lapassade analise institucional teoria pratica 1973
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ANALISE INSTITUCIONAL:
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TEORIA E PRATICA
CÉLIO GARCIA ,
MARCO AURELIO LUZ I
CHAIM SAMUEL KATZ
GEORGE$ LAPASSADE
NO PRóXIMO NúMERO DE
VOZES
ESTUDOS LINGülSTICOS em Iwmeiwgem a J. Malloso Camara Jr.
ARTIGOS DE
Roman J akobson
Thomas A. Sebeok
Bernard Pottler
Paul L. Garvin
Harri Meier
Dieter Woll
Antonio To'Oar
J. G. Herculano de Carvalho
Robert Lado
Brian Head
F'. Gomes de Matos
r'.
de
O. MANNONI
CHAVES PARA O , IMAGINARIO
Vinte ensaios que tratam de literatura (Mallarmé, Rimbaud, Sallnger, Henry James, Proust}, de teatro (o problema da Ilusão teatral), da lingüística saussureana e de textos ps/canalltlcos f reudianos, colocando como pólo central a problemática da Abundância do Significado. Instaurada na psicanáflse, esta Abundância do Significado - do ponto de vista de uma teoria geral das linguagens - reformula a maneira de as chamadas • ciências do homem • se pensarem científicas enquanto do homem.
CHAVES PARA O IMAGINARIO
_mais um volume da coleção
Epist emologia e Pensamento Contemporâneo
lANÇAMENTO
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-ANÁLISE INSTITUCIONAL
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A V. I ' I
EDITO RI 'A~ . ·· · .. ,.::of\/ rt: 44 ·
N p , @ - H e c:::q · 5esesa : · Não é a primeira vez que nossa revista fala de Análise Institucional.
No número 5/1971 {junho/iulho) publicamos o artigo de Georges Lapassade: ·Um ensaio de Análise da Linguagem Institucional", escrito, então, especialmente para aquele .número sobre a Teoria da Linguagem.
Desde então temos acompanhado de perto o trabalho desenvolvido pelo autor francês, mesmo quando discordávamos de sua atuação em nosso meio universitário. Por outro lado. a nossa revista sempre esteve aberta às pesquisas efetuadas no campo da Análise Jnstituçional pelos professores que completam este número: Marco Aurélio Luz, Célio Garcia e Chaim Samuel Katz. Mais que o último, os dois primeiros têm colaborado constantemente em nossas páginas.
Procurou-se - através de um número que foge aos padrões habituais, inclusive com artigos não assinados - situar o problema proposto de maneira clara e precisa, dividindo-o em duas partes distintas: teorizações e práticas & documentos.
Na primeira, diz-se o que é Análise Institucional: · Análise Institucional é um método que visa elucidar as relações reais e não somente }urfdlcas ou puramente subJetivas que mantemos com as normas /nstituldas; a maneira pela qual os Individuas se p6em ou não de acordo a fim de participar ou de dar adesão a estas normas, assim como as formas singulares de organização que surgem e desaparecem·. Mostra·se também o nível de operações desencadeadoras de sua ocorrência e a relação entre prátíc8 teórica e prática Institucional. Na segunda, o processo da prática Institucional aparece sob vérios ângulos: comentério critico de uma "noite de loucuras ", intervenção numa escola de comunicação, uma nota sobre s estada do Prol. LBpassade entre nós etc. Não há necessidade de nos
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deter mais longamente porque os próprios autores escreveram uma apresentação de seus trabalhos. Cabe ao leitor a leitura critica.
Na secçào de Idéias & Fatos destacamos a análise do hospital psiquiátrico de Minas Gerais, de Francisco Paes Barreto e o artigo de Célio Garcia em que tenta responder a esta pergunta: "Qual seria a orientação, o projeto que animaria psicanalistas, pedagogos, psicólogos, terapeutas na sua labuta dláris'r Se devêssemos ainda realçar outro texto, escolheriamos o discurso não pronunciado de Marlon Brando ao recusar o Oscar. discurso, sem dúvida, histórico e que tem muito a ver também com o Brasil nesse momento de defesa do índio contra os gananciosas grupos plantadores de gado, denunci80os e nunca julgados, porque os juízes são brancos.
CJarinclo Neottf
APRESENTAÇÃO
Este número da revista VozES serve para marcar um acontecimento e suas repercussões. De meados de julho a dezembro f,le 1972 esteve entre nós, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, o professor francês, um dos criadorc.~ da Análise Institucional, Georges LapasS/lde. Neste periodo. uma pequena parcela da juventude universitária ligada à área dos saberes humanos e soc1ms bem como alguns professores mais velhos tiveram a Análise Institucional como rejer~ncia de seu pensamento e produção cultural. Três meses depois de sua partida, quando procuramos reunir o material para organizar esta revista, temos unuz certa tristeza ao ver o que foi deixado pela trajetoria lapassadiana. As pessoas que com ele conviveram
·e colaboraram se recusam agora a contribuir com fertos. Procuramos abrir espaço para contos, poesias, músicas, peças de teatro, colagens, divagaçt5es, aforismos etc. Uma parte dos prováveis colaboradores se furtou porque não queria escrever numa revista onde houvesse textos teóricos jeitos por «quadrados>; outra parcela, por descaso ou má vontade, por diversas vezes parou de se comunicar conosco (apesar de uma permanente reinsisUnâa nossa). O que é algo para ser meditado. Se é sempre positivo ter uma crônica sobre acontecimentos, ou se uma recusa de se textuafizar não é igualmente importante. Isto aprendemos com a Análise Institucional, o significadq (mas não ainda o significante) da contracultura. E por isto os quatro autores achamos que faz parte da produção teórica essa recusa, e nosS/1 trisfeuz se deve apenas a que valorizamos o texto escrito. Resolvemos não assinar os textos. A idéia original era de que sem um autor identificado em relação a um texto individual se perderia um dos eixos articulatórios da potência teorizante, que com isto se tornaria menos repressiva. Imaginem o professor X assinando uma poesia do Y que é muito doidão; ou o Y co-responsável por textos teoricos sobre antipedagogiaf Quer dizer, irlamos
6 mostrar uma gama de possibilidades expressivas de uma importante crJrrenle analítica contempordnea e nos sacudir ou reprimir um pouco; coletivamente. Só que o resultado ~ ainda uma revista tradicional, sizuda, pela falta de colaboração dos «desligados~. Mas que é assinada coletivamente (talvez devesse ser assinada também peios que não se presentificaram mas que nem por isto deixam de estar presentes, não?). Isto nos faz pensar no que significa o comprometimen.to com um editor para a entrega de textos datilografados, bonitinhos, numa data determinada, fator este irrelevante para os que se empenham no estabelecimento de ama contracultura. Destruir o tempo e o espaço cultarais é uma das metas iniciais do drop-out, mesmo inintencionalmente, pois, afinal, <eu estou na minha~ etc. Nos faz meditar também sobre o que é uma certa atividade intelectual no Brasil de hoje. Nossa imensa satisfação ao escrevermos textos ou fazermos confedncias para trinta leitores ou oullintes pacientes (<o prazer do texto~ de que tala Barthe$). Ganhamos nossa certeza lógica, exacerbamos nossas idéias até aos cortes epistemológicos mais radicais e falamos qfUlse sozinhos. Ou melhor, para sermos mais rigorosos, o discurso se fala em n6s, mas o outro emplrico não nos escuta, cochilante e cheio. O que é isto e qual · o seu significado, especialmente numa problei7Últica de pais subdeunvolvido, eis a que não podemos deixar de nos dedicar.
O ONTEM faleceu Noel Nutels. Seu lugar mítico demarcado socialmente ua, segundo os jornais, de <grande sertanista brasileiro•. Só que ele o foi de um modo lindo. Vendo o morticínio progressivo dos indíos, Noel perguntou, escrevendo a Léví-strauss, o que se poderia fazer pela sua sobrevivincia. Afinal, teorizar sobre os mitos, as linguas ou os alimentos indigcnas é também uma forma de eliminá-los, preservando seu exótico para que a ferJria contemporânea possa ampllar o Outro inconsciente do homem lxlrguis branco civilizado. Noel o dizia de outro mo(/o. Culto cu1ti~simo, mas falando numa língdagem sofnda, onde os corpos dos índios eram também elaborados teoricamente: <Vocés não :r(Jo antropdlogos, são antropófqon.
Incorporando o sofrimento do outro, Noel se tornou um analista institucional silvestre. Passou a mostrar que o <anfropologuês> reduzia o lndio a não ter corpo, mas só ritos, religiões e costumes dist(ntos; corpo este que é uma das instituições mais preciosas que a teoria anfropoú)gica deveria -não apenas estudarpreservar. Mostrou também como a produção social, mais racional quanto mais formas elaboradas de Tecnologia usar, estava fadada a destruir o lndio, mesmo quando pensasse em preservar sua existincia. Além disto, pela luta inglória e gloriosa que levou para demonstrar seus pontos de vista, sua defesa vigorosa em defesa da vida do lndio, pela celeuma que levantou com sua energia e sua grande emocão e carinho, Noel se tornou um analisador do lndio brasileiro. A Noel Nutels -11nalista e analisador institucional, homem maravilhosodedicamos esta revista.
Rio, l i de fevereiro de 1973.
• A COES -
Ensaio de Análise Institucional Condições de ocorrência Os três níveis . Conceitos básicos Instituição, linguagem, desejo
Prática teórica, prática institucional
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, ENSAIO DE ANALISE
INSTITUCIONAL
Análise Institucional é um método que visa elucidar as relações reais e não somente jurídicas ou puramente subjetivas que mantemos com as normas instituídas; a maneira pela qual os individuas se põem ou não de acordo a fim de participar ou de dar adesão a estas normas, assim como as fonnas singulares de organização que surgem e desaparecem. Em outras palavras, entendemos por instituição não somente as formas constituídas,. mas também as modalidades de ação constituintes e os processos de institucionalização que resultam dos dois momentos precedentes. As relações sociais reais, assim como as normas sociais, fazem parte do conteúdo do conceito <instituição». Uma outra particularidade de Análise Institucional vem a ser o fato dela operar sobre situações con- · eretas na prática social. A Análise é, pois, uma intervenção em grupos limitado~ tais como organizações, instituições (no sentido tradicional do termo), organismos, coletividades. Ela tenta mostrar que, em toda situação, a ação das Instituições ausentes/presentes, isto é, a ação simbólica, é uma variável importante. Por conseguinte, não somente a face objetiva da instituição é levada em conta, mas também a face simbólica, não-objetivável em termos de dados de um. inquérito ou resultado de uma observação. Na qualidade de modelo de Análise social, alem de introduzir a dimensão <instituição» nas análises sociológicas já conhecidas, ela chama a atenção para as implicações sociais, econômicas e políticas da observação sociológica. Trata-se, para o pesquisador e 'para o analista, de tomac como dados analisáveis, e não como
condições exteriores ao seu trabalho, as condições nas quais ele é chamado, por determinadas instituições, a intervir na qualidade de especialista reconhecido. Se falamos de observação sociológica, devemos encará-la como instrumênto de trabalho, tanto do analista que se encontra numa organização, quanto do pesquisador. Donde encontramos, atualmente, duas possibilidades de aplicação da «Análise lnstitucionab: uma primeira quanto ao que chamamos situações concretas (será o trabalho produzido em escolas, hospitais, empresas, organizações ou instituições de um modo geral). Neste caso, existe Análise Institucional onde estão reunidas as seguintes operações: Em t• lugar, análise da <Demanda-., compreendendo ·a demanda oficial formulada pelos responsáveis e a demanda implicita que se encontra nas entrelinhas desta demanda oficial. Além disso, existe Análise Institucional quando procedemos à Análise da demanda do grupo-cliente, composto pelos membros da organização. O conjunto formado pelo Grupo-Cliente e o grupo-direção compõe o coletivo ou grupo maior sobre o qual vai incidir a intervenção ou trabalho analitico. Em segundo lugar, existe Análise Institucional quando encontramos a <autogestão:. praticada pelo grupo maior em relação a horários, número de reuniões, entrosamento entre as reuniões e as outras atividades cotidianas: ordem do dia, programa, repartição em eventuais subgrupos, demandas particulares com relação ao grupo de analistas, modalidades de pagamento. Os obs-
. tãculos à autogestão da experiência de
Análise Institucional revelam os Ji~itçs, que a Instituição impõe, as restrições que provêem da instituição. Em terceiro lugar, encontramos a regra da <livre expressão:.. Trata-se de restituir, de tra;~;er à tona, de mobilizar durante as sessões de Arálise Institucional o não-dito, os rumores, os segredos da organização, a origem social de seus membros. Os obstáculos, as impossibilidades a esta mobilização logo virão à tona e poderão se tornar evidentes. Esses obstáculos são analisados como reveladores da estrutura institucional e daquilo que chamamos o nãQsaber dentro das organizações. O não-saber no sentido do desconhecrdo, censurado, negado. Em quarto lugar, a elucidação da «transversalidade:., isto é, a dimensão onde encontramos o fato de se pertencer a outras categorias sociais; o fato de podermos identificar ideologias e outras particularidades que vêm negar o fato de se pertencer em comum a uma determinada organização. Por conseguinte, a alusão a estes grupos, a estas categorias sociais e a estas particularidades pode assumir um aspecto positivo ou negativo: o que se propõe, o que se quer dizer é que essas particularidades, essas referências atravessam a organização, eis que o sistema social global, a estrutura da sociedade dividida em classes se revelam, se manifestam na unidade micro-social que é a organização. Se a instituição é o que reproduz as relações soCiais dominantes no seio de uma organização ou de uma coletividade, a análise ·da dransversalidade:. terá que enfrentar resistências reveladoras das relações que os interessados mantêm com as instituições. Por conseguinte, podemos falar de <transferência institucionab, isto é, quando nos referimos aos sentimentos, às fantasias, aos desejos e às frustrações de .cada um para com a instituição. Em quinto lugar: elaboração da <contratransferência institucional:., ou seja, a análise das respostas que o grupo de analistas fornece. O sociólogo, o psicossoci61ogo, o psicólogo social têm normalmente muitas dificuldades em reconhecer as implicações de cada um para com o objeto estudado (implicações de ordem afetiva, política etc.). As resistências a esse reconhecimento fazem parte do objeto de conhecimento, de estudo. Estas resistências encontram-se no campo de análise. Em sexto lugar: a construção ou elucidação dos canalisadoresJ>. Por analisador en-
tende-se alguém que, através das contradições que este elemento introduz na lógica da organização, enuncia e revela as determinações a que está submetida a situação. Por exemplo: um subgrupo divergente, através de sua presença e através de seu discurso ou através de seus gestos e ações, provoca nos membros do grupo maior ou coletivo a necessidade de se exprimir, de se expressar ou silenciar certas coisas. Prosseguindo, o analisador é capaz de exercer pressões ou então repressões reveladoras das relações de poder flue se encontram ao nível institucional::f Finalmente, para concluir este parágrafo : o conceito de instituição não se limita a designar um modo de regulação externa aos indivíduos. Seu conteúdo é feito de articulações entre a a~ão histórica dos indivíduos, grupos, coletiVIdades, categorias sociais, sem esque, cer as normas sociais já existentes. Reconhecemos af um cuidado em estudar as formas constituintes e não-privilegiar as formas constituidas. Mas a dialética do constituinte e do constituído não se reduz a uma oposição entre normas e <condutas efervescentes» (Gurvitch), eis que as nor~as instituídas são produzidas pela história, constantemente modificadas pelas forças constituintes. Por outro lado, as condutas efervescentes não são puramente espontâneas: elas só podem se originar e se efetiva~ a partir do que já. existe, isto é, a partir das implicações .institucionais dos atores (R. Loureau, 1971b). A segunda aplicação ou campo de trabalho da Análise Institucional pode se identificar em trabalhos publicados recentemente. René Loureau (1971) escreveu· um texto intitulado A conw.na: um laboratório histórico. Também Georges Lapassade (1971) escreveu um artigo intitulado Um analisador hi$tórico, sobre o mesmo acontecimento (A' Comuna de Paris). Vimos portanto. a Análise Institucional abordar acontecimentos históricos, situações vividas atualmente ou registradas em documentos à disposição do analista. Em terceiro lugar, encontramos a possibilidade de uma reflexão sobre Ciências Humanas a partir de conceitos de Análise Institucional. A Análise Institucional neste caso se constituí numa metodologia capaz de criticar a produção proveniente das Ciências Humanas; t~ata-se de uma contribuição à teoria geral das ideologias. Os mecanismos da ideologia instituem, atribuem aos indivíduos .o lugar que lhes é destinado, dissimulando o fato de que se trata de uma instituiçãl>.
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A ideologia é assim vivida e tida como uma condição natural que as garantias cmplricas e especulativas fundamentam. A proposição geral sobre a qual se basearia uma teoria geral das ideologias é a de que toda ciência, qualquer que seja seu nível atual de desenvolvimento e s~u lugar na estrutura teórica, é produzida por um trahalho de mutação conceitual no interior de um campo conceitual ideológico com relação ao qual ela toma distância (T. Hcrbert, 1968). Neste sentido, qualquer ciência e principalmente ciência da ideologia da qual ela se destaca. Se qualquer ciência é ciência de uma ideologia, a ciencia das ideologias não pode escapar a esta lei. Seu obíctivo seria a teoria ideológica da ideologia. As Ciências Sociais no estado atual produzem esta teoria e aí está a grande <utilidade teórica~ no que diz respeito às Ciências Humanas. Proceder à Análise Institucional das Ciências Humanas significaria examinar a situação onde as Ci~ncias Humanas ocupam o lugar de um proccs.•;o que poderia ter se produzido e que elas censuraram c recalcaram. Assim constitt!iu-se. um arsenal teórico-prático de meio~ técnicos-políticos que se dão por objetivo responder a uma demanda proveniente da formação social existente e que visa adaptar-readaptar as relações sociais reais. Proceder à Análise Institucional das Ciências Humanas ~ignifica estabelecer a distinção, como fez Lévi-Strauss, entre qlei e regr~. Não confundir, portan1o, o préconsciente da regra · sintática imanente a um sistema fraseológico institucional dado com o inconsciente da lei estrutural que aciona as regras. Resulta dai qu'e a atribuição do lugar a alguém numa formação social qualquer está impregnada dos mecanismos da lei inconsciente, e não é a tomada de consciência das regras pré-conscientes q ue poderá liberá-lo de sua alienação social. Neste nlvel, a Análise lns:itucional seria um aprofundamento dos Instrumentos de análise macrossocial utilizando os mesmos instromentos de t rabalho com relação à abordagem analltica encontrada em instituições e organizações concretas.
O Situação da Análise Institucional com Relação à Pri tlca Psicológica
'A Análise Institucional su~deu a uma ,.abordagem que enfati~ava · o significado · eJI1.?Cional das organizações, instituições e
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grupos. Max Pagês representa bem aquele periodo quando 4iz: <os elementos condutores na vida dos grupos, como na vida dos índivlduos, são os sentimentos em parte desconhecidos (inconscientes). Estes sentimentos correspondem às angústias universais do homem (medo de humilhação, de castração, medo do abandono, da superproteção, de manipulação). Os grupos <!~:fendem-se frente a estas angústias mobilizando outras angústias, assim como a parti r de ·mecanismos gerais de defesa que tendem a impedir a expressão dos sentimen- · tos, inclusive a expressão individua l ou simbólica~.
Em outro texto acrescenta P ages : «A cooperação inconsciente na alienação e na identificação é o sinal de uma cooperação e de uma solidariedade inconscientes autênticas, profundas, que elas exprimem ao mesmo tempo que negam; a cooperação é uma atividade orientada que modifica a afetividade individual ligada ao encontro na qualidade de significação deste encontro~. Finalmente, assinala a função de defesa contida na relação de autoridade contra um sentimento coletivo atual, isto é, contra um desejo inconsciente de cooperação verdadeiramente experimentado pelos participantes de um grupo ou de uma organização. Escolhemos Max Pages para re-
. presentar este per fodo anterior à Análise Institucional porque ele leva às ultimas conseqüências seu modelo, com bastante seriedade científica, sem querer escamotear aspectos que eventualmente o exponham a críticas severas. De uma maneira provocante dirá: <as empresas industriais capí· ta listas servem ·de ocasião onde os homens procuram viver a experiência do a.mor, onde os homens fazem a experiência do sentimento amoroso. Digo, continua Max Pages, todos os membros da empN:sa: os funcionários, os operários, os chefes, os diretores. Naturalmente trata-se de uma experiência muitas vezes vivida no conflito:.. Não me refiro aqui, esclarece o autor, cà alegria do trabalho~ nem à qualquer ideologia do tipo <harmonia-nacooperação:. que cobre, não a experiência do amor, mas os meios . de que se vale a sociedade para se defender dos próprios receios. Pois bem, foi com essa abordagem do encontro e da cooperação inconsciente, autêntica e profunda que rompeu a Análise Institucional. MalÇ Pages percebeu a dificuldade em que se encontrava e na revista Arguments adiantou : cAs atitudes inconscientes de
unta sociedade deveriam ser abordadas a partir de comportamentos concretos, atividades, estr uturas sociais que as exprimem por um método análogo àquele empregado pela Antropologia, mas aqui aplicado diretamente ao conjunto de comportamentos concretos na medida em que se investigassem não somente os elementos permanentes mas também as variações instantâneas:r.. Contudo, a alusão que faz o autor às instituições e suas finalidades assim como () propósito de abordar a estrutura social conto portadora e veículo de expressão não é levada às últimas conseqüências. O aut or permanece preso às suas hipóteses de en~:ontrar o significado emocional profundo t.la vida dos grupos:.. Também a regra do ~aqui e agora:. foi ultrapassada em se tratando de Análise fn&titucional. A esse problema já se fez alusão no texto de Garcia (1071). Restringir o trabalho ao que se passa entre quatro paredes significa de~conhccer os antecedentes úe um grupo (a sua história), assim também as coisas que se situam no futuro (seu caráter prospectivo, suas fantasias com relação ao futuro). Por conseguinte, o anrcs c o depois do grupo consti tuem objeto tle análise, assim como o que se encontra fora da sak1, nos corredores, no organo:::rama, ·na organização, ' nas inscriç<ies que se encontram muitas vezes em lugares censurados (banheiros etc.). Todo esse material se constitui em objeto de estudo numa experiencia em Análise Institucional. Vale dizer que a Análise Institucional assim definida dá ênfase ao discurso enunciado pelos participantes em situação de grupo, acreditando-se que o referido discurso faz menção à instituição onde, ele, discurso, toma foros de significação. Leva-se em conta o discurso enunciado por outros departamentos, outros setores, outros parti-
~cipantes presentes na situação, ou simplesmente lembrados.
LJ A Universidade e o Saber çoroo forma de poder
Uma Instituição a Analisar O Discurso Pedagógico
O ato pedagógico que inspira e dá forma à situação de aprendizagem só pode ser entendido se relacionado com a instituição na qual está Inserido. Durante os últimos anos, demos ênfase ao método (,le e nsino e aos aspectos emocio-
nais presentes na situação de aprendizagem. Temos falado em grupo, em aprender em grupo, em grupo de discussão. Temos falado em relacionamento professor-aluno. Temos falado nas desvantagens da aula expositiva, notas atribuídas pelos próprios alunos, notas atribuídas pelo grupo. Neste caso, incluímos nossa atividade até o pon· to em que fizemos a revisão q ue nos serviu de ponto de partida para a redação deste capítulo. Es.-;a ênfase parece ter obscurecido, ter desconhecído um terceiro termo: isto é, o .~aber, a relação para com o saber, o saber instituído em suas formas universi tárias. Essa pedagogia inspirada em Relações Humana!l tem .esquecido o problema da instituição. Vale citar a influência que tem tido Carl Rogers, nesse momento. Bastaria citar seu texto On Becoming a Person. E em Rogers reconhecemos o inovador, o homem de intuições, mas em quem a estrutura social, as instituições não são levadas na devida consideração. Se o não-diretivismo é outra coisa que uma máscara ideológica ou ilusão, então não se define como uma transformação da relação particular professor-aluno (como se estes dois seres fossem duas essências universais) mas como uma transformação da relação que mantém o transmissor do saber (o professor) frente ao próprio saber, não em termos de conteúdo em Juta com outros conteúdos, mas na mcdid_a em que ele é institucionalmente produzido, conservado, transmitido, controlado, aplicado e sancionado (R. ·Lourau). Em Rogers, o não-diretivismo individual e social não contesta o diretivisino estrutural. cL'auto-formation non-directive n'est pas fondée sur l'auto-gestion de cette formation:t, dirá G. Lapassade. Quanto às utilizações das técnicas de grupo, gostaríamos de dizer que a pedagogia de grupo tende a autonomizar o grupo, esperando dele remédio para todos os males. Ora, o grupo só existe na medida e.m que ele responde a exigências da sociedade. Por outro lado, podemos dizer que o grupo é um fantasma, nele colocamos todos nossos desejos não satisfeitos, nossas frustrações. Em volta da mesa de reunião (dita mesa-redonda) acreditamos todos iguais. A mesa-redonda, como sabemos, é uma falácia Ela nega o problema do poder, que mais cedo ou mais tarde reaparece. Anzieu já havia fa lado na c:grupite~, doença que nos tem atacado nas últimas
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dé<:adas.. Fazemos reunião de grupo para tudo. Por outro lado, não queríamos aqui subestimar o grupo. O lugar de convergência e de atrontamento das exigências e das solicitações advindas da instituição vem a ser o grupo, mas sem por isso assumir poder mágico. Concluindo este parágrafo: o mediador na relação profellsor-aluno, segundo R. Lourau, parece ser o saber. Mas também neste caso a diferença de status, entre aquele que está encarregado de transmiti-lo e aquele que é encarregado de adquiri-lo, cria uma oposição que as técnicas liberais mal conseguem camuflar. Um outro capítulo dessa Análise Institucional do discurso pedagógico deve se referir aos exames, às notas. já lembramos a inovação liberal baseada na pedagogia de grupo que consiste em se pedir ao grupo que atribua uma nota a cada colega; ou ainda, que cada aluno estabeleça uma auto-avaliação. O liberal Carl Rogers já havia sentenciado: «We wou!d do away with examinations:t (Personal Thoughts on .fcaching and Learning), e mais: <T he implication would be that we would do away with grades and credits. People would get together if they wished to Jearn:t. O que este autor não disse é que a Análise Institucional do exame nos leva a crer que ele é uma instituição destinada a se~ lecionar, em função do saber, pessoas que tiveram chance de fazer estudos. Pelo titulo que ele (exame) confere, estabelece separações na sociedade em nome daquilo que justamente pretende estabelecer união: em nome do conhecimento. Diria que o exame reflete a função social do saber. "A Análise Institucional deve ser uma intervenção na prática do ato pedagógico. Poder-se-ia objetar que o pedagogo não é um Psicólogo Social - é verdade. Por~ tanto, a formação dos futuros pedagogos deveria fornecer os instrumentos . susceptlveis de serem utilizados na situação pedagógica. O professor não seria uma máquina de ensinar. A análise das condições reai!l de seu trabalho não pode ser deixada de lado sem acarretar um isolamento e um caráter de magia que envolve ~ada disciplina ensinada pelo professor. A msistêncla sobre o aspecto social e institucional do trabalho escolar restitui à Pe~gogia seu fim educativo, negligenciado pelas técnitas que visam sobretudo aqui-
stçao do conhecimento. A esse respeito, diria que o ensino programado, interessado na eficácia da aquisição, deixa de analisar as ra~ões pelas quais alguém opta por esta ou aquela . aquisição.
O A Aproprla4jio do Saber
Em primeiro lugar, não consideramos o saber como um conjunto de conhecimento acumulado que o professor detém e procuraria difundir através de técnicas mais ou menos dinâmicas a quem até então estaria privado deste saber. No entanto, reconhecemos que há um tipo de conhecimento constituído cuja transmis.c;ão parece em contradição com nosso discurso pedagógico. Por outro lado, sabemos que todo e qualquer saber é o resultado de uma pesquisa. Contudo, essa pesquisa é o privilégio de alguns que são os criadores do saber. A pesquisa é reservada a uma minoria. E então segue-se a conclusão: n quantidade de conhecimento sendo enorme, s ua difusão é uma tarefa prioritária. E está justificada a rep11rtição entre aqueles que criam o saber e devem transmiti-lo e aqueles que devem memorizá-lo. A distribuição do saber pode, evidentemente, se resumir a uma questão de embalagem e entrega. Esse procedimento satisfaz algumas vezes o estudante que, desta maneira, vê sua exigência neutralizada. Outras vezes, e com ·freqüência, o eshidioso permanece insatisfeito. Pois que, de fato, n.ão . era o saber que ele pedia, mas o poder que está relacionado com (pelo menos assim c.rêem os que o pedem) o sa· ber. Essa distribuição do saber neutraliza aquele que vem à escola na sua função de solicitador, no seti papel de quem faz exigências, mas não o constitui em pesquisador-criador. Encontrar simplesmente caminhos já percorridos significa privar-se de espaço para a criatividade.
O A Reforma · UniversiUirla
A Reforma Universitária ora em curso no Brasil se apresenta em mais de um sentido como modernizante. E' de se acreditar que a Reforma encontre resistência por parte da Universidade na medida em' que ela, Reforma, implica até certo ponto: em declinio da Universidade, pelo menos se temos em mente o modelo antigo que t em presidido à organiutção e à susten-
tação das estruturas universitárias. Temos visto o Ministério da Educação Nacional desejoso de levar mais longe os objetivos da Reforma, frente à timidez ou hesitação do nosso ambiente universitário. Acresce que· a Universidade ainda representa para muitos o exercício do poder a que se fez alusão no texto. Ora, abalar este poder significa pôr em questão um certo número de privilégios. Um caso ti· pico vem a ser a licenciatura de curta duração que obriga a uma redefinição e reorganização do campo das Ciências tal como ele se apresenta na Universidade Brasileira. Por outro lado penso que a noção de sistema não basta na abordagem do contexto universitário. o <produlo:t (assim chamado), encontrado no final da cadeia de produção, não é tão bem definido como no caso de uma fabricação em série. Fala-se que o produto vem a ser em alguns \:asos o chamem culto:~>. E nada menos sistêmico do que o c:homem culto:t. Este vem a ser uma mistura de c:desejo:t, aventura intelectual, resposta a uma demanda do mercado, lugar· onde sopitam as mais variadas ambições. Quando se fala em produto, em se· tratando de uma empresa, o Departamento de Produção sabe muito bem de que se trata. O produto (objeto, bem de consumo, matéria-prima) pesa de seu peso obietivo na balança da instituição. No caso do <homem culto:t, o produto tem conotações imaginárias, responde muitas vezes ao plano do simbólico, ou tjl)
vez da utopia. Mas a reforma é modernizante. Ela o é na medida em que aciona dispositivos por vezes para-universitários a fim de suprir ·a falta de flexibilidade em atender uma demanda que se faz evidente no atual estágio de desenvolvimento do pais. Finalmente, como não poderia deixar de ser, a Reforma prepara, estrutura um novo arranjo no jogo de forças presentes na atual conjuntura brasileira. Em que sentido vai se inclinar a balança? Creio ~ecessário ·colocar a pergunta, não para mvalidar a Reforma, mas num sentido prospectivo, já que o sistema (se sistema e_xiste) muda constantemente; já que o desltno de uma Reforma é ser reformulada por uma nova Reforma. Somente um acompanhamento cuidadoso do que vai acontecendo enquanto a Refofma se implanta poderá nos dar elementos que respondam ã pergunta feita há pouco. Se alguém for simplesmente contra a Refor-
ma então não poderá perceber o desloca.mento do poder proveniente da própria Reforma - eis que uma visão sectária impede um dimensionamento da situação. Se alguém idealiza a Reforma, fetichiza seus marcos referenciais, suas proposiçõeschaves (por exemplo: não duplicidade de ccadeiras:. ou unidades de ensino na Universidade), não poderá perceber a quota de irracionalidade presente em todo sistema. Para finalizar, diria que o <produto:~>, «o homem culto•, não é nem adaptativo, deste modo nem sempre ele cassociates or identifies himself readily with the larger organizational of which he forms a par!:t, como parece pensar james Buchanan (1965) - nem tampouco o <produto:t é <an individual utility-maximizer:t - alternativa _que se oferece ao mesmo Buchanan quando ele recorre ao modelo econômico clássico. Nem adaptativo, nem c:utility-maximer:t, o «produto:~> só conhece cpntradições. Não c dizer que ele oscila misteriosamente de um pólo (adaptativo) a outro pólo (c:utifitymaximizer,.). O «produto• fabrica - isto sim - projetos não só no nível do desejo mas também no nível da produção social. Não há distinção especial a estabelecer entre a produção social da realidade e a produção desejante em t ermos de fa ntasmas, no sentido freudiano do termo. A produção social vem a ser simplesmente a produção de desejo sob determinadas condições. A libido não tem necessidade de mediação, nem de sublimação, nem de transformação especial para investi r o campo social (Deleuze e Ouattarl, 1972). Nós deliramos o campo social, assim como o campo social invade nossos projetos mais recônditos. E que não se venha pedir à Psicologia aquilo que a Economia não pode dar, eis que ela atinge o seu !.imite -parece ser a posição de Mancur (1968): cWhere non-rational or irrational behavior is the basis for a lobby, it would perhaps be better tu tum to Psychology or Social Psychology than to Economics form a relevan( Theory:.. O fracasso da Psicologia (Ciência da adaptação) é tão grande quanto a falsa modéstia da Economia diante do problema aqui citado e pressentido por Mancur, assim como por Buchanan. Para abordar um campo onde a Psicologia se formou, iniciou sua construção como ciência, vamos abordar o problema da doença mental, para verificarmos o limite da Psicologia. Este limite está inscrito na própria constituição da ciência psicológica.
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0 Um Hospital Psiqul,trlco
Em um trabalho que tivemos ocasião de conduzir, num hospital Psiquiátrico, adotamos estratégia que procurava equilibrar participação dos médicos, pessoal funcionário administrativo e demais componentes da equipe psiquiátrica, e burocracia, isto é estabelecimentos de regulamentos, redaçÍio de ofícios, decisões de diretor. Semptc que possível, as. atividades de p~r!icipação nos da~·am p1stas para a defimçao da política administrativa. Na época lastimamos que a burocracia seguisse com muita dificuldade a evolução do significado que tem a instituição vivida no nível do grupo. Haveria, pois, sempre esta possibilidade do envelhecimento do significante (nível da instituição) com relação ao significado (nível da vida do grupo). No referido hospital, por mais de uma vez, pensou-se em criar dispositivos que assegurassem de uma mane.ira permanente o que se procurava atingir com o · trabalho de Análise Institucional; algumas sugestões levantadas diziam respeito a: 1) direção colegiada, 2) grupo de assessores situado entre a direção e o pessoal técnico, 3) reuniões de caráter permissivo com ou sem a presença do diretor. Nenhuma dessas SO· luções foi tentada de uma maneira sistemática. De fato, nenhuma delas resolveria o problema ou responderia à pergunta que inquietava a todos nós, psicólogos, psiquiatras, direção do hospital, funcionários, analistas. Este problema, esta pergunta diz respeito à angústia que experimentamos quando vemos uma insti tuição, um· grupo, ou ainda uma palavra perderem seu sen· tido, passarem a ser denominados por outro nome. Ao que parece, isso nos traz grande insegurança, pois estaria ameaçada nossa própria identidade. Principalmente se essa mudança ·se faz longe de nossa própria experiência, ~ esta se realiza (Contra nÓS). Com este comentário ficamos a meio do caminho. A angústia de que se fala no comentário anterior parece solta no espaço, sem nenhuma conotação institucional, sem nenhum vínculo sócio-econômico. Vamos pois levar mais adiante nossa reflexão. Nossa deficiência nessa época consistiu em não relacionar burócracia e participação como faces de uma mesma superficie. Essa separação entre burocracia e participação, em se tratando de um hospital psiquiátT ico, tem gerado expcriblcias que vamos ordenar, fazendo alusão a três tipos.
Num primeiro tipo teríamos as experiências que consistem em separar no hospital ( no tempo e no espaço) zonas de psico1erapia onde prevalecem relações afetivas pes--· soais, de zonas de organização administrativa onde prevalecem relações puramente formais. Um segundo tipo inclui modificações na organização formal do hospital. De uma maneira ainda isolada ~o atingidas (sempre que possível analisadas) as atitudes individuais, ao mesmo tempo em que se procurava vencer a resistência suscitada pelas mudanças introduzidas. Provavelmente, nesse segundo tipo estaria incluído o traball1o que realizamos no Hospital, notadamente quando dissemos que nosso trn·balho estava orientado por um movimento de balança entre partiripaçáu e burocracia. Hoje, j á passado algum tem- , po, podemos dizer que se tratava de ve~ccr resistências (quando conduzíamos atividades de participação tipo Grupo T .) suscitadas pela nova orientação que partia da burocracia. Esta orientação dizia respeito à renovação do quadro do hospital (quando os médicos antigos deixaram o hospital enquanto os novos se instalavam); exigência de maior rigor quanto à formação dos jovens estagiários; introdução de novos especialistas entre o pessoal do hospital, tais como psicólogos, profe.ssoras, praxiterapcutas. Mesmo quando pensavamos acompanhar de perto a evolução da instituição hospitalar para atualizar regulamentos mesmo neste caso, tinhamos em mente um' esquema de separação dos dois aspectos aqui abordados. Vamos defini r o terceiro tipo, caracterizando as~im o trabalho de Análise Institucional realizado em hospitais psiquiátricos. As experiências do terceiro tipo visam modificar simultaneamente a estrutura do poder e as atitudes. Esse tipo fundamenta-se no postulado de que não existe separação rígida entre fenOmenos coletivos e individuais, entre comportamentos e moda!idades de pensamento que inspiram ações e relações entre as pessoas. Assim é que consideramos pouco útil conduzirmos experi~ncla do tipo Orupo T. isoladamente, sem inseri-la na instituição de onde provêm os participantes, sem pOr em pauta a própria organização. As experiências definidas como fazendo parte do tipo três, inspiram-se largamente em conceitos e procedimentos elaborados a partir do pen~amento freudiano. Esse processo de análise visa nfio os sintomas individuais, mas a significação institucional que eles t raduzem. A evolução das
atitudes e das relações interpessoais acom7 panha a modificação das estruturas aqu1 definidas como sistemas de repres_entações simbólicas e de sentimentos coletivos dete rminantes na vida da instituição. A noção de estrutura social por nós propugnada admite que mecanismos de defesa designam tanto fenômenos S?ciai~ como fenômenos individuais. Adm1te tgualme.nte que tais mecanismps obse_rva~lo~ _em dt~erentes níveis - indivíduo, mst1tu1~ao, SOCiedade - estão em est reito relacJOnament~ ~ se reforçam mutuamente. A esse respettt) vale lembrar hipótese de f rantz. ~anon, psiquiatra que trabalhou na Argella durante a guerra de libertação, segundo _a quat· a maior parte das doenças ~enta1s tratadas no hospital não eram sc~ao aspectos (já aumentados) das relaç~ ~dais vigentes no tempo da dom1naçao francesa em outras palavras a relação colonizado~-colonizado. Para André ~evy . (que tomamos como orientação para ~~~cuttrmos 0 problema das estruturas. so:_1a1S . e . de suas relações com as mohvaçoes indiVIduais) não poderiamos afirmar que as estruturas sociais são determinadas pelos ~entimentos coletivos e atitudes _e que estes elementos constituem a reahdade fu~damental, ma~ que as atitudes ~ os se_nbmentos coletivos (muitas vezes mconSCI~ntemenie) estão ligados às representaçoes das estruturas.
objeto, ritual da circunstância, pri~il~gio do que fala: eis três tipos de pr01b1ção que se cruzam, se reforçam, formando uma grade complexa onde se encontra preso o doente menta~ e de onde ele tenta uma explicação com o fl!Undo (tutelad~ como poderia ele se mamfestar?) . O dtscurso, aparentemente, parece pouco, .~a~ desde logo percebemos que as prmb1çues que a ele se referem são relacionada~ com o poder e o desejo (tutelado quer dtzer despojado do poder político; i_ntcrnado qu~r dizer privado, longe do ObJ.eto do deseJO - o hospital onde trabalhe! era um hospital só para mulheres).
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0 o Paradoxo Transparece ... o Discurso da Instituição ... O
Minha hipótese é a seguinte:_ suponh~ que em toda sociedade a produc;ao do discurso (da fala, da expressão) . é . co~trolada, selecionada, organizada e red1strtbUJda . através de um certo número de procedm_rentos cjue tem por função afastar os pengos c controlar as ameaças. Numa sociedade como a nossa, conhecemos perfeitamente a exduáão - que é um dos exernpl_os dos mais evidentes quanto aos procedtmentos acima aludidos (interna~ento de pacientes). Nem mesmo a comunidade tera~utica foi capaz de encaminhar o _problema: ela liberou o doente mental e mternou a doença mental. Próximo à exçlusão temos um outro procedimento, bastante comum, que é a proibição. Sabemos perfeitamente que não temos direito de dizer tudo, que não podemos falar de tudo, em qualquer lugar. que, enfim, não é qualquer um que pode . falar a qualquer momento. Tabu do
O O Poder
0 movimento de Antipsiquiatr_i~ ati~ge nos-sas posições ideológicas tradtcto.nal.s. Colocando em questão u status atn?ul_do. pe!a sociedade à cloucurn:., a AntípSIQUtatna contesta a concepção ~on~er~a_?ora ~ue tu.ndamenta a criação de mStltwçoes alienantes, abalando assim os fundamentos sobre os quais repousa a prática médica e o poder médico. (Só tive noticia de um caso d.e violência física por parte do _pessoal psiquiátrico, foi quando uma pac1~nte . desrespeitou a autoridade de um médico, fechando-o numa sala de secretaria, c<?nser~ando a chave consigo. Invertia-se a Sltuaç~o : o mMico queria sair, a paciente não. deJXa~a. A chave estava com ela. A bnncade1ra acabou mal para a paciente). O Con.gresso de Psiquiatria realizado e~ Araxa ensinou-nos algo extremamente mter~ssan~e: as escalas de avaliação, os questio~ár1.os nos mostram uma tendência entre ~qu!atras no sentido de uma menor ace1taçao, no final do Congresso, em relação à Comunidade Terapêutica (tema do Congresso). A equipe que conduziu os trabal~os de avaliação aventou hipótese nos segumtes termos: o Congresso de Araxâ colocava os psiquiatras, à medida . q_ue ~s discussões progrediam, frente à Jttunênct~ de uma prática de Comunidade Terapêut~ca cada vez mais extensa, cad~ v.ez matS efetiva. Ora, Comunidade Te.rapeutica quer dizer para o psiquiatra, assim como para a instituição psiquiátrica de ~m m~o. g~ral nova repartição de papéiS, redtStnbaJcã~ de poder. Não é fácil para qualquer um de nós desistir de . uma parte da liderança exer cida, renunciar ao exercido do poder ao qual estamos habituados.. P ortanto, a iminencia de uma Comunidade
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16 Terapêutica provocou entre os colegas psiquiatras um recuo na aceitação desta mo-. dalidade de relacionamento com o doente mental, pela percepção clara ou não que tiveram da situação. O mesmo raciocínio poderíamos utilizar para entender o entusiasmo crescente, no caso (maior no final do Congresso do que no inicio), demonstrado por psicólogos com relação à idéia de Comunidade Terapêutica.
O O Doente Mental Ausente / Presente
Laing e Cooper nos mostraram que a doença mental (a loucura) não existe cem!> um individuo; trata-se de um rótulo imposto por um outro. Pa ra falar a verdade, nos defrontamos com uma situação onde o que há para ser ouvido é a maneira como a palavra alienada se encontra presa nas malhas de uma palavra alienante. Nos dizeres da Antipsiquiatria, a loucura não é jamais a falha contingente, nem a soma das fragilidades de um organismo; ela é, pelo contrário, a possibilidade permanente de uma falha sempre presente. (0 doente foi o grande ausente no t rabalho que conduzimos no hospital a que nos referimos). Nada nos autoriza a dizer que a doença mental seja um insulto à liberdade, como pretendem os psiquiatras liberais e liberalizantes; ela ~ a fiel companheira do homem, ela segue e acompanha os movimentos do homem. O ser humano não pode ser compreendido sem a doença menial, sem a loucura. (Não é a Psicologia que detém a verdade sobre a loucura, e s im o contrário). O doente mental é, portanto, examinado na portaria pelo médico de plantão. Freqüentemente é levado por famili ares que querem se ver livre dele, ou pela policia, no caso de hospitais para indigentes, que assim decide internar o c:loucot . Em seguida, é encaminhado para uma enfermaria onde vai aguardar os exames cllnicos complementares. Depois, deverá se submeter ao tratamento indicado. E não se fala mais nisto. Ele está presente. Mas faz-se o posslvel para não se falar nele. No dia primeiro de Maio de 1968 participei de experiência extremamente interessante no Hospital onde aprendi o pouco que aqui relato. Esta nova experiência intitulou-se c:Reunião Comunitária de Hospitab e consistiu num intercâmbio de papéis. Durante vinte e quatro horas, cada um doa médi-
cos, cada um dos funcionários, cada um ocupou um papel diferente daquele de que se via incumbido habitualmente. Comentário à margem, no meu diário de expe-riência: · cE' uma pena que os doentes não tivessem sido incluídos, pois só então teríamos atingido o centro da questão,. Tínhamos a impressão, na época, de estar revirando completamente o hospital, vasculhando intei ramente suas estruturas, sua rotina. Que todos sairiam daquela <Reunião Comunitária:. com outra visão dos problemas, munidos de tolerância para com as imperfeições do sistema, dispostos a progredirem na aprendizagem do trato com a doença mental. Pois nada disso aconteceu.' Ou pouco, muito pouco. De fato, alguma coisa deve ter acontecido. Pois o vácuo não perdura. Assim, , a jovem equipe, obíeto de · trabalho de Análise Institucional na época, ocupa hoje postos de direção de hóspitais, lugares de destaque nas associações cientificas e profissionais, consultórios de cliéntela particular. Houve um deslocamento da região onde se processava o conflito, mas os termos do conflito continuaram os mesmos. Antes do trabalho de Análise Institucional havia defasagem entre um grupo jovem e um grupo mais antigo. O antigo retirou-se, deixando lugar aos mais jovens. Os mais jovens passaram a viver conflitos que muito têm a ver com a parte censurada da Instituição e que jamais foi abordada. O processo de exclusão continuou sendo o procedimento por excelência, mesmo em se t ratando da relação frente ao saber. Onde residiria o impasse dessa investigação que não é capaz de nos dar condições para nos apropriarmos do saber, do conhecimento como meio de ultrapassar as contradições?
O O Saber, o Conhecimento
A\?andonando os procedimentos cientlficos, faremos surgir um campo de onde o saber poderá ser interrogado num contexto diferente. O abalo introduzido pela Antipsiquiatria na instituição onde estão internados os loucos, coloca a loucura em situação de ser percebida de uma maneira diferente e o psiquiatra a repensar sua própria relação frente ao saber. O que a Antipsiquiatria procura preservar, como numa Psicanálise, é uma forma de saber que nunca é dado, e que se revela na linguagem do paciente, como se fosse um acon-
tecimento que se repete e que se revela nas falhas, nos lapsos, nos trocadilhos, nos esquecimentos contidos no discurso. Ela procura criar condiçOes para que o discurso da loucura venha a ser enunciado sem restrições. A Antipsiquiatria não conhece o veredicto, isto é, ela não utiliza o .-dossier,, a pasta, a qual se é de alguma utilidade, que freqüentemente serve para tornar mais difícil a apreensão dinâmica de uma situação (a do paciente). A crença do público no que está escrito pelo doutor, pelo psicólogo em se tratando de testes, é um dos aspectos que orienta a entrevista com ( l paciente, para o estabelecimento de um veredicto. E' a família que pede esse veredicto. Ora, poderíamos dizer que é mais do lado da . família do que do lado do paciente que há alguma coisa a ser deslindada, elucidada. Em reunião de grupo no cXIII arrondissemenb de Paris (onde
se levou a efeito a experiência mais extensa de Psiquiatria setorizada) foi respondido a um pai que relatava o caso de seu filho para saber se ele (o filho) era ou não louco: c:Se ele ~ louco, não sabemos, mas que a família X está louca, tudo nos leva a crer,. Que tipo de Ciência seria praticada nessa instituição que seria o hospitaJ psiquiátrico, tal como nós o conhecemos? Poderse-ia dizer como Melman (1967): <O campo da Psicopatologia até Freud caracteriza:se por uma certa aridez; nele encontramos noções tomadas por empréstimo a filósofos e ideólogos que constituem o velho fundo comum das idéias numa comunidade; seu caráter patente de inadequação com relação ao objeto a que se destina (ou que tem em mira} o sintoma, nunca impediu uma aplicação e uma prática que é a da Psiquiatriu.
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QUANDO OCORRE ANÁLISE INSTITUCIONAL
Existe Análise -Institucional quando estão reunidas as seguintes operações:
I. Anâlise da Demanda: que compreende a demanda oficial formulada pelos responsáveis, e a demanda implicita que se encontra atrás da demaoda oficial.
2. Autogestio: ~ o grupo cliente que decide sobre horário, número, espaço entre reuniões, pagamento dos analistas etc.
3. Regra de liv~-expresslio: durante a análise, o não-dito, os rumores, os segredos da organização, a origem socíal dos. par-
ticípantes serão 4'trazidos à tona>. Os obstáculos a esse deslocamento do <não-dito>, são analisados como reveladores da estrutura institucional e daquilo que é o «não-saber> no interior das organizações. cNão-saber> no sentido do desconhecido, censurado e negado dentro da instituição.
4. Elucidações da transversaUdade: a divisão da macro-estrutura social em classes, ideologias e outras particularidades reflete-se no microssistema que é a organização, impedindo o <pertencer em comum:. a uma determinada instituição pelos seus membros. A análise da transversalidade enfrentará resistências reveladoras das relações dos interessados para com o microssistema, e aqui falaremos da <transferência institucional> que é o conjunto de desejos, frustrações de cada um para com a instituição.
5. Elaboração da Cootratransferência Institucional: é a análise das respostas que o grupo fornece. As dificuldades de reconhe-
cer as implicações de ordem afetiva, polítiCa etc., para com o objeto estudado existem, e as resistências a este reconhecimento estão também no campo de Análise.
6. Construção ou elucidação dos analisado· res: analisador é aquele que, através de contradições introduzidas na lógica da organização, enuncia e revela as determinações que se escondem na lógica da situação. Existe o analisador natural, que é exemplificado pelo <grupo divergente:., o qual - pelo seu discurso, presença, gestos ou ações - provoca nos outros membros a necessidade de expressar ou silenciar certas coisas. Ele exerce pressões ou repressões no sentido de revelar as relações de poder que se encontram ao nível Institucional. As outras operações mencionadas acima constituem os analisadores construidos para desempenhar um papel no dispositivo analítico da intervenção. Dispositivo este que é o analisador experimental de base,
OS TRÊS NÍVEIS , DA ANALISE E A MUDANÇA
Como distinguir a cdimensão institucíonab nas situações de formação e de intervenção?
A. As Estruturas
Tomemos como exemplo os Seminários de formação - aliás, foi justamente nestes seminários que começamos nossas pesquisas institucionais. A análise dos seminários de dinâmica de grupo leva-nos a descobrir uma dupla articulação do reprimido, que podemos enunciar da seguinte forma:
I) A ênfase que é dada à análise do grupo por si .mesmo (Grupo T, grupo centrado sobre SJ mesmo etc.), quaisquer que sejam os princípios desta análise (Jewlniana freudiana, rogeriana), fa~ surgir um certo material analisável, que deve ser analisado. Mas, ao mesmo tempo, esta análise pode
ocultar as questões colocadas pelo nlvel· que chamaremos agora de organização da formação. • ·
2) A organização da formação, no momento em que for analisada, deverá ser «ultrapassada>, para ser compreendida, pela análise da instituição da formação (o campo institucional, isto é, a instituição da relação entre o saber e o não-saber etc.). Temos, portanto, três nivels de análise, que devem ser trabti/hados:
a) o grupo; b) a organização; c) a instituição.
A tendência que encontramos com maior freqüência entre os formadores é a de se prender ao primeiro nlveJ, o nfvel do gru-po; às vezes, mesmo o nivel especifico do grupo é ocultado pela análise psicológica
dos individuas que o compõem e de suas inter-relações (em Bethel, M. Pagês observou um certo abandono do nfvel do grupo em beneficio da psicologia dos indivíduos em grupo). ·
a) O nível do .grupo é aquele onde se passa, em primeiro lugar, a análise. O grupo é o conjunto de pessoas reunidas aqui e agora, com um monitor, para se dedicarem à atividade de formação.
b) O nível da organização diz respeito à gestão (esta palavra é tomada em seu sentido mais amplo de arranjos relacionados com a programação da sessão). Assim, o seminário de formação é organizado em função de certos objetivos que foram definidos previamente pelos formadores e que são em seguida propostos a seus clientes (os estagiários), que deverão alcançar es-tes objetivos; alguns meios são utilizados durante o seminário, como por exemplo, os grupos de evolução, as exposições, os intergrupos, os grupos comuns e as assembléias gerais. Chamaremos organização da jormaçãq esta disposição dos papéis e das atividades: a distribuição das tarefas, dos status e dos papéis (os formadores, os analistas, os conferencistas, os estagiários) utilizados no sentido de alcançar os objetivos da forma. ção (atividades de auto-análise do grupo, exposições, horários, programas etc.). Ora; na prática tradicional de estágios e semin,ários de formação, nunca se faz uma análiSe do aqui-e-agora em termos deste nlvel organizacional. Não são examinadas com maior profundidade as relações entre os indivíduos que estão sendo formados e a <organização> que produz o estágio, que distribui as circulares, que toma nota das inscrições, que paga os honorários dos animadores, que planeja as atividades anuais. Esta organização dos seminários é, freqüentemente, um grupo profissional privado de psicólogos. Geralmente; o nível organizacional é deixado na sombra. Não é abordado mais profundamente um problema que poderia ser assim enunciado: de que maneira são organizadas as <Associações de Psico-so. ciólogos> especialistas. em formação (e em intervenções)? E ainda: de acordo com que princípios, no interior destas organiza. ções, foi organizado este estágio, este se· minário do qual atualmente somos os <participantes»? De que maneira, enfim, vivemos esta organização - seus horlirios,
seus programas para os estágios, que escapam ao <não-diretivísmo> relegado somente ao nlvel de grupo? Que poderiamos dizer do pagamento exigido para a participação?
c) O nivel da instituição aparece quando descobrimos que, para que a formação seja desenvolvida através de certas estruturas organizacionais, é preciso que exista: a) Uma certa divisão e quantificação do tempo social (o tempo dos relógios; o calendário; um determinado organismo de formação agricola só pode organizar seus estágios no inverno, em função do ritm0 dos trabalhos no campo e sua relação com as estações). Por exemplo, o tempo adotado na escola, que não é o tempo das fábricas nem o tempo da agricultura, que é mais próximo do primeiro que do segundo devido a certas razões históricas. Durante os seminários adota-se, como se ela fosse universal, uma divisão do tempo socialmente aceita, com normas bastante rígidas, e que são em seguida legitimadas pelos <racionalistas> pedagógicos ou psicanalíticos ... b) Uma divisão do saber, que faz uma distinção entre aquilo que pode ser descoberto através da própria experiência (e da auto-análise) e aquilo que deve ser trans-mitido; aquilo que, cdentro do campo da análise>, é pertinente a um certo <saber> sobre os grupos, e aquilo que não é pertinente. Da mesma maneira as disciplinas ensinadas nas escolas são cada vez mais separadas, apesar das tentativas que são feitas para <remendá-las> nas atividades chamadas cinterdlsciplinares>. c) Uma ligação, geralmente impllcita, entre o Saber e o Poder, isto é, o Saber dá o Poder sqciai, permite assumir certos cargos na divisão técnica e social do trabalho. Além disso, a separação das duas tend~ncias ( cas duas escolas:.) permite a reprodução da sociedade de classes. d) Uma referência à idéia bastante geral da escola defínida como um lugar coletivo de formação separado das outras práticas sociais. Sabemos, entretanto, que esta idéia de escola apareceu numa determinada época da história e que está ligada, fundamentalmente, ;o modo de produção capitalista, que universallza esta forma de transmissão (a cescola para todos:., a escola obrigatória). Esta escola serve de modelo estrutural para qualquer empreendimento que vise à formação. O não-diretivismo não modifica esta relação básica. •
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20 e) Uma relação de clientela, que é mais especifica, e que aparece quando um grupo profissional privado coloca seus serviços no mercado da formação. Esta forma ins-titucional está relacionada com a instituição do mercado na sociedade onde atua, dependente da instituição dos serviços (compra e venda, e também honorários); a profissão de formador sendo, então, definida como uma profissão liberal (como as profissões de psicólogo, de médico, de advogado ... ) . Uma relação em t ermos de dinheiro está ligada a esta relação de clientela «privada>: a formação é paga. (Quem paga é uma organização ou os próprios indivíduos). E este pagamento encontra seu lugar e seu sentido no interior de uma sociedade onde a moeda é o equivalente universal dentro do sistema de trocas: o dinheiro é também uma instituição. Tudo isto que foi enumerado acima, que podemos classificar como sendo de ordem institucional, só pode ser explicitado . e examinado através de uma análise. •
B. O Problema da Mudança
O substrato institucional age, portanto, implicitamente na formação. Ele constitui, também, o objeto da intervenção analltica nos grupos e organizações. Mas, mesmo neste caso, não podemos vê-lo diretamente: vemos que uma fábrica produz automóveis; não vemos tão diretamente que ela produz lucro e que reproduz o capital. Vemos que uma determinada organização é hierárquica. Não percebemos diretamente, entretanto, como e porque a sociedade é hierarquizada. E, sobretudo, não percebemos que tudo isto - o lucro, o capital, a hierarquia - não são fatos natura!s ~ ~ternos. Não percebemos que, se as .mst1fU1ções fossem transformadas, podenamos nos organizar de outra maneira, poderíamos mudar a organização da formação. Mas como mudar? Até aqui, estivemos restritos ao nível de uma an~lise estrutural dos grupos, das orgamzaçoes e das instituições. A partir de agora, e antes mesmo de abordar como faremos posteriormente, os problem~s teóricos da mudan~a institucional, façamos uma reflexão a respeito da questão da mudança que é possível dentro das práticas que acabamos de descrever.
a) O grupo: dizemos que ele <evolui~, produzindo, eventualmente, mudanças individuais nos participantes. Entretanto, há alguma coisa fundamental que não pode mudar dentro do <grupo de formaÇão:~>, e é justamente a relação de formação, pois que esta relação é instituída, ela significa a transversalidade da instituição dentro do grupo. E' por isso que a formulação do problema em termos de «relações pedagógicas:~> (ou de pslcopedagogia da relação) faz com que a instituição seja ·ocultada dentro do grupo. Esta formulação dissimula, através de uma mudança ilusória, aquilo que é fundamental: a transformação da relação de formação ao nlvel do grupo não pode se efetuar dentro do grupo.
b) Por isso, podemos tentar introduzir a mudança agindo ao nível da organização. E' neste nível que intervém a questão da autogestáo pedagógica. Quando propusemos, em 1962, tentar a autogestão de um estágio de formação, sem ter ainda percebido bem todas as implicações teóricas deste . projeto, nossa proposição foi recebida (ou mellior, mal recebida!) como um empreendimento irrealizável, uma utopia individual Um pouco mais tarde, quando a idéia de <a.utogestão:o, ou mesmo de .:co-gestão> de programas foi ace1ta na universidade, L. Althusser «demonstrou> que o não-saber não pode co-gerir o sa
·ber: de que maneira aqueles que ainda não sabem o que vão aprender um pouco mais tarde poderiam decidir, nesta condição .. de não-saber, o que é bom para eles? Maio de 68 varreu todos estes sofismas. Entretanto, na prática da . formação, são mantidas as formas tradicionais. Mas, com uma importante diferença: hoje, em 1972, são os próprios estagiários que às vezes se propõem a autogerir o estágio, ou seja, a organização da formação. Esta autogestão ass\lme então a forma de um contraprojeto organizacional e pedagógico. Não se trata de um debate puramente teórico, 9u de um <desvio ideológico:.. O <desvio:> é agora <organizacional:.. Tratase de uma contraproposta de organização. Entretanto, pode-se observar que, se ela é aceita, os novos organizadores tendem a reproduzir o que já existia, na organização institucional da formação. Interpretamos estas contradições dizendo que o peso do instituldo limita a inovação instituinte. Em outras palavras: agir sobre a organização . não é agir sobre as insti-
tuições que atravessam esta organização. Para mudar a organização, seria preciso jã começar a mudar no nível da instituição. As. intervenções nas organizações sociais parecem, às vezes, · atingir mais diretamente as instituições. Na realidade, a resistência . à mudança - que vai até a suspensão destas intervenções, ou sua anulação prática - se estabelece em dois níveis, que importa distinguir:
O um nível organizacional, onde atuam os mecanismo.s de burocratização. Com efeito, a teoria da burocratização é uma teoria basicamente organizacional (na linguagem de· Max Weber e, posteriormente, dos sociólogos). Ela se torna institucional quando a relacionamos com a teoria do modo de produção e das classes sociais.
O um nível institucional, que é aquele .da · formação social como um todo. já lembramos que a organização da produção dissimula a instituição da mais-valia. Mudar radicalmente a empresa não é somente mudar sua organização (a comunicação, a divisão de tarefas etc.). Trata-se, fundamentalmente, de mudar o que chamamos a forma que assume a produção e a reprodução das relações sociais - isto é, a instituição. (Aqui, no caso da empresa, a instituição das relações de produção, a venda da força de trabalho ele.). A análise da resisffnda à mudança (e, mais especificamente, das resistências à formação e à intervenção) deve se fazer de maneira diferente, conforme se refira aos níveis dos grupos, das organizações ou das
. instituições. •
Em um movimento social como o de maio de 1968, a cmudança:. visa abertamente as instituições. Por exemplo, a in.stituição universitária, e não somente a relação pedagógica, ou a organização do ensino, mas o aparelho universitário como tal, engajado, assim, num processo de destruição. Sabemos que a resposta consistiu em mudar somente a organização, não dos estudos, mas apenas da gestão dos estabelecimentos. Assim, a divisão instituída do saber não foi modificada, e nem poderia sê-lo, radicalmente, porque esta mudança implicaria uma desordem generalizada dos sistema, institucionais, ou seja, em linguagem mais clássica: uma revolução.
O Conclusão
Vimos que a reflexão crítica sobre as prãticas de . análise e de formação (produzidas pelo que chamamos de movimento psicossociológico) nos levou a marcar m~ lhor a especificidade dos trts niveis da análise, e a elaborar a teoria de suas interações. No final deste trabalho, torna-se evidente que estes níveis, ou cmomentos>, não se excluem mutuamente. Eles estão numa relação dialética. Mas, simultaneamente, torna-se· também evidente que, do grupo à organização e, em seguida, da organização à instituição; partimps do mais. vísivel em direção ao mais escondido, da aparência em direção· à «essência». O mais escondido é a instituição, lugar onde se encontra o inconsciente político, onde se cruzam as transversalídades sociais e aS instâncias do modo de produção. ·· ··
NOTAS
• Em 1962, fazlamos OJ'Osiçllo entre o grupo e a /nstltaíçáo,
· deixando d~ lado o elo representado pela organfza&lio. Dentro da noção de instltulçAo colocávamos, ao mesmo tempo, certos prol>lemas organizarionafs
. (organização material e pedagógica do seminqrío) e o campo especificamente ínstilucion~l. A relaç!o institulda por toda parte ~ntre o Saber c o não-saber. a exlst~ncia de lugares ~epnrados e Instituídos para a forma-:ão, Isto é, a instituição univer.sal d., escola, def;nem o campo fn&tituçiona l QlJe atravessa (tranaversa.UCiaiJe) ~s campos ou oJveJs
do grupo e da organiuçllo. • O nllo-<liretívismo não modili· ca e não podt modificar aquilo que chamamos at relar.õts Jrutflulda& dé formação. No máximo. e1e pode s,mboHzéu uma cont~stação às form as autorilarias que esta relação assume. O nJl,. .. dtretivismo te .... 1~ a nJ;lcorc~lzar a questlo institucional das reJur.õe& ae Jormaçllo, cuja tradução peicologizada. cst~"\ contida em fórmulas como, por exemplo, a das "relações pedagógicas'~. s Segundo Marx, a an6US-e só é nece~sárta quando se trata do que. está "*escondido": a expto·
raçlo lenda!, com os dlzln;tos e a corvéia, é diretamente v•:dvel e p81a ela nao há necusldade de análise. Entretanto, é necessária uma análise para ~or• nar clara a exptoraçlo c;op•l!lista, dlsslmulacla na produçao da mais-valia. • Cabe ainda articular a reta~ao dos trt~ niv~ls com: de um lado, a teoria do modo de produção; de outro, a teoria do cicscjo e da repressão. A arttcu:aç~o $e faz ao nivel das Instituições da sexuali~aae, da famíUa da separaçlo de- sexos c, por '01.1tro fado. 110 nlvel da orgaalzaçlo da prod11çlo.
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22 , ALGUNS CONCEITOS BASICOS
DA PEDAGOGIA INSTITUCIONAL
Instituição - Este termo pode ter dois sentidos: Como dado, a Instituição é um sistema de normas que estruturam um grupo social e regem sua vida ou seu funcionamento. Como ato, a Instituição pode significar o lugar de formação ou educação, como também o ato de instituir, de formar.
Instituição externa e Instituição interna -Toda instituição social se apresenta como um sistema de normas. A Escola é regida também por normas referentes à obrigação ~colar, horários, emprego do tempo, atiVIdades escolares, notas, freqüência etc. Por conseguinte o trabalho pedagógico do corpo docente, da diretoria e da administração se situa sempre num quadro institucional: a sala de aula, o departamento, a escola, a universidade, o ministério da educação. Entre estas instituições distinguimos: as externas e as internas.
Instituições externas - são estruturas pedagógicas exteriores à classe, ou à escola: o currículo mínimo, leis do ministério, regimentos que são impostos de fora e que determinam o funcionamento da escola.
Instituições internas - é o conjunto de técnicas institucionais ou educacionais que se pode utilizar na sala de aula ou na escola - como cargos, funções, horários, métodos, atividades educativas. Se a escola ou a sala de aula é uma instituição no sentido de que algo é instituído - é criada por leis externas e por elas mantidas - ela é também uma lnstit.uição no sentido de que pode fazer ou cr1ar suas instituições internas. Enquanto
insituição extr!rna, é organizada externamente pela administração burocrática. Como instituição interna ela é capaz de ·elaborar suas próprias instituições internas, ou de instituir. A escola ou a classe não é somente um lugar instituído; Ela pode ter também um caráter instifuinte. Neste sentido ela é dinâmica, porque é o lugar da aprendizagem institucional e uma ocasião para se fazer a experiência institucional.
Autogestão pedagógica: A mais corrente concepção de autogestão é dada pelas organizações sociais que a definem em termos econômicos e administrativos. Esta definição se situa no nível das estruturas de poder, das instituições no sentido jurídico e sociológico · do. termo. Em Psicologia SGcial o termo autógestão tem outras conotações: para o psicG-sociólogo a definição
. acima não é falsa, mas incompleta. A autogestão supõe outros elementos de ordem efetiva como desejos, motivações, aspectos culturais etc. A autogestão implica em que os grupos sociais desenvolvam suas próprias instituições internamente. A autogestão pedagógica é um sistema de educação no qual o mestre renuncia 4t transmitir uma mensagem. Os alunos, em n!vel da classe ou da escola, dentro dos limites da situaçào escolar atual, decidem a respeito dos métodos, das atividades es- · colares e dos programas de formação. Na pedagogia institucional ou autogestão pedagógica o mestre não é um transmissor de informações, mas analista do processo de aprendizagem ou perito à disposição da classe que deve encontrar e desenvolver suas instituições internas próprias. As fórmulas de autogestão pedagógica podem variar segundo as situações, as idades etc.
-INSTITUICOES, LINGUAGEM E DESEJO
Há algum tempo venho pensando nas relações entre língua e instituição. Não há razões para impedir a aproximação, já que a própria língua seria uma instituição. No entanto, quero aqui focalizar, de um lado, material colhido na prática de Análise Institucional, de outro, considerações de ordem teórica ao encaminhar uma reflexão sobre os efeitos determinados que tem a língua em se tratando de classes sociais. Recentemente, um comentário de Deleuze e Guattari (L'Anti-Oedipe, p. 246) me fez voltar ao assunto, agora de maneira mais clara. Já que os autores citados lembram: haveria lugar para mostrar que a dominação se exerce através e na transcendência do operador lingüístico. Acrescentam que Bernard Pautrat pretendeu estabelecer aproximação entre Nietzsche e Saussure (no livro Versions du soleil, fif?!lres et systeme de Nietzsche, ed. du Seuil, IQ71 ). Este autor observa que Nietzsche, contrariamente a Hegel, recon11ece através da língua as relações determinantes entre o senhor e o escravo. Assim não seria o trabalho, como pensou Hegel, o lugar de identificação das relações de dominação e servidão (dialética do senhor e do escravo). Haveria mesmo para Nietzsche uma língua dos senhores, por intennédio da qual a dominação se efetuaria. Poderíamos então dizer que a classe dominante atribui sentido às palavras e que a classe dominada aceita e se submete à significação atribuída aos termos. Ocorrem também callOs onde o sentido atribuido a uma palavra é modificado pela classe dominante. Só algum tempo mais tarde a . classe dominada vai tomar conhecimento da mudança. Até então, ela - classe dominada - estava apegada ao sentido antigo, fiel à tradição, rompida e espezinhada na prática ~cial. Reservamo-nos uma outra ocasião para exame de termos que elucidam o aspecto aqui levantado. · Mas (a linguà é uma faca de dois gumes: ela modela . a prática social, ao mesmo tempo em que é modelada por ela. Num trabalho de Análise Institucional, observando um grupo de discussão onde estavam ·presentes operários e psicólogos, pude fa-
zer a seguinte hipótese: a dificuldade de comunicação advém de um fator determinante ligado à utilização da lingua e ao seu funcionamento. Pareceu-me naquela ocasião que os operários se escondem, se protegem (não no sentido de defesa psicológica, pois esta noção só serve para encobrir os aspectos políticos envolvidos) por ocasião de um diálogo, de uma negGdação. Notem que emprego a palavra <negociação» para designar o tipo de conversa entre psicólogos (ou qualquer outro tipo de técnico trabalhando na empresa) e operários e funcionários. Trata-se de uma negociação onde as partes evitam um confronto direto, onde é preciso fazer o possível para evitar que uma parte ludibrie a outra etc. Nesse sentido têm razão os sociólogos da <análise do sistema,. quando encaram as relações no mundo do trabalho como correspondendo essencialmente a uma barganha. Mas sobre o assunto haveria muita coisa a dizer, e fica para outra vez. · Quanto à minha prática, quero dizer qu~ os psicólogos se iludem quando f fazem hipóteses sobre a empatia, a boa comunicação sobre a solução dos conflitos no mund~ do trabalho, sobre as <relações hu-manas,., sobre o camor universab etc. O • que vejo cada dia na prática das instituições pode assim ser resumido: A língua é um código, e não é a ~s~cologia que está interessada em descodlfJcála. Pelo contrário, a Psicologia, como prática associada ao sistema, estabelece um supercódigo, como um código do código, trazendo confusão para os interessados, isto é, os operários e os que vivem no mundo empresarial. No caso que pude observar, os psicólogos se esforçavam ou faziam o possível para que o grupo de operários adotasse um procedimento ana· litico onde as operações mentais seguissem um esquema ordenado na abordagem dos problemas. E', finalmente, o objetivo colimado por todos os métodos de treinamento na empresa (TWI, Training Group, En• trainement Mental, Administração por objetivos etc.). Só que todos eles desconhecem, ou fingem desconhecer, co pulo <lo
'24 gato> - o que vamos examinar dentro em breve. No caso que pude observar, os psicólogos propunham exercidos onde o procedimento de análise das situações de· veria seguir as seguintes etapas: 1) enume. rar, descrever as situações; 2) identificar diferentes aspectos presentes na situação; 3) fazer surgir as contradições eventual. mente presentes no grupo; 4) situar o per. sonagem no tempo e no espaço, isto é, buscar informações ou um enfoque mais amplo, documentado; 5) situar o acontecimento com relação à época e à região onde estávamos trabalhando; 6) busca de causas e conseqüências. Enfim, nada de mais congruente com o esforço de ver claro, de analisar situações, encaminhar soluções. T udo dentro do me· lhor racionalismo, devidamente condimentado com alguns laivos de dialética no t ratamento dos problemas. Não me demoro no exame das fases por que deve passar uma discussão, fases aconselhadas e identificadas por diferentes métodos em uso em diversas empresas, porque considero inútil tal empreendimento, T odos esses métodos se resumem numa seriação de operações mentais mais ou menos ordenadas por uma teoria da informação, ou tratamento de dados, sem nenhuma possibilidade de aplicação, sem nenhuma seriedade com relação aos objetivos a que eles se pro-
. põem. ~Recursos humanos~. ~relações humanas>, ~marketing,, «desenvolvimento de pessoab têm ·sido uma balela que as empresas pagam bem caro, e que mais dia menos dia poderá ser devidamente avaliada. Enfim, quero dizer que os meus psicólogos estavam reunidos com um grupo de operários e faziam o posslvel para que estes adotassem a grade de análise
· conhecida implicitamente ou não para identificação de problemas, e encaminhamento de soluções no mundo ocidental, cristão, cartesiano. Pois bem, os operários, sem nenhum defícit intelectual, faziam questão de demonstrar confusão no trato do pro·
· blema, passando de uma fase para outra, se_m nenhuma disciplina, sem nenhuma inclinação para a racionalidade. Convencime então de que se tratava de uma situação exemplar - e que daquele exemplo deveria partir para uma série de hipóteses. Percebi que havia um grupo de psicólogos
· em· frente a um grupo de operários, cada um com seu jargão, cada um com seus
. ·objetivos mais ou menos bem definidos · e que não seria a Psicologia das R-ela~ • ções Humanas que me ajudaria a com-
preender o que estava acontecendo. Conhecia bem aqueles homens e sabia que eles eram hábeis no trato com as máquinas às quais estavam habituados. Conhecia igualmente os preconceitos de toda ordem que imperavam no meio polltico-sOcial que eles formavam. Não havia outra solução senão ouvir cada palavra q ue cada grupo pronunciava (psicólogos e operários). Inicialmente, constatei que os psicólogos possuiam um número bem maior de palavras, um repertório bem mais elevado - entre parênteses, não tenho a menor dificuldade em falar em repertório. Pelo contrário, a proporção ~ de um para dez ou mais. Isto é, se um operário dispõe de 500 palavras, o ·psicólogo dispõe de cinco mil. Só este dado indica bem a desigualdade na repartição do dicionário (cada palavra podendo equivaler a um certo número. de cruzeiros, pode-se facilmente calcular o que representa a pessoa possltir 500 ou 5 000 termos no seu repertório).' Uma segunda constatação levou-me a considerar que os psicólogos enunciavam de preferência certas palavras, enquanto os operários tinham preferência por outras. Este tema também fica para outra ocasião, pois não estou de maneira alguma apressado em estabeleeer unta Semântica experimental que viesse corrobOrar o ponto de vista aqui levantado. Pelo contrário, até agora só me interessa o ~ruldo>, como diria o ciberneticlsta. Para dizer em poucas palavras, Interessa-me especialmente a inadequação da abordagem psicológica frente . ao problema encontrado nas relações no mundo do trabalho. Enfim, havia uma barreira, de nenhum modo imputável, à dificuldade cre comunicação habitualmente .conhecida por pesquisadores ou engenheiros de ~relações humanas>. E não será a bordagem do problema por aproximações mais ou menos astuciosas baseadas na <teoria do equilibrio~ (veja-se Heider, ou mesmo Festlnger e outros) que viria resolver o problema. Há, a meu ver, um ~ef~ ito:. de linguagem que determina as ' relações no mundo do trabalho. E, ao final de um treinamento, os termos que passam a ser empregados pelos operários ou funcionários de uma empresa representam aquele supercódigo (código do código) a que me referi acima, que vem tornar mais confusas as relações no mundo do trabalho. Enfim, uma forma de dominação, uma ilusão de que são vitimas aqueles que as empregam (psicólogos e homens de empresa).
Ainda com relação a este grupo, penso que o p&rticipante, operário ou funcionário tem dificuldade em falar sobre a própri~ situação. Assim, pelo que se disse nos parágrafos anteriores, não se pense que o operário tem domlnio da língua como ínst~umento à sua disposição; pelo contráno, ele está submetido a ela, na qualidade de modeladora da prática social e os significados que ele manipula não ~ão senão efeitos do significante. (Veja-se mais adiante parãgraro sobre o valor de uso c o valor de troca paralelamente às con· siderações sobre o significante e o significado). Lembrei, a propósito do grupo em questão, que na cllnica o paciente também se mostra em dificuldades para falar de si mesmo, malgrado a escuta atenta do psicanalista. Lembrei o comentário de Freud sobre seu cliente, conhecido na literatura psicanalítica como o ~homem das . ratazana.'»: cfoi alguém que se perdeu numa metáfora ... :., diz Freud. Não se trata de um comentário sobre o estilo do homem das ratuanas, ma.<> o que disse Freud vai aqui tomado ao pé da letra. Se um operário falasse, se ele fala a respeito de sua situação, tudo se passa como se ele se perdesse numa meUfora ... Por ?utro lado,. tem9s a dificulade que expenmenta o psicólogo em fazer interveoç~s. Como já disse, ·o operário diante do pstcólog~, que é um estranho a serviço d? patrao, se esconde numa linguagem d1ta <obstáculo à comunicação>. Agora vemos que também o psicólogo se esconde no seu tecnicismo, no seu jargão - e não há outro à sua disposição. Encontramos ai uma manifestação da divisão em clas-ses, a llngua sendo um veiculo dessa divisAo. A seu turno, sobre a llngua incidem os efeitos da divisão em classes.
E stARÍAMOS PJWPON~O . UMA Sóc!O-LII-1· gOistica? Não, pelo menos nos termos em que esta disciplina é conhecida. Assim, os autores assinalam o interesse em se estudar. a língua relacionada com o contexto ~ta_l, distinguindo uma macrossócio-lin;ihsh.ca de uma microssócio-lingiiistica. Pa-a nos, nem uma nem outra. Ambas des~onh~c~m os ~feitos a que está submetldo
Sujeito, aml:ias se restringem a um asrec~o dcscritivista. A primeira lida com Cnomcrt:.>,; ao nível das Jlnguas (por exem
f lo, quando uma língua é posta em conacto com outra por força de vi~inhanc;:a ou
de contacto de dois povos). Neste _caso,
encontramos os chamados <conflitos lin- . güísticoS», processos de substituição pau. 2 latina de uma llngua por outra, sltuaçOea de especialização, isto é, uma Jlngua que passa a ser unicamente colonial e familiar enquanto a outra guarda seu caráter ~ prestigio, falada na corte, nos negócios ou na produção literária. Quanto à microssócio-lingüistica, eJa se ocupa de fenômenos de bilingüismo ou de estudos em torno da língua matern'a. Gosta ríamos de evitar tanto uma quanto outra . perspectiva. Passar do grupo para o soctal-polítlco, do indivíduo para o cultural, e _vice-versa. Para isso, não me atrr necessan amente às palavras, mas identifJ.car as fontes de onde vêm os pedaçoS de frases, a.s alusões, as distorções, as idéias. Quero d1zer que o discurso produzido pelas inst ituições seria produto de outros d.iscursos. As frases já vêm feitas (tOdo mun. do sabe disso): As citações são impreci~s, mal escolhidas., o que enriquece mais amda o estudo ora em q uestão. A instituição fala de «Vestir a mesma camisa>, <remar no mesmo barco~, ca em.. presa tem que dar lucro~, cnão podeJD08 : olhar somente o lado humano, - a racio- · na !idade e a solidariedade são postas como. marco de referência a cada momento. · 1\ empresa lida com o valor de troca (atribuído à mercadoria), com o valor de- U90 quando pretende ser humanista· mas ela não admite ser chamada de jrra~ional. Em outras palavras, o valor simbólico ~ desconhecido, diria que ele é temido. No entanto, a presença de um especialista ent· <ambivalência~. alguém que lida constamemente com o valor simbólico, mostra beni que a empresa encerra alguma coisa que ~ constantemente negada, desconhecida. Do.r de a posição delicada ocupada pelo psi· cólogo na empresa, nas instituições de um modo geral, desde que ele não tenha sido promovido a chefe do pessoal, como é a lgumas vezes o caso. (Cada vez mais freqüente, ao que me foi dito!) Falar em ambivalência significa falar em improduti· vidade - e a empresa não admite reconhecer que não há improdutivos cem por cento, nem produtivos cem por cento. O merecimento é medido em função de ai· guma coisa que não existe, isto é, a produtividade associada à mercadoria, esta definida em tennos de valor de troca. O sistema está longe de funcionar tão bem, como se tudo corresse macio. .. Este aspecto é desconhecido pelos adeptos da canállse . de sistema:.. Ninguém tJerpnlul
com o valor simbólico, eis que ele só conhece o dom e o estupro. Assim ~ que fui levado a me interessar pela produtividade/improdutividade numa empresa. A imprOdutividade não ·se deixa facilmente identificar, ela escorre, elà se esvoi · entre nossas mãos. Ela serve de or.asião (sempre disfarçada) para veicular, expressar uma série de desejos, fantasmas quanto à · situação de trabalho. Como abor· dar tal situação? As formas de produção social, dizem Deleuze e Guattari, implicam numa posição improdutiva, um elemento de antiprodução, associádo · ao processo, de uma maneira máis ou menos inesperada ... Ora, ao que tudo indica, o sistema despótico vem a ser a fonte de antiprodução. Ao lado deste comentário, lembrar que a grande descoberta da Psicanálise foi a <produção do desejo>, a ~produção do Inconsciente:.. Faço questão (depois de Deleuze e Guattari) do termo produção para assinalar que há um aspecto máquina nessa história. O Inconsciente como produtor l! diferente · do l ntonsciente «teatro antigo:t, onde alguma coisa era representàda. O Inconsciente como produtor foi ocultado por um idealismo que passou a falar em representação, em vez -de unidade de produção. Sinto-me à vontade, t o caso de dizer, para falar em <produção:., ~unidades de produção:., já que iniciei o texto sob a invocação do mundo empresarial. . . A redescoberta do Inconsciente produtivo implica em:
1) Confrontação direta entre a produc;ão do desejo e a produção social, entre o sintoma e a ideologia (atenção clinica!);
2) Elucidação da repressão que a máquina social (seja ela qual for) exerce sobre as máquinas dê desejo, e a relação entre recalque e repressão.
El( iste, por conseguinte, um paralelo entre a: produção social e a produção do desejo. Em ambos os casos, uma instância de anti~rodução está sempre pronta a se apropriar das formas produtivas. Por outro lado, não há distinção a estabelecer entre a produção social da realidade e a produção do desejo em termos de fantasmas. A produção social (da empresa, por exemplo) vem a ser simplesmente a produç~o de desejo sob determinadas condições. DIzemos que o campo social é percorrido pelo desejo, e que ele, campo social, vem a set úm p roduto historicamente determinado
nessa situação. A libido não tem necessi· dade de mediação, nem de sublimação, . nem de transformação especial para investir as forças produtivas e as relações de produção. Além disso, .as formas as mais re. pressivas, as mais mortíferas da repressão social, são produzidas pelo desejo. Somente dentro desta abordagem, vejo urria salda para as aplicações sem fim ·(e que cheiram a charlatanismo) levadas atê o mundo do trabalho pelas ciC:ncias humanas.
o OBJETIVO OA ANÁLISE I NSiiTUC;ONAL seria o desenvestimento da.s estrutljras repressivas. O objeto do desejo sendo o próprio real, não nos parece necessário admitir a existência de uma forma particular, denominada por alguns crealidade psíquica>, distinta da ordem das coisas. A resistência à Análise Institucional revela uma forma de defesa do sistema que insiste em n:io se mostrar disposto a declarar sua improdutividade. A abordagem do problema em termos do imaginário dá ao~ interessados a impressão de que alguma coi~a se salva nesse ambiente de improdutividade. Nesse sentido a Administração seria o lugar por excelência onde se mani· festa o campo do imaginário. As iniciativas do setor administrativo são sempre eivadas dessa ilusão que alguma coisa é recuperada, alguma disfunção é corrigida. O administrador é especialista da produção imaginária. Ela lida com o que. não pode existir: Donde o lugar especial que o setor administrativo ocupa no organograma ou · nas relações entre dife'rentes serviços. Ao administrador cabe, em tese, o apoio às unidades de produç.ão. No entanto, todos conhecemos o desprestigio que envolve qualquer intervenção do ·setor ad· ministrativo. O setor de produção póde a qualquer momento lembrar a prioridade de que ele goza, eis que sua produção é real. Só ele é capaz de justificar a empresa. E, no entanto, tambl!m o setor de produção é improoutivo. AI encontramos, da mesma forma, os recursos bem conhe· cidos, tais como <operação tartaruga:., «di· ficuldade de comunicação:., «direitos de antiguidade>, critmo controlado pelos operários:. etc. Nem o cronômetro, nem cme· didas de tempo e métodos:. são capazes de eliminar a inércia do sistema. Os programas de incentivo à criatividade, ~as caixinhas de sugestões:. se encaminham para uma situação de ineficiência que só não ~
percebida . P.elo administrador. Eis que a este cabt: 'j!dministrar a ineficiência ... Por éonsegui.nte, o tema prÕdutividadejimprodutividade; para ser abordado com algum~ . po.ssíbili~ade de elucidação, terá que adm1hr co1_1cettos que dizem respeito à produção áo desejo, à repressão com re la· ção a esta ·. produção. Já encontramos empresas que atribuem aos operários a autogestão de ·sua produção, cabendo a cada
um ~a determin~ção de seu ritm.o cje producao, a orgamzaçáo de seus ml!todos' &: trabalho, a ordenação de seus temp<>S inor.:· tps. .. E' um recurso do administrador a o abordar o probl~ma do desejo e da prO- · dução. do del!eio. Resta abordar essa nova mo~ahdad~ de relação que a instância; anbpr~uhva estabelece com as forças produhvas. ·
NOTA
1 As ~tatlstlcas são dos mt· lhorcs lexitógraros da Europa: um !tomem comum dispõe por volta de 300 palavras, enquanto uot cientista pe$guisaclor tem em seu rtpertórfo 30.000 palavras.
PRÁTICA TEÓRICA, , PRATICA INSTITUCIONAL
E' muito conhecida a análise que Freud fez do pequeno Hans. E' a primeira análrsc de uma criança e possibilitará multas. aberturas para o posteri9r desenvolvimento dn Psicanálise adulta e infantil. Mais do que isto, é o grande modelo para se pensar a criança psicanaliticamente. Freud só viu Hans ocasionalmente. Quem lhe relatou o problema do menino foi seu pai, que era analisando de Freud. O pai era quem t razia os fatos e os comentários do filho. • Para c~rar Hans, Mannoni 1 · most.ra como F~eud Introduziu um mito que deveria ~exJlhcar:. a Hans seu ciúme edipico e que este elaborou atê que perdeu o ~edo de ser castrado. E' às suas idéia.s sobre a an~lise Infantil freudiana que iremos se• S:utr aqui. ·
Preud era analista do pai de Hans. Não só. por isto, mas' pelos relatos de que o Pat era portador, Hans e ele se lig-aram profundamente, ·num plano imaginário a Freud. O interesse de Hans pelas muÍhe. re~ de sua casa será deslocado para as mulheres da casa de Freud. A mãe de
Hans é afastada do processo psicanali,tico e se dedicará apenas à sua filha, tomando uma amiga intima como confidente; enquanto Hans terá na sua empregada da-. méstica o substituto da figura feminina (<falando> com ela sobre os assuntos sexuais).
~No discurso, que se processa de Freud a Hans, há um cent.ro para o qual convergem os fantasmas de todos os adultos (os país de Hans e f reud), em que Hans f! o representante do desejo do adulto (do desejo do pai de Hans por Freud e do interesse teórico que seu 'caso' representa para as pesquisas de Freud); é apenas pela seqüência dos fatos, forjando seu próprio instrumento de cura, seus mitos, que ele consegue a própria independência. A mãe, infelizmente, respondeu no plano da realidade por um 'abandono' à indepen· dência de Hans:.. • Assim Freud se introduziu na vida do casal, satisfazendo às fantasias de Hans. cOra, na análise do pequeno Hans, Preud separava claramente o lugar ocupado pela criança no fantasma maternal (a mãe, re--
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jeitando na realidade o filho - e em ~ guida todos os homens - marcava a sua impossibilidade de renunciar ao objeto ima~ ginário que constitula para ela o seu filho enquanto· substituto fálíco), . Hans é assim o suporte do problema sexual d.e seus pais, revelável à medida do desvelamento dos fundamentos de sua angústia fóbica (daquilo que produziu os sintomas). As articulações de Hans lhe serão manifestadas não por sua relação ao real, mas pelo ultrapassamento e refazimento do lugar onde elas se estruturam: as dificuldades de seus pais. <A aparição da doença de Hans, pode considerar-se como a aparição daquilo que está errado nos pais. Não se podia, pois, cuidar de Hans sem abalar todo um edifício,. Mannoni marca dois nlveis da atividade psicanalítica, mas só se dá conta e a rticula o primeiro deles.
J• - freud, o analista real, concreto, particular, professor Freud de Viena, se introduz nas fantasias dO!'; pais de Hans na medida em que elas (as fantasias) são uma trama unida à de seu filho. Mannonl acredita que Preud conseguiu introduzir os elementos míticos («multo antes de você nascer... eu sabiu etc.) adequados para a condução do drama edlpico de Hans, mas que não pOde prever que com isto aju~ daria a deslindar a trama parenta!, para a qual não propOs nenhuma elaboração. Ela elabora a atividade de produção teó• rica psicanalítica, as questões que suscita a lógica teórica da Psicanálise.
2' - Freud é a teoria que ele produz; mas na medida em que elaborando o desejo de Hans ele interfere no desejo dos pais, ele não é apenas (conj) quer Mannoni) um teórico que não pôde observar completamente os efeitos que causou, mas se torna em atividade de re-produção do desejo, seu lugar rejencial instituldo. Não se trata somente do fato de que Preud elabora a verdade do casal (mesmo quando ele não sabe que o está fazendo, como afirma Mannoni) , mas que o casal encontra na elaboração sua verdade, uma referência concretamente articulatória. A própria Mannoni conta que a mãe de Hans tomou uma mulher inculta como confidente; mas a fala em eco com essa confidente tem o lugar demarcado de camigu ou <companheira~. Enquanto. o lugar social de Freud é de um saber com torça de lei e não representação de uma verdade objetivamente dita (dessas que se ouvem também dos amigos e confidentes):
Desde que é expressa, a verdade só toma seu lugar quando é produzida em dois níveis insepardveis: um, teórico, objeto de análise epistemológica; outro, mítico-prático, objeto de análise institucional.
A palavra de Freud - para Hans e para seus outros maravilhosos «casos~ - não é apenas uma verdade teórica, mas uma verdade teoricamente produzida no contex
. to de uma prática social. Por isto ela é também sua textura institucional.
NOTAS
• MANHONI, Maud. A crit~~tça, aua "doença" • os outro~. Trad. bnslleira. Zahar Editores, ~o 11111. • ldtm, p. 15.
D &QUERELAS
A noite de loucuras
O caixão Lapassade entre nós
Escolar Sobre a "Atuação" Textos
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A NOITE DE LOUCURAS
A cidade do Rio era varrida pelos ventos do temporal. A chuva eaía, os trovões ressoavam anunciando a água que invadia o andar térreo do ve lho Hospital. Acima, nas enfermarias, os doentes gritavam ameaçados pela momentânea ausência da luz. No Hospital de loucos, a escuridão e a tempestade embalavam a nau dos insensatos. Estávamos no térreo ocupando a sala de aula de um dos professores médicos que lecionam psiquiatria para os estudantesmédicos estagiários. foram os estudantes da f aculdade privada que conseguiram .a boa vontade dos médicos do velho Hospital para que naquele dia ali o professor francês, da Universidade de Paris, psicossociólogo com nove livros publicados, proferisse conferência sobre o tema <A antipsiquiatriu. Esta boa vontade foi devida á recusa da Faculdade Particular em aprovar o convite feito por uma turma de estudantes a O. Lapassade, alegando que não sendo este professor francês um terapeuta, jamais poderia falar sobre terapia ... Desta maneira a ideologia <do profissionalismo:. preserva o mercado de trabalho dos profissionais contra quaisquer inovações, estranhas ou <:estrangeiras:.. . . Todos podem prosperar imunes à critica ou ao questionamento, pois, de dentro, o profissional jamais sairá do discurso instituído que lhe rende a sua subsistência pequeno-burguesa ou mesmo burguesa, no caso das grandes clinicas e dos velhos profissionais. Mas se a Faculdade privada é uma escola cprofissionab que forma profissionais, que
não deseja ver questionado o que se en· sina, pra quem e pra que, pois se está pensando em investimento, o velho Hospital é uma instituição do Estado que <não visa lucros:o>. Portanto ele teve a boa vontade de nos admitir, mesmo sob o impacto da fúria de Xangô e Iansã, deuses dos raios e das tempestades, deuses da lei e da justiça, que preveniam com seu algúrio que no velho Hospital havia gente da Quimbanda, da contra-ordem, da contracultura, gente ligada a Exu. O professor gordo aguardava o inkio da solenidade. Fez-se uma roda e se aguardava que o professor francês tomasse a palavra e iniciasse a explanação de suas idéias que iriam ser ansiosamente recusadas ou admitidas como uma possibilidade de se formar mais uma escola: a antipsiquiatria. Não se sabe se foram os t.rovões ou a tem· pestade que deixaram o professor mudo. E quem começou a falar foi Chico, estudante de Belo Horizonte que falou de sua bissexualidade, ou homossexualidade. Chico disse que sofria um tipo de repressão social específica como homossexual, que em termos psicossociais sua libertação só seria possível num nível psicopolitlco de atuação, isto é, nos moldes do (Gay Powen. O professor gordo e a estudante de voz suave indagaram sobre quem o reprimia como homossexual, que grupo de pessoas ... ' Chico respondeu que era o sistema social em que vivia. E o movimento politico dos Homossexuais concretizava uma possibilida· de de libertação específica de sua repres-
são especifica eoquanto minoria .social reprimida. O professor gord9 retr.ucou que esta perseguição ao homossexual era imaginária, e que na medida que ele se assumisse como tal ele seria livre. Chico disse ·que de fato a assunção era importante mas íl existência de estruturas de comportamento social objetivas eram a razão da repressão ... O professor gordo mais uma vez disse que na verdade é o perseguido que cria o perseguidor, e que na medida em que se comporta como perseguido, lógico que irão ,;urgir perseguidores; e disse: vejam o caso dos judeus. Nisto, Chaim, que é judeu, cortou sua palavra dizendo ser seu exemplo bastante infeliz posto que a morte de 6 milhões de judeus pelo Estado nazista era uma realidade que jamais poderia ser equacionadn nos termos em que se estava propondo. Como se o fato de se -~:assumir t'nquanto judeu,. bastasse pra arrefecer a ideologia racista e a fúria repressiva da conjuntura social da Alemanha das décadas de 30 e 40. As luzes se apagaram e a água penetrava na sala; numa tentativa de Xangô intervir na sessão que continuava apesar de tudo com o fogo das velas trazidas pelos ser,·entes do Hospital. Sem saber, aquele servente negro trabalhava para Exu, trazendo o fogo, símbolo da Quimbanda, contra a ãgua, símbolo da Umbanda. Com o fogo de Exu a sessão continuou ... Alguns médicos se levantaram pra (atender:. os loucos, que gritavam sofrendo a irradiação da Quimbanda, que simboliul a libertação de todos os desejos contra a Umbanda, que simboliza a camisa de força da repressão .. . Falava~se agora da atuação dos médicos no interior daquele velho Hospital Psiquiátrico .. . A estudante dizia que as pessoas vêm <lá de fora:. sofrendo a doença mental, e ali encontram os médicos abnegados para retnoverem seu sofrimento, no Hospital não há repressão e ... O professor francês sugeriu que ela, que tinha uma voz tão suave, porque agora não falava um pouco de sua bunda ... Naquele momento foram declarados os termos da sessão, mais uma vez, Umbanda ~:ontra Quimbanda. Protestos gerais. . . não estamos num grupo terapêutico, estamos numa aula, numa conferência ...
- fale . alguma coisa, é preciso ter o 31 conferencista, quem · quer ·ser Q conferen-cista, quem quer ser o professor, estamos numa conferên~la, estamos numa aula, quem é o professor ... , não somos um grupo em terapia, . isto é ~ma conferência, onde está o conferencista, onde está o profe~~or. . . pra que fale de Larng · e Cooper, de Mannoni, mas que fale, que faça conferência ... As águas embalavam a nau sem rumo ... Todos com os pés pra cima, o fogo da vela mantinha acesas as discussões. - O que significa o jaleco, é preciso estabelecer e semiologia de um Hospital. O jaleco é o significado do lugar de médico na Instituição hospitalar. Quem é médico detém um saber que está institucionalizado, isto é, possui um lugar na hierarquia da Instituição. Sua palavra é única, é ela quem decide sobre os doentes, os que devem tomar eletrochoques ou cardiazol, tomar remédios ou fazer lobotomia ... A palavra do médico não é só um saber mas também um poder. No âmbito da instituição hospitalar ela é lei.. . O poder de XangO. - Sofrendo as irradiações de Iansã, a estudante de voz suave transformava-se na mãe terrível e castradora: Quem são vocês que invadem a nossa casa, sem saber do nosso trabalho; saibam que não trabalhamos por dinheiro e sim por amor. - Acho que o <amou aqui pode também significar investimento de sua força ~e trabalho, pois este estágio valoriza sua formação profissional, além de dar margem a que você vivencie o (status:. de médico no Interior da instituição. Dentre todos os funcionários, sem dúvida, são os médicos aqueles que detêm o maior poder na instituição. Neste instante os serventes procuravam puxar a água com os rodos, mas foram impedidos pelos médicos. Mais uma vez Exu tentava secar a água de XangO e lansã, e botar mais fogo na sessão. Se o «saber,. detém o poder, o cnlio saber> é a submissão, o trabalho manual era desrespeitado, só seria passado o. rodo quando a aristocracia do saber ass1m determinasse ... Um estudante: sinto-me a mesma pessoa com jaleco ou sem jaleco, só o uso porque o regulamento me obriga .. . - O regulamento, a organização da dominação, o estabelecimento ela hierarquia autoritária, a buroc.racia impessoal, que co-. loca cada um como a mesma pessoa nos
lugares da dominação ou da submissio ... O professor gordo olhou o relógio e encerrou a aula. No entanto, aqueles que quisessem continuar poderiam permanecer - era a voz da Instituição. A luz voltava, os doentes dormiam e sonhavam sonhos insensatos, a chuva parava, a água baixava . . . Era a paz de Xangõ . • . O professor se retirava com os estudantes de jaleco branco e vozes suaves ... Todavia, se saem os Orixàs, o terreiro é dos Exus ... O professor francês perguntava ao médico negro por que os negros sul-americanos recusaram-se nas Olimpíadas a unirem-se aos seus irmãos dos E.U.A. e da Africa afirmando a negritude através das saudações do black power e outras manifestações características. O médico negro começava a falar, sofria. a forte influencia de Exu, os demais médicos que ainda restavam zelando pela lei de Xangô demonstraram bastante preocupação. - Na América do Sul os negros não têm o acesso á informação que tem nos outros continentes. Isto em boa parte impede que eles possam compreender a sua real situação . .. E Exu fazia mais uma provocação: Fale como você enquanto negro vivenda a sua situação de médico aqui no interior deste hospitaL -Bem ... Uma estudante-médica: - seria bom que Chico falasse de sua experiência de homossexual, ou que Chaím falasse de an-
tipsiquiat ria, ou que Lapassade, ou Marco Aurélio, ou ... Um estudante-médico: bem, não podemos mais contin uar porque os doentes precisam dormir. - Mas como, os doentes já não estão dormindo, são 22,30 h? - Não há uma outra sala, um outr o lo- · cal? - Não, retrucou o estudante-médico : vocês devem ir agora. Não podemos continuar ... - Então é a instituição que se sente ameaçada. - Absolutamente, são pessoas que precisam dormir ... Os quimbandeiros iam sendo empurrados pelos corredores. fazia-se o despacho de Exu ... - Vocês nos expulsam, estão com raiva da gente ... - Sim, disse o estudante-médico, vocês só trazem o ódio, a violência, a agressividade.. . e os doentes precisam dormir. Na rua seguimos o caminho das encruzilhadas, rlndo como Exus que revelam o o que está por detrás da voz suave de XangÔ, lansã, Oxum, Oxalá e Ogum. Por detrás da lei de Oxalá, o bem, está a repressão disfarçada. E Exu foi mais uma vez expulso do terreiro, mas rindo, rindo de não poder mais, da raiva dos Orixás ... Deixamos o velho ·Hospital, agora ~ <doentes> poderiam dormir o csono dos jus--tos> .. .- · Quá, quá, quá .. ,
CONCLUSlO
O que aconteceu no Hospital nesta noite foi o que eu chamaria de uma <análise institucional selvagem~.
Não houve uma demanda, mas foi cedida uma sala de aula para que fosse feita uma conferência sobre antlpsiquiatria.
O fato analisador inicial, a declaração de Chico como homossexual, foi rapidamente r ecuperado pelo grupo, que admite o homossexualismo, não se preocupando com sua regeneração heterossexual. Todavia o que se constituiu como fato analisador e que permitiu o desencadeamento de um processo de sócio-análise, foi o fato do posto de conferencista nlio ter
sido preenchido. A palavra rodava de boca em boca sem que nenhuma autoridade pudesse controlâ-la. E se a palavra social se liberta, ela é capaz das piores revelações.
Não foi à toa que Sócrates, o liberador da palavra social por excelência, foi assassinado, e que a partir dai a palavra social no Ocidente está sempre sob o controle· das autoridades institucionais, as academias platônicas, onde por ser filósofo, é preciso ser 'parte integrante da instituição, ser geômetra. O controle da palavra já tinha sido expressamente colocado pela diretoria da Faculdade Particular. O velho Hospital deu a oportunidade liberal dela
se desenvolver. Mas não suportou a sua liberação real. A angústia do professor e dos médicos, autoridades detentoras da palavra no interior da instituição (saber como poder) era de que a autoridade do conferencis-ta não era preenclúda. Neste ponto - saber como poder -, médico-doentes e funcionários subalternos, professor-alunos e funcionários subalternos são relações homólogas. A palavra solta e questionadora era amea-
ça constante. Outro fato a nallsador que contribuiu para o encerramento da sessão foi o problema da negritude no Brasil, e especificamente como ela ia ser falada no interior do Hospital. Neste momento de liberação da palavr~ louca, contranormal, os médicos se mobi~ zaram para nos enfiarem na camisa da normalidade . .. Enfim, foi uma sessão de antipsiquiatria . ..
O CAIXÃO-A intervenção numa Escola de Comunicação
A intervenção na Escola de Comunicação (E. C.) começou na terça-feira, 8 de agosto de 1972. A intervenção fora inicia !mente solicitada pelo diretor da Escola, e o mediador desta reunião foi um professor de Sociologia (vamos chamá-lo de R.), da mesma Escola, membro da nossa· equipe úe analistas.
l. A primeira reunião realizou-se no dia 8 de agosto, à noite (a Escola funciona à noite). Uma parte dos alunos da Escola reuniu-se, como para um curso numa sala (Om alguns professores. No in~io, aoresen-: !amos um resumo da intervenção na FUMO, até que alguém fez uma intervenção para declarar que tudo aquilo cansava o público, e não lhe dizia respeito diretamente. A segunda fase da reunião, bastante lon~a. encaminhava-se para um beco sem saida, até o momento em que uma aluna assin~lou um problema· de material: não há na Escola o material suficiente para possihili tar a prática das técnicas da comunicação. A partir daí começou a tercei ra fase, onde foi possivel centrar o dehate sobre o sequinte tema de intervenção: ~udar a «instituição~. para esta Escola l>rgnifica mudar o meio da comun1caç.'io: Que até então permanece um melo eseo· la_r. Reformou-se a Pedago~ia (dizem-se na~-diretívistns, fazem freqüentes a~sembleras gerais com os alunos); mas isto se f~z num meio que é a escola tradici•mal; srmnlcsmente trocam-se um pouco mais de men"'!lfl:ens criticas, a partir dos cont,.itctos atuais dos meios. ~ bem que o problema
não seja somente de autogestão formal para esta Escola, mas de práxis: praticar os meios, para mudá-los. Criticar os meios rtão significa criticar, mudar as mensagens. Diria, pelo contrário, que é mudar este meio, esta Escola, transformando-a numa oficina de comunicação. No fim desta primeira reunião, propus que no dia seguinte trouxéssemos cachaça, violões e que preparássemos um happening : que fizéssemos alguma coisa, que tentássemos comunicar de alguma outra maneira, isto é, mudar o meio.
2. No outro dia, os participantes vieram sem violões e sem cachaça. Mas S. trouxe revistas, cola e t esouras. Como fora previsto , na véspera, dividimo-nos em pequenos grupos de discussão, que se reuniram nas salas d·e aula (entre 20 e 21 h), para escutar os relatórios das comissões e discuti-los. Enquanto se fazia o trabalho das comissões (que corresponde à primeira fa-se no nosso esquema), o diretor da Escola me convidou para visitar os novos locais (ainda em acabamento) onde a Escola deve se instalar dentro de alguns dias. Já estava pronta uma grande sala de aula: carteiras alinhadas da forma tradicional, como numa sala de espetáculos; a mesa do professor, embora sem estrado, colorada à frente, estilo «conferência:.. Propus então ao Diretor que desde aquela noite a reunião dos g rupos, prevista para 21 h, fosse realizada nos novos locais. Talvez perd~s.~emos, com a mudança, alguns participantes; mas ganharíamos a pos.-
33
34 sibilidade de simbolizar a ocas1ao de uma mudança da Instituição, a partir desta mudança real na sua base material. Como se fôssemos começar tudo de novo ... No fim desta assembléia geral, sem ter ouvido os relatórios de todas as cinco comissões (apenas três os apresentaram), propus uma atividade de colagem, que se costuma fazer fora da sala de aula, onde encontrei inscrições em grafita como: ceu não tenho meios de mudar esta Escola-. . Antes que nos separássemos, por volta das 22,30 h, · propus que, a partir do dia seguinte, em vez de continuar este r itual verbal da Análise Institucional e do Balanço - pequenos grupos seguidos de uma reunião geral - começaríamos o trabalho do semestre: que fizéssemos a tarefa, mas solicitando a todos, alunos e professores, para redigirmos em conjunto o novo programa (deixariamos de lado o programa preparado pela direção), para fixarmos os horários etc.
3. Terceiro dia da . intervenção. Reunião às 20,15 h no novo prédio. Não havia comissão de trabalho: todo mundo se reuniu na sala onde se havia realizado, na véspera, a assembléia geral dos grupos. O secretário-geral me disse, antes de entrar: <Venha, eu arrumei as cadeiras em circulo, separando-as umas das outras e acendi uma vela no meio da sala-.. Com efeito, havia no centro, sobre cinco banquinhos, uma espécie de altar ou catafalco, com uma vela acesa. As pessoas chegaram, se Instalaram, e também se instalou um silêncio. Um longo silêncio. R. começou a afixar nas paredes as colagens que ele havia preparado. O jornal da Escola, intitulado cO Outro,, começa a circular. Nele o analista é criticado vivamente, assim como a Análise Institucional. Reina, todavia, um profundo silêncio. Em seguida, entra um grupo carregando um caixão de papelão com alguns ramos de árvores. O caixão é colocado no meio da sala, sobre os banquinhos. A vela continua acesa. Começam então a circular alguns cartazes, com alusões diretas ao analista, com desenhos mosirando um gesto de dedos que aqui alude à homossexualidade. Um professor da Escola, B., começa então uma longa intervenção; ataca o analista, isto ó, o francês que não compreende nossos problemas, nossas tradições. R. (sabemos que ele é professor na E. C. e, ao mesmo tempo, membro de nossa equipe de analistas) responde violentamen·
te a B., acrescentando que fala na qualidade de professor, e não como analista. De minha parte, faço então uma inte.rvenção para dizer que a morte está no centro, é o tema desta reunião da noite, não so.. mente a morte na análise, como se diz corriqueiramente, mas a morte na cultura brasileira, a morte na macumba, a morte no <Bordel Andalou». (Era como se eu assistisse, dois anos depois de minha estada no Rio, no meu enterro aqui, ern Belo tlorizonte. No final de meu relato sobre minha experiência no Rio, dizia que a morte entrava no meu quarto. Eis que o meu relato continua. Esta parte eu não comunico aos participantes) . Digo somente que escrevi um livro sobre minha obsessão da ~orte no Brasil. falo, agora e um pouco mais tarde, do desejo de morte, de me matarem aqui, agora, da violência e de Thanatos. E' o contrário de tudo que se fala em termos de rogeriãnismo ... Quanto à homossexualidade, viva o culto dos pretos, das mulheres e dos ·homossexuais.
Outras intervenções são feitas; uma delas, polêmica, é feita pelo Diretor para responder aos meus comentários. No final, o Diretor anuncia que «vamos voltar amanhã para fazer juntos o programa do semestre e o jornal, colocando o materia l (no caso o mimeógrafo) no meio da sala . .. ~ E.', afinal de contas, o mesmo <programa.. de mudança que eu havia proposto. Volto a colocar a questão da nossa presença enquanto analistas. O Diretor responde que vamos continuar. Os estudantes, alguns influenciados por idéias não-diretivistas, parecem aceitar este programa, da mesma forma corn que eles t eriam aceitado o inverso: que começássemos com estruturas definidas anteriormente, com um programa já feíto e um horário fixado. Durante toda esta sessão, os alunos permaneceram calados. Somente falaram o Diretor, os professores e nós, analistas, vindos do setor de Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais.
4. O quarto dia. Na parte da manhã, discussão na sala de Psicologia Social. Falamos da noite de ontem. Respondo a algumas perguntas. Uma delas diz respeito ao inicio • e uma intervenção. Tratava-se de saber se seria preferlvel começar por uma investigação preliminar para prever, se possível, os confl itos, para conhe(;er os dados do problema. Respondo que, com efeito, classicamente, ~ assim que procede-
mos, c foi assim que procedi, durante um mês, em Montréal. E digo: aqui não tenho tempo de passar por esta primeira fase exploratória. Com efeito, invento, talvez, um modelo mais ativo, dramatizando a intervenção. A segunda pergunta: se, depois de minha partida, a autogestão de estabelecimentos de ensino, como a FUMO e a Escola de Comunicação, poderia continuar. Respondo que isto depende daqueles que lá t rabaJhnm, e que somente eles, alguns presentes aqui nesta reunião, podem responder. E eles respondem que será possível, com efeito, continuar até um certo ponto. (Devo precisar que para nós, analistas, a autogestão funciona como um analisador construido para chegarmos à análise, para praticarmos a intervenção. Para eles, os atores sociais desta autogestão, é bem diferente) . falamos, igualmente, do simbólico, do ritual da morte e do enterro. A noi te, a intervenção continua. Sexta-feira à noite, quarta sessão na E. C.: estava previsto, em princípio, desde a véspera, que o <trabalho . da escola-., isto é, as aulas, começaria hoje. Na entrada do novo prédio - cuja instalação está agora um pouco mais adiantada -há uma lista de temas para as comissões: comissão do jornal, comissão do D. A., comissão do programa e uma última comissão onde, de uma maneira irrisória, estava escrita a palavra <livre-.. Este plano tinha sido elaborado pela manhã, por seis pessoas, cujos nomes estavam indicados num comunicado mimeografado e distribuído. Quem são elas? Não sei, não o saberei nunca, provavelmente. A dificuldade lingüística me impede de ter uma visão completa da situação e de controlá-la .. Aqueles que trabalham comigo não est ão preparados para este tlpo de trabalho de análise, de procurar identificar o fato significativo. Por volta das 20,30 h, as comissões se reúnem em salas separadas. Não assisto a essas reuniões. Permaneço com um estudante de Sociologia, . na entrada da Escola, e vejo passar todo!! aquel~s Que vão embora, depois de uma «voltinha» pelas salas onde estão reunidos lllais ou menos 30 estudantes (sobre um total de 120 inscritos na E. C.). Além destes estudantes, um ou dois professores (que eu não conheço bem) vieram Para a reunião, mas não participaram dos trabalhos. Não pretendo tomar a iniciativa de reunir uma assembléia geral esta noite,
mas desejo que alguém (ou um grupo) 0 faça. Um movimento começa a se an~,Utciar neste sentido, fazendo entender que ter~ mos uma AO. R. toma a iniciativa e a a~sembléia começa por volta das 22 h. Numerosos no principio, os participantes vão pouco a pouco deixando a · sala en. quanto discutimos com dois ou três · ~embros do D.A. Na volta, dentro do carro, R. está bastante irritado. Para mim, trata-se de umà reacão de insegurança. Dizia ele: para que sen·e esta reunião de <análise:.? Para que <discutir> com dois ou três membros do D.A.? . Quanto a mim, não compreendia bem o que se passava, a não ser o abandono por parte dos participantes ... Hoje de manhã, sábado, 9,45 h, espero em casa de N. os outros participantes convidados para a reunião do Setor de Psicologia Social. Somos dois, somente. A reunião· do Setor está prevista para 9 h. Sábado, 2 de agosto. Reflexões sobre a regra fundamental (Belo Horizonte). A intervenção me interessa mais, · atualmente, do que a autogestão. O que· me importa aqui, neste momento, é o conhecimento (por exemplo, sua relação com ·a sexualidade, a repressã o sexual). Um certo atraso da consciência critica, um certo atraso do exercício da liberdade; a visibilidade imediata da repressão cultural e pedagógica: tudo isto nos deveria fazer progredir mais depressa na análise dos mecanismos institucionais. A autogestão (na FUMO, na E. C.) me interessa mais como analisadora do que como projeto social e uma promessa de mudança. Eles, os particípantes, não crêem na possibilidade de autogestão - eles não a desejam - , mas reagem e falam quando a autogestão l: proposta com tudo aquilo qoe ela implica. A autogestão é a primeira regra da intervenção - é isto que q uero dizer. T alvez erradamente, tínhamos proposto, como primeira regra, a análise da demanda. Ora, parece-me, hoje, não ser necessário analisar a demanda. Afinal de contas, é demanda de quem? Do Diretor? Dos Estudantes? De quem mais? Por conseguinte parece-me desnecessário anal isar a demanda para começar uma intervenção. A questão do período exploratório que deveria preceder a intervenção ativa, será formulada nos seguintes termos: qual é a primeira regra? Se a primeira regra é ~ autogestão, isto é, um analisador construodo, isto significa que desde o primeiro
36 minuto a intervenção é ativa e provocante - e que a autogestão é a única regra fundamental da intervenção. A regra da livre expressão (inspirada na Psicanálise) passa igualmente para segundo plano, pois que a expressão é solicitada, provocada pelo dispositivo analisador construido. Assim, deverlamos relativizar a importância de outras regras inspiradas em setores vizinhos (como, p. ex., na Psicossociolo-logia, na Psicanálise etc.), mas de certa maneira distintos da Análise I nstítucional, para conservarmos como regra fundamen· tal aquela que nos é própria, q ue foi cria· da pela Análise Institucional, a saber: a instrução, o convite de autogerir as reu· níões, de autogerir o processo de forma· ção, de autogerir a intervenção, que passa a ser um analisador fundamental para a anál.ise. Sábado, 10 h. Estamos - apenas um es. tudante de Sociologia e eu - espernndo a chegada dos outros, para uma reunião marcada para 9 h. Reunião do fim-de-semana, em casa de N. Por volta das 1 i h, chegam os part icipantes do Setor de Psicologia Social, de uma maneira d.ispersa, e parece que a reunião pode começa r. Falamos da reunião· da vés. pera, na Escola de Comunicação. Um pouco antes, fizemos um breve relato da situação na FUMO, das aulas autogeridas. Em relação à última semana (sábado passado, neste mesmo local, casa de N.), a situação parece estar em regressão: hoje temos menos participantes do setor de Psicologia Social.
Faço um resumo:
I • semana - 24/30 de julho: Seminário na OAP, com estudantes, psicólogos industriais etc. Relativo sucesso;
2' semana - 31 de julho/6 de agosto: Semana do <Setor:. e ainda a intervenção na FUMO. Melhor sucedida a intervenção do que a Semana do <SetoD;
3• semana - 5/11 de agosto: (volta às aulas) O <Setor:. começa a trabalhar nos departamentos, onde seus membros intervêm na qualidade d~ professores. Ao mesmo tempo iniciamc.s uma intervenção na E. C., depois de uma interrupção (ao fim de uma semana) na FUMO, onde a experiência d~ autog<:stão continua. T emos a.inda duas ou três semanas em Belo Horizonte.
Comentário Final
Conclusão
Assim como a regra fundamental de livre associação entra em conflito com os hábitos do d.iscurso racional, que resiste e que torna necessário analisar a resistência à palavra livre, assim também a regra da autogestão vai de encontro ao instituldo e conduz a analisar a resistência ao aprendizado da regra da autogestão.
COMENT .A RIO A PARTE, FEITO POR OUTRA PESSOA noh machlne désiran/t, qui st ditraq~e. puis rlcommenct,
pufs rlcommenu, puis $1 d~traque, oh machint, machine machlnique, IIUJchlni:umte•.
Creio que estamos de acordo em dizer que há dois tipos de investimento: um inves. timento da ordem do interesse, que encontramos na base das negociações, das coali· zões; um outro tipo de investimento, que diz respeito ao desejo. O que sei é que as teorias atualmente em voga nas Ciências Humanas já identificam o invest.imento da ordem do desejo. Não com este nome, é bem verdade, mas, por ex., X, num de seus textos, fala de racionalidade reduzida, de racionalidade restrita, r econhecendo um lugar onde a racionalidade não impera. Y fala de pagamentos laterais, que
seriam aquelas ocasiões onde o investimento da ordem do desejo se manifestaria: C acredita que esses pagamentos laterais são pouco importantes, pesam muito pouco na balança do sistema. Mas o que queríamos dizer é que a libido investe o campo social, as instituições. E' verdade que a análise institucional ainda está sendo fabricada, montada, e as suas peças ainda não são identificadas, recO" nhecidas, e às vezes o analista institucional lança mão de algo que somente serve para desfigurá-lo. A prova de que ll libido Investe o campo social, nós a temos
nos hospitais psiquiátricos, ou na produ· çáo menos controlada, por ex., na literatura de cordel. Assim, num destes livrinhos, O Filho de Evangelista, do Pavão Misterioso (o editor-proprietário é João José da Silva), o relato começa da se· guinte forma:
<r:O poeta é um artista, do cine maravilhoso; F.sta peça mostra a glória de um rapaz
audacioso, Filho de Evangelista, do Pavão Misterioso. Sabemos que Evangelista foi herói e teve
glória Dc esposar a linda Creusa, que todos Mm
em memória; Vamos ver do filho dele qual será sua
vitória. · Foi o Conde Evangelista, com um ano de
casado, Pai de um filho, e nesse clia houve festa
no reinado E per Oenival Batista foi o bebi batizado. As.~im os tempos se foram, passando de
mais a mais Com quinze anos depois, Oenival era um
rapaz /.indo, sabido e letrado, forte, valente e
audaz. No colégio ele estudou Geografia e Gra
mática Fez cu.rso de l'ários livros, inclusive Ma
temática E com dezessete anos, ingressou na Aero
náutica. E depois. na Aeronáutica, chefl.OU um des-
conhecido Ingressou com Oenival, e fez-se amigo querido Chamado Cesário, e tinha o coração de
bandido. /á andava foragido de Eubéía, onde nll$ctU Porque ao duque pai dele grande prejuí
zo deu e numa grande canoa atravessou o mar Egeu~.
~r.ata-se, portanto, neste texto, de um del~rto, no melhor sentido que a palavra tem, Onde a Aeronáutica se encontra ao · lado <lo Pavão Misterioso, que era, justamente, urna máquina de voar, que . transportou o herói quando ele loi salvar a sua amada. ~ambém a Eub.éia, a Grécia e a Macedônta se encontram aqui lado a lado, assim como a maneira que o herói encontrou de se salvar, quando empurrado por seu amigo mau-caráter. Diz assim :
<Estando acima do mar o Cesário se virou,
Abriu a porta do lado e ao rapaz empurrou
E com a câmara-de-ar Oenival se agarrou-..
Ainda sobre a máquina de voar, que é o Pavão, traz o texto:
cAo chtgar na Eubéia, aterrissou um bocado
O resto ficou voando, porém tudo preparado
Esperando ver o sinal para invadir o ducado-,.
Afinal de contas, o desejo é como está dito na história da Mártir Etelvina, a san· ta cearense :
eMas como o diabo sem chave faz um coração se abrir
O amor na mística fúria faz a virtude cair.
é' preciso que a alma tenha força para resisti,..,.
Quanto ao amor, a ele estão reservadas as prer.tações laterais; ou então, como se expressou Manuel Cândido da Silva:
cVinde a mim as santas forças de Jesus da QaliWa
Pra eu versar um romance, que tenho na minha idéia
O quanto sofreu Jônatas pelo amor de Mauriclia.
Neste drama eu apresento um romantt de valor
Cheio de lulas tremendas, de orgulho e de rancor ·
Onde vê-se o egoismo cair peratl/e o amor O amor é ama rosa, o amante
é um jardim E os corações das virzens são seu
trono de marfim Todo mundo se acaba mas o amor não
tem fim-..
Até a revolução, e que o diga Marx, serve de motivo de alucinação e de dellrio. T ambém Severino de Oliveira já sabia do assunto:
cUm cabra de Antônio Sitvino, por nome de Zé Loção
Morto há vinte e quatro anos, baixou em uma sessilD
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Conf()U um drama mqderno dizendo que no inferno
Estava em revolução. Foi quem trouxe o ocorrido desta
tenebrosa cena Dizendo: Ld no inferno ninguém
termina quinzena Há grande revoluçi1o Tem morrido tanto cilo Que quem quer ver, contar faz perun.
Dentro deste inferno em revolução estão os renegados. Assim se expressa o autor:
«Vou fabricar este infemu tris vezes maior que o mundo
Para botar mulher ruim, gente falsa e vagabundo
Ateu, crente e amancebado, sei que é superlotado
Em menos de um segundo~.
SOBRE A ESTADA DO PROFESSOR o ,
GEORGES LAPASSADE ENTRE NOS
Oeorges Lapassade e René Lourau são dois professores de universidade na França que têm tentado uma abordagem do funcionamento das instituições em termos de <Análise lnstitucionab. A eles devemos a introdução do termo (a tese de Lourau intitula-se L'analyse lnstitutionnelle) e um certo número de textos, tanto teóricos como de aplicação, dessa modalidade de intervenção ao nível das instituições. Esta é uma primeira razão para que se faça menção dos nomes dos dois professores franceses num número da Revista de Cultura Vozes sobre a Análise Institucional. Acresce que Oeorges Lapassade veio ao Brasil a convite da Universidade Federal de Minas Gerais num programa de cooperação com o Serviço Cultural da Embaixada da França. Portanto, nada mais justo do que mencionar o trabalho que este professor realizou entre nós. Esteve ele igualmente no Rio de janeiro e aqui teve contacto com vários colegas interessados em Análise Institucional. A menção que se fa:z a Lapassade é também devida ao impacto que sua permanência causou em muitos, inclusive no autor desta nota. Não pretendo fazer um resumo histórico em se tratando de Análise Institucional, mas seria interessante lembrar que o trabalho psicossociológico na França encontra ~us principais representantes em Max Pages, atualmente na Universidade Dauphine, André Levy, da Universidade de Nancy, c?l~borador e secretário-geral da cAsso~ c1at1on pour la "Recherche et l'lntervention Psrcho-sociologique:. (ARIP), Jacques Ardomo, membro de um outro grupo de pro-
fissionais conhecido pelas iniciais A.N.D. S.H.A., Didier Anzieu, da Universidade de Paris, também colaborador na associação acima mencionada, Anne Ancelin-Schutzenberger, na Universidade de Nice, diretora do Grupo francês de Sociometria, e outros que deixo de mencionar. O movimento de Maio de 1968 abalou todos estes profissionais em seus fundamentos teóricos. Também as associações que formavam sofreram o impacto da reflexão a que foram levados os especialistas em Ciências Humanas na mesma época. Todos estes psi~
cossociólogos tinham recebido influência, direta ou indiretamente, de Moreno, Rogers. Freud, Lacan. Oeorges Lapassade e Renê Lourau, talvez menos comprometidos com o status de profissionais da psicossocioJ()gia, ambos com experiência de Pedagogia, trazendo de alguma maneira formação sociológica ', se viram à vontade para introduzir uma abordagem que se beneficiava das contribuições presentes no panorama aqui descrito, e das inovações sugeridas no bojo da contestação de Maio de 1968, assim como da crise por que passa a Psicologia na França, desde aproximadamen1e 1960. Vejam-se inúmeras publicações, entre estas a Revue de Philosophie de la France et de l'Etranger, n. I, 1971, janeiromarço, número dedícado a reações causadas por circular enviada aos professare~ de Psicologia e Sociologia no Ensino Superior. Creio que Oeor11es Lapassade, depois de um entusiasmo passageiro pelas teorias de jacque,· Lacan, pôde, em associação com Lourau, definir m~lhor sua contribuição.
Da época de aplicação dos conceitos de Lacan restam algumas ·páginas de Organisations, groupes et institutions. Não foram muito felizes as transcrições das noções de significante e significado que agora encontravam a denominação adaptada de «instituanb e cinstitué:.. Claro que as noções de 4'instituinte> e 4:instituido> poderiam permanecer, não sendo de grande utilidade o respaldo da Lingüística Estrutural via lacanismo. Na época em que Sartre publicou a Critica da razão dialética também Lapassade tomou-se de entusiasmo e logo viu uma possibilidade de fundamentar um pouco mais a Psicossociologia tão combalida pelas crítkas que o próprio Lapassade lhe tem feito. Adaptott o modelo sartriano à <Di-· nàmica de Grupo:~~, que era a forma de intervenção que se conhecia na época para os trabalhos de reflexão sobre o funcionamento dos grupos. Mas foi em torno do grupo que sustentava a revista Arguments que Lapassade nos deu os textos mais importantes para a Psicossociologia, antes de elaborar a Análise Institucional, tal como ela aparece hoje em dia, em seus escritos. No entanto, acredito (não sei se o interessado concordará comigo) que o melhor de Lapassade está em seus textos inspirados em certo surrealismo e escrita espontânea. O poeta do Bordel Anda/ou, o artista de Le livre jou nos convence mais do que o sociólogo de Chaves para a Sociologia ou o analista de L'arpenteur. Poi com toda essa bagagem que l..apassade chegou ao Brasil. Faltou mencionar sua primeira, mas não menos importante, vinda ao Brasil Aqui chegou com o Living Theater, na época do Congresso de Psicodrama em São Paulo. Logo aprendeu rudimentos de português e sempre fez questão de dispensar tradutores, mesmo quando não entendia bem o que se passava nos grupos onde trabalhou (o que, pr()vavelmente, dificultou ainda mais a tarefa Que teve por vezes que enfrentar). Quero dizer que é um personagem controvertido. Creio que seu trabalho se ressente de uma formação cllnica, ao mesmo tempo em· que Questiona o cerne da questão (pode o Particular analisar o geral?). Tenderia no momento para uma espécie de Schizo~ 'l~ályse cavant la lettre:.. <Avant la lettre:., d1go, antes que Deleuze e Guattari teori:zassem o tema e nos dessem o importante documento que é L'anti-Oedipe. Não me consta que Ouattari faça Schizo-andlyse
como ele prevê no seu livro. Quanto a Deleuze, é um professor de Filosofia e nunca passou por um hospital, muito menos por um consultório ou clínica. Pois bem, Lapassade faz Esquizo-análise: eu 0 vi fazer em Bruxelas e depois no Brasil. Nesse sentido, reencontro o poeta surrea- . lista, o artista, o inovador, o criador. Mas a Schizo-anályse ainda é um projeto, uma inspiração. Nem sempre encontramos condições para tal tipo de trabalho. Lapassade descobriu que fazia Schizo-anályse (não deu este nome) aqui no Brasil, quando de seu último estágio entre nós. Dai talvez a dificuldade que experimentamos em enfrentar com ele o dia a dia do trabalho em instituições. Um dia me senti ultrapassado e escrevi um bilhete de duas linhas me desculpando. Nunca mais o vi Creio que o livro científico é uma prisão para ele. Assim como o trabalho analítico, na medida em que este gênero de intervenção isola o desejo do analista e o aborda em cvase elos>. No entanto, este «dropoub (que passa por mendigo em um café de Paris quando se dirige a amigos em uma outra mesa que não a sua - o garçon ocorreu pressuroso para evitar que o <clochard:. importunasse os professores de gravata... colegas de Lapassade), membro ativo de movimentos libertadores na revolução sexual que se alastra pelo mundo, tem sido ou foi (pouco importa) um cscholar>, um csorbonnard:. à toda prova. A <agregação:. foi apresentada com todo carinho, e sua tese, L'entrée dans la vie, elogiada pelo rigor de pensamen-to. Tem dificuldade de se despedir e está sempre querendo ficar sozinho! Veja-se o episódio por ele vivido e relatado (Le Bordel Anda/ou) sobre sua aventura kafkiana nos meandros da burocracia universitária francesa. Minha hipótese é que ele provocava um pouco aquela situação. Um dia me disse: «naquela época conseguia escrever> - época em que a administração o tinha confinado em uma sala minúscula da universidade em Tours. Sua permanência no Brasil levou a mim e a meus colegas a uma intensa e sofrida reflexão sobre nossa prática profissional, sobre os inconvenientes que se escondem nas boas relações de um programa de cooperação cultural. . . sobre o precário estado em que se encontra a Psicologia, sobre os fenômenos religiosos no Brasil, sobre a pobreza de nossa reflexão enquanto não está voltada para problemas nacionais.
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40 Um dia em Belo Horizonte se viu convidado a não fazer mais perguntas (e eventualmente se retirar) aos umbandistas, que já se mostravam irritados com sua cimprudência:~> (veja-se o US() coloquial que a palavra assume em Minas). Nesse sentido, é um colonialista como outros que já vi na univer.!>idade ou em programas de relações culturais. Não espera, desmascara o Informante, deixa de obter a informação. Em Análise Institucional tende a fazer o mesmo: a Isso chama cexpficitar o desejo:., antes de analisar a demanda. Ora, analisar a demanda é a primeira regra da Análise Institucional que ele mesmo, juntamente com Lourau, ajudou a definir e, até certo ponto, a construi r. A sua c:imprudência:., como dizia há pouco, é o cacoete do militante. Nesse sentido, considero-o tradiciona~ <quadrado:., e um chato. Quero dizer, a~r de todas as inovações, criações, invenções, conserva-se um militante. Quer convencer, não tem a legria (meu filho, definindo bem o problema, um dia comentou: Lapassade nunca rl l), não conhece o <prazer de escrever• :(R. Barthes), não escolhe o momento pa-
ra intervenções, pode-se tornar importuno, pedir contas e dar lição de moral, está sempre com os CQpains ... Enfim, se fizesse a Sch/ZQ·anályse de seu militantismo veria que um professor visitante volta ao seu país, sem grande dificuldade, e que os colegas do pais visitado ficam enfrentando a rotina, o desgaste do dia a dia, as dificuldades próprias de cada época, que não sabemos fazer outra se não aquelas que fazemos, que não vamos abandonas a universidade, nem o consultório, nem a Análise Institucional. . . nem os grupos a que pertencemos, nem aqueles a que nos referimos. No entanto, sua sensibilidade para com certos aspectos da religiosidade no Brasil me parece extremamente fecundos. Seu livro, escrito em coautoria com Marco Aurélio, me parece de uma felicidade rara. Claro, foi buscar em estudiosos brasileiros muitas idéias que expõe no livro, mas estou querendo dizer que tem muita sensibilidade e soube pesquisar em pouco tempo, recolhendo o material necessário. Talvez encontre no «transe> o seu modo de viver. . . Um dia falou: o povo é Exu. Falou e disse.
NOTA
• Nlo sAo tampouco &odólogos de "met!er", nem d• formaçlo.
ESCOLAR Intervenção num Congresso de Comunicação
Salvor queria dizer vutlr, ~r upatDes • chapéu e, albt de tudo, obedecer ao conquistador branco. Nlo sem nzlo, ""' poeta mO<IerctstJJ escreveu:
Quando o portugula ch•gou Debaixo duma bruta cbu•a Vestiu o índto Ouo ptnal Foue uma manh/1 de aol O lndlo tinha derpldo o portugul•.
OSW .UI> DE ANDIIADE
o perfeito mltltaate t o mesmo boneco fulsaico do puritanismo - socrático ou americano - que ae apresentou ao mundo parA edllld-lo, pedante, cretino, facci0$0. I! nlo aerla utranho ouvlrmoa que foi proclamado o Dogma da Imaculada Revoluçlo.
0SWALD ~ ANDI!A~
Nas paredes do E-s-t-a-b-1-i-n Bar os lndios quimbandeiros antropofágicos escreviam seus caracteres:
Ex-cobra Escola Escolar
Estavam cercados pelos ·índios filhos de Maria, afilhados de Catarina de Mé<lices e genros de D. Antônio de Maria. A tropa de choque garantia a segurança da palavra do Bispo Sardinha Vieira Anchieta que rezava a missa e salvava as almas. Na véspera os lndios rebeldes haviam conseguido comer a primeira missa, com toda selvageria nua e crua. Os índios batizados se revoltaram e até mesmo fingiram ir chamar as tropas portuguesas para acalmar os ânimos antropofágicos. Mas como croupa suja se lava em casa, no dia seguinte, em que o sacerdote iri~ falar sobre as mais belas páginas do Evangelho, os índios catequizados resolveram convocar todos os seus, para impedir qualquer nova deglutição. Na primeira missa, três padres e mesmo alguns índios «civilizados:. haviam sido comidos pelos caraíbas. Estavam programados cinco dias de missa e de farta catequese. Seria ensinada a lógica, a moral, a língua oficial e a alta filosofia. No entanto: - «Nunca fomos catequizados. Fizemos foi carnaval:.. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro. Catiti Catiti lmara Notiá Notiá lmara lpejú
A magia e a vida ... - Aqueles quimbandeiros desrespeitavam quaisquer regras ccivilizadas,, Se houvesse razão para -<protesto•, que fizessem um oficio dirigido a quem de di reito pelos canais competentes. Ora, sim senhor ... O Bispo Sardinha Vieifa Anchieta, que estava prestes a ser deglutido na véspera, Procurava mals uma vez, com voz de anjo, convencer a massa selvagem dos esforÇos da catequese empreendida por ele e Por aqueles índios d~ tochei ro filhos de Maria, que aceitaram os valore; civilizados ~ agora não mais sofriam da perseguição Incruenta das tropas portuguesas.
Muitos daqueles lndios deviam merecer o devido respeito, pois já tinham se destacado em batalhas passadas nas lutas contr~ os reinóis, ntê mesmo, daqueles que ah estavam, muitos experimentaram as agruras do cárcere e o tratamento que dele se deduz ...
Apesar da doçura de sua voz, foi comido pelo bando selvagem ... Nunca se esperou que aquele bando de bundas-de-fora fosse ter tal ímpeto selvagem e libertário, e tanta fome desr epressiva a ponto de querer comer a missa. A missa havia sido preparada com todo cuida~o para que os interesses portugueses nao fossem afetados pela prática catequista. Desde as autoridades catequéticas até os indios batizados, todos queriam que tudo transcorresse na mais perfeita ordem e na paz do senhor. -r:udo pare~ia tão simples. Marcava--se 0 dta da m1ssa, convidavam-se os Bispos pal~stinos,. ~onfeccio~ava-se o catecismo, lóg•co e dsstinto, e fmalmente convocavamse os fiéi.c;. Para atrair os fiéis, alguns espelhos, algumas contas, e talvez um show com Gilberto Gil. .. Mas que m. . . que foi dar que ninguém entendeu ... Nos arredores da missa, famintos de selvageria quimbandeira, lá estavam alguns bundas-de-fora. Esses índios já tinham durante uma semana enchido os índios civilizados, querendo que esses aceitassem a ridícula postçao de tirarem a roupa e pintarem o rosto. Ora, seria o fim; o que dizer pra bierarquia catequética, e os reinóis ... - O que propunham era a anarquia a antropofagia, a liberdade da palavra e dos costumes lndios enquanto índios! - O que queriam era o fim da catequese, o fim do domínio reino!; pô, o que esses índios desejavam era serem fndios - que loucura ... Os organizadores da missa temiam esses. índios loucos ... Esperavam ansiosos a chegada dos fiéis, dos índios filh.os de Maria. Eles tinham ido ao show e se aguardava com grande ansiedade a sua chegada. Mas pra surpresa geral, até dos bundasde-fora, nenhum deles apareceu ... Nenhum foi atraido pelos espelhos, colares e ncrri pelo show do Gil. Aquelas bugigangas já não atra iam nenhum para a missa. Agora só restava convencer os bundas-defora a aceitarem. E, pô, lá estavam eles dançando e ca~ t:lndo suas músicas selvagens, seu rebolado em festa ... Os Bispos esperaram a hora pra falar ... Não conseguiram, aqueles bugres tomaram a palavra e não largavam, pareciam to-
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z mados pelo diabo, pela quimbanda, por Exu ... Jam deglutindo um por um dos catequistas e até mesmo um por um dos índios filhos de Maria em meio à dança infernal. .. Entre ais, uis, e não..me-comas, os organizadores iam sendo deglutidos, envolvidos num imenso carnaval. Fazemos parte de um imenso cadáver gangrenado. - Atenção, atenção, tem dois carburóes dos reinóis à espera. - P ula que corre que salta, pulula, paranóia, deus me livre e guarde ... Quem ficou, ficou, e os ânimos foram por ora acalmados. Era tudo mentira, mas tinha que ser. -- Que zona. - Agora acabou ... Agora na segunda missa Já está o Bispo Sardinha falando ressurrecto garantido pelos lutadores de Karatê. Ele fala e ninguém ouve, pois uns não querem ouvir c os outros só ali estão para que esses ouçam ... Na verdade só a antropofagia nos divide - socialmente, economicamente, filosoficamente ... De um lado os lndios quimbandeiros-antropofágicos de Pantera Negra, e do outro os índios filhos de Maria do Bispo Sardinha ...
O terceiro dia de missa foi uma espécie de enterro dos ossos do primeiro. De certa forma, chuparam os ossos do missionário religioso e seu séquito ... Os urubus, os sapos e os morcegos pairavam no repasto ... Era uma deglutição sofrida essa da carniça do Bispo Sardinha e seus lndios lilhos de Maria. No quarto dia a missa foi cancelada. No quinto também. Os selvagens comeram o edifício eclesiástico ... Agora restam os reinóis.. . A revolução Caraiba-Quimbandeira. c:Tupy, or not T upy, that is the questiora.
• • • Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
* * •
A alegria é a prova dos nove.
Em Angola Janga e Piratininga. Ano 4 t8 da deglutição do Bispo Sardinha.
Marco Aurélio Luz sob a <irradiação) do esplrlto
dt Oswald.
ANÁLISE INSTITUCIONAL DE UM GRUPO DE _CONTEST ACAO
ou ainda sobre a «atuação" (acting-out)
.. , "tout I~ trtrYa/1 anatytlque ed dutlni à 'ntttr' 4 14 ploce' 1t di& Ir par rappqrt aux ln~Utllll'ons".
R~NG I..OOilA\1
. . . NB:t-11 po•$ible de tro11ur refuge da111 unt sa~un ptr$onallste el myfllqut tans ot jalre le prl1onrutr ln<ontcitnt des ld~oloetes dont 10 mlulon ut de rlprlmtr, tout loutc• sortu de formes, lt dtslr?"
P. QuATTAlU
Em janeiro de 71, trabalhei com Georges Lapassade em Bruxeias, atendendo a um grup() formado por aproximadamente 70 pessoas, entr~ as quais se encontravam
professores da Universidade, estudantes, assistentes soctats, psicanalistas, psiqula~ tras. Quanto aos estudantes, faziam parte de um grupo interessado em contracultura
e se reuniam habitualmente na Universidade de Bruxelas. Uma outra par te dos membros do grupo estava de preferência interessada em animação cultural. Mas o que deu a tônica ao trabalho de Análise Institucional foram as considerações em torno do que se chama acting-out, ou seja, a possibilidade de uma atuação, de conteúdo político, sem que esta atuação seja considerada «111ala palabra> no dizer de M.arie Langer. Marie Langer acrescenta que a atuação (anala palabra>) se opõe a ação, considerada boa ação ( cbuena patabra:.). Entre nós, Bernardo Blay Neto assim conclui o seu artigo: crotular o acting out grupal tão-somente como re:;istência parece-nos não corresponder à rea lidade; parece, isto sim, constituir re:;istência do terapeuta em reconhecer suas insuficiênci11s. O que ~e chama de resis-1Cncia (muitas vezes o acting-out é rotulado como ta l) é, em última análise, inf•,rmaçl!o ao terapeuta sobre suas insufidências ou inadequações~. lt Lourau havia comentado um incidente por ele vivido em maio de 1968. De fato, Cohn Bendit, personagem principal nos acontecimentos de maio de 68 na França, ~ ra freq üentador habitual de um seminário ~obre Análise Institucional, na qualidade de .::;tudante de Sociologia da Faculdade de Nanterre. Este seminário era dirigido por René Lourau. A uma reunião estava ausente Cohn Bendit. Ao que se soube, aquele participante se ausentava do grupo para proceder a uma cação/atuação> (?). De fato, naquela manhã, o reitor da Universidade de Nanterre foi obrigado a deixar o Iuca! da diretoria, a sua sala sendo ocupada por um grupo de estudantes, tendo à frente Cohn Bendit. René Lourau, na qualidade de analista, já se preparava para apontar o <acting-oub e a recusa de análise. Os acontecimentos de maio de 68 se P.recipitavam na França e Lourau, refle~rndo sobre aquela sessão que ele dirigira, a qual Cohn Bendit esteve ausente, chegou a admit ir que o gesto produzido por aquele estudante de Sociologia tinha revelado llluito mais coisas censuradas, escamoteadas ~o. nlvel do processo social do que a part~ctpacão habitual ao grupo de Análise lns!rtucional. Este acontecimento teve uma 'lllportAncia fundam.ental no desenvolvimento dos t rabalhos sobre Análise Institucional, especialmente no que diz respeito ao act ing-.out. Com efeito, temos encontrado com freqll~ncia, em autores que lidam com trabalho
em grupo ou intervenções pedagógicas, terapeutas de um modo geral, a idéia de ação. Que ela se chame social actíon (Max Pages), acting-out (Didier Anzieu), <ideologia-perversão> (R. Kaes), tudo ist() se refere ao político e a esta espécie de político se opõe a Psicanálise na qualidade de situação especifica, lugar onde se produz o trabalho analltico. Este debate me faz pensar em uma resposta fornecida por um diretor de um grande jornal norteamerica no : cSim, nós podemos publicar tudo que queremos, mas não podemos fazer aquilo que temos em ment~. Dizer não basta. Por outro lado sabemos que a análise se passa num nível simbólico. E' o real (a distinguir da realidade, da ordem das coisas), é o real do analisando que está em questão. Eis-me aqui em plena contradição. Vivendo em um pais cuja realidade não pode esperar, leitor assiduo do texto freudiano, ei-me aqui dividido. Teria sido em virtude de uma colocação defeituosa do problema? Ou devemos descobrir nessa contradição o estado atual de reflexão onde se encontra a prática analítica. Marie Claire Boons havia assim resolvido a questão: c:Poser aujourd'hui la question de la sublimation dans la pratique poli1lque c'est d'abord affirmer que la pratique désirante rendue possible enfin de cure, comme fruit d'un e!lpace inconscient qui avait toujours ~é rejetté, refoulé et que Freud a ouvert, aurait principalement à ne pas continuer de se couper du courant lústorique qui depois ~arx a désigné dans le prolétariat le lieu rejetté du monde capitaliste~.
Veria dificilmente uma Psicanálise, uma dinâmica de grupo, uma prática do psiro: drama que se situasse fora do que chamamos um meio social, un milieu social, como disse Andre Levy, txttrnal institutions no d.izer de Max Pages, ou ainda les groups sociaux réels, para Anzieu. Estes três autores colocam neste nlvel o limite (permitido?) da intervenção analftica. Enfim, vejo com muito interesse as reflexões, os trabalhos que atualmente colocam em questão as imposições institucionais com relação ao trabalho psicanalítico . A este respeito, uma noção impressionoume fortemente. Quero me referir ao que escreveu Conrad Stein sobre .:o setor reservado da transferêncin. Assim se expressa Conrad Stein: co setor reservado da transferência, onde fica patenteado Ct>mo de que maneira a ins tituição que pretende ser garantia de uma certa deo11tolo-
44 gia psicanalltica favorece grandemente, pela sua própria existência, um certo tipo de bloqueio psicanalltico, o qual, longe de desencorajar aqueles que são atingidos por esse bloqueio, favorece aspirações a uma carreira dominada muito mais pelo anseio de uma respeitabilidade médico-psicológica do que pelo prazer de fazer análise:.. Penso neste momento no problema da análise didática. Sobre o assunto enviei contribuição ao Encontro do Circulo Brasile.iro de Psicologia Profunda, realizado em Belo Hor izonte em junho de 1971, onde tento uma abordagem proveniente da Análise Institucional com relação à prática <análise didática:. em um grupo de psicanalistas. Continuo citando Conrad Stein: «O único resultado objetivo e absolutamente indiscutível desta prática (análise didática) é confi rmar os didatas ou o conjunto dos responsáveis pela formação psicanalítica, num status de mantenedores da ordem social:t. Tenho impress.'io que importamos, no que diz respeito a sociedades de Psicanálise, tudo que havia de pior em matéria de burocracia européia, seja proveniente
da Alemanha ou da Austrla, ou passando por Buenos Aires ou Londres. Aliás é bem simples: os institutos de Psicanálise não fazem senão responder a uma determinada demanda. Mas qual seria essa demanda? Pois que se insiste de tal maneira em afirmar e fortalecer os conceitos de cura, pois que o selar reservado da Trans{erlncia se apresenta como uma fortaleza inviolável, pois que a autoriUJção (fálica) dada aos candidatos analistas é função d(' uma «boa adaptação:., pois que o projelo terapêutico, mais ainda o projeto didátiro são obstáculos a que se desenvolva o processo psicanalítico, onde encontrar o statu!\ científico da psicanálise? O mais grave é que organi~ações recente~. que não têm atrás de si o peso cic personalidades marcantes, carismáticas, como é o caso na Europa, essas sociedades de psicanálise não encontraram um meio de expressar uma nova fórmula, de produzir uma reflexão que faça justiça ao textn freudiano. Sabemos que a colônia imita n metrópole e ela, como n metrópole, pretende possuir suas «faculdades de direito:., >!:Suas escolas de engenheiros, . ..
"DI.(RIO DA EXPERI~NCIA DE BRUXELAS"
Protocolo de um Grupo
No trem Paris-Bruxelas experimentei medo. Dizia-me: sem a presença de Lourau, Lapassade iria se most.rar por demais provocador. Compreendi então que Lourau era um elemento que dava segurança . . . a mim e ao grupo. Esta expectativa pôde ser confirmada desde a primeir a sessão de grupo. Os participantes logo perguntaram por Lourau. Lapassade também teria preferido ter Lourau na equipe. Inicia-se uma longa discussão para saber porque Lourau não tinha vindo. Escrevendo este relatório penso que tudo isso acontecia independentemente de Lourau. Eis que ele não estava presente. Mas porque não teria ele vindo a Bruxelas? Portanto o ausente estava presente de alg\Jma maneira. No grupo foi llda uma carta de Lourau. Fala-se de Lourau: cvocê conhece Lourau?:., pergun ta-se a alguém que falava do ausente, do mort<?. Com que direito falava aquele partiCipante do Lourau se ele não o conhecia? S_ó se podia falar daquilo que se conheCia, o que é desde já uma res trição do ponto de vista analltico. O que se preci-
sava explicar era porque Lourau não estava presente e de que maneira sua ausência representava uma restrição a q ue o grupo tinha que se submeter. Era necessário explicar. De repente foi encontrada uma explic~c;ão: Lourau, convidado inicialmente pelo grupo de Br11Xelas para fazer parte do grupo de analistas, não tinha aceito em virtude de diverg!ncia com Lapassade. Lapassade, pela sua conduta privada, representa o <particular:.. Como pode o <particular:. analisar o <universa l:>? Com esse argumento conseguimos explicar tudo: h aviamos explicado o incesto e a proib ição, ao mesmo tempo. O que não se explicou foi a eficácia do gesto até então proibido, da t ransgressão, que r sejam chamadas cbuena palabra:t ou <mala palabra:t. Nesse nível, de pouco vale o vocabulário ético das Sociedades de Psicanálise e suas posições <universais,.. (Para salvar a Psicanálise preferiu-se uma maior tolerância para com a onda fascista nos anos que precederam a segunda grande guerra!) Ao liquidarmos a q uestão em pauta naquele
grupo, ou seja, a questão do acting-out (atuação/ ação), muita coisa foi censurada c Lourau o analista ausente, circunscrito il sua mdrte'. Morte? Não, não é verdade. Lapassade disse: <a gente se sente sozinho:.. Como sozinho? Vai, leva uma cadeira até o meio da sala Uma cadeira vazia, o lugar de morte. Com esta encenação (psicodramática) mais uma vez tentava-se normalizar as coisas. Os mortos que permaneçam em seus lugares. Numa etapa seguinte vamos ver como Cel. desempenhou um papel destinado a dar ao grupo uma sensação de segurança. Por enquanto, fala-se de cgrupo selvagem:.. CJ. e ]. ,\o\. , cada um puxa a corda de seu lado. Silo os dois responsáveis que haviam convidado e feito os contados com a equipe de a na li~ tas. Lapassade intervém : c E' predso acabar com esta confusão~ . Comentário à margem, no meu diário: ~Meu r am Lapassade. se pudéssemos pelo menos um dia terminar, da r cabo a essa contusão ... :. Nessas alturas, os adeptos do <aqui e agora:. começam a se manifestar: «estamos aqui para falar do que acontece agora, ne!(se momento:. . Imaginem ... o agora aotia longe. Lapassade, que conhece bem a música, inicia uma operação destinada a detectar os cgrupos:. ou subgrupos num grande grupo. Na qualidade de bom sociólogo, ele conhece bem sua teoria dos ,::rupos de refer~ncia. Para simplificar, conclui: <A análise institucional coloca-se ao nível do grande grupo, do grupo de grupos:.. Nesse momento, vem à tona a questão do dinhei ro. E Lapassade, para mostrar seu lado São Franc.isco de Assis; declara: <0 dinheiro é um analisador. Vocês me pagam quando quiserem e quanto puderem:.. j. M., um dos organizadores, não estava mui to contente e sai-se com a frase bem conhecida, encontrada na boca de todo organizador que assumiu compromisso consigo mesmo e está sobretudo interessado no sucesso do negócio (curso, seminário, <lnálise institucional, seja Já o que for): d lá uma porção de gente aqui que não foi convidada e que está esculhambando ') troço~. Portanto, houve convites. Foi preciso passar por uma pista para se chegar até aqui. Poderia se pensar que não: assim rezava a ideologia do grupo. Mas reconhecermos que formávamos um g rupo, todos aqueles que aqui estavam desde algumas horas, isso era mais difícil. A dransversatídade:t (Guattari, 1971) era desconhe-
cida, negada. Teria sido necessário traba- 45 Jhar nesse nivel. Mas Lapassade decide ali-viar a carga. Escolhe cerca de quinze participantes e sobe ao andar de cima, cio-diodo o grupo em dois. Era exatamente o fantasma do grupo. Analisador por excelência, ele se antecipava ao grupo .na recusa de sua ctransversalidade:.. Quanto aos outrO!I, Cel. poderá se encarregar de-les. Eis-me aqui em companhia de um grupo que bem poderia ser chamado de psicótico. Lapassade mais uma vez se encarrega de mostrar como as pessoas são cindidas, divididas. Ele o mostra a sua maneira, isto é, além do bem e do mal, como diria Foucault. Estávamos no início da segunda jornada de trabalho. Durante t"do o segundo dia, ~e minhas lembran-ças são boas, se meú cscotoma permite restituir o que aconteceu, durante cerca de dez horas Cel. desempenhou o papel ntritmído ao analista , exigido pelo g rupo, isto é , assegurar a unidade do grupo. Claro está que no desenrolar dos acontecimentos não percebi tudo o que aqui re-lnto. Lapassade foi-se com um q uarto do grupo e eu, promovido ao posto de a na-lista único, encontrava-me numa sala com quarenta pessoas que esperavam tudo de mim, exceto que eu substitulsse Lapassade. Nesse momento, idéia genial, assim defino minha posição: <não tenho a menor inten-ção de fazer o papel de analista, mas pretendo permanecer onde estou• . {Onde estou? alguém por acaso poderia saber naquele momento?). Fico com o grupo. Era. tudo o que o grupo esperava: o bastao~ . para dar segurança ao grupo. Por outró lado, todos sabiam que eu não e!a um participante como os outros. Era Simplesmente aquele que no momento de aflição, onde a decomposição ameaçava o grupo, onde o acting-cut era possível, era aquele que dava segurança e unidade ao grupo - , como fazem todos os analistas que conheço. (<Voe! pode pensar e dizer essas coisas, mas os outros ... :t) O eterno a rgumento, que divide o grupo entre adultos (adulterados?) e crianças (infantillzados) . Durante as sessões da tarde, duas ou t rês pessoas viío ao andar de cima, numa tentativa de se reunirem aos outros. Mas na sala de baixo a o:ilusão grupal:. . se mantinha, graças à presença do an~hsta (aquele que assegura a unidade e .tmpe-de o acting-out). A melhor prova e que os participantes logo encontra~am a pala-vra certa ( cbuena pai abra•) : Já que esta-mos aqui vamos analisar o que acontece
aqui e agora; já que estamos em situação de autogestão, já que somos adultos não temos neeessidade de Lapassade. Na realidade, tínhamos necessidade dele. Eis que ele era o profeta, o analisador como ele se lntitula nessas ocasiões. Nada de analista submetido à regra da abstinência, onde o menor ading-out é proibido, exorcizado, afastado como falta técnica. Nem tampouco o genitor do grupo que encontra nesse personagem sua origem, sua unidade. Lapassade era o profeta, e será na qualidade de profeta que ele descerá no final do último dia do andar de cima. Chegando na sala de baixo, onde se encontrava o grupo, ele encontrou o grupo. O grupo o esperava.
O O Desejo do Analista
Encontro aqui novamente a questão levantada nos parágrafos onde discuti a defasagem entre o político e o trabalho analítico (ao qual esta adstrito o analista). O presente parágrafo é destinado a recolocar a questão, desta vez em função do que vivi no grupo de Bruxelas. Inicialmente, mencionarei carta enviada por um participante de um grupo realizado em Bordeaux aos analistas, entre os quais encontrava-se Max Pages. O referido participante, ao voltar de um grupo conduzido por Max Pages, sentindo a necessidade de ordenar na medida do possivel suas vivências pós-grupo, forneceu à equipe de analistas um documento por demais interessante. Nessa carta, assim falava o missivista: <a respeito do desejo do analista - possibilidade de integração do desejo do anaUsta num procedimento coletivo sob a forma de uma linguagem - ação real ou simbólica:.. •. A essa maneira de assumir o desejo, a essa maneira de trabalhar com um grupo cliente analisando, opõe-se o que se costuma chamar a <prática analítica>. Novamente o problema do act aqui é levantado. Novamente o analisador aqui se opõe ao analista. Mas o problema nos traz multa inquietação e susc.ita muitas questões para ser resolvido em pouc.as palavra~ Até a~ora não o consegui resolver. Pica claro. Até agora tenho colocado em oposição o cpolliico> é o <trabalho analltico>. Digamos que Lapassade decidiu desempenhar o papel de analisador tal como ele mesmo e R Lourau o definiram. Admitamos em seguida que Lapassade conhece bem seu desejo e será a
partir dessa maneira que ele se faz analisador. Mas quem garante que Lapassade conhece exatamente o seu desejo? Somos levados a admitir que trabalhamos mal grado nós mesmos, independentemente de nossa vontade, sem que o saibamos ou demos conta. Que nossos escotomas impedem-nos de ver nossos desejos. Mesmo Quando Lapassade fala de seu próprio desejo, não passa de um discurso sobre seu desejo. E posso, na qualidade de observador, de co-analista, não reconhecer o que ele está falando. Posso dizer: são palavras, não passam de palavras. Qual era portanto o desejo de Lapassade nesse grupo? Não sei. Como poderia sabê-lo? O que vem complicar particularmente o problema do acting-out (atuação/ação) (<mala pala.bra> <buena palabra>). Será que ele conseguiu «integrar seu desejo sob a forma de uma linguagem (ação real ou simbólica) num procedimento coletivo ... ?> Sim, talvez_ Mas, será sempre independentemente de sua vontade, de sua técnica ou de sua intenção política. Estamos sempre em atraso de um passo com relação ao nosso vira-ser, não é verdade? Igualmente desconfiaria de todo e qualquer <proj~to terapêutico>, pelo menos numa perspectiva freudiana. .Mesmo se esse projet o é formulado · em termos de denúncia da utilização do psicodrama em função da <adaptação:. dos pacientes ... •
Examinamos o documento publicado pelo Grupo Experimental Psicodramático Latinoamericano e estamos de acordo com a maioria das proposições (novamente o problema do acting-out: atuaçãojaÇão). Todas elas nos parecem emergir dessa nova maneira de se considerar o acting-out. Podemos dizer então: 1) recusamos o emprego das técnicas dramáticas como produto de consumo, 2) recusamos o emprego das técnicas dramáticas quando destinadas a dar uma ilusão através de gratificações substitutivas (o amor universal tem servido para acobertar perversões as mais variadas), 3) recusamos o terapeuta que possui a verdade, recuS4mos a visão que reduz o cliente· a uma pessoa (personificada, pessoalizada, personalizada, pouco importa) a ser recuperada, 4) recusamos o encontro misterioso, profundo, e alienante (onde a comunicação entre analista e analisando é explicada em termos de <comunhão> - a , q ue respondi que entre senhor e servo jamais houve comunhão). Certamente q ue recusamos todas estas mistificações, mas o que nos parece menos
claro, e onde estamos menos de acordo é quan1io se trata de inserir no mesmo texto um programa, um <projeto> terapêutico: c Propomos detectar e enfrentar situações de injustiça sócio~conômica . .. > Mais uma vez, o acting-{}uf, a atuação, a ação (<buena palabra:.) estão em questão. Pois bem, e o poder terapêutico exercido por nós todos, «managers de l'âme:. na expressão de Lacan. j ustamente, seria neces.<;ário colocá-lo em questão, e ele maneira nenhuma apro~·eitá-Io, seja num sentido, seja no outro. No Jundo sinto-me dividido. Em artigo recente Guattari intitulou Lalng, que tinha se retirado em um convento no Ceilão para meditar, . . . «Laing divisé>. E ele (Laing), que tinha escrito, e tão bem, «0 eu divididO>. . . Maud Mannoni comentando o artigo de Guattar i já nos havia advertido: é isso mesmo, voces querem recuperar Laing com o espírito de organização, vocês querem desviar a atenção de questões ·que no nivel da práxis mereceriam permanecer abertas. Uma das questões que mereceriam permanecer em aberto 'é certamente aquela que denominamos a demanda, em se tratando de um grupo, u':"a instituição, uma organização. A Anáhse Institucional se propõe justamente analisar a demanda, ao mesmo tempo em que ela a conserva em aberto.
L.! Conservar a Abertura
A atitude de neutralidade, de esfinge, de analista instalado na sua poltrona, atitude de defesa que me foi proposta e ensinada em longos anos de análise didática não me convém. Nada tenho a fazer com
ela. Considero importante, no que me diz respeito, desmistificar essa atitude, esse vocabulário de frases feitas, essa atitude não diretiva apoiada em palavreado mais ou menos fenomenológico. O discurso que me fo i proposto como o falar terapêutico tem ares de impostura. Acho que Lapassade faz muito bem de não se deixar tratar de louco, ou neurótico. Na verdade, uma maneira de classificar as pessoas sabe muito se valer de uma nomenclatura psiquiátrica para responder a objeções. Sabemos que a loucura é um limite e que nossos fantasmas nos rodeiam. Não estamos pedindo a ninguém fazer-nos conhecer essa realidade, sendo que é a de todos nós. Nem Psiquiatria, nem Psicologia. Que fazer? Conservemos a abertura, isto é, não encerrar o debate, não deixar constituir um <setor reservado da transferênci,:.. No entanto, sab~mos que conservar a abertura evoca permanentemente riscos de dispersão do grupo (a promoção burocrática não poderia jamais permitir que os clientes candidatos se dispersassem), ruphua violenta, contestação, enfim acting-out, que procuramos minimizar reduzindo o processo a um aspecto pré-determinado. O controle permite sobretudo evitar conflitos (em sociedades psicanallticas encontramos freqüentemente esse caso) que lembrassem a possibilidade de uma aventura, de uma experiência aventurosa aberta em direção à demanda, aos desejos múltiplos e cont raditórios de grupos e indivíduos cuja realidade e história estariam em pauta. Acting-out por excelência, conservar a abertura !!1ignifica subverter o dilema atuação (<mala palabra>)ja~o (cbuena paIabra>).
NOTAS
• Acracleço a M.u Pagb, assim como a sua equipe, por toda atenç1o que me t!m proporcionado, lnclusi'te confiando-me uma cópia de&ta cuta. • Documento redllldo pelo HQr upo Latlno-Amer!uno de Pslcodrama•. Meus agradetlmtntoa a Raimundo que me prooorclonou conhecer nte documento.
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Diretório Acadêmico e estudantes: dois blocos que não se comunicam. Foi o que constatou a Análise lnst i· tuclonal feita pelo D.A. e pelo Setor de Psicologia Social da FAFICH, em três dias de debates . onde compareceram cerca de cinqüenta alunos da UFMG. Os estudantes que não transam com a direção do D.A. se sentem Inibidos em participar dos trãbalhos que ele desenvolve. "Existe um clima de repressão, na maioria das vezes acima dll consciência do aluno, que o leva a um Individualismo. Ele não pensa em se unir . com os colegas para fazer as coisas. O estudante universitário lntemaliza a institui-ção sem questioná-la. Isso castra sua capacidade de criação ", disse um dos participantes dos debates, acrescentando que Meste clima de repressão aparece sob a forma do listas de pre-sença, sistema de notas, negação de participação polft lca e até casos de atuação policial ". A Anál ise Institucional foi realizada na quarta, quinta e sexta-feira da semana pas-sada, e no principio, a Instituição colocada em xeque era o DA. de Filosofia e Ciên-
cias humanas. Mas . as discussões evoluíram no sentido de se questio.nar também todo o sistema universitário de ensino. Os problemas e grilos foram sendo colocados e as possi vais soluções começaram a aparecer , num clima pac if i-co, sem contudo deixar de ser polêmico. Depois de muita conversa produtiva e também de muito blá·
blá-blá, os participantes começaram a pôr em prática o que haviam decidido: desde sá-bado passado a sede do D.A. virou uma
oficina. Todo mundo trabalhando, fazendo colagens, cartazes, poesias. Um grupo faz
teatro-jornal, algumas pessoas se reuniram pra fazer o Impresso 2222. Enfim, os estudantes crian-
do. auto-gerindo. Mas Isso é apenas o inicio de um processo. Este trabalho não deve parar, nem ficar restrito ao
pessoal que atuou até agora. Queremos que você também participe desta nova fase do seu Diretório Acadêmico. D.A. D.A.
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IDEIAS & FATOS
PSIQUIATRIA SOCIAL
Crítica do Hospital Psiquiátrico de Minas Gerais
1. As Perspectivas da Psiquiatria Social
cNunca a Psicologia pode-rá dizer a verdade sobre a loucura, já que ~ essa que detém a verdade da Psicologia•
(Michel Foucauft)
Não há uma concordância entre os diversos autores quanto ao significado e aos limites do que se convencionou designar de psiquiatria social. O termo abrange uma variedade muito grande de trabalhos, que vão desde os aspectos sócio-culturais da díade psiquiatra-paciente até o estudo comparativo das manifestações de determinada doença mental em diversas culturas. Assim sendo, comenta-se muito a dificuldade de se definir a nova disciplina, bem como a ambiguidade de sua denominação e a heterogeneidade de seus objetiv~. Para cada
autor haveria uma «psiquiatria social:., e esta estaria exigindo uma sistematização, para que as futuras investigações não se percam no emaranhado dos conceitos. Apesar de todos os obstáculos, podemos constatar que é crescente o número de trabalhos que se consideram filiados à psiquiatria social, assim como o interesse dos psiquiatras e de outros profissionais por esta área. Nela inclulmos o pre-sente estudo. Não queremos iniciá-lo, porém, sem apre-senta r algo que já foi realizado visando uma sistematização, o que poderá ser útil ao desenvolvimento de nossas reflexões. Uma destas tentativas, que em parte resumiremos, relaciona - por um lado -as furzró~s e - por outro lado - os campos que têm sido identificados com a psiq uiatria social. 00
Entre as funções, duas se re veste m de importância fundamental: 1. Assisténcia. 2. Ptsquisa. Quanto aos campos, podem ser de complexidade e- magnHude ascendentes:
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a) Diade psiquiatro-pat:iente. b) Tnslifui&ões. c) Coletividades. De acordo com estas dispoções, teremos: Ja: a psiquiatria social se realiza na relação mínima J: t, significando a compreensão deste encontro como acontecimento sócio-cultural. Esta perspectiva está presente, por exemplo, na obra de SULLIVAN. " 1 b: incluem-se, neste nível, as tarefas assistenciais que envolvem a utilização de grupos a serviço do paciente (ambíentoterapia, comunidade terapí!utica, atendimento de familiares e outras modalidades). Nesta linha incluímos as proposições de j ONES" e de ACKERMAN. ' /c: neste item podemos situar as formas de atendimento que abrangem grandes comunidades (assistência psiquiátrica setorizada, por exemplo). Esta preocupação está presente no trabalho de SIVAOON. " 2a: a psiquiatria social, nesta faixa, representa-se por investigações sobre a diade psiquiatra-paciente. Mencionamos um trabalho realizado entre nós por PORTELA. •• 2b: caberiam aqui os estudos a respeito das instituições psiquiátricas, ou das famílias dos pacientes. Incluímos, nestes caso, a pesquisa de CAUOILL. ' 2c: a psiquiatria social é relacionada com estudos e pesquisas que abarcam as coletividades. Aproxima-se da sociologia e da antropologia cultural. Compreenderia, por exemplo, os enques encontradns em BASTIDE • e W tTTKOWER ", respectivamente. O esquema que acabamos de apresentar é muito abrangent·e., e faz da psiqu.iatria social uma disciplina hípertroliada.
Os autores ingleses tendem a usar o termo em seus significados la, I b e I c. Já os autores norte-americanos preferem aqui a denominação «psiquiatria cumunitáriu, reservando o rótulo <psiquiatria sodal> para os sentidos 2a, 2b e 2c. Uma exceção é LmOIITON, que engloba na psiquiatria social tanto as funções de assistência como as de pesquisa, incorporando-lhe todos os itens mencionados. " Não terminaremos estas considerações sem nos determos num autor francês, BASTIDE. • Segundo sua sistematização, a psiquiatria social seria um capítulo particular da psicologia social; esta se interessaria pela socialização do indivíduo enquanto que aquela por sua dessocialização. O estudo dos grupos e das coletividades ficaria a cargo da sociologia das doenças mentais (dimensão social) e da etnopsiquiatria (dimensão cultural). A medida em que a psiquiat ria tem uma preocupação primordial com o individuo, mesmo quando recorre aos grupos e às coletividades, de acordo com 8ASTIDE, a psiquiatria social compreenderia os itens I a, I b, I c e 2a. Os itens 2b e 2c ficariam reservados à sociologia das doenças mentais e à etnopsiquiatria. Finalmente, cumpre registrar, ao lado destas sistematizações (e não sabemos até que ponto nelas interferindo), o enfoque que considera o «social:t não como um capitulo, mas como uma dimens(Jo da psiquiatria.
lt Crítica do Hospital Psiquiátrico de Minas Gerais : lntroduçlo
Este é um trabalho sobre os hospitais psiquiátricos de
Minas Gerais. Partimos de um objetivo bem definido : identificar as motivações ou as necessidades q ue, em nosso meio, têm determinado a internação de pacientes nos hospitais psiquiátricos. E" nossa intenção examinar, sobretudo, o sistema de relações interpessoais, no qual estão presentes, entre outros fatos, a exclusão de uma pessoa de seu meio sócio-familiar e a sua inclusão numa subcomunidade instituída. Para uma melhor exposição, passaremos em revista inicialmente os setores da comunidade envolvidos no problema, em seguida as próprias instituições psiquiátricas e por fim os pacientes (Intencionalmente em último lugar). Procurando alcançar os objetivos propostos, recorreremos a impressões e reflexões sobre nossa experiência neste campo, a estudos de autores locais e a contribuições de autores estrangeiros, que nos dispusemos a reelaborar, adequando-as à nossa realidade. Nossa critica é uma generalização. Quanto aos aspectos tratados neste trabalho, acreditamos que os diversos hospitais psiquiátricos mineiros diferem entre si apenas quantitativamente. Cumpre, porém, diante de cada ca.so concreto, precisar a sua realidade. Da mesma forma, levantamos a possibilidade de uma analogia entre o que ocorre em Minas Gerais e em outros Estados. Não cremos que os fenômenos aqui relatados sejam como um simples adjetivo que se juntou a um substantivo e que a qualquer momento pode se desligar dele. E ' o hospital psiquiátrico mineiro em sua t6talidade, portanto, que está em questão.
10. A Comu.nidade
O setor da comunidade que mais de perto nos interessa no desenvolvimento deste trabalho são as familias dos pacientes. Ut ilizaremos ainda o termo em seu sentido geral, ou referindo-nos a outros setores diretamente implkados nas situações (organismos policiais ou de asl;istência social). Que motivações poderiam conduzir uma família a inter nar num hospital psiquiátrico um de seus membros?
Terapêutica
A resposta que primeiro s urge, e que parece a mais razoável, é a necessidade terapêutico. Diante de uma pessoa em crise, seus familia res procurariam ajudá-la, buscando no hospital os recursos exigidos para o seu tratamento. Convém fa.zer alguns comentários sobre as concepções de doença mental e de tratamento mais comuns em nossa comunidade. Uma delas consiste em considerar a crise à semelhança de um corpo estranho, que o médico ( ou o místico) deVe remover. Constitui uma recusa a admitir as vivências impugnadas como uma parte do paciente. Outra concepção compreende a .doença como uma liberação caótica e despropositada de certos conteúdos da vida mental. E' o individuo <desparafusado:., para o qual o remédio é um <parafuso>, ou seja, a supressão de tais vivências emergentes. Citaremos ainda a tendência a bipartir o paciente, diferenciando-se nele uma parte sa e uma parte enferma. E' o caso, por exemplo, do familiar do alcoólatra, que nos diz: : «fulano é uma
pessoa boníssima, seu único defeito é o de beber>. Ao assim dizer, fica implícito um pedido: cpor favor, doutor, retire-lhe apenas o vicio de beber, porque o restante está boml>. Não se percebe a relação entre o impulso à bebida e os outros aspectos da vida do paciente. Restringe-se cuidadosamente a problemática a um compartimento. O que é um artifício tendencioso, pois, se formos explorar o conflito em sua real extensão, muitas vezes o próprio familiar se vê nele incluido. O que prevalece na concepção de tratamento de nossa comunidade, como se observa, é a supressão do conflito, e não a sua expressão e o seu exame. Mais adiante veremos que nossa prática psiquiátrica, habitualmente, procura efetivar as referidas exigências das famílias. O fato da comunidade recorrer ao hospital psiquiátrico com o propósito de ajudar o paciente ocorre numa freqüência muito menor do que se supõe. Nem sempre a intenção explícita corresponde à intenção preponderante. E' muito comum, entre nós, o psiquiatra colher as infor,mações trazidas pelos parentes e tomá-las como efetivas, numa atitude crMula que leva a uma visão distorcida do paciente. Embora na maioria das vezes s urja da família a iniciativa da internação, raramente seus propósitos são questionados. Nos últimos anos temos caminhado neste sentido, através de entrevistas com os familiares e da observação de suas atitudes. Supomos que quando o desejo de ajudar é o principal, as atitudes da famllia, do pacienti! e do psiquiatra tendem a fazer
do atendimento extramural (ambulatório, consultório) a alternativa preferida. A esta altura, uma nova pergunta fica subentendida : que outras finalidades estariam subjacentes à hospitalização? Cremos haver várias respostas. Procuraremos expor as que nos parecem mais importantes.
Rejeição
Em primeiro lugar, citamos a rejeiçlio. Certa vez, ouvi de um paciente: cexistem pessoas que possuem problemas, e existem pessoas que são problema.s, e eu . tenho muito medo de ser uma pessoa-problema:.. Este é o caso de numerosos indivíduos dos quais as famílias procuram se livrar, abandonando-os nos hospitais psiquiátricos. As vezes são portadores de lesões orgânicas irreversíveis. Outras vezes, são personalida-des profundamente transtornadas. E' freqUente, porém, o aspecto psiquiátrico servir apenas de pretexto, si~ tuando-se o problema em outros niveis (sócio-econômico, por exemplo). Ao· servir de abrigo para a rejeição, o hospital se trans-. forma em depós ito de pessoas, consideradas como re.;. talhos humanos. Sua função passa a ser a de encobrir partes frágeis da comuni-dade, evitando um contraste que poderia ser criador.
Segregação
Em segundo lugar, passaremos a examinar a segregarão . o paciente psiquiátrico pOde constituir-se nu!fl perigo rea l para a famiha e para a comunidade. t:;sta noção é bastante conhecida. O que ainda não foi suft-
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cientemente esclarecido e divulgado é o tanto que este perigo é imaginário, e o tanto que o <louco, é agredido pela sociedade, que nele vê refletida a sua própria agressividade. Um dia na sala de admissões de um hospital público é o bastante para percebermos a hostilidade dos familiares e dos policiais no trato com os pacientes. Infelizmente, de modo mais ou menos dissimulado, esta atitude persiste após a internação: seus pertences lhes são retirados, um macacão lhes é imposto, processa-se seu confinamento nos pátios das enfermarias superpovoadas, tudo isto num clima de relações interpessoais que seguem o modelo de uma extrema reificação. " A sociedade efetua uma divagem, uma discriminação : de um lado, os doentes, isolados nos hospitais psiquiátricos, de outro, os sadios, correspondendo ao comum das pessoas. Os enfermos são escolhidos entre aqueles que evidenciam certos caracteres que a sociedade repudia e coíbe em si própria. A saúde mental, entendida como a ausência de doença mental, passa a se constituir num dos valores mais efetivos na atualidade. A mitificação age como tranqüilizndor social: a noção de doença mental emerge da necessidade de uma resposta para os conflitos morais. " Na civilização ocidental industrializada, está substituindo com vantagens a noção de demônio. A comunidade se sente aliviada ao trancar nos hospitais psiquiátricos a loucura, a melancolia, a anti-sociabilidade, a homo~sexualidade, enfim, aquelas características vetadas por sua censura. Assim proei!dendo, os individuas vivem
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a ilusão de que nada daquilo tem a ver com eles, e a existência de pessoas segregadas embala esta tranqüilidade.
Punição
Em terceiro lugar, passaremos a considerar a punirão. Em nosso meio, a idéia de saúde mt:ntal está associada à de normalidade cultural, e em conseqüência, a psicopatologia está baseada no desvio. Doente mental é aquele que infringiu as pautas de comportamento, ou melhor ainda, as pautas existenciais socialmente determinadas. Explícita ou implicitamente, esta é a concepção dominante. Nesta perspectiva, o transgressor deve ser punido, como reparação e corrigenda. A sociedade, porém, é ambivalente. Ora defende a punição de modo aberto e incisivo, ora vê nela uma irracionalidade. Novamente o hospital psiquiátrico aparece como solução. O regime de internação, assim compreendido, assemelha-se aos mecanismos de <formação de compromisso•, descritos por Freud 10
: o individuo é punido, mas isto se faz conforme uma derapêutica:., que dota a punição de uma aparência amena ou aceitável. Parece-nos indubitável uma função punitiva de nossos hospitais. A simples internação já cumpre por vezes este fim, à medida em que exclui a pessoa de sua habitual vida familiar, sexual, profissional - atingindo todo o seu sistema de relaçôes, portanto. Além disto, I) ambiente hospitalar é comumente privador e coercitivo. A pobreza em recursos materiais (nos hospitais públicos, principalmente) · e
humanos (em todos), aliada à restrição de suas liberdades, faz com que os pacientes cedo percebam as «leis• da casa em que se encontram.
Certa ocasião trabalhei numa enfermaria Que estava com mais de cem pacientes, com uma média diária de cinco admissões, contando com dois médicos, e duas ou três atendentes em cada turno. Ouvi, então, de uma paciente que havia sido internada em crise psicótica: cisto aqui não é um hospital, é uma cadeia, e o senhor não é um médico, é um carrasco).
O psiquiatra participa da trama. Assume um papel censor e punitivo, constituindo-se num suporte real para as projeções dos pacientes, com poucas possibilidades de um relacionamento novo e criativo. Na maior parte dos casos entra em contacto com o paciente quando este já foi internado. c:Estã na condição de alguém Que assume a direção de um automóvel em movimento, com poucas po~ sibil idades de frear, ou de escolher outro caminho:. ...
A iniciativa parte da famllia, dos órgãos de assistê~ cia social, da policia, de outros médicos - mas poucas vezes dele. Chegamos ao irônico discernimento de que a sua alienação lhe dificulta uma aproximação personalízante do paciente.
As suas funções já foram traçadas por outros, só lhe resta executá-las.. Quando perfilamos algumas técnicas psiquiátricas (choque cardlazóliço, eletrochoque, coma insulinico, lobotomia, im· pregnação medicamentosa), perguntamo-nos !\e é uma casualidade o seu aspecto agressivo.
lnvalidaçdo
Em quarto lugar incluímos a invalidação. Assim estamos denominando a ação corrosiva da liberdade de uma pessoa sobre a liberdade de outra, de tal modo que esta última termina sendo identificada como inválida ou doente mental. E~ ta noção, baseada no texto do CooPE.R •, está presente em outros autores, que nos alertaram para o problema. •· .. A invalidação é um processo que implica numa série de medidas adotadas por certas famílias, visando anular as tentativas de vivência a utônoma de um de seus elementos. Não pretendemos nos aprofundar neste problema. Queremos apenas afirmar que ocorre com grande freqüência em nosso meio. Todo grup() familiar po~ sui um sistema de normas; muitas vezes, normas confusas e inflexíveis. Há situações em que uma pessoa do grupo resolve separarse. Verifica-se, então, uma reação da parte dos outros componentes, que tentam impor sua autoridade. Se fracassam, podem ainda buscar fora da famflia um reforço para as suas pretensões. Existem casos em que esta crise se torna tão grave Que o ensaio de inde"pendência acaba por levar a pessoa a um hospital psiquiátrico. O psiquiatra, no consenso das famílias, quase sempre é tido como uma pessoa poderosa, capaz de exercer sobre a conduta Qualificada como enferma uma influência corretiva. Mencionaremos uma outra possibiildade. Existem circunstâncias em que o grupo familiar tem a n~ssidade de eleger um de seus membros para exercer um papel
que comparamos ao de um <pára-raios:.. A escolha se baseia na fragilidade ou no npo de personatidade do eleito. A partir de então, ele se torna o escoadouro dos impulsos hostis. Verifica-se, assim, um deslocamento: a agressividade q ue não pôde ser expressa em relação à pessoa apropriada, encontra no futuro doente mental um alvo substitutivo. Numerosas são as situações em que, em nossa sociedade, um individuo se v~
na contingência de suprimir (ou de reprimir) seus impulsos agressivos. Isto se obser va tanto no âmbito internacional como no âmbito interpessoal mais restrito. Focalizando o meio familiar, podemos ver como o cotidiano de cada pessoa está carregado de momentos em que a sua hostilidade deve ser contida. As restrições estão em todas as partes: é o empregado que não deve responder ao patrão, é o funcionário que não deve desagradar o cliente, é a esposa que não deve discordar do marido. Não há vagas, é proibido, tem que pagar. A competição promete mais do que os meios podem proporcionar. São, poré.m, os fatores inconscientes que assumem urna importância primordial nos fenômenos referidos: além das frustrações prove· nientes das coibições externas, as pessoas sofrem a censura das representações fantasmát.ícas interiores. Se a agressividade não for de algum modo esvaída, uma ameaça começarlt a rondar. Há famílias que não conseguem outra saída se-não a de escolher um de seus componentes como vitima. A violência é exercida, alguém é imolado em holocausto ao grupo.
Existe maneira mais efici· ente de invalidar uma pessoa que não seja a de identificá-la e fazê-la identificar-se como doente mental? • A psiquiatria seria novamente envolvida, com a finalida-de de <abençoar> o sacrifício, emprestando-lhe um r-itual médico bem definido. Cremos que em nosso meia a hospi talização tem sido o recurso preferido para este fim. Embora não possamos apresentar um estudo pormenorizado da complexa dinâmica familiar dos pacientes, podemos caminhar o suficiente para reconhecer evidências significativas. O caráter compulsório de um grande número de interna~ ções é um dado expressivo. Os pacientes não vêm, são trazidos, talvez como <eles não vivem, são vivid~. E quem os traz, geralmente, são suas famílias, as grandes esquecidas da psiquiatria. Somente nos últimos quinze anos nasceu a preocupação de um estudo sistematizado e intensivo das famílias, por parte de alguns psiquiatras. Preocupação que entre nós ainda é uma esperança. Em nossa prática, ainda não fomos capazes de entender o tanto que cada farnl lia ~ traz através de seu paciente, ainda não conseguimos lidar com a sua fragilidade exposta nele: limitamo-nos àquele que se internou, e o nosso reducionismo nos frustra, pois o enigma se tornou insolúvel. Um outro dado que passa· remos a comentar é o ele· vado índice de reinternações. Levantamentos estatísticos de um hospital público de Belo Horizonte revelamnos que, das 7.450 admi~ sões de pacientes da capital ocorridas num período de &ete anos, 3.463 (4ô,5%)
foram reinternaçóes. •• Nllo possuímos levantamentos sobre os pacientes previdenciários, mas sabemos que nestes casos o índice é maior. Podc:ia ser objetado que o falo de haver uma percentagem elevada de reinternações não implica, por si só, na existência de um processo de invalidação. Esta objeção é importante, porque nos atenta para outros fatores responsáveis pelo reingresso de um paciente num hospital psiquiátrico, mas não chega a abalar nosso ponto de vista. Baseamo-nos também em observações não quantificáveis, algumas das quais preten. demos relatar. Internar um paciente, em nosso meio, significa classificá-lo. A pessoa passa a ter uma nova identidade. Um rótulo, um enquadramento. E' verdade que este processo se inicia no ambiente fal)liliar, mas o hospital o institucionaliza. A pessoa recebe um diagnóstico. E' controvertida a importância do diagnóstico em psiquiatria. Mas, além (ou ao lado) do aspecto racional do problema, existe outro, éticoirracional: o diagnóstico é discriminatório e estigmatizante. O patológico é identificado com o mau, e o patológico, aqui, é a totalidade da pessoa, ou seja, é o esqui:tafrênico, é o obses· sivo, é o PP.
Uma vez egresso do hospio individuo enfrenta, além de sua problemática anterior, os entraves desta no· va identidade. T odas as suas atitudes estão sujeitas a uma vigilância perseguidora. Suas iniciativas encontram maiores resist~ncias, e suas falhas são punidas com severidade exacerbada. Quem se internou pela primeira, vez, é reco-
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nhecidamente um candidato sério a novas hospitalizações. Há pouco tempo atendi a uma paciente que havia sido reinternada porque brigou com sua irmã. Seu corpo estava marcado pclas agressões sofridas, e na anamnese constava que também cometera semelhantes agressões. Na entrevista, uisse-me: «eu briguei sim, quase arranquei os cabelos dela, e eles resolveram o problema me internando; é que eu sou a doida~>. Quando enfatizamos a violência que certas famílias p r a t i c a m contra um de seus elementos, ou quando comentamos a continuação desta violência no âmbito hospitalar, não estamos negando a inferioridade dos sentimentos persecutórios. Os mecanismos projetivos exercem papel fundamental nos deUrlos paranóides. O que estamos tentando mostrar é a precariedade dos limites entre o mundo externo e o mundo interno. O que em outras palavras consiste em interrogar em que proporção a perseguição é uma realidade na interioridade do outro. Perguntaríamos ainda, com base em ce.rtos autores ", se não seria mais importante ao invés da subjetividade, investigar a intersubjetividade, ou melhor ainda, o sistema de relações das pessoas atendidas. jACKSON, estudando a dinâmica familiar do paciente esquizofrênico, chegou à conclusão que ele exerce um papel de equílibrio: sua melhora muda toda a situação intrafamiliar. '·" E, entre nós, é percebida por muitos a ação sabotadora que alguns familiares de psicóticos exerxem sobre o seu atendimento. Não ser ia o isolamento do paciente, então, uma atitude ina-
dequada, uma tentativa de <reduzir o irredutiveb? O êxito alcançado pelas té<:nicas psicoterápicas individuais tem-se verificado quase sempre com pessoas r elativamente autônomas, cujos problemas se situam mais ao nivel de sua famllia fa ntasmática. Aqueles que se encontram em nossos hospitais psiquiátricos estão num estágio anterior: ainda se ligam fortemente às suas famílias reais. Ao que tudo indica, teremos que evoluir à procura de novas técnicas, capazes de penetrar no âmbito das crises familiares, das quais só nos tem restado sacramentar e remoer os escombros.
Benefício
Em quinto lugar, citamos o beneficio. Este termo é concebido como o ganho espürio que as famllias ou a comunidade obt~m com a internação dos pacientes. O benefício advém do afastamento (ou da negação) de um problema, encontrado como o meio mais fácil de c:resolv~-lo:., ou da utili.:zação da doença como um pretexto para a obtenção de regalias institucionali:zadas. Voltaremos a falar sobre este tema, bem como sGbre invalidação, em outra parte deste trabalho. Ao fim deste capitulo, alguns comentários com o intuito de síntese. Eni re as principais motivações responsáveis por nossas hospitalizações psiquiátricas, apon· ta mos a terapêutica ( enten• dida como terapêutica ·su· pressiva ou repressiva), a reje.ição, a segregação, a punicão, a invalidação e o benefício. São fatores que nos casos concretos estão associados, em intensidades variáveis.
Somos de opinião que nossa comunidade, ou setores dela, na maioria das vezes utilizam a internação como um meio de exercer sua agressividade com relação a certas pessoas, embora ao nível consciente ou explícito a hospitalização se processe em nome de cuidados assistenciais.
IV. As Instituições Psiquiátricas
A) Os Hospitais Psiquiátricos
E' muito comum o fato de ~ertas instituições s e r e m criadas para superar determinadas necessidades, e aos poucos, tomarem a si próprias corno um fim. A partir deste ponto, desvirtuam suas finalidades originais: ao invés de ajudar a comu•tidade a superar suas necessidades, agem no sentido de perpetuá-las. Há, deste modo, um esclerosamento destas instituições. que não mais se constituem em fator de solução, mas em fator de preservação das exigênc.ias em função das quais foram criadas. F.stariam nossas instituições psiquiátricas incluídas nesta perspectiva? Acredi tamos que sim. No capítulo anterior, comentamos a cobertura que dão à ag"ressividade velada das famílias e da comunidade. Trataremos agora de examinar em que grau contribuem para a manutenção e agravamento destas condições. A este respeito, nosso ponto de vista básico é o de que a estrutura que tem o ltospital como centro transFormou-se em fator de internação. O que se traduz assim: a maioria das admissões se rea.liza não por-
que o paciente precisa, mas porque o hospital precisa. Este e um dos motivos pelos quais a atitude invalidante encontra tanta ressonância nestes estabelecimentos assistenciais. Certa vez, cheguei à conclusão que 70% de meus pacientes pre\'Ídenciários estavam hospitalizados desnecessariamente. E que entre os outros, muitos não teriam chegado àquele estado se contássemos com um atendimento ambulatorial adequado. Alguns hospitais públicos constituem uma aparente exceção, uma vez que tudo fazem para <dar alta:. a seus pacientes. Mas a exceção é realmenie aparente, pois, mais do que em outros lugares, ali se evidencia o esclerosamento da instituição. c.Dar alta-. significa reduzir o ônus, acalentar a acomodação, expulsar o indesejável. O ideal destes hospitais é funcionar com o mínimo de pacientes capaz de garantir a sua existência coma hospitais. Se a lguma reformulação é proposta, como, por exemplo, a ênfase no cuidado ambulatorial, as resistências se manifestam com toda a sua intensidade. ' A esta altura, toma-se oportuna a indagação: não seria a própria doença mental uma ins tituição, ou uma invenção social? Isto pode parecer um absurdo, principalmente quando dito a psiquiatras. Mas esta impressão inicial não nos deve impedir de considerar cuidadosamente a questão. Iniciemos com SzASZ: <~ doença mental, é óbvio, não é literalmente uma <substância,. - ou um objeto físico - e por esta razão ela pode ccxistir> somente do mesmo modo que outros conceitos teóricos existem ... " Em outras pala-
vras, diríamos que aplicar o termo doença ao que se observa ao nlvcl da mente é admissivel apenas com~ uma metáfora. E o que se tem feito é utilizar uma metáfora no seu sentida líteral. Do ponto de vista teórico, o conceito de doença mental representa uma reminiscência do esquema dualista cartesiano, introduzido no campo da psiquiatria. Do ponto de vista prático, acarreta várias conseqüências, como a de induzir à adoção do modelo médico na abordagem dos aspectos psíquicos. A seqüência metodológica de exame, diagnóstico, prognóstico, tratamento e cura, bem como o critério de objetividade e o procedimento corretivo, são apropriados apenas para os aspectos somáticos. Parecenos estranho a psiquiatria querer apegar-se a um modelo de cujos limites a própria medicina está procurando libertar-se. Em nosso meio, por exemplo, percebemos esta procura, expressa num princípio que ouvimos d.o cardiologista ÜRJN· BAUM: <ver o corpo no homem, e não o homem no corpo:.. Ao extrapolar o modelo médico para o campo do psi· quismo, a psiquiatria se converte numa pseudomedi:cina, que opera visando retificar pessoas. Propõe-se a c:retitar:. a depressão do deprimido, a ansiedade do ansioso, a insônia do insone, o delírio do delirante, os desvios dos anti-sociais, e assim por diante. Trabalha visando uma ausência, que subentende uma presença, a do igualitarismo conformista e to talitário. Caricaturando, compraríamos esta tarefa à de uma indústria que usasse como n•alériaprima os doentes para, em
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série, tentar produzir indivíduos nonnais. Nossos hospitais convertem-se, assim, num leito de Procusto para aqueles que neles ingressam.
Estamos relatando sob vários ângulos o fato de uma pessoa ser hospitalizada a partir da vivência inautêntica de outras pessoas. O conceito de doença mental, nestas circunstâncias, seria uma construção útil para satisfazer aos anseios ló gicos de uma civilização racionalista. Dizer que uma pessoa é doente mental significa dizer que ela tem alguma coisa. Significa circunscrever o problema a esta pessoa, mascarando as suas relações interpessoais, e, portanto, a envolvência de outros indivíduos na questão. Combater o mito da doença mental não equivale, como querem alguns, a negar a importância dos fatores orgânicos. O que se procura é situar esta influência, compreendendo que, por maio-res que sejam os progressos neste campo, serão neceriamente insuiicientes para esclarecer o fenômeno em toda a sua complexidade. O fato de um epiléptico ter uma lesão cerebral não exclui o seu relacionamento com os outros; e é exatamente nesta convivência que a sua problemática é tecida.
Não se trata, tampouco, de negar a existência de conflitos graves que demandam cuidados específicos. O que se pretende é justamente um exame mais amplo dos conflitos, a partir da crítica de um procedimento que tem contribuído para distorcê-los e agravá-los. Nossa afirmação inicial de que o hospital psiquiátrico mineiro está a serviço de
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necessidades alienantes da comunidade, encontra fundamento ainda no descaso ou mesmo na oposição que ele tem exercido ao desenvolvimento da psiquiatria comunitária. '· • No Brasil, no período de 1960 a 1965, as neuroses passaram do oitavo para o terceiro lugar de nossa nosologia hospitalar. • Podemos garantir que em Minas Gerais houve mudança semelhante. Entretanto, neste período, houve o advento dos pslcofármacos, e entre nós, um melhor conhecimento das técnicas psicoterápicas. Não seria este descompasso um indício de que o nosso hospital, além de efetuar a segregação; ainda é fator agravante?
O gigantismo hospitalar centrou-se em si próprio, e tudo o mais torno11-se apêndice. Os ambulatórios são comprimidos e relegados, e nem esforços reiterados conseguem retirá-los desta condição.
Na realidade, não existe, ou quase não existe alternativa. O psiquiatra, ao receber um paciente, vê-se de imediato na contingência de internálo, pois o contrário equivaleria a não atendê-lo. Ou então a atendê-lo às pressas, numa relação rápida, superficial, pouco gratificante e pouco personalizante.
A hospitalização surge como uma salda viável, com a vantagem de proporcionar a ilusão de um cuidado mais intensivo. Mas ao ser emitida a guia, rompe-se o frágil vínculo, pois é um sistema de rodízio que designará o hospital. Por que motivo, trabalhando nesta estrutura, haveremos de reduzir toda a problemática a alguém catalogado como enfermo?
B) Os órgãos Previdencidrios
Um Ministro de Estado, referindo-se a um de nossos órgãos previdenciários, comparou-o a um dinossauro, numa alusão do seu porte e ao seu arcaísmo. Os gigantes estão se mostrando impotentes diante dos problemas psiquiátricos. Tem sido atribuída a eles a responsabilidade pela atual si·
·tuação da psiquiatria; ao mesmo tempo, atribui-se à psiquiatria a responsabilidade pela gravidade crescente da situação dos institutos. Este jogo, como era de se esperar, em nada muda o rumo dos acontecimentos. Há, assim, uma interessante simbiose, através da qual os institutos e os hospitais psiquiátricos se identificam ao assinarem os contratos e se diferenciam ao perceberem as falhas. Considerando-os separadamente, observamos que, por serem a parte contratante, os órgãos previdenciários demonstram maior inquietude face ao panorama assistencial vigente, talvez motivados pelo impacto do aumento vertiginoso das despesas e pelas pressões exercidas por alguns beneficiários e psiquiatras. Contudo, as reformulações até agora introduzidas têm-se resumido a uma burocratização enervante e inútil, baseadas em análises simplistas e contraditórias. Exemplificando: ao mesmo tempo em que os dirigentes reclamam do excesso de internações em nossos hospitais, procurando impedi-las com um ritual que tanto tem de complicado como de ineficaz, eles remuneram satisfatoriamente o cuidado hospitalar e irrisoriamente o atendi· mento extramural. Por outro lado, as tentati-
vas de reestruturação ong•nárias de algum hospital ou de algum grupo se perdem quando defrontadas com as normas inarredãveis das volumosas instituições. • Numa oportunidade, fizemos algumas sugestões a um supervisor de um instituto, que nos respondeu: c:eu concordo com os pontos de vista de vocês, mas não posso atendê-los; eu aqui sou apenas um funcionário de uma instituição>. Esta impessoalização que torna o individuo c:uma peça da engrenagem>, se por um lado é tolhedora, por outro faz com que não se sinta responsável pelo que ocorre. O supervisor nos dirá que apenas obedece a um chefe, que obedece a outro chefe, que obedece a um chefão. Se nos aventurarmos a chegar ao chefão, receberemos uma r e s p o s t a prudente: <sinto muito, mas apesar do meu cargo (ou devido a ele), não posso deferi-los; tenho que respeitar normas já estabelecidas>. Os dinossauros fixaram-se no tempo e uma das conseqüências de sua alienação é a hipertrofia do hospital psiquiátrico.
V. Os Padentea
No paciente não está a única, nem sequer a principal razão de sua internação, embora haja uma tendência a atribuir o fato à sua doença mental. Abstraí-lo de seu mundo e estudá-lo como indivíduo isolado é cometer aprioristicamente uma cisá(). E' necessário incluir, pelo menos, os familiares e os integrantes do corpo assis· tencíal para tornar a equação compreensível. O que se tem feito, porém, visa discriminá-lo e reduzi-lo a um me.smo objeto de tratamen-
to. Quase todas as possibilidades de efetivar sua condição de sujeito estão bloqueadas. Ele não escolhe seu médico. Não escol!te o tipo de atendimento. Ele não remunera (na maioria dos institutos, o pagamento do paciente independe do tratamento). Não há, com o terapeuta, um relacionamento íntimo e duradouro. Ele não se sente responsável pelo êxito. Acabamos por concluir que, ao seu mundo dividido, se justapõe o mundo dividido do psiquiatra. <Não é o psiquiatra ou a sociedade que criam a loucura, mas eles são responsáveis pela maneira com que ela se cristaliza nos asilos:.. •• O encistamento foi a resposta que temos encontrado para aqueles que nos trazem seus conflitos. Este fenômeno, visto do ângulo do paciente, manifesta-se de duas maneiras diferentes. A primeira é aquela na qual o paciente força a sua internação. Ocorre com grande freqüência nos organismos previdenciários. Verifica-se em pessoas que demonstram um indísfarçável desejo de não mudar o estado em que se encontram. Aparentemente, vêm à procura de tratamento, mas cedo se percebe que sua intenção é cristalizar os seus conflitos, ou seja, o que querem é precisamente o rótulo de doente mental (aliás, querem o que nossos hospitais lhe podem dar). Como poderíamos tornar inteligível tal comportamento? Aos motivos inconscientes, que Freud, identificou com o nome de resistência ", associam-se outros, que no âmbito deste trabalho nos cabe ventilar. A identidade de inválido, em nossa sociedade, muitas vezes é algo.valioso. A grande
ma10na dos segurados previdenciários percebe o salário minimo, ou pouco mais do que isto. Para conseguilo, deve cumprir tarefas árduas, além de arcar com o ônus de uma família geralmente numerosa. Quando uma pessoa nestas condições se vê perturbada também por conflitos de outra natureza, a internação se torna um chamariz irrecusável. <Adoecer> significa desincumbir-se das obrigações profissionais e familiares. Reduzir «uma boca:. em casa. Afastar o fantasma do desemprego. Candidatar-se a uma aposentadoria. Arranjar alguns biscates, que somados à pensão, perfazem um ganho muito maior. A simbiose paciente-hospital adquire, deste modo, características de modelo insuperável. E' a expressão de uma civilização que cada vez mais exige dos que trabalham e que cada vez mais paternaliza a doença. A s e g u n d a circunstância através da qual a loucura se cristaliza em nossas instituições ocorre quando o paciente é forçado a se internar. Predomina nos hospitais públicos, onde a ad· missão é atribuida à extravagância, à fuga da realidade ou à conduta anti-so-cial das pessoas indicadas. Quando nos aproximamos delas, verificamos que geralmente vivem num ambiente humano opressivo, embora a opressão possa se processar num clima de sutileza. Referimo-nos a esta dominação num duplo sentido: a pessoa é dominada pelos outros e por si própria (ela escolhe a situação, ou não lhe foi possível outra alternativa). Sua crise pode ser entendida como uma tentativa deseperada de reestruturação de sua interioridaue e de seu sistema
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de relações. • Quando um paciente nos diz que seu pensamento está sendo roubado ou adivinhado, ou quando experimenta a vivência das vozes dialogantes, perguntamo-nos sobre a conveniência de investigar se isto não é um reflexo da tondição de quem ainda não c! existencialmente autônomo, ou de quem vive uma crise de libertação de pessoas reais ou eidéticas. O psiquiatra, nesta conjuntura, é aquele que vai ccurar» o paciente, ou seja, fazê-lo retornar ao estágio anterior. Se não o consegue, se a rebelião persiste, ou se ela resiste malogradamente, então «O doen-te é crônico», então a internação é a sua sentença e o hospital o seu cárcere. Alguns querem invalidar estas hipóteses baseando-se na cetiologia orgânica das doenças mentaiS>. Seria realmente ingênuo não levar em conta este aspecto do homem. Sobre isto já fizemo~ comentários. Compete perguntar se a excessiva ênfase nos fatores somáticos não constítui uma recusa de cada um de nós em reconhecer a responsabllldade nossa e da comunidade nestes problemas. Num hospital psiquiátrico mineiro atendi, certa ocasião, uma mulher de 78 anos, viúva; entre outras manifestações, percebi uma amnésia anterógrada, indicando a presença de um processo de demenciação. A paciente referia-se às filhas, residentes em Belo Horizonte, com veemente agressividade. Dizia-se riquíssima, dona de muitas terras e de muito dinheiro, ao mesmo tempo em que denunciava suas filhas como ingratas e acusava-as por estarem querendo matála. Para ela, eu e as ou-
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tras pessoas do hospital fazíamos parte do mesmo complô. Na primeira entrevista que mantive com uma de suas filhas, colhi as suas impressões. Sua mãe sempre foi muito nervosa. Depois que ficou viúva (há 12 anos), passou a morar na casa dos filhos, permanecendo um período em cada uma. Seu nervosismo aumentava aos poucos, enquanto os filhos relutavam cada vez mais em recebê-la. Nos últimos anos mostrava-se inteiramente perturbada, e de nada valeram os trata.mentos realizados nos hospitais psiquiátricos. Pediu-me, encarecidamente, que a transfer isse para o Hospital Colônia de Barbacena.
VI. Considerações Finais
E' uma opinião bastante abalizada, a de que somente quem vive os problemas da assistência psiquiátrica pode avaliar as dificuldades que a prática nos apresenta. Tais problemas coincidem, no fundamental, com os mais sérios da própria condição humana. O que mais nos angustia, porém, não é isto. E' a impressão de que nossa psiquiatria está contribuindo para ampliá-los. E' a constatação de que está padecendo das mesmas deformações, num processo que assume gravidade crescente. Nossa crítica emerge, assim, dentro dela e contra ela. Quando nos propusemos a escrever este trabalho, não tivemos a intenção de assumir a atitude de um c:espectador passivo:., que assiste descomprometidamente os fenômenos analisados. Pelo contrário, procuramos vivenciar as condições de sujeito e de objeto da anã-
Jise efetuada, o que faz de nossa critica uma a utocrltica. O psiquiatra é sempre uma presença, uma parte da realidade de seu paciente, e queira ou não queira, ele sempre se envolve na questão. Seria necessário que estivesse num outro mundo, que fosse puramente uma coisa, um deus ou um demônio, para que conseguisse se isentar. Nesta perspectiva, a dúvida não é saber se deveremos ou não, mas como nos envolveremos com as pessoas. Trazemos dentro de nós as mesmas contradições das pessoas aqui mencionadas, e talvez seja exatamente este o motivo que nos impeliu a tentar descortiná-las. Ao falar dos pacientes, não estamos querendo eximi-los ou purificá-los de seus conflitos e de sua agressividade. O que estamos averiguando é a nossa responsabilidade no que acontece. E o que estamos denunciando é o fato de estarem sendo usados como o repositório e o desaguadouro dos conflitos e da agressividade de outras pessoas.
Francisco Paes Barreto
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INFORM AÇÃO
leitura de Freud
Um texto se marca, recebe marcas. Assume diferenças, distingue-se dos outros. O
texto que vai abaixo já recebeu duas marcas. Uma primeira quando resultou de um trabalho em grupo em torno de um livro sobre pais e filhos. Este texto foi redigido à guisa de introdução. Introduzir o quê? Introduzir a possibilidade de não se escrever enquanto se escreve (um livro). Introduzir o questionamento sobre um livro enquanto agente terapéutlco. Assim como operar a desmontagem da noç!o de cura dentro do consultório de psicanálise {Garcia, 1971), a!tsim como indagar se uma escola para excepcionais pode ter outro objetivo, outra orientação que não ser c:agente terapêutico:.. O livro, o consultório de Psicanálise, a escola para excepcionais ao lado de outras intervenções terapêuticas (psicopedagógicas) são aqui inquiridos quanto ao projeto que os anima, quanto aos fundamentos teóricos/práticos que as determinam. A segunda marca que recebeu este texto foi, justamente, a leitura em comum numa reunião da Escola de reeducação «Equipo em Belo Horizonte. Outras marcas virão. Agora esta, a da letra de forma. Esta é dura, enrijece. Talvez seja necessário desmontar o texto ao final da leitura. Cabe aos leitores fazê-lo.
Permitam-me, p o r t an to, aqueles que são os testemunhos deste texto, que eu o publique. Creio tratar-se de uma reflexão sobre as práticas psicológicas onde se inclui, malgrado Freud, a prática psicanalítica. A Psicologia tem-se .prestado, f reqüentemente, a esta função pedagógica, a esta função de agente terapêutico, como por exemplo, na recente onda de Ps.icologismo,
que considero infeliz: para o Brasil e para a Psicologia. Esta onda influiu nas relações pais-fi lhos, fazendo acreditar que os pais deveriam tratar bem os filhos e, de certa maneira, isso consistia numa contestação das relações familiares tradicionais no Brasil. Creio que esta divulgação da Psicologia em nada ajudou o relacionamento entre pais e filhos porque, primeiramente a Psicologia tem má conS.: ciência e divulga apenas os conhecimentos que considera úteis; em segundo lugar, porque os pais receberam esta ccontribuiçáo:. no sentido de que ela aliviaria um certo sentimento de culpa. Ora, este sentimento de culpa, ao que tudo indica, não foi abordado ao nivel em que ele se situa. Tem-se falado na cincidência da realidade social no trabalho analltico,. (veja-se o IX Congresso Latino-Americano de Psicanálise, Caracas, julho de 1972). Acredito ser um tema de trabalho extremamente interessante. Quanto a mim, pretendo recuar o foco da questão, perguntando-me sobre a influência do «agente terapêutico:. (na medida em que ele se considera agente terapêutico) sobre o traba· lho analítico. Chego a pensar que os cativistas:. eram o alvo quando questionam os psicanalistas sob pretexto que estes têm veladamente ou não suas prefe· rências politicas, e que forçosamente influenciam seus pacientes no sentido de uma determinada ideologia. A contestação deveria ser posta nos seguintes termos: só o fato de algu~m pretender um papel de agente terapêutico já o situa frente ao outro numa relação de «recuperação•. No entanto, o trabalho analítico posSUi sua
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viabilidade, sua especificidade. Qual seria então a orientação, o projeto que animaria psicanalistas, pedagogos, psicólogos, terapeutas na sua labuta diária? O texto que se segue é uma tentativa de resposta a esta pergunta.
Relaçio Pais e Filhos
Mesmo estando os autores advertidos para os inconvenientes desta função pedagógica, didática, de que poderá ser investido o livro, creio que ele poderá ser recebido e lido como um manual de instruções, um receituário: <Como educar seus filhos:.. Terlamos neste caso mais um exemplar desta coleção que se chama, de uma maneira geral, <Como influenciar os outros e ser feliz• , <Como escolher sua noiva:., <Relações Humanas na corrida espaciab . . . Por conseguinte, gostaria de colocar o problema da função pedagógica, e o que significa alguém assumir a função pedagógica. Tenho para mim que uma das primeiras conclusões a este respeito é que a função pedagógica resulta em controle da informação. Se me instituo na qualidade de ocupante de um lugar privilegiado em relação a outro, a quem devo ensinar como ele deve educar os filhos, de certa maneira, no passo seguinte, vou escolher as informações no sentido de que o meu dlsclpulo progrida neste ou naquele sentido - em outras palavras, de que ele não se perca. Pois é justamente este controle da informação que gostaria de desmontar des-mistificar. ' Evidentemente aqui se ·coloca o problema de saber que linguagem vamos usar.
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Se for uma linguagem muito rebuscada então ela não será entendida por esse público a que se destina o livro. Acredito, por outro lado, que esta abordagem a que me proponho será dificilmente entendida justamente porque ela é inusitada, não porque o vocabulário seja necessariamente sofisticado. Creio poder admitir que a razão desta dificuldade está na existência de uma «peneira•, de uma verdadeira grade ideológica que, no mundo ocidental, não deixa passar esse tipo de reflexão. Por conseguinte, não é só uma dificuldade de vocabulário. Por hipótese, qualquer outro tipo de informação, que tenha em vista a conciliação, a harmonia (mesmo que ilusória), é bem transmitida pelos canais de comunicação e, llnalmente, recebida pelo público. Além disso, gostaria de lembrar um prazer narclsico entre o autor e os seus leitores. Estou certo, no entanto, de que os autores gostariam que ele fosse mais do que um simples incentivo a este prazer narcisico. Melhor seria que o autor ficasse no anonimato, ou que deixasse se absorver pelo seu projeto, pelo seu texto. E que o texto assumisse autonomia diante do autor, e que questionasse o autor. Autor como ator, como genitor. Em se tratando de psicanalistas, diria que o ato analítico é feito de si lêncio. <Le silence, en somme, rend possible la parole~. como se diz num texto a que recorro para estes apontamentos, texto de Xavier Audouard. A pergunta: o que devo fazer com meu filho? -pergunta a que estão habituados terapeutas analistas, psicólogos qu~ traba-·
Iham em orientação, pedagogos - a esta pergunta só resta uma resposta: «a senhora poderia fazer o posslvel para escutar a ex~ pressão de que seu fil!to lança mão para falar sobré sua ansiedade, suas fanta. sias, seus fantasmas. Se a situação vier a se tornar muito difícil, então se.ria me~ lhor que a senhora não levasse adiante a experiência, em seu próprio benefício. Mas o que a senhora tem a fazer seria escutar o filho, mesmo que ele utilizasse, como meio de expressão, a violt~nciu. O presente livro pode, portanto, ter um . objetivo de escuta educativa, e não assumir a mentira que se esconde por trás da palavra educação. Será que os pais são bastante . sólidos para se colocarem : em questão a partir do pro- · blema que lhes é revelado·. pelas crianças, pelos filhos? Seria necessário questionar a própria educação que recebemos, e também pôr em dúvida o equilíbrio do casal, equillbrio conseguido a duras penas, e do qual os interessados não gostariam de ver privados. Mas quando os pais chegam a pôr em q uestão a própria educação que receberam, portanto, a perceber o motivo de suas inquietações, tem início uma crítica radical e construtiva das próprias resistências. T rabalhando numa escola para excepcionais, chegamos à conclusão de que há uma atração entre atraso ou retardo mental e alienação· ou doença mental. Para entendermos essa .atração, vamos de inicio lembrar que o autismo, último recurso de que lança mão a crian· ça, pode ser definido e se constitui numa forma particular de relação com o outro e consigo mesmo. O ou-
tro, quero dizer, não uma pessoa única, determinada, rnas qualquer palavra, expressão ou reação (da mãe, do médico, da professora, dos familiares ... ) que a f~ 11al de contas não são senão manifestações do desejo, dos fantasmas, e das defesas deste mesmo outro frente à criança. Pois bem, a criança se define ou deixa de se definir (e cai na ::tienação, neste último caso) frente a este outro; é frente a este outro que ela, criança, vai estruturar s ua linguagem, seu mundo simhóiico. Se não tiver acesso n esse mundo simbólico, não poderá fundamentar sua existência enquanto sujei to - c:eu, Independentemente !lo ventre de minha mãe:.. Estará condenada a funcionar tal como «desejam-. aqueles que a cercam -eis uma primeira forma de alienação, radical, esta, onde a criança nega sua própria existência. Uma segunda forma de alienação é aquela que consiste em se fixar, sem existência própria, no papel que lhe foi atribuído pelo outro, papel que é o resultado das necessidades, dos desejos, das defesa·s do outro (ansiedade da mãe, fi lhos indesejados por este ou por aquele motivo, filhos que compensam os pais dessa ou daquela fru stração, pais quequerem se realizar através dos filhos ... ) . Para exemplificar, encontramos nessa categoria crianças que são eternamente bebês, ou que tudo fazem para parecer retardados, ou aqueles que ~e mostram extremamente agressivos para corresponder ao papel que lhes foi atribufdo, inconscientemente, pela mãe, ou aquele que se revolta sem nada poder fazer além disso. Encontramos casos onde uma melho-
ra da criança redunda em descompensação do pai ou da mãe, em vista do lugar que passa a ocupar a criança, lugar não previsto pelo pai ou pela mãe em seu sistema de fantasias, de desejos ou de defesas. ' Para finalizar este parágrafo, diríamos que, se alguma coisa na criança aparece como indesejável, mesmo inconscientemente, para o pai ou para a mãe, a criança não consegue encontrar o seu lugar no mundo simbólico, única forma de escapar à falácia que nos oferece a imaginação, ou mundo imaginário. Faz-se aqui alusão ao estágio onde a criança, diante do espelho, sabe distinguir seu próprio corpo da imagem especular, através de um reconhecimento de seu próprio limite, ou então acredita que não há limites entre seu próprio corpo e a imagem especular, e permanece no mundo imaginário, sem ter acesso ao mundo simbólico. Se ela recusa o mundo simbólico, recusa igualmente a linguagem, as formas, os conjuntos e as relações, e todas as operações de que somos capazes a partir dos conjuntos e das relações. O estupor ou o autismo, maneira de fazer abstração, mascaram a angústia da inexistência, ou da destruição de si mesmo (Faure, 1967). A rigor, respondendo à pergunta se vale a pena publicar um livro, sabendo-se que estes comentários vão ser deturpados, mais deturpados do que já foram, gostaria de dizer que esta operação de desmonte é uma operação de caráter analítico, e essa introdução contribuiria par~ uma análise institucional ao nível macrossociológico, ao abordar certos temas que têm sido o lugat' . onde a ideolo-
gia se estrutura de uma maneira mais enrijecida Então, talvez, essa introdução, apoiada nessa abordagem analítica, viesse a contribuir, de uma maneira bem reduzida, é verdade, para uma análise institucional ao nível macrossociológico. E' uma idéia que me surge, e assim estaria justificada a publicação do livro. Sobre a noção de cura, que é um momento crucial desta reflexão, vou me valer de alguns comentãrios encontrados no livro de Xa-; vier Audouard. Este livro refere-se a uma experiência numa escola na França que se chama Samuels, uma escola para excepcionais. Trata-se de saber se a escola deveria tratar aquelas crianças, reeducá-las. E foi um dos trabalhos mais interessantes q ue já vi a este respeito, onde a noção de cura, de reeducação, foi questionada, colocada em todos os seus aspectos. Os pais das crianças foram chamados freqUentemente a assistir a reuniões onde este problema era ventilado. Tendo trabalhado com escola de excepcionais, noto que as escolas de um modo geral, entre nós, estão dispostas a aceitar muitas inovações, a respeito de sexualidade infantil, a respeito de afetividade, a respeito de relações pais-filhos, mas uma coisa elas não aceitam: que te~ nham outro projeto que não o projeto educativo. E che• go a pensar que esta proposta de que as escolas examinem a possibilidade de serem animadas, inspiradas, por um projeto que não o projeto reeducativo produz a mesma aversão que a pequena burguesia e classe média alta de Viena demonstraram com relação às idéias de Freud, no que diz respeito à sexualidade infantil.
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A experiência relatada por Xavier Audouard diz como se levou adiante essa possibilidade de que uma escola para excepcionais não tivesse necessariamente uma função reeducativa. Por conseguinte, é o próprio projeto pedagógico que é posto em questão nessa ocasião. Vale a pena perguntar: se aquelas cria.nças não estão sendo reeducadas, qne estão fazendo naquela escola os psicólogos, professores, pedagogos, práxi-terapeutas, assistentes sociais a serviço da escola. Reservo-me outra ocasião para responder a esta pergunta, mas tenho para mim que a eJCperiência citada tem alguma semelhança com esta que nos anima no momento a escrever esta introdução. Em Samuels, tudo o que diz respeito à reeducação surge, mas abordado de uma maneira diferente. Por exemplo, a rejeição dos pais para com os filhos considerados deficitários, u cepcionais, sua ansiedade e expectativa para que os filhos voltem a eshidar numa escola comum, para que deixem a escola de eJCcepcionais, tudo isso é retomado, reexaminado em outra perspectiva. A repeito da cura de um modo geral, poderiamos dizer então que qualquer intervenção pedagógica, psicoterápica, tem no fundo a intenção de curar, que quer dizer readaptar, ajusta r, consertar. Se a intervenção psicoterápica analítica, pedagógica nã~ tem a intenção de curar, então ela pode se ddinir em outros termos, e creio que em Psicanálise já se conseguiu definir um projeto que inspira o trabalho analítico, sem que este esteja necessariamente inspirado pela cura. Sei que as escolas de um modo geral, e especial-
mente as escolas para excepcionais, ainda não conseguiram definir um projeto semelhante, onde a noção de reeducação passasse por esta critica, e que não se assemelhasse, não se identificasse unicamente com aspectos corretivos. Por conseguinte, se a noção de cura for desmistificada, posta de lado, por estar impregnada deste projeto pedagógico, desta intenção didática, então a experiência analítica poderia se alongar mui to mais, e abordar este aspecto a que se referiu Félix Guattari, um dos aspectos que esta introdução poderá pôr em relevo: é que o sistema não admite vazios. Para tudo ele tem uma explicação. No caso de minha atividade na Universidade, sou instituído como a lguém que tem respostas para todas as coisas. Assim sendo, o projeto pedagógico que me anima reprime aquilo que seria o silêncio, o vazio. O meu interlocutor, eventualmente, estaria a exigir de mim que eu tenha respostas, eis que ele também se encarrega de reprimir a possibilidade do vazio, a possibilidade do sem resposta. Portanto, o fato de não dar resposta signifi ca marcar o tempo do silêncio : e o silêncio é onde se revela aquele reprimido) que o sistema aparentemente preencheu. Só o fato de estarmos estudando na Universidade um determinado assunto, de um determinado ponto de vista - uma teoria ou um problema nas Ciências Humanas - apesar de o estarmos estudando apenas na Universidade e ainda numa fase precoce com relação ao andamento das pesquisas, pois bem, o que se tem visto é que essas idéias, essas pesquisas já têm in- ·
fluência no público, e é o caso das teorias comportamentistas, atualmente em voga entre n<'•s. Vale lembrar que não há uma suposta fase neutra da Ci~ncia; desde que ela começa a ser trabalhada na Universidade jâ tem inicio uma determinada influência no público. E' claro que há canais sutis de 1.:omunicação, aos quais não damos bastante atenção, e que me seria impossivel identificar no momento, mas creio que a grosso modo a V nivcrsidade vi\· c a r<!boque da ideologia vigente. Sendo assim, se certos temas são trazidos à Universidade, e têm sucesso, e recebem verbas e créditos, em grande parte é de se pensar que estes temas também estão emergindo na ideologia do meio-ambiente for a da Universidade. Não se trata, portanto, de considerar o público leigo como sendo aquele que vai deturpar os resultados das pesquisas e os problemas teóricos elaborados na Universidade. Creio que seria uma desvantagem, para a reflexão a que me proponho, admitir que na Universidade encontramos a positividade, e que o público em geral é o momento em que a deturpação se intro. duz na reflexão cientlfica, ou com relação aos achados teóricos produzidos por esta reflexão. Se a Universidade não é o lugar privilegiado onde se encontra a positividade, então não tenho que me preocupar com as deturpações que o . público eventualmente intróduz, porque teria que dizer que também na ·universidade encontramos deturpações, encontramos a ideologia e.nvolvendo a abordagem dita científica de alguns problemas. Finalmente quero le~ brar que há perguntas prá-
ticas, há questões práticas que são levantadas pelos pais, as quais aqui nesta introdução não terão respostas, mas que um livro se propõe, senão elucidar completamente, pelo menos abordá-las. Por exemplo: até onde deve ir a liberdade concedida aos filhos; até que ponto pode o pai intervir de uma maneira enérgica ; em se tratando de uma escola (durante a introdução me referi a uma escola para excepcionais) , em se tratando de uma escola especializada, onde as relações entre as crianças e os professores são postas em termos bastante inusitados, inovadores, com relação às outras instítulções conhecidas entre nós, os pais podem se perguntar o que acontecerá uma vez que as crianças deixarem esta escola, o que acontecerá na vida prática, já que elas não encontrarão o mesmo tipo de relacionamento que encontram nas escolas modernas. Uma outra pergunta diz respeito ao insucesso escolar. Creio que cada vex mais a escola, o sucesso escolar será uma obrigação, uma escravidão para o jovem aluno. Seria necessário que pudéssemos aceitar o fracasso das crianças; mudarmos, tentarmos modificar esta mentalidade segundo a qual o suceSSJ) se traduz por diploma, eis que o sucesso escolar não é o único que conta. Há também o futuro adulto. E o s ucesso do futuro adulto não está em correlação perfeita com o sucesso escolar. Seria necessário ultrapassar este receio do fracasso escolar; mas é bem verdade que o problema de encaixar o jovem no ensino Clássico se coloca de ma-· neira aguda quando o insucesso escolar marginaliza
a criança. Que papel terá a criança,. nestes próximos anos, na nossa sociedade? Gérard Mendel escreve um livro, que até certo ponto surpreende os mais liberais, pretendendo que se d~ o direito de voto às crianças de 15 anos. E' um exemplo. Talvez valha a pena refletir sobre ele. Mcndel fala sobre o fato de que as crianças se encontram na posição de colonizados, frente aos adultos, que seriam os colonizadores. P ara terminar, lembraria que, por mais democráticos que sejam os pais, estes não t êm a possibilidade de transgredir a ordem que eles instituem. Só o filho t ransgride a ordem instituida pelos pais. Por conseg uinte, não há professores democráticos, nem tampouco pais democráticos, eis que eu não transgrido a lei que eu próprio institui, e o progresso pessoal, o caminho que toma o homem na sua aventura, passa pela transgressão. Célio Garcia
• A eue aspecto Já llumos aluslo quando falamos para uma mãe, dlttndo que nao levasse adiante a e>rperlhcla de ouvir o filho quando este falava da pr<lprla aD$ltdade, pois que a experiencia ottrapa$5ava ot limites aaportávcia para a pr6prla mlc.
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CINEMA
Marlon Brando e o Oscar A recusa do ator Marlon Brando em relação ao úl-
limo Oscar - prêmio instituído por Hollywood -pelo seu desempenho em O poderosu Chefão continua atingindo as mais diversas áreas dnematográficas. E, mais do que a recusa propriamente dita, o discurso que deveria ter sido lido na noi te da ent rega do troféu pela índia Sacheen Littlefeather vem comprovar a consciência política do homem Marlon Brando diante das injust iças impostas pela sociedade americana. Depois úe um início brilhante (entre :;eus primeiros filmes, Sindicato de ladrões, 1954, de Elia Kazan) , um longo período de declínio artístico (tendo dirigido A face oculta, 1961), voltando a se impor como ator e homem de idéias a parti r de Queimada, 1970, de Gillo P ontecorvo (um dos grandes filmes políticos dos nossos dlas, ao lado de O caso Mattei, Sacco & Vanzetli etc.). Quanto ao Oscar, t rata-se de uma estatueta bastante desmoralizada: desde 1m - quando a premiação foi feita pela primeira vez - a sua distribuição tem-se revelado politiquei.ra, medíocre, ridlcula. Com raras exceções, os premiados (filmes, diretores, atores, técnicos) representam interesses comerciais, extracinematográficos. Já o problema do lndio -abordado diretamente no discurso de Marlon Brando - sempre foi encarado sob uma perspectiva falsa através das lentes hollywoodianas. T ido como um «bandido~, um cmtmtgo:. dos homens brancos, o lndio sempre era vencido no final, graças às qualidades, à honradez e à bravura desses mesmos homens brancos. Alguns assassinos -como o General Custer -
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se tornavam heróis lendários movidos pelo mecanismo ho!lywoodesco. Alguns diretores, timidamente, procuraram reabilitar a figura do índio, mas quase sempre de maneira romàntica: Anthony Mann, Devi's Doorwa)', 1949; Delmer Daves, Broken Arrow, 1950; Raoul Walsh, Co/orado Territory, 1950; William A. Wellmann, Across the Wide Missouri, 1951. Nos ultimos anos novos filmes foram feitos, mas ainda dentro de uma visão romàntica, como O Pequeno Grande Homem, 1971, de Arthur Penn. O violento discurso de Marlon Brando - que publicamos na Integra - aparece como um marco na histó ria da dis-tr ibuição do Oscar, embora não pudesse te r sido lido na ocasião devida. Vejamo-lo:
Durante 200 anos, dissemos aos índios que lutam por sua terra, por sua vida, por suas famílias e pelo direito de serem livres: «Deponham as armas, amigos, e permaneceremos amigos. Só se depuserem às armas, amigos, poderemos falar em paz e chegar a nm acordo que os favoreça>. Quando depuseram as armas, nós os assassinamos. Mentimos. Roubamos suas terras. Obrigamos, pela fome, a que eles assinassem acordos fraudulentos, que chamávamos de tratados e que jamais cumprimos. Transformamos esses índios em mendigos, num continente em que viveram desde que a vida começou. E em qualquer interpretação da história, por desvi rtua~ da que seja, não fizemos o que era certo. Não fomos honestos nem fomos juste>s no que fizemos. Para eles não somos obrigados .a in~ denizá-los, não temos de cumprir certos acordos, por-
que isso nos foi dado em razão de nosso poder de atacar os direitos de outros, de tomar suas propriedades, de tira.r suas vidas, quan~ do estão tentando defender sua terra, sua liberdade, e transformar suas virtudes em crimes e nossos vícios em virtudes. Mas existe algo fora do alcance desta perversidade: o veredicto terrível da história. E a história, sem dúvida, nos julgará. Mas, o que importa isso? Que espécie de esquizofrenia mo~ ral nos permite gritar em altos brados, para que todo o mundo ouça, que çumprimos nossas promessas, quando cada página da história e quando todos os dias e noites, cheios de sede, de fome, de humilhação dos últimos 100 anos de vida do fndio norteamericano desmentem esses brados? Aparentemente, o respeito pelos princ!pios e o amor ao próximo perderam a função neste nosso pais e tudo o que fizemos, tudo o que conseguimos realizar com nossa força, foi simplemente aniquilar as esperanças dos palses recém-nascidos neste mundo, tanto amigos como inimigos; não somos humanos e não cumprimos nossas promessas. Talvez, neste momento, estejam pensando: eMas que diabo tem tudo isso a ver com a Academia de Prêmios? Por que esta mulher está aqui, estragando nossa festa, invadindo nossa vida com coisas que não nos interessam e que não nos dizem respeito? Des-perdiçando nosso tempo e t.linheiro e introduzindo-se em nossos lares». Acho que a resposta a essas perguntas não formuladas é que a comunidade clnemato~tráfica foi tão res-
ponsável como qualquer out ra por degradar o índio e ridicularizar seu caráter, descr evendo-o como um individuo selvagem, hostil e mau. E' difidl para as crianças crescerem neste mundo. Quando as crianças índias assistem t elevisão, quando assistem filmes e vêem s ua raça como é apresentada nesses filmes, sua mente sofre traumatismos cujos efeitos nunca saberemos. Recentemente, foram dados a lguns passos hesitantes para corrigir esta situação, mas foram hesitantes demais e muito poucos; portanto, eu, como membro desta profissão, não creio que possa, corno cidadão norte-americano, acei tar um prêmio aqui, esta noite. Acho que prêmios, neste pais e nesta altura, não deveriam ser dados ou aceitos enquanto a situação do índio norte-americano não for drasticamente alterada. Se não somos guardas de nosso irmão, ao menos não se jamos seus carrascos. Estaria aqui esta noite, para falar-lhes pessoalmente, mas achei que talvez seria mais útil se fosse a Wounded Knee, para ajudar a impedir, de todas as maneiras posslveis, a assinatura de um tratado de paz que seria desonroso enquanto os rios correrem e a erva crescer. Espero que os que ouvem não considerem minha atitude uma intromissão insolente, mas um esforço sincero para concentrar a atenção em uma questão que poderá determinar se este pais tem ou não direito de afirmar, doravante, que acredita nos direitos inalienáveis de t odos os povos de permanecerem livres e independentes em terras que os viram nascer desde épocas cuja
memória já se perdeu no tempo. Agradeço sua atenção e sua gentileza com a srta. Littlefeather. Obrigado e boa noite.
TELEVISÃO
Pedro de Lara e Cia Ltda.
t. Caracterizaçl!o
Tomamos a Pedro de Lara meramente como protótipo; por isso, o que dissermos dele não tem sentido pessoal, mas somente exemplar. Pedro de Lara assomou na T V brasilei ra dentro de um contexto muito t ípico. Ele t! um "jurado", cuja imagem foi construlda, e ainda o é, por uma ofensiva "moralista". Seu comportamento gira em torno de uma monotonia extr aordínária: fi. gura séria, que nunca sorri, caricaturesca neste sentido, defensor da "famflia brasileira", extravasando seus ataques de modo rispido, de sorte a provocar uma contra-ofensiva circular, isto é, que leve a reforçar suas possibilidades de ofensiva moralizante. Em termos de performance, qualquer outra peculiariedade pessoal desaparece face a e.ste desempenho estereotipado. Sua condição de jurado facilita a tarefa, porque o jurado está muito próximo da atitude mora\izante. Na T V brasileira o jurado alcançou uma ascendência marcante sobre as massas espectadoras, tornando-o praticamente uma figura indispensável ao sucesso de algum programa. Na verdade, o problema do júri é muito . mais complicado que seu mero sucesso teatral. Conclama, prega, chora, admoesta, decide car-
relras e o futuro da pátria. Isto talvez fosse posslvel, supondo-se que os jurados fossem competentes. Mas, deixando isto de lado, resta para o jurado sempre a tarefa "artística" de se destacar, de marcar o espetáculo com sua presença, e, sobretudo, de construir nos espectadores uma "imagem'' bem clara e inconfundível, porque esta é a base do êxito. Pedro de Lara buscou sua imagem na ofensiva moralizante em prol da "família brasileira". Nunca se definiu bem o que seria esta "f amllia brasileira", e is to já bastaria para fundamentar a suspeita de que o referido personagem está muito mais a serviço de sua "auto-imagem" do que da "família brasileira". Em outras palavras: a "família brasileira" desempenha mais o .papel de instrumento de reforço e consolidação da "imagem" popular do ator. Mas se tentássemos precisar o sentido desta "família brasileira", te.riamos como elemento básico não tanto uma concepção determinada e desenvolvida de "família", mas alguns estereótipos, que não são tanto da família, como do ator : o estereótipo básico seria a proposição de que a família é um nticleo em essência moralizador, entendendo-se por "moralização" preferencialmente o "modo de vestir''. Esta visão, que não chega a ter sequer um "palmo" de comprimento e um "dedo' ' de profundidade, desperta interesse, não por estar contextuada dentro de algum ideal deci frável, mas pelo seu lado grotesco. Decerto, não se pode negar .a ninguém o direito de ter uma concepção determinada sobre famllía e modo de vestir, "beijo" e modo de dançar. E' di-
reito de qualquer pai e qualquer mãe achar que a TV brasileira seja devassa. Para este argumento, não haveria meramente a base moralizadora, mas também outras razões boas. Por exemplo, pode·se ver em certos programas, que usam e abusam da presença de garotas em biquíni, uma certa desvirtuação do "sbow", já que as "pernas" das garotas catalizam maior interesse que a própria apresentação do "apresentador". Mas é aqui que se pode perguntar: por que Pedro de Lara é jurado exatamente de um desses programas? Que sentido tem proclamar a "pureza" da família brasileira ao ritmo das "chacretes"? Parece-nos mui to patente : o problema real não é a família brasilei ra, mas a "imagem" do ator. Não se pode negar que a escolha deste veiculo de imagem tenha sido inteligente: consegue certo impacto, toca muitas fibras Intimas e é publicitário. Mas isto é apenas um lado da medalha. Ensina a Sociologia que há funções manifestas e funções latentes. Uma pesquisa não pode se deter na mera inquirição das funções manifestas, pois eias podem ser efeito de funções latentes. A ofensiva moralizante em prol da família brasileira é somente a crosta do fenômeno; o verdadeiro móvel dele é a busca de popularidade.
~ Funç!o da «<magem»
Um dos assuntos em que mais surge o problema d_a imagem, é o contexto eleitoral : · todo candidato é tão popular quanto a imagem que consegue despertar no povo. Por imagem n~o : e entende uma caractem:açao geral e esperada de um candidato, por exemplo, que seja competente, saiba falar,
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70 saiba planejar, ande bem vestido etc. O termo imagem só alcança seu sentido pleno dentro de uma caracterização extremamente específica, que torne seu portador inconfundível. O fundamento desta especificação não precisa ser uma virtude ou uma competência; pode ser também um mero traço físico ou mesmo alguma exterioridade. Isto é colhido sempre com muita maestria pelos caricaturistas: o bigode do Jânio, os óculos do Costa e Silva, o nariz do Nixon, o rosto do JK etc. Como os artistas de TV muitas vezes não se destacam nem por alguma virtude, nem por alguma competência, sua imagem se compõe preferencialmente de algumas exterioridades: a "animação'' do Jair Rodrigues, o "chapéu" do Waldick Soriano, a "movimentação" do Evaldo Braga, a ''carranca" do José Fernandes etc. A construção de uma imagem se faz muitas vezes espontaneamente. Quando o a rtista possui qualidades extraordinárias, sua imagem surge por· si e é capitalizada pelo próprio sucesso popular. Outras vezes a imagem é mais necessária no começo da carreira, passando a segundo plano depois. Roberto Carlos atua hoje com uma imagem muito sóbria e espontânea, que contrasta com a dos tempos do "calhambeque" e do "inferno". Pelé nlio se preocupa demasiadamente com uma imagem determinada. Mas há artistas muito cônscios do papel da imagem em termos sociais: Fio, do Flamengo, conserva seus dentes saltados por questão de popularidade. A imagem tem, · assim, uma função social muito especifica. Toda sociedade se de-
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senvolve dentro de um sistema de valores e normas, com causação mútua. Os valores e as normas são pontos de referência e pontos de orientação. Seus membros precisam de idolos que os orientem e preencham o vazio comum das frustrações diárias. O comportamento social geral não acontece ao léu: pelo contrário, pode-se verificar sempre uma consist~ncia regular, que é no fundo ditada pelas coisas marcantes da sociedade: os valores teóricos gerais, os !dolos da massa, além das camadas dominantes. Nestes termos, a imagem se coloca dentro do contexto da "influencia" social, já que ela "ajuda" a influir na massa, por tornar a pessoa mais atraente e mais identificada. Não existe uma sociedade sem "ídolos'', que muitas vezes surgem à revelia de sua própria vontade; a única questão pertinente não é a existência ou não de ídolos, mas de sua melhor qualídade. Nestes termos, a busca de uma imagem por parte do artista é um fenômeno normal, que, quando bem planejado, pode significar um alto nlvel de inteligência. Esta será sempre uma questão básica em qualquer pnr cesso eleitoral: os psicólogos e sociólogos M partido dispendem enormes energias para construir uma "imagem" cataliz.adora em ter· mos de influência para o respectivo candidato. A imagem impede que o candidato seja um entre muitos semelhantes. E por outra, a oposição estará sempre in; te ressada em desfazer a imagem do adversário. Isto se reveste de importância maior ainda, se levarmos em consideração o fato de que a n1assa não está capacitada .para avaliar uma persona-
lidade pelas suas virtudes íntimas e pelo seu possível grande saber; a massa avalia através de "estereótipos". Todavia, a busca de urna imagem pode-se tornar também um "estereótipo", quando ela se torna mais importante que seu próprio conteúdo. Então ela é um indicador seguro da mediocridade do artista ou do candidato. Parece-nos esta a situação de Pedro de Lara e muitos outros: sua apresentação constante e praficam~nte única se reduz à mera busca de uma "imagem" popular, elevando um "instrumental" de apresentação i.t "meta" da própria apresentação.
3. Algumas Imagens
Existe uma jurada que julga os candidatos a cantor invariavelmente pela deficiente acentuação das oxítonas. Outra jurada, que não está mais atuando, só conhecia a nota 10 para os candidatos. Um jurado procurava se realçar por uma atitude frenética de ataque, acompanhada por um constante tirar e pôr de óculos. Há um outro que, ao falar, eleva a voz aos brados e gesticula tanto, que parece estar apitando um jogo em campo. Há uma jurada que, a par de sua atitude digna e composta, compensa tudo com roupas leves, realçando sua juventude e frescor. Mas é necessário dizer que alguns jurados sabem se qualificar pela competência, relativamente, c.omo alguns peritos em música. Dizi.a Sócrates que, quanto ma1S se sabe, mais nos convencemos de que nada sabemot~. Decididamente, Sócrates não é o "ídolo" da maioria dos artistas. E, ironicamente, persiste a p!'ocura
do ideal da TV educativa. Este ideal, porém, está se tornando, na boca de alguns apresentadores, mais um estereótipo reforçador de sua imagem popular. O problema não está bem na necessidade da TV educativa, mas na promoção pessoal do apresentador, que vê nisto um instrumento de ascensão popular. A isto acresce o vezo de confundir educação com moralização. Moralização - a comunicação mais fútil - estaria também a serviço da imagem. A qualidade dos ídolos pode indicar em um país a própria qualidade da cultura. Não há povo sem ídolos, como não há sociedade sem valores, que são produzidos, mas também cunham o comportamento social. A questão pertinente não está na moralização da TV em termos de seus ídolos, mas na seleção criteriosa - sempre difícil - deles. O aparecimento do "júri" nos programas televisionados consagrou, pelo menos em parte, a mediocridade, qualificada pela falta de competência profissional em determinados assuntos e pela busca frenética de imagens. Esta busca de uma imagem junto ao público, que nos interessou aqui e que é de si um fenômeno normal, torna-se frenética junto à pessoa que, não tendo conteúdo· especifico a apreser•tar, tem que se agarrar à forma externa da apresentação. A isto acresce uma falta muito grande de tática, se a intenção fosse correta: a busca frenética de moralização da famllia brasileira resulta exatamente em seu contrário, pelo rid ículo que suscita na forma de apresentação, embora não se possa negar a ningu~m o direito a este ponto de vista.
Pedro Demo
LANÇAMENTOS RECENTES NA ÁREA DE
PSICOLOGIA
E DISCIPLINAS CORRELATAS:
PSICCI'I:RAPIA DE CRUPO: UM C\J IA AJxah3m S. úrchlnB
A apl icaçlo cl inica de cor>e:eltos derivados da dlnSmlca c» grupo, do psiquletrla soc~al , da P•icanAIIse do grupo,
ela semlnt1ca oeral etc.
ZEN·BUDISMO E PSICANJ{LISE Erlch Fromm. o. T. Suzukl e R. De Msrtl"o
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Ull\3 oprosentação das idóias b:!slcu de Jacques Lacar>.
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As relaç6es enlre psicologia e toorla da lnfonniiÇio e d8 comunlcaçAo.
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Os eleitos comPOrtamentela de comunicação humarut. particularmente nas chamadas desordens do compor:tamento,
vistas a01es como reaçAo comunicativa a uma s1tuaç.tlo &Specífíca que evldêllcia de moléstia na mente Individuei.
PRINCIPIOS DE PSICOLOGIA TOPOLóGICA Kurt Lt:Nin •
A Claasillcaç3n a descrição doo lel'l6menos palcológtcos através da conceitos tlredoa da Qeomfltrla topológica.
INTRODUÇlO ). PSICOliNGOISTICA , Jean·M ichel PoteJIIIIvl •
Af)resentaçllo dos prlnclpals problemas e métoclot d• ps\collngúl stíca. ponto de encontto metodológloo da
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SAO PAULO :" BRASIL
1'/. SITUAÇÃO INTERNACIONAL
Dólar e Petróleo
A ação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que engloba os produtores árabes e, particularmente, n Venezuela, começa a despertar iras que ameaçam atingir a insensatez : o britânico Nevile Brown, por exemplo, nos últimos dias de março disse que o Ocidente "poderia ver-se obrigado a escolher entre capitular ou procurar conseguir o petróleo à força". Trata-se de uma linguagem inoportuna, de quem supõe estar vivendo num mundo já ultrapassado de pelo menos meio século. Ameaçar alguém (e principalmente quando representa um país débil, como a Inglaterra), de usar a força contra aqueles que defendem lucros pela e;acploração de suas riquezas naturais, é esquecer que vive uma época em que isso representa, felizmente, reminjscência de um mundo em que o colonialismo constituía sistema incontrastãvel. A ascensão constante do preço do petróleo, por outro lado, preocupa os meios financeiros do Ocidente, uma vez que concentra em mãos de alguns sheiks orientais, ou de minorias dominantes em países de estrutura política atrasada, um poder de compra que, no modo de ver de alguns economistas, pode vir a constituir ameaça muito séria à moeda norte-americana, já abalada pela desvalorização imposta pela realidade de uma estrutura econômica poderosa mas afetada de profundos males e por um comércio exterior em reversã·o de expectativas, como gostaria de diur um dos nossos mestres
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ern economia. E o problema, assim colocado, disfarça a situação, colorindo-a de aspectos menores, meramente pitorescos. Para os países árabes, os maiores fornecedores de petróleo ao Ocidente, trata-se, realmente, do modo de aproveitar a transitória riqueza, auferida em forma financeira, de que desfrutam n os dias atuais.
Ora, se essa fabulosa riqueza for utilizada apenas em benefício do consumo supérfluo e mandarinesco de alguns sheiks (que percorrem os hotéis da Riviera, a~ompanhados de numeroso séquito, que compram automóveis de alto luxo, fabricados especialmente, q u e mantêm uma corte opulenta e vazia), deixará reduzidos vestigios e algumas saudades, quando chegar ao fim. E se for aproveitada em benefício dos povos árabes (assegurando-lhes s aúde, educação, progresso material fundado na estrutura interna e estável), deixará vestígios gigantescos, alterando o destino desses povos e desses palses. Parece, entretanto, que a primeira hipótese; atualmente, é a mais provável. E' aquela que está ocorrendo, aliás, e em beneficio dos países m a i s desenvolvidos, nos quais aqueles beneficiários realizam as despesas suntuárias com que contra.stam a indigência de seus povos. Que será do Oriente, após o esgotamento das suas reservas petrollferas? A continuar como vem sendo, a situação se assemelhará em muito a que a nossa gente assistiu, em Minas Gerais. com a decadência da mineração aurífera; a mesma que a nossa aente assistirá , com o esgotamento das reservas ferriferas e de manganes de Minas e
do Amapá e da serra dos Carajás. Que ficou do esplendor aurlfero que fez surgir Vila Rica e tantas cidades do altiplano? Urna buraqueira, apenas. Ficou, em Portugal, certamente, mais do que isso: o monumento da Mafra, a reconstrução de Lisboa, alguns exemplos isolados e raros de consumo conspícuo -para voltar a escrever em economês. Raimundo Correia, que viveu em Ouro Preto, nos fins do século XIX, costumava exclamar: "Um céu destes em Vila Rica!", assinalando o contraste entre a luminosidade esplêndida do céu e a chaga da buraqueira na terra que circundava a cidade, descaída de sua opulência, reduzida a burgo pobre. Ora, quando o preço do petróleo ascende, no mercado in ternacional, por 'forca das exigências dos produtores m a i o r e s, os do Oriente P róximo e Médio, fornecedores de quase todo o mundo, particularmente do Ocidente, cabe sempre indagar a quem beneficiará tanto dinheiro. Será que o presidente Khadafy, da Lí· bía, continuará a usá-lo para fomentar ou abafar mot ins, a seu bel-prazer, ou será que os senhores da Arábia Saudita continuarão a espantar a Riviera com os seus gastos, ou será que os emires dos antigos protetorados britânicos do Golfo Pérsico insistirão em seus ~stumes de descomedida e perdulária opulência? v perigo dos lucros do petróleo estarem concentrados não e·stá, pois, nos movimentos que os senhores árabes poderão fazer, pondo em perigo o dólar, mas na prodigalidade com que consu- ' mirão aquilo que lhes chega de forma tão fácil e que não afeta em nada o progresso
de seus países. Esses aspectos, por outro lado, dizem de perto com o equilíbrio político da região, em que o antagonismo com Israel se coloca como problema central.
A situação internacional do petróleo afeta mais do que os países da região, entretanto, porque afeta a quase todo o mundo. Afeta o Brasil, t ambém. A Petrobrá~, que está gastando cada ve1. menos em procurar petróleo no Brasil e cada vez mais em procurá-lo no exterior, continua a receber petróleo por preço fixado há tempo e mais baixo do que o atuaL Concluldo o prazo dos contratos, porém, como é que ficarão tais contratos?
Estamos comprando a 3,40 dólares o barril, quando o preço vigente passou a 4 dólares. Estamos necessitando importar volume crescente de petróleo, uma vez que a produção interna estacionou, com perfodos de declínio. Os árabes dizem que "a época da energia barata acabou". Mr. Neville Brown, como ficou registrado, deu uma "deixa", tlpica dos tempos da rainha Vitória. Não serve a países como o Brasil, certamente. Não temos condições para empregar a força para obter riquezas naturais estrangeiras.
Temos preferência, .ag-ora, para abrir buracos e mais buracos no estrangei ro em busca de petróleo, enquanto outros abrem buracos e mais buracos na Amazônia, em busca de minérios. Algum poeta melancólico dirá, alguns decênios depois, aquilo que Raimundo Correia disse, e muito bem em sua época, dos céus ama<:ônicos.
Domingos de Almeida
QUADRINHOS
Bristow, o Anti-burocrata
Não existia no humorismo brasileiro ·um cara mais gozador do que o Stanislau Ponte Preta. Faturando bastante na Televisão foi justamente contra ela que ele lançou uma definição envol· vida de leves ressonâncias freudianas. Segundo o criador do distraído Rosamundo, a Televisão "é a máquina de fazer doido". E aponta-nos o que há de melhor no vídeo: "o botão de desligar". E' dentro dessa mesma corrente de idéias que gostariamos de situar urna outra (estranha) invenção do homem moderno: a burocracia. Ela pode não chegar ao requinte patológico que Ponte Preta entreviu nos intrincados bastidores onde trabalhou. Mas essa gigantesca máquina que movimenta um exército de func ionários públicos e privados poderia ~er definida numa equação bastante simples: homem + máquina + papéis + números = neurose. Nesse jogo de ·racioclnio chegamos enfim ao que nos interessa neste artigo. O leit-motiv da burocracia como objeto de sátira, antes já usado em filmes, livros e peças teatrais, encontra nos quadrinhos sua mais instigante presença em Bristow, personagem criado para o Evening Standard por Franck Dickens, um tranqüilo inglês de 42 anos apaixonado por ciclismo e por sua mulher Sagra, espanhola de Burgos - e nada g~neroso com uma profissão muito comum: escriturários das grandes firmas londrinas. Em suas estórias ele nos apresenta uma visão
marcadamente t rágica da vida destes burocratas-robôs,· lançando o seu personagem careca e de bigodinhos frisados em caminhos tortuosos, labirínticos, safando..se no entanto pelo sarcasmo como súbitas incursões n~ mundo da infância que se tradu:z na quantidade de mo.. nólogos existentes na maioria das estorinhas vividas por Bristow. Vejam só o que pensa Bristow ante a expectativa de terminar mais um dia de trabalho: "Graças a Deus a manQã terminou. . . somente mais qua tro horas agora ... " (Grilo n• 29). Mais ou menos como se suporia teria dito o menino Oickens após assistir uma aula de matemática, 28 anos atrás : "Graças a Deus só faltam inglês, geografia e história. Depois posso ir para casa, e ficar brincando, e depois dormir, e só voltar quando chegar a hora de novo".
Aliás, foi outro Oidcens quem forneceu um panorama agudamente pessimista da educação vitoriana ministrada através de mais de um século nos colégios britânicos. David Copper/itld, uma das obras mais representativas de Charles Dickens, não seria uma cris-talina radiografia da falência de valores didáticos então vigentes? Franck Dickens não adota em seu estilo nenhuma atravaganza simbólica para servir de ilustração ao cataléptico universo que ele · pretende mostrar, referencia· do através da macrocompa· nhia Chester-Pcrry. Incisivo quanto ao tema escolhido, ele se revela na estrutura um cultor da síntese gráfica. Sua técnica de desenho faz lembrar outro feroz: crítico da sociedade moderna, o americano jules Feiffer. Em ambos há uma forte
74 predominância do texto, e em ambos a ausência de cercadura acentua o caráter fisiogn6mico do personagem (o terno de paletó preto e calças listradas, o chapéu coco a encobri r a careca, o bigodinho compõem o tipo robót ico do funcionário Bristow) quase sempre envolvido em situação terrível· mente absurda porque terrivelmente real. O abSurdo é o real que vive dentro de nós, como diria Samuel Beckett. A propósito, vale acrescentar um dado bastante revelador: os italianos Bunker & Chies quadrinizaram recentemente a novela O Processo, de Franz Kafka, percuciente libelo em que o autor de Metamorfose atesta de maneira suti l o caráter corrosivo da burocracia, tema que ele desenvolveria ao longo de toda a sua obra literária. Verdade que esta quadrinização só se tornou possível a parti r da versão fílmica de Orson Welles. Verdade também que, no cinema, Orson Welles não esteve sozinho ao enfocar o tema dos meandros da burocracia criminal; existia a obra de um André C a y a t te. Na literatura, Kafka teve seguidores nesse duelo frontal com tão singular entidade: a burocracia Um deles, Henry Miller, denomina o período em que trabalhou como funcionário dos Correios e Telégrafos, em Nova Iorque, de "pesadelo de ar refrigerado" e nos transmitiu em Primavera Negra toda a angústia dessa malfadada experiência que ocupou uma parte de sua vida. Marshalt McLuhan em seu fascin ante livro O Melo stio as Massagens chega a afír-
mar que "os maiores avanços na civilização são processos que quase arrulnam as sociedades em que ocorrem", como que prevendo uma dialttica progressiva entre causa e eleito social. Estaria a burocracia ent re esses processos de · que nos fala o pensador canadense? Achamos que a resposta deve ser negativa. Anterior à tecnologia eletrônica ela estaria mais inclinada a estabelecer a continuidade de um determinado "status". O funcionamento dos quadros ora em vigência no Serviço Público e em algumas Empresas condiciona o homem de tal maneira que o coloca, em pleno século da automação, na mesma situação descrita por Albert Camus em seu importante ensaio L'Homme Revollé: "0 que vem a ser um homem revoltado? Um homem que diz não. Porém, se ele recusa não renuncia: é igualmente um homem que diz sim, desde o seu primeiro momento". Mais ou menos como Bristow (Grilo n• 14), massacrado e/ou massificado pela burocracia, mas por ela irremediavelmente dominado numa dependência neurótica: "Estou ansioso por chegar e dar duro ... Os velhos hábitos não largam a gentel" Aliás, dentro dessa dependência neurótica, Fudge, o chefe de Bristow, estaria quase que como a imagem familiar de um pai severo. Bristow, no entanto, não deixa de inventar seus ardis para escapar ao tr abalho e sair passeando como um fe· llz burocrata em férias, ainda que seja tão condicionado à firma que, mesmo quando está realmente de fé-
rias, vá olhar por um telescópio para ver o que a turma do escritório está fazendo. E', afinal, um gozador, um observador das fraquezas humanas, e que por sua vez é gozado pela arrumadeira do escritór io com uma mem;agem escrita sobre a poeira da mesa: "Esta mesa e arredores são uma desgraça" (Grilo n• 32). Metalingüisticamente, se poderia ver ai uma desesperada e mordaz critica à própria burocracia. Eis pois o chomo britannicus" pós-Segunda Revolução Industrial em sua psicologia refinada, caricaturado em sua sobriedade, tão tacanho em sua sub-vivência de burocrata quanto a pompa mofada das cerimônias da Família Real. E outro personagem criado por Franck Dickens, o gorducho Nicola Biggelow (ainda não publicado no Brasil), representaria esse burocrata em seu tempo de menino, tempo de viver as despreocupações de puxar o carr inho do elefante e comer as guiodites da mesa pequeno-burguesa. Não há profecia mais exata! O futuro dos gordos filhinhos classe-média da Inglaterra está entre a papelada de uma Companhia Chester-Perry q u a I qu e r, agüentando a cara feia dQS Fudge, a quadradice padrão dos jones, Hewitt e Pilkington, a elegância falsa e ridícula das Miss Glocklng e a sutil presença paternalesca dos Sir Reginald CllesterPerry da vida. Haja então humor e habilidade em cada um para saber encarar tudo isso com a esporlividade e o espírito de gozação de um Bristow.
Charlier Fernandes
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Lapassade, G. - Recherches lnstituHonnelles -3. - L'11111alyseur et l'analyste.
Mannoni, M. - Le J)$ychiatre, son fou et la psychanalyse.
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LIVROS
O SEGREDO DA MACUMBA, por Georges Lapassade e Marco Aurélio Luz. - Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro 1973. 102 pp.
O livro dos dois autores chama a atenção para a necessidade de se distinguir a Umbanda, que funciona corno um discurso social de reapropriação, e o candomblé, que se prende a uma problemática de mitos etiológicos ligados às forças da natureza. Coloca-se, então, que a origem étnica diversa explica a diferença de ritual entre ambos. Mais adiante lembra-nos que o fato aludido explica a diferença fundamental responsável pelo caráter diferencial entre um imaginário povoado de significados etiológicos, por força de ação interditara ao nível de regras de parentesco ( candomblé), e o da Umbanda na medida em que esta tem um imaginário social povoado de significados políticos (daí o excelente aproveitamento de Althabe, feito por Marco Aurélio, combinado com a problemática dos AlE de Althusser), pelo fato de sua interdição se dar ao nível das relações políticas representantes da I uta forma-
dora das relações sociai::; brasileiras. Dai o uso da categoria freudiana de esquecimento, poi~. como palavra não-dita, o ritual de sua liberação política e sexual tem no negro que se submeter à interdição, à palavra social do branco. Impossível de trazer ao real, resta ao negro dramatizá-la em seu ritual. E' precisamente nesta dramatização que se distinRUirá as estratégias da Umbanda e Quimbanda. A primeira corrobora a repressão a Exu, incentiva um exu que policie o exu-quimbandeiro, enquanto a segunda lhe dá o lugar central. Excelentes neste sentido a análise da dominação de exu por ogum em analogia ao processo histórico dos Palmares, onde os Capitães do Mato índios são representados pelos caboclos, seu chefe é Oxossi, Domingos Jorge Velho é lugar-tenente do Rei de Portugal (representado por Oxalá) e a análise psicanalítica da palavra macumba. Resta-nos comentar também o excelente uso da tópica freudiana, onde, ao nível do real, os praticantes (que são em sua maioria a pequena burguesia branca para a Umbanda, e o proletariado
- principalmente o núcleo residente nas favelas - para a Quimbanda) não percebem que somente ao nível inconsciente eles se lembram da Angola janga se são quimbandeiros, ou se integram no respeito institucional se são umbandistas. Pois somente o conteúdo manifesto lhes é oferecido, e o que a análise do livro nos revela é o conteúdo latente - eis o porque do ótimo trabalho com a categoria de elaboração secundária tirada dos textos freudianos sobre os Sonhos. ótima, de igual modo, a analogia da problemática da dominação como forma de comunicação (Althabe) e a estrutura psíquica de vassalo (Reich). Um segredo esquecido, não-dito, que os Deuses, Orixás, de qualquer política ou religião, dão graças para que não seja re!embrado.
Antônio Sérgio Mendonça
A importância do estudo de Marco Aurélio Luz (co-autor de Segredo da Macumba) está em demonstrar a fecundidade das proposições que desde 1968 vêm sendo discutidas e trabalhadas entre nós neste novo "contil)ente teórico" que se chama cUncia da história. Vamos por partes. 1. A tradição dos estudos sobre as religiões afro-brasileiras tem sido de cunho marcadamente evolucionista. Ou seja, tais estudos "procuram a origem do culto para se chegar ao conhecimento de seu funcionamento";. considera que, de posse desta origem, isto é, do que era antes de se modificar se estará de posse da essência pura do fenômeno. Dado a origem, se estudará as modificações por ela sofrida, cujo conjunto daria, noutra versão do evolucionismo, a totalidade do fenômeno. No caso destes cul-
tos, a análise visaria - por trás destas formas diversas que assumiu ao longo da história colonial e posterior (candomblé, macumba etc.) - a versão original (africana) donde teria t u d o partido. A crítica de tal abordagem no campo das ciências humanas, feita de modo radical por Lévi-Strauss, parece condenar o evolucionismo a, ·no máximo, "um procedimento sedutor, mas perigosamente c ô mo d u, de apresentação dos fatos". Se na biologia um cavalo gera um cavalo modificado, nas ciências sociais um machado não dá origem a outro machado.' Fora esta abordagem acadêmica, as religiões afrobrasileiras são objeto de criticas religiosas (católica, em geral), espiritualistas, onde o kardecismo procura se ressaltar como uma religião "espiritualizada", "científica", "civilizada", em oposição ao "primitivismo" grosseiro daquelas. 2. No Segredo da Macumba a umbanda é tomada como uma instituição social. O que significa isto? E' que ao invés de situá-la como um conjunto doutrinai ou então mitológico, acampa. nhado de um ritual, a umbanda é definida como um sistema de representações e atitudes (nível ideológico) relacionado com os demais níveis sociais, especificamente na função de assegurar as relações de produção (que são formas de exploração do sobretrabalho). Exploremos esta dupla indicação. Como ideologia, a Umbanda será uma linguagem es· truturada, que propõe uma representação da realidade soci:tl, um sistema de valores e um código de atitude e comportamentos; enquanto ideologia, é uma forma de produção da identificação
dos indívlduos (agentes sociais), um modo de situálos, para eles, na teia de relações sociais. Ora, sua representação da realidade social é deformada, e é esta a principal característica da ideologia; deformada por sua dupla articulação - no simb6lico e nas relações ~ociais.
3. De fato, a linguagem da ideologia, mesmo que reelaborada nas apresentações doutrinárias, é de natureza simbólica. Seja na organização do altar, que representa as relações das entidades, seja no significado de cada entidade, seja nas leis éticas da umbanda, o que opera é um conjunto de mecanismos (substituição, deslocamento, condensação) dest:obertos por Freud na interpretação dos sonhos. A linguagem onírica e os conceitos sobre ela produzidos pela Psicanálise (como nos sintomas, nos lapsos) constituem-se, portanto, na "via real" para a compreensão da estrutura da ideologia. Ora, o que se dá ai é o jogo de dois discursos imbricados - o manifesto e o latente - em que, por meio daqueles mecanismos, opera-se uma permanente deformação das representações. Por efeito, primeiro deste modo de linguagem. a ideologia é deformante. 4. Mas na sua função social de assegurar os lugares dos indivíduos nas relações sociais e sendo estes lugares (dadas as relações de cla!õ-' ies) assimétricos, a representação social e o sistema de atitudes são necessariamente deformados. De tal modo, porém, que é possível (como no caso do sonho) ler a deformação e indicar o que está sendo d~formado - tarefa da teona das ideologias, região da ciência da história.
E' justamente aqui que se dá o encontro de todas estas linhas de análise. O que é recalcado pela deformação inconsciente? O desejo. {A discriminação segregadora do Exu, tão longamente estudada no livro). Passando por Reich., onde a renressão do desejo seria a ~.mdição de uma ideologia de "vassalagem", estamos nas ~truturas ideológicas reprodutoras e garantidoras da estmtura de dominação social de classe. Esta passagem é feita por intermédio da estrutura parenta!, que é onde se dá a eclosão e recalque do desejo : nas formações sociais de clas~e.
tendo seu núcleo na autoridade, é transposta então do parenta! para o social. Neste sentido a Umbanda é uma ins tituição social que representa, no imaginário, a formação social brasileira (sua origem, portanto, perdendo relevância teórica) "com suas leis próprias de ocultação e inversão das classes sociais que se est abeleceram no Brasil, numa formação quase sempre conflituosa". Esta representação reproduz a dominação do branco (as entidades católicas acima das negras, no altar) com função de confirmar o seu adepto (negro, prolet ário) no lugar de dominado. Mas, para fazê-lo, dá-se a deformação que está expressa na luta para expulsar o Exu (desejo, negro revoltado); esta luta é que caracteriza a Umbanda versus a Quimbanda. Pois na Quimbanda, Exu, o negro livre, livre do trabalho escravo e da moral senhorial, ainda reina no terreiro. Presente enquanto tal no imaginário de nosso negro e das classes mais pobres de hoje, o Exu é o sinal de uma resistência à dornesticação definitiva, um apelo à . libertação.
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Mas de uma libertação no imaginário, pois seu espaço social, onde se realizaria -o Quilombo, a República Negra dos negros livres -, foi destruido por aquele que hoje ocupa o topo do altar (São j orge-Domingos Jorge Velho) e a memória desse espaço livre apagada, apenas restando dissimulada na denominação vaga de "macumba" (de mocambo, moradia dos quitombolas). Enquanto u m imaginário conflituoso, a luta Umbanda-Quimbanda representa as alternativas do neRro e pobre brasileiros. Alternativas imaginárias, mas cuja eficácia poder-se-ia da r num rcordenamcnto seu com o espaço social, não mais o do Quilombo. Para ta l, es te estudo de Marco A. Luz constitui uma original contribuição.
Antônio Serra
• Lévi-Strauss, RaÇQ ~ história. Jn: nRaç_a c ciancia-. I. Perspectiva, Sto Paulo 1970, p. 239. Sem dúvida a critica de U vfStrau5s nlo vai além das proximldadu do corte epistemológico que separa a ciência da fdeo!ogla. l'ol Altbusser e também Baffoar que desenvolveram e retomaram as ba~s cientilicas da ciência da história que realiza uma critica teórica ao evolucion ismo, e que se caractertu como a cl~nda dos dl-rersos modos de produçl o.
VIDA PAJIA ALtM DA MORTE, por Leonardo Boff. -Editora Vozes, Petrópolis 1973. 206 pp.
Este livro é uma prova de que se pode escrever teologia com beleza. Livro bonito, gostoso de se ler. Alguém pode ter preguiça de abri-lo, pensando que é repetição dos eternos lugares comuns sobre a doutrina do além. Pode ter medo de entra r a í, pela própria natureza obscura do invisível. Infelizmente não tem havido muita vontade de banhar essas dou trinas nas.
águas de conquista da ant ropologia. E' mais cômodo apelar para a velha dicot omia: mundo de cá, mundo de lá; vida da terra, vida do céu ... Por não ter literatura inteligível sobre a vida futura, o povo deixa simplesmente de lado as explicações de uma teologia simplista. Tem medo de ir contra, mas arranja outras explicações mais fáceis e menos pesadas. Já era hora de se lavar esse campo importante onde há tanta angústia, tanta pergt~nta no ar! Era hora de entrar ai corajosamente, com uma palavra positiva, sem apologética e sem rodeios. Boff sistematiza um "processo de desmi tizaç"ão", com muita lealdade, com muita lógica, sem tapeaçôes e sem vontade de compor ou contemporizar. Coloca bases teológicas e tira conclusões. Não esconde seu pensamento, mesmo que choque. Diz a verdade com simplicidade, com humildade, como quem pesquisou muito, refletiu e olhou para a vida com um olhar claro. Não é fácil o caminho por onde ele entra. Fácil é o contrário, pois os trilhos estão prontos. Gostaria de saber comunicar-me, para tr anspor este livro para a linguagem popular e sai r contando uma porção de coisas importantes. Faria uma int rodução com sua visão teológica colocada em rica antropologia. Depois, um feixe de pensamentos sobre cada uma das verdades do conjunto morte-ressurreição. Garanto que as idéias deste livro tirariam mui tas miragens, muitas idéias fixas e obsessões da cabeça cansada do povo. Há muita neurose, muito complexo de culpa, alimentados por certos a:otiomas sobre vida eterna,
sobre morte e juízo. Muita gente sofrendo com isso mais do que é preciso .. . Quantos velhos martiriz.ados pela idéia de eterna condenação, porque um dia, Já longe no tempo, tomaram uma gota de água antes de comungar, comeram um pedaço de carne em dia de abstinência, deixaram de pa!{ar uma conta por esquecimento! Quanto sofrimento inútil, por não se ver clara a verdade de Deus. Deus é muito melhor do que vocês todos juntos, dizia um velho mestre! Se fizesse essa síntese, omitiria o capitulo Indulgências, no a~ndice. Ele destoa da coragem das outras partes. Se não estivesse no apêndice, pareceria uma bondol"a concessão do autor, sem o suporte das outras colocações. Difíci l encontrar lugar para elas, dentro dessa visão rica de Reino, de homem, lle Deus, de vida. E' um capitulo da história da Igreja, conseqüência de uma visão de Igreja. Repito que está no apêndice, como outros modos de ver. Não tira nem um pingo da grandeza do livro. Pensando bem, aumenta ... A·sintese está além das pos· sibilidades de uma simples recensão. Mas seria importante que alguém a fizesse, em termos de divulgação. Carlos Mesters faria i~ muito bem. Vale a pena, Carlos!
Marcos Antônio N oronha
CóDIGO NACIONAL DE TRANSITO, por Affonso Avila. - Edições 1300, Belo Horizonte 1972. 20 pp.
"A" obra poética do mineiro "Affonso Ávila t em-se destacado com um rigor e um vigor pouco comuns em noseo pais. O rigor e o vi-
gor críticos, esclareça-se, nascem marcados pela prática va nguardista na área de poema que o domina com absoluta lucidez. Em um texto de 1966, Affonso Avila demarcava o lugar de sua direção criativa, uma direção capaz de apontar os caminhos urgentes da produtividade literária brasileira: cO poeta novo, impondo-se uma responsabilidade definida perante o significado social da linguagem, impôs-se também unia liberdade absolut a de pesquisa e criação. . . . A linguagem do poeta novo tende, assim, a ser no Brasil uma linguagem sob permanente pressão cr itica, provocada quer pela instabilidade das formas em evolução, quer principalmente pela cont!gência de uma problemática humana bastante aguda e imediata:. ( in: «0 poeta e a consciência critica>, pp. 83/84) . Este livret o, de 20 páginas e 8 poemas, de uma certa maneira cristaliza a produção criativa do autor de O lúdico e as projeções do barroco e complementa os dados semânticos lançados em Código de Minas: um livreto que existe fisica mente como um poema/livro, já que os seus oito blocos poemáticos obedecem a uma mesma estruturação Indicativa de leitura. Os poemas interligam-se como uma sucessão de cortes exploratórios tendo em vista uma determinada t otalidade slgnificacional. Antecipando os blocos, uma frase-slogan : quem obedece a sinalização evita acidentes. A capa (de Myrlam Avila) já anunciara o projeto do livro, explíci to na frase-slogan: o vermelho da .-chapada:. reforça o sinal de estacionamento prol-11/do, visão tipográfica q ue
abre as portas de um mundo impregnado pela determinante poética. Existe todo um sentido de alegoria (segundo a concepção de Walter Benjamin) que remete a capa e os poemas à hora presente, à nossa realidade concreta de homens concretos. A própna limpeza visual da obra tem um caráter vanguardistico ligado ao problema da alegoria. E' ' 'erdade que existe um lado objetivo na relação instaurada por Affonso Avi la entre poeta/homem/sociedade: o lado das proibições e da censura que atinge o pedestre diante do tráfego ou que atinge a pessoa fisica diante do sistema econômico e social Este lado está especificado em Código nacional de trt1nsito. Cada bloco apresenta um denominador comum verbal ou fráslco ao próprio poema, elemento repetitivo canalizador das tensões estéticas reveladoras da taxa .informacional do produto. A&sim sendo, tora do per igo I à direita (às direitas) I luz baixa I quando a farsa for continua I com prudlncia I na pista 1 sob neblina I e I em declive servem aos propósitos criativos dos poemas a partir de uma filtragem vocabular fundada . na repetição de alguns signos verbais. Esta repetição não tem a gratuidade da redundância, mas funciona como um campo aberto par a as permutações localizáveis de maneira impllclta no projeto do livro. O consumidor, embora não exista qualquer indlcaçã.o direta por parte do Autor - e aqui reside um dos maiores méritos deste novo Código - , pode participar livremente das permutações, recriando associações frásico-vocabulares de acordo com o pensamen-
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80 to central da obra. Por exemplo:
não vire a página dentro do falso não vi re a página como servo à direita não vire a página ao cruzar outro veiculo não vire a página dentro da farsa
/OU/
dentro da faixa conserve-se à direita dentro da faixa ao cruzar outro veiculo dentro da faixa quando a farsa for contf.-
dentro da fai xa dirija com prudencia.
nua
Só não conservamos um certo preciosismo tipográfico na medida das colunas por simples questões técnicas. O elemento repetitivo da 1 • versão faz parte do 4• poema, talvez o mais bem realizado do livro: cnlio ultrapasse 1 quando a faixa for continua /1 não ultraje a pátria I quando a farsa for continua 11 não vire a página 1 quando a farsa for continua 11 não pule a pauta 1 quando a farsa for continua 11 não mude a prática 1 quando a farsa for contfnua>; o da 2• versão faz parte do 1' poema, que tem em fora do perigo seu demarcador semântico: <dentro da faixa I fora do perigo I I dentro da fauna I fora do perigo (etc.):.. Sem dúvida, na área verbal como proposta de vanguarda, o nome de Affonso Ávila desponta com bastante solidez:. Decerto, se este estudioso do ba rroco como c:uma linha de tradição criativa> já tivesse dado o seu particular salto gráfico-visual na pesquisa do poema, estarlamos lidando com
produtos muito mais ricos em formulações signicas. Mas a importância criativa de um Código nacional de trtJnsito - e a importância de poemas como Por que me ufano de meus pais, Passagem de Mariana, M()tetes à feição de lobo de mesquita, Anti-sonetos oaropretanos, Pequeno catálogo colonial de nomes, cor de pele e meios de vida e As siglas - está na raiz de uma poesia condicionada à mineiridade e à (uma certa) teatralidade. Teatralidade esta que marca o seu lugar através de indicações concretas (cf. Motetes à feição de lobo de mesquita, Os anciãos) e de pressupostos críticos abertos à imaginação do leitor : a visualização de um espaço cênico em vários e vários poemas.
Moacy Cirne
INFANCIA NO BRASIL EM TRANSFORMAç.lO, por Aguinoldo N. Marques. - Editoro Voz.es, Petrópolis 1973. 248 pp.
O A. é médico pediatra do Ministério da Saúde. E' necesário ressaltar que o tratamento do problema da infân cia não dá apenas um nlvel suficiente em termos de Ciências Médicas, mas também um grande nfvel em termos de Ciências Sociais. A obra vem extraordinariamente bem documentada e bem montada teoricamente. P rocura caracterizar o subdesenvolvimento, buscando para isto uma convergência de critérios. Acentua caracterfsticas econômicas, sociais, demográficas, culturais, sanitárias, polltlcas e administrativas. O leque analftico é bastante amplo; e a parti r dele, desce à realidade brasileira, primeiramente no plano das condi-
ções sanitárias gerais da nação, e, a seguir, no plano específico da infância. E' certamente impressio'nante o acervo de dados de que dispõe, ainda mais se levarmos em consideração q ue o A. não perde de vista, em nenhum momento, a perspectiva interessante da comparação mundial. Neste ponto, terá aproveitado bem o seu acesso aos dados oficiais do Ministério de Saúde, bem corno a dados de organizações mundiais ligadas ao Minist~rio. Em capltulos subseqüentes, dedica-se a problemas especlficos, como a desnutrição na infância, a administração sanitária, o ensino e a pesquisa em pediatria. Há uma forte acentuaçflo da Incapacidade administrativa e das distorções econômicas. Neste sentido, acrescenta, no fim, um capitulo onde propõe soluções. Tais soluções se concentram em três tópicos prmc1pats: medidas de caráter geral na economia, que levariam a contestar e retificar a produção deficiente em termos de alimentação e distribuição, bem corno o aproveitamento da mão-de-obra ; medidas gerais na área da saúde; medidas especificas no domlnio da saúde e da educação da infância. E' adepto do não controle da natalidade. No fim de c.ada capitulo insere urna bibliografia especializada, o que toma a obra muito útil em termos de a proveitamento acadêmico, além da oferta muito impressionante de dados. Trata-se de estudo muito realista, que nllo parece partir da defesa velada de qualquer ideologia, mas se propõe analisar o que a realidade dá, pura e simplesmente.
Pedro Demo
UTEIATURA PORTUGUESA MODERNA, por Massoud Moisés (org.). - Cultrix/ Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo 1973. 204 pp.
A importâ.ncia de um dicionário que registre nomes, fatos e tendências, quando elaborado com um mlnimo de lucidez cr itica, pode ser facilmente verificável na área quase sempre complexa da valoração literária. E quando um dicionário apresenta os seus verbetes de maneira concisa, com as informações necessárias (com juízos críticos que poderão ser polêmicos, conforme a orientação metodológica do organizador), um bom passo já foi dado em direção à sua mais imediata finalidade: o didatismo em geral para-universitário. Os 268 verbetes que constituem este volume - organizado por Massaud Moisés, com a colaboração de Alvaro Cardoso Gomes e mais nove nomes pertencentes ao Centro de Estados Portugueses da Faculdade de Filosofia , Letras e Ciências Humanas da USP -primam (quase sempre) pela conC'isão irreparável, pela eficiência valorativa, pela informação correta. Portanto, um dicionário que atinge plenamente o seu objetivo. E atinge plenamente o seu objetivo em particular no que se refere aos poetas, novelistas e romancistas mais conhecidos, ou mais estimados pela critica: AlmadaNegreiros (pp. 15/16) , José Gomes Ferreira (pp. 73/75), Vergílio Ferreira (pp. 76/ 77), Adolfo Casais Monteiro (pp. 118/119) , Fernando Namora (pp. 123/124) , Joaquim Paço d' Arcos (pp. 141/143), Fernando Pessoa (pp. 146/150), Mãrio de SáCarneiro (pp. 169/170) etc.
Inclusive, tivemos a grata surpresa de encontrar catalogado o poeta caboverdiano Luís Romano (p. 166), hoje residindo em Natal, no Rio Grande do Norte. Entretanto, o livro de Massaud Moisés se apresenta bastante falho, com lacunas imperdoáveis, na parte referente à nova produção Uterária de Portugal. Se Melo e Castro - um dos mais atuantes e fecundos poetas experimentais portuguesesestá incluldo (p. 114), o seu verbete, assinado por Carlos Felipe Moisés, pauta-se no mais completo equívoco quanto às metas t ipográficas da poesia experimental. Lamente-se, ainda, as ausencias de dois grandes vanguardistas; Ana Hatherly e António Aragão, para não falar nos mais novos (Nelson Portelínha, Manuel Leopoldo Passos, Silvestre Pestana). Hatherly é autora do importante Anagramdtico (1970) e Aragão tem desenvolvido um trabalho da maior significação poética na ltha da Madeira.
Moacy Cirne
A NARRAnVA DE FICÇlO, por V'.cente Ataídc. - Editoro dos Professores, Curitiba 1972. 170 pp.
O Autor é professor na Universidade Católica do Paraná, onde aparece como um dos maiores animadores (divulgadores) da nova literatura brasileira, promovendo cursos e debates os mais variados em torno de problemas cruciais de nossa produtividade literária. Dal porqne o nosso interesse por um livro que se volta de maneira explfcita para a narrativa ficcional, cujos parâmetros ínformaclonais são instigantes para qual-
quer estudioso da literaUdade. O livro de Vicente AWcJe divide-se em duas Partes distintas; a primeira, teôrica (Morfologia da ficção)· a segunda, critica (Três en: saios). A primeira tennina por apontar soluções ficcionais brasileiras e problemas gerais da ficção; a segunda analisa as obras de Lygia Fagundes Tel!es, Alcântara Machado e Samuel Rawet. Em vários níveis, um volume repleto de sugestões criticas interessantes e úteis, se pensarmos no leitor universitário que vai consumilo. A segunda parte, de igual modo, apresenta abordagens quase sempre corretas sobre os três au1ores referidos, em particular sobre Samuel Rawet, quando o estudo se torna mais completo, procurando detectar no contista de Os set~ sonhos as dimensões de uma certa evolução estilística, ·o problema da trama (argumento) no arsenal criativo (ou não) do conto brasileiro e a angústia e a soBdão que dominam os per~sonagens rawetianos. Contudo, não encontramos no livro de Vicente Atafde nenhum elemento concreto que determine a sua posição critica diante de um posslvel construturalismo. Ou seja, se A narrativa df! flcçlfo pretende ser um manual de abordagem interpretativa construtural, resta; nos a pergunta: o que ser ia uma critica construtural? Os dados metodológicos aqui esboçados antes nos remetem para um cert? impressionismo de teor d!dático, em especial na pr~meira parte, quando multas das questões levan1adas já foram superadas pela nova critica & pela nova narrativa. Um só exemplo:
82 sltuar os constituintes ficcionais como agentes fornecidos por áreas semânticomorfológicas gastas (o enredo, o personagem, o tempo, o espaço, a situaçãoambiente, o ponto de vista).
M &acy Cirne
UMA TEORIA DE POLITICA COMPARADA, por Gabriel A. Almond & G. Bingham Powell Jr. Tradução de Norceu de Almeida F., Rev. técnico de Eurico de l. Figueiredo. - Zahar Editores, Rio de Janeiro 1972. 206 pp.
Existe um grande interesse no estudo de polltica comparada. A comparação de vários regimes políticos, tanto em dimensão histórica (comparação de regimes primitivos com os atuais), como em dimensão mundial (comparação entre os vários regimes vigentes na atualidade), é uma das abor~ dagens mais fecundas, porque permite uma experiência metodológica e emplrica de extraordinário valor. Empiricamente, cada regime oferece uma perspectiva própria, com concepções especificas: a história, que sobrevive a mandantes e mandados, pode abrir ao estudioso dimensões novas para a formulação de uma teoria, bem como sugerir a impossibilidade de certos desenvolvimentos. Metodolo~ gicamente, a comparação pode Induzir à superação de Instrumentais anallticos, tidos muitas vezes por evidentes, bem como a uma contestação crescente de termos e conceitos alienantes. Os AA. manifestam uma linha funcionalista caracterls.ti.ca da moderna abor.dagem Cibernética, por exemplo, de Easton e Deutsch. Um dos cap!tulos centrais se dedica
extensamente a vários tipoS de funções : função de decisão de normas, estrutura de decisão de normas, padrões de decisão de normas, função de aplicação de normas, função de adjudicação de normas, função de comunicação ... Em sua tipologia, como seria de esperar, os AA. distinguem duas perspectivas básicas: sistemas políticos primitivos e tradicionais, de um lado, e formas democráticas e autoritárias modernas, de outro. Entre os primeiros arrolam: sistemas políticos primitivos, sistemas patrimoniais, sistemas burocráticos centralizados, sistemas políticos feudais; entre os segundos: a cidadeestado secularizada, sistemas polltlcos democráticos, autoritários e sistemas modernos pré-mobilizados. A obra tem UM interesse acadêmico relevante; podese lastimar que não ofereça bibliografia. Mas, ainda assim, o gabarito internacional dos AA. garante pela representatividade de seus enfoques.
Pedro D2mo
A CRIAÇÃO DE UM PAPEL, por Constantin Stanislavski. Tradvçõo de Pontes de Paula Lima. - Editoro Civilização Brasileira, Rio 1972. 270 pp.
Para se falar da teoria do teatro do nosso século, há que citar três nomes fundamentais: Stanislavski, Brecht (teatro dialético) e Orotowski (teatro pobre). Stanislavski, influenciado por Freud, volta-se para as ações, os objetivos flsicos e principalmente psicológicos da personagem. O grande mestre do teatro deixou-nos uma trilogia importantíssima : A Prepara,ão do Ator
(sua obra mais importante), A Construção da Personagem e A Criação de um Papel. Stanislavski cria ele mesmo algumas personagens para nos dizerem as verdades da ribalta. Nos diálogos aparentemente simples mas cheios de intenções, ele nos dá o caminho para se conseguir alguns momentos de arte teatra l. Para StanisJavski, tudo distrai o ator. São os espectadores, com o riso, silêncio e até aplausos; são os <spot-lightS>; são as entradas e as saídas de cena, quando o ator se <desliga> do seu papel. Enfim, existe um sem número de interferências a prejudicarem o trabalho do ator. Mas, esse mesmo ator, deve procurar os momentos de boa representação, persegui-los, entregar-se a esse trabalho fascinante de modelar o papel. O teórico russo aconselha trabalho e trabalho. Através da expiração vem a ingpiração, eis em slntese o lema de Stanislavski. Para a criação de um papel deV&se fazer esta pergunta: <Que faria eu (ator) nas mesmas condições~ Criar primeiro as condições flsicas desse momento da personagem, pois que as motivações interiores brotarão naturalmente, segundo Stanjslavski. Stanislavski propõe o seguinte rotei..,.o de trabalho para A Criaçif& de um Papel: o perlodo de estudo, desde o primeiro contacto com o papel, sua análise esgotando posslbllldades da personagem, o estudo das circunstâncias externas e internas motivadoras e a avaliação objetiva da peça. A segunda parte é o período da experiência emocional. Os impulsos interiores que levam à aclio teatral, os objetivos criadore&
e a partitura do papel (que é a apreensão dos momentos não-verbalizados da peça). O terceiro período é o da encarnação física no próprio papel Trata-se do período mais difícil e que Stanislavski compara à adolescência de um jovem. Já agora aparecem os objetivos e as aspirações do papel e há que pô-los em ação. Em quarto lugar o autor nos dá uma demonstração prática do seu método, através da análise de Otelo. A seguir é também analisado O Inspetor Qual e, finalmente, temos dois pequenos apêndices Que são roteiros para a criação de um papel e algumas improvisações sobre Otelo.
}. Albert& Braga
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IIII••IIo !tcrtta: Istambul, Don Smllh. 184 pp . .:.... Plcçll.o tobrt a espiOnagem Internacional e a J(Uerra fria OCidente-oriente, tendo por «herói" um vendedor de cqu1ramento tletr6nlco de csc-rJ.tórlo, chomado Phll Sherma!l, que se mete r m trapalhadas. da.s quat1 ulo consegue &t llvr&r
por causas ctrcunstanclals . Como aa outras obras do Autor, um volume extremamente reaCIOnário.
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Estrutura/limO I ttorla da literatura, Luis Costa Lima. 492 pp. Cr~ ~.oo. - Obra e•· ponenclal dA nova critica llterãria brasileira, fundamentada ooa pressupostos estruturalistas do pensamento contemportneo. O formalismo russo e 01 llmltet ela problexn6tlta estética, moU•açio e tensl o nos sistemas s im· bólicos & os discursos de repruentaçfo figuram no centro das preocupaç6es estruturais de L C L.
Sociedade stm tscolat, lvao llllch. 188 PP. - ~Pretendo discutir certos enfoques que nos deixam perplexos quando aceitamos a hipótese de que a sociedade pode ser dcsescolarlzada; procurar critérios que nos al udem a distinguir as lnstltutçau que merecem progredir pOr(lue promovem o aprendizado num meto desescolarizado ; e esclorecer aquelas metas pessoais que poderiam fomentar o advento de uma Era do Lazer (schola) em oposiçlo a um a economia domlnl(la pelas lnd6strlu de serviço" (11 ), Um livro lmportantlsalmo.
Po~tnJU, Ruben Vela . 19<1 pp. -Versos de um poeta e diplomata are:entlno, avaclado com o prl~nelro premio Cludad Buenos AIres, em 1972. Apruentaçlo crltlca de BeiJa )02el, que nos dll QUe os temas, os poemas de Rllben Vela utlo cbelos de slcnlllcaçto humana e socia l. Com isto acreditamos que IIÓ se pode chegar • ser crande poct.a quando se cbt~Ou a exprt!sar, poeticamente, o mundo.
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Para uma aoclo/ogla do prot~•tantlsmo briUiteiro, Waldo A. César . 48 pp. Segulldo volume da toleçlo Trlllas. O Autor é llcentiado em Sotiolo&ia, tendo curso de especlalbaç!o no Centro de E.cumcnl$mo de Genebra. O preunte trabalbo - vaUoso sob os mais diVersos aspectos -foi encomendado pelo Instituto Superior de Estudos Teotócicos (São Paulo).
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Psicologia Social, Aroldo Rodrigues. 2' edição. - Vozes, Petrópolis. W e learn english, Otília Arns. 8• edição. - Vozes, Petrópolis. Mutações em educação segundo McLuhan, L-auro de Oliveira Lima. 5' edição. Vozes, Petrópolis. Comunicação, expressão. e cultura brasileíra, Maria Helena Silveira. 3• edição. -Vozes, Petrópolis. Raça, Guilherme de Almeida. 2' edição. - José Olympio, Rio de janeiro. Elenco de cronistas modernos, Rubem Braga et alii. 2• edição. - Sabiã, Rio de janeiro. Sociologia do Direito, F. A. de Miranda Rosa. 2" edição. - Zahar, Rio de Janeiro. Introdução à sociologia, T. B. Bottomore. 4' edição. - Zahar, Rio de janeiro.
Diretor rosponsdve/: Frei Frederico José Leopoldo Vlor. O. F. M. RedtJÇio: Editora Vozes Limitada. Coi~a Posto! 23, Pé1rópoll•. RJ lmpreaso naa Otieln, .. Gr,fica• dit •&Jilore Vcnea ltc!a. •. Petr6poll:a
SEMIOLOGIA & DISCURSO TEORIA SOCIAL ANÁLISE DAS LINGUAGENS EPISTEMOLÓGICAS
· são números da REVISTA DE CULTURA VOZES que anali8cun 0
di8curso da semiologia e a importância da epi8temologia na teoria científica doa
nossos dias: uma teoria vital para ci compreensão do mundo de hoje.
São números que veiculam artigos, entre outros, de
CARLOS HENRIQUE IIICDBAR (Semlo/0(1111 como con«Jto em estado pr6tlco)
NADIA PAULO Pt:RRf:IRA t Semlo/0(1111 1t teo111 do romiiiiCe}
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CARLOS CRUZ (Sobre o conceito dft eiS$~$ 60CIIM)
LUIZ l'lliPE BAITA NEVES (0 t>nU<Jo doa al<tem" de parenteno/
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ANTONIO StRQIO MENDONÇA {Re·lelturll de Oawald)
IIIENO KIJ'IJINAN {Um ~,. fenotnltll016glco: o mundo/
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