no sentido literal da linguagem‟, assim, temos que quando o

consumidor-arrendatário procura o arrendante para „arrendar‟ um bem é porque o faz com a

finalidade de adquiri-lo, escolheu a modalidade de contrato para fazer isto porque lhes

pareceu, na ocasião da contratação, a melhor opção ou então foi a única que lhes restou. Logo,

entendo que qualquer disposição contratual no sentido de contrariar o disposto no art. 52,

§2º29

não merece guarida do nosso ordenamento jurídico por ser considerada disposição

abusiva.

E o que falar da eleição de foro freqüentemente utilizado nos contratos de leasing?

Em de regra, podemos dizer que estamos diante de uma cláusula abusiva. É claro que o

judiciário deve apreciar a questão haja vista que pode haver eleição de foro sem que incida em

uma cláusula abusiva, v.g., nos casos em que a sede do consumidor-arrendatário resida no

mesmo local estabelecido do foro de eleição, ou quando, na localidade em que resida, não

tenha foro competente para apreciar o feito, nestes casos, devem os contratos de leasing

eleger o foro mais próximo da localidade do consumidor. Melhor será não especificar foro

algum, mas caso isto seja feito, que o faça como disposição mais benéfica ao consumidor.

Rizatto Nunes (2005, p. 633) colaciona decisão judicial importante, no mesmo

sentido:

29 „É assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução

proporcional dos juros e demais acréscimos. ‟

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Contrato de adesão – Foro de eleição – Validade. A eleição do foro em contrato de

adesão é válida, ao menos que esteja comprovadamente eivada de qualquer dos

vícios elencados no art. 51 da Lei 8.078/90 ou contravenha princípio contemplado

no mesmo diploma legal. Essa validade há de ser apreciada em cada caso particular

pelo juiz, cuja liberdade de interpretar, em face da prova colhida, é razoavelmente

ampla. Alegação, que se repele, de contrariedade às disposições legais invocadas

(Lei n.8. 078/90, citada, arts. 47 e 51, IV e XV, e § 1º, II). Dissídio pretoriano não

comprovado. Recurso especial não conhecido.

Enfim, as disposições abusivas nas relações de consumo que envolvam leasing

financeiro são inúmeras, limitando-se este trabalho a expor apenas aquelas que parecem mais

gritantes, para ilustrar o tema. É claro que as cláusulas contratuais variam de contrato para

contrato, o que impõe maior ou menor número de disposições abusivas, bastando para isso

conferir o teor da peça inaugural da ação civil pública impetrada pelo MP de São Paulo em

face de uma operadora de leasing, no anexo „B‟, para se ter noção da amplitude e variedade

de cláusulas abusivas no que diz respeito ao contrato de leasing financeiro, constituindo a

peça uma verdadeira aula de Direito do Consumidor.

4.3 Superendividamento sob a inteligência do art. 6º, V do CDC

Antes de adentrar no tema propriamente dito, é preciso lembrar os moldes em que

se encontram traçados o perfil social em que vivemos. A nossa sociedade atual migrou de

uma sociedade de produção de subsistência para outra sociedade capitalista/consumerista,

para uma sociedade de consumo em massa. Não só no Brasil, mas a nível mundial. Até

mesmo os países mais conservadores abriram suas portas para o mundo capitalista em que

vivemos.

A sociedade de consumo é uma sociedade predominantemente dominada pelo

marketing comercial que a influencia de forma bastante incisiva. As técnicas publicitárias

estão em toda parte. Seja nas ruas quando transitamos e panfletos oferecem crédito fácil, seja

por telefone onde são suprimidas informações que deveriam ser tratadas primordialmente

quando do oferecimento do serviço que se pretende vender. Abordam apenas as „vantagens‟

que serão obtidas pelo consumidor caso contratem o serviço ora oferecido.

Embora saibam as empresas que exploram o comércio, que os riscos por esta

exploração pertencem a elas, mesmo assim, oferecem seus serviços em contratos de adesão

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que são primeiramente fechados para depois serem assinados como mera formalidade, mas,

principalmente, sabem que nós não temos a cultura de reclamar apropriadamente30

. Tudo isto

aliado ao fato de só reclamar judicialmente quando nos pareça rentável, refletindo

negativamente e enfraquecendo, de certo modo, o direito de nós, consumidores.

Não se busca a reclamação com fito de reparação do direito violado, mas na

maioria esmagadora dos casos– não querendo ser redundante, mas enfático - buscam tão

somente um valor pecuniário.

Tudo isso aliado a uma política pública de contenção de gastos que não permite a

criação de novas varas do consumidor ou adoção de meios alternativos que viabilizem o

exercício do direito de reclamação sob o fundamento de que é inviável, do ponto de vista

financeiro, a criação de novas varas nesta ou naquela cidade, contribui para o quadro de

desrespeito ao CDC, ao consumidor, por aqueles que exploram o mercado, além da

assombrosa morosidade que assola as causas consumeristas.

De um lado tenho um fornecedor que aposta em me vencer pelo temor de só ver o

meu pleito resolvido em um ou dois anos depois, quando já não me venceu pelo cansaço, do

outro, o consumidor que já traz consigo a desvantagem da informação, da falta de cultura e a

ineficácia do aparelho estatal em lhe dá uma resposta à curto prazo. São muitas as

reclamações intentadas em relação ao direito do consumidor, mas são maiores ainda as que

não são intentadas pelos motivos que já mencionados.

O resultado de todo o marketing publicitário é que o consumidor muitas vezes

acaba excedendo o seu poder de compra influenciado por estes mecanismos do mercado

moderno. Isso nos leva a refletir sobre a quebra contratual por inadimplência involuntária do

consumidor por motivos que não estão inseridos no contrato, mas que refletiram, sem sombra

de dúvidas, sobre a relação contratual ora estabelecida.

Não só nos referimos às causas em que o superendividamento ocorre por culpa do

consumidor que foi displicente, não observando seu poder de compra quando na contratação

de novas obrigações, ou seja, no exato momento em que anuiu com a nova obrigação, mas

também naqueles casos em que os compromissos foram estabelecidos no momento em que a

sua situação financeira era propícia para tanto, porém que por circunstâncias futuras se

fizeram necessárias novas dívidas e só havendo, a parti daí, reflexo sobre as obrigações

contratuais anteriormente avençadas o tornando incapacitado para adimplir com todas as suas

obrigações.

30 Refiro-me a procurar o judiciário para solução de certos problemas.

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Antes, contudo, de abordarmos o aspecto hermenêutico do artigo, se faz

necessário tratarmos do conceito de superendividamento. Para tanto, colacionaremos a

explanação da autora Cláudia Lima Marques (2006, p. 1.236) qual seja: “[...] pode ser

definido como a impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-

fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o

Fisco, as oriundas de delitos e as de alimentos)”. Note-se que o conceito trata daquele

indivíduo consumidor que agindo de boa-fé - vez que não podemos nos arvorar de direitos

para nos escusar vilmente dos nossos deveres – não cumpre ou não consegue cumprir com

todas as suas obrigações contraídas.

Atente-se para a relatividade do que seja a impossibilidade de honrar seus

compromissos, a impossibilidade deve ser considerada no sentido de que honrando, o devedor

consumidor, com os seus compromissos contratados o leve a ruína pessoal, do ponto de vista

das suas necessidades em geral. Veja ainda que o termo „leigo‟ nos direciona ao entendimento

de que a conduta do devedor-consumidor, quando da contração de novas obrigações, não deve

ter em mente a condução do negócio para o estado de superendividamento provocando a

rediscussão do(s) contrato(s), que o ato que o levou ao estado deplorável de dívida tenha

ocorrido sem a sua aquiescência, que a sua conduta não o tenha direcionado ao estado de

superendividamento por querer, tenha sido, v.g., ocasionada pelo cálculo errôneo sobre o

impacto econômico da nova contração obrigacional em sua renda.

A boa-fé irá refletir diretamente na relação contratual, observando-se o que foi

dito a respeito da boa-fé objetiva e subjetiva nesse trabalho muito embora se referindo ao CC,

mas que é perfeitamente aplicável ao CDC tendo em vista que a inovação trazida ao Código

Civil de 2002 em nada acrescentou ao CDC porque já era observada por este.

Feita a breve definição e comentário sobre o termo superendividamento,

passaremos agora a discorrer sobre o art. 6ª, V CDC. O artigo em comento inaugura em seu

caput os direitos básicos do consumidor tratando da matéria apenas em caráter não exaustivo

posto o teor do art. 7º, do mesmo instituto, em seu caput.

É certo que os contratos estão passíveis de serem discutidos em juízo seja com a

observância à regra mais dura como ocorre nos casos dos contratos realizados sob a luz do

Código Civil em vigor, seja pelo Regramento Consumerista um pouco mais maleável, mas

que também traz princípios a serem observados para tanto.

Embora o teor do referido inciso (V do art. 6º do CDC), em sua primeira parte,

diante de uma leitura apressada, nos leve a crer que tal inciso só possa ter incidência na

relação contratual que já tenha nascido com o vício da desproporcionalidade, não podemos

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nos descurar da redação da segunda parte, qual seja: „ou sua revisão em caso de fatos

supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;‟ que possibilita a sua aplicação aos

casos no qual o fato que tornou oneroso, uma ou mais cláusulas contratuais, não necessita está

ligado diretamente, a relação contratual estabelecida. Esse é também o entendimento

defendido por Rizatto Nunes (2005, p. 635) senão vejamos; “Pode acontecer de, no ato do

fechamento do pacto, a cláusula não ser abusiva, mas, posteriormente, em razão de fatos

supervenientes, vir a torna-se excessivamente onerosa.[...]”.

Contrato pode ter sido realizado em condições tal que naquele momento se

mostrou dentro dos ditames da lei consumerista, portanto, perfeitamente válido, o que mudou

foi a vida econômica do consumidor a ponto de não mais poder pagar tal como avençado no

contrato, outrora perfeitamente válido. Não me refiro aos motivos de força maior ou caso

fortuito, mas a circunstâncias extracontratuais que não mais possibilitaram o seu tramitar

normal, por exemplo, a perda do emprego, internamento de um parente em caráter

emergencial que demandará altas despesas, etc. Nunca é demais lembrar que a orientação que

deve ser dada na interpretação do CDC é sempre em defesa do consumidor.

4.4 Exegese do art. 53 do CDC aos casos de leasing financeiro

Como abordamos em curtas linhas no capítulo primeiro deste trabalho, o

legislador ao criar a lei do leasing apenas abordou o aspecto fiscal/tributário, não abordando,

assim, peculiaridades dessa espécie contratual.

O primeiro passo para que se resolva a questão do leasing seria o legislador

ordinário abordar, com maior profundidade, esta espécie contratual, assim, não haveria tantas

celeumas envolvendo o caso, mas, é claro, deverá fazê-lo com estrita observância aos

princípios norteadores do CDC. A participação do Ministério Público é também fundamental

no combate a abusividade, seria uma forma rápida de ação do Estado. Se o consumidor pode

requerer a intervenção do parquet para declarar a nulidade de cláusula abusiva garantindo-se

o justo equilíbrio contratual, com maior razão pode o MP ajuizar ação em favor do

consumidor sem a necessidade de provocação. Só para ressaltar, agora como nunca, o Estado

vem, cada vez mais, interferindo na formulação dos contratos, o exemplo claro disso é o

próprio Código de Defesa do Consumidor. Podemos até pensar no abalo econômico na

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tentativa de frustrar qualquer ação do Estado-administração usando do argumento do

desenvolvimento econômico como empecilho para adoção de medidas prol consumidor,

entretanto, os fins não justificam os meios, se faz preciso que os fornecedores-arrendadores de

bens e serviços se adéqüem ao novo modelo de contrato traçado pelo CDC, basta, assim, que

reformulem as cláusulas dos seus contratos de adesão para um correto equilíbrio contratual.

No que tange as decisões judiciais, o que vimos é que a jurisprudência aponta

como aplicável a esta espécie de contrato, o CDC, o que não se pode constituir mais como um

ponto a ser discutido, pois, o STJ tem esse entendimento sumulado, foi o que abordamos

anteriormente. Mas o que se questiona qual seria a melhor saída para casos dessa natureza? É

claro que a resposta dada não se aplicará a todos os casos, com já mencionado antes, só as

nuances do caso concreto é que poderá apontar para essa ou aquela decisão como corretas.

No que pertine ao consumidor, é abusiva a cláusula que estabelece a perda total

das parcelas pagas bem como, à título de indenização ou mesmo a qualquer título, se pague as

vincendas. Acredito que o teor do art. 53, caput, seja perfeitamente aplicável aos contratos de

leasing a despeito da expressa previsão contida em seu preceito que se refere a duas espécies

de contrato31

. Se analisarmos o conteúdo do artigo em sintonia com todo o CDC veremos que

é possível a sua aplicação. Devemos buscar a mens legis inserida na norma para saber qual o

objeto que se quer proteger, no magistério de Alberto Marques (2003, p. 68) temos o seguinte:

Pelo argumento teleológico busco entender o significado da norma identificando

qual o valor que ela quer proteger, ou o resultado que quer produzir. O sentido, o

significado, que encontro na norma, tem que está de acordo com a razão de ser dessa

norma. Se a leitura do texto leva a uma interpretação que aniquila, ou prejudica, o

interesse ou valor a que a norma visa proteger, então essa leitura é incorreta. Para a

interpretação teleológica só é admissível o sentido que proteja o interesse a que a

norma visa proteger, que resguarde o valor que ela deve resguardar, que faça

prevalecer o objetivo que a norma tem, ínsito em seu texto. (grifos nosso)

Vemos então o quanto importante é a interpretação teleológica na busca do real

sentido traçado pela norma jurídica. Dentro do complexo emaranhado de palavras devemos

buscar o que o legislador visava proteger, aliando a interpretação sistemática, nos dando o

verdadeiro rumo perquirido pelo legislador. In casu, temos como valor, o interesse que se

31 Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem

como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a

perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução

do contrato e a retomada do produto alienado.

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pretende proteger que é o enriquecimento sem causa, a prática de cláusulas abusivas,

cláusulas iníquas que promovam o desequilíbrio contratual, ônus excessivo, objetivando

sempre a proteção do consumidor. Temos assim que, a maestria da interpretação teleológica é

buscar o sentido axiológico inserido na norma pelo legislador.

Embora o art. 53 fale expressamente sobre as espécies de contratos de compra e

venda a prestação e da alienação fiduciária em garantia, vemos que o principal valor que se

quer coibir é o enriquecimento sem causa, e o fez protegendo o consumidor dos contratos de

trato sucessivo vez que, em algum momento da relação contratual pode ocorrer a rescisão e o

consumidor ficaria desamparado nesta situações. Ora, é um absurdo que o consumidor tenha

contratado a compra de um móvel em 12 (doze) prestações e no seu décimo mês não consiga

honrar seu compromisso, tenha, nessa hipótese, o perdimento do bem além das parcelas já

pagas em favor do fornecedor. E o que dizer do leasing onde o fornecedor-arrendador

estabelece uma série de garantias em seus contratos de adesão em face do consumidor, onde

até mesmo a Resolução nº 2.309/96 do Bacen, em seu art. 1432

permite que o arrendador

possa ficar com o bem nas hipóteses de sua retomada (recuperação)? Afinal, quem realmente

ficou no prejuízo? Há ou não enriquecimento sem causa por parte do arrendador?

A interpretação aqui defendida encontra o seu telos não só no art. 53, mas em todo

o Estatuto Consumerista. O art. 4º preconiza o seguinte:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o

atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e

segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de

vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os

seguintes princípios: I - .............................................................................................................

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e

compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento

econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a

ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e

equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; (grifos nosso)

É fundamental que a relação se estabeleça dentro de uma idéia de equilíbrio entre

fornecedores e consumidores e que ainda haja uma harmonia entre os interesses estabelecidos

na relação contratual, mas a pergunta é: qual a relação de equilíbrio na interpretação que

permite a aplicação do preceito do art. 53 só aos casos lá expressamente mencionados quando

32 „É permitida à entidade arrendadora, nas hipóteses de devolução ou recuperação dos bens arrendados:

I – conservar os bens em seu ativo mobiliário, pelo prazo máximo de 2 (dois) anos;

II – alienar ou arrendar a terceiros os referidos bens.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, também aos bens recebidos em dação em pagamento.

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o que se quer coibir é o enriquecimento sem causa? Será que o leasing não se enquadra no

conceito de enriquecimento sem causa quando o contrato estabelece o perdimento do bem

„arrendado‟ em desfavor do arrendatário além da totalidade das parcelas pagas até o momento

da rescisão? Quero lembrar que estou falando do consumidor-arrendatário que, com muito

esforço, se dirigiu, por exemplo, a uma concessionária de veículos, optou pela aquisição de

seu veículo por meio do leasing por entender ser esta a opção mais vantajosa para ele, e que

por algum motivo, não necessariamente ligada ao contrato, não conseguiu adimplir sua

obrigação avençada. O verdadeiro interesse para que o consumidor-arrendatário do exemplo

que se dirigiu à concessionária era a aquisição do veículo e não o seu arrendamento. Portanto,

não há equilíbrio no entendimento que restringe a aplicação do artigo 53 aos casos lá

expressos. Não é esse o desejo a norma. Para nos auxiliar trazemos ainda o entendimento de

Venosa (2005, p. 480) quando abordando o aspecto da interpretação contratual, nos ensina:

Na situação contratual, cumpre sempre realçar os dois elementos que integram

qualquer relação de vontade. Há um elemento externo, palpável, material,

perceptível pelos sentidos: é a declaração contratual propriamente dita. (...) Ao lado

desse elemento externo da vontade, facilmente percebido, mas nem sempre

compreendido (daí a necessidade de estabelecer uma interpretação), posiciona-se o

elemento interno, isto é, o que foi realmente pensado, raciocinado e pretendido pelos

contratantes, qual seja, o substrato da sua declaração, sua vontade real.

A interpretação se dará do ponto de vista da vontade contratual onde se deve

analisar sob o prisma das duas vontades. Além do que, não devemos nos descurar da

aplicação do art. 11233

do CC de 2002 que traz norma de caráter interpretativo.

O art. 6º, que inaugura os direitos básicos do consumidor, estabelece em seu

inciso II, o seguinte: “A educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e

serviços, asseguradas a liberdade de escolha e igualdade nas contratações.”(grifo nosso).

Mais uma vez vemos que o CDC preconiza em todo o seu sistema a igualdade entre as partes,

mas, alerte-se para o termo „igualdade‟, não a igualdade racional tal como exigidas nas

respostas das questões matemáticas, mas aquela igualdade traçada nos ditames do CDC.

Assim, mais uma vez vemos que a interpretação dada ao artigo 53 restringindo a sua

aplicação aos tipos contratuais nele expresso, não se coaduna com o „espírito da lei‟ traçado

no artigo em estudo nem muito menos com o sistema do CDC.

33„Nas declarações de vontade se atenderá mais a intenção nelas consubstanciada do que no sentido literal da

linguagem‟.

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O art. 51 em seu inciso IV também nos ajuda na nossa linha de raciocínio:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao

fornecimento de produtos e serviços que: I - ...................................................................................................... IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o

consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a

eqüidade;

Mais uma vez vemos que o que o legislador quer garantir, primordialmente, a

igualdade entre os contratantes, tentando equalizar a balança, a desigualdade entre os que são

materialmente desiguais, por meio da lei. Portanto, não há igualdade alguma na relação

contratual que estabelece a perda do bem e da totalidade de parcelas já pagas em desfavor do

outro, portanto, mister se faz a aplicação do art. 53, tendo em vista que o seu pano de fundo é

evitar o enriquecimento sem causa.

Partindo de outro prisma, para aqueles que não concordam com a aplicação do art.

53 nos moldes aqui defendidos, poderíamos dizer que o referido artigo nada mais fez que

tratar, de forma específica, a abusividade nas relações contratuais além de tratar também, da

desvantagem excessiva, que põe o consumidor em uma desvantagem exagerada, ocasionando

o ônus excessivo para uma das partes. Neste sentido é o apontado por Rizzato Nunes (2005, p.

672):

E, ainda que o art. 53 não estivesse sido escrito, é evidente que cláusula contratual

que determinasse a perda das parcelas seria nula, por ferir o princípio da cláusula

geral da boa-fé, bem como do equilíbrio contratual (arts. 4º, III, 6º, II e 51, IV), além

de implicar desvantagem exagerada (art. 51, IV e § 1º).

Assim, do ponto de vista prático, ainda que não estivesse sido estabelecido no

CDC expressamente, pelos princípios norteadores do CDC, poderíamos anular qualquer

cláusula que venha a estabelecer dispositivo contratual com previsão do perdimento total dos

valores pagos pelos argumentos aqui expostos, que ocorresse tal como acontece com os títulos

de capitalização nos quais há perda de um determinado percentual do total pago (NUNES,

2005, p. 676), entretanto, nossa jurisprudência aponta para as decisões que estabelecem o total

perdimento das parcelas pagas como forma de ressarcimento do bem com a devolução do

objeto do arrendamento. Sendo assim, é de se admitir aplicação do art. 53 aos contratos de

leasing, seja pelo argumento da cláusula abusiva, ou da excessiva onerosidade, ou ainda da

vantagem exagerada.

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Em suma, o que quer o Código de Defesa do Consumidor é a proteção do

consumidor contra os abusos praticados por fornecedores em seus contratos de adesão

impedido o enriquecimento sem causa, além do que visa estabelecer um equilíbrio contratual

com a proteção do consumidor.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o término deste trabalho, algumas considerações devem ser feitas acerca do

tema proposto. O estudo aqui realizado nos mostrou que o tema é merecedor de um maior

aprofundamento diante da relevância do leasing para o setor comercial e consumerista, seja na

aquisição de bens de consumo para consumidores que não disponibilizam capital suficiente

para adquiri-lo, seja na aquisição, por outra empresa, de maquinários para atender a sua

demanda sem que esta tenha que dispor de capital suficiente para adquirir o bem, naquele

momento, podendo adquiri-lo posteriormente.

Deste modo o trabalho em nenhum aspecto procurou exaurir o tema proposto, mas

despertar naqueles que militam no ramo jurídico o senso hermenêutico na busca de novas

formas de se pensar o direito. Portanto, o tema é digno de estudos mais aprofundados com o

fito de trazer novas orientações no sentido de procurar uma solução justa que atenda as

necessidades dos consumidores-arrendatários e fornecedores-arrendadores, permitindo o

alavancamento do desenvolvimento mercantil/econômico, mas que seja feito nos justos

ditames da legislação consumerista.

Neste ínterim, nosso estudo se limitou a buscar, na doutrina e na jurisprudência, a

forma como se vem pensando este ponto melindroso do direito, que era mais controverso na

primeira década do CDC quanto a sua aplicabilidade aos contratos de leasing, ainda

encontramos decisões tímidas que pouco atende aos interesses da sociedade, não aplicando o

CDC, a rigor, em sua totalidade.

Não restou dúvida, na realização do trabalho, que o contrato de leasing nada mais

é que um contrato de adesão, portanto, independentemente de sua natureza controversa, são

aplicáveis as normas do CDC. E, é claro, na sua totalidade. Além do que o entendimento se

encontra sumulado sob o número 297 do colendo STJ. Por conseguinte, é cabível sim, a

revisão contratual dentro da ótica do CDC, afastando-se a Teoria da imprevisão do CC, e

aplicando-se o art. 6º, incs. IV e V, permitindo a simples revisão quando as cláusulas se

mostrem onerosas por fatos supervenientes, cause desproporcionalidade ou seja simplesmente

abusivas na ótica traçada pelo CDC.

A intervenção do Estado em defesa do consumidor ainda é tímida. Temos poucas

notícias de atos tal como o colacionado no anexo em que o Ministério Público tenha

intercedido em defesa do consumidor em razão dos contratos de leasing financeiro haja vista

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o flagrante vício da abusividade constantemente inserto nesta espécie contratual. É preciso um

empenho maior vez que é dever do Estado garantir a defesa do consumidor além do que

temos uma sociedade de consumidores leigos. Talvez seja por isso que as entidades

financeiras nada fizeram para adequar a suas cláusulas contratuais ao regramento do

consumidor.

Embora exista apenas um modelo de contrato de leasing financeiro anexo a este

trabalho, outros foram examinados, mas que por questões éticas, não puderam ser aqui

expostos. Contudo, havia uma necessidade de se avaliar outros contratos para que se pudesse

verificar se as cláusulas contratuais abusivas se repetiam com freqüência, se a abusividade

tratada por mim era apenas inerente a uma entidade financeira ou se mais delas praticavam as

mesmas cláusulas. Para minha surpresa, o estudo se revelou no sentido de que a maiorias das

cláusulas abusivas são repetidas em outras entidades financeiras. Algumas extrapolam como

se nunca houvesse existido Código de Defesa do Consumidor em nosso país. Letras

pequeninas que só podiam ser lidas com a ajuda de uma lupa, cláusulas que deveriam está em

negrito haja vista o seu conteúdo limitativo do direito do consumidor, erros crassos no que diz

respeito ao CDC, mas me pergunto: será que eram erros mesmo? Agem, assim, no

fechamento do contrato com a quebra da boa-fé, em total desrespeito ao consumidor. Dentro

de uma linguagem bastante coloquial, mas que reflete de um modo muito claro o que se diz, é

o famoso „Se colar, colou‟.

A conclusão que se chega ao final do estudo é que não há mais espaço para a

discussão sobre a incidência ou não do CDC e, conseqüentemente, todo o aspecto contratual

deve ser visto à luz da Lei do Consumidor. O que não descarta a incidência de outro instituto

quando este for mais favorável ao consumidor haja vista o preceito do artigo 7º, caput, do

CDC podendo afastar até mesmo a aplicação do Instituto Consumerista quando o outro lhes

for mais benéfico. Há necessidade premente de que o Ministério Público participe mais

ativamente das relações do consumidor, principalmente quando o assunto é os contratos de

leasing financeiro, vez que as entidades financeiras lesam descaradamente e de forma abusiva

os consumidores. A idéia não é expurgar a espécie contratual em estudo do nosso sistema

econômico, mas fazer com que as empresas financeiras respeitem os direitos daqueles que

lançam mão deste instituto para a aquisição de bens. A necessidade de lei que aborde de

maneira mais profunda as relações de leasing financeiro em todos os seus aspectos,

principalmente voltado para o direito do consumidor e não só lei que abordem o seu aspecto

fiscal.

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Ao judiciário faço minhas observações com ressalva haja vista que os juízes estão,

de certo modo, presos ao pedido contido nas petições. Sentenças que são prolatadas com o

total perdimento das parcelas pagas não se coaduna com o ideal de justiça haja vista que o

bem objeto do contrato que teve seu fim antecipado, salvos as peculiaridades de cada caso,

volta para às mãos do arrendador. Contudo, é preciso ver que o arrendador pode fazer uso do

já mencionado art. 14 da Resolução 2.309/96 do Banco Central, o que lhes permite vender o

bem, arrendá-lo novamente ou deixá-lo compor o seu patrimônio por um período máximo de

dois anos, sendo assim, não se vê como ideal de justiça a sentença que decreta total

perdimento das parcelas pagas, mas com certeza um percentual deve ser estabelecido, no

contrato, que estabeleça o quantum percentual, do que já foi pago, referente à depreciação do

bem.

Enfim, os contratos de leasing, de um modo geral, possuem aspectos instigantes

que devem ser explorados em outra oportunidade, além do que é crescente a utilização deste

instituto no meio comercial haja vista sua desburocratização na obtenção do crédito, o que faz

com que muitos o procurem se descurando das armadilhas contratuais que o cercam.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume: Teoria das obrigações

contratuais e extracontratuais. - 23. Ed., ver. E atual. De acordo com a Reforma do CPC. –

São Paulo: saraiva, 2007.

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unilaterais. – 4. ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007.

JÚNIOR, Otávio Luiz Rodrigues. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e

teoria da imprevisão.- 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MARQUES, Alberto. Roteiro de hermenêutica. – 1º. ed. – Curitiba : Juruá, 2003.

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regime das relações contratuais. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. – 17. ed. – São Paulo : Atlas, 2005.

NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 2. ed. ver., modif. e atual.

– São Paulo: Saraiva, 2005.

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STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. 4. ed. – São Paulo: LTr, 2003

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. 6. ed. São Paulo: Atlas,

2006. – (Coleção direito civil; vol. 3)

__________. Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 5. ed.

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VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 5 ed.

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CARRO, Angélica. Contratos de leasing . Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 10, abr. 1997

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http://www.webartigos.com/articles/23068/1/o-milagre-economico-brasileiro/pagina1.html,

pesquisa no dia 06 de outubro de 2009.

Embargos Infringentes STJ, Resp 213565/ES, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes

Direito, J. em 1º.06.2000, DJU de 1º.08.00 disponível em

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4392752/embargos-infringentes-civil-ei-1491290-

pr-embargos-infrigentes-civil-gr-cint-0149129-0-01-tjpr, pesquisa no dia 10 de novembro de

2009.

Recurso Especial STJ, REsp 268661/RJ 3ª turma. Rel. Min. Nancy Adrighi, J. em 15.08.2000,

DJU de 24.09.2001, disponível em

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/302821/recurso-especial-resp-268661-rj-2000-

0074504-9-stj, pesquisa realizada em 13 de novembro de 2009.

ANEXOS

A – Modelo De Contrato de leasing financeiro – Fonte:

http://www.hsbc.com.br/1/PA_1_1_S5/content/hbbr_pws/pt/para-voce/emprestimos-e-

financiamentos/financiamento-de-veiculos/financiamento-de-veiculos/docs/clausulas-

contrato-leasing.pdf em 06 (seis) laudas. Pesquisa realizada no dia 10 de novembro de 2009.

B – Exordial da Ação Civil Pública intentada pelo Ministério Público do Estado de São

Paulo em face do Banco Itaú – Fonte: http://s.conjur.com.br/dl/contrato-leasing.pdf, em 42

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laudas. De autoria do Dr. João Lopes Guimarães Júnior – 1º Primeiro Promotor de Justiça do

Consumidor – datada de 17/02/2009. Pesquisa realizada no dia 10 de novembro de 2009.

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ANEXOS

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Anexo A: Modelo de contrato de leasing financeiro (Formatação do original em PDF)

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Informe do Cliente

Esta via deverá ser entregue ao cliente no ato da assinatura.

Prezado(a) CLIENTE,

O HSBC agradece pela preferência e solicita a sua atenção para as informações a seguir:

• Carnê: caso não seja entregue em seu endereço em até 20 dias, pedimos que entre em contato com a Central

de Atendimento do HSBC, evitando atrasos no pagamento das prestações.

• CRV (Certificado de Registro do Veículo): é de sua responsabilidade efetuar a transferência do veículo junto

ao

Detran, com a emissão do respectivo CRV e a mantê-lo sob sua guarda até o final do contrato.

Central de Atendimento HSBC

Grande São Paulo, Regiões Metropolitanas e Capitais dos demais estados: 4004-3914

Rio de Janeiro e demais localidades: 0800-701-3914

www.hsbc.com.br

Encargos moratórios: Todos os encargos por atraso no pagamento de obrigações contratuais estão previstos em lei e constam das cláusulas contratuais, em especial Comissão de Permanência, Juros de Mora, Multa moratória.

No quadro abaixo você encontrará as cláusulas que regem o seu Contrato,

cópia fiel das três vias que você acaba de assinar.

Ouvidoria: 0800-7013904 (ligação gratuita)

HSBC

1. Por este Contrato de Arrendamento o Banco concede ao Cliente e este aceita um crédito cuja finalidade, valor, prazo,

vencimento, custos financeiros e demais condições estão dispostos no seu quadro preambular, para todos os fins e efeitos

de direito.

1.1. O prazo ajustado do arrendamento será contado a partir da data de assinatura deste Contrato ou da efetiva liberação

dos recursos ao fornecedor do bem.

2. As cláusulas dispostas neste Contrato aplicam-se às operações de Arrendamento Mercantil, tanto da modalidade

Leasing Financeiro ou LeaseBack. O Cliente e o(s) Interveniente(s) Garantidor(es) declaram que tiveram prévio

conhecimento do conteúdo deste Contrato, o qual foi redigido dentro dos princípios de boa-fé e probidade, sem nenhum

vício de consentimento, declarando ainda que (I) as obrigações aqui assumidas estão dentro de suas condições

econômico/financeiras; (II) estão habituados a esse tipo de operação; (III) o presente Contrato espelha fielmente tudo o que

for ajustado; (IV) entenderam perfeitamente todas as obrigações nele contidas e estão enquadrados nas exigências legais

quer regem este Contrato, estando, portanto, habilitados a realizá-lo, assumindo o ônus da fiscalização a que estiverem

sujeitos por força de lei ou de regulamento.

3. Sobre o arrendamento incidem os custos e encargos descritos e exigíveis de acordo com as condições estabelecidas o

quadro preambular.

3.1. O CET (Custo Efetivo Total), indicado no quadro preambular na forma de taxa percentual anual representa o custo

total da operação na data de sua contratação, sendo que para seu cálculo foram considerados os fluxos referentes às

liberações e aos pagamentos previstos.

4. O Cliente autoriza o Banco a adquirir o veículo, os serviços e os seguros identificados no preâmbulo e escolhidos

exclusivamente pelo mesmo concordando expressamente com que o Banco efetue os respectivos pagamentos devidos

diretamente aos fornecedores e seguradoras indicados no preâmbulo, sendo que estes valores comporão o valor total do

arrendamento.

4.1. O Banco não se responsabiliza por erros ou omissões nas especificações do veículo ou variação de seu preço

determinado pelo fornecedor.

5. O Cliente recebe o veículo escolhido e descrito no quadro preambular diretamente do Vendedor, portanto o aceita e

declara que está de acordo com as especificações técnicas do Vendedor e do Fabricante, sem defeitos ou vícios ou ônus,

exonerando o Banco de qualquer responsabilidade, assumindo o Cliente neste ato:

a) os riscos, despesas e encargos referentes à procedência, remessa, transporte, seguro e recebimento do veículo, bem

8como as despesas de manutenção e assistência técnica dos veículos;

b) os riscos e ônus por defeitos ou vícios que o veículo possa apresentar;

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Informe do Cliente

Esta via deverá ser entregue ao cliente no ato da assinatura.

c) os riscos da evicção, ou perda do veículo para terceiro, por fato anterior à aquisição dele pelo Banco.

5.1. Na ocorrência de quaisquer dos eventos previstos na cláusula acima, ainda e mesmo que inimputáveis ao Cliente ou

decorrentes de caso fortuito ou força maior, não poderá ele pedir redução proporcional na contraprestação ou em

quaisquer outras importâncias por ele devidas ao Banco, nem pleitear a rescisão deste contrato.

6. O Cliente pagará as importâncias relativas às obrigações deste Contrato, nos vencimentos ora estabelecidos, em

moeda corrente, mediante a utilização de carnê, ficha de compensação ou outro documento equivalente emitido pelo

Banco na forma, quantidade e periodicidade previstas no quadro preambular.

7. O não recebimento do carnê ou ficha de compensação ou a sua perda não isentam o Cliente do pagamento das

contraprestações e das demais obrigações previstas neste Contrato, permanecendo o Cliente integralmente responsável

pelo cumprimento de suas obrigações.

8. O pagamento das obrigações pelo Cliente poderá ser efetuado através de débito na Conta Corrente do HSBC,

identificada no quadro preambular, ficando o Cliente obrigado a manter saldo suficiente na referida conta corrente para o

cumprimento tempestivo das obrigações ora assumidas.

9. DO VRG (Valor Residual Garantido) - O Cliente pagará ao Banco, até a data de vencimento da última contraprestação,

o VRG no montante indicado no preâmbulo contratual, podendo este ser pago antecipadamente à vista, e/ou em parcelas

periódicas e adicionais, pagas juntamente com as contraprestações e/ou final juntamente com a última contraprestação, na

forma indicada no preâmbulo.

9.1. O valor da parcela à vista do VRG será entregue pelo Cliente diretamente ao Vendedor, ficando sob sua

responsabilidade a obtenção e guarda de documento comprobatório de plena, rasa e geral quitação.

9.2. A antecipação do VRG ou o seu pagamento ao final do contrato não significará sua opção pela aquisição do veículo,

a qual deverá ser feita de conformidade com o previsto neste contrato, em sua cláusula 23.

10. O Cliente não poderá, em hipótese alguma, constituir ônus ou gravame a favor de terceiros sobre o(s) veículo(s) de

propriedade do Banco, obrigando-se a proteger e defender às suas expensas, a propriedade do Banco sobre os referidos

bens, inclusive de qualquer espécie de constrição, judicial ou extrajudicial.

10.1. O Cliente tão logo tenha conhecimento da ocorrência de qualquer dos fatos acima previstos, e sem prejuízo de sua

obrigação de tomar as providências necessárias à defesa e à proteção dos bens, deverá levá-los ao conhecimento do

Banco, por escrito e dentro do prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

10.2. O Cliente responderá por quaisquer prejuízos que o Banco venha a sofrer com relação aos bens objeto do

arrendamento ou da ocorrência de qualquer situação prevista neste contrato, inclusive turbação e esbulho.

11. Fica expressamente estipulado que o Cliente e os Intervenientes Garantidores assumem contratualmente as

responsabilidades de Fiel Depositário do veículo, ficando sujeitos às cominações decorrentes da legislação civil e penal

aplicáveis à espécie, obrigando-se ainda a permitir ao Banco, realizar exames, vistorias ou inspeções, além de manter em

perfeitas condições de uso e funcionamento, atendendo prontamente a qualquer pedido neste sentido, formulado pelo

Banco.

12. A eventual substituição do(s) veículo(s) por outro(s) da mesma natureza, que melhor atendam às conveniências e

interesses do Cliente, poderá ser feita desde que o Cliente esteja em dia com todas as obrigações decorrentes deste

Contrato, ficando, sua realização condicionada a expresso e prévio acordo entre as Partes, notadamente, quanto ao valor

mínimo dos novos veículos, que não poderá ser inferior ao valor do saldo devedor deste Contrato, na ocasião, cabendo

ao Cliente proceder o pagamento de quaisquer ônus e efeitos fiscais e financeiros resultantes da substituição efetuada.

13. O Banco fica desde já, expressamente isento e excluído de qualquer responsabilidade civil ou criminal, incluindo, mas

não se limitando a responsabilidade por danos morais, que a propriedade, posse, uso, transporte ou operação dos

veículos arrendados der causa, direta ou indiretamente.

13.1. Ocorrendo a hipótese acima mencionada, e sendo proposta por terceiros qualquer medida contra o Banco, o

Cliente concorda em assumir responsabilidade e ônus advindos de tais medidas, arcando com todas as despesas suportadas

pelo Banco, como viagens, custos, estadias, honorários dos advogados escolhidos pelo Banco para defenderem os seus

interesses, em juízo ou fora dele, devendo ser pagos pelo Cliente ao Banco no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar

da respectiva solicitação.

14. O Banco poderá exigir que os respectivos bens constitutivos das garantias sejam segurados pelo Cliente, contra todos

os riscos a que possam estar sujeitos, até a final liquidação do débito, constando o Banco como beneficiário, ficando

estabelecido que as indenizações que o Banco vier a receber, em virtude de sinistros ocorridos, serão aplicadas na

amortização ou solução integral das obrigações ora assumidas, colocando o saldo que se verificar, à disposição do

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Informe do Cliente

Esta via deverá ser entregue ao cliente no ato da assinatura.

Cliente. Fica estabelecido, no entanto, que a seu exclusivo critério, o Banco poderá aceitar pedido do Cliente para

adquirir outro veículo em substituição ao sinistrado, utilizando o valor da indenização para a aquisição do referido veículo.

15. Havendo a contratação de seguro do veículo, por meio da proposta de adesão anexa e caso o Cliente tenha optado

pelo pagamento do valor do prêmio juntamente com as contraprestações do arrendamento, este comporá o custo total do

arrendamento. Caso haja o cancelamento do seguro contratado desta forma, o Cliente desde já autoriza que o valor não

utilizado do prêmio seja utilizado na amortização de prestações mensais, contraprestações e parcelas mensais de VRG, ou

de quaisquer outras obrigações deste contrato, restando ainda ao Banco a faculdade de colocar tal valor à disposição do

Cliente.

15.1. Caso o Cliente não tenha segurado o veículo por apólice, vigerão as cláusulas que se seguem:

15.1.1. O Cliente assume a responsabilidade pela substituição do veículo nos casos de destruição total, perda, furto ou

roubo.

15.1.2. Deverá o Cliente providenciar, às suas expensas e em oficinas de concessionárias autorizadas pelo fabricante,

todos os consertos ou reparos que se fizerem necessários à manutenção do veículo em perfeito estado de funcionamento,

segurança e aparência, substituindo todas as peças e partes que se danificarem ou estejam funcionando de forma

imperfeita, de modo a colocar o veículo em seu estado normal de uso.

15.1.3. Ocorrendo o sinistro do veículo, poderá o Cliente:

a) proceder, às suas expensas, a substituição do veículo, por outros de mesma natureza, aceito pelo Banco, hipótese em

que as contraprestações continuarão a ser devidas normalmente, até o término deste Contrato, ou,

b) optar pela rescisão deste Contrato, hipótese em que o Cliente se obriga a pagar ao Banco o VEP, definido no item

15.3, vigente na data do pagamento, acrescido dos encargos gerados em decorrência da rescisão.

c) Se a perda for parcial, o Cliente pagará o valor estipulado de perda de forma proporcional à parte perdida, hipótese em

que este contrato será alterado automaticamente em razão da dedução do valor da parte perdida, ficando o valor das

contraprestações, VRG e prestações do VRG alterados por via de conseqüência.

15.2. Na hipótese de sinistro, se o Banco, após ter recebido do Cliente a indenização devida, vier a recebê-la, também,

parcial ou totalmente da Companhia Seguradora, repassará ao Cliente as importâncias que tiver recebido da mesma,

desde que não existam débitos em aberto de responsabilidade do Cliente junto ao Banco. Existindo débitos pendentes, as

importâncias recebidas serão aplicadas na amortização e/ou liquidação de tais débitos.

15.3. O valor estipulado de perda (VEP) corresponde ao saldo devedor do arrendamento e será composto, em cada

momento, pela soma das contraprestações vincendas com as vencidas e não pagas, mais o VRG, deduzido o montante até

então já antecipado. Ao VEP serão acrescidos, se for o caso, os encargos de atraso no pagamento.

16. O Cliente poderá liquidar, total ou parcialmente, a operação, hipótese em que, para pessoas físicas, o cálculo do valor

presente das parcelas objeto da liquidação observará as seguintes taxas de desconto:

16.1. Contrato com prazo a decorrer de até 12 meses: a taxa de desconto será igual à Taxa Interna de Retorno do

contrato, apurada considerando o total dos pagamentos mensais, composto das contraprestações, valor residual garantido,

valor total arrendado e demais obrigações e despesas incorridas, descontado do VRG pago antecipadamente.

16.2. Contrato com prazo a decorrer superior a 12 meses:

16.2.1. Se a liquidação ocorrer total ou parcial, solicitada no prazo de até 7 (sete) dias contados da celebração do

contrato, a taxa de desconto será igual a da cláusula 16.1. supra.

16.2.2. Se a liquidação ocorrer total ou parcial, após decorrido o prazo previsto no item 16.2.1., a taxa de desconto será

equivalente a diferença entre a taxa interna apurada no item 16.1. e a taxa Selic apurada na data da contratação, somando-

se a essa diferença a taxa Selic vigente na data da liquidação antecipada.

16.3. A liquidação antecipada deve observar a ocorrência do prazo mínimo contratual estabelecido para o tipo de bem

arrendado, sob pena deste Contrato ser descaracterizado para operação de compra e venda a prazo, tendo o Cliente que

arcar com os valores decorrentes de tal operação, incluindo-se, mas não se limitando, aos valores exigíveis a título de

impostos.

17. O Banco poderá considerar antecipadamente vencido este Contrato, sendo exigível o imediato pagamento pelo

Cliente do VEP, acrescido dos juros e demais encargos calculados na data deste vencimento, independentemente de

aviso, interpelação ou notificação judicial ou extrajudicial, na ocorrência de qualquer uma das seguintes hipóteses:

a) Se o Cliente e/ou Devedores Solidários descumprirem qualquer das obrigações assumidas neste Contrato ou naqueles

celebrados ao seu amparo;

b) Se o cliente não comparecer ao Departamento de Trânsito onde se encontra licenciado o veículo, dentro do prazo

máximo de 30 (trinta) dias a partir da assinatura do contrato de arrendamento, para requerer a expedição de novo

Certificado de Registro do Veículo, em atendimento ao disposto nos artigos 123 e 134 do Código de Trânsito Brasileiro

- CTB (Lei n°. 9.503, de 23.09.1997), sob pena de em não o fazendo, sujeitar-se também às infrações e penalidades

previstas nos artigos 233, 241, 259 e 273 do referido Código de Trânsito Brasileiro. Fica o Cliente responsável pela

guarda do DUT original durante toda a vigência contratual. O Cliente deverá encaminhar o CRV ao Banco quando

solicitado ou na data de encerramento do arrendamento;

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Informe do Cliente

Esta via deverá ser entregue ao cliente no ato da assinatura.

c) Se o Cliente deixar de reforçar a(s) garantia(s), dentro do prazo estabelecido para tal fim, a partir da comunicação que

lhe fizer o Banco;

d) Se contra o Cliente e/ou Devedores Solidários for tirado protesto de título cambiário ou distribuída ação de execução

por título judicial ou extrajudicial;

e) Se o Cliente e/ou Devedores Solidários tiverem o nome incluído no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos ou

se tiverem emitido cheques sem suficiente provisão de fundos, sacado contra qualquer Agência do Banco;

f) Se o Cliente ceder ou por qualquer forma transferir os direitos e/ou obrigações decorrentes deste Contrato, sem prévia

e expressa autorização do Banco;

g) Se o Cliente deixar de pagar as despesas de emplacamento e licenciamento periódico do veículo, multas, IPVA,

Seguro Obrigatório ou qualquer outro tributo ou imposto incidente sobre o veículo;

h) Nos demais casos previstos nos artigos 1425 e 333 do Código Civil Brasileiro.

17.1. Rescindido este contrato, por qualquer causa, e sem prejuízo das penalidades estipuladas na cláusula anterior,

deverá o Cliente restituir os veículos ao Banco, dentro do prazo de 24 horas do aviso que para tanto lhe for expedido, em

perfeito estado de uso e conservação, salvo o desgaste pelo uso normal, sob pena das medidas judiciais cabíveis.

17.2. Realizado o pagamento do saldo devedor, o Banco transferirá ao Cliente o domínio, posse, direito e ação sobre o(s)

veículo(s).

17.3. Caso o Cliente, após a devolução do(s) veículo(s) deixe de efetuar o pagamento do saldo devedor, será facultado

o seguinte:

(a) Promover a venda dos veículos, estado em que tiverem sido devolvidos, pela melhor oferta obtida;

(b) Promover novo arrendamento dos bens.

17.4. Se o produto líquido com a venda dos bens ou com o novo arrendamento não for suficiente para a liquidação do

saldo devedor, o Banco cobrará do Cliente, a diferença apurada. Se a diferença for a maior, o Banco a devolverá ao

Cliente.

17.5. No caso de rescisão deste Contrato, o Banco poderá a seu critério, ao invés de reaver os veículos, cobrar do

Cliente o saldo devedor.

18. O atraso ou falta de pagamento de qualquer valor devido nos termos deste Contrato, além de ensejar o seu vencimento

antecipado, sujeitará o Cliente ao pagamento de comissão de permanência conforme disciplinada pelo Banco Central do

Brasil, calculada à taxa máxima do mercado do dia do pagamento adotada pelo Banco em suas operações ativas, acrescida

de juros moratórios de 1 % (um por cento) ao mês, calculado pro-rata temporis desde a data de vencimento até a data do

respectivo pagamento, além de multa convencional e irredutível, de caráter indenizatório, no percentual de 2% (dois por

cento), bem como ter seu nome incluso nos cadastros de proteção ao crédito, sem prejuízo do disposto nas Cláusulas 19

e 21 deste Contrato.

18.1. No caso de descumprimento de obrigação não pecuniária será devida multa de 10% (dez por cento) calculada

sobre o saldo devedor deste contrato.

19. Se eventualmente, o Banco tiver que recorrer a procedimento administrativo ou judicial para defesa de seus direitos

ou para recebimento do que lhe for devido, de principal e/ou encargos, responderá diretamente o Cliente pelas despesas,

custas judiciais e extrajudiciais e pelos honorários advocatícios que forem fixados judicialmente.

20. Iguais direitos caberão ao Cliente, caso a cobrança do Banco na esfera administrativa oujudicial venha a ser

considerada indevida.

21. Para assegurar o cumprimento de todas as obrigações, principais e acessórias, decorrentes deste Contrato, o Cliente

emite neste ato uma nota promissória em favor do Banco, com vencimento à vista e valor correspondente ao somatório

das contraprestações mensais acrescidas da importância correspondente ao VRG (valor residual garantido) total.

22. Os Intervenientes Garantidores, avalistas da Nota Promissória emitida de acordo com a cláusula anterior, anuem

expressamente com o convencionado neste Contrato, responsabilizando-se ilimitada e solidariamente pelo fiel e cabal

cumprimento de todas as obrigações dele decorrentes, assumidas pelo Cliente, seja de principal, encargos financeiros

compensatórios e moratórios abrangendo juros, comissão de permanência, tributos, multa contratual, honorários

advocatícios e demais despesas devidos exclusivamente em razão das condições pactuadas contratualmente, ainda que não

contidos na referida Nota Promissória.

23. Fica assegurado ao Cliente, desde que tenha cumprido todas as obrigações contratuais e comunique sua intenção ao

Banco, por escrito, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, no mínimo, anteriores ao término do arrendamento, optar:

(a) Pela compra dos veículos, utilizando os recursos do Fundo de Resgate representado pelo VRG para o pagamento do

preço para exercício da opção de compra, hipótese em que deverá ao Cliente fornecer ao Banco os comprovantes de

pagamento dos IPVAs e dos DPVATs, bem como de todas as multas pagas nas esferas Federais, Estaduais e Municipais,

documentos estes acompanhados de Carta manifestando formalmente a Opção de Compra.

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Informe do Cliente

Esta via deverá ser entregue ao cliente no ato da assinatura.

(b) Pela renovação do arrendamento, pelo prazo e nas condições que, à época, forem avençados, considerando para

cálculo das novas contraprestações, o Valor Residual Garantido;

(c) Pela devolução do veículo, ficando o Cliente, neste caso, obrigado a devolver ao Banco, no dia do término do prazo

do leasing, às suas expensas, o(s) referido(s) veículo(s). Nesta hipótese, o procedimento adotado pelo Banco será o

mesmo quando da devolução dos veículos por rescisão contratual.

23.1. Decorrido o prazo estabelecido acima e não tendo o Cliente se manifestado na forma acordada, prevalecerá a

opção constante da alínea "a" desta cláusula.

23.2. Em tendo sido efetuada a venda dos veículos ao Cliente:

23.2.1. Caberá ao Banco enviar no prazo máximo de 30 dias ÚTEIS, a contar do recebimento da documentação prevista

na cláusula acima, remeter ao Cliente: o DUT devidamente assinado, a Nota Promissória com carimbo de liquidado/sem

efeito e o Termo de Quitação do Leasing.

23.2.2. O Cliente deverá obter às suas próprias expensas todos os documentos e autorizações legais que possam ser

necessárias para a transferência de propriedade dos veículos.

23.2.3. O Cliente pagará à vista e imediatamente, as despesas de transferência da propriedade, bem como todos os

impostos, taxas, multas e tributos de qualquer natureza que forem necessários para que a transferência de propriedade

seja feita, assim como as despesas incorridas pelo Banco com a guarda, transporte, reparos ou manutenção do(s)

veículo(s).

24. Poderá o Banco a todo tempo empenhar este Contrato ou os direitos de crédito dele emergentes ao Banco Central do

Brasil, cedê-lo ou aliená-lo a outras instituições de acordo com a legislação aplicável.

25. Quaisquer tolerâncias ou concessões do Banco para com o Cliente não importarão em alteração ou novação das

cláusulas e condições deste Contrato e nem criarão direitos em favor do Cliente e/ou dos Intervenientes Garantidores.

26. Para tornar viável o pagamento de qualquer obrigação inadimplida pelo Cliente, com fulcro no artigo 368 e seguintes

do Código Civil Brasileiro e demais normas do Banco Central do Brasil aplicáveis à matéria, bem como para evitar uso de

medidas judiciais, o Banco e o Cliente concordam em proceder a compensação entre créditos e débitos que possuam um

frente o outro, na forma prevista pela lei, relativamente a todas as operações em aberto entre o Banco e o Cliente, por

aceleração de suas respectivas datas de vencimento.

26.1. Fica o Banco, também, desde já autorizado expressamente pelo Cliente a se utilizar, mediante débito, de qualquer

saldo, crédito ou aplicação porventura existente em favor do Cliente, em qualquer agência do Banco ou suas empresas,

para amortização ou liquidação de qualquer obrigação pecuniária do Cliente decorrente deste Contrato, efetuando, assim,

a compensação entre créditos e débitos, com fundamento na legislação citada no "caput".

27. O Cliente autoriza que as empresas do Banco no país e no exterior tenham acesso aos seus dados cadastrais e

obtenham informações referentes a transações realizadas em qualquer uma das empresas do Banco, com a finalidade de:

(i) processar tais informações em sistemas operacionais, de acordo com a legislação da localidade em que venham a ser

processadas; (ii) realizar o intercâmbio de informações com sistemas positivos e negativos de crédito junto a entidades

externas que disponibilizem registros de informações / restrições de crédito; (iii) obter maior agilidade e facilidade para as

operações ativas, passivas e de prestação de serviços nos mercados financeiros, de capitais, de câmbio, de seguros e de

consumo.

28. O Cliente autoriza, ainda, o Banco, em caráter irrevogável e irretratável, a ter acesso às informações sobre débitos e

responsabilidades por garantias constantes em seu nome, perante instituições de crédito e registradas no Sistema de

Informações de Crédito do Banco Central do Brasil, bem como a efetuar a troca de informações a respeito do Cliente

com sistemas positivos e negativos de crédito externos, junto a entidades que procedam registros de informações/restrições

de crédito, inclusive junto à SERASA - Centralização de Serviços de Bancos S/A,conforme normas em vigor.

29. Considerando que o Cliente é o possuidor direto do veículo, e que dele usa com exclusividade, constituem-se

obrigações do Cliente: 1) Fazer constar do certificado de registro de veículo sua qualificação como arrendatário e a do

veículo como sendo de propriedade do Banco; 2) Enviar ao Banco a cópia do DUT "Documento Único de Transferência"

devidamente gravado em nome deste no prazo máximo e improrrogável de 15 (quinze) dias a contar da assinatura do

Contrato; 3) pagar todos os tributos, taxas, tarifas e impostos que venham a incidir sobre o veículo ou sobre esta operação

de Leasing, inclusive IPVA, seguro obrigatório, ISS e ICMS; 4) pagar todas as multas, despesas de licenciamento e custos

decorrentes da utilização do veículo; 5) pagar todas as despesas com registro contratual e/ou das garantias, bem como

quaisquer outras que sejam necessárias a regular formalização e execução de garantias correrão por conta exclusiva do

Cliente, ficando o Banco, desde já, autorizado a praticar todos os atos necessários para os fins ora previstos.

29.1. As despesas com registro do Contrato e garantias, bem como as despesas com registro no sistema Nacional de

Gravames - SNG/Megadata poderão ser incluídas pelo Banco no custo do arrendamento, conforme descrito no preâmbulo,

sendo que os respectivos valores comporão o valor do arrendamento.

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Informe do Cliente

Esta via deverá ser entregue ao cliente no ato da assinatura.

29.2. Ocorrendo pagamentos pelo Banco dos tributos e obrigações acima mencionados estes deverão ser reembolsados

pelo Cliente em até 24 horas da solicitação, sem prejuízo do previsto nas Cláusulas 18 e 26.

30. Caso o Cliente tenha optado por contratar seguro de proteção financeira em benefício do Banco com a finalidade de

pagamento das obrigações pecuniárias do arrendamento e incluir no arrendamento o valor total do prêmio, este estará

previsto no quadro preambular e comporá o custo do arrendamento. Havendo a opção pela contratação do seguro de

proteção financeira, na hipótese de ocorrência de sinistro, o Cliente autoriza o Banco a receber a indenização da

Seguradora e utilizá-la na liquidação ou amortização de obrigações pecuniárias do arrendamento.

31. As partes elegem o foro da Comarca de Curitiba, Estado do Paraná, para a solução dos conflitos relativos ao

Contrato, salvo o direito do Banco de optar pelo foro do domicílio do Cliente ou dos Intervenientes Garantidores.

E, por estarem assim certos e ajustados, as Partes assinaram as três vias do Contrato, de igual teor e para um só efeito,

juntamente com as duas testemunhas, obrigando-se, por si, seus herdeiros e/ou sucessores, pelo fiel e cabal cumprimento

de todos os seus termos e condições.

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Anexo B: Exordial da ação civil pública intentada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em

face do Banco Itaú. (Formatação do original em PDF)

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA a

VARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO,

por meio do 1° Promotor de Justiça do Consumidor da Capital

signatário, vem, perante Vossa Excelência, para, com fundamento

no art. 129, inc. III, da Constituição Federal, nos arts. 81, § único,

incs. I e III, e 82, inc. I, ambos do Código de Defesa do Consumi-

dor (CDC), no art. 5°, caput, da Lei Federal n° 7.347/85, e no art.

25, inc. IV, a, da Lei Federal n° 8.625/93, propor AÇÃO CIVIL

PÚBLICA, a ser processada pelo rito ordinário, contra

BANCO ITAÚ S/A, pessoa jurídica inscrita no CNPJ sob

n° 60.701.190/0001-04, com endereço na Praça Alfredo

Egydio de Souza Aranha, 100, Torre Itaúsa, Parque Ja-

baquara, São Paulo-SP, CEP 04344-902;

ITAÚ UNIBANCO BANCO MÚLTIPLO S. A. pessoa jurídi-

ca inscrita no CNPJ sob n° 60.872.504/0001-23, com

endereço na Praça Alfredo Egydio de Souza Aranha, 100,

Torre Itaúsa, Parque Jabaquara, São Paulo-SP, CEP

04344-902,

a fim de que sejam acolhidos os pedidos ao final formulados em

razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos.

SINOPSE: Ação civil pública ajuizada contra instituição

financeira. Contrato padrão de adesão. Arrendamento

mercantil. Contrato que, por sua própria regulamenta-

ção legal, já confere garantias razoáveis à instituição fi-

nanceira. Cláusulas que impõem garantias extras exces-

sivas e abusivas. Disponibilidade sobre recursos deposi-

tados e aplicados para débito. Emissão de título de cré-

dito. Violação dos princípios da boa-fé e da proporciona-

lidade. Contratação de seguro como exigência abusiva.

Omissão de cláusula dispondo sobre restituição do VRG

na hipótese de rescisão.

DOS FATOS

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O BANCO ITAÚ S.A. integra a holding Banco Itaú

Holding Financeira S.A., que recentemente se uniu ao Unibanco -

União de Bancos Brasileiros S.A. para formar o ITAÚ UNIBANCO

BANCO MÚLTIPLO S.A., maior banco do hemisfério sul. É institu-

ição financeira que mantém contrato com 24 milhões de clientes

no Brasil, entre correntistas e não-correntistas.34 Atua como banco

múltiplo e, através das entidades que integram seu conglomerado

financeiro, fornece, entre outros, serviços que envolvem outorga de

crédito ou concessão de financiamento ao consumidor.

A contratação de arrendamento mercantil, ou lea-

sing, é oferecida no mercado de consumo diretamente pelo BANCO

ITAÚ S.A. e por bancos que integram sua holding (Banco Itaulea-

sing S.A., Banco Itaucard S.A., Banco Itaú BBA S.A., BFB Leasing S.A.

Arrendamento Mercantil. Itaubank Leasing S.A. Arrendamen-

to Mercantil, Fiat S/A).

O Juízo da Primeira Vara Cível de São Miguel Pau-

lista, da Comarca da Capital, encaminhou ao Ministério Público,

nos termos do art. 6° da Lei Federal n° 7.347/85, cópia de peças

dos autos do Processo n° 583.05.2008-113371/6, que cuida de

ação ajuizada por consumidora contra empresa comerciante de

veículos, BANCO ITAÚ S.A. e seguradora, em razão de inadim-

plência contratual decorrente da não-entrega de produto que fora

adquirido perante a primeira mediante financiamento concedido

pela segunda, em contrato de arrendamento mercantil.

O exame do contrato padrão de adesão de arren-

damento mercantil utilizado pelo BANCO ITAÚ S.A. levou à cons-

tatação de que diversas cláusulas não se compatibilizam com as

normas de direito material de proteção e defesa do consumidor,

por ferir direitos e criar situações iníquas e desequilibradas.

A presente ação civil pública, portanto, pretende

denunciar, remediar e impedir as avenças juridicamente inaceitá-

veis a que os réus sujeitam os consumidores através de seu contra-

to padrão de adesão de arrendamento mercantil.

Fonte: Perfil do Banco Itaú Holding Financeira

(http://ww13.itau.com.br/portalri/index.aspx?modo=full&idioma=port&Url=http://ww13.itau.com.br/Port alRI/HTML/port/infofinan/demon/Dcc_e_MDA/df311207/template_2frameset.htm&AspxAutoDetectCook

ieSupport=1 ) Acesso aos 11.03.08.

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Conforme ficará demonstrado, as cláusulas do

contrato padrão de adesão que conferem ao banco disponibilidade

sobre recursos depositados e aplicados para efetuar débitos e a-

quelas que possibilitam a emissão de título de crédito, também em

favor do banco, importam em excesso abusivo de garantias em fa-

vor do fornecedor, especialmente por tratar-se de contrato que,

por sua própria natureza, já confere garantias razoáveis à institui-

ção financeira. Do mesmo modo, pretende-se também apontar a abusividade

da exigência de contratação de seguro para o veículo.

Ficará ainda demonstrada, por fim, a necessidade de previsão

contratual garantindo expressamente o direito do consumidor à

restituição das parcelas pagas a título de valor residual garantido

(VRG) devidamente corrigidas e acrescidas de juros.

DO DIREITO

Características do contrato de arrendamento mercantil e suas garantias

inerentes em favor da instituição financeira

Embora, na prática, muitos consumidores vejam o

arrendamento mercantil como alternativa para a compra de pro-

dutos mediante financiamento, o certo é que, juridicamente, tal

contrato reveste-se de características peculiares.

No site do Banco Central, encontramos à pergunta

"O que é uma operação de leasing?" a seguinte resposta:

As empresas vendedoras de bens costumam apresentar o leasing

como mais uma forma de financiamento, mas o contrato deve

ser lido com atenção, pois trata-se de operação com característi-

cas próprias.

O leasing, também denominado arrendamento mercantil, é uma

operação em que o proprietário (arrendador, empresa de arren-

damento mercantil) de um bem móvel ou imóvel cede a terceiro

(arrendatário, cliente, "comprador") o uso desse bem por prazo

determinado, recebendo em troca uma contraprestação.

Esta operação se assemelha, no sentido financeiro, a um finan-

ciamento que utilize o bem como garantia e que pode ser amorti-

zado num determinado número de "aluguéis" (prestações) periódicos,

acrescidos do valor residual garantido e do valor devido

pela opção de compra.

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Ao final do contrato de arrendamento, o arrendatário tem as se-

guintes opções:

- comprar o bem por valor previamente contratado;

- renovar o contrato por um novo prazo, tendo como principal o

valor residual;

- devolver o bem ao arrendador.

A Lei Federal n° 6.099/74, em seu art. 1°, parágra-

fo único, considera arrendamento mercantil "o negócio jurídico

realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e

pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que te-

nha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrenda-

dora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio

desta". O art. 5° impõe as seguintes características ao contrato:

Art 5° - Os contratos de arrendamento mercantil conterão as se-

guintes disposições:

a) prazo do contrato;

b) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não

superiores a um semestre;

c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do

arrendatário;

d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação,

quando for estipulada esta cláusula.

Como explica ARNALDO RIZZARDO, "contrato essen-

cialmente complexo, visto encerrar uma promessa unilateral de

venda, um mandato, uma promessa sinalagmática de locação de coisa, uma

opção de compra ... como partes essenciais do negó-

cios ... Não se trata de uma simples locação com promessa de

compra, como à primeira vista pode parecer, mas cuida-se de uma

locação com uma consignação de uma promessa de compra, tra-

zendo, porém, um elemento novo, que é o financiamento, numa

operação específica que consiste na simbiose da locação, do finan-

ciamento e da venda".35

Característica essencial do arrendamento mercan-

til, portanto, relaciona-se à propriedade do bem, que não é trans-

ferida ao consumidor-arrendatário enquanto não pagos o preço

Acidentes de trânsito e responsabilidade civil no arrendamento mercantil. Revista da AJURIS, n° 35, p.

140.

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fixado na opção de compra e as prestações periódicas, permane-

cendo a instituição financeira, arrendadora, na condição de pro-

prietária durante todo o contrato. O réu, em seu sítio na Internet,

assim explica o leasing: "operação de arrendamento mercantil (le-

asing), com planos de 24 a 60 meses para pagamento e sem inci-

dência de IOF. O veículo arrendado é de propriedade da Institui-

ção Financeira até que você termine de pagar as parcelas do con-

trato".36

E por que tal característica é importante?

Nas palavras do Banco Central, "esta operação se

assemelha, no sentido financeiro, a um financiamento que utilize

o bem como garantia". Desse modo, na condição de proprietário

do bem, que conserva durante todo o curso do contrato, pode o

banco a qualquer momento, diante de eventual inadimplência, re-

tomar sua posse. E a correspondência que o réu encaminhou à consumidora

(fls. 24), no caso que ensejou a instauração do in-

quérito civil, é bastante significativa:

Caso não efetue o pagamento no prazo acima especificado, fica

V.Sa. ciente, desde já, que estará sujeita à medida judicial cabí-

vel (Busca e Apreensão pelo Decreto-Lei 911/69 alterado pe-

la Lei 10.931/2004, Reintegração de Posse, Execução pelo

Código de Processo Civil etc.), a qual a Itaucred já nos autori-

zou a providenciar em razão do inadimplemento contratual.

Com efeito, a incidência da regra do art. 3° do De-

creto-lei n° 911/6937 torna confortável a situação do banco arren-

dador, que goza, sempre, por força de lei, da faculdade de pedir

em juízo a reintegração de posse no caso de mora. E o contrato

padrão de adesão prevê na Cláusula 30.3.1 que

NA HIPÓTESE DE VENCIMENTO ANTECIPADO O ARRENDA-

TÁRIO RESTITUIRÁ O VEÍCULO À ARRENDADORA NO PRAZO

DE 5 (CINCO) DIAS.

O arrendamento mercantil, portanto, por sua na-

tureza, como contrato típico que é, já propicia ao fornecedor ga-

rantia significativa - o próprio bem - do qual não deixa de ser pro-

prietário durante toda duração do contrato. Os meios judiciais

36 Conheça nossos produtos http://www.itau.com.br/ Acesso aos 12.12.08. 37 "Art. 3°. - O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciàriamente, a qual será concedida Iiminarmente, desde que comprovada a

mora ou o inadimplemento do devedor."

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postos à disposição do banco pela lei em caso de inadimplência

para recuperar sua posse nesse caso são bastante efetivos e céle-

res, pois "comprovada a mora decorrente da falta de pagamento

das prestações avençadas, operando-se a resolução do contrato de

arrendamento mercantil entabulado entre as partes, nos termos

da cláusula resolutiva expressa, configurado está o esbulho, sendo de rigor a

concessão da liminar de reintegração de posse" (TJSP, Agravo de Instrumento

n° 1.200.045.0-0/2, 26a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Felipe Ferreira,

11/08/2008).

A retomada do bem, sem dúvida, reduz drastica-

mente a possibilidade de prejuízo para o banco.

No entanto, não satisfeito com essa importante ga-

rantia, o réu, ao elaborar seu contrato padrão de adesão, denomi-

nado CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL, arrogou-se

abusivamente diversas outras garantias, ignorando prescrições do

CDC que proíbem cláusulas iníquas e desproporcionais.

Conforme ficará demonstrado a seguir, a cumula-

ção de garantias, até a demasia, viola o princípio da proporciona-

lidade e desequilibra o contrato em prejuízo do consumidor.

Boa-fé e confiança

Relevantes razões recomendam o respeito ao prin-

cípio da boa-fé nas relações contratuais, como a constatação de

que o contrato se presta a finalidades sociais e morais - e não a-

penas econômicas e individuais - e a necessidade de enfatizar, va-

lorizar e tornar juridicamente protegido o elemento "confiança",

sem o qual nenhum contrato pode operar.38 Se a economia movi-

menta-se através de contratos, é desejável que estes tenham sua

existência pautada por parâmetros éticos. Os economistas já cons-

tataram o importante papel da ética como fator de produção: "a

presença de valores morais e a adesão a normas de conduta são requisitos

indispensáveis para que o mercado se firme como regra

de convivência civilizada e se torne, alimentado pelo desejo de ca-

da indivíduo de viver melhor, uma interação construtiva na cria-

ção de riqueza".39

38 Cf. RONALDO PORTO MACEDO JR., Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. São Paulo: Max

Limonad. 1998, pp. 228-235, passim. 39 EDUARDO GIANNETTI, Vícios Privados, Benefícios Públicos? A ética na riqueza das nações. São Paulo:

Cia. das Letras. 6a reimpressão, 2002, p. 154. GIANNETTI reproduz as seguintes palavras do economista

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O ordenamento jurídico não é indiferente a essas

razões. O Código Civil, no seu art. 422, proclama que "os contra-

tantes são obrigados a guardar, assim na conclusão, como em sua

execução, os princípios da probidade e boa-fé". Nas relações de

consumo, do mesmo modo, a presença da boa-fé é exigência ex-

pressa nos arts. 4°, inc. III e 51, inc. IV do CDC.

Vale dizer, pois, que a premissa a prevalecer é a de

que as partes, quando contratam, agem de boa-fé, na expectativa

de adimplir as obrigações assumidas. Nesse contexto, a exigência

de garantias descabidas e exageradas implica na presunção anta-

gônica, ou seja, de que um dos contratantes pretende descumprir

aquilo que contratou.

Mas pode o fornecedor moldar seu contrato padrão

de adesão a partir da premissa, marcada pela desconfiança, de

que todo consumidor é mau pagador e pretende esquivar-se da

retribuição pecuniária, para assim impor garantias exageradas?

Razoabilidade das garantias

Banqueiro é esse cara que só se arrisca quando não há o menor

perigo. MILLÔR FERNANDES

É verdade que o princípio da boa-fé não impede

que as partes queiram cercar-se de certas garantias quando con-

tratam. Ninguém ignora que um elevado grau de inadimplência

pode levar o fornecedor à ruína e, para que qualquer negócio se

mantenha estável, é preciso que as expectativas de receita que os

contratos criam sejam confirmadas. Por outro lado, na sociedade

de consumo de massa atual, os fornecedores contratam com pes-

soas desconhecidas, circunstância que atua como fator de impre-

visão e, conseqüentemente, de maior risco.40

KENNETH ARROW: "Praticamente toda transação comercial encerra um elemento de confiança; segura-

mente qualquer transação que se prolonga ao longo do tempo (... ) Durante a sua evolução, as sociedades

desenvolveram acordos implícitos de certos tipos de consideração pelos outros, acordos que são essenci-

ais para a sobrevivência da sociedade ou ao menos contribuem enormemente para a eficiência do seu funcionamento. Empreendimentos coletivos de qualquer tipo, não apenas governamental, tornam-se difí-

ceis ou impossíveis não apenas porque A pode trair B, mas porque mesmo se A deseja confiar em B ele

sabe que é improvável que B confie nele. É claro que esta falta de consciência social representa de fato uma perda econômica definida em sentido muito concreto, além de ser uma perda do ponto de vista do

bom andamento do sistema político" (op. cit., p.171). É preciso entender o principio da boa-fé por esse

ângulo, afinal "a validade de um preceito não decorre do fato de ter sido emanado de um órgão competen-

te, nem tampouco do assentimento dado ao seu conteúdo, mas resulta de um complexo de motivos, e, em última análise, de sua correspondência racional com o valor-fim do Direito em função de condições obje-

tivas de ordem cultural" (MIGUEL REALE, Fundamentos do Direito, São Paulo: RT, 3a ed., 1998, p. 316). 40 Em determinadas situações, a própria lei cria mecanismo para assegurar uma dívida, como é o caso, por

exemplo, do penhor legal estabelecido em favor dos hospedeiros, estalajadeiros ou fornecedores de pou-

sada ou alimento sobre as bagagens, móveis, jóias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos como garantia pelas despesas ou consumo (art.

1.467 do Código Civil).

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A exigência de garantias, portanto, não deve, em

princípio, causar indignação, desde que limites proporcionais e

razoáveis não sejam ultrapassados; desde que parâmetros de co-

medimento sejam atendidos.

O princípio da proporcionalidade exige relação de

compatibilidade entre determinados objetivos e os meios eleitos

para sua consecução, a fim de evitar sacrifícios desnecessários de

direitos. Segundo FÁBIO MEDINA OSÓRIO, "a proporcionalidade, jun-

tamente com o preceito da proibição de excesso, é resultante da

essência dos direitos fundamentais e do caráter aberto dos siste-

mas jurídicos, que demandam processos decisórios repletos de

ponderações e raciocínios fundamentados. Proíbem-se intervenções

desnecessárias e excessivas, apesar do fato de que o excesso

ou a desnecessidade nem sempre resultam claramente definidos

em leis ou nas Constituições".41

No âmbito das relações de consumo, o princípio da

proporcionalidade incide para impedir os abusos que, impostos

pela parte economicamente mais forte, geram situação de injustiça

e iniqüidade em prejuízo do contratante considerado vulnerável.

Fruto de uma noção de eqüidade, condena qualquer imposição

que resulte em ônus excessivo, em sacrifício imoderado ou desne-

cessário ao direito alheio; propõe que os meios eleitos devem

guardar proporção com os fins desejados, possuindo a justa me-

dida, pois todo excesso é vedado.42 Exemplo de aplicação do prin-

cípio da proporcionalidade no CDC é a proibição de que o consu-

midor inadimplente seja exposto a ridículo, ou submetido a qual-

quer tipo de constrangimento ou ameaça na cobrança de débitos,

prevista no art. 42.

Assim, o direito de buscar garantias contra deter-

minados riscos não é ilimitado; não é o contratante livre para im-

por à outra parte as exigências que lhe parecerem convenientes

para sua segurança. A legitimidade do objetivo (prevenir-se contra

eventual inadimplência ou mora, ou diminuir sua exposição a ris-

cos) não justifica a sobreposição de diversas e quaisquer medidas

41 Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: RT. 2005, n° 3.3.1, p. 226, apud MS 10827/DF, Rel.

Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Terceira Seção, julgado em 14/12/2005, DJ 06/02/2006 p. 195) 42 V. LUÍS AFONSO HECK, O Tribunal Constitucional Federal e o Desenvolvimento dos Princípios Consti-

tucionais, Porto Alegre: Fabris. 1995, p. 177.

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protetoras, menos ainda quando essas são impostas à parte vul-

nerável em contrato padrão de adesão.

Cumpre lembrar que determinado nível de risco é

inerente, afinal, a toda atividade econômica capitalista; que todos

os produtores e fornecedores devem suportá-lo sem ver aí pretexto

para a imposição de exigências descabidas. Segundo SÍLVIO RO-

DRIGUES, "em regra, o contratante que se propõe a fornecer sua

prestação em primeiro lugar, como o comerciante que vende a

prazo ou o empreiteiro que constrói para a final receber o preço,

assume espontaneamente um risco. Mas a assunção de tal risco é

consciente, tendo em vista as condições de solvabilidade do con-

tratante".43 Como entoa o brocardo lembrado por CARLOS MAXIMI-

LIANO, os que têm direito ao cômodo devem sofrer o incômodo.44 Não

é concebível a existência de atividade lucrativa sem exposição a

riscos, que são próprios do Capitalismo.

No que toca ao contrato de arrendamento mercan-

til, vimos que o próprio ordenamento jurídico já municia o banco

de garantia, conferindo-lhe o significativo poder de obter liminar-

mente em juízo a reintegração de posse do bem, de sua proprieda-

de, em caso de simples mora.

Mas não é só. Outras garantias atuam em prol da

instituição financeira. A própria formalização do contrato, em do-

cumento escrito e instrumentalizado, já constitui uma garantia

para si, que na hipótese de inadimplência têm esse meio de provar

a existência da obrigação e compelir o inadimplente a cumprir

com o pactuado, inclusive através de ação monitória.45 Além disso, há

pesquisas em bancos de dados e cadastros relativos a con-

sumidores, consultas a serviços de proteção ao crédito e congêne-

res (SPC, Serasa, etc.) e outras providências acautelatórias, como

a instituição de devedores solidários. 46

Não se pode esquecer, ainda, o valor elevado das

taxas de juros, em razão do spread fixado pelos bancos levando

43 Direito Civil — Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. São Paulo: Saraiva. 25 ed.,111997, p. 77. 44 Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense. 9a. ed., 1980. p. 250. 45 "O contrato de arrendamento, o termo de restituição do bem e a nota fiscal de venda, preenchem, em

conjunto, os atributos da certeza da obrigação, sem que tenha força executiva, sendo cabível a ação moni-

toria." (TJSP, Apelação com Revisão n° 1.066.795.00/9, 34a. Câmara de Direito Privado, Relator Emanu-

el Oliveira, j. 01/12/2008) 46 Nos termos da Cláusula 22, "As pessoas ao final nomeadas, designadas Devedores Solidários, decla-

ram-se solidariamente responsáveis por todas as obrigações assumidas pelo Arrendatário e assinam este

contrato concordando com os seus termos."

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em conta o risco de inadimplência. Segundo documento do Banco

Central, "o risco de crédito tem sido um fator determinante do ele-

vado custo das operações de empréstimo ... os bancos sempre co-

bram um adicional a título de risco de crédito, ou seja, um valor

associado à probabilidade de não receber o valor emprestado".47 E,

como é sabido, os juros cobrados pelos bancos no Brasil têm sido

altíssimos, e seu negócios no país, apesar dos riscos, têm sido

bastante lucrativos.48

Passaremos, a seguir, a demonstrar, de modo es-

pecífico, as cláusulas que abusivamente criam garantias indevidas

em favor do réu no contrato padrão de adesão do réu e como o e-

xagero do fornecedor na busca de segurança encontra obstáculo

nas regras jurídicas que pautam a relação de consumo.

Primeira ilegalidade: Cláusulas 26.3.1, 13.1.2.1 e 13.1.2.1.1

Disponibilidade do banco sobre recursos financeiros depositados de

propriedade do consumidor-arrendatário

é inaceitável o costumeiro procedimento dos Bancos de fazer "jus-

tiça pelas próprias mãos", utilizando-se do expediente de inserir

em seus contratos cláusulas que lhes autorizam realizar débitos

em conta-corrente

Desembargador RIZZATTO NUNES, TJSP

As estipulações das Cláusulas 13.1.2.1, 13.1.2.1.1

e 26.3.1 do contrato padrão de adesão incorrem em ilegalidade

flagrante ao ensejar disponibilidade do banco, para efeito de débi-

tos, sobre recursos financeiros em seu poder que são de proprie-

47 Juros e Spread Bancário no Brasil - Publicação do Departamento de Estudos e Pesquisas do Banco

Central do Brasil - Outubro de 1999. (http://www.bcb.gov.br/ftp/juros-spread1.pdf) Acesso em 1°..07.08. 48 Estamos acostumamos com manchetes como "Brasil ainda terá juros mais altos do mundo mesmo após

corte do Copom" (Folha Online - Dinheiro - 30/08/2006 - 10h15

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u110630.shtml, acesso aos 09.10.07) ou "Bancos do

país cobram maior juro do planeta" (Folha Online - Dinheiro - 16/02/2006 - 09h06

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u105279.shtml, acesso aos 09.10.07).

"O lucro dos cinco maiores bancos brasileiros --Bradesco, itaú, Unibanco, Banco do Brasil e Caixa-- atingiu o volume recorde de R$ 18,4 bilhões em 2005, maior resultado da história do sistema bancário

brasileiro, segundo dados da consultoria Economática". (22/02/2006 - 19h04 - Falta de concorrência

"turbina" lucro de bancos - ivone Portes da Folha Online - Dinheiro -

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u105488.shtml) Acesso aos 07.10.07. "Até agora, os

três maiores bancos que já publicaram seus números dos nove meses de 2007 (itaú, Bradesco e Santan- der) já ultrapassam o lucro anual de 2006. O Bradesco teve lucro de R$ 5,817 bilhões em 2007, ante R$

5,205 bilhões (janeiro a dezembro de 2006 ajustado pelo IPCA). O Santander anotou R$ 1,309 bilhões

nos nove meses de 2007 contra R$ 828 milhões." (Lucro do Itaú em 9 meses supera lucro anual de qual-

quer banco no Brasil - Folha Online - Dinheiro - 06/11/2007 - 10h09

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u343036.shtml) Acesso aos 14.11.07.

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dade do consumidor-arrendatário ou dos devedores solidários. Se-

gundo suas redações:

Cláusula 13.1.2.1 Na hipótese de atraso no pagamento, o débi-

to poderá ocorrer em qualquer conta de titularidade do Arrenda-

tário mantida no Banco Itaú S.A., que apresentar saldo disponí-

vel suficiente.

Cláusula 13.1.2.1.1 Se não houver saldo disponível em qual-

quer das contas referidas no subitem 13.1.2.1, os Devedores

Solidários autorizam o Banco Itaú S.A. a debitar os valores de-

vidos em qualquer de suas contas correntes mantidas no Banco

Itaú S.A. que apresentar saldo disponível suficiente. Se a Arren-

dadora indicada no item 1 não for o Banco Itaú S.A., os Devedo-

res Solidários autorizam o Banco Itaú S.A. a entregar os valores

debitados à Arrendadora.

Cláusula 26.3.1 SE O ARRENDATÁRIO NÃO CUMPRIR QUAL-

QUER DE SUAS OBRIGAÇÕES OU OCORRER O VENCIMENTO

ANTECIPADO, A ARRENDADORA PODERÁ UTILIZAR, PARA

PAGAMENTO POR COMPENSAÇÃO DO DÉBITO, VALORES QUE

O ARRENDATÁRIO OU OS DEVEDORES SOLIDÁRIOS MANTI-

VEREM NA ARRENDADORA E DE QUE A ARRENDADORA SE-

JA DEVEDORA.

Através desses dispositivos o réu arroga-se o direi-

to de dispor do dinheiro dos consumidores e dos devedores solidá-

rios, em caso de impontualidade no pagamento de prestação pe-

cuniária. Trata-se de direito potestativo atribuído unilateralmente

a si por fornecedor, em seu próprio interesse, em contrato padrão

de adesão, e que resulta, nada mais, nada menos, em autorização

compulsória para que o Banco Itaú S.A. "debite os valores devidos

em qualquer de suas contas correntes mantidas no Banco Itaú

S.A., que apresentar saldo disponível suficiente".

A abusividade aqui é evidente, uma vez que, como

mero depositário, não pode o banco apropriar-se dos recursos fi-

nanceiros de propriedade do cliente. Nem mesmo a condição de

credor legitima tal estipulação, que "autoriza" a instituição finan-

ceira a avançar sobre o patrimônio do devedor, sem aviso prévio, sem direito

de defesa, sem discussão sobre o cálculo da dívida e

sem verificar se os valores são penhoráveis.49

49 Nos termos do art. 649, IV, do CPC:

"Art. 649 - São absolutamente impenhoráveis: ( ... )

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do deve-

dor e sua família,"

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O contrato de depósito e a excepcionalidade do desconto em conta

corrente

Embora, por ser o dinheiro bem fungível, muitos

vejam nesse contrato as características do mútuo50, parece correto

afirmar que, ao abrir uma conta corrente, o consumidor contrata

com o banco a prestação onerosa de serviços de depósito51, na

medida em que jamais perde a propriedade sobre aquele montan-

te, cuja restituição poderá reclamar para si a qualquer momento.

Segundo voto proferido pelo Ministro CARLOS AL-

BERTO MENEZES DIREITO, quando integrava o Superior Tribunal de

Justiça, "O que se verifica é que o sistema do contrato de depósito

bancário autoriza tanto a transferência do dinheiro depositado ao

controle do depositário como o direito do depositante de pedir a

restituição do que depositou, no todo ou em parte. Guarda, por-

tanto, elementos do depósito irregular e do mútuo, mas, repita-se,

é um contrato com características próprias e, por isso, não pode

ser enquadrado nem naquele nem neste, pura e simplesmente, embora seja,

essencialmente, um contrato de depósito, não de mútuo".52

Assim, ao receber do correntista-depositante seu

dinheiro, a instituição financeira assume a condição de depositá-

ria, obrigando-se a guardar e conservar o montante depositado.

Ou seja, "O depósito em conta corrente bancária é mero prolon-

gamento do caixa da empresa, disponível por esta sem que ao

banco caiba qualquer direito de compensação por dívidas. São re-

lações diferentes o dever de guarda, inerente ao depósito, e o direi-

to de crédito, decorrente do desconto de título bancário; incom-

pensáveis, portanto".53

É importante considerar precedentes do Superior

Tribunal de Justiça a reconhecem que, em regra, não possuem os

bancos disponibilidade sobre o saldo na conta corrente dos clien-

tes:

COMERCIAL. SALDO EM CONTA CORRENTE. COMPENSA-

ÇÃO COM TÍTULO DESCONTADO. INVIABILIDADE.

50 Código Civil, art. 586: "O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir

ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade." 51 Código Civil, art. 627: "Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar,

até que o depositante o reclame." 52 STJ, REsp 501401/MG, Segunda Seção, julgado em 14.04.2004, DJ 03.11.2004 p. 130. Destaques não originais. 53 STJ, REsp 88293/AM, Terceira Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, 14/12/1999.

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O saldo em conta corrente bancária não pode, sem autoriza-

ção do depositante, ser compensado com créditos do banco,

decorrentes de título, que descontou, emitido por terceiro.

(REsp 88293/AM - Terceira Turma - Rel. Min. Ari Pargendler -

14/12/1999)

CONTRATO DE DEPÓSITO. DÉBITO EM CONTA-CORRENTE.

INADMISSIBILIDADE DA COMPENSAÇÃO UNILATERAL PRA-

TICADA PELO BANCO.

Não se pode considerar como exercício regular de um direito

o ato do banco de debitar, sem autorização do correntista, a

quantia que afirma lhe ter sido paga por equívoco.

(AgRg no Ag 83545/DF - Rel. Ministro Barros Monteiro - Quarta

Turma - 22/04/1996)

Se imprescindível a autorização do correntista, es-

ta não pode vir imposta de forma ampla e genérica, em contrato

padrão de adesão, sem que se lhe dê a opção de não autorizar.

Com efeito, as cláusulas impugnadas são redigidas com caráter

peremptório, implicam em "autorização compulsória", em manifes-

to desrespeito à vontade do consumidor.

E seu conteúdo resulta em inadmissível disponibi-

lidade plena do banco sobre o patrimônio alheio, com a possibili-

dade de apropriar-se do montante que desejar (pois o valor é cal-

culado unilateralmente), no momento em que desejar, à revelia do

consumidor-depositante, sem indagar o motivo - eventualmente

até legítimo - da mora (como no caso da consumidora Neide Soa-

res Souza, que não pagou as prestações simplesmente porque não

recebera o veículo!).

Deve-se considerar, ademais, a possibilidade cria-

da de que a apropriação recaía eventualmente sobre valores de na-

tureza alimentar que estejam na conta do consumidor, o que a-

grava a ilegalidade.54

54 O Superior Tribunal de Justiça já manifestou em diversos julgados seu repúdio à apropriação de valores

que compõe o salário do correntista pelos bancos: "BANCO. Cobrança. Apropriação de depósitos do devedor.

O banco não pode apropriar-se da integralidade dos depósitos feitos a título de salários, na conta do seu

cliente, para cobrar-se de débito decorrente de contrato bancário, ainda que para isso haja cláusula per-

missiva no contrato de adesão." (STJ, REsp 492.777/RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma,

julgado em 05.06.2003, DJ 01.09.2003, p. 298) "CONTA CORRENTE. Apropriação do saldo pelo banco credor. Numerário destinado ao pagamento de salários. Abuso de direito. Boa-fé.

Age com abuso de direito e viola a boa-fé o banco que, invocando cláusula contratual constante do con-

trato de financiamento, cobra-se lançando mão do numerário depositado pela correntista em conta desti- nada ao pagamento dos salários de seus empregados, cujo numerário teria sido obtido junto ao BNDES.

"A cláusula que permite esse procedimento é mais abusiva do que a cláusula mandato, pois, enquanto esta

autoriza apenas a constituição do título, aquela permite a cobrança pelos próprios meios do credor, nos

valores e no momento por ele escolhidos." (STJ, REsp 250523/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,

Quarta Turma, julgado em 19.10.2000, DJ 18.12.2000, p. 203, RSTJ145/446) "Não pode o banco se valer da apropriação de salário do cliente depositado em sua conta corrente, como forma de compensar-se da dívida deste em face de contrato de empréstimo inadimplido, eis que a remune-

ração, por ter caráter alimentar, é imune a constrições dessa espécie, ao teor do disposto no art. 649, IV,

da lei adjetiva civil, por analogia corretamente aplicado à espécie pelo Tribunal a quo." (STJ, AgRg no Ag

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A abusividade das Cláusulas 13.1.2.1, 13.1.2.1.1 e

26.3.1 do contrato de arrendamento mercantil é manifesta porque

impõem mecanismo de autotutela: o consumidor não tem sequer a

oportunidade de contestar a suposta mora ou inadimplência, ou

ainda o valor do débito. Provoca-se assim um desequilíbrio no

contrato, justamente em prejuízo da parte mais vulnerável, que

não dispõe de nenhum recurso semelhante em seu favor. A propó-

sito, o seguinte precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo:

trata-se de ação revisional de contrato bancário fundada na

alegação de onerosidade excessiva de suas cláusulas que a-

carreta o desequilíbrio entre as partes.

Como expresso no voto vencedor, não havendo dúvida de

que o contrato bancário está submisso às regras do Código

de Defesa do Consumidor, é inaceitável o costumeiro proce-

dimento dos Bancos de fazer "justiça pelas próprias mãos",

utilizando-se do expediente de inserir em seus contratos

cláusulas que lhes autorizam realizar débitos em conta-

corrente ou, como na hipótese dos autos, permitem a trans-

ferência de valores, a aplicação de recursos e a compra de

ativos, como, por exemplo, debêntures.

O importante é que o abuso praticado pelo banco ficou in-

conteste. (Embargos Infringentes n° 946.263-1/01, 23a. Câmara

de Direito Privado, Rel. Des, Rizzatto Nunes, 09.06.06)

Os dispositivos legais que o Ministério Público in-

voca, como fundamentos de direito material, estão no CDC. São

diversas prescrições que procuram assegurar a boa-fé e o equilí-

brio contratual, impedindo a exacerbação da vulnerabilidade do

consumidor. Reconhecem a abusividade e apontam as conseqüên-

cias:

• São direitos básicos do consumidor a proteção contra

métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como

contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no

fornecimento de produtos e serviços (art. 6°, IV);

• São direitos básicos do consumidor a modificação das

cláusulas contratuais que estabeleçam prestações des-

proporcionais (art. 6°, V);

• É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços exigir

do consumidor vantagem manifestamente excessiva

(art. 39, V);

• São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais re-

353291/RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, julgado em 28.06.2001, DJ

19.11.2001, p. 286, RT 798/240)

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lativas ao fornecimento de produtos e serviços que es-

tabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas,

que coloquem o consumidor em desvantagem exagera-

da, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade

(art. 51, IV);

• São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais re-

lativas ao fornecimento de produtos e serviços que es-

tejam em desacordo com o sistema de proteção ao

consumidor (art. 51, XV);

• Presume-se exagerada a vontade que ofende os princí-

pios fundamentais do sistema jurídico a que pertence

(art. 51, § 1°, I);

• Presume-se exagerada a vontade que se mostra exces-

sivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a

natureza e conteúdo do contrato, o interesse das

partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (art.

51, § 1°, III);

• É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o

represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a

competente ação para ser declarada a nulidade de

cláusula contratual que contrarie o disposto neste có-

digo ou de qualquer forma não assegure o justo equilí-

brio entre direitos e obrigações das partes (art. 51, §

4°).

Todos esses dispositivos, de uma ou de outra for-

ma, direta ou indiretamente, atuam em prol do consumidor a fim

de prevenir ou remediar seus direitos perante abusos cometidos

pelo fornecedor.

Por essas razões, espera-se o reconhecimento, nos

termos dos pedidos abaixo formulados, da abusividade das Cláu-

sulas 13.1.2.1, 13.1.2.1.1 e 26.3.1 do contrato padrão de arren-

damento mercantil.

Segunda ilegalidade: Cláusula 23 Possibilidade de emissão de título de

crédito

O contrato padrão de adesão contempla o réu ain-

da com a possibilidade de exigir do consumidor a emissão de nota

promissória:

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23. Garantia - A Arrendadora poderá exigir, no ato de assinatu-

ra deste contrato, que o Arrendatário lhe entregue nota promis-

sória de sua emissão, não endossável, com prazo de apresenta-

ção dentro de 10 (dez) anos no valor total das contraprestações

do arrendamento, acrescido do VGR, sem vencimento expresso.

Eis outra imposição cuja abusividade é facilmente

perceptível no contexto do excesso de garantias que o réu, insaci-

ável, se arroga. Não contente com a propriedade do bem financia-

do, insatisfeito com os instrumentos processuais que propiciam

rapidez e efetividade em sua retomada, inseguro mesmo com a

formalização do contrato em instrumento, quer ainda um título de

crédito "com prazo de apresentação dentro de 10 (dez) anos no va-

lor total das contraprestações do arrendamento, acrescido do V-

GR, sem vencimento expresso".

A ilegalidade de semelhante avença foi recente-

mente pronunciada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na se-

guinte decisão:

CONSUMIDOR. GARANTIA CONTRATUAL. NOTA PROMISSÓ-

RIA EMITIDA EM BRANCO PELO CONSUMIDOR. ILEGALIDA-

DE RECONHECIDA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROCEDENTE.

Primeiro, o contrato bancário funciona como instrumento

jurídico apto e suficiente a gerar as obrigações para o con-

sumidor. Nas operações de mútuo ou crédito em geral, inte-

ressa ao banco viabilizar o recebimento do capital emprega-

do em favor do consumidor.

Segundo, tem-se a criação de um titulo de crédito para faci-

litar o protesto traduz uma medida que desvirtua a cambial

e a própria relação de consumo. A interpretação da validade

da cláusula contratual não pode desconhecer a mudança so-

cial e jurídica verificada no Brasil. Agora, temos normas pro-

tetivas do consumidor que impõem, dentre outras conse-

qüências: a) a necessidade do Estado proteger o consumidor, b) a

atividade econômica (leia-se a sociedade empresarial

como um todo e as instituições financeiras em especial) de-

ve respeitar a defesa do consumidor e c) o consumidor me-

rece uma proteção contratual capaz de reduzir os efeitos ne-

gativos de sua vulnerabilidade. E terceiro, nem se diga que a

nota promissória viabiliza a criação de um título executivo

em favor da instituição financeira, porquanto reconhecido

na jurisprudência que o contrato de "cheque especial" não

possui aquele atributo processual (súmula 233 do Superior

Tribunal de Justiça: "O contrato de abertura de crédito, ain-

da que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é tí-

tulo executivo"). O reconhecimento da iliquidez do contrato

de abertura de crédito em conta corrente ("cheque especial")

traduz a conclusão da jurisprudência sobre a necessidade de

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discussão - maior cognição - sobre a existência e a determi-

nação do saldo devedor exigido do consumidor.

Declaração de nulidade da disposição contratual que alcança

todos os contratos bancários colocados no mercado de con-

sumo, passado (direitos coletivos) e futuro (direitos difusos),

no âmbito do território nacional. (TJSP, Apelação n°

1.008.071-2, 19a Câmara de Direito Privado "E", Rel. Des. Ale-

xandre David Malfatti, j. 28.11.08)

O v. acórdão adota o entendimento externado na

doutrina de FREDERICO DA COSTA CARVALHO NETO (in Nulidade da

Nota Promissória dada em Garantia nos Contratos Bancários, Jua-

rez de Oliveira, 2.003, p. 130-131), da qual cita as seguintes pas-

sagens:

Mas os fornecedores de crédito não se acanharam e ao invés

de receber os mandatos nos contratos, estabeleceram uma

cláusula em que o consumidor para garantir o cumprimento do

contrato, assina uma nota promissória, como se o contra-

to não gerasse a obrigação.

Essa nota ou é assinada em branco ou pelo valor total do dé-

bito com a inclusão de todos os encargos vincendos. Serve a

cambial para o fornecedor, na hipótese do não pagamento pelo

devedor, enviá-la a protesto pelo valor que entender de-

vido. "E aí temos mais uma desigualdade da contratação e

uma violação ao disposto no inciso IV do art. 51 do Código

de Defesa do Consumidor que diz: "estabeleçam obrigações

consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor

em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a

boa-fé ou a equidade".

Já vimos que o credor não fica a descoberto, sem garantia,

se não recebesse a nota promissória, já que não só o contra-

to de crédito gera ao consumidor a obrigação de pagar, pelo

princípio da obrigatoriedade do contrato, como a legislação

processual lhe dá o caráter de título executivo como já ob-

servamos.

E invertendo a questão, para melhor enfatizar a excessiva

vantagem- Qual a desvantagem para o Consumidor? Todas. A

começar pelo fato de que a cambial é emitida quando não em

branco em decorrência da celeridade da contratação imposta

pelos fornecedores, pelo valor total não do crédito, mas do

preço do crédito com todos os juros vincendos.

Poder-se-ia dizer que o Código de Defesa do Consumidor pro-

tege o consumidor ao estabelecer no art. 52 a possibilidade

de pagamento total ou parcial com correspondente abati-

mento dos juros. Mas efetivamente não é o que ocorre, por-

que os agentes financeiros não respeitam a lei.

Assim a nota promissória dada em garantia nos contratos

bancários constitui vantagem manifestamente excessiva

sendo nula de pleno direito.

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E se é nula de pleno direito comporta qualquer medida para

declará-la como tal, devendo o julgador ter em conta dois

princípios, o da efetividade e do acesso à Justiça.

Cumpre considerar, ainda, que o Superior Tribu-

nal de Justiça editou a Súmula 258, proclamando que "A nota

promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza

de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou". As cláusulas

contratuais que prevêem a possibilidade de emissão de

nota promissória têm merecido o repúdio da jurisprudência:

A orientação desta Corte é no sentido de que a cláusula con-

tratual que permite a emissão da nota promissória em favor

do banco caracteriza-se como abusiva, porque violadora do

princípio da boa-fé, consagrado no artigo 51, inciso IV, do

Código de Defesa do Consumidor. Aplicação da Súmula

60/STJ. (STJ, AgRg no REsp 1025797/RS, Rel. Ministro Sidnei

Beneti, Terceira Turma, julgado em 10/06/2008, DJe

20/06/2008)

O contrato de abertura de crédito não é hábil para ensejar a

execução, não gozando a nota promissória vinculada de au-

tonomia em razão da iliquidez do título que a originou, nos

termos das Súmulas n°s 233 e 258 da Corte. (STJ, REsp

271.214/RS, Rel. p/ Acórdão Ministro Rel. Min. Carlos Alberto

Menezes Direito, Segunda Seção, julgado em 12/03/2003, DJ

04/08/2003 p. 216)

A cláusula em exame comete ainda o exagero de

possibilitar a exigência de nota promissória "no valor total das

contraprestações do arrendamento, acrescido do VGR, sem venci-

mento expresso". Como justificar a imposição de emitir título no

valor total de uma dívida que tende a decrescer com o tempo na

medida em que as prestações vão sendo pagas? Como justificar a

inclusão do VGR que, como ficará a seguir demonstrado, é devido

apenas quando houver opção de compra pelo arrendatário?

Lembremos aqui que a recente Lei Federal n°

11.649/08, que dispõe sobre procedimento na operação de arren-

damento mercantil de veículo automotivo, em seu art. 1°, exige

manifestação formal da arrendatária, através de carta, sobre sua opção pela

compra do bem.55 Ora, como exigir, em nota promissó-

55 "Art. 1o Nos contratos de arrendamento mercantil de veículos automotivos, após a quitação de todas as

parcelas vencidas e vincendas, das obrigações pecuniárias previstas em contrato, e do envio ao arrendador de comprovante de pagamento dos IPVAs e dos DPVATs, bem como das multas pagas nas esferas Fede-

ral, Estaduais e Municipais, documentos esses acompanhados de carta na qual a arrendatária manifesta

formalmente sua opção pela compra do bem, exigida pela Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974, a sociedade de arrendamento mercantil, na qualidade de arrendadora, deverá, no prazo de até trinta dias

úteis, após recebimento destes documentos, remeter ao arrendatário:

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ria, a assunção de uma dívida antes mesmo que a respectiva op-

ção tenha sido formalizada pelo consumidor?

Os fundamentos de direito material que indicam a

abusividade dessa cláusula são os mesmos acima indicados para

as cláusulas que permitem disponibilidade sobre os recursos de-

positados no banco. A imposição unilateral, pelo fornecedor, de

vantagem excessiva e desproporcional, que cria obrigação iníqua e

abusiva, que coloca o consumidor em desvantagem exagerada e

que é incompatível com a boa-fé e a eqüidade está expressamente

vedada pelo art. 51, inc. IV, do CDC.

Terceira ilegalidade:

Contratação obrigatória de seguro do veículo arrendado contra roubo,

furto, incêndio, danos materiais e responsabilidade civil perante

terceiros

A Cláusula 17 do contrato padrão de adesão de

rrendamento mercantil é também abusiva por obrigar o consumidor a

contratar seguro do veículo arrendado contra roubo, furto, incêndio, danos

materiais e responsabilidade civil perante terceiros. Eis sua redação:

17. Seguro do Veículo - Durante a vigência deste

contrato, o Arrendatário manterá o veículo arrendado

segurado contra roubo, furto, incêndio, danos materiais e

responsabilidade civil perante terceiros, sem prejuízo da

contratação dos seguros obrigatórios. O Arrendatário fará

os seguros em favor da Arrendadora, exceto o de

responsabilidade civil, e se obriga a lhe entregar a

respectiva apólice imediatamente após solicitação.

Deveras, se a arrendadora mantém a propriedade

do veículo, durante o contrato, o risco resultante dessa condição

de proprietária deverá recair sobre si, pois, como indica a máxima

"I - o documento único de transferência (DUT) do veículo devidamente assinado pela arrendadora, a fim

de possibilitar que o arrendatário providencie a respectiva transferência de propriedade do veículo junto

ao departamento de trânsito do Estado;

"II - a nota promissória vinculada ao contrato e emitida pelo arrendatário, se houver, com o devido carim- bo de "liquidada" ou "sem efeito", bem como o termo de quitação do respectivo contrato de arrendamento

mercantil (leasing).

"Parágrafo único. Considerar-se-á como nula de pleno direito qualquer cláusula contratual relativa à operação de arrendamento mercantil de veículo automotivo que disponha de modo contrário ao disposto

neste artigo."

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já lembrada, os que têm direito ao cômodo devem sofrer o incômo-

do.56

Uma analogia com o contrato de locação de veícu-

los ajuda a entender essa lógica. A Súmula n° 492 do Supremo

Tribunal Federal prevê que "A empresa locadora de veículos res-

ponde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este

causados a terceiro, no uso do carro locado". Com fundamento

nesse enunciado, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça

sobre a matéria (REsp n° 33.055RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ

de 059/94; REsp n° 90.143PR, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de

21/0200 e REsp n° 302.462/ES, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ

de 04/02/02). No julgamento do REsp n° 33.055, o Ministro BARROS MONTEIRO

apresentou os seguintes fundamentos:

Maria Helena Diniz, por sinal, ressalta ainda que "a co-

responsabilidade da empresa locadora de carros, ou seja, a

solidariedade passiva na composição do prejuízo causado pe-

lo locatário a terceiro não se liga à idéia de culpa". Assim

sendo - prossegue - "consagrada está, em nossa jurisprudên-

cia, a responsabilidade objetiva do locador, tenha ele agido

com culpa ou não (Julgado dos TJRS, Jurisprudência,

33:414)" (Curso de Direito Civil Brasileiro, 7o. vol. Responsa-

bilidade Civil, pág. 362, 4a ed.)". (...)

Ganha terreno, portanto, a doutrina objetiva, arrimada no

risco: aquele que aufere proveito com uma situação deve

responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes

(ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda).

Na hipótese de arrendamento mercantil, ainda que

se reconheça a responsabilidade do arrendatário24, como possui-

dor direto da coisa, não há fundamento legal para exigir que ele

celebre contrato de seguro: a decisão de garantir-se, ou não, con-

tra os riscos, deve ser tomada, de modo soberano, pelo consumi-

dor, e não imposta externamente pela instituição financeira. O banco não

pode, em contrato de adesão, impor ao consumidor uma outra contratação

como condição para o arrendamento mercantil. Como é sabido, um contrato

se caracteriza por ser um acordo entre as partes, um entendimento, um

concerto de intenções. Como todo negócio jurídico, baseia-se na vontade

dos contratantes. Nas palavras de ORLANDO GOMES, "A obrigação

proveniente de negócio jurídico é querida pelo obrigado. Ele a con-

trai intencionalmente, agindo na esfera de sua autonomia priva-

da'.'25 CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA entende o negócio jurídico como "fenômeno

de fundo volitivo", afirmando que "a vontade interna ou real é que (lhe) traz a

força jurígena".57 Ao lançar a exigência de seguro, o banco interfere

abusivamente na esfera de decisão do consumidor, impondo-lhe uma

contratação compulsória, que pode não ser desejada.

56 CARLOS MAXIMILIANO, Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense. 9a. ed., 1980. p.250. 57 Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense. 19a ed., 1999, vol. I, p. 307.

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É certo que o consumidor, como arrendatário, deve

responsabilizar-se pelo veículo enquanto estiver em seu poder, e

poderá ser obrigado a indenizar a arrendadora na hipótese de da-

nos a que tenha dado causa. No entanto, devemos insistir, a deci-

são sobre contratar ou não um seguro para esse risco não lhe po-

de ser imposta pelo fornecedor.

O CDC veda expressamente, ao fornecedor de pro-

dutos ou serviços, "condicionar o fornecimento de produto ou de

serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço" (art. 39, inc.

I). Inúmeros precedentes reconhecem a venda casada quando se

condiciona a concessão de empréstimo à contratação de seguro:58

58 "CONTRATO. - Seguro - "Operação casada". - Celebração de contratos de mútuo condicionados à

adesão da mutuária a contratos de seguro com instituição financeira do mesmo grupo econômico. - Exis- tência de um seguro para cada mútuo realizado entre as partes, nas mesmas datas, com prêmios equiva-

lentes a 1% da quantia liberada respectivamente em cada empréstimo. - 'Venda casada' caracterizada. -

Vedação. - CODECON, art. 39, I. - Procedência em parte da ação, para declarar a nulidade dos contratos

de seguro em causa e condenar o banco fornecedor de serviços à repetição de indébito em dobro dos valo- res recebidos a título de prêmio. - Acórdão embargado mantido. - Recurso rejeitado" (Embargos Infrin-

gentes n° 1028853/0-01 - 23a Câmara de Direito Privado - Oséas Davi Viana - 04/06/2008) "CONTRATO -

Financiamento pelo SFH - (...) Vedação à imposição de contrato de seguro - Venda casada - Art. 39, I do CDC - Recurso do banco réu não provido e pedido dos autores acolhido." (Apelação

7065977/1-00 - 18a Câmara de Direito Privado - Relator Rubens Cury - 08/03/2007) "SEGURO - Cláusula restritiva

- Configuração de "venda casada", obstada pela legislação consumerista (art 39, inciso I), aplicável à espécie - Cláusula anulada - Recurso parcialmente provido." (Apelação 71254125-00 - 14a Câmara de Direito Privado -

Relator Melo Colombi - 28/11/2007) "INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - Responsabilidade objetiva - Relação de consumo -

Caráter público dos serviços prestados - Consumidor que é obrigado a abrir conta corrente e celebrar contratos de cheque especial e seguro para que, figurando como avalista, a empresa de seu pai pudesse obter financiamento -

Fato não impugnado de forma específica e reforçado pela inexistência de movimentação bancária - Caracterização de

'venda casada' - Prática abusiva, nos termos do artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do

Consumidor - Contratos reputados nulos de pleno direito e, conseqüentemente, inexigíveis as dividas deles oriundas" (Apelação 71341105-00 - 16a Câmara de Direito Privado - Luís Eduardo Scarabelli -24/09/2007)

"(...) não obstante a pactuação, a venda casada do seguro habitacional também não pode ser admitida.

Dispõe o art. 39, I do Diploma Consumerista que "é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços (...) condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço...". Ao

compelir os mutuários à celebração de contrato de seguro, o banco requerido ofendeu o dispositivo legal

supra e, portanto, por abusividade e ilegalidade, referido dispositivo contratual deve ser declarado nulo. Saliente-se que, ao comentar o art. 39, I, primeira parte do CDC em sua obra, o douto professor e desem-

bargador Luiz Antônio Rizzatto Nunes, mencionou exatamente o caso em comento como exemplo.

Veja-se: 'No primeiro caso, existem exemplos bem conhecidos da prática abusiva. É o caso do banco que, para abrira conta corrente do consumidor, impõe a manutenção de saldo médio ou, para conceder um emprés-

timo, exige a feitura de um seguro de vida'. ( g . n . ) (in Comentários ao Código de Defesa do Consumi-

dor - Ed. Saraiva, 2000). (Apelação 7192164300 - 18a Câmara de Direito Privado - Rel. Rubens Cury - 27/05/2008)

"Contrato - Consórcio - Veículo - Demanda ajuizada por esposa e filhos de consorciado falecido - Cláu- sula que obriga a contratação de seguro de vida sem indicação do respectivo valor - Demonstração pela

Administradora dos valores separados da contribuição mensal e do seguro de vida, a revelar que somente

a primeira foi paga - Seguro de vida não expressamente contratado - Proibição de venda casada pelo Có- digo de Defesa do Consumidor - Valor do seguro que não foi incluído no valor da contribuição mensal - Ação de

obrigação de fazer improcedente - Recurso improvido." (Apelação 7104808/1-00 - 21a Câmara de Direito Privado -

Rel. Antonio Marson - 13/02/2008) "SEGURO. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PREVÊ A DENOMINADA VENDA CASADA. Havendo, no contrato entabulado entre as partes, cláusula que obriga ao consumidor a contratação de

seguro do bem que está sendo financiado ou adquirido, não há dúvida de que tal prática revela-se abusiva, em

face das regras previstas no CDC, impondo-se a declaração de nulidade dessa cláusula." (Apelação Cível N° 70004935151, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga,

Julgado em 14/12/2004) "SEGURO. VENDA CASADA. Na espécie, existente cláusula contratual que prevê a venda

casada de seguro, prática considerada abusiva diante das disposições do Código de Defesa do Consumidor, merece

ser reconhecida a sua invalidade." (Apelação Cível N° 70006897342, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laís Rogéria Alves Barbosa, Julgado em 30/03/2004) "Impossibilidade da

imposição da contratação de seguro de vida quando o autor fora realizar o emprésti-

mo para saldar sua dívida - Configuração da chamada "venda casada ", vedada pela legislação consume- rista em seu art. 39, inciso I" (TJSP, Apelação 7240864700, 17a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Tersio Negrato,

30/06/2008)

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CONTRATO BANCÁRIO - Mútuo - Desconto em folha de pa-

gamento de funcionário público das prestações do financia-

mento - Contratação de seguro - Pactuação iníqua e abusiva,

que se mostra excessivamente onerosa ao consumidor, colo-

cando-o em desvantagem exagerada (CDC, 51, IV, e seu § 1o,

I e III) - Caracterização de venda casada vedada pelo CDC

(art. 39, I) - Abusividade consistente em superfetação na

constituição das garantias pelo banco - Nulidade da cláusula em

que pactuado o seguro reconhecida, determinada a resti-

tuição dos valores pagos a este título (...) (Apelação

12334979-00 - 19a Câmara de Direito Privado - Relator João Ca-

millo de Almeida Prado Costa - 13/05/2008)

Ainda que o seguro seja contratado com outro for-

necedor, ou seja, seguradora pertencente a outro grupo econômi-

co, a venda casada fica caracterizada, eis que o dispositivo do

CDC, quando veda que o fornecimento de produto ou de serviço

seja condicionado ao fornecimento de outro produto ou serviço,

não faz qualquer exigência acerca da diversidade de fornecedores.

Mister, portanto, o reconhecimento do abuso da

exigência e da nulidade da cláusula, pelos fundamentos já apre-

sentados acima para outras cláusulas abusivas.

Quarta ilegalidade:

Ausência de previsão de restituição do VRG na hipótese de rescisão

A questão, aqui, não se relaciona com o excesso de

garantias, mas com omissão, no contrato de adesão, acerca de di-

reito do consumidor consagrado pela jurisprudência.

Nos termos da Lei Federal n° 6.099/74, os contra-

tos de arrendamento mercantil deverão conter disposição sobre o

"preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando

for estipulada esta cláusula" (art. 5°, alínea d).

A Portaria MF n° 564, do Ministério da Fazenda,

de 03 de novembro de 1978, considera Valor Residual Garantido o

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"preço contratualmente estipulado para exercício da opção de

compra, ou valor contratualmente garantido pela arrendatária

como mínimo que será recebido pela arrendadora na venda a ter-

ceiros do bem arrendado, na hipótese de não ser exercida a opção

de compra".

O contrato padrão de adesão do réu admite o pa-

gamento antecipado do VGR nos seguintes termos:

Cláusula 11. Valor residual garantido - O Arrendatário paga-

rá à Arrendadora, até a data do vencimento da última parcela, o

Valor Residual Garantido (VGR), no montante indicado no subi-

tem 3.20.

11.1 Se o Arrendatário optar por antecipar o pagamento do VGR

em prestação única (subitem 3.7.1) o seu valor corresponderá àquele

indicado no subitem 3.20.

11.2 Se o Arrendatário optar por antecipar o pagamento do VGR

em prestação periódicas e adicionais (subitem 3.7.2) a primeira

restação vencerá à vista e as demais vencerão juntamente com as

contraprestações periódicas e adicionais do arrendamento.

11.2.1 O valor da prestação à vista do VGR é o indicado no

subitem 3.16 e deverá ser entregue pelo Arrendatário direta-

mente ao fornecedor.

11.2.2 O valor das prestações periódicas do VGR é o indicado

no subitem 3.9 e o das prestações adicionais do VGR é o indica-

do no subitem 3.15.

11.3 Se o Arrendatário optar por pagar o VGR ao final do con-

trato (subitem 3.7.2), o seu valor corresponderá àquele indicado

no subitem 3.20, hipótese em que o pagamento do VGR será rea-

lizado na data do vencimento da última contraprestação do ar-

rendamento (subitem 3.5).

11.4 A ANTECIPAÇÃO DO VGR, OU O SEU PAGAMENTO AO

FINAL DO CONTRATO NÃO SIGNIFICARÁ A OPÇÃO DO AR-

RENDATÁRIO PELA AQUISIÇÃO DO BEM, QUE DEVERÁ SER

FEITA DE CONFORMIDADE COM O ITEM 32 DESSE CONTRA-

TO.

Ora, se o VGR é preço contratualmente estipulado

para exercício da opção de compra, é óbvio que, caso essa opção

não se concretize diante de resolução do contrato por inadimple-

mento do arrendatário, seu valor deverá ser restituído ao consu-

midor. Nesse sentido o entendimento do Superior Tribunal de Jus-

tiça, reiterado em inúmeros julgados:

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É possível a devolução do VRG, pago antecipadamente, após

a resolução do contrato de arrendamento mercantil e desde

que restituído o bem na posse da arrendante. Precedentes. (AgRg

no REsp 960.532/RJ, Rel. Ministra Rel. Min. Nancy Andri-

ghi, Terceira Turma, julgado em 14/11/2007, DJ 26/11/2007p.

191 )

Ocorrida a resolução do contrato, com a reintegração do

bem na posse da arrendadora, possível a devolução ao arren-

datário dos valores pagos a título de VRG. (AgRg no Ag

549.567SP, 3a Turma, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Di-

reito, DJ de 30.8.2004).

Diante da resolução do contrato de arrendamento mercantil

por inadimplemento do arrendatário, é possível a devolução

do chamado VRG, pago antecipadamente, à conta de ser uma

conseqüência de reintegração do bem na posse da arrendan-

te. (Recurso Especial n° 470.512/DF, Terceira Turma, Rel. Min.

Castro Filho, j. 17.11.2003).

Com a resolução do contrato e a reintegração do bem na

posse da arrendadora, possível a devolução dos valores pagos

a título de VRG à arrendatária. Precedentes. (AgRg no

Ag923.321/RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Tur-

ma, julgado em 13/11/2007, DJ 17/12/2007p. 201)

Ocorrendo a rescisão do contrato de arrendamento mercan-

til, com a reintegração do bem à arrendadora, é cabível a

restituição ao arrendatário dos valores pagos a título de

VRG. (AgRg no Ag 599.625/SC, Rel. Ministro Barros Monteiro,

Quarta Turma, julgado em 15/12/2005, DJ 03/04/2006 p. 348)

Entendida como conseqüência da reintegração do bem à

posse do arrendante, diante da resolução do contrato de ar-

rendamento mercantil por inadimplemento do arrendatário, o

acórdão que determina a devolução do valor residual ga-

rantido, pago antecipadamente, não extrapola os limites a-

ção de reintegração de posse. (REsp 445954/SP, Rel. Ministro

Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, julgado em

04/09/2003, DJ 29/09/2003 p. 242)

Ocorrida a resolução do contrato, com a reintegração do

bem na posse da arrendadora, possível a devolução ao arren-

datário dos valores pagos a título de VGR. (AgRg no Ag

899822/SP, Rel. Ministro Rel. Min. Humberto Gomes de Barros,

Terceira Turma julgado em 18/10/2007, DJ 29/10/2007p. 226)

1

2 No Tribunal de Justiça de São Paulo predomina o

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mesmo entendimento.59 Ao Julgar a Apelação Com Revisão 1.065.073-

0/860, o relator, Desembargador EMANUEL OLIVEIRA, concluiu que "A devolução

do valor residual garantido pago antecipadamente decorre da

impossibilidade da prerrogativa da opção de compra". Segundo o v. acórdão,

No caso "sub judice", foi retomada a posse direta do bem

pela arrendadora, em razão do inadimplemento do

arrendatário.

Desta forma, diante da rescisão do contrato de

arrendamento mercantil por inadimplemento do

arrendatário e a conseqüente reintegração na posse do

bem arrendado, justifica-se o pedido de restituição do

valor residual garantido (VRG), por se tratar de

conseqüência lógica da retomada do bem pe-

la instituição financeira, além de vedar o

enriquecimento sem causa da arrendante.

Ademais, o VRG se destina a garantir o futuro exercício

do direito de opção de compra. Não exercida esta na

hipótese em que já antecipada parcelas a esse título,

como é o caso, justo que se assegura ao arrendatário a

devolução do que pagou, atualizado desde o desembolso

pelo mesmo indexador do contrato e acrescido de juros

de mora contados do cumprimento da liminar de

retomada do bem (26/09/2003). Todavia, o percentual

dos juros moratórios será de 1% (um por cento) ao mês,

nos termos do artigo 406, do Código Civil, merecendo

reparo nesse sentido a r. sentença.

Não obstante a clareza e a lógica jurídica do en-

tendimento jurisprudencial, o contrato padrão de adesão do BAN-

CO ITAÚ S.A. não possui nenhuma cláusula que garanta ao con-

sumidor a restituição dos valores pagos a título de VRG, na hipó-

tese de resolução por inadimplemento, ou por qualquer outro mo-

tivo que implique na reintegração do bem na posse da arrendadora.

Tratando-se de direito incontestável do consumidor, a obriga-

ção do banco de restituir esse valor, atualizado e acrescido de ju-

59 "ARRENDAMENTO MERCANTIL Leasing - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - Valor residual garan-

tido (VRG) - Contrato não descaracterizado - Opção de compra - Não efetivação - Devolução do VRG

corrigido - Recurso parcialmente provido." (Apelação Com Revisão 1051122004, 35a Câmara de Direito

Privado, Relator Melo Bueno, 10/11/2008) "ARRENDAMENTO MERCANTIL - COBRANÇA - RESILIÇÃO

CONTRATUAL POR CULPA DO ARRENDATÁRIO. Rescindido o contrato, as parcelas pagas a título de valor residual garantido (VRG)

devem ser devolvidas devidamente corrigidas e com juros" (Apelação Com Revisão 1091571004, 29a

Câmara de Direito Privado, Relator Des. Francisco Thomaz, 05/11/2008) "Arrendamento mercantil - Ação de

reintegração de posse - Liminar defenda e veiculo apreendido - Determinação de restituição do VGR pago

antecipadamente - Jurisprudência pacificada acerca desse tema, ou seja, rescindido o contrato de arrendamento

mercantil e devolvido o veiculo à arrendadora, deve a arrendante devolver o valor referente ao VGR pago

adiantadamente, já que não haverá exercício da opção de compra - Apelação não provida" (Apelação Com Revisão

1158693000, 36a Câmara de Direito Privado, Relator Des. Romeu Ricupero, 06/11/2008) 60 34a Câmara de Direito Privado, 17/11/2008.

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ros, deverá vir expressa no respectivo contrato padrão, garantin-

do-se-lhe assim o pleno conhecimento a seu respeito.

Nos termos do art. 6° do CDC, são direitos básicos

do consumidor a informação adequada e clara sobre os serviços

(inc. III), a efetiva prevenção de danos patrimoniais (inc. VI) e a fa-

cilitação da defesa de seus direitos (inc. VIII).

O contrato padrão de adesão não pode ser conce-

bido de modo desequilibrado, a assegurar apenas os direitos do

fornecedor. Os direitos do consumidor - mormente aqueles ampa-

rados pela lei e já reconhecidos pela jurisprudência - devem tam-

bém gozar de reconhecimento expresso, para que o direito à in-

formação seja pleno.

Deveras, se o banco deixar de restituir um valor

que recebeu a título de "preço para opção de compra", quando a

respectiva compra não se concretizou, ficará caracterizado o enri-

quecimento sem causa.

Considerações finais: A necessidade de coibir os abusos em contratos

bancários através da tutela coletiva

A oportunidade de elaborar unilateralmente um

contrato padronizado para ser apresentado pronto para adesão de

um consumidor impossibilitado de discutir suas cláusulas, enseja

ao fornecedor a estipulação dos mais diversos abusos. CLÁUDIA LiMA MARQUES

adverte que "o fenômeno da elaboração prévia e uni-

lateral, pelos fornecedores, das cláusulas dos contratos possibilita

aos empresários direcionar o conteúdo de suas futuras relações

contratuais como melhor lhes convém". Em suas palavras, "a con-

cepção e a redação unilateral pelo fornecedor do conteúdo do con-

trato como que convidam à elaboração de cláusulas que primam

pela unilateralidade dos direitos que asseguram, garantindo van-

tagens somente para o fornecedor de bens e serviços, quebrando o

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equilíbrio do contrato e enfraquecendo ainda mais a posição con-

tratual do consumidor".61

Seria deveras inócuo o trabalho do legislador de

proteger o consumidor caso pudesse o fornecedor estipular e im-

por regras contratuais capazes de suprimir as mesmas proteções

legais. Ou seja, aquilo que a lei dá com uma mão, não pode ser

retirado, com outra, pelo contrato. Lembremos que o CDC "estabe-

lece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem públi-

ca e interesse social" (art. 1°) e que portanto não podem ser derro-

gados pelo fornecedor.

E no art. 51 do CDC encontramos preceitos formulados

justamente para remediar situações de desequilíbrio provocadas

maliciosamente pelos fornecedores. "Basta, assim, a ameaça do desequilíbrio

para ensejar a correção das cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a

interpretação mais favorável ao consumidor, que não participou da

elaboração do contrato, consideradas a imperatividade e a indisponibilidade

das normas do CDC" (STJ, REsp 436853, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy

Andrighi, 04/05/2006).

Ademais, porque o consumidor que procura o ar-

rendamento mercantil muitas vezes pode se encontra em situação

especialmente vulnerável em razão de dificuldades econômicas

(que lhe impedem a opção de comprar o veículo à vista), e porque

possivelmente desconhece aspectos jurídicos do contrato, torna-se

presa fácil dos mais diversos abusos:

É de conhecimento notório que os mutuários não tem liber-

dade contratual para negociar as melhores taxas e rejeitar

alguns encargos quando contratando financiamento.

(TJSP, Apelação n° 7103258-7, 18a. Câmara de Direito Privado,

Rel. Des. Rubens Cury, 16.06.08)

A questão da hipossuficiência nos chamados contratos ban-

cários é matéria pacificada na doutrina e na jurisprudência

pátria, sendo certo que os usuários de tais serviços, enquan-

to consumidores, não possuem conhecimento técnico e in-

formativo do produto e/ou do serviço oferecido, de suas

propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco,

Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: RT. 5a ed., 2006, pp. 159-160. Destaques

não originais.

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etc. (TJSP, Apelação Cível n° 589.930.4/5-00, Sétima Câmara de

Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antônio Costa, 08.10.08)

A doutrina reconhece que, "em negócio jurídico bilateral,

uma das partes, levada pela necessidade, ou pela inexperi-

ência, ou pela irreflexão, diante de pressão do momento, assume

obrigações excessivamente onerosas, que escapam à normalida-

de". Bem por isso, a revisão das obrigações assumidas nessas circunstâncias

é inspirada em "noção de eqüidade", e possui "fundo moral".62

Segundo decisão do Superior Tribunal de Justiça,

o art. 39, I, do CDC "condena qualquer tentativa do fornecedor de

se beneficiar de sua superioridade econômica ou técnica para es-

tipular condições negociais desfavoráveis ao consumidor, cercean-

do-lhe a liberdade de escolha" (REsp 804.202/MG, Rel. Ministra

Nancy Andrighi, Terceira Turma, 19/08/2008, DJe 03/09/2008).

Para proteger o consumidor das cláusulas contra-

tuais abusivas relativas ao fornecimento de produtos e serviços, o

CDC, em seu art. 51, determina que são elas "nulas de pleno di-

reito". A presente ação civil pública, portanto, tem por finalidade

defender interesses individuais homogêneos dos milhares de con-

sumidores que contrataram com o réu e interesses difusos daque-

les que virão a contratar. A preocupação em remediar judicialmen-

te essas situações vem revelada no § 4° do mesmo art. 51, que fa-

culta "a qualquer consumidor ou entidade que o represente, re-

querer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para

ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o

disposto neste Código, ou de qualquer forma não assegure o justo

equilíbrio entre direitos e obrigações das partes".

OS PEDIDOS

Pelo exposto, requer o Ministério Público a prolação

de sentença que julgue integralmente procedente a presente ação ci-

vil pública, para acolher todos os seguintes pedidos cumulativos:

1- Declaração de nulidade de pleno direito, por abusivi-

62 CARLOS ALBERTO BITTAR, Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994, vol. 1,

p. 155.

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dade, das cláusulas 13.1.2.1, 13.1.2.1.1 e 26.3.1, ou

de

todas semelhantes, inseridas no contrato padrão de

adesão de arrendamento mercantil dos Réus, que de

qualquer maneira disponham sobre autorização gené-

rica para débito de valores, na hipótese de atraso no

pagamento, em quaisquer contas mantidas no Banco,

pelo consumidor-arrendatário e/ou pelos devedores

so-

lidários;

2- Declaração de nulidade de pleno direito, por abusivi-

dade, da cláusula 23, ou de todas semelhantes, inseri-

das no contrato padrão de adesão de arrendamento

mercantil dos Réus, que disponham sobre a possibi-

lidade de exigir do consumidor a entrega de nota pro-

missória de sua emissão, não endossável, com prazo

de apresentação de 10 (dez) anos, no valor total das

contraprestações do arrendamento, acrescido do

VGR,

sem vencimento expresso;

3- Condenação dos Réus à obrigação de não fazer,

consistente em abster-se de inserir, em seu contrato

padrão de adesão, cláusulas cuja nulidade tenham

sido declaradas nos termos dos pedidos formulados

nos itens 1 e 2 acima;

4- Condenação dos Réus à obrigação de fazer,

consistente

em inserir, em seu contrato padrão de adesão de

arrendamento mercantil, cláusula expressa prevendo

que, na hipótese de rescisão do contrato, com

reintegração de posse do bem pela arrendadora, todo

o montante pago a título de valor residual garantido

(VRG) deve ser restituído ao consumidor-arrendatário

devidamente corrigido e acrescido de juros;

5- As declarações e as condenações pedidas deverão

valer

em todo o território nacional63, para todos os

contratos de arrendamento mercantil em vigor

firmados pelo réu BANCO ITAÚ S.A. e pelas

instituições que integram a holding ITAÚ UNIBANCO

BANCO MÚLTIPLO S.A.64 (Banco Itauleasing S.A.,

Banco Itaucard S.A.,

63 Sobre a regra do art. 16 da Lei Federal n° 7.347/85, ADA PELLEGRINI GRINOVER explica que "o que determina o âmbito de abrangência da coisa julgada é o pedido e não a competência. Esta, nada mais é doque uma

relação de adequação entre o processo e o juiz. Sendo o pedido amplo (erga omnes), o juiz competente o será para

julgar a respeito de todo objeto do processo" (A aparente restrição da coisa julgada na ação civil pública:Ineficácia da

modificação no art. 16pela Lei 9.494/97, in ESMP - Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, Boletim

Informativo - Ano 2 n° 11 - Fevereiro/1998 – Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional). Com base nesse

entendimento, segundo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça "os efeitos da sentença produzem-se erga

omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador" (REsp 411.529/SP, Rel. Ministra Rel.

Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/06/2008, DJe 05/08/2008). Nesse sentido, ainda: TJSP,

Apelação n° 1.008.071-2,19a Câmara de Direito Privado "E", Rel. Des. Alexandre David Malfatti, j. 28.11.08. 64 Cf. CDC, art. 28, § 2°: "As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código."

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Banco Itaú BBA S.A., BFB Leasing S.A. Arrendamento

Mercantil, Banco Itaucred Financiamentos S.A.,

Itaubank Leasing S.A. Arrendamento Mercantil e

outras);

6- Condenação dos Réus à obrigação de fazer,

consistente em dar ampla divulgação da decisão pelos

meios de comunicação social, a fim de garantir a

efetividade da tutela.

O Autor requer ainda:

a) seja determinada as citações e intimações postais dos Réus no

endereço acima fornecido, a fim de que, advertidos da sujeição aos

efeitos da revelia, nos termos do art. 285 do Código de Processo

Civil, apresentem, querendo, resposta aos pedidos ora deduzidos,

no prazo de 15 (quinze) dias;

b) publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessa-

dos possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo

de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte

dos órgãos de defesa do consumidor, nos termos do art. 94 do

CDC;

c) condenação dos Requeridos ao pagamento das custas processuais, com

as devidas atualizações monetárias;

d) dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encar-

gos, desde logo, em face do previsto no artigo 18 da Lei n°

7.347/85 e do art. 87 da Lei n° 8.078/90;

e) sejam as intimações do Autor feitas pessoalmente, mediante en-

trega dos autos com vista na Promotoria de Justiça do Consumi-

dor, situada na Rua Riachuelo, 115, 1° andar, Sala 130, Centro,

nesta Capital, em razão do disposto no art. 236, § 2°, do Código de

Processo Civil e no art. 224, inc. XI, da Lei Complementar Estadual n° 734,

de 26.11.93 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo).

Protesta provar o alegado por todos os meios de

prova admitidos em direito, especialmente pela produção de prova

testemunhal e pericial, e, caso necessário, pela juntada de docu-

mentos, e por tudo o mais que se fizer indispensável à cabal de-

monstração dos fatos articulados na presente inicial, bem ainda

pelo benefício previsto no art. 6°, inc. VIII, do Código de Defesa do

Consumidor, no que tange à inversão do ônus da prova, em favor

da coletividade de consumidores substituída pelo Autor.

Acompanham esta petição inicial os autos do Inqué-

rito Civil n° 14.161.457/08-6.

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Atribui à causa, para fins de alçada, o valor de R$

200.000,00 (duzentos mil reais).

Termos em que,

P. Deferimento.

São Paulo, 17 de fevereiro de 2009

João Lopes Guimarães Júnior 1° Promotor de Justiça do Consumidor