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67 Munir CURY· . . . tos do mundo, mas, ao mesmo témp9,pr0rh0vam a paz internamente, no âmbito de cada.nação, de cada sociedade, de cada família, decadêl ser humano. Omundo pacificado e unido requerUma matura· ção antropológica capaz de apontar para novos conteúdos pedagógicos, um modo diferente de postar-se diantede cada matriz do saber humano e, ao mesmo tempo, detectar uma metodologia' , realmente apta à formação de novas gerações cha- madas para construir e viver este novo momento histórico. Antes de mais nada,requer urna huma- nidade equipada de conceitos como solidarieda- de,.interdependência, paz, revisitados à luz de urna antropologia que colo- que.no centro a pes$oa:o ser humano em relação, capaz de tecer relacionamentos para fora e,ao mes- mo tempo, pa ra dentro de q ualquerd iversidade..., O instrumento da comunicação será o diálogo, 'com timbre de trânsparência, mansidão. confian- çae prudência e será umdiálogo plu- ralístico, multirracial, multiétnico, multinacional, multirreligioso, multicultural. O valor funda men- tal necessário para viver em uh' mundo tecido desse modo será o·amor.Some·nte o amor, como . - expressão do nosso ser, será capaz de nos ajudar a constr'uir relacionamentos novos, superando a ,jcuitura doter" com a "cuitura do dar", e de nos inspirar na invenção de instituições capazes de colocar os cidadãos realmente nas melhores con- dições de participantes das grandes escolhas para as quais todos somos chamados. • PALAVRAS-CHAVE: Justiça. Educação. Paz. Uni- dade. Diversidade. Introdução . O marco inicial do denominado projeto polí- educacional brasileiro foi, sem qualquer dúvida, a Constituição Federal de 1988, • Prócurador deJustiça aposentado do Ministério Público de São Paulo. Justka, Educacãoe Paz . . . ." RESUMO: Apresente reflexãoa respei!ode JUSc TIÇA, EDUCAÇÃO E PAZ Se propõe a abordarcada '. um dos temas deste tripé não deforma isolada, . mas como peças componentes de um úniCo mo- '. saico, entrelaçadàs entre si para a construção da sociedade solidária a que se a Constituição Especialistas em amhas as matér.iases'tão seguros de que a paz local e mundial que todos almejam encontram as suas raízes na verdadeira Justiça e na insubstituível Educação. . .. Os esforços pela paz na história da humanidade,-" no entanto, periodiCamente sofrem interrupções por convulsões sociais ou guerras que irrompem nos mais diversos pontos da Terra. Suas origens são explicadas por ordem social, religio- sa, rolítiCa ou histórica. Como conseqüência, aJus- tiça e" Educação também são abaladas. A perda da paz é sempre o reflexo do conflito interior de cada homem e da dificuldade de conviver com o diferente. A paz existe onde existe a unidade, a qual pressupõe aconvivência respeitosa com a di- versidade. Os desafios de caráter pia netárjo que se apresentam à sociedade contemporânea exigem respostas que erradiquem os conflitos e as guerras em todos os pon- . • SUMÁRIO: Introdução. 1 As . do vocábulo: lb As suas características básisas: 1C . As diversás comum. ld Justiça na. educação: instrumentos. 2 Educação. 2a As três formas de educação.2b Educação e escolaridade> 2C Educação, escolaridade e o homem completo. id Princípios pedagógicôsperenes .e· universafs. 3 Paz. 3a Violência e paz. 3b Televisão, violência e paz. 3c Alguns caminhospara a paz. 41ustiça, edu- cação e paz. Çonclusão. Referências bib.liográficàs. . .... ,:,.' .> - _./ ..... .... .. ';" ....... .. -:: :. .. :: BDJur http://bd;ur.ltj.gov.br ...• :c ..... .. :. : ...:.•. Justitia. São Paulo, 65 ( 198). jan./jun 2008

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Page 1: Justka, Educacãoe Paz - BDJur · Mas o seu sentidofundamental é o de virtude, Ea razão é importante, AJustiça, assim como o Di reito, não é uma simples técnica de igualdade,

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Munir CURY·

. . .

tos do mundo, mas, ao mesmo témp9,pr0rh0vam apaz internamente, no âmbito de cada.nação, de cadasociedade, de cada família, decadêl ser humano.Omundo pacificado e unido requerUma matura·ção antropológica capaz de apontar para novosconteúdos pedagógicos, um modo diferente depostar-se diantede cada matriz do saber humanoe, ao mesmo tempo, detectar uma metodologia'

, realmente apta à formação de novas gerações cha­madas para construir e viver este novo momentohistórico. Antes de mais nada,requer urna huma­nidade equipada de conceitos como solidarieda­de,. interdependência, igualdêlde,lib~rdade, paz,revisitados à luz de urna antropologia que colo­que.no centro a pes$oa:o ser humano em relação,capaz de tecer relacionamentos para fora e,ao mes­mo tempo, pa ra dentro de qualquerd iversidade...,O instrumento da comunicação será o diálogo,'com timbre de trânsparência, mansidão. confian­çae prudência p~dagógicai e será umdiálogo plu­ralístico, multirracial, multiétnico, multinacional,multirreligioso, multicultural. O valor funda men­tal necessário para viver em uh' mundo tecidodesse modo será o·amor.Some·nte o amor, como

. -expressão do nosso ser, será capaz de nos ajudar aconstr'uir relacionamentos novos, superando a,jcuitura doter" com a "cuitura do dar", e de nosinspirar na invenção de instituições capazes decolocar os cidadãos realmente nas melhores con­dições de participantes das grandes escolhas paraas quais todos somos chamados.

• PALAVRAS-CHAVE: Justiça. Educação. Paz. Uni­dade. Diversidade.

Introdução .O marco inicial do denominado projeto polí­

tico~'institucional educacional brasileiro foi, semqualquer dúvida, a Constituição Federal de 1988,

• Prócurador de Justiça aposentado do Ministério Público de SãoPaulo.

Justka, Educacãoe Paz. . .

." RESUMO: Apresente reflexãoa respei!ode JUScTIÇA, EDUCAÇÃO E PAZ Se propõe a abordarcada

'. um dos temas deste tripé não deforma isolada,. mas como peças componentes de um úniCo mo-

'. saico, entrelaçadàs entre si para a construção dasociedade solidária a que se re~ere a ConstituiçãoFeder~1.Especialistas em amhas as matér.iases'tão

seguros de que a paz local e mundial que todosalmejam encontram as suas raízes na verdadeiraJustiça e na insubstituível Educação. ...Os esforços pela paz na história da humanidade,-"no entanto, periodiCamente sofrem interrupçõespor convulsões sociais ou guerras que irrompemnos mais diversos pontos da Terra. Suas origenssão explicadas por razõe~de ordem social, religio­sa, rolítiCa ou histórica. Como conseqüência, aJus­tiça e" Educação também são abaladas. A perdada paz é sempre o reflexo do conflito interior decada homem e da dificuldade de conviver com odiferente. A paz só existe onde existe a unidade, aqual pressupõe aconvivência respeitosa com a di­versidade.

Os desafios de caráter pia netárjo que se apresentam àsociedade contemporânea exigem respostas queerradiquem os conflitos e as guerras em todos os pon-

. • SUMÁRIO: Introdução. 1 justiça~la As acepçõe~ .do vocábulo: lb As suas características básisas: 1C .

As diversás espécie~. O~bem comum. ld Justiça na.educação: instrumentos. 2 Educação. 2a As trêsformas de educação.2b Educação e escolaridade>2C Educação, escolaridade e o homem completo.id Princípios pedagógicôsperenes .e· universafs. 3Paz. 3a Violência e paz. 3b Televisão, violência epaz. 3c Alguns caminhospara a paz. 41ustiça, edu­cação e paz. Çonclusão. Referências bib.liográficàs.

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Justitia. São Paulo, 65 ( 198). jan./jun 2008

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~ystitia, São Paulo, 6~ (198), ian/lu_":2ÜÜ8_ interesses [)Ifusos e Coletivos / Diffuselnterests and Rights-------

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constitui a tarefa suprema da filosofia do Dj­reito. 1

Melhor iiustração a respejto da Justiça comoesséncia do Direito encontramos nas sábias lições dopoeta e filósofo italiano DanteAlighieri, referindo-sêao Direito como "uma proporção real e pessoal, dehomem para homem, que, conservada, conserva asociedade; corrompida, corrompe-a". .

1a As acepções do vocábulo .A expressão Justiça é dotada de um conceito

análogo, porém, a rigor, só podem ser justas ou injus­tas as ações e os.comportamentoshúrnanos; somentepor extensão é que a Justiça se aplicâ aos principios daordem social, porque esta será justa na medida em queassegurar a caçJa um o seu direito.

Mas o seu sentido fundamental é o de virtude,E a razão é importante, AJustiça, assim como o Di­reito, não é uma simples técnica de igualdade, deutilidade ou de ordem· social. Muito mais do queisso, ela é uma virtude da convivência humana, Esignifica, essencialmente, uma atitude pessoal derespeito à dignidade de todos os homens, Adignida­de do ser humano é o núcleo essencial dos direitosfundamentais', a fonte ética que confere unidade desentido, de valor e de concordãncia prática ao siste­ma dos direitos fundamentais', o "valor que atrai arealização dos di.reitos fundamentais"" "elvalorbásico fundamentador de los derechos humanos",sNo relacionamento social, os homens podem ter umaatitude de dominação ou de respeito e valorização,Estes últimos é que caracterizam a Justiça, Com ra­zão observa Bodenheimer que o elemento subjeti­vo da Justiça como virtude,

1 G. GURVITCH, "Sociologia Jurídica", Introd., §II, p. 34, LÉVY­ULLMANN, Prefácio a "Justice, Droit, État", de G. DEl VECCHIO,V, capo 2, nA, p. '3°.

'FARIAS, EDllSON PEREIRA, "Colisão de Direitos", p. 318.3MIRANDA,JORGE, "Manual de Direito Constitucional", tomo IV,

p.1661167·.1 SilVA, JOSÉ AFONSO DA, "Anais da XV Conferência Nacional da

OAB", p. S49.s PÉREZ LU NO, ANTONIO, "Derechos Human-os,Estado de

6erechos y Constitución", p. 292, nota 20.

1 JustiçaConceituar o que é Justiça, as suas caracterís­

ticas, a sua natureza, as suas espécies e o seu fun­damento, é um velho tema, Seu estudo recebe osnomes de axiologia jurídica, deontologia jurídica,estimativa juridica, entre outros, Ao dizermos que osignificadofunda~ental da ciência do Direito é"con­siderá-Io exigência da Justiça, podemos concluir queo vocábulo Direito t'em múltiplos significados, umdos quais o de Justiça (exemplo: a educação é direi­to da criança, isto é, a educação é devida àcriança'por justiça). Entre os demais significados, podemosmencionar o direito como norma ou lei (exemplo:"o direito não permite o furto"), ou como faculdade(exemplo: "o Estado tem o.di.reito de legislar", sig­nificando o poder, a prerrogativa do Estado de criarleis), ou como ciência (exemplo: "cabe ao direitoestudar a criminalidade", significado a ciência dodireito).

Mas até que,ponto o Direito se identifica coma Justiça? Embora a indagação possa parecer secun­dária, ela tem gerado grandes discussões entrerenomados especialistas e suscitado diversas línhasde pensamento, A corrente dominante, no entanto,entende que a noção de Justiça é fundamental aoDireito,

cultura, a religião, até a ciência e a tecnologia. A ."mundialização" surgiu na história da humanidadepraticamente à mesma época que a "globalização",mas, enquanto esta tem sido alvo de ataques e criti­cas que a pretendem erradicar, a primeira cada vezmais se insere no cotidiano do homem e da socieda­de, transformando lenta e profundamente as estru­turas politicas, econômicas e sociais,

"Justiça, Educação e Paz",otema que ora desen,volvemos, almeja ser uma modesta contribuição paraesse aperfeiçoamento do homem e dil sociedade,

Direito e Estado são criações ininteligiveis,arbitrárias e inoperantes, se não houver umprincipio ideal que legitime sua existência,organização e conteúdo, Esse principio é a Jus­tiça, Dai a necessidade de um exame a quenossa consciência não pode se subtrair e que

----,'-,--

cumento "Declaração de Recife", valendo destacaros seguintes pontos, pela-relevãnciacom otema oraexposto: aumentar o número de alunos que com­pletam a educação básica,mêdia e superior; inclu­são total de crianças portadoras de deficiências noensino regular; ga\antir o acesso ,à educação à pocpuiação que vive em áreas de dificil acesso; aumen­tar a participação da sociedade civil na promoçãodo aprendizado básico,

Nas últimas décadas, a humanidade vem as- .sistindo a e participando de um fenômeno que, sepositivo na sua origem, desvirtua-se e assume ca­racteristicas de verdadeira espoliação,

Trata-se da "globalização".Contra esse processotêmotoirido atos de pro~

testo, bastando recordar, em um passado próximo,as manifestações ocorridas em Seattle (EstadosUnidos), por ocasião do encontro da Organização

- Mundial do Comércio, e que se repetiram em Wa­shington, durante a reunião do G7(grupo dos setepaíses mais ricos do mundo) com o Fundo Monetá­rio Internacional e o Banco Mundial. Se, de um lado,denunciavam a aplicação indiscríminada das con­quistas cientificas e tecnológicas nos animais e nosvegetais, com o risco de que, num futuro próximo,sejam utilízadas também no homem, de outro pfo­testavam contra a exploração irracional dos recursosnaturais, com a eliminação de, grandes áreas flores­tais para a implantação de lavouras ou com a apro­priação de matérias-primas preciosas, como a água,

Mas a causa principal desses protestos é sem-opre o depauperamento dos países mais pobres - paraos quais a terminologia "paises em via de desenvol­vimento" se tornbu um eufemismo -, cuja pobrezaestá diretamente relaci.onada com sua diviçJa aospaises industrializados.

Tais reivindicações alertam a opinião públicamundial para o fato de que a globalização deve sercontrolada não apenas pelos detentores do podereconômico e tecnológico, mas por todos os países domundo, Eque esse processo deve envolver todos osaspectos da vida humana, e não apenas a economia,

Nesse sentido, melhor se poderia identificaro fenômeno como "mundialização", visto qúe su­põe a participação de todos e em todos os camposda atividade humana, desde os direitos humanos, a

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ao conferir à educação uma amplitude que seprojeta para além dos. muros dos estabeleci~

mentos'de ensino formais, incluindo a famí­lía, a convivéncla humana, os movimentossociais, as or'ganizações da sociedade civil eoutras manifestações culturais como espaçospropicladores de conhecimento e forja do ci­dadão, muito embora as suas regras, como nãopoderia ser diferente, dirijam-se à educaçãoescolar em instituições próprias (MORAIS,2000, p, 31),

É certo que legislações posteriores à Consti­hlição Federal propiciaram o desencadeamento maiságil e eficaz dessa valiosa parceria Justiça-Educação;porém, constatamos que é a exata dimensão deambos os institutos que permite e favorece as mu­danças que podem acelerar o amadurecimento davida democrática em nosso pais,

O queé Justiça? O que é Educação? Comoconjugá-Ias em beneficio dapaz? Eainda, terão elasmetas distintas ou objetivam um fim único? Serãoquestões que abordaremos' no transcorrer do pre­sente trabalho, conscientes dos grandes obstáculosP. desafies que enfrenta o sistema escolar no nossopaís, '

Na história da humanidade e, em particular, dopovo brasileiro e dos paises em via de crescimento, odesejado Direito á Educação tem sido uma árdua con­quista, que encontra os seus maiores obstáculos nãosó na pobreza da população mas também na visãocultural do conceito de Educação, na participação daprópria familia na proposta pedagógica de seus fi­Ih'os e no envolvimento da sociedade organizada navida e nas atividades escolares, Tanto é verdade querepresentantes dos nove paisesem desenvolvimen­to mais populosos do mundo (China, Indonésia,México, índia, Paquistão, Bangladesh, Egito, Nigériae Brasil), reunidos em Recife, no longinquo més defevereiro de 2000, para avaliar os compromissosassumidos quando do Fórum Mundial de Educaçãopara Todos, realizado na Tailãndia em 1990, decidi­ram pi'iorizar a educação para todos, com .énfase naerradicação do analfabetismo, Embora existam gran­des disparidades educacionais entre os paises, .osrespectivos Ministros da Educação firmarilm o do-

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. ~itia,l'_ão Pauio, 65 (198), ian/jun. 20()~ __ln~er_esses Di~lsos e Coietivos / Dirrus" Interests and Rights 71

'3 A. J. FAIDHERBE, "la Justice Distributive", Introd ução, p.l.

'4 TEILLARD DE CHARDIN, "Ofenômeno humano", IV parte.'5 MARRÉS, "De Justitia", nO 2.'''CATHREIN, "Philosophia moralis", n0141.

", J. B. DESROSIERS, "Soyonsjustes", 1° V., II parte, cap.l, p.12g.-8 Constituição Federa!, arts. 204, I!, e 227 "

de cada individuo por direito próprio, a Justiça Distri"butiva "ê de fundamental importância, numa êpocaem que se estende o campo da açâo social"", caben­do-lhe regular as relações entre a comunidade e seusmembros, dssim como a aplicaçâo dos recursos dacoletividade às diversas regiões ou setores da vidasocial. Os principiosda Justiça Distributiva inspiram,por exemplo, os planos de reforma agrária, urbana,tributária e educacional.

Justiça Social ê o novo nome de uma virtudeantiga - Justiça Ce.ralou Legal-, que Aristóteles es­tudou detidamente e exaltou nos seguintes termos:"Nem a estrela da manhâ, nem a estreia vespertinasâo tâo belas quanto a Justiça Geral." Podemos di­zer, quando se aproxima um novo sêculo, que prati­car essa Justiça ê despertar o sentido social que umsêculo de individualismo quase destruiu. Éconside­rar-se servidor do bem comum. Ea intensidade cOmque o homem moderno volta-se para essa Justiça,muitas vezes esquecida ou diminuida no passado,pode ser ligada à tendência para o social ou o cole­tivo de que faia Teiliard de Chardin.'4 Definicõesclássicas emod~rnas reforçam b quanto disse~os.Assim Marrês - "virtude peia qual damos à socíeda,de o que lhe ê devido para promover o bem comumdos cidadâos"'s -; Cathrein - "virtude que inclina ohomem a dar à comunidade aquilo que lhe ê devi­do"'6 -; e ainda Desrosiers - "virtude que nos I.eva apromover o bem comum da sociedade de que faze­mos parte".17

Tendo em vista a especificidade dotema a quenos propomos abordar - "Justiça, Educaçâo e Paz"-,diante dos mecanismos introduzidos em nosso paisa partir da Constituição Federal de 1988, e sobretudodo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nO 8.069,de 13 de julho de 1990), todos eles mobilizados aenvoiverem a população na construçâo de "uma so­ciedade livre, justa e solidária"", o conceito de bemcomum merece uma análise mais aprofundada.

lc As diversas espécies. O bem comumDeixando à margem critêrios meramente

especulativos", a doutrina destaca dois tipos deJustiça: Justiça Particular, cujo objeto ê o bem doparticular, e compreende a Justiça Comutativa e aDistributiva, e Justiça Ceral, Social ou Legal.Aindaque rapidamente, examinemos cada uma deias, de­tendo-nos na última por nos interessar de perto.

Enquanto a Justiça Comutativa regula as rela­ções entre pessoas diferentes e versa sobre o que é

A a/teridade e o devido sâo elementos ne­cessários, mas nâo suficientes para caracterizar umarelaçâo de Justiça. Um terceirofatorê essencial: a igual­dade. "A Justiça ê uma igualdade e a injustiça umadesigualdade", afirmou Aristóteles.' Mestre em ti­rar das palavras toda a riqueza que elas encerram,Santo Tomás de Aquino mostra que a noção de igual­dade está contida no próprio nome des~a virtude,pois das coisas que estão adequadas ou igualadasdizemos comumente que estâo ajustadas.'O Essasconsiderações nos Conduzem ao fundamento da Jus­tiça, que ê a igualdade essencial detodos os homens.

Por que exige a Justiça essa igualdade nas re­lações sociais?

Porque todos os homens têm a mesma natu­reza e dignidade fundamentais. Nenhum homempode ser considerado simpies instrumento e ser usa­do como tal. A finalidade da Justiça é assegurar aigualdade pessoal dos homens."

"Fundamental é o princípio de que cada serhumano é pessoa, isto é, uma natureza dotada deinteligéncia e vontade livre", ressalta Joâo XXIII, naEnciclica "Pacem in Terris".

Por essa razâo, ê freqüente dizer-se que a ver­dadeira noçâo deJustiça só penetrou no mundo como Cristianismo, que proclamou, de maneira e comamplitude e convicção atê entâo desconhecidas pelahumanidade, a igualdade fundamental e a univer­sal fraternidade de todos os homens, de quaiquerraç~ e condiçâo.

9 ARISTÓTELES, "Ética e Nicômaco", liv.l, cap.ll!.00 5ANTo TOMÁS DE AQUINO, "De Justitia", 11, q. 57, a. 1.l' VERMEERSCH, A" "Cuestiones acerca de la Justicia", v. 1, p. 39." "Justiça Vindicativa" e "Justiça Familiar ou Doméstica",

VERMEER5CH, obra citada, §§ 21 e 25

conseguinte, o que se disser da Justiça como virtudeaplica-se, anaiogicamente, ã ordem social e âs de~

mais acepções do vocábulo.

~ SANTO TOMÁS DE AQUINO, "De Justitiae", 11, q. 80.

lb As suas características básfcasAJustiça consiste fundamentalmente nadis­

posição permanenté de respeitar a pessoa do próxi­mo, Por essa razão, a primeira premissa para que ela serealize ê a a/teridade, isto é, a existência de uma plura­lidade de pessoas ou pelo menos uma outra pessoa.Em sentido próprio, ninguêm pode ser justo ou in­justo para consigo mesmo. Essa pluralidade de pes­soas ê o que distingue a Justiça das outras virtudesmorais. E a caracteriza como virtude social. As de­mais podem ser exer.cidas pelo homem individual­mente. O individuo isolado, tal como RobinsonCrusoê em sua ilha, poderá ser tem perante ou in­tem perante, corajoso ou nâo, prudente ou impru­dente, mas não poderá ser justo ou injusto. Deveficar afastada a relaçâode Justiça entre o homem e oanimal, podendo as respectivas ações revelar maussentimentos e, como tal, serem reprimidas no inte­resse social; no entanto, como seres de natureza di­versa, o homem e o animal nâo podem estar sujeitosa uma relaçâo de Justiça propriamente dita porqueesta supõe uma igualdade fundamental.

Um segundo aspecto que integra o conceitode Justiça ê o devido. Pressupondo a existência depelo menos duas pessoas, ê preciso que ocorra a ri­gorosa obrigatoriedade do dever para a caracteriza­çâo da Justiça.'O ato deJustiça consiste em daro queê devido. Ou, nas palavras de Santo Tomás de Aqui­no, "a essência da Justiça consiste em dar a outrem oque lhe é devido, segundo uma igualdade".' Na Jus­tiça, o dêbito ê rigoroso, estrito, legal. Pode ser exi­gido. Portanto, ê diverso do dêbito em outras virtu­des sociais, tal como ocorre no dever da virtude degratidâo, de amizade ou de lealdade, sem que cons­tituam espêcies de Justiça, em sentido próprio. Umê dever simplesmente moral, menos rigoroso, quenão pode ser imposto por lei ou exigido pelo inte­ressado; outro, estrito e severo, pode ser legalmen­

·te exigido pelo interessado.

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de tão extraordinária importância, nem sem­pre tem recebido a atençâo que merece, Com­preendida como vontade ou disposição deespirito, a Justiça exige uma atitude de defe­rência para com o semelhante, uma prestezaem dar ou deixar aos outros aquilo que te­nham o direito de receber ou conservar (80­DENHEIMER, 1996, p, 210).

"K"ELSEN, H., "What ís justice?", p. 27 DAB1N, J., "La philosophie de l'ordre juridique positif", Paris,

Recueil, nO 81, nota 2, p. 320.

Esse elemento intersubjetivo da idéia dê Jus­tiça ê de caráter verdadeiramente universal e válidopara todos os homens. Falhando ele, a Justiça nãopode flore.scer na convivência social. Para produziros resultados almejados, a Justiça requer a liberta­ção dos impulsos exclusivamente egoisticos, O ego"ista reivindica direitos sobre os bens do mundo, semconsiderar as razoáveis necessidades dos demais,concentrando em si e em torno de si o critêrio desatisfação de sua sobrevivência e de seus prazeres.No entanto, sem uma atitude pessoal de preocupa­ção com os outros, e sem a vontade de ser equâni",me, os fins da Justiça não podem ser atingidos,

Esse ê um aspecto básico da conceituação deJustiça, Não sendo o sentimento que cada um temde seu próprio bem-estar ou felicidade, como pre­tendem alguns6, nunca ê demais insistir que se tratado reconhecfmento e do respeito pelos demais mem~brosda sociedade. Esse reconhecimento implica naatitude metafisica de admitir o valor absoluto dapessoa humana.'

Grande parte da tradiçâo filosófica, ética e ju­ridica da humanidade emprega a palavra Justiçanesse sentido. Entretanto, na moderna linguagem

. Juridica, ê usada preferencialmente a acepção obje- •tiva de Justiça, ESsa diversidade não significa queexista uma oposiçâo entre o sentido subjetivo e ob-

, jetivo da Justiça. Trata-se de dois aspectos de umamesma realidade. Justiça, no sentido subjetivo, ê avirtude pela qual damos a cada um o que lhe ê devi­do. No sentido objetivo, Justiça aplica-se â ordemsocial, quegarante a cada um o que lhe ê devido, Por

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_72 ----'I_us_t_iti_3. São~IJI(). 65Ji98), jan./jun. 2008 ___Interesses Difusos e Coletivos / Diffuse inleresls 3nd Ri{;hl5 73

tece no selo da familia, no bairro, na comuni­dade, durante brincadeiras. Os professores davida são os pais, os irmãos, outras crianças, oslocais de trabalho, os meios de comunicação.Uma educação básica de qualidade é um dosdireitos humanos [...] Mesmo diante de obs­táculos>, as crianças abraçam a oportuhidadede aprender sobreo mundo que as cerca e dedesenvolver suas habílídades para serem bemsucedidas - pensamento critico, àutoconfian­ça,capacidade para solucionar problemas epara trabalhar com àutras crianças. Com o cres­cimento e o desenvolvimento das crianças es­.sas habilidades irão ajudá-Ias nào apenas nodesempenho de sua vida diária, mas tambémna transformação do seu futuro."

Isso porque os instrumentos juridicos que men­cionaremos procuram garantir a solidez dos váriosagentes envolvidos com o processo educacional.

Começando por uma abordageminternacio­nal, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitosda Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nà­ções Unidas, em20 de novembro de 1989, e tam­bém pelo Congresso Nacional brasileiro, em 14 desetembro de 1990, através do Decreto Legislativo nO28'8, reconhece, em seu artigo 28, que: "O direito dacriança à educação é dever do Estado, que deverá assec

gurar que ao menos a educação primária seja gratuitae compulsória. A administração da disciplina esco­lar deverá refletir a dignidade humana da criànça."

Proclamada mundialmente como "direito dacriança e dever do Estado", passemos agora a indicaros principais instrumentos que objetivam assegurara educação para toda a população infanto-juvenil emnosso pais:

a) A Constituição Federal de 1988, que oprof. Moacir Gadotti denomina de "cidadã" porque"estabelece a educação como um dever do Estado,mas também dever da familia, da sociedade e de

'7 "Situação Mundial da Infância-2ooo", publicação Unicef, p. 56/58..s'A ratificação ocorreu com a publicação do Decreto 99.710, em 21

de novembro de 1990, através do qual o Presidente da Repúblicapromulgou a Convenção, transformando-a emlei interna.

A educação não começa no momento em quea criança entra na escola, nem termina quan­do o sinal toca indicando fim das aulas. Oaprendizado tem inicio no nascimento: acon-

A obediência às leis e ãs ordens legitimas daautàridade pública não é tudo. Em certo sen­tido é, até mesmo secundária, se tivermos emconta que a organização estatai é apenas "ummeio" a serviço da comunidade. À comunida­de dos individuos reunidos no Estado, cadamembro deve um ajustamento de sua condu­ta e de seu bem particular ao bem,comum.'4

Por conseguinte, no m'oderno vocabuiário téc­nico-juridico, o termo so/idariedade,adquiriu cono­tação e perfil próprios, relegado o sentido até entãotradicionai de laço ou vínculo reciproco de pessoasou coisas independentes'5, passando a significar a"participação da pàpuiação, por meio de organiza­ções representativas, na formulação das políticas eno controle das ações em todos os niveis.""

dentemente de determinação legal. Tráta-se da 50.

lidariedade. De fato, oque significa ser solidário comos outros senão sentir-se incumbido de interessescomuns á si e aos outros?

Em todos os planos da vida social, essaéxi­gência de solidariedade é cada vez mais reconheci"da e proclamada. Umas vezes ela é imposta por lei,outras vezes é deixada à iniciativa pessoal ou de ins­tituições que se constituem para a promoção do bemcomum em setores determinados.

'4 J. DABIN, "Théorie générale du droit", nO 243­>.õ1\Jovo Dicionário Aurélio, 2 a edição.,6 Constituição Federal, art. 204, 11.

1d Justiça na educação: instrumentosAinda que o nosso desejo seja indicar os prm­

cipais instrumentos normalmente utilizados paragarantir o direito à educação, pretendemos confe­rir-lhe um sentido mais ampio que o meramenteescolar. Seguimos, al8s, a linha do relatório "Situa.ção Mundial da Infãncia-2000":

21 SANTO TOMÁSDE AQUINO, "De regimine principium", livro I,eap. 15, nO 65.

n Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 29.23 P.J. HENRIQUE, "A Justiça Social", I Parte, p. 324.

saneamento básico, educação, saúde, transporte etc.,Certo minimo de bens materiais é necessário ao exer­cicio das virtudes humanas, consoante ressalta Sah­to Tomás de Aquino."

Condição do bem comum é a paz, ou seja, aque­le minlmo de unidade, tranqüilidade e segurança,sem o qual é impossivel a própria existéncia em so­ciedade.

Todos os membros da sociedade - individuosou instituições, governantes ou governados-têm odever de cooperar para o bem comum", segundoum principio de iguaidade fundamentalniente pro­porcionaI. No tocante à Justiça Social, a obrigaçãode concorrer para o bem comum não é absolutamen­te igual no caso de um simples empregado, de umchefe de empresa, de um legisiadorou de um gover­nante. É certo que todos têm o dever de contribuirpara o bem comum, mas esse dever é proporcional à ~

respectiva função e responsabilidade na vida social., Numa primeira etapa da história da humanida.

de, prevaleceu o principio inspirado por Aristóteles,segundo o qual à autoridade compete, como a um ar"quiteto, planejar as normas ou leis para o bem comum.E, aos cidadãos, respeitar e executar esses planos.

Entretanto, o desenvolvimento da democra­cia no mundo moderno e a crescente participação dopovo nas decisões governamentais têm ampliado asresponsabilidades da população na orientação da vidasocial. Nos tempos modernos, como observou P. J:Henrique, "toda a sociedade é chamada a exercer ajustiça geral arquitetônica "." E, no planejamento daação do Estado, as nações modernas consagram, comamplitude cada vez maior, a participação dos diver­sos setores da população na elaboração e na execu­ção dos programas;

A lei é, sem dúvida, o principal instrumentopara a promoção do bem comum. No entanto, aolado do império da lei existe o Império espontàneo,representado pelas exigéncias do bem conium quese impõem à consciência de cada homem, indepen-

o bem comum é o fim da, sociedade. Deve ser,da mesma forma, a finalidade última de toda lei. Eéo objeto da Justiça Social. Paraviver e para se desen­volver, os homens necessitam de uma série de socie­dades: familia, escola, grupo profissional, empresa,associações, sociedade civil etc. Em cada uma delashá, de certa forma, um bem comum, queé sempre obem comum de uma comunidade de pessoas.

'Mas, em sentido estrito, esse conceito se res­tringe ao bem comum da socied'ade civil que, emúitima análise, abrange o das demais comunidades.Éesse bem comum da sociedade civil - que vai des­de o pequeno agrupamento até a sociedade inter­nacional - que cohstitui propriamente o objeto daJustiça Social.

O bem comum de unia sociedade não é a sim­ples soma de vantagens e beheficios oferecidos aoscidadãos, entre os quais estradas, escolas, meios decomunicação, hospitais etc. Não se confunde, tam"pouco, com o progresso do' Estado, suas boas finan­ças, seu poder militar. Não é apenas o conjunto déinstituições, leis, costumes, tradiçpes históricas e ri­quezas de cuitura. Éinclusive a soma de todos esseselementos e, prindpalmente, o bem de uma comu­nidade de honiens. O bem càmum consiste, funda­mentalmente, na vida digna da população ou, emoutras palavras, na boa qualidade de vida do povo.Como diz Maritain, trata-se de assegurar à comuni­dade ~ma existência moralmente digna."

Um conceito extremamente feliz de bem co­mum, verdadeiramente universal e aceito portodosos homens, independentemente de sua ideologia outendência, foi formulado pela Constituição Pastoraldo Concilio Vaticano 11, nos seguintes termos: "oconjunto das condições da vida sócia I qué permi­tem alcançar mais plena e facilmente a própria per-feiçào".20 .

Instrumentos do bem comum são os bensmateriais, necessários à realização de uma vida hu­mana digna, entre os quais, alimentação, habitação,

'9 J. MARITAIN, "Principes d'une politique humaniste", capo V, p.

'89,O~ "Ehciclicas e Documentos Sociais", "Gaudium et Spes", Ed. LTr,vol.l, p. )'9,

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lustitia, Sáo Paulo, 65 (198), ial1./iul1. 2008 Interesses Difusos ec:oletivos/ D/ffuse Interests an~ Ri$/~5 75

33 Apud DOMENICO DE MASI (organizador), "A Sociedade Pós­Industrial", 2 a ed., Ed. Senac, pp. 66/67.

3+GIANNI VATTIMO, <lA Sociedade Transparente", Lisboa Edições,p.ll.

não o mais importante, da concorrência mun­dial pelo poder. Assim como os Estados naçõesse bate~am para dominar os territórios, e maistarde para controlar o acesso'e a exploraçãodas matérias-primas e. da mão-de-obra bara­ta, podemos considerar a hipótese de que, nofuturo, eles se baterão para dotl)inar a infor­mação.33

Tal constatação, presente no pensamento deínúmeros estudiosos sobre os rumos da educaçãona sociedade moderna, indica, ao mesmo tempo, orisco da exacerbação de diferenças entre países ri­cos e pobres e a produção de uma nova forma deanalfabetismo e de exclusão social.

O conhecimento teórico-técnico, auxiliadopelas tecnologias da informação e pela capacidadede invenção, passa a ser a força de trabalho de maiorvalor e, portanto, a educação e a criativídade se cons­tituem em meios necessários e indispensáveís parauma inserção na vida social e no mundo do trabalho.Portais razões, a ed'ucação vem sendo apontada comoum dos principais desafios a serem enfrentados porqualquer pais, a tal ponto que passa a exigir uma cres­cente formalização dos requisitos educ~cionais. Atémesmo a circulação nas grandes cidades impõe, atu­almente, a necessidade de se lidar com situações cadavez mais complexas, promovendo o acesso a benscuja utilização exige conhecimentos dificilmenteapropriáveis tão-somente por meio de experiênciascotidianas extra-escolares.

Todas essas circunstãncias, fruto do desenvol­vimen.to da ciência e da tecnologia, vêm criando con­dições objetivas para que o homem seja, ao mesmotempo, universal e tribal 34, o que ímplica a necessi­dade do desenvolvimento de competências cujo exer­cicio extrapola os limites do iocal e, simultaneamente,fortalece os vinculos e a identidade com esse local.Ademais, as mudanças que estão marcando a histó­ria recente das sociedades não são episódicas ou

[...] o saber se tornou aprincipal força produ­tiva, o que já modifícou de modo notável acomposição da população economicamenteativa nos países mais desenvolvidos, queconstitui o principal ponto de estrangulamen­to para os países em desenvolvimento. Em suaforma de mercadoria-informação indispensá­vel ao poderio produtivo, o saber já é e será cadavez mais um dos maiores prêmios em jogo, se-

administrativo e judicial para a garantia do direito àEducação; a Lei de improbidade Administrativa(Lei nO 8429/92), também conhecida como Lei doColarinho Branco, que regula os atos de responsabi­lidade dos agentes públicos, inclusive na área daEducação. No âmbito repressivo, o Código Penal"e a Lei nO 7716/89, que define os crimes resultantesde preconceitos de raça e de cor3'; dispositivos pro­cessuais são estabelecidos ná Lei da Ação Man­damentai (Lei nO 1533/51) e no próprio Código deProcesso Civil.

Por fim, não podemos deixar de mencionar aexistência de outras leis, decretos, portarias e reso­luções que regulam a matéria, as quais aqui hão sãomencíonadas explicitamente por questão de espa­ço e oportunidade.

2 EducaçãoA literatura produzida nas três últimas déca­

das, em diversas áreas do conhecimento, evidenciaa necessidade de se promover o acesso a um padrãode educação que possibilite ao cidadão enfrentar asdemandas e desafíos do mundo moderno. Célebrerelatórío a respeito do saber nas sociedades desen- .volvidas foi elaborado por Lyotard, valendo desta­car o seguinte trecho:

3' o Código Penai, no art. 246, define o crime de AbandonoIntelectual, nos seguintes termos: "Deixar, sem justa causa, deprover a instrução primária d'e filho em idade escolar"- Pena:detenção, de 15 dias a um mês, ou multa de 20 centavos a 50centavos.

32 Lei nO 7716/89, art. 6°: "recusar, negar ou impedir a inscrição ouingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou priva­do de qualquer grau" - Pena:reclusão, de três a cinco anos e, sepraticado contra menor de 18 anos, a pena é agravada de um terço.

,c MAURiCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, "Comentários á Lei deDiretrizes e Bases da Educação", Ed. Revista dos Tribunais, p. 28.

em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anosde idade" (art. 54, IV); o "acesso aos níveis mais eleva­dos do ensino, da pesquisa e da criação artística, Se­gundo a capacidade de cada um" (art, 54, V); a "ofertade ensino noturno regular, adequado às condiçõesdo adolescente trabalhador" (art, 54, VI); e, finalmen­te, o "atendimer]to no ensino fundamental, atravésde programas suplementares de materíal didático­escolar, transporte, alimentação e assistência à saú­de" (art. 54, VII). Estabelece, alêm disso, a obrigaçãodos pais ou responsáveis de matricular os filhos narede regular de ensino (art. 55), fixando deveres dosdirigentes de estabelecimentos de ensino (art. 56),passando a introjeta r preceitos que permitem a pos­sibilidade de um horizonte promissor (arts. 57 e 58),para, depois, enfatizar que "os Municípios, comapoio dos Estados e da União, estimularão e facili­tarão a destinação de recursos e espaços para pro­gramações culturais, esportivas e de lazer voltadaspara a infáncia e a juventude" (art. 59).

c) Lei de Diretrizes e Bases da Educação(Lei Federal n° 9394/96),9 qual "não pretendeuja­mais tornar-se um dipioma único da educação noBrasil. Não veio para cumprir papel de Lei Orgânicada Educação, esgotando a disciplina jurídica do as­sunto. Estruturou-se na definição apenas do que seentende por diretrizes e bases da educação".30 Re­almente, o seu texto organiza o sistema legal, defi­nindo as disposições gerais (art, 1°), princípios e finsda educação nacional (arts. 2° e'3°), do direito à edu­cação (arts, 4° a 7°), da organização da educação naci­onal (arts. 8° a 20), da educação básica (arts. 22 a 28),da educacão infantil (arts. 29 a 31), do ensino funda­menta((a'rts. 32 a 34), do ensino médio (arts. 35 e 36),da educação de jovens e adultos (arts. 37e 38), da edu­cação profissional (arts. 39 a 42), da educação superi­or (arts. 43 a 57), da educação especial (arts. 58 a 60),dos profissionais da educação (arts. 61 a 67) e dos re­cursos financeiros para a educação (arts. 68 a 77).

Além desses três importantes i.nstrumentos,devemos destacar a Lei da Ação Civil Pública (LeinO 7347/85), que representa um importante veícuio

74

°9 "Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado", Ed.Malheiros, p. ,8,.

todos, mas só o Estado pode dar conta do atrasoconstitucional"", reafirmou em seu artigo 22, XXIV,que a competência legislativa para disciplinar as di­retrizes e bases da educação nacional pertence ãUnião. Competindo ã União, aos Estados e ao DistritoFederal legislar concorrentemente sobre educação,cultura, ensinoe desporto (CF, art, 24, IX), seguindo­o modelo federativo adotado no Brasil, distingui­mos desde logo as diretrizes gerais para a educaçãonacional, de dominio exclusivo da competência daUnião, e a legislação suplementar da competênciaconcorrente da União, estados e Distrito Federal. Con­sistindo em direito público subjetivo, relacionado àcidadania e à dignidade da pessoa humana (CF, art.205), a educação assume no texto constitucional acaracteristica fundamental de essência para o de­senvolvimento da pessoa humana e do país.

b) O Estatuto da Criança e do Adoles-.cente (Lei Federal nO 8,069/90) não só proclama aeducação como direito, mas a orienta ao pleno de­senvolvimento do destinatário, "ao preparo para acidadania e qualificação para o tràbaiho, asseguran­do-se-Ihes: I - igualdade de condições para0 acessoe permanência na escola; 11- direito de ser respeita­do por seus educadores; 111 - direito de contestarcritêrios avaliativos, podendo recorrer a instãnciasescolares superiores; IV - direito de organização eparticipação em entidades estudantis; V - acesso àescola pública e gratuita próxima de sua residên­cia," (art. 53), Ademais, garante o Estatuto "o direitodos pais ou responsáveis [de] ter ciência do processopedagógico, bem como participar da definição daspropostas educacionais" (art. 53, parágrafo único),Lança raízes ~ada vez mais profundas na formaçãoglobal da personalidade da criança (art. 54), assegu­rando o "ensino fundamental obrigatório e gratui­to, inclusive para os que a eie não tiveram acesso naidade própria" (art. 54,1); a "progressiva extensão daobrigatoriedade e gratuidade do ensino mêdio" (art.54, 11); o "atendimento educacional especializadoaos portadores de deficiência, preferencialmente narede regular de ensino" (art. 54, 111); o "atendimento

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Jusiitia, Sã() Eaulo, 65 (198), lal1./jul1_2008 _ 00' Interesses DiJusc)s e Coletivos / DilTuse InteTes!s and Rights 77

sociedade mais justa eum Estado democráti­co de direito forte e consolidado começam nasala de aula do ensino fundamental (GOMESDA COSTA, 2000).

2a As três formas de educaçãoA primeira formulação sobre as três formas

de educação necessárias para a condução de um serhumano ao seu destino potencial é atribuída aPlatão, o qual, em sua consagrada obra "A Repúbli­ca", assim as identifica: a educação física (ou. mate­rial), a intelectual (ou humana) e, por fim, a moral(ou espiritual).

Com ênfases ou terminologias variantes, Osgrandes pensadores parecem concordar com'essadivisão tripartida, ainda que se possam encontrartambém subdivisões adicionais. Deve-se destacar,desde o inicio, que essa divisão é meramente peda­gógica, pois é fácil perceber o quanto cada área daeducação afeta todas as demais.

Uma separaçãq exagerada entre a educaçãointelectual e a moral pode ser questionada por aque­les que, como Sócrates, tendem a identificaroconhe­cimento com a virtude. Dificilmente algum pensadorfoi ao extremo de não fazer distinção alguma ehtre atarefa de transmitir conhecimento à .mente e a deeç:lificar o caráter.

Platão chega a identificar a educação do cará­ter com a própria essência da Educação, nos seguin­tes termos:

Chamo educação àquele treinamento que édado, através de hábitos adequados, aos primei­ros instintos de virtude existentes nas crianças[...] a disciplina correta de prazer e sofrimentoatravés dos quais um homem, desde o inícioaté ofim de sua vida, abominará o que deve serabominado e terá amor pelo que se deve amar.39

Na visão aristotélica, que é desposada pelagrande maioria dos pensadores e filósofos queponderaram sobre os desafios da educação, a feli­cidade humana depende do desenvolvimento das

"PLATÃO, "Laws", bk 11, 653.

O Brasilchega á reta final do século e do milê­nio confrontado com três grandes desafios: 1.

inserir-se de forma competitiva na economiainternacional em irreversível e acelerado pro­cesso de globalização; 2. erradicar as desigual­dades sociais e intoleráveis, e 3, elevar os niveisde participação democrática e de respeito aosdireitos humanos da população. Todos nós sa­bemos que uma economia competitiva, uma

Diante dessas considerações, observa-se noBrasil dos últimos anos um rápido avanço da cons-'ciência social quanto à importãncia da educação nomundo contemporãneo, quanto ao direito de aces­so à escola e, todavia com menor intensidade, quan­to ao direito a uma educação escolar de qualidade.O espaço ocupado por tal matéria nos meios de co­municação, a expansão das matriculas, o aumentode investimentos de empresas privadas em proje­tos educacionais e o crescimento do número deONGs financia-ndo/executando experiências na áreada educação são algumas das evidências que poden;ser assinaladas. Não se pode negar, outrossim, queas iniciativas governamentais têm contribuídO paraatender ás demandas no setor educacional e para im­pulsionar o processo de mobilização da sociedadepela garantia dos direitos à educação.

Por fim, é importante destacar que, ao ladO daampliação das oportunidades de acesso à educaçãobásica, outras medidas urgentes precisam ser im­plementadas pelo Brasil neste final de sécul03', paraa garantia. da permanência bem-sucedida dos alu­nos na escola. Para isso, tornam-se necessárias a re­gularização do fluxo escolar, por meio do combate àrepetência e à evasão; a elevação dos níveis dequa­lificação dos profissionais do magistério; a revisã'odos currículos; e a superação das estruturas peda­gógicas tradicionais predominantes até o momen"to. Énecessário, pois,.assegurar também o direito àqualidade do ensino, que promova o acesso ao (0­

nhecimento, à informação, ao saber em sentidoamplo, à experiência impar da aprendizagem esco-.lar para toda a população brasíleira. '

"NÓVOA, '995.

deve organizar-se em torno de quatro apren­dizagens fundamentais que, ao longo detodaa vida, serão, de algum modo, para cada indi­víduo, os pllares,do conhecimento: aprendera conhecer, isto é,adquirir os instrumentosda compreensão; aprender a fazer, para poderagir sobre o meio envolvente; aprender a vi­ver juntos, a fim de participar e cooperar comos outros em todas as atividades humanas;finalmente, aprender a ser, via essencial queintegra as três precedentes.

cada um dos quatro pilares do conhecimento deveser objeto de atenção igual por parte do ensinoestruturado, a fim de que a educação apareçacomo uma experiência global a levar,a cabo aolongo de toda a vida, no plano cognitivo comono prático, para o indivíduo enquanto pessoa emembro da sociedade,37

'forma, a escola é o lugar privilegiado para o encon­tro da criança e do jovem COm o saber sistematiza­do, para que possam se apropriar do conjunto denormas e regras que regem o mundo.

No relatório da Comissão Internacional'sobre aEducação para o Século XX!", Jacques Delors consideraque, para responder ás demandas davida contempo­rãnea, à educação cabe "fornecer, de algum modo,05 mapas de um mundo compiexo e constantementeagitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permitanavegar aÚavés deie" . Para isso,

De acordo com Delors, essas aprendizagens,com muitos pontos de contato, de relacionamentoe de permuta, constituem as quatro vias do saber,que não podem depender êxclusivamente de cir­cunstãncias aleatórias. Não;;e podem considerar asduas últimas um prolongamento natural das primei­ras, mas

36 o relatório, encomendado pela Unesco e coordenado porJacqúes Delors, foi publicado no Brasil em 1999, coril o título"Educação - Um tesouro a descobrir", Ed. Cortez (SP)

37ldem, p. 90

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transitórias, mas se caracterizam pela rapidez comque estão ocorrendo, pela sua constãncia, pela suaimprevisíbllidade e pelas suas conseqüências emtodos os setores da atividade humana,implicandodesafios com caracteristicas que se expressamtan­to na dimensão social quarito nas dimensões mate'rial e temporaL3S

Ao se considerar que, nesse cenário, os paisescom populações que apresentam os mais elevados,niveis de educaç~o escolar se situam êm posiçãoprivilegiada em relaçãO àqueles com baixo padrãode escolaiídade, podem-se vislumbrar as dificulda­des dos demais que, comoo Brasil, não possuem olastro de uma educação básica universalizada, Se­gundo Ribeiro,

o Brasil tem garantido, até agora, sua partici­paç~o na economia mundial pela abundãnciade matérias-primas e pela adoção de um mo­delo de sociedade no qual uns poucos instruí­dos, de um ladó, e uma massa de trabalhadoressemi-alfabetizados com baixos salários, comoreserva de mercado, de outro, permítíampres­cindir de uma educação formal universalizada,Este formato de sociedade esgota-se a cadamomento (RIBEIRO, 1993). '

35 ANNETTE SCHEUNPFlUG, "la Globalización comoDesafio aIAprendizaje Humano. Educáción", Tbingen,y. 76/86.

A sociedade que não díspuser de uma fOrteestrutura educacional estará, portanto, em posiçãode desvantagem em relação às demais, e essas desi­gualdades tendem a se acentuar. Aesi:ola, parte in­tegrante e central dessa estrutura educacional, é aúnica ínstítuíção do mundo moderno responsávelpelo desenvolvimento de instrumentos indispensá­veis à sobrevivência °da sociedade atual. Se, de umlado, não podemos eximir a familia do seu papelfundamental de educadora e transmissora dos va­lores fundamentais para a formação do caráter dacriança e do adolescente, as legislações de todo omundo têm procurado assegurar uma maior partici­pação dela na gestão da própria escola. De qualquer

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lustitia, São Paulo, 65 (198J,janJjun. 2008

[...] pois enquanto a educação no .mundo in­teíro se caracteriza desde longa data pelatransmissão depapéís e valores em ambíen­tes apropriados, as escolasdescontextualíza­das foram críadas, primordialmente, com doisobjetivos específicos: a aquisição de instru'ção com notações e o domínio de disciplinas. 45

aos objetivos educacionais, quanto ao processo edu­sativo. ÉGardner, novamente, quem comenta:

Por que, em conseqüência, o homem contem­porâneo se preocupa tanto com o acesso das crían­çasàs escolas, à busca de todos os meios para quepossam desfrutar de tal conhecimento descontex­tualizado e com ênfase mais na instrução e nas dis­ciplinas, d9 que nos valores e nos papéis adultos?

Há várias razões para compreendermos talopção.

Até a Revolução Industríal, nos me.ados doséculo XIX, amaioria dos seres humanos dependiada educação informal (proveniente do convívio comos pais, a familia e a sociedade) ou contextqal (apren­dizado in loco, como numa carpintaria, nUm.mostei­ro ou no campo) para construir aquele conhecimentoque lhe seria necessário para a vida em sociedade.Esse conhecimento, em geral, privilegiava a estaiS"nação e o ímobilismo sociais: nobres apreendiamconhecimentos de e para nobres, camponeses damesma forma, assim como artesãos etc.

Na sociedade contemporânea, porém, as proe

fissôes e as ocupações humanas estão cada vez maisvoltadas e abertas para as capacidades (natas de cadaser h.umano, independentemente de sua origem.Nesse contexto, a ed ucação escolar tornou-se o me­lhor instrumento ed ucacional, permitindo acesso aomundo para além da família. As escolas, no mundointeiro, passaram a representar, em seu estado idealevídentemente, um formidável exercício de justiçae.igualdade humanas, na medida em que oferecema todas as crianças os beneficios do conhecimento,independentemente de sua condição social.

"-5 MONTAIGNE, apud "lhe Great Ideas, a Syntopicon of GreatBooks ofthe Western World", bk 2, p. 379.

43 MONTAIGNE, apud "lhe Great Ideas, a Syntopicon of GreatBooks ofthe Western World", bk 2, p. 379.

44 HOWARD GARDNER, "O Verdadeiro, o Belo e o Bom", p. 40.

2b Educação e escolarídadeA educação é muito mais antiga e ampla do

que as instituições formais denominadas escolas. Naverdade, a educação é tão antiga quanto a humani­dade.

Ao longo da história humana, com exceção doséculo XX, a educação se deu por meio do.aprendi­zado contextualizado, ou seja, as lições eram trans­mitidas dentro do contexto em que deveriam seraplicadas. Em outras palavras, aprendia-se-fazendo.Mediante a observação informal e a prática orienta­da no lar, nos campos, nos templos ou nos artesana­tos, as crianças e os jovens aprendiam não apenas afazer as coisas e a entendê-Ias, mas a ser,

Toda a cosmovisão, os valores, os modelosde papéis adultos, as possibilidades e as límitaçõesque uma cultura possui foram transmitidos, ao lon'go de milhões de anos, de forma pouco sistemati­zada e espontânea. Mesmo na vida contemporânea,esta ainda é a principal forma de educação; noen­tanto, em todo o mundo as crianças passam grandeparte do seu tempo dentro de salas de aula.

Aescola pública elementar, tal como a conhe­cemos atualmente, foi concebida somente no sécu­lo passado, pela prímeira vez nos Estados Unídos da.América do Norte. Como observa Howard Gardner,"a instrução pública em massa é distintamente umfenômeno do século XX".44

Há uma grande diferença entre a educação tra­dicional e a escolar, tanto que, no que diz respeito

Interesses Difusos e Coletivo!! Diffuselnlerests and Righls

dotados de grande capacidade de persuasão social,porém, sem nenhum parâmetro espiritual, humanoou universal. Hitier, Stalin, Jim Jones são algunsexemplos. Melhor seria que tais indivíduos tiVessempermanecído ignorántes e, portanto, incapaies deprovocar o dano que causaram.

Tais precedentes, graves e lamentáveis, nos_fazem concordar com Montaigne, quando afirma que

"todo conhecimento é danoso para aquele que nãopossuí a ciência da bondade."43

to se desenvolveu - o que de fato importa ­não nos passa pela mente, Cumpre, entretan,­to, indagar quem sabe melhor e não quemsabe mais. Só nos esforçamos por guarnecer amemória, deixando de lado e vazios, juízo econsciência.

';;MICHEL DE MüNTAIGNE, "Ensaios", Iv I, capo XXVI, p., 228.42 HOWARD GARDNER, "O Verdadeiro, o Belo e o Bom", p.18.

Eironizava a falta da educaçãomoral: "Cente­nas de estudantes contraem doenças venéreas an e

tes de chegarem a aprender o que Aristóteles diz datemperança".41 '

Reconhecer que a educação do caráter e damoral possui dimensão, propósitos, métodos e ins­trumentos específicos parece ser úma das grandesnecessidades contemporãneas para a formação nãosó de individuos éticos, mas de uma sociedade éti­ca. Precísamos nos deter com tanto empenho emformar pessoas de caráter, como temos nos dedica­do a formá-ias inteligentes e cultas.

De qualquerforma, a discussão a respeito daeducação no nosso país e no mundo precisa sertrahs­ferida dos domínios puramente cognitivos e inte,lectuais pára dimensões mais amplas, "envolvendomotivação, emoções, práticas e valores sociais e mo­rais", ou seja, uma educação que víse à formação doindivíduo ético, ou melhor, do individuo pleno, ~'ne­

cessita explorar com alguma profundidade um con­junto de realizações humanas capitais, condensa­das na venerável frase o verdadeiro, o belo, o bom."4'

Sem o domínio moral da educação, as demaiscapacidades e talentos humarws ficam à mercê deforças instintivas e sociais poderosas, que podem fa­cilmente conduzir o ser humano a formas de compor­tamentoextremamentedanosas. Quandoocaráternãoé cultivado, todo o conhecimento intelectual e todasas capacidades adquiridas podem ser naturalmenteempregadas para fins egoístas e potencialmente ma­lévolos.

Os maiores sofrimentos e catástrofes quemarcaram a história da humanidade não foram obrade pessoas ignorantes ou incapazes, mas de indiví­duos extremamente preparados intelectualmente e

40 ARISTÓTELES, "Politics", bk VII: 1, 20.

virtudes. Aristóteles considera a virtude não ape­nas o desenvolvimento da moral, mas também dointelecto, e propõe que a Virtude "é de duas natu­rezas, intelectual e moraL"40 Sua classificação devirtudes intelectuais incorpora aquilo que, ao ion­go dos séculos, veio a ser definido como raciocínio,imaginação, compreensão e memória. Por outrolado, as virtudes morais englobam qualidades deca'ráter, como temperança, justiça e veracidade.

Ao se indicar o dever da educação de formarum indivíduo ético ou moral, a ênfase cai sobre aeducação moral. Ao longo dos séculos, o desafio dasociedade de manter um equilibrio adequado entrea educação intelectual e a moral semprefoipresente.Em todos os quadrantes da Terra, houve épocas, cul­turas e mesmo civilizações que tiveram como idealmáximo da educação, não o desenvolvimento ínte­lectual, mas o desenvolvimento das virtudes. Emoutras, por sorte bem mais' raras, como a nossa ex,periência de modernidade, ocorreu o reverso.

A énfase social e cultural sobre um ou outroaspecto da educação produz resultados bastanteperceptíveis e diferenciados. Ao longo <:lo períodoclássico ocidental e na maioria das culturais orien­tais em todos os tempos, o ideal da educação era o,desenvolvimento do homem integral, com virtudesdo corpo, da mente e da alma.

Ao longo do tempo, a educação teve basica­mente quatro grandes objetivos: transmitir papéis,veicular valores culturais, inculcar os diversos' grausde instrução e comunicar certo conteúdo disciplinare modos de pensar.

No entanto, sobretudo na cultura ocidental,como resultado das mudanças pàradigmáticas noscampos politico, económico e social, a partir do sé­culo XVI, a tõníca da educação passou a recair sobreos elementos intelectuais, com um evidente e cres­cente menosprezo pela educação moral.

Já em lS80, Michel de Montaigne criticava que:

Indagamos sempre se o indivíduo sabe grego_ou latim, se escreve em verso ou prosa, masperguntar se se tornou melhor e se seu espiri-

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senvolvimento moral se baseiam em princípios e nor­mas universais, que transcendemo grupo, a culturaou as circunstáncia~ peculiares de cada indivíduo.

No entanto, para que tal desenvolvimentomoral possa realizar~se, éfundamental o contato dapessoa com tais normas universais, necessariamen­te por meio da pluralidade de fontes de autoridademoral, sem o que o desenvolvimento ético tende ase sedimentar nos estágios inferiores do nível con­vencionai da moralidade, no qual as idiossincrasiasculturais, nacionais e religiosas são colocadasaci­ma dos universais.

Abusca e a afirmação de prindpios éticos:nãoem bases fundamentalistas e proselitistas, mas uni­versais e perenes, é fundamental para a saída daunidlmensionalidade materia'lista na qual a sacie·dade contemporànea está mergulhando,Nesse sen­tido, pensamos que a religião é centrai para toda aquestão da moralidade e da ética, Ao longo de todaa história humana, ne.nhuma força social conseguiueducar as massas na moralidade como a religião. Osimperativos categóricos e outras formulações da fi­losofia, apesar de s~a nobreza, elevação e de suautilidade e importâncía, não conseguem mobilizaro ima·ginário e a vontade das massas. O comporta­mento moral coletivo dos homens exige dimensõesideológicas de busca do infinito que somente aSJe'ligiões podem oferecer.

Porém, é fundamental que as grandes verda­des religiosas não só iluminem como também dêemsentido e resposta à ciência e à razão, respeitando apluralidade e a diversidade e buscando, com o mes­mo exercicio, a unidade dos povos e das nações.

Ea base iniciai para tal postura é, sem dúvida,por meio da proposta educacional, compreendidacomo escolaridade transmitida a todas as crianças eadolescentes.

No nosso país, temos uma circunstància espe­cial e privilegiada, estabelecida por lei, que pode ser­vir de grande instrumento para a promoção de umaeducação moral eficaz, ALei nO 9475, de 22 dejulho de1997, que altera o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Basesda Educação (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996),instituiu nas escolas brasileiras a obrigatoriedade doensino religioso, de matricula facultativa, como "parteintegrante da formação básica do cidadão", ALei sa-

Interesses Difu~se Coletivos / Diffuse interests and Riphts __

46 VICTOR FRANKL, "A presença ignorada de Deus", p. 25·47 ABRAHAM MASLOW, "Introdução à Psicologia do Ser", p. 12.

48 BÁRBt',RA FREITAG, "Itinerários de Antígona. A Questão da Mo­ralidade", p. 201.

2d Princípios pedagógicos perenes e universaisComo vimos acima, a investigação científiCa

contemporànea evidencia a. necessidade da educa­ção para·a formação ética da pessoa humaha. Alémdisso, para ser eficaz, essa educação necessita deconteúdo, relevãncia racional, emocional, cultural eespiritual.

Como aponta Bárbara Freitag, "os conceitosmorais não podem ser tratados deforma impessoal eneutra, devendo ser tratados como normativos, posi­tivos ou relevantes em relação a outros valores",4'

isso significa que, nos seres humanos: os jul­gamentos morais sempre se apóiam em algum crité­rio, principio ou lei geral, nãose tratando de simplesavaliações de circunstáncias ou ações particulares. Épor essa razão que os estágios mais elevados de de-

Esse reconhecimento de uma dlmensào espi­ritual ou transcendente do ser humano, de naturezamotal, exige uma educação que atenda às deman­das de tal realidadé, satisfazendo e encorajando opotencial ético-moral do individuo,

Épor reconhecer também essa dimensão es-.piritual que Abraham Maslow ressalta: "sem otranscendente e o transpesso~i, ficamos doentes,violentos e niilistas, ou então vazios de esperançae apáticos. Necessitamos de algo máior do que so­mos, que sejarespeitado por nós próprios e a quenos entreguemos"."

. De forma alguma podemos falar do ho'memapenas em termos de uma unidade psicosso­mática, Ocorpo e a psique podem formar umaunidade- uma unidade pSicofísica - mas estaunidade ainda não representa o todo doho­mem, Sem o espiritual como base essencial,esta unidade não pode existir. Enquanto fa­larmos apenas do corpo e da pstque, a integri­dade ,linda não está dada,,6

em sociedade, os meios de comunicação etc. Con­forme ressalta Sorgi (1991):

[,.,] a educação não é o resultado de urna áreaeducativa, por exemplo, somente da f~milia

o.u da ,escola, mas o resultado da açã'o conjun­ta dos vários setores envolvidos com a educa­ção: a família, a escola, a Igreja, a sociedade,os meíos de comunicação, os grupos formaíse ínformais: .

No entanto, é inegável que o ideal da educa­ção, cujos princípios e preceítos devem estar embu,­tídos na escolaridade, é a formação do ser humanopleno, Para que isso possa seraicançado, é funda­mentai entender qUàl é, afinal, a plenítude do serhumano, Visões parciais e íncompletas doseI' hu-

'mano podem gerar sistemas e esforços educacio­nais necessariamente íncompletos ou deformados.

Se concebermos o ser humano num nível fisí­co e intelectual, poderemos obter úm presumídoresultado de excelente educação em seu aprimora­

.mento de corpo e raciocínio, Provavelmehte tais es­forços educacionais conseguirão, no nível do corpo,

. o máximo possível em termos de coordenaçãomotora, de adequadas psicomotricidade, força, flec

xibilidade, resistência, graça e beleza. Da mesm~ for­ma, 'no nível intelectual, o máximo será alcancado

/ .em termos de capacidade de raciocínio, imaginação,compreensão e memorização. Porém, tal educação,excelente nesses dois campos, poderia sertotalmen­te falha no que diz respeito ao desenvolvimento decapacidades de socialização, de auto~estima, de res­ponsabilidade moral, de apreciação da beleza e daarte. Isso porque, como é compreensível, tais dimen­sões não estão automaticamente incluídas nas dimen­sões corpo e Intelecto. Dessa forma, uma cóncepçãointegral do ser humano faZ-se necessária para umaeducação integral.

Até Freud, o ser humano era entendido comotendo um corpo e uma alma. Apartir dele, passou ater um corpo e uma psique, Ambas as visões, porém,são apenas bidimensionais, Franki salienta o fatode o homem ser constitúído de três elementos fun­damentais, e não apenas dois:

65 (I 98)),'_1"":1!lJI1~2~OJlJOo8 ---'-'__

2C Educação, escolaridade e o homem com­pleto. Apesar das grandes difículdades que marcam

o 'sistema educacional, tanto no Brasil como emgrande parte do mundo, obstáculos não menoresoprimem também os vários agentes envolvidos noproéesso educacional, entre os quais, a família, a vida

existe uma enorme e injusta.qualidade. de ensino oferecido a

r1ifp,c'nt.6 , classes sociais, mas especialistas indicamque se compararmos a educação de hoje, em termos

.de crescimento e realização pessoal, com aquela quedominou a 'História humana, é impossível negar os.grandes avanços ocorridos, Hoje.as escolas são, emtodo o mundo, talvez o principal instrumento desocíalização,.de integração comunitáría e de possi­bilidade de auto-realização.

Assim sendo, no contexto da civilização cón­temporáhea, negar o acesso à escola é negar acessoà auto.realização, à cidadania e à vida,

Além disso, com o i~gresso da mulher no mer­cado de trabálho e com as transformações ocorridasna estrutura diária de individuos efamí.lias, especial­mente no que diz respeito ao tempq e à qualidadedo convívio diárío, muito daquilo que antes_eraaprendido no lar agora precisa ser aprendido naes­cola, Regras básícas de conviVência, noções de certoe errado, entendimento do mundo e de si mesmoestão entre aqueles aprendizados fundamentaís que, _de maneira crescente, ocorrem, numa medida cadavez maior, fora dos lares,

Em ínúmeros casos, as escolas oferecem omelhor ambiente possivel para o desenvolvimentodas crianças, tanto no sentído mais elementar deum refeição adequada, quanto nas dimensões maissutis e determínantes de um ambiente educacionale socialmente saudável. Para os filhos de lares des­feitos ou sujeitos ao álcool, à'violêncía, à míséria e àdegradáção, muitos professores são hoje os maisimportantes adultos e os melhores modelos, Mui­tas dessas crianças contam com eles como os maíssaudáveís exemplos por meio dos quais irão mode­lar suas possibilidades de crescimef)toe sucesso, suaauto-estima e respeito, seus padrões de paternida­de e felicidade.

Page 9: Justka, Educacãoe Paz - BDJur · Mas o seu sentidofundamental é o de virtude, Ea razão é importante, AJustiça, assim como o Di reito, não é uma simples técnica de igualdade,

Iustitia, ,c__Pa_u_lo""_6_5_1,,,1_9_8Jc:.'.'--,"-__2_00_,8, _____Interesses Difusos e Coletivos / Diffu5e InterestsancL~i!2hts ~ ~~_8_3

violência, enquanto outros asseguram que um Esta­do palestino é precondição para a paz com os paisesárabes. Considerando as precedentes tentativas,parece-nos sensata a (Onclusão ela pesquisadoraKirsten Schulze, da London School of Economics, aoenfatizar que uma paz abrangente entre paises ára­bes e Israel depende de mudanças na educação deambas as partes e de trabalhar nas percepções queum tem do outro,55

Mencionamos esses dois importantes fatosinternacionais na tentativa de demonstrarmos quea paz nas nações ou entre as nações depende dasrespectivas lideranças políticas, mas não bastam porsi mesmas. A paz pode e deve ser estimulada peloschefes de Estado, alimentada por permanentes ini­ciativas governamentais que objetivem solidificá­la, fortalecida por inúmeros projetos ou programas,concretizada pelos vários organismos oficiais, mas,se não tiver a necessária correspondência por parteda sociedade e dos cidadãos individualmente, nãoalcançará o seu nobre objetivo.

Poder-se-ia dizer que a paz social e mundial éum efeito poiitico mas também um resultado da ne­cessária participação da sociedade e de cada homem,pois o envolvimento e a adesão destês às iniciativaspacificas ou pacificadoras são insubstituiveis,

A paz não é a mera conseqüência de umaideologia, mas a opção madura de um povo. Via deregra, de um povo que sofreu os embates e as se­qüelas de convulsões politicas, os traumas de guer­ras ou guerrilhas, ou ainda crises profundas ou nãode ordem social, econômica e/ou política, Portanto,a paz é gerada no cotidiano de sofrimentos edifícui­dades e apresentada como conquista e única soluçãopara a convivência digna entre os homens. Podemeles tentar buscá-Ia nas mais diversas fontes, entre asquais o consumismo, o hedonismo; a mudança deregimes politicos ou a alteração das diretrizes econô­micas, mas ela brota, de forma eficaz, forte e firme,dos verdadeiros e imutáveis valores que conduzem ahumanidade. Valores esses que devem ser o suporteda Politica, da Economia, assim,como das demaisciências, Nelas se incluem a Justiça e a Educação.

55 Folha de São Paulo, São Paulo: caderno Mun,do, P.17, 10 set.2000.

mais importantes desafios da humanidade. Atutelados direitos humanos, o compromisso com o com­bate à miséria e à pobreza, a proteção e a repressãoaos crimes abjetos contra crianças e adolescentessão apenas alguns temas que, ao lado da preserva­çãodo meio ambiente, entraram na agenda da~ques"

tões internacionais que transcendem oS limites e, emmuitos sentidos, a própria soberania dos Estados,

Porém, as boas intenções expressas pelos lide­res mundiais têm sido objeto de uma grande dose deceticismo, Tomando como referência cohferênciaspassadas, é possível imaginar que talvez a declara c

ção de boas intenções venha a se frustrar no todo ouem parte, Assim aconteceu com a conferência dePequim, no ano de 1995, que tratou da questão da 'mulher e na qual os paises partidpantes decidiramgarantir direitos humanos e liberdades fundamen c

tais às mulheres e meninas, O tráfico e a exploraçãode mulheres e adolescentes, porém, são duas dasatividades ilicitas que mais Crescem no mundo, epoucos paises adotaram medidas para combatê"las,O mesmo fenõmeno aconteceu com a Convençaodo Clima, publicada durante a conferência Eco-92,no Rio de Janeiro, segundo a qual todos os países secomprometiam a iniciar o controle da emissão dosgases responsáveis pelo aquecimento global até oano 2000, Não houve avanços, e o prazo acabou sen­do adiado para o ano 2010,

Embora reais, tais obstáculos não devem reti"rar o reconhecimento de que a reunião se realizouno momento em que, à exceção de alguns conflitosinternos reconhecidamente limitados, o mundo viveum promissor momento de paz, no qual não há guer­ras declaradas entre os 190 paises que comporão,no mês de setembro, o número das nações filiadas àONU.

O segundo acontecimento foi a proclamaçãodo Estado palestino independente, de inicio marca­da para o dia 14 de setembro de 2000 e posterior­mente adiada para o dia 15 de novembro, data emque o iider palestino lasser Arafat declarou a funda­ção de um Estado soberano, na Argélia, em 1988, efinalmente, frustrada em razão da politica de retali­ações entre palestinos e israelenses. Todavia, os ana­listas poiiticos se dividem, entendendo alguns que'um acordo de paz não removerá todas as fontes de

para isso",50; Judaísmo (Moisés, há 3-400 anos, no

Egito-Palestina): "Não faças a oütrem o que abomi­nas que se faça a ti. Eis toda a Lei. O resto é comentá­rio"."; Budismo (Buda, há 2,500 anos, Nepal-índia):"Todos temem o sofrimento, e todos amam a vida,Recorda que tu também és igual a todos: faze de tipróprio a medida dos demais e, assim, abstém-te decausàr-Ihes dor"."; Cristianismo (Jesus Cristo, há2,000 anos, Palestina): "Tudo aquilo, poctanto, quequereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles,porque isto é a Lei e os Profetas""; Islamismo(Maomé, há 1-400 anos, Arábia): "Nenhum de vós éum verdadeiro crente a menos que deseje para seuIrmão aquilo que deseja para si mesmo","

Éevidente, por si só, quão eficazes tais má­ximas, universais e pluralizadas, podem ser no es­tabelecimento de normas morais de conduta. Taismáximas, que certamente podem ser encontradasem relação a todos os valores, como justiça, amor,perdão, fraternidade, perseverança, trabalho, pa- .ciência, temperança etc., quando unidas aos seuselementos metaforicos e simbólicos expressos emparábolas e relatos sagrados, mostraram-se, aolongo dos séculos, extremamente valiosas naconstrução ética do individuo e da sociedade.

3 PazAo menos dois episódios marcaram o cenário

mundial no final do sécuio passado, como expres­sões emblemáticas da incessante busca da paz pelahumanidade.

A Cúpula do Milênio, encerrada no dia 8 desetembro em Nova York, por iniciativa da Organiza­ção das Nações Unidas (ONU), representou o maisrelevante encontro coletivo de liderês politícos doséculo passado, Isso não apenas pela expressiva pre­sença de chefes de Estados, como também pela cir­cunstância de haver convergência e consenso emtorno de uma pauta inteiramente voltada para os

5° Mahabharata, apud Rost, p. 28; Campbell, p. 52.5' Ta!mud Babilônico-Híllel, apud Sch!esinger & Porto, p. 26; Rost;

p.6g.5' Ohammapada, apud Rost, p. 39.53Mateus7,12."Hadith, apud Rost, p. 103; Campbéil, p. 54.

respeito àdiversi­Brasil, vedadas quaisquer

de resolver a delicada questão do res­peito à diversidade cultural religiosa e da ausênciade proselitismo exigirá das respectivas liderançasatenção e respeito pelo presente e pelo futuro dosnossos educandos. Sem dúvida alguma, como a pró­pria Lei estabelece, isso terá de passar, necessaria­mente, pelo diálogo amplo entre os vários setores esegmentos da sociedade.

O ensino religioso-moral, mais do que ofere­cer informações de religião comparada, deveria fo­calizar a experiência ética encarnada no cotidiano,longe de permanecer em principios abstratos e dedificil assimilação pelos destinatários. Além disso,ao abordar os principios universais. morais de umaforma pluralista, envolvendo as várias tradições es­pirituais, poder-se-ia assegurar o desenvolvimento,ao mesmo tempo, da moralidade e da fraternidade,Uma vez que não se ama o que não se conhece, ocontato com os grandes principios morais em suasvárias formulações ao longo do tempo e do espaçopermitiria a construção do amor e da justiça e, so­bretudo, da descoberta de principios comuns quepossibilitariam a abertura e o diálogo, conduzindoà desejada e sempre esperada unidade,

Todas as grandes tradições espirituais possu­emuma lei moral central, também conhecida como"Regra de Ouro", que pode nos conduzir a essa bus­ca da identidade que une homens e povos de todasas épocas, civilizações e culturas, Essa regra supre­ma tem sido considerada a lei máxima das religiõese' serve de substrato para qualquer consideração denatureza verdadeiramente moral. De forma simples,"ela exige que façamos aos outros o que gostaria­mos que fosse feito a nós"49, Algumas das SUas vari­adas formulações são .as seguintes: Hinduísmo(Krishna, há 5.000 anos, na índia): "Não faças aosdemais aquilo que não queres que seja feito a ti; edeseja também para o próximo aquilo que desejas easpiras para ti mesmo, Essa é toda a Lei, atenta bem

49 CHIARA LUBICH, "A arte de amar", Cidade Nova, AnoXLI, nO 10,outubro/99.

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Pode-se afirmar, comexiste um forte consenso dentro da cornlJnrndêmica sobre os efeitos deletérios da violência na

. nocompotiamento humano, seja apresentada no for­mato de programas de ação, aventura ou ficção, sejádaquela que é exibida em desenhos animados, nove­las, telejornais, programas de esporte, no gênero aquidenominado mundo-cão e, principalmente, da vio­lência que é envolvida com erotismo.

Nesse sentido, constatam-se asseguintes con­clusões:a) a violência na TV pode estimular a agres­são em crianças, sugerir a violência como recUrso eajudar a construir uma tendência à agressão; b) a vio­lência na TV pode ensinar formas violentas de reagire se comportar no ambiente real. do espectador,desirlÍbir os limitantes da agressão contra outros, fa­cilitar a manifestação de çondutas agressivas jáaprendidas e chamar a atenção para novas formas deempregar estratégias e instrumentos destrutivos; c) ocrime televisivo e a violência estão relacionados a con­dutas anti-sociais em observadores jovens; d) a vio­lência na TV antecede manifestações a longo prazo deconduta agressiva; e) o realismo das imagens vidlen­tas na TV é o fator mais importante na formação deatitudes agressivas em. crianças; f) todos os tipos deconduta agressiva, incluídas as condutas ilegais e aviolência criminal, demonstraram estar alta e signifi­cativamente associados à exposição à violência na TV;g) a apresentação de violência na TV contribui para aaquisição de caracteristicas agressivas duradouras eestáveis: principalmente na adolescência, emborapossa acontecer em qualquer idade; h) o impacto deprogramas que combinam erotismo eviolência ê subs­tancialmente maiorque ode programas que apresentamviolência pura; i) a TVtambém aumentá a freqüência e aintensidadedocomportamentoe da linguagem de natu­reza violenta entre adultos e pode desenvolver neles umavisão distorcida do grau de perigo e risco existente nomundo;j) adultos submetidos a um regime constantede violência televisiva tornaram-se de ãnimo progres­sivamente mais hostil e agressivo, assim agindo comseus familiares, colegas de trabalho e amigos, passan­do a ser menos tolerantes em relação a pequenas frus­tracões.

. Éconveniente enfatizar que essas conclusõesrepresentam apenas uma pequena amostra das que

portamento, impondo conceitos e valores, estimulan­do hábitos e costumes, insidiosa ou declaradamente,chegando ao ponto de moldar as instituições e a pró­pria sociedade segundo seus critérios ou ideologias.

Assim sendo, a enorme potência da televisãopode incitar a violência ou construir a paz.

Abordar o compromisso ético das emissorasde TV frente à população num regime democrático eque, portanto, busca construir a páz entre os cida­dãos, significa a legitima busca de preservação dosseus preceitos básicos de liberdade e igualdade dedireitos, frente a uma insidiosa tirania que se impõeao telespectador. Sim, porque a flagrante desigual,dade entre o poderio das emissoras de TV, que, diga~se de passagem, gozam<je mera concessão pública, ea passividade do telespectador é agressiva e gritante.

São freqüentes os chocantes quadros devio­lência e pornografia entre emissoras que compet"mpela conquista de audiência, em horários absoluta­mente incompatíveis com a determinação legal. Easeqüência de desrespeitos ao telespectador pareceficar sempre impune. .

Como devem reagir os telespectadores, diantedesse arbitrio das emissoras de TV? Como se com­portar diante dessa concessão do Governo, pessima­mente utilizada por grande parte das empresas deteievisão, cujo interesse dOminante é o lucro? Deque forma conciliar a liberdade de expressão, incon­dicionalmente proclamada pelo meio artistico, e ointeresse do telespectador?

Todas essas questões, extremamente atuais eimportantes, sobretudo para a população infanto­juvenil, que cada vez mais assimila passivamente oveneno destilado por propagandas e programasapresentados numa impressionante majestade de co­res e sons, devem ser enfrentadas com seriedade, eqUi­'líbrio e coragem. Há, na verdade, grandes interessesem jogo nos bastidores da telinha e abundantes pro­vas científicas sobre sua influência, contra os quais otelespectador deve estar conscientizado. Há SO anos, aPsicologia acumula provas veementes sobre o efeitoda violência apresentada na TV no comportamento decrianças, adolescentes e adultos. Essas evidências sãofruto de inúmeras pesquisas científicas desenvolvidasem diferentes lugares do mundo, com pessoas das maisdiversas caracteristicas individuais e sociais.

interesses Difusos e Coletivos / Díffuse ínterests and-=--'-

por arma de fogo. No nosso pais, a taxa de homicidioscometidos com arma de fogo é de 89%.

De acordó com as estatisticas disponiveis,90% das pessoas que obtêm O direito ao porte de.arma não sabem manejar um revolver ou uma pis- .tola. Também não tomam cuidados básicos com ela,como mantê-Ia fora dO'alcance das crianças. Dadoscomo esses indicam que a arma, em lugar de repre­sentar um possivel elemento de defesa, significa, naverdade, mais um risco ou a probabilidade dó de­sencadeamento de uma tragédia.

Além disso, os números oficiais sobre pesso­as que reagem com um revólver a um assalto a mãoarmada são desanimadores: em 94% dos casos, es­sas pessoas morrém. De acordo com instrutores detiro, policiais e especialistas no assunto, só deve terrevólver ou pistola quem está preparado para viverem permanente estado de guerra, mantendo-ossempre ao alcance da mão,

Nesse sentido, o grande perigo da ainda maiorbanalização da violência está nas conclusões de umestudo realizado em São Paulo,'segundo o qual S6%das vitimas de homicídios não tinham passagempela polícia nem histórico de envolvimento cri­minal. Ou seja, mais da metade dos mortos nãoestavam ligados ao banditismo. De acordo com osestudiosos da matéria, em boa parte dos casos es­sas pessoas comuns são mortas por outras pessoascomuns, em episódios como brigas de vizinhos, dis­cussões no trãnsito ou bares.

Éinegável que, se o governopossui atribuicõespeculiares, consubstanciadas no compromisso' po­Iitico de garantir a segurança da população, tam­bém os cidadãos não podem se eximir da enormeparcela de construtores da verdadeira segurança epaz na convivência social. O relacionamento violen­to entre os homens, nas mais variadas esferas dasocia lidade, nada mais é do que o reflexo de valoresque foram sendo paulatinamente relegados, quan­do não substituidos, por formas também destrutivasde convivência.

3b Televisão, violência e pazParece-nos oportuno analisar a influência que a

televisão exerce sobre o comportamento humano, nassuas várias fases de evolução, ditando regras de com-

lutas e conquistas pela afirma­humàna, a paz somente brotará da

IUS1[lCd social ou, nas sábias palavras do eminentepedagogo Paulo Freire:

de anônimas gentes, sofridas gentes, explo­radas gentes aprendi sobretudo que a paz éfundamental, indispensável, mas que a pazimplica em lutar por ela. Apaz se cria, se cons­trôi na epela superaÇão das realidades sociaisperversas. A paz se cria, se constrói na cons­trução incessante da justiça social. Ppr isso,não creio em nenhum esforço chamado deeducação para a paz que, em lugarde desvelaro mundo das injustiças, o torna opaco e tentamiopizar assuas vitimas (FREIRE, apud MINIS­TÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO,2000, p. 91).

3a Violência e pazAambigüidade da escalada da violência de um

lado, e a busca da paz de outro, preocupa a humani­dade nesses últimos tempos. Uma das questôes quese colocam é saber se o desarmamento da popula­ção diminui a violência e conduz à pacificação dopovoou, ao contrário, facilidade na aquisição de ar­mas de fogo garante a defesa elou inibe o crimino­so, bloqueando a escalada da insegurança e,domedo. Ou, ainda, como o cidadão comum, alvo dire­to de açõe~ violentas, pode ou deve enfrentar. asameaças que circundam o seu cotidiano? Armamen­to ou desarmamento? "Olho por olho, dente pordente", portanto, prevenir ou revidar a violência comigualou maior intensidade recupera os verdadeirosvalores na convivência social? Afinal, dessa formase pacificam os homens e a sociedade?

Colocando-nos numa panorãmica mUndial,estudo da Organização das Nações Unidas (ONU)demonstra que as taxas de homicidios por armas defogo são mais altas em paises com uma legislaçãoliberal sobre armas. Nos Estados Unidos, onde oporte de armas é concedido sem burocracia na mai­oria dos estados, a taxa de mortes por arma de fogono total de homicidios é de 70%; no extremo oposto,o Japão proibe o registro e o porte de arma, consig­nando uma taxa de 5% sobre o total de homicidios

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Interesses Difusos e Coletivos / Diffuse i"tercsts and Rig~h_ts 8_7

e deveres individuais e coletivos, proclamando quetodos são iguais perante a lei, sem distinção de qual­quer natureza, e garantindo o direito à vida, à'liberdade,à igualdade, à segurança e à propriedade.

Ora, ressalta claro que a liberdade de expres­são não é absoluta, incondicional, irrestrita e muitomenos desenfreada, mas, exatamente por ser umacriação da inteligência humana, éncontra os seus li­mites em cada homem, inseridos todos na convivên­cia social, que exige regras para a sua sobrevivéncia emanutenção. Quando e onde a expressão, nas suasmais variadas formas, fere direitos alheios, não maisse pode cogitar de liberdade, mas de arbítrio. Eo arbi­trio é condenável. Ele sim é fruto dos regimes totali­tários, que sufocam e oprimem 6 homem.

E mais: se de um lado existe o direito à liber­dade de expressão proclamado pelas TVs, de outroexistem 05 direitos à educação, à cultura, ao lazer, ádignidade, ao respeito de crianças e adolescentes,os quais devem ser salvaguardados de toda formade negligência~ discriminação, exploração, violên­cia, crueldade e opressão. Todos são direitos consa­grados pela Constituição Federai, mas, na verdade,somente o primeiro conta com a simpatia e o apoiooficiais. Basta lembrar que as emissoras de TV go­zam de mera concessão governamental pelo prazode 15 anos, que poderá ou não ser renovada, previs­to o respectivo cancelamento antes de vencido oprazo, por meio de. decisão judicial.

O argumento simplista e equivocado que su­gere que se desligue o botão antes da transmissãoda mensagem negativa não tem qualquer consis,tência, mesmo porque no ato de desligar o botão amensagem jà conseguiu o seu objetivo, qual seja,chegar ao telespectador.

Verifica-se, dessa forma, que o patrulhamentoideológico, o estimulo à violência, o desrespeito aosdireitos elementares de cidadania, a disseminaçãode preconceitos, a discriminação e erotização des­medida e irresponsável de crianças e adolescentes éo que vem sendo veiculado sob o manto protetor daliberdade de expressão.

Será esse um regime democrático, que privile­gia os poderosos que detêm os meios de comunicaçãoe permite que alimentem uma falsa liberdade deexpressào, em detrimento de uma imensa maioria

nada a esperar'da TV aberta contribuem para expli­car porque o modelo de TV-sensaçã6-vende-produ­to continua invicto e impune.

Cabe a pergunta: será que nesses países, tra"dicionalmente conhecidos pela reverência à cultu­ra, à criação artistica e ao livre pensamento e quedoaram à História da Humanidade artistas consagradoscomo o célebre escultor francês Rodin ou o famosopintor espanhol Pablo Plcasso, ou ainda os conheci,dos pensadores franceses Sartre e Maritain, tambémnão predomina o respeito pela iniciativa e obra hu­manas, nos seus mais variados campos, nas suasvárias etapas de expressão e nas suas diversidadesnaturais a uma convivência social?

Mas o que é a livre expressão da atividadeintelectual, artistica, científica e de comunicação,independentemente de censura ou licença, utilizà­da pelo artigo 5°, inciso IX, da Constituição_Federal epopular e restritivamente-conhecida por liberdadede expressão? Como deve ser encarada essa livre ex­pressão no contexto da programação ou da mensa­gem da TV?

Emprimeiro iugar, não há como contestar queexiste uma verdadeira privatização da liberdade deexpressão, sutilmente camuflada pelas diversas emis­sora~ e respectivas programações, que, na verdade,ditam regras de comportamento e impõem aquiloque a população deve saber. Basta exemplificar coma forma variada com que um mesmo fato é comuni­cado ao telespectador, dando-se ênfase muitas vezesa aspectos marginais 6u de'snecessários, ou aindaressaltando óqueles que ideologicamente mais seidentificam com a linha da emissora ou com os seusinteresses. Onde fica o direito un'iversal e individualdo telespectador de acesso à cultura e à informa~

ção? Esse direito de milhões de telespectadores nãofica prejudicado por uma forma privada e velada decensura das poderosas emissoras,.sob a falsa alega­ção da iiberdade de expressão?

Partindo dai se pode facilmente concluir que aquestão da liberdade de expressão, seja nos meios decomunicação em geral, seja em relação à televisãoem particular, está ligada ao reconhecimento e à ga­rantia dos direitos fundamentais da cada cidadão.

Não por menos, a própria Constituição Fede­ral insere a liberdade de expressão entre os direitos

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se em fase de sedimentação e para quem qualquerdesvio ou bloqueio representará um resultado necgativo em seu comportamento futuro.

Até onde temos conhecimento, países como aEspanha, a Suécia e a França possuem órgãos queacoihem réciamações do público para avaliá-Ias eencaminhá-Ias às TVs, com o objetivo de disciplinarde forma saudável a programação e preservar prin­cipias fundamentais defendidos pela sociedade. NaFrança, por exemplo, a fin'ali.dade é assegurar a igual"dade de tratamento entre a emissora é o telespecta­dor, favorecer a livre concorrência e a expressão plu­ralista de opiniões. Nos Estados Unidos, no Canadáe na Ingiaterra, os resultados das pesquisas cientifi­cas orientam decisões sobre o que é ou não permiti"do apresentar na TV. Na Inglaterra, o governo exercecont(ole sobre a sua TV, embora as empresas comer­ciais paguem pelo direito de transmitir a programa"ção. Ali vigora um sistema de TV comercial controla­da por dois órgãos especialmente criados para talfinalidade. Eles garantem altos padrões de qualida­de de programação, coibem a apresentação de vio­lência e exercem controle direto sobre a riropagan­da. Em outros paises democráticos, comitês asses"sores, às vezes eleitos pelo povo, trabalham juntoaos programadores e funcionários do governo paracuidar da programação da TV, quanto a sua plurali"dàde e qualidade. Esses exemplos demonstram que,sem censura, é possivel equilibrar os interesses eco"nômicos e a responsabilidade na programação da TVcomercial aberta.

As análises de conteúdo da programação domodelo comercial de TV em diferentes lugares domundo onde seu funcionamento não é acompanha"do por órgãos de vigilància e controie de qualidadeestatais, civis ou mistos, mostram que sua progra­mação tende a ser predominantemente violenta,estereotipada, sexifera e orientada ao consumo. Esteparece ser o caso brasileiro. Aqui, a falta de termosde regulação e controle da qualidade da programa­ção, a ausência de contingéncias e mecanismos efe­tivos de controle externo, a inexistência de códigosgenuinos de auto-regulação por parte das redes, afalta de responsabilidade dos anunciantes que pa­trocinam programas bizarros.e degradantes, os baixosniveis de qualidade que a grande audiência está ensi"

iml1","tn nocivo dapessoas.

caráter dominantepelas redes brasileiras

TV, assirn como de grande parte dos que aquisão produzidos, é de alto conteúdo violento. Sériescuja exibição tem sido proibida em outros paisespor seu nivel de violéncia e crueldade são apresen'tadas no Brasil a qualquer hora do dia ou da noite,sem que programadores nem anunciantes sejamad moestados.

O teor dos dados de pesquisa e os estudos deanálise de conteúdo da programação coincidem nofato de que o modelo vigente de TV-sensação-ven­de-produto afeta negativamente a sociedade namedida em que seus excessos influenciam não só apredisposição à violência, mas todo o espectro dedesenvolvimento ético, social e psicológico da ge­raçào de jovens.

Com essa visão aberta e clara para os fatos,não nos esqueçamos de que viver num regime de­mocrático significa basicamente ter a garantia daigualdade de direitos entre os cidadãos como premis­sa básica para uma convivência saudável e promissorapara crianças e adolescentes. Ea compreensão de quea concessão pública de uma emissora de televisão, uti­lizada por uma pessoa ou grupo de pessoas, nãofogédesse preceito fundamental, isto é, os seus direitosnão são maiores ou superiores aos do mais modestotelespectador a quem se dirigem. Respeito e dignida"de são requisitos minirnosde qualquer programa, dequalquer nivel, em qualquer horário, sobretudo na­quele em que o público infanto-juvenil tem acessomais facilitado.

É perigoso e falso 6 argumento de que qual­quer interferência nessa desenfreada permissividadedas emissoras de televisão represente avolta da cen­sura no nosso pais. Perigoso porque não setrata decensura, mas do estabelecimento de limites válidose legitimos entre partes em desigualdade de posi­ções. Falso porque não se pretende qualquerpatrulhamento, e sim a fixação de regras minimasde convivência entre um veiculo potente que é a tele­visão e o telespectador criança e adolescente, reco­nhecidamente setes em formação, ainda destituidosde convicção e critérios firmes, cujos valores acham-

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Interesses Difusosec:oletivo~/DilTu5e In/eles/s 3nd Righls

comotunel da mor:

rl"~i+'A à o que, na verdade, é umdependéncias; como direito à edu­

6 que, na verdade, é um incentivo à corrupçãoe delinqüência; como direito ao lazer, o que, naverdade, ê um mundo de ócio e perversidades; comodireito à cultura, o que, na verdade, ê um obstáculoao verdadeiro crescimento integrai do ser humano;como direito à dignidade, o que, na verdade, é opres­siva inundação de futilidades e prazeres inconseqüen­tes; como direito ao respeito, o que, na veraade, é aidolatria ao consumo e ao hedonismo; como direitoà liberdade, o que, na verdade, é a apologia do per­missivismo e da licenciosidade; e:porfim, como di­reito à convivência familiar e comunitária, o que, naverdade, é a ~nião superficial e passageira do prazere da vaidade.

Há de se reconhecer e aplaudir iniciativas eprogramas televisivos que se caracterizam pela ga·rantia dos direitos fundamentais do telespectadorcriança ou adolescente, pautando-se, na maioria dasvezes, lamentavelmente, pelo seu flagrante desco­nhecimento, ou, quando não, pelo desrespeito e até,mesmo violação. _ "

As pesquisas chamam a atenção para o fatode que os mesmos principios, mecanismos e pro­cessos que fundamentam o aprendizado de condu­tas anti-sociais a partir da TV podem se aplicar aoensino de condutas positivas. Generosidade, coope­ração, ajuda, persistência, expressões positivas desentimentos, empatia e comportamentos que, deuma ou outra forma, beneficiam o individuo e a so­ciedade podem ser ensinados e estimulados por pro­gramas de TV desenhados ou não para esses fins.No México, já na longinqua década de 1980, foramobtidos resultados surpreendentes com o empregode uma telenovela desenhada sobre principios ci­entificos da Psicologia da Aprendizagem, Com o em­prego de atores famosos, promoveu-se, com suces­so sem precedentes, uma campanha nacional de al­fabetização de adultos. Os resultados ultrapassaramem muito as expectativas e superaram com folga astentativas de campanhas anteriores promovidaspelo governo daquele pais. No ano anterior, ao lan-

çamento.da novela-campanha, apenas 99 mi'l pes­soas tinham aderido aos cursos de alfabetização.Durante'o ano em que a novela se apresentava, essenúmero aumentou para 840 mil. Mesmo apóste'rmi­nada a novela, 400 mil pessoas se matricularam. Issodemonstra claramente o poder da TV como veículode influência social e ã importância da estreita cola­boração entre programadores, cientistas e funcio­nários do Governo na busca de objetivos sociaís.

Longe de admitír qualquer retorno aos míní­mos principios da censura, pode-se dizer que" naverdade, vem ela ocorrendo no seu pior e mais ne­fasto sentido, pelas próprias emíssoras de TV, aodescartarem os valores que efetivamente edificamo ser humano e os relacionamentos sociaisepossi­bilitam a construção de um futuro promissor para aHumanidade.

Dizem alguns que a perlnissivídade e a vio­lêncía na TV nada mais fazem que refletir os anseiosda socíedade moderna, sendo um mero espelho dassuas expectatívas. Nada mais falso do que nivelarpor baixo a condíção do ser humano e da sociedademoderna, fazendo de conta q]Je inexistem ou sãoinsignificantes as expressões de dignídade, caráter,ética, dedícação e amor num mundo em pérmanen­te transformação. No entanto, são fortes e sígnifíca­tivas as pequenas e grandes revoluções que de hámuito redímensíonam pessoas, famílias e grupos.sociais, mas que, na verdade, não correspondemaosinteresses econômicos, polítíco-ideológicos e ma­nipuladores de certas emíssoras de TV.

A lição que nos é dada pela vida, no entanto, 'demonstra que o ser humano e a nature'za se trans­formam permanentemente e, como conseqüência,a própria estrutura social e polítíca. Pelo observadorpouco avisado tais mudanças não são sentidas. Acolaboração que cada um de nós pode e deve dar évisando a uma maior participação nos atos de fiscalí­zação e apuração de responsabilidades dos empresá­rios detentores das concessões televisivas. A nossaposição aparentemente passiva diante da telinh",amordaçada e destituída de juízo crítico, red undaránum estimulo à violência nos seus mais variadosgraus e estilos, Porém, se nos comprometermos coma construção da pai e com a dignidade humana, cer­tamente iremos à raiz do legítimo lazer, fruto dabeleza, da harmonia, do 'equilíbrio e da alegria.

3c Alguns caminhos para a pazRelatório divulgado pela Unesco aponta a fa­

mília, a escola e a Igreja como as três instituiçõesque os jovens mais respeitam e, por essa razão, de­vem ser usadas como canais e instrumentos para odesenvolvimento de programas de combate à violên­cia juvenil e conseqüente construção da paz. Taiscon,clusões são o resultado de uma pesquisa sobre vio­lência juvenil realizada em quatro capitais brasilei­ras - Brasília, Rio de Janeiro, Fortaleza e Curitiba. Emuma escala- de zero a dez pontos,a família fica nafaixa dos nove. A escola e a religião praticamenteempatám 'entre os sete e os oito pontos.

Da mesma forma, a valorização da família e dareligiâo foi observada em outro recente estudo, fei­to em Sâo Paulo pelo Cenpec (Centro de Pesquisasem Educaçâo, Cultura e Educação Comunitária).

Porém, é pertinente a indagaçâo: que família,que escola, que religiâo podem corresponder às ex­pectativas dajuventude, dar respostas às suas inda­gações, pistas às suas incertezas, segurança em seusmomentos de dúvida, enfím, ajudá-Ia a construir oseu caminho de dignidade e paz?

Em primeiro lugar, é sabido que, da mesmaforma que em todo o mundo, no nosso país, a famí­lia tradicional passa por grandes transformações evem perdendo a identidade de pequeno núcleo for­mado por pais e filhos. Abrindo-se, a família passoua ser alvo dos mais freqüentes e graves ataques,manipulações e especulações, investindo contra eladesde cientistas que pretendem criar gerações emlaboratórios de sofisticadas clínicas de fertilidadeaté espíritos mercantilistas, que lhe impõem critéri­os de consumo e estilos de vida a custa de seus altoslucros. Hoje,talvez como nunca na história da hu­manidade, a família se vê exposta à violência e àpermissividade que penetram a qualquer hora dodia ou da noite na intimidade do lar. Forças sutis einsidiosas pressionam para retirar da família aquiloque lhe é essencial: o amor. Afragilidade em que seencontra a instituiçâo familiar é, sem dúvida, refle­xo da fragilidade do amor entre seus membros. Compropriedade e sabedoria, o conhecido pensador ita­liano IginoGiordani, após exaltar a família em inú­meras ocasiões, conclui: "retira o amor da vida, e avida se esteriliza. Retira o amor das relações sociais,

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e a terra se torna um deserto gelado. É a falta deamor quefez a vida humana tornar-se 0 mister mais,difícil, trágico."56 Entre erros e acertos, a família bus­ca a sua identidade. Buscar essa identidade sígnificaretornar às origens dessa original convivência huma­na, cuja raiz inegaveimente é oamoL Sea abertura dafamíiia significou um risco, seguramente as vanta­gens dessa, iniciativa trouxeram·lhe grandes benefí­cíos em solidariedade, compreensão, miseriêórdia,descoberta e partícipação das dores e sofrimentos deoutras famílias etc. Benefícios estes inerentes ao amorque a caracteriza, de sorte que, de uma pequena fa­mília constituída por país e filhos, ampliou·se paraumà grande família unida entre si.

Em um certo sentido, pode-se fazer a mesmaafirmaçâo em relação à escola que, para atrair e cul­tivar o jovem, deve possuir ingredientes que vãoalém da mera transmissâo de conhecimentos. Entreeles podemos destacar o valor e o respeito pela pes­soa humana. "As demandas da escola sempre forampreparar para o mercado de trabalho, para o futuro.Ao contrário, ela deve pensar no presente, na infân­cia, na adolescência. A verdadeira função social da,escola é o pleno desenvolvimento do ser humano­o que vem antes de todos os direitos."57

Família e escola, para exercerem a suafunçâode verdadeiros laboratórios que preparem criançase jovens para uma convivência pacifica, necessitamde seres humanos forjados em valores verdadeiros,e não impostos momentaneamente por oportunis­tas que pensam e desejam tudo, menos o bem deambas as instituições ou de seus membros.

Equem pode colaborar de forma insubstituívelna formação de tais valores e escolhas, orientar naformulação de propostas que rEalizem plenamenteo homem, indicar os caminhos para a verdadeira fe­licidade que os jovens buscam ansiosamente,acautelá-los em relação a erros ou equívocos que,com sutileza, sâo apresentados como modelos, en­fim, despertar os seus sentidos para o único cami-

s61GINO GIORDANI, "Diário de Fogo", Ed. Cidade Nova, p. 20.

Si MIGUEL ARROYO, filósofo e professor da Universidade'Federalde Minas Gerais, in informativo "Crer para Ver", Fundação Abrinq,ano 11, nO 6.

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,Interesses Difusos e Coletivos / Diffusc il1lcrc:sls!.l1_d Righls 9 I .

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os jovenselaé

explorações de todo o gê­os educadores serão de grande im-

portãncia.Familia, escola e religião - eis a base funda­

mentai em que se assenta a cultura da paz.Sobre a paz, a paz verdadeira, sedimentada em

v<3lores de respeito á dignidade hum<3na, poderãoadvir teorias, correntes de pensamento, ideologias,forças e pressões - ela permanecerá firme diante dequaisquer contratempos.

Para a construção dessa paz, todos os homenssão convocados, todos necessários e insubstituiveis.Cada qual na sua condição e categoría. Unidos nameta comum.

4 Justiça, educação e pazApós analisar separadamente cada uma des­

sas três virtudes, desejamos, a esta altura, ressaltaro valor fundamental e inestimável dasduas primei­ras que, se vividas na sua autenticidade,poderãoconduzir a humanidade á tão desejada paz.

Se de um lado é certo que as grandes transfor­mações da História ocorreram graças a atos herói­cos de homens abnegados e imbuidos de nobresideais, não menos correto que o cotidiano de cadacidadão, nas suas várias, muitas vezes humildes, ocul­tas, mas importantes atividades, também faz partede um mecanismo de transformação silencioso, pro­fundo, consciente e maduro.

Como vimos anteriormente,Justiça é umapa­lavra de interpretação tão ampla quanto a palavraética, pois exprime a idéia de retidão elo agir huma­no na sua universalidade, não porémeomo àgir dosujeito, como o encara fundamentalmente a ética,mas como o agir reto em relação ao próximo e ásociedade, quando se diz de um ser humano que éjusto porque atribui a cada um o que é seu, cumprea lei, luta pela justa distribuição dos bens que per­tencem a todos, é consciente, corajoso e aplicado noexercício de suas próprias responsabilidades.

Os princípios que norteiam e fundamentam ajustiça sociai devem estar presentes na elaboraçãode qualquer lei, porque toda normajuridica tem porfinalidade a promoção do bem comum.

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Enão apenas o legislador, que institui a nór­ma, mas também o administrador, que~he dá exe­cução, o juiz, que a aplica, o cid<3dão, que a cumpre,'têm todos o dever de orientar a sua atuação segun­do os princípios de uma justiça social, cujo objeto éo bem comum. '

Nas sociedades complexas em que vivemos,as exigências da Justiça se apresentam sob as maisvariadas formas, desde o respeito às .pessoas e áscoisas, aos seres viventes e a todoo !'neio ambiente,até a observânciados dispositivos legais que reguelamentam o convivia entre as pessoas, o uso do soloe dos recursos naturais, passando, evidentemente,pela atenção e dedicaçâo aos mais necessitados, âscrianças, aos deficíentes, aos dóentes e ás pessoasidosas.

Em relacão á educacâo, embora reconhecamosa urgente ne~essidade d~ eliminacão do ana'lfabe­tismo, a criação de mecanismos para promover ofinanciamento do sistema educacional, assim comoa valorização dos profissionais e a sua formação, éigualmente indispensável que: '

os professores encontrem meios de criar es­paço para um mútuo engajamento das dife­renças vividas, que não exijam o silenciar deuma multiplicidade de vozes por um únicodiscurso dominante; ao mesmo tempo, devemdesenvolver formas de pedagogia ancoradasem uma sólida ética que denuncie o racismo,o sexismo e a exploração de çiasses como ide­ologias que convulsionam e desvalorizam avida pública (GIROUX, 1994,P. 106).

Um dos mais respeitados educadores dos Es­tados Unidos, Hebert Kohl, defende a transforma­ção das saias de aula em centros de comunicaçãocom vertentes para artes, pesquisa, cidadania e co­nhecimento. Sugere ainda o amplo saber, ou seja, aconjugação das matérias tradicionais com a abun­dãncia de novidades deste novo milênio.

Analisando as várias fases da história nasquais a pedagogia foi reconhecida como uma "revo­lução capem/cana", em razão de saltos de qualid<3­de tais como o programa rião visto como fi'm mascomo meio, a centralidade do professor ou do alu-

no, o aprendizado como busca e pesquisa etc., Enri­que Cambón os identifica como um reflexotrinitário SS , seja pela necessidade de maiorpersonalização e socialização, de-aprofundamentoda importãncia do amor na pedagogia, como tam­bém pela consciência mais aguda do respeito à dig­nidade e autonomia dos que participam da relaçãoeducativa. Eprossegue o renomado escritor:

Esse crescimento rumo à trinitariedadé maiordo ensino talvez seja percebido, hoje comonunca, nas problemáticas que se multiplicamnesse campo. Basta observar algumas das hi­póteses e indicações oferecidas em muitos doslivros atuais de pedagogia, os problemas dis­cutidos, os psicólogos e pensadores de orien­tação humanista e personalista em quem boaparte dos pedagogos seapóia para fundamen­tar suas propostas, os próprios titulos de suaspublicações, que falam por si sós de uma ex­plícita ou inconsciente tendência a dar maisdestaque às relações trinitárias: Comunica­ção interpessoal e educação; Relações inter­pessoais na escola; Atitudes pró:sociais ecomportamento altruista; Papel da relaçãointerpessoal no processo de ensino e aprendi­zado; O outro indispensável; Escutando seaprende: perguntas legitimas para uma peda­gogia que saiba escutar.59

Por sua vez, a paz entre os homens e a paz nasociedade somente serão atingidas quando garan­tidos os direitos fundamentais de cada homem nasua convivência, fruto e resultado da Justiça, queexige que a liberdade, a igualdade e outros direitosessenciais sejam atribuidos e assegurados aos seres

58 "Uma humanidade una, única e unificadora, sem dominio declasses e sem opressão ditatorial. Esse é o mundo no qual os sereshumanos se caracterizam por suas relações sociais, não por seupoder nem pelos bens que possuam-, Esseéo mundo no qual osseres humanos têm tudo emcomum e tudo compartilham, excetoas características pessoais" (CAMBÓN, 1985).

59 ENRIQUE CAMBÓN, "Assim na Terra como na Trindade -o quesignificam as relações trinitál'ias na vida em sociedade?", Ed.Cidade Nova, p. '571158.

humanos com a maior amplitude conciliável com obem comum.

Proclamando o desenvolvimento como onOvo nome da paz60, o papa Pauio VI encontrou na"Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento",aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas(ONU), reunida em 4 de dezembro de 1986, a cor­respondência politico-juridica para o SéU apelo áhum"nidade. Nesse sentido, o àrtigol° da referidaDeclaração proclama:

Odireito ao desenvolvimento é um inalienáveldireito humano, em virtude do qual toda pes­soa humana etodos os povos tém reconhecidoseu direito de participar do desenvolvimentoeconômico, social, cultural e politico, a ele con­tribuir e dele d",sfrutar; e no qual todos os di­reitos hurpanos e liberdades fundamentaispossam ser plenamente realizados.

Os esforços pela paz na história da humanida­de, no entanto, periodicamente sofrem interrupçõespor convulsões sociais ou guerras que irrompem nosmais diversos pontos da Terra. Suas origens sãoexplicadas por razões de ordem social, religiosa,política ou histórica. Como conseqüência, a Justiçae a Educação também são ab<3ladas.A perda dapaz ésempre o reflexo do conflito interior de cada ho­mem e da dificuldade de conviver com o diferente.Apaz só existe onde existe a unidade;a qual pressu­pôe a convivência respeitosa com a diversidade.

Comemoram-se neste ano de 2008 os 60 anosdo assassinato de Ghandi, um dos grandes lideresmundiais da luta pela paz. Sessenta anos são pou­cos se comparados aos milênios que compõem ahistória, mas esse período é suficiente para uma ava­liação. No século XX, que se distinguiu por grandesdestruições e extermínios, por violências incriveis editadores que, com certeza, exprimiam a noite que ahumanidade atravessa, Ghandi foi, sem dúvida, umaresposta inexorâvel de esperança, um testemunhoque subsistirá aos milênios, para inspirar as gera­ções futuras. Permanece como um ponto de refe-

60 PAULO VI, Encíclica "Populorum Progressio".

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-'- In_tc_resses[)ifusos e Coletivos / Dif(use inlcrests a~d Rights

subdesen­uma das economias

,{,'''k"nfeç da atualidade.

ConclusãoComo vimos, a unidade e a paz, frutos tam­

bém da Justiça e da çducação, são assuntos atuais ede interesse mundial. Embora marcado por grandestensões, conflitos e ameaças de guerra,

[...] paradoxalmente, parece que o mundo seencaminha para a unidade e, portanto, para apaz:é um sinal dos tempos. Éo que dizem, PO(exemplo, as numerosas entidades eorganiza­ções internacionais. Éo que diz, 110 mundo re­ligioso, a "Conferência Mundial das Religiõéspela Paz". Indicam essa tendência do mundo âunidade até ideologias, hoje em parte supe­radas, que também tendiam a resolver osgrandes problemas de hoje de modo global.Favorecem a unidade os modernos meios decomunicação, que fazem o mundo entrarnuma comunidade ou numa familia ô '

Henry Sobel, em sua recente obra "Um Ho- "mem - um Rabinp", após reportar-se ao "doloroso ­caso Vladimir Herzog, lança desafios para a cons"trução da paz, ao indagar como não simpatizeI' comas Mães da Praça de Maio, na Argentina, que, durantedécad'as, vêm exigindo noticias de seus filhos tortu­rados e eliminados. Relembra o importante traba­Ihoda Anistia Internacional eã Human Rights Watch,empenhados em assegurar o respeito aos direitoshumanos e a uma vida em liberdade para todos. Ex­plica, igualmente, a força que vêm ganhando enti­

'dades ecologistas como o Greenpeace e o WorldWildlife Fund. Nos mais variados âmbitos de atua­ção da humanidade, 05 homens se unem na cons­trução de um mundo justo, solidário e fraterno.

(;, CH!ARA LUBICH, discurso pronunciado na sede da UNESCO(Paris), em 17 de dezembro de 1996, quando da outorga do PrêmioUNESCO 1996 pela "Educação à Paz"~

Os desafios de caráter planetário que se apre_sentam â sociedade contemporânea exigem respos­tas que erradiquem os conflitos e as guerras emtodos os P'intos do mundo, mas, ao mesmo tempo,promovam a paz internamente, no âmbito de cadanação, de cada sociedade, de cada família, de cadaser humano.

Sâo essas as estruturas desejadas para um"Mundo Unido", uma real novidade como projetocultural e proposta de convívência social capai defazer caminhar a história.

O "Mundo Unido" requer uma maturaçâo alFtropológica capaz de apontar para -novos con­teúdos pedagógicos; um modo diferente depostar-se diante de cada matiz do saber hu­mano e, ao mesmo tempo, detectar umametodologia realmente,apta â formação denovas gerações chamadas para construir e vi­ver este novo mOmento histórico. Antes démais nada, requer uma humanidade equipa­da de conceitos, como solidariedade, interde­pendência, igualdade, liberdade, paz,revisitadosà luz deuma antropologia que coloque no cen­tro a pessoa: o ser humano em relação, capazdetecer relacionamentos para fora e, ao mesmotempo, para dentro de qualquer diversidade.O instrumento da comunicação será Odiálo­go, com timbre de transparência, mansidão,confiança e prudência pedagógica; e será umdiálogo pluralístico, multirracial, multiétnico,multi nacional, multirreligioso, multicultural.O valor fundamental necessário para viver emum mundo tecido desse modo será o amor.Somente o amor, como expressão do nossoser, será capaz de nos ajudar a construir rela­cionamentos novos, superando a "cultura doter" com a "cultura do dar", e nos inspirar nainvenção de instituições capazes de colocar oscidadãos realmente nas melhores condições departicipantes das grandes escolhas para asquais todos somos chamados ô ,

6. VERA ARAÚJO, "O Projeto de um Mundo Unido - resposta aosdesafios do ano 2000", palestra proferida durante o CongressoInternacional de Educação para a Mundialidade, Roma, maiol1995.

A liberdade é um dos fermentos da paz.Cada homem é livre para optar a favor da paz

ou dos pequenos ou grandes conflitos. Daí, somen­te daí, surgirá a desejada paz entre a humanidade.

CURY, M. Justice, education and peace. RevistaJustítia (São Paulo), v. 198, p. 67-93 I jan/jun. zo08

, ABSTRACT: The present article intends to be a <reflection aboutJU5TICE, EDUCATION AND PEACEby assessing each ofthese threethemes notindividually, but as constituent palts of a singlemosaic, intertwined to build the solidary societyreferred to by the Federal Constitution. Experts inboth subjects are sure that yearned local and worldpeace find their roots in true Justice andirreplaceable Education. .Nevertheless, efforts towards peace throughouthuman history have been systematicallyinterrupted by social commotions ar wars thatbreak in different spots of the planet, caused bysocial, religious, political ar historical reasons. Inconsequence, Justice and Education are oftenshaken. The loss of peace is always a refiex boht ofthe conflicts inherent to each human being andthe difficulty to Ifve with what is different. Peaceexists only where there is unity, which implies therespectful acceptance of diversity.The planetary challenges faced bythe contemporarysociety demand answers that can eradicateconflicts and wars ali over the world and, at thesame time, promote peace in every nation, everysociety, évery family and every human being.A peaceful and united world requires a humanmaturity capable of pointing new pedagogicalcontents and a different posture in the face.of eachand every aspect ofthe human knowledge and, at­the same time, that is also able to find a newmethodology, truly qualified to model futuregenerations that can build and live this newhistorical moment, It demands, prior to anything;that humanlty be equiped with concepts such assolidarity, mutual dependence, equality, freedomand peace, reviewed in the light of ananthropology that really, focus on people: the

.93

human being able to sew relationships with theoutside world and inside ali kinds of diversity. Thecommunication instrument will be dialogue, withatone oftransparency, gentleness, confidence andpedagogical prudence. It shall be a plural, multi"racial, multi-ethnic, multi-religious and multi-cul­turaldialogue. The fundamental vírtue necessaryfor one<to live in this new world will be love. Onlylave, as an expression ofone'sself, might be ableto help us build fresh relatipnships, replacing the"I have" culture by the "I give" culture, and to ins­pire us create institutions that can really givecltizens the best (honces in participating in thegreat decisions to whlch we are ali called for.

, KEYWORDS: Justice. Education. Peace. Unity.Diversity

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