lavoisier e a ciencia no iluminismo braga,freitas,guerra,reis

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livro paradidático sobre alquimia , pode ser utilizado por profs do 9º ano e alunos das diversas series

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Este livro nasceu da vontade de ver a ciência sendo

ensinada na escola deforma diferente. De uma maneira quefaça com que o aluno perceba que a produção do conheci­mento técnico-científico é parte da cultura humana, assimcomo a literatura, a pintura, a música, o cinema.

Às sextas-feiras os autores deste livro, todos professo­res do ensino médio, se reúnem num grupo de estudo deno­minado Teknê. Assim como nos velhos ateliês da Idade Mé­

dia, onde os artesãos estudavam e trabalhavam o ferro, o

bronze, a pedra, no Teknê se estuda a ciência, a técnica, aarte e se trabalha a palavra. Lá não só são lidos e discutidos

textos de filosofia e história da ciência e da técnica comotambém são escritos textos didáticos e ensaios, além de se­

rem produzidas experiências educacionais. Nesse trabalhocompartilha-se uma grande amizade. O Teknê é a formaque encontramos de manter vivo um sonho que alimenta­mos desde os bancos universitários: continuar estudando,

discutindo, escrevendo e, acima de tudo, ensinando de for­ma criativa. Este livro é dedicado a todos aqueles que nosajudaram na construção desse projeto de vida.

Os autores••••••••••••••••••••••••••••••••

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Para que estudara ciência no

iluminismo?•••••••••••••••••••••••••

Você já parou para observar à suavolta e ver quantas coisas encon­tram-se em seu estado natural e

quantas já foram transformadas pelamão do homem? Dessas coisas, quantasforam transformadas pela indústria quí­mica? Tintas, plásticos, remédios, quasetudo. Vivemos num mundo em que tal­vez seja impossível imaginar como seriao cotidiano sem os produtos fornecidospor indústrias que se utilizam de conhe­cimentos químicos acumulados duranteséculos.

Pare e pense mais um pouco!Quando isso tudo se iniciou? Quan­

do o homem começou a procurar conhe­cer melhor as substâncias da natureza e a

m transformá-Ias em outras substâncias,.8

~ úteis aos seus propósitos?-ij

~ O estudo da natureza e a produçãog de novas substâncias são atividadesci que talvez remontem à Pré-História.E

~ Entretanto, apenas a partir do séculogCJ XVt com o reconhecimento dos benefí-

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cios farmacêuticos conquistados por es­ses estudos/ a manipulação de substân­cias/ ou seja/ a prática química/ passou a

. ter sua importância reconhecida pelasuniversidades. Mas é somente no sécu­lo XVIII que a química se tornou umaciência moderna/ seguindo os passosdados por outra ciência/ a física/ um sé­culo antes.

Que tipo de transformações ocorre­ram então? Quais as diferenças entre amanipulação de substâncias feita ante­riormente ao século XVIII e a químicamoderna?

Na realidade/ foram necessários vá­rios séculos de transformações antes dea química ser reconhecida como umaciência moderna. O ponto culminante

desse processo ocorreu ao longo doséculo XVIII e fez parte de um movi­mento mais amplo/ que mudou porcompleto diversos ramos do conheci­mento. Nesse período ocorreram trans­formações fundamentais nos processosde construção do conhecimento cientí­fico. Mesmo tendo se tornado uma ciên­cia moderna no século XVIt a físicatambém esteve no centro das transfor­mações do século XVIII.A física produ­zida a partir daí é/ de certa forma/ dife­rente daquela de Galileu Galilei/ RenéDescartes e Isaac Newton.

Vamosexemplificar.Se você tivesse a oportunidade de

ler um livro escrito pelos fundadoresda ciência moderna/ talvez ficasse sur-

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preso com a forma de apresentação dasidéias. Você encontraria diversas refe­rências religiosas e até conceitos tipica­mente característicos de uma visão má­gica da natureza. Os físicos· e astrôno­mos de hoje se apresentam como her­deiros desses fundadores, mas tambémcomo detentores de um conhecimento

que se pretende puramente racional,baseado em fatos experimentais e ex­presso numa linguagem matemática.Portanto, um cientista moderno, ao leros escritos originais dos fundadores desua ciência, tenderia a achar a maioriadas conclusões corretas, mas considera­ria falso o ponto de partida dessas con­cepções sobre a natureza.

Algo então mudou ao longo de to­do esse tempo. Não foram só novas teo­rias que surgiram nem apenas se desco­briram novos fenômenos. Algo mudouna forma de se olhar para a natureza, naforma de se construir o conhecimentocientífico.

Essa transformação, ocorrida no sé­culo XVIII,é considerada hoje uma ver­dadeira revolução científica por muitos

historiadores da ciência. Por ter aconteci­do no interior de um movimento culturalmais amplo, que hoje conhecemos pelonome de iluminismo, também poderiaser chamada de revolução científica doiluminismo.

A química moderna nasceu comoum produto dessa "revolução", coman­dada por um cientista francês chamadoAntoine-Laurent Lavoisier. Ele liderouum movimento científico, e ao mesmotempo político, de criação das bases pa­ra a ciência moderna. Para compreen­dermos o que representou a revoluçãocientíficado iluminismo, vamos seguir ospassos das transformações que foramocorrendo na química desde a Antigui­dade até a revolução comandada porLavoisier.

Será importante, entretanto, que,antes de começar a leitura, você não seesqueça de uma questão. A revoluçãocientífica do iluminismo não nasceu damente de uma única pessoa. Ela é partede transformações por que passava a to­talidade da sociedade européia do sécu­lo XVIII.

11 ~

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CAPíTULO 1

A tradição

alquímica

Desde a Antiguidade já havia umaintensa atividade de manipula­

. cão de substâncias, em diversas

partes do mundo, sempre associada àmedicina e à fabricação de metais. Noprimeiro caso, procurava-se prepararmisturas com ervas e plantas em buscada cura para doenças. No segundo, o ob­jetivo era utilizar o fogo para derretermetais, misturando-os e transformando­os em novos metais. Esse tipo de manipu-"lação era denominado transmutação. Oseuropeus tomaram conhecimento dogrande desenvolvimento alcançado pe­los egípcios nesse campo e passaram adenominar essa arte khemia, que era onome utilizado pelos egípcios para deno­minar as transmutações. Mais tarde, já naIdade Média, a partir da influência dacultura árabe na península Ibérica, os eu­ropeus passaram a utilizar a palavra al­quimia para denominar a khemia egípcia.

Você já deve ter ouvido falar nessapalavra. Muita gente hoje a tem usadopara indicar coisas misteriosas, ligadas aalgum tipo de ocultismo. Se você parar B

um pouco para pensar em tudo o que nos t.-'"

vem à mente quando as palavras alquimia a"-

e alquimista são utilizadas, perceberá que, ~<:

com quase toda certeza, surgirá a idéia de iEalgo misterioso, oculto, esotérico (algo só ~

2acessível a iniciados). CJ

• 12

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Esse raciocÍIÚonão é de todo um en­

gano. Aalquimia representou uma formade compreender a natureza e de mani­pulá-Ia baseada numa concepção mágicada natureza, que, vinda da Antiguidade,permaneceu viva durante séculos. Mui­tos acreditam que essa concepção aindaesteja viva, não só nos discursos eso­téricos, mas no fundamento de algunsdiscursos ditos científicos e racionais.

O saber dos alquimistas, principal­mente na Idade Média, formava um cor-

Os primórdios

po de conhecimentos secretos, restrito aalguns poucos iniciados, que perten­ciam a grupos fechados, corporaçõessecretas. Os alquimistas transmitiamseu saber e sua arte contando suas expe­riências uns para os outros, desenvol­vendo uma tradição oral. Entretanto,como alguns alquimistas também or­ganizavam em manuscritos suas obser­vações sobre a manipulação das subs­tâncias, um pouco dessa arte pôde che­gar até nós.

1111 1IIIIIIill1ill .

Não se sabe ao certo quando a alqui­mia surgiu. Há registros de manuscritosda Antiguidade, escritos em diversaspartes do Oriente. Algumas das princi­pais características da concepção de na­tureza própria da alquimia podem serencontradas em diversas dessas culturas.

Os chineses, por exemplo, sempreimaginaram. o universo como um grandeorganismo. Nesse organismo existiriamsimpatias, ou afinidades, e antipatias. To­das as ligações entre as coisas, incluindoaí os homens, se davam por meio dessasafinidades ou antipatias. Como explicar ofato de que, entre tantas pessoas existen­tes no mundo, você só se tome amigo dealgumas delas? Talvez você responda:"Porque tenho afinidade com elas". Masvocê pensou em que consiste essa afini­dade? Mesmo quando sabemos intuitiva­mente o que é afinidade, é difícil explicá­Ia apenas pela razão.

Os chineses acreditavam que a idéiade afinidades e antipatias poderia ajudar

Da alquimia chinesa fazia parte um conjunto detécnicas desenvolvidas desde a Antiguidade e quesó se tornaram conhecidas na Europa durante aIdade Média. Entre elas se incluíam novos tipos demetalurgia, a fabricação do papel e da pólvora. Ailustração representa chineses trabalhando nametalurgia.

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a compreender por que algwnas substân­cias tinham maior facilidade de se combi­

nar do que outras, fato difícil de ser expli­cado pela razão.

Outra idéia presente na filosofia chi­nesa e também usada na sua alquimia eraa do par ljin/ljnng. Essas palavras repre­sentam o lado escuro (ljin) e o lado enso­larado (ljnng) da montanha e servem paraexplicar dualidades existentes no cosmoe que formam, na realidade, uma unida­de. Diversos são os exemplos desses dua­lismos: claro/escuro, homem/mulher,quente/frio, etc. Cada uma dessas partescompleta a outra, não existindo uma sema outra. O ljnng representa o forte, o pode­roso, o homem, o céu. Já o ljin representao receptivo, o dócil, a mulher, a terra.

Os alquinústas clúneses foram forte­mente influenciados por essa visão filosófi­ca, em que a harmonia do universo é pen­sada a partir dessa complementaridade.

Muitas das concepções alquímicasdos chineses foram, com O tempo, se espa­lhando pela Ásia e pela África. A partir doconhecimento da tradição chinesa, lugarescomo a Arábia e o Egito desenvolveramsuas próprias concepções de alquimia. Osegípcios, por exemplo, tornaram-se hábeisna matúpulação de substâncias. Eles fabri­cavam cosméticos, produziam peças emouro ou tin tas para a pintura de tumbas.Por sua vez, muitas das concepçõesalquímicas egípcias influenciaram forte­mente a alquimia desenvolvida na Europadurante a Idade Média.

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Mural encontrado em um túmulo em Tebas, dataede 1400 a.C.

Yin/yang - esse é osímbolo utilizado peloschineses para represen­tar a dualidade comple­mentar yin/yang. Obser­ve que a porção maisexpandida de cada umadas partes representa aomesmo tempo seu fim eo início da outra. A boli­nha existente em cadaum dos lados significaque o yintrazem si a se­mente do yang e vice­versa.

A alquimiamedieval •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.

Na Europa, a difusão dos manuscri­tos alquimicos só ocorreu durante a Ida­de Média. Os grandes responsáveis poressa difusão foram os árabes. Durante

um período de quase setecentos anos, en­tre os séculos VIII e XV, os árabes domi-

naram grande parte da península Ibér:,onde fundaram importantes universi.:.des, que se tornaram pólos de difusão.novas idéias. Para lá dirigiam-se filóso:de toda a Europa em busca de conh"mento. Dos estudos ali empreendi.:

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constava a leitura de diversos manuscri­

tos da alquimia árabe, além de outros,provenientes da China e do Egito. Essestextos haviam sido conservados duranteséculos em bibliotecas, no Oriente.

Ao mesmo tempo, os árabes tambémforam responsáveis pela difusão de diver­sos textos da filosofia grega. A junção dostextos alquírnicos com a filosofia grega e

A alquimia européia medieval, as­sim como muitas de suas correntes ante­

cessoras, partia de uma visão mágica danatureza, isto é, partia do princípio deque existia um espírito nas substânciase que muitos fenômenos poderiam serexplicados pela ação desses espíritos.

Muitos alquimistas medievais erammonges que realizavam suas investi­gações em laboratórios situados no in­terior dos mosteiros. A ordem dos fradesfranciscanos foi uma das mais envolvidas

com as experiências alquímicas. SãoFrancisco de Assis, fundador dessa or-

Adaptado de Alias ilÍslárico - Eucyclopll,'dill lirilmlllim do Brasil. Barcelona: Editorial Marín, 1988.

15 ~

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dem, havia afirmado, no século XIII, queDeus também falava aos homens através

da natureza. Essa afirmação, que na ver­dade era uma crítica ao excessivo poderdos teólogos da época, foi interpretadapelos franciscanos como um incentivo aoestudo dos fenômenos naturais.

Um dos principais objetivos dosalquimistas medievais era encontrar a pe­dra filosofa I e o elixir da longa vida. Apedra filosofal era uma espécie de agenteespiritual que, em contato com os metais,seria capaz de transformá-Ios em ouro. Abuscado ouro não estava necessariamen­

te ligada à obtenção de riqueza, mas àbusca do elixir da longa vida. Esse elixir,como o próprio nome já indica, seria umasubstância que, ao ser ingerida por umapessoa, a tornaria imortal. Os alquimistasacreditavam que o ouro era o metal maisnobre e durável existente na natureza. Por

esse motivo, o elixir da longa vida deve­ria ter por base o ouro. O trabalho nos la­boratórios dos alquimistas visava produ­zir ouro, por meio do contato com a pe­dra filosofal, e transformá-io mun líquidcque pudesse ser bebido. Dessa forma, se­ria obtida a cura para todas as doenças eportanto, a vida eterna.

Ilustrações de um livro medieval mostrando duas f

ses distintas do trabalho dos alquimistas: à esquEda, o recolhimento de ervas; à direita, a manipulaç;das ervas em um laboratório.

Os elementos danatureza segundo os ••••••••••••••••••••••••alquimistas medievais

Esse desenho, datado de 1100, mostra os quatro elementos in­terligados: ar, água, terra e fogo.

Para os homens medievais, o uni­

verso era dividido em mundo supralu­nar (além da Lua) e mundo sublunar (a

Terra). O mundo sublunar constituía-se

quatro elementos fundamentais:

terra - ar - água - fogo

Essa forma de encarar a cc

ti tuição da na tureza era wnarança da filosofia grega. Emdocles, filósofo e médico gr,que viveu por volta do sécula.c., acreditava que os quatromentos da natureza eram coe

tuídos a partir de dois pares,mando quatro qualidades bás:

seco/úmido - quente/fric

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Essas qualidades, ao serem associa­Ias, formariam cada um dos elementos:

seco + quente = fogoseco + frio = terra

úmido + quente = arúmido + frio = água

Tais concepções da filosofia grega·oram muito difundidas através dos es­:ritos de Aristóteles. Este filósofo e PIa tão

·oram os pensadores mais lidos ao longoIa Idade Média. Os alquimistas árabesltilizaram as idéias difundidas por es­;es escritos para compreender a consti­uição das substâncias com as quais tra­Jalhavam. Os alquimistas europeusnedievais absorveram essa concepção.

Outra busca empreendida pelos al­juimistas medievais era por encontrar a,hamada quinta-essência. A quinta-essên­cia estaria além dos quatro elementos;;eria uma espécie de espirito que, alémie ocupar todo o espaço, preenchendo-o,'staria em todos os corpos. Muitos ai qui­nistas tentaram desenvolver métodos

Jara extrair a quinta-essência dos corpos.Vluitos processos químicos foram desen­IOlvidos e aperfeiçoados com esse objeti­10, como foi o caso da destilação. A pro­iução de "água ardente" - nome pelolual era conhecido o álcool na Europa da

lIermes Trismegisto e o

Idade Média - tinha, muitas vezes, a in­

tenção de conseguir uma substância quepossibilitasse a obtenção da quinta-essên­cia. Os alquimistas sabiam que a misturade "águas ardentes" extremamente puras(álcool 95°) com plantas, flores, frutos eraízes permitia a obtenção de substânciasaromáticas bastante voláteis (perfumes).Alguns chegaram a acreditar que, ao ex­trair tais aromas de folhas e flores, haviam

conseguido descobrir um método de se­paração da quinta-essência dos corpos.

Pintura mostrando um laboratório alquímico. Obser~ve os instrumentos utilizados: o fole para manter achama, o alambique, a ampulheta para medir o tem­po das reações (pendurada na chaminé) e a balança,deixada no chão (canto direito inferior do quadro).

hermetismo .Os escritos de alguns alquimistas­

'icaram famosos ao longo do Renasci­nento. Talvez o mais importante deles:enha sido o Corpus herl11eticul11, de Her­nes Trismegisto. Na realidade, não exis-

tiu um indivíduo com esse nome, queseria o autor dessa obra. Os manuscri­

tos atribuídos a Hermes Trismegisto sãopossivelmente uma coletânea de textosde diversos autores traduzidos pelos

17Q

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antigos gregos. Esse nome, Hermes,provém da mitologia grega, na qual é odeus da sabedoria. Ao lerem textos al­químicos inspirados por Thot, deusegípcio que representava a sabedoria, osgregos o associaram ao deus grego Her­mes. Portanto, na tradução grega, ostextos foram atribuídos a Hermes, oTrismegisto, isto é, o três vezes grande.Na Idade Média, os alquimistas judeuse cristãos o compararam a Moisés, aquem as Tábuas da Lei foram entregues

por Deus. Dessa forma, o Corpus her­

meticum adquiriu um caráter sagradoentre os alquimistas.

Vocêjá deve ter ouvido as palavrashermético ou Ilenlletismo para descreveralgo que esteja fechado ou uma lingua­gem difícil de ser compreendida. Poisbem, o atual sentido dessas palavras sedeve ao fato de os escritos de HermesTrismegisto serem conhecidos só pelosiniciados na arte da alquimia, que forma­vam um grupo fechado.

o MA""'t\,,~,\MEDlA'I\\.\J\

o brasileiro [saias Pessott escreveu um romallce histórico milito illteressallte, chli",

mado O manuscrito de Mediavilla, lançado pela Edito"a 34. Ele nan-a a busca de u,.l

pesqllisadOJ; na Itália, por 11m ma­

IIl1scrito, sllpostamellte p",-dido, escri­

to pelo mOllge frallcisca,lO Rica/'do deMediavilla, que, além de ser um filó­

sofo importallte, era adepto da alqui­mia na Idade Média. Nessa busca, à

medida que o leitor vai sendo envolvi­do pela trama, também passa a co­nhecer alguns dos mistérios da alqui­mia praticada nos mosteiros medie­vais. Al110res, vinhos e ótimas COlHi­

das italianas são descritos Hesse li­

vro, dando 11msabor todo especial àbllsca do manllscrito.

~ 18

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Paracelso e a medicina

alquímica .A busca da eternidade e, portanto, o

combate às doenças fizeram com que aalquimia se ligasse de forma estreita àmedicina. Um dos alquimistas mais im­portantes foi um médico chamado Para­celso. Seu nome verdadeiro era Aureo­lus Theofrastus Bombastius von Hohen­

heim. Nasceu na Suíça em 1493 e faleceuna Áustria em 1541. Paracelso estudouos fundamentos da medicina em diver­

sos lugares, como nas escolas de Basi­léia, na Suíça, e de Ferrara, na Itália.

Para celso procurou criar uma novaconcepção de medicina, assocíada à al­quimia. Para ele, os médicos deveriam sedesvencilhar do passado: tudo o que ha­via sido escrito por médicos, como Ga­leno, a suprema autoridade em medicinana época, e por filásofos, como Aris­táteles, deveria ser colocado de lado. A

nova medicina deveria partir da expe­riência, de um conhecimento aprendidodü:<;:t""m<;:l\t<;:d"" l\""t\1t<;:"U\.r""m Ü;~Q, b.",,'I<;:-

ria necessidade de uma revolução na for­mação dos médicos.

Para celso acreditava na existência de

uma Íntima relação entre o macrocosmo,que era Deus, e o microcosmo, a natureza.O homem era visto como parte da har­monia desses cosmos, sendo ele uma pe­quena parte imperfeita do cosmo maior,que é perfeito. Segundo Paracelso, adoença era consíderada uma desarmoniaentre o corpo e o espírito do homem. Cu­rar seria, portanto, fazer retornar essa har­monia. Entretanto, contrariamente ao quepregava a medicina de Galeno, Para celsoacreditava que esse equilíbrio poderia serafetado por fatores externos como, porexemplo, a ingestão de alguma substân­cia química. Foi aí que surgiu o uso daspoções na restituição do equilíbrio docorpo. Como a natureza operava qui­micamente, a restituição da saúde deve­ria seguir o mesmo principio.

Paracelso viajou muito por toda aEuropa, realizando conferências, procu­rando difundir suas idéias. De forma ge­ral, entre as duas correntes da alquimiade sua época - a panacéia (proteção con­tra as doenças e o envelhecimento) e acrisopéia (transformação de metais emouro) -, ele optou pela primeira. Aabun­dância do ouro proveniente do NovoMundo fez com que diminuísse o interes­se pela obtenção desse metal por meiosartificiais.

Paracelso também desenvolvia uma

alquimia do espírito. Para ele, Jesus Cris­to era a pedra filosofal do espírito. O ho­m<;:m "m CQl\t"tCl CClill CüStCl s" t'."ns-

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mutaria da imperfeição para a perfeição,da mesma forma que os metais se trans­mutariam em ouro. Embora vivesse em

um tempo extremamente conturbado,numa região - a Suíça - onde as diver­gências religiosas entre católicos e protes­tantes estavam muito intensas, ele não se

envolveu nessas polêmicas. Permaneceucatólico, mas contrário ao poder dos pa­pas dentro da Igreja.

A alquimia e a medicina de Para­celso influenciaram enormemente o

pensamento europeu dos séculos XVI eXVII. Muitos estudiosos da história

das ciências consideram mesmo que onascimento da química moderna foium processo lento e gradual, que come­çou com Paracelso e só terminou comLavoisier.

A partir do século XVUI, a alquimiana sua forma tradicional, começa a per­der importância. Essa decadência é po,vezes atribuída à ascensão dos novo­

métodos da ciência moderna, surgido,a partir do século XVII, com a física. Er­tretanto, parte desses novos método,como a experimentação nas práticas de I,·boratório, já existiam na alquimia haYi:séculos. Aquilo que chamamos hoje é,química moderna nasce muito mais étentativa de se apagar por completo o Cê

ráter místico presente na tradição alqumica do que pelo surgimento de no\'lmétodos de investigação da nah,reza. E"caráter estava em desacordo com a no'

sociedade e com as novas formas de pe­sar o mundo que começavam a se estr.rurar dentro de um movimento chamaciluminismo.

A HOtA~Q"K\\~Se observarmos (f l1ledici/la de hoje,

percebemos que ela POIlCO011 nada temem C0I111lnt com a medicina praticada no

passado. Entreta/lto, existe uma cOITentede peIlSame1lto, criada no século XVIII,que apresenta algumas concepções her­dadas da medici/la de Paracelso. É a 110­

meopatia, criada pelo médico alemãoChristian Fl'iedrich Samuel Hallllemall/l

(1755-1843). A l1Omeopatiaparte de algllns

.ail '0

prinCtplOS básicos, que sintetizamO'

seguir. O primeiro deles é que não ftem doenças, mas doe/ltes. COl/l isscidéia de doença como algo extel'iorhomem é abando/lada, i/ldividualizaJlse os problemas apresentados: o mér­deve analisar seus pacielltes caso a cO seg/lndo p1'Í/lcipio é o da similitudegtlndo o qual os semelha/ltes são Clil"l

pelos semellta/ltes; em outras pala •

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toda substância capaz de provocar umproblema num organismo sadio tambémserá capaz defazê-lo desaparecer. O últi­mo princípio é o de que a diluição de umasubstância, isto é, a sua utilização emdoses muito pequenas, é capaz de curaruma doença sem causar efeitos cola­terais.

De forma geral, Hahnemann sofreuforte influência de Paracelso ná constru­ção de seus métodos terapêuticos. Ele es­tudou as obras de Parace/so e de seus se­

guidores, baseando seus métodos em al­gumas idéias defendidas por eles. O prin­cípio da similitude baseia-se numa frase

atribuída a Parace/so e escrita numa edi­

ção de um de seus livros de 1658: similiasimilibus curantur (os semelhantes são

curados pelos semelhantes). A idéia deque a doença é fruto de um desequilibrioentre o corpo e o cosmo maior tambémfoi absorvida do alquimista suíço.

A homeopatia foi vista com muitadesconfiança pelas academias de ciênciaao longo do século XVIII, chegando a sercondenada e proibida em 1835. Em 1925foi criada a Liga Homeopática Interna­cional, e somente em 1980 ela foi reconhe­cida no Brasil como uma especialidademédica.

Gravura de Pieter Bruegel (1525?-1569) satirizando a medicina praticada durante o Renascimento.

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CAPíTULO 2

o iluminismoe a nova forma de

pensar o mundo

A o longo do século XVIII, surgena Europa um movimento inte­

. lectual que pretende lançar asbases de uma nova razão, isto é, de umanova forma de pensar o mundo. Desde aIdade Média o pensamento na Europa vi­nha sendo regido por algo que podería­mos chamar de "razão teológica". De for­ma simplificada, poderíamos dizer quenessa razão as formas de pensar o mundotinham por base a ação ou a presença deDeus entre os homens. Muitos foram os

filósofos medievais que construíram asbases dessa forma de pensar. Santo Agos­tinho, que elaborou uma interpretação daobra do filósofo grego PIa tão à luz da fécristã, foi um deles. Santo Tomás deAquino, ao interpretar o pensamento deoutro filósofo grego, Aristóteles, seguin­do esse mesmo caminho, foi também umpensador medieval de destaqLre.

À medida que a sociedade medievalfoi se transformando no plano religioso(com a decadência do poder eclesiástico),

no plano econômico (com a prática do ~mercantilismo) e no plano social (com a t'ascensão de uma nova classe, a burgue- ~"sia), começaram a ocorrer também trans- ~"formações no plano das idéias, nas for- f

mas de pensar o mundo. Durante os sé- iCLllosXVI e XVII, iniciaram-se as críticas ~

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à razão teológica. Muitos filósofos pro­curaram romper com essa velha forma depensar, propondo novos caminhos. Des­sas propostas surgiu o que conhecemoshoje como ciência moderna.

Preste atenção: a ruptura com asvelhas formas de pensar não se dá demaneira imediata. Trata-se de um pro­cesso longo, que envolve a participaçãode diversas gerações. Num primeiromomento, surgem apenas críticas aopensamento que está estabelecido. Esseprocesso de crítica é extremamente difí­cil para quem o faz. Vocêtalvez já tenhaouvido falar de pensadores como Gior-

dano Bruno, que morreu queimado nafogueira da Inquisição, ou talvez co­nheça o processo por que passouGalileu Galilei. A história desses ho­

mens é um exemplo de como se podeaté pagar com a própria vida pelo fatode se elaborarem críticas às idéiasestabelecidas como verdadeiras. Numasegunda etapa desse processo de trans­formação, depois que as críticas já co­meçam a se tornar comuns, chega o mo­mento da construção de uma nova for­ma de pensar o mundo. É necessário ul­trapassar a crítica para chegar ao planoda formu lação das novas idéias.

o iluminismo como

movimento filosófico .No século XVIII surgiu na Europa

um movimento que pretendia construiruma nova razão, diferente da medieval.Esse movimento foi chamado de ;Ium;­

n;smo ou esclarecimento. Sua importânciafoi tão grande que o sécu10 XVIIIé, porvezes, chamado de Século das Luzes.

É muito difícil resumir o que foi oiluminismo, pois fizeram parte dessemovimento vários filósofos, que defen­diam diversas correntes de pensamento.Entretanto, em linhas gerais, pode-seafirmar que os iluministas queriam fun­dar uma nova razão. Acreditavam numanova forma de pensar e ver o mundo,1í­vre das influências religiosas que for­mavam a base da razão teológica medie­val, razão essa que eles denunciavamcomo supersticiosa.

Você é supersticioso? Muita gentetem superstições! Vocêjá pensou sobre oque é superstição? É a crença na existên­cia de relações entre fatos que não podemser comprovados por meios racionais.Pense no seguinte: o torcedor de um clu­be de futebol assiste a diversos jogos deseu time e, por acaso, em todas as vezesele está vestindo a mesma camisa. Se otime dele vencer todas as partidas, elepode começar a imaginar que existe algu­ma relação entre sua camisa e a vitóriado time e passar a usá-Ia sempre que as­sistir aos jogos. Acreditar nesse tipo derelação, que não tem nenhuma base ra­cional, é típico de uma postura supersti­ciosa ou visão mágica do universo.

A nova razão procurava se opor àssuperstições. Grande parte dos ilumi­rustas criticava as concepções religiosas

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por basearem-se, segundo sua perspecti­va, em superstições. As tradições religio­sas baseiam-se em verdades que foramreveladas por Deus a alguns homens. Asformas dessas revelações são muito va­riadas. Entretanto, para os que têm fé, es­sas revelações são verdades inquestio­náveis. Mesmo que sejam submetidas àrazão, sempre chegará um momento emque não haverá mais explicações possí­veis, e considerá-Ias falsas ou verdadei­

ras será uma questão de fé. Os ilumi-

nistas declaravam que esse conhecimen·to revelado, como não podia ser provado'em sua totalidade por caminhos pura­mente racionais, não poderia ser conside­rado verdadeiro. Aceitar um conheci­

mento revelado era, para eles, inadlnissÍ­vel e poderia levar ao irracionalismo, à_

crendices.

Dessa forma, filosofia e religião de­veriam estar em campos opostos. O novalmovimento surgia para iluminar as men­tes. A difusão dessa nova racionalidade\

Família burguesa em 1785.

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levaria à construção de urna nova cultu­ra, que seria completamen te livre dedogmas e de autoritarismos intelectuais.

O iluminismo surge como base filo­sófica da sociedade que se estava cons­truindo. Uma sociedade em que grandeparte do poder político e cultural aindase encontrava nas mãos da Igreja. Anova classe ascendente, a burguesia, de­sejava conquistar não só o poder econô­mico e político, mas também as formas

de produção cultural. E para isso tinhaque desqualificar as antigas idéias, divul­gando outras.

Lavoisier viveu durante essa épocade elaboração das novas idéias. A Fran­ça foi um 'dos países em que o ilumi­nismo se desenvolveu de forma mais

intensa. Vamos procurar conhecer al­gumas dessas idéias em dois camposnos quais Lavoisier atuou com mais in­tensidade.

o iluminismo na

economia ••••••••••••••••••••••••••••••••••••

A Europa dos séculos XVI e XVII jáhavia se organizado políticamente sob aforma dos Estados nacionais. Até então, aorganização política girava em tomo dascidades. Com o advento do absolutismo,

surgiu uma nova organização política emque um território maior era governadopor um poder central, o rei. Uma dasprincipais preocupações desses reinosera tornarem-se cada vez mais ricos. Os

estudiosos da economia dessa época pro­curaram analisar esse problema e sugeri­ram algumas saídas. Bastaria que se pro­duzissem mais riquezas do que a naçãonecessitava para seu consumo. O exce­dente deveria ser exportado; e o lucro ob­tido, armazenado. Os Estados, para queisso pudesse ocorrer, deveriam controlartoda a economia criando normas que re­gulassem o seu funcionamento. Com essecontrole poderiam ser alcançados os ob­jetivos pretendidos. Esse tipo de políticaeconômica ficou conhecido mais tarde

pelo nome de mercantilistllo e foi pratica­do por grande parte dos países europeusno princípio do século XVIII.

Os economistas ligados ao movi­mento ilLUninista propuseram outra for­ma de encarar esse problema. Eles defen­diam que, para a economia prosperar,não deveria haver intervenção do Estado.Consideravam a economia semelhante à

natureza e, portanto, sujeita às leis natu­rais. Assim, os economistas, a exemplodos físicos, deveriam apenas procurarcompreender as leis que regem os merca­dos, sem propor nenhuma intervençãodo Estado.

Veja que situação interessante! Asidéias apresentadas pelos físicos, funda­dores da ciência moderna, influenciarama economia das nações. Os economistas,embora estivessem estudando o funcio­

namento do mercado, conheciam aquiloque Galileu, Descartes e Newton haviamproposto para a ciência.

Esses economistas ficaram conlleci­

dos como fisiocratas. Esse vocábulo tem amesma origem de físíca, isto é, a palavragrega physis, que significa, de formasimplificada, o que nós hoje chamamosde natl/reza. O lema desses economistas

25 Q>

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era laissez-jaire, que em francês significadeixai jazer.

A França foi a nação em que o con­trole mercantilista sobre a economia foimais radical. Existia um verdadeiro exér­

cito de fiscais que controlavam a econo­lnia. Por exemplo: imagine que um pro­dutor de tecidos, observando as prefe­rências das pessoas de sua região, deci­disse fabricar um novo tipo de tecido.Não podia' As leis impediam que sua fá­brica produzisse tecidos fora dos pa­drões estabelecidos.

Os fisiocratas defendiam que a raizde toda a riqueza de uma nação estavana agricultura. O comércio e a indústriaapenas transformavam os bens gerados

o iluminismo

pelo campo. Por isso defendiam a idéiade um incentivo à agricultura em detri­mento das outras áreas da produção.

Para os fisiocratas, o controle total da

economia era absurdo porque os produ­tores deveriam seguir o curso natural domercado, isto é, fazer o que fosse possívelpara ampliar sua riqueza. As normas im­pediam o fluxo natural do mercado.

Como a maioria dos países euro­peus no século XVIII era governada pormonarquias, e como toda a economia eracontrolada por elas, nada mais previsíveldo que a nova classe, a dos burgueses, embusca de uma ascensão em termos econô­

micos e políticos, passar também a defen­der as idéias dos fisiocratas.

." .nas ClenClaS "..

A ciência moderna surge no séculoXVII como parte de um movimento maisamplo. A burguesia, à medida que vaiampliando seu poder na área econômica,também começa a questionar o poder emoutros campos. Nada mais natural que sequestionem as velhas formas de produ­ção de conhecimentos ligadas à Igreja.Galileu irá viver o ponto alto desse emba­te ao defender suas idéias perante os tri­bunais da Santa Inquisição. Embora saiaderrotado, obrigado a permanecer emprisão domiciliar até o fim de sua vida,não há mais como impedir que a novaciência se estabeleça*. Será só uma ques­tão de tempo para que ela se estruturecomo saber. À medida que o tempo passa,aumenta a desconfiança no poder da

Igreja e em todo conhecimento baseadoem elementos místicos.

As novas ciências, pouco a pouco,vão procurando abandonar as referênciasreligiosas que ainda persistiam nos escri­tos de seus fundadores.

Talvez você ache isso estranho' Re­

ferências religiosas nos escritos dos fun­dadores da ciência?! Pode parecer esqui­sito, porém é a mais pura verdade. Os es­critos dos fundadores das ciências, como

Copérnico, Descartes, Galileu e Newton,continham, de maneira explícita, refe­rências às concepções religiosas de suaépoca.

Copérnico, no século XVI, colocou oSol no centro do sistema planetário por­que acreditava, entre outras coisas, que

'* Leia mais sobre esse assunto em GlllifclI e o IIllscill/r'IIto da cit'lIcil1l1lodcl"IIlJ, desta coleção.

Page 21: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

)eus não poderia ter feito um astro tão,rilhante e não colocá-Io no centro, demde poderia iluminar tudo. Newton, no.éculo XVII, ao imaginar a atração entre'orpos como a Terra e o Sol, em seu estu­10 sobre a gravitação, afirmou que essaItração acontecia em um meio que preen­:heria todo o espaço e que ele denominoule fléter". Para ele, o éter seria o senSOrillJ1l

)ei, ou os "sentidos de Deus", pois esta­'ia em todos os lugares do universo, re­)[esentando uma espécie de quinta-essên­:ia (um conceito proveniente da alquimia).viuitos OUtros conceitos existentes na fí­,ica newtoniana continham referências a

Telhas idéias aIquímicas. A atração entre)S corpos, criada por Newton para expli­:ar o movimento dos planetas em tornoio Sol, possui algo daquele conceito de'afinidade" presente nos primórdios dallquimia*.

Todo esse caráter da obra de New­on, e dos demais fundadores da ciên­:ia moderna, será considerado me­afísico pelos cientistas iluministas.

Diversos cientistas ligados ao mo­limento iluminista procuraram eliminarIS referências metafísicas ainda existen­

'es na ciência. A melhor forma para isso~ra apagar O passado, reescrevendo no­ras livros. Foram então escritas diversas

)bras, denominadas Ti'nlndos, que apre­;entavam as teorias de NewtoTI, assim:omo as dos demais fundadores da ciên­:ia moderna, sem o caráter meta físico:on tido nos originais. Essa ati tude dos:ientistas iluministas foi consideradanais tarde uma nova revolução científi­:a. Na física, essa revolução preservou as:lrincipais idéias de fundadores como=opérruco, Galileu e Newton. Na verda-

Isaac Newton (1642-1727).

de, o que se fez foi uma releitura de suasobras a partir de novas bases.

Já no campo da química essa revo­lução foi mais radical. Antoine LaurentLavoisier foi o principal nome dessa re­volução. Ele tomou parte do movimentoiluminista procurando fundar uma novaquímjca, ou seja, sem as referências rne­

tafísicas da alquimia. Assim, seu princi­pal objetivo foi apagar todo o passadoherdado da alquimia e se proclamar Ofundador da química moderna.

- Leia mais sobre esse assunto em Ncw/oll (' o frilflljo do IJIccnllicislIIO, desta coleção.

27 ~

Page 22: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

VOCÊ SABE O QUE É METAFíSICA?

Estátua de Aristóte­

les (384-322 a.C.), fi­lósofo grego.

,~ o prefixo mel(n)

t significa "além de"~ ou "após" alguma

coisa. A palavra me­

Infísiea foi inventadapelo filósofo And ro~nico de Rodes, no ano50 a.c., para classifi­car e denominar osescritos de Aristóte­

les posteriores aosseus estudos sobrefísica. Nos escritosmeta físicos, Aristó­

teles procurou pen­sar aquilo que ficouconhecido como a

"filosofia primeira",isto é, a busca da es­sência de todas as

coisas. Ao redigir es­ses escritos, ele inaugurou um campoda filosofia que, de causa em causa,busca o conhecimento da natureza

última de todas as coisas. Você já deveter visto como as crianças gostam de fa­zer perguntas sobre o porquê das coi­sas. A cada resposta dada pelo adultoela emenda um outro: por quê? Nameta física também é assim, vai-se de

porquê em porquê, à procura da expli­cação última para tudo. Nas ciências,um conhecimento é considerado meta­

físico quando tem suas bases de susten­tação apoiadas em alguma explicaçãoou elemento da natureza que não possater sua existência confirmada por meiosexperimentais.

Vamos exemplificar: você se lem­bra que ao comentarmos as referências

religiosas existentes nas obras dos fun­dadores da ciência moderna nós mencio­

namos o éter, aquele meio material quepreencheria todo o universo e que foiutilizado por Newton e outros cientis­tas para explicar como um planeta conse­guia atrair outro estando a uma granded istãncia dele. O éter nunca teve sua exis­

tência confirmada por meios experimen­tais. Logo, a justificação do fenômeno daatração a distãncia estava baseada numelemento da natureza que não tinha suaexistência confirmada. Os cientistas do

século xvrn consideravam-na uma expli­cação metafísica, que por isso não deveriafazer parte da ciência. Outro exemplo in­teressante é também uma conseqüênciada obra de Newton. A força de atração en­tre os planetas também foi consideradapor alguns cientistas do século XVlIIcomo metafísica, pois a capacidade de umcorpo atrair outro era percebida comotendo relação com o princípio alquímicodas afinidades entre corpos e substãncias.

Os cientistas mecanicistas do século

XVI]] tentaram afastar toda e qualquer ex­plicação que não tivesse por base a exis­tência de corpos que pudessem ser ob­servados ou ter sua existência comprova­da experimentalmente. Mais tarde, já noséculo XIX,alguns cientistas tentaram ba­nir completamente a metafisica da ciên­cia. Eles acreditavam que a ciência nãopoderia buscar compreender a essênciada natureza. Os cientistas simplesmentedeveriam criar expressões matemáticasque descrevessem seu comportamento. Atentativa de banir a metafísica da ciência

gerou, no século XIX, lllna corrente filo­sófica denominada positivismo.

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A P.\ ~,~.

TOME PIt(.\\lEJ:..

T••••••••• ~· •••• ,... ••

T~ •••••-••Jo"f"o.~""''-_·&<.o.,.

I'AIl t";.•r. SOCIET~ /)c CE."s J)C LCITIlES.

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ENCYCLOPEDJE, .~()lj 1..

DICTIONNAlltE RAISONNE &

DES SCIENCES,DES ARTS foT DES METIERS.

Wio•• _"';-o.,..!o!.N/)Fl'Of ••• ,~_"" ••.,,,,,_ •. .., r.o.~'- •••.•.•.,,_ ••,.•,,,"'_~",<,..••.:>L.D·"'l_.<.oT.:\~_ •..'--.•.•...•.~"'•...•..•.•.•.-...'"

A enciclopédia nãofoiinventada na França.Entre­tanto, os iluministas fran­ceses se propuseram a es­crever lima que ficou mili­

to famosa. O objetivo de­les era reunir mim grandelivro, dividido em volumes,todo o conhecimento pro­duzido até aquela época.Essa enciclopédia francesateve como subtítulo os se­

guintes dizeres: "Dicioná­rio racional das ciências,

das artes e dos ofícios".Dois filósofos iluministas, Denis Diderot(1713-1784) e Jean d'Alembert(1717-1776),coordenaram a edição dessa enciclopédiae convidaram diversos sábios da época aescreverem sobre os assuntos dos quais elesmais entendiam. Os livros foram dividi­dos em verbetes, isto é,palavras que suge­riam temas. Os 35 volumes da enciclopé­dia levaram 21 anos para serem editados.

.~ A edição da enciclopédia teve IIIn~ grande valor simbólico para a con­; solidação da sociedade modema. Ela

representa uma tentativa de se criaruma forma de organização de todo osaber existente em detenniuada épo­ca, a partir da óptica dos iluministas.É como se eles estivessem dizendo ao

mundo: a partir de agora este passa­rá a ser o verdadeiro conhecÍlnento,

quem quiser adquiri-Ia é só consul-Jean d'Alembert (1717-1776). tar os verbetes.Denis Diderot (1713-1784).

Quando você desejafa­zer uma pesquisa sobreum assunto que conhecepouco, ou do qual nuncaouviu falar, onde procura asinfonnações sobre o tema?O P"óprio título desta se­ção já deve ter indicado aresposta. O que é uma en­ciclopédia? Você já pensousobre isso? É uma tentati­va de reunir todo O conhe­cimento existente e anna­

zená-Io num lÍnico lugar.Você deve sabe,' a utilidade

que esse tipo de livro tem. Numa bibliote­ca encontramos diversos livros sobre os'mais variados assuntos.

Por onde começar uma pesquisa?A boa enciclopédia fornece essa por­

ta de entrada. Ela dá uma informação re­sumida sobre um tema e aponta comocontÍllllar se aprofillldando nele atravésde outros livros.

29 <a>

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CAPíTULO 3

Lavoisier:político e cientista

A ntoine Laurent Lavoisier nasceuem 26 de agosto de 1743, em Pa­ris. Seus pais tinham urna situa­

ção econômica muito boa. Sua mãe fale­ceu quando ele tinha cinco anos. Seu pai,que era advogado e procurador do Parla­mento, procurou criá-Io com ajuda deuma tia, irmã da mãe do menino. O fatode a fanúlia materna possuir muitas pos­ses permitiu que Lavoisier estudasse emcolégios de prestígio. Um deles, o CollegeMazarin, era famoso pelos seus cursos de 2

ciências. Seu pai desejava que ele tam- ~bém se tornasse advogado. Lavoisier sa- ~~tisfez o deseJ·o de seu pai. Entretanto, -!após concluir O curso de direito, passou a ise dedicar às ciências. Naquela época, di- ~versos cientistas ministravam cursos, l

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fora das universidades, a estudantes quese interessassem pelo tema. Lavoisier par­ticipou de muitos deles. Seus interessesiam da botânica à geologia, da química àastronomia. Um de seus mestres, o pro­fessor Rouelle, era famoso pelos cursosque ministrava no Jardin du Roi, uma es­pécie de jardim botânico de Paris. Alémde Lavoisier, freqüentaram esses cursosvários cientistas e políticos, que participa­ram ativamente do movimento iluminista.

Lavoisier começou a estudar qlúmi­ca devido ao seu interesse pela geologia.Alguns de seus professores o convence­ram de que um bom mineralogista deve­ria conhecer muito bem os princípios da

o desenvolvimento

quimica. Por causa disso, começou a es­tudar os temas relativos à quimica queestavam em voga na época.

À medida que o tempo passava, doiscaminhos foram se apresentando à frentede Lavoisier: seguir uma carreira política,ligada à administração do reino como ha­via fei to seu pai, ou seguir uma carreiracientífica, realizando investigações nocampo da geologia e da química. Lavoi­sier não optou nem por uma nem por ou­tra. Seguiu as duas. E as interligou de talforma que, ao estudar sua biografia, ficadifícil distinguir quando ele está atuandocomo administrador e político e quandoatua como cientista.

•de uma carreira .

Lavoisier escreveu seu primeiro tra­balho sobre geologia em 1764. Era umestudo sobre a composição de diversostipos de gesso. Apresentou esse trabalhona renomada Academia Real de Ciên­cias de Paris, em fevereiro de 1765. Essaacademia, fundada em 1666, reunia os

principais cientistas franceses da época.Lá, para realizar investigações nos cam­pos da ciência e para controlar todos ostrabalhos ligados à produção científicafrancesa, eles recebiam um salário. Nes­sa época, existiam muitos cientistasamadores e inventores de máquinas;para terem seus trabalhos reconhecidos,eles precisavam apresentá-Ios aos mem­bros da academia. Algumas vezes eraminstituídos prêmios para a realização detrabalhos em determinadas áreas. O tra­balho da academia era dividido em seis

classes: geometria, mecânica, astrono­mia, anatomia, química e botânica. Cadaclasse possuía oito acadêmicos. Existiamtambém os acadêmicos suplentes, quenão eram nomeados pelo rei, mas po­diam fazer parte das reuniões. Eramnormalmente escolhidos pelos própriosacadêmicos, caso mostrassem compe­tência em suas áreas de estudo.

Em 1768, surgiu urna vaga na acade­mia devido à morte de um dos acadêmi­

cos. Lavoisier candidatou-se a ela, tendoa indicação dos membros para ocuparessa cadeira. O rei, entretanto, acabou in­

dicando outro cientista, um geólogo demaior prestígio que Lavoisier devido aostrabalhos realizados para o governo fran­cês. Porém, atendendo ao pedido dosdemais acadêmicos, indicou o jovemLavoisier para um posto de suplente na

31

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A principal sala de reuniões da Academia de Ciências de Parisvura do século XVII que mostra uma hoje. Nessa instituição são debatidas, desde o século XVII, as prin-nião da academia. cipais controvérsias relativas às teorias científicas.

sse de qtúmica. Um ano depois da in­:ação, surgiu outra vaga de acadêmico,avoisier assumiu uma cadeira na Aca­nia Real de Ciências.

À medida que o tempo passava, La­.sier foi galgando cargos na hierarquiaacademia, até que, em 1785, assumiu a,sidência da instituição por um ano.>curou então elaborar uma reforma darutura acadêmica, criando duas novas,ses, a de Física Geral e a de Mineralo­, mas reduzindo o número de acadê­

:os por classe. Esse tipo de atitude cau­Imuito descontentamento e fez aumen­

o número de cientistas politicamente.trários a Lavoisier. A reforma represen­a uma busca de elitização da academia,n momento em que diversos cientis­amadores desejavam se profissiona­r, fazendo parte do grupo e recebendoirios por sua atividade. Note que a re­na aconteceu quatro anos antes do ini­da Revolução Francesa.

No mesmo ano em que entrou para aldemia Real de Ciências, Lavoisier

'prou ações de uma empresa chama-

32

da Ferme Générale. A Ferme tinha sido

incumbida pelo rei da França de cobraros impostos da população, recebendouma parcela como pagamento pelo servi­ço. Os jermiers, sócios da Ferme Générale,administravam o trabalho de diversoscobradores de impostos em toda a Fran­ça. Devido a isso, eles tinham de viajarmuito, vistoriando a cobrança desses im­postos. A Ferme Générale não tinha boareputação junto à população francesa.Muitos a acusavam de retirar somas con­

sideráveis dos impostos como pagamen­to, o que certamente tornava os impostosmuito altos .

Lavoisier observa

um experimento.

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Ser membro da Academia Real deCiências e trabalhar na Ferme Gênéraleproporcionou uma situação muito pro­veitosa para a carreira científica deLavoisier. Sendo obrigado a realizar di­versas viagens para vistoriar a cobran­ça de impostos no interior da França,ele aproveitava sua estada em cada ci­dade para realizar palestras nas acade­mias científicas locais, pois, a exemplode Paris, as cidades do interior tambémpossuíam suas pequenas academiascientíficas. Isso contribuiu muito paraque sua fama como cientista se propa­gasse por todo o país.

Detalhe de pintura que retrata o casal Lavoisier,feita por Jacques Louis David em 1788.

Lavoisier casou-se em 1771 comMarie-Anne-Pierrette Paulze, filha de ou­tro fermier. Marie-Anne mostrou-se umacolaboradora dedicada de Lavoisier.

Aprendeu latim e inglês, tornando-se tra­dutora de diversos livros científicos. Ao

mesmo tempo, estudou pintura comJacques Louis David, um dos maiores

, '

J

Ilustração de Marie-Anne no livro de Lavoisier.

pintores franceses da época. Apartir des­se conhecimento de desenho e pinturaela passou a ilustrar os livros de La­VOlSler.

Em 1775,Lavoisier foi chamado pa­ra resolver um problema científico e eco­nômico vivido pela França. A escassezde salitre e a corrupção em algumasempresas produtoras de pólvora impe­diam o Estado de obter a pólvora ne­cessária para a defesa de seu território.O cientista sugeriu ao controlador geraldas finanças que se criasse uma empresacontrolada pelo Estado para a produçãode pólvora. Lavoisier foi então nomeadopara dirigir essa empresa, chamada deAdministração de Pólvoras e Salitres,que ficou encarregada de produzir todaa pólvora necessária para a defesa daFrança. Lavoisier mudou-se para um ar­senal e mandou construir ali um labora­tório para o aperfeiçoamento da produ­ção de pólvora. Esse laboratório tornou­se um dos mais bem equipados do mun­do. Lavoisier encomendou instrumentosde medição, como balanças, a diversosartesã os franceses. Nesse local, que hojepoderíamos chamar de um laboratórioindustrial, Lavoisier realizou diversaspesquisas no campo da química, alémde produzir a melhor pólvora da Europana época.

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Lavoisier recebeu muita influência

:l pensamento iluminista no campo:onômico. A idéia dos fisiocratas de queverdadeira riqueza viria dos campos le­:lUo cientista a comprar, na região fran­~sa de Orleans, uma fazenda, que ele'eqüentava somente nas épocas de se­\eadura e colheita. Nesse local procurouesenvolver métodos e processos para O

umento da produção agrícola. Verificouue o aumento da produtividade se rela­ionava com a quantidade de estercoxistente no solo. Calculou então a pro­·orção adequada de cabeças de gado'ara a área de pastagem e de terra culti­ada. Com isso, conseguiu duplicar a'rodutividade da lavoura e quintuplicar, número de cabeças de gado.

Como você pode notar, as carreiras)olíticae científica de o~...avoisier se nüstu- ]'avanl de fornla m- ~

ensa. Ele procurava\plicar idéias cientí-lCas no campo po- .~ítico e "ice-versa.::riar wn laboratório,lue modernamente:loderia ser denomi­

~ado industrial, para:lroduzir a pólvoraio reino foi uma ati­

vidade política e aomesmo tempo cientí­fica, já que o labora­tório permitiu a La­voisier realizar diver­

sos experimentos científicos. De modo aná­logo, transformar sua fazenda num gran­de laboratório agrícola foi a forma que eleencontrou para oferecer comprovações prá­ticas das idéias dos fisiocratas do ilurninis­mo francês.

Essa mistura de ciência e políticanão foi uma atitude isolada por parte deLavoisier. Assim como ele, em outroscampos e na mesma época, vários cien­tistas realizaram tarefas semelhantes:

Gaspard Monge (1746-1818) foi mate­mático e ministro da Marinha; Pierre­Simon Laplace (1749-1827) foi matemá­tico, físico e auxiliou o Congresso du­rante os mais difíceis anos da Revolu­

ção; Lazare Carnot (1753-1823) foi mate­mático, físico e trabalhou durante a Re­volução, comandando o exército fran­cês. Enfim, muitos cientistas se engaja­ram num processo político-científico.Não poderia ser diferente, uma vez quequase todos provinham das classes po­pulares, eram filhos de burgueses e esta­vam inconformados conl a situação de

miséria em que se encon­trava seu país. A maio­ria deles participou ati­vamente da RevoluçãoFrancesa.

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cAPírUL04

Uma revoluçãona química

Em meados do século XVIII, a quí­mica ainda não tinha o statlls de

ciência, como a física possuía.Havia muito preconceito em relação aotrabalho dos químicos. A química era vis­ta como uma atividade artesanal, em queapenas se manipulavam substâncias. Os

o preconceito existente em relação aos trabalhos ]

manuais levou muitos i1uministas a não considerar a ~química como uma ciência. Foi preciso vencer esse ~preconceito, que associava as experiências de labo- p.

ratório com as práticas artesanais, para que a quími- ~ca ascendesse a uma nova condição. Na figura, um ::::

,~artesão prepara um recipiente de vidro. .....

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:ilósofos iluministas a viam como uma

ltividade ainda muito ligada à alqui­nia, conhecimento considerado mágico~sem as bases racionais que uma verda­feira ciência deveria ter. Na c1assifica­

;ão dos conhecimentos feita por D' Alem­)ert para a Enciclopédia, a química ocu­:lava um lugar muito baixo na hierar­luia científica.

Alguns químicos, entretanto, já co­:neçavam a se esforçar na busca da cons-

trução das bases de uma química científi­ca. Gabriel François Venel (1723-1775) foio médico francês que escreveu o verbetechymica (química) na Enciclopédia. Nesseverbete, Venel discordava de D' Alembert

e procurava dar à química um carátermais científico. Para tanto, procurou ex­por as recentes teorias de um médico nas­cido na Prússia (hoje Alemanha) que es­tava criando as bases de uma nova quí­mica. Seu nome era Georg Ernst Stahl.

fllJllil;tlJ .

Georg Emsl SI.hl (1660-1734).

Stahl, assim como todos os químicosdo século XVIII, trabalhava com os qua­tro elementos: terra, água, ar e fogo. Elehavia construído uma importante teoriapara explicar as reações químicas,principalmente as que ocorriamna presença do fogo. Esse pes­quisador acreditava na existên­cia de um "princípio do fogo",uma espécie de espírito do fo­go, que era encontrado nassubstâncias e que se des­prendia delas quando estaseram aquecidas. O princí­pio do fogo era denomi­nado flogislo ou flogís­

lico, palavra deriva-da do grego phlo­gislos, que significa"queimando". O flo­gisto seria urna subs­tância imperceptívelaos olhos dos ho­

mens e impossível deser isolada, pois esta-

ria sempre combinada com a terra presentenos corpos ou com o ar. A luz e o calor per­cebidos durante a queima das substâncias

eram as únicas manifestações sen­síveis desse princípio do fogo.

Vamos dar um exemplode como os quimicos do sé­culo XVIII explicavam o fe­nômeno da combustão.

Você já deve ter ob­servado que um pedaçode carvão, após queimar,

se transforma numa

pequena quantidadede cinzas. Stahl

defendia queo carvão eraformado deterra e de uma

enorme quan­tidade de flo­

gisto; então,quando aque­cido, ele libe­raria todo o

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flogisto existente em seu interior e sobra­ria apenas a pequena quantidade de ter­ra, as cinzas. Outro fenômeno que era ex­plicado por meio da teoria do flogisto eraa calcinação dos metais: quando um me­tal era aquecido, ele produziria uma cin­za então denominada "cal" do metal;esse processo era conhecido como" cal­cinação" dos metais; o surgimento dessacal seria ocasionado pela perda de flo­gisto por parte do metal. A operação in­versa, isto é, a transformação dessa calnum metal também seria possível: paraisso, bastaria aquecê-Ia com carvão; esteperderia o flogisto para a cal, que, aoabsorvê-lo, se reconstituiria como metal.

A teoria do flogisto funcionava co­mo um grande princípio unificador, istoé, era uma teoria que explicava diversosfenômenos da química. Entretanto, aomesmo tempo que o flogisto explicavauma série de fenômenos, era um proble­ma duplo para os químicos, pois haviacríticas à sua existência no campo filosó­fico e no campo experimental.

A crítica do ponto de vista filosóficovinha do fato de o flogisto apresentarum caráter meta físico. Lembre-se de queestamos nos referindo ao século XVIII, o

Século das Luzes, um tempo em que oshomens acreditavam estar se libertando

das visões mágicas do passado e criandouma forma diferente de ver o mundo e anatureza, baseada única e exclusiva­mente na nova razão científica. Tudo o

que não pudesse ser percebido pormeio da observação e cuidadosamentetestado por experimentos não poderiaser aceito como verdadeiro. O flogistonão podia ser percebido pelos sentidosnem podia ser isolado por meios expe­rimentais. Muitos químicos, influencia­dos pelos ideais iluministas, começaram

então a desconfiar da existência do flo­

gisto, que parecia ter um caráter místico,próprio da velha alquimia.

As críticas do ponto de vista experi­mental provinham de algumas experiên­cias que eram então realizadas. Algunsquímicos perceberam que a massa decor­pos queimados aumentava após o pro­cesso de combustão e calcinação. Lem­bre-se: dizia-se que a presença do fogo fa­zia com que o flogisto abandonasse o cor­po. Como explicar tal fato? Alguns quí­micos defensores do flogisto ainda tenta­ram elaborar explicações, propondo, porexemplo, que o flogisto seria animadopor forças contrárias à da gravidade. Issofazia com que a sua presença tornasse ocorpo mais leve, e a sua ausência, maispesado. Esse tipo de explicação tornava oflogisto cada vez mais irreal aos olhosdos químicos. A teoria do flogisto come­çou a ser considerada metafisica, e essaera uma forma de pensar a natureza queos cientistas iluministas queriam ver ba­nida da ciência.

Não pense que abandonar uma teo­ria seja tarefa fácil. Como a teoria doflogisto explicava de forma aparente­mente coerente diversos fenômenos, eradefendida por inúmeros químicos do sé­culo XVIII. Para que ela fosse abandona­da, deveria ser criada outra teoria quefosse, como ela, abrangente nas explica­ções dos fenômenos. A nova teoria, além

de explicar os fatos que a velha teoria jáexplicava, deveria também explicar os fa­tos que estavam causando problemaspara os cientistas. Portanto, a princípio,era mais fácil tentar aperfeiçoar a velhateoria, acreditando que a ausência de ex­plicação dos fenômenos se devesse muitomais a uma incompetência dos cientistasdo que à falsidade da teoria existente.

Page 32: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

Existe uma atividade que 110Spermi­compreender melhor como se dá a subs­:tlição de uma teoria por outra. Cons­Úl'emos um quebra-cabeça para fazerna al1alogia com a c011st11lçãodo conhe­>11entociel1tifico. Entretal1to, você não,de esquecer que analogias são compa­.ções e não retratos fiéis do processo.

Você irá desafiar um colega, que:nda não tenha lido este liv1'O,a mOI1­lr um quebra-cabeça. Ele terá de mOI/­lr um quadrado a partir de peças feitas? papel. Sua atuação ficará restrita à?servação de como ele elabora solu­Jes para esse problema. Não se esqueçaisto: embora seja uma brincadeira,ocê deverá estar todo o tempo concen­'ado, observando-o, sem dar dicas de91110se resolve o quebra-cabeça.

Recorte um quadrado numa folha deapel em bmnco. Se você tiver cartolinau papelão de embalagens será melhor.'sse quadrado deverá ter 20 cm de lado./'ace com "'" lápis a configul"ação da fi­ltra 1 lto papel, obsenJando que existem:l1gulos retos l1a ligação de algumas li­·has. Esses ângulos devem se,' respeita­'os defonna precisa. Após desenhar as li­,has na folha, recorte-a seguindo essas

linhas. Você terá transformado o papelnum conjunto de pedaços fonnados detriângulos, quadriláteros e um pentágono.

Entregue os pedaços desordenadosao seu colega. Diga-lhe que é um quebra­cabeça para ser mOl1tado. Observe que, sevocê não disser mais nada, ele irá per­gUl/tar o que deverá ser mOl1tado, pois aspeças, sem a idéia do que deve se,' feitocom elas, não significam nada. Somenteentão lhe diga que ele deverá fonnar umquadrado com as peças,

Figura 1.

Page 33: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

Normalmente as pessoas começamtentando posicionar os vértices das figurasde forma a fazer com que eles coincidamcom os do quadrado que se deseja montaJ',Como existem muitos vértices, o trabalho

toma-se bem difícil, Outra tendência é co­locar os lados do retângulo coincidindocom os do quadrado. Como a posição do"etângulo na montagem é torta em relaçãoà disposição do quadrado, esse tipo de ten­tativa toma a montagem mais difícil.

Após encaixar duas ou três peças, eledificilmente abandonará essa configura­ção. Procurará adaptar as outras peças aessa disposição. Somente se o encaixe setornar muito difícil ele abandonará aprimeira configuração, desmanchando aspeças, para começar tudo de novo.

Lavoisier foi o químico que se opôsde forma mais intensa à teoria do f1o­

gisto. Mesmo percebendo que a químicade Stahl já havia rompido, em parte, coma alquimia, restavam ainda alguns pon­tos de discordância,

Lavoisier, junto com alguns físicosde sua época, como Laplace, defendiauma visão mecanicista da natureza: paraeles, a natureza era como uma grandemáquina formada por uma infinidadede corpos. O comportamento desses cor­pos deveria ser explicado pelas leis damecânica de Newton. No projeto deconstrução de uma nova química desen­volvido por Lavoisier, as reações quími­cas também deveriam ser compreendi­das a partir dessas leis.

A teoria do f1ogisto não poderia seraceita por Lavoisier, pois ela ainda pos-

Em ciência também é assim. No fim­do, a construção de teorias é como a mon­tagem de um grande quebra-cabeça: semprese procura uma ordem para os fatos. Entre­tanto, antes da montagem, os cientistas játêm uma idéia do que desejam montar. Osdados das experiências são as peças que sedeseja ordenar. Quando conseguem encai­xar algumas peças, procuram manter esseencaixe, tentando adaptar as outras peçasa ele. Só abandonam essa disposição se elase mostrar muito complicada e se existiruma crença muito forte de que outro cami­nho seja mais proveitoso. É lógico que asescolhas desses caminhos não nascem do

nada. As concepções filosóficas existentesem cada época são fimdamentais para a es­colha desses caminhos,

suía muitos vestígios metafísicos, O cará­ter abstrato, quase espiritual, do flogistonão poderia ser aceito como um modeloexplicativo para o comportamento da na­tureza, Por não ser material, o f1ogistonão poderia ser explicado pelas leis deNewton.

A princípio, Lavoisier ainda trabalhoucom a teoria do f1ogisto e dos quatro ele­mentos aristotélicos. Mas ele não poderiasimplesmente dizer que o flogisto não exis­tia. Era preciso construir outra teoria, ouseja, desfazer-se das peças do quebra-ca­beça e recomeçar a partir de uma nova dis­posição dessas peças. A maioria dessas pe­ças já existia. Foram construídas por ou­tros químicos a partir dos estudos sobreos elementos fiar" e lIágua". Lavoisier foiaquele que as juntou e que recompôs o for­mato do quebra-cabeça a partir de umanova ordem. Vamos acompanhar o pro­cesso de sua construção.

Page 34: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

A decomposição

do ar .Vários cientistas britânicos desenvol­

viam estudos sobre o ar desde o século

XVII.Diversos trabalhos experimentais fo­ram feitos a partir da bomba de ar, umequipamento inventado no século XVIIpelo engenheiro alemão atto von Gue­ricke (1602-1628) para provar a existênciado vácuo. Robert Boyle (1627-1691) eRobert Hooke (1635-1703), químicos comgrande experiência na construção e noaperfeiçoamento de equipamentos de la­boratório, construíram na Inglaterra algu­mas dessas bombas - capazes de reco­lher os gases desprendidos de reaçõesquímicas - e desenvolveram métodospara sua operação. Esse trabalho foi fun­damental para que os laboratórios ingle­ses do século XVIII contassem com exce­

lentes instrumentos de pesquisa.

Robert Boyle (1627-1691).

a médico britânico·Joseph Black(1728-1799), utilizando as bombas de ar,verificou que alguns compostos orgâni­cos com que trabalhava, quando subme­tidos a intenso calor ou a ácidos, des­

prendiam urna espécie de "ar". Blackchamou-o de "ar fixo", pois parecia en­contrar-se fixo nas substâncias, só se des­prendendo durante seu aquecimento ouem contato com ácidos. Hoje, esse "arfixo" é conhecido pelo nome de gáscarbõnico (Ca,).

Joseph Priestley (1733-1804), umquimico britânico que também era pas­tor presbiteriano, realizou diversasexperiências com os "ares". Nunla delas,em 1774, ao aquecer o óxido vermelhode mercúrio, obteve um "ar" sem cor.

Priestley observou que esse "ar" também

Projeto da bomba de ar de Boyle.

Page 35: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

Laboratório de química no século XVIII.

tinha a propriedade de "nu­trir a chama de uma vela",

como fora observado porBoyle e Hooke no século an­terior. O aumento do fogona presença desse ar fezcom que Priestley o chamas­se de "ar deflogisticado".Ele acreditava que a ausên­cia do flogisto no ar faziacom que certa quantidadede flogisto saísse com maisintensidade do fogo paraocupar o espaço vazio exis­tente nesse ar. Essa des­

coberta já havia sido feitapelo farmacêutico suecoCarJ ScheeJe, em 1772. En­

tretanto, suas pesquísas sóforam publica das fora daSuécia a partir de 1777.

Pare e pense por ummstante! Vocêdeve ter perce­Jido que o fato de Priestleychamar o "ar" que nutria achama de uma vela de "ar

:leflogisticado" tinha comoJase o fatode que ele acredi­tava que esse era o mesmo'ar" da teoria dos quatro elementos sólue modificado, isto é, sem o flogístico.

A grande questão com a qual La­misier vai se defrontar é a de dar uma

~ova interpretação para esses fatos. La­Joisier tomou conhecimento de todas es­

;as pesquisas sobre a natureza do ar pelaeitura das traduções feitas por sua es­Josa a partir dos escritos desses cientis­:as. Ele conversou ainda com Priestley~um encontro que tiveram em Paris, emL774. Para Lavoisier, que não acreditava~a existência do flogístico, esses" ares"lão poderiam ser considerados modifi-

cações do If ar" I um dos elementos aris­totélicos básicos constituintes da nature­

za. Ele (o ar) deveria ser considerado,portanto, um composto formado de ga­ses. O ar deflogisticado de Priestley eScheele deveria ser um gás componentedo ar atmosférico, assim como o ar fixode Black, um outro.

Lavoisier, acreditando que as inter­pretações das experiências, feitas pelosquímicos britânicos, estavam erradas,começou a planejar uma série de expe­riências para verificar como se dava aparticipação do ar nos processos de com-

Page 36: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

) e calcinação dos metais. Enco­JU aos artesãos parisienses as ba­; mais precisas que se conheciamoca. Cercou-se dos melhores ins­ntos de laboratório existentes. Feziências nas quais aquecia materiaiso fósforo e o enxofre, e constatou'pós a combustão, os resíduos se~ntavam mais "pesados" do que os's originais. Aqueceu também o

:Iho de Lavoisier para o estudo do oxigênio.

42

óxjdo de chumbo e verificou que nesseprocesso ocorria um grande desprendi­mento de um gás. Esses experimentoslevaram-no à conclusão de que o flogis­to realmente não poderia existir. ParaLavoisier, a velha questão do aumentodo peso das substãncias após sua com­bustão confirmava que deveria haveroutra explicação para esse fenômeno.Talvez o ar atmosférico tivesse um papel

fundamental nesses proces­sos de combustão e calcina­ção dos metais, que não ha­via sido considerado pelosoutros quúnicos.

Após a realização da sé­rie de experimentos planeja­dos por Lavoisier, pôde serconstruída uma teoria capazde explicar os fenômenos dacombustão e da calcinaçãodos metais. A primeira con­clusão de Lavoisier foi que oar atmosférico não era umelemento puro. Ele era consti­tuído de um conjunto de ga­ses, e estes participavam ati-vamente da combustão e da

calcinação. O cientista procu­rou, então, identificá-los. Oprimeiro gás constituinte doar atmosférico a ser identifi­cado foi aquele" ar" incolorque Priestley havia chamadode "ar deflogisticado". Comoele tornava a chama da velamais intensa, Lavoisierperce­beu que era a parte combus­tível do ar atmosférico, res­ponsável pela queima dassubstãncias. Vamos ler o queLavoisier escreveu nas suasconclusões:

Page 37: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

o ar da atmosfera não é 11m

elemento, isto é, lima substân­cia sbnples, mas 'nna mistura

de diversos gases. O ar da atmosfera écomposto de aproximadamente 11m qllar­to de ar deflogistieado, 011 ar eminente­mente respirável, e três quartos de 11m armalcheiroso e nocivo."

Nesse trecho, Lavoisier ainda usaa nomenclatura de Priestley, chaman­do o novo gás de "ar deflogisticado".Entretanto, como a base de sua novateoria era a negação da existência dof1ogisto, Lavoisier iria criar outro nomepara esse componente do ar atmosfé­rico. A principio chamou-o de "ar vi-

tal", por ter percebido, em suas expe­riências, ser ele de extrema importân­cia para a respiração. Como também oencontrou em alguns ácidos, chamou­o de "principio oxigênio", pois, no gre­go, oxus significa ácido. Mais tarde, per­maneceu apenas o nome "oxigênio". Ooutro componente do ar identificadopor Lavoisier é o azoto, que hoje é co­nhecido por nitrogênio.

Com esse conjunto de experimen­tos e a partir da nova interpretação dadapor Lavoisier, O ar deixava de ser consi­derado um dos elementos básicos cons­tituintes da natureza. Na realidade, eleera composto de gases.

A decomposição,dallllllll .................••.......................

Em 1783, Lavoisier tomou conhe­cimento de novas experiências queJoseph Priestley e Henry Cavendish(1731-1810) estavam realizando na In­glaterra. Eles haviam conseguido pro­duzir orvalho através de descargas elé­tricas. Perceberam que o orvalho era,na realidade, água pura. O conheci­mento desse fato levou Lavoisier a re­fazer as experiências dos químicos bri­tânicos e dar aos fatos uma interpreta­ção à luz de sua nova teoria.

Elerealizou uma experiência de aná­lise (decomposição) da água e posteriorsíntese (recomposição). Na análise, elemostrou que a água é composta de duasIIsubstâncias"I sendo Ullla delas o seu"princípio oxigênio". A outra foi denomi­nada "princípio da água'" 0,u "princípiohidrogênio" (do grego IH/dor, que signifi-

ca "água"). Em seguida ele conseguiujuntar esses dois gases e obter novamenteágua.

Lavoisier cOlllunicou suas experiên­cias à academia e explicou que a águatambém não é uma substância simplesconstituinte da natureza, mas um com­posto.

A nova teoria de Lavoisier, explican­do os fenômenos independentemente daidéia de flogisto, começou a ser aceita ra­pidamente pelos químicos. Joseph Blackjá a ensinava a seus alunos em 1784. Osquímicos franceses perceberam que algodiferente havia surgido na química. No­vos elementos constituintes da matériaestavam nascendo. A química vivia ummomento revolucionário. Seria necessá­rio reescrever os livros dessa ciência a

partir das novas idéias.

Page 38: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

Nomes antigosNomes novos

espírito de vitríolo

ácido sulfúricoóleo de vitríolo

álcali vegetal cáustico

potássio amoníaco

dianalua

prata

espírito do sal

ácido muriático

(ácido clorídrico)

espírito do vinho

álcool

açafrão de marte

óxido de ferro

ncq/ln fortis

ácido nítrico

A alquimia já estava praticamentelUltada em fins do século XVIII. O mo­nento iluminista, defensor de uma ra­) que não deixava mais espaço para vi­~smísticas da natureza, havia alcança­praticamente todos os campos do sa­

-. Porém, as práticas químicas, embora:om novas concepções, ainda estavam,letas de referências às velhas concep­~salquímicas. Lavoisier e alguns cole­s seus, como Claude Bertholet (1748­22), Antoine Fourcroy (1755-1809) euis Guyton de Morveau (1737-1816),eptos das idéias iluministas, decidiramllizar uma revolução radical. Não se­m só as práticas que deveriam ser mu­das. Era necessário mudar também osmes das substâncias. Esses cientistas

reditavam que a química só seria real­mte uma ciência moderna se fizesse

mo a física, isto é, apagasse completa­~nte as referências reli-:Jsas e místicas de seu,ssado. E como os no­~s das substâncias esta­

m muito carregados des­s referências, o primeiroISSO da revolução deve­1 ser trocá-los.

Pense no seu nome.

,r que você se chamasim? Já perguntou aosus pais? Muita gente es­,lhe um nome porque:ha bonito. Às vezes os

tis inspiram-se no nome, um artista, uma perso­Igem de cinema ou um

esportista. Outros colocam nos filhos onome de um parente muito querido, umavô ou avó, um tio ou tia, ete. De certa for­

ma, querem associar a criança a alguém deque gostam e desejam que o filho incorpo­re um pouco das qualidades daquele queinspirou seu nome.

Lavoisier percebeu que os nomesdas substâncias químicas estavam muitoligados às concepções daqueles que oscriaram. Portanto, estavam cheios de re­ferências místicas. Para que a alquimiafosse completamente esquecida e desselugar a uma nova ciência, esses nomesdeveriam ser trocados. Vamos relacionar,numa tabela, alguns nomes de substân­cias para você perceber como eles aindacarregavam o caráter místico da velha al­quimía. Algumas substâncias tinham vá­rios nomes, vamos apenas relacionar al-guns deles: .

Page 39: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

Chcz C u C fI E T, LibrJire, rue &. hút:.:lScrl'CI.:':.

PR~:SENTE DANS UN ORDRE NlJUVr.:.\U

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Avec Figure5:

D C C. L X X X I X.

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postas as bases do novo saber, desde a novanomenclatura até os caminhos metodo­

lógicos que deveriam ser seguidos nas in­vestigações científicas. Esse tratado tinhao objetivo didático de preparar as futurasgerações de químicos para dar continui­dade ao que a geração de Lavoisier haviaconstruído. A partir dele não haveria maisnecessidade de se buscar o conhecimento

nos antigos manuais alquímicos. A histó­ria da química, para Lavoisier, começariaa partir desse momento.

T

DE

L É M E

ET O'APRES LES DÉCOüVERTES MODERNl>;

É

Suu,s !t' Privi/(gt: de l' AC<Irlúnje do S~·.;m:,.J"J a/ft' Ro\ -l/e d( l'.lf:.l· :11 .

Par M. LA vo I S I E R, de l'.-1crJd<.t:.:(; ,(0Scir:nn'.I, i:ü Ia So,'làr:' RO'y.lle dt: Mc../c"",·, ddSocierú d' AgricU{(lJre df! Puris & d'Orlc'I..J/I.f , d"!

Ia So..:iéli R(~yal( de LOlld,c:i , de ,'Jflflirill deBologfle : de til SlJ' t~Ú Hdv/!:ique de B,Jjl,:, deceI!o de Philadedphie, H,J.~üm J MancheJI..:rPodoru , &c.

o trabalho de modificação da no­menclatura realizado por Lavoisier eseus companheiros foi publicado em1787 sob o título Método de l1omellclat1lra

q1límica. A partir de então, os químicosteriam novos nomes para classificar assubstãncias, e os velhos textos alquí­micos se tornariam ilegíveis para os fu­turos químicos.

O segundo passo do projeto foi criaruma outra estrutura de divulgação daspesquisas na área da química. A novaciência teria de criar formas

eficientes de registro e difusãodas investigações realizadasentre todos os químicos. La­voisier e seus companheiroscriaram uma revista científicadenominada Annis de Q1IílllÍcne a fizeram ser distribuída em

toda a França e na Inglaterra.Qualquer químico que de­sejasse ter seu trabalho reco­nhecido deveria submeter sua

investigação aos editores darevista para que fosse divul­gado. Hoje, toda a ciência éproduzida dessa maneira. Exis­tem revistas especializadasem que um comitê de profis-sionais da área analisa os ar-

tigos e decide se os inclui ounão na publicação. Dessa for-ma, as investigações devem seenquadrar dentro das linhasestabelecidas como científicas

para serem publica das. Nãohá mais lugar para os alqui­mistas.

O terceiro e último passofoi escrever um Trntndo elemen­

tar de q1límicano qual seriam ex-

Page 40: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

llicação de um novo

itodo de investigação .luímica

,avoisier, ao utilizar a balança comolmento científico, estava aplicandoos flmdamentos básicos da ciência

,ma. Enquanto muitos dos químicosiores a ele, e mesmo muitos de seusmporâneos, privilegiavam explica­qualitativas para os fenômenos,

isier procurou construir explicaçôes,das em fatos quantitativos. Somen­avés de medidas precisas se poderialtrar relações entre grandezas e ex­.á-Ias a partir de funções matemáti­\s leis seriam escritas numa lingua­matemática.

Talvez você já tenha ou vida alguémciar um princípio que é atribuído a,isier. Ele ficou conhecido, em suaa popular, como:

Na natureza nada se cria e

nada se perde, tudo se trans­forma."

Esse princípio, conhecido como Prin­, da Conservaçâo da Matéria, já exis­ia forma de um enunciado mais ge­jesde a Grécia antiga. Parmênides480 a.c.), lun filósofo grego, já havianado que algo não pode surgir doI e que as coisas não podem desapa­r, isto é, se transformar no nada.

Jisier utilizou essa idéia para descre­IS transformações da ma téria. Ele nãomiou esse princípio na forma popu­~scrita acima. Em seu livro, deno­,do Tratado elementar de química, La­ier escreveu:

46

Podemos estabelecer,como axi 0­ma incontestável, que em todas

as operações da arte e da natu-reza nada é criado: existe lima qllantida­

de igllal de matéria antes e depois do ex­perimento; a qualidade e a quantidadedos elementos pennanecem precisamenteas mesmas e nada acontece além de mu­

danças e modificações nas combinaçõesdesses elementos."

Ao escrever esse princípio e dar a eleum caráter prático, com a utilização dabalança, Lavoisier revolucionou a quími­ca, antes simples técnica de manipulaçãode substâncias. O matematismo aplicadoàs transformações, realizadas a partir dabalança, fez com que a química fosse re­conhecida como uma ciência moderna.

Este é um fato muito interessante, pois asbases da ciência moderna são a experi­mentação e a expressão dos conceitos emlinguagem matemática. Ora, a alquimiajá era, desde antes da Idade Média, umatécnica experimental. Os filósofos dos sé­culos finais da Idade Média, ao propo­rem que o conhecimento verdadeiro de­veria ter base experimental, inspiraram­se no trabalho dos alquimistas. A físicafoi pioneira na incorporação das duasbases de uma ciência moderna. A quími­ca, mesmo possuindo muito antes da físi­ca uma de suas bases, a experimentação,só incorporou a outra, a expressão dosconceitos numa linguagem matemática,no século XVIII.

Page 41: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

CAPíTULOS

)s últimos\ Revolução Francesa ecJodiu em

14 de julho de 1789. Os anos quese seguiram foram extremamen­

umultuados. A partir de 1793,com a as­,são do partido dos jacobinos ao poder, aolução se radicalizou. Iniciou-se um pe­:!o, mais tarde conhecido como Era do

ror, em que ocorreram execuções emssa na guilhotina. A luta política peloler fazia vítimas de todos os lados. Não

tava mais condenar a antiga nobreza àrte: os revolucionários desencadearam

processo de luta pelo poder do qual eles:)rios se tomaram vitimas.

A situação de Lavoisier era extrema­lle difícil nesse momento. Ele havia

iado os revolucionários na criação deI monarquia constitucional. Entretan­ua vinculação com as velhas institui­monarquistas o ligava a um passado

queriam apagar. Mesmo reconhecen­;ua importância como cientista, osJinos viam sua participação política:)contra-revolucionária.

Veja só que situação interessante!

A Revolução Francesa estava assu-10 uma postura semelhante à dos cien­que, como Lavoisier,participaram das ~

formações ocorridas na ciência alguns ~

antes: desejavam criar um outro sis- !e, para isso, afirmavam que seria ne- ~rio apagar todos os vestígios do pas- iENa verdade, essa é uma postura co- I'

9a todas as revoluções. I.)

Page 42: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

o novo governo não via com bonss as discussões científicas por achá­~uito teóricas. Só reconhecia a impor­.ia dos desenvolvimentos técnicos,aplicações práticas imediatas. O Par­ento começou a discutir o fechamen­e todas as academias literárias e cien­

as. Os artesãos, que durante anos aiveram que submeter suas invençõesJrovação dos acadêmicos, e muitases viram rejeitados seus trabalhos, co­;aram a conspirar contra estes últi­,. Por outro lado, os diversos cientis­

amadores que não conseguiam se,fissionalizar também lutavam pelodos privilégios e do poder das acade­

IS. Uma das correntes mais influentes

,se processo foi a dos adeptos de umdico austríaco chamado Franz Antonsmer (1734-1815).

-<.- j"'"

••.•.•.•~~(~ ..j?..•.•

mz Anton Mesmer (1734-1815).

Mesmer havia realizado experiên­as com o que ele denominava fluidoLagnético, acreditando que seria possí­21realizar curas a partir desse princípio.I fluido magnético seria encontrável em

todos os corpos, porém, assim como oflogisto, não possuía uma existência ma­terial capaz de ser comprovada experi­mentalmente. Muitos médicos e cientis­tas amadores franceses aceitaram as idéiasde Mesmer e formaram um movimentodenominado /1/es/1/eris/1/o. Realizavam di­

versas experiências de cura que procura­ram submeter ao reconhecimento daAcademia de Ciências. Em 1784, uma co­

missão formada por acadêmicos, entreeles Lavoisier, condenou o mesmerismo

como prática de charlatanismo, atribuin­do à indução dos próprios pacientes assupostas curas obtidas. Entre os que ata­cavam a Academia, porém, encontrava­se Jean-Paul Marat (1743-1793), um doslíderes jacobinos.

I •

,A morte de Marat, quadro de Jacques-Louis Davidque retrata a morte de Jean-Paul Marat, assassinadonuma banheira por seus inimigos políticos. Por terpassado muitos dias se escondendo pelos esgotosde Paris, Marat adquirira uma doença de pele que oobrigava a banhar-se constantemente. Num dessesmomentos, ele foi assassinado.

Page 43: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

Ao conquistar o poder, alguns ja­cobinos, adeptos do mesmerismo, pro­curaram dar o troco aos acadêmicos.Lavoisier ainda tentou defender as aca­demias de ciências. Num discurso ao

Parlamento, em julho de 1793, ele pro­curou mostrar tanto que as ciências esta­vam na base de todos os desenvolvi­

mentos técnicos quanto que essas insti­tuições eram necessárias para o futuroda França. Seu esforço foi inútil. Todasas academias de ciências foram fechadas

em agosto de 1793.A vinculação de Lavoisier com a

Ferme Générale, que cobrava altos im­postos do povo francês, agravou aindamais a situação do cientista, devido aotenso cenário político naquele momentode condenações em massa. Em oito demaio de 1794, Lavoisier foi condenado à

morte, pois o tribunal instituído pelos

Existiu um fundador

jacobinos considerou-o parte de um mo­vimento que favorecia os inimigos daFrança. Na tarde desse mesmo dia, ele foiexecutado na guilhotina, junto com osdemais sócios da Ferme Générale.

Como você pode perceber, as carrei­ras científica e política de Lavoisier esta­vam intensamente entrelaça das. Emborasua condenação estivesse vinculada dire­tamente a sua participação na FermeGénérale, seu trabalho na Academia deCiências também precipitou os aconteci­mentos.

A Revolução Francesa queria apagaro passado, queria romper com a velha or­dem política. Tudo o que estivesse ligadoa esse passado deveria ser retirado decena. Lavoisier, ainda que pertencesse ànova ordem no campo científico, era con­siderado parte da velha ordem no campopolítico.

, .da qUlmlca moderna? •••••••••••••••••••••••••••

Após sua morte, Lavoisier caiu emtotal esquecimento. Mesmo seus amigosmais chegados pouco falavam dele. Afi­nal, os tempos eram extremamente peri­gosos para se tomar uma posição a favorou contra. Melhor esquecer!

A partir de 1800, sua esposa, Marie­Anne, passou a se dedicar com afinco àdivulgação da obra de Lavoisier. Ela de­sejava resgatar o papel histórico de La­voisier e restituir-lhe a importância cien­tifica que a Revolução Francesa havia:lestruido. Marie-Anne consegue então

autorização do governo francês para re­colher todos os papéis e equipamentosutilizados pelo marido. Esses papéis, quehaviam sido apreendidos pelo governo eretirados dos laboratórios do arsenal

após sua morte, a senhora Lavoisier osrecolhe e guarda-os para posterior con­sulta de historiadores da ciência. Em

1815, ela consegue publicar um livro de­nominado Memórias da químíca, uma obraque reúne diversos artigos de Lavoisier eque tinha começado a ser compilada porele mesmo nos seus meses finais de vida.

49 ~

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;e livro foi distribuído por Marie-Anneiversas instituições universitárias paraô a obra do marido não fosse esqueci­pelas novas gerações.

Em 1836, 42 anos após a morte devoisier, ]ean-Baptiste Dumas (1800­14), um cientista francês que também,rceu funções políticas, ministra um'so sobre a história da química, no11 apresenta Lavoisier como o grandeldador dessa ciência. Dumas tinha

I11de admiração pelas críticas de\Toisier aos conceitos metafísicos. Em­

ra não concordasse COln a posturacanicista de Lavoisier, compartilhavan ele a vontade de ver banido da

ncia tudo o que fosse metafísico.luímica do início do século XIX

·ive a questão da existência delceitos que não podem ser pro­:los através da experimentação,que os alvos agora são os lueca­istas, que não conseguem com­)var a existência dos átomos.

DUlnas reafinna, elll seu CUf-

o papel fundador de Lavoisierquímica, realçando seu traba­

I de exclusão do caráter meta­

co das teorias químicas. Passa,·ão, a se dedicar ao trabalho de

'ulgação da obra do cientista,xado por Marie-Anne, falecida1836.

É a partir daí que Lavoisier;sa a ser considerado o funda­

r da química moderna. Esseo gerou e ainda gera muita po­1ica. Muitos consideram Robert

yle e outros ainda Stahl comoverdadeiros fundadores da

ímica moderna. Essa discus­

J, que por vezes toma ares na­nalistas, não é importante.

50

o importante é perceber que a trans­formação da química numa ciência mo­derna foi realizada ao longo de um pro­cesso que durou muitos anos. O fato deapontarmos Lavoisier e suas idéias co­mo divisor de águas entre o velho e onovo deve-se ao seu trabalho de conclu­

são desse processo de transformação.Lavoisier, pode-se dizer, arrumou a casadessa ciência ao enfatizar a nova me­

todologia de investigação, ao criar a no­va nomenclatura e, finalmente, ao admi­tir um modelo mecanicista para a quí­mica.

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A metalísica foi

banida da ciência? ••••••••••••••••••••••••••••••

Após a morte de Lavoisier, os quími­cos continuaram desenvolvendo o pro­grama de pesquisa que ele havia começa­do. Obter a decomposição daqueles queeram considerados, no início do século

XVIII, os quatro elementos fundamentaisda natureza levou os químicos a experi­mentarem novas decomposições. A idéiade átomo, elaborado na Grécia antiga, ga­nhou nova importãncia, levando muitosquímicos a explicarem uma série de fenõ­menos a partir desse conceito. Entretan­to, a idéia de átomo não era unanimidadeentre todos os químicos.

A idéia grega da existência de umelemento básico indivisível (o átomo)constituinte de toda a matéria foi revi­

vida pelo químico inglês John Dalton(1766-1844) no início do século XIX. Dal­ton defendia a idéia de que as substãn­cias eram compostas por diversos tipos

de átomos. Entretanto, embora muitos

químicos tivessem aderido a essa con­cepção atômica, não havia ainda pro­vas experimentais da existência dessaspartículas. Muitos químicos condena­vam a concepção atômica e afirmavamser ela tão meta física quanto a idéia dofIogisto. Jean-Baptiste Dumas, o divul­gador da obra de Lavoisier, foi um dessesquímicos. Certa vez, ele afirmou:

•• Se eu pudesse, apagaria a pa­'" '" lavra átomo da ciêllcia, poisestou cOllve"cido de que ela

ultrapassa a experiêllcia."

As concepções sobre a fragmentaçãoda matéria continuaram se desenvolven­

do e gerando polêmicas. O debate entreos atomistas e os que defendiam posiçõescontrárias a eles só começou a perder for-

Professor influente no College de France, Dumas era um famoso antiatomista.

51 e

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52

Esse debate ainda hoje não estáconcluído. Talvez você tenha pensadoque, após o movimento iluminista, apósLavoisier ter derrubado a idéia de flo­

gisto, a meta física tivesse sido banidacompletamente da ciência. Para além daquestão atômica, ainda hoje existe essedebate. Uma parte dos cientistas conti­nua defendendo que não se pode fazerciência com "coisas" que não possam tersua existência comprovada por experi­mentos. Outros reconhecem que a meta­física tem um papel importante em fasesintermediárias, entre o momento da ela­

boração de um modelo explicativo e suaconfirmação experimental. Estes pesqui­sadores, por sinal, tomam por base o fatode a idéia de átomo ter sido considerada

metafísica durante quase todo o séculoXIX e de, apesar disso (e a partir dessaidéia), a química ter avançado muito. Porfim, existem aqueles que acreditam serimpossível fazer ciência sem metafísica,defendendo que ela é parte integrante daconstrução do conhecimento científico.

E você, o que pensa disso?

" ,J. J. Thomson utilizou uma ampola para produzir descargas elétricase medir a relação entre a carga elétrica e a massa de um elétron. Essaampola, exposta em um museu no Laboratório Cavendish em Cam­bridge, Inglaterra, deu origem aos modernos tubos de imagem dastelevisões.

l partir de 1897. Nesseo físico britânico Joseph'ffison (1856-1940) con­.J..iumedir a relação en­1 carga e a massa de umron, feito esse conside­o pelos atomistas umava irrefutável da exis­:ia do elétron e, conse­ntemente, do átomo.

Esse fato fez com quelefensores das idéias nâonistas ficassem na de­,iva. Porélnl a idéia ini­de um átomo como me­divisâo da matéria, con­ne acreditava Dalton e

>artidários da teoria atômica, já estavalpletamente desmontada. O elétrona uma parte constituinte daquele áto­. que por isso não poderia mais sersiderado indivisível. Nessa época, já;tia a tabela periódica dos elementos,; reações químicas já eram explicadas"tir da combinação de átomos.

Talvez a princípio não seja muito:lente, mas essas discussões entre os

ltistas do século XIXpodem nos levarma reflexão sobre o papel da meta­ca na construção do conhecimentoltífiCO.Embora a existência do átomo:enha sido admitida como verdadeira

a maioria dos cientistas a partir do fi­do século XIX, havia muito tempo a

mica já trabalhava com esse conceito'az de explicar diversas coisas. Afinal,que diz respeito à explicação de fenô­nos, admitir a existência de "coisas"

~não possam ser comprovadas experi­ntalmente ajuda ou não na construçãoconhecimento científico? Em outras

avras, a ciência deve procurar a todo,to deixar de ser meta física?

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Em 1869, o químico Dimitri Mendeleiev (1834-1907)apresentou sua Tabela Periódica à Sociedade Quími·ca Russa. Mendeleiev buscou, durante toda a suavida, uma classificação dos elementos químicos, Ve­rificando regularidades entre os elementos químicos,procurou ordená-Ias na tabela segundo diversas ca­racterísticas. A tabela original, à esquerda, sofreuuma grande revisão em 1871. Com o tempo, novoselementos foram acrescentados e, hoje em dia, a ta­bela tem a forma abaixo.

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T:i_~0 Zr_ 90 1_190V_~l Nb_ 94 T._I81Cr_52 11I0_" W_I86MlI_U BIl_104,4 Pt_I91,4Fe_56 Ra_IGU lr_1IJI

Ni_Co_69 Pd_10U 0._199

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CI_3S~ Br_SO J_121K_39 Rb_65,4. C._133 1'1_2(14C&_40 &_87,& &_137 Pb_'101,_U Ce_92

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eh.eI.~~~bl~~id~ ~:.mc~e;~J:~amll E1tt1lelllcsel«tll2. Clleml.eb-aolloga Eltl1ltllte h&bentllurede: Ilbereillltlmmclld~Atom~

C.wklbta IPt, Ir, O." oder 1al%ttrêIIehl1lCllglelcbTlcl ~1ICK.ab, CIJ.

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Page 48: Lavoisier e a ciencia no iluminismo   braga,freitas,guerra,reis

.OU10tl tA\\tl\\\\:IEN""l Q\) \~'-\\.\\'"o cinema é uma bela maneira de via­

fiO tempo. Você pode vivenciar as dis­,ões científicas dofinal do séwlo XVIII

rio o filme Dr. Mesmer: o feiticeiro, de1, dirigido por Roger Spottiswoode a~rde um roteiro de Dennis Potter. A

procura apresentar o drama vivido pe­tédico Franz Anton Mesmer na Áustria

r França ao tentar provar que seus mé­os podimn curar os 111ais diversos nza­

Ofilme apresenta, ainda, o embate entreedicina oficial da época e o mesme,;smo.

A medicina oficial encarava o pro­na da doença como um mal iuterno;orpo e que deveria ser curado atravésalimento das excreções do organismo., dos métodos mais utilizados paraJ em a sangria: fazia-se um corte '10

'iente deix01ldo-o sangmr o máximo'sível pam que o mal saís­10 corpo. Além da sangria,:vam-se também purgati­" para provocar diarréias,duziam-se vômitos. Algttnsnuais médicos recomenda­

n que o paciente fosse san­do até atingir a cor da por­ma chinesa.

Mesmer se rebelou con­esses métodos. Ele acredi- r.o

'a mIm princípio vital, queo magnetismo animal, e

, a doença em provocada por

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desequiUbrio da harmonia do corpo. Suasteses emm muito parecidas com as de Pa­racelso e contrariavam a visão mecaui­

cista, em que h/do era explicado pela açãode corpos materiais sobre corpos mate­riais. Como o fluido magtJético tinha umcaráter não material e não podia ter suaexistência comprovada experimentalmen­te, Mesmer foi acusado de charlatão.

Cena do filme Dr. Mesmer: o feiticeiro.

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;<, -éONCLUSÃO

." .AClenCladOiluminismo para alémde Lavoisier

L avoisier é hoje considerado o pai daquímica moderna. Entretanto, nãose pode esquecer que a transfor­

mação da química numa ciência moder­na não dependeu do trabalho de um sóhomem, mas de toda uma geração.Hooke, Boyle, Black, Priestley, Scheele,Cavendish, Fourcroy, Bertholet, Guytonde Morveau e mesmo Stahl, todos contri­

buíram para a construção da nova quími­ca. Lavoisier foi um cientista que exerceuum papel fundamental de liderança nodesenvolvimento de um programa depesquisa que levou a química a trabalharcom novos métodos e novas bases teóri­

cas. Mas não pense que ele foi um gênio,isolado do mundo, que teve idéias re­volucionárias tiradas do nada. Muitas ve­

zes construímos essas falsas imagens doscientistas porque ouvímos falar de suasobras sem conhecermos o contexto fio

qual elas foram elaboradas. A importân­cia de Lavoisier está em ter concebido um

novo rumo para a química a partir do j~reordenamento das peças do quebra-ca- ~beça. E esse reordenamento teve por base ~toda uma concepção de mundo existente ~10 século XVIII e subjacente à filosofia .=

luminista. ~

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A nova concepção científica do ilu­1ismo mudou por completo não só olorama da química, mas das ciênciasgeral. Aquilo que aprendemos hoje

; livros didáticos de ciências tem mui­nais as feições da ciência construída;se processo do que aquela fundadaséculo XVII.

Este livro procurou levar você aIhecer como os fatos históricos, delem política, científica ou mesmo re­iosa, desencadéiam as atitudes to­das pelos seres humanos frente aos,blemas de seu tempo. Lavoisier foil dos cientistas mais polêmicos datória da ciência. A sua dupla partici­;ão na política e na ciência faz come muita gente não o veja com bons

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olhos. O importante é perceber queLavoisier foi um homem que vivenciouos problemas impostos pelo seu tempo.Ele procurou dar respostas que acredi­tava serem as mais corretas a esses pro­blemas.

Você também é parte deste nossotempo. Que posições você tem sobre asquestões científicas e políticas de hoje?Sobre a cIonagem, a guerra química ebacteriológica7 Você acha que os cida­dãos devem interferir no trabalho doscientistas, dizendo quais caminhos aciência deve seguir? Que atitudes vocêacha correto tomar na transformação des­te nosso mundo? Essas são algumas dasquestões sobre as quais todos nós deve­mos refletir e nos posicionar.

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A CIÊNCIA NO TEMPO DE LAVOISIER(1743-1794)

1752 Benjamin Franklin constrói o pára-raios de pontas.

1765 James Watt constrói a máquina a vapor com dois cilindros.

1783 Fierre Bernard Megnié constrói o balão de ensaios utilizado por Lavoisier em experimentosde decomposição da água.

1785 Ê inventado o tear mecânico.

1787 Meusnier constrói o calorúnetro utilizêldo por Lavoisier e Laplace em suas pesquisas sobrecalorimetria.

1789 Nicolas Fortin constrói a grande balança de precisão utilizada por Lavoisier no estabeleci-mento de um padrão de medidas para massa.Tomada da Bastilha.

1792 A Academia de Ciências dá início à medição do meridiano que originará a definição dometro como padrão de medida.

1793 A École Polytechnique é flU1dada com a intenção de formar engenheiros e cientistas nosfundamentos da nova ciência.

1799 Término da medição do meridiano que deu origem ao metro. Éleuthere Irénée du Pontquímico francês discípulo de Lavoisier, emigra para os Estados Unidos, onde criará a indús­tria Du Pont de Neumours & Cia. para fabricação de pólvora com os métodos aprendid<k­com seu mestre Lavoisier.

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