kim e a luta por um semiárido mais sustentável

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Kim e a luta por um Semiárido mais sustentável Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº1399 Novembro/2013 Maraquetá - CE nome da cidade Amar e mudar as coisas Me interessa mais (Belchior) Francisco José de Sousa Pinheiro, mais conhecido como Kim vive com sua família em Maraquetá, a 32 km de Quixeramobim, Sertão Central do Ceará. Em 1996, cerca de 100 famílias ocuparam a propriedade, o processo de desapropriação da terra não foi deveras doloroso porque os proprietários já tinham interesse em vendê-la por encontrar-se improdutiva. Em 1998, Maraquetá tornou- se um Assentamento e inúmeras famílias já passaram por lá. Kim passou para a condição de assentado em 2000 e na flor da juventude começou a participar da militância do Movimento Sem- Terra – MST – ajudando a ocupar terras, estradas e tantas outras atividades que o fizeram desde muito jovem lutar por uma sociedade mais justa e igualitária. Kim já atuou na área da Educação e acabou desistindo por não haver muito incentivo, “por ser um setor desprivilegiado”, como ele mesmo diz. Na época em que lecionava, seu salário era R$ 168,00. A memória de quem um dia já foi educador comprova que muitas coisas já mudaram, mas que ainda vivemos em um país em que a Educação é coisa secundária. Kim resolveu buscar novas oportunidades e foi então que se tornou Mobilizador Social pela FETRAECE, (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Ceará). Logo em seguida participou da direção do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e atualmente é presidente do Sindicato. “Desde que quando eu passei a militar no Movimento Sem- Terra, no movimento sindical eu sempre procurei ajudar a comunidade juntamente com os parceiros, articular ações que pudessem vir a beneficiar as nossas famílias assentadas aqui”, relembra Kim. Atualmente, Maraquetá possui em torno de 60 famílias assentadas, 52 são reconhecidas pelo INCRA, outras são agregadas. Através de parcerias - Projeto Dom Hélder Câmara, IAC, SETAH, CETRA, Governo do Estado, MST e SDA, o Assentamento conseguiu energia elétrica, sistema de abastecimento de água, cisternas de placa, entre outras conquistas como capacitações e unidades de horticultura orgânica e gliricídia, biodigestor e apicultura. “As últimas ações que nós temos articulado são mais no sentido de fortalecer de fato as famílias pra convivência com os anos irregulares e também tentar avançar nessa questão da produção agroecológica”, afirma Kim.

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Page 1: Kim e a luta por um semiárido mais sustentável

Kim e a luta por um Semiárido

mais sustentável

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº1399

Novembro/2013

Maraquetá - CE

nome da cidade

Amar e mudar as coisasMe interessa mais

(Belchior)

Francisco José de Sousa Pinheiro, mais conhecido como Kim vive com sua família em Maraquetá, a 32 km de Quixeramobim, Sertão Central do Ceará. Em 1996, cerca de 100 famílias ocuparam a propriedade, o processo de desapropriação da terra não foi deveras doloroso porque os proprietários já tinham interesse em vendê-la por encontrar-se improdutiva. Em 1998, Maraquetá tornou-se um Assentamento e inúmeras famílias já passaram por lá. Kim passou para a condição de assentado em 2000 e na flor da juventude começou a participar da militância do Movimento Sem- Terra – MST – ajudando a ocupar terras, estradas e tantas outras atividades que o fizeram desde muito jovem lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.

Kim já atuou na área da Educação e acabou desistindo por não haver muito incentivo, “por ser um setor desprivilegiado”, como ele mesmo diz. Na época em que lecionava, seu salário era R$ 168,00. A memória de quem um dia já foi educador comprova que muitas coisas já mudaram, mas que ainda vivemos em um país em que a Educação é coisa secundária. Kim resolveu buscar novas oportunidades e foi então que se tornou Mobilizador Social pela FETRAECE, (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Ceará). Logo em seguida participou da direção do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e atualmente é presidente do Sindicato. “Desde que quando eu passei a militar no Movimento Sem- Terra, no movimento sindical eu sempre procurei ajudar a comunidade juntamente com os parceiros, articular ações que pudessem vir a beneficiar as nossas famílias assentadas aqui”, relembra Kim. Atualmente, Maraquetá possui em torno de 60 famílias assentadas, 52 são reconhecidas pelo

INCRA, outras são agregadas. Através de parcerias - Projeto Dom Hélder Câmara, IAC, SETAH, CETRA, Governo do Estado, MST e SDA, o Assentamento conseguiu energia elétrica, sistema de abastecimento de água, cisternas de placa, entre outras conquistas como capacitações e unidades de horticultura orgânica e gliricídia, biodigestor e apicultura. “As últimas ações que nós temos articulado são mais no sentido de fortalecer de fato as famílias pra convivência com os anos irregulares e também tentar avançar nessa questão da produção agroecológica”, afirma Kim.

Page 2: Kim e a luta por um semiárido mais sustentável

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

No final de 2008, iniciou-se no Assentamento, com o apoio do Projeto Dom Hélder Câmara o “Projeto algodão em consórcios agroecológicos ESPLAR/PDHC”. A Associação Conquista da Liberdade/Maraquetá exerce o papel de Associação Guarda-chuva e atua em várias cidades do Sertão Central, como Quixadá, Choró e Quixeramobim, representando outros grupos que trabalham com produção de algodão agroecológico. O projeto já está com três anos de execução - são nove plantações de algodão e 21 agricultores participantes. Para participar é fundamental que o/a agricultor/a não faça uso de agrotóxicos. Anderson da Silva Maciel é multiplicador dos Consórcios do algodão e membro da Comissão de avaliação e Comissão de ética local. O projeto foi fundamental para a mudança de hábitos do agricultor: “No momento em que a gente passou a trabalhar nesse projeto a gente já pegou a ideologia, que todo projeto tem sua ideologia, né? E aí a gente viu que o agrotóxico não era ideal, fomos deixando de lado. O projeto não aceita”, afirma Anderson. Contudo, a renda do Assentamento não é só do algodão agroecológico. Algumas famílias também criam pequenos animais – bovinos, ovinos, caprinos e suínos –, outras trabalham com produção de leite que é a maior fonte de renda do Assentamento, e com a agricultura de sequeiro – milho, feijão e algodão. Há também uma horta comunitária em que atualmente duas famílias estão cuidando. As famílias do Assentamento compram as verduras e legumes lá e a renda vai para a família que cuida da horta. Para Kim, o “desafio maior é a gente conseguir convencer esses produtores a vender os seus produtos na feira da agricultura familiar”.

Algumas famílias serão beneficiadas com as implementações do P1+2 (Programa Uma Terra e Duas Águas) em Maraquetá e a expectativa de Kim e dos demais agricultores e agricultoras é que possam produzir não só para o “consumo de casa”, mas também vender nos programas governamentais como o PNAE/PNAC (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e na feira da agricultura familiar em Quixeramobim. Kim foi beneficiado com uma cisterna-calçadão e pretende construir um banco de proteínas para a alimentação de caprinos através da produção de leucena e gliricídia. O agricultor militante pretende também plantar algumas mudas de árvores nativas e fruteiras enriquecendo a área e a alimentação da família, tornando o seu quintal produtivo uma referência para outras famílias.

Kim não é a única pessoa engajada da família, seu irmão, Rafael de Sousa Pinheiro é presidente da Conquista da Liberdade/Maraquetá e educador agrário pelo IDT (Instituto de Desenvolvimento do Trabalho) e Pró Jovem campo – Saberes da Terra em Nova Vida e Santana – Madalena. O jovem de 26 anos utiliza em suas aulas a Pedagogia da Alternância, que trocando em miúdos, é a busca de alternativas de convivência com o campo para que não haja o chamado “êxodo rural”. Para Rafael, a troca de experiências é fundamental para o fortalecimento de ideias e para a mudança de pensamento: “O intercâmbio tem um papel importante porque ele mostra pros agricultores que é possível” e continua: “O jovem não precisa

sair, ele precisa conhecer a própria realidade”.

Para Kim, Rafael e tantos outros camponeses e camponesas, a falta de políticas públicas não favorecem a permanência do jovem no Semiárido. Mas, o trabalho desenvolvido pela ASA (Articulação do Semiárido Brasileiro), juntamente com inúmeras instituições e através dos próprios agricultores e agricultoras mostra que é possível conviver com o Semiárido e ter uma vida digna – resgatando e fortalecendo culturas e memórias e construindo novas histórias e perspectivas.

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