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ÓRGÃO OFICIAL DO CENTRO ACADÊMICO AFONSO PENA VOZ ACADÊMICA O VOZ AGORA ESTá DISPONíVEL NA INTERNET! ACESSE O NOVO SITE DO CAAP E CONFIRA: WWW.CAAPUFMG.COM.BR P. 4 INCESTO: QUESTÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS P. 5 AS REFORMAS DO SISTEMA PROCESSUAL E A EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA P. 6 CAÇA FANTASMAS MAIO .2009 Imagem: Bárbara S. de P.

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Page 1: Jornal Voz Acadêmica - Edição de maio de 2009 - Centro Acadêmico Afonso Pena - Faculdade de Direito da UFMG

Ó r g ã o o f i c i a l d o c e n t r o a c a d ê m i c o a f o n s o P e n a

VOZACADÊMICA

O VOZ agOra está dispOníVel na internet! acesse O nOVO

site dO caap e cOnfira: www.caapufmg.cOm.br

P. 4InCestO: questões teórICAs e prátICAs

P. 5As reFOrMAs DO sIsteMA prOCessuAL e

A eFetIVAÇÃO DO ACessO À JustIÇA

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Nesta edição do Voz Acadêmica, procuramos ressaltar a necessi-dade de envolvimento dos alu-

nos na construção da Faculdade de Di-reito e da Universidade como um todo. Seja na contestação dos problemas que se mostram latentes nos corredores de nossa Vetusta, como a ausência de pro-fessores, ou em reflexões a respeito do percurso dos estudantes em nossa Casa.

Cada um de nós tem participação na-quilo que a nossa Faculdade é e naqui-lo que ela será daqui para frente. E o processo é recíproco, pois, da mesma maneira, o ambiente no qual passamos cinco dos melhores anos de nossas vi-das possui influência direta naquilo que seremos amanhã.

Sem fugir da reflexão proposta, perce-be-se que, inserida na passividade dos jovens brasileiros perante os diversos aspectos da vida, está a mesma passivi-dade de parte desses jovens em relação à vida acadêmica. Nenhum cidadão ficaria satisfeito em saber que parte de seu modesto salário sustenta um estu-dante que está na Universidade para sair o quanto antes dela e obter um di-ploma que possibilite a ascensão profis-sional e o afastamento ainda maior das questões sociais, sem dar qualquer re-torno daquele investimento feito pela sociedade. O individualismo reina, aparentemente ainda mais no mundo do Direito.

Inúmeras são as experiências que a nos-sa Faculdade pode proporcionar ao alu-no, basta interesse e força de vontade. Ensino é a parte obrigatória, pela qual todos passam, por vezes sem sequer saber que ainda existem a Pesquisa e a Extensão, a Representação Discente, o Movimento Estudantil, os Grupos de Estudo, etc. Todos são oportunidades oferecidas ao universitário de apren-dizado para a vida inteira, de interação com outras opiniões, estabelecimento de contatos e progresso acadêmico e

pessoal, que acabam por refletir em uma contribuição à sociedade por meio do bom exercício profissional.

Assim como construímos nossa identi-dade, a vida acadêmica também é uma construção individual, apesar de exis-tirem alguns caminhos pré-estabele-cidos. Por mais que recebamos instru-ções para o nosso desenvolvimento, a escolha final sempre será do indivíduo. Esse processo pode gerar angústia de-corrente da necessidade de tomar deci-sões.

Nesta edição de maio, os artigos pu-blicados evidenciam o fato de que realmente o aluno é o principal res-ponsável por construir uma formação diferenciada e de qualidade. Os artigos ora publicados são de temas e de enfo-ques múltiplos, passando desde o inces-to até o protesto de títulos. Outros tex-tos analisam, ainda, o descompromisso com a docência por parte dos nossos professores – o que não corresponde à totalidade de nossos mestres, obvia-mente. E nessa imensa mistura idéias, repleta de problemas e de soluções, de ausências e de presenças, devemos ainda tolerar (ou perder o nosso tem-po com) preconceitos, discriminação e desrespeito? Ah, estas peças podem não pertencer e desafiar a construção adequada do nosso quebra-cabeças.

Destarte, surge, de forma quase que surpreendente, o ingrediente necessá-rio para que o estudante possa montar de forma rápida e segura o seu quebra-cabeças pessoal: o reconhecimento fá-tico de diversidade acadêmica, social, profissional e pessoal, onde cada um será aquele que, outrora, quis ser. O resultado final de um trabalho nem sempre acaba sendo o esperado. É exa-tamente aí que reside a beleza da alte-ridade.

O primeiro passo, portanto, é decidir não permanecer onde está. Em outras

expeDIente

cOnselhO editOrial: Allan Araújo, André Freire, Anelice Teixeira, Caio Pedra, Daniela Rezende, Davi Fraga,Fernanda Moreira, João Paulo Vieira, Marcos Porto, Nathália Lipovetsky,Nayara Peloso, Rafael Picinin.realiZaçãO: Diretoria de Imprensa do CAAP.cOntatOs: Picinin e Fernanda -tel: 3409-8629diagramaçãO: Fausto Sette Câmara impressãO: FUMARCtiragem: 1500 exemplares

suMárIO

eDItOrIAL

editOrial...................................2

a impOrtÂncia histÓricada lei de luVas para OdesenVOlVimentO dO fundO de cOmÉrciO .............................3

incestO: QuestÕes teÓricas e práticas ..................................4

as refOrmas dO sistema prOcessual e a efetiVaçãO dO acessO À Justiça ...............5

O prOtestO de títulO e Os bancOs priVadOs de dadOs de deVedOres ...........................5

caça fantasmas .....................6

direitO e as minOrias seXuais....7

a casa ......................................8

separadOs nO nascimentO ...8

VOZes malditas .......................8

ViVa VOZ ....................................8

palavras, buscar conhecer o lugar onde estuda, procurar informação – o objeto mais valioso do mundo atual – sobre o que acontece, sobre as diversas linhas de pesquisa, áreas de interesse, proje-tos de extensão, eventos acadêmicos e sociais.

O tempo é uma das coisas mais valiosas que temos. São frações da vida. Vende-mos nosso tempo nas relações de tra-balho, usufruímos dele em nossas rela-ções pessoais, o dividimos com pessoas que amamos (ou não); enfim, o tempo é uma das nossas maiores responsabili-dades.

Infelizmente temos deixado de dedicar tempo para pensar, refletir, construir e, até mesmo, sonhar. Somos “tragados” por uma realidade que nos sufoca e di-ficulta a reflexão. Quase que mecani-camente, vivemos uma rotina de traba-lho, casa, faculdade e afazeres. Sempre temos tarefas a executar, e quase nunca planos a realizar. Encontramo-nos em um estado de inércia, inseridos em um mundo pré-pronto, de projetos pré-selecionados, e de modelos de vida me-díocres.

Trazemos, portanto, o seguinte ques-tionamento: as peças do quebra-cabe-ças de sua formação estão nos devidos lugares e são aquelas que você escolheu?

Durante toda a graduação poderemos perceber que cada um constrói a Fa-culdade que quer. As adversidades que permeiam uma boa formação são mais vetustas que esta Casa. Mas, afinal, quem é o autor responsável por uma carreira de sucesso e por dar o foco e o direcionamento adequado a nossas reflexões?

“O primeiro passo para chegar a qualquer lugar é decidir que não vai permanecer onde está.”

Provérbio chinês

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Na história do Direito, especificamente na legislação criada para atender ao desenvolvimento empresarial, sobressai a vitalidade da Lei de Luvas (Decreto-lei no 24.150 de 20 de abril de 1934), nascida em plena vigência do governo de Getúlio Vargas, como a grande conquista do Fundo de Comércio da época. Os ordenamentos jurídicos de outros países já apoiavam todos os fundamentos para a valorização do Fundo de Comércio, nos em-preendimentos dos diversos ramos da ativida-de comercial.

O Fundo de Comércio pode ser definido como o conjunto de bens materiais e imateriais que constituem o estabelecimento comercial. Assim, engloba tanto instalações físicas de infra-estrutura como aspectos incorpóreos. Dentre esses valores imateriais, destaca-se o Ponto Comercial, que é uma elaboração abs-trata do local para onde se dirige a clientela, fruto da inteligência e dos anos de trabalho do mercador, e que pertence ao comerciante o qual exerce a atividade no local, posto que ele é o responsável direto pelo desenvolvimento de seu negócio e pela atração dos compradores. Portanto, esse conceito é distinto do de pro-priedade em si, e se um indivíduo é locatário de um imóvel para fins comerciais, ele é o dono do Ponto Comercial ali formado, ainda que não seja o proprietário do imóvel, que no caso é o locador. O Decreto-lei em questão garante a renovação do prazo contratual de locação para aquele comerciante-locatário cujo estabelecimento comercial preencher requisitos que demons-trem que aquele Ponto Comercial merece a proteção do ordenamento jurídico. É necessá-rio que exista um contrato escrito, com prazo determinado mínimo de 5 anos, e o locatário deve estar em exploração da sua atividade, no mesmo ponto e mesmo ramo de comércio, pelo tempo mínimo de 3 anos ininterruptos. A finalidade da ação renovatória prevista na Lei de Luvas foi a de proteger o Fundo de Co-mércio do locatário, que teria sido valorizado com o trabalho deste, sem prejuízo dos direi-tos do locador. Partindo do princípio de que o valor incorpóreo do Fundo de Comércio se integra ao valor do imóvel, trazendo benefícios ao proprietário por meio de trabalho alheio ao deste, a legislação passou, na década de 30, a garantir a renovação compulsória como meio de defender a função social prestada por aque-le comerciante que contribuiu para o desenvolvimento de de-terminado local, sendo um interesse da sociedade a manutenção daquele ponto. Dessa maneira, a Lei de Luvas, garantindo a manutenção do Fundo de Comércio pela proteção ao Ponto Comercial ali esta-belecido, se mostrou de suma importância para a valorização da frequência da clientela e da convivência dos cidadãos em pon-tos de atração das cidades, principalmente em décadas passadas, quando os centros comerciais das cidades brasileiras eram os verdadeiros locais de encontro da sociedade da época.

lei de luVas faZ histÓria na praça sete

Voz Acadêmica: De que maneira se estabeleceu a atividade comercial de sua família na Praça Sete?

Agenor Nunes Guerra: A visão empresarial de meu pai já fa-lecido, Antônio Guerra, fez com que, em 1934, ele contratasse uma locação comercial para suas lojas, a Casa Bristol Calçados e a Livraria e Papelaria Rex, na Praça Sete, no térreo do anti-go prédio da Companhia de Seguros da Equitativa do Brasil,

quando aquele local não era preferencial para o comércio de Belo Horizonte. O “point” do comércio era o Bar do Ponto (lo-calizado à rua da Bahia com Av. Afonso Pena) e se estendia até à rua dos Caetés. A Praça Sete não era centro comercial.

Voz: Como seu pai imaginou o desenvolvimento da Praça Sete no futuro?

A.N.G.: Estando bem informado na Prefeitura Municipal, sentiu que o movimento comercial seria deslocado para a Praça Sete, onde seriam construídos os abrigos dos bondes que trafe-gavam para os bairros. Ele não teve dúvidas em assumir o con-trato de locação comercial, resguardando seus direitos na Lei de Luvas, que permitiria a renovação dos contratos para a manu-tenção do Fundo de Comércio. A Praça Sete, com o pirulito, se tornaria o centro comercial de B.H., como efetivamente veio a ocorrer.

Voz: Sendo o seu pai português, por que escolheu Belo Hori-zonte?

A.N.G.: Antônio Guerra era descendente de família da Rei-gada, aldeia portuguesa do Distrito da Guarda, região da Beira Alta, e se enamorou de Belo Horizonte rapidamente. Mesmo sabendo que, na Praça Sete, os tropeiros amarravam seus ani-mais nas argolas existentes no meio-fio das calçadas e que, al-

gum tempo antes, a loja lá existente, a papelaria Dias Cardoso, havia encerrado suas atividades, o comerciante português estava determinado a realizar um investimento audacioso. Fez as ins-talações com vitrines e tetos envidraçados nas marquises, im-

portados da Europa, surpreendendo a capital com a valorização do local. Naquela época, o recado do povo era: “Vamos nos encontrar na Rex”. Grandes cronistas do Estado de Minas, como Moacir Andrade e Jair Silva, com suas histórias da Rex, incentivaram os leitores belo horizontinos a frequentar o ponto. O amor de Antônio por BH o estimulou a editar, pela primeira vez, a história média e antiga de Belo Horizonte, de autoria do Dr. Abílio Barreto, em 1936.

Voz: Tendo o aluguel se iniciado em 1934, como a Lei de Luvas proporcionou a defesa do Ponto Comercial, no vencimento do contrato de locação com a Equitativa?

A.N.G.: Infelizmente, o lúcido e visionário empresário daquela época não viveu tempo su-ficiente para ver a importância de sua locação e o desenvolvimento do seu comércio. Faleceu no dia 1o de Junho de 1939, aos 44 anos, de en-fermidade infecciosa aguda. A viúva Antônio Guerra, Dona Julia Nunes Guerra, hoje home-nageada com o edifício construído, na Praça Sete, no local da Livraria Rex (tomada por um incêndio em 1977), assumiu a luta pelo seu Fundo de Comércio. Ano após ano, lutava com todos os seus recursos para a manutenção de seu Ponto Comercial. O contrato inicial foi de 12 anos de locação (de 1934 a 1946) e, mediante a Lei de Luvas, teve suas renovações garantidas, ainda que sempre exaustivamente contestadas pela Equitativa. Foram quase 40 anos de embates após o vencimento do primei-ro prazo de locação, e cada renovação garantia a retomada do prédio. Nesse caso, a referida lei foi defendida por juristas de renome da épo-ca, como Júlio Ferreira de Carvalho, Gilberto Dolabela, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixo-to, Antônio Gonçalves de Oliveira e Miguel Seabra Fagundes, que coroaram a vitória que se ensejou para a locatária adquirir o imóvel quando da liquidação da Companhia Equita-tiva no governo Militar do Marechal Castelo Branco, em licitação pública. A aquisição foi a pá de cal nas ações intermináveis da Equitati-va, por perda do objeto da ação.

Voz: Qual foi o valor da Lei de Luvas, de uma maneira geral, para a atividade comercial?

A.N.G.: Por meio da Lei de Luvas, na legislação brasileira, a exemplo de outros países, o Fundo de Comércio recebeu a ga-rantia do investimento realizado, como a criação do Ponto Co-mercial, a proteção ao seu nome e a valorização do local durante toda a duração de seu empreendimento. Na verdade, tal texto legal se consolidou como uma proteção ao comerciante e, ao mesmo tempo, um fortalecimento da propriedade imóvel, com a valorização dos rendimentos imobiliários do locador. Atende com justiça a ambas as partes. Assim, reconheço que a Lei de Luvas, pioneira da defesa da criação do Fundo de Comércio, mostrou sua eficácia na realidade da legislação da época. Todos os tribunais, em suas jurisprudências, adotaram a firmeza da de-fesa do Ponto de Comércio, que se tornou um exemplo para os empreendedores visionários que valorizam a fidelidade da clien-tela consolidada durante anos.

teXtO e entreVista: JOãO paulO guerra Vieira

*Agenor Nunes Guerra é empresário e bacharel em Direito formado pela Facudade de Direito da UFMG em 1953.

VOZ HIstórICA COM AGenOr nunes GuerrA*

A IMpOrtÂnCIA HIstórICA DA LeI De LuVAs pArA O DesenVOLVIMentO DO FunDO De COMÉrCIO

Page 4: Jornal Voz Acadêmica - Edição de maio de 2009 - Centro Acadêmico Afonso Pena - Faculdade de Direito da UFMG

4 VOZ CIentíFICAInCestO: questões teórICAs e prátICAs1

O estudo apresentado propõe esboçar as razões psicológicas do interdito do incesto, bem como as complexidades teóricas e práticas para admiti-lo como elemento fundador do sujeito e das sociedades. Propõe, também, revelar a importância desta proibição enquanto fator de coesão social e irradiador da or-dem jurídica.

O hOmem selVagem e sua traJetÓria rumO À Vida em sOciedade

A sociedade humana funda-se a partir das relações culturais, sendo que nenhum tipo de instituição social surge naturalmen-te. É próprio do ser humano a disponibilidade e a tentativa de escapar de relacionamentos previamente fixados. O convívio social, contudo, faz do homem estruturalmente capacitado para o exercício autônomo de atividades psicológicas mais complexas e possibilita o desenvolvimento pleno de suas capa-cidades psíquicas. Inúmeros pensadores buscam, pois, elucidar o momento em que se realiza esta passagem ficta do homem selvagem rumo à vida em sociedade.

De forma surpreendente e revolucionária, Lévi-Strauss defen-de que se instaura o estado de cultura muito antes da constitui-ção e do surgimento de uma concepção de Estado. É a partir do interdito do incesto que o homem é conduzido às relações culturais. A proibição do incesto constitui uma regra universal e realiza, por si mesma, o advento de uma nova ordem: o sur-gimento do parentesco e da civilidade. São delimitados, então, o comportamento, as tradições, as crenças e o conhecimento e, conseqüentemente, a transmissão de valores e de regras ao longo das gerações e das demais instituições sociais.

Permite, assim, a distinção dos homens entre si, cria sua identi-dade e o faz existir enquanto sujeito, impondo a ampliação das relações sociais a partir de seu núcleo menor – a família.

O parentescO cOmO laçO

A família não é um grupo natural, e sim cultural. Não se consti-tui apenas por homem, mulher e filhos. Apresenta-se enquanto estrutura psíquica dentro da qual cada membro ocupa lugar e funções definidas. Sua eficácia se estende ora de forma mais ampla, no caso das famílias extensivas, ora de forma mais estri-ta, como no caso das famílias nucleares.

Diante da proibição capital do incesto e de suas conseqüências na construção do homem enquanto indivíduo, compreende-se por parentesco, neste estudo, o conjunto de laços que unem um determinado número de indivíduos, não sendo esses laços essencialmente genéticos. Prevalece, portanto, o caráter socio-cultural, uma vez que o parentesco biológico pode, em certas ocasiões, não ser reconhecido pelo grupo ou pela coletividade. Nem sempre se assenta na consangüinidade verdadeira, como, por exemplo, no caso da filiação por adoção e da aliança pelo casamento. Enfim, são parentes aqueles que se consideram como tais.

as raZÕes sOciais dO interditO dO incestO

Ao proibir determinadas práticas sexuais e unir homens e mulheres de grupos familiares diversos, impõe-se as relações exógenas e obriga-se a convivência com o outro, com o estra-nho. Com esta forma de relacionamento evita-se a dominação e a concorrência entre membros de uma mesma comunidade. Funda o sujeito ao fazer o corte na relação de dependência filho-mãe e, posteriormente, ao promover a exogamia para o casamento, mais na ideologia do parentesco do que em razão de fatores biológicos.

Não faz sentido pensar que os fatores genéticos para a proibição do incesto se sobrepõem aos sociais; afinal, as conseqüências de um casamento consangüíneo só podem ser verificadas após reiteradas práticas de relações incestuosas. Quaisquer anoma-lias genéticas, somente seriam percebidas, como decorrentes da consangüinidade, em um momento tardio em que houvesse

um grande número de indivíduos por elas afetados. Ora, torna-se óbvio, portanto, não ser essa a origem da interdição.Freud, em sua obra Totem e tabu apresenta o mito e as razões pelas quais o homem primitivo tem um horror intenso às prá-ticas de incesto. O temor é baseado em duas leis: não matar o animal totêmico – simbolizado pelo pai – e evitar relações sexuais com os membros do clã. Apresenta dois sentidos con-traditórios para o tabu: o sagrado e o proibido.

Diz o mito que os filhos do sexo masculino seriam expulsos do grupo pelo pai, por pretenderem praticar o incesto. Revolta-dos, estes filhos se voltariam contra o pai, o matariam e o devo-rariam colocando fim à tribo patriarcal. Porém, após a morte, o pai se tornaria mais poderoso do que era enquanto vivo. O interdito, outrora realizado, passaria a ser praticado pelos pró-prios filhos marcados pelo sentimento de culpa. A proibição do incesto obrigaria os irmãos a renunciarem às mulheres proibi-das, sendo esta repressão do desejo responsável em preservar a vida em grupo, não dividindo os homens entre si.

Estabelecer o interdito do incesto torna-se, portanto, um fator de coesão social. Evita a disputa entre membros de um deter-minado grupo, enfraquece o fator dissociativo nas sociedades e fortalece os laços familiares e os vínculos de reciprocidade e de solidariedade entre indivíduos, estruturas básicas da formação social. Reforça-se, pois, a reciprocidade pelos laços de parentes-co entre indivíduos de famílias distintas.

O incestO e O OrdenamentO JurídicO brasileirO

As disposições contrárias às práticas incestuosas no Ordena-mento Jurídico Brasileiro podem ser verificadas, atualmente, sobretudo na Constituição da República de 1988 (CR) e no Código Civil de 2002 (CC).

Percebe-se que até a CR, os filhos frutos de uma relação inces-tuosa acabavam preteridos ao registro completo de nascimen-to. Possuíam apenas o nome de um dos genitores, bem como dos respectivos avós. Atualmente, proíbe-se a discriminação, conforme o art. 227, § 6º da CR, em que “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discri-minatórias relativas à filiação”. O direito não impõe nenhuma sanção, portanto, aos nascidos de uma relação socialmente proibida.

Em relação ao casamento, o CC impede que este se realize entre ascendentes e descendentes seja o parentesco natural ou civil, entre afins em linha reta, dentre outras disposições elenca-das no art. 1.521, I a V, configurando relações de concubinato.

Nestes termos, reflete no Direito Brasileiro os impedimentos civis a respeito da prática do incesto, não havendo nenhuma previsão de coerção penal àqueles que o praticam.

Porém, tamanhos são seus reflexos na ordem social e na coe-são dos vínculos familiares que, em acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o relator, Desembargador Nepomuceno Silva, decidiu-se favoravelmente pelo “cancela-mento” do ato de adoção em decorrência de gravidez da ado-tada com seu primo (irmão adotivo) e do desejo de ambos em contraírem o matrimônio. O fato de a adotada ser sobrinha dos adotantes serviu de fundamento para que a adoção pudesse ser

cancelada, tendo em vista que esta é irrevogável.

Segundo o acórdão, a adoção não era o instituto ideal a ser escolhido, pois em se tratando de parentes, melhor caberia a aplicação do instituto da tutela, que também satisfaria plena-mente a colocação do menor em lar substituto até que atinja a maioridade civil. Com vênia, argumento controverso.

Preocupado com os direitos fundamentais da criança nascida desse relacionamento, buscou o Tribunal, mediante a técnica da ponderação, permitir a qualificação dessa convivência (criança e seus pais) como família, medida que se impõe, também, sob a égide principiológica da proporcionalidade e da razoabilidade.

Ainda neste sentido, o Tribunal conclui que, por ser fruto de uma relação supostamente incestuosa, a criança seria estigma-tizada por toda a sua vida, estando marcada por circunstância a que não deu causa, simplesmente porque o Judiciário se ape-gou exacerbadamente à interpretação meramente gramatical do dispositivo legal.

A decisão evidencia a persistência do tabu que permeia as rela-ções sociais e jurídicas na sociedade brasileira, não sendo esta situação um fenômeno social local, confirmando as hipóteses apresentadas.

cOnclusãO

A origem das sociedades e a sua evolução devem ser compreen-didas tomando-se como ponto de partida a proibição universal das praticas do incesto, ocorrendo variações apenas quanto a sua forma de expressão nas diversas culturas existentes.

Nota-se que a repressão às práticas incestuosas é uma forma de coibir a liberdade de prazer, de promover estreitamento dos la-ços sociais e de parentesco, promovendo o surgimento do “eu” e a coesão social. Um incesto conhecido é punido muito mais pela desonra que por qualquer outra pena grave.

Percebe-se que no Direito Brasileiro as proibições se dão, so-bretudo, na esfera cível não existindo disposição expressa em contrário no âmbito penal.

Enfim, conclui-se que a sociedade realiza-se, primeiramente, por meio do seu núcleo menor: a família, realizadora do su-jeito.

Sendo assim, o interdito do incesto nos remete a um regresso infinito no qual se chega a uma ficta lei primeira: ao estabelecer o estado de cultura, dá o impulso principal ao desenvolvimento das relações sociais, do direito e da norma jurídica, em sentido amplo.

rafael picinin

1 Estudo apresentado no 2° semestre de 2008 em aula de

Antropologia Jurídica para o 1°B da FDUFMG

COLLEYN, Jean-Paul. Elementos de antropologia social e cultu-ral. Lisboa: Edições 70, 2005

FREUD, Sigmund. Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1999

LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 2003

MINAS GERAIS. 5ª Câmara Cível do TJMG. Apelação Cível 1.0056.06.132269-1/001. Rel: Des. Nepomuceno Silva. Disponí-vel em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em: 2 mar. 2009.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: a sexualidade vista pelos tribunais. 2.ed., rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2001

RIVIERE, Claude. Introdução à antropologia. 2.ed. Lisboa: Edi-ções 70, 2007

ROCHA, José Manuel de Sacadura. Antropologia jurídica: para uma filosofia antropológica do direito. 1. ed. Ed. Campus Elsevier, 2008

Não faz sentido pensar que os fatores genéticos para a proibição do incesto se sobrepõem aos sociais; afinal, as conseqüências de um casamento con-sangüíneo só podem ser verificadas após reiteradas práticas de relações incestuosas.

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As reFOrMAs DO sIsteMA prOCessuAL VOZ CIentíFICAe A eFetIVAÇÃO DO ACessO À JustIÇA

“O não conhecimento da realidade conduz a reformas ba-seadas em meras intuições sempre unilaterais, calcadas num empirismo primário, com risco sério, senão que quase certo de inevitável fracasso, com o que, aquilo que estava imprestável, continuará a não prestar ou não vir a ser bom, como se es-perava. É só o pleno e verdadeiro conhecimento da realidade que enseja condições para que se possa reformar para o bom – mesmo com a consciência de que não se irá, ao menos a curto prazo, atingir o ideal.” ¹

O sistema processual brasileiro passou por diversas reformas nos últimos anos, direcionadas a solucionar os problemas enfrentados pela estrutura jurisdicional tradicional, que se depara com um nú-mero sem-fim de processos que, por vezes, se arrastam por longas datas. O que se pretende com tais reformas, dentre outras coisas, é buscar a efetividade do acesso à Justiça, entendido, principalmen-te, em dois de seus diferentes aspectos: acesso ao provimento ju-risdicional e a uma decisão que reverbere conteúdo de justiça para as partes.

As idéias de instrumentalidade e efetividade passaram a conduzir o andamento do processo contemporâneo, em todos os seus ramos ligados ao direito material. Muitos países realizaram e realizam reformas no intuito de efetivação do acesso à justiça e apesar de terem obtido êxito, estas ainda são muito esparsas e insuficientes. É interessante observar que cada país buscou as alternativas ao sis-tema judiciário tradicional que mais atendessem às suas demandas, demonstrando que não há um modelo único de solução de litígios.

No Brasil, o principal método de solução de conflitos é o sistema judicial tradicional, em que a prestação jurisdicional é dada pelo juiz, no tribunal. No entanto, o país também não está alheio às dificuldades apresentadas por este sistema, buscando formas de aprimorá-lo e torná-lo mais acessível. O que se percebe é que há certo esforço no sentido de se reformar um aparato judicial lento, moroso, dispendioso e, por vezes, insatisfatório para suprir um nú-mero crescente de demandas, que também se diversificam.

Atualmente, o principal meio de reforma do processo brasileiro é a via legislativa. Nos últimos anos, observaram-se diversas mudan-ças na lei processual, no intuito de tornar o processo judicial mais célere e, é claro, mais justo. Isso se deveu ao fato de que, anterior-mente a essas reformas, a grande preocupação era possibilitar que todos tivessem acesso ao provimento jurisdicional. Promoveram-se, então, diversos incentivos para que as pessoas buscassem o Po-der Judiciário, principalmente por meio da assistência judicial do Estado. Porém, não se teve a mesma preocupação em relação às reformas dos ritos e procedimentos, o que acabou por causar gran-de impacto no sistema, que recebeu maior número de demandas sem qualquer modernização. Este foi um claro exemplo de falhas na reforma, como alertaram Cappelletti e Garth²: houve a supres-são – ou ao menos a tentativa de suprimir – uma barreira ao acesso à Justiça, mas, por falta de planejamento e de uma reforma mais ampla, prejudicou-se o bom andamento do aparelho judicial.Atento à orientação de Cappelletti, que reclamava uma revisão

dos rumos do direito processual, o legislador brasileiro dos últi-mos anos buscou renovar o ordenamento jurídico formal, não só ampliando a assistência judiciária – já conquistada pelas reformas anteriores – como criando novos remédios, de cunho social e co-letivo. Assim, o processo contemporâneo ganhou uma “vocação coletiva”, através de vários instrumentos, como o Mandado de Segurança, que nasceu com caráter individualista e passou, de acordo com o artigo 5º, inciso LXX, da Constituição Federal, a comportar, também, abertura à defesa coletiva; o Mandado de In-junção, destinado à efetivação de norma constitucional programá-tica (art.5º, inciso LXXI, CF), usado para promover a efetividade do direito constitucional, podendo comportar a tutela coletiva; e a Ação de Inconstitucionalidade que, sofrendo alteração opera-cional, abriu o leque de legitimados perante o Supremo Tribunal Federal, somando-se ao controle difuso à “inconstitucionalidade por omissão” (art.102, § 2º, CF), também estendida aos Estados Federados (art.125, § 2º, CF)3.

Além dessas reformas, o processo civil, destacadamente, passou por mudanças destinadas a tornar mais célere a prestação jurisdi-cional, adotando medidas inovadoras como a tutela antecipada, a nova roupagem do agravo de instrumento, o reforço da execu-tividade das obrigações de fazer e não fazer, a outorga de auto-exeqüibilidade a todas as sentenças condenatórias, a ampliação dos títulos executivos, a racionalização do procedimento sumário, a criação da ação monitória, dentre outras4.

Dessa forma, tem-se uma grande oferta de instrumentos processu-ais e um extenso rol de direitos garantidos pelo texto constitucio-nal, mas a situação estrutural do Poder Judiciário permanece sem reformas substanciais. Apesar dos esforços realizados e das mu-danças conquistadas através das reformas legislativas, nosso siste-ma judicial tradicional ainda encontra-se prejudicado por alguns pontos de estrangulamento, como as custas judiciais, a incapacida-de ou inabilitação de grande parte da população para acionar ou defender-se, a existência de certos interesses difusos ou coletivos indefinidos e a conflituosidade da sociedade contemporânea5. To-das essas questões permanecem contribuindo para que o acesso à Justiça não se efetive de modo satisfatório, mantendo certos seto-res sociais à margem de um direito garantido contistucionalmente, de que nenhum direito subjetivo violado ou ameaçado ficará pri-vado do acesso à tutela da Justiça (CF, art. 5º, XXXV).

Sendo assim, os esforços se voltaram para as mudanças na legisla-ção, que certamente foram positivas, mas insuficientes. Vale lem-brar que alterações na legislação podem ser por vezes, infrutíferas, pois ao invés de dar eqüidade às partes, podem apenas criar novas vantagens para um dos litigantes. Por isso deve-se atentar para uma reforma mais completa do sistema.

O desenvolvimento de novas formas de solução de controvérsias e a preocupação em se garantir um acesso efetivo à justiça faz-se extremamente necessário. Ao longo da história, várias foram as tentativas de se aprimorar o aparelho judicial. Porém, o que se pode perceber atualmente é que o sistema tradicional de solução de litígios permanece forte e enraizado em nossa sociedade, e que os meios alternativos, apesar de em muitos casos terem obtido sucesso, ainda são vistos com certo receio. E isso ocorre, dentre outros fatores, devido ao conservadorismo e resistência de muitos operadores do Direito em relação a tais métodos. Além disso, o sistema judicial tradicional não exerce, em muitos casos, um papel pedagógico, voltado a educar a sociedade para resolver e prevenir seus próprios conflitos. Ao contrário, este sistema continua ins-tigando certa dependência em seus usuários que, cada vez mais afastados da solução dos litígios, compreendem cada vez menos os procedimentos e técnicas utilizadas para tal solução, o que muitas vezes gera uma demanda maior da prestação jurisdicional ofere-cida pelo aparato judicial. Não se pode esquecer que os escopos sociais da jurisdição são pacificar com justiça e educação.

Ainda de acordo com Cappelletti e Garth, deve-se salientar a ne-cessidade de que as barreiras impostas ao acesso à justiça não po-dem ser suprimidas isoladamente. Deve-se buscar um inter-rela-cionamento das mesmas, bem como um estudo aprofundado delas para que a reforma seja eficaz. Se superadas apenas pontualmente, tais barreiras podem reaparecer sobre outro aspecto, criando no-vas dificuldades e trazendo novas questões. Eis o desafio da refor-ma do sistema judicial: transpor obstáculos de forma sistêmica, geral, sem criar novos impedimentos ao acesso à justiça.

nathane fernandes da silVa

1 ALVIM, Arruda. Processo Civil – Novas Tendências. Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil contemporâneo – sua evolução ao lado do direito material. Belo Horizonte, Del Rey, 2008, p.79.2 CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Elen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris 1988.3 ALVIM, Arruda. Processo Civil – Novas Tendências. Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil contemporâneo – sua evolução ao lado do direito material. Belo Horizonte, Del Rey, 2008, p.77.4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 19.5 ALVIM, Arruda. Processo Civil – Novas Tendências. Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil contemporâneo – sua evo-lução ao lado do direito material. Belo Horizonte, Del Rey, 2008, p.60/61.

No Brasil, o principal método de solução de conflitos é o sistema judicial tradicional, em que a prestação jurisdicional é dada pelo juiz, no tribunal. No entanto, o país também não está alheio às dificuldades apresentadas por este sistema, buscando formas de aprimorá-lo e torná-lo mais acessível.

O prOtestO De títuLO e Os BAnCOs prIVADOs De DADOs De DeVeDOres

VOZ CIentíFICANa atual conjetura comercial, em que grandes corporações financeiras exercem relevante poder na sociedade, é essencial uma atuação mais eficaz por parte do Estado, com o objetivo de impedir o abuso do uso do poder econômico, configurado em abuso de personalidade jurídica. Do abuso da personalida-de jurídica há o dano, moral ou material, à pessoa natural ou jurídica. A atuação estatal nas relações comerciais só se justi-fica na medida em que garante eqüidade e isonomia entre as partes, prevenindo quaisquer tipos de abusos. Sem embargo, no que concerne ao protesto de títulos e documentos de dívi-das, a ordem jurídica brasileira não regulamenta claramente a matéria e, por conseguinte, há, com freqüência, um claro abuso de personalidade jurídica, sobretudo quando há a inter-ferência de grandes empresas.

A rede bancária, bem como as associações de comerciantes e lojistas, criaram sistemas de inclusão de pessoas naturais e jurí-

dicas em bancos de dados de devedores, cujo escopo é facilitar e agilizar as atividades comerciais e bancárias, além de corro-borar o “nome limpo” da pessoa, conforme consta no próprio sítio do Sistema de Proteção ao Crédito (SPC – Brasil): “O SPC Brasil foi criado com o objetivo de centralizar em um único Banco de Dados informações de pessoas físicas e jurídi-cas, auxiliando na tomada de decisão para concessão de crédito pelas empresas em todo país”. Desta forma, o SPC Brasil e a Serasa tornaram-se grandes fiadores nacionais de milhares de atividades comerciais diárias: “Como maior banco de dados da América Latina sobre consumidores, empresas e grupos econô-micos, a Serasa participa da maioria das decisões de crédito e de negócios tomadas no Brasil, respondendo on-line/real-time, a 4 milhões de consultas por dia, demandadas por 400 mil clientes diretos e indiretos”, de acordo com o que diz a própria Serasa em seu sítio. Essas empresas têm, desta forma, controle sobre boa parte das decisões de crédito no Brasil, sem nenhum cri-

tério ou fiscalização legais.

Ora, por algum motivo, uma pessoa é considerada devedora, seu nome é incluído em bancos de dados, cujo acesso se dá por meio eletrônico, garantindo-se, assim, às empresas consulto-ras, a esperança de um cliente adimplente. O fato é comum: ao contratar algum serviço, a pessoa tem seu nome consulta-do em alguns desses bancos de dados e se, por algum acaso, seu nome é encontrado ali, a empresa normalmente se recusa a conceder o crédito. Não obstante, não há nenhum critério legal estabelecido para a inclusão do nome da pessoa nesses tais bancos de dados, permitindo-se uma ampla liberdade às empresas. Vez por outra, alguma pessoa se sente lesada com a injusta inclusão de seu nome nesses cadastros, recorrendo ao poder judiciário. Boa parte dos processos analisados nos Juizados Especiais Cíveis são ações de dano moral pela indevi-da inclusão do nome de pessoas naturais em bancos privados

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sOLte A VOZCAÇA FAntAsMAs

Acreditava ser engraçado, quando no início do curso, di-zia-se que na Faculdade de Direito da UFMG os professo-res eram quem matavam mais aula. O tempo foi passando e a graça também. Em diversas ocasiões, um recado coloca-do às pressas por um séqüito monitor da matéria anuncia-va a ausência do professor daquele dia exato, daquela hora exata, e era tudo o que podia o graduando da formidável Casa (Assombrada?) de Afonso Pena saber.

As repetidas vezes em que, após subir infindáveis degraus, deparava-me com luzes apagadas e salas vazias, sem ao me-nos um mínimo aviso do ocorrido, foram desgastando a tolerância típica de quem não paga para estudar. Todavia, tal tolerância tem sua razão de ser? Pouco tempo depois percebi que não. Não há razoável justificativa para o co-modismo, o silêncio e inércia de alunos ou mesmo turmas e períodos inteiros para a falta de comprometimento de nossos Mestres. A regra inverteu-se, e exceção é aquele Professor o qual segue cronograma, cumpre horários, em suma, apenas exerce dignamente sua função. Assim, o co-mum são turmas inteiras regozijarem-se com mais uma ausência de determinado Mestre, encaminhando-se poste-riormente como zumbis para suas casas ou – o que é muito mais freqüente, senão porque melhor – para os bares da vida. O comércio dos arredores agradece, a educação, não.

Mas e o que fazem (ou não) os professores que tanto asco tem de exercer sua função?! Qual a motivação para tamanha indiferença para com os alunos da tão exaltada

Universidade para a qual trabalham? Por quê? Se fazem questão absoluta de gritarem aos quatro ventos em pales-tras e escreverem em letras maiúsculas em artigos, livros, e currículos que prestam (em tese) seu vasto conhecimento ocupando a docência desta Casa? Talvez a remuneração seja pífia para os padrões a que estão acostumados; talvez pela falta de estrutura da Faculdade (como se aulas expo-sitivas em 90% dos casos necessitassem de alguma estrutu-ra); talvez... talvez. Divagações, suposições. Porém, latente é o DESCASO.

Ademais, o descaso é disseminado de tal forma que o cor-porativismo existente entre os vetustos fantasmas impede uma mudança e penalidade para aquele que simplesmente se abstém de lecionar a matéria. Homérico o esforço dos representantes de turma para que alguma atitude seja to-mada pelo Colegiado de Graduação e Direção da Faculda-de. Mas, nem mesmo a direção do Colegiado e da Faculda-de estão presentes em qualquer hora de dia ou noite para receber reclamações sejam quais forem. Não há horário específico para encontrar aqueles para os quais deveriam ser encaminhadas as reclamações acerca do fato sabida-mente corriqueiro de ausência de professores sem motivo ou anúncio prévio! Seria cômico se não fosse trágico. Os fantasmas não parecem ver tragédia, sentem-se livres para vagar por onde quiserem, menos nos andares da Vetusta.

A contradição é ainda maior quando muitos desses “falto-sos” professores utilizam-se do antiquado diário de classe

para listar ausentes e presentes. Ora, se nem mesmo o Mes-tre, detentor de sabedoria, pode precisar quando exercerá seu ofício, como pode exigir qualquer A-luno, acostuma-do ao desajuste programático, ser perseverante em todas os dias em que, reforço, em tese, terá aula? A própria UFMG adota o critério de valorar os discentes, no que concerne à presença em sala de aula, em no mínimo 75% para apro-vação. Atrevo-me a dizer que desse percentual, em 40% a presença é automática, posto que o próprio professor dei-xou de fazer a “chamada” pois se ausentou por algum ou nenhum motivo.

Devemos levar a sério a questão dos professores ausen-tes, uma vez que não há reciprocidade no tratamento. Os mestres não são reprovados por freqüência, há sempre um modo de “abonar” suas faltas. Além disso, não há diário de classe, e mesmo que houvesse, nada como uma reunião fantasma para botar panos quentes no caso.

A tranqüila afronta ao respeito para com os alunos a ela não se resume, mas se espalha à dignidade da pessoa huma-na, ao Estado de Direito, ao princípio constitucional de acesso à educação, fere o direito administrativo, a ordem jurídica. Tudo isto nos foi ensinado pelos Mestres, ainda que por alguns, ainda que aos poucos... ou seriam todos esses paradigmas também fantasmas?

peQuenO gaspar

de dados de devedores. Nesse contexto, é prudente uma regu-lamentação jurídica mais eficaz que garanta maior segurança jurídica à pessoa.

Não bastasse isso, esses tais bancos de dados de devedores exigem das empresas consultoras o pagamento de uma taxa para fornecer as informações acerca do devedor, bastando o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. Com esse serviço, esses bancos de dados angariam relevantes lucros e são consi-derados no mundo empresarial como “garantidores da lisura e transparência nas atividades comerciais”. Malgrado contribu-írem para a agilidade e celeridade das atividades comerciais e bancárias, na medida em que a atividade dessas empresas não está explicitamente regulamentada pelo ordenamento jurídi-co, elas estão bem mais sujeitas a incorrerem em ilicitudes e fraudes, cujo resultado é um dano a outra pessoa, que normal-mente tem poder econômico relativamente inferior.

A partir daí, é pertinente que, para que tenha seu nome in-cluído em bancos de dados de devedores, a pessoa tenha sido protestada perante o Tabelião, autoridade dotada de fé pú-blica, delegada para o cargo mediante concurso público, re-gulamentada por corregedoria do Poder Judiciário, que a sa-batina com uma freqüência estipulada por lei. O tabelionato de protestos de títulos representa a forma de controle estatal sobre o adimplemento de documentos de dívidas; no entanto, a Associação dos Tabeliães de Protestos do Estado de Minas Gerais (Assotap – MG) calcula que menos de 3% dos nomes de devedores passam pelo crivo do tabelião antes de irem para os tais bancos de dados. Essa situação foge ao controle estatal, demonstrando um claro abuso de poder por parte das empre-sas gestoras dos bancos de dados, a causar enormes prejuízos a outras pessoas, diante da inexistência de quaisquer critérios antecedentes à inclusão.

Nesse sentido é o Projeto de Lei n. 7/2002, aprovado na Câ-mara dos Deputados e sobrestado na Comissão de Consti-tuição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, cuja redação proíbe as empresas gestoras dos bancos de dados de incluírem qualquer nome em suas listas sem o prévio protesto do docu-mento de dívida. O Projeto, que estava sob relatoria do sena-dor Jefferson Peres, de quem havia recebido parecer favorável, ainda não foi redistribuído após a morte do senador.

Ademais, a exigência do protesto, ao garantir um permanen-te controle do Estado, reverte a este um significativo aumen-to de arrecadação tributária, já que o protesto só é efetivado mediante o pagamento da “taxa de fiscalização”. Destarte, os robustos lucros hoje logrados por empresas como o SPC e a Serasa seriam, em boa parte, direcionados ao Estado.

Por outro lado, a exigência jurídica do protesto de dívida po-deria se configurar em grave interferência do Estado em ati-vidades eminentemente privadas, como a relação obrigacio-nal entre credor e devedor. Contudo, a interferência estatal, mediante o registro do protesto, não mais que visa a garantir a eqüidade e isonomia entre partes que se obrigam numa rela-ção comercial, já que o contrato, embora reflita a autonomia da vontade, subordina-se à ordem pública e, destarte, reduz-se o campo de liberdade entre os dois pólos em prol do equilí-brio. Ou seja, o Estado tem de intervir na economia do con-trato, seja por meio de normas de ordem pública, que restrin-gem a aplicabilidade do princípio da autonomia da vontade em favor do bem comum, seja pela intervenção judicial1.

Parece impossível que qualquer pessoa de bom senso venha a admitir que os registros públicos, tais como o registro de imó-veis, o de nascimento, casamento e óbito da pessoa natural, o de títulos e documentos e o de pessoas jurídicas sejam exerci-dos por entidades privadas. Pode alguém sentir-se seguro sa-bendo que o registro de um imóvel por ele adquirido, as futu-

ras alterações neste registro, como o lançamento de hipotecas e transmissões do bem a terceiros sejam controlados por uma empresa privada, sem qualquer vínculo com o Estado? Pois bem, os registros públicos consubstanciam função pública, a ser exercida pelo Estado ou por seus delegados, neste caso sob rigorosa fiscalização pública. Não é pertinente que a fiscali-zação da relação entre credor e devedor, na hipótese de des-cumprimento de contrato, seja realizada apenas pelas partes diretamente envolvidas, que inexoravelmente procurarão se beneficiar, cada qual, para seu lado. Nessa sistemática, o regis-tro do protesto de títulos é concebido como um mecanismo público e imparcial de fiscalização do adimplemento de docu-mento de dívida, primando pelo cumprimento de contratos entre entes privados sem que estes possam causar dano moral ou material um ao outro.

Neste ensejo, esclarece-se que há alguns projetos de lei trami-tando no Congresso, alterando substancialmente o protesto de títulos, de modo a transformá-lo num incontestável serviço de utilidade pública, numa entidade essencial para a viabili-dade e agilidade na concessão de crédito aos agentes econô-micos em geral. Nesse contexto, a grande novidade deverá ser o “protesto gratuito para o credor”, arcando o devedor, e so-mente ele, que afinal é o causador do registro de protesto, com os custos desse serviço. Com a modernização da instituição do protesto, que deverá ocorrer com a transformação de um desses projetos de lei em norma jurídica, o registro da inadim-plência passará a ser feito sob o rigoroso controle do Estado.

marcO amaral mendOnça

1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. V. 3. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, págs. 23 e 24.

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DIreItO e As MInOrIAs sexuAIs

Na madrugada do dia 14 de março de 2009, na mora-dia universitária II da UFMG, um estudante de Artes Visuais foi vítima de violenta agressão, física e verbal, por parte de outros estudantes, que também residiam no local. Segundo as pessoas que testemunharam a ocorrência, o estudante Fernando A. S. F. foi agredido exclusivamente devido a sua orientação sexual. Os pre-sentes relataram que, enquanto espancavam a vítima sob os olhares dos seguranças da moradia universitária, que acompanharam o lamentável evento desde o princí-pio, os estudantes-agressores continuamente desferiam ofensas em que tratavam a orientação sexual do agredi-do como algo depreciativo, chamando-o de “bicha” e de “veado”. O preconceito dos agressores teve como resul-tado uma ofensa grave ao direito à integridade física do agredido e à sua dignidade enquanto pessoa humana.

A homossexualidade deixou de ser considerada distúr-bio mental pela Organização Mundial de Saúde apenas em 1991, embora a Associação Americana de Psiquia-tria tenha deixado de classificá-la dessa forma nos anos 70 e o Conselho Federal de Medicina do Brasil tenha feito o mesmo em 1985. Com isso, marcou-se o fim de um ciclo de 2000 anos em que a cultura judaico-cristã encarou a homossexualidade primeiro como pecado, depois como crime e, por último, como doença. O pensamento laico, de modo geral, passou a entender a homossexualidade como é apropriado: como manifes-tação natural e universal de atração física, emocional e estética entre pessoas do mesmo sexo, presente nos di-versos contextos sócio-culturais passados e presentes de que se tem conhecimento1. Estudos demonstraram que a orientação sexual não é uma escolha, e que a homosse-xualidade, da mesma forma que a heterossexualidade, se manifesta de forma espontânea e inesperada.

A partir desse entendimento, portanto, de que a sexuali-dade do indivíduo, bem como a sua etnia, é natural e não é fruto de escolha, é possível notar que a discriminação sofrida pelos negros e a discriminação sofrida pelos ho-mossexuais são igualmente injustas. Elas são, além disso, análogas, de mesma espécie, pois ambas se baseiam em preconceitos que sustentam, de forma implícita ou ex-plícita, a superioridade de determinada condição (per-tencer à “raça branca” ou ser heterossexual), a partir de critérios inválidos, que, como explica Norberto Bobbio, “são acolhidos acrítica e passivamente pela tradição, pelo costume, ou por uma autoridade de que aceitamos as ordens sem discussão: ‘acrítica’ e ‘passivamente’ na medida em que a aceitamos sem verificá-la, por inércia, respeito ou temor, e a aceitamos com tanta força que resiste a qualquer refutação racional”2. É, obviamente, igualmente reprovável privar alguém de direitos e da tutela do direito com base em qualquer um desses cri-térios, tanto sexualidade quanto etnia. A lei, contudo, é omissa no que diz respeito aos direitos das minorias se-xuais. Enquanto o crime de racismo é definido no inciso XLII do art. 5º da CRFB como inafiançável e imprescri-tível, não está sequer expressa no Código Penal ou em legislação complementar qualquer referência específica a crime de discriminação em função de orientação se-xual ou identidade de gênero. As uniões homoafetivas não são formalmente reconhecidas pelo ordenamento e, com isso, não se garantem os direitos patrimoniais provenientes dessas uniões, como o direito a pensão e herança. O ataque sofrido pelo aluno de Artes Visuais na moradia universitária confirma que é uma realidade presente a ocorrência desse tipo de crime de ódio, e é iminente a necessidade de que o ordenamento passe a

sOLte A VOZproteger, efetivamente, também os direitos das minorias sexuais. São inúmeros tanto os casos de crimes violentos provenientes de discriminação e preconceito, como de-monstra o relatório anual do Grupo Gay da Bahia, que informa que o número de assassinatos de homossexuais aumentou 55% em 2008 em relação a 2007, quanto os casos de discriminação que não resultam em violência, casos estes em que não se encontra no ordenamento proteção satisfatória para os direitos dos ofendidos.

Nesse sentido, foi apresentado à Câmara dos Deputa-dos o Projeto de Lei 5.003/2001, de autoria da então deputada federal Iara Bernardi, do PT-SP, que poste-riormente veio a se tornar o Projeto de Lei da Câmara 1223 (PLC 122), de 2006. O projeto pretende alterar a lei nº. 7716/1999, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, o §3º do art. 140 do Có-digo Penal, que trata de tipo qualificado de injúria e o art. 5º da CLT, adicionando ao seu texto um parágrafo único.

A lei nº. 7716, em seu art. 1º, define que serão puni-dos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discri-minação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O PLC 122 pretende adicionar a esse texto os termos gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, de forma a tipificar também a dis-criminação em função desses fatores nos casos previstos em lei, entre os quais se encontram impedir, recusar ou proibir o ingresso ou permanência em qualquer estabe-lecimento público ou privado e recusar, proibir, prete-rir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional, sob os motivos determinados. Ele pretende, ainda, inserir os arts. 8º-A e 8º-B na lei nº. 7716, o que tornará crime, respectivamente, impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude de qualquer das características que estão e esta-rão previstas no art. 1º da referida lei, bem como, num mesmo sentido, proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo essas manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs.

O tipo qualificado de injúria, expresso no art. 140 §3º do Código Penal, comina penas maiores “se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa ido-sa ou portadora de deficiência”. O PLC 122 propõe que sejam também acrescentados a esse texto os termos gê-nero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, re-conhecendo a maior gravidade do crime também quan-do utilizados esses elementos. A inclusão de parágrafo único no art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho proibirá, caso aprovado o projeto, a prática discrimina-tória e limitativa para efeito de acesso ou manutenção de relação de emprego. As mudanças propostas pelo PLC 122 constituem um avanço considerável no intuito de garantir direitos das minorias contra discriminação, em diversos dos casos em que até então não há amparo legal satisfatório. Isso, contudo, representa apenas o primeiro passo rumo à formalização da isonomia entre os cidadãos. No caso da união civil entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, até hoje o único projeto de lei enviado ao Congresso a tratar do tema é o PL 1.151, de 1995, de autoria da então deputada federal Marta Suplicy (PT-SP). O pro-

jeto está engavetado há 13 anos e não há muita espe-rança de que seja votado. Vale frisar que o que se busca, nesse caso, não é que as relações homossexuais sejam legitimadas por um sentido de normalidade alargada propiciada pela possibilidade de matrimônio4, mas tão somente que todos os direitos provenientes da união ci-vil, como os patrimoniais e previdenciários, não tenham como requisito que o casal seja composto por pessoas de sexos diferentes, por todos os motivos já expostos e principalmente pelo fato de ser inegável a existência de outras maneiras naturais e legítimas de manifestação de afetividade.

A igualdade de direitos que aqui é discutida é pressupos-to de efetivação do art. 5º, caput, da CRFB, que institui o princípio da isonomia: mesmo quando muito se fala nas ações afirmativas e em meios para garantir a igual-dade material entre os cidadãos, um pressuposto claro de igualdade formal não é respeitado, por exemplo, no caso citado da união civil entre pessoas do mesmo sexo, e, desta forma, o Estado produz institucionalmente a desequiparação. A positivação de leis que garantam a igualdade formal aos cidadãos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, é esforço necessário para a construção de um Estado que seja, ao menos formalmente, laico. Nesse contexto, não é de se estranhar que os projetos de lei com foco nas minorias sexuais encontrem sua oposição mais forte e organiza-da nos grupos religiosos representados em determina-das bancadas do Congresso Nacional. A aprovação de mudanças legislativas que garantam aos homossexuais e transgêneros igualdade de direitos com os demais ci-dadãos, finalmente, se inclui entre os objetivos funda-mentais da República Federativa do Brasil, o que está expresso na CRFB, em seu art. 3º, inciso I, pois é ca-minho para a construção de uma sociedade justa, livre e solidária; III, pois é fundamental para a redução da marginalização; e IV, uma vez que fundamental para di-rimir uma das mais presentes formas de discriminação, na tentativa de propiciar o bem de todos.

andrÉ freire aZeVedO

1 Nesse sentido: RUBIN, Gayle. “Reflexionando sobre el sexo”. In: VANCE, Carole S. (Comp.) Placer y peligro. Exploran-do la sexualidad feminina. Ed. Revolución, Madrid, 1989. pp. 113-190.2 BOBBIO, Norberto. “A natureza do preconceito”. In: Elogio da serenidade e outros escritos morais. Cap. 3. São Paulo: Editora UNESP, 2002.3 SENADO FEDERAL. “Projeto de Lei da Câmara nº. 122 de 2006”, disponível em http://www.senado.gov.br/sf/ativi-dade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_mate=79604 (última consulta em 29 de abril de 2009)4 Nesse sentido: MELLO, Luis. “Familismo (anti)homossexual e regulação da cidadania no Brasil. In: Estudos Feministas, Florianópolis, p.497-508, 2006.

OBSERVAÇÃO: Essa publicação faz parte do projeto de Se-minário “O Direito e as Minorias”, que abordará quatro eixos principais: direito e as mulheres; direito e os negros; direito e as minorias sexuais; e direito e as minorias sócio-econômicas. Os interessados em integrar a comissão de planejamento e execução do projeto podem enviar seus nomes, períodos e contato para o e-mail [email protected]. As inscrições estão abertas a qualquer interessado.

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Naquele momento as lembranças rodavam em minha cabeça, como em uma imensa roda gigante. Pensamentos subiam e des-ciam em elevadores lendários e imaginários. E tudo o que estava claro nessa confusão era a simples pergunta: por que não antes?

O dia e o ano eu não me lembro, mas estava parada na sala da minha, ou melhor, da casa. Ela era velha, mas eu até que gostava dela... Quanto tempo havia morado lá? Não me recordo muito bem... Seriam 20, 14, 5 anos? Realmente não sei. Eu só sei que aquele era o meu último dia na casa.

Como o tempo havia passado tão rápido?E como eu não percebi?

Lembro dos meus primeiros pensamentos quando mudei para lá... minhas expectativas eram imensas! Queria conhecer cada canto daquele lugar, cada segredo, cada cômodo. Aquela era a casa dos meus sonhos, e havia esperado muito para morar nela.

Como uma pequena criança, perdida em meus sonhos, cheguei à minha casa. Era tanta novidade que nos primeiros dias só con-seguia contemplar e contemplar meu admirável mundo velho e novo. Prometi a mim mesma que cada dia seria único. Que eu cresceria ali, e daria uma nova decoração e formato àquele lugar. Que deixaria um pedacinho de mim lá.

E os dias foram passando... em cada um deles eu tomava ciência, e apenas ciência, das novidades da casa. Ahh, como eu queria aproveitar tudo que aquele lugar me proporcionava.

VOZ CuLturALA CAsA

VOZes MALDItAssepArADOs nO nAsCIMentO

VIVA VOZ

“O texto tem uma linguagem enxuta. Linguagem Giselle Bündchen. Não tem nenhuma gordurinha sobrando.”profa. beatriz Vargas, sobre o modelo de linguagem científica.

“Em 1800, os vikings bebendo cerveja nos crânios...”prof. renato césar, exemplificando casos de jurisprudência. “Um dos motivos que levaram o crime de rapto a ser revogado foi o fato de que toda mulher sonha ou já sonhou um dia em ser raptada. O problema é que elas querem escolher o raptor.”prof. hermes em aula sobre direito e psique feminina.

“É, porque vocês sabem... o júri é um circo, né? Então, cada palhaço com o seu argumento.”prof. fernando galvão, sobre os diversos artifícios utilizados em julgamento.

“Ah, que bom seria, estuprar a Maria!”prof. brodt em: pensar não é crime

Em um dia eu disse que iria conhecer o sótão. Acordei e me pre-parei para a aventura! Seria o máximo! Contudo, a casa era muito grande, e eu não consegui achar ninguém que me explicasse o caminho. Desisti, pois iria perder muito tempo até chegar lá. Quem sabe outro dia, eu retornaria, já com a localização certa do lugar.Numa outra manhã, me deparei com o sótão! Só que ele estava fechado. E eu mais uma vez parei, sem muitas respostas.

Teve um outro dia que eu me deparei com uma sala toda de vidro, cheia de relíquias dentro! Fiquei curiosíssima com os pequenos tesouros... só que o mordomo da casa começou a falar sobre tais objetos de uma forma tão cansativa que no meio da fala eu dormi, e ele me levou para o meu quarto. Não consegui achar a sala no dia seguinte.

Lembro-me também da vez que queria visitar a biblioteca, só que não tive tempo... e daquele outro dia que fiquei muito irritada porque meus pais não me deixaram entrar em um cômodo porque estavam em reunião importante. Teve também aquela vez que qui-seram me mostrar a sala dos quadros. Diziam que eles contavam a história daquele lugar... não quis! Não estava muito interessada.

E o tempo foi passando, e as histórias que transbordavam de cada cômodo daquele lugar foram adormecendo. Meu interesse não era o mesmo, meu tempo não era o mesmo, eu não era a mesma. Parei de olhar para as paredes, para as salas, para os quadros daquela

casa. Limitava-me a ir da cozinha para sala, da sala para o quarto, do quarto para a cozinha, e no meio do caminho tinha sempre um banheiro, que, diga-se de passagem, estava sempre sem papel!

E hoje estou aqui, me mudando...

Mas todas as minhas primeiras sensações retornam agora... Eu podia ter aprendido tantas coisas... será que havia um tesouro escondido em alguma daquelas salas trancadas? Ou alguma pre-ciosidade em algum daqueles quadros? Quantas histórias eu não escutei, quantos livros eu não li, quantas pessoas eu não conhe-ci... quantas?

E se eu tivesse perguntado um pouco mais, insistido mais, procu-rado mais... Será que ainda dá tempo de mais uma caminhada? Ou de mais uma expedição pela casa... casa que já foi tão mi-nha?! Por que eu esperei tanto? Por que eu hesitei tanto?

Ahh... eu e essa minha velha mania de deixar para fazer na última hora aquilo que eu podia ter feito em uma vida! Por que não antes?

anelice teiXeira da cOsta