jornal voz da leste - novembro de 2013

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Voz da Leste, edição 002 São Paulo, SP/ Zona Leste, Novembro de 2013 GRUPO DE TEATRO POMBAS URBANAS 24 anos de existência POR UMA MEMÓRIA CIGANA NA ZONA LESTE Entrevista a Nicolas Ramanush, da Embaixada Cigana do Brasil PERIFERIAS EM LUTA Pelo fomento à periferia e outras questões...

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2ª Edição do Jornal Voz da Leste

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Page 1: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Voz da Leste, edição 002 São Paulo, SP/ Zona Leste, Novembro de 2013

GRUPO DE TEATROPOMBAS URBANAS

24 anos de existência

POR UMA MEMÓRIACIGANA NA ZONA LESTE

Entrevista a Nicolas Ramanush, da Embaixada Cigana do Brasil

PERIFERIAS EM LUTA

Pelo fomento à periferia e outras questões...

Page 2: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013EDITORIAL

EXPEDIENTE• Editores: Elaine Mineiro e Marcel Cabral Couto • Arte e Diagramação: Lese Pierre, Paloma Valéria dos Santos, Patrícia Portugal e Patrícia Mayumi Ishirara • Ilustração: Ruana Negri • Jornalistas: Aurélia Cavalcante, Lívia Lima e Maurício de Moraes Noronha (Muro) • Colaboradores: Adailton Alves Teixeira, Antonio Miotto, Coletivo ALMA, Dimitry Uziel, Edu Sereno, Escobar Franelas, Débora Freitas, Daniel Marques da Silva, Danilo Morcelli, Hugo Paz, Instituto Pombas Urbanas, Leandro Hoehne, Ligia Costa, O Augusto, Queila Rodrigues, Ruana Negri, Thabata Ottoni, Thales Alves, Vandei Oliveira Zé • Parceiros: ANEL-SP, Casa de Cultura do Itaim Paulista, Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, Coletivo DAR, GRCS Escola de Samba Unidos de Santa Bárbara e Sarau o Que Dizem os Umbigos • Administração: Adriano Borges, Elaine Mineiro, Marcel Cabral Couto e Simone Estrela • Contatos: e-mail: [email protected]; facebook: https://www.facebook.com/VozDaLeste; Blog: vozdaleste.blogspot.com; • Anúncios: [email protected]; Cel: 963811073 (Marcel) • Gráfica: Taiga Gráfica e Editora Ltda. Tiragem: 3.000 exemplares.

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A PERIFERIA NÃO DORME NUNCA!

• Realização:

É com um imenso prazer que lançamos agora a segunda edição do Jornal Voz da Leste. Não pensem que houve um vazio entre a última edição e esta, ao contrário estamos na luta diaria, constante, na linha de frente ou acompanhando e apoiando os coletivos e movimentos que fazem com que as periferias até possam ser, muitas vezes, bairros dormitórios, mas nun-ca um lugar onde se dorme. Lembramos que quando muitos disseram em junho passado que o “Brasil acordou” outros lembraram que a” PERIFERIA NUNCA DORMIU!”

O Fórum de Cultura da Zona Leste, que esta publicação faz parte, se articulou com outras periferias, notadamente da Zona Norte, Zona Sul e as periferias centrais como A Favela do Moinho e criaram uma Mostra Cultural da Periferia com fins artísticos e políticos. Quere-mos mostrar que já fazemos um trabalho há anos e sem dinheiro público que lhe baste. De-nunciamos a falta de investimento ampla nas periferias, notadamente na Cultura, e exigimos uma LEI DE FOMENTO À PERIFERIA dotada com ORÇAMENTO PRÓPRIO e 2% do orçamento do município para a Cultura.

Temos que comemorar que na última Conferencia Municipal de Cultura a perifa estava em peso e fez valer sua voz ali nas deliberações aprovadas.Também comemoramos a apro-vação do VAI II que continua um processo de financiamento público das bordas da cidade no fazer cultural de SP. Contudo, sabemos que essa grana ainda é pouco, mas é um avanço considerável para regiões que recebem apenas 0,7 desse dinheiro.

Aproveitamos para denunciar a ameaça de despejo de vários coletivos periféricos de suas ocupações culturais. Casos do Sacolão das Artes na zona sul, e do CDC Vento Leste e Co-letivo Alma na zona leste. Espaços de referencia para suas comunidades que há anos vem construindo com arte o debate sobre o existir e viver nesta cidade. O Jornal Voz da Leste, apoia esta luta!

Nesta edição denunciamos o Metrô de São Paulo com seus problemas cotidianos e a denuncias do desvio de R$ 425 milhões durante os 20 anos de governo do PSDB em nosso estado. Trazemos também a memória dos ciganos na zona leste, povo ancestral de cultura muito rica. Matérias sobre o fazer cultural e da memória da zona leste, dicas culturais, das lutas periféricas e dos movimentos sociais também recheiam nossas páginas mais uma vez.

Como disse Rosa Luxemburgo, “quem não se movimenta não sente as correntes que o aprisiona”. Então vamos nos mexer!

Boa Leitura, tamo junto!

Marcel C. Couto e Elaine Mineiro - Editores São Paulo, Novembro de 2013.

Ilustração: Ruana Negri

Page 3: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013 3 POLÍTICA

Quanto mais avançam as forças de produção da vida no sistema capitalista e, conse-quentemente, a exploração da classe trabalhadora, o chamado de Marx se reafirma com mais intensidade, levando os traba-lhadores a se reorganizarem na luta contra a opressão e explo-ração da sociedade atual.

Muitas foram as formas históricas dessa organização: ligas, movimentos, sindicatos, partidos, etc. Hoje a concla-mação à luta é feita pelos co-letivos organizados nas perife-rias das cidades – Entenda-se por periferia não só um espa-ço geográfico afastado do cen-tro, mas o espaço onde, dentre outras coisas, reside um con-junto da classe trabalhadora; um lugar onde a cultura é pro-duzida e fruída por essa classe.

Ao longo desses últimos anos, houve um deslocamento no jogo de referências e remissões que o termo periferia parece mobilizar. Não mais entendida apenas como local de pobreza, privação e sofrimento passível de comiseração, a perife-ria passa a ser um termo utilizado como marcador da presença ativa de populações vistas não sob o sig-no da fragilidade, mas da poten-cialidade. (Tiarajú, 2013).

É com a perspectiva de po-tencializar ainda mais a orga-nização popular nas periferias que o Fórum da Zona Leste, após vários encontros, organi-za, junto com companheiros de outras quebradas, de outras zonas de São Paulo, a Mostra Das Periferias, unindo ação política e estética. A mostra tem por tema a criação do Fo-mento Periferia, lei que pos-sibilita a sustentação material

Sacolão das Artes / Voz da SulFoto: Rogerio Gonzaga

dos diversos trabalhos que já são desenvolvidos nos cantões da cidade, e teve sua abertura no dia 12 de outubro na favela da Paz.

No dia 13 de outubro, o Sacolão das Artes teve o pra-zer de sediar o primeiro en-contro formativo da Mostra, no qual se fez uma retomada histórica da origem do Fó-rum e se discutiu os avanços e possíveis empecilhos para a realização da lei. O Sacolão das Artes, espaço ocupado por trabalhadores das artes, produtores culturais e movi-mentos sociais, vem partici-pando de ações com o Fórum Z/L que visam à ampliação

“Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos!”

(manifesto do Partido Comunista)

ASVOZES

SOMOS TODOS DOUGLAS!

Texto: do portal da ANEL - Assembléia Nacional de Estudantes - Livre. Em 29 de Outubro de 2013

Nesta segunda-feira, 28 de outubro, o funk da Vila Medei-ros, Zona Norte de São Paulo, abafou mais um tiro no cami-nho da juventude negra da pe-riferia do Brasil. Douglas Ro-drigues tinha apenas 17 anos e provavelmente muitos sonhos a concretizar, como qualquer jovem, quando foi abordado por um policial militar com um tiro no peito e morreu sem entender o motivo de es-tancar seus sonhos.

A população de Vila Me-deiros, porém, não se acei-tou ter que enterrar mais um morto em silêncio. Numa verdadeira homenagem pós-tuma gritaram pelas grandes avenidas da cidade e atearam fogo em ônibus e caminhões, pois não aturam mais que a única chama a se acender pe-los mortos da periferia seja a chama das velas dos milhares de mães que acompanham o

cortejo dos corpos, em geral negros e pobres, que povo-am a cidade mais populosa do país e que morrem como Douglas, sem saber o porquê.

Como não bastasse a cla-ra truculência da PM de São Paulo, sentida na pele todos os dias pelas periferias, no dia 3 de setembro a Rota ganhou uma “Salva de Prata” da câmara de vereadores dessa cidade, um prêmio que, segundo os verea-dores do PTB, homenageia os “verdadeiros heróis dessa so-ciedade” e ainda pra completar no Rio de Janeiro a Condor, empresa que produz armas “não letais” foi homenageada pelo O Globo com o prêmio “Faz Diferença”. Empresa essa que teve sua produção gasta reprimindo os protestos que tomaram conta do Brasil e que de certa maneira também são um grito da periferia negra que não agüenta mais ser tratada

com a brutalidade dos estados através da PM.

Sobre o assassinato do jo-vem Douglas, o PM que dispa-rou o tiro está sendo acusado de homicídio culposo, que sig-nifica homicídio sem intenção de matar, o que não há perícia que explique na situação em questão, já que Douglas foi atingido com um tiro no peito, enquanto passava em frente a um bar. É preciso que Geral-do Alckmin, que sempre apóia a ação da PM se manifeste e tome uma atitude não apenas por esse crime, mas por ser mais este. É ainda um absur-do que a presidente Dilma dê uma declaração prestando solidariedade e afirmando a desigualdade e violência pela qual passam em jovens, como se fosse uma agente passiva no quadro em questão.

Não dá mais pra tolerar que em todos os atos e em

REA-ÇÃO

todas as ruas das favelas bra-sileiras sejamos vigiados por “heranças da ditadura mili-tar”, como é a PM, instituição essa que se baseia apenas na repressão a população, com requinte de crueldade. Até a ONU já se pronunciou em defesa da desmilitarização dessa instituição truculenta, que forma na verdade assas-sinos em série e não heróis. É necessário que Dilma tome uma atitude em defesa dos milhares de Douglas que po-voam nosso país, que desmili-tarize a PM e crie uma polícia controlada pelas comunida-des, sem fins repressivos. As-sim quem sabe diminuirão as velas dos milhares de cortejos fúnebres, que tem cor, idade e classe social!

SOMOS TODOS DOU-GLAS!

PELA DESMILITARIZA-ÇÃO DA PM!

PERIFERIA EM LUTA

da discussão e reflexão acerca dos nossos afazeres, enquan-to sujeitos históricos do nos-so tempo, que culminem em ações práticas de transforma-ção da realidade.

Uma das ferramentas para essa transformação, além das discussões e reflexões pro-postas pelo Fórum, é o jor-nal Voz da Leste, que cumpre um papel fundamental na disseminação dessas iniciati-vas, travando, na trincheira da comunicação, da palavra, da notícia, mais uma batalha dessa mesma guerra contra a mercantilização do pensa-mento. É com esse mesmo intuito que nós, da Sul, bus-

camos organizar, a exemplo dos companheiros da Leste, um Fórum Da Sul e um jor-nal Voz da Sul (por enquan-to um blog), numa tentativa de somar ainda mais as nos-sas forças, pois, agora que já temos voz, queremos mais, queremos cantar o sol de um novo mundo oriundo da força de nossos braços e do peso da nossa arte.

Periferias do mundo intei-ro, uni-vos!

Page 4: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

4POLÍTICA

Os dois primeiros me-ses de 2013 foram marcados por inten-sas mobilizações e

discussões entre grupos perifé-ricos organizados em plenárias e encontros: paralelamente regi-ões como Ermelino Matarazzo, Guaianazes, Cidade Tiradentes, Itaquera, Penha, São Miguel, Itaim Paulista e mais tarde São Mateus, articulavam-se, local-mente, e debatiam sobre as con-dições de vida e fruição cultural de seus bairros. Participavam destas reuniões não só artistas e coletivos, mas também gestores de equipamentos públicos e pes-quisadores, possibilitando im-portantes momentos de troca e construção de saberes coletivos.

“Nunca fechados para novas ideias”, era o que dizia o cartaz de divulgação do 2º Encontro Zona Leste, antevendo o que estava por vir. Naquela mesma noite a articulação de Guaianazes che-gou junto e propôs a integração das agendas e a formação de uma rede comum na região.

“PESSOAS DIFERENTES, IDEIAS DIFERENTES,

ANSEIOS DIFERENTES, BAIRROS DIFERENTES, MAS COM UM MESMO OBJETIVO: VALORIZA-ÇÃO PARA QUEM FAZ ARTE E CULTURA NA

ZONA LESTE” (Informativo do

Encontro Zona Leste)

O Fórum de Cultura da Zona Leste se consoli-dou neste processo coletivo com a clareza de que tratava de questões locais e estrutu-rais, interligadas pela históri-ca e desigual lógica da urba-nização e política paulistana. Entendendo-se parte de um contexto integrado e com-plexo. A organização é regio-nal, mas de interesse comum à outras periferias. “Periferia é periferia em qualquer lugar”, já cantavam os Racionais Mc´s lá na Zona Sul.

A leitura que se faz da questão cultural é transver-sal e estrutural, passa por todas as esferas da socieda-de e interage com as forças políticas em jogo. Acredi-tando na potência criadora e crítica das práticas dos su-jeitos periféricos, o FCZL defende a valorização das manifestações artís-ticas e culturais locais, marginalizadas justamente por não serem passíveis de troca e lucratividade segun-do a racionalidade do mer-cado, uma vez que seu fazer artístico está baseado nas redes solidárias e comunitá-rias, não submisso aos valo-res hegemônicos e voltados prioritariamente a um pú-blico com baixa capacidade de consumo e acesso incons-tante às produções e ativida-des artístico-culturais.

O objetivo é criar um es-paço aberto e continuo de dis-cussão sobre políticas públicas (governamentais ou não) e es-timular a produção artístico-cultural nas periferias da ci-dade. Defende-se a ampliação dos horizontes de oportuni-dades e possibilidades de pro-jetos de vida que possam ser pensados fora do esquema do mercado de trabalho tal como se encontra hoje; pela vida não pautada na necessidade de reprodução da força de traba-lho; por uma conscientização emancipatória do indivíduo e a possibilidade de construção de projetos coletivos.

“NA ÓTICA DO CAPITA-LISMO NÓS NÃO SOMOS

COMPETENTES. NÃO PRODUZIMOS MERCA-DORIA, NOSSA PRODU-

ÇÃO É SIMBÓLICA” (Carta do Fomento).

O que o Fórum propõe é dar maior visibilidade à periferia, reconhecendo-a como parte integrante da cidade e valorizando as criações culturais de-senvolvidas pelos sujei-tos periféricos. Pois são estes que, por meio da arte, poetizam o cotidiano e tor-nam visíveis e manifestas suas questões e lutas. A condição periférica leva o artista-cida-dão à luta política.

FCZL: PERIFERIAS EM LUTA #pelofomentoàperiferia e outras questões...Texto: Harika Maia e Queila Rodrigues Fotos: [1] Daniel Marques e [2] Queila Rodrigues

Entrega das pautas do FCZL ao prefeito Fernando Haddad. Itaim Paulista

Ato de abertura da 1ª Mostra Cultural das Periferias - Pela Lei de Fomento à Periferia. Itaquerão [Foto: Queila Rodrigues]

[2]

[1]

Novembro de 2013

EMDEBATE

Page 5: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013POLÍTICA

Seminário de Políticas Públicas

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Para a organização do tra-balho desenvolvido e para qualificar esta ação, forma-ram-se grupos de trabalho nas áreas de: “formação”, “po-líticas públicas” e “mostra cul-tural”. A primeira forma-ção se deu em maio e teve como temática a constru-ção social e simbólica da periferia e do sujeito pe-riférico. O convidado para o debate foi Tiarajú D´Andrea, artista e integrante do Coleti-vo Dolores Boca Aberta, que defendeu, este ano, a tese de doutorado “A formação dos sujeitos periféricos: cultura e política na periferia de São Paulo” (USP).

Em seguida foi a vez do GT de políticas públicas mos-trar a que veio. Com o intuito de debater ações e políticas públicas, o grupo realizou nos dias 20 e 21 de julho o “O 1º Seminário de Políticas Públicas para a Perife-ria”, no CDC Vento Leste – escolhido por ser um espaço ocupado por coletivos inde-pendentes (Coletivo Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes, Coletivo da Alberti-na, Grupo Teatral Parlendas, Grupo de Dança Amigos Para Sempre, Banda Nhocuné Soul, Esquadrão Arte-Capo-eira) e estar sob ameaça de despejo pela prefeitura, assim como tantos outros espaços culturais da cidade.

ORÇAMENTO: destina-ção de 2% à Secretaria Mu-nicipal de Cultura, garantido em lei – com projeção de au-mento de 10% em 10 anos – e destinação de no mínimo 1% do PIB ao MINC;

GESTÃO: necessidade de transparência no uso do recur-so público; qualificação dos funcionários que trabalham nos equipamentos culturais; mapeamento das iniciativas existentes e criação de canais de participação popular na gestão das políticas públicas;

E Q U I P A M E N T O S CULTURAIS: indispensá-vel melhoria da estrutura dos equipamentos existen-tes e necessidade de cons-trução de outros; desburo-cratização para a utilização destes espaços; e combate à gestão privada dos equipa-mentos públicos;

ESPAÇOS INDEPEN-DENTES: apoio, regulari-zação e cessão de uso aos espaços públicos ociosos ocu-pados e geridos por grupos independentes;mapeamento de locais ociosos com poten-cial para ocupação cultural;

PLANOS: necessida-de da cidade de São Paulo aderir o Plano Nacional de Cultura e elaborar o Plano Municipal, com a reativação e discussão do papel desem-penhado pelo Conselho Mu-nicipal de Cultura.

Dentre inúmeras pautas existentes e prioritárias, gera-das por um processo histórico marcado pela exclusão das pe-riferias nas políticas públicas de cultura pensadas para a ci-dade (cuja maior população é periférica), a bandeira priori-tária do FCZL é a construção de uma política de apoio ao trabalho de grupos com tra-jetórias consolidadas, mas que não se encaixam nos critérios das leis de fomento existentes.

Os coletivos integrantes do Fórum reconhecem e defen-dem a importância e poten-cialidade de programas como o VAI (I e II), mas também suas limitações, sobretudo or-çamentárias, se comparado à outros investimentos públicos restritos à linguagens especí-ficas e/ou com menor alcan-ce, tanto do ponto de vista da produção, quanto da fruição, por isso, pensando em políticas integradas, complementares e mais democráticas, o FCZL propõe o Fomento à Periferia.

Para fomentar os debates, foram convidadas algumas pessoas que já desenvolvem trabalhos na área e poderiam contribuir com o processo de aprofundamento da discus-são, dentre elas: Luiz Carlos Moreira (diretor da Cia. En-genho Teatral), Ana Paula do Val (pesquisadora e militante) e representantes da Secretaria Municipal de Cultura, como o secretário Juca Ferreira, seu assessor Guilherme Varella e os coordenadores Gil Marçal e Renato Almeida.

Entre música, poesia, ma-racatu, intervenções estéticas e muito debate, foi possível pontuar demandas comuns e bandeiras importantes:

FOMENTOS: aprovação do Programa VAI 2 (aprova-do pela Câmara em 16.10); implantação dos Pontos de Cultura (SMC) e simplifica-ção da prestação de contas; transparência e democra-tização para o uso da verba destinada à Quebra da Cul-tural e fim dos mecanismos de incentivos via renúncias fiscais, como a lei Rouanet , o Proac ICMS, a lei Men-donça e o enfrentamento à aprovação do projeto de lei “Zé Renato” – que, se apro-vado, deve destinar mais R$ 13 milhões de reais à peque-nos produtores teatrais (lin-guagem artística que já pos-sui um fomento específico);

[2]

“Na América Latina, são uma perigosa espécie em extinção: as organizações dos sem terra e dos sem-teto, os sem-trabalho, os sem-tudo: os grupos que trabalham pelos direitos humanos; os lenços brancos das mães e avós inimigas da impunidade e do poder; os movimentos que congregam vizinhos de bairro; as frentes de cidadãos que lutam por preços justos e produtos saudáveis; os que lutam contra a discriminação racial e sexual, contra o machismo e contra a exploração das crianças; os ecologistas; os pacifistas; os voluntários da saúde pública e os educadores populares; os que promovem a criação coletiva e os que resgatam a memória coletiva; as cooperativas que praticam a agricultura orgânica; as rádios e televisões comunitárias; e muitas outras vozes da participação popular, que não são setores auxiliares dos partidos nem capelas submetidas a qualquer Vaticano. Com frequência, essas energias da sociedade civil são acossadas pelo poder, que as vezes chega ao ponto de enfrentá-las a tiros. Alguns militantes tombam pelo caminho, crivados de balas. Que os deuses e os diabos os tenham na glória: são as árvores que dão frutos as que mais levam pedradas.”

IN.: De pernas pro Ar - Eduardo GALEANO

O FOMENTO PERI-FERIA tem sido pauta per-manente de discussão com outros movimentos peri-féricos da cidade, porém suas características princi-pais já foram desenhadas:

• Um programa estru-turado em lei, com dota-ção orçamentária própria e mecanismos de reajustes pré-estabelecidos;

Uma Política que deve:• Contemplar projetos

culturais de coletivos das periferias paulistanas;

• Visar a estruturação e potencialização de trabalhos continuados;

• Direcionar-se às múl-tiplas linguagens artístico-culturais. (As práticas dos artistas e grupos periféri-cos estão entrecruzadas por trajetórias e vivências que configuram uma cena cul-tural rica de diversidade e experiências que não estão limitadas a uma ou outra lin-guagem artística);

• Ter caráter distinto do programa VAI no que se refere à faixa etária (sem restrição como no VAI I), ao tempo de duração e ao montante de recursos des-tinados por projeto (no mínimo R$ 100.000,00).

“FOMENTO À PERI-FERIA, uma política pú-blica capaz de estruturar econômica e poeticamente as coletividades das que-bradas” (trecho do Mani-festo Periférico: pela lei de fomento à periferia).

Articulado a outros movimentos culturais pe-riféricos, o FCZL promove entre os meses de outubro e novembro a 1ª Mostra Cultural das Periferias, com atividades artísticas diárias e mesas de forma-ção política, na cidade e Grande São Paulo. São as periferias unidas mostran-do sua força e potencia por meio da arte.

O Fórum segue seus tra-balhos na promessa de não deixar a peteca cair. Para isso convidamos todos que se identificam com estas pautas a participarem das reuniões abertas. Para saber mais, acesse a página do facebook: www.facebook.com/foru-mdeculturadazl

[email protected]

Page 6: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013POLÍTICA 6

“No vocabulário ferroviá-rio, os espaços dos trens em que se transportam pessoas são chamados carros. Vagão é para transportar bicho”, aprendeu Maria Alice Alves durante um passeio turísti-co. Isso explica para a nutri-cionista, moradora da Vila União, o porquê de, este se-gundo termo ser o mais utili-zado para se referir ao metrô. “Ninguém se respeita, é desu-mano”, desabafa.

Diariamente, Maria Alice e mais de 1,1 milhão de pessoas utilizam a Linha 3 – Vermelha da Companhia do Metropoli-tano de São Paulo, o Metrô. Principal meio de transporte público que liga a zona leste às outras regiões, a linha ver-melha é, também, a que trans-porta mais passageiros em toda a cidade.

Segundo dados de 2010 da Comunidade de Metrôs, a Comet, organização que reúne representantes dos 12 maiores sistemas de metrô de diferentes países, o sistema paulistano é o mais lotado do mundo, e chega a transportar 11,5 milhões de passageiros a cada quilômetro de linha, realizando cerca de 4,5 mil viagens diárias.

De acordo com orienta-ções da Comet, o limite de lotação dos vagões deveria ser de 6 usuários por metro qua-drado. Entretanto, na Linha 3 – Vermelha, transporta-se, em média, 8 pessoas, sendo que, nos horários de pico, o núme-ro chega a 11.

“Pegar metrô no horário de pico sempre rende situ-ações ruins, ainda mais para mim que embarco na estação Tatuapé, onde os trens já estão superlotados. Quando tenho algum compromisso de manhã e preciso utilizar o metrô, saio com bastante antecedência e conto com a sorte para conse-guir embarcar”, conta a estu-dante Carolina Pedroso.

“No Carrão, devido à su-perlotação, entrei em atrito com um usuário; estava dei-xando o povo entrar e ele foi me empurrando para o lado, alegando que eu não estava ajudando, que estava fazen-do corpo mole e facilitando a entrada de mais gente. Hou-ve uma discussão e quase que

acabamos em briga. Isso é bem desagradável”, relata o estagi-ário Leandro Toledo, morador de Artur Alvim.

Além da superlotação, as constantes falhas estão entre as principais queixas dos usuá-rios. Em 2012, de acordo com a Secretaria dos Transpor-tes Metropolitanos, o Metrô apresentava, em média, uma falha a cada 21,5 mil viagens, o que representa um proble-ma a cada cinco dias. Isso faz com que os moradores das re-giões mais periféricas tenham que sair cada vez mais cedo de casa para chegar ao trabalho, à escola, considerando os cada vez mais previstos atrasos.

ESTAMOS AGUARDANDO A MOVIMENTAÇÃO DO TREM À FRENTE...

Os investimentos em in-fraestrutura e alternativas para a superlotação dos trens são desproporcionais em relação ao aumento da quantidade de passageiros. Conforme dados divulgados pelo próprio Me-trô, em 2010 foram investidos R$236 milhões enquanto em 2011 o valor diminuiu para R$188 milhões.

A redução no orçamento não atingiu apenas a Linha Vermelha. Com exceção da Linha 1- Azul, todas as outras sofreram cortes

nos investimentos entre 2010 e 2011, enquanto o número de passageiros aumentou quase 2% no mesmo período.

Em 2012, o estado de São Paulo pretendia destinar R$9,3 bilhões para melhoria e expansão do sistema metrovi-ário, entretanto, até este ano, apenas R$3,4 bilhões foram gastos, 37% do previsto.

A falta de investimentos, associada às recentes denún-cias de corrupção nas licitações do Metrô e da CPTM, coloca a administração da empresa e o Governo do Estado de São Paulo ainda mais em suspeita.

Em julho, uma denúncia da transnacional alemã Sie-mens, afirmou que, há mais de 20 anos, desde o governo de Mário Covas, e em conti-nuidade, nos de José Serra e Geraldo Alckmin, todos do PSDB, acontece um cartel nas licitações públicas de obras e manutenção dos sistemas do Metrô e da Companhia Pau-lista de Transportes Metropo-litanos (CPTM).

A Siemens, que compunha o cartel de, aproximadamen-te 11 empresas, juntamen-te com a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui, dentre outras, relatou a existência do grupo com o

objetivo não ser penalizada. Segundo a transnacional,

o esquema envolvia paga-mento de propinas e desvio de dinheiro público por meio de concorrências com preços superfaturados para manuten-ção, aquisição de trens e reali-zação de obras.

A investigação revela que o cartel superfaturou cada obra em 30%. Segundo o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o Minis-tério Público, os documentos da Siemens indicam que mais de R$425 milhões dos cofres públicos foram desviados. Ape-sar das evidências, o governa-dor Geraldo Alckmin afirma que o estado é apenas vítima do esquema, e que o cartel era desconhecido da gestão tucana.

CUIDADO COM O VÃO ENTRE O TREM E A PLATAFORMA...

Enquanto isso, na estação Vila Matilde, portas de segu-rança instaladas há 3 anos e que não funcionam são tam-bém alvo de investigação. O Ministério Público suspeita de “prejuízo ao erário e atos de improbidade administrativa”, alegando que, com base em processo no Tribunal de Con-tas do Estado, a proposta que previa 48 portas, em 18 esta-

ções, por R$ 72,5 milhões, foi reduzida para 24 portas, mas sem mudança no orçamento.

O MP também investiga o porquê de as empresas Trends Engenharia e Poscon, que adqui-riram a licitação, não terem até hoje colocado as portas em fun-cionamento nas molduras insta-ladas na Vila Matilde, cujos gastos foram de R$ 11,8 milhões.

Em meio a escândalos de corrupção, falta de investimen-tos, superlotação e falhas cons-tantes, os moradores da zona leste são os principais prejudi-cados. A região mais populosa da cidade precisa de melhor infraestrutura e de que o direi-to de ir e vir dos cidadãos seja garantido de forma digna.

“Além da modernização do sistema, o que resolveria par-te dos problemas operacionais e daria mais agilidade para o metrô nos horários de pico, a ZL precisa de mais opções de transporte para chegar ao cen-tro”, acredita a estudante Ca-rolina. “A construção de novas estações e a descentralização empresarial contribuiriam para uma grande melhora no metrô”, afirma Leandro.

PRÓXIMA ESTAÇÃO: SUFOCOLinha Vermelha do metrô, principal meio de transporte da zona leste, carece de investimentos e deixa os usuários cada vez mais insatisfeitosTexto: Lívia Lima

1 Com informações da Revista Isto É, jornais Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo e Brasil de Fato, e da Rede Brasil Atual.

EM JULHO, UMA DE-NÚNCIA DA TRANSNA-

CIONAL ALEMÃ SIE-MENS, AFIRMOU QUE, HÁ MAIS DE 20 ANOS,

DESDE O GOVERNO DE MÁRIO COVAS, E EM

CONTINUIDADE, NOS DE JOSÉ SERRA E GE-

RALDO ALCKMIN, TODOS DO PSDB,

ACONTECE UM CAR-TEL NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS DE OBRAS E MANUTENÇÃO DOS SISTEMAS DO METRÔ

E DA COMPANHIA PAU-LISTA DE TRANSPOR-

TES METROPOLITANOS (CPTM).

Page 7: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013 7 POLÍTICA

DESEMBARQUE PELO LADO ESQUERDO DO TREM...

Sucesso na internet, a pá-gina no Facebook “Zona Leste Depressiva”, no ar há 1 ano, possui mais de 75 mil seguido-res e transforma em humor e sátira o cotidiano dos morado-res da região nos transportes públicos, mas também presta serviços de utilidade pública, divulgando informações e no-tícias de interesse local.

A seguir, entrevista com o administrador da página, um técnico de informática, mora-dor de Guaianases, que prefe-re que sua identidade não seja revelada:

Por que decidiu criar a pá-gina Zona Leste Depressiva?

A página foi criada com o intuito de fazer e trazer hu-mor para a galera da Zona Leste. Como sabemos que o Facebook é a maior rede social no momento, então logo foi optado pelo Face.

Por que o transporte público é o principal tema da página?

O foco da página sempre foi os bairros e o transporte público. O transporte público em especial, percebo que ren-de uma maior interação dos curtidores da página. Por mais que os posts tenham o foco no humor, se percebe que em um mesmo post, dezenas de pesso-as abordam assuntos diferentes.

Vou citar um exemplo: Re-centemente fizemos um post em “luto” pela linha 702P-10, que foi desativada pela SP-Trans. No post várias pessoas reclamaram da exclusão des-sa linha, já outras brincaram, outras deram soluções viáveis para quem usava essa linha. Isso é uma coisa muito bacana, pois acabamos vendo diversos pontos de vista e opiniões.

Você costuma receber co-mentários com muitas recla-mações do metrô? Lembra-se de um caso em especial?

Diversas reclamações, entre as mais comuns estão ouvir mú-sica sem fone de ouvido, a falta de uso de perfume e “encoxa-das” que acontecem no metrô.

As pessoas enviam histórias? Fotos de situações no metrô?

Enviam sim, inclusive in-centivo a enviarem sempre, pois boa parte das histórias e fotos acabam virando posts na página, isso acaba sendo muito interessante pois acaba tornando a página um poder de comunicação em massa da Zona Leste.

Quais posts fizeram mais sucesso?

Vou citar aqui 3 posts que fizeram até o momento mais sucesso:

1º Post com uma sátira onde mostra o perfil dos usu-ários em cada linha do metrô, onde na linha vermelha, a aglomeração é tremenda.

2º Post que faz uma sátira a superlotação na estação Brás da CPTM, bastando chegar com um violão lá, tocar e can-tar para ter um “público” de “milhões” de pessoas.

3º Post criado agora no inverno mostrando o bairro de “Artur Alvim” coberto por neve (montagem).

Quais são, em sua opinião, os principais problemas do metrô?

Com certeza a superlota-ção, problema este causado por falta de investimento e visão de futuro do governo estadual de décadas pra cá. O governo municipal tem sua parcela de culpa já que quando se deixa de investir em ônibus e alternativas que facilitem a locomoção dos ônibus, a po-pulação tende a migrar para o carro ou metrô.

O que você acha que deve-ria ser feito para o metrô atender melhor a demanda da zona leste?

Infelizmente não há uma medida a curto prazo a ser tomada. Nossos governantes precisam trabalhar em conjun-

to quando o assunto é trans-porte coletivo, independente de partido político.

Algumas soluções que nos-sos governantes vêm tomando e que com o tempo surtirão efeito, como aumentar a malha ferroviária e as expandir para os extremos da capital. Infeliz-mente demorará alguns anos até que novas linhas de metrô/monotrilho saiam do papel. Já o Poder municipal vem crian-do faixas exclusivas de ônibus, falta agora aumentar a frota de ônibus e liberar essas faixas para taxistas e fretados.

Para você, é o transporte pú-blico que faz a zona leste se tornar “depressiva”?

Do meu ponto de vista e da grande maioria dos curti-dores da página, com certeza o transporte público deixa a Zona Leste Depressiva, em especial as regiões periféricas.

“EM MEIO A ESCÂNDA-LOS DE CORRUPÇÃO,

FALTA DE INVESTIMEN-TOS, SUPERLOTAÇÃO E FALHAS CONSTANTES,

OS MORADORES DA ZONA LESTE SÃO OS PRINCIPAIS PREJUDI-

CADOS. A REGIÃO MAIS POPULOSA DA CIDADE PRECISA DE MELHOR

INFRAESTRUTURA E DE QUE O DIREITO DE IR E VIR DOS CIDADÃOS SEJA GARANTIDO DE

FORMA DIGNA.”

Page 8: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013FOTOGRAFIA 8

No Cine Olido [ av. São João – centro], na tarde de domingo[25/08], ocorreu a chegada das delegações e a apresentação do 9º Encontro Internacional sobre a Marcha Mundial das Mulheres para as delegadas internacionais. A Marcha Mundial das Mulheres é um movimento feminista internacional que surgiu no ano 2000 como uma grande mobilização que reuniu mulheres do mundo todo em uma campanha contra a pobreza e a violência. Na sequência na Galeria Olido [avenida São João - centro] abertura da exposição Feminismo em Marcha. Abertura Marcha Mundial das Mulheres 2013. SÃO PAULO/SP, Brasil 25/08/2013. Fotos: Antonio Miotto

MARCHA MUNDIAL DAS MULHERES

Page 9: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013 FOTOGRAFIA9

Liderados pelo MPL[movimento do passe livre de SP] movimentos sociais e sindicatos concentram-se no vale do anhangabau e marcham pelas ruas do centro da cidade contra o propinoduto tucano, e também, exigindo mudança na lógica de gestão dos transportes metro-ferroviariário na cidade de São Paulo. Sao Paulo/SP, Brasil - 14/08/2013. Fotos: Antonio Miotto.

MPL CONTRA CORRUPÇÃO DO METRÔ

Page 10: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013POLÍTICA 10

No dia 03 de novembro de 2003 foi realizado a I Overdo-se de Teatro de Rua, marcan-do o início do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR/SP). A ação foi a forma encontrada para mostrar as produções dos grupos e cha-mar a atenção do poder pú-blico para essa modalidade te-atral. Assim, antes mesmo de viradas culturais, os artistas de teatro de rua ocuparam o Bou-levard da Avenida São João, no centro da cidade de São Paulo apresentaram seus espetáculos por mais de 12 horas seguidas.

Naquele momento, além de chamar a atenção do poder público, os grupos teatrais de rua chamavam a atenção tam-bém da imprensa, já que não tinham nenhum espaço para divulgarem seus trabalhos e como para o poder público o que contava era que os mes-mos tivessem saído ou não

em determinados jornais, tornava-se um ciclo vicioso: sem história com a imprensa, sem reconhecimento. Artis-tas teatrais de outros espaços também não viam com bons olhos os teatristas de rua. Des-sa forma, era uma “pedrada” para três coelhos. E deu certo. Afinal, se não havia produção ou se não existiam – como se escutava a época – como era possível realizar uma progra-mação tão extensa e tão di-versificada? Quinze grupos participaram da I Overdose e depois vieram mais quatro.

Isso tudo, em certo senti-do é passado. Hoje são muitos os grupos que tem ocupado as ruas, mesmo quem não fazia teatro de rua descobriu as pos-sibilidades dos espaços abertos para se expressarem. Que bom! Bom para a cidade e para a po-pulação, pois esse é o espaço mais democrático que há. Nada

10 ANOS DE MTR (MOVIMENTO DE TEATRO DE RUA)

prende o espectador de rua, a não ser o interesse pela obra.

O MTR/SP fez diversas Overdoses de Teatro de Rua, debates, seminários, publicou a revista Arte e Resistência na Rua e sempre lutou por polí-ticas públicas de cultura. Seus integrantes participaram tam-bém da criação da Rede Bra-sileira de Teatro de Rua, que hoje, na categoria teatral, é o único movimento organizado nacionalmente. Além disso, o MTR/SP realiza desde 2006 a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, que sempre primou, seja em sua programação e na escolha dos homenageados, por pessoas e coletivos que tem feito resistência cultural, como o próprio Lino Rojas que dá nome à Mostra. Bem como César Vieira e Teatro Popular União e Olho Vivo, Ilo Krugli e o Vento Forte, Movimento Po-pular Escambo Livre de Rua,

Movimento de Teatro Popular de Pernambuco, entre outros.

O MTR/SP surgiu no bojo de politização no meio cultu-ral puxado pelo Movimento Arte Contra a Barbárie no fim dos anos 1990 e de lá pra cá, muitos foram os coletivos que foram criados e que acabaram, mas o MTR permaneceu, pois sua tônica é a solidariedade. Apesar de ter começado na capital logo se espraiou pelo estado chegando ao interior, litoral e Grande São Paulo.

As Overdoses não são mais realizadas, mas a Mostra de Te-atro Lino Rojas esse ano chega a sua oitava edição e acontece-rá em dezembro próximo de 03 a 07 e ocupará, mais uma vez, o Boulevard da Aveni-da São João no centro de São Paulo e terá como tônica rever a história desses 10 anos de resistência do MTR/SP. Que venham outras tantas décadas.

Adailtom Alves Teixeira é ator, diretor de te-atro; mestre em artes pelo Instituto de Artes da Unesp.

MOVI-MENTOS CULTU-

RAIS

Texto: Adailtom Alves Teixeira1

Page 11: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013

ENTREVISTAFRAN

“Francisco Carlos da Silva, conhecido por todos como Fran, nasceu e mora em Itaquera. Com 42 anos, dedicou sua vida ao es-porte, primeiro como goleiro de futebol de campo. Seus 1,69m, porém, não permitiram vôos muito altos e o Fran foi então para o futsal, onde conquistou títulos por todos os clubes pelos quais jogou. Aposentado das quadras, dirige a Associação Esportiva e Cultural Kaue Itaquerense, (http://www.aeckaue.com.br/), pintou uma pista de atletismo ao lado de sua casa, bem pertinho do futuro estádio de abertura da Copa do Mundo, onde prepara crianças e adolescentes para o esporte, dá aulas de inclusão digi-tal e não para de treinar e cuidar da saúde e do corpo.

Numa manhã um pouco fria do outono paulista, fomos rece-bidos por ele na sua rua Nicolino Mastrocola, de onde brotam ações sociais sortidas e no atacado. De onde estamos não vemos as obras do enorme estádio, mas somos incomodados à toda hora pelo barulho dos caminhões que entram e saem dos canteiros, assim como pelas vans e ônibus que vão para o terminal do me-trô e pelo trem que passa aos fundos.

Fran é tranqüilo e constrói seu raciocínio sempre reelaboran-do cada frase. Talvez por isso sua fala nunca seja linear. Movidos por essa curiosidade é que fomos ouvir suas histórias, saber de onde tira tanta gana pra viver. E compartilhar.”

Texto e Foto: Escobar Franelas

11 MEMÓRIA ZL

“goleiro é igual jogador de basquete, se não tiver tamanho, sem chance!”

(...)Eu via no esporte a oportuni-

dade de transformar minha vida de garoto, eu praticava enquanto meus amigos preferiam ficar na rua. Fui um garoto que gostava muito de correr, saltar, jogar... Ironicamente, era o menor da turma, e o menorzinho sempre vai pro gol, né? (rindo)

Aprendi a jogar bola nes-sa mesma rua que hoje vocês estão vendo. A gente colocava duas pedras e fazia um “rachão”. Eu não tinha medo, arrancava a cabeça do dedo, ralava cotove-lo, joelho...

Aos 16 anos tive a primeira oportunidade de jogar futebol de campo pelo São Paulo mas o téc-nico disse “olha, eu nunca vi um goleiro tão ágil debaixo dos ´três paus´ mas, infelizmente, goleiro é igual jogador de basquete, se não tiver tamanho, sem chan-ce!” Meu sonho era jogar cam-po, não era futsal. Foi aonde a decepção veio, sabe? Fiquei sem querer saber de bola, chorava. Na minha cabeça eu achava que com 1,69m eu poderia jogar me tornar um atleta profissional no campo. Hoje eu tenho essa no-ção de que isso é impossível. Foi quando eu fui para o futsal. Passei por diversas equipes defendo a FIFUSA – uma outra federação, que não é ligada à FIFA – tive a oportunidade de ser campeão dos Jogos Metropolitanos, cam-peão paulista, dos Jogos Abertos, dos Jogos Regionais. Peguei a Seleção Paulista já pela regra da FIFA, não pela FIFUSA.

Mais ou menos 16 anos já participava dos jogos da Liga e um dia um dos caras me viu jo-gando na quadra da Basílica da Penha e falou, “esse pequenini-nho aí é danado, né?” Na época me chamaram para um time que estava disputando um juvenil e iria disputar a 1ª divisão de futsal.

Comecei a treinar e nem teve juvenil para disputar o Cam-peonato Paulista, só teve o time principal. Fiquei como terceiro goleiro, era o “Juvenil”, e come-cei a viajar com os caras pra dis-putar o Campeonato Paulista, o Estadual. Nas competições, era sempre o “Juvenil” que pegava o café, buscava o suco, essas coisas de jogador mesmo. Comecei a pensar “puxa, acho que estou vi-rando um jogador, né?” (rindo) Dentro do futsal, que é conside-rada um modalidade amadora, comecei a vivenciar que poderia viver daquilo.

“em nosso país dentro do esporte é como qualquer outra profissão, pouquís-simas pessoas ganhando muito e muitas pessoas ganhando pouco”

(...)Na minha época a gente tinha

um salário mas não era como o salário de hoje. Por exemplo, você pega agora um jogador da Liga Nacional, ele ganha 30, 40, 50 mil. Antes não era assim.

Tenho agora 42 anos, deixei de jogar em 2008, meu último clube foi o Suzano. Era uma equi-pe com jogadores que já tinham passado pela seleção, mais madu-ros. Dois anos depois que saí, o Suzano foi disputar a Liga Nacio-

nal com jogador com salário de 10 mil por mês. Aí a gente fala, “caramba, há dois atrás eu estava lá com um salário de mil reais...”

Tem essas coisas que a desi-gualdade, a inversão de valores em nosso país dentro do esporte é como qualquer outra profissão, pouquíssimas pessoas ganhando muito e muitas pessoas ganhando pouco. Fui um atleta universitário com bolsa de 100%, tinha que me formar, a consciência de que o futebol não iria me render condi-ções para sustentar minha família, pelo menos naquele momento.

“Muitas vezes, em minha vida, eu estava no lugar certo, na equipe certa, no momento certo”

(...)Eu, com 13, 14 anos, já jo-

gava no time profissional da co-munidade. Mas Deus sabe o que faz. Se fosse pra ser, eu teria nas-cido com 10cm a mais. Mas com 1,69m tive que ir para o salão.

Às vezes algum amigo me fala “o homem que ganhou tudo” mas eu não sou esse cara. Fui muito mais um atleta dedicado do que um atleta de talento. Dei muita sorte, cara! Tenho essa consciên-cia que treinei muito, treino até hoje. Cinco da manhã e estou aqui, correndo, fazendo “tiro” de 200, 500, 800. Não preciso mais disso por estar com 42 anos mas é minha dedicação...

Moro na zona leste e ganhei torneio de seleções jogando pela zona norte numa final con-tra a zona leste! Muitas vezes, em minha vida, eu estava no lugar certo, na equipe certa, no momento certo.

“o Inter é guerreiro, só tem pinguço e maloqueiro”

(...)Voltei a jogar em 2003, a mi-

nha melhor fase, já na regra FIFA, pela equipe do Internacional. O Inter era amador, virou profissio-nal. Foi aonde eu tive as maiores alegrias, as maiores paixões, vivi-das dentro do futsal. Essa ques-tão de você ter a torcida o tempo inteiro gritando, apoiando... Os caras trabalhavam o dia inteiro e chegava no final do dia – os jogos geralmente eram à noite – eles alugavam e “rachavam” um ôni-bus, às vezes pagavam um lanche para os jogadores. A alegria deles era ver o Inter jogar, gritavam, “o Inter é guerreiro, só tem pinguço e maloqueiro”.

Era uma equipe amadora que disputou profissionalmente os campeonatos da Federação Pau-lista. A gente foi campeão paulis-ta, metropolitano... Meu filho, hoje com 17 anos – na época com 6, 7 anos – fala “poxa, pai, o melhor time que você jogou foi o Inter da Zona Norte, né?” Que disputou o Campeonato Paulista de Futsal.

Não era só a questão das di-ficuldades que a gente passava, por exemplo, a gente saía de São Paulo para ir jogar em Adaman-tina, ou outra cidade, com 800, 900 km de distância, viajando numa Kombi. E a nossa alimen-tação era pão, queijo, presunto e refrigerante.

A gente tinha identificação com a torcida, com o time, com a equipe. Costumávamos di-zer que o Inter era um “time de operários”, porque todo mundo trabalhava durante o dia, trei-

nava à noite e viajava pra poder competir. Uns faltavam nos jogos porque o patrão não liberava pra jogar, um cara que era campeão paulsita fazendo isso, né?

A gente tem jogadores do Inter que saíram pra Portugal, Itália, mas o grande legado que o Inter deixou, pra mim, foi a li-ção de amor ao esporte. A gente era um “família”, não um time de futebol.

“estamos bem perto de dois megaeventos, que é a Copa do Mundo e as Olim-píadas, e que nossos atletas não conseguem ganhar o mínimo possível”

(...)Fiquei três anos no Inter.

Quando falo do Internacional assim, machuca, cara. Os caras trabalhavam o dia inteiro. Eu era dos poucos que já tinham passa-do por outros clubes. O melhor pivô com quem joguei na minha vida, morreu dentro de uma quadra. Porque era um atleta amador, tinha se profissionaliza-do, trabalhava como cobrador o dia inteiro, teve câncer, depois retornou a uma quadra, até que teve uma taque do coração.

Quanto s jogadores que po-deriam estar profissionalmente vivendo do esporte! Que pos-suem talento e hoje estão traba-lhando o dia inteiro, de pedreiro, cobrador de ônibus, motorista, assistente administrativo. Então a gente começa a analisar se vamos ver que estamos bem perto de dois megaeventos, que é a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e que nossos atletas não conse-guem ganhar o mínimo possível para viver do esporte, que tipo de incentivo estamos dando para estas pessoas? Qual o legado des-tes dois megaeventos?

“Um dos clubes mais pro-fissionais que passei foi o Suzano”

(...)Um dos clubes mais profis-

sionais que passei foi o Suzano, onde a gente tinha psicólogo, preparador físico, fisioterapeuta, médico, que chegou a disputar a Liga Nacional. Acho que o fato do Suzano ter ganhado quase tudo o que disputou é porque algumas prefeituras ainda dão condições para os atletas.

Foi mais importante o Su-zano ganhar o Jogos Abertos do que o Troféu Cidade de São Pau-lo, porque o que dá ibope nas cidades são os Jogos Aberto, os Regionais. Por isso esse investi-mento...

(...) Tive uma passagem por Mogi também, fui campeão pau-lista pela 1ª divisão. Minha estréia foi no banco, quando virou o jogo o treinador me falou “vai lá agora”. Normalmente isso não acontece, de trocar o goleiro. Mas era o primeiro jogo e tive a felicidade de fazer uma boa par-tida no 2º tempo.

*apoio na entrevista: Roberto Maty, Jonas Pascini, Marcelo Henrique, Gilberto Amaro e Rodrigo Mendes

Page 12: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013

Acampamento cigano do grupo Calón, em Itaquecetuba - SP

ARTI-GO

12MEMÓRIA ZL

Quando se é discu-tida a constituição do povo brasileiro, em geral, são cita-

das as matrizes indígena que aqui estava, européia, com os portugueses e, posteriormen-te, com os imigrantes, que aqui chegaram, e os negros para cá traficados como força de trabalho escravo. Pouco se estuda, e quase nada se sabe, sobre o quanto o povo cigano, de diferentes origens, também influenciou nossa formação a partir de suas artes, costumes, modos e meios de se fazer co-mércio, produzir metalurgias e etc. Não é pequena a com-plexidade em se abordar o assunto, uma vez que os gru-pos ciganos sempre estiveram marginalizados na história. Fo-ram tão massacrados quanto os judeus nas investidas fascistas e nazistas na Europa e, ainda hoje, permanecem guetizados em diversos países do leste eu-ropeu, Turquia, Itália e tantos outros países pouco tolerantes ao redor do mundo. No Brasil a percepção dessa realidade fica nublada e de difícil diagnósti-co, uma vez que o país possui de forma constituída uma polí-tica de tolerância às diversida-des, porém, simultaneamente, não possui políticas estrutura-das de identificação e suporte específico às diferentes etnias, agrupamentos e culturas que o compõe. Ao contrário do res-to do mundo, onde os ciganos são muitas vezes classificados e forçados a permanecer em ou-tro estrato social, a realidade cigana no território nacional mistura-se com a realidade do povo como um todo, próprio de um país socioeconomica-mente desigual. O que, por um lado, mostra-se positivo à

comunidade cigana, como ser tratada como qualquer outro cidadão, por outro sua massi-ficação traz, no processo his-tórico, perdas identitárias e desconhecimento de suas raí-zes no todo cultural brasileiro.

Em um futuro próxi-mo será inaugurado o Memo-rial da Zona-Leste, promes-sa política que pretende dar conta da complexidade deste imenso território da cidade de São Paulo que, entre ou-tras particularidades, concen-tra uma população maior do que muitos países do globo. Ao olhar para quem são essas pessoas, no intuito de compor o Memorial, mais uma vez foram levantadas as matrizes indígena, sobretudo a partir das tribos guaianazes que aqui guardavam nossos mananciais,

jesuíta, que aqui chegou com a missão de catequizar os índios e abrir caminho para domina-ção das terras e controle das bacias hidrográficas do Tietê, e nordestina, a partir da for-te migração na década de 70, responsável pelo principal in-chaço populacional da região. Mais uma vez é necessário perguntar, e os ciganos? Não são poucas as histórias conta-das pelos avós e bizavós que aqui chegaram por volta da década de 40 e 50 sobre a pas-sagem de grupos nômades, de características incomuns, para fazer negócios nos povoados de Ururaí (hoje São Miguel Paulista e região). Também não são poucas as histórias de ciganos na Vila Zelina, no ou-tro extremo leste, bairro for-mado a partir da ocupação de

cultura. Nem mesmo Darcy Ribeiro abordou detidamente a questão, embora escreva em defesa do povo cigano em al-guns de seus escritos. Para tan-to, na intenção de olhar para essa lacuna e propor reflexões sobre o tema, entrevistei Ni-colas Ramanush, antropólogo e presidente da Embaixada Ci-gana do Brasil, organização re-conhecida internacionalmente pelo trabalho de resgate e pre-servação da cultura, além do auxílio aos cidadãos ciganos brasileiros. Entrevista essa que se segue:

POR UMA MEMÓRIA CIGANA DA LESTEENTREVISTA A NICOLAS RAMANUSH, DA EMBAIXADA CIGANA DO BRASIL

migrantes do Leste Europeu. Hoje, quem está acostumado a usar os trens da linha Brás-Calmon Viana, cotidianamen-te vê ciganas com roupas co-loridas, dentes de ouro e falar cantado usando o trem para chegar no centro de São Paulo vindo de seus acampamentos em Itaquaquecetuba e Itaim Paulista.

Diante disso é preci-so questionar sobre o porquê da cultura cigana não ser iden-tificada como um dos pilares de nossa formação enquanto povo. Mesmo que a questão não seja abordada pelo viés antropológico, mas artístico-cultural, muito pouco se co-nhece do que é preservado da cultura tradicional e como os grupos ciganos hoje influen-ciam e são influenciados pela

É preciso que os gadjes reconheçam que o gitano faz parte de sua memória cultural

Texto: Leandro HoehneFotos: Acervo da Embaixada Cigana do Brasil

Page 13: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013 MEMÓRIA ZL13

que a politica do Brasil tam-bém caminha nesse sentido. O que vem acontecendo há sécu-los é simples de entender: o próprio Estado não cumpre as leis que tem e “inventa” novas leis (que fatalmente também não serão cumpridas), apenas como estratégia de caça ao voto ou para cumprir agenda governamental ligada à ONU ou aos Direitos Humanos. E enquanto se perde tempo dis-cutindo novos Estatutos, jo-gam a Constituição no lixo. O hipócrita é o homem que, no próprio nome da Lei, quebra as leis da Carta Magna (Magna Charta Libertatum = Grande Carta das Liberdades).

A Embaixada Cigana do Brasil acha importante a inclusão do povo cigano nos memoriais da cida-de e do país como sendo um povo constitutivo de nossa identidade? Se sim, qual seria a maneira mais apropriada de incluí-los?

- Sim, a inclusão nos me-moriais do país nos dará a vi-sibilidade ideal: a verdadeira. Não somos seres misteriosos ou exóticos desses que encon-tramos nas visões da literatu-ra, tampouco, seres malvados como observamos, generali-zados, nos meios de comuni-cação. Somos brasileiros de etnia cigana, participamos do desenvolvimento histórico para o que hoje se concebe como sociedade brasileira ou cultura brasileira ( como pro-va disso temos O Dia Nacional do Cigano que foi instituído em 25 de maio de 2006 por meio de decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em reconhecimento à contribuição da etnia cigana na formação da história e da identidade cultural brasileira). A maneira mais apropriada é a divulgação do conhecimento: todo e qualquer preconcei-to se fundamenta em crenças pessoais ou sociais e a única forma de acabar com ele é a divulgação da verdade.

Nicolas, qual o seu pon-to de vista com relação a certa invisibilidade histó-rica da cultura cigana no Brasil?

- O primeiro grupo a che-gar ao Brasil em 1574, foi o Calon. Se a nossa invisibilida-de ainda permanece é porque há um interesse em torno da manutenção desse sistema. Entramos para a “história da cultura brasileira” através do viés tendencioso encontrado em anedotas, crendices popu-lares e generalizações da mí-dia. Dessa forma, o não cigano conhece, apenas, uma “estori-nha” a nosso respeito: escrita pela mão do preconceito e re-visada pelo estereótipo.

Quais são as principais in-fluências do povo cigano

na formação do povo bra-sileiro, seja na cultura, especificamente, seja na história como um todo?

- O lundu em gravura, de Rugendas, mostra: ciganos e negros que dançam ao som do violão e bandolim e pes-soas tocando castanholas. O “bródio” ou fandango cigano é sem sombra de dúvida o pai do lundu; e obviamente, uma das principais influências ciganas na cultura brasileira. E as pri-meiras profissões brasileiras foram trazidas e desenvolvidas por ciganos: ferreiros, ouri-ves, artesãos de prata e cobre em utensílios de cozinha e meirinhos (oficiais de justiça). Isto em uma época em que os ameríndios do Brasil, que eram a maioria nestas terras, sequer imaginavam o valor

ENTREVISTA A NICOLAS RAMANUSH, DA EMBAIXADA CIGANA DO BRASIL

tecnológico da metalurgia: usavam pepitas de ouro pen-duradas no pescoço, cujas de-nominavam de itajuba (pedra amarela).Portanto, influencia-mos o desenvolvimento deste gigante Brasil.

Especificamente na zona-leste de São Paulo, o que se conhece sobre passa-gens e ocupações ciganas na região? Atualmente quais comunidades ciga-nas existem na região e, na sua opinião, como elas influenciam a dinâmica social e cultural local e como são influenciadas?

- Fazendo parte da histó-ria da região podemos citar os acampamentos de São Mi-guel, Manuel Feio, Vila Zelina, Itaim Paulista e Itaquaque-

cetuba, porém dois grandes acampamentos o de Itaqua-quecetuba e Itaim Paulista são os principais. O primeiro há 15 e o segundo 20 anos no mesmo local. Em termos de porcentagem, eles são muito mais influenciados do que o contrário: na relação social do dia-a-dia possuem uma visibi-lidade marginalizada literal-mente (estão à margem da so-ciedade à margem da própria periferia). E não raro recebem “ajuda” de missões evangeliza-doras que interferem nos valo-res culturais tradicionais.

Como a Embaixada Ciga-na do Brasil atua nessas comunidades?

- Entre 2009 e 2011 de-senvolvemos alguns proje-tos, sem ajuda financeira de governos, e apenas contanto com nosso fundo de caixa. Foram projetos que viabiliza-ram acesso à cidadania: aqui-sição de documentos, expli-cações sobre higiene básica e até mesmo ajuda com cestas básicas de alimentação. Hoje não atuamos mais junto aos acampamentos. Desenvolve-mos projetos que dão visibi-lidade à situação em que eles sobrevivem, por falta de po-líticas públicas de integração.

Qual a opinião da Embai-xada com relação ao Es-tatuto dos Povos Ciganos proposto ao Congresso Nacional? Ele resolveria a lacuna existente no re-conhecimento da cultura cigana nacionalmente?

- Os defensores desse ab-surdo Paulo Paim (senador) e Luciano Mariz Maia (procu-rador federal) propagam que existe a necessidade de se re-alizar micro-leis a respeito dos ciganos. Ora, se a sociedade brasileira é comum a todos (“um país de todos” segundo propaganda do governo), por-que devemos “criar” leis que protejam especialmente a uma minoria? E para essa pergunta, talvez os mesmos Paim e Ma-riz venham a responder: “ por-que os ciganos são historica-mente discriminados”. Neste caso basta apenas FAZER VA-LER as leis de nossa Constitui-ção! Pois, somos brasileiros de etnia cigana e não uma mino-ria alienígena. Fizemos o êxo-do de um país, Índia, que nos separava em “castas” e parece

É preciso que os gadjes reconheçam que o gitano faz parte de sua memória cultural

Page 14: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

Novembro de 2013MEMÓRIA 1414

RE-COR-DA-ÇÃO

COLETIVO ALMA CELEBRA 10 ANOS DE ALIANÇA

Gerado por jovens moradores do Con-junto José Bonifácio, o Coletivo ALMA

nasceu de encontros,digamos, literários e marginais, onde a partilha e criação de poesias foi o ponto de partida para as discussões e reflexões que ge-rassem práticas possíveis para as questões sociais, culturais e principalmente as ambientais, que envolviam e afetavam o nosso cotidiano.

Em 2004 a montagem tea-tral Antes que a Terra Fuja deu um jeito de entrar nos prédios da COHAB II para percorrer e permear os corredores e gara-gens como espaços de vivências comunitárias que aproximas-sem nós, moradores, dos nossos vizinhos e do lixo gerado em nossas casas. Dessa ocupação e mobilização artística geramos o documentário “Saindo da Lixei-ra”, produzido em 2009.

E foi indo e vindo, que-brando cimento, “do tra-balho pra casa, da casa pro trabalho”, dispersando e ger-minando sementes de todo jeito (apesar de muitas vezes, sem muito jeito) que o cole-tivo tem encontrado brechas no asfalto que fazem crescer um jeito de vivermos a arte e por meio dela, a vida como um todo.

Atualmente desaguamos por terra e ar com a circula-ção da nova montagem (Des)água e o documentário “Ritos de Rios e Ruas” pela região do Alto Tietê Cabeceiras. Com o projeto “Rios de Nosso Lugar” estabelecemos profundo diá-logo com professores da rede pública do bairro. São ações diversas - ora com apoio de editais, ora e sempre com a mão na massa e o pé na jaca total - onde reinventamos Fei-ras de Trocas Solidárias, Sarau

Lundu, Danças e Andanças, participando de fóruns regio-nais, conselhos distritais e mu-nicipais e afins, entre cidades e florestas, corpos, contradições e idéias em movimento.

Seguimos avante aos le-vantes do mastro e sem dei-xar de pegar a rabeira dos bons ventos “lestianos”, seja via editais, políticas públicas ou de privadas, ou simples-mente nas sutis oportuni-dades de nos relacionarmos melhor uns com os outros e com a natureza.

Como “mastreiros” em alto mar, completamos a décima e longa travessia pelas infinitas tentativas de fazer esta canoa coletiva não virar sem antes re-aprendermos a remar, a conhe-cer ou chegar em algum lugar comum. E essencialmente, re-conhecermos o desconhecido dos lugares perdidos, que ainda habitamos enquanto seres vivos.

E a vela do barco vai asso-prar neste terceiro sábado de outubro (dia 19) lá no Bar-racão - sede atual do Coleti-vo. Esta construção abrigou nossos parceiros de luta da “CRUFFI- Cooperativa de Reciclagem União Faz a For-ça” de Itaquera e, há pouco mais de um ano, habitamos e revitalizamos este espaço pú-blico com arte pública.

Convidamos a todos para partilhar nossas memórias e abrir a roda deste novo ciclo num ritual nostálgico entre bolo de tapioca, músicas, ex-posição de fotos da nossa traje-tória, performances, interven-ções e reencontros de toda a trilha que nos moveu até aqui.

É com grande satisfação que neste ciclo primaveril consagramos 10 anos de atuação do Coletivo ALMA na região de Itaquera, zona leste de São Paulo.Texto: Thabata Ottoni e Coletivo ALMA

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Novembro de 2013 15 MEMÓRIA

A história deste coletivo tem inicio em 1989, no bairro de São Mi-guel Paulista a partir

do projeto “Semear Asas” do di-retor peruano Lino Rojas, ten-do como base a pesquisa sobre a formação do ator, linguagem e dramaturgia. O grupo conso-lidou-se formando um reper-tório de 13 espetáculos, em sua maioria textos de autoria de Lino Rojas, criados a partir de estudos cênicos coletivos. Sua pesquisa se caracteriza pelo investigação contínua sobre a cidade de São Paulo e seus habitantes e na cons-trução de uma linguagem cênica que traz a poética do jovem bra-sileiro Contemporâneo. A pri-meira montagem da companhia, chamada “Os Tronconenses”, foi apresentada em 1991 no FE-PAMA. Nesta ocasião, o grupo, inesperadamente, foi vencedor de 5 prêmios: melhor pesquisa de linguagem cênica, melhor espetáculo, melhor atriz e reve-lação de ator e atriz. Com este mesmo espetáculo, a companhia participou em 1995 da 47ª Reu-nião Anual da SBPC, do 10º EN-TEPOLA – Encontro de Teatro Popular Latino Americano em Santiago do Chile e da 2ª Mostra de Teatro Jovem Montevidéu no Uruguai. Em 1997, com o es-petáculo “Ventre de Lona”, que trata da questão do abandono, contando a história de um bebê abandonado na porta de um Teatro abandonado recebeu o Prêmio Estímulo Flávio Rangel / FUNARTE na categoria “Con-solidação de Pesquisa de Lingua-

gem Cênica”. “Ventre de Lona”, teve 2 temporadas na Cidade de São Paulo: a primeira no Centro Cultural Elenko KVA, em 1998, e a segunda na Sala Arte do Novo TBC – Teatro Brasileiro de Curi-tiba o espetáculo de rua “Mingau de Concreto” e a mini-tragédia para palco italiano “Uma Baleia Perto da Lua”.

Desde sua formação, o gru-po ministra cursos de teatro em diversas Regiões da periferia de São Paulo, transferindo o conhe-cimento produzido em sua pes-quisa para jovens e adolescentes destas regiões. O processo de formação do ator desenvolvido pelo grupo tem despertado a atenção de artistas e educado-res da cena teatral e educacional brasileira e Internacional, pois sua prática e método de pesqui-sa estão plenamente Alinhados com a arte contemporânea que privilegia a formação humana e global do indivíduo. Lino Rojas, ator, diretor e dramaturgo (fale-cido em Fevereiro de 2005, aos 62 anos), aplicou a metodologia que desenvolvia com o grupo na coordenação de cursos de teatro como o Curso Técnico Ator do SENAC – Centro de Comunicações e Artes (Lapa), prestando diversas assessorias a projetos culturais voltados para o jovem. Com seus espetáculos e cursos, o grupo participou de eventos no Brasil e exterior como o “8º e o 10º Encontro Nacional Comunitário de Tea-tro Jovem” (2003 – 2005), em Medellín – Colômbia, organi-zado pela Corporación Cultural

GRUPO TEATRAL POMBAS URBANAS COMPLETA EM OUTUBRO DE 2013, 24 ANOS DE EXISTÊNCIA

Nuestra Gente, o “XXI Festival Internacional de Oriente” (Ve-nezuela – out/ 2001), o “X Fes-tival Internacional de Teatro de La Habana” (Cuba – Set/ 2001), o “9º Festival de Teatro de Curi-tiba – Mostra Oficial” (mar/ 2000), “Temporadas Populares” em Brasília – DF, “2ª Mostra In-ternacional de Teatro Jovem no Uruguai” (Montevidéu – out/ 96, “10º ENTEPOLA” – En-contro de Teatro Popular Latino Americano (Santiago do Chile – jan/ 96), encontro com Aria-ne Mnouchkine do Theatre Du Soleil, Paris – França em ensaio aberto do espetáculo “Ventre de Lona”, encontro com o profes-sor Jean Biarnés da Universida-de XIII de Paris, “47º. Reunião Anual da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (São Luís do Maranhão – jul/ 95)

Em 2003, o grupo ganhou o 3º edital do Programa Municipal

de Fomento ao Teatro para a Ci-dade de São Paulo com o projeto “Da Comunidade ao Teatro, do Te-atro à Comunidade”, que durante dois anos previa a multiplicação da experiência do grupo para jo-vens da zona leste. Em janeiro de 2004, o grupo conseguiu a cessão em regime de comodato por 20 anos de um galpão no bairro Ci-dade Tiradentes, um dos bairros mais populosos da cidade (mais de 300 mil moradores, em sua maio-ria afrodescendentes), distante 40 km do centro. O galpão estava abandonado há quase 10 anos e a primeira intervenção teatral foi feita em meio aos escombros para uma plateia de 50 crianças e fami-liares, o início da transformação de um local que era marcante em suas memórias como um espaço de violência e abandono.

Em 2012, cerca de 22 mil pessoas passaram pelo Centro Cultural, formando uma rede de moradores - jovens, crianças

Texto: Assessoria de imprensa Pombas UrbanasFotos: Acervo Instituto Pombas Urbanas

e seus familiares, que se envol-vem diretamente no processo artístico e comunitário que fa-zem parte. É desta forma que os integrantes do Pombas Urbanas compreendem e exercem sua condição de artistas: situando sua pesquisa e produção tea-tral junto à sociedade com o desenvolvimento de propostas práticas e concretas de acesso à arte, desenvolvimento de co-nhecimentos e ferramentas para que populações historicamente marginalizadas possam produzir e refletir sobre sua realidade por meio da arte.

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Novembro de 2013CULTURA 16

FICA ADICA

NoctVillainsTexto e Foto: Dimitry Uziel

Duo formado em 2008 por Roxy Perrotta (voz) e Vagner Sousa (violão), sobreviventes do pós punk brasileiro. Vagner, integrante da banda The Con-cept e, Roxy, ex-integrante da X-Devotion, ambos com mais de duas décadas de música no cenário do rock paulista. O NoctVillains permeia entre o folk e o dark por inevitável influência e sem dificuldade, apresentado um bom “Primi-tive Rock”.

www.facebook.com/noctvillains

Coletivo ALMAlança documentário sobre o Tietê

Filmada em dez municí-pios, a obra traz uma reflexão sobre o processo de urbaniza-ção da região metropolitana

Fruto de uma expedição de dez meses pelas comunida-des do Alto Tietê, registrando muitas dos contrastes e das riquezas culturais e ambien-tais da região, o documentário “Ritos de Rios e Ruas” terá este mês suas primeiras exi-bições em São Paulo. O vídeo traz uma série de relatos, com diferentes pontos de vista,

sobre as transformações am-bientais e sociais em curso nos municípios banhados pelo rio, desde suas nascentes, em Sale-sópolis, até chegar à Capital. “A falta de diálogo entre as ci-dades é um processo revelado nas vivências dos moradores entrevistados. O rio Tietê traz possibilidade de real conexão entre as diferentes comunida-des, mas isso tem sido ignora-do” lembra Alexandre Falcão, coordenador geral do projeto.

O lançamento em solo paulistano será no Barracão do Coletivo ALMA, em Itaquera, no dia 15 de junho, às 19h, e as

exibições prosseguem na Ga-leria Olido, na República, nos dias 21 e 22 de junho às 19h e dia 23 às 17h.

Todas as atividades são gra-tuitas. O projeto é realizado por meio da Lei Federal de In-centivo à Cultura e conta com patrocínio da EDP e COM-GAS, além do apoio do Insti-tuto EDP, Secretaria Munici-pal de Cultura de São Paulo e de diversos parceiros. Para sa-ber mais informações sobre o calendário de atividades, que prossegue até o segundo se-mestre de 2013, basta acessar www.ritosderioseruas.org

Contato:Letícia Elisa LealProjeto Ritos de Rios e Ruas 96761-8653/ 2056-0253

CINEMA

MÚSICA

ARTE PÚBLICA

La Escada

La Escada é uma dupla de artistas visu-ais que experimentam e desenvolvem proje-tos artísticos voltados para a esfera publica, intensificando o ques-tionamento e o impac-to que a arte produz.

Mais sobre em nos-so blog: www.laesca-da.blogspot.com

Agradecemos!

La [email protected]

FICAADICA

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Novembro de 2013 17 CULTURA

EDU SERENOCompositor, músico e poeta

SAIBAMAIS

Edu Sereno é compositor, músico e poeta. Nasceu na zona leste de São Paulo, onde cresceu cercado por uma di-versidade musical e cultural significativa. Arranhando o teclado de seu pai, dedilhando violões de amigos, cantando por ai, aos 16 anos compôs sua primeira música e aos 19 cantava pelos bares com suas bandas de bairro.

Com pitadas de serenida-de e ausência de fronteiras no gosto musical, em 2012 Edu Sereno se juntou ao músico e produtor Rafa Moraes, para encontrar o tempero perfeito e dar vida à seu primeiro EP ‘Esquinas, Janelas e Canções’, com participação de Fernando Nunes, Érico Theobaldo, Beto Vasconcelos, Natan Oliveira, entre outros.

Para traduzir o universo do ‘Esquinas, Janelas e Can-ções’ e levar isso aos palcos, as escolhas na formação da

banda foram muito impor-tantes. Começando pelo bai-xista Beto Vasconcelos, que por estar envolvido desde a produção do EP e conhecer Edu há muitos anos, já sentia e sabia quais notas e pausas seriam fundamentais afim de encontrar o ‘’molho’’ perfeito junto de Bruninho Marques, jovem mais muito experien-te na bateria, de sonoridade única e levadas certeiras. Para duelar nas guitarras e pedais com Rafa Moraes (que além de produzir o EP junto com Sereno também toca charan-go, dobro, Violão e dirige mu-sicalmente a banda) foi con-vidado Marcelo Sanches, que além de trazer seus timbres e riffs particularmente urbanos, também agregou com sua pre-sença de espírito.

Lançando o ’Esquinas, Ja-nelas e Canções’ em lugares e projetos como Puxadinho da Praça, Centro Cultural Rio

Nosso primeiro vídeo ao vivo, gravado no Studio 8, um tiquinho antes do nosso lançamento.http://www.youtube.com/watch?v=coDrdzEAzZ0Esse é no Studio Sp, um show incrível que fizemos recentemente antes da casa fechar:http://www.youtube.com/watch?v=dJyXi4dtzcUEssas são músicas gravadas ao vivo em um show para o projeto Band in The Box: https://soundcloud.com/ramo-produtora/sets/edu-sereno-mitb-lado-aEsses são os melhores momentos de uma entrevista nossa na CBN.http://www.youtube.com/watch?v=XxDbNwKslvgO link para download do ‘Esquinas, Janelas e Canções’:http://www.amusicoteca.com.br/?p=7621

A Camila poetisa é uma tentativa de ser voz, de se fazer ecoar nos outros. De tentar traduzir aquilo que é angústia, alegria, segredo dentro de mim e que pode ser de outros e outras tam-bém. Há alguns anos atrás escrevi um poema a partir de uma frase de “Joana D’arc” em uma peça de teatro que assisti, e num determinado momento da peça ela gritava: “Minhas vozes já não cabem mais em mim...”. É assim que me sinto como poetisa, minha

CAMILA FREITASPoetisa moradora do ItaimEntrevista e Foto: Antônio Miotto

poesia é uma forma de liber-tar essas vozes que vivem em mim, criações, sentimentos, revoltas, revoluções internas e externas. Eu sou como essa Joana D’arc que já não cabe mais no seu silêncio e que precisa ser voz.

1 - Sobre o tenda li-terária, de projeto ao concreto....o que foi/é ?

A Tenda surge de uma vontade que algumas pessoas sentiam de fazer alguma coisa. Nós não íamos a Saraus, mas

tínhamos uma ideia do que era um Sarau, e já usávamos a poesia nas nossas atividades e já entendíamos a intervenção poética como instrumento de transformação. Os nossos primeiros Saraus acontece-ram numa sala muito pequena que era a sede do IPJ (Insti-tuto Paulista de Juventude) e que não cabia muita gente, e por isso sempre no auge dos saraus nós saíamos do espaço fechado e caminhávamos até uma praça que ficava perto de lá. E foi assim meio sem querer que nós descobrimos a praça como espaço. O pro-jeto Tenda Literária só surge em 2009 com o apoio do VAI. Foram dois anos em que ocu-pamos praças da Zona Leste da cidade para levar a poesia, e poetas e artistas da peri-feria para debaixo da nossa tenda e para que as pessoas pudessem ter contato com arte e fazer arte também. A tenda tem algumas particu-laridades, a primeira é que é um sarau publico, não tem lugar fixo, acontece em praça pública e por isso pertence a quem quiser contribuir com ele. Em segundo lugar, o for-mato não é muito comum, o microfone está aberto a quem quiser se apresentar, os livros estão sempre dispostos no chão para quem quiser pegar e escolher uma poesia na hora e se apresentar, além disso, antes do Sarau, sempre abri-mos espaço para uma roda de

conversa com temas sociais, ou sobre a literatura periféri-ca. Atualmente, o projeto se sustenta através de parcerias com outros projetos, pois já não temos financiamento. No entanto, nossas “pernas” se estendem para além da zona leste, hoje caminhamos por vários cantos da cidade, gra-ças aos parceiros.

2 - O que a jovem camila freitas, olha [ entre o pre-sente e o futuro ]

Olho no espelho do pre-sente e sinto que colhi os fru-tos do que plantei no passa-do. Trabalho, Poesia, Amigos, Lutas diárias, fazem parte do presente, no entanto, nada é tão sólido, nada é tão real que não possa ser modificado, por isso mais uma vez me faço semente, gesto novos planos, Sonho com um mundo me-lhor, com um trabalho me-lhor, com um novo livro, com resultados melhores e por isso volta a deitar a terra fe-cunda para florescer amanhã e colher novos frutos.

Verde, Sofar Sounds, Studio SP, Sarajevo Club e Band in The Box, os shows tem sido de grande público e de mui-ta intensidade. Suas canções são como uma coleção de histórias, onde hora somos os protagonistas, hora os expec-tadores. Com sua sonoridade universal e urbana (World Music) e ao mesmo tempo brasileira, Edu vai dividindo ao longo do espetáculo suas sensações e experiências, que de tão humanas e pessoais ra-pidamente estabelecem laços com cada alma presente, ar-rancando aplausos, sorrisos e até lágrimas por onde passa.

Sereno traz em cada can-ção as esquinas de seu bairro, árvores e paisagens, ruídos e murmúrios, amores e desa-mores, e toda sorte de coisas que se pode cruzar por essa vida, tão somente comparti-lhando conosco o que o mun-do compartilha com ele.

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Novembro de 2013CULTURA 18

CARTA DO COLETIVO “O QUE DIZEM OS UMBIGOS?!” em REPÚDIO AO QUADRO DE FUNCIONÁRIOS DA CASA DE CULTURA DO ITAIM PAULISTA e ao DESCASO COM OS COLETIVOS CULTURAIS LOCAIS e a COMUNIDADE

A Casa de Cultura Itaim Paulista, fundada em 1985 (uma das Casas de Cultura mais antigas de São Paulo) atualmente com 28 anos de existência, encontra-se em estado de desistência e aban-dono pelo poder público e consequentemente, pelos usuários e artistas, cansados de serem mal recebidos e mal tratados e por terem que lidar com a precariedade não só do atendimento, mas também da limpeza, falta de organização, técnicos e equipamentos.

Esta Casa é fruto da luta histórica dos movimentos po-pulares de cultura da região. Criada e fundada à partir de dois movimentos o EADC e o CAM (que com as trocas de gestão também foi obrigado a deixar o espaço), há tempos não cumpre seu papel origi-nal, enquanto espaço PÚBLI-CO de cultura.

Muitos coletivos após o MPA tentaram resgatar sua história de luta, levando ati-vidades culturais, sempre em busca de garantir o espaço aos artistas e moradores locais. Ação, infelizmente barrada pelos milhares de problemas que a Casa de Cultura e seus funcionários vem acumulando ao longo do tempo.

PORTANTO, A OCUPAÇÃO CULTURAL “O QUE DIZEM OS UM-BIGOS?!”, REALIZADA

NA CASA DE CULTURA DO ITAIM PAULISTA, NÃO É POR ACASO...

MAS SIM POR DESCASO!

Sucateado pela ausência de investimento, estrutura e or-ganização por parte do poder público nas gestões anteriores, permanece na mesma situa-ção na gestão atual. A falta de equipamentos, recursos técni-cos, recursos humanos quali-ficados, organização interna e o descaso com os artistas e a comunidade local é gritante, desumano e infringe o direito à cultura “garantido” na Cons-tituição Federal, assim como na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Mesmo diante desta rea-lidade e tratamento obtido, o Sarau “O que dizem os Umbi-gos?!” (que em 2013 comple-tou 4 anos de (r)existência), realizou por 3 anos esta ativi-dade no espaço mencionado, sujeito à boicotes de todos os

gêneros. Porém, exaustos de enfrentar os desmandos de um local público, gerido de maneira privada, os Umbigos passaram a realizar o Sarau, na Escola de Samba Unidos de Santa Bárbara (também no Itaim Paulista), afim de garan-tir a realização efetiva desta ação cultural, assim como atender dignamente os artistas e público participante.

Entretanto, entendendo este espaço como direito e conquista do poder popular, o coletivo “O que dizem os Um-bigos?!” não se isentou da ne-cessidade de continuar lutando para que a Casa de Cultura seja, de fato, do Itaim Paulista. E para tanto, criou uma ação de Ocu-pação Cultural neste espaço, recebendo mensalmente, artis-tas parceiros para desenvolver alguma atividade artística aber-ta ao público. Esta ação, não só compõe a agenda da Casa, des-de Julho, como, nesta edição, também integra a programação da 1ª Mostra Cultural das Peri-ferias - #pelaleidefomentoàpe-riferia, organizada pelo Fórum de Cultura da Zona Leste.

No último sábado, dia 26/10, o coletivo convidado a fazer a Ocupação Cultural junto com os Umbigos foi o SLAM da Guilhermina. A Ati-vidade foi realizada no horário previsto e dentro das condições estabelecidas pelo espaço, en-tretanto, ao final da ação (por volta das 21h), enquanto os coletivos e o público presen-te registravam algumas fotos e guardavam os materiais para deixar a Casa, um dos funcio-nários apagou as luzes com to-dos dentro do espaço, alegando que “deu o horário dele”.

Na tentativa de conversar a respeito do ocorrido, ques-tionar a sua atitude e expor a necessidade de que, enquan-to funcionário público, ele deveria acompanhar a ativi-dade até o final, aguardando minimamente as pessoas sa-írem da Casa, antes desligar as luzes do espaço, o mesmo funcionário respondeu com a seguinte frase: “deu minha hora, eu desligo mesmo!” e fechou a porta na cara de todos: coletivo organizador (O que dizem os Umbigos?);

coletivo convidado (SLAM da Guilhermina); e público presente (comunidade local e de outras regiões).

Botados para fora com as bolsas abertas, materiais por guardar e lanche dos convidados nas mãos (que aliás, tivemos que retirar à força da cozinha, pois nem isso ele se propôs a espe-rar), restou-nos a possibili-dade de nos reunir na praça, em frente à Casa de Cultu-ra, para organizar as nossas coisas antes de ir embora e compartilhar com os pre-sentes um pouco de comida, indignação e a certeza do motivo pelo qual realizamos esta ocupação.

Esta não é a primeira vez que acontece este tipo de atitude desrespeitosa com quem deveria ser muito bem recebido nesta Casa e este não á um caso isolado e res-trito ao Coletivo “O que di-zem os Umbigos?!, mas sim uma realidade presente e gritante em grande parte dos espaços públicos, cuja estru-tura não atende as atividades locais e funcionários des-preparados e inconscientes do seu papel nestes espaços, literalmente, fecham as por-tas para ação cultural e para comunidade local.

Mediante uma luta his-tórica, somada à inúmeras reclamações e manifesta-ções feitas, por diversos coletivos em prol do me-lhor funcionamento das Casas de Cultura, assim como de outros espaços públicos, questionamos a manutenção deste quadro e reiteramos a necessidade URGENTE de que alguma providência seja imediata-mente tomada. Pois, já es-tamos cansados de #discur-sosemSP e o que queremos e necessitamos é de #atitu-desemSP! Que tal agora?

DEMANDAS URGENTES, IMPRESCINDÍVEIS E ÓBVIAS

• Devolução imediata da Gestão das Casas de Cultura para a Secretaria Muncipal de Cultura;

• Orçamento próprio e transparência orçamentária do espaço;

• Reforma da Casa (atual-mente encontra-se depredada, como a porta grande de ferro da entrada quebrada, vaza-mento nos banheiros; bebe-douros enferrujados);

• Pessoal capacitado para os respectivos cargos (isso im-plica na troca de todos os fun-cionários atuais);

• Permanência da Coorde-nação no espaço e acompanha-mento das atividades cultu-rais, durante sua carga horária de trabalho;

• Contratação de técnicos de som, equipe de divulgação, bibliotecários, técnicos de luz, seguranças, faxineiros, ofici-neiros, atendentes, etc

• Compra e manutenção de equipamentos necessários para realização das atividades;

• Equipamentos de Luz e Som de qualidade;

• Manutenção de banhei-ros, bebedouros, etc.;

• Trabalho de divulgação da Casa (informativos e agenda que cheguem ao conhecimen-to da população, não só sua existência como também as ações desenvolvidas no local);

• Programação Comparti-lhada e fiscalização popular;

• Liberdade de uso do espa-ço sem a necessidade de ofícios burocráticos (em situações em que a Casa encontra-se vazia);

• Organização para o uso de equipamentos, (que devem ser marcados, desmontados e guar-dados pelos técnicos de som contratados após os eventos);

• Mudança do horário de fechamento da Casa de Cultu-ra, para, no mínimo 22h.

RESIS-TÊN-CIASPortas fechadas da Casa de Cultura do Itaim Paulista.

Texto: Sarau “O que dizem os Umbigos?!” “...O ÚLTIMO A SAIR, ACENDE A LUZ!”

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Novembro de 2013 ARTE19

Dentre as tradições e cos-tumes populares brasileiros encontram-se as feiras livres, expressando hoje a sua luta pela sobrevivência.

Com o crescimento dos supermercados e as mudanças dos espaços da cidade, as feiras livres existentes desde meados do século XVII, se manteem beirando processos de mar-ginalização. Adaptando-se aos elementos e estruturas que surgem ou se conectam aos espaços públicos.

As feiras são de todos, não existem muros. Reúnem a vi-zinhança e mantém o contato pessoal, preservando o bolso do consumidor.

O feirante é simpático, lhe oferece frutas e negocia o preço. Ele quer fidelidade! Quer dizer, ele e ELA! Já que a participação das mulheres no comando das barracas lis-tradas tornou-se constante

VERDE MADUROTexto e Foto: Ruana Negri

sob sol ou chuva, entre os caixotes com verduras.

Assobio pra cá, piscadinha pra lá, tagarela para você olhar e comprar. O comércio é um meio, já que o fim envolve o conhecimento e a prova de novos produtos, assim como o envolvimento com diversas pessoas ou até mesmo comu-nidades culturais.

Lugar cheio de arte, onde a criatividade e o manejo do corpo impulsionam o entro-samento dos indivíduos distri-buídos em meio a riqueza de cores e composições que nos deixam felicitados, e enlou-quecidos pelas papilas gusta-tivas quando encontramos o queijo derretido do pastel e o frescor levado a garganta pelo caldo de cana gelado.

Nas feiras a vida brota e muitas vezes floresce, por meio de sílabas ao ar e olhares perambulantes.

CRACOLÂNDIA

um pouco de droga. O brilho da pedra chama.

Defecam na frente todos, fazem sexo em qualquer lugar, atacam de forma repulsiva. Escarram, abrem suas feridas, vomitam. As fezes espalhadas pela calçada: perdem todos os traços de humanidade. Que humanidade?

A doença tem nome e sobrenome perdidos que sem história, passeia incô-moda pela cidade à procura

Centro de São Paulo. A su-jeira da calçada cheira à ocre. O cheiro de urina e do esgoto que sobe quente é perfume. É o de menos em uma cidade como esta.

Uma sinfonia ao longe. Sussuros. Passos esguios, li-geiros, aflitos. Luzes. Anjos? Estrelas? Mal trapilhos. São Paulo Fashion Week, uma das modelos dez anos depois. Trinta anos, desgrenhada, ros-to cinza, de gestos nervosos,

de uma toca, uma lóca, que permita-lhe acender em paz. A tragada é um real, a pedra é dez. A satisfação custa pouco (dura pouco). Princesa Isabel. Usuários de Crack concentram-se todas as tardes. A ronda disper-sa, muda dança que fala: “A cracolândia não é um lugar. Fazemos parte de ti. A cra-colândia somos nós usuá-rios. Apenas mudamos de endereço”.

caminha na passarela. Perdeu o nome. Prostitui-se em ho-téis imundos e debaixo das ár-vores da Praça Princesa Isabel. É HIV positivo. O rosto e as feridas purulentas pelo corpo. O programa são cinco reais, às vezes a agilidade gera lucros. Prostitutas idosas, menores, trombadinhas, mulheres e crianças, nenhum pudor, algu-ma gritaria. Escutas telefôni-cas no esgoto, câmeras por de-trás das vidraças. Brigam por

Texto: Danilo Morcelli, escrito em 2009/ Foto: Antonio Miotto

CRÔ-NICAS

Page 20: Jornal Voz da Leste - Novembro de 2013

20 Novembro de 2013ARTE

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SONETO DO ARTIGO PRIMEIRO

ô brasil tão soberano,que é toda a periferia,vamu si juntar um diae bolar um novo plano.fazer valer nossa vontadee parar de tanta demora,já que a cidadania moramuito longe da digni-dade.ninguém representa meu serna comedia chamada eleiçãoque a televisão põe no ar.eu quero é ter o poderde mostrar insatisfaçãonão indo na urna votar. Por O Augusto

CPTM II

No balanço do trenzão.Durmo, acordo, já é mais uma estação,Levanto, to no banco cinza, falta de atenção.Cento, durmo, finjo uma oração.

Chiclete um real, traident um real,

Perco a concentração.Meu vizinho lê auto-ajuda e eu poesia na mão,Peço ajuda ao meu vizinho, qual a próxima estação?

“Senhores passageiros um minuto de sua aten-ção, meu filho tem uma doença grave, proble-mas no coração”.

Fecho os olhos pra não ver, a realidade do irmão.Mão no bolso pra ajudar, “Desculpa, hoje eu não tenho não”.

Chocolate um real, suflear um real, só aqui na minha mão.

A mina do lado passa mal, chega a cair no chão.A tiazinha grita: “É sistema nervoso, gravidez ou pressão”.“Moço não empurra, quer sentar?” Digo, não.“Moço não empurra, cuidado com a marmi-ta, tem ovo, tem feijão”.

A galera do telemarke-ting tá naquela falação,Fala do cliente, fala da PA e da falta de educação.R$ 3,20 que abuso, pra andar nessa confusão!Não aceito, vou recla-mar, vou fazer mani-festação.

“Senhores passageiros, teremos, greve, haverá paralisação”.“Que absurdo”! Grita o tio, “trem parado, não dá não”.Penso eu vendo a cena, que puta contradição.Já misturou tudo, opressor, oprimido, oposição e situação.

“Amendoim crocante, só aqui na minha mão”.

Empurra, vai descer? Empurra, vou fazer baldiação.Mais um dia amassadono balanço do trenzão.

Por Vandei Oliveira Zé

O HOMEM DO ABRAÇO HORIZONTAL

A verticalidade traz ins-tabilidade ao seu corpoTalvez, por isso, o mes-mo ande desengonçado. Um andar malemolen-go que traz no topo da cabeça um chapéu de palha. Objeto que ajuda a man-ter suas ideias dentro de seu corpo, apesar desses pensamentos líquidos tentarem escapar pelos buracos, estes são formados pela quebra da palha.

Falando em quebra, têm o seu olhar Que se ofusca com a luz, escondendo o tom e o som azulQue ele possui e propõe.

Assim sonha, com o pé manchado de desejos eCheios de coisas para contarQuando o estica na ho-rizontal seu sangue flui e a circulação quase não tarda a falhar.Nessa posição, nem o chapéu consegue es-tancar a fruição do seu pensamentoTudo se torna real, até um simples abraço hori-zontal.

Por Ruana Negri(São Paulo/2012)

E AÍ, FI?

O boteco fechoucortaram sua luzsó tem zé povima chapa esquentou

e aí, fi?mas fi, e você?você já não comeé zoado pelos ôtovocê não faz rimanão dança na festa

e aí, fi?está sem seu painão fez nem SENAInão tem um carrinhonão pára de bebernão pára de fumarsó cospe pra cimaa chapa esquentoua manhã já veioo busão já veioa chuva já veiojá veio a descrençae a fome voltoue a dor não sumiue o cigarro acaboue aí, fi?

E aí, fi?Seu olharzinho de marrasua frieza constantesua mesa não fartaseus discos de rapseu medalhão de bronzesua bombeta da Adidassua total consciênciaseu silêncio – e aí?

Com a chave na mãoquer ligar a motonão existe motoquer beber vinhomas a garrafa secouquer pegar umas minamina tu não tem mais

E aí, fi?Se você morasse na Vila Madalenase você tocassepick up eletrônicase você ganhassena Mega Senase você vivesse

Mas você não vivevocê é mole, fi!Com má companhiaQue nem bicho soltocom essa agoniaessa parede sem rebocoque não dá pra encos-tarsem rottweiler brancoque cague na calçada

o mundo te pára, fi!mas fi, te pára por quê?

Por Thales Alves

POE-SIAS

FRIA ESPERANÇA

Viadutos saltam sobre os barracosCarros mais bem cuidados que criançasEm um tempo de fria esperançaVida que caminha aos solavancos.

A esperança que venceu o medoTornou-se, ela própria, atropeloFruto de acordo e conchavoUnião de classes, falso enredo

De um tempo difícil, obscuro,Em que a vida importa poucoVale muito mais o grande lucro;

Tempo de ajudar os grandes bancosQueimar índios, expulsar mendigosDerrubar barracos dos barrancos.

Por Adailtom Alves Teixeira – 04/11/13

DOUTORANDO

O doutor apunhalouO coração da pobre moçaPela vereda de tuas coxas.Assassinou a virgemDe tua alma.

Soprou a clemênciaSem a obediênciaApalpou tua graça.

Assassinou seus desejos De amarA quem nunca amou.

Por Hugo Paz