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1 Kaiowá e Guarani em situação de acampamento no sul de Mato Grosso do Sul: entre território e condições de saúde, a violação dos Direitos Humanos. 1 Gabriela Barbosa Lima e Santos (UFGD). Mateus Henrique Zotti Maas (UFMS). Resumo Trata-se de resultados parciais de pesquisa em andamento, sobre a relação entre saúde e território dos Kaiowá e Guarani em um contexto específico: acampamentos indígenas no sul do Estado de Mato Grosso do Sul. Esta relação é de conflito, dada a disputa pelas terras e a violação dos Direitos Humanos no contato interétnico entre indígenas e brancos. Propomos, neste trabalho, levantar os aspectos históricos e cosmológicos do território e da saúde nos acampamentos indígenas dos Kaiowa e Guarani, que passaram pelo processo de “territorialização”. Este processo trouxe aos Kaiowa e Guarani a era do fim do bom viver (Ararapyre), metáfora utilizada para interpretar a perda de terras e de boas condições de bem-estar e saúde, explicada através da cosmovisão e do contexto sociocultural destes grupos indígenas. A violação dos Direitos Humanos aparece desde a expropriação da terra e o consequente confinamento destes povos, até a recusa do Estado de boas condições de vida e saúde, restando a estes indígenas a margem dos serviços sociais de saúde, e também à margem da medicina tradicional. Relatamos nosso primeiro contato com os acampamentos Laranjeira Ñanderú e Curral do Arame, em uma das mais evidentes e problemáticas situações entre Kaiowá e Guarani neste contexto, como percebemos em alguns autores como Schaden (1974), Brand (1997), Mura (2006), entre outros; levantando também discussões sobre as “fronteiras étnicas” (Barth, 2000) na zonas “intermédicas(Langdon, 2007). Palavras-chave: Kaiowa e Guarani, Direitos Humanos, saúde e território. 1. Introdução: Contextualização e procedentes históricos Esta pesquisa foi realizada em função de duas motivações: a primeira, foi impulsionada pelas pesquisas e estudos do ANTROPOLOGIA, DIREITOS HUMANOS E POVOS TRADICIONAIS UFMS, coordenado pelo Prof. Dr, Antonio Hilario Aguilera Urquiza (UFMS), de onde fazemos parte; e também pela ocasião do Trabalho de Conclusão de Curso de Gabriela Barbosa Lima e Santos. As limitações deste trabalho estão expressos pelo trabalho de campo ainda em fase inicial, constituindo de apenas duas visitas à campo realizado em outubro e em novembro de 2013. Os Guarani são um grupo indígena que pertence ao tronco linguístico tupi, de família linguística tupi-guarani e subdivididos em três grupos: Ñandéva, Mbya e Kaiowa (LUTTI, 2009, p.20). Esta divisão é feita pelas peculiaridades linguísticas e culturas materiais e não materiais (SCHADEN, 1964, p. 10). 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

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Page 1: Kaiowá e Guarani em situação de acampamento no sul de Mato ... · Grosso, sobretudo a partir ... Ao que se refere a terra, os Kaiowa tem um contato cosmológico com ela, de tal

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Kaiowá e Guarani em situação de acampamento no sul de Mato Grosso do Sul:

entre território e condições de saúde, a violação dos Direitos Humanos.1

Gabriela Barbosa Lima e Santos (UFGD).

Mateus Henrique Zotti Maas (UFMS).

Resumo

Trata-se de resultados parciais de pesquisa em andamento, sobre a relação entre

saúde e território dos Kaiowá e Guarani em um contexto específico: acampamentos

indígenas no sul do Estado de Mato Grosso do Sul. Esta relação é de conflito, dada a

disputa pelas terras e a violação dos Direitos Humanos no contato interétnico entre

indígenas e brancos. Propomos, neste trabalho, levantar os aspectos históricos e

cosmológicos do território e da saúde nos acampamentos indígenas dos Kaiowa e

Guarani, que passaram pelo processo de “territorialização”. Este processo trouxe aos

Kaiowa e Guarani a era do fim do bom viver (Ararapyre), metáfora utilizada para

interpretar a perda de terras e de boas condições de bem-estar e saúde, explicada através

da cosmovisão e do contexto sociocultural destes grupos indígenas. A violação dos

Direitos Humanos aparece desde a expropriação da terra e o consequente confinamento

destes povos, até a recusa do Estado de boas condições de vida e saúde, restando a estes

indígenas a margem dos serviços sociais de saúde, e também à margem da medicina

tradicional. Relatamos nosso primeiro contato com os acampamentos Laranjeira

Ñanderú e Curral do Arame, em uma das mais evidentes e problemáticas situações

entre Kaiowá e Guarani neste contexto, como percebemos em alguns autores como

Schaden (1974), Brand (1997), Mura (2006), entre outros; levantando também

discussões sobre as “fronteiras étnicas” (Barth, 2000) na zonas “intermédicas”

(Langdon, 2007).

Palavras-chave: Kaiowa e Guarani, Direitos Humanos, saúde e território.

1. Introdução: Contextualização e procedentes históricos

Esta pesquisa foi realizada em função de duas motivações: a primeira, foi

impulsionada pelas pesquisas e estudos do ANTROPOLOGIA, DIREITOS HUMANOS

E POVOS TRADICIONAIS – UFMS, coordenado pelo Prof. Dr, Antonio Hilario

Aguilera Urquiza (UFMS), de onde fazemos parte; e também pela ocasião do Trabalho

de Conclusão de Curso de Gabriela Barbosa Lima e Santos. As limitações deste

trabalho estão expressos pelo trabalho de campo ainda em fase inicial, constituindo de

apenas duas visitas à campo realizado em outubro e em novembro de 2013.

Os Guarani são um grupo indígena que pertence ao tronco linguístico tupi, de

família linguística tupi-guarani e subdivididos em três grupos: Ñandéva, Mbya e

Kaiowa (LUTTI, 2009, p.20). Esta divisão é feita pelas peculiaridades linguísticas e

culturas materiais e não materiais (SCHADEN, 1964, p. 10).

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

agosto de 2014, Natal/RN.

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São também portadores de uma cultura florestal, e lidam tradicionalmente com

atividades de subsistência através da caça, da coleta, da agricultura e em menor

quantidade, da pesca. Suas habitações não são como conglomerados, mas estão

dispostas em casas isoladas, espalhadas entre clareiras abertas da floresta, distantes

umas das outras (SCHADEN, 1964, p. 33).

Antes constituídas em casa-grande em até três gerações dentro do patriarcado,

este tipo de habitação já não se adequa às novas condições sociais e econômicas. A

família elementar começa a se sobrepor, dentro da unidade de produção e consumo,

deixando de ser autossuficiente. Assim, a importância das roças cresce pela falta de

espaço para caça e coleta (SCHADEN, 1964, p. 35-36).

Esta nova adaptação das habitações e manuseios do território à subsistência se

deve ao contato com os não-índios, entre os Ñandéva e Kaiowa, no então sul de Mato

Grosso, sobretudo a partir do século XIX, quando se inicia a exploração da erva mate,

pela Cia. Matte Laranjeira, que detinha mais de 5.000.000 hectares arrendados (LUTTI,

2009, p. 26), utilizando-se da mão-de-obra indígena, mudando parcialmente o modo

econômico das famílias Guarani (SCHADEN, 1964, p. 47).

O enfraquecimento (em 1940) das companhias de erva mate leva ao

fortalecimento de outras atividades agrícolas. Com as frentes colonizadoras, na chamada

“marcha para oeste”, o Estado impulsiona, na década de 1940, as Colônias Agrícola

Nacionais. Considerando as terras dos antigos ervais como “devolutas”, o governo

concede titulações, realizando um processo de reforma agrária, desconsiderando as

populações e os territórios indígenas (MURA, 2006; LUTTI, 2009). Começa, assim um

processo de territorialização, ou ainda, aldeamento compulsório, que transferem à força

os indígenas de diversos grupos em pequenos lotes (oito demarcações de reservas,

através da SPI) onde não há condições de manter o ñande reko, o modo próprio de ser e

viver como Guarani (LUTTI, 2009; MURA, 2006).

No estado de Mato Grosso do Sul, então Mato Grosso, é em 1943 que chega a

CAND – Colônia Agrícola Nacional de Dourados – que distribui mil lotes de trinta

hectares para os colonos, dando início aos conflitos interétnicos de disputa pela posse da

terra (LUTTI, 2009; MURA, 2006). LUTTI explica:

Conduzir os índios aos postos indígenas foi a maneira encontrada para

liberar as terras para a exploração econômica, de tal formas que a

resistência era tomada como uma recusa à ordem, um ato subversivo,

digno de punição. Uma forma de puni-la era negando-lhes o acesso a

recursos oferecidos pelo Estado apenas aos indígenas reservados.

Aqueles que recusarem a territorialização na reserva eram

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considerados “desaldeados”, não recebiam nenhum tipo de

assistência por parte do Estado [...] (LUTTI, 2009, p.30, grifo meu).

No entanto, estas reservas implicaram na economia, na política e no sistema

religioso, por elas não terem condições de sustentar as necessidades físicas e culturais

destes grupos. As novas formas de estabelecimento, seja ela nas cidades, nas fazendas

ou nas rodovias, são uma resposta política deste segmento. É também uma nova

possiblidade de vivência, que exige novas adaptações sociais.

Como grifado na citação acima de Lutti, os índios não aldeados, segundo a

legitimidade dada pelo Estado, não poderiam receber algum tipo de assistência por ele.

É notável, ainda, que não somente o estabelecimento dos indígenas em situação de

acampamento exige novas adaptações, sobretudo, de saúde mental e física. Uma vez a

condição de estar nas rodovias, o acesso à uma boa alimentação, higiene e remediação

(tradicional e/ou moderna) são escassas, dificultando a própria luta pela terra.

2. Declaração dos Povos Indígenas e atual situação de saúde e território

Continuamos este debate com uma breve análise dos direitos dos povos

indígenas entre saúde e território, prevista na Declaração dos Povos Indígenas, que

trata-se de um instrumento dos Direitos Humanos engajado no reconhecimento dos

direitos fundamentais e universais contextualizado na realidade e na cultura específica

desses povos.

Ao adotar a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, em 2007, o Brasil

assina que, “os indígenas tem direito à vida, à integridade física e mental, à liberdade e

à segurança pessoal” (Artigo 7.1); e também que “em especial, os povos indígenas tem

direito de participar ativamente da elaboração e determinação dos programas de saúde

[...]” (Artigo 23). Além disso, determina que o Estado promova diretrizes para que

promova e coopere com os direitos dos povos indígenas para que tenham a

possibilidade de utilizar-se tanto de seus medicamentos tradicionais como usufruir os

serviços sociais disponibilizados a todos, sem qualquer tipo de discriminação (Artigo

24).

No entanto, para que se possa usufruir a plena saúde física e mental, os povos

indígenas necessitam de seus territórios tradicionais, estes últimos, também garantidos

no artigo 26 desta Declaração. Sabe-se, no entanto, que antes da Constituição de 1988, o

Estado Brasileiro arrendou terras indígenas no sul do então Mato Grosso, para a Cia.

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Matte Larangeira, fundada em 1892 (MURA, 2006, p. 72), e posteriormente, com o fim

do ciclo da mesma, o Estado concedeu as terras como “devolutas”, simultaneamente ao

aldeamento compulsório, através da atuação da SPI (Serviço de Proteção ao Índio),

instituindo oito demarcações reduzidas para vários grupos, liberando as demais terras

para concessões e titulações entre os anos de 1915 a 1928.

Ao que se refere a terra, os Kaiowa tem um contato cosmológico com ela, de tal

maneira que a busca pela Terra Sem Males, presente em sua religião, aproximou-se da

luta política de reivindicação de suas próprias terras, onde possam exercer, como em seu

“paraíso”, em uma vida sem males e sem pobreza, suas tradições.

A doença aparece como fator predominante para o desequilíbrio social e

político, como mostra SCHADEN (1962):

Em todo caso, também entre os Guaraní predomina a crença de que as

enfermidades, pelo menos em sua maioria, encontram a sua

explicação nas más intenções de pessoas conhecedoras e portadoras de

recursos mágicos. O aparecimento duma epidemia ou de apenas uma

série de casos de moléstia na mesma aldeia e em curto espaço de

tempo pode, por isso, acarretar consideráveis consequências sociais,

gerar desconfiança, a desunião ou até inimizades [...]. Passada a

epidemia, não tarda a restabelecer-se o equilíbrio normal, e a

autoridade do médico-feiticeiro, que tenha lançado mão de recursos

mágicos e religiosos, ou do capitão, que tenha feito valer a sua

autoridade policial para normalizar a situação pelo combate às forças

contrárias, sofrem então incremento considerável (SCHADEN, 1962,

p. 127-8).

Estudar a saúde/doença é um caminho para entender como estas interferem no

equilíbrio cosmológico Guarani e Kaiowa, na luta pela retomada da terra e na busca

pelo estado do bom viver (MURA,2006), e como o processo de cura tradicional e a

medicina moderna podem visibilizar estes meandros políticos na vida dos indígenas em

situação de acampamento.

3. Saúde Indígena entre Guarani e Kaiowa em situação de acampamento

A investigação da saúde indígena permeia, entre os Guarani e Kaiowa, em

problemas mais profundos que os evidentes, dentro da cosmovisão não pouco

“apocalíptica”, em busca da Terra Sem Males (SCHADEN, 1964). Ao saber que todos

os Avá tenderão a ir ao céu, a preocupação trata-se mais do plano terreno (material) que

espiritual. A Terra Sem Males prevê um espaço onde se realiza o teko porã, o "modo

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certo" de ser Guarani, ocupação e produção tradicional, alimento em abundância, livre

da doença. Propomos interpretá-la agora como o seu território reivindicado.

A doença é um problema de intensa preocupação, e faz parte de um dos estados

de crise Guarani (SCHADEN, 1964, p. 85). As doenças podem ter dois surgimentos

distintos: a primeira, de caráter de conduta – é preciso desviar dos espíritos de mortos

através de cuidados especiais como o resguardo (akú) nos primeiros dias do recém-

nascido por parte do pai, que se encontra em estado de couvade; a moça que tem

primeiro ciclo menstrual também passa por akú; bem como os meninos kaiowa, ao

engrossar a voz, passam pela perfuração labial, também exigindo resguardo e conduta.

(SACHADEN, 1964, p. 85-91). A “falta de conduta” implica na doença dentro da

família, quando não a morte por encantamento do anguery (espírito dos mortos) que

vagam “por aí” (SCHADEN, 1964 p. 117).

A segunda hipótese de surgimento da doença, sobretudo quando se há uma

epidemia, é a feitiçaria. As pessoas portadoras de recursos mágicos, entre famílias-

grandes, líderes religiosos e políticos, muitas vezes são acusados de más intenções. Não

somente a doença aqui acarreta consequências sociais: as acusações podem repercutir e

gerar desconfiança, desunião e inimizade entre o grupo (SCHADEN, 1964; MURA,

2006).

No caso específico dos acampamentos, vale-se evidenciar o fato da valorização

da tradição Guarani, contraposta ao que Schaden chama de aculturação. A autoridade do

médico-feiticeiro (SCHANDEN, 1964), ou do xamã (MURA, 2006) se realoca no

momento de tensão, através da medicina e da religião tradicional, o equilíbrio

cosmológico em busca da Terra Sem Males, ou do estado do Bom Viver (MURA,

2006), que Schaden (1964) descreve como boa-aventurança, perfeição, vitória, livre da

morte, da doença, da fome, da miséria e da pobreza (p. 165).

Mura (2006) afirma que para os Kaiowa, ele já vivem o fim do tempo do bom

viver (Ararapyre), contraposto ao Ára Ypy (tempo das origens) onde o a alma estava

solidamente no corpo. A doença, neste momento, faz com que a alma queira se afastar

do corpo, e o Ararapyre, como uma noção de castigo, aparece como um avaliação do

comportamento ou da conduta dos Ava. A partir dele, diminui os elementos vitais,

como as técnicas de cura, os ñembo’e (rezas), as plantas medicinais, e os conhecimentos

de agricultura e de atividades da caça e coleta (MURA, p. 228-240).

A necessidade ou desejo de manter unidos alma e corpo parece ser

uma das preocupações mais relevantes para os kaiowa, e isto não

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somente para a vida extraterrena. Com efeito, a interpretação das

doenças e as técnicas de cura estão ligadas a esta concepção, assim

como os efeitos da feitiçaria [...] Interessa-me aqui colocar em

destaque o fato de que, para os índios, oque importa é viver bem, e

isto significa ter a própria alma solidamente assentada no corpo e não

perturbada, quer esta esteja na Terra ou no yváy de origem, na

condição de kandire (MURA, 2006, 233-4).

Outros elementos que são considerados conseqüência dessas

mudanças comportamentais e de condutas tecno-econômicas são as

pragas que se difundem pela Terra – como poluição das águas e do

solo, plantas gramíneas e insetos que atacam os cultivares etc. – e as

mudanças climáticas, como secas e chuvas de granizo. Finalmente, há

também as doenças, as epidemias de “suicídio” e a proliferação de

mortes violentas (MURA, 2006, 240).

Mura afirma que o problema deste povo é como conservar o bom viver na Terra,

o que seria preservado pelo teko porã. O contexto sócio-ecológico-territorial influencia

diretamente na recuperação do passado recente, isto é, na recuperação das práticas e

conhecimentos tradicionais que possibilitam, através do contato com suas próprias

divindades, o sentido cosmológico da vida terrena.

A doença aparece como ameaça constante ao que todos os membros das famílias

buscam nas formas de “bom viver” e no estabelecimento do padrão de vida. O estado da

doença “sempre interpretado como denotativo de anomias sociais e cósmicas,

transcendendo-se assim a dimensão puramente individual” (MURA, 2006, p. 264) e

concebendo a saúde como estado ideal na vida terrena.

Há determinadas técnicas para se obter cura, sendo elas hierarquicamente

instruídas para cura espiritual e a destinação para o corpo. A espiritual vigora nas

plantas medicinais, ou em gorduras animais, como também nas orações (ñembo’e)

sustentado na lógica de manter o ayvu no corpo, ou que o faça retornar, pois uma vez o

corpo tomado por espíritos maléficos, o corpo atrai outras doenças, dificultando o

retorno da alma do indivíduo doente.

A prática da medicina dos brancos é utilizado, sobretudo, no tratamento corporal

e não precisamente espiritual, uma vez que ela não conduz para ética do bom viver

Guarani, além de não sustentar melhoria para a infraestrutura dela. Explicam que para

cada elemento que se pretende adquirir, que ayvu retorne ao corpo, ou quando desejam

uma boa caça, um boa colheita (entre outros), os indígenas recorrem a um ñembo’e

específico. No caso de adquirir um elemento próprio dos brancos, os kaiowa estariam

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desprovidos de nembo’e para tal propósito, por não fazer parte do seu Cosmo, tornando

o modo se ser branco ineficaz para o Kaiowa (MURA, 2006, p. 251).

Ao contrário da Minayo (2004), que entende que existe uma imposição de

padrões culturais através da medicina (e suas respectivas tecnologias), podemos

interpretar a partir de Mura que as tecnologias modernas são interpretadas de modo

diferente, e que o valor da tradição não é deixado por elas. Entretanto, estar à margem

de duas medicinas, a tradicional (que não dispõem de espaço para cultivo e plantação de

remédios) e a biomédica (que indefere o atendimento aos espaços não legalizados pelo

Estado) podem dificultar o equilíbrio cosmológico do povo indígena em situação de

acampamento, como também, impossibilitar a luta pela retomada da terra e da busca do

estado do bom viver.

3.1. Em busca de boas condições e bem-estar: conflitos interétnicos

Esta primeira avaliação é também um treinamento do olhar antropológico.

Observar algumas alegorias ambientais de organização social é interessante na medida

em que percebemos o território como ponto principal na busca do bom viver.

Contrapondo os dois distintos territórios, o primeiro, Laranjeira Ñanderú, e o segundo,

que chamamos de “Curral do Arame” é uma maneira comparativa de se entender este

aspecto fundamental, que é a noção de tekoha, entre os Kaiowá e Guarani.

Ao chegarmos ao Laranjeira Ñanderú, sob observação do proprietário privado da

fazenda que se sobrepõem ao tekoha Kaiowá e Guarani, conversamos com alguns

moradores da comunidade – no nosso caso, com duas mulheres e com a liderança,

Faride. Dos 11 mil hectares reivindicados, 35 famílias vivem em 25 hectares, e algumas

vozes de mulheres que foram indagadas pela nossa equipe, todas confirmam que houve

de fato melhoria ao sair da beira da estrada para dentro do pequeno pedaço reivindicado

(o que aconteceu há cerca de três anos).

As moradias já se instalam ao modo tradicional, em clareiras abertas no meio do

mato, perto do rio. Já há algumas pequenas plantações de milho e outros alimentos. As

casas são um pouco distantes umas das outras, mas não tanto quanto o era antigamente,

segundo as etnologias clássicas atestam. Por fim, há uma grande casa de reza, perto da

casa de Faride, cacique da comunidade, e em frente dela, um campo de futebol. A terra,

que é bem vermelha (e em alguns lugares, como o próprio campo de futebol, é argilosa),

é nitidamente demarcada à sua fronteira étnica e espacial: a plantação de soja.

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Quando perguntamos a Faride, como são as condições de saúde, e se há algum

atendimento médico na comunidade, ele nos informou que o atendimento é bom: o

médico atende todas as segundas-feiras, e que recebem tratamento odontológico a cada

dezesseis dias. Ele também nos contou que sua filha, Raquel (que não estava presente)

estava se formando em técnica de enfermagem, e que ela dará o retorno de seus estudos

à comunidade. Perguntamos para a irmã de Faride, dona Iara (55 anos) o que ela fazia, e

ela disse que é artesã. Ao demonstrarmos interesse pelo seu trabalho, mas ela afirmou

que estava parada com o artesanato, pois tem trabalhando com sua mãe, Maria Joana,

fazendo remédio caseiro. Iara disse ainda, que existem três rezadoras, uma delas a

própria Maria Joana, que é uma das mais idosas da comunidade, e que não fala bem o

português; os remédios caseiros que elas fazem são em geral feitos de árvores como

“sangue-de-boi” e aroeira; e a gordura de capivara e o xarope de caraguatá em caso de

bronquite. Os indígenas de Laranjeira também utilizam muito remédios de branco,

como aspirina.

Foto 1: Em Laranjeira Ñanderú – equipe com seu Faride e com dona Iara.

Autoria: Tânia Milene Nugoli, em Laranjeira Ñanderú (26/10/2013).

Faride, ao escutar nossa conversa, nos chamou para perto dele e começou a

contar algumas histórias que Maria Joana, sua mãe, curou pessoas vindas de fora, que

não conseguiram cura alguma pela medicina do branco, como no caso de um padre; sua

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mãe também teria feito um casal de fora se resolver, trazendo o marido de volta para a

casa da mulher, após ter benzido alguns objetos do homem em posse da mulher, como

relógio e camisa. Faride, no entanto, ressalta que Maria Joana não “atrapalha” o trabalho

dos médicos: ela só cura o que médico não consegue; benze e batiza.

Uma de minhas colegas da equipe de pesquisa (Jéssica Maciel) conversava com

Maria Regina (moradora de Laranjeira, mãe de cinco filhos), esta senhora contou outro

lado da moeda: a doença como violência, sobretudo as que atingem as crianças

pequenas, através dos venenos que os fazendeiros passam nas plantações, e que

acarretam em diarreias com sangue, febre, desidratação e dores. Estes dois lados, tanto

da intermedicalidade como da etiologia da doença vinda dos venenos passados por não

indígenas serão analisados posteriormente, após a descrição do “Curral do Arame”.

Diferente de Laranjeira Ñanderú, que tem autorização judicial para ocupar parte

das terras reivindicadas durante o processo de demarcação, a terra em que chamamos de

“Curral do Arame” – tanto pelo córrego, quanto pela fazenda que se sobrepõe ao

território indígena – trata-se, na verdade, do tekoha Apikay, que tem uma situação muito

diferente, e tanto mais tensa. Em setembro de 2013, mais ou menos, a comunidade saiu

da estrada para ocupar parte dos 1900 hectares reivindicados, e dona Damiana, a líder e

rezadora do grup,o promete ocupar 1200 hectares em breve. Com cerca de trinta

crianças, o estado de segurança é vulnerável, por um lado, por parte dos constantes

conflitos com o fazendeiro, e por outro lado, pela pouca presença masculina na

comunidade: homens em geral saem para trabalhar em fazendas ao redor – crianças,

mulheres e idosos ficam sob ameaça constante.

O espaço ecológico tem suas proximidades e distanciamentos qualitativos de

Laranjeira Ñanderú: de um lado, as fronteiras demarcadas pelas plantações de cana

entre o espaço privado ao fazendeiro, e de outro, as tentativas de espalhamento das

moradas pelas clareiras do mato. Há um poço vazio de água: os moradores utilizam

água para beber e cozinhar, de um córrego de onde desce desde sua cabeceira

contaminada pelo esgoto da cidade.

Fomos recebidos por Damiana com arco e flecha, até o momento em que

identificamos a nós e as nossas intenções. Izilda, uma outra senhora, contou, no

percurso até o aglomerado das casas, que começaram a fazer algumas pequenas

plantações de alimentos. Damiana, ao deixar seu arco em um chiru, chamou seu filho

(único homem presente entre os moradores) Rogério para fazer as primeiras

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considerações sobre a ocupação. Ele nos conta que não há algum tipo de

atendimento, seja na área de educação ou saúde para com as crianças.

Foto 02: Tekoha Apyka’i, na fazenda “Curral do Arame” (de chapéu, à esquerda,

dona Damiana).

Autoria: Tânia Milene Nugoli, em Curral do Arame (26/10/203).

Rogério mencionou o fato de um filho recém-nascido ter morrido recentemente,

e que ele crê ter sido por conta da água contaminada: quando o recém-nascido ficou

mal, ele procurou ajuda ligando a cobrar para a CASAI, mas ninguém atendeu. Somente

quando já havia falecido que deram retorno. Rogério diz que eles precisam de

atendimento próximo em posto de saúde, água encanada e escola para as crianças, pois

o ônibus escolar sempre passa lotado com outras crianças, sem espaço para as da

comunidade.

Damiana, por sua vez, demonstrou muito mais seu sentimento de sofrimento e

luta, ao contar morte de muitos de seus filhos e parentes neste conflito fundiário, por

acidentes de trabalho em fazendas, acidentes de trânsito e atropelos, e ainda, por tiro de

armas. O sentimento de luta se expressou pela sua expectativa em não sair mais do

território nem por tiros nem por medo. A morte esteve em quase o tempo todo presente

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em seu diálogo, fazendo mesmo questão de levar-nos até o pequeno cemitério, com

cocar na cabeça e maracá na mão.

Perguntei à Damiana se eles têm algum tipo de remédio caseiro, e a resposta foi

negativa. Damiana e Rogério pediram para que nós levássemos sementes e alimentos

quando voltarmos para lá. Suponho que o pouco recurso ambiental (pela falta de plantas

nativas) e o pouco tempo de estadia em seu território, uma vez que estivessem antes na

beira da estrada, seja um dos motivos da não consolidação da medicina tradicional entre

estes Kaiowá e Guarani, reunidos ao caráter emergencial em que depositam para seus

problemas de saúde na biomedicina, embora apenas em seu território tradicional

condicione o bem estar em que procuram, se em condições propícias. No entanto, esta

hipótese deve ser averiguada em outros estudos, uma vez que a limitação temporal não

tenha condicionado tamanho aprofundamento para esta constatação.

3.2. Situação de contato na saúde: fronteiras na intermedicalidade?

Neste trabalho faço o recorte na zona de contato interétnico entre os indígenas e

a sociedade nacional no sistema de saúde, e por isso chamarei de situação de

intermedicalidade – conforme Langdon (2007) –, para absorver os dois sistemas de

saúde presentes entre os Kaiowá e Guarani: o biomédico e o tradicional dos Kaiowá e

Guarani. Esta situação de intermedicalidade reconhece a gerência de suas próprias vidas

e de escolhas para o tratamento médico por parte dos indígenas.

A autora menciona que pesquisas sobre o itinerário terapêutico dos indígenas

“demonstram que as escolhas de alternativas no processo de uma doença não revelam

uma relação direta entre o que se acredita ser a causa da doença e o que é usado para

curar” (LANGDON, 2008, p. 114). O processo de procura de cura seleciona uma das

várias alternativas médicas (curandeiros populares, farmácias, xamãs, remédios

caseiros) para cada caso, avaliado qual o mais adequado, dependendo da gravidade da

doença – e não é raro a dinâmica circular entre diversas práticas terapêuticas. O que na

prática se encontra, segundo Langdon (2008, p. 115), é que a busca no itinerário

terapêutico se combinem com fatores econômicos, temporais e sociopolíticos.

Langdon (2008) ressalta que é necessário contextualizar as atuais situações dos

grupos indígenas atualmente, isto é, a inserção dos indígenas “numa sociedade

envolvente e marcada por conflitos, preconceitos, exercício de poder e dominação”, e

situar os projetos de atenção diferenciada, que embora providos de boas intenções, mas

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que sofrem problemas e falhas devido à centralização e burocracia, “sem realizar uma

reflexão crítica sobre sua atuação” (LANGDON, 2008, p. 111).

A noção de “atenção diferenciada” passou a ser destacada com a criação

primeira do Subsistema de Saúde Indígena, que orientaram algumas tentativas na

política de saúde indígena, como as Casas de Atenção à Saúde Indígena (CASAI/1991)

e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI/1999). O que fundamentaria a

expressão “atenção diferenciada” seria propriamente o respeito às especificidades

culturais, o respeito pelos especialistas da medicina indígena e as práticas de medicinas

tradicionais ( LANGDON, 2008, p. 111), e além disso, “a inclusão, das comunidades

no planejamento, na gestão, na execução e na avaliação dos serviços de sáude”

(LANGDON, 2007, p. 213).

Em uma palestra conferida na I Reunião de Monitoramento do Projeto

Vigisus/FUNASA, na àrea de Medicina Tradicional Indígena, Langdon (2008) chama

atenção para alguns aspectos políticos e conceituais, convidando a todos os

profissionais da saúde na área indígena a adotar uma atitude reflexiva sobre o próprio

conhecimento. É necessário, diz a palestrante, reconhecer a posição hierárquica em que

estão na relação interétnica e se responsabilizarem por isso. Ao mesmo tempo, "é

necessário pensar como estamos conceituando a noção de 'medicina tradicional' (...)

porque traz uma imagem errada e romântica das praticas e dos conhecimentos

indígenas" (LANGDON, 2008, p. 110). Isto por que:

A medicina tradicional tende a ser essencializada pelos

profissionais da saúde. Ou seja, as praticas de saúde são concebidas

como hábitos universais praticados por todos os índios e como

saberes que nunca se transformam, mas que são capazes de

desaparecerem se nos não os resgatarmos. Os saberes indígenas

perdem suas especificidades e as praticas estão implementadas por

profissionais de saúde fora de seus contextos específicos, em nome

de uma medicina tradicional universal (LANGDON, 2008, p. 112).

Diante desta afirmação, percebemos certa “essencialização” de uma ampla

variedade de medicinas tradicionais, cada qual com sua especificidade cultural, e além

disso, cada uma com seu contexto histórico-social específico. Langdon (2008, p. 113)

compreende que a práticas de medicina estão em transformação contínua, sobretudo

devido às zonas de contato, isto é, as situações de intermedicalidade com o sistema de

saúde da sociedade nacional.

Desta maneira, como coloca Ferreira, que é resultado da descontextualização da

etnomedicinas (FERREIRA, 2008, p. 169) resulta em um desafio de construir

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programas governamentais atentos às medicinas tradicionais enquanto contextos e

especificidades locais, e em reconhecer que os cuidados da saúde beneficiam a própria

população que utiliza sua operação tradicional médica.

“É nas zonas de contato intermédicas, que os povos indígenas exercem o seu

poder” (FERREIRA, 2008, p. 169), isso porque, “as ações de saúde remetem a

considerações sócio-políticos que vão além de cura e de bem-estar físico”

(LANGDON, 2008, p. 115). Para Langdon, os medicamentos industrializados e os

serviços de saúde são considerados, além de substâncias curativas, direito à cidadania,

sendo a possibilidade terapêutica um significado político. Também o direito de ter

sua própria medicina tradicional é também relacionada à política, “com formas

tradicionais de organização, além das várias questões legais e éticas que estão

circulando na sociedade envolvente” (LANGDON, 2008, p.118).

A auto atenção tradicional, que extrapola também a prática médica está

associada a práticas e valores da cosmologia e organização social, bem como os ritos, o

parentesco, e representações corporais pois “quando consideramos as práticas de auto

atenção no sentido lato estamos nos referindo a relação entre a saúde e a cultura

maior” (LANGDON, 2008, p. 116).

Como inúmeras pesquisas antropológicas já vêm demonstrando, como a de

Seeger, DaMatta e Viveiros de Castro (1987), a medida que o corpo segue determinadas

regras culturais, sejam de tabus alimentares, dietas, práticas de couvade, ritos de

passagem, entre outros (muito presentes na cultura Kaiowá e Guarani durante o que na

literatura antropológica tem chamado de “estados de crise”), o corpo ganha um

significado social, e por isso, tem um cuidado todo especial, e totalmente ligado com o

grupo comunitário. Neste sentido, Langdon destaca que qualquer programa

governamental de saúde deve levar em consideração o respeito pelos saberes

tradicionais e as noções da fabricação do corpo indígena, ultrapassando as percepções

meramente biológicas (LANGDON, 2007, p. 220).

Levando em consideração a dificuldade por parte de muitos gestores e

profissionais de saúde em compreender e reconhecer as especificidades dos saberes, das

práticas e mesmo dos praticantes das medicinas tradicionais indígenas, Ferreira (2008,

p. 170) defende que é preciso criar políticas públicas que superem a noção reducionista

das etnomedicinas, que é importante em vê-las não somente como ‘traços culturais’,

mas como sistemas associados a outros princípios socioculturais, como a corporalidade,

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cosmologia, parentesco, organização social, gênero, parentesco, etc. e sobretudo, como

contextos históricos, econômicos e sociais.

3.3. Laranjeira Ñanderu: da cosmologia e das plantas medicinais às tensões cotidianas

No dia 21 de novembro de 2013 fomos a Laranjeira Ñanderu, procuramos pela

dona Iara e pelo Faride, mas estes não estavam. Talvez por “sorte”, encontramos no

caminho, seu Olímpio, Guarani Kaiowá, 73 anos, que apresentou seu nome em guarani:

Awá Jeguá, aquele que pinta o rosto. Ele é o pajé de Laranjeira, e por ter amplo

conhecimento das plantas medicinais, emprestou sua voz para nos explicar um pouco

sobre os remédios da mata, e sua fala acabou sendo ainda mais significativa.

Olímpio apontava algumas árvores de longe, outras plantas ele trazia ramas e

explica sua finalidade. Entre umas e outras, fazia referencia a sua cosmologia,

problemas da terra e do cotidiano da comunidade.

No início da conversa, Olímpio conta-nos, com orgulho, que tem 73 anos de

idade e nunca foi para o hospital, sempre se tratando com os remédios da terra. Dentre

os onze irmãos de criação, apenas ele está vivo, isto porque, nos informa, ele não bebe e

nem fuma: “A pinga não traz coisa boa. Quem bebe pinga, traz briga. Pinga só traz

crime, maldade, matador de índio, ladrão”. Compara, então, seu grupo com os

indígenas de Dourados, contando que foi até Jaguapiru e se espantou como eles estão

acostumados com a cidade, pois “índio não se acostuma com a cidade”, e que estes são

“índios brancos” pois não tem um jeito porã.

Olímpio passou a nos contar como fizeram a valeta onde escorre a água que vem

do rio até a comunidade. Eles passaram um ano e seis meses na BR, e quando mudaram

para dentro do território, um dia acordaram e estava tudo inundado. Então, decidiram

construir a valeta, e às seis horas da manhã, iniciariam o trabalho. No entanto, foram

impedimos pelo “português” (proprietário da fazenda), e por isso chamaram a polícia

federal para intervir. Só então conseguiram o direito assegurado para fazer a construção.

Em outra ocasião, o filho do “português” veio conversar com ele, e então Olímpio

revelou que tem “reza de fogo” para segurar pessoas. A reza de fogo, ele nos explicou,

faz cair as pessoas, isto é, pode até matar. Contudo, Olímpio nos diz que sabe fazer a

reza de fogo, mas não o faz por que ele é muito bonzinho.

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Seguindo neste raciocínio, ele fala que haveria, no dia 20 de dezembro do

mesmo ano, um eclipse solar, por 11 minutos, e que eles e outros pajés da região (como

o de Amambai) estarão rezando para que isto não aconteça. Nos dois primeiros minutos,

das 6 horas da manhã, sairia do sol um morcegão, que traria frio e escuridão ao abrir as

asas, e então, Paikuará soltará bichos do céu, como a onça que tem asas, e outros bichos

que sairão de dentro da terra.

Isto é uma ameaça que ocorre porque Paikuará, segundo Olímpio, está muito

bravo pela falta de terra dos índios. Paikuará mostrou para Olímpio como a terra está

podre. Ele quer acabar com essa terra para colocar outra nova, e isso ocorrerá por

inundação, fogo ou pelo eclipse solar. A terra está podre porque “o branco nasceu

ontem, não sabe onde é moradia do índio. Mas índio não esquece”. E o branco quer

tirar o índio da terra, mas é o índio que a segura. O branco só quer saber de dinheiro: “o

trator novo sai da terra, o carro novo sai da terra, o avião novinho sai da terra. Mas o

índio tá em cima”.

Olímpio mostrou o quanto eles estão perfeitamente situados historicamente, e

eles sabem quando começou a perda de suas terras, isto é, citando Getúlio Vargas e

Marechal Rondon e ainda, questionando o termo “índio”, afinal de contas, ele não

nasceu na Índia: ele é “brasileiro, mato-grossense e kaiowá”.

Quando o homem morre, continuou Olímpio, ele fica oito dias na terra, vagando,

sem saber para onde ir. No oitavo dia, Paikuará o busca para sua morada, Ará Djá, que

fica no nascer do sol. Em oposição a essa morada, os que judiam da mulher, bem como

todos os brancos, irão para onde o sol se põe, no Karú.

Embora não tenha indicado para onde iriam as almas dos suicidas, indicou de

certo modo, como uma doença, o morrer de enforcamento. Olímpio nos contou sobre a

morte de um dos filhos da dona Iara que se enforcou por ressentimento, na época em

que os brancos impediram a livre passagem entre o acampamento e a rodovia. Ele teria

sido mandado por sua mãe para comprar leite e sabão, mas não conseguiu sair. Na

manhã seguinte, ele já estaria morto. Dona Iara, por fim, pediu para que Olímpio o

curasse da morte de enforcamento, e então ele rezou, pois há reza para tudo, inclusive

reza de fogo.

3.4. Curral do Arame: violência simbólica do biopoder

O caso de Laranjeira Ñanderú, que já existe atendimento médico e certa

retomada das práticas tradicionais, tais como as práticas etnomédicas, podem se

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encaixar no modelo de zona intermédica acima descrita, com complexas noções de

fronteiras dialógicas que, no entanto, exigem maior tempo e disponibilidade para

pesquisa empírica mais aprofundada.

Não é o caso, porém, do acampamento situado na fazenda Curral do Arame. O

grupo de Kaiowá e Guarani que reivindica o tekoha Apikay não pode encontrar-se em

estado de fronteira intermédica, pois não se encontra atendido por nenhum dos lados,

seja a biomédica, seja o sistema de saúde tradicional. É claro que se exige

aprofundamento empírico nesta comunidade étnica, mas aqui expresso, de forma muito

sucinta, algumas observações que não podem ser ignoradas.

A construção histórica leva-nos a algumas considerações sobre as intenções do

“aldeamento compulsório” dos povos Kaiowá e Guarani, muitas utilizando mecanismos

“civilizatórios”, através do Estado, pelo intermédio do SPI, e das missões religiosas.

Dentre os mecanismos utilizados, os serviços sociais, como atendimento à saúde,

moradia e alimentação delimitaram aos índios “aldeados” como os detentores de

direitos, se bem que “tutelados”, enquanto que os índios fora das aldeias, e por isso,

“desaldeados”, como não merecedores destes serviços sociais, pela falta de legalidade

instituída pelo Estado.

Também é de se considerar as doenças trazidas pelos não-índios, que dizimou

grande parte das populações indígenas, sendo que muitos deles tiveram pouca opção

senão o aldeamento. No entanto, tiveram os “resistentes”. E também, os que, uma vez

aldeados, não se contentaram com as delimitações territoriais, sobretudo ao implodir

problemas relativos ao inchaço demográfico nas reservas – e por isso, resistiram

também, acampando em estradas e ocupando as fazendas sobrepostas aos seus tekoha. E

assim, enfrentam violências físicas, morais, e ainda, simbólicas.

José Carlos dos Anjos (2007), ao fazer análise da saúde através de uma

abordagem étnica e racial – focando-se nas populações negras do Brasil –, traz à tona

um conceito chave de Foucault, através de um viés histórico nominalista: biopoder.

Segundo José Carlos dos Anjos, não existem populações segmentadas antes da

biopolítica, ou seja, até quando se institui a saúde como questão pública e social. A

saúde é revelada como “endereçamento de diversos dispositivos de controle social no

sentido de majoração das forças sociais” (CARLOS DOS ANJOS, 2007, p. 101).

Ele defende que as conjunções dos dispositivos do biopoder são majoritárias às

forças sociais, emergindo áreas centrais e outras periféricas através da distinção de

“raças”, a “segregação, a hierarquização e o genocídio, porém bem menos explícitos”

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(CARLOS DOS ANJOS, 2007, p. 102). E por isso, ele entende que a ausência de

políticas de saúde, quando estas estão relacionadas aos confrontos interculturais, está

em jogo o direito e a identidade étnica:

Surgem indagações pertinentes sobre a relação entre as epidemias e

os grupos sociais de maior vulnerabilidade social. Se o Estado

moderno só exerce seu poder de morte ‘deixando morrer’, o fato de

os negros no Brasil estarem mais sujeitos à falta de informação,

meios de prevenção e acesso a serviços de saúde se inscreve no

quadro de uma formação social historicamente racista (CARLOS

DOS ANJOS, 2007, p. 104).

É por isso que Carlos dos Anjos tematiza a violência simbólica por parte de uma

dominação legitimada, ganhando um novo conteúdo, que em geral, é a racialização,

podendo resultar em uma eliminação ou exposição aos “processos violentos de

vulnerabilização às doenças” (CARLOS DOS ANJOS, 2007, p. 109). No entanto, ele

argumenta que a resistência local nas mediações culturais (nas fricções interétnicas)

irrompe as arenas públicas e pode se impor como legítima.

Neste quadro, onde não há de fato uma fronteira intermédica, senão a própria

marginalização e o descaso das instituições públicas, Curral do Arame se vê, há mais de

15 anos, sem condições mínimas de sobrevivência digna. Longe disso, a violência

simbólica se impõe na ausência do Estado, que se nega a prestar serviços na área

reivindicada, através do silêncio como aplicação do “reparo” legítimo do Estado.

Considerações Finais

Para finalizar estes tópicos, dos quais elenquei diversos elementos do contato

interétnico, penso que seja importante abordar Os grupos étnicos e suas fronteiras

(BARTH, 2000), para que fique claro que não pretendo entender as mudanças culturais,

sobretudo as que tangem o sistema de saúde Kaiowá e Guarani, como aculturação do

teko porã – embora perceba que as variações do teko, isto é, o teko retã, ainda que

intrinsicamente ligado aos desastres cosmológicos deste grupo étnico possui, por ele

mesmo, parte da própria cultura Kaiowá e Guarani, que é sempre renovada. Sendo as

ocupações e os acampamentos espaços onde se constituem grupos étnicos travados em

uma luta fundiária (ou seja, política),

Torna-se claro que as fronteiras étnicas permanecem apesar do

fluxo de pessoas que as atravessam: as distinções entre as

categorias étnicas não dependem da ausência de mobilidade,

contato e informação, mas implicam efetivamente processo de

exclusão e de incorporação, através dos quais, apesar das

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mudanças de participação e pertencimento, ao longo das histórias

de vida individuais, estas distinções são mantidas (BARTH, 2000,

p. 26).

Entendo desta premissa que as fronteiras étnicas são constantemente

atravessadas, no contexto em que visualizo, tanto por parte de indígenas que vão

agregar aos acampamentos ou que vão trabalhar nas fazendas ao redor de sua

comunidade política, como também a travessia das fronteiras por parte dos brancos:

entre fazendeiros, detentores da então propriedade privada; dos assistentes sociais e de

saúde e por fim, nós pesquisadores. Essa fronteira é também atravessada pela circulação

de informações, bem como de trocas culturais; no entanto, ela é bem demarcada: Nós

índios, e eles, “os brancos”.

Essa demarcação fronteiriça, vislumbrada até a pouco como fricção interétnica,

ou ainda, problematizada como uma zona de fronteira entre diálogos, sobretudo ao que

tange a zona de intermedicalidade,

baseiam-se precisamente na existência de status étnicos

dicotomizados: as distinções étnicas não dependem da ausência da

interação e aceitação sociais mas, ao contrário, são frequentemente

a própria base sobre o qual sistemas sociais abrangentes são

construídos. A interação dentro desses sistemas não leva à sua

destruição pela mudança e pela aculturação: as diferenças culturais

podem persistir apesar do contato interétnico e da interdependência

entre etnias (BARTH, 2000, p. 26).

Barth (2000, p. 29) salienta que o compartilhamento de uma cultura é uma

importante consequência (ou resultado) da organização dos grupos étnicos. Dispersados

em diferentes ambientes ecológicos (“reservas”, aldeias tradicionais, aldeias urbanas,

ocupações, acampamentos, etc.), os Kaiowá e Guarani exercitam sua identidade étnica,

afim de ser sujeito de direitos diferenciados. Uma vez que “a atribuição de uma

categoria” ou de uma peculiaridade cultural “é uma atribuição étnica quando classifica

uma pessoa em termos de sua identidade básica, mais geral, determinada

presumivelmente por sua origem e circunstância de conformação” (BARTH, 2000, p.

32).

Se de um lado encontramos Laranjeira Ñanderú como zona de

intermedicalidade, encontramos Curral do Arame, por outro lado, como o contraponto:

não se encontra nem assistido pela biomedicina, isto é, pela assistência social ou de

saúde pelas instituições do Estado, e nem ainda em condições de manter o próprio

sistema médico. Estas duas diferentes situações nos mostram como a organização social

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conforma os elementos culturais diante a um pré-requisito básico aos Kaiowá e Guarani:

o território tradicional.

Estas conformações podem ser de caráter moral ou performático, o certo é que

cada grupo articulará sua identidade contextualmente: assim, se verá índios em zona de

intermedicalidade; outros apenas com o uso da biomedicina; outros inseridos nas

religiões cristãs (levadas por missionários) que repudiam o uso tradicional de sistema de

saúde, e em alguns casos, os que ainda estão desassistidos por ambos os sistemas

médicos.

O que de fato me interessa é que, a saúde, convivendo com o estado do bom

viver entre os Kaiowá e Guarani, é um dos principais elementos que articulam a

organização social ao território, independente do sistema médico escolhido

individualmente ou em grupo. A emergência manifestada por Damiana e Rogério

(Curral do Arame) pelo sistema biomédico demonstra que a doença é um dos estados de

calamidade, manifestado pela falta da terra, pois, sabe-se que “não se trata aqui de um

apelo à adaptação ecológica. A viabilidade ecológica e a adequação ao ambiente

natural só importam se colocarem limitações à sobrevivência física” (BARTH, 2000, p.

48).

Já em Laranjeira Ñanderú, a existência de problemas de saúde representa a

instabilidade do acampamento. Mas o estabelecimento de dois sistemas de saúde revela

o processo dinâmico social – e por que não, espiritual? – do grupo, pois “diferentes

circunstâncias favorecem diferentes performances” (BARTH, 2000, p. 48). Entre o

tradicional e o biomédico, o ponto mais importante para a vida e a saúde dos grupos

étnicos é o reconhecimento integral dos territórios indígenas, e os programas de saúde

são apenas o princípio da humanização de direitos essenciais aos Kaiowá e Guarani de

Mato Grosso do Sul.

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