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Guilherme de Vargas Benaduce
A FRAGMENTAÇÃO DA PERSONAGEM:
AS MÚLTIPLAS IDENTIDADES NOS PERFIS DA REVISTA TRIP
Santa Maria, RS
2015
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Guilherme de Vargas Benaduce
A FRAGMENTAÇÃO DA PERSONAGEM:
AS MÚLTIPLAS IDENTIDADES NOS PERFIS DA REVISTA TRIP
Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Jornalismo, da área de Ciências
Sociais, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial para a obtenção de
grau de Bacharel em Jornalismo.
Orientadora: Prof.ª Me. Sione Gomes dos Santos
Santa Maria, RS
2015
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Guilherme de Vargas Benaduce
A FRAGMENTAÇÃO DA PERSONAGEM:
AS MÚLTIPLAS IDENTIDADES NOS PERFIS DA REVISTA TRIP
Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Jornalismo, da área de Ciências
Sociais, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial para a obtenção de
grau de Bacharel em Jornalismo.
_______________________________________________________
Prof.ª Me. Sione Gomes dos Santos - Orientadora – (Centro Universitário Franciscano)
_______________________________________________________
Prof.º Me. Carlos Alberto Badke – (Centro Universitário Franciscano)
_______________________________________________________
Jornalista Bibiano da Silva Girard – (UFSM)
Aprovado em ............... de .......................................... de 2015.
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AGRADECIMENTOS
Alguém que, como eu, tropeça na trajetória acadêmica (mais de uma vez)
encontra muitas pessoas pelo caminho. Cada uma destas deixa marcas, molda, por atrito
ou choque, um pouco de nossa identidade. Se sou quem sou hoje, em grande parte é
pela contribuição destas pessoas, as quais dedico esta pesquisa.
Aos Benaduce. Tão importantes em minha formação a ponto de preterir meu
primeiro nome em favor do nome da família. Sou mais Benaduce que Guilherme.
Aos de Vargas, pelo apoio, a despeito de ser a ovelha mais negra e tatuada da
família.
Ao Mello, pelo exemplo, antes por contraste, hoje por semelhança.
Aos Gomes, Costa e Pedrollo, por serem a família que escolhi e aguentarem a
mim em praticamente todo meu tempo livre e a minha disposição infinita para jogos.
Aos Terríveis, por me permitir ser, mesmo que poucos dias por ano,
completamente espontâneo.
Aos Dez da Facos, pelo sentimento de pertencimento.
Aos Pega Mais que Eu, pelo exercício constante de categorização da identidade
alheia.
A Pinto, Mousquer, Mattos e Souza, pela parceria em tantas discussões regadas
a cerveja e relento.
À Oliveira, por mostrar que o academicismo não precisa ser rígido ou
desinteressante.
À Fabrício, pela confiança.
Ao Badke, pela confiança, indicações e boa parte dos ensinamentos mais
valiosos que tive sobre como o Jornalismo funciona.
À Gomes, pela confiança e orientações. Mil vezes, ao ser perguntado sobre
como eram minhas orientações, respondi “A Sione é linda”. Não poderia ter escolhido
um mestre mais adequado para me guiar, nem que quisesse.
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Apesar de destacar apenas alguns, poderia nomear boa parte dos professores
que tive na vida, sem qualquer hipocrisia. Nunes, Passos, Castro, Araújo, Jaeger,
Copetti, Acosta, Bolzan, Koth, Maccari, Fonseca, Carvalho, Zucolo e tantos outros. Um
pouco de cada um deles está destilado nas páginas seguintes.
Esta pesquisa não existiria sem que eu mesmo soubesse ser muitas coisas.
Diversas de minhas identidades partiram, justamente, da convivência com as pessoas
acima. Fui Guilherme, fui Guí, fui Benaduce ou apenas Bena, fui o ninja, fui cantor, fui
professor, fui fotógrafo, fui diagramador. Muitas vezes fui apenas um cara de pau
fingindo ser estas e tantas outras coisas. Agradeço por esta percepção.
Por último, à Silveira pela tranquilidade beirando o inabalável e pela
perspectiva de um novo Benaduce que vem. Se companheiro é uma identidade na qual
fico confortável, pai é uma perspectiva completamente nova. Obrigado, mil vezes, por
isso.
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RESUMO
A identidade é aquilo que somos e, ao mesmo tempo, o que não somos. Na pós-modernidade, assumimos muitos papéis, muitas vezes conflitantes. A partir desta noção, este trabalho se propõe a analisar de forma quantitativa e qualitativa como podem ser apresentadas as múltiplas identidades das personagens dos perfis jornalísticos da revista Trip, as “páginas negras”. Tendo em vista que a personagem do perfil é uma construção, o trabalho busca compreender de que forma são criadas as reportagens das “páginas negras” das edições de maio, junho e julho de 2014 da Trip. Como opção metodológica, foi utilizada a análise de conteúdo. Através da categorização e comparação de dados, buscou-se perceber “tradições e esquizofrenias”, constâncias e inconstâncias, tanto nas personagens retratadas, quanto no formato da reportagem do tipo perfil.
Palavras-chave: revista; jornalismo impresso; identidade; perfil.
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ABSTRACT
Identity is what we are and, at the same time, we are not. In postmodernity, we assume many roles, often conflicting. From this notion, this work aims to analyze quantitatively and qualitatively how they can be presented the multiple identities of the characters of journalistic profiles of Trip magazine, the "black pages". Given that the profile of the character is a construction, the job search to understand how are created the reports of Trip's "black pages" of may, june and july 2014. As a methodological option, the content analysis was used. By categorizing and comparing data, it sought to realize "traditions and schizophrenia", certainties and inconsistencies, both portrayed characters, as in the format of the profile type report.
Palavras-chave: magazine; print journalism; identity; profile.
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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Capa da edição 232 da Trip......................................................................26
FIGURA 2 Gráficos de categorias – Nando Reis........................................................27
FIGURA 3 Tabela de índices – Nando Reis................................................................28
FIGURA 4 Gráficos de índices da categoria Fase – Nando Reis..............................29
FIGURA 5 Capa da edição 233 da Trip......................................................................30
FIGURA 6 Tabela de índices – Xico Sá.......................................................................31
FIGURA 7 Gráficos de categorias – Xico Sá..............................................................32
FIGURA 8 Capa da edição 234 da Trip......................................................................35
FIGURA 9 Tabela de índices – Lázaro Ramos...........................................................37
FIGURA 10 Gráficos de categorias – Lázaro Ramos................................................37
FIGURA 11 Gráfico comparativo de categorias – Nando Reis.................................39
FIGURA 12 Gráfico comparativo de categorias – Xico Sá.......................................39
FIGURA 13 Gráfico comparativo de categorias – Lázaro Ramos...........................39
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................10
2. REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................................................12
2.1. REVISTA................................................................................................................12
2.2. A REPORTAGEM E O PERFIL.......................................................................14
2.3. IDENTIDADE........................................................................................................17
2.4. IDENTIDADES FRATURADAS.......................................................................21
3. METODOLOGIA E ANÁLISE..................................................................................23
3.1. METODOLOGIA..........................................................................................................23
3.3.1. METODOLOGIA DA ANÁLISE......................................................................25
3.2. ANÁLISE....................................................................................................................26
3.2.1. NANDO REIS – AUTODESTRUTIVO E AMANTE DA VIDA.........26
3.2.2. XICO SÁ – COMUNISTA E BEATO.......................................................30
3.2.3. LÁZARO RAMOS – TÍMIDO E FAMOSO............................................34
3.1. PERFILANDO OS PERFIS................................................................................38
3.2. TANTAS VIDAS QUANTO PONTOS DE VISTA........................................40
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................42
5. REFERÊNCIAS.............................................................................................................43
ANEXOS.................................................................................................................................45
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1. INTRODUÇÃO
É possível retratar uma pessoa em uma reportagem curta? Cumprir esta tarefa é a
proposta das reportagens do tipo perfil. Nesta pesquisa, busca-se entender a construção
da identidade nos perfis jornalísticos. Segundo Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari
(1986), o perfil é uma reportagem cujo foco é uma personagem, seja celebridade ou
popular, e o enfoque sempre é a vida deste indivíduo. No perfil, pode-se contar quem é
e o que o entrevistado faz, as passagens mais relevantes de sua vida, algumas de suas
opiniões e, também, ouvir terceiros sobre o que pensam dele. Apesar de ser uma
narrativa de curta duração, o repórter deve se municiar de toda a informação possível
acerca do entrevistado para realizá-la.
A revista Trip é publicada pela editora homônima desde 1986 e afirma seguir
uma linha editorial baseada na diversidade e na inovação sem preconceitos. A
publicação debate temas como esporte, moda, comportamento e cultura e traz ensaios
fotográficos, além das “páginas negras”, como é chamada a seção da reportagem do tipo
perfil.
Este trabalho busca entender de que forma as narrativas biográficas são
construídas nas “páginas negras” da revista Trip. Busca esclarecer se e como papéis de
classe, gênero, sexualidade, etnia, entre outros, aparecem nos perfis jornalísticos da
revista.
O objetivo deste trabalho consiste em analisar a presença das múltiplas
identidades das personagens dos perfis jornalísticos da revista Trip, as “páginas negras”.
Como objetivos específicos, pode-se apontar: indicar a existência de identidades
múltiplas e contraditórias nos perfis; evidenciar a simetria, ou não, dos relatos sobre a
personagem nas diferentes identidades, caso encontradas; verificar a ordenação
cronológica, ou não, dos relatos.
A pesquisa justifica-se no fato de que a construção de identidades múltiplas é
uma abordagem diferenciada. A maior parte dos trabalhos na área, cujo objeto é a
reportagem do tipo perfil, apenas descreve os processos de produção dos mesmos.
Justifica-se a pertinência de se deter na análise do conteúdo deste gênero, pois, em uma
busca nos anais do congresso Intercom, entre os anos de 2007 e 2012, verificou-se que
não existe oferta de trabalhos preocupados com a forma na qual as diferentes
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identidades de um mesmo indivíduo aparecem no perfil, que geralmente é construído de
forma linear.
A justificativa pessoal para a realização deste trabalho tem dois níveis. O
primeiro, mais raso, é a identificação com o trabalho de Felipe Pena, em seu Teoria da
Biografia Sem Fim. Livro, esse, lançado no ano de 2004. Esta identificação leva ao
nível mais profundo da explicação. Com a ideia de que as identidades de cada indivíduo
são múltiplas e conflitantes, noção da qual já se tinha propriedade, Pena sugere o
conceito das identidades como fractais, que cada faceta de um indivíduo é, em algum
nível, uma forma diferenciada da mesma essência. Juntando essas concepções ao apreço
pela redação, em especial o perfil, o trabalho pode apontar um caminho diferenciado na
abordagem da figura humana dentro do jornalismo, ideal pessoal do autor.
Nos capítulos seguintes, serão apresentados os conceitos utilizados na
fundamentação teórica da pesquisa, do jornalismo de revista até os fractais de
identidade, passando pela reportagem e o perfil. Após, serão explicadas as metodologias
usadas e a forma como a categorização foi feita. Os capítulos finais são dedicados à
análise e às considerações finais acerca do que foi observado.
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. REVISTA
Desde sua criação, a revista tem objetivos diferentes dos demais formatos
jornalísticos. Enquanto os jornais iniciaram com um engajamento político claro, a
revista busca complementar a educação, aprofundar assuntos e segmentar seu público.
Marília Scalzo (2004) faz um comparativo entre as abrangências dos veículos de
comunicação. Em sua analogia, explica que, se a televisão fala para um estádio de
futebol, o jornal o faz para um grande teatro. Se a revista semanal se dirige a um
pequeno teatro, a revista segmentada olha no olho de seu interlocutor.
Um ponto importante que diferencia a revista dos demais veículos de
comunicação é seu formato. Se comparada ao jornal, é mais fácil de carregar e ler, não
suja as mãos e sua qualidade gráfica convida a colecionar. Segundo Scalzo, até mesmo a
qualidade da leitura de textos e imagens é melhor, devido à impressão.
A periodicidade é outro fator de diferenciação da revista em relação aos demais
meios. Por ter um intervalo maior entre suas publicações, a revista não tem como
competir com os outros meios em velocidade, mas tampouco pode deixar-se restringir a
um resumo do que os outros publicam. “É sempre necessário explorar novos ângulos,
buscar notícias exclusivas, ajustar o foco para aquilo que se deseja saber, e entender o
leitor de cada publicação” (SCALZO, 2004, p.41).
Sérgio Vilas Boas destaca que a revista faz jornalismo daquilo que ainda está em
evidência nos demais meios de comunicação. Contudo, acresce aos fatos abordados
documentação e riqueza textual. O resultado, segundo ele, é a elaboração de um texto
prazeroso de ler, que rompe as amarras cotidianas do jornalismo. O importante é passar
a informação de um modo sedutor, mas sem confundir. “Deve-se descobrir a melhor
forma de apresentar as matérias que o jornal e a TV já veicularam. Este é um grande
desafio” (1996, p. 35).
Ao longo da história das revistas, percebeu-se que o estabelecimento de um foco
é vital para a sobrevivência da publicação. Marília Scalzo (2004) resume o problema em
duas máximas: “quem quer cobrir tudo acaba não cobrindo nada e quem quer falar com
todo mundo acaba não falando com ninguém”. Os tipos de segmentação mais comuns
são por gênero (masculino e feminino), por idade (infantil, adolescente, adulta),
geográfica (cidade, região) e por tema (esportes, ciência, música, etc.). Ainda pode-se
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destacar a segmentação dentro da segmentação, falando a públicos cada vez mais
seletos. Apenas em uma revista sobre filhos, pode-se falar às mães de bebês, às mães de
bebês gêmeos, às mães de bebês gêmeos em São Paulo e assim por diante.
A primeira revista considerada pela história data de 1663, na Alemanha. Muito
semelhante a um livro, tinha o diferencial da proposta de periodicidade. O próprio uso
da palavra revista (Magazine) é posterior. No Brasil, a proibição à imprensa retardou
muito o início de todas as formas de jornalismo. Apenas em 1808, com a chegada da
família real portuguesa, foram instaladas as primeiras prensas e quatro anos depois, em
1812, As Variedades ou Ensaios de Literatura inaugurou o formato, na capital baiana.
Segundo Scalzo, dentro do universo da segmentação, o gênero das revistas
femininas foi, desde sua criação, o de maior sucesso. Contudo, algumas fórmulas de
publicações para homens foram bem sucedidas. As primeiras revistas brasileiras para
homens eram chamadas “galantes”. Surgidas entre o fim do século XIX e início do XX,
exibiam em suas páginas notas políticas e sociais, piadas e contos picantes, caricaturas,
desenhos e fotos eróticas. O auge do gênero foi em 1922, com A Maçã, que se propunha
a “dizer com graça, com arte, com literatura o que se costumava dizer por toda a parte
sem literatura, sem arte e muitas vezes sem graça” (2004).
Com a moral conservadora e a censura dos anos 30, as revistas “galantes”
desapareceram. Apenas na década de 1960, com a liberação de costumes, surgiram no
país as novas revistas masculinas. O molde mais conhecido é o da Playboy. Criada em
1953 pelo estadunidense Hugh Hefner, a revista combinava bom jornalismo, boa ficção,
humor requintado, moda, bebida e gastronomia – com fotos de garotas sem roupa.
Outra faceta da segmentação, marca do jornalismo de revista, é perceptível no
campo esportivo. Enquanto as grandes revistas de esporte gozaram de vida curta,
publicações sobre modalidades específicas, como tênis, ciclismo, motocross e skate,
encontraram sua sobrevivência em públicos pequenos, porém fiéis.
A revista Trip é publicada desde 1986 pela editora de mesmo nome. Inicialmente
uma revista sobre surf, transmutou-se em uma publicação masculina voltada para o
público jovem. A Trip segue uma linha editorial baseada na diversidade e na inovação
sem preconceitos. A publicação debate temas como esporte, moda, comportamento e
cultura e traz ensaios fotográficos, além das “páginas negras”, como é chamada a seção
da reportagem do tipo perfil.
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O modelo atual da Trip abrange, a cada edição, um tema determinado. Da
política ao sexo, da cultura de praia às novas relações com o trabalho, da alimentação às
drogas, da segurança pública ao novo ativismo, a revista autoproclama ter em seu DNA
a busca incessante pelo novo. Com periodicidade mensal, a revista mantém uma tiragem
de 40 mil exemplares.
2.2. A REPORTAGEM E O PERFIL
O conselheiro editorial da Folha de S. Paulo Clóvis Rossi, escreveu, na
apresentação do livro A aventura da reportagem, de Gilberto Dimenstein e Ricardo
Kotscho, que a única função pela qual vale a pena ser jornalista é a de repórter. Para ele,
a sensação de testemunhar a história de seu tempo é a única forma válida da profissão,
sendo que isso sempre acontece nas ruas, nunca em redações. Segundo Felipe Pena
(2006), a concepção é exagerada e permeada pela glamourização. Para Pena, o repórter
é um trabalhador mais físico que intelectual. Ele “gasta os dedos no telefone, esquenta a
bunda no sofá de gabinetes, perde as solas dos sapatos e ainda recebe reclamações dos
chefes e da família”, tudo isso em nome de uma boa apuração.
Para conceituar reportagem, Felipe Pena (idem) toma emprestadas as
formulações de outros autores. Conforme João de Deus Corrêa, a “reportagem é um
relato jornalístico temático, focal, envolvente e de interesse atual, que aprofunda a
investigação sobre fatos e agentes”. Já para Nilson Lage, “(reportagem) é a exposição
que combina interesse do assunto com o maior número possível de dados, formando um
todo compreensível e abrangente”. Estabelecendo um comparativo com o conceito de
notícia, Ricardo Noblat postula que “notícia é o relato mais curto de um fato.
Reportagem é o relato mais circunstanciado”.
Tanto a notícia quanto a reportagem carecem de uma “checagem” dos fatos. A
apuração, segundo aponta Pery Cotta (2005), possui quatro momentos em sua
preparação: as respostas que precisam ser conhecidas (o objetivo da matéria); as
perguntas que devem ser feitas (o tema da pauta); quem será ouvido (as fontes de
informação e consulta); que dados e informações serão previamente levantados (a
pesquisa sobre o assunto, antes da apuração). Segundo ele, é necessário o contato direto
do repórter com as fontes de informação (testemunhas, especialistas, etc.) para que os
passos descritos possam ser satisfatoriamente esclarecidos. Cotta resume a apuração
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como sendo o processo de “deixar ‘puro’, limpo e claro ‘o que aconteceu e o que não
aconteceu’”.
“Um gênero jornalístico privilegiado”. Desta forma, Muniz Sodré e Maria
Helena Ferrari definem a reportagem, ainda na introdução de seu livro Técnica de
reportagem: notas sobre a narrativa jornalística, de 1986. Segundo os autores, a
reportagem é o lugar, por excelência, da narrativa jornalística. Sendo uma narrativa,
deve conter personagens, ação dramática e descrições do ambiente. Diferente da
literatura ficcional, entretanto, a reportagem tem um laço indissolúvel com a informação
objetiva, com a apuração. Em resumo, o jornalista não deve comentar ou subjetivizar
aquilo que presenciou, mas tampouco precisa submeter-se a rebuscamentos estéreis e
simplificadores, característicos da notícia.
Sodré e Ferrari (idem) apontam que, sem um “quem” e um “o quê” não se pode
narrar. Na reportagem, entretanto, além de sua existência, estes dois elementos devem
despertar interesse humano, devem conter apelo. Através disso, um relato humano, a
narrativa se sustentará. A humanização, conforme os autores, está diretamente ligada à
emotividade e se acentuará no caso de um repórter participante, e não apenas presente.
“O repórter é aquele que está presente, servindo de ponte [...] entre o leitor e o
acontecimento” (idem, p.15). Podem-se apontar, portanto, quatro características
principais desta modalidade jornalística: predominância da forma narrativa,
humanização do relato, texto de natureza impressionista e objetividade dos fatos
narrados.
Na mesma obra, Sodré e Ferrari destacam o perfil jornalístico como um tipo de
reportagem cujo enfoque é uma pessoa, que protagoniza sua própria história. Para esse
tipo de texto, o jornalista pode adotar duas abordagens, ou distancia-se, deixando que o
entrevistado se pronuncie, ou compartilha um determinado momento com a
personagem, passando, posteriormente a experiência ao leitor. No primeiro caso, o texto
consiste em uma apresentação, feita a partir da apuração, seguida de perguntas e
respostas. Geralmente termina com a palavra do entrevistado. Na hipótese da
aproximação, a ênfase do texto, mais subjetivo, pode se dar sobre o próprio encontro,
possibilitando ao entrevistador explorar a imprevisibilidade.
Sergio Vilas Boas (2002) afirma que, diferentemente da biografia, os perfis são
narrativas curtas na extensão e no tempo de validade, permitindo que a narrativa se
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concentre em alguns momentos da vida da personagem. Além disso, reforça o segundo
modelo proposto por Sodré e Ferrari:
[O perfil] é de natureza autoral. Existem tantos modos de reportar quanto repórteres trabalhando em uma redação, por mais que nos digam que não, que tudo leva a uma única opção. Impossível que as experiências pessoais do repórter não se confundam com a temática que estiver trabalhando. A pretensão à objetividade (ou seria um falso problema?) difícil de ser erradicado no cotidiano do jornalismo convencional. (VILAS BOAS, 2002, p. 13)
Sergio Vilas Boas cita, em sua obra Perfis e como escrevê-los, cita alguns
conceitos de perfil: “biografia de curta duração” (short-term biography), conforme
Steve Weinberg, e “reportagem narrativo-descritiva de pessoas”, no entendimento de
Oswaldo Coimbra. Entretanto, Vilas Boas afirma que mais importante do que
definições, deve-se ter claro que o ponto central do perfil é a personagem.
Na literatura de ficção, a personagem é o ser responsável pela ação de uma
narrativa, pelo desempenho do enredo. Ela é um ser que pertence à história e, portanto,
só existe como tal se participa diretamente dessa, ou seja, age ou fala. Tanto pessoas
quanto bichos e coisas podem ser personagens pelo que fazem, ou dizem, em uma
narrativa, estando sujeitos ao julgamento dos leitores (GANCHO, 2004).
Categoria fundamental da narrativa, a personagem evidencia a sua relevância em relatos de diversa inserção sociocultural e de variados suportes expressivos. Na narrativa literária (...) no cinema, na banda desenhada [histórias em quadrinhos], no folhetim radiofónico ou na telenovela, a personagem revela-se, não raro, o eixo em torno do qual gira a acção e em função do qual se organiza a economia da narrativa. (REIS & LOPES, 2002, p. 314)
As personagens das reportagens muitas vezes aproximam-se dos literários em
sua forma de apresentação. Conforme Cândida Vilares Gancho, as personagens podem
ser: protagonistas, incluindo os estereótipos de herói e anti-herói; antagonistas;
principais ou secundárias; planos, ou seja, pouco densos, podendo ser carregado de
tipificações ou caricatural; redondos, personagens complexos, com uma maior
variedade de características. A diferença entre personagem literária e na reportagem está
no fato de que as características da primeira são inventadas e da segunda são
constituídas a partir da apuração.
Sérgio Vilas Boas (2002) afirma haver uma aproximação do trabalho do
biógrafo com o do historiador. Para a reconstituição de períodos da vida de um
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indivíduo ou lugar, o que se aplica na elaboração de um perfil, o repórter deve buscar,
inicialmente, fontes primárias: documentos, fotos, diários, clippings, livros de memória,
autobiografias, entre outros. A partir das informações encontradas neste primeiro
momento, preparam-se as entrevistas, que configuram as fontes secundárias.
Conforme Vilas Boas (2003), o encontro presencial não deve ultrapassar uma
hora de diálogo, uma vez que o texto do perfil reflete o momento. No caso de uma
entrevista dispersiva em demasia, o autor sugere três caminhos: desistir da matéria,
tentar marcar um novo encontro ou se virar com o que tem. Outra maneira de efetuar a
apuração, entre outras mil, segundo Ricardo Kotscho (2003), é acompanhar um dia na
vida do perfilado. Mesmo com poucas perguntas diretas à personagem, o autor garante
que, estando próximo, procurando não atrapalhar, é possível apurar uma matéria de
qualidade.
Segundo Nilson Lage (2003), a entrevista é o procedimento clássico de apuração
de informações. Do ponto de vista dos objetivos, ele divide-as em quatro categorias:
ritual, temática, testemunhal e em profundidade. Dessas, as duas últimas são
imprescindíveis na apuração da reportagem do tipo perfil. A entrevista em profundidade
tem como objetivo interpelar o entrevistado sobre si mesmo, a representação de mundo
que ele constrói, uma atividade que ele desenvolve ou um viés de sua maneira de ser. A
entrevista testemunhal, que indaga ao entrevistado sobre fatos que ele testemunhou. No
caso do perfil, testemunhos sobre a personagem.
Vilas Boas destaca que, no perfil jornalístico, a personagem é real. Portanto, a
principal referência é a experiência humana. Não há como representar aquilo que o
entrevistado é, mas sim o que o repórter percebe, somado à coleta de informações.
Dessa forma, naturalmente existirão ambiguidades. Contudo, essas não configuram um
empecilho, pois a identidade humana não é linear.
2.3. IDENTIDADE
A questão da identidade é, provavelmente, uma das mais determinadas pelo
senso comum, apesar de sua evidente crise no contexto da modernidade tardia. As
velhas identidades, únicas e centralizadoras, já não correspondem ao que se observa em
uma realidade em que, a cada momento, existem papéis diferenciados a se representar.
Segundo Stuart Hall (2000), o conceito está “sob rasura”, figura entre ideias que não
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“são boas para pensar” sem, contudo, ser substituído por uma definição atualizada ou
mesmo por uma diferente. Entretanto, antes de abordar a “crise”, é necessário esclarecer
o que se entende por “identidade”.
A autora Kathryn Woodward (2000) define a identidade a partir da diferença.
Segundo ela, mesmo em uma afirmação positiva como “sou brasileiro(a)”, estão
contidas suas negativas “não sou argentino(a)”, “não sou inglês(a)”, “não sou
japonês(a)” e assim por diante. O ser brasileiro(a) é um estado de diferenciação de
outras identidades. A identidade, portanto, é um estado relacional. Só faz sentido ser
“brasileiro(a)” caso existam “não-brasileiros(as)”. A identidade é marcada pela
diferença.
Em um mundo imaginário totalmente homogêneo, no qual todas as pessoas partilhassem a mesma identidade, as afirmações de identidade não fariam sentido. De certa forma, é exatamente isso que acontece com nossa identidade de “humanos”. É apenas em circunstâncias muito raras e especiais que precisamos afirmar que “somos humanos”. (SILVA, 2000, p. 75)
A forma mais comum e radical de diferenciação é a oposição binária, a relação
perante o(a) “outro(a)”. Na dicotomia é onde se percebem mais claramente as relações
de poder permeando as identidades. Dificilmente alguém afirmaria “sou homem,
branco, heterossexual”. O diferente é ser mulher, negro ou negra e homossexual. As
posições tradicionalmente inferiores é que são nomeadas. Com base no pós-
estruturalista Jacques Derrida, Woodward (2000) afirma que “uma oposição binária
envolve um desequilíbrio necessário de poder entre as partes”.
Fixar uma identidade como norma, segundo Tomaz Tadeu da Silva, é uma forma
privilegiada de hierarquização das identidades e diferenças. Normalizar, afirma, é eleger
– arbitrariamente – uma identidade como parâmetro de avaliação para as demais. “A
identidade normal é “natural”, desejável, única. A força da identidade normal é tal que
ela nem sequer é vista como uma identidade, mas simplesmente como a identidade”
(2000). Para ele, a força homogeneizadora da identidade normal é diretamente
proporcional à sua invisibilidade.
A identidade, conforme Woodward, é marcada por meio de símbolos. “Funk
carioca é música para quem mora na favela” e “música clássica é para pessoas
refinadas”. As duas afirmações, amplamente repetidas pelo senso comum, exemplificam
a associação de um gênero musical, uma representação simbólica, a uma determinada
19
identidade. Da mesma forma, os exemplos também apontam que “a construção da
identidade é tanto simbólica quanto social” (WOODWARD, 2000).
Da mesma forma que uma a identidade representa um grupo perante outro
diferente, obscurece diferenças internas e, por vezes, contradições. Utilizando o mesmo
exemplo do “sou brasileiro(a)”, pode-se destacar que se incluem no postulado
diferenças de classe e gênero. Por outro lado, pode haver um sentimento de não
pertencimento à totalidade, como em “eu sou gaúcho(a), antes de ser brasileiro(a)”, ou
de não reconhecimento de uma parte, “sou brasileiro(a), mas não sou igual aos
nordestinos(as)”.
Em concordância com Woodward, Silva (2000) entende a identidade como
construída a partir da diferença. O autor vai além, afirmando que a diferença é fruto da
linguagem e, essas duas, interdependentes. Assim como acontece com a identidade, na
linguagem uma palavra só tem sentido por não significar algo diferente do que o faz.
Linguagem, diferença e identidade, portanto, não são naturais, mas construídas, social e
culturalmente. Elas precisam ser moldadas ativamente e não passam de sistemas de
diferenciação, ou différence, segundo o conceito de Derrida.
Stuart Hall, no livro A identidade cultural na pós-modernidade (2006), aponta
três concepções de identidade. A iluminista entende o sujeito como alguém totalmente
centrado, uno, dotado de um núcleo que se desenvolve sem, contudo, se alterar na
essência. Esse centro essencial é a identidade de uma pessoa, geralmente descrita no
masculino. O sujeito sociológico agregou à ideia do núcleo do sujeito as intervenções
externas. Aqui, o “eu real” é modificado a partir das interações com pessoas importantes
para ele, assim como com os símbolos, com a cultura. A projeção do “eu”, juntamente à
internalização dos valores culturais, portanto, estabiliza a ambos, sujeito e estrutura.
A diferença radical do terceiro sujeito, o pós-moderno, em relação aos anteriores
se dá, segundo Hall, pois o que está mudando é a estrutura. Não há como o sujeito
manter uma unidade quando até mesmo a cultura na qual ele busca identificação está em
colapso, submetido a constantes mudanças estruturais e institucionais. A própria
identificação se tornou, segundo ele, provisória, variável e problemática. Para este
sujeito que assume identidades diferentes em diferentes momentos, não necessariamente
centradas em um “eu” coerente, uma identidade completa, segura e unificada é uma
fantasia.
20
A partir de David Harvey (1989), Hall (2006) destaca que a modernidade tem
por característica um processo ininterrupto de rupturas e fragmentações em seu interior.
Aliado ao conceito de “deslocamento”, emprestado de Ernest Laclau (1990), segundo o
qual uma estrutura é deslocada quando o seu centro é deslocado e substituído não é
substituído por outro, mas por uma pluralidade de centros, Hall baliza as características
do “eu” pós-moderno. A instabilidade, contudo não deve ser motivo de
desencorajamento, pois ela desarticula as identidades do passado, mas articula a criação
de novas em uma “recomposição de estruturas”.
Kathryn Woodward (2000) afirma que aquelas posições com as quais nos
identificamos constituem nossa identidade. São as respostas para as indagações “Quem
eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser?”, os lugares a partir do qual nos
posicionamos ao projetarmo-nos em direção à sociedade. Com a globalização, e a
mudança da relação espaço-temporal das sociedades, a oferta de identidades se
desvinculou – desalojou – de lugares, histórias e tradições específicos, gerando o efeito
de “supermercado cultural” (HALL, 2006). Nesta realidade, em que o mundo todo está
à distância de um clique, ou um voo (sem esquecer que a identidade é permeada por
uma dimensão socioeconômica), não há limites para o contato e possível identificação
com um sem número de identidades diferentes.
A subversão de identidade mais digna de nota se dá, justamente, pelo
movimento, literal ou metafórico. O primeiro, de cruzamento de fronteiras, nômade,
diaspórico. O segundo, virtual, não presencial, possibilitado pelos avanços das
telecomunicações. Segundo Silva (2000), este intercurso provoca um hibridismo que se
contrapõe à tendência de essencializar as identidades. O conflito é parte integral da
dinâmica da produção de identidades e diferenças.
O hibridismo – a mistura, a conjunção, o intercurso entre diferentes nacionalidades, entre diferentes etnias, entre diferentes raças – coloca em xeque aqueles processos que tendem a conceber as identidades como fundamentalmente separadas, divididas segregadas. O processo de hibridização confunde a suposta pureza e insolubilidade dos grupos que se reúnem sob as diferentes identidades nacionais, raciais ou étnicas. A identidade que se forma sob o hibridismo não é mais integralmente nenhuma das identidades originais, embora guarde traços delas. (SILVA, 2000, p. 87)
21
O autor destaca, entretanto, que não se deve esquecer que a hibridização se dá
entre identidades com diferentes posições em relação ao poder. Por ser determinado por
ambos os lados, possibilita o questionamento. São nas linhas de fronteira, nos limites,
em que as instabilidades ficam mais evidentes.
2.4. IDENTIDADES FRATURADAS
Imagine um triângulo equilátero. Dentro desse, imagine três novos triângulos
equiláteros e assim sucessivamente. O exemplo, clássico no estudo de geometria, é
chamado de copo de neve de Koch e cada uma das partes do triângulo é chamada de
fractal. Os fractais são figuras complexas nas quais, em diferentes escalas, cada parte do
objeto é uma versão maior ou menor de um todo. O padrão dentro de outro padrão é
chamado simetria de escala.
De posse do conceito de fractal, originário das ciências exatas, o autor Felipe
Pena, em sua obra Teoria da Biografia Sem Fim (2004) propõe seu uso no estudo de
biografias. Segundo ele, definir uma identidade com explicações coerentes e totalizantes
está completamente fora de questão. Entretanto, fracionar uma identidade em múltiplas
e similares identidades, semelhantes em diferentes escalas, parece uma boa opção
metodológica.
A identidade é descentrada e fragmentada. Tem lugar para tradições e esquizofrenias. Classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e outras tantas identificações formam uma estrutura complexa, instável e, muitas vezes, deslocada. Nas contradições e deslocamentos estão os fractais de identidade. Como na filosofia zen-budista, “tudo é um, um é nada, nada é tudo”. (PENA, idem, p. 62)
Se as identidades se cruzam ou se deslocam mutuamente, não quer dizer,
porém, que existe uma identidade mestra, que alinhave todas as outras
independentemente da situação. “Uma vez que a identidade muda de acordo com a
forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática,
mas pode ser ganha ou perdida. Tornou-se politizada” (HALL, 2001, p.19 apud PENA,
2004, p.63). Nos fractais biográficos, as múltiplas identidades são visíveis e, em
determinados momentos uma se sobressairá às outras. Tudo depende do espaço social.
22
Segundo Stuart Hall (2001), apesar apresentarmo-nos como jornalista ou
professor(a) ou outro título qualquer, o epíteto tem validade no tempo e no espaço.
Talvez o jornalista, em casa, seja apenas pai e o professor, em um bar, seja o piadista da
roda de amigos. Em uma tentativa de contemplar estas diferentes facetas de cada
indivíduo, Felipe Pena sugere o uso de epítetos ao biografar. Um capítulo seria dedicado
ao jornalista e outro ao pai, utilizando um dos exemplos acima.
Uma biografia construída sob o conceito dos fractais não possui limites pré-
estabelecidos de complexidade. Cabe ao biógrafo interpretar quais histórias se encaixam
em cada epíteto. Entretanto, o autor deve ter em vista que essa categorização se dá
apenas em um nível primário, uma vez que partes menores podem se manifestar. O pai
de um casal pode ser um pai para seu filho e outro, completamente diferente, para sua
filha. As possibilidades são inúmeras, independentes e, apesar disso, auto-semelhantes.
Pena afirma que, ao biografar, a escolha dos epítetos é um fator complexo. Ao
nominar as múltiplas identidades de uma personagem, o biógrafo define os valores de
identificação. Apesar desta categorização gerar uma certa totalização em torno de
alguns itens, a opção pela biografia a partir do pressuposto dos fractais está diretamente
ligada à impossibilidade de construir uma identidade baseada em unidades estáveis e
coerentes. Segundo o autor, as identidades são inesgotáveis e flexíveis e a biografia só
pode ser uma reunião de fragmentos a serem dotados de sentido e que elaborarão uma
ideia de quem foi aquele sujeito.
23
3. METODOLOGIA E ANÁLISE
3.1. METODOLOGIA
Dentre as metodologias utilizadas para este projeto, a primeira que deve ser
salientada é a pesquisa bibliográfica. Segundo Ida Regina Stumpf (2005), em um
sentido amplo, essa metodologia vai desde a identificação, localização e obtenção da
bibliografia sobre o assunto, até a apresentação de um texto sistematizado, evidenciando
os autores, acrescidos de ideias e opiniões próprias do pesquisador.
Na elaboração de estado da arte, e, após, na fundamentação teórica, foi adotado
o método da pesquisa bibliográfica. Ou seja, foram elencados tema e problemática,
seguidos da escolha de palavras-chave e definição do local onde seria efetuada a busca,
neste caso, os anais do congresso Intercom. A partir da busca inicial, na qual foram
encontrados trabalhos afins à temática e destacadas as fontes bibliográficas secundárias,
posteriormente utilizadas para esclarecimento de conceitos necessários.
Este trabalho pretende analisar marcas da presença de múltiplas identidades nos
perfis da revista Trip, ou seja, a análise de uma mensagem vinculada a um meio real,
naturalmente a análise de conteúdo surge como metodologia indispensável.
A Análise de Conteúdo (AC), segundo Wilson Corrêa da Fonseca Júnior, é um
método, dentro das ciências humanas e sociais, que investiga fenômenos simbólicos
através de uma gama de técnicas de pesquisa. Em utilização desde o século XVII, esta
metodologia passou por ciclos de reconhecimento e desqualificação, ao longo dos quais
suas ferramentas metodológicas foram aperfeiçoadas.
O centro da polêmica que permeou a AC desde sua popularização foi a herança
positivista. Esta última, corrente fundada por Augusto Comte, valoriza pesquisas rígidas
e metódicas, com valores quantificáveis mesmo em teorias sobre a vida social. Na AC,
este legado se manifestou na primeira metade do século XX, quando os trabalhos
estavam voltados à quantificação e categorização de símbolos e índices, conceitos até
então recentes.
A superação da ênfase excessiva no aspecto numérico e da busca por frequências
se deu quando os pesquisadores tomaram consciência de que o objetivo final da AC
deveria ser a inferência. Delineando seu formato atual, Krippendorff (1990, p.29 apud
24
FONSECA JÚNIOR, 2005, p.284) afirma que “a análise de conteúdo é uma técnica de
investigação destinada a formular, a partir de certos dados, inferências reproduzíveis e
válidas que podem se aplicar a seu contexto". Atualmente, a AC, considerada uma
técnica híbrida, está entre o formalismo estatístico e a análise qualitativa, ora
valorizando um, ora outro.
Como a AC ocupa-se basicamente da análise de mensagens, alguns marcos de
referência devem ser considerados. Devem estar claros os dados a serem analisados,
bem como de que forma foram definidos e de onde foram extraídos. O contexto em cujo
discurso ocorreu influencia em sua construção, logo deve ser salientado. A finalidade e
o objetivo das inferências devem estar enunciados em toda a análise. Os critérios de
validade da inferência devem estar claramente estabelecidos.
Conforme destaca Fonseca Júnior (2005), a pesquisadora francesa Laurence
Bardin (1998) propôs uma estrutura, que não invalida outros modos, em cinco etapas
para se fazer AC. Segundo ela, deve-se iniciar pela organização da análise, na qual se
planeja o trabalho a ser elaborado e sistematizam-se as ideias iniciais. Em sequência, os
resultados brutos são analisados de modo a serem significativos e válidos. É nesta fase
que são escolhidos os documentos e são formuladas as hipóteses e objetivos, balizando
todo o trabalho posterior.
O segundo passo na AC é a codificação, processo no qual se transformam os
dados brutos conforme regras de enumeração, agregação e classificação, esclarecendo
características do material selecionado. O principal motivo desta etapa é servir de elo
entre o material e a teoria do pesquisador, já que, dentre todos os questionamentos
possíveis, serão feitos apenas aqueles apontados pelo referencial teórico (BAUER,
2002, p.199 apud FONSECA JÚNIOR, 2005, p.294).
A categorização, classificação e reagrupamento das unidades de registro em um
número reduzido de categorias, é o terceiro passo da AC. Segue-se a ela a inferência, o
momento mais fértil da análise, segundo Fonseca Júnior. Existem dois tipos principais
de inferência, as específicas e as gerais, que tratam diretamente do problema e de
situações que o extrapolam, respectivamente. Com base no referencial teórico, ainda
podem-se considerar muitos outros tipos de inferências. O último passo, o tratamento
25
informático, utiliza do computador como uma ferramenta eficaz no processamento de
dados, em especial nas análises estatísticas.
3.3.1. METODOLOGIA DA ANÁLISE
Para efetuar a análise nos perfis, perguntas e respostas da entrevista, foram
destacadas expressões que apontam identidades, os índices. Em cada classificação,
foram agrupadas e contabilizadas tanto menções explícitas quanto contextuais, que
remetiam a uma mesma faceta do perfilado. Em uma analogia ao que Felipe Pena
propõe com a Teoria da Biografia Sem Fim, cada índice funciona como um epíteto,
nominando as múltiplas identidades dos perfilados segundo a percepção do autor desta
pesquisa.
A busca por índices foi realizada de forma diferente nos perfis e nas respostas
das entrevistas e nas perguntas das entrevistas. Nos primeiros dois, cada ocorrência de
um índice foi considerada uma vez para cada frase na qual apareceu. As exceções foram
as situações em que facetas do perfilado foram enumeradas, nas quais uma mesma
faceta foi sugerida em contextos diferentes. Nas perguntas, cada índice foi contabilizado
uma vez para cada pergunta, sendo que uma pergunta poderia conter diversos temas. Os
índices encontrados foram agrupados em quatro categorias: fase, ocupação,
característica e relacionamento. Cada índice foi contabilizado apenas em uma
categoria.
Na categoria fase, foram agrupados os índices que remetiam a um determinado
período da vida de cada perfilado, uma faceta demarcada pela dimensão temporal. A
personagem famoso, presente em todos os perfis analisados, é um exemplo. Na
categoria ocupação reuniram-se os índices os quais eram marcados pela execução de
uma atividade, que podem, ou não, ser exercidas profissionalmente. As personagens
compositor, de Nando Reis, conselheiro sentimental, de Xico Sá, e ator, de Lázaro
Ramos, correspondem a esta categoria. Característica reúne os índices marcados por
atributos físicos e psicológicos dos perfilados. O índice macho, de Xico Sá, é um
exemplo de característica psicológica, enquanto negro, de Lázaro Ramos, ilustra um
atributo físico. A última categoria, relacionamento, refere-se aos papéis desenvolvidos
por cada perfilado em relação a terceiros, como amigos e familiares. As personagens
26
pai e marido, presentes tanto em Nando Reis como em Lázaro Ramos, correspondem a
esta categoria.
Para fins de análise, os índices e categorias foram comparados em forma de
porcentagens. A escolha justifica-se no fato de que perguntas, respostas e perfis
possuem extensões diferentes e, se comparados diretamente, os resultados serão
demasiadamente discrepantes.
3.2. ANÁLISE
3.2.1. NANDO REIS – AUTODESTRUTIVO E AMANTE DA VIDA
O perfil de Nando Reis, escrito por Marcus Preto, foi publicado na edição 232
da revista Trip, cujo tema era “venenos”. No perfil, foram considerados 62 indicadores,
organizados em 18 índices. Na categoria fase constam os índices: 51 anos (referência à
idade e ao sentimento de não ser mais jovem); titã (período em que fez parte da banda
Titãs); ex-titã (período posterior à banda); limpo (fase em que está sóbrio e sem usar
drogas); drogado (momentos em que se define a partir do uso de drogas); famoso
(menções à fama e à popularidade). Na categoria ocupação, foram usados os índices:
produtor; colunista de futebol; cantor (citações literais e do ato de fazer shows);
compositor (menções diretas e ao processo de composição, assim como à autoria de
músicas). Na categoria característica, foram elencados: fã de futebol; autodestrutivo
(além do rótulo de “roqueiro autodestrutivo”, consideraram-se, aqui, as referências às
tentativas de suicídio); apegado à vida (em contraponto ao índice anterior, foram
consideradas menções ao medo da morte e não cruzar certos limites). A categoria
relacionamento considerou às personagens: namorado; marido; separado; pai; avô.
27
Figura 1 Capa da edição 232 da Trip.
Na análise das respostas da entrevista, além dos índices já encontrados no
perfil, foram encontrados novos, totalizando 269 ocorrências em 23 índices. Em
ocupação, foi usado o índice trabalho (genérico), que se refere às menções do ato de
trabalhar sem especificação de atividade, nem de contexto. Na categoria
relacionamento, foram adicionados: amigo; irmão; filho. Em características, surgiram
os novos índices: paulistano (é natural da cidade de São Paulo); inseguro; careta
(diferentemente do índice limpo, esse refere-se a uma característica psicológica, e não a
um momento); outsider (a expressão, usada pelo próprio Nando Reis, remete à
personalidade que não se encaixa em padrões); vaidoso. Na entrevista, não foram
encontrados os índices fã de futebol, colunista de futebol, produtor e avô. A análise das
34 perguntas destacou 47 ocorrências de 13 índices diferentes. Todos os índices
encontrados corresponderam aos destacados no perfil e nas respostas da entrevista.
Existe pouca discrepância entre a presença das quatro categorias estabelecidas
para os diferentes textos, como pode ser visualizado nos gráficos 1, 2 e 3. A partir
desses, percebe-se o destaque da categoria fase, constituindo de 45,16% a 46,67% da
composição dos textos analisados. No perfil, as categorias ocupação e características
ganham certo destaque, em relação à entrevista. Em compensação, relacionamento,
perde evidência.
28
45.16%
27.42%
12.90%
14.52%
Categoriasno perfil
de Nando Reis
FaseOcupaçãoRelacionamentoCaracterística
46.47%
21.56%
20.45%
11.52%
Categoriasnas respostasde Nando Reis
FaseOcupaçãoRelacionamentoCaracterística
46.67%
24.44%
20.00%
8.89%
Categoriasnas perguntasde Nando Reis
FaseOcupaçãoRelacionamentoCaracterística
Figura 2 Gráficos de categorias – Nando Reis.
Apesar da quantidade semelhante de ocorrências na categoria fase, sua
composição é distinta nas perguntas, respostas e perfil, conforme os gráficos 4, 5 e 6. O
ÍNDICE CATEGORIA PERFIL % RESPOSTAS % PERGUNTAS %
Paulistano característica 0 0,00 1 0,37 0 0,00Inseguro característica 0 0,00 2 0,74 0 0,00Careta característica 0 0,00 2 0,74 0 0,00Outsider característica 0 0,00 5 1,86 1 2,22Vaidoso característica 0 0,00 5 1,86 0 0,00Fã de futebol característica 1 1,61 0 0,00 0 0,00Autodestrutivo característica 4 6,45 5 1,86 0 0,00Apegado à vida característica 4 6,45 11 4,09 3 6,6751 anos fase 1 1,61 12 4,46 0 0,00Ex-Titã fase 2 3,23 4 1,49 0 0,00Titã fase 2 3,23 12 4,46 3 6,67Limpo fase 6 9,68 26 9,67 6 13,33Drogado fase 6 9,68 66 24,54 11 24,44Famoso fase 11 17,74 5 1,86 1 2,22Trabalho (genérico) ocupação 0 0,00 10 3,72 3 6,67
Produtor ocupação 1 1,61 0 0,00 0 0,00Colunista de futebol ocupação 1 1,61 0 0,00 0 0,00
Cantor ocupação 4 6,45 11 4,09 2 4,44Compositor ocupação 11 17,74 37 13,75 6 13,33
29
Irmão relacionamento 0 0,00 5 1,86 2 4,44Filho relacionamento 0 0,00 6 2,23 0 0,00Amigo relacionamento 0 0,00 10 3,72 0 0,00Avô relacionamento 1 1,61 0 0,00 0 0,00Separado relacionamento 1 1,61 3 1,12 0 0,00Namorado relacionamento 1 1,61 7 2,60 3 6,67Marido relacionamento 2 3,23 8 2,97 3 6,67Pai relacionamento 3 4,84 16 5,95 1 2,22
TOTAL DE ÍNDICES 62 100,00 269 100,00 45 100,00índice de maior destaque no perfil é famoso, com 17,74% das ocorrências. Contudo, nas
perguntas da entrevista, a personagem famoso corresponde a apenas 1,86%, e, nas
repostas, a 4,76%. Já o índice drogado, é o mais frequente tanto nas perguntas quanto
nas respostas da entrevista, com 24,53% e 52,38%, respectivamente. No perfil, drogado
é apenas a terceira ocorrência mais comum, com 9,68% das menções da categoria fase.
9.68%
17.74%
72.58%
Fase no perfilde Nando Reis
Drogado FamosoOutros
52.38%
4.76%
42.86%
Fase nas perguntasde Nando Reis
drogas fama outros
24.53%
1.86%73.61%
Fase nas respostasde Nando Reis
Drogado FamosoOutros
Figura 4 Gráficos de índices da categoria Fase – Nando Reis.
A predominância das ocorrências da categoria drogado nas perguntas e
respostas pode ser facilmente justificada devido ao tema da revista – venenos. O
repórter, através da entrevista, buscou subsídios para falar do perfilado a partir da
temática escolhida para nortear a edição. Entretanto, outras personagens, famoso e
compositor, são mais repetidas em seu texto. Apesar de pouco presentes na entrevista,
estas duas personagens são as mais familiares ao público. Esta constatação pode indicar
que o motivo deste destaque é situar o leitor a partir de um Nando Reis já conhecido,
famoso, para alcançar facetas menos notórias, como o Nando de 51 anos, que não se
sente mais um garoto. Se, no texto perfil, os índices mais presentes são relativos ao
Figura 3 Tabela de índices – Nando Reis.
30
Nando Reis “pessoa pública”, enquanto outros são apenas citados, entende-se que a
proposta do autor seja criar um texto introdutório à entrevista, que aparece na sequência
da revista.
A observação dos dados, além de indicar quais personagens foram destacadas e
quais não, mostra que existem diversas identidades conflitantes. Os conflitos mais
óbvios são temporais – drogado/limpo e titã/ex-titã, por exemplo. Nesses, a dicotomia é
marcada por uma quebra – o abandono das drogas e a saída da banda. Além destes
casos, existem dualidades que coexistem, como a presença frequente dos índices
apegado à vida e autodestrutivo indicam. Também é possível observar, tanto no perfil
quanto na entrevista, que uma mesma pessoa pode encarnar inúmeras personagens
distintas e sem qualquer conexão aparente.
3.2.2. XICO SÁ – COMUNISTA E BEATO
O perfil de Xico Sá foi escrito por Nina Lemos. Publicado na edição 233 da
revista Trip, o texto e a entrevista apareceram no contexto do tema “cadê o tesão?”. No
perfil, foram considerados 58 indicadores, organizados em 22 índices. Na categoria
fase, consideraram-se os índices: famoso (referências a popularidade); 51 anos (sobre
não se sentir mais jovem); religioso (período no qual se definiu a partir da
religiosidade); pobre (referências a quando não tinha uma boa condição financeira);
comunista (sobre seguir a doutrina comunista); menino (referente à infância). A
categoria ocupação traz os índices: compositor (relativo a escrita específica de
músicas); trabalho (genérico) (sobre o ato de trabalhar, sem especificar em quê);
conselheiro sentimental (sendo consideradas as menções à atividade de forma
profissional ou não); escritor (considerara-se pertencentes a esta personagem todas as
referências à escrita, exceto as contempladas em jornalista); jornalista (menções à
profissão, assim como ato de escrever para veículos jornalísticos). Os índices de
características encontradas no perfil foram: paciente (sobre ter paciência); tímido;
caricatural (relativo a ter uma imagem caricatural); exagerado (menções sobre ser
exagerado em suas opiniões e ações); interiorano (neste índice, foram consideradas não
apenas menções à origem do perfilado, o Crato, no interior do Ceará, como
características referentes à sua criação no interior); macho convencional (expressão
usada pelo perfilado, relativa à forma como encara o ser homem); apaixonado por
futebol (sobre gostar de do esporte futebol); apaixonado por mulheres (definição a
31
partir de seu gosto por mulheres); boêmio (estilo de vida desregrado). Os únicos índices
da categoria relacionamento encontradas no perfil foram: filho; amigo.
Figura 5 Capa da edição 233 da Trip.
ÍNDICE CATEGORIA PERFIL % RESPOSTAS % 10 %Paciente característica 1 1,72 0 0,00 0 0,00Sincero característica 0 0,00 1 0,37 0 0,00Idealista característica 0 0,00 1 0,37 0 0,00Sério característica 0 0,00 1 0,37 0 0,00Tímido característica 1 1,72 2 0,74 0 0,00Caricatural característica 1 1,72 7 2,60 0 0,00Exagerado característica 6 10,34 11 4,09 0 0,00Interiorano característica 2 3,45 3 1,12 1 2,56Brasileiro característica 0 0,00 4 1,49 1 2,56Macho convencional característica 1 1,72 5 1,86 1 2,56Apaixonado por futebol característica 7 12,07 16 5,95 4 10,26Apaixonado por mulheres característica 2 3,45 22 8,18 5 12,82Boêmio característica 2 3,45 21 7,81 7 17,95Famoso fase 3 5,17 2 0,74 0 0,0051 anos fase 1 1,72 3 1,12 0 0,00Religioso fase 2 3,45 8 2,97 0 0,00Pobre fase 4 6,90 3 1,12 1 2,56Comunista fase 2 3,45 4 1,49 1 2,56Menino fase 2 3,45 4 1,49 1 2,56Compositor ocupação 1 1,72 0 0,00 0 0,00Trabalho (genérico) ocupação 2 3,45 16 5,95 1 2,56Conselheiro sentimental ocupação 5 8,62 7 2,60 2 5,13Escritor ocupação 3 5,17 18 6,69 3 7,69Jornalista ocupação 6 10,34 33 12,27 5 12,82Neto relacionamento 0 0,00 1 0,37 0 0,00
32
Padrinho relacionamento 0 0,00 1 0,37 0 0,00Tio relacionamento 0 0,00 1 0,37 0 0,00Irmão relacionamento 0 0,00 2 0,74 0 0,00Primo relacionamento 0 0,00 3 1,12 0 0,00Sobrinho relacionamento 0 0,00 3 1,12 0 0,00Namorado relacionamento 0 0,00 10 3,72 0 0,00Pai relacionamento 0 0,00 0 0,00 1 2,56Marido relacionamento 0 0,00 5 1,86 1 2,56Filho relacionamento 1 1,72 19 7,06 1 2,56Amigo relacionamento 3 5,17 32 11,90 3 7,69
TOTAL DE ÍNDICES 58 100,00 269 100,00 39 100,00
Figura 6 Tabela de índices – Xico Sá.
Na análise das respostas da entrevista, foram encontradas 269 ocorrências,
agrupadas em 24 índices. Nas categorias fase e ocupação, não foram observados índices
ausentes no perfil. Em características, foram destacados os novos índices: sincero;
idealista (apesar da associação frequente com o índice comunista, refere-se a uma
característica, e não a um período); sério; brasileiro (relativo ao pertencimento em
relação a uma identidade nacional).
A análise das 39 perguntas destacou 39 ocorrências de 17 índices diferentes.
Entretanto, sete perguntas não possuíam como tema o perfilado em si, mas suas
opiniões sobre determinados assuntos. Todos os índices encontrados corresponderam
aos destacados no perfil e nas respostas da entrevista.
De acordo com os gráficos 7, 8 e 9, existem semelhanças e descontinuidades em
relação à composição do perfil e das perguntas e respostas da entrevista. A categoria
ocupação foi a que apresentou números mais consistentes. O autor do perfil não apenas
utilizou as mesmas personagens citadas por Xico Sá durante a entrevista, como o fez em
quantidade semelhante. A única exceção é o índice compositor, que não é explicitado
pelo entrevistado.
33
24.14%
29.31%6.90%
39.66%
Categoriasno perfil
de Xico Sá
FaseOcupaçãoRelacionamentoCaracterística
7.69%
28.21%
15.38%
48.72%
Categoriasnas perguntas
de Xico Sá
FaseOcupaçãoRelacionamentoCaracterística
8.92%
27.51%
28.62%
34.94%
Categoriasnas respostas
de Xico Sá
FaseOcupaçãoRelacionamentoCaracterística
Figura 7 Gráficos de categorias – Xico Sá.
Assim como na categoria ocupação, as ocorrências em característica são
constantes, além da última ser predominante nos três textos analisados. Apesar de
ocupar destaque no perfil e na entrevista, índices diferentes ocorrem em cada um. No
perfil, apaixonado por futebol e exagerado são as personagens mais frequentes, com
31% e 26% das ocorrências na categoria, respectivamente. Por outro lado, perguntas e
respostas da entrevista destacam as facetas apaixonado por mulheres e boêmio, com
24% e 22%, nas respostas, e 27% e 37%, nas perguntas, respectivamente.
A categoria relacionamento tem pouca relevância no perfil, entretanto, é
bastante abordada pelo perfilado, durante a entrevista. No primeiro, foram registrados
apenas os índices amigo e filho, com respectivos 75% e 25% das ocorrências. Na
entrevista, entretanto, muitas identidades marcadas pela relação com outras pessoas,
como namorado, irmão, padrinho e neto, vêm à tona. O índice amigo, contudo, é o mais
frequente dentre todos os índices encontrados na entrevista.
Conforme a análise dos dados, a categoria fase recebe destaque maior no perfil
do que na entrevista. A diferença se dá, principalmente, devido ao fato de que no perfil
são consideradas fases atuais de Xico Sá, como 51 anos e famoso. Na entrevista, suas
facetas marcadas temporalmente remetem ao passado, enquanto o presente é definido
34
por suas atividades, ou seja, suas ocupações. Percebe-se, aqui, um reflexo da opção
metodológica de enquadrar cada índice em apenas uma categoria. Se os mesmos índices
fossem considerados tanto ocupação quanto em fase, a distorção poderia não ocorrer.
Apesar de não se alterarem os métodos de classificação, destaca-se aqui uma
possibilidade a ser explorada em estudos futuros.
Exceto pela categoria relacionamento, o perfil de Xico Sá mostra-se consistente
em relação aos dados destacados pela entrevista. A omissão das diversas facetas de
relacionamento pode ser justificada, entretanto, pela baixas ocorrência e relevância,
uma vez que as duas mais frequentes, amigo e filho foram destacadas.
Conforme a análise, pode-se perceber que o Xico Sá apresentado pela revista
Trip possui uma identidade marcada por múltiplas facetas. Apesar disso, o conflito não
é uma característica marcante. As únicas exceções claras são as oposições sério/boêmio,
marcas de sua juventude como jornalista investigativo, e religioso/comunista, que se
sucedem na passagem do perfilado da infância para a juventude.
3.2.3. LÁZARO RAMOS – TÍMIDO E FAMOSO
O perfil de Lázaro Ramos é da autoria de Jorge Bispo. O texto foi publicado na
edição número 234 da Trip. A revista trazia como tema a frase “Que país é este?”,
referindo-se às mudanças ocorridas (ou não) entre as manifestações sociais de 2013 e a
Copa do Mundo de Futebol de 2014. Em todo o perfil, foram considerados 59
indicadores, organizados em 38 índices. Em fase, considerou-se: 35 anos (sobre a idade
do perfilado na época na qual o perfil foi escrito e como ele se sente e relação a isso);
adolescente (sobre o período entre a infância e a vida adulta); famoso (referente à fama,
sucesso e o sentimento de exposição); devido à forma como diferentes momentos da
infância de Lázaro Ramos foram exploradas com significações diferenciadas, esta fase
foi dividida em três, infância (genérica), infância (farta) e infância (pobre), sendo que
as duas últimas caracterizadas pela situação financeira da personagem e a primeira as
menções que não possuem esta conotação; patrão (optou-se por reunir sob este índice
tanto as referências de sua boa condição financeira atual quanto sua relação com
empregados, uma vez que são marcas de uma mesma fase). Sob a categoria ocupação,
foram encontradas apenas profissões do perfilado: apresentador (do programa
‘Espelho’, do Canal Brasil); ator (neste índice, foram consideradas todas as referências
à atuação – teatro, cinema e televisão – como sendo uma só personagem); diretor
35
(refere-se à direção teatral); escritor; trabalho (genérico) (sobre o ato de trabalhar, sem
especificar em quê. Também foi considerado “genérico” o trabalho com patologia
clínica feito pelo perfilado, que o fazia apenas por trabalhar e não por afinidade). Em
característica, foram utilizados os seguintes índices: angustiado (sentimento de
angústia consigo mesmo e com sua realidade); baiano (referente não apenas à origem
geográfica, mas ao sentimento de “baianidade”); competente (referente à boa qualidade
de seu trabalho, independentemente da repercussão, que caracterizaria o índice famoso);
emotivo (relativo a deixar suas emoções aflorarem); inquieto (inquietude pessoal e
profissional); negro (este índice tem conotações físicas e psicológicas, uma vez que,
além de se referir à cor, abrange questões de pertencimento e racismo); politizado
(referência às preocupações políticas do perfilado, bem como sua inquietação com este
tema específico); religioso (sobre sua relação com religiões e espiritualidade); versátil
(menções à capacidade da personagem de desenvolver atividades variadas). A categoria
relacionamento traz as facetas: afilhado (relacionamento com Dindinha – como o
parentesco não é explicitado, optou-se por considerá-la madrinha); amigo; filho;
marido; pai; neto.
Figura 8 Capa da edição 234 da Trip.
A análise das respostas da entrevista indicou apenas dois novos índices da
categoria fase: jovem adulto (referências temporais do início de sua carreira
profissional, ainda jovem); patrão (fase atual em relação às questões financeiras. Apesar
de definido em grande parte por sua relação com empregados, optou-se por considerar
este índice como uma fase). Na categoria ocupação não foram encontrados índices
ausentes no perfil. A categoria característica agrupou os novos índices: careta (sobre
36
não usar drogas); depressivo (referente à convivência com sintomas de depressão, em
certos momentos); estudioso (dedicação aos estudos, tanto do ensino formal quanto no
teatro); fã de futebol; folião (sobre gostar de carnaval). Na categoria relacionamento, foi
encontrado apenas um índice novo: neto.
A análise das 41 perguntas destacou 51 ocorrências de 28 índices diferentes.
Três perguntas, contudo, não possuíam como tema o perfilado em si, mas suas opiniões
sobre outros assuntos. Todos os índices encontrados corresponderam aos destacados no
perfil e nas respostas da entrevista.
A partir da comparação dos números obtidos na análise das categorias, nos
gráficos 10, 11 e 12, não percebem-se, de imediato, semelhanças na composição do
perfil em relação à entrevista. A distorção se dá devido à grande quantidade e pouca
repetição de índices no perfil. A única exceção expressiva é ator, que corresponte a
23,73% das personagens destacadas no texto. Os dois índices mais frequentes no perfil,
depois de ator, são inquieto e filho, ambos com 6,78%. O destaque para a ocupação
principal do perfilado pode ser justificada pela característica do texto, uma vez
que a faceta mais
37
Figura 9 Tabela de índices – Lázaro Ramos.
ÍNDICE CATEGORIA PERFIL % RESPOSTAS % PERGUNTAS %Angustiado Característica 1 1,69 7 3,21 0 0,00Baiano Característica 2 3,39 1 0,46 1 1,96Careta Característica 0 0,00 2 0,92 1 1,96Competente Característica 2 3,39 0 0,00 0 0,00Depressivo Característica 0 0,00 7 3,21 2 3,92Emotivo Característica 1 1,69 3 1,38 1 1,96Estudioso Característica 0 0,00 4 1,83 1 1,96Fã de futebol Característica 0 0,00 5 2,29 2 3,92Folião Característica 0 0,00 3 1,38 1 1,96Inquieto Característica 4 6,78 0 0,00 0 0,00Negro Característica 2 3,39 12 5,50 3 5,88Politizado Característica 2 3,39 20 9,17 4 7,84Religioso Característica 1 1,69 8 3,67 2 3,92Tímido Característica 0 0,00 4 1,83 1 1,96Vaidoso Característica 0 0,00 1 0,46 1 1,96Versátil Característica 2 3,39 0 0,00 0 0,00Malandro Característica 0 0,00 2 0,92 0 0,00Afetuoso Característica 0 0,00 1 0,46 0 0,00Preguiçoso Característica 0 0,00 3 1,38 0 0,0035 anos Fase 2 3,39 0 0,00 0 0,00Adolescente Fase 1 1,69 4 1,83 2 3,92Famoso Fase 4 6,78 4 1,83 2 3,92Infância (farta) Fase 2 3,39 3 1,38 1 1,96Infância (genérica) Fase 2 3,39 4 1,83 3 5,88
Infância (pobre) Fase 2 3,39 3 1,38 2 3,92Jovem adulto Fase 0 0,00 6 2,75 1 1,96Patrão Fase 0 0,00 6 2,75 1 1,96Apresentador Ocupação 2 3,39 4 1,83 3 5,88Ator Ocupação 14 23,73 27 12,39 3 5,88Diretor Ocupação 2 3,39 0 0,00 0 0,00Escritor Ocupação 1 1,69 0 0,00 1 1,96Trabalho (genérico) Ocupação 1 1,69 9 4,13 2 3,92
Afilhado Relacionamento 1 1,69 7 3,21 2 3,92Amigo Relacionamento 1 1,69 11 5,05 2 3,92Filho Relacionamento 4 6,78 31 14,22 4 7,84Marido Relacionamento 2 3,39 11 5,05 1 1,96Pai Relacionamento 1 1,69 4 1,83 1 1,96Neto Relacionamento 0 0,00 1 0,46 0 0,00
TOTAL DE ÍNDICES 59 100,00 218100,0
0 51 100,00
38
conhecida de Lázaro Ramos é a de ator. O índice inquieto, apesar de inexistente na
entrevista, é a conexão da entrevista de Lázaro com o tema da revista, justificando seu
destaque. Já filho é um dos índices de maior incidência nas perguntas (7,84%) e o mais
frequente nas respostas da entrevista (14,22%).
Entende-se que algumas personagens sejam deixadas de lado na composição do
perfil, devido a sua menor relevância. Entre os 16 índices diferentes de característica
encontrados nas respostas da entrevista, por exemplo, apenas seis foram utilizados no
perfil. Além das características presentes nas respostas do entrevistado, três índices
exclusivos do perfil ilustram as percepções e o julgamento do repórter responsável pelo
texto.
28.81%
22.03%33.90%
15.25%
Categoriasno perfil
de Lázaro Ramos
CaracterísticaFaseOcupaçãoRelacionamento
39.22%
23.53%
17.65%
19.61%
Categoriasnas perguntas
de Lázaro Ramos
CaracterísticaFaseOcupaçãoRelacionamento
38.07%
13.76%18.35%
29.82%
Categoriasnas respostas
de Lázaro Ramos
CaracterísticaFaseOcupaçãoRelacionamento
Figura 10 Gráficos de categorias – Lázaro Ramos.
Os critérios do autor, entretanto, criam distorções no momento em que confere
menor destaque a índices mais abordados pelo entrevistado. Negro, politizado, amigo e
marido são personagens bastante citados na entrevista, com mais de 5% das ocorrências
em cada. Entretanto, os quatro índices perdem relevância à sombra da repetição de ator.
Outra distorção percebida é referente aos índices inquieto e angustiado. Ao final da
análise, percebeu-se que o autor do perfil pode ter encarado as angústias de Lázaro
39
como inquietude. Entretanto, para este trabalho, os índices serão considerados como
expressões de diferentes facetas do perfilado.
Segundo a análise, o Lázaro Ramos retratado pelo perfil da revista Trip possui
facetas múltiplas. Entretanto, o conflito não é uma característica frequente. Dualidades
como infância(farta)/infância(pobre) e tímido/ator, sendo a última apresentada desta
forma pelo próprio Lázaro Ramos, são colocadas em períodos diferentes, não
caracterizando a coexistência de identidades conflitantes.
3.1. PERFILANDO OS PERFIS
Após analisar os perfis e entrevistas dos diferentes perfilados separadamente,
percebem-se algumas constâncias. Apesar estar em segundo plano nas entrevistas, a
categoria ocupação foi a principal em dois dos três perfis analisados e a segunda mais
frequente no outro. Aprofundando o foco, percebe-se que as profissões de cada
perfilado parecem ser, para o repórter, o que os define de forma mais marcante.
Somados, os índices de profissões nos perfis equivalem a, respectivamente, 17,84% em
Nando Reis (cantor e compositor), 18,9% em Xico Sá (escritor e jornalista) e 23,73%
em Lázaro Ramos (ator). No perfil de Xico Sá, entretanto, duas características, se
sobressaem ligeiramente à ocupação principal, destoando um pouco dos demais
(apaixonado por futebol ocorre mais e exagerado foi registado o mesmo número de
vezes que jornalista).
A categoria fase mostrou-se constante em dois perfis (24,14%, em Xico Sá, e
22,03%, em Lázaro Ramos) e com maior importância em um (46,47%, em Nando Reis).
Nos dois primeiros casos, os índices desta categoria são caracterizações dos perfilados
frente à passagem do tempo, ou seja, são referências aos estados atual e passados de
cada um. No perfil de Nando Reis, entretanto, a temática da revista (venenos) é muito
explorada durante a entrevista (drogado e limpo correspondem a 24,54% e 9,67% das
ocorrências, nas respostas da entrevista), o que é transportado, em parte, para o perfil.
Assim como ocorreu com ocupação, neste perfil o repórter escolheu dar destaque para a
fama (famoso e compositor correspondem, cada um, a 17,74% dos índices deste perfil).
A escolha de retratar com mais ênfase as fases atuais, juntamente à ocupação principal
do
40
P E R F I L R E S P O S T A S P E R G U N T A S
14,52% 11,52% 8,89%
45,16% 46,47% 46,67%
27,42% 21,56% 24,44%
12,9% 20,45% 20%
Categorias - nando reisCaracterística Fase Ocupação Relacionamento
Figura 11 Gráfico comparativo de categorias – Nando Reis.
P E R F I L R E S P O S T A S P E R G U N T A S
40% 34,9%48,72%
24%
8,92%
7,69%
29%
27,5%
28,21%
7%28,6%
15,38%
Categorias - xico sáCaracterística Fase Ocupação Relacionamento
Figura 12 Gráfico comparativo de categorias – Xico Sá.
P E R F I L R E S P O S T A S P E R G U N T A S
28,81 38,07% 39,22%
22,03%13,7%
23,53%
33,9%18,3%
17,65%
15,25%29,80%
19,61%
Categorias - Lázaro ramosCaracterística Fase Ocupação Relacionamento
Figura 13 Gráfico comparativo de categorias – Lázaro Ramos.
41
perfilado, encontra respaldo na conceituação desta modalidade de narrativa, que, por ter
curta extensão, pode se concentrar em alguns momentos da vida da personagem.
Uma vez que o texto da reportagem do tipo perfil é curto, ao se dar destaque
para determinadas questões, deixam-se outras de lado. Em contraponto à fase, o perfil
de Nando Reis pouco aborda sobre suas características. Com apenas três índices nesta
categoria (autodestrutivo, apegado à vida e fã de futebol), dois ainda remetem ao tema
da revista. Nos perfis de Xico Sá e Lázaro Ramos há uma maior variedade de índices de
característica (nove e dez, respectivamente). Nesses, percebe-se uma tentativa de
ilustrar diferentes faces do perfilado, caracterizando ou não conflitos de identidade. Na
análise dos índices de característica, percebeu-se que em todos os perfis analisados há
uma predominância de caraterísticas psicológicas. As exceções são os índices relativos à
geografia dos três retratados (paulistano, interiorano, brasileiro e baiano) e apenas uma
característica física de Lázaro Ramos (negro).
Em todos os casos analisados, a categoria relacionamento perdeu relevância das
entrevistas para o perfil. Apesar de algumas relações serem citadas nos perfis de cada
um, elas foram abordadas de forma mais frequente nas perguntas e surgiram mais vezes
nas respostas. O fato explica-se, principalmente, por dois motivos. Nas entrevistas, não
raras foram as vezes em que o entrevistado referiu-se a outras pessoas para explicar a si
mesmo. Da mesma forma, é natural, ao contar suas histórias, que eles referenciem
acontecimentos e momentos da vida a partir daqueles que estavam junto. Nas
entrevistas, a presença dos índices pai (5,59%), amigo (11,9%) e filho (14,22%), de
Nando Reis, Xico Sá e Lázaro Ramos, respectivamente, exemplificam a frequência
desta observação. Por outro lado, o texto do perfil, conceitualmente, tem por foco uma
pessoa protagonizando sua própria história, de forma que ela dificilmente vai ser
determinada de forma mais marcante por terceiros do que por suas próprias
características.
3.2. TANTAS VIDAS QUANTO PONTOS DE VISTA
É possível retratar uma pessoa em uma reportagem curta? A resposta é sim. É
possível retratar uma pessoa em um perfil, mas há limitações, já explicitadas desde a
conceituação. O repórter pode traçar apenas uma imagem a partir daquilo que percebe.
42
Não há como alimentar a pretensão de capturar a totalidade de uma pessoa em qualquer
forma de expressão. Em um perfil, por sua característica curta, deve-se, justamente,
escolher determinados fatos e aspectos para construir um retrato daquela personagem
em um determinado momento.
Na revista Trip, pode-se perceber a pluralidade dos relatos possíveis na
modalidade do perfil. Dentre as reportagens analisadas, houve espaço para a narrativa
linear, bem como uma narrativa linear entrecortada por considerações atemporais e uma
terceira sem qualquer compromisso com a passagem de tempo.
Logo no início da análise, bem como comparando números de índices de
identidades, percebe-se a farta oferta de personagens contidos em um maior. Classe,
gênero, sexualidade, etnia, relacionamentos e ocupações não apenas aparecem como
coexistem, entrecruzam-se e sobrepõem-se. O resultado é uma amostra do caos
ordenado contido no “ser” de cada um dos perfilados.
A abordagem da identidade a partir do conceito de fractais postula que cada
faceta de nossa identidade é como uma parte menor e diferente de uma mesma essência.
Os resultados da análise ecoam essa concepção. Nada, senão uma intrincada rede de
fractais, o caos organizado, explica melhor a coexistência sob a mesma pele de um
beato e um comunista (Xico Sá), um autodestrutivo que não excede certos limites por
amor à vida (Nando Reis) ou um tímido que vive da exposição pública (Lázaro Ramos).
Da mesma forma que nos exemplos mais exagerados, cada parte, cada faceta dos
perfilados indica traços de uma mesma essência.
É possível reunir os fractais e a completude da essência do perfilado?
Dificilmente. Entretanto, quanto mais plurais as identidades retratadas, quanto mais
cacos juntar-se para formar a imagem final, mais fidedigna ela será.
43
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das ferramentas oferecidas pela metodologia da análise de conteúdo, esta
pesquisa buscou entender como funciona a construção dos perfis jornalísticos e as
identidades sobre as quais são construídos. Percebe-se de forma clara, durante a fase de
inferências, a determinância das opções feitas ao categorizar os dados. Com uma certa
ironia, observou-se que a escolha dos índices e categorias guarda semelhanças
importantes com o trabalho realizado pelo repórter, ao escolher o que iria para os perfis
e o que não. Se, no perfil, o autor escolheu determinada forma de demonstrar certa
característica, na análise observou-se as “determinadas formas” para inferir a que
características se referiam.
A observação da importância do método utilizado, assim como de pontos nos
quais ele não foi suficientemente claro, indicam alguns caminhos a seguir. Por ordenar a
forma como os dados serão apresentados para a inferência, a categorização é
determinante nos resultados observados. No caso desta pesquisa, a escolha por encaixar
cada índice em apenas uma categoria simplificou complexidades que poderiam ser
exploradas futuramente. A visualização dos dados certamente seria diferente se, por
exemplo, um índice como religioso, de Xico Sá, fosse considerado uma característica e
não apenas uma fase.
Assim como problematizar a forma como foram feitas as análises, é importante
que se faça um olhar plural sobre o assunto. Se a metodologia fosse aplicada exatamente
da mesma forma por outra pessoa ou sobre outros objetos de análise, o resultado
certamente seria diverso.
Esta pesquisa consistiu em entender de que forma são apresentadas as pequenas
partes de cada entrevistado nos perfis da revista Trip. Cada uma destas partes, auto-
semelhantes e, ao mesmo tempo, diferentes, relacionadas maneira caótica forma um
pouco da identidade que se pretende mostrar. Em analogia, pode-se dizer que esta
pesquisa é uma das peças da identidade da própria reportagem do tipo perfil. Somado
àquilo que já se pesquisou e ao que ainda se estudará sobre o assunto, pode mostrar um
retrato final cada vez mais fidedigno do próprio gênero jornalístico.
44
5. REFERÊNCIAS
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GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo, SP: Ática, 2004.
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade; Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro, RJ. DP&A, 2006.
______. Quem precisa de identidade?. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e diferença. Petrópolis, RJ. Vozes, 2000.
KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. São Paulo, SP: Ática, 2003.
LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. 3ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2003.
PENA, Felipe. Teoria da biografia sem fim. Mauad Editora Ltda, 2004.
_____. Teoria do Jornalismo. 2ª ed. São Paulo, SP: Contexto, 2006.
REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina M.. Dicionário de narratologia. 7ª ed. Coimbra, Portugal: Almedina, 2002.
SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. 2ª ed. São Paulo, SP. Contexto, 2004.
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SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986.
STUMPF, Ida Regina C. Pesquisa Bibliográfica. In: DUARTE, Jorge (org.); BARROS, Antonio (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo, SP: Atlas, 2005.
VILAS BOAS, Sergio. Biografias e biógrafos: jornalismo sobre personagens. São Paulo, SP: Summus, 2002.
_____. O estilo magazine: o texto em revista. São Paulo, SP. Summus,1996.
_____. Perfis e como escrevê-los. São Paulo, SP: Summus, 2003.
45
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e diferença. Petrópolis, RJ. Vozes, 2000.
Revista Trip, entrevista com Nando Reis. Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/revista/232/paginas-negras/nando-reis.html> Acesso em 2 de fevereiro de 2015.
Revista Trip, entrevista com Xico Sá. Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/revista/233/paginas-negras/xico-sa.html> Acesso em 2 de fevereiro de 2015.
Revista Trip, entrevista com Lázaro Ramos. Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/revista/234/paginas-negras/lazaro-ramos.html> Acesso em 2 de fevereiro de 2015.
46
ANEXOS
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ANEXO 1 – REPORTAGEM NANDO REIS1
1 A diagramação das entrevistas anexas não corresponde à da revista Trip. Os textos e imagens foram retirados do site e diagramados da presente forma para melhor visualização.
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49
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ANEXO 2 – REPORTAGEM XICO SÁ
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ANEXO 3 – REPORTAGEM LÁZARO RAMOS
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