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Munir CURY·
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tos do mundo, mas, ao mesmo témp9,pr0rh0vam apaz internamente, no âmbito de cada.nação, de cadasociedade, de cada família, decadêl ser humano.Omundo pacificado e unido requerUma matura·ção antropológica capaz de apontar para novosconteúdos pedagógicos, um modo diferente depostar-se diantede cada matriz do saber humanoe, ao mesmo tempo, detectar uma metodologia'
, realmente apta à formação de novas gerações chamadas para construir e viver este novo momentohistórico. Antes de mais nada,requer urna humanidade equipada de conceitos como solidariedade,. interdependência, igualdêlde,lib~rdade, paz,revisitados à luz de urna antropologia que coloque.no centro a pes$oa:o ser humano em relação,capaz de tecer relacionamentos para fora e,ao mesmo tempo, pa ra dentro de qualquerd iversidade...,O instrumento da comunicação será o diálogo,'com timbre de trânsparência, mansidão. confiançae prudência p~dagógicai e será umdiálogo pluralístico, multirracial, multiétnico, multinacional,multirreligioso, multicultural. O valor funda mental necessário para viver em uh' mundo tecidodesse modo será o·amor.Some·nte o amor, como
. -expressão do nosso ser, será capaz de nos ajudar aconstr'uir relacionamentos novos, superando a,jcuitura doter" com a "cuitura do dar", e de nosinspirar na invenção de instituições capazes decolocar os cidadãos realmente nas melhores condições de participantes das grandes escolhas paraas quais todos somos chamados.
• PALAVRAS-CHAVE: Justiça. Educação. Paz. Unidade. Diversidade.
Introdução .O marco inicial do denominado projeto polí
tico~'institucional educacional brasileiro foi, semqualquer dúvida, a Constituição Federal de 1988,
• Prócurador de Justiça aposentado do Ministério Público de SãoPaulo.
Justka, Educacãoe Paz. . .
." RESUMO: Apresente reflexãoa respei!ode JUScTIÇA, EDUCAÇÃO E PAZ Se propõe a abordarcada
'. um dos temas deste tripé não deforma isolada,. mas como peças componentes de um úniCo mo-
'. saico, entrelaçadàs entre si para a construção dasociedade solidária a que se re~ere a ConstituiçãoFeder~1.Especialistas em amhas as matér.iases'tão
seguros de que a paz local e mundial que todosalmejam encontram as suas raízes na verdadeiraJustiça e na insubstituível Educação. ...Os esforços pela paz na história da humanidade,-"no entanto, periodiCamente sofrem interrupçõespor convulsões sociais ou guerras que irrompemnos mais diversos pontos da Terra. Suas origenssão explicadas por razõe~de ordem social, religiosa, rolítiCa ou histórica. Como conseqüência, aJustiça e" Educação também são abaladas. A perdada paz é sempre o reflexo do conflito interior decada homem e da dificuldade de conviver com odiferente. A paz só existe onde existe a unidade, aqual pressupõe aconvivência respeitosa com a diversidade.
Os desafios de caráter pia netárjo que se apresentam àsociedade contemporânea exigem respostas queerradiquem os conflitos e as guerras em todos os pon-
. • SUMÁRIO: Introdução. 1 justiça~la As acepçõe~ .do vocábulo: lb As suas características básisas: 1C .
As diversás espécie~. O~bem comum. ld Justiça na.educação: instrumentos. 2 Educação. 2a As trêsformas de educação.2b Educação e escolaridade>2C Educação, escolaridade e o homem completo.id Princípios pedagógicôsperenes .e· universafs. 3Paz. 3a Violência e paz. 3b Televisão, violência epaz. 3c Alguns caminhospara a paz. 41ustiça, educação e paz. Çonclusão. Referências bib.liográficàs.
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Justitia. São Paulo, 65 ( 198). jan./jun 2008
~ystitia, São Paulo, 6~ (198), ian/lu_":2ÜÜ8_ interesses [)Ifusos e Coletivos / Diffuselnterests and Rights-------
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constitui a tarefa suprema da filosofia do Djreito. 1
Melhor iiustração a respejto da Justiça comoesséncia do Direito encontramos nas sábias lições dopoeta e filósofo italiano DanteAlighieri, referindo-sêao Direito como "uma proporção real e pessoal, dehomem para homem, que, conservada, conserva asociedade; corrompida, corrompe-a". .
1a As acepções do vocábulo .A expressão Justiça é dotada de um conceito
análogo, porém, a rigor, só podem ser justas ou injustas as ações e os.comportamentoshúrnanos; somentepor extensão é que a Justiça se aplicâ aos principios daordem social, porque esta será justa na medida em queassegurar a caçJa um o seu direito.
Mas o seu sentido fundamental é o de virtude,E a razão é importante, AJustiça, assim como o Direito, não é uma simples técnica de igualdade, deutilidade ou de ordem· social. Muito mais do queisso, ela é uma virtude da convivência humana, Esignifica, essencialmente, uma atitude pessoal derespeito à dignidade de todos os homens, Adignidade do ser humano é o núcleo essencial dos direitosfundamentais', a fonte ética que confere unidade desentido, de valor e de concordãncia prática ao sistema dos direitos fundamentais', o "valor que atrai arealização dos di.reitos fundamentais"" "elvalorbásico fundamentador de los derechos humanos",sNo relacionamento social, os homens podem ter umaatitude de dominação ou de respeito e valorização,Estes últimos é que caracterizam a Justiça, Com razão observa Bodenheimer que o elemento subjetivo da Justiça como virtude,
1 G. GURVITCH, "Sociologia Jurídica", Introd., §II, p. 34, LÉVYULLMANN, Prefácio a "Justice, Droit, État", de G. DEl VECCHIO,V, capo 2, nA, p. '3°.
'FARIAS, EDllSON PEREIRA, "Colisão de Direitos", p. 318.3MIRANDA,JORGE, "Manual de Direito Constitucional", tomo IV,
p.1661167·.1 SilVA, JOSÉ AFONSO DA, "Anais da XV Conferência Nacional da
OAB", p. S49.s PÉREZ LU NO, ANTONIO, "Derechos Human-os,Estado de
6erechos y Constitución", p. 292, nota 20.
1 JustiçaConceituar o que é Justiça, as suas caracterís
ticas, a sua natureza, as suas espécies e o seu fundamento, é um velho tema, Seu estudo recebe osnomes de axiologia jurídica, deontologia jurídica,estimativa juridica, entre outros, Ao dizermos que osignificadofunda~ental da ciência do Direito é"considerá-Io exigência da Justiça, podemos concluir queo vocábulo Direito t'em múltiplos significados, umdos quais o de Justiça (exemplo: a educação é direito da criança, isto é, a educação é devida àcriança'por justiça). Entre os demais significados, podemosmencionar o direito como norma ou lei (exemplo:"o direito não permite o furto"), ou como faculdade(exemplo: "o Estado tem o.di.reito de legislar", significando o poder, a prerrogativa do Estado de criarleis), ou como ciência (exemplo: "cabe ao direitoestudar a criminalidade", significado a ciência dodireito).
Mas até que,ponto o Direito se identifica coma Justiça? Embora a indagação possa parecer secundária, ela tem gerado grandes discussões entrerenomados especialistas e suscitado diversas línhasde pensamento, A corrente dominante, no entanto,entende que a noção de Justiça é fundamental aoDireito,
cultura, a religião, até a ciência e a tecnologia. A ."mundialização" surgiu na história da humanidadepraticamente à mesma época que a "globalização",mas, enquanto esta tem sido alvo de ataques e criticas que a pretendem erradicar, a primeira cada vezmais se insere no cotidiano do homem e da sociedade, transformando lenta e profundamente as estruturas politicas, econômicas e sociais,
"Justiça, Educação e Paz",otema que ora desen,volvemos, almeja ser uma modesta contribuição paraesse aperfeiçoamento do homem e dil sociedade,
Direito e Estado são criações ininteligiveis,arbitrárias e inoperantes, se não houver umprincipio ideal que legitime sua existência,organização e conteúdo, Esse principio é a Justiça, Dai a necessidade de um exame a quenossa consciência não pode se subtrair e que
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cumento "Declaração de Recife", valendo destacaros seguintes pontos, pela-relevãnciacom otema oraexposto: aumentar o número de alunos que completam a educação básica,mêdia e superior; inclusão total de crianças portadoras de deficiências noensino regular; ga\antir o acesso ,à educação à pocpuiação que vive em áreas de dificil acesso; aumentar a participação da sociedade civil na promoçãodo aprendizado básico,
Nas últimas décadas, a humanidade vem as- .sistindo a e participando de um fenômeno que, sepositivo na sua origem, desvirtua-se e assume caracteristicas de verdadeira espoliação,
Trata-se da "globalização".Contra esse processotêmotoirido atos de pro~
testo, bastando recordar, em um passado próximo,as manifestações ocorridas em Seattle (EstadosUnidos), por ocasião do encontro da Organização
- Mundial do Comércio, e que se repetiram em Washington, durante a reunião do G7(grupo dos setepaíses mais ricos do mundo) com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Se, de um lado,denunciavam a aplicação indiscríminada das conquistas cientificas e tecnológicas nos animais e nosvegetais, com o risco de que, num futuro próximo,sejam utilízadas também no homem, de outro pfotestavam contra a exploração irracional dos recursosnaturais, com a eliminação de, grandes áreas florestais para a implantação de lavouras ou com a apropriação de matérias-primas preciosas, como a água,
Mas a causa principal desses protestos é sem-opre o depauperamento dos países mais pobres - paraos quais a terminologia "paises em via de desenvolvimento" se tornbu um eufemismo -, cuja pobrezaestá diretamente relaci.onada com sua diviçJa aospaises industrializados.
Tais reivindicações alertam a opinião públicamundial para o fato de que a globalização deve sercontrolada não apenas pelos detentores do podereconômico e tecnológico, mas por todos os países domundo, Eque esse processo deve envolver todos osaspectos da vida humana, e não apenas a economia,
Nesse sentido, melhor se poderia identificaro fenômeno como "mundialização", visto qúe supõe a participação de todos e em todos os camposda atividade humana, desde os direitos humanos, a
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ao conferir à educação uma amplitude que seprojeta para além dos. muros dos estabeleci~
mentos'de ensino formais, incluindo a famílía, a convivéncla humana, os movimentossociais, as or'ganizações da sociedade civil eoutras manifestações culturais como espaçospropicladores de conhecimento e forja do cidadão, muito embora as suas regras, como nãopoderia ser diferente, dirijam-se à educaçãoescolar em instituições próprias (MORAIS,2000, p, 31),
É certo que legislações posteriores à Constihlição Federal propiciaram o desencadeamento maiságil e eficaz dessa valiosa parceria Justiça-Educação;porém, constatamos que é a exata dimensão deambos os institutos que permite e favorece as mudanças que podem acelerar o amadurecimento davida democrática em nosso pais,
O queé Justiça? O que é Educação? Comoconjugá-Ias em beneficio dapaz? Eainda, terão elasmetas distintas ou objetivam um fim único? Serãoquestões que abordaremos' no transcorrer do presente trabalho, conscientes dos grandes obstáculosP. desafies que enfrenta o sistema escolar no nossopaís, '
Na história da humanidade e, em particular, dopovo brasileiro e dos paises em via de crescimento, odesejado Direito á Educação tem sido uma árdua conquista, que encontra os seus maiores obstáculos nãosó na pobreza da população mas também na visãocultural do conceito de Educação, na participação daprópria familia na proposta pedagógica de seus fiIh'os e no envolvimento da sociedade organizada navida e nas atividades escolares, Tanto é verdade querepresentantes dos nove paisesem desenvolvimento mais populosos do mundo (China, Indonésia,México, índia, Paquistão, Bangladesh, Egito, Nigériae Brasil), reunidos em Recife, no longinquo més defevereiro de 2000, para avaliar os compromissosassumidos quando do Fórum Mundial de Educaçãopara Todos, realizado na Tailãndia em 1990, decidiram pi'iorizar a educação para todos, com .énfase naerradicação do analfabetismo, Embora existam grandes disparidades educacionais entre os paises, .osrespectivos Ministros da Educação firmarilm o do-
. ~itia,l'_ão Pauio, 65 (198), ian/jun. 20()~ __ln~er_esses Di~lsos e Coietivos / Dirrus" Interests and Rights 71
'3 A. J. FAIDHERBE, "la Justice Distributive", Introd ução, p.l.
'4 TEILLARD DE CHARDIN, "Ofenômeno humano", IV parte.'5 MARRÉS, "De Justitia", nO 2.'''CATHREIN, "Philosophia moralis", n0141.
", J. B. DESROSIERS, "Soyonsjustes", 1° V., II parte, cap.l, p.12g.-8 Constituição Federa!, arts. 204, I!, e 227 "
de cada individuo por direito próprio, a Justiça Distri"butiva "ê de fundamental importância, numa êpocaem que se estende o campo da açâo social"", cabendo-lhe regular as relações entre a comunidade e seusmembros, dssim como a aplicaçâo dos recursos dacoletividade às diversas regiões ou setores da vidasocial. Os principiosda Justiça Distributiva inspiram,por exemplo, os planos de reforma agrária, urbana,tributária e educacional.
Justiça Social ê o novo nome de uma virtudeantiga - Justiça Ce.ralou Legal-, que Aristóteles estudou detidamente e exaltou nos seguintes termos:"Nem a estrela da manhâ, nem a estreia vespertinasâo tâo belas quanto a Justiça Geral." Podemos dizer, quando se aproxima um novo sêculo, que praticar essa Justiça ê despertar o sentido social que umsêculo de individualismo quase destruiu. Éconsiderar-se servidor do bem comum. Ea intensidade cOmque o homem moderno volta-se para essa Justiça,muitas vezes esquecida ou diminuida no passado,pode ser ligada à tendência para o social ou o coletivo de que faia Teiliard de Chardin.'4 Definicõesclássicas emod~rnas reforçam b quanto disse~os.Assim Marrês - "virtude peia qual damos à socíeda,de o que lhe ê devido para promover o bem comumdos cidadâos"'s -; Cathrein - "virtude que inclina ohomem a dar à comunidade aquilo que lhe ê devido"'6 -; e ainda Desrosiers - "virtude que nos I.eva apromover o bem comum da sociedade de que fazemos parte".17
Tendo em vista a especificidade dotema a quenos propomos abordar - "Justiça, Educaçâo e Paz"-,diante dos mecanismos introduzidos em nosso paisa partir da Constituição Federal de 1988, e sobretudodo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nO 8.069,de 13 de julho de 1990), todos eles mobilizados aenvoiverem a população na construçâo de "uma sociedade livre, justa e solidária"", o conceito de bemcomum merece uma análise mais aprofundada.
lc As diversas espécies. O bem comumDeixando à margem critêrios meramente
especulativos", a doutrina destaca dois tipos deJustiça: Justiça Particular, cujo objeto ê o bem doparticular, e compreende a Justiça Comutativa e aDistributiva, e Justiça Ceral, Social ou Legal.Aindaque rapidamente, examinemos cada uma deias, detendo-nos na última por nos interessar de perto.
Enquanto a Justiça Comutativa regula as relações entre pessoas diferentes e versa sobre o que é
A a/teridade e o devido sâo elementos necessários, mas nâo suficientes para caracterizar umarelaçâo de Justiça. Um terceirofatorê essencial: a igualdade. "A Justiça ê uma igualdade e a injustiça umadesigualdade", afirmou Aristóteles.' Mestre em tirar das palavras toda a riqueza que elas encerram,Santo Tomás de Aquino mostra que a noção de igualdade está contida no próprio nome des~a virtude,pois das coisas que estão adequadas ou igualadasdizemos comumente que estâo ajustadas.'O Essasconsiderações nos Conduzem ao fundamento da Justiça, que ê a igualdade essencial detodos os homens.
Por que exige a Justiça essa igualdade nas relações sociais?
Porque todos os homens têm a mesma natureza e dignidade fundamentais. Nenhum homempode ser considerado simpies instrumento e ser usado como tal. A finalidade da Justiça é assegurar aigualdade pessoal dos homens."
"Fundamental é o princípio de que cada serhumano é pessoa, isto é, uma natureza dotada deinteligéncia e vontade livre", ressalta Joâo XXIII, naEnciclica "Pacem in Terris".
Por essa razâo, ê freqüente dizer-se que a verdadeira noçâo deJustiça só penetrou no mundo como Cristianismo, que proclamou, de maneira e comamplitude e convicção atê entâo desconhecidas pelahumanidade, a igualdade fundamental e a universal fraternidade de todos os homens, de quaiquerraç~ e condiçâo.
9 ARISTÓTELES, "Ética e Nicômaco", liv.l, cap.ll!.00 5ANTo TOMÁS DE AQUINO, "De Justitia", 11, q. 57, a. 1.l' VERMEERSCH, A" "Cuestiones acerca de la Justicia", v. 1, p. 39." "Justiça Vindicativa" e "Justiça Familiar ou Doméstica",
VERMEER5CH, obra citada, §§ 21 e 25
conseguinte, o que se disser da Justiça como virtudeaplica-se, anaiogicamente, ã ordem social e âs de~
mais acepções do vocábulo.
~ SANTO TOMÁS DE AQUINO, "De Justitiae", 11, q. 80.
lb As suas características básfcasAJustiça consiste fundamentalmente nadis
posição permanenté de respeitar a pessoa do próximo, Por essa razão, a primeira premissa para que ela serealize ê a a/teridade, isto é, a existência de uma pluralidade de pessoas ou pelo menos uma outra pessoa.Em sentido próprio, ninguêm pode ser justo ou injusto para consigo mesmo. Essa pluralidade de pessoas ê o que distingue a Justiça das outras virtudesmorais. E a caracteriza como virtude social. As demais podem ser exer.cidas pelo homem individualmente. O individuo isolado, tal como RobinsonCrusoê em sua ilha, poderá ser tem perante ou intem perante, corajoso ou nâo, prudente ou imprudente, mas não poderá ser justo ou injusto. Deveficar afastada a relaçâode Justiça entre o homem e oanimal, podendo as respectivas ações revelar maussentimentos e, como tal, serem reprimidas no interesse social; no entanto, como seres de natureza diversa, o homem e o animal nâo podem estar sujeitosa uma relaçâo de Justiça propriamente dita porqueesta supõe uma igualdade fundamental.
Um segundo aspecto que integra o conceitode Justiça ê o devido. Pressupondo a existência depelo menos duas pessoas, ê preciso que ocorra a rigorosa obrigatoriedade do dever para a caracterizaçâo da Justiça.'O ato deJustiça consiste em daro queê devido. Ou, nas palavras de Santo Tomás de Aquino, "a essência da Justiça consiste em dar a outrem oque lhe é devido, segundo uma igualdade".' Na Justiça, o dêbito ê rigoroso, estrito, legal. Pode ser exigido. Portanto, ê diverso do dêbito em outras virtudes sociais, tal como ocorre no dever da virtude degratidâo, de amizade ou de lealdade, sem que constituam espêcies de Justiça, em sentido próprio. Umê dever simplesmente moral, menos rigoroso, quenão pode ser imposto por lei ou exigido pelo interessado; outro, estrito e severo, pode ser legalmen
·te exigido pelo interessado.
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de tão extraordinária importância, nem sempre tem recebido a atençâo que merece, Compreendida como vontade ou disposição deespirito, a Justiça exige uma atitude de deferência para com o semelhante, uma prestezaem dar ou deixar aos outros aquilo que tenham o direito de receber ou conservar (80DENHEIMER, 1996, p, 210).
"K"ELSEN, H., "What ís justice?", p. 27 DAB1N, J., "La philosophie de l'ordre juridique positif", Paris,
Recueil, nO 81, nota 2, p. 320.
Esse elemento intersubjetivo da idéia dê Justiça ê de caráter verdadeiramente universal e válidopara todos os homens. Falhando ele, a Justiça nãopode flore.scer na convivência social. Para produziros resultados almejados, a Justiça requer a libertação dos impulsos exclusivamente egoisticos, O ego"ista reivindica direitos sobre os bens do mundo, semconsiderar as razoáveis necessidades dos demais,concentrando em si e em torno de si o critêrio desatisfação de sua sobrevivência e de seus prazeres.No entanto, sem uma atitude pessoal de preocupação com os outros, e sem a vontade de ser equâni",me, os fins da Justiça não podem ser atingidos,
Esse ê um aspecto básico da conceituação deJustiça, Não sendo o sentimento que cada um temde seu próprio bem-estar ou felicidade, como pretendem alguns6, nunca ê demais insistir que se tratado reconhecfmento e do respeito pelos demais mem~brosda sociedade. Esse reconhecimento implica naatitude metafisica de admitir o valor absoluto dapessoa humana.'
Grande parte da tradiçâo filosófica, ética e juridica da humanidade emprega a palavra Justiçanesse sentido. Entretanto, na moderna linguagem
. Juridica, ê usada preferencialmente a acepção obje- •tiva de Justiça, ESsa diversidade não significa queexista uma oposiçâo entre o sentido subjetivo e ob-
, jetivo da Justiça. Trata-se de dois aspectos de umamesma realidade. Justiça, no sentido subjetivo, ê avirtude pela qual damos a cada um o que lhe ê devido. No sentido objetivo, Justiça aplica-se â ordemsocial, quegarante a cada um o que lhe ê devido, Por
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tece no selo da familia, no bairro, na comunidade, durante brincadeiras. Os professores davida são os pais, os irmãos, outras crianças, oslocais de trabalho, os meios de comunicação.Uma educação básica de qualidade é um dosdireitos humanos [...] Mesmo diante de obstáculos>, as crianças abraçam a oportuhidadede aprender sobreo mundo que as cerca e dedesenvolver suas habílídades para serem bemsucedidas - pensamento critico, àutoconfiança,capacidade para solucionar problemas epara trabalhar com àutras crianças. Com o crescimento e o desenvolvimento das crianças es.sas habilidades irão ajudá-Ias nào apenas nodesempenho de sua vida diária, mas tambémna transformação do seu futuro."
Isso porque os instrumentos juridicos que mencionaremos procuram garantir a solidez dos váriosagentes envolvidos com o processo educacional.
Começando por uma abordageminternacional, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitosda Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nàções Unidas, em20 de novembro de 1989, e também pelo Congresso Nacional brasileiro, em 14 desetembro de 1990, através do Decreto Legislativo nO28'8, reconhece, em seu artigo 28, que: "O direito dacriança à educação é dever do Estado, que deverá assec
gurar que ao menos a educação primária seja gratuitae compulsória. A administração da disciplina escolar deverá refletir a dignidade humana da criànça."
Proclamada mundialmente como "direito dacriança e dever do Estado", passemos agora a indicaros principais instrumentos que objetivam assegurara educação para toda a população infanto-juvenil emnosso pais:
a) A Constituição Federal de 1988, que oprof. Moacir Gadotti denomina de "cidadã" porque"estabelece a educação como um dever do Estado,mas também dever da familia, da sociedade e de
'7 "Situação Mundial da Infância-2ooo", publicação Unicef, p. 56/58..s'A ratificação ocorreu com a publicação do Decreto 99.710, em 21
de novembro de 1990, através do qual o Presidente da Repúblicapromulgou a Convenção, transformando-a emlei interna.
A educação não começa no momento em quea criança entra na escola, nem termina quando o sinal toca indicando fim das aulas. Oaprendizado tem inicio no nascimento: acon-
A obediência às leis e ãs ordens legitimas daautàridade pública não é tudo. Em certo sentido é, até mesmo secundária, se tivermos emconta que a organização estatai é apenas "ummeio" a serviço da comunidade. À comunidade dos individuos reunidos no Estado, cadamembro deve um ajustamento de sua conduta e de seu bem particular ao bem,comum.'4
Por conseguinte, no m'oderno vocabuiário técnico-juridico, o termo so/idariedade,adquiriu conotação e perfil próprios, relegado o sentido até entãotradicionai de laço ou vínculo reciproco de pessoasou coisas independentes'5, passando a significar a"participação da pàpuiação, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas eno controle das ações em todos os niveis.""
dentemente de determinação legal. Tráta-se da 50.
lidariedade. De fato, oque significa ser solidário comos outros senão sentir-se incumbido de interessescomuns á si e aos outros?
Em todos os planos da vida social, essaéxigência de solidariedade é cada vez mais reconheci"da e proclamada. Umas vezes ela é imposta por lei,outras vezes é deixada à iniciativa pessoal ou de instituições que se constituem para a promoção do bemcomum em setores determinados.
'4 J. DABIN, "Théorie générale du droit", nO 243>.õ1\Jovo Dicionário Aurélio, 2 a edição.,6 Constituição Federal, art. 204, 11.
1d Justiça na educação: instrumentosAinda que o nosso desejo seja indicar os prm
cipais instrumentos normalmente utilizados paragarantir o direito à educação, pretendemos conferir-lhe um sentido mais ampio que o meramenteescolar. Seguimos, al8s, a linha do relatório "Situa.ção Mundial da Infãncia-2000":
21 SANTO TOMÁSDE AQUINO, "De regimine principium", livro I,eap. 15, nO 65.
n Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 29.23 P.J. HENRIQUE, "A Justiça Social", I Parte, p. 324.
saneamento básico, educação, saúde, transporte etc.,Certo minimo de bens materiais é necessário ao exercicio das virtudes humanas, consoante ressalta Sahto Tomás de Aquino."
Condição do bem comum é a paz, ou seja, aquele minlmo de unidade, tranqüilidade e segurança,sem o qual é impossivel a própria existéncia em sociedade.
Todos os membros da sociedade - individuosou instituições, governantes ou governados-têm odever de cooperar para o bem comum", segundoum principio de iguaidade fundamentalniente proporcionaI. No tocante à Justiça Social, a obrigaçãode concorrer para o bem comum não é absolutamente igual no caso de um simples empregado, de umchefe de empresa, de um legisiadorou de um governante. É certo que todos têm o dever de contribuirpara o bem comum, mas esse dever é proporcional à ~
respectiva função e responsabilidade na vida social., Numa primeira etapa da história da humanida.
de, prevaleceu o principio inspirado por Aristóteles,segundo o qual à autoridade compete, como a um ar"quiteto, planejar as normas ou leis para o bem comum.E, aos cidadãos, respeitar e executar esses planos.
Entretanto, o desenvolvimento da democracia no mundo moderno e a crescente participação dopovo nas decisões governamentais têm ampliado asresponsabilidades da população na orientação da vidasocial. Nos tempos modernos, como observou P. J:Henrique, "toda a sociedade é chamada a exercer ajustiça geral arquitetônica "." E, no planejamento daação do Estado, as nações modernas consagram, comamplitude cada vez maior, a participação dos diversos setores da população na elaboração e na execução dos programas;
A lei é, sem dúvida, o principal instrumentopara a promoção do bem comum. No entanto, aolado do império da lei existe o Império espontàneo,representado pelas exigéncias do bem conium quese impõem à consciência de cada homem, indepen-
o bem comum é o fim da, sociedade. Deve ser,da mesma forma, a finalidade última de toda lei. Eéo objeto da Justiça Social. Paraviver e para se desenvolver, os homens necessitam de uma série de sociedades: familia, escola, grupo profissional, empresa,associações, sociedade civil etc. Em cada uma delashá, de certa forma, um bem comum, queé sempre obem comum de uma comunidade de pessoas.
'Mas, em sentido estrito, esse conceito se restringe ao bem comum da socied'ade civil que, emúitima análise, abrange o das demais comunidades.Éesse bem comum da sociedade civil - que vai desde o pequeno agrupamento até a sociedade internacional - que cohstitui propriamente o objeto daJustiça Social.
O bem comum de unia sociedade não é a simples soma de vantagens e beheficios oferecidos aoscidadãos, entre os quais estradas, escolas, meios decomunicação, hospitais etc. Não se confunde, tam"pouco, com o progresso do' Estado, suas boas finanças, seu poder militar. Não é apenas o conjunto déinstituições, leis, costumes, tradiçpes históricas e riquezas de cuitura. Éinclusive a soma de todos esseselementos e, prindpalmente, o bem de uma comunidade de honiens. O bem càmum consiste, fundamentalmente, na vida digna da população ou, emoutras palavras, na boa qualidade de vida do povo.Como diz Maritain, trata-se de assegurar à comunidade ~ma existência moralmente digna."
Um conceito extremamente feliz de bem comum, verdadeiramente universal e aceito portodosos homens, independentemente de sua ideologia outendência, foi formulado pela Constituição Pastoraldo Concilio Vaticano 11, nos seguintes termos: "oconjunto das condições da vida sócia I qué permitem alcançar mais plena e facilmente a própria per-feiçào".20 .
Instrumentos do bem comum são os bensmateriais, necessários à realização de uma vida humana digna, entre os quais, alimentação, habitação,
'9 J. MARITAIN, "Principes d'une politique humaniste", capo V, p.
'89,O~ "Ehciclicas e Documentos Sociais", "Gaudium et Spes", Ed. LTr,vol.l, p. )'9,
lustitia, Sáo Paulo, 65 (198), ial1./iul1. 2008 Interesses Difusos ec:oletivos/ D/ffuse Interests an~ Ri$/~5 75
33 Apud DOMENICO DE MASI (organizador), "A Sociedade PósIndustrial", 2 a ed., Ed. Senac, pp. 66/67.
3+GIANNI VATTIMO, <lA Sociedade Transparente", Lisboa Edições,p.ll.
não o mais importante, da concorrência mundial pelo poder. Assim como os Estados naçõesse bate~am para dominar os territórios, e maistarde para controlar o acesso'e a exploraçãodas matérias-primas e. da mão-de-obra barata, podemos considerar a hipótese de que, nofuturo, eles se baterão para dotl)inar a informação.33
Tal constatação, presente no pensamento deínúmeros estudiosos sobre os rumos da educaçãona sociedade moderna, indica, ao mesmo tempo, orisco da exacerbação de diferenças entre países ricos e pobres e a produção de uma nova forma deanalfabetismo e de exclusão social.
O conhecimento teórico-técnico, auxiliadopelas tecnologias da informação e pela capacidadede invenção, passa a ser a força de trabalho de maiorvalor e, portanto, a educação e a criativídade se constituem em meios necessários e indispensáveís parauma inserção na vida social e no mundo do trabalho.Portais razões, a ed'ucação vem sendo apontada comoum dos principais desafios a serem enfrentados porqualquer pais, a tal ponto que passa a exigir uma crescente formalização dos requisitos educ~cionais. Atémesmo a circulação nas grandes cidades impõe, atualmente, a necessidade de se lidar com situações cadavez mais complexas, promovendo o acesso a benscuja utilização exige conhecimentos dificilmenteapropriáveis tão-somente por meio de experiênciascotidianas extra-escolares.
Todas essas circunstãncias, fruto do desenvolvimen.to da ciência e da tecnologia, vêm criando condições objetivas para que o homem seja, ao mesmotempo, universal e tribal 34, o que ímplica a necessidade do desenvolvimento de competências cujo exercicio extrapola os limites do iocal e, simultaneamente,fortalece os vinculos e a identidade com esse local.Ademais, as mudanças que estão marcando a história recente das sociedades não são episódicas ou
[...] o saber se tornou aprincipal força produtiva, o que já modifícou de modo notável acomposição da população economicamenteativa nos países mais desenvolvidos, queconstitui o principal ponto de estrangulamento para os países em desenvolvimento. Em suaforma de mercadoria-informação indispensável ao poderio produtivo, o saber já é e será cadavez mais um dos maiores prêmios em jogo, se-
administrativo e judicial para a garantia do direito àEducação; a Lei de improbidade Administrativa(Lei nO 8429/92), também conhecida como Lei doColarinho Branco, que regula os atos de responsabilidade dos agentes públicos, inclusive na área daEducação. No âmbito repressivo, o Código Penal"e a Lei nO 7716/89, que define os crimes resultantesde preconceitos de raça e de cor3'; dispositivos processuais são estabelecidos ná Lei da Ação Mandamentai (Lei nO 1533/51) e no próprio Código deProcesso Civil.
Por fim, não podemos deixar de mencionar aexistência de outras leis, decretos, portarias e resoluções que regulam a matéria, as quais aqui hão sãomencíonadas explicitamente por questão de espaço e oportunidade.
2 EducaçãoA literatura produzida nas três últimas déca
das, em diversas áreas do conhecimento, evidenciaa necessidade de se promover o acesso a um padrãode educação que possibilite ao cidadão enfrentar asdemandas e desafíos do mundo moderno. Célebrerelatórío a respeito do saber nas sociedades desen- .volvidas foi elaborado por Lyotard, valendo destacar o seguinte trecho:
3' o Código Penai, no art. 246, define o crime de AbandonoIntelectual, nos seguintes termos: "Deixar, sem justa causa, deprover a instrução primária d'e filho em idade escolar"- Pena:detenção, de 15 dias a um mês, ou multa de 20 centavos a 50centavos.
32 Lei nO 7716/89, art. 6°: "recusar, negar ou impedir a inscrição ouingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau" - Pena:reclusão, de três a cinco anos e, sepraticado contra menor de 18 anos, a pena é agravada de um terço.
,c MAURiCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, "Comentários á Lei deDiretrizes e Bases da Educação", Ed. Revista dos Tribunais, p. 28.
em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anosde idade" (art. 54, IV); o "acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, Segundo a capacidade de cada um" (art, 54, V); a "ofertade ensino noturno regular, adequado às condiçõesdo adolescente trabalhador" (art, 54, VI); e, finalmente, o "atendimer]to no ensino fundamental, atravésde programas suplementares de materíal didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde" (art. 54, VII). Estabelece, alêm disso, a obrigaçãodos pais ou responsáveis de matricular os filhos narede regular de ensino (art. 55), fixando deveres dosdirigentes de estabelecimentos de ensino (art. 56),passando a introjeta r preceitos que permitem a possibilidade de um horizonte promissor (arts. 57 e 58),para, depois, enfatizar que "os Municípios, comapoio dos Estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadaspara a infáncia e a juventude" (art. 59).
c) Lei de Diretrizes e Bases da Educação(Lei Federal n° 9394/96),9 qual "não pretendeujamais tornar-se um dipioma único da educação noBrasil. Não veio para cumprir papel de Lei Orgânicada Educação, esgotando a disciplina jurídica do assunto. Estruturou-se na definição apenas do que seentende por diretrizes e bases da educação".30 Realmente, o seu texto organiza o sistema legal, definindo as disposições gerais (art, 1°), princípios e finsda educação nacional (arts. 2° e'3°), do direito à educação (arts, 4° a 7°), da organização da educação nacional (arts. 8° a 20), da educação básica (arts. 22 a 28),da educacão infantil (arts. 29 a 31), do ensino fundamenta((a'rts. 32 a 34), do ensino médio (arts. 35 e 36),da educação de jovens e adultos (arts. 37e 38), da educação profissional (arts. 39 a 42), da educação superior (arts. 43 a 57), da educação especial (arts. 58 a 60),dos profissionais da educação (arts. 61 a 67) e dos recursos financeiros para a educação (arts. 68 a 77).
Além desses três importantes i.nstrumentos,devemos destacar a Lei da Ação Civil Pública (LeinO 7347/85), que representa um importante veícuio
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°9 "Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado", Ed.Malheiros, p. ,8,.
todos, mas só o Estado pode dar conta do atrasoconstitucional"", reafirmou em seu artigo 22, XXIV,que a competência legislativa para disciplinar as diretrizes e bases da educação nacional pertence ãUnião. Competindo ã União, aos Estados e ao DistritoFederal legislar concorrentemente sobre educação,cultura, ensinoe desporto (CF, art, 24, IX), seguindoo modelo federativo adotado no Brasil, distinguimos desde logo as diretrizes gerais para a educaçãonacional, de dominio exclusivo da competência daUnião, e a legislação suplementar da competênciaconcorrente da União, estados e Distrito Federal. Consistindo em direito público subjetivo, relacionado àcidadania e à dignidade da pessoa humana (CF, art.205), a educação assume no texto constitucional acaracteristica fundamental de essência para o desenvolvimento da pessoa humana e do país.
b) O Estatuto da Criança e do Adoles-.cente (Lei Federal nO 8,069/90) não só proclama aeducação como direito, mas a orienta ao pleno desenvolvimento do destinatário, "ao preparo para acidadania e qualificação para o tràbaiho, assegurando-se-Ihes: I - igualdade de condições para0 acessoe permanência na escola; 11- direito de ser respeitado por seus educadores; 111 - direito de contestarcritêrios avaliativos, podendo recorrer a instãnciasescolares superiores; IV - direito de organização eparticipação em entidades estudantis; V - acesso àescola pública e gratuita próxima de sua residência," (art. 53), Ademais, garante o Estatuto "o direitodos pais ou responsáveis [de] ter ciência do processopedagógico, bem como participar da definição daspropostas educacionais" (art. 53, parágrafo único),Lança raízes ~ada vez mais profundas na formaçãoglobal da personalidade da criança (art. 54), assegurando o "ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a eie não tiveram acesso naidade própria" (art. 54,1); a "progressiva extensão daobrigatoriedade e gratuidade do ensino mêdio" (art.54, 11); o "atendimento educacional especializadoaos portadores de deficiência, preferencialmente narede regular de ensino" (art. 54, 111); o "atendimento
Jusiitia, Sã() Eaulo, 65 (198), lal1./jul1_2008 _ 00' Interesses DiJusc)s e Coletivos / DilTuse InteTes!s and Rights 77
sociedade mais justa eum Estado democrático de direito forte e consolidado começam nasala de aula do ensino fundamental (GOMESDA COSTA, 2000).
2a As três formas de educaçãoA primeira formulação sobre as três formas
de educação necessárias para a condução de um serhumano ao seu destino potencial é atribuída aPlatão, o qual, em sua consagrada obra "A República", assim as identifica: a educação física (ou. material), a intelectual (ou humana) e, por fim, a moral(ou espiritual).
Com ênfases ou terminologias variantes, Osgrandes pensadores parecem concordar com'essadivisão tripartida, ainda que se possam encontrartambém subdivisões adicionais. Deve-se destacar,desde o inicio, que essa divisão é meramente pedagógica, pois é fácil perceber o quanto cada área daeducação afeta todas as demais.
Uma separaçãq exagerada entre a educaçãointelectual e a moral pode ser questionada por aqueles que, como Sócrates, tendem a identificaroconhecimento com a virtude. Dificilmente algum pensadorfoi ao extremo de não fazer distinção alguma ehtre atarefa de transmitir conhecimento à .mente e a deeç:lificar o caráter.
Platão chega a identificar a educação do caráter com a própria essência da Educação, nos seguintes termos:
Chamo educação àquele treinamento que édado, através de hábitos adequados, aos primeiros instintos de virtude existentes nas crianças[...] a disciplina correta de prazer e sofrimentoatravés dos quais um homem, desde o inícioaté ofim de sua vida, abominará o que deve serabominado e terá amor pelo que se deve amar.39
Na visão aristotélica, que é desposada pelagrande maioria dos pensadores e filósofos queponderaram sobre os desafios da educação, a felicidade humana depende do desenvolvimento das
"PLATÃO, "Laws", bk 11, 653.
O Brasilchega á reta final do século e do milênio confrontado com três grandes desafios: 1.
inserir-se de forma competitiva na economiainternacional em irreversível e acelerado processo de globalização; 2. erradicar as desigualdades sociais e intoleráveis, e 3, elevar os niveisde participação democrática e de respeito aosdireitos humanos da população. Todos nós sabemos que uma economia competitiva, uma
Diante dessas considerações, observa-se noBrasil dos últimos anos um rápido avanço da cons-'ciência social quanto à importãncia da educação nomundo contemporãneo, quanto ao direito de acesso à escola e, todavia com menor intensidade, quanto ao direito a uma educação escolar de qualidade.O espaço ocupado por tal matéria nos meios de comunicação, a expansão das matriculas, o aumentode investimentos de empresas privadas em projetos educacionais e o crescimento do número deONGs financia-ndo/executando experiências na áreada educação são algumas das evidências que poden;ser assinaladas. Não se pode negar, outrossim, queas iniciativas governamentais têm contribuídO paraatender ás demandas no setor educacional e para impulsionar o processo de mobilização da sociedadepela garantia dos direitos à educação.
Por fim, é importante destacar que, ao ladO daampliação das oportunidades de acesso à educaçãobásica, outras medidas urgentes precisam ser implementadas pelo Brasil neste final de sécul03', paraa garantia. da permanência bem-sucedida dos alunos na escola. Para isso, tornam-se necessárias a regularização do fluxo escolar, por meio do combate àrepetência e à evasão; a elevação dos níveis dequalificação dos profissionais do magistério; a revisã'odos currículos; e a superação das estruturas pedagógicas tradicionais predominantes até o momen"to. Énecessário, pois,.assegurar também o direito àqualidade do ensino, que promova o acesso ao (0
nhecimento, à informação, ao saber em sentidoamplo, à experiência impar da aprendizagem esco-.lar para toda a população brasíleira. '
"NÓVOA, '995.
deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo detodaa vida, serão, de algum modo, para cada indivíduo, os pllares,do conhecimento: aprendera conhecer, isto é,adquirir os instrumentosda compreensão; aprender a fazer, para poderagir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar comos outros em todas as atividades humanas;finalmente, aprender a ser, via essencial queintegra as três precedentes.
cada um dos quatro pilares do conhecimento deveser objeto de atenção igual por parte do ensinoestruturado, a fim de que a educação apareçacomo uma experiência global a levar,a cabo aolongo de toda a vida, no plano cognitivo comono prático, para o indivíduo enquanto pessoa emembro da sociedade,37
'forma, a escola é o lugar privilegiado para o encontro da criança e do jovem COm o saber sistematizado, para que possam se apropriar do conjunto denormas e regras que regem o mundo.
No relatório da Comissão Internacional'sobre aEducação para o Século XX!", Jacques Delors consideraque, para responder ás demandas davida contemporãnea, à educação cabe "fornecer, de algum modo,05 mapas de um mundo compiexo e constantementeagitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permitanavegar aÚavés deie" . Para isso,
De acordo com Delors, essas aprendizagens,com muitos pontos de contato, de relacionamentoe de permuta, constituem as quatro vias do saber,que não podem depender êxclusivamente de circunstãncias aleatórias. Não;;e podem considerar asduas últimas um prolongamento natural das primeiras, mas
36 o relatório, encomendado pela Unesco e coordenado porJacqúes Delors, foi publicado no Brasil em 1999, coril o título"Educação - Um tesouro a descobrir", Ed. Cortez (SP)
37ldem, p. 90
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transitórias, mas se caracterizam pela rapidez comque estão ocorrendo, pela sua constãncia, pela suaimprevisíbllidade e pelas suas conseqüências emtodos os setores da atividade humana,implicandodesafios com caracteristicas que se expressamtanto na dimensão social quarito nas dimensões mate'rial e temporaL3S
Ao se considerar que, nesse cenário, os paisescom populações que apresentam os mais elevados,niveis de educaç~o escolar se situam êm posiçãoprivilegiada em relaçãO àqueles com baixo padrãode escolaiídade, podem-se vislumbrar as dificuldades dos demais que, comoo Brasil, não possuem olastro de uma educação básica universalizada, Segundo Ribeiro,
o Brasil tem garantido, até agora, sua participaç~o na economia mundial pela abundãnciade matérias-primas e pela adoção de um modelo de sociedade no qual uns poucos instruídos, de um ladó, e uma massa de trabalhadoressemi-alfabetizados com baixos salários, comoreserva de mercado, de outro, permítíamprescindir de uma educação formal universalizada,Este formato de sociedade esgota-se a cadamomento (RIBEIRO, 1993). '
35 ANNETTE SCHEUNPFlUG, "la Globalización comoDesafio aIAprendizaje Humano. Educáción", Tbingen,y. 76/86.
A sociedade que não díspuser de uma fOrteestrutura educacional estará, portanto, em posiçãode desvantagem em relação às demais, e essas desigualdades tendem a se acentuar. Aesi:ola, parte integrante e central dessa estrutura educacional, é aúnica ínstítuíção do mundo moderno responsávelpelo desenvolvimento de instrumentos indispensáveis à sobrevivência °da sociedade atual. Se, de umlado, não podemos eximir a familia do seu papelfundamental de educadora e transmissora dos valores fundamentais para a formação do caráter dacriança e do adolescente, as legislações de todo omundo têm procurado assegurar uma maior participação dela na gestão da própria escola. De qualquer
lustitia, São Paulo, 65 (198J,janJjun. 2008
[...] pois enquanto a educação no .mundo inteíro se caracteriza desde longa data pelatransmissão depapéís e valores em ambíentes apropriados, as escolasdescontextualízadas foram críadas, primordialmente, com doisobjetivos específicos: a aquisição de instru'ção com notações e o domínio de disciplinas. 45
aos objetivos educacionais, quanto ao processo edusativo. ÉGardner, novamente, quem comenta:
Por que, em conseqüência, o homem contemporâneo se preocupa tanto com o acesso das críançasàs escolas, à busca de todos os meios para quepossam desfrutar de tal conhecimento descontextualizado e com ênfase mais na instrução e nas disciplinas, d9 que nos valores e nos papéis adultos?
Há várias razões para compreendermos talopção.
Até a Revolução Industríal, nos me.ados doséculo XIX, amaioria dos seres humanos dependiada educação informal (proveniente do convívio comos pais, a familia e a sociedade) ou contextqal (aprendizado in loco, como numa carpintaria, nUm.mosteiro ou no campo) para construir aquele conhecimentoque lhe seria necessário para a vida em sociedade.Esse conhecimento, em geral, privilegiava a estaiS"nação e o ímobilismo sociais: nobres apreendiamconhecimentos de e para nobres, camponeses damesma forma, assim como artesãos etc.
Na sociedade contemporânea, porém, as proe
fissôes e as ocupações humanas estão cada vez maisvoltadas e abertas para as capacidades (natas de cadaser h.umano, independentemente de sua origem.Nesse contexto, a ed ucação escolar tornou-se o melhor instrumento ed ucacional, permitindo acesso aomundo para além da família. As escolas, no mundointeiro, passaram a representar, em seu estado idealevídentemente, um formidável exercício de justiçae.igualdade humanas, na medida em que oferecema todas as crianças os beneficios do conhecimento,independentemente de sua condição social.
"-5 MONTAIGNE, apud "lhe Great Ideas, a Syntopicon of GreatBooks ofthe Western World", bk 2, p. 379.
43 MONTAIGNE, apud "lhe Great Ideas, a Syntopicon of GreatBooks ofthe Western World", bk 2, p. 379.
44 HOWARD GARDNER, "O Verdadeiro, o Belo e o Bom", p. 40.
2b Educação e escolarídadeA educação é muito mais antiga e ampla do
que as instituições formais denominadas escolas. Naverdade, a educação é tão antiga quanto a humanidade.
Ao longo da história humana, com exceção doséculo XX, a educação se deu por meio do.aprendizado contextualizado, ou seja, as lições eram transmitidas dentro do contexto em que deveriam seraplicadas. Em outras palavras, aprendia-se-fazendo.Mediante a observação informal e a prática orientada no lar, nos campos, nos templos ou nos artesanatos, as crianças e os jovens aprendiam não apenas afazer as coisas e a entendê-Ias, mas a ser,
Toda a cosmovisão, os valores, os modelosde papéis adultos, as possibilidades e as límitaçõesque uma cultura possui foram transmitidos, ao lon'go de milhões de anos, de forma pouco sistematizada e espontânea. Mesmo na vida contemporânea,esta ainda é a principal forma de educação; noentanto, em todo o mundo as crianças passam grandeparte do seu tempo dentro de salas de aula.
Aescola pública elementar, tal como a conhecemos atualmente, foi concebida somente no século passado, pela prímeira vez nos Estados Unídos da.América do Norte. Como observa Howard Gardner,"a instrução pública em massa é distintamente umfenômeno do século XX".44
Há uma grande diferença entre a educação tradicional e a escolar, tanto que, no que diz respeito
Interesses Difusos e Coletivo!! Diffuselnlerests and Righls
dotados de grande capacidade de persuasão social,porém, sem nenhum parâmetro espiritual, humanoou universal. Hitier, Stalin, Jim Jones são algunsexemplos. Melhor seria que tais indivíduos tiVessempermanecído ignorántes e, portanto, incapaies deprovocar o dano que causaram.
Tais precedentes, graves e lamentáveis, nos_fazem concordar com Montaigne, quando afirma que
"todo conhecimento é danoso para aquele que nãopossuí a ciência da bondade."43
to se desenvolveu - o que de fato importa não nos passa pela mente, Cumpre, entretan,to, indagar quem sabe melhor e não quemsabe mais. Só nos esforçamos por guarnecer amemória, deixando de lado e vazios, juízo econsciência.
';;MICHEL DE MüNTAIGNE, "Ensaios", Iv I, capo XXVI, p., 228.42 HOWARD GARDNER, "O Verdadeiro, o Belo e o Bom", p.18.
Eironizava a falta da educaçãomoral: "Centenas de estudantes contraem doenças venéreas an e
tes de chegarem a aprender o que Aristóteles diz datemperança".41 '
Reconhecer que a educação do caráter e damoral possui dimensão, propósitos, métodos e instrumentos específicos parece ser úma das grandesnecessidades contemporãneas para a formação nãosó de individuos éticos, mas de uma sociedade ética. Precísamos nos deter com tanto empenho emformar pessoas de caráter, como temos nos dedicado a formá-ias inteligentes e cultas.
De qualquerforma, a discussão a respeito daeducação no nosso país e no mundo precisa sertrahsferida dos domínios puramente cognitivos e inte,lectuais pára dimensões mais amplas, "envolvendomotivação, emoções, práticas e valores sociais e morais", ou seja, uma educação que víse à formação doindivíduo ético, ou melhor, do individuo pleno, ~'ne
cessita explorar com alguma profundidade um conjunto de realizações humanas capitais, condensadas na venerável frase o verdadeiro, o belo, o bom."4'
Sem o domínio moral da educação, as demaiscapacidades e talentos humarws ficam à mercê deforças instintivas e sociais poderosas, que podem facilmente conduzir o ser humano a formas de comportamentoextremamentedanosas. Quandoocaráternãoé cultivado, todo o conhecimento intelectual e todasas capacidades adquiridas podem ser naturalmenteempregadas para fins egoístas e potencialmente malévolos.
Os maiores sofrimentos e catástrofes quemarcaram a história da humanidade não foram obrade pessoas ignorantes ou incapazes, mas de indivíduos extremamente preparados intelectualmente e
40 ARISTÓTELES, "Politics", bk VII: 1, 20.
virtudes. Aristóteles considera a virtude não apenas o desenvolvimento da moral, mas também dointelecto, e propõe que a Virtude "é de duas naturezas, intelectual e moraL"40 Sua classificação devirtudes intelectuais incorpora aquilo que, ao iongo dos séculos, veio a ser definido como raciocínio,imaginação, compreensão e memória. Por outrolado, as virtudes morais englobam qualidades deca'ráter, como temperança, justiça e veracidade.
Ao se indicar o dever da educação de formarum indivíduo ético ou moral, a ênfase cai sobre aeducação moral. Ao longo dos séculos, o desafio dasociedade de manter um equilibrio adequado entrea educação intelectual e a moral semprefoipresente.Em todos os quadrantes da Terra, houve épocas, culturas e mesmo civilizações que tiveram como idealmáximo da educação, não o desenvolvimento íntelectual, mas o desenvolvimento das virtudes. Emoutras, por sorte bem mais' raras, como a nossa ex,periência de modernidade, ocorreu o reverso.
A énfase social e cultural sobre um ou outroaspecto da educação produz resultados bastanteperceptíveis e diferenciados. Ao longo <:lo períodoclássico ocidental e na maioria das culturais orientais em todos os tempos, o ideal da educação era o,desenvolvimento do homem integral, com virtudesdo corpo, da mente e da alma.
Ao longo do tempo, a educação teve basicamente quatro grandes objetivos: transmitir papéis,veicular valores culturais, inculcar os diversos' grausde instrução e comunicar certo conteúdo disciplinare modos de pensar.
No entanto, sobretudo na cultura ocidental,como resultado das mudanças pàradigmáticas noscampos politico, económico e social, a partir do século XVI, a tõníca da educação passou a recair sobreos elementos intelectuais, com um evidente e crescente menosprezo pela educação moral.
Já em lS80, Michel de Montaigne criticava que:
Indagamos sempre se o indivíduo sabe grego_ou latim, se escreve em verso ou prosa, masperguntar se se tornou melhor e se seu espiri-
78
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senvolvimento moral se baseiam em princípios e normas universais, que transcendemo grupo, a culturaou as circunstáncia~ peculiares de cada indivíduo.
No entanto, para que tal desenvolvimentomoral possa realizar~se, éfundamental o contato dapessoa com tais normas universais, necessariamente por meio da pluralidade de fontes de autoridademoral, sem o que o desenvolvimento ético tende ase sedimentar nos estágios inferiores do nível convencionai da moralidade, no qual as idiossincrasiasculturais, nacionais e religiosas são colocadasacima dos universais.
Abusca e a afirmação de prindpios éticos:nãoem bases fundamentalistas e proselitistas, mas universais e perenes, é fundamental para a saída daunidlmensionalidade materia'lista na qual a sacie·dade contemporànea está mergulhando,Nesse sentido, pensamos que a religião é centrai para toda aquestão da moralidade e da ética, Ao longo de todaa história humana, ne.nhuma força social conseguiueducar as massas na moralidade como a religião. Osimperativos categóricos e outras formulações da filosofia, apesar de s~a nobreza, elevação e de suautilidade e importâncía, não conseguem mobilizaro ima·ginário e a vontade das massas. O comportamento moral coletivo dos homens exige dimensõesideológicas de busca do infinito que somente aSJe'ligiões podem oferecer.
Porém, é fundamental que as grandes verdades religiosas não só iluminem como também dêemsentido e resposta à ciência e à razão, respeitando apluralidade e a diversidade e buscando, com o mesmo exercicio, a unidade dos povos e das nações.
Ea base iniciai para tal postura é, sem dúvida,por meio da proposta educacional, compreendidacomo escolaridade transmitida a todas as crianças eadolescentes.
No nosso país, temos uma circunstància especial e privilegiada, estabelecida por lei, que pode servir de grande instrumento para a promoção de umaeducação moral eficaz, ALei nO 9475, de 22 dejulho de1997, que altera o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Basesda Educação (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996),instituiu nas escolas brasileiras a obrigatoriedade doensino religioso, de matricula facultativa, como "parteintegrante da formação básica do cidadão", ALei sa-
Interesses Difu~se Coletivos / Diffuse interests and Riphts __
46 VICTOR FRANKL, "A presença ignorada de Deus", p. 25·47 ABRAHAM MASLOW, "Introdução à Psicologia do Ser", p. 12.
48 BÁRBt',RA FREITAG, "Itinerários de Antígona. A Questão da Moralidade", p. 201.
2d Princípios pedagógicos perenes e universaisComo vimos acima, a investigação científiCa
contemporànea evidencia a. necessidade da educação para·a formação ética da pessoa humaha. Alémdisso, para ser eficaz, essa educação necessita deconteúdo, relevãncia racional, emocional, cultural eespiritual.
Como aponta Bárbara Freitag, "os conceitosmorais não podem ser tratados deforma impessoal eneutra, devendo ser tratados como normativos, positivos ou relevantes em relação a outros valores",4'
isso significa que, nos seres humanos: os julgamentos morais sempre se apóiam em algum critério, principio ou lei geral, nãose tratando de simplesavaliações de circunstáncias ou ações particulares. Épor essa razão que os estágios mais elevados de de-
Esse reconhecimento de uma dlmensào espiritual ou transcendente do ser humano, de naturezamotal, exige uma educação que atenda às demandas de tal realidadé, satisfazendo e encorajando opotencial ético-moral do individuo,
Épor reconhecer também essa dimensão es-.piritual que Abraham Maslow ressalta: "sem otranscendente e o transpesso~i, ficamos doentes,violentos e niilistas, ou então vazios de esperançae apáticos. Necessitamos de algo máior do que somos, que sejarespeitado por nós próprios e a quenos entreguemos"."
. De forma alguma podemos falar do ho'memapenas em termos de uma unidade psicossomática, Ocorpo e a psique podem formar umaunidade- uma unidade pSicofísica - mas estaunidade ainda não representa o todo dohomem, Sem o espiritual como base essencial,esta unidade não pode existir. Enquanto falarmos apenas do corpo e da pstque, a integridade ,linda não está dada,,6
em sociedade, os meios de comunicação etc. Conforme ressalta Sorgi (1991):
[,.,] a educação não é o resultado de urna áreaeducativa, por exemplo, somente da f~milia
o.u da ,escola, mas o resultado da açã'o conjunta dos vários setores envolvidos com a educação: a família, a escola, a Igreja, a sociedade,os meíos de comunicação, os grupos formaíse ínformais: .
No entanto, é inegável que o ideal da educação, cujos princípios e preceítos devem estar embu,tídos na escolaridade, é a formação do ser humanopleno, Para que isso possa seraicançado, é fundamentai entender qUàl é, afinal, a plenítude do serhumano, Visões parciais e íncompletas doseI' hu-
'mano podem gerar sistemas e esforços educacionais necessariamente íncompletos ou deformados.
Se concebermos o ser humano num nível fisíco e intelectual, poderemos obter úm presumídoresultado de excelente educação em seu aprimora
.mento de corpo e raciocínio, Provavelmehte tais esforços educacionais conseguirão, no nível do corpo,
. o máximo possível em termos de coordenaçãomotora, de adequadas psicomotricidade, força, flec
xibilidade, resistência, graça e beleza. Da mesm~ forma, 'no nível intelectual, o máximo será alcancado
/ .em termos de capacidade de raciocínio, imaginação,compreensão e memorização. Porém, tal educação,excelente nesses dois campos, poderia sertotalmente falha no que diz respeito ao desenvolvimento decapacidades de socialização, de auto~estima, de responsabilidade moral, de apreciação da beleza e daarte. Isso porque, como é compreensível, tais dimensões não estão automaticamente incluídas nas dimensões corpo e Intelecto. Dessa forma, uma cóncepçãointegral do ser humano faZ-se necessária para umaeducação integral.
Até Freud, o ser humano era entendido comotendo um corpo e uma alma. Apartir dele, passou ater um corpo e uma psique, Ambas as visões, porém,são apenas bidimensionais, Franki salienta o fatode o homem ser constitúído de três elementos fundamentais, e não apenas dois:
65 (I 98)),'_1"":1!lJI1~2~OJlJOo8 ---'-'__
2C Educação, escolaridade e o homem completo. Apesar das grandes difículdades que marcam
o 'sistema educacional, tanto no Brasil como emgrande parte do mundo, obstáculos não menoresoprimem também os vários agentes envolvidos noproéesso educacional, entre os quais, a família, a vida
existe uma enorme e injusta.qualidade. de ensino oferecido a
r1ifp,c'nt.6 , classes sociais, mas especialistas indicamque se compararmos a educação de hoje, em termos
.de crescimento e realização pessoal, com aquela quedominou a 'História humana, é impossível negar os.grandes avanços ocorridos, Hoje.as escolas são, emtodo o mundo, talvez o principal instrumento desocíalização,.de integração comunitáría e de possibilidade de auto-realização.
Assim sendo, no contexto da civilização cóntemporáhea, negar o acesso à escola é negar acessoà auto.realização, à cidadania e à vida,
Além disso, com o i~gresso da mulher no mercado de trabálho e com as transformações ocorridasna estrutura diária de individuos efamí.lias, especialmente no que diz respeito ao tempq e à qualidadedo convívio diárío, muito daquilo que antes_eraaprendido no lar agora precisa ser aprendido naescola, Regras básícas de conviVência, noções de certoe errado, entendimento do mundo e de si mesmoestão entre aqueles aprendizados fundamentaís que, _de maneira crescente, ocorrem, numa medida cadavez maior, fora dos lares,
Em ínúmeros casos, as escolas oferecem omelhor ambiente possivel para o desenvolvimentodas crianças, tanto no sentído mais elementar deum refeição adequada, quanto nas dimensões maissutis e determínantes de um ambiente educacionale socialmente saudável. Para os filhos de lares desfeitos ou sujeitos ao álcool, à'violêncía, à míséria e àdegradáção, muitos professores são hoje os maisimportantes adultos e os melhores modelos, Muitas dessas crianças contam com eles como os maíssaudáveís exemplos por meio dos quais irão modelar suas possibilidades de crescimef)toe sucesso, suaauto-estima e respeito, seus padrões de paternidade e felicidade.
Iustitia, ,c__Pa_u_lo""_6_5_1,,,1_9_8Jc:.'.'--,"-__2_00_,8, _____Interesses Difusos e Coletivos / Diffu5e InterestsancL~i!2hts ~ ~~_8_3
violência, enquanto outros asseguram que um Estado palestino é precondição para a paz com os paisesárabes. Considerando as precedentes tentativas,parece-nos sensata a (Onclusão ela pesquisadoraKirsten Schulze, da London School of Economics, aoenfatizar que uma paz abrangente entre paises árabes e Israel depende de mudanças na educação deambas as partes e de trabalhar nas percepções queum tem do outro,55
Mencionamos esses dois importantes fatosinternacionais na tentativa de demonstrarmos quea paz nas nações ou entre as nações depende dasrespectivas lideranças políticas, mas não bastam porsi mesmas. A paz pode e deve ser estimulada peloschefes de Estado, alimentada por permanentes iniciativas governamentais que objetivem solidificála, fortalecida por inúmeros projetos ou programas,concretizada pelos vários organismos oficiais, mas,se não tiver a necessária correspondência por parteda sociedade e dos cidadãos individualmente, nãoalcançará o seu nobre objetivo.
Poder-se-ia dizer que a paz social e mundial éum efeito poiitico mas também um resultado da necessária participação da sociedade e de cada homem,pois o envolvimento e a adesão destês às iniciativaspacificas ou pacificadoras são insubstituiveis,
A paz não é a mera conseqüência de umaideologia, mas a opção madura de um povo. Via deregra, de um povo que sofreu os embates e as seqüelas de convulsões politicas, os traumas de guerras ou guerrilhas, ou ainda crises profundas ou nãode ordem social, econômica e/ou política, Portanto,a paz é gerada no cotidiano de sofrimentos edifícuidades e apresentada como conquista e única soluçãopara a convivência digna entre os homens. Podemeles tentar buscá-Ia nas mais diversas fontes, entre asquais o consumismo, o hedonismo; a mudança deregimes politicos ou a alteração das diretrizes econômicas, mas ela brota, de forma eficaz, forte e firme,dos verdadeiros e imutáveis valores que conduzem ahumanidade. Valores esses que devem ser o suporteda Politica, da Economia, assim,como das demaisciências, Nelas se incluem a Justiça e a Educação.
55 Folha de São Paulo, São Paulo: caderno Mun,do, P.17, 10 set.2000.
mais importantes desafios da humanidade. Atutelados direitos humanos, o compromisso com o combate à miséria e à pobreza, a proteção e a repressãoaos crimes abjetos contra crianças e adolescentessão apenas alguns temas que, ao lado da preservaçãodo meio ambiente, entraram na agenda da~ques"
tões internacionais que transcendem oS limites e, emmuitos sentidos, a própria soberania dos Estados,
Porém, as boas intenções expressas pelos lideres mundiais têm sido objeto de uma grande dose deceticismo, Tomando como referência cohferênciaspassadas, é possível imaginar que talvez a declara c
ção de boas intenções venha a se frustrar no todo ouem parte, Assim aconteceu com a conferência dePequim, no ano de 1995, que tratou da questão da 'mulher e na qual os paises partidpantes decidiramgarantir direitos humanos e liberdades fundamen c
tais às mulheres e meninas, O tráfico e a exploraçãode mulheres e adolescentes, porém, são duas dasatividades ilicitas que mais Crescem no mundo, epoucos paises adotaram medidas para combatê"las,O mesmo fenõmeno aconteceu com a Convençaodo Clima, publicada durante a conferência Eco-92,no Rio de Janeiro, segundo a qual todos os países secomprometiam a iniciar o controle da emissão dosgases responsáveis pelo aquecimento global até oano 2000, Não houve avanços, e o prazo acabou sendo adiado para o ano 2010,
Embora reais, tais obstáculos não devem reti"rar o reconhecimento de que a reunião se realizouno momento em que, à exceção de alguns conflitosinternos reconhecidamente limitados, o mundo viveum promissor momento de paz, no qual não há guerras declaradas entre os 190 paises que comporão,no mês de setembro, o número das nações filiadas àONU.
O segundo acontecimento foi a proclamaçãodo Estado palestino independente, de inicio marcada para o dia 14 de setembro de 2000 e posteriormente adiada para o dia 15 de novembro, data emque o iider palestino lasser Arafat declarou a fundação de um Estado soberano, na Argélia, em 1988, efinalmente, frustrada em razão da politica de retaliações entre palestinos e israelenses. Todavia, os analistas poiiticos se dividem, entendendo alguns que'um acordo de paz não removerá todas as fontes de
para isso",50; Judaísmo (Moisés, há 3-400 anos, no
Egito-Palestina): "Não faças a oütrem o que abominas que se faça a ti. Eis toda a Lei. O resto é comentário"."; Budismo (Buda, há 2,500 anos, Nepal-índia):"Todos temem o sofrimento, e todos amam a vida,Recorda que tu também és igual a todos: faze de tipróprio a medida dos demais e, assim, abstém-te decausàr-Ihes dor"."; Cristianismo (Jesus Cristo, há2,000 anos, Palestina): "Tudo aquilo, poctanto, quequereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles,porque isto é a Lei e os Profetas""; Islamismo(Maomé, há 1-400 anos, Arábia): "Nenhum de vós éum verdadeiro crente a menos que deseje para seuIrmão aquilo que deseja para si mesmo","
Éevidente, por si só, quão eficazes tais máximas, universais e pluralizadas, podem ser no estabelecimento de normas morais de conduta. Taismáximas, que certamente podem ser encontradasem relação a todos os valores, como justiça, amor,perdão, fraternidade, perseverança, trabalho, pa- .ciência, temperança etc., quando unidas aos seuselementos metaforicos e simbólicos expressos emparábolas e relatos sagrados, mostraram-se, aolongo dos séculos, extremamente valiosas naconstrução ética do individuo e da sociedade.
3 PazAo menos dois episódios marcaram o cenário
mundial no final do sécuio passado, como expressões emblemáticas da incessante busca da paz pelahumanidade.
A Cúpula do Milênio, encerrada no dia 8 desetembro em Nova York, por iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), representou o maisrelevante encontro coletivo de liderês politícos doséculo passado, Isso não apenas pela expressiva presença de chefes de Estados, como também pela circunstância de haver convergência e consenso emtorno de uma pauta inteiramente voltada para os
5° Mahabharata, apud Rost, p. 28; Campbell, p. 52.5' Ta!mud Babilônico-Híllel, apud Sch!esinger & Porto, p. 26; Rost;
p.6g.5' Ohammapada, apud Rost, p. 39.53Mateus7,12."Hadith, apud Rost, p. 103; Campbéil, p. 54.
respeito àdiversiBrasil, vedadas quaisquer
de resolver a delicada questão do respeito à diversidade cultural religiosa e da ausênciade proselitismo exigirá das respectivas liderançasatenção e respeito pelo presente e pelo futuro dosnossos educandos. Sem dúvida alguma, como a própria Lei estabelece, isso terá de passar, necessariamente, pelo diálogo amplo entre os vários setores esegmentos da sociedade.
O ensino religioso-moral, mais do que oferecer informações de religião comparada, deveria focalizar a experiência ética encarnada no cotidiano,longe de permanecer em principios abstratos e dedificil assimilação pelos destinatários. Além disso,ao abordar os principios universais. morais de umaforma pluralista, envolvendo as várias tradições espirituais, poder-se-ia assegurar o desenvolvimento,ao mesmo tempo, da moralidade e da fraternidade,Uma vez que não se ama o que não se conhece, ocontato com os grandes principios morais em suasvárias formulações ao longo do tempo e do espaçopermitiria a construção do amor e da justiça e, sobretudo, da descoberta de principios comuns quepossibilitariam a abertura e o diálogo, conduzindoà desejada e sempre esperada unidade,
Todas as grandes tradições espirituais possuemuma lei moral central, também conhecida como"Regra de Ouro", que pode nos conduzir a essa busca da identidade que une homens e povos de todasas épocas, civilizações e culturas, Essa regra suprema tem sido considerada a lei máxima das religiõese' serve de substrato para qualquer consideração denatureza verdadeiramente moral. De forma simples,"ela exige que façamos aos outros o que gostariamos que fosse feito a nós"49, Algumas das SUas variadas formulações são .as seguintes: Hinduísmo(Krishna, há 5.000 anos, na índia): "Não faças aosdemais aquilo que não queres que seja feito a ti; edeseja também para o próximo aquilo que desejas easpiras para ti mesmo, Essa é toda a Lei, atenta bem
49 CHIARA LUBICH, "A arte de amar", Cidade Nova, AnoXLI, nO 10,outubro/99.
Pode-se afirmar, comexiste um forte consenso dentro da cornlJnrndêmica sobre os efeitos deletérios da violência na
. nocompotiamento humano, seja apresentada no formato de programas de ação, aventura ou ficção, sejádaquela que é exibida em desenhos animados, novelas, telejornais, programas de esporte, no gênero aquidenominado mundo-cão e, principalmente, da violência que é envolvida com erotismo.
Nesse sentido, constatam-se asseguintes conclusões:a) a violência na TV pode estimular a agressão em crianças, sugerir a violência como recUrso eajudar a construir uma tendência à agressão; b) a violência na TV pode ensinar formas violentas de reagire se comportar no ambiente real. do espectador,desirlÍbir os limitantes da agressão contra outros, facilitar a manifestação de çondutas agressivas jáaprendidas e chamar a atenção para novas formas deempregar estratégias e instrumentos destrutivos; c) ocrime televisivo e a violência estão relacionados a condutas anti-sociais em observadores jovens; d) a violência na TV antecede manifestações a longo prazo deconduta agressiva; e) o realismo das imagens vidlentas na TV é o fator mais importante na formação deatitudes agressivas em. crianças; f) todos os tipos deconduta agressiva, incluídas as condutas ilegais e aviolência criminal, demonstraram estar alta e significativamente associados à exposição à violência na TV;g) a apresentação de violência na TV contribui para aaquisição de caracteristicas agressivas duradouras eestáveis: principalmente na adolescência, emborapossa acontecer em qualquer idade; h) o impacto deprogramas que combinam erotismo eviolência ê substancialmente maiorque ode programas que apresentamviolência pura; i) a TVtambém aumentá a freqüência e aintensidadedocomportamentoe da linguagem de natureza violenta entre adultos e pode desenvolver neles umavisão distorcida do grau de perigo e risco existente nomundo;j) adultos submetidos a um regime constantede violência televisiva tornaram-se de ãnimo progressivamente mais hostil e agressivo, assim agindo comseus familiares, colegas de trabalho e amigos, passando a ser menos tolerantes em relação a pequenas frustracões.
. Éconveniente enfatizar que essas conclusõesrepresentam apenas uma pequena amostra das que
portamento, impondo conceitos e valores, estimulando hábitos e costumes, insidiosa ou declaradamente,chegando ao ponto de moldar as instituições e a própria sociedade segundo seus critérios ou ideologias.
Assim sendo, a enorme potência da televisãopode incitar a violência ou construir a paz.
Abordar o compromisso ético das emissorasde TV frente à população num regime democrático eque, portanto, busca construir a páz entre os cidadãos, significa a legitima busca de preservação dosseus preceitos básicos de liberdade e igualdade dedireitos, frente a uma insidiosa tirania que se impõeao telespectador. Sim, porque a flagrante desigual,dade entre o poderio das emissoras de TV, que, diga~se de passagem, gozam<je mera concessão pública, ea passividade do telespectador é agressiva e gritante.
São freqüentes os chocantes quadros deviolência e pornografia entre emissoras que compet"mpela conquista de audiência, em horários absolutamente incompatíveis com a determinação legal. Easeqüência de desrespeitos ao telespectador pareceficar sempre impune. .
Como devem reagir os telespectadores, diantedesse arbitrio das emissoras de TV? Como se comportar diante dessa concessão do Governo, pessimamente utilizada por grande parte das empresas deteievisão, cujo interesse dOminante é o lucro? Deque forma conciliar a liberdade de expressão, incondicionalmente proclamada pelo meio artistico, e ointeresse do telespectador?
Todas essas questões, extremamente atuais eimportantes, sobretudo para a população infantojuvenil, que cada vez mais assimila passivamente oveneno destilado por propagandas e programasapresentados numa impressionante majestade de cores e sons, devem ser enfrentadas com seriedade, eqUi'líbrio e coragem. Há, na verdade, grandes interessesem jogo nos bastidores da telinha e abundantes provas científicas sobre sua influência, contra os quais otelespectador deve estar conscientizado. Há SO anos, aPsicologia acumula provas veementes sobre o efeitoda violência apresentada na TV no comportamento decrianças, adolescentes e adultos. Essas evidências sãofruto de inúmeras pesquisas científicas desenvolvidasem diferentes lugares do mundo, com pessoas das maisdiversas caracteristicas individuais e sociais.
interesses Difusos e Coletivos / Díffuse ínterests and-=--'-
por arma de fogo. No nosso pais, a taxa de homicidioscometidos com arma de fogo é de 89%.
De acordó com as estatisticas disponiveis,90% das pessoas que obtêm O direito ao porte de.arma não sabem manejar um revolver ou uma pis- .tola. Também não tomam cuidados básicos com ela,como mantê-Ia fora dO'alcance das crianças. Dadoscomo esses indicam que a arma, em lugar de representar um possivel elemento de defesa, significa, naverdade, mais um risco ou a probabilidade dó desencadeamento de uma tragédia.
Além disso, os números oficiais sobre pessoas que reagem com um revólver a um assalto a mãoarmada são desanimadores: em 94% dos casos, essas pessoas morrém. De acordo com instrutores detiro, policiais e especialistas no assunto, só deve terrevólver ou pistola quem está preparado para viverem permanente estado de guerra, mantendo-ossempre ao alcance da mão,
Nesse sentido, o grande perigo da ainda maiorbanalização da violência está nas conclusões de umestudo realizado em São Paulo,'segundo o qual S6%das vitimas de homicídios não tinham passagempela polícia nem histórico de envolvimento criminal. Ou seja, mais da metade dos mortos nãoestavam ligados ao banditismo. De acordo com osestudiosos da matéria, em boa parte dos casos essas pessoas comuns são mortas por outras pessoascomuns, em episódios como brigas de vizinhos, discussões no trãnsito ou bares.
Éinegável que, se o governopossui atribuicõespeculiares, consubstanciadas no compromisso' poIitico de garantir a segurança da população, também os cidadãos não podem se eximir da enormeparcela de construtores da verdadeira segurança epaz na convivência social. O relacionamento violento entre os homens, nas mais variadas esferas dasocia lidade, nada mais é do que o reflexo de valoresque foram sendo paulatinamente relegados, quando não substituidos, por formas também destrutivasde convivência.
3b Televisão, violência e pazParece-nos oportuno analisar a influência que a
televisão exerce sobre o comportamento humano, nassuas várias fases de evolução, ditando regras de com-
lutas e conquistas pela afirmahumàna, a paz somente brotará da
IUS1[lCd social ou, nas sábias palavras do eminentepedagogo Paulo Freire:
de anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas gentes aprendi sobretudo que a paz éfundamental, indispensável, mas que a pazimplica em lutar por ela. Apaz se cria, se constrôi na epela superaÇão das realidades sociaisperversas. A paz se cria, se constrói na construção incessante da justiça social. Ppr isso,não creio em nenhum esforço chamado deeducação para a paz que, em lugarde desvelaro mundo das injustiças, o torna opaco e tentamiopizar assuas vitimas (FREIRE, apud MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO,2000, p. 91).
3a Violência e pazAambigüidade da escalada da violência de um
lado, e a busca da paz de outro, preocupa a humanidade nesses últimos tempos. Uma das questôes quese colocam é saber se o desarmamento da população diminui a violência e conduz à pacificação dopovoou, ao contrário, facilidade na aquisição de armas de fogo garante a defesa elou inibe o criminoso, bloqueando a escalada da insegurança e,domedo. Ou, ainda, como o cidadão comum, alvo direto de açõe~ violentas, pode ou deve enfrentar. asameaças que circundam o seu cotidiano? Armamento ou desarmamento? "Olho por olho, dente pordente", portanto, prevenir ou revidar a violência comigualou maior intensidade recupera os verdadeirosvalores na convivência social? Afinal, dessa formase pacificam os homens e a sociedade?
Colocando-nos numa panorãmica mUndial,estudo da Organização das Nações Unidas (ONU)demonstra que as taxas de homicidios por armas defogo são mais altas em paises com uma legislaçãoliberal sobre armas. Nos Estados Unidos, onde oporte de armas é concedido sem burocracia na maioria dos estados, a taxa de mortes por arma de fogono total de homicidios é de 70%; no extremo oposto,o Japão proibe o registro e o porte de arma, consignando uma taxa de 5% sobre o total de homicidios
Interesses Difusos e Coletivos / Diffuse i"tercsts and Rig~h_ts 8_7
e deveres individuais e coletivos, proclamando quetodos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e garantindo o direito à vida, à'liberdade,à igualdade, à segurança e à propriedade.
Ora, ressalta claro que a liberdade de expressão não é absoluta, incondicional, irrestrita e muitomenos desenfreada, mas, exatamente por ser umacriação da inteligência humana, éncontra os seus limites em cada homem, inseridos todos na convivência social, que exige regras para a sua sobrevivéncia emanutenção. Quando e onde a expressão, nas suasmais variadas formas, fere direitos alheios, não maisse pode cogitar de liberdade, mas de arbítrio. Eo arbitrio é condenável. Ele sim é fruto dos regimes totalitários, que sufocam e oprimem 6 homem.
E mais: se de um lado existe o direito à liberdade de expressão proclamado pelas TVs, de outroexistem 05 direitos à educação, à cultura, ao lazer, ádignidade, ao respeito de crianças e adolescentes,os quais devem ser salvaguardados de toda formade negligência~ discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Todos são direitos consagrados pela Constituição Federai, mas, na verdade,somente o primeiro conta com a simpatia e o apoiooficiais. Basta lembrar que as emissoras de TV gozam de mera concessão governamental pelo prazode 15 anos, que poderá ou não ser renovada, previsto o respectivo cancelamento antes de vencido oprazo, por meio de. decisão judicial.
O argumento simplista e equivocado que sugere que se desligue o botão antes da transmissãoda mensagem negativa não tem qualquer consis,tência, mesmo porque no ato de desligar o botão amensagem jà conseguiu o seu objetivo, qual seja,chegar ao telespectador.
Verifica-se, dessa forma, que o patrulhamentoideológico, o estimulo à violência, o desrespeito aosdireitos elementares de cidadania, a disseminaçãode preconceitos, a discriminação e erotização desmedida e irresponsável de crianças e adolescentes éo que vem sendo veiculado sob o manto protetor daliberdade de expressão.
Será esse um regime democrático, que privilegia os poderosos que detêm os meios de comunicaçãoe permite que alimentem uma falsa liberdade deexpressào, em detrimento de uma imensa maioria
nada a esperar'da TV aberta contribuem para explicar porque o modelo de TV-sensaçã6-vende-produto continua invicto e impune.
Cabe a pergunta: será que nesses países, tra"dicionalmente conhecidos pela reverência à cultura, à criação artistica e ao livre pensamento e quedoaram à História da Humanidade artistas consagradoscomo o célebre escultor francês Rodin ou o famosopintor espanhol Pablo Plcasso, ou ainda os conheci,dos pensadores franceses Sartre e Maritain, tambémnão predomina o respeito pela iniciativa e obra humanas, nos seus mais variados campos, nas suasvárias etapas de expressão e nas suas diversidadesnaturais a uma convivência social?
Mas o que é a livre expressão da atividadeintelectual, artistica, científica e de comunicação,independentemente de censura ou licença, utilizàda pelo artigo 5°, inciso IX, da Constituição_Federal epopular e restritivamente-conhecida por liberdadede expressão? Como deve ser encarada essa livre expressão no contexto da programação ou da mensagem da TV?
Emprimeiro iugar, não há como contestar queexiste uma verdadeira privatização da liberdade deexpressão, sutilmente camuflada pelas diversas emissora~ e respectivas programações, que, na verdade,ditam regras de comportamento e impõem aquiloque a população deve saber. Basta exemplificar coma forma variada com que um mesmo fato é comunicado ao telespectador, dando-se ênfase muitas vezesa aspectos marginais 6u de'snecessários, ou aindaressaltando óqueles que ideologicamente mais seidentificam com a linha da emissora ou com os seusinteresses. Onde fica o direito un'iversal e individualdo telespectador de acesso à cultura e à informa~
ção? Esse direito de milhões de telespectadores nãofica prejudicado por uma forma privada e velada decensura das poderosas emissoras,.sob a falsa alegação da iiberdade de expressão?
Partindo dai se pode facilmente concluir que aquestão da liberdade de expressão, seja nos meios decomunicação em geral, seja em relação à televisãoem particular, está ligada ao reconhecimento e à garantia dos direitos fundamentais da cada cidadão.
Não por menos, a própria Constituição Federal insere a liberdade de expressão entre os direitos
2008
se em fase de sedimentação e para quem qualquerdesvio ou bloqueio representará um resultado necgativo em seu comportamento futuro.
Até onde temos conhecimento, países como aEspanha, a Suécia e a França possuem órgãos queacoihem réciamações do público para avaliá-Ias eencaminhá-Ias às TVs, com o objetivo de disciplinarde forma saudável a programação e preservar principias fundamentais defendidos pela sociedade. NaFrança, por exemplo, a fin'ali.dade é assegurar a igual"dade de tratamento entre a emissora é o telespectador, favorecer a livre concorrência e a expressão pluralista de opiniões. Nos Estados Unidos, no Canadáe na Ingiaterra, os resultados das pesquisas cientificas orientam decisões sobre o que é ou não permiti"do apresentar na TV. Na Inglaterra, o governo exercecont(ole sobre a sua TV, embora as empresas comerciais paguem pelo direito de transmitir a programa"ção. Ali vigora um sistema de TV comercial controlada por dois órgãos especialmente criados para talfinalidade. Eles garantem altos padrões de qualidade de programação, coibem a apresentação de violência e exercem controle direto sobre a riropaganda. Em outros paises democráticos, comitês asses"sores, às vezes eleitos pelo povo, trabalham juntoaos programadores e funcionários do governo paracuidar da programação da TV, quanto a sua plurali"dàde e qualidade. Esses exemplos demonstram que,sem censura, é possivel equilibrar os interesses eco"nômicos e a responsabilidade na programação da TVcomercial aberta.
As análises de conteúdo da programação domodelo comercial de TV em diferentes lugares domundo onde seu funcionamento não é acompanha"do por órgãos de vigilància e controie de qualidadeestatais, civis ou mistos, mostram que sua programação tende a ser predominantemente violenta,estereotipada, sexifera e orientada ao consumo. Esteparece ser o caso brasileiro. Aqui, a falta de termosde regulação e controle da qualidade da programação, a ausência de contingéncias e mecanismos efetivos de controle externo, a inexistência de códigosgenuinos de auto-regulação por parte das redes, afalta de responsabilidade dos anunciantes que patrocinam programas bizarros.e degradantes, os baixosniveis de qualidade que a grande audiência está ensi"
iml1","tn nocivo dapessoas.
caráter dominantepelas redes brasileiras
TV, assirn como de grande parte dos que aquisão produzidos, é de alto conteúdo violento. Sériescuja exibição tem sido proibida em outros paisespor seu nivel de violéncia e crueldade são apresen'tadas no Brasil a qualquer hora do dia ou da noite,sem que programadores nem anunciantes sejamad moestados.
O teor dos dados de pesquisa e os estudos deanálise de conteúdo da programação coincidem nofato de que o modelo vigente de TV-sensação-vende-produto afeta negativamente a sociedade namedida em que seus excessos influenciam não só apredisposição à violência, mas todo o espectro dedesenvolvimento ético, social e psicológico da geraçào de jovens.
Com essa visão aberta e clara para os fatos,não nos esqueçamos de que viver num regime democrático significa basicamente ter a garantia daigualdade de direitos entre os cidadãos como premissa básica para uma convivência saudável e promissorapara crianças e adolescentes. Ea compreensão de quea concessão pública de uma emissora de televisão, utilizada por uma pessoa ou grupo de pessoas, nãofogédesse preceito fundamental, isto é, os seus direitosnão são maiores ou superiores aos do mais modestotelespectador a quem se dirigem. Respeito e dignida"de são requisitos minirnosde qualquer programa, dequalquer nivel, em qualquer horário, sobretudo naquele em que o público infanto-juvenil tem acessomais facilitado.
É perigoso e falso 6 argumento de que qualquer interferência nessa desenfreada permissividadedas emissoras de televisão represente avolta da censura no nosso pais. Perigoso porque não setrata decensura, mas do estabelecimento de limites válidose legitimos entre partes em desigualdade de posições. Falso porque não se pretende qualquerpatrulhamento, e sim a fixação de regras minimasde convivência entre um veiculo potente que é a televisão e o telespectador criança e adolescente, reconhecidamente setes em formação, ainda destituidosde convicção e critérios firmes, cujos valores acham-
Interesses Difusosec:oletivo~/DilTu5e In/eles/s 3nd Righls
comotunel da mor:
rl"~i+'A à o que, na verdade, é umdependéncias; como direito à edu
6 que, na verdade, é um incentivo à corrupçãoe delinqüência; como direito ao lazer, o que, naverdade, ê um mundo de ócio e perversidades; comodireito à cultura, o que, na verdade, ê um obstáculoao verdadeiro crescimento integrai do ser humano;como direito à dignidade, o que, na verdade, é opressiva inundação de futilidades e prazeres inconseqüentes; como direito ao respeito, o que, na veraade, é aidolatria ao consumo e ao hedonismo; como direitoà liberdade, o que, na verdade, é a apologia do permissivismo e da licenciosidade; e:porfim, como direito à convivência familiar e comunitária, o que, naverdade, é a ~nião superficial e passageira do prazere da vaidade.
Há de se reconhecer e aplaudir iniciativas eprogramas televisivos que se caracterizam pela ga·rantia dos direitos fundamentais do telespectadorcriança ou adolescente, pautando-se, na maioria dasvezes, lamentavelmente, pelo seu flagrante desconhecimento, ou, quando não, pelo desrespeito e até,mesmo violação. _ "
As pesquisas chamam a atenção para o fatode que os mesmos principios, mecanismos e processos que fundamentam o aprendizado de condutas anti-sociais a partir da TV podem se aplicar aoensino de condutas positivas. Generosidade, cooperação, ajuda, persistência, expressões positivas desentimentos, empatia e comportamentos que, deuma ou outra forma, beneficiam o individuo e a sociedade podem ser ensinados e estimulados por programas de TV desenhados ou não para esses fins.No México, já na longinqua década de 1980, foramobtidos resultados surpreendentes com o empregode uma telenovela desenhada sobre principios cientificos da Psicologia da Aprendizagem, Com o emprego de atores famosos, promoveu-se, com sucesso sem precedentes, uma campanha nacional de alfabetização de adultos. Os resultados ultrapassaramem muito as expectativas e superaram com folga astentativas de campanhas anteriores promovidaspelo governo daquele pais. No ano anterior, ao lan-
çamento.da novela-campanha, apenas 99 mi'l pessoas tinham aderido aos cursos de alfabetização.Durante'o ano em que a novela se apresentava, essenúmero aumentou para 840 mil. Mesmo apóste'rminada a novela, 400 mil pessoas se matricularam. Issodemonstra claramente o poder da TV como veículode influência social e ã importância da estreita colaboração entre programadores, cientistas e funcionários do Governo na busca de objetivos sociaís.
Longe de admitír qualquer retorno aos mínímos principios da censura, pode-se dizer que" naverdade, vem ela ocorrendo no seu pior e mais nefasto sentido, pelas próprias emíssoras de TV, aodescartarem os valores que efetivamente edificamo ser humano e os relacionamentos sociaisepossibilitam a construção de um futuro promissor para aHumanidade.
Dizem alguns que a perlnissivídade e a violêncía na TV nada mais fazem que refletir os anseiosda socíedade moderna, sendo um mero espelho dassuas expectatívas. Nada mais falso do que nivelarpor baixo a condíção do ser humano e da sociedademoderna, fazendo de conta q]Je inexistem ou sãoinsignificantes as expressões de dignídade, caráter,ética, dedícação e amor num mundo em pérmanente transformação. No entanto, são fortes e sígnifícativas as pequenas e grandes revoluções que de hámuito redímensíonam pessoas, famílias e grupos.sociais, mas que, na verdade, não correspondemaosinteresses econômicos, polítíco-ideológicos e manipuladores de certas emíssoras de TV.
A lição que nos é dada pela vida, no entanto, 'demonstra que o ser humano e a nature'za se transformam permanentemente e, como conseqüência,a própria estrutura social e polítíca. Pelo observadorpouco avisado tais mudanças não são sentidas. Acolaboração que cada um de nós pode e deve dar évisando a uma maior participação nos atos de fiscalízação e apuração de responsabilidades dos empresários detentores das concessões televisivas. A nossaposição aparentemente passiva diante da telinh",amordaçada e destituída de juízo crítico, red undaránum estimulo à violência nos seus mais variadosgraus e estilos, Porém, se nos comprometermos coma construção da pai e com a dignidade humana, certamente iremos à raiz do legítimo lazer, fruto dabeleza, da harmonia, do 'equilíbrio e da alegria.
3c Alguns caminhos para a pazRelatório divulgado pela Unesco aponta a fa
mília, a escola e a Igreja como as três instituiçõesque os jovens mais respeitam e, por essa razão, devem ser usadas como canais e instrumentos para odesenvolvimento de programas de combate à violência juvenil e conseqüente construção da paz. Taiscon,clusões são o resultado de uma pesquisa sobre violência juvenil realizada em quatro capitais brasileiras - Brasília, Rio de Janeiro, Fortaleza e Curitiba. Emuma escala- de zero a dez pontos,a família fica nafaixa dos nove. A escola e a religião praticamenteempatám 'entre os sete e os oito pontos.
Da mesma forma, a valorização da família e dareligiâo foi observada em outro recente estudo, feito em Sâo Paulo pelo Cenpec (Centro de Pesquisasem Educaçâo, Cultura e Educação Comunitária).
Porém, é pertinente a indagaçâo: que família,que escola, que religiâo podem corresponder às expectativas dajuventude, dar respostas às suas indagações, pistas às suas incertezas, segurança em seusmomentos de dúvida, enfím, ajudá-Ia a construir oseu caminho de dignidade e paz?
Em primeiro lugar, é sabido que, da mesmaforma que em todo o mundo, no nosso país, a família tradicional passa por grandes transformações evem perdendo a identidade de pequeno núcleo formado por pais e filhos. Abrindo-se, a família passoua ser alvo dos mais freqüentes e graves ataques,manipulações e especulações, investindo contra eladesde cientistas que pretendem criar gerações emlaboratórios de sofisticadas clínicas de fertilidadeaté espíritos mercantilistas, que lhe impõem critérios de consumo e estilos de vida a custa de seus altoslucros. Hoje,talvez como nunca na história da humanidade, a família se vê exposta à violência e àpermissividade que penetram a qualquer hora dodia ou da noite na intimidade do lar. Forças sutis einsidiosas pressionam para retirar da família aquiloque lhe é essencial: o amor. Afragilidade em que seencontra a instituiçâo familiar é, sem dúvida, reflexo da fragilidade do amor entre seus membros. Compropriedade e sabedoria, o conhecido pensador italiano IginoGiordani, após exaltar a família em inúmeras ocasiões, conclui: "retira o amor da vida, e avida se esteriliza. Retira o amor das relações sociais,
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e a terra se torna um deserto gelado. É a falta deamor quefez a vida humana tornar-se 0 mister mais,difícil, trágico."56 Entre erros e acertos, a família busca a sua identidade. Buscar essa identidade sígnificaretornar às origens dessa original convivência humana, cuja raiz inegaveimente é oamoL Sea abertura dafamíiia significou um risco, seguramente as vantagens dessa, iniciativa trouxeram·lhe grandes benefícíos em solidariedade, compreensão, miseriêórdia,descoberta e partícipação das dores e sofrimentos deoutras famílias etc. Benefícios estes inerentes ao amorque a caracteriza, de sorte que, de uma pequena família constituída por país e filhos, ampliou·se paraumà grande família unida entre si.
Em um certo sentido, pode-se fazer a mesmaafirmaçâo em relação à escola que, para atrair e cultivar o jovem, deve possuir ingredientes que vãoalém da mera transmissâo de conhecimentos. Entreeles podemos destacar o valor e o respeito pela pessoa humana. "As demandas da escola sempre forampreparar para o mercado de trabalho, para o futuro.Ao contrário, ela deve pensar no presente, na infância, na adolescência. A verdadeira função social da,escola é o pleno desenvolvimento do ser humanoo que vem antes de todos os direitos."57
Família e escola, para exercerem a suafunçâode verdadeiros laboratórios que preparem criançase jovens para uma convivência pacifica, necessitamde seres humanos forjados em valores verdadeiros,e não impostos momentaneamente por oportunistas que pensam e desejam tudo, menos o bem deambas as instituições ou de seus membros.
Equem pode colaborar de forma insubstituívelna formação de tais valores e escolhas, orientar naformulação de propostas que rEalizem plenamenteo homem, indicar os caminhos para a verdadeira felicidade que os jovens buscam ansiosamente,acautelá-los em relação a erros ou equívocos que,com sutileza, sâo apresentados como modelos, enfim, despertar os seus sentidos para o único cami-
s61GINO GIORDANI, "Diário de Fogo", Ed. Cidade Nova, p. 20.
Si MIGUEL ARROYO, filósofo e professor da Universidade'Federalde Minas Gerais, in informativo "Crer para Ver", Fundação Abrinq,ano 11, nO 6.
,Interesses Difusos e Coletivos / Diffusc il1lcrc:sls!.l1_d Righls 9 I .
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os jovenselaé
explorações de todo o gêos educadores serão de grande im-
portãncia.Familia, escola e religião - eis a base funda
mentai em que se assenta a cultura da paz.Sobre a paz, a paz verdadeira, sedimentada em
v<3lores de respeito á dignidade hum<3na, poderãoadvir teorias, correntes de pensamento, ideologias,forças e pressões - ela permanecerá firme diante dequaisquer contratempos.
Para a construção dessa paz, todos os homenssão convocados, todos necessários e insubstituiveis.Cada qual na sua condição e categoría. Unidos nameta comum.
4 Justiça, educação e pazApós analisar separadamente cada uma des
sas três virtudes, desejamos, a esta altura, ressaltaro valor fundamental e inestimável dasduas primeiras que, se vividas na sua autenticidade,poderãoconduzir a humanidade á tão desejada paz.
Se de um lado é certo que as grandes transformações da História ocorreram graças a atos heróicos de homens abnegados e imbuidos de nobresideais, não menos correto que o cotidiano de cadacidadão, nas suas várias, muitas vezes humildes, ocultas, mas importantes atividades, também faz partede um mecanismo de transformação silencioso, profundo, consciente e maduro.
Como vimos anteriormente,Justiça é umapalavra de interpretação tão ampla quanto a palavraética, pois exprime a idéia de retidão elo agir humano na sua universalidade, não porémeomo àgir dosujeito, como o encara fundamentalmente a ética,mas como o agir reto em relação ao próximo e ásociedade, quando se diz de um ser humano que éjusto porque atribui a cada um o que é seu, cumprea lei, luta pela justa distribuição dos bens que pertencem a todos, é consciente, corajoso e aplicado noexercício de suas próprias responsabilidades.
Os princípios que norteiam e fundamentam ajustiça sociai devem estar presentes na elaboraçãode qualquer lei, porque toda normajuridica tem porfinalidade a promoção do bem comum.
2008
Enão apenas o legislador, que institui a nórma, mas também o administrador, que~he dá execução, o juiz, que a aplica, o cid<3dão, que a cumpre,'têm todos o dever de orientar a sua atuação segundo os princípios de uma justiça social, cujo objeto éo bem comum. '
Nas sociedades complexas em que vivemos,as exigências da Justiça se apresentam sob as maisvariadas formas, desde o respeito às .pessoas e áscoisas, aos seres viventes e a todoo !'neio ambiente,até a observânciados dispositivos legais que reguelamentam o convivia entre as pessoas, o uso do soloe dos recursos naturais, passando, evidentemente,pela atenção e dedicaçâo aos mais necessitados, âscrianças, aos deficíentes, aos dóentes e ás pessoasidosas.
Em relacão á educacâo, embora reconhecamosa urgente ne~essidade d~ eliminacão do ana'lfabetismo, a criação de mecanismos para promover ofinanciamento do sistema educacional, assim comoa valorização dos profissionais e a sua formação, éigualmente indispensável que: '
os professores encontrem meios de criar espaço para um mútuo engajamento das diferenças vividas, que não exijam o silenciar deuma multiplicidade de vozes por um únicodiscurso dominante; ao mesmo tempo, devemdesenvolver formas de pedagogia ancoradasem uma sólida ética que denuncie o racismo,o sexismo e a exploração de çiasses como ideologias que convulsionam e desvalorizam avida pública (GIROUX, 1994,P. 106).
Um dos mais respeitados educadores dos Estados Unidos, Hebert Kohl, defende a transformação das saias de aula em centros de comunicaçãocom vertentes para artes, pesquisa, cidadania e conhecimento. Sugere ainda o amplo saber, ou seja, aconjugação das matérias tradicionais com a abundãncia de novidades deste novo milênio.
Analisando as várias fases da história nasquais a pedagogia foi reconhecida como uma "revolução capem/cana", em razão de saltos de qualid<3de tais como o programa rião visto como fi'm mascomo meio, a centralidade do professor ou do alu-
no, o aprendizado como busca e pesquisa etc., Enrique Cambón os identifica como um reflexotrinitário SS , seja pela necessidade de maiorpersonalização e socialização, de-aprofundamentoda importãncia do amor na pedagogia, como também pela consciência mais aguda do respeito à dignidade e autonomia dos que participam da relaçãoeducativa. Eprossegue o renomado escritor:
Esse crescimento rumo à trinitariedadé maiordo ensino talvez seja percebido, hoje comonunca, nas problemáticas que se multiplicamnesse campo. Basta observar algumas das hipóteses e indicações oferecidas em muitos doslivros atuais de pedagogia, os problemas discutidos, os psicólogos e pensadores de orientação humanista e personalista em quem boaparte dos pedagogos seapóia para fundamentar suas propostas, os próprios titulos de suaspublicações, que falam por si sós de uma explícita ou inconsciente tendência a dar maisdestaque às relações trinitárias: Comunicação interpessoal e educação; Relações interpessoais na escola; Atitudes pró:sociais ecomportamento altruista; Papel da relaçãointerpessoal no processo de ensino e aprendizado; O outro indispensável; Escutando seaprende: perguntas legitimas para uma pedagogia que saiba escutar.59
Por sua vez, a paz entre os homens e a paz nasociedade somente serão atingidas quando garantidos os direitos fundamentais de cada homem nasua convivência, fruto e resultado da Justiça, queexige que a liberdade, a igualdade e outros direitosessenciais sejam atribuidos e assegurados aos seres
58 "Uma humanidade una, única e unificadora, sem dominio declasses e sem opressão ditatorial. Esse é o mundo no qual os sereshumanos se caracterizam por suas relações sociais, não por seupoder nem pelos bens que possuam-, Esseéo mundo no qual osseres humanos têm tudo emcomum e tudo compartilham, excetoas características pessoais" (CAMBÓN, 1985).
59 ENRIQUE CAMBÓN, "Assim na Terra como na Trindade -o quesignificam as relações trinitál'ias na vida em sociedade?", Ed.Cidade Nova, p. '571158.
humanos com a maior amplitude conciliável com obem comum.
Proclamando o desenvolvimento como onOvo nome da paz60, o papa Pauio VI encontrou na"Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento",aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas(ONU), reunida em 4 de dezembro de 1986, a correspondência politico-juridica para o SéU apelo áhum"nidade. Nesse sentido, o àrtigol° da referidaDeclaração proclama:
Odireito ao desenvolvimento é um inalienáveldireito humano, em virtude do qual toda pessoa humana etodos os povos tém reconhecidoseu direito de participar do desenvolvimentoeconômico, social, cultural e politico, a ele contribuir e dele d",sfrutar; e no qual todos os direitos hurpanos e liberdades fundamentaispossam ser plenamente realizados.
Os esforços pela paz na história da humanidade, no entanto, periodicamente sofrem interrupçõespor convulsões sociais ou guerras que irrompem nosmais diversos pontos da Terra. Suas origens sãoexplicadas por razões de ordem social, religiosa,política ou histórica. Como conseqüência, a Justiçae a Educação também são ab<3ladas.A perda dapaz ésempre o reflexo do conflito interior de cada homem e da dificuldade de conviver com o diferente.Apaz só existe onde existe a unidade;a qual pressupôe a convivência respeitosa com a diversidade.
Comemoram-se neste ano de 2008 os 60 anosdo assassinato de Ghandi, um dos grandes lideresmundiais da luta pela paz. Sessenta anos são poucos se comparados aos milênios que compõem ahistória, mas esse período é suficiente para uma avaliação. No século XX, que se distinguiu por grandesdestruições e extermínios, por violências incriveis editadores que, com certeza, exprimiam a noite que ahumanidade atravessa, Ghandi foi, sem dúvida, umaresposta inexorâvel de esperança, um testemunhoque subsistirá aos milênios, para inspirar as gerações futuras. Permanece como um ponto de refe-
60 PAULO VI, Encíclica "Populorum Progressio".
-'- In_tc_resses[)ifusos e Coletivos / Dif(use inlcrests a~d Rights
subdesenuma das economias
,{,'''k"nfeç da atualidade.
ConclusãoComo vimos, a unidade e a paz, frutos tam
bém da Justiça e da çducação, são assuntos atuais ede interesse mundial. Embora marcado por grandestensões, conflitos e ameaças de guerra,
[...] paradoxalmente, parece que o mundo seencaminha para a unidade e, portanto, para apaz:é um sinal dos tempos. Éo que dizem, PO(exemplo, as numerosas entidades eorganizações internacionais. Éo que diz, 110 mundo religioso, a "Conferência Mundial das Religiõéspela Paz". Indicam essa tendência do mundo âunidade até ideologias, hoje em parte superadas, que também tendiam a resolver osgrandes problemas de hoje de modo global.Favorecem a unidade os modernos meios decomunicação, que fazem o mundo entrarnuma comunidade ou numa familia ô '
Henry Sobel, em sua recente obra "Um Ho- "mem - um Rabinp", após reportar-se ao "doloroso caso Vladimir Herzog, lança desafios para a cons"trução da paz, ao indagar como não simpatizeI' comas Mães da Praça de Maio, na Argentina, que, durantedécad'as, vêm exigindo noticias de seus filhos torturados e eliminados. Relembra o importante trabaIhoda Anistia Internacional eã Human Rights Watch,empenhados em assegurar o respeito aos direitoshumanos e a uma vida em liberdade para todos. Explica, igualmente, a força que vêm ganhando enti
'dades ecologistas como o Greenpeace e o WorldWildlife Fund. Nos mais variados âmbitos de atuação da humanidade, 05 homens se unem na construção de um mundo justo, solidário e fraterno.
(;, CH!ARA LUBICH, discurso pronunciado na sede da UNESCO(Paris), em 17 de dezembro de 1996, quando da outorga do PrêmioUNESCO 1996 pela "Educação à Paz"~
Os desafios de caráter planetário que se apre_sentam â sociedade contemporânea exigem respostas que erradiquem os conflitos e as guerras emtodos os P'intos do mundo, mas, ao mesmo tempo,promovam a paz internamente, no âmbito de cadanação, de cada sociedade, de cada família, de cadaser humano.
Sâo essas as estruturas desejadas para um"Mundo Unido", uma real novidade como projetocultural e proposta de convívência social capai defazer caminhar a história.
O "Mundo Unido" requer uma maturaçâo alFtropológica capaz de apontar para -novos conteúdos pedagógicos; um modo diferente depostar-se diante de cada matiz do saber humano e, ao mesmo tempo, detectar umametodologia realmente,apta â formação denovas gerações chamadas para construir e viver este novo mOmento histórico. Antes démais nada, requer uma humanidade equipada de conceitos, como solidariedade, interdependência, igualdade, liberdade, paz,revisitadosà luz deuma antropologia que coloque no centro a pessoa: o ser humano em relação, capazdetecer relacionamentos para fora e, ao mesmotempo, para dentro de qualquer diversidade.O instrumento da comunicação será Odiálogo, com timbre de transparência, mansidão,confiança e prudência pedagógica; e será umdiálogo pluralístico, multirracial, multiétnico,multi nacional, multirreligioso, multicultural.O valor fundamental necessário para viver emum mundo tecido desse modo será o amor.Somente o amor, como expressão do nossoser, será capaz de nos ajudar a construir relacionamentos novos, superando a "cultura doter" com a "cultura do dar", e nos inspirar nainvenção de instituições capazes de colocar oscidadãos realmente nas melhores condições departicipantes das grandes escolhas para asquais todos somos chamados ô ,
6. VERA ARAÚJO, "O Projeto de um Mundo Unido - resposta aosdesafios do ano 2000", palestra proferida durante o CongressoInternacional de Educação para a Mundialidade, Roma, maiol1995.
A liberdade é um dos fermentos da paz.Cada homem é livre para optar a favor da paz
ou dos pequenos ou grandes conflitos. Daí, somente daí, surgirá a desejada paz entre a humanidade.
CURY, M. Justice, education and peace. RevistaJustítia (São Paulo), v. 198, p. 67-93 I jan/jun. zo08
, ABSTRACT: The present article intends to be a <reflection aboutJU5TICE, EDUCATION AND PEACEby assessing each ofthese threethemes notindividually, but as constituent palts of a singlemosaic, intertwined to build the solidary societyreferred to by the Federal Constitution. Experts inboth subjects are sure that yearned local and worldpeace find their roots in true Justice andirreplaceable Education. .Nevertheless, efforts towards peace throughouthuman history have been systematicallyinterrupted by social commotions ar wars thatbreak in different spots of the planet, caused bysocial, religious, political ar historical reasons. Inconsequence, Justice and Education are oftenshaken. The loss of peace is always a refiex boht ofthe conflicts inherent to each human being andthe difficulty to Ifve with what is different. Peaceexists only where there is unity, which implies therespectful acceptance of diversity.The planetary challenges faced bythe contemporarysociety demand answers that can eradicateconflicts and wars ali over the world and, at thesame time, promote peace in every nation, everysociety, évery family and every human being.A peaceful and united world requires a humanmaturity capable of pointing new pedagogicalcontents and a different posture in the face.of eachand every aspect ofthe human knowledge and, atthe same time, that is also able to find a newmethodology, truly qualified to model futuregenerations that can build and live this newhistorical moment, It demands, prior to anything;that humanlty be equiped with concepts such assolidarity, mutual dependence, equality, freedomand peace, reviewed in the light of ananthropology that really, focus on people: the
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human being able to sew relationships with theoutside world and inside ali kinds of diversity. Thecommunication instrument will be dialogue, withatone oftransparency, gentleness, confidence andpedagogical prudence. It shall be a plural, multi"racial, multi-ethnic, multi-religious and multi-culturaldialogue. The fundamental vírtue necessaryfor one<to live in this new world will be love. Onlylave, as an expression ofone'sself, might be ableto help us build fresh relatipnships, replacing the"I have" culture by the "I give" culture, and to inspire us create institutions that can really givecltizens the best (honces in participating in thegreat decisions to whlch we are ali called for.
, KEYWORDS: Justice. Education. Peace. Unity.Diversity
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