jornal jurídico junho 2015

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Junho/2015 – Edição 219 Jornal Jurídico Atualização Monetária dos Créditos Trabalhistas: Inconstitucionalidade da “TR” e Utilização do “IPCA-E” – Flávio da Costa Higa e Júlio César Bebber p. 1 Regularização Fundiária Como Política Pública Permanente: Teoria e Prática – Simone Somensi e Vanêsca Buzelato Prestes p. 9 Julgamento dos Atestados de Capacidade Técnica e o Formalismo Moderado – Luciano Elias Reis p. 23 Audiência de Garantia: ou sobre o Óbvio Ululante – Cleopas Isaías Santos p. 27 Prestação de Serviços de Transporte: Delimitação do Direito de Crédito do ICMS pelas Empresas Transportadoras nos Contratos de Subcontratação e Redespacho – Roberto Biava Júnior p. 40 Apropriação das Áreas de Preservação Permanente por Atividades de Utilidade Pública – Antomar Viegas de Oliveira Jr. e Ronald Victor Romero Magri p. 54 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 61 Pesquisa Temática – Registro Profissional – p. 69 Jurisprudência Comentada – Indenização à Concubina por Serviços Prestados – Euclides de Oliveira p. 71 Medidas Provisórias p. 76 Normas Legais p. 79 Indicadores p. 80

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Jornal Jurídico Síntese - Junho 2015

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Page 1: Jornal Jurídico Junho 2015

Junho/2015 – Edição 219

Jornal Jurídico

Atualização Monetária dos Créditos Trabalhistas: Inconstitucionalidade da “TR” e Utilização do “IPCA-E” – Flávio da Costa Higa e Júlio César Bebber – p. 1

Regularização Fundiária Como Política Pública Permanente: Teoria e Prática – Simone Somensi e Vanêsca Buzelato Prestes – p. 9

Julgamento dos Atestados de Capacidade Técnica e o Formalismo Moderado – Luciano Elias Reis – p. 23

Audiência de Garantia: ou sobre o Óbvio Ululante – Cleopas Isaías Santos – p. 27

Prestação de Serviços de Transporte: Delimitação do Direito de Crédito do ICMS pelas Empresas Transportadoras nos Contratos de

Subcontratação e Redespacho – Roberto Biava Júnior – p. 40

Apropriação das Áreas de Preservação Permanente por Atividades de Utilidade Pública – Antomar Viegas de Oliveira Jr. e Ronald Victor Romero Magri – p. 54

Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 61

Pesquisa Temática – Registro Profissional – p. 69

Jurisprudência Comentada – Indenização à Concubina por Serviços Prestados – Euclides de Oliveira – p. 71

Medidas Provisórias – p. 76

Normas Legais – p. 79

Indicadores – p. 80

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Doutrina

Atualização Monetária dos Créditos Trabalhistas: Inconstitucionalidade da “TR” e Utilização do “IPCA-E”

FLÁVIO DA COSTA HIGAJuiz do Trabalho na 24ª Região, Doutor e Mestre pela USP, Pós-Doutorando pela Universidade de Lisboa.

JÚLIO CÉSAR BEBBERJuiz do Trabalho na 24ª Região da Justiça do Trabalho, Doutor e Mestre em Direito pela USP.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em duas oportunidades, o STF declarou a inconstitucionalidade de dispositivos que fazem referência à “Taxa Referencial” (TR) como indicador de correção monetária (ADIn 493/DF e ADIn 4357/DF).

O art. 39, caput, da Lei nº 8.177/1991 deter-mina a atualização monetária dos créditos

trabalhistas pelos índices da TR.

Cumpre investigar, então, a constitucionali-

dade dessa norma e, na eventualidade de considerá-la inconsti-tucional, encontrar o índice adequado à correção monetária dos créditos trabalhistas.

É esse tema, pois, que será tratado em texto sintético, com escopo de suscitar o debate.

CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS

Atualizar monetariamente é preservar o valor real de um bem, assegurando a manutenção do seu poder de troca, que, com o passar do tempo, é corroído pela inflação, em prejuízo do direito à restitutio in integrum (CC, art. 944). Assumido o pressuposto de que o dano deve ser integralmente reparado1, é palmar a ilação de que o patrimônio deve ter seu valor de compra mantido incó-lume via correção monetária2. Nessa trilha, “ninguém enriquece e ninguém empobrece por efeito de correção monetária, porque a dívida que tem o seu valor nominal atualizado ainda é a mesma dívida”3. Seu escopo é o de transformar as coisas a fim de que

1 Como, aliás, assentado pela Corte de Cassação francesa, ao enunciar que se deve reparar todo o dano e nada além do dano: “Le propre de la responsabilité civile est de réparer tout le dommage, mais rien que le dommage” (França, Cass., 2ème Civ., n. 01-01781, 12.09.2002. Disponível em: www.legifrance.gouv.fr. Acesso em: 1º abr. 2015).

2 Tanto assim que o Código Civil brasileiro estabelece que as perdas e danos, no caso de inadimplemento de obrigações, comportam atualização monetária (arts. 389 e 404).

3 Brasil, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, ADIn 4.357-DF, Decisão de 14 de março de 2013, Rel. Min. Ayres de Britto, Red. p/o Ac. Min. Luiz Fux, Julgamento concluído em 25 de março de 2015. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6812428>. Acesso em: 1º abr. 2015.

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elas permaneçam iguais, ou seja, “é mudar o valor nominal de uma dada obrigação de pagamento em dinheiro, para que essa mesma obrigação de pagamento em dinheiro não mude quanto ao seu valor real”4.

Trata-se de instituto jurídico de índole constitucional, porquanto matéria específica constante de dispositivos da Lei Maior, que lhe esboçam regime peculiar5. Confira-se, v.g., que a CF, ao enunciar prescrições sobre o salário-mínimo, estabelece que ele deve contar com “reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo” (art. 7º, IV). Outrossim, em respeito ao patrimônio do particular objeto de desapropriação, a Carta Magna confere ao proprietário o direito de ser indenizado com verdadeira cláusula garantidora do “valor real da indenização” (art. 182, § 4º, inciso III, e art. 184, caput).

Do postulado de salvaguarda do valor real decorrem diversas disposições infraconstitucionais que emprestam concretude a essa garantia, como, por exemplo, os arts. 389, 395 e 404 do CC, todos a reverberar, em uníssono, o direito subjetivo à atua-lização monetária. Ademais, como corolário de um imperativo constitucional, a inferência lógica é a de que se trata de norma de ordem pública, o que justifica epistemologicamente a sua incidência “sobre qualquer débito resultante de decisão judicial” (Lei nº 6.899/1981, art. 1º)6, independentemente de menção no

4 Idem. 5 Como ressaltado pelo Ministro Carlos Ayres Brito na ADIn 4357/DF, a

correção monetária é “tema específico ou a própria matéria de algumas normas figurantes do nosso Magno Texto, tracejadoras de um peculiar regime jurídico para ela. Instituto que tem o pagamento em dinheiro como fato-condição de sua incidência e, como objeto, a agravação quantitativa desse mesmo pagamento” (Idem).

6 Lei nº 6.899/1981, art. 1º: “A correção monetária incide sobre qualquer débito resultante de decisão judicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios”.

pedido inicial e no próprio título executivo judicial (Súmula TST nº 211)7.

Na Justiça do Trabalho, por força do disposto no art. 39, caput, da Lei nº 8.177/1991, os débitos têm sido atualizados moneta-riamente por meio da aplicação da “Taxa Referencial” (TR), fator também utilizado para a correção da caderneta de poupança. Aludido índice, contudo, é inadequado aos fins colimados, na medida em que seus percentuais não refletem a dilapidação creditícia provocada pelo fenômeno inflacionário. A mera leitura da fórmula para a obtenção do índice (Lei nº 8.177/1991, art. 1º, caput)8 permite lobrigar a sua ilegalidade, impropriedade e inadequação9, haja vista ser calculado a partir de fatores que traduzem o custo de captação da moeda, e não seu valor de troca10.

7 “JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA – INDEPENDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL E DO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Os juros de mora e a correção mo-netária incluem-se na liquidação, ainda que omisso o pedido inicial ou a condenação.”

8 Lei nº 8.177/1991, art. 1º: “O Banco Central do Brasil divulgará Taxa Refe-rencial (TR), calculada a partir da remuneração mensal média líquida de impostos, dos depósitos a prazo fixo captados nos bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos múltiplos com carteira comercial ou de investimentos, caixas econômicas, ou dos títulos públicos federais, estaduais e municipais, de acordo com metodologia a ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, no prazo de sessenta dias, e enviada ao conhecimento do Senado Federal”.

9 ROCHA, Keyler Carvalho. Impropriedade da TR e da TRD como indexado-ras. Revista de Administração, São Paulo, v. 26, n. 3, p. 87, jul./set. 1991.

10 Conforme voto do Ministro Moreira Alves: “Como se vê, a TR é a taxa que resulta, com a utilização das complexas e sucessivas fórmulas contidas a Resolução nº 1.085 do Conselho Monetário Nacional, do cálculo da taxa média ponderada da remuneração dos CDB/RDB das vinte institui-ções selecionadas, expurgada esta de dois por cento que representam genericamente o valor da tributação e da ‘taxa real histórica de juros da

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Para além da força dos argumentos jurídicos, alinhavados no plano abstrato, a verificação concreta dos percentuais é sen-sivelmente mais persuasiva. Nesse espeque, e.g., ilustra-se, a seguir, a diferença cabal entre a “correção” efetuada pela TR11 e a do IPCA-E12 no período de janeiro/2012 a março/2015:

MÊS/ANOÍndice de Correção –

TRÍndice de Correção –

IPCA-EJaneiro/2012 0,0864% 0,65%Fevereiro/2012 0,0000% 0,53%Março/2012 0,1068% 0,25%

economia’ embutidos nessa remuneração. Seria a TR índice de correção monetária, e, portanto, índice de desvalorização da moeda, se inequi-vocamente essa taxa média ponderada da remuneração dos CDB/RDB com o expurgo de 2% fosse constituída apenas do valor correspondente à desvalorização esperada da moeda em virtude da inflação. Em se tra-tando, porém, de taxa de remuneração de títulos para efeito de captação de recursos por parte de entidades financeiras, isso não ocorre por causa dos diversos fatores que influem na fixação do custo do dinheiro a ser captado. [...] A variação dos valores das taxas desse custo prefixados por essas entidades decorre de fatores econômicos vários, inclusive peculiares a cada uma delas (assim, suas necessidades de liquidez) ou comuns a todas (como, por exemplo, a concorrência com outras fontes de captação de dinheiro, a política de juros adotada pelo Banco Central, a maior ou menor oferta de moeda), e fatores esses que nada têm que ver com o valor de troca da moeda, mas, sim – o que é diverso –, com o custo da captação desta” (Brasil, Supremo Tribunal Federal, ADIn 493, Voto do Ministro Moreira Alves. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcesso Andamento.asp?incidente=1519857>. Acesso em: 1º abr. 2015) (Sem grifos no texto original).

11 Com a finalidade exclusiva de facilitar a visualização das discrepâncias, os números após a casa centesimal foram apostos em fonte inferior e sem negrito. (Taxa Referencial de Juros – TR. Portal Brasil. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/tr_mensal.htm>. Acesso em: 3 abr. 2015)

12 Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E. Portal Brasil. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/ipca_e.htm>. Acesso em: 3 abr. 2015.

MÊS/ANOÍndice de Correção –

TRÍndice de Correção –

IPCA-EAbril/2012 0,0227% 0,43%Maio/2012 0,0468% 0,51%Junho/2012 0,0000% 0,18%Julho/2012 0,0144% 0,33%Agosto/2012 0,0123% 0,39%Setembro/2012 0,0000% 0,48%Outubro/2012 0,0000% 0,65%Novembro/2012 0,0000% 0,54%Dezembro/2012 0,0000% 0,69%Janeiro/2013 0,0000% 0,88%Fevereiro/2013 0,0000% 0,68%Março/2013 0,0000% 0,49%Abril/2013 0,0000% 0,51%Maio/2013 0,0000% 0,46%Junho/2013 0,0000% 0,38%Julho/2013 0,0209% 0,07%Agosto/2013 0,0000% 0,16%Setembro/2013 0,0079% 0,27%Outubro/2013 0,0920% 0,48%Novembro/2013 0,0207% 0,57%Dezembro/2013 0,0494% 0,75%Janeiro/2014 0,1126% 0,67%Fevereiro/2014 0,0537% 0,70%Março/2014 0,0266% 0,73%Abril/2014 0,0459% 0,78%Maio/2014 0,0604% 0,58%Junho/2014 0,0465% 0,47%Julho/2014 0,1054% 0,17%Agosto/2014 0,0602% 0,14%Setembro/2014 0,0873% 0,39%Outubro/2014 0,1038% 0,48%Novembro/2014 0,0483% 0,38%Dezembro/2014 0,1053% 0,79%

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MÊS/ANOÍndice de Correção –

TRÍndice de Correção –

IPCA-EJaneiro/2015 0,0878% 0,89%Fevereiro/2015 0,0168% 1,33%Março/2015 0,1296% 1,24%13

Deveras, o cotejo dos percentuais é eloquente e fala por si, uma vez que os índices da TR permaneceram invariavelmente inferiores aos da inflação, chegando ao cúmulo de “zerar” no interstício entre setembro/2012 e junho/2013. E isso não é tudo. A prova derradeira da completa dissociação entre atualização monetária e TR reside no fato de o Banco Central do Brasil, por meio do Conselho Monetário Nacional, ter promulgado a Resolução nº 3.354, de 31 de março de 2006, que impõe um redutor sobre a TR apurada (art. 5º)14. Desse modo, ainda que se pudesse cogitar da TR como instrumento apto a preservar o valor de troca, o coeficiente de redução aniquilaria tal condão. Ademais, resta patente a interferência governamental sobre tal índice, em face de suas repercussões na política econômica,

13 Este último índice diz respeito ao IPCA-15, assim obtido: “O IPCA-15 [...] é uma prévia do IPCA cheio, por isso quando ele é divulgado, no cálculo do acumulado, devem ser considerados os meses anteriores pelo índice do IPCA cheio mais o IPCA-15 mais recente. [...] O período de coleta do INPC e do IPCA estende-se, em geral, do dia 01 a 30 do mês de referência”. Em que pese a diferença metodológica, nos demais meses constantes da tabela, sem exceção, não houve diferença entre o IPCA-15 e o IPCA--E. (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E. Portal Brasil. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/ipca_e.htm>. Acesso em: 3 abr. 2015)

14 “Art. 5º Para cada TBF obtida, segundo a metodologia descrita no art. 4º, deve ser calculada a correspondente TR, pela aplicação de um redutor ‘R’, de acordo com a seguinte fórmula: [...].” (Brasil, Conselho Monetário Nacional, Resolução nº 3.354, de 31 de março de 2006. Disponível em: <https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo. do?method=detalharNormativo&N=106098700>. Acesso em: 1º abr. 2015)

uma vez que a aplicação de um decréscimo tem por objetivo conter a fuga do capital de investidores para a poupança públi-ca, setor estratégico para o governo, mas sem correspondência com as perdas inflacionárias.

Por todo o exposto, o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” – rectius, TR –, constante do § 12 do art. 100 da CF, do inciso II do § 1º e do § 16, ambos do art. 97 do ADCT, normas de regência da atualização dos valores de requisitórios a serem pagos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais. Assim o fez utilizando, entre outros, os seguintes fundamentos, litteris:

Se há um direito subjetivo à correção monetária de determinado crédito, direito que, como visto, não difere do crédito originário, fica evidente que o reajuste há de corresponder ao preciso índice de desvalorização da moeda, ao cabo de um certo período; quer dizer, conhecido que seja o índice de depreciação do valor real da moeda – a cada período legal-mente estabelecido para a respectiva medição – , é ele que por inteiro vai recair sobre a expressão financeira do instituto jurídico protegido com a cláusula de permanente atualização monetária. [...] Qualquer ideia de incidência mutilada da correção monetária, isto é, qualquer tentativa de aplicá-la a partir de um percentualizado redutor, caracteriza fraude à Constituição. [...] Do que resulta o óbvio: se a “preservação do valor real” do patrimônio particular é constitucionalmente assegurada, mesmo nos casos de descumprimento da função social da propriedade (inciso III do § 4º do art. 182 e caput do art. 184, ambos da CF), como justificar o sacrifício ao crédito daquele que tem a seu favor uma sentença judicial transitada em julgado?15

Observe-se que os argumentos lançados sobrepujam a questão concernente à recomposição dos precatórios, desembocando na ideia de violação do regime constitucional de atualização

15 Brasil, Supremo Tribunal Federal, ADIn 4.357/DF. Op. cit.

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monetária, universalmente válida. Diante de tal quadro, se os motivos invocados para rechaçar a TR permitem a intelecção de seu cabimento a todas as hipóteses de atualização monetá-ria – e tudo leva a crer que sim –, qualquer juiz, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, pode – e deve – afastar a aplicação do art. 39 da Lei nº 8.177/1991, reputando-o incons-titucional16, com efeitos inter partes.

Não se trata, por óbvio, de aplicação da “teoria da transcen-dência dos motivos determinantes”17, segundo a qual a eficá-cia vinculante não fica adstrita à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos (ratio decidendi) que o embasaram. Conquanto a Suprema Corte tenha adotado tal teoria durante significativo período, fundado na “necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a força normativa da Constituição”18, o entendimento atual é pela rejeição dessa tese

16 Evita-se, nessa seara, empregar a expressão “declarar a inconstituciona-lidade”, em face do entendimento consolidado de que a declaração de inconstitucionalidade propriamente dita seria prerrogativa dos tribunais, por força dos arts. 97 da CF e 480 a 482 do CPC.

17 Segundo o escólio de Barroso: “Em sucessivas decisões, o Supremo Tribunal Federal estendeu os limites objetivos e subjetivos das decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade, com base em uma construção que vem denominando transcendência dos motivos determinantes. Por essa linha de entendimento, é reconhecida eficácia vinculante não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não apenas à conclusão do acór-dão, mas igualmente às razões de decidir” (BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 238-239).

18 Analise-se, e.g., os seguintes trechos da decisão monocrática do Ministro Celso de Mello na Reclamação nº 2.986: “Essa visão do fenômeno da trans-cendência parece refletir a preocupação que a doutrina vem externando

para o cabimento de Reclamação Constitucional19. O que se defende, entretanto, é a possibilidade do exame da constitu-cionalidade de lei por todos os juízes, como no paradigmático caso Marbury v. Madison (1803), no qual a Suprema Corte norte--americana, há mais de 200 anos, forjou o conceito de controle difuso de constitucionalidade, de primordial influxo no ordena-mento pátrio. Nas palavras do Chief Justice Marshall, “a lei que viola a Constituição é nula, e os tribunais, assim como todos os demais órgãos, estão vinculados por esse instrumento”20.

a propósito dessa específica questão, consistente no reconhecimento de que a eficácia vinculante não só concerne à parte dispositiva, mas refere--se, também, aos próprios fundamentos determinantes do julgado que o Supremo Tribunal Federal venha a proferir em sede de controle abstrato, especialmente quando consubstanciar declaração de inconstitucionalida-de [...] Na realidade, essa preocupação, realçada pelo magistério doutri-nário, tem em perspectiva um dado de insuperável relevo político-jurídico, consistente na necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a força normativa da Constituição, que resulta da indiscutível supremacia, formal e material, de que se revestem as normas constitucionais, cuja integri-dade, eficácia e aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizadas, em face de sua precedência, autoridade e grau hierárquico [...]” (Brasil, Supremo Tribunal Federal, Rcl. 2986. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcesso Andamento.asp>. Acesso em: 1º abr. 2015) (Sem destaques no texto original. Trata-se de decisão monocrática que rejeita o pedido, por disciplina judiciária, mas revela os fundamentos de seu posicionamento).

19 Nesse sentido: Rcl 2.475-AgRg/MG, Rel. p/o Ac. Min. Marco Aurélio; Rcl 3.014/SP, Rel. Min. Ayres Britto; Rcl 3.249-AgRg/RN, Rel. Min. Dias Toffoli, Rcl 6.204-AgRg/AL, Rel. Min. Eros Grau; Rcl 9.778-AgRg/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Rcl 11.831-AgRg/CE, Relª Min. Cármen Lúcia; Rcl 14.098/TO, Rel. Min. Roberto Barroso; Rcl 14.111/DF, Rel. Min. Teori Zavascki; Rcl 14.391/MT, Relª Min. Rosa Weber; Rcl 15.225/SP, Rel. Min. Marco Aurélio.

20 Tradução livre do autor. No original, lê-se: “Thus, the particular phrase-ology of the Constitution of the United States confirms and strengthens the principle, supposed to be essential to all written Constitutions, that a law repugnant to the Constitution is void, and that courts, as well as other

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Reconhecida a inconstitucionalidade ou a inadequação da TR como índice de correção dos débitos trabalhistas – como já tem ocorrido em sede doutrinária21 –, é necessário encontrar-lhe um substituto que cumpra a missão constitucional. Os dispositivos do CC fazem menção invariável à atualização monetária “se-gundo índices oficiais regularmente estabelecidos” (arts. 389, 395 e 404), deixando claro que os percentuais apurados por entidades privadas22 – por mais fidedignos que sejam – não estão autorizados por lei23.

Restam, pois, basicamente, dois índices oficiais, quais sejam o INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor e o IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, ambos medidos pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística, entidade da Administração Pública federal vinculada

departments, are bound by that instrument” (Estados Unidos da América, Supreme Court of the United States, Marbury v. Madison, 5 U.S. 1 Cranch 137 137 (1803). Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/5/137/case.html>. Acesso em: 1º abr. 2015) (Sem destaques no texto original).

21 ALMEIDA, Amador Paes. A impropriedade da utilização da TR – Taxa Refe-rencial – como fator de correção monetária. LTr, 103/92, p. 645; MARTINS, Sérgio Pinto. Atualização monetária dos créditos trabalhistas. Justiça do Trabalho, HS Editora, v. 362, p. 15/20, fev. 2014; GHISLENI FILHO, João; VARGAS, Luiz Alberto de. A atualização monetária dos créditos trabalhistas após a extinção da TR. LTr, 119/13, p. 641; BASILE, César Reinaldo Offa. A [des]atualização monetária do crédito na Justiça do Trabalho. LTr, a. 77, v. 7, p. 807, jul. 2013.

22 Tais como o IPC (elaborado pela FGV-Fipe), IGP-M (elaborado pela FGV) e o ICV (apurado pelo Dieese).

23 Ainda que não haja grande discrepância entre os percentuais encontrados pelos institutos que efetivamente mensuram a inflação (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral: indenização no código civil. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 302).

ao Ministério do Planejamento24. A diferença entre eles é que o primeiro “abrange as famílias com rendimentos mensais compreendidos entre 1 (hum) e 5 (cinco) salários-mínimos, cuja pessoa de referência é assalariada e residente nas áreas urbanas das regiões”, ao passo que o segundo “engloba famí-lias com rendimentos mensais compreendidos entre 1 (hum) e 40 (quarenta) salários-mínimos, qualquer que seja a fonte de rendimentos, e residentes nas áreas urbanas das regiões”25. Já o IPCA-E é apenas uma variação do IPCA, de linhas gerais muito semelhantes. Decorre da Medida Provisória nº 812, de 30 de dezembro de 1994 (art. 1º, §§ 1º e 2º), com o escopo de subsidiar a materialização da UFIR, parâmetro de atualização de tributos e outras penalidades (Lei nº 8.383/1991, art. 1º). É divulgado trimestralmente, também pelo IBGE, utilizando os seguintes componentes de cálculo: alimentação e bebidas, habitação, artigos de residência, vestuário, transportes, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, educação e comu-nicação26.

A opção pelo IPCA, série Especial, decorre, precipuamente, de um critério teleológico. O INPC é um índice mais restrito, que

24 Para aprofundamento, vide: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Estrutura. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/dissemi-nacao/ eventos/missao/instituicao.shtm>. Acesso em: 1º abr. 2015.

25 Com a seguinte abrangência geográfica: Regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Vitória e Porto Alegre, Brasília e municípios de Goiânia e Campo Grande. (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA e Índice Nacional de Preços ao Consumidor –INPC. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/default inpc.shtm>. Acesso em: 1º abr. 2015)

26 Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E. Portal Brasil. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/ipca_e.htm>. Acesso em: 1º abr. 2015.

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tem como foco a política salarial e por objetivo fundamental indicar como as famílias assalariadas de baixo rendimento são afetadas pelo movimento dos preços27. Por outro lado, o IPCA oferece a medida do movimento geral dos preços no mercado varejista e, também, o indicador da inflação de acordo com o consumo pessoal. Por conta disso, é o parâmetro principal no monitoramento do sistema de metas de inflação no Brasil28, o que o torna, por excelência, o melhor indicativo de reposição do poder aquisitivo das condenações judiciais.

A utilização do IPCA, série Especial, encontra apoio também no recurso integrativo da analogia, aplicável por força dos arts. 8º da CLT e 4º da LINDB, porquanto é o índice legalmente fixado para a atualização monetária dos precatórios, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho,

27 “[...] a razão essencial para a criação do INPC (índice restrito) foi a política salarial, sendo seu objetivo indicar como as famílias cujos chefes são assalariados e possuem baixos rendimentos são afetadas pelo movi-mento dos preços. Este índice tem sido, na prática, utilizado para além de seu objetivo primeiro e tem fornecido, ao longo dos anos, subsídios para as decisões de reajustes de remunerações, não apenas aos agen-tes diretamente afetados pelos dissídios, mas a qualquer categoria de trabalhadores, sindicalizados ou não.” (ROUSSEFF, Dilma; BELCHIOR, Miriam. Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor: métodos de cálculo. Série Relatos Metodológicos. Rio de Janeiro, 2012, v. 14, 6. ed. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indica-dores/precos/inpc_ipca/Metodos_de_Calculo_6ed.pdf>. Acesso em: 1º abr. 2015)

28 “Quanto ao IPCA, a motivação para sua criação foi oferecer, para todos os fins práticos, a medida do movimento geral dos preços no mercado varejista e, também, o indicador da inflação segundo o consumo pessoal, sendo este utilizado pelo Banco Central do Brasil – Bacen, desde janeiro de 1999, como parâmetro principal no monitoramento do sistema de metas de inflação no Brasil.” (Idem)

ex vi do art. 27 da Lei nº 12.919, de 24 de dezembro de 201329, e 27 da Lei nº 13.080, de 2 de janeiro de 201530.

Por derradeiro, o emprego do IPCA, série Especial, tem res-paldo em recente decisão do STF, que, ao modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da TR, elegeu-o como índice aplicável31.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Das reflexões anteriormente exaradas, então, pode-se afirmar que o direito à percepção do crédito trabalhista (lato sensu)

29 “Art. 27. A atualização monetária dos precatórios, determinada no § 12 do art. 100 da Constituição Federal, inclusive em relação às causas traba-lhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, observará, no exercício de 2014, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial – IPCA-E do IBGE.” (Brasil, Lei nº 12.919, de 24 de dezembro de 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12919.htm>. Acesso em: 1º abr. 2015)

30 “Art. 27. A atualização monetária dos precatórios, determinada no § 12 do art. 100 da Constituição Federal, bem como das requisições de pe-queno valor expedidas no ano de 2015, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, observará, no exercício de 2015, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial – IPCA-E do IBGE, da data do cálculo exequendo até o seu efetivo depósito.” (Brasil, Lei nº 13.080, de 2 de janeiro de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13080.htm>. Acesso em: 1º abr. 2015)

31 “[...] (i) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e (ii) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; [...]” (Brasil, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, ADIn 4357-DF, Rel. Min. Ayres de Britto, Red. p/o Ac. Min. Luiz Fux, Julgado em 25 de março de 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em: 1º abr. 2015)

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originário só existe em plenitude se monetariamente corrigi-do pelos precisos índices de desvalorização da moeda ao cabo de determinado período. Por isso, é inconstitucional a expressão “TRD”, constante do caput do art. 39 da Lei nº 8.177/1991, uma vez que referido indicador não corresponde aos exatos índices de depreciação do valor real da moeda. Devem-se utilizar, em seu lugar, os do IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, série Especial, do IBGE), principal indicador de monitoramento do sistema de metas de inflação no País.

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BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurispru-dência. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Doutrina

Regularização Fundiária Como Política Pública Permanente: Teoria e Prática

SIMONE SOMENSIProcuradora do Município de Porto Alegre, Bacharela em Direito pela Universidade de Caxias do Sul, Coordenadora da Gerência de Regularização de Loteamentos. Atua principalmente nos seguintes temas: Regularização Fundiária Urbana, Direito Fundamental à Moradia, Planejamento Urbano, Ordem Urbanística e Direito Difuso, Estatuto da Cidade, Provimento More Legal, Loteamentos Clandestinos ou Irregulares, Especialista em Advocacia Municipal.

VANÊSCA BUZELATO PRESTESProcuradora do Município de Porto Alegre, Mestre em Direito PUCRS, Especialista em Direito Municipal pela Uniritter/ESDM, Professora de Direito Municipal, Ambiental e Urbanístico. Organizadora e autora de livros.

PALAVRAS-CHAVE: Lei nº 11.977/2009; ordem urbanística; direito difuso; regularização fundiária; procedimento para regularização de áreas públicas; demarcação urbanística; procedimento para regularização de áreas privadas; legitimação da posse.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Ordem urbanística como direito difuso; 2 Regularização fundiária: parte integrante da ordem urbanística; 3 Lei Federal nº 11.977/2009 – Breves apontamentos; 4 Procedimentos e instrumentos jurídicos; 4.1 Área pública; 4.1.1 Concessão do direito real de uso; 4.1.2 Concessão especial para fins de moradia; 4.2 Área privada; 4.2.1 Assentamentos autoproduzidos; 4.2.1.1 Usucapião especial urbana;

4.2.1.2 Demarcação urbanística e legitimação da posse; 4.2.2 Loteamentos irregulares e clandestinos; 4.2.2.1 Provimento “More Legal III”; 4.3 Direito de superfície; 4.4 Zonas especiais de interesse social; 4.5 Ação civil pública; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente estudo descreve os instrumentos e os procedimentos atinentes à regularização fundiária, passíveis de serem utilizados no Brasil. Apresenta uma perspectiva pragmática, procurando apontar um “como fazer”, tendo por base o incansável trabalho realizado pelos técnicos do Município de Porto Alegre nestes últimos 20 (vinte) anos, valendo-se, também, da contribuição de diversos municípios brasileiros que enfrentam a mesma realidade. Pretende descrever, de forma simples e direta, como essa tarefa pode ser enfrentada no dia a dia da cidade.

Considerada a realidade fática relacionada com a irregularidade fundiária, o presente texto propõe uma compreensão de regulari-zação reconhecedora das dimensões social, ambiental, jurídica e urbanística que o processo encerra, tal como previsto no conceito legal trazido pela recentíssima Lei Federal nº 11.977/2009. No en-tanto, é preciso deixar claro que não existe “fórmula especial” ou “poção mágica”: o que se mostrará, na verdade, são as premissas estudadas em cada caso, quais instrumentos urbanísticos e jurí-dicos podem ser usados, como são usados e em que momento.

Um dos nossos aprendizados foi o de compreender que a regulari-zação fundiária é concretização de princípios constitucionais, que tem na dignidade da pessoa humana seu fio condutor, a segurança da posse, a função socioambiental da propriedade e o equilíbrio urbano e ambiental seu substrato. A análise do caso concreto, apli-cando os instrumentos do ordenamento jurídico existentes a partir

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da realidade, precisa refletir esses princípios. Os instrumentos não são um fim em si mesmos: servem para densificar, concre-tizar e aplicar esses princípios.

O mais importante, entretanto, é dizer que todos os instrumentos necessários estão disponíveis para serem usados. Mas não há como enfrentar os desafios de uma regularização fundiária sem a participação popular, sem a montagem de uma equipe técnica competente, sem estrutura física e sem dinheiro. Até mesmo para trilhar a fórmula simplificada prevista no Programa “Minha Casa, Minha Vida” – Lei Federal nº 11.977/2009, necessitamos desses elementos.

Essa norma, aliás, é um verdadeiro marco regulatório em termos de regularização fundiária, no sentido de que perfila caminhos até então jamais trilhados, trazendo importantes instrumentos como, por exemplo, o auto de demarcação e a legitimação da posse, além de determinar o envolvimento direto e específico dos cartórios imobiliários.

1 ORDEM URBANÍSTICA COMO DIREITO DIFUSO

A ordem urbanística integra a categoria dos direitos difusos que são tutelados por ação civil pública, nos termos do que dispõe o art. 53 do Estatuto da Cidade1.

A noção de direito difuso nasce com a contemporaneidade e é maior do que a tutela do direito individual. Um dos conceitos estruturantes exige compreender, a partir das pessoas, que há uma dimensão maior do que elas próprias: disso decorre que o interesse social é diferente do interesse individual. Quando a Constituição Federal estabelece mecanismos de proteção para o meio ambiente visando às presentes e às futuras gerações,

1 Ver Medida Provisória nº 2.180-35/2001.

ela está tratando exatamente dessa tutela, que é muito maior do que a proteção do direito individual. O mesmo ocorre com a ordem urbanística, conceituada como direito difuso e passível de tutela, assim como já se configura o meio ambiente.

A natureza do conjunto de direitos que estrutura o direito à ordem urbanística é, a exemplo da dos direitos do consumidor, do meio ambiente, à paz, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade, a sua titularidade indefinida. Há um claro desloca-mento do interesse a ser tutelado para o conjunto da sociedade.

A regularização fundiária integra o conceito de direito difuso acima descrito: o problema daquele que não tinha casa ou o problema dele com o proprietário desta deixa de ser individual e, em virtude da dimensão que tomou, passa a ser uma políti-

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ca pública de responsabilidade do Estado. O percentual de irregularidade no País é tão grande que passa a ser problema de todos e precisa ser tratado como passivo urbano-ambiental das cidades.

Nessa quadra, como política pública, problemas de acesso à moradia e de despejo, por exemplo, anteriormente de natureza individual, passam a ter dimensão de direito coletivo, com as características e consequências peculiares daí decorrentes, integrando a ordem urbanística como direito difuso.

Nessa perspectiva, a Constituição Federal, em seu art. 183, intro-duziu a usucapião para fins de moradia, e o parágrafo único do mesmo artigo, ao excepcionar as áreas públicas da usucapião, tratou da concessão, o que, posteriormente, originou a Medida Provisória nº 2.220/2001, que dispõe sobre a concessão espe-cial para fins de moradia. Por ora, a Lei Federal nº 11.977/2009 introduziu a demarcação da posse, outro instrumento que poderá ser utilizado para o enfrentamento da questão.

Concretizando esses conceitos, temos visto a estruturação de órgãos para a implementação dos instrumentos. O Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública, além de outros legiti-mados na Lei da Ação Civil Pública, têm manejado ações em defesa desses direitos. Assim, temos visto ações civis públicas em busca de infraestrutura em loteamentos irregulares e clan-destinos e em ocupações, além da concessão dos títulos a que fazem jus os possuidores. A Procuradoria do Município de Porto Alegre, desde 1994, tem uma Equipe de Assistência Jurí-dica Municipal que ajuíza ações de usucapião nas áreas onde houve a intervenção urbanística e que foram elencadas como prioritárias no Orçamento Participativo. Coordena, também, a Gerência de Regularização de Loteamentos, grupo interórgãos da Prefeitura de Porto Alegre criado para atuar nessa demanda.

A regularização fundiária passa, então, a ser política pública per-manente, daquelas afetas ao Estado, e não somente ao governo eleito a cada período eletivo, mesmo por serem demoradas e por precisarem ser trabalhadas em mais de uma gestão para serem implementadas na íntegra.

2 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: PARTE INTEGRANTE DA ORDEM URBANÍSTICA

A regularização fundiária integra a ordem urbanística. Portanto, é direito difuso e deixa de ser problema individual, passando, a partir da dimensão que tomou, a ser problema social.

A regularização fundiária comporta três subconceitos: a regu-larização urbanística (projetos e obras), a regularização jurídica (instrumento para permitir a segurança da posse e propriedade) e a regularização registrária (registro ou averbação no cartório de imóveis, órgão responsável pelo controle da propriedade no Brasil).

Doutrinariamente, esse conceito já vinha sendo difundido como consequência do Estado Socioambiental. Com o advento da Lei Federal nº 11.977/2009, temos a definição expressa do conteúdo que congrega a regularização fundiária, no art. 46.

Assim, tanto principiologicamente quanto na normatização ati-nente à espécie, temos um conceito amplo de regularização, que contempla medidas urbanísticas, ambientais e sociais, a titulação e o reconhecimento desta. Em outras palavras, um conceito que contempla todo o conteúdo que a doutrina vinha reconhecendo sob o tripé de medidas urbanísticas, jurídicas e registrárias. O diferencial se apresenta no reconhecimento das perspectivas ambiental e social da regularização fundiária, es-senciais aos projetos específicos, tanto na formulação quanto no acompanhamento destes.

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3 LEI FEDERAL Nº 11.977/2009 – BREVES APONTAMENTOS

Não é possível abordar o tema relativo à regularização fundiária sem mencionar a recente lei federal editada pelo Governo Fe-deral, primeiramente na forma de medida provisória, que havia tomado o nº 459/2009, contendo o programa “Minha Casa, Minha Vida”, agora pela numeração definitiva acima exposta. Essa norma, além de conter dispositivos relacionados ao incremento da produção e à aquisição de unidades habitacionais de inte-resse social, no Capítulo III dedica-se à regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.

Trata-se de um verdadeiro marco regulatório para o enfrentamen-to desse problema urbano, cujo conteúdo, ao que tudo indica, irá afastar os enormes entraves que existem no processo e que dificultam a conclusão da regularização. A lei, efetivamente, traz instrumentos que estabelecem o procedimento legal necessário para tornar mais efetivo e célere o rito da regularização fundiária urbana.

Não podemos deixar de saudar essa legislação, pois ela es-tabelece uma nova forma de trabalhar, mais simples e eficaz. Deixando de lado a subjetividade e a flexibilização das regras urbanísticas e ambientais, que deverão ser bem ponderadas para evitar prejuízo à coletividade, ela proporciona trabalhar a política pública de resgate da cidadania por meio da conversão da irregularidade urbana em cidade legal. Essa política estabe-leceu um novo paradigma de planejamento, que opera sobre a irregularidade existente como alternativa à remoção e à criação de novos parcelamentos do solo na periferia da cidade.

Apesar da positiva receptividade da população à regularização de seu local de moradia, independente de parâmetros, por conseguinte, com dividendos políticos para quem governa, a questão envolve a responsabilidade do Poder Público, tanto com

o planejamento urbano como com o provimento das condições saudáveis de vida à população. Portanto, há que se ter muito cuidado com a subjetividade das regras, que evidenciam a au-sência de critérios que possam balizar a regularização fundiária.

Isso porque os procedimentos sugeridos estabelecem critérios gerais para a regularização de assentamentos e garantia da segurança da posse urbana, buscando compatibilizar o direito à moradia e o direito ambiental sem fixar parâmetros, reconhe-cendo o papel preponderante do Município em regulamentar por lei o procedimento de regularização em seu território como parte integrante da política urbana de inclusão social e defi-nindo regras nacionais específicas para o registro dos parce-lamentos. Institui importantes e inovadores instrumentos, como o de demarcação urbanística2 e legitimação da posse3, que, se implementados na sua plenitude, aceleram sobremaneira o reconhecimento dos direitos constituídos na forma prevista no art. 183 da Carta Magna, prevendo uma espécie de “usucapião administrativo”. A regra não traz qualquer diferenciação no que diz respeito à propriedade da área ou à forma de ocupação. Ou seja: traz uma nova forma de trabalhar.

A lei procura trazer a compatibilização do direito urbano-am-biental na forma preconizada há muito tempo pelo Município de Porto Alegre, no sentido de que a regularização em si já é um ganho ambiental. Em cada regularização, então, podem

2 “Art. 47. [...] III – demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o Poder Público, no âmbito da regularização fundiária de inte-resse social, demarca imóvel de domínio privado, definindo seus limites, áreas, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses.”

3 “Art. 47. [...] IV – legitimação da posse: ato do Poder Público destinado a conferir título de reconhecimento da posse de imóvel objeto de demarca-ção urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse.”

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ser estabelecidos melhoramentos na gestão das áreas de pre-servação permanente adjacentes aos cursos d’água urbanos e recuperação de áreas degradadas, bem como melhorias do acesso aos sistemas de saneamento básico. Essa visão procu-ra mostrar – reitera-se – que a regularização deve resultar em melhoria das condições ambientais da ocupação, dando mais qualidade de vida à população.

Outro ponto inovador se traduz na possibilidade de regulariza-ção de interesse social em áreas de preservação permanente ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que essa intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior. Prevê quais elementos que devem ser analisados e compatibilizados – art. 54, § 2º, incisos I a VII. Trata-se de um marco legal bastante simplificado em relação aos requisitos previstos na Resolução nº 369/2006 do Conama.

Enfim, essa norma já está proporcionando intensos debates entre todos que lidam diuturnamente com as questões ligadas direta e indiretamente com a irregularidade urbana, seja no âmbito do planejamento e de gestão ambiental, seja no âmbito jurídico e social, alavancando debates propositivos acerca de seu alcance, limites e possibilidades. Espera-se, sinceramente, que se torne verdadeiramente um marco regulatório que simplifique e agilize os procedimentos de regularização fundiária, estabelecendo uma nova forma de pensar e agir.

4 PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS JURÍDICOS

O procedimento adotado para a regularização de áreas públicas ou privadas é semelhante.

Primeiramente, as comunidades devem executar um levan-tamento topográfico cadastral da gleba a ser regularizada, demarcando os lotes, enumerando as famílias que lá residem, as construções erigidas, bem como identificando e lançando a matrícula em planta. No caso de Porto Alegre, esse item pode ser demandado via Orçamento Participativo (OP), e, então, é gravada verba específica para esse fim.

Com base nesse levantamento, é possível identificar se a área é pública ou privada e, a partir daí, definir o instrumento jurídico a ser utilizado. A irregularidade não respeita limites imobiliários, ou seja, a matrícula dos imóveis: em muitos momentos teremos, em uma mesma gleba, propriedade pública e propriedade pri-vada. Os instrumentos jurídicos a serem utilizados, no entanto, são distintos e com consequências jurídicas distintas, haja vista que, na propriedade pública, a regularização não transfere o domínio, a propriedade da respectiva área. Disso decorre a necessidade de identificar previamente a situação a fim de não induzir as pessoas em erro. Também com base na topografia é executado o estudo de viabilidade urbanística (EVU)4, o que possibilita a integração da área ao traçado viário existente. Por meio desses estudos, são previstos alargamentos viários, aber-tura de acessos, relocalização de famílias, criação de espaços públicos, entre outros elementos de ordem urbanística.

É nessa etapa que se encontram as maiores dificuldades do trabalho de regularização fundiária. Nesse momento é que aparecem os condicionantes urbanísticos e ambientais não respeitados pela ocupação, como, por exemplo, a existência de moradias em faixas não edificáveis sobre redes de esgoto, de preservação ambiental marginal de arroio ou nascente, in-cidência de diretriz de abertura viária, ocupação em áreas de risco, etc.

4 Esse instrumento é utilizado em Porto Alegre.

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Em razão disso e por não respeitar o planejamento prévio da cidade previsto no Plano Diretor, na maioria dos casos, para possibilitar regularização da ocupação do solo, é necessária a instituição de área especial de interesse social5.

Superar esses obstáculos é um desafio. A dificuldade está em remover o menor número possível de famílias do lugar em que estão e, ao mesmo tempo, proporcionar melhor qualidade de vida àquela população. Em alguns casos, a regularização é simplesmente impossível ou se regulariza apenas parte da ocupação.

Terminada essa etapa, é possível a instalação da infraestrutura e dos serviços públicos. Infelizmente, a realidade nos mostra que, na maioria dos casos, esses serviços chegam antes de implementadas essas fases, face às necessidades prementes das pessoas que residem no local, o que pode dificultar o cum-primento das próximas etapas ou, na maioria dos casos, implicar maiores gastos financeiros no processo devido à necessidade de adequar a infraestrutura e os serviços ao estudo realizado para inserir a ocupação na cidade formal.

Analisando pontualmente Porto Alegre, mais uma vez surge a oportunidade para que a comunidade demande a execução das obras de urbanização que se faz necessária por meio de nova conquista de verba orçamentária, via processo de parti-cipação popular (OP). Como as obras são executadas levando em consideração as prioridades elencadas pela comunidade, é necessário que esta se mantenha organizada por um período suficiente de tempo para garantir a urbanização completa.

O que se descreveu aqui é basicamente o que se chama de esfera urbanística da regularização. Como se observa, o objetivo dessa etapa é a formatação de um programa de urbanização

5 Sobre esse instrumento, vide item 4.4 deste artigo.

que prevê a aprovação de projetos nos órgãos públicos, a imple-mentação de infraestrutura e a prestação de serviços públicos, trazendo a informalidade para dentro da cidade legal.

Ultrapassada essa fase, ou seja, com o estudo de viabilidade urbanística ou o projeto urbanístico discutido e aprovado primeiro pela comunidade e depois pelo Município, inicia-se a fase de implantação da política de legalização das áreas e dos lotes ocupados, gerando segurança jurídica aos moradores. De acor-do com o tipo de propriedade (pública ou privada) e a forma de ocupação do solo (assentamento autoproduzido ou loteamentos irregulares ou clandestinos), é possível utilizar institutos como concessão especial para fins de moradia, usucapião individual ou coletivo e ação de registro para transferir a titularidade do imóvel a quem de direito.

Importante destacar que a dimensão jurídica somente estará completa quando finalizada a etapa registral, ou seja, quando disponibilizado ao morador o seu título de posse ou propriedade devidamente registrado no cartório imobiliário6.

4.1 Área pública

No caso de áreas públicas, aprovado o Estudo de Viabilidade Urbanística, são executados os memoriais descritivos para a elaboração dos contratos de concessão do uso para posterior registro no cartório imobiliário.

Caso a área a ser regularizada se encontre em área de praça ou de outro uso público específico, é necessária a desafetação da destinação de uso para propiciar a concessão do direito

6 Qualquer que seja o título concedido ao morador, é importantíssimo o seu registro perante o cartório imobiliário, pois só assim a propriedade estará plenamente reconhecida e poderá servir como garantia real para financiamentos habitacionais.

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àquela população, mediante a aprovação de lei pela Câmara Municipal, Assembleia Legislativa dos Estados ou Câmara dos Deputados, dependendo da propriedade da área e da natureza da afetação vigente.

A concessão do uso pode se dar basicamente sob duas modali-dades: concessão do direito real de uso ou concessão especial para fins de moradia.

4.1.1 Concessão do direito real de uso

A Concessão do Direito Real de Uso (CDRU)7 permite ao Poder Público regularizar áreas públicas utilizadas para fins predomi-nantemente residenciais8. Configura-se em direito real oponível a terceiros que violem ou prejudiquem o direito do concessionário de possuir, utilizar e dispor do imóvel.

A CDRU deve ser efetivada mediante um contrato a ser regis-trado no cartório de imóveis, para que surta seus jurídicos e legais efeitos, e pode ser transferida para terceiros, desde que essa possibilidade conste no contrato. A concessão poderá ser dispensada de licitação, para fins de regularização de áreas ocupadas por favelas ou conjuntos habitacionais, com base no art. 17, inciso I, alínea f, da Lei Federal nº 8.666/1993.

Poderá ser contratada coletivamente nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social desenvolvidos por

7 Prevista na Constituição Federal, Estatuto da Cidade, Decreto-Lei nº 271/1967.

8 Diz-se predominantemente residenciais porque é permitido o pequeno comércio ou serviços realizados dentro da economia familiar, que servem ao sustento da família. Esse requisito é relevante porque os serviços realizados nas unidades habitacionais, como, por exemplo, costureira, padarias, bar, a “venda”, necessitam de alvará municipal, que, para ser concedido, em regra, analisa o requisito localização. Se for incompatível com o uso, o alvará não pode ser concedido.

órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, ainda que essa faculdade não esteja ex-pressamente prevista em lei municipal. Nesse caso, a concessão poderá ser outorgada para uma associação comunitária ou uma cooperativa habitacional formada pelos beneficiários. Poderá ser contratada de forma onerosa ou gratuita e terá caráter de escritura pública.

Em Porto Alegre, foi prevista na Lei Orgânica Municipal, art. 1º do Ato das Disposições Orgânicas Transitórias e regulamentada na Lei Complementar Municipal nº 242/1991, alterada pelas Leis Complementares Municipais nºs 252/1991 e 445/2000.

4.1.2 Concessão especial para fins de moradia

Esse instrumento, baseado na garantia de direito subjetivo do sujeito mediante o atendimento de determinada condição le-gal, foi adotado pelo Estatuto da Cidade, que regulamentou a concessão especial de uso para fins de moradia, prevendo a possibilidade de outorga a todo aquele que ocupasse imóvel público para fins de moradia por cinco anos sem oposição, sem ser proprietário de outro imóvel.

Trata-se do reconhecimento do direito à moradia em área pú-blica, sendo que a implementação desse direito está sujeito à observância dos requisitos previstos na Medida Provisória nº 2.220/2001.

Essa norma dispõe sobre os requisitos para a concessão es-pecial para fins de moradia de áreas públicas. Essencialmente, reproduz os requisitos para a usucapião. A diferença é que, na concessão para fins de moradia, não há a transferência de domínio. A área concedida permanece pública, mas afetada à finalidade de habitação, de moradia.

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Como referido acima, a concessão especial para fins de moradia constitui direito subjetivo daqueles que preenchem os requisitos legais. Isso significa dizer que não se trata de mera prerrogativa do Estado conceder ou não esse direito.

Para a hipótese de a área possuir outra destinação pública prioritária9, os beneficiários da concessão especial terão direito à relocalização. O mesmo procedimento é adotado para áreas, ou melhor, para situações de risco, inadequadas à habitação.

Ainda deve ser referido que a regularização fundiária, como uma das formas de expressão do conteúdo da ordem urbanística como direito difuso que é, proporciona ao órgão do Ministério Público e aos demais legitimados o ajuizamento de ações civis públicas para o reconhecimento da concessão especial para fins de moradia.

4.2 Área privada

Tratando-se a gleba a ser regularizada de área pertencente a particular que não o Poder Público, é necessário averiguar a forma de aquisição da posse ou propriedade e como se deu o processo de consolidação do assentamento. Cada caso exige um tratamento específico.

As hipóteses se dividem em dois segmentos básicos: um é constituído pelos denominados assentamentos autoproduzidos; o outro, pelos loteamentos irregulares e clandestinos.

Os assentamentos autoproduzidos são formados por moradores que ocupam indiscriminadamente a área. Não são proprietários da terra e não têm nenhum contrato legal que lhes assegure permanência no local.

9 A abertura de via pública, por exemplo.

O loteamento, por sua vez, é uma das formas de parcelamen-to do solo urbano, com desmembramento da área em lotes e abertura de novas vias de circulação. Quando o loteamento não atende aos preceitos legais, torna-se irregular ou clandes-tino: a) irregular: é aquele que possui algum tipo de registro no Município. O responsável pode ter dado entrada com a documentação, mas não chegou a aprovar o projeto. Também é considerado irregular o loteamento que tem projeto aprovado, mas em que o loteador deixou de atender as outras etapas previstas na Lei Federal nº 6.766/1979, como a realização das obras de infraestrutura ou registro do loteamento no cartório de imóveis; b) clandestino: é aquele realizado sem nenhum tipo de projeto ou intervenção pública, ou seja, nenhuma norma é respeitada.

À margem dos procedimentos de praxe em termos de parcela-mento do solo, o proprietário/loteador inicia as vendas, firmando contratos com os adquirentes, formando um vínculo jurídico que lhes assegura direitos e que devem ser respeitados quando houver a regularização.

4.2.1 Assentamentos autoproduzidos

Em relação aos assentamentos autoproduzidos, geralmente a regularização leva em consideração somente a posse dos moradores, ou seja, não há uma relação jurídica formal entre os ocupantes e os proprietários das áreas.

Nos casos de áreas privadas, são priorizadas as execuções de memoriais descritivos para ingresso das ações de usucapião.

Forte no art. 183 da Constituição Federal, a usucapião especial urbana traduziu-se como um dos principais institutos passíveis de serem utilizados para efeitos de regularização da posse da terra no espaço urbano. É um modo originário de aquisição de propriedade e um instrumento de regularização fundiária de

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áreas particulares e que são ocupadas por população de baixa renda para fins de moradia. A Medida Provisória nº 459/2009 introduziu o instrumento da demarcação urbanística que tam-bém poderá ser utilizado para implementar a usucapião urbana e que, administrativamente, esperamos, resulte na agilização desse processo de regularização.

4.2.1.1 Usucapião especial urbana

O morador adquire a propriedade pela posse de um bem mediante o uso qualificado para fins habitacionais, pelo aten-dimento dos seguintes requisitos: a) utilização de área urbana não superior a 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) para fins de moradia própria ou de sua família, pelo prazo de 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição; b) não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Para configurar-se oposição, deverá haver sentença judicial transitada em julgado favorável ao proprietário.

As ocupações de áreas urbanas maiores do que 250m² (du-zentos e cinquenta metros quadrados), por população de baixa renda para fins de moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, em que não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usu-capidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Nesse caso, o possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por esse artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

A usucapião especial urbana, individual ou coletiva, será de-clarada pelo juiz mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. Na sentença de usucapião coletiva, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os

condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas. O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo pas-sível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapien-do. Da mesma forma, na pendência de ação visando a retirar o ocupante de sua posse, a usucapião especial urbana poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis10.

No Município de Porto Alegre, a criação da Procuradoria de As-sistência Jurídica Municipal é um marco fundamental associado à produção do espaço urbano. A Lei Municipal nº 7.433/1994 cria essa equipe junto à Procuradoria do Município, tendo como atribuição, entre outras, o ajuizamento de ações de usucapião, individual ou coletiva, para famílias alvo do programa de regu-larização fundiária.

A Constituição Federal estabelece que os Estados deverão cons-tituir serviços de assistência jurídica gratuita ou de defensoria pública com o objetivo de prestar assistência jurídica gratuita e integral àqueles que comprovarem insuficiência de recursos para ter acesso à justiça. O Estatuto da Cidade é mais especí-fico ao estabelecer que deverão ser asseguradas assistência técnica e jurídica para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos e para os autores de ação de usucapião urbano, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

10 Instrumental descrito com base no relatório desenvolvido pelo Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais sobre o Perfil da Habitação de Interesse Social em Porto Alegre.

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A Lei Municipal nº 7.433/1994, regulamentando a Lei Orgânica, criou o serviço de assistência jurídica municipal para prestar orientação jurídica e atuar na defesa dos direitos individuais e coletivos, em qualquer esfera ou grau de jurisdição, das pesso-as e entidades do município comprovadamente necessitadas, nas questões atinentes à regularização fundiária urbana, for-necendo orientação jurídica, promovendo ações, contestando, reconvindo, recorrendo. É de sua responsabilidade promover, extrajudicialmente, a conciliação das partes em conflito de interesses, previstos no inciso anterior, antes da propositura da ação.

4.2.1.2 Demarcação urbanística e legitimação da posse

A demarcação urbanística consiste na identificação, de forma administrativa, da área, limites, confrontantes, ocupantes e qualificação da natureza da posse. Essa demarcação é um ato jurídico que tem um procedimento a ser observado, pois vai gerar consequências jurídicas. O procedimento está descrito na Lei Federal nº 11.977/2009, a partir do art. 56.

Conforme se constata, trata-se de um procedimento administra-tivo envolvendo o Poder Público e o registro de imóveis e que dispensa a atuação do Poder Judiciário. Em muitos casos, os mu-nicípios já dispõem dos dados para a demarcação urbanística. Há casos em que não ajuíza a usucapião porque não consegue identificar a propriedade da terra, e a citação dos proprietários é requisito imprescindível para o ajuizamento da ação.

Nesse instituto, além do Poder Público, o cartório imobiliário passa a ser ator importante no processo. Registrada a demarca-ção de posse no registro de imóveis, o município poderá tratar da regularização urbanística da área por meio do instrumento chamado legitimação de posse.

Entendemos que, com o novel instrumento, a perspectiva co-letiva da regularização fundiária se perfectibilizará de forma mais agilizada – isso porque, não obstante a usucapião estar indicada no capítulo da política urbana da Constituição Federal e ser introduzida na sua forma coletiva no Estatuto da Cidade, os procedimentos processuais para sua implementação remontam ao direito individual protegido, sendo tratada como forma de perda da propriedade, extremamente morosa, não se prestando, na forma que se esperava, para tratar da dimensão coletiva da regularização fundiária.

A demarcação urbanística e a legitimação da posse seguem outra lógica, não de perda de propriedade, mas de reconheci-mento de direitos constitucionalmente previstos.

4.2.2 Loteamentos irregulares e clandestinos

No âmbito federal, no final da década de 70 (setenta), foi editada a Lei Federal nº 6.766/1979, dispondo sobre o parcelamento do solo urbano. Visou a regular a matéria em âmbito nacional, num período em que a expansão urbana era elevadíssima.

Houve importante alteração legislativa em 1999, pela Lei Fede-ral nº 9.785, para adequar o regramento das áreas ocupadas de relevante interesse social, atendendo a dois objetivos: a) o primeiro diz respeito à regularização do registro público dos parcelamentos populares implantados em áreas desapropriadas pelo Poder Público e destinados à população de baixa renda (além da Lei Federal nº 6.766/1979, também foram alteradas a lei de registros públicos e a lei sobre desapropriações de inte-resse público); b) o segundo objetivo foi o de alterar os requi-sitos e critérios urbanísticos para a implantação de loteamento

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urbanos, as responsabilidades e obrigações do loteador e do Poder Público11.

Atualmente está em tramitação o Projeto de Lei nº 3.057, que objetiva uma relevante alteração, adequando-a ao atual momento social e político.

Os Decretos Municipais nºs 11.637/1996 e 15.432/2006 dispõem sobre a organização da gerência de regularização de lotea-mentos do Município de Porto Alegre e sobre os procedimentos necessários para a regularização de loteamentos irregulares e clandestinos12.

4.2.2.1 Provimento “More Legal III”

Vale destacar, nesse ponto, o Provimento da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul nº 28/2004, que traz, em seu bojo, procedimento simplifica-do para o registro do parcelamento do solo perante o cartório imobiliário.

A grande contribuição desse provimento é que ele diminui sig-nificativamente as exigências documentais para a aceitação do registro do parcelamento do solo, valorizando, em especial, os

11 São diversas as alterações efetuadas na Lei Federal nº 6.766/1979 que resultam na flexibilização do parcelamento do solo urbano, tais como: 1) eliminação da percentagem obrigatória de áreas públicas; 2) redução da infraestrutura básica exigida para loteamentos populares; 3) aumento do prazo para as diretrizes e execução de obras; 4) eliminação de san-ções por implantação de loteamento irregular ou clandestino considerado de interesse público; 5) possibilidade de registro do loteamento popular, bastando a mera imissão na posse do imóvel pelo Poder Público, em caso de desapropriação.

12 Sobre o procedimento de regularização de loteamentos, recomenda-se leitura do artigo intitulado “Loteamentos irregulares e clandestinos: sua regularização no Município de Porto Alegre”, indicado nas referências.

documentos emitidos pela municipalidade. Assim, tratando-se de situação consolidada, em que a) não há litígio sobre a pro-priedade e posse e b) há vínculo entre o adquirente e o proprie-tário, haverá a possibilidade de regularização com a exigência documental reduzida13.

4.3 Direito de superfície

Segundo a doutrina14, o direito de superfície é direito real au-tônomo, temporário ou perpétuo, de fazer e manter construção ou plantação sobre terreno alheio. Consiste na suspensão, en-quanto dure a concessão, do efeito aquisitivo da propriedade pela acessão. Em resumo, é a propriedade separada do solo, decorrente da aquisição feita ao dono do solo de construção ou plantação nele já existente. Com a assunção desse instrumento, quebra-se o axioma superficies solo cedit e a regra geral de que o acessório segue o principal.

A principal característica desse instrumento, portanto, reside no fato de que o proprietário concede ao superficiário o direito sobre o solo, fazendo com que a propriedade dos bens ali existentes ou a serem construídos se bipartam, isto é, aquilo que estiver ou for construído pelo superficiário torna-se sua propriedade.

O direito de superfície proporciona ao usuário do bem, seja ele público ou privado, maior liberdade e garantia no investimento que fizer na superfície do solo, bem como outorga o direito de dispor do bem, não contemplado pela concessão do direito real

13 O art. 2º do Provimento dispõe que, nas comarcas do Rio Grande do Sul, em situações consolidadas, poderá a autoridade judiciária competente autorizar ou determinar o registro do parcelamento acompanhado do título de propriedade do imóvel, certidão de ação real ou reipersecutória de ônus reais e outros gravames, planta e memorial descritivo, emitido ou aprovado pelo Município.

14 Elementos de direito urbanístico, p. 15-16.

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de uso, porém não de forma tão abrangente como no contrato de promessa de compra e venda de imóvel, mas com menor custo, pois o valor do solo não é agregado ao preço da contratação.

Daí afirmar-se que esse instrumento pode ser utilizado para fins de regularização fundiária no caso de a área ser de propriedade do Poder Público, como está sendo implementado em Porto Ale-gre, conforme diretrizes do Decreto Municipal nº 14.292/200315.

4.4 Zonas especiais de interesse social16

As zonas especiais de interesse social (Zeis) são áreas da cidade destinadas à habitação popular. O instrumento jurídico do zoneamento combina a destinação – moradia – com um requisito social, atribuindo função à área assim destinada. Por estarem cumprindo uma função social, por atenderem demanda daqueles que precisam de tutela, possuem requisitos urbanísti-cos diferenciados, haja vista o reconhecimento de que, nessas áreas, há a necessidade de tutela estatal e que o cumprimento dos requisitos ambientais e urbanísticos podem ser diferencia-dos. O art. 2º, § 6º, da Lei Federal nº 6.766/1979 estabelece os requisitos para a sua instituição.

As Zeis podem ser gravadas em áreas públicas e privadas, tanto em projetos executados pelo Poder Público, quanto por particulares.

Nos projetos de regularização fundiária é importante apor esse gravame, porque estabelece a natureza urbanística e jurídica dessa área, ou seja, destinada à habitação popular. E, para a

15 Para aprofundar, vide artigo intitulado “O direito de superfície como ins-trumento de regularização fundiária”, indicado nas referências.

16 Em Porto Alegre, a terminologia adotada é Aeis (áreas especiais de in-teresse social). Juridicamente não há diferença, pois são terminologias para o mesmo instrumento.

sua modificação, a lei nova deve ser aprovada, alterando essa destinação. Garante minimamente que os investimentos feitos pelo Poder Público, mesmo que nem todas as pessoas se fixem no local, permaneçam gravados a uma finalidade e para uma parcela da população, que é quem precisa de tutela.

4.5 Ação civil pública

A ação civil pública (ACP) é um instrumento processual de tutela coletiva previsto na Lei Federal nº 7.347/198517 e que elenca os legitimados para atuar em nome da sociedade, visando à obtenção das respectivas tutelas coletivas ou difusas.

Para os fins deste trabalho, importa destacar que o município, a teor do que dispõe o art. 5º, inciso III, é legitimado para ajuizar ACP, pretendendo evitar ou recuperar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Ditas ações podem ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, além de todos os pedidos atinentes à tutela inibitória e à tutela antecipada decorrentes da sistemática processual em vigor.

Como legitimados que são os municípios, poderão ajustar termos de ajustamento de conduta com os infratores, prevendo as cabí-veis cominações pelo descumprimento. Esse termo constitui-se em título executivo extrajudicial18 e é um importante instrumento ao alcance do município para envolver e obrigar os loteadores no cumprimento de suas obrigações.

17 Está em debate no Brasil uma nova Lei da Ação Civil Pública que visa a melhorar a tutela coletiva dos interesses coletivos e difusos.

18 “Art. 5º [...] § 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interes-sados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.”

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O protagonismo dos municípios, em matéria de regularização fundiária, para além de dar cumprimento a uma tarefa de Estado, previne responsabilidades, haja vista que a omissão do exercício de poder de polícia tem sido um dos argumentos esgrimidos em juízo com a finalidade de responsabilizar o Poder Público municipal pela irregularidade. Utilizar a ACP nessa perspectiva é uma forma de reação e de imputar a responsabilidade a quem de direito, porém sendo partícipe da situação de forma ativa.

Na sistemática em vigor, também é possível o ajuizamento de ACP em litisconsórcio ativo com outros legitimados, a exemplo do Ministério Público. Em muitas ações, o Município de Porto Alegre e o Ministério Público Estadual, tanto do Meio Ambiente quanto da Ordem Urbanística, são litisconsortes ativos, visando à recomposição do dano.

CONCLUSÃO

A regularização fundiária está na pauta do dia. As comunidades e lideranças políticas locais exigem resposta rápida da Adminis-tração no andamento dos processos regularizatórios. Impossível o governo não trabalhar, planejar e executar políticas públicas com esse viés.

Criou-se uma expectativa em torno da regularização fundiária, que deve e merece ser respondida devidamente. Sabe-se que há forte resistência no trato dessa matéria, que só será quebrada com a demonstração da importância e da seriedade do trabalho em desenvolvimento. E essa importância está atrelada à questão ambiental e social, devendo estar caracterizada a melhoria da condição de vida da população atingida.

A regularização fundiária integra a ordem urbanística, o direito difuso reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro. A con-sequência é a utilização dos mecanismos de tutela previstos para

defesa desses direitos no Brasil. Os municípios precisam ser protagonistas na implementação das políticas de regularização fundiária, inclusive como meio de prevenir responsabilidades.

O conceito de regularização fundiária integra as dimensões urbanística, jurídica, social e registrária. Nessa perspectiva, é tarefa multidisciplinar e interórgãos.

A regularização fundiária é política pública permanente e não vinculada a uma gestão. Precisa ser assumida como tarefa de Estado e não de governo, ser de responsabilidade de carreiras de Estado, que têm a responsabilidade de dar cumprimento aos princípios constitucionais de forma contínua e permanente.

A demarcação urbanística e a legitimação da posse são instru-mentos novos que podem auxiliar sobremaneira na agilização dos processos com a perspectiva do direito difuso e não com a dimensão individual. A usucapião, apesar de estar inserida no capítulo da política urbana e prevista no Estatuto da Cidade com essa dimensão, não teve seu procedimento modificado: em razão disso, não tem contribuído para agilizar os procedimentos na forma que necessitamos. Por isso, a introdução dos instru-mentos novos podem contribuir imensamente para agilização da regularização fundiária, o que urge, sob pena do nosso legado intergeracional, fazer regularização fundiária, não obstante esta ser uma política curativa.

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Doutrina

Julgamento dos Atestados de Capacidade Técnica e o Formalismo Moderado

LUCIANO ELIAS REISAdvogado, Sócio do Escritório Reis, Correa e Lippmann Advogados Associados, Mestre em Direito Econômico pela PUCPR, Especialista em Processo Civil e em Direito Administrativo, ambos pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar, Presidente da Comissão de Gestão Pública e Controle da Administração da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná, Professor de Direito Administrativo da UniCuritiba, Professor convidado de diversas Instituições de Ensino em cursos de Pós-Graduação. Autor das obras Licitações e Contratos: um Guia da Jurisprudência (2013) e Convênio Administrativo: Instrumento Jurídico Eficiente para o Fomento e Desenvolvimento do Estado (2013). Autor de diversos artigos jurídicos e coautor de artigos publicados também nas seguintes obras: Estado, Direito e Sociedade, Estudos Dirigidos de Gestão Pública na América Latina, Direito Administrativo Contemporâneo (2. ed.), Direito Público no Mercosul (2013), Cocoordenador dos Anais do Prêmio 5 de Junho 2011: Sustentabilidade na Administração Pública. Ministrante de cursos e palestras na área de licitações públicas e contratos administrativos.

A qualificação técnica tem a finalidade de aferir a aptidão técnica do licitante conferindo segurança à Administração Pública de que o mesmo possui pleno conhecimento técnico para a execução do contrato, caso se sagre vencedor do certame.

Neste sentido, Joel de Menezes Niebuhr descreve que a “Admi-nistração Pública, ao avaliar a qualificação técnica dos licitantes, pretende aferir se eles dispõem dos conhecimentos, da experiên-cia e do aparato operacional suficiente para satisfazer o contrato administrativo”1.

1 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo.

Entre os documentos arrolados taxativamente pela Lei de Licitações para cobrar dos licitantes para fins de qualificação técnica, existem os atestados de capacidade técnica que estão estipulados no art. 30, II e § 1º, I, da Lei nº 8.666.

Os atestados de capacidade têm a finalidade de comprovar para a Administração Pública, por intermédio de um documento subscrito por terceiro alheio à disputa licitatória, que o licitante já executou o objeto licitado em outra oportunidade e a referida execução foi a contento, o que gerará confiança e segurança à Administração licitadora de o aludido licitante possuir expertise técnica.

Marçal Justen Filho enaltece a relevância do atestado ao discorrer que

em todo o tipo de contratação pode cogitar-se da exigência de experiência anterior do licitante como requisito de segurança para a contratação ad-ministrativa. Aliás até se pode afirmar que em muitos casos a capacitação técnica operacional se evidencia como a única manifestação de experiência anterior relevante e pertinente.2

Convém destacar que a interpretação do art. 30, no que concerne aos atestados, deve ser cautelosa e primar pela finalidade precí-pua da exigência, qual seja: a demonstração de que os licitantes possuem condições técnicas para executar o objeto pretendido pela Administração caso venha a sagrar-se vencedor.

Portanto, a apresentação de atestados visa a demonstrar que os licitantes já executaram, anteriormente, objetos compatíveis em características com aquele definido e almejado na licitação. A finali-

Curitiba: Zenite, 2008. p. 233.2 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos adminis-

trativos. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 332.

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dade da norma é clara: resguardar o interesse da Administração – a perfeita execução do objeto da licitação –, procurando-se, com a exigência de demonstração de capacidade, preservar a competição entre aqueles que reúnam condições de executar objeto similar ao licitado.

A própria Constituição da República assevera no inciso XXI de seu art. 37, in fine, que somente serão permitidas as exigências indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Por todas essas razões, não resta dúvida de que os agentes públicos deverão atuar ao examinar os atestados com esteio nos princípios, entre outros, da razoabilidade, da proporcionalidade, da segurança jurídica e do formalismo moderado.

Não se devem excluir quaisquer licitantes por equívocos ou er-ros formais atinentes à apresentação do atestado, até porque, relembrando escólios de Benoit, o processo licitatório não é uma verdadeira gincana ou comédia3.

Ao se prescrever que a licitação é um processo administrativo formal nos termos do art. 4º da Lei nº 8.666/1993, não significa formalismo excessivo nem informalismo, e sim um formalismo moderado.

Como dito por Hely Lopes Meirelles, “a orientação é a dispen-sa de rigorismos inúteis e a não exigência de formalidades e documentos desnecessários à qualificação dos interessados em licitar”4.

Nesta mesma linha de afastar possíveis formalismos excessivos nos atestados, o Tribunal de Contas da União tem posiciona-

3 Le Droit Administratif Français, Paris, 1968, p. 610.4 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 2. ed. São

Paulo: RT, 1985. p. 122.

mento sólido e inclusive determina que, havendo qualquer dú-vida nos atestados, é dever da Administração Pública realizar a competente diligência:

Licitação para contratação de bens e serviços: as exigências para o fim de habilitação devem ser compatíveis com o objeto da licitação, evitando-se o formalismo desnecessário

[...]. Ao examinar o assunto, a unidade técnica considerou que a inabi-litação, pela razão apontada, denotaria excesso de rigor formal, pois a declaração da empresa eliminada afirmava não haver menores traba-lhando em seus quadros. Assim, ainda para a unidade responsável pelo processo, “a partir dessa declaração, o gestor público somente poderia concluir pela inexistência de menores aprendizes. Afinal, menores aprendizes são menores. E como havia sido informada a inexistência de menores trabalhando, não era razoável se depreender que a empresa empregasse menores aprendizes”. Caberia, no máximo, por parte da instituição promotora da licitação, “promover diligência destinada a esclarecer a questão, indagando da empresa a utilização ou não de menores aprendizes”, o que não configuraria irregularidade, qualquer que fosse a resposta obtida. Por conseguinte, votou pelo provimento dos recursos de revisão intentados e, no ponto, pela rejeição das justifi-cativas apresentadas pelos responsáveis envolvidos, levando o fato em consideração para votar, ainda, pela irregularidade das contas corres-pondentes, sem prejuízo de aplicação de multa, o que foi aprovado pelo Plenário. Precedente citado: Acórdão nº 7334/2009-Segunda Câmara.

(Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 74 do Tribunal de Contas da União, Acórdão nº 2003/2011-Plenário, TC-008.284/2005-9, Rel. Min. Augusto Nardes, 03.08.2011)

Recomendação a uma prefeitura municipal para que qualifique, em procedimentos licitatórios com recursos federais, as exigências formais menos relevantes à consecução do objeto licitado, estabelecendo nos editais medidas alternativas em caso de descumprimento dessas exi-gências por parte dos licitantes, objetivando evitar a desclassificação das propostas, visando a atender ao princípio do formalismo moderado e da obtenção da proposta mais vantajosa à Administração, sem ferir a isonomia entre os partícipes e a competitividade do certame.

(Tribunal de Contas da União, item 9.6.1, TC-002.147/2011-4, Acórdão nº 11.907/2011-Segunda Câmara)

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Ecoando a mesma diretriz do Tribunal de Contas da União, o Poder Judiciário tem decidido favorável ao formalismo modera-do, evitando excessos:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURAN-ÇA – LICITAÇÃO – CARTA CONVITE – EXIGÊNCIA EDITALÍCIA COM FORMALISMO EXCESSIVO – DESCLASSIFICAÇÃO – AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE

1. Recurso especial oposto contra acórdão que concedeu segurança postulada pela empresa recorrida por ter a recorrente desclassificado-a em procedimento de licitação carta convite, ao entendimento de que a CEF teria feito, em seu edital licitatório, exigência com um formalismo excessivo, consubstanciado que a licitante apresentasse, junto com sua proposta, catálogos técnicos ou prospectos do sistema de ar--condicionado, que foi objeto do certame.

2. A fim de resguardar o interesse público, é assegurado à Adminis-tração instituir, em procedimentos licitatórios, exigências referentes à capacidade técnica e econômica dos licitantes. No entanto, é ilegal a desclassificação, na modalidade carta convite, da proposta mais vantajosa ao argumento de que nesta não foram anexados os manuais dos produtos cotados, cuja especificação foi realizada pela recorrida.

3. Recurso não provido.

(STJ, REsp 657.906/CE, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, Julgado em 04.11.2004, DJ 02.05.2005, p. 199)

ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO – FORMALIDADES: CONSEQUÊNCIAS

1. Repudia-se o formalismo quando é inteiramente desimportante para a configuração do ato.

2. Falta de assinatura nas planilhas de proposta da licitação não invalida o certame, porque rubricadas devidamente.

3. Contrato já celebrado e cumprido por outra empresa concorrente, impossibilitando o desfazimento da licitação, sendo de efeito declaratório o mandado de segurança.

4. Recurso provido.

(STJ, RMS 15.530/RS, Relª Min. Eliana Calmon, 2, J. 14.10.2003, DJ 01.12.2003, p. 294)

MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO – PRO-POSTA TÉCNICA – INABILITAÇÃO – ARGUIÇÃO DE FALTA DE ASSINA-TURA NO LOCAL PREDETERMINADO – ATO ILEGAL – EXCESSO DE FORMALISMO – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

1. A interpretação dos termos do Edital não pode conduzir a atos que acabem por malferir a própria finalidade do procedimento licitatório, restringindo o número de concorrentes e prejudicando a escolha da melhor proposta.

2. O ato coator foi desproporcional e desarrazoado, mormente tendo em conta que não houve falta de assinatura, pura e simples, mas assi-naturas e rubricas fora do local preestabelecido, o que não é suficiente para invalidar a proposta, evidenciando claro excesso de formalismo. Precedentes.

3. Segurança concedida.

(STJ, MS 5.869/DF, Relª Min. Laurita Vaz, Primeira Seção, Julgado em 11.09.2002, DJ 07.10.2002, p. 163)

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – CON-CORRÊNCIA – ATRASO NA ENTREGA DOS ENVELOPES CONTENDO PROPOSTAS – ALEGADA INFRINGÊNCIA AO PRINCÍPIO DA RAZOABI-

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LIDADE – SUPOSTO RIGORISMO E FORMALISMO – IMPROVIMENTO DO RECURSO FACE À INEXISTÊNCIA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO

1. A inobservância do princípio da razoabilidade não restou demons-trada. Existe, na licitação, predominância dos princípios da legalidade e igualdade (CF, art. 5º, caput, inciso II).

2. Inexistência de direito líquido e certo a amparar a pretensão da recorrente.

3. Recurso ordinário improvido.

(STJ, RMS 10.404/RS, Rel. Min. José Delgado, 1ª T., J. 29.04.1999, DJ 01.07.1999, p. 120)

Com efeito, destaca-se que, se houver alguma dúvida sobre o atestado, é dever do agente público buscar a verdade material do mesmo ao efetuar material e formalmente uma diligência. Neste raciocínio, vide a decisão a seguir em que o Tribunal de Contas da União determinou ao pregoeiro a realização de dili-gência para esclarecer as informações contidas nos atestados de capacidade técnica:

Licitação sob a modalidade pregão: as informações demandadas nos atestados a serem apresentados por licitantes, para o fim de compro-vação de capacidade técnica, devem ser dotadas de clareza, sendo que, no caso de dúvidas, cabe ao gestor público valer-se da faculdade contida no § 3º, art. 43, da Lei nº 8.666/1993, promovendo diligências, para saneamento dos fatos, se necessário.

[...]. Mesmo admitindo, ainda consoante o Relator, “que fosse necessá-ria a comprovação da operação simultânea dos 315 PA em uma única instalação física para a aferição da capacidade técnica, não é possível afirmar que isso não ocorreu a partir do que está escrito no atestado em questão”. Nesse ponto haveria, destarte, inferência por parte da (omis-sis) baseada em interpretação restritiva do texto do atestado. Destacou o Relator que, “se havia dúvidas a respeito do conteúdo do atestado, caberia ao gestor, zeloso, recorrer ao permissivo contido no § 3º do art. 43 da Lei nº 8.666/1993 e efetuar diligência à [...]. para esclarecê-las, providência que não foi tomada”. Indevida, portanto, na forma de ver do Relator, a inabilitação da empresa, o que levou-o a votar por que se determinasse à (omissis) que adotasse as providências necessárias no sentido de tornar nulos os atos administrativos que inabilitaram e des-

classificaram a proposta da empresa, o que foi aprovado pelo Plenário. Precedente citado: Acórdão nº 2521/2003, Plenário.

(Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 73 do Tribunal de Contas da União, Acórdão nº 1.924/2011-Plenário, TC-000.312/2011-8, Rel. Min. Raimundo Carreiro, 27.07.2011)

No mesmo sentido é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – EFEITO SUSPENSIVO – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE PENDENTE – SÚMULAS NºS 634 E 635 DO STF – EXCEPCIONALIDADE – FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA PRESENTES

[...]

7. Adequado, em face das peculiaridades do caso, prestigiar a com-petência da Comissão de Licitação, que pode promover “diligência destinada a esclarecer ou complementar a instrução do processo” (art. 43, § 3º, da Lei nº 8.666/1993), dispositivo legal prequestionado e suscitado no recurso especial (fumus boni iuris).

8. Quanto ao periculum in mora, é incontroverso que a requerente pres-ta serviços de locação de 622 veículos ao Município e que o contrato firmado em 12.05.2010 foi declarado nulo em 11.05.2011, por conta do acórdão recorrido. Adicionalmente, relevante a iminente ampliação da despesa pública municipal, em R$ 283.244,00 mensais, para a presta-ção do mesmo serviço.

9. Agravo regimental provido.

(STJ, AgRg-MC 18.046/SP, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 28.06.2011, DJe 02.08.2011)

Portanto, a exigência e a demonstração de capacidade técnica por meio dos atestados têm o escopo de resguardar a Admi-nistração Pública de que o licitante possui expertise e aptidão técnica, caso seja o vencedor do certame e venha a ser contra-tado. Neste prisma, os documentos apresentados no envelope de habilitação deverão ser apreciados e interpretados sempre preconizando a teleologia (finalidade) do documento para a consecução do interesse público.

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Doutrina

Audiência de Garantia: ou sobre o Óbvio Ululante

CLEOPAS ISAÍAS SANTOSMestre e Doutorando em Ciências Criminais pela PUCRS, Professor de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB, Professor na Pós-Graduação Latu Sensu em diversas instituições, Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão – Fapema, Delegado de Polícia.

RESUMO: O presente artigo busca analisar, criticamente, o Projeto de Lei do Senado nº 544/2011, por meio do qual se pretende implementar a exigência de apresentação do preso em flagrante à autoridade judiciária, ato jurídico este que se convencionou chamar de audiência de custódia. A investigação é feita a partir da hipótese de que os tratados internacionais de direitos humanos possuem status normativo constitucional, sendo, portanto, autoaplicáveis ou self-executing. Conclui-se que a locução “audiência de garantia” representa com maior fidelidade a natureza desse ato, levando-se em conta as suas finalidades e projetando com maior eficácia as suas potencialidades, bem como que, se aprovado da forma como proposto, o PLS 544/2011 já nascerá com vício de convencionalidade.

PALAVRAS-CHAVE: Audiência de garantia; tratados internacionais de direitos humanos; PLS 544/2011.

SUMÁRIO: 1 Considerações preambulares; 2 Debates institucionais: argumentos contrários à audiência de garantia; 3 Análise crítica dos argumentos contrários e tentativa de refutação; 3.1 Finalidade; 3.2 Âmbito de incidência; 3.3 Exigibilidade imediata; 3.4 Competência para presidir a audiência de garantia; 3.5 Desconfiança democrática; 3.6 Carência estrutural e interpretação dos direitos fundamentais ao avesso; 3.7 Argumentos fortes; 3.7.1 Consequências da não apresentação do preso; 3.7.2 Interrogatório

do preso como meio de prova; 3.7.3 Prazo; 3.7.4 Audiência de garantia por videoconferência; 4 Boas práticas; Referências.

1 CONSIDERAÇÕES PREAMBULARES

Muito se tem falado sobre o que se convencionou chamar de au-diência de custodia. Para a maioria, essa audiência ocorreria no prazo de 24 (vinte e quatro) horas após a prisão em flagrante de alguém, perante o juiz, o membro do Ministério Público e o defensor do preso, com o objetivo de se avaliar a legalidade da prisão ou se o autuado se encontra lesionado.

Apesar da exigência expressa, tanto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – PIDCP (art. 9.3) quanto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH (art. 7.5), ambos ratificados pelo Brasil (o primeiro pelo Decreto nº 592/1992 e o

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segundo pelo Decreto nº 678/1992), de apresentação imediata do preso ao juiz competente, os atores do sistema penal nunca a cumpriram.

É verdade que não há igual previsão na Constituição Federal nem tampouco no Código de Processo Penal. Igualmente, ver-dadeiro é o fato de não serem necessárias, vez que os tratados internacionais supramencionados possuem força normativa no Brasil. E, como tal, devem ser cumpridos por todos, sob pena de responsabilidade internacional. Aliás, a Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH tem decidido reiteradamente que “a responsabilidade internacional de um Estado decorre de atos ou omissões de qualquer um dos seus poderes ou órgãos, in-dependentemente de sua hierarquia, mesmo que o fato violador provenha de uma norma constitucional”1.

Apesar disso, como é comum no Brasil a redundância normativa, o Senador Antonio Carlos Valadares apresentou o PLS 544/2011, com o objetivo de regulamentar aquela exigência convencional de apresentação, sem demora, do cidadão preso, à presença do juiz, para a audiência de custódia.

Atendendo requerimento do Senador Humberto Costa, Relator da matéria, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Parti-cipativa (CDH), bem como a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), aprovaram a proposta, nos termos do Substitutivo do Senador João Capiberibe, nos seguintes termos:

Art. 306. [...]

§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo res-peitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.

1 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convenciona-lidade das leis. São Paulo: RT, 2011. p. 150.

§ 2º A oitiva a que se refere o § 1º não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legali-dade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.

§ 3º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.

§ 4º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.

O Senador Francisco Dornelles apresentou a Emenda nº 1 – CCJ, a qual altera a redação do art. 1º do PLS, para prever que a au-diência de custódia possa ser realizada com a presença física do preso ou por videoconferência. Justificou a sua proposta, entre outros aspectos, afirmando que o sistema de videoconferência reduziria a circulação de presos nas dependências dos fóruns ou nas ruas das cidades, e, consequentemente, reduziria os riscos à segurança pública, institucional e também do próprio preso.

Embora tenha considerado válidos os argumentos do Parlamen-tar Francisco Dornelles, o Relator da matéria na CCJ, Senador Humberto Costa, opinou pela rejeição da Emenda nº 1 e pela aprovação da matéria na forma do Substitutivo do Senador João Capiberibe.

2 DEBATES INSTITUCIONAIS: ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À AUDIÊNCIA DE GARANTIA

As diversas instituições que atuam no sistema de justiça criminal apresentaram ao Presidente do Senado Federal notas técnicas sobre a matéria, expondo os argumentos que fundamentavam o posicionamento que cada instituição tem sobre o tema. E o resul-

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tado é impressionante: apenas a Defensoria Pública se manifestou favorável à audiência de custódia (expressão usada por todas as instituições!), na forma do substitutivo referido supra. Vejamos!

A Associação dos Delegados de Polícia Federal – ADPF apre-sentou os seus argumentos contrários à aprovação do PLS em apreço por meio da Nota Técnica nº 003/2014, na qual alega, em resumo, que: “As garantias da legalidade da prisão e o respeito aos direitos constitucionais são preliminarmente preservados pelo Delegado de Polícia cabendo ao juízo um segundo controle de legalidade para uma maior garantia do cidadão”; “é comple-tamente inexequível operacionalmente, inclusive por questões geográficas”; a Convenção Americana de Direitos Humanos não exige que qualquer pessoa presa seja levada à presença apenas de um juiz, mas também de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais. E, para estes fins, esta exigência se cumpre “por intermédio da autoridade de polícia judiciária, isto é, o Delegado de Polícia (longa manus) que, embora autoridade administrativa no exercício das funções de polícia judiciária é tecnicamente vinculado ao Poder Judiciário”; e que a impossi-bilidade de execução da medida, aliada à ausência de previsão da consequência do não cumprimento do prazo previsto no PLS em comento, traria como consequência inafastável a liberação do preso, tornando inócuo o trabalho do Delegado de Polícia, e a “sensação de insegurança na sociedade, além de reforçar o sentimento de impunidade na população, que vai desacreditar o trabalho da polícia, já que a pessoa que é presa será colocada imediatamente em liberdade”. Conclui a sua nota pugnando pela rejeição total do projeto, vez que “a legislação atual já é suficiente para a finalidade proposta pelo Pacto de San José da Costa Rica, atendendo perfeitamente aos preceitos da CF”.

A Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – Fe-nadepol também apresentou as suas razões contrárias à apro-vação da matéria (Ofício nº 37/2014), alegando, em síntese, que “o mencionado projeto, se aprovado nos termos propostos

e das emendas aprovadas nas Comissões, pode levar à total paralisia das polícias”; como o preso tem direito de mentir, todos alegarão, quando diante do juiz, que foram torturados pelos policiais, tornando nula a prisão e gerando a sua soltura. “E o policial responsável pela prisão, em decorrências das de-clarações do preso, irá responder injustamente pelo crime de tortura, anos a fio, podendo até mesmo ser preso em flagrante pelo Juiz, passando de condutor a preso e o preso, de condu-zido a vítima. Numa total e absurda inversão de valores”; em razão disso, os policias deixarão de agir, preferindo responder por prevaricação a responder por tortura; o que geraria um substancial aumento na criminalidade; nem as polícias nem o Judiciário possuem estrutura capaz de suportar a efetivação da audiência de custódia; por fim, entende a referida entidade classista que “o único beneficiário da lei será o marginal, em prejuízo dos elevados interesses do cidadão de bem, que ficará ainda mais desprotegido”.

A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – Adepol/BR igualmente apresentou nota técnica ao Senado, argumentando basicamente o mesmo que as duas entidades assemelhadas re-feridas supra, razão pela qual propugna pela rejeição do projeto.

Por meio da Nota Técnica nº 14/2014, o Ministério Público do Estado de São Paulo também se mostra contrário à proposta, alegando, além de alguns motivos já referidos, que: os atores do sistema penal não possuem estrutura para a realização da audiência de custódia, pois só na Cidade São Paulo são for-malizadas mais de 90 (noventa) prisões em flagrante por dia; a ausência de previsão da consequência do não cumprimento da medida tornará nula qualquer prisão em flagrante realizada; o prazo de 24 (vinte e quatro) horas é exíguo e não está de acordo com outros países que adotam a medida, a exemplo do Reino Unido, da França, da Espanha, de Portugal, da Alemanha, da Suécia e da África do Sul, onde esse prazo pode ser duplicado, ou seja, podendo ser de até 48 (quarenta e oito) horas; o Pacto

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de San José da Costa Rica não exige que a apresentação seja imediata, mas sem demora, expressão esta que tem sido inter-pretada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos como sendo de até alguns dias, e não de 24 (vinte e quatro) horas improrrogáveis; também não parece razoável a impossibilidade de utilização da oitiva do preso como meio de prova, vez que a autoincriminação não é proibida e a audiência ocorreria na presença também do seu defensor. Além disso, seria absurdo não se utilizar a oitiva do preso como prova, por exemplo, da prática de calúnia, caso o preso venha a imputar falsamente aos policiais o crime de tortura; por fim, considerando que “o conjunto de medidas propostas não se afigura adequado, necessário ou proporcional, sendo desprovido de razoabilidade”, manifesta-se a entidade pela rejeição do projeto.

Por sua vez, a Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe manifestou os seus argumentos por meio da Nota Técnica nº 16/2014 (04.12.2014), asserindo, entre outras coisas, que: como a audiência de custódia visa a resguardar a integridade física e psíquica do preso em flagrante, a pessoa mais indicada para tanto é um médico legista, e não o juiz, cuja formação não lhe permitiria perceber uma lesão menos aparente; além disso, esta tarefa refoge às atribuições do magistrado; por outro lado, essa audiência seria desnecessária, uma vez que a oitiva do preso não poderia ser usada como meio de prova em seu desfavor; “exigir por lei a apresentação do preso equivale a partir da presunção de inidoneidade de toda a corporação policial, já que se teria como pressuposto a premissa de que o cidadão preso é submetido à violência, de forma a justificar a intervenção legislativa”; mesmo que a violência pontual ocorra, dificilmente o preso relataria ao juiz, pois em seguida retornaria ao sistema prisional, que em muitas cidades a custódia provisória dos presos é feita em de-legacias de polícia. Ou seja, a medida seria mais prejudicial ao preso; “embora louvável a ideia da audiência de custódia, que pode até ser realidade em países do chamado primeiro mundo, precisa ser bem avaliada antes de ser importada para o sistema

nacional. A União e os Estados não têm disponibilidade de pes-soal e de material para efetivar esses deslocamentos, ainda mais considerando o enorme número de prisões em flagrante que são realizadas diariamente em todo o País”; por carecerem as mé-dias propostas de proporcionalidade e razoabilidade, propugna a Ajufe pela rejeição do PLS 554/2011. “Caso não haja rejeição, requer que a aprovação ocorra na forma da emenda do Senador Francisco Dornelles, ou seja, contemplando a possibilidade da utilização do sistema de videoconferência”.

Como antes referido, a única instituição que se manifestou fa-vorável ao PLS 544/2011 foi a Defensoria Pública. Com efeito, o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais – Condege apresentou nota técnica ao Senado, manifestando o seu apoio à aprovação do projeto na forma do substitutivo apresentado pelo Senador Humberto Costa.

Além disso, alguns membros da Defensoria Pública têm se posicionado, inclusive em casos concretos, favoráveis à audi-ência de custódia. Mais que isso, convocando o Judiciário a se manifestar acerca de sua exigibilidade imediata, como ocorreu em Manaus, onde a Defensoria Pública da União propôs ação civil pública objetivando a implantação da audiência de custódia em todo o País.

3 ANÁLISE CRÍTICA DOS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS E TENTATIVA DE REFUTAÇÃO

3.1 Finalidade

Em verdade, a finalidade dessa audiência não se limita à ava-liação da legalidade da prisão em flagrante ou da avaliação do estado físico ou psíquico do autuado. A sua finalidade maior é a de garantir os direitos fundamentais do imputado, de tal forma que haja a menor restrição possível a tais direitos. E isso só será

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possível por meio da contrariedade argumentativa realizada pelo Ministério Público, pela defesa e pelo preso.

Em síntese, objetiva-se dar concretude ao chamado contraditório prévio, que foi introduzido em nosso sistema de cautelaridade com a Lei nº 12.403/2011 (art. 282, § 3º, do CPP). Por esta razão, entendemos que a expressão audiência de custódia não traduz, da melhor forma, a natureza desse ato. Acreditamos que a locu-ção audiência de garantia representa com maior fidelidade a sua natureza, levando-se em conta as suas finalidades e projetando com maior eficácia as suas potencialidades.

3.2 Âmbito de incidência

Além disso, ao contrário do que o tríplice discurso jurídico (dou-trinário, jurisprudencial e legislativo) tem entendido, a audiência de garantia não é obrigatória apenas em relação à prisão em flagrante. Entendemos ser ela exigível para qualquer hipótese de prisão cautelar2.

Entendemos aplicável em qualquer hipótese de prisão cautelar porque os tratados referidos supra não a exigem apenas quando se referirem à prisão em flagrante. Ao contrário, dizem que qual-quer pessoa presa, detida ou retida será apresentada ao juiz. Não por outra razão a Corte Interamericana já manifestou, em diversas ocasiões, que “a imediata revisão judicial da prisão tem particular relevância quando se aplica a capturas realizadas sem ordem judicial”3. Essa maior relevância da audiência de garantia nos casos de prisão em flagrante justifica-se pelo fato de essa

2 GIACOMOLLI, José Nereu. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 60. O autor entende ser obrigatória a apresentação, ao juiz, do preso em flagrante ou preventiva-mente, nada falando sobre a prisão temporária.

3 Cf. Caso Espinoza González vs. Perú (sentença de 20 de novembro de 2014); Caso López Álvarez vs. Honduras (sentença de 1º de fevereiro de 2006).

modalidade prisional poder ser efetuada sem a prévia autoriza-ção judicial, potencializando, portanto, os riscos de ilegalidade.

Além disso, os tratados internacionais devem ser interpretados segundo os princípios pro homine e da máxima efetividade. De acordo com o paradigma do princípio pro homine, “[...] deve o intérprete (e o aplicador do direito) optar pela norma que, no caso concreto, mais projeta o ser humano sujeito de direitos”4. Conforme lição de André Ramos, “toda a exegese do Direito Internacional dos Direitos Humanos, consagrada pela jurispru-dência internacional, tem como epicentro o princípio pro homine, que impõe a necessidade de que a interpretação normativa seja feita sempre em prol dada aos indivíduos”5. Por seu turno, pelo princípio da máxima efetividade, a interpretação dos tratados internacionais de direitos humanos “[...] deve contribuir para o aumento da proteção dada ao ser humano e para a plena apli-cabilidade dos dispositivos convencionais”6. Em obediência aos referidos princípios hermenêuticos, o intérprete não pode, por-tanto, restringir o sentido dessa regra da audiência de garantia.

Isso significa que o PLS 544/2011, se aprovado nos termos su-pramencionados, já nascerá com vício de convencionalidade, por representar uma proteção deficiente do direito de liberdade de locomoção, e, portanto, mostrar-se-á desproporcional, vez que os tratados antes referidos possuem status normativo cons-titucional7 ou, no mínimo, supralegal8.

4 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos. São Paulo: Método, 2014. p. 203.

5 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 105.

6 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos..., p. 107.7 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos..., p. 182 e

ss.; PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional inter-nacional. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 118; RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos..., p. 281.

8 Entendimento predominante no STF, inaugurado, após a EC 45/2004, com

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Assim, se se tratar de prisão preventiva ou temporária, na audiên-cia de garantia deverá o juiz, na presença do Ministério Público e do defensor do preso, avaliar: a) se a sua execução ocorreu de acordo com as formalidades legais; b) se o imputado preso não foi torturado ou lesionado; c) se as razões ensejadoras da prisão ainda persistem; e d) não mais sendo necessária, colocá--lo imediatamente em liberdade, com ou sem a aplicação de outras medidas cautelares diversas da prisão.

Tratando-se de prisão em flagrante, o juiz, igualmente na presen-ça do Ministério Público e do defensor do autuado: a) relaxará a prisão ilegal; b) concederá liberdade provisória condicionada (art. 310, parágrafo único, e art. 321, ambos do CPP); c) concederá liberdade provisória mediante fiança contracautelar (art. 310, inciso III, do CPP); d) concederá liberdade e aplicará alguma(s) medida(s) cautelar(es) alternativa(s) à prisão; e) converterá a prisão em flagrante em preventiva, caso entenda não ser cabível nenhuma outra medida alternativa (art. 310, inciso II, do CPP); ou e) mesmo decretando a preventiva, substitui-la-á pela prisão domiciliar, caso esteja presente alguma hipótese que a enseje (art. 318 do CPP).

3.3 Exigibilidade imediata

Exigível porque os tratados sobre direitos humanos possuem aplicação imediata (art. 5º, § 1º, da CF). Ou seja,

os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil podem ser imediatamente aplicados pelo nosso Poder Judiciário, com status de norma constitucional, independentemente de promulgação e publicação no Diário Oficial da União e de serem aprovados de acordo com a regra do § 3º do art. 5º.9

o voto divergente do Ministro Gilmar Mendes no RE 466.343/SP. 9 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos..., p. 199;

PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacio-

Além disso, especificamente no que tange à CADH, o seu art. 2º possui natureza jurídica de cláusula de autoexecutoriedade (self-executing). Mesmo com essa previsão, e para eliminar qual-quer margem para dúvidas, a Corte Interamericana entendeu, no Parecer Consultivo nº 07/86, que a Convenção Americana de Direitos Humanos é autoaplicável10.

3.4 Competência para presidir a audiência de garantia

O argumento de que o Pacto de San José da Costa Rica e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos possibilitam que a audiência de custódia possa ser realizada pelo Delegado de Polícia11 também não procede. Com efeito, segundo a CADH (art. 7.5) “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser condu-zida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais...”. Esta outra autoridade à qual se refere a Convenção jamais poderia ser o Delegado de Polícia. E assim pensamos por diversas razões.

nal..., p. 156 e ss.; RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos..., p. 228.

10 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos..., p. 229.11 Além das notas técnicas institucionais supra, também utilizam esse

argumento alguns autores, entre os quais, por todos: CABETTE, Eduardo Luiz Santos; SANNINI NETO, Francisco. Audiência de custó-dia e o sistema processual penal brasileiro: um vislumbre para além da proposta inicial. Disponível em: <http://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/162730730/audiencia-de-custodia-e-o-sistema-processual--penal-brasileiro-um-vislumbre-para-alem-da-proposta-inicial>; COSTA, Thiago Frederico de Souza. A audiência de custódia (PLS 544/2011) e sua interpretação conforme a Constituição Federal e os Tratados In-ternacionais sobre Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.adpf.org.br/adpf/admin/painelcontrole/materia/materia_portal.wsp?tmp.edt.materia_codigo=7280&tit=A-audi%EAncia-de-custodia-(PLS-n%BA-554,--de-2011)-e-sua-interpretacao-conforme-a-Constit#.VNlF_5WPEhQ>.

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A uma, porque o Delegado de Polícia não está autorizado por lei a exercer funções judiciais. Ao menos desde a CF de 1988 a autoridade policial não pode praticar nenhum ato acobertado pela reserva de jurisdição. A concessão de fiança contracautela e a formalização da prisão em flagrante, hipóteses mencionadas para justificar a tese que aqui estamos tentando refutar, são as únicas medidas previstas no nosso sistema, mas que não tornam o Delegado de Polícia uma autoridade que exerce funções judiciais. Do contrário, teríamos que admitir que o militar responsável pela prisão administrativa de outro militar ou a autoridade administrativa que determinar a prisão ou detenção de outrem, durante o estado de defesa (art. 136, § 3º, inciso I, da CF) ou estado de sítio (art. 139, inciso II, da CF), também seriam autoridades autorizadas a exercer funções judiciais. E isso é incogitável!

A duas, porque carece de qualquer razoabilidade, inclusive lógica, considerar-se que a autoridade responsável pela prisão de alguém seria a mesma a exercer o controle de sua legalida-de. Isso não significa que o Delegado não exerça esse controle quando a detenção é realizada por outros agentes. Claro que sim! Mais que isso: é seu dever fazê-lo, sob pena de respon-sabilidade. E quando a prisão em flagrante for executada pelo próprio Delegado de Polícia? Ou, ainda, quando não se tratar de prisão em flagrante, mas de preventiva ou temporária? Evidentemente que o controle deverá ser feito por autoridade diversa. Contudo, dizer que o Delegado de Polícia é também garantidor dos direitos fundamentais do imputado não significa que ele possa praticar todos os atos, ao longo da persecução criminal, tendentes a garantir referidos direitos. A toda evidência que não! Prevalece, neste âmbito, as regras constitucionais e legais de competência12. Aliás, a Corte Interamericana de Di-

12 Os processualistas penais (por todos: LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Niterói: Impetus, v. I, 2011. p. 1297) costumam dizer que é incorreto se falar em competência para a autoridade policial, a qual

reitos Humanos já decidiu que nem a apresentação do preso ao membro do Ministério Público nem tampouco a presença do juiz no momento da detenção satisfazem a exigência do art. 7.5 da CADH13.

A três, o objetivo maior da audiência de garantia, como já ficou dito supra, é garantir os direitos fundamentais do preso, o que se dá por meio do exercício do contraditório prévio, a fim de que sejam avaliadas todas aquelas possibilidades antes referidas, a exemplo do relaxamento da prisão ilegal, da concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, da aplicação de outras medidas cautelares alternativas ao cárcere, da conversão da prisão em flagrante em preventiva e até a substituição desta por prisão domiciliar. E nenhuma dessas medidas pode ser re-alizada pelo Delegado de Polícia. Até entendemos que algumas poderiam ser, como expusemos em outro trabalho14. Mas ainda não há previsão legal.

possui apenas atribuição. Competência possui a autoridade judiciária, afirmam. Isto é, porém, um equívoco. Os atos praticados pelo Delegado de Polícia, entre os quais o auto de prisão em flagrante, são atos admi-nistrativos. E, como tais, possuem os mesmos elementos constitutivos dos demais atos administrativos, quais sejam: a) competência (sujeito); b) forma; c) objeto; d) motivo; e e) finalidade, como nos mostra a doutrina administrativa em geral (cf., por todos, MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 395). O Delegado de Polícia possui, portanto, competência para praticar os atos administrativos de sua atividade. Obviamente esta competência não é a mesma que possuem os juízes, ou seja, não se está a falar da competência como parcela da jurisdição.

13 Caso Chaparro Álvarez y Lapo Íñiguez vs. Equador (sentença de 21 de novembro de 2007).

14 SANTOS, Cleopas Isaías. A nova sistemática da prisão em flagrante. In: SANTOS, Cleopas Isaías; ZANOTTI, Bruno Taufner. Delegado de polícia em ação: teoria e prática no Estado Democrático de Direito. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 316 e ss.

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Por tudo isso, não podemos concordar com aqueles que en-tendem ser o Delegado de Polícia a outra autoridade a que se referem os tratados internacionais.

No nosso sistema processual penal, as outras autoridades autorizadas a exercerem funções judiciais, além dos juízes (expressão usada pelos tratados para designar os membros do Poder Judiciário que atuam na primeira instância) são os Desembargadores (estaduais e federais) e os Ministros, com competência para julgar algumas pessoas que possuem foro especial por prerrogativa de função. Somente membros do Poder Judiciário15, portanto, podem praticar os atos objetivados pela audiência de garantia. Jamais o Delegado de Polícia. Toda pri-são em flagrante ou cautelar está submetida ao que poderíamos chamar de princípio do controle judicial imediato.

3.5 Desconfiança democrática

Também não nos parece válido o argumento de que a audiên-cia de garantia seria ilegítima por representar a inquestionável desconfiança do legislador em relação ao exercício funcional

15 A Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu, em diversas oportunidades, que teve de interpretar o art. 7.5 da CADH, que somente os membros do Poder Judiciário podem exercer as funções previstas nes-se dispositivo. Conforme, entre outros: Caso Suaréz Rosero vs. Equador (sentença de 12 de novembro de 1997); Caso López Álvarez vs. Honduras (sentença de 1º de fevereiro de 2006). Também entendem ser somente o juiz, embora sem dizer a razão, talvez pela obviedade: GIACOMOLLI, Nereu José. Op. cit., p. 60; GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à convenção americana sobre direitos humanos: Pacto de San José da Costa Rica. São Paulo: RT, 2010. p. 64; LOPES JR., Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Afinal, quem continua com medo da audiência de custodia (parte 2). Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-fev-20/limite-penal-afinal-quem-continua-medo-audiencia-custodia-parte2>. Esses autores entendem ser apenas o juiz, e não o Delegado de Polícia, como muitos afirmam, porque a autoridade policial não possui “funções judiciais”.

dos membros das forças policiais, nem tampouco que a sua realização deslegitimaria o trabalho policial, vez que, por falta de condições estruturais, dificilmente seria realizável, trazendo como consequência inevitável a soltura do preso. Ambos são falácias.

O primeiro argumento, embora verdadeiro em si mesmo, não serve para justificar o que se pretende, sendo, pois, falsa a sua conclusão. A toda evidência, o nosso sistema jurídico é permeado por desconfianças de todos os lados. A conforma-ção constitucional dos direitos fundamentais mostra-se como um bom exemplo de tal desconfiança. Esta a razão de serem considerados cláusulas pétreas, trunfos contra a maioria16, contramajoritários17 ou a lei do mais débil18. Do mesmo modo, o controle de constitucionalidade e convencionalidade das leis e a edição de súmulas vinculantes podem ser considerados como uma desconfiança do Judiciário em relação ao legislador, ao Executivo e a si mesmo. Por fim, ainda na seara constitu-

16 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 17-18. Partindo da ideia básica de Dworkin, de que ter um direito fundamental, em um Estado de Direito, equivale a ter um trunfo em um jogo de cartas, afirma que, “aplicada ao sistema jurídico de Estado de Direito, e tendo em conta que o outro ‘jogador’ é o Estado, já que, primariamente, os direitos fundamentais são posições jurídicas individuais face ao Estado, ter um direito fundamental significará, então, ter um trunfo contra o Estado, contra o Governo democraticamente legitimado, o que, em regime político baseado na regra da maioria, deve significar, a final, que ter um direito fundamental é ter um trunfo contra a maioria, mesmo quando esta decide segundo os procedimentos demo-cráticos instituídos”.

17 Böckenförde apud FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: garantismo, deveres de proteção, princípio da proporcionalidade, jurisprudência constitucional penal, jurisprudência dos tribunais de direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 57.

18 FERRAJOLI, Luigi. Derechos e garantías: la lei del más débil. Madrid: Trotta, 2009.

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cional, os chamados mandados expressos de criminalização demonstram uma clarividente desconfiança do constituinte originário em relação ao derivado. Ou seja, o legislador des-confiando de si próprio.

Nas lições de André Ramos19, os direitos humanos também representam desconfiança, sendo, portanto, contramajoritá-rios, pois

desenvolveram-se no plano internacional para fornecer proteção ao indivíduo na falha do Estado. Por isso, as garantias internacionais possibilitam o acesso do indivíduo aos órgãos internacionais, após terem sido esgotados os recursos internos. A jurisdição internacional é subsidiária, porém sua existência fornece uma última esperança aos que foram ignorados no plano interno.

Desse modo, “o Estado fica obrigado a garantir direitos básicos a todos sob sua jurisdição, quer nacional ou estrangeiro, mesmo contra a vontade das maiorias e paixões de momento”.

No âmbito específico do processo penal, são exemplos de desconfiança: o controle externo da atividade policial, a ação penal privada subsidiária da pública, a regra do art. 28 do CPP, os recursos em geral, as ações autônomas, entre outros.

Mas essa “desconfiança” mostra-se salutar em um Estado Constitucional. Aliás, qualquer fiança cega nos parece antide-mocrática e totalitária. Talvez por esta razão Hart Ely afirme que “o direito constitucional existe para aquelas situações em que o governo representativo se torna suspeito, não para aquelas em que sabemos que ele é digno de confiança”20.

19 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos..., p. 144.20 ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial

de constitucionalidade. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 246.

Para Alex, segundo análise de Luciano Feldens21, os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo, essencialmente democrá-ticos e antidemocráticos.

São profundamente democráticos porque asseguram a existência e o desenvolvimento da pessoa graças à garantia dos direitos de liberdade e igualdade que oferecem. E também porque asseguram as próprias condições de funcionamento do procedimento democrático, mediante a proteção da liberdade de opinião, de imprensa, de reunião e associação, assim com o direito ao sufrágio eleitoral e outras liberdade públicas.

De outro lado, e simultaneamente, “os direitos fundamentais seriam profundamente antidemocráticos na medida em que desconfiam do processo democrático: ao operarem como li-mites frente ao legislador, privam de poder decisório a maioria parlamentar democraticamente legitimada”.

Pensamos que, em uma democracia, todo ato controlável tende a ser mais legítimo. A audiência de garantia, portanto, ao con-trário do que defendem alguns, legitimaria a atuação policial.

3.6 Carência estrutural e interpretação dos direitos fundamentais ao avesso

Quanto à alegação de carência estrutural, esta também não pode ser empecilho à concretização da audiência de garantia. Se assim fosse, ninguém no Brasil poderia mais ser preso. E os que já o foram deveriam todos ser imediatamente postos em liberdade. Afinal, nosso sistema prisional não possui as condi-ções mínimas exigidas pela Constituição Federal, pelos tratados internacionais nem tampouco pela Lei de Execuções Penais.

Além disso, os direitos fundamentais do imputado não podem ceder à ausência ou má gestão de políticas públicas de segurança. Por

21 FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal..., p. 57-58.

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fim, como percebeu atentamente Alberto Binder, “se vivemos uma realidade que distorce continuamente o sistema constitucional, nem por isso devemos distorcê-lo para adaptá-lo à realidade”22.

Não fechamos os olhos para o fato de que a implementação da audiência de garantia exigirá a presença, nas Comarcas, de todas as autoridades envolvidas. E isso pode gerar um certo receio das instituições, vez que ensejará mais uma forma de controle de suas atividades. Mas já não é dever desses agentes públicos fazerem-se presentes nas suas respectivas Comarcas?

Aliás, parece claro que o não cumprimento da exigência de re-alização da audiência de garantia não é um problema jurídico, como diz Cançado Trindade (referindo-se à aplicação ampla dos tratados internacionais), mas de falta de vontade dos Poderes Públicos, especialmente do Judiciário23.

3.7 Argumentos fortes

A ausência de previsão das consequências do não cumprimento da medida, a impossibilidade de utilização da oitiva do preso como meio de prova em seu desfavor, a exiguidade do prazo de 24 (vinte e quatro) horas para a apresentação do preso ao juiz e o impedimento de que a audiência ocorra por videocon-ferência são argumentos que parecem razoáveis, merecendo, assim, um maior debate.

3.7.1 Consequências da não apresentação do preso

Da forma como está previsto no projeto, a audiência de custó-dia passaria a ser uma formalidade essencial da lavratura do

22 BINDER, Alberto M. Introdução ao processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 148.

23 Apud MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos..., p. 200.

auto de prisão em flagrante. A sua não realização, portanto, ensejaria o relaxamento da prisão em flagrante, por ser ilegal. Mas isso não significa que o autuado seria posto em liberda-de. Ainda seria possível a decretação da prisão temporária ou preventiva.

Outras consequências possíveis seriam a responsabilidade penal e administrativa do omitente e a responsabilidade in-ternacional do Brasil, por descumprimento da CADH (art. 7.5; art. 1.1).

3.7.2 Interrogatório do preso como meio de prova

No que diz respeito à impossibilidade de utilização da oitiva do preso como meio de prova, de fato não nos parece existir qualquer razão de ser. O que é proibido é alguém ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Porém, o imputado pode confessar a prática de um crime. Aliás, é estranho que o projeto possibilite a utilização da oitiva do preso como meio de prova contra os policiais e não o faça em relação ao próprio preso.

Deve ser repensado, especialmente porque a audiência ocorreria na presença do seu defensor, do Ministério Público e do juiz. Se se deseja antecipar garantias, que se antecipem igualmente as consequências dos atos formais que as exteriorizam, inclusive a sua validade em todos os âmbitos.

3.7.3 Prazo

É também verdade que os tratados internacionais não estabe-lecem um prazo específico para a apresentação do preso ao juiz competente. Diz apenas que deve sê-lo sem demora. Mas qual o lapso temporal do sem demora? Qual o parâmetro para a análise da demora? A prisão captura ou a prisão formalização?

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De acordo com a sistemática atual, defendemos que a comu-nicação da prisão deve ser feita em 24 (vinte e quatro) horas a contar da prisão captura, ou seja, do cerceamento material da liberdade do imputado24.

Porém, não seria tão fácil imaginar realizável a apresentação do preso a partir do mesmo parâmetro, especialmente se pensar-mos nas condições geográficas do Norte e Nordeste brasileiros. Defendemos, portanto, que a apresentação do preso ocorra no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da conclusão da lavratura do respectivo auto de prisão. Ou no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas a partir da prisão captura.

Desse modo, sendo a decisão proferida em audiência, o juiz continuaria apreciando o caso e tomando as medidas neces-sárias nos limites temporais hoje estabelecidos.

Ainda em relação ao prazo para apresentação, mostra-se de difícil solução a hipótese de o preso possuir foro especial por prerrogativa de função. Sabe-se que diversas autoridades, em decorrência dos cargos públicos ou políticos que exercem, de-verão ser investigadas e processadas pelos Tribunais. Nestes casos, entendemos que somente o Desembargador (estadual ou federal) ou Ministro competente para o processo poderia presidir a respectiva audiência de garantia. E aqui reside a dificuldade. Imagine-se o caso de um promotor de justiça do Amazonas que foi capturado em situação flagrancial pela prá-tica de homicídio no Rio Grande do Sul. Segundo as regras de competência criminal, o referido membro do Ministério Público deverá ser processado junto ao Tribunal de Justiça do Ama-zonas. Portanto, algum Desembargador desse Tribunal é que seria a autoridade competente para realizar a audiência de garantia respectiva. De igual modo, imagine-se um Deputado

24 SANTOS, Cleopas Isaías. A nova sistemática da prisão em flagrante, p. 294 e ss.

Federal de Roraima, também preso em flagrante por crime ina-fiançável no seu Estado. Seu Juízo natural é o Supremo Tribunal Federal. E algum Ministro será o competente para presidir as investigações e também a respectiva audiência de garantia. E assim seria em relação a diversas outras autoridades. Este é um problema a ser solucionado. Porém, não é nossa intenção ampliar, nesta oportunidade, esta discussão, que foi apenas enunciada.

3.7.4 Audiência de garantia por videoconferência

Por fim, também não nos parece razoável proibir a realização da audiência de garantia por meio de videoconferência. Aliás, o art. 185, §§ 2º e 8º, do CPP já autoriza a realização do interroga-tório do acusado e de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemu-nha ou tomada de declarações do ofendido. Nada obsta que a audiência de custodia também o seja, portanto.

Ninguém duvida que o conceito de presença na sociedade tecnológica em que vivemos se expandiu e passou a abranger também a presença virtual. Porém, como advertem Aury Lopes Jr. e Morais da Rosa25, esta modalidade deve ser exceção, e, como tal, sempre justificada. Aliás, a necessidade de funda-mentação de qualquer ato praticado por videoconferência é exigência legal (art. 185, § 2º, do CPP).

Contudo, entendemos que a audiência de garantia só poderá ser realizada por videoconferência para satisfazer as finalida-des previstas no art. 185, § 2º, incisos I, II e IV, todos do CPP,

25 LOPES JR., Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Afinal, quem tem medo da audiência de custodia (parte 3). Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-fev-27/limite-penal-afinal-quem-medo-audiencia-custodia-parte>.

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a saber: a) prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; b) viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para o seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; e c) responder à gravíssima questão de ordem pública.

4 BOAS PRÁTICAS

Vale lembrar que, recentemente (07.02.2015), o Conselho Na-cional de Justiça, o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Minis-tério da Justiça implementaram um projeto com o fim de que o preso em flagrante seja apresentado ao juiz no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas após a sua prisão (formalização). É o chamado Projeto Audiência de Custódia26, por meio do qual se pretende aparelhar o Judiciário com uma estrutura interdisci-plinar mínima para possibilitar que o juiz possa fazer o controle da legalidade da prisão em flagrante e avalie a necessidade de sua conversão em prisão preventiva, concessão de liberdade provisória ou mesmo a aplicação de outra medida cautelar al-ternativa à prisão.

Contudo, cinco dias depois do lançamento do referido projeto (12.02.2015), a Adepol/BR ajuizou ação de inconstitucionali-dade (ADI 5.240), com pedido de liminar, contra o provimento conjunto do Tribunal de Justiça de São Paulo e da Corregedoria Geral de Justiça estadual que instituiu a “inédita e controvertida” audiência de custódia.

26 Sobre o referido projeto, conforme a notícia publicada pelo CNJ. Disponí-vel em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/30506-cnj-tjsp-e-ministerio-da--justica-lancam-projeto-audiencia-de-custodia>.

A Adepol/BR alega que o provimento combatido “ofendeu a competência federal para legislar sobre direito processual e o princípio da legalidade, ao editar norma de conteúdo proces-sual despida de estatura legal”, e que “vulnerou o princípio da separação de poderes”.

Como já manifestamos, a exigência da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de apresentação, sem demora, do preso ao juiz com-petente, tem aplicação imediata, não carecendo de regulamen-tação legal. O provimento combatido na referida ADI, portanto, segundo entendemos, apenas ratifica, de maneira redundante, o que esses tratados internacionais já preveem. As formalidades constitucionais, assim, já foram satisfeitas desde que o Brasil se tornou signatário dos citados atos normativos internacionais. De todo modo, aguardemos a manifestação do STF.

Enquanto isso não ocorre, surgem os primeiros resultados da campanha sobre o citado projeto. Segundo reportagem publi-cada pelo sítio especializado em matéria jurídica, Consultor Jurídico – Conjur,

a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deter-minou, no último domingo (25.01.2015), a soltura de um homem por ele não ter sido submetido à audiência de custódia no prazo previsto. A decisão é inédita. A decisão foi proferida pelo Desembargador Luiz Noronha Dantas no pedido de habeas corpus proposto pelo defensor público Eduardo Newton em favor do réu, cujo processo tramita na 3ª Vara Criminal de São Gonçalo.27

Acolhendo o pedido da Defensoria Pública da União/MT, a De-sembargadora Federal Mônica Sifuentes, da 3ª Turma do TRF da 1ª Região, entendeu liminarmente ser necessária a apresen-

27 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jan-26/tj-rj-solta-preso--nao-foi-apresentado-juiz-24-horas>. Acesso em: 21 jan. 2015.

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tação dos réus presos em flagrante à autoridade judicial, para realização da audiência de garantia28.

Oxalá continuem se multiplicando atitudes como essas, que ainda buscam timidamente dar efetividade ao óbvio ululante!

REFERÊNCIAS

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CABETTE, Eduardo Luiz Santos; SANNINI NETO, Francisco. Audiência de custódia e o sistema processual penal brasileiro: um vislumbre para além da proposta inicial. Disponível em: <http://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/162730730/audiencia-de-custodia-e-o-sistema-processual-penal-brasilei-ro-um-vislumbre-para-alem-da-proposta-inicial>.

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ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: garantismo, deveres de proteção, princípio da proporcionali-dade, jurisprudência constitucional penal, jurisprudência dos

28 TRF 1ª R., HC 0006708-76.2015.4.01.0000/MT, 3ª Turma, Relª Desª Mônica Sifuentes, decisão de 12.02.2015.

tribunais de direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advo-gado, 2008.

GIACOMOLLI, José Nereu. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo: Marcial Pons, 2013.

GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentá-rios à convenção americana sobre direitos humanos: Pacto de San José da Costa Rica. São Paulo: RT, 2010.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Nite-rói: Impetus, v. I, 2011.

LOPES JR., Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Afinal, quem continua com medo da audiência de custodia (parte 2). Dis-ponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-fev-20/limite-pe-nal-afinal-quem-continua-medo-audiencia-custodia-parte2>.

______. Afinal, quem tem medo da audiência de custodia (par-te 3). Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-fev-27/limite-penal-afinal-quem-medo-audiencia-custodia-parte>.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. São Paulo: RT, 2011.

______. Curso de direitos humanos. São Paulo: Método, 2014.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito adminis-trativo. São Paulo: Malheiros, 2012.

NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra, 2006.

PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2015.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos huma-nos na ordem internacional. São Paulo: Saraiva, 2014.

SANTOS, Cleopas Isaías. A nova sistemática da prisão em flagrante. In: SANTOS, Cleopas Isaías; ZANOTTI, Bruno Tauf-ner. Delegado de polícia em ação: teoria e prática no Estado Democrático de Direito. Salvador: JusPodivm, 2015.

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Doutrina

Prestação de Serviços de Transporte: Delimitação do Direito de Crédito do ICMS pelas Empresas Transportadoras nos Contratos de Subcontratação e Redespacho

ROBERTO BIAVA JÚNIORConsultor Tributário da Secretaria da Fazenda de São Paulo e Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT/SP, Doutorando e Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, Mestre em Controladoria/Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

RESUMO: O presente artigo analisa o imposto sobre valor agregado brasileiro (ICMS), especialmente quanto ao direito de crédito fiscal pelas empresas transportadoras nos contratos de terceirização do serviço de transporte (subcontratação e redespacho).

PALAVRAS-CHAVE: Transporte; imposto sobre valor agregado (ICMS); crédito tributário.

ABSTRACTS: This article analyzes the Brazilian value-added tax (VAT), especially the tax credit right by transport enterprises in the transportation service outsourcing contracts (subcontracting and re-dispatch).

KEYWORDS: Transport; value-added tax (VAT); tax credit.

SUMÁRIO: Introdução; 1 ICMS – Aspectos constitucionais e da legislação complementar: campo de tributação da prestação de serviços de transporte; 2 Substituição tributária na prestação de serviços de transporte: hipóteses em que, em geral, os Estados por meio de lei transferem a responsabilidade tributária do ICMS às empresas remetentes e destinatárias das mercadorias; 3 Créditos de ICMS a que as transportadoras têm direito pelo “princípio” da não cumulatividade; 3.1 Opção facultativa pelo crédito outorgado de ICMS nos Estados por autorização do Confaz (Convênio nº 106/1996); 5 Delimitação do direito de crédito do ICMS pelas empresas trans-portadoras nos contratos de subcontratação e redespacho; 5.1 Créditos de ICMS da não cumulatividade: cabe unicamente à transportadora sub-contratada ou redespachada, efetiva prestadora do serviço de transporte; 5.2 Créditos de ICMS dos fretes tomados pelas empresas subcontratantes e redespachantes (dos trajetos e trechos realizados pelas transportadoras subcontratadas e redespachadas); Conclusões.

INTRODUÇÃO

Sabe-se que, na prática do mercado, a prestação de serviço de transporte demanda logisticamente, por vezes, que a transportadora original faça contratos de terceirização do serviço de transporte através da “subcontratação” (do trajeto inteiro) ou do “redespacho” (apenas de parte do trajeto) para outras transportadoras.

Justamente por esse motivo, o presente artigo tem como objetivo analisar a delimitação do direito de crédito do ICMS pelas empre-sas transportadoras nos contratos de subcontratação e redespa-cho, analisando-se os limites da possibilidade de creditamento do ICMS por parte das empresas transportadoras subcontratantes/redespachantes e das empresas transportadoras subcontratadas/redespachadas.

Para analisarmos a matéria objeto do artigo, faz-se necessária a prévia análise: a) dos aspectos constitucionais e da legislação com-

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plementar do campo de tributação da prestação de serviços de transporte; b) da compreensão das hipóteses de substituição tributária na prestação de serviços de transporte; c) do conhe-cimento dos créditos de ICMS a que as transportadoras têm direito pelo “princípio” da não cumulatividade; d) da análise de eventual opção (facultativa para as transportadoras) pelo crédito outorgado de ICMS nos Estados (autorizado pelo Confaz).

Após a análise deste arcabouço jurídico-tributário prévio, será apresentada nossa análise quanto à delimitação do direito de crédito do ICMS pelas empresas transportadoras nos contratos de subcontratação e redespacho, sendo, ao final, expostas nossas conclusões sobre o tema.

1 ICMS – ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E DA LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR: CAMPO DE TRIBUTAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE

Uma questão de suma importância na abrangência horizontal1 de um imposto sobre o valor agregado é a decisão de albergar ou não a tributação da prestação de serviços. No que diz respeito ao nosso ICMS brasileiro, diferentemente do que ocorre com o IVA europeu2, o legislador constitucional optou por não tributar

1 Quanto à generalidade horizontal, o imposto sobre valor agregado pode ser global englobando todos os bens e serviços, mas também pode ser parcial, abrangendo apenas parte destes bens e serviços. (Cf. COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1979. p. 25)

2 José Maurício Pereira Águia, ao comentar sobre a base tributável alargada do IVA europeu, aponta-nos: “O IVA pode ser aplicado em todo o universo de bens e serviços, na realidade, apesar de plurifásico, o imposto age como se ocorresse uma tributação no varejo, pois a soma dos valores acrescentados em todas as fases do processo produtivo e de distribui-

as prestações de serviço, em sua ampla gama (com exceção do serviço de transportes interestadual e intermunicipal, e de comunicação), pelo imposto sobre valor agregado (ICMS), segregando a tributação das mercadorias da tributação dos demais serviços3, sendo as mercadorias tributadas pelo ICMS de competência estadual e os serviços tributados pelo ISS de competência municipal.

O ICMS tem sua denominação prevista diretamente na Cons-tituição Federal por meio do inciso II do art. 155, que assim o denomina: “Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.

Aqui podemos traçar já ao menos alguns parâmetros gerais sobre um dos seus critérios materiais de incidência que são as prestações de serviços de transporte interestadual e intermu-nicipal. Como vemos, o legislador constitucional incluiu aqui as prestações de serviços de transporte, sem fazer distinção entre

ção corresponde ao valor total do bem adquirido pelo consumidor final” (ÁGUIA, José Maurício Pereira. Imposto sobre valor agregado: abordagem teórica e prática. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, n. 15, p. 115 a 125, 2005)

3 Conforme bem aponta Antônio Carlos Rodrigues do Amaral: “A tributa-ção do consumo no Brasil, nas imposições de maior relevância, se dá por três esferas governamentais: União, Estados e Municípios. A União tributa pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a circulação de bens submetidos a processo de industrialização. Os vinte e seis Estados e o Distrito Federal, pelo Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Intermunicipal e Interestadual e de Comunicação (ICMS), tributam a circulação de mercadorias em geral e os dois serviços apontados. Os 5.000 Municípios têm competência para a imposição de um Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), serviços estes especificados em uma lista taxativa editada por legislação federal” (AMA-RAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Imposto sobre o Valor Agregado – IVA. São Paulo: Rumo: 1995. p. 41).

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a circulação de pessoas e bens, e incluiu especificadamente o transporte entre municípios do mesmo Estado e o transporte efetuado de um Estado para outro, não especificando o modal do transporte (que pode ser rodoviário ou diversos outros pos-síveis). Claramente aqui, o legislador constitucional deixou de incluir o chamado transporte intramunicipal, que ocorre dentro do mesmo município (que a legislação do ISS atribuiu para si) e também o transporte internacional (com origem no exterior ou em direção ao exterior), que permanece fora de qualquer campo de tributação.

Quanto ao critério material do ICMS, o art. 2º da LC 87/19964 (conhecida como “Lei Kandir”) trata diretamente dos chamados “fatos geradores” do imposto (hipóteses de incidência), ou seja, as situações materiais teóricas que acarretam a incidência do imposto, entre as quais se encontra a hipótese de incidência do imposto relativa às prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal.

Nesse sentido, quanto à materialidade do ICMS definida na lei complementar sobre as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, o legislador incluiu aqui os ser-viços de transporte, sem fazer distinção entre a circulação de pessoas e bens, e incluiu especificadamente o transporte entre municípios do mesmo Estado (intermunicipal) e o transporte efetuado de um Estado para outro (interestadual), abrangendo todos os modais de transporte (que pode ser: rodoviário, ferro-viário; aquaviário; fluvial; multimodal e qualquer outro possível ou que possa ser criado), pelo que se pode inferir do próprio inciso II do art. 2º da Lei Complementar nº 87/1996.

4 Art. 2º da LC 87/1996: “Art. 2º O imposto incide sobre: [...] II – prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores; [...]” (grifos nossos).

Interessante também notar que a prestação de serviços de transporte, de acordo com entendimento dos próprios fiscos estaduais5, implica necessariamente que haja um contrato de transporte com um prestador de serviço (há de um haver um contrato entre duas pessoas jurídicas distintas). Ou seja, a fi-gura da empresa transportadora é essencial para que haja a incidência. Ou seja, as empresas (industriais ou comerciantes) que efetuam o transporte de suas próprias mercadorias em cami-nhões próprios, por exemplo, não estão sujeitas ao recolhimento do ICMS do transporte, pois não há contrato de prestação de serviços de transporte.

Via de regra, o contrato de transporte comporta várias possibili-dades no que concerne à origem e ao destino do trajeto: trans-porte intramunicipal (dentro do mesmo município), transporte intermunicipal (entre municípios do mesmo Estado), transporte interestadual (entre municípios de Estados distintos) e transporte internacional (para o exterior ou advindo do exterior).

A lei complementar reproduzindo o campo de competência traçado na Constituição Federal incluiu especificadamente o transporte entre municípios do mesmo Estado (intermunicipal) e o transporte efetuado de um Estado para outro (interestadual). Claramente aqui, o legislador complementar deixou de incluir o chamado transporte intramunicipal, que ocorre dentro do mes-mo município (que a legislação complementar do ISS atribuiu aos municípios). O transporte intramunicipal (dentro do mesmo município) é de competência municipal do ISS conforme item 16 (serviços de transporte de natureza municipal) da lista de serviços da Lei Complementar nº 116/2003. Por expressamente não ter sido contemplado pelo ICMS na Constituição Federal,

5 Resposta a Consulta nº 1.380/91: “Não há incidência do ICMS, uma vez que não ocorre uma efetiva execução de serviços de transporte, pois ninguém presta serviços a si próprio”.

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seu campo de incidência pertence às municipalidades por meio do ISS.

Para guardar coerência com o princípio da tributação no país de destino6, a CF/1988 (em sua alínea a do inciso X do § 2º do art. 155)7 determina a imunidade do ICMS nas exportações dos produtos que saem do Brasil, bem como dos serviços com destinatário no exterior (caso que em tese abarcaria o frete in-ternacional), garantindo, inclusive, a manutenção dos créditos anteriores, para que haja, em tese, a completa desoneração dos produtos e serviços exportados, que só serão tributados no país que os importou. Em regra, este é o princípio do destino adotado pelo Brasil e pela Comunidade Europeia com o IVA, tendo como objetivo a saída desonerada dos produtos e serviços do país de origem (exportador) para somente serem tributados no país

6 “O princípio do país de destino, que os alemães chamam de Bestimmun-gslandprinzip, está em íntima correlação com o princípio da territoriali-dade com o qual deve se harmonizar ao fito de evitar a dupla imposição sobre o comércio internacional. Significa, sob a inspiração da ideia de justiça e do princípio da capacidade contributiva, que a tributação deve ser deixada para o país onde serão consumidos os bens. O princípio do país de destino opera através dos seguintes mecanismos: na vertente da exportação, pela isenção do imposto com a anulação de todas as inci-dências internas anteriores ou pela cobrança do tributo com a restituição das importâncias pagas em todas as etapas do processo de circulação; na vertente da importação, pela incidência do imposto compensatório, capaz de igualar o preço da mercadoria estrangeira ao da nacional, seguido da cobrança do imposto não discriminatório até o consumo do bem” (Cf. TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da não cumulatividade e o IVA no direito comparado. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Princípio da não cumulatividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 161).

7 CF/1988: “Art. 155. [...] § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] X – não incidirá: a) sobre operações que destinem merca-dorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”.

de destino (importador), conforme bem assinala a Professora Misabel Derzi8.

Todavia, restou uma grande dúvida jurídica quanto ao servi-ço de transporte internacional (advindo do exterior ou para o exterior), ao se estabelecer pela lei complementar a chamada tributação da “importação de serviços”, enquanto a CF/1988, ao tratar do ICMS, mencionou apenas o transporte interestadual e o intermunicipal, sem mencionar o transporte internacional. Isto porque a Lei Complementar nº 87/1996 contempla uma hipótese de tributação na importação de serviços9, ou seja, o transporte iniciado no exterior com destino final no Brasil. Evidente que este dispositivo pode alcançar os serviços de comunicações, mas não o transporte internacional, que, por não ser previsto constitucionalmente, está no âmbito de não incidência do ICMS.

8 “O princípio do destino é a regra universal, adotada pelos países da Co-munidade Europeia no imposto sobre o valor agregado, porque aquela comunidade não completou ainda sua integração. E também adotada pelos nações exportadoras de modo geral. O Brasil também aderiu à regra, por meio da Lei Complementar nº 87/1996, que determinou a exoneração total das exportações (inclusive dos produtos primários e semielaborados) e a tributação das importações. Por esse princípio, as mercadorias e ser-viços saem livres de tributos do Estado de origem, e somente se sujeitam ao imposto no Estado de destino (ou importador). Para isso, o Estado de origem devolve o tributo pago nas operações anteriores (manutenção de créditos) quer nas etapas de comercialização, quer naquelas de indus-trialização, de tal forma que os bens se submetem aos tributos no Estado de destino, livres de impostos, em absoluta igualdade de condições com os bens nele produzidos. Portanto, independentemente de sua origem, os bens e serviços deverão ser isonomicamente tratados, podendo os Estados estabelecer com maior liberdade e flexibilidade suas alíquotas internas.” (Cf. DERZI, Misabel Abreu Machado. Distorções do princípio da não cumulatividade no ICMS – Comparação com o IVA europeu. In: Temas de Direito Tributário, I Congresso Nacional da Associação Brasileira de Direito Tributário, Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 122)

9 Inciso II do § 1º do art. 2º da LC 87/1996: “O imposto incide também sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior”.

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Em nossa opinião, alguns doutrinadores falam equivocamente na imunidade do transporte internacional, mas, se essa materia-lidade nem sequer foi prevista na Constituição, estaríamos, na verdade, diante de uma não incidência constitucional, de modo que o frete internacional não poderia ser tributado pelo ICMS nem na prestação do serviço para o exterior (trajeto com início no Brasil e destino no exterior), nem na prestação de serviço com início no exterior (trajeto com início no exterior e destino no Brasil).

2 SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE: HIPÓTESES EM QUE, EM GERAL, OS ESTADOS POR MEIO DE LEI TRANSFEREM A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ICMS ÀS EMPRESAS REMETENTES E DESTINATÁRIAS DAS MERCADORIAS

A substituição tributária é uma modalidade de responsabilidade tributária pelo pagamento do imposto utilizada para impostos que, a princípio, deveriam ser plurifásicos (caso do ICMS), e que consiste na atribuição pela legislação tributária a um de-terminado contribuinte denominado “contribuinte substituto” da responsabilidade pelo pagamento do imposto devido em determinadas operações subsequentes, antecedentes, ou con-comitantes praticadas por outros contribuintes, denominados “contribuintes substituídos”.

Como nos lembra Hamilton Dias de Souza10, a substituição tri-butária consiste em um mecanismo de transferência a terceiro

10 Cf. SOUZA, Hamilton Dias de. ICMS – Substituição tributária. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 12, p. 17, set. 1996.

alheio àquele fato imponível (um outro contribuinte) da respon-sabilidade pelo pagamento do imposto, tendo por finalidade trazer maior segurança e desempenho à arrecadação por parte do Fisco, bem como evitar a sonegação do imposto.

Sua autorização constitucional encontra respaldo no § 7º do art. 150 da nossa Constituição (incluída pela Emenda Constitucional nº 3/1993), o qual determina, especificamente quanto à substi-tuição tributária das operações subsequentes, que “a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente”. As demais modali-dades de substituição tributária (das operações antecedentes e concomitantes), por não terem enfrentado severas críticas quanto a seu aspecto de constitucionalidade, curiosamente não são mencionadas diretamente na Carta Magna. A Emenda Constitucional nº 3/1993 justamente teve o objetivo de dissipar as dúvidas quanto à constitucionalidade deste instituto, deixando claro que, mesmo na substituição tributária de fatos geradores futuros, haveria o respaldo constitucional.

Ainda no plano de nossa Carta Magna, a substituição tributária tem previsão constitucional em relação ao ICMS, encontrando fundamento no art. 155, § 2º, XII, b, da Constituição Federal (“cabe à lei complementar dispor sobre substituição tributá-ria”), e sua fundamentação legal na legislação complementar do imposto se ampara no art. 6º, § 1º, da Lei Complementar nº 87/1996, conhecida por “Lei Kandir”, que determina:

Art. 6º Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário. (Redação dada pela LCP 114, de 16.12.2002)

§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antece-dentes, concomitantes ou subsequentes, inclusive ao valor decorrente

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da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto. (grifos nossos)

A substituição tributária no ICMS, conforme mencionado na própria lei complementar, prevê basicamente três modalidades: a) substituição tributária das operações subsequentes (caracte-rizada pela atribuição a determinados contribuintes, chamados de contribuintes substitutos – normalmente o primeiro na cadeia de comercialização: o fabricante ou importador – da res-ponsabilidade pelo pagamento do imposto incidente nas saídas subsequentes com a mercadoria, até sua saída destinada a consumidor final; b) substituição tributária das operações an-tecedentes (caracterizada pela atribuição a determinados contribuintes, chamados de contribuintes substitutos – normalmente o adquirente de determinada mercadoria – da responsabilidade pelo pagamento do imposto incidente nas operações an-teriores. Ou seja, o imposto é “diferido” na saída de determinado contribuinte, sendo o momento do seu pagamento postergado e a responsabilidade transferida para outra pessoa física ou jurídica (no geral, os contri-buintes mais próximos da cadeia comercial do produto); c) substituição tributária das operações ou prestações concomitantes (caracterizada pela atribuição a determinados contribuintes, chamados de contribuintes subs-titutos – cujo exemplo clássico são os tomadores de serviços de transporte tributados pelo ICMS – da responsabilidade pelo pagamento do imposto incidente nas operações ou prestações concomitantes. Ou seja, há a atribuição da responsabilidade pelo pagamento do imposto a outro contribuinte, e não àquele que esteja realizando a prestação de serviço (hipótese mais

comum da utilização desta modalidade) concomitantemente à ocorrência do fato gerador.

A sistemática de tributação da substituição tributária das ope-rações concomitantes é amplamente utilizada pelos Estados na tributação dos serviços de transportes prestados por trans-portadores autônomos ou por transportadoras localizadas em outros Estados (como faz, por exemplo, a legislação do Estado de São Paulo).

Como sabemos, as transportadoras que efetuam o transporte intermunicipal e interestadual são

contribuintes do ICMS e devem destacar o ICMS em documentos fiscais próprios (no caso de transporte de carga, no documento fiscal denominado “conhecimento de trans-porte rodoviário de cargas”).

No caso da prestação de serviço de trans-porte, o imposto é devido sempre ao Estado onde tenha início a prestação de serviço de transporte, conforme preconiza a alínea a

do inciso II do art. 11 da Lei Complementar nº 87/1996.

Por outro lado, o art. 6º, § 1º, da Lei Complemen-tar nº 87/1996 permite a aplicação da sistemática da

substituição tributária do ICMS também para as operações ou prestações concomitantes.

Com base nessa permissão, em algumas situações envolvendo as prestações de serviço de transporte, os Estados passaram a utilizar a sistemática de substituição tributária para facilitar a fiscalização e o controle destas prestações de serviços de transporte.

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No caso, todos os Estados, por meio da cláusula segunda11 do Convênio ICMS nº 25/1990, deliberaram que, na prestação de serviço de transporte de carga por transportador autônomo ou por empresa transportadora de outra unidade da Federação não inscrita no cadastro de contribuintes do Estado de início da prestação, a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pode ser atribuída: a) ao alienante ou remetente da mer-cadoria, exceto se microempreendedor individual ou produtor rural; b) ao depositário da mercadoria a qualquer título, na saída da mercadoria ou bem depositado por pessoa física ou jurídica; c) ao destinatário da mercadoria, exceto se microempreendedor individual ou produtor rural, na prestação interna.

No caso do Estado de São Paulo, este atribui em sua legislação (art. 316 do RICMS/SP)12 a responsabilidade pelo pagamento do imposto ao tomador do serviço quando for contribuinte do imposto neste Estado, seja este remetente ou destinatário.

Adicionalmente ainda temos que mencionar que, em alguns Estados, existe a possibilidade de aplicação da sistemática de substituição tributária na prestação de serviços de transporte

11 Convênio ICMS nº 25/1990, que dispõe sobre a cobrança do ICMS nas prestações de serviços de transporte.

12 RICMS/SP: “Art. 316. Na prestação de serviço de transporte de carga, com início em território paulista, realizada por transportador autônomo, qualquer que seja o seu domicílio, ou por empresa transportadora estabelecida fora do território paulista, inclusive a optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempre-sas e Empresas de Pequeno Porte – “Simples Nacional” e não inscrita no Cadastro de Contribuintes deste Estado, fica atribuída a responsabilidade pelo pagamento do imposto ao tomador do serviço, quando contribuinte do imposto neste Estado, ressalvado o disposto no § 6º (Lei nº 6.374/1989, art. 8º, XXI, Convênio ICMS nº 25/90, cláusula segunda, com alteração do Convênio ICMS nº 132/10, e Lei Complementar Federal nº 123/2006, art. 13, § 1º, XIII, a). (Redação dada ao caput do artigo pelo Decreto nº 56.457, de 30.11.2010, DOE 01.12.2010) [...]”.

em uma hipótese específica: na “subcontratação” e no “redes-pacho”, cabendo à empresa original que promover a cobrança integral do preço (subcontratante ou redespachante) a respon-sabilidade pelo imposto devido pela prestação da subcontratada ou redespachada. Este é o exemplo paulista dos arts. 314 e 315 do RICMS/SP13.

3 CRÉDITOS DE ICMS A QUE AS TRANSPORTADORAS TÊM DIREITO PELO “PRINCÍPIO” DA NÃO CUMULATIVIDADE

O ICMS, como um imposto do tipo valor acrescido em sua sis-temática normal, implica que o imposto vá sendo arrecadado fracionadamente em cada operação (ou prestação tributada) desde a produção até o consumo final. Ou seja, basicamente, o ICMS cumpre a regra da não cumulatividade na tributação do consumo. A não cumulatividade, como bem observam os Professores Alcides Jorge Costa14, Ricardo Lobo Torres15 e Luís

13 RICMS/SP: “Art. 314. Na prestação de serviço realizada neste Estado por mais de uma empresa, fica atribuída a responsabilidade pelo pagamento do imposto ao prestador de serviço que promover a cobrança integral do preço (Lei nº 6.374/1989, art. 8º, XX, e Convênio ICMS nº 25/90, cláusula primeira). Art. 315. A base de cálculo na hipótese do artigo anterior será o preço total cobrado do tomador do serviço (Lei nº 6.374/1989, art. 29-B, acrescentado pela Lei nº 9.176/1995, art. 2º, II)”.

14 Entende-se por valor acrescido “a diferença entre o valor dos bens e serviços produzidos, diminuído do valor dos bens e serviços adquiridos para o emprego no processo de produção” (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1979. p. 23).

15 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da não cumulatividade e o IVA no direito comparado. In: Princípio da não cumulatividade. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 144-145).

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Eduardo Schoueri16, consagra também um princípio que, pelo viés econômico, determina que o somatório do imposto incidente sobre o valor acrescido de cada etapa da operação deve equi-valer à multiplicação da alíquota pelo preço (base de cálculo) ao consumidor final.

Ou seja, é como se economicamente o tributo incidisse uma única vez (na última operação da venda da mercadoria), mas, do ponto de vista do direito tributário, o tributo juridicamente incide pelo valor total em cada etapa da operação de saída ou prestação de serviço tributado, sendo admitida a compensação financeira do imposto pago na operação/prestação anterior. Neste sentido, para dar cumprimento a este objetivo, surge en-tão a regra constitucional, que permite criar esta compensação financeira, que é a regra17 da não cumulatividade constitucional. No Brasil, a não cumulatividade, diferentemente do IVA europeu, foi alçada a “princípio”18 constitucional (ou para alguns uma

16 “[...] a tributação plurifásica não cumulativa implica que a cada etapa considere-se a tributação já ocorrida em transações anteriores, recolhen-do-se, a cada transação, apenas o plus incidente sobre o valor acrescido, de modo que, idealmente, a carga tributária suportada pelo consumidor reflita a manifestação de capacidade contributiva que ele manifesta no ato do consumo.” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 366)

17 Muitos doutrinadores, assim como os doutos juristas já citados (Professor Ricardo Lobo Torres e Professora Misabel Derzi), falam em princípio da não cumulatividade. Todavia, em nosso entendimento (seguindo a linha de entendimento do Professor Alcides Jorge Costa), a não cumulatividade é uma regra que realiza outros princípios econômicos, entre estes, por exemplo, o da livre concorrência, garantindo que o imposto não distorça a concorrência, na medida em que a regra da não cumulatividade garan-te uma igualdade de competição independente do tamanho da cadeia produtiva e comercial que determinado produto percorra.

18 Cf. DERZI, Misabel Abreu Machado. Distorções do princípio da não cumulatividade no ICMS – Comparação com o IVA europeu. In: Temas de Direito Tributário, I Congresso Nacional da Associação Brasileira de Direito Tributário, Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 114.

“regra” constitucional), sendo com relação ao ICMS clara à sua menção na alínea b do inciso I do § 2º do art. 155 da Constituição Federal de 1988, determinando que o ICMS seja um imposto não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

Dentro desta seara da não cumulatividade, todavia também é necessário analisar no ICMS qual método de crédito fiscal é adotado, especialmente entender como se dá no ICMS a adoção dos métodos do crédito físico e/ou do financeiro.

Inicialmente, é importante apontar que, para o Professor Ricar-do Lobo Torres, o crédito fiscal do ICMS é físico e parcialmente financeiro (quantos aos serviços, por exemplo) e condicionado. Ao explicar o crédito físico do ICMS, o jurista19 nos lembra, com maestria, que, antes da Constituição de 1988, na Carta Consti-tucional de 1967/1969, era pacífico que o ICM era um imposto puramente regido pelo crédito físico. Todavia, nos atenta com muita propriedade que, após a Carta Constitucional de 1988,

19 “[...] o crédito estrutural do ICMS é: a) físico, correspondendo às mercadorias empregadas e consumidas fisicamente no processo de comercialização ou industrialização de bens ou na prestação de servi-ços de transportes ou de comunicações. Assim sendo, os insumos, os pneus e as peças de reposição necessárias aos ônibus, destinados ao transporte interestadual, por exemplo, geram o direito ao crédito fiscal; b) financeiro, correspondente ao imposto cobrado sobre mercadorias que não se integram fisicamente na produção e comercialização dos bens, mas que participam do processo de circulação em decorrência da ampliação do fato gerador do ICMS levada a efeito pela Constituição Federal de 1988, nomeadamente as prestações de serviços de trans-portes e comunicação.” (Cf. TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da não cumulatividade e o IVA no direito comparado. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Princípio da não cumulatividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 149)

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embora ainda permaneça como regra geral o crédito físico, a Constituição passou a admitir também os créditos relativos às prestações de serviços de transporte interestadual e intermunici-pal e de comunicação. Essa mudança, de certa forma, significa dizer que se mesclou o tradicional crédito físico parcialmente com o crédito financeiro, uma vez que estes serviços não se integram fisicamente nas mercadorias em processo de indus-trialização e comercialização.

Por sua vez, ao mencionar que o crédito do ICMS tem de ser “condicionado”, Ricardo Lobo Torres20 descreve a regra de que o crédito fiscal está condicionado à ulterior operação/prestação tributada, de modo que só poderá haver o crédito do ICMS (e este ser mantido) se a operação ou prestação seguinte for regularmente tributada. Nesta seara da prestação de serviços de transporte, as transportadoras só terão direito ao crédito do imposto quando praticarem prestações de serviços de trans-porte regularmente tributadas. Assim, por exemplo, eventuais isenções ou hipóteses de não incidência na prestação de serviços de transporte21 implicam a impossibilidade total ou

20 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da não cumulatividade e o IVA no direito comparado. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Prin-cípio da não cumulatividade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 154-158.

21 Conforme entendimento do Item 4 da Decisão Normativa CAT nº 1/2001 da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo: “4. Há de ser obser-vado, como regra geral [...] como também de acordo com as normas de regência, não dá direito ao crédito do valor do ICMS destacado no documento fiscal relativo às entradas ou aquisições de mercadorias, bens e serviços, quando relacionadas com operações ou prestações isentas ou não tributadas, exceto em relação às operações ou prestações tribu-tadas, incluindo nestas aquelas com o lançamento do imposto diferido, ou, ainda, quando há expressa autorização para que o valor do crédito seja mantido”.

parcial de tomada de créditos relativos àquelas prestações de serviços.

Por sua vez, quanto ao direito de créditos de ICMS a que as transportadoras têm direito pelo “princípio” da não cumula-tividade, o objetivo deste artigo não será o de discutir esta zona cinzenta de itens polêmicos em que ainda há divergên-cias sobre a possibilidade de crédito ou não por parte das transportadoras. O que é certo, como já explanado, é que, na prestação de serviços de transporte, existe certa flexibili-zação da regra do critério do crédito físico do ICMS, uma vez que, diferentemente da industrialização e comercialização de mercadorias, não é possível, em uma prestação de serviços, que haja a integração no sentido físico de quaisquer insumos. Assim, para a prestação de serviços de transporte, já se vislumbra, ainda que parcialmente, a adoção de critérios de créditos financeiros do ICMS.

Apenas para mencionar exemplificativamente, itens relativamen-te pacificados, entendem, em geral, a maioria dos Estados que as transportadoras têm direito pelo “princípio” da não cumu-latividade ao crédito do caminhão (como um ativo imobilizado utilizado na prestação do serviço), dos combustíveis (utilizados para abastecer sua frota) e dos eventuais fretes tomados de ou-tras transportadoras, que já foram tributados pelo ICMS (quando há terceirização do trajeto ou de parte dos trechos do transporte – caso da subcontratação e do redespacho).

Nesta linha de raciocínio, os caminhões da frota das transpor-tadoras dão direito ao creditamento do ICMS, com fundamento no art. 20 da Lei Complementar nº 87/1996, uma vez que dão direito a crédito do valor do ICMS apenas os bens relacionados à produção e/ou comercialização de mercadorias ou à prestação de serviços tributadas pelo ICMS, ou seja, quando se tratar dos chamados bens instrumentais, vale dizer, bens que participem,

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no estabelecimento, do processo de industrialização e/ou co-mercialização de mercadorias ou da prestação de serviços (no caso da prestação de serviços de transporte).

Por sua vez, entendem, em geral, os Estados (a exemplo do Estado de São Paulo) que dá direito ao crédito do ICMS o

combustível utilizado no acionamento, entre outros de [...] veículos, exceto os de transporte pessoal (art. 20, § 2º, da Lei Complementar nº 87/1996), empregados na prestação de serviços de transporte inter-municipal ou interestadual ou de comunicação, na geração de energia elétrica, na produção rural e os empregados pelos setores de compras e vendas do estabelecimento veículos próprios com a finalidade de retirar os insumos ou mercadorias ou para promover a entrega das mercado-rias objeto de industrialização e/ou comercialização empilhadeiras ou veículos utilizados, no interior do estabelecimento, na movimentação dos insumos ou mercadorias ou que contribuam na atividade industrial e/ou comercial ou de prestação de serviço do contribuinte.22

Também, como veremos em seguida (no item 5), no caso de as transportadoras contratarem outras transportadoras (quando há terceirização do trajeto ou de parte dos trechos do trans-porte – caso da subcontratação e do redespacho), estes fretes tomados23, que já foram tributados pelo ICMS, como, regra geral (salvo as delimitações que serão expostas), darão direito ao crédito às transportadoras, por serem relacionados diretamente à prestação de serviços de transporte.

22 Item 3.5 da Decisão Normativa CAT nº 1/2001 da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

23 Item 3.6 da Decisão Normativa CAT nº 1/2001 da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo: “3.6 – frete: Aquele relativo a tomada do serviço de transporte intermunicipal ou interestadual [...] quando diretamente relacionado com o processo industrial e/ou comercial ou de prestação de serviço”.

3.1 Opção facultativa pelo crédito outorgado de ICMS nos Estados por autorização do Confaz (Convênio nº 106/1996)

Por sua vez, cabe enfatizar que, na prática, grande parte das transportadoras, ao invés de calcularem todos os créditos de ICMS a que teriam direito, com base no princípio da não cumu-latividade, preferem utilizar eventual opção (facultativa para as transportadoras) pelo crédito outorgado (ou presumido) de ICMS na maioria dos Estados (conforme autorização pelo Confaz no Convênio ICMS nº 106/1.99624). No Estado de São Paulo, por exemplo, o crédito outorgado relativo ao prestador de serviço de transporte (exceto o aéreo) está previsto no art. 11 do Anexo III do RICMS/2000.

Esse tratamento tributário simplificado (opcional) aplica-se a todo e qualquer estabelecimento prestador de serviço de transporte (exceto o aéreo), desde que exerça a opção de acordo com o estabelecido na legislação tributária e que a opção pelo crédito

24 Convênio ICMS nº 106/1996, que dispõe sobre concessão de crédito pre-sumido nas prestações de serviços de transporte: “Cláusula primeira. Fica concedido aos estabelecimentos prestadores de serviço de transporte um crédito de 20% (vinte por cento) do valor do ICMS devido na prestação, que será adotado, opcionalmente, pelo contribuinte, em substituição ao sistema de tributação previsto na legislação estadual. § 1º O contribuinte que optar pelo benefício previsto no caput não poderá aproveitar quaisquer outros créditos. § 2º A opção pelo crédito presumido deverá alcançar todos os estabelecimentos do contribuinte localizados no território nacional e será consignada no livro Registro de Utilização de Documentos Fiscais e Termos de Ocorrências de cada estabelecimento. § 3º O prestador de serviço não obrigado à inscrição cadastral ou à escrituração fiscal apropriar-se-á do crédito previsto nesta cláusula no próprio documento de arrecadação. Cláusula segunda O benefício previsto neste Convênio não se aplica às empresas prestadoras de serviços de transporte aéreo. [...]”.

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presumido alcance todos os estabelecimentos do contribuinte localizados no território nacional. Ou seja, as transportadoras têm que se utilizar uniformemente deste tratamento tributário simplificado (opcional), não podendo, por exemplo, algumas filiais de um Estado adotarem a opção e outras filiais não ado-tarem. Ou a transportadora calcula seus créditos de ICMS com base no princípio da não cumulatividade, ou faz a opção pelo crédito outorgado/presumido.

Fazendo a opção por este tratamento tributário simplificado, o mecanismo de creditamento, neste caso, consiste que a trans-portadora reconheça como crédito presumido/outorgado 20% (vinte por cento) do valor do ICMS devido nas prestações de serviço de transporte. Assim, por exemplo, se no final de um período de apuração for devido $ 100 de ICMS por conta da prestação de serviços de transporte, a transportadora poderá calcular um crédito presumido/outorgado de $ 20, e recolher ao Estado competente o valor de ICMS de $ 80.

O entendimento deste mecanismo de tributação é importante para a análise final de nosso artigo, no tópico seguinte, quando passamos a tratar da delimitação do direito de crédito do ICMS pelas empresas transportadoras nos contratos de subcontrata-ção e redespacho.

4 DELIMITAÇÃO DO DIREITO DE CRÉDITO DO ICMS PELAS EMPRESAS TRANSPORTADORAS NOS CONTRATOS DE SUBCONTRATAÇÃO E REDESPACHO

Na prática do mercado, tem-se que ter em vista que a prestação de serviço de transporte demanda logisticamente, por vezes, que a transportadora original (a qual foi contratada pelos clientes para realizar um transporte de bens) faça contratos de terceiri-

zação do serviço de transporte através da “subcontratação” (do trajeto inteiro) ou do “redespacho” (apenas de parte do trajeto) para outra transportadora.

Para os fins da legislação tributária do ICMS (de acordo com convênio técnico celebrado por todos os Estados), considera--se:

a) “subcontratação” de serviço de transporte, aquela fir-mada na origem da prestação do serviço, por opção do prestador de serviço de transporte em não realizar o serviço por meio próprio (§ 2º do art. 58-A do Convênio/Sinief nº 06/1.989, na redação dada pelo Ajuste Sinief nº 02/08);

b) “redespacho”, o contrato entre transportadores em que um prestador de serviço de transporte (redespachan-te) contrata outro prestador de serviço de transporte (redespachado) para efetuar a prestação de serviço de parte do trajeto (§ 3º do art. 58-A do Convênio/Sinief nº 06/1989, na redação dada pelo Ajuste Sinief nº 02/08).

Diante desse cenário prático de celebração de contratos de subcontratação e redespacho, podem surgir dúvidas quanto ao direito de crédito do ICMS pelas empresas transportadoras, devendo ser analisados os limites da possibilidade de credita-mento do ICMS por parte das empresas transportadoras sub-contratantes/redespachantes e das empresas transportadoras subcontratadas/redespachadas.

Também há de se ter em vista que as transportadoras envolvidas podem ser ou não optantes do crédito presumido ou outorgado (em todos os Estados Federativos, em face Convênio ICMS nº 106/1996).

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4.1 Créditos de ICMS da não cumulatividade: cabe unicamente à transportadora subcontratada ou redespachada, efetiva prestadora do serviço de transporte

Considerando-se a apropriação de créditos na sistemática não cumulativa, o entendimento, em geral dos Estados25, da interpre-tação da legislação complementar é de que o aproveitamento do crédito de ICMS dos insumos e ativo imobilizado (como, por exemplo, o valor do ICMS que onera a entrada de combustível utilizado para abastecer os veículos no transporte, ou o crédito relativo ao ativo imobilizado do caminhão) cabe unicamente à transportadora subcontratada ou redespachada, efetiva presta-dora do serviço de transporte, desde que os insumos ou ativo imobilizado sejam por ela própria adquiridos, observadas as demais normas relativas ao crédito do ICMS. Ou seja, como já foi discutido anteriormente, o crédito do ICMS é condicionado à efetiva prestação do serviço de transporte, e também à sua efetiva tributação.

25 Resposta à Consulta nº 854/.2009 da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo: “[...] 12. Ademais, por se tratar de prestação em que o ICMS incide e é cobrado por substituição tributária, ainda que não emita o CTRC próprio, é a ‘Transportadora B’ (subcontratada e prestadora efetiva do serviço de transporte no mundo físico) que poderá aproveitar-se do valor do ICMS que onera a entrada de combustível utilizado para abastecer os veículos utilizados nesse transporte (observadas as regras constantes dos arts. 59, 60 e 61 do RICMS, o conteúdo da Decisão Normativa CAT nº 01/2001 – item 3.5 – e as demais normas relativas ao crédito do imposto); ou, em substituição a tais créditos, aproveitar-se do crédito outorgado previsto no art. 11 do Anexo III do RICMS. 13. Portanto, diante de todo o exposto, firme-se que a Consulente [transportadora subcontratante] não poderá se creditar do ICMS cobrado ao adquirir combustível a ser utilizado na prestação de serviço de transporte que será efetivamente realizada pelo transportador subcontratado”.

Contudo, somente haverá o direito a esse crédito, se não tiver a transportadora subcontratada ou redespachada optado pelo crédito presumido/outorgado de que trata Convênio ICMS nº 106/1996 e se não houver, pela legislação tributária, outra razão para a vedação do crédito.

4.2 Créditos de ICMS dos fretes tomados pelas empresas subcontratantes e redespachantes (dos trajetos e trechos realizados pelas transportadoras subcontratadas e redespachadas)

Outro assunto importante a ser debatido é quanto à possibilida-de de crédito por parte das transportadoras subcontratantes/redespachantes relativo aos fretes tomados das empresas transportadoras subcontratadas/redespachadas.

No caso de as transportadoras contratarem outras transportado-ras (quando há terceirização do trajeto ou de parte dos trechos do transporte – caso da subcontratação e do redespacho), estes fretes tomados, que já foram tributados pelo ICMS, como, regra geral (salvo as delimitações que serão abaixo expostas), darão direito ao crédito às transportadoras, por serem relacionados diretamente à prestação de serviços de transporte.

Este entendimento é uma consagração do próprio princípio da não cumulatividade, na medida em que a aquisição de serviço de transporte (por subcontratação ou redespacho) para fins de prestação de serviço de transporte se dá com o fim exclusivo de cumprir o contrato de transporte que foi celebrado pela transpor-tadora original com seu cliente. Desta forma, os conhecimentos de transporte emitidos pelas transportadoras subcontratadas ou redespachadas que foram objeto da incidência do ICMS serão tomados como crédito pela transportadora tomadora (subcon-tratante ou subcontratada).

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Adicionalmente tem que se considerar que, conforme comenta-mos em alguns Estados, existe a possibilidade de aplicação da sistemática de substituição tributária nos serviços de transporte. Tomando-se, por exemplo, o Estado de São Paulo26, há de frisar ainda que existe uma hipótese específica de substituição tribu-tária: a “subcontratação” e o “redespacho” constituem-se em modalidades de prestação de serviço de transporte disciplina-da de maneira especial na legislação tributária paulista, sendo tributados pela técnica de substituição tributária (arts. 314 e 315 do RICMS/SP)27 quando iniciados em território paulista, cabendo à empresa original que promover a cobrança integral do preço (subcontratante ou redespachante) a responsabilidade pelo im-posto devido pela prestação da subcontratada ou redespachada.

Ou seja, nesta situação descrita, em que há a substituição tri-butária do ICMS, a primeira transportadora, que é aquela que firmou o contrato de transporte com o cliente e que estará obri-gada a realizar o trajeto inteiro, é que será a única responsável pelo recolhimento do ICMS dos serviços de transporte do trajeto inteiro, e, portanto, as transportadoras terceiras contratadas (por subcontratação ou redespacho) não precisam recolher novamente o imposto do trajeto inteiro, ou dos trechos parcial, se for o caso.

Desse modo, segundo entendimento da consultoria tributária28 paulista, em função desse lançamento englobado (responsa-

26 Há outros Estados que também adotam esta técnica de tributação (subs-tituição tributária) para este caso.

27 RICMS/SP: “Art. 314. Na prestação de serviço realizada neste Estado por mais de uma empresa, fica atribuída a responsabilidade pelo pagamento do imposto ao prestador de serviço que promover a cobrança integral do preço (Lei nº 6.374/1989, art. 8º, XX, e Convênio ICMS nº 25/90, cláusula primeira). Art. 315. A base de cálculo na hipótese do artigo anterior será o preço total cobrado do tomador do serviço (Lei nº 6.374/1989, art. 29-B, acrescentado pela Lei nº 9.176/1995, art. 2º, II)”.

28 Resposta à Consulta nº 206/2010 da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo: “ICMS. Crédito. Prestação de serviço de transporte. Redes-pacho decorre de duas prestações diferentes de serviço de transporte,

bilidade tributária da primeira transportadora), não há que se cogitar, nessas hipóteses (substituto tributário como primeira transportadora), em direito a crédito pelo subcontratante ou redespachante relativo ao imposto devido na prestação de transporte subcontratada ou redespachada, uma vez que esse imposto, embora devido, jamais será efetivamente debitado pe-los transportadores contribuintes substituídos (subcontratados ou redespachados).

Por sua vez, deve-se observar, com atenção, a situação das transportadoras que fizeram a opção (nas diversas Unidades Federativas) pelo crédito presumido/outorgado autorizado pelo no Convênio ICMS nº 106/1.996. Isto porque, como já desta-camos anteriormente, o crédito presumido/outorgado substitui quaisquer outros créditos aos quais os contribuintes que tenham exercido opção pelo benefício teriam direito, em virtude da ativi-dade de prestação de serviço de transporte. Trata-se, como se vê, de regime tributário diferenciado e opcional ao contribuinte, que não conflita com – e sim prestigia – o princípio da não cumu-latividade previsto no art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal.

Dessa forma, segundo entendimento da Consultoria Tributária29 paulista, ainda que os trechos tenham ensejado o débito do

cada qual com sua respectiva incidência do imposto. Transportadora redespachante repassa, por sua conta, parte do trajeto a transportadora redespachada para que realize o serviço, conforme dispõe o art. 4º, II, f, do RICMS/2000. Substituição tributária na prestação de serviço de transporte rodoviário de carga, cabendo a redespachante a responsabilidade pelo imposto devido na prestação da redespachada com início neste Estado (arts. 314 e 315 do RICMS/2000), não havendo crédito referente ao trecho do redespacho. [...]”.

29 Resposta à Consulta nº 4615/2014 da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo: “ICMS. Prestação de serviço de transporte de cargas. Redespacho. Transportador contratante optante pelo crédito outorgado. Imposto incidente nas prestações relativas aos trechos redespachados a outros transportadores. Crédito. O transportador redespachante, quando é optante pelo crédito outorgado, não poderá se creditar do imposto

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imposto (sem a aplicação da substituição tributária), por exem-plo, redespachos iniciados em outros Estados, o prestador de serviço de transporte redespachante não poderá se creditar do imposto eventualmente destacado nos documentos fiscais (conhecimentos de transporte) emitidos pelos transportadores contratados (redespachados), e incidente no trecho redespa-chado, caso tenha optado pelo crédito outorgado previsto. Ou seja, a opção pelo crédito presumido/outorgado equivalente a 20% dos débitos implica a impossibilidade de creditamento dos fretes tomados nos contratos de subcontratação e redespacho.

CONCLUSÕES

Desse modo, em relação ao tema analisado neste artigo (de-limitação do direito de crédito do ICMS pelas empresas trans-portadoras nos contratos de subcontratação e redespacho), concluímos quanto aos principais aspectos que:

a) pela sistemática não cumulativa, a adequada interpreta-ção da legislação complementar é no sentido de que o aproveitamento do crédito de ICMS dos insumos e ativo imobilizado (como, por exemplo, o valor do ICMS que onera a entrada de combustível utilizado para abastecer os veículos no transporte, ou o crédito relativo ao ativo imobilizado do caminhão) cabe unicamente à transpor-tadora subcontratada ou redespachada, efetiva presta-dora do serviço de transporte, desde que os insumos ou ativo imobilizado sejam por ela própria adquiridos observadas as demais normas relativas ao crédito do ICMS, e se não tiver optado pelo crédito presumido/outorgado de que trata Convênio ICMS nº 106/1996;

destacado nos documentos fiscais emitidos pelas transportadoras con-tratadas para efetuar os trechos redespachados (art. 11 do Anexo III do RICMS/2000)”.

b) os fretes tomados pelas transportadoras subcontratantes e redespachantes (dos trajetos e trechos realizados pe-las transportadoras subcontratadas e redespachadas) que já foram tributados pelo ICMS, como, regra geral (exceções descritas abaixo no item “c” e “d”), darão direito ao crédito às transportadoras, por serem relacio-nados diretamente à prestação de serviços de transporte e em consagração do próprio princípio da não cumula-tividade, na medida em que a aquisição de serviço de transporte (por subcontratação ou redespacho) para fins de prestação de serviço de transporte se dá com o fim exclusivo de cumprir o contrato de transporte que foi celebrado pela transportadora original com seu cliente;

c) nos Estados (em que pela substituição tributária do ICMS, a primeira transportadora – subcontratante ou redespachante – seja a única responsável pelo reco-lhimento do ICMS dos serviços de transporte do trajeto inteiro), não há que se cogitar, em direito a crédito pela subcontratante ou redespachante relativo ao imposto devido na prestação de transporte subcontratada ou redespachada, uma vez que esse imposto, embora devido, jamais será efetivamente debitado pelos trans-portadores contribuintes substituídos (subcontratados ou redespachados);

d) a opção pelo crédito presumido/outorgado equivalente a 20% dos débitos implica a impossibilidade de creditamen-to dos fretes tomados nos contratos de subcontratação e redespacho. Assim, ainda que os trajetos ou trechos tenham ensejado o débito do imposto, o prestador de serviço de transporte subcontratante/redespachante não poderá se creditar do imposto eventualmente destacado nos documentos fiscais (conhecimentos de transporte) emitidos pelos transportadores contratados (subcontrados ou redespachados), caso tenha optado pelo crédito presu-mido/outorgado previsto no Convênio ICMS nº 106/1996.

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Doutrina

Apropriação das Áreas de Preservação Permanente por Atividades de Utilidade Pública

ANTOMAR VIEGAS DE OLIVEIRA JR.Geógrafo graduado pela USP em 1979, Mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos pela UNICAMP, atuou como Especialista em Meio Ambiente na CESP, Assistente Técnico do C.A.O. das Promotorias do Meio Ambiente e Diretor Geral do DEPRN-SMA. Autor de artigos sobre meio ambiente e Consultor Ambiental.

RONALD VICTOR ROMERO MAGRIProcurador de Justiça Aposentado, Primeiro Promotor Ambiental de São Paulo e Coordenador das Promotorias do Meio Ambiente do Estado nas décadas de 1980 e 1990. Também militou na Secretaria do Meio Ambiente, no Consema e como Consultor. Autor de diversos artigos publicados sobre Direito Ambiental.

SUMÁRIO: 1 Prefácio; 2 Introdução; 3 A coexistência das APPs com os serviços de utilidade pública até o advento da Medida Provisória nº 2.166/2001; 4 A progressiva prevalência dos serviços de utilidade pública sobre as APPs após a Medida Provisória nº 2.166/2001; 4.1 No Antigo Código Florestal – Lei nº 4.771/1965; 4.2 No Novo Código Florestal – Lei nº 12.651/2012; 5 Os benefícios para as atividades de utilidade pública ao priorizar a ocupação das APPs e a constituição de estoques de reserva; 6 Considerações finais; Referências.

1 PREFÁCIO

Alterações introduzidas no Código Florestal, com vistas a facilitar a implantação de equipamentos de utilidade pública sobre as Áreas

de Preservação Permanente – APPs, resultaram em priorizar o uso das áreas protegidas para finalidades estranhas ao escopo da lei ambiental.

Tal inovação, se de um lado traz grandes benefícios às concessio-nárias de serviços públicos, de outro acarreta inexoráveis danos à política de meio ambiente, à organização do espaço territorial e à qualidade de vida dos brasileiros.

2 INTRODUÇÃO

Áreas de Preservação Permanente são espaços que, em razão de suas características biofísicas, desempenham funções ambientais relevantes, e por esse motivo merecem especial proteção legal.

Tais áreas, de há muito consagradas no ordenamento jurídico bra-sileiro, constavam do antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965) e foram recepcionadas, na Constituição de 1988, em seu art. 225, § 1º, III, dentre os espaços territoriais especialmente protegidos, cuja preservação incumbe ao Poder Público como garantia do direito coletivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O mesmo dispositivo veda qualquer utilização de tais espaços quando esta comprometer a integridade dos atributos que justificaram a sua preservação.

A Lei nº 12.651/2012, que instituiu o Novo Código Florestal, re-cepcionou, em seu art. 3º, II, o conceito de Área de Preservação Permanente introduzido pela Medida Provisória nº 2.166-67/2001 na revogada Lei nº 4.771/1965, que define Área de Preservação Permanente como

área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambien-tal de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica

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e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

A criação das APPs, que se dá por simples força de lei, e re-sulta do mero enquadramento do imóvel nas situações físicas definidas no art. 4º do Novo Código Florestal1, constitui, para o particular, severa limitação ao direito de propriedade, em razão da submissão deste à sua função socioambiental.

Como espaço territorial constitucionalmente protegido, e de in-teresse comum a todos os habitantes do país, segundo aquele mesmo dispositivo legal, é compreensível que a disponibilidade do proprietário privado sobre a APP deva ser restringida, mesmo até o limite da intocabilidade.

Contudo, o que não se compreende é que as vedações dra-conianas que pesam sobre o particular, impedido de todo uso econômico e até de mínimas intervenções sobre um bem que afinal lhe pertence, contrastem, como veremos, com a permis-sividade franqueada, desde a edição da Medida Provisória nº 2.166/2001 e reforçada pelo novo Código, aos concessionários de serviços públicos, em detrimento dos atributos ambientais que são a razão de ser do instituto da APP.

3 A COEXISTÊNCIA DAS APPS COM OS SERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA ATÉ O ADVENTO DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166/2001

Até o advento da Medida Provisória nº 2.166-67/2001, as APPs eram objeto de proteção especial, sendo proibidos quaisquer usos ou atividades em seus limites2.

1 Art. 2º na revogada Lei nº 4.771/1965.2 O art. 18 da Lei nº 6.938/1981 transformou as APPs em reservas ou esta-

ções ecológicas. Até a promulgação da Lei nº 9.985/2000, a qual revogou o citado art. 18 da Lei nº 6.938/1981, as APPs estiveram submetidas ao regime jurídico definido no Decreto nº 89.336/1984, que regulamentou as

Conquanto o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispôs sobre desapropriações por utilidade pública, e o De-creto nº 24.643, de 10 de julho de 1943, que estatuiu o Código de Águas, previssem a desapropriação por utilidade pública, tendo em vista atividades relacionadas à segurança pública e a infraestrutura rural e urbana, inexistia previsão legal, nesses diplomas, para intervenções nos casos das APPs, definidas pelo art. 2º da Lei nº 4.771/19653.

Durante todo esse período, a intervenção nas APPs somente se processava mediante análises particularizadas nos processos de licenciamento dos empreendimentos e, após o ano de 1981, por ocasião da análise dos estudos de impacto ambiental.

Com o avanço do ordenamento legal de proteção ao meio am-biente e recursos naturais e o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e monitoramento ambiental, as possibilidades de intervenções nas áreas de APPs tornaram-se progressivamente mais restritas, limitando, onerando, retardando e, por vezes, impedindo a implantação das atividades de utilidade pública.

É importante destacar que essas restrições legais impunham às concessionárias de serviços públicos, sobretudo nas ativi-dades caracterizadas por grande linearidade, como linhas de transmissão e distribuição de energia, estradas e sistemas de saneamento, interferências sobre as APPs apenas como último recurso, sob o risco de inviabilização do empreendimento.

reservas e estações ecológicas. 3 O § 1º do art. 3º da Lei nº 4.771/1965 estabelecia que, apenas para os

casos das APPs declaradas por ato do Poder Público, a supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente seria admitida, com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando fosse necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social. Tal hipótese não se aplicava à APPs definidas no art. 2º da Lei nº 4.771/1965.

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Assim, nos projetos devidamente regularizados, as interferên-cias nas APPs restringiam-se a pontos específicos, geralmente transversais às faixas protegidas ao longo dos rios e lagos, cuja excepcionalidade correspondia à intervenção rigorosamente necessária para a viabilização técnica do empreendimento de utilidade pública.

Com isso, características regionais de uso e ocupação do solo e adversidades para implantação dos empreendimentos, como obstáculos topográficos, cobertura vegetal, desapropriações ou instituições de servidão de passagem, não se sobrepunham

à preservação das áreas protegidas e, nos casos em que as intervenções eram efetivamente necessárias, invariavelmente ocupavam pequenos trechos de APPs, após longas tratativas com os órgãos licenciadores.

Era também de conhecimento dos empreendedores, públicos e privados, que tais empreendimentos, ao interferir nas áreas protegidas, mesmo que com a devida autorização dos órgãos licenciadores, estariam sujeitos aos inquéritos civis e ações civis públicas ambientais, fator gerador de insegurança para os empreendimentos e, portanto, situação a ser evitada já na definição dos traçados nos projetos de engenharia.

4 A PROGRESSIVA PREVALÊNCIA DOS SERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA SOBRE AS APPS APÓS A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166/2001

4.1 No Antigo Código Florestal – Lei nº 4.771/1965

Inicialmente cumpre consignar que as atividades de utilida-de pública, especialmente nos casos dos serviços públicos de transporte, saneamento e energia, raramente apresentam condições de instalação sem que sejam necessárias algumas interferências nas APPs. Como exemplo, é possível citar o dire-cionamento de drenagem superficial para os cursos d’água, a implantação de sistemas de abastecimento hídrico, a travessia dos fundos de vale e topos de morros por sistemas de transmis-são e distribuição de energia e a intervenção pela construção de pontes sobre rios em rodovias, entre outros.

Ressalta-se, desse modo, que a perfeita coexistência entre os sistemas de utilidade pública e as APPs requer intervenções pautadas pelo legitimo caráter de exceção e mediante criteriosa avaliação ambiental do empreendimento.

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Evidentemente, tendo em vista a prioridade para a proteção das APPs, os requisitos dos órgãos licenciadores para a emissão das autorizações de intervenção sobre esses espaços sempre foram mais complexos, sendo comum a exigência de documentos e estudos complementares, fato que, inexoravelmente, resulta na dilação dos prazos de análise ou mesmo no indeferimento dos projetos apresentados.

Nesse contexto, em cujo cenário inclui-se o amplo programa de privatização dos serviços públicos iniciado em meados dos anos de 1990 e, diga-se, o desejável incremento dos sistemas de infraestrutura, levou a que o Poder Executivo decidisse pela instituição de medida radical para facilitar o desenvolvimento de tais atividades. Assim, foi concebido o art. 1º, § 2º, IV, da Medida Provisória nº 2.166-67/2001, o qual introduziu na Lei nº 4.771/1965 o conceito de “utilidade pública”, relacionando os serviços de transporte, saneamento e energia4, verbis:

IV – utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;

b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia; e

c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama.

A citada medida provisória também incluiu, no art. 4º da Lei nº 4.771/1965, dispositivo que permitia aos empreendimentos de

4 Ressalta-se que até o advento da Medida Provisória nº 2.166-67, o art. 4º da Lei nº 4.771/1965 restringia-se a conceituar determinadas atividades de “interesse público”, porém relacionadas às excepcionalidades previs-tas no art. 3º da Lei nº 4.771/1965 e sem qualquer vínculo com obras de infraestrutura.

utilidade pública ou interesse social a sobreposição nas APPs5 e supressão de vegetação, verbis:

Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de inte-resse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

Vale destacar que, ainda pautada no caráter de excepcionali-dade das interferências sobre as APPs, a medida provisória em comento inseriu dispositivo de proteção, indicando que a inter-venção restringia-se “aos casos de inexistência de alternativas técnicas e locacionais ao empreendimento proposto”, ressalva que, embora com alguma subjetividade, permitiu controle sobre a instalação dos empreendimentos de utilidade pública nas APPs até a edição do Novo Código Florestal.

4.2 No Novo Código Florestal – Lei nº 12.651/2012

O Novo Código Florestal, em face da elevada objetividade de seu conteúdo, não só pela fixação de parâmetros físicos para a delimitação das APPs, mas também pelo exaustivo detalha-mento e abrangência conceitual, trouxe inegável contribuição ao esclarecimento técnico e jurídico do comando legal, evitando divergências de competências e conflitos em sua aplicação.

Contudo, por razões insondáveis, o Novo Código Florestal am-pliou drasticamente as possibilidades de intervenção e supres-são de vegetação nas APPs pelos serviços de utilidade pública. O art. 3º, VIII, da lei declara:

5 Esse dispositivo chegou a ser objeto de Ação Direta de Inconstituciona-lidade (ADIn 3.540-1/DF) contestando o disposto na Medida Provisória nº 2.166-67/2001, que passou permitir autorização administrativa para supressão de vegetação em APP.

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VIII – utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;

b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instala-ções necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho;

c) atividades e obras de defesa civil;

d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na prote-ção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;

e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;

[...]

Além disso, o art. 8º do mesmo diploma legal suprime integral-mente a salvaguarda outrora definida pela Medida Provisória nº 2.166-67 contra a utilização indiscriminada das APPs, por meio do dispositivo que requeria a “inexistência de alternativas técnicas e locacionais ao empreendimento proposto” para que a atividade de utilidade pública pudesse instalar-se na área pro-tegida. A redação do dispositivo faculta a intervenção nas APPs ainda que havendo alternativas, bastando que se verifiquem as hipóteses previstas na lei, verbis:

Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta lei.

A mera leitura dos dispositivos revela um viés de permissividade tal, que é difícil imaginar situação em que a mudança de desti-nação da área protegida não seja facultada.

Com isso, foi elevado substancialmente o potencial de degrada-ção desses espaços por intervenções dos serviços de utilidade pública. Além disso, o Novo Código Florestal relacionou como de utilidade pública atividades que rigorosamente não neces-sitam desse amparo especial para a instalação e operação de seus sistemas.

Entre elas se destacam a gestão de resíduos, radiodifusão, te-lecomunicações e parcelamento do solo, cujas atividades não apresentam linearidade, dimensão, abrangência ou mesmo in-tegração com outros sistemas que impossibilitem, sob o ponto de vista técnico, sua instalação em espaços privativos e inde-pendentes. Não há qualquer elemento a justificar a ocupação preferencial de APP por tais atividades.

Embora o escopo do presente artigo limite-se ao enfoque da flexibilização da proteção das APPs para os sistemas de infraes-trutura de grande linearidade, como serviços públicos de trans-porte, saneamento e energia, que efetivamente se deparem com impedimentos físicos à implantação, sem outra alternativa que não a sobreposição em APPs, cabem algumas considerações quanto àquelas outras hipóteses de intervenção contempladas no novo Código.

No caso da gestão de resíduos, a instalação desses empreendi-mentos nas APPs potencializa drasticamente os riscos inerentes à atividade. Assim, a alocação deles nas proximidades dos cur-sos d’água ou em zonas de elevada suscetibilidade ambiental, como declividades acentuadas ou topos de morros, favorece fortemente as possibilidades de disseminação de contaminantes biológicos e químicos por vastas áreas.

No caso dos parcelamentos do solo, a legislação específica já estabelece adequadamente os parâmetros para a implantação de tais empreendimentos, sendo de todo dispensável medida suplementar que garanta a ocupação em APPs.

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Por outro lado, a ocupação dos espaços protegidos para a ins-talação de loteamentos pode ensejar a eliminação dos efeitos positivos das APPs sobre tais empreendimentos em razão da redução ou eliminação das faixas necessárias à acomodação das cheias sazonais, redução da permeabilidade do solo e da capacidade de armazenamento e retenção de águas pluviais, desencadeamento dos processos erosivos, carreamento de sedimentos, assoreamento e contaminação dos cursos d’água, dentre outros.

Como consequência da perda das funções das APPs, a popu-lação estará cada vez mais submetida às inundações, à degra-dação da qualidade sanitária, além de, nas áreas com elevadas declividades e topos de morros, à elevação da possibilidade de eventos geodinâmicos, como deslizamentos, desmoronamentos e soterramentos.

5 OS BENEFÍCIOS PARA AS ATIVIDADES DE UTILIDADE PÚBLICA AO PRIORIZAR A OCUPAÇÃO DAS APPS E A CONSTITUIÇÃO DE ESTOQUES DE RESERVA

Em decorrência da rigorosa proteção estabelecida pela legisla-ção ambiental, as APPs, quer se apresentem ou não recobertas por vegetação nativa, são áreas geralmente desprovidas de ocupação antrópica, seja na zona rural ou urbana, constituindo espaços diferenciados no contexto regional.

Esse cenário resulta de enormes esforços da sociedade, com destaque para o sacrifício dos proprietários dos imóveis que, por vezes, cederam largas faixas de seu patrimônio para a preservação ambiental. E isto para verem as áreas assim re-servadas tornar-se objeto de especial interesse das empresas concessionárias de serviços públicos, visto que as APPs pas-saram a oferecer menores obstáculos e maiores possibilidades

de ganhos econômicos para instalação dos equipamentos de infraestrutura.

No que se refere à redução de obstáculos oferecida pelas APPs, destacam-se a ausência de edificações e outras benfeitorias a serem desmobilizadas e indenizadas pelos empreendedores, a menor resistência dos proprietários em razão de não exerce-rem efetivo domínio sobre a área e, nos casos em que as APPs encontrem-se recobertas por vegetação nativa, mesmo que em estágios avançados de regeneração, o fato de as atividades de utilidade pública gozarem de excepcional facilidade, facultada pelo Código Florestal, para a obtenção da correspondente li-cença de desmatamento.

Entre os ganhos econômicos para as empresas concessio-nárias, merecem destaque a considerável redução de custos para aquisição ou instituição de servidão de passagem nos imóveis situados nas APPs; a redução de custos de implanta-ção dos sistemas, tendo em vista a possibilidade de traçados com menores desvios e tangências; além da minimização dos custos operacionais, tanto de implantação como de operação e manutenção, pois o acesso às instalações é também facilitado.

Desse modo e considerando, de um lado, o adensamento nas grandes cidades e, de outro, a ocupação de largas áreas nas regiões agrícolas, é plausível afirmar-se que as APPs atual-mente preservadas ou em processo de recuperação passam a constituir-se em verdadeiro “estoque de reserva”, com áreas antecipadamente disponíveis para presentes e futuros serviços de utilidade pública, exatamente pelo fato de configurarem áreas com destinação divergente do padrão regional de uso e ocupação do solo.

Com isso, a sociedade se vê privada dos benefícios ambientais gerados por tais espaços, em que pesem os esforços e dificul-dades pessoais e coletivos gerados pela sua instituição.

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Desse modo, desde a edição da Medida Provisória nº 2.166- -67/2001 e, como regra geral, com o advento do Novo Código Florestal, as APPs passaram a ter seu regime de proteção submetido aos interesses das concessionárias das atividades de utilidade pública, mediante simples procedimento admi-nistrativo.

A ausência de obstáculos para a instalação dos sistemas de utilidade pública nos locais considerados APP terminou, final-mente, por transformar a excepcionalidade em padrão nos novos projetos de infraestrutura, em flagrante conflito com os objetivos do comando legal.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há dois aspectos que encaminham o presente trabalho para uma conclusão.

Primeiro, a constatação de que o instituto das APPs é uma rea-lidade em todo o território brasileiro, sendo elemento balizador nos projetos de uso e ocupação do solo, tanto do setor público como privado. Mais do que elemento de conservação ambiental, as APPs passaram a direcionar os estudos de planejamento rural e urbano, em especial os planos diretores municipais, consti-tuindo-se em regulador de eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos, biológicos e químicos, além de referência na busca por maior qualidade de vida para as populações.

Segundo, mesmo com a consideração de que os serviços de utilidade pública constituem elemento essencial ao desenvolvi-mento social e econômico do País, e que sistemas caracteriza-dos por grande linearidade muitas vezes necessitam transpor áreas de APPs, não é admissível que estes se sobreponham indistintamente aos objetivos delas, de forma a relegá-las ao

simples papel de estoque de reserva de áreas disponíveis para serviços de utilidade pública.

Nesse contexto, o progressivo incremento dos dispositivos que facultaram a instalação de atividades de utilidade pública nas APPs fez com que eles tenham alcançado tal dimensão que, ao invés da flexibilização limitada a interferências pontuais e rigorosamente necessárias à viabilização dos empreendimen-tos, assumissem condição definidora das diretrizes de traçado e localização, em cenário de verdadeira apropriação dessas áreas protegidas.

Por conseguinte, faz-se urgente a reintrodução, na legislação brasileira, de salvaguarda no mínimo correspondente à prevista no antigo Código Florestal, que exigia comprovação da inexis-tência de alternativas técnicas e locacionais, para que fosse facultada a ocupação das áreas protegidas pelas atividades de utilidade pública.

REFERÊNCIAS

AB’SABER, A. Brasil: Paisagens de exceção – O Litoral e o Pantanal Mato--Grossense: Patrimônios Básicos. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006.

COIMBRA FILHO, C.; HOUAISS, A. Ecossistemas brasileiros. São Paulo: Indez, 1988.

CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blucher, 1974.

FREITAS, V.; FREITAS, G. Crimes contra a natureza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

IBGE. Vocabulário básico de recursos naturais e meio ambiente. 2. ed.

LEME MACHADO. P. A.; MILARÉ, E. (Coord.). O Novo Código Florestal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

MILARÉ, E. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

OLIVEIRA JR., A. Áreas de preservação permanente no Novo Código Flo-restal. Revista Síntese – Direito Ambiental, São Paulo: IOB, a. 2, n. 8, 2012.

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Acórdão na Íntegra

Superior Tribunal de Justiça

Recurso Especial nº 1.238.041/SC (2011/0035484-1)Relator: Ministro Marco Aurélio BellizzeRecorrente: Geração Comércio de Automóveis Ltda. – MicroempresaAdvogados: Alexandre Moreira de Ataíde e outro(s)Recorrido: Boeira e Boff Ltda. – MicroempresaAdvogados: Cláudia da Silva Prudêncio e outro(s)Advogados: Emiliano da Silva Prudencio e outro(s)

EMENTA

DIREITO EMPRESARIAL – RECURSO ESPECIAL – COLIDÊNCIA ENTRE MARCAS – DIREITO DE EXCLUSIVA – LIMITAÇÕES – EXISTÊNCIA DE DUPLO REGISTRO – IMPUGNAÇÃO – AUSÊNCIA – TÍTULO DE ESTABE-LECIMENTO – DIREITO DE PRECEDÊNCIA – INAPLICABILIDADE – NOME DE DOMÍNIO NA INTERNET – PRINCÍPIO FIRST COME, FIRST SERVED – INCIDÊNCIA

1. Demanda em que se pretende, mediante oposição de direito de exclusiva, afastar a utilização de termos constantes de marca registrada do recorrente.

2. O direito de precedência, assegurado no art. 129, § 1º, da Lei nº 9.729/1996, confere ao utente de marca, de boa-fé, o direito de reivindicar para si marca similar apresentada a registro por terceiro, situação que não se amolda a dos autos.

3. O direito de exclusiva, conferido ao titular de marca registrada sofre limitações, impondo-se a harmonização do princípio da anterioridade, da especialidade e da territorialidade.

4. “No Brasil, o registro de nomes de domínio na internet é regido pelo prin-cípio First Come, First Served, segundo o qual é concedido o domínio ao pri-meiro requerente que satisfizer as exigências para o registro”. Precedentes.

5. Apesar da legitimidade do registro do nome do domínio poder ser con-testada ante a utilização indevida de elementos característicos de nome empresarial ou marca devidamente registrados, na hipótese ambos os liti-gantes possuem registros vigentes, aplicando-se integralmente o princípio First Come, First Served.

6. Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília/DF, 7 de abril de 2015 (data do Julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze:

Cuida-se de recurso especial interposto por Geração Comércio de Automóveis Ltda. – Microempresa, fundamentado na alínea a do art. 105, III, da Constituição Federal.

Compulsando os autos, verifica-se que a recorrente propôs ação cominatória, na qual pretende impedir que Boeira e Boff Ltda. – Mi-

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croempresa continue a utilizar a expressão Geração Automóveis e “suas derivações (propaganda, página da Internet e demais)” (e-STJ, fl. 8-9). Isso porque, apesar de detentora exclusiva da marca pelo depósito, a recorrente tomou ciência de sua utilização pela recorrida, no mesmo ramo comercial, ao tentar criar página na rede mundial de computadores.

Em contestação, afirmou a recorrida que utiliza a expressão desde sua constituição, com registro na junta comercial. Afirma também ter depositado pedido de registro de marca, porém em classe distinta, perante o INPI. Sustenta que deve ser mantido seu domínio na internet, porquanto também detentor de marca depositada, embora em data posterior.

Em sentença, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis, julgou-se improcedente o pedido.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, à unanimidade, manteve a sentença apelada, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fl. 283):

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA DE PRECEITO COMINATÓRIO – PRIORIDADE DE UTILIZAÇÃO DA MARCA – REGISTRO DA MARCA DA APELANTE POSTERIOR AO USO DA MARCA DA APELADA – APLI-CAÇÃO DO ART. 129, § 1º, DA LEI Nº 9.297/1996 – AUSÊNCIA DE MÁ--FÉ – PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE – OCORRÊNCIA – REGISTRO DAS MARCAS EM CLASSES DIVERSAS – TEORIA DA DISTÂNCIA – APLICAÇÃO – MERCADOS DE INCIDÊNCIA LOCAL – INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO – RECURSO NÃO PROVIDO

A previsão do art. 129, §1º, da Lei nº 9.297/1996 tem o condão de evitar a obtenção do lucro de terceiro por meio da má-fé, ou seja, obstar a prática abusiva do registro de marcas de quem sequer possua relação com a mesma, e utilize deste artifício à obtenção de vantagem.

O princípio da especificidade caracteriza-se pela organização minuciosa das marcas em classes de serviços ou produtos, estabelecidas con-forme a classificação internacional de Nice, agrupando-se conforme a sua natureza e resguardando, assim, a proteção com o intuito de inibir a utilização de marcas idênticas ou em alto grau de semelhança.

Pela teoria da distância é admissível a atuação de semelhantes marcas independentemente, por não causar prejuízos uma à outra em decor-rência da distância geográfica existente e por atuarem sobre mercados locais diversos e delimitados.

Em recurso especial, a recorrente alega violação dos arts. 124, XIX, 125, 129, § 1º, 130 e 131 todos da Lei nº 9.279/1996.

Em síntese, sustenta a recorrente que o sistema marcário bra-sileiro não é declaratório, mas atributivo, de modo que deve prevalecer na hipótese dos autos a prioridade do depósito. Isso porque na situação concreta não seria aplicável a exceção do § 1º do art. 129, porquanto as duas empresas litigantes utili-zavam a marca semelhante há mais de seis meses do primeiro pedido de registro.

Assevera ainda que, diante do contexto global e da utilização do mercado eletrônico por meio da Internet, a teoria da distância não poderia mais ser aplicada.

Aliás, afirma a recorrente que foi justamente a impossibilidade de utilização da marca como domínio na rede mundial de com-putadores o fato motivador da propositura desta demanda.

É o relatório.

VOTO

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator):

Cinge-se a controvérsia a verificar o entrelaçamento de efeitos jurídicos decorrentes da utilização simultânea de nome comer-cial, titulo de estabelecimento e domínio na rede mundial de com-putadores por pessoas jurídicas distintas, em especial, diante do posterior depósito de requerimento para registro de marca.

Ressalta-se que as partes não debatem a colidência das marcas quanto ao depósito no INPI.

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1 DELINEAMENTO FÁTICO

Antes de apreciar as questões de mérito veiculadas no recurso especial, imperioso fixar as circunstâncias fáticas que circun-dam a presente controvérsia. Nesse aspecto, ante o óbice do enunciado nº 7 da Súmula do STJ, deve-se ater ao panorama desenhado nas vias ordinárias.

Na hipótese dos autos, o elemento de disputa entre as partes con-siste na utilização dos termos “Geração Automóveis”, incontrover-samente utilizados pelas recorrente e recorrida, há longo tempo.

Colhe-se da sentença de primeiro grau (e-STJ, fl. 238) que a recorrida, atuante no estado de Santa Catarina, utiliza-se do referido termo na qualidade de título de seu estabelecimento empresarial ou nome de fantasia desde sua constituição, em 1996, informação esta inserida também no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (e-STJ, fl. 67).

Por sua vez, a recorrente, empresa atuante no estado de São Paulo, ainda nos termos da sentença (e-STJ, fl. 235), utiliza-se do mesmo termo na composição de seu nome empresarial desde sua constituição, em 2001, conforme consta também de seu contrato social (e-STJ, fl. 17).

Apesar de mais recente, a recorrente foi a primeira a depositar o requerimento para utilização da marca “Geração Automóveis” junto ao INPI, adquirindo assim o direito de sua utilização exclu-siva em 2003, conforme reconhecido pelo acórdão e sentença. Daí, no seu entendimento, o óbice à utilização do termo, pela recorrida, na composição do domínio no ambiente virtual e de-mais utilizações.

Todavia, admite a recorrente que foi a recorrida a primeira re-querer o domínio da Internet, utilizando-se do seu título de es-

tabelecimento – portanto, fato incontroverso nos autos. É o que se depreende da leitura do item 5 da petição inicial (e-STJ, fl. 3):

Referida empresa é a requerida Boeira e Boff Ltda., que utiliza o nome fantasia de Geração Automóveis nesta cidade de Florianópolis/SC, conforme impressão de sua página principal da internet. Sendo que ainda utiliza a denominação (endereço da internet): “geracaoautomo-veis.com.br”

Essa, portanto, a síntese do panorama fático delineado, a servir de base para o presente julgamento.

2 PANORAMA LEGAL E JURISPRUDENCIAL ATUAL: MARCA, NOME EMPRESARIAL, TÍTULO DE ESTABELECIMENTO E NOME DE DOMÍNIO

Com efeito, a proteção aos elementos imateriais da empresa tem adquirido crescente importância no cenário atual, em que o nome empresarial, o nome de fantasia, a marca e mesmo a embalagem (trade dress) constituem importantes elementos de atração do consumidor e identificação dos produtos e seus fabricantes.

Esse patrimônio imaterial, para além de contribuir na captação de clientes, afeta de forma direta o desenvolvimento e sucesso de diversos empreendimentos. Não é à toa que o constituinte previu de forma expressa a proteção desses direitos no art. 5º, XXIX, da Constituição Federal:

XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações indus-triais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

Muito embora o projeto do novo Código Comercial cuide desse tema procurando dar resposta definitiva a questionamentos exatamente como os veiculados neste recurso especial, o atual

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sistema brasileiro de proteção dos bens imateriais ainda não tem um regramento unificado. Assim, cada instituto, quando re-gulado, goza de tratamento absolutamente diverso, seja quanto à forma de obtenção, seja quanto ao alcance da proteção, ou mesmo quanto à principiologia orientadora.

O nome empresarial encontra guarida, do ponto de vista material, no Código Civil, art. 1.155, uma vez que tem por finalidade a identificação da pessoa jurídica, relacionando-se essencialmen-te aos direitos de personalidade, e seu registro e proteção, no âmbito empresarial, é disciplinado pela Lei nº 8.934/1994. Nesse diapasão, encontra-se amplamente consolidado na doutrina e jurisprudência, com respaldo na legislação atual (art. 1.166 do CC/2002) o âmbito territorial conferido à proteção do nome em-presarial, ainda que com reconhecidas críticas, mesmo porque seu registro compete a órgão estadual – às juntas comerciais.

Vale ressaltar que a ampliação da proteção para âmbito nacional é admitida pelo art. 1.166, parágrafo único, do CC/2002, desde que “registrado na forma da lei especial”. Atualmente a regula-ção, nos termos da Instrução Normativa do DNRC nº 104/2007, exige o arquivamento de pedido específico em cada uma das juntas comerciais do país (art. 11, § 1º, da IN/DNRC 104/2007).

Doutra banda, as marcas destinam-se a facilitar a identificação de produtos ou serviços inseridos no comércio, vinculando-os a seus fornecedores, viabilizando o reconhecimento e a adesão pelo público consumidor. Traduz-se em sinal distintivo, de per-cepção visual, e seu registro perante o INPI confere ao titular o direito de usá-la, com certa exclusividade (direito de exclusiva). Tanto o registro, como a proteção às marcas registradas é dis-ciplinado pela Lei nº 9.279/1996.

O título do estabelecimento empresarial, por sua vez, designa o local onde se desenvolve o empreendimento. A atual Lei de Proteção à Propriedade Industrial – LPI não abarca o registro e a proteção específica do título do estabelecimento, tampouco

há previsão quanto a seu registro e proteção na Lei de Registros Empresariais. Desse modo, diante do vácuo legislativo, protege--se a utilização do título do estabelecimento a partir da regra geral do art. 186 do CC/02 (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 1. p. 374), bem como a partir da aplicação dos preceitos penais repressivos da concorrência desleal da LPI, em especial, a conduta parasitária.

De todo modo, ainda que definida em linhas gerais a proteção do título do estabelecimento, o conflito entre sua amplitude es-tadual por analogia do nome empresarial, nos termos da lei civil, e a proteção nacional da propriedade industrial intensificam o debate, diante da ausência de norma específica.

Pois bem, não bastasse a celeuma advinda, no caso concreto, da utilização de termo idêntico na composição do nome empre-sarial da recorrente, posteriormente depositado no INPI também como marca, e do título do estabelecimento da recorrida, traz-se ainda ao debate as consequências dessas múltiplas proteções ao direito imaterial e seu entrelaçamento com o nome de domínio utilizado em sítios da Internet.

A respeito do nome de domínio ainda não há marco regulatório no Brasil.

Contudo, a doutrina vem reconhecendo sua relevância e integrando-o ao estabelecimento empresarial, como bem incor-póreo, nos termos do Enunciado nº 7 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “o nome de domínio integra o estabelecimento empresarial como bem incorpóreo para todos os fins de direito”.

A jurisprudência acerca do direito ao registro de nomes de domínio ainda é incipiente, destacando-se dois relevantes pre-cedentes desta Turma, ambos da relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, nos quais se reconhecem o direito ao primeiro requerente – princípio First Come, First Served –, muito embo-ra se tenha ressalvado as eventuais usurpações de direito de

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marca ou nome empresarial, conforme se depreende da leitura da ementa (grifei):

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO – NOME EMPRESARIAL – MARCA – NOME DE DOMÍNIO NA INTERNET – RE-GISTRO – LEGITIMIDADE – CONTESTAÇÃO – AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA – AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA

1. A anterioridade do registro no nome empresarial ou da marca nos órgãos competentes não assegura, por si só, ao seu titular o direito de exigir a abstenção de uso do nome de domínio na rede mundial de computadores (Internet) registrado por estabelecimento empresarial que também ostenta direitos acerca do mesmo signo distintivo.

2. No Brasil, o registro de nomes de domínio é regido pelo princípio First Come, First Served, segundo o qual é concedido o domínio ao primeiro requerente que satisfizer as exigências para o registro.

3. A legitimidade do registro do nome do domínio obtido pelo primeiro requerente pode ser contestada pelo titular de signo distintivo similar ou idêntico anteriormente registrado – seja nome empresarial, seja marca.

4. Tal pleito, contudo, não pode prescindir da demonstração de má-fé, a ser aferida caso a caso, podendo, se configurada, ensejar inclusive o cancelamento ou a transferência do nome de domínio e a responsa-bilidade por eventuais prejuízos.

5. No caso dos autos, não é possível identificar nenhuma circunstância que constitua sequer indício de má-fé na utilização do nome pelo pri-meiro requerente do domínio.

6. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e os paradigmas.

7. Recurso especial principal não provido e recurso especial adesivo prejudicado.

(REsp 658.789/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., DJe 12.09.2013)

Diante desse panorama, convém, de início, ressaltar que não se debate nos autos a utilização de marca notória, o que resultaria numa proteção ampliada nos termos da legislação nacional e

da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial. E essa informação é relevante na medida em que se fez prevalecer, na situação concreta, a anterioridade de fato à anterioridade do registro.

Nos precedentes em que se debateu o conflito de marcas e nome empresarial esta 3ª Turma também reconheceu a neces-sidade de flexibilização da anterioridade do registro da marca. Na oportunidade, alertou-se para a insuficiência do princípio da anterioridade, nos termos das seguintes ementas (grifei):

PROPRIEDADE INDUSTRIAL – MANDADO DE SEGURANÇA – RECUR-SO ESPECIAL – PEDIDO DE CANCELAMENTO DE DECISÃO ADMINIS-TRATIVA QUE ACOLHEU REGISTRO DE MARCA – REPRODUÇÃO DE PARTE DO NOME DE EMPRESA REGISTRADO ANTERIORMENTE – LI-MITAÇÃO GEOGRÁFICA À PROTEÇÃO DO NOME EMPRESARIAL – ART. 124, V, DA LEI Nº 9.279/1996 – VIOLAÇÃO – OCORRÊNCIA – COTEJO ANALÍTICO – NÃO REALIZADO – SIMILITUDE FÁTICA – AUSÊNCIA

1. Apesar de as formas de proteção ao uso das marcas e do nome de empresa serem diversas, a dupla finalidade que está por trás dessa tutela é a mesma: proteger a marca ou o nome da empresa contra usurpação e evitar que o consumidor seja confundido quanto à proce-dência do produto.

2. A nova Lei de Propriedade Industrial, ao deixar de lado a linguagem parcimoniosa do art. 65, V, da Lei nº 5.772/1971 – corresponde na lei anterior ao inciso V, do art. 124 da LPI –, marca acentuado avanço, concedendo à colisão entre nome comercial e marca o mesmo trata-mento conferido à verificação de colidência entre marcas, em atenção ao princípio constitucional da liberdade concorrencial, que impõe a lealdade nas relações de concorrência.

3. A proteção de denominações ou de nomes civis encontra-se prevista como tópico da legislação marcária (art. 65, V e XII, da Lei nº 5.772/1971), pelo que o exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclu-sivamente com base no critério da anterioridade, subordinando-se, ao revés, em atenção à interpretação sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de marcas, é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei nº 5.772/1971, consagradores do princípio da espe-cificidade. Precedentes.

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4. Disso decorre que, para a aferição de eventual colidência entre denominação e marca, não se pode restringir-se à análise do critério da anterioridade, mas deve também se levar em consideração os dois princípios básicos do direito marcário nacional: (i) o princípio da terri-torialidade, ligado ao âmbito geográfico de proteção; e (ii) o princípio da especificidade, segundo o qual a proteção da marca, salvo quando declarada pelo INPI de “alto renome” (ou “notória”, segundo o art. 67 da Lei nº 5.772/1971), está diretamente vinculada ao tipo de produto ou serviço, como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários.

5. Atualmente a proteção ao nome comercial se circunscreve à unida-de federativa de jurisdição da Junta Comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo território nacional se for feito pedido complementar de arquivamento nas demais Juntas Comerciais. Precedentes.

6. A interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza os institutos da marca e do nome comercial é no sentido de que, para que a reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciado de nome empresarial de terceiros constitua óbice ao registro de marca – que possui proteção nacional –, necessário, nessa ordem: (i) que a prote-ção ao nome empresarial não goze somente de tutela restrita a alguns Estados, mas detenha a exclusividade sobre o uso do nome em todo o território nacional e (ii) que a reprodução ou imitação seja “suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos”. Não sendo essa, incontestavelmente, a hipótese dos autos, possível a convivência entre o nome empresarial e a marca, cuja colidência foi suscitada.

7. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.

8. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida pelo juízo do primeiro grau de jurisdição, que denegou a segurança.

(REsp 1.204.488/RS, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJe 02.03.2011)

RECURSO ESPECIAL – DIREITO MARCÁRIO – COLIDÊNCIA ENTRE NOME EMPRESARIAL E MARCA – NOME EMPRESARIAL – PROTEÇÃO NO ÂMBITO DO ESTADO EM QUE REGISTRADO – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DO REGISTRO NO INPI – MITIGAÇÃO PELOS PRIN-CÍPIOS DA TERRITORIALIDADE E DA ESPECIALIDADE – RECURSO ESPECIAL PROVIDO

1. Conflito em torno da utilização da marca “Vera Cruz” entre a empresa sediada em São Paulo que a registrou no INPI em 1986 e a sociedade civil que utiliza essa denominação em seu nome empresarial devida-mente registrado na Junta Comercial do Estado do Pará desde 1957.

2. Peculiaridade da colidência estabelecida entre a marca registrado no INPI e o nome empresarial registrado anteriormente na Junta Comercial competente.

3. Aferição da colidência não apenas com base no critério da anteriori-dade do registro no NPI, mas também pelos princípios da territorialidade e da especialidade.

4. Precedentes específicos desta Corte, especialmente o acórdão no Recurso Especial nº 1.232.658/SP (Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 12.06.2012, DJe 25.10.2012): “Para a aferição de eventual colidência entre marca e signos distintivos sujeitos a outras modalidades de proteção – como o nome empresarial e o título de estabelecimento – não é possível restringir-se à análise do critério da anterioridade, mas deve também se levar em consideração os princípios da territorialidade e da especialidade, como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários.”

5. Recurso especial provido.

(REsp 1.191.612/PA, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., DJe 28.10.2013)

Todavia, a recorrente se insurge quanto ao entendimento lem-brando que a questão posta extrapola o mero debate de marca e nome empresarial. Ademais, o mote por trás da ação seria exatamente o interesse na atuação no mercado eletrônico global, de forma que o princípio da territorialidade, utilizado pelo STJ, deveria ser mitigado ou afastado.

3 LIMITES DE PROTEÇÃO À MARCA – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 129 E 130 DA LPI

Da leitura do recurso especial e da petição inicial verifica-se que o cerne da questão posta resulta em afastar a possibilida-de de utilização da marca, por terceiro, utente mais antigo, em

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virtude de seu posterior depósito junto ao INPI. Assim, coincide com o debate quanto à existência de direito de precedência ao argumento de que também o depositante utilizava a marca pelo prazo mencionado em lei.

Com efeito, o direito de precedência encontra-se albergado em nosso sistema de marcas, nos termos do art. 129, § 1º, da Lei nº 9.279/1996:

§ 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usa-va no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.

Contudo, debruçando-se sobre as interpretações extraídas do texto legal, tem-se que a exceção posta é endereçada à situação fática absolutamente distinta da devolvida neste recurso espe-cial. Isso porque direito de precedência permite ao primeiro utente opor-se ao pedido de registro de marca semelhante por terceiros, tomando-a para si. É o que se depreende da lição do prof. Denis Barbosa. (in Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 4):

A Lei nº 9.279/1996 retoma o sistema do Código de 1945, ao permitir ao pré-utente o direito de reivindicar, num prazo determinado, o direito de registrar a marca.

Nesses autos, contudo, o que há é uma pretensão de oposição do direito de exclusiva por uma das partes: a depositante do registro, que, por sinal, é o utente mais recente da expressão “Geração Automóveis”. Assim, tenho que, na hipótese específica dos autos, o art. 129, § 1º, da LPI não é aplicável, porquanto não se reivindica a marca depositada.

Por outro ângulo, deve-se destacar que o direito de exclusiva não é um direito ilimitado, a opor-se sempre de forma erga om-nes. Conquanto sua finalidade seja atribuir ao titular do registro

essa força erga omnes essencial dos direitos reais, o direito de exclusiva sofre limitações reconhecidas na doutrina e na juris-prudência.

Aliás, como já destacado nos precedentes mencionados ao longo do voto, a incidência do direito de exclusiva deve ob-servância aos princípios da territorialidade e da especialidade quando conflitantes marcas e outros elementos distintivos da entidade empresária (dentre os quais, o nome empresarial e o título de estabelecimento).

Assim, ainda que atuantes no mesmo seguimento empresarial e sem qualquer proteção marcária, se reconheceu ao detentor do nome empresarial idêntico à marca registrada posteriormente por terceiro o direito à convivência, nos limites do estado em que arquivados os atos constitutivos, mitigando-se o direito de exclusiva.

Nesse sentido, vale a transcrição de trecho do voto condutor, proferido no REsp 1.359.666/RJ, Relatora Ministra Nancy Andri-ghi, 3ª T., DJe 10.06.2013:

A discussão, portanto, versada nos presentes autos cinge-se a definir se a Associação dos Funcionários Aposentados do Banrisul detém a proteção ampla com relação ao registro “Afaban”, já que apenas arquivou os atos constitutivos da sociedade em Cartório localizado na cidade de Porto Alegre/RS, no ano de 1989, sem qualquer arquivamen-to complementar nas Juntas Comerciais dos demais Estados, ou se a Associação dos Funcionários Aposentados do Banco do Estado de São Paulo – Afabesp tem direito à utilização da mencionada marca, já que requereu o seu registro junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), ainda que em momento posterior.

[...]

Conclui-se, portanto, que, tendo a Associação dos Funcionários Apo-sentados do Banrisul arquivado os atos constitutivos da sociedade em Cartório localizado na cidade de Porto Alegre/RS, sem qualquer arqui-vamento complementar nas Juntas Comerciais dos demais Estados, esta tem direito a fazer uso da aludida expressão “Afaban” apenas

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nos limites do território do Estado em que foram arquivados os atos constitutivos desta.

Assim, seja por deter registro próprio junto ao INPI, seja por aplicação harmonizada do princípio da anterioridade e da terri-torialidade, a par de discutível a convivência das duas marcas sob o prisma da especialidade, deve-se reconhecer o direito de exploração da marca ao primeiro utente de boa-fé, in casu, o recorrido.

Esse direito de exploração, na hipótese dos autos, contudo, não está restrito ao âmbito territorial do estado relativo à junta comercial, diante do registro posterior também efetuado pelo recorrido – ao menos, enquanto válidos os registros.

Quanto ao domínio utilizado na rede mundial de computadores, aplica-se o princípio first come, first served, como definido no relevante e já citado voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (REsp 658.789/RS, 3ª T., DJe 12.09.2013).

Isso porque, a despeito da ressalva lá consignada quanto à eventual contestação por titular de registro de marca ou nome empresarial utilizado na composição do domínio, nesta hipóte-se, ambas as partes têm legítimo direito à utilização dos termos “Geração Automóveis”.

Com essas considerações, atendo-se aos estritos limites em que posta a lide, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

REsp 1.238.041/SC

Número Registro: 2011/0035484-1 Processo Eletrônico

Números Origem: 20080783689 20080783689000200 82070037363

Pauta: 07.04.2015 Julgado: 07.04.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

AUTUAÇÃO

Recorrente: Geração Comércio de Automóveis Ltda. – Microempresa

Advogados: Alexandre Moreira de Ataíde e outro(s)

Recorrido: Boeira e Boff Ltda. – Microempresa

Advogados: Cláudia da Silva Prudêncio e outro(s)

Advogados: Emiliano da Silva Prudencio e outro(s)

Assunto: Direito civil – Coisas – Propriedade – Propriedade intelectual/industrial – Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso es-pecial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

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Pesquisa Temática

Registro Profissional

Registro profissional – Conselho Regional de Educação Física – treinador de futebol – inscrição – não obrigatoriedade

“Administrativo. Treinador de futebol. Leis nºs 8.650/1993 e 9.696/1998. Inscrição no Conselho Regional de Educação Física. Não obrigatoriedade. Agravo desprovido. 1. Sobre a apli-cação do art. 557 do CPC, observa-se que a decisão recorrida negou seguimento ao reexame necessário e ao recurso de apelação do agravante com fundamento em entendimento escorado em precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte, o que satisfaz a aplicação do referido dispositivo legal. 2. Conjugando os dispositivos das Leis nºs 8.650/1993 e 9.696/1998, nota-se que a expressão ‘preferencialmente’ contida no caput do art. 3º da Lei nº 8.650/1993 não obriga os treinadores e monitores de futebol a se inscrevem nos Conse-lhos de Educação Física, mas apenas prioriza aqueles que possuem diploma em educação física para o exercício da profissão. 3. Ademais, também não se extrai da Lei nº 9.696/1998 regra que determine a inscrição de treinadores de futebol nos Conselhos de Educação Física ou a obrigatoriedade de possuírem diploma de nível superior. 4. Os fundamentos dedu-zidos pela agravante não infirmam as conclusões adotadas na decisão recorrida, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos. 5. Agravo desprovido.” (TRF 3ª R. – Ag-Ap-RN 0001324-02.2012.4.03.6138/SP – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos – DJe 03.10.2014)

Registro profissional – Conselho Regional de Farmácia – hospital com 209 leitos – farmacêutico – necessidade

“Mandado de segurança. Conselho Regional de Farmácia. Dispensário de medicamentos. Hospital com 209 leitos. Farmácia hospitalar. Necessidade de manutenção de profissional farmacêutico. Jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.110.906). 1. Pacificado pelo col. Superior Tribunal de Justiça e pelos Tribunais Federais entendimento que só mitiga a exigência de manutenção e cadastro junto ao CRF de profissional farmacêutico responsável quando se tratar de dispensário de medicamentos em pequenas unidades hospitalares. 2. Consoante recente jurisprudência (REsp 1.110.906), considera-se hospital de pe-queno porte aquele com até 50 leitos, adotando classificação do Ministério da Saúde. 3. Na hipótese dos autos, restou comprovado pelo Conselho Regional de Farmácia que a impetrante é considerada como hospital de grande porte (fls. 101 – consulta ao registro no CREMESP) e mantém 209 leitos em funcionamento (fls. 103 – consulta ao site da Santa Casa), o que caracteriza a unidade como farmá-cia hospitalar e demanda o registro de profissional responsável perante o impetrado. 4. Apelação da impetrante improvida.” (TRF 3ª R. – AC 0002354-94.201 0.4.03.6121/SP – 3ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv. Roberto Jeuken – DJe 28.02.2014)

Registro profissional – conselho – inscrição provisória – certificado de conclusão do curso – apresentação – possibilidade

“Constitucional e administrativo. Mandado de segurança. Inscrição provisória no conselho, mediante declaração/certificado de conclusão do curso. Entraves burocráticos da administração. Postergação da apresentação do diploma. Possibilidade. Princípios da razoabilidade e da garantia constitucional de liberdade de exercício profissional. Precedentes. 1. ‘A demora da instituição responsável pela expedi-ção e registro do referido documento não pode resultar prejuízo ao exercício da profissão para a qual os impetrantes encontram-se aptos. Dessa forma, o art. 17 da Lei nº 3.268/1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina, ao determinar que ‘os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certi-

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ficados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade’ tem que ser interpretada em conformidade com a Constituição Federal que, por sua vez, apregoa o ‘livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão’ (REO 200951010263239, Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, TRF2, 6ª Turma Especializada, 17.12.2010). 2. Em caso símile, esta eg. Corte assim decidiu: ‘Possuindo o impetrante documentos suficientes que comprovem a conclusão do curso superior’ e em que pese a determinação contida na legislação, ‘onde se faz imprescindível para o exercício da profissão [...], a apresentação de diploma expedido por escola oficial ou reconhecida e registrada na Diretoria do Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura, verifica-se que a partir do instante em que a falta do pretendido documento faz-se em decorrência de burocracias e/ou entraves ocasionados por razões alheias ao requerente, não se releva razoável que tal demora lhe seja prejudicial, ao passo que poderá o impetrante registrar-se junto ao Conselho’ apresentando ‘os documentos provisórios que possui, sendo que tão logo seja expedido o seu diploma, este, prontamente, substitua a documentação, anteriormente, apresentada’ (REOMS 000242239.2008.4.01.3900/PA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 8ª Turma, e-DJF1 de 11.06.2010, p. 276). 3. De outra parte, os prejuízos decorrentes para a parte impetrante são enormes, uma vez que ficará impedida de exercer a profissão para a qual se preparou ao longo dos anos, sob a fiscalização do aparelho estatal competente. O tempo não volta! Nesse sentido, em situações análogas, este Tribunal já reconheceu o dano irreparável ou de difícil reparação (Ag 2008.01.00.027582-0/MG, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Carlos Olavo; Ag 2007.01.00.059041-1/MG, 8ª Turma, Relª Desª Fed. Maria do Carmo Cardoso; AMS 2006.38.00.001021-1/MG, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Catão Alves). 4. Em face da garantia constitucional prevista no art. 5º, inciso XIII, e do princípio da razoabilidade, direito assiste à impetrante em obter seu registro provisório junto ao Conselho, até que seja apresentado o diploma original de graduação. 5. Remessa oficial não provida. Sentença mantida.” (TRF 1ª R. – RN 0006949-67.2013.4.01.3800 – Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca – DJe 27.06.2014)

Registro profissional – CRC – exame de suficiência – Lei nº 12.249/2010 – situações pretéritas – exigência – inadmissibilidade

“Administrativo. Mandado de segurança. Conselho Regional de Contabilidade. Exigência no exame de suficiência válida somente após o advento da Lei nº 12.249/2010. 1. Somente após a vigência da Lei nº 12.249/2010 tornou-se possível a exigência de aprovação no exame de suficiência para o exercício da profissão de contabilista ou res-tabelecimento do registro profissional. 2. Preenchidos os requisitos legais para concessão do registro profissional, à luz da legislação vigente à época, não pode o Conselho exigir o exame de suficiência, sob pena de ofensa ao direito adquirido. 3. Remessa oficial a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – RN 0017382-83.2011.4.01.4000 – Rel. Juiz Fed. Conv. Rafael Paulo Soares Pinto – DJe 14.11.2013)

Registro profissional – industrialização e comercialização de produtos elaborados com artefatos de fibra de vidro – CRQ – profissional habilitado – desnecessidade

“Administrativo. Embargos à execução fiscal. Industrialização e comercialização de produtos elaborados com artefatos de fibra de vidro. Desnecessidade de profissional habi-litado no conselho regional de química. 1. Nos termos do art. 1º da Lei nº 6.839/1980, é a atividade básica da pessoa jurídica o critério a ser considerado quanto à necessidade de se fazer o registro no Conselho competente. 2. A atividade básica exercida pela empresa executada, consistente na industrialização e comercialização de produtos elabo-rados com matérias primas e artefatos de fibra de vidro, não se enquadra entre aquelas estabelecidas nos arts. 334 e 335 da CLT, o que afasta a necessidade de profissional habilitado perante o órgão fiscalizador exequente.” (TRF 4ª R. – AC 0006872-67.2014.404.9999/PR – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – DJe 13.08.2014)

Registro profissional – OAB – eleição – advogado inadimplente – votação – participação – possibilidade

“Administrativo. OAB. Eleição. Advogado inadimplente com as anuidades corporativas. Participação na votação. Possibilidade. 1. Conforme o disposto no art. 63, § 2º, do Estatuto da Advocacia – Lei nº 8.906/1994 -, apenas o candidato tem o dever de comprovar a sua situação regular junto à OAB, não se estendendo tal obrigação ao advogado eleitor. 2. Precedentes desta Corte. 3. Remessa oficial a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – RN 0011836-70.2012.4.03.6000/MS – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 25.08.2014)

Registro profissional – OAB – sociedade de advogados – anuidade – cobrança – ilegitimidade

“Administrativo. Cobrança de anuidade. OAB. Sociedades de advogados. Ilegitimidade. 1. O art. 46 da Lei nº 8.096/1994 prevê a cobrança de anuidade dos inscritos nos quadros da OAB, quais sejam, os advogados, pessoas físicas e não de sociedades de advogados. 2. Caso fosse intenção do legislador instituir a cobrança de anuidade dos escritórios de advocacia, teria feito expressamente, o que não ocorreu, à luz do art. 46 da Lei nº 8.096/1994. 3. Outrossim, não é legítima a cobrança, a qualquer título, sem previsão em lei, diante do dispositivo inserto no art. 5º, II da Constituição Federal. 4. Litigância de má-fé não caracterizada. Alegação formulada em contrarrazões rejeitada. O recurso interposto pela ré é cabível em tese e se constitui no meio adequado para o exercício do seu direito de defesa.” (TRF 3ª R. – AC 0011154-72.2013.4.03.6100/SP – 6ª T. – Relª Desª Fed. Mairan Maia – DJe 05.09.2014 – p. 1172)

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Jurisprudência Comentada

Indenização à Concubina por Serviços Prestados

EUCLIDES DE OLIVEIRAAdvogado, Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Vice-Presidente do IBDFAM (São Paulo). Autor de livros.

EMENTA

UNIÃO ESTÁVEL – INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO COMUM – SERVIÇOS DOMÉSTICOS PRESTADOS – CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO

Não havendo patrimônio comum a partilhar, tem a companheira direito à indenização pelos serviços domésticos prestados ao companheiro duran-te o período de convivência. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido, em parte.

(STJ – REsp 274.263/RJ – (2000/0086026-3) – 4ª T. – Rel. Min. Barros Mon-teiro – J. 21.08.2003)

COMENTÁRIOS

1. A decisão do Superior Tribunal de Justiça, reformando julga-mentos das instâncias inferiores para concessão de indenização à concubina, demonstra a dubiedade e as notáveis mudanças no tratamento jurídico que se dispensava ao concubinato, antes das

reformas advindas com a Constituição Federal de 1988, as sub-sequentes leis da união estável e o vigente Código Civil brasileiro.

O caso relatado remonta aos idos de 1972 a 1982, quando, em pleno vigor, o Código Civil de 1916 discriminava as uniões do tipo concubinário, tidas como informais ou ilegítimas, pelo simples fato de não serem formalizadas pelos sacrossantos laços do casamento.

2. Ao sistema constitucional da época e tendo em vista as disposi-ções da legislação civil, somente se reconhecia proteção jurídica

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à família constituída por pessoas casadas. Para os concubinos, amásios, amigados ou amancebados, não se concediam direitos pessoais ou patrimoniais, ainda que tivessem filhos e constitu-íssem uma entidade familiar more uxorio.

Aos poucos, no entanto, a mentalidade foi se alterando em delongada evolução para o reconhecimento de certos direitos patrimoniais a pessoas unidas informalmente. Os primeiros benefícios vieram com as leis previdenciárias e fiscais, ao con-siderarem como dependente do segurado a companheira que estivesse com ele vivendo há mais de cinco anos. Na mesma esteira, veio a se conceder adoção do nome do companheiro pela mulher, por modificação introduzida no art. 57, § 2º, da Lei nº 6.015/1973 (registros públicos). Digna de nota, também, a extensão, ao companheiro, do direito de sub-rogar-se na locação em caso de falecimento do inquilino ou de dissolução da vida em comum mantida com ele (arts. 11 e 12 da Lei nº 8.245/1991).

Distinguiam-se, então, as figuras do concubino e do compa-nheiro, conforme tivessem ou não impedimentos matrimoniais para emparelhar sua união ao modelo conjugal. Bem se vê que os benefícios maiores eram privativos do companheiro, ante a similitude da sua situação com a do casado, o que não se dava no mero concubinato, que primava pelo caráter adulterino, lançando manchas sobre a família constituída pelo casamento.

3. No aspecto da divisão dos bens adquiridos em concurso por concubinos ou companheiros (denominações muitas vezes con-fundidas, apesar da distinção anteriormente apontada), nada se previa na legislação anterior à regulamentação da união estável, que somente veio a ocorrer nos anos posteriores à Constituição Federal de 1988. Acontecia, então, grave injustiça social no caso de um dos parceiros ter adquirido bens em seu exclusivo nome, uma vez que, vindo a dissolver-se a convivência, o outro

ficaria à míngua de assistência material por não desfrutar do direito àqueles bens.

4. Foi quando se aprumou a tendência jurisprudencial para ou-torgar aos antigos concubinos, especialmente quando erigidos em efetivos companheiros, direitos de participação no patrimônio formado pelo esforço comum de ambos.

Para tais situações de vida conjunta e de aquisição de bens com registro em nome de apenas um dos concubinos, construiu-se o princípio fundante da chamada sociedade de fato, a indicar necessária divisão daqueles bens em casos de dissolução da vida em comum. Sua origem repousa na conceituação jurídica de sociedade, extraída dos arts. 363 e seguintes do Código Civil de 1916, já que não havia como equiparar as uniões informais ao tipo legal do casamento, única forma reconhecida de família.

Esse entendimento cristalizou-se na Súmula nº 380 do Supremo Tribunal Federal, prevendo os seguintes requisitos para o reco-nhecimento da sociedade de fato entre concubinos e a conse-quente repartição dos bens: (a) existência da vida em comum, (b) aquisição de bens nesse período e (c) esforço conjunto para a formação do patrimônio.

A grande dificuldade residia na conceituação do esforço con-junto, por subentender trabalho, participação, colaboração financeira na aquisição dos bens. Conforme fosse o grau de empenho e de colaboração, maior ou menor seria a retribuição do companheiro na quota dos bens havidos pelo outro. Não havia direito à meação, mas a um certo percentual equitativo, de acordo com o grau de esforço de cada um dos sócios de fato, em relação ao patrimônio formado.

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Mas os julgados dos tribunais evoluíram para aceitar, como for-ma de participação, não só o trabalho externo e a entrega de resultados financeiros, como também a participação indireta do companheiro, mediante colaboração e apoio em tarefas de outra natureza que a de caráter remuneratório, assim entendida, por exemplo, a prestação de serviços domésticos pela mulher. Mais, ainda, prescindindo-se de apreciação da atividade material de cada um dos parceiros, passou a ser levado em conta, priorita-riamente, no caso do concubinato com intuitos de formação de família, o simples fato da união com propósitos de alcance do bem-estar comum, possibilitando a qualquer dos parceiros, seja o homem, seja a mulher, ter acesso aos bens materiais adquiri-dos pelo outro durante a convivência, uma vez que a realidade da presença no lar e o sustento moral emprestado em tais cir-cunstâncias se revelavam suficientes para a caracterização da entidade societária então concretizada1.

Cabe ressalvar que a sociedade de fato pode se dar, igualmente, em outras situações além daquelas relacionadas à vida concu-binária. Sua característica não é imanente a interesse sexual, mas a mero intuito de composição de um patrimônio. Duas ou mais pessoas que, por interesses profissionais, convivam e ad-quiram bens para a empreitada comum, sem formalização de uma sociedade civil ou comercial, estão se associando de fato, e o patrimônio adquirido dessa forma necessariamente será partilhado no momento da dissociação, até mesmo em atenção ao princípio do não enriquecimento ilícito de um dos sócios que se arvorasse em titular único dos referidos bens.

1 TJSP, Ap 145.071-1/5, 2ª C.Cív., Rel. Des. Cezar Peluso, J. 17.12.1991, v.u., Bol. AASP 1.765, p. 396; TJRS, Ap 590.027.298, Rel. Des. Clarindo Favreto, J. 21.06.1990, Revista Jurídica, v. 159, p. 67.

A copropriedade ou propriedade condominial ocorre por força da colaboração na formação do patrimônio, que pode ocorrer mesmo em excepcionais situações de união tipicamente con-cubinária. Advém direito à partilha dos bens entre os parceiros em atenção aos princípios jurídicos de “dar a cada um o que é seu”, evitando-se, por parte daquele que registrou o bem em seu exclusivo nome, o indébito enriquecimento à custa de outrem.

5. Não havendo bens a partilhar, porque nada se tenha adquirido durante a convivência, como ficaria a situação do ex-companhei-ro necessitado? Direito de alimentos não havia, porque a lei da época, como já exposto, somente beneficiava pessoas unidas por vínculos matrimoniais.

Exatamente essa a situação retratada no acórdão em comento. A r. decisão de primeiro grau, que se viu confortada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entendeu que a mulher, após con-vivência por mais de dez anos, nada tinha a receber do antigo companheiro, porque não havia patrimônio em comum e não lhe assistia direito a alimentos, só previsto em casos de parentesco ou de casamento. Também se dizia não comportar pagamento indenizatório, em vista da mútua assistência dispensada durante a vida em comum e porque não se poderia privilegiar a concu-bina com ressarcimento financeiro não aplicável, com o mesmo formato, para as situações decorrentes de casamento desfeito.

Veja-se que o entendimento tinha respaldo doutrinário, como vis-to da citação do eminente Mestre Yussef Cahali, então cauteloso em admitir a criação alternativa de um dever de prestar alimentos ao casal de concubinos, seja no curso da vida concubinária,

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seja após a sua dissolução, pela ausência de obrigação legal de mútua assistência e socorro2.

A favor dos alimentos, poucos e isolados acórdãos, como os oriundos dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro3. Na doutrina, Sérgio Gischkow Pereira, com ampla defesa da mesma tese e citação de outros adeptos4.

Admitia-se apenas a cobrança de alimentos derivados de contrato, ou seja, por decorrência de vínculo obrigacional, sem relação com o direito de família. Por isso, os alimentos dessa espécie poderiam ser revistos, mas somente por acor-do dos interessados. A revisão judicial só se admitia quando alteradas as condições substanciais da avença por fato im-previsível, não pelas razões que informam a revisional dos alimentos comuns5.

Se não era possível conceder alimentos, então como dar ao ex--companheiro desassistido uma proteção pecuniária condizente com o tempo dedicado ao parceiro durante a vida em comum?

Como sucedâneo da verba alimentar é que se firmou a tese de concessão de indenização por serviços prestados. Também aí,

2 Do direito de alimentos no concubinato. In: ALVIM, Teresa Arruda (Coord.). Direito de família – Aspectos constitucionais, civis e processuais. São Paulo: RT, 1993.

3 RT 657/20 e Bol. AASP 1.602/210.4 A união estável e os alimentos. RT 657/20.5 Assim se expressou o Desembargador Walter de Moraes, em voto es-

tampado na RJTJSP 42/138: “A alteração do pacto é possível, ainda que não prevista de modo expresso; porém, pelas causas compreendidas na cláusula rebus sic stantibus implícita em qualquer contrato”. Outras fontes: RTJ 80/119 (caso Francisco Pignatari); RT 459/187, 516/58, 557/64, 595/270, 653/105, 674/107, 675/107; RJTJSP 129/36, 131/60, 132/46, 138/42.

como ocorrera com a partilha de bens na sociedade de fato, a fundamentação no direito civil societário e obrigacional, para extrair-se a ideia de uma indenização compensatória da dedi-cação e dos trabalhos despendidos por um dos companheiros ao outro, durante a subsistência da vida em comum. Visava-se à retribuição financeira do parceiro em hipóteses de comprovada participação com sua atividade urbana, doméstica ou rural, na assistência ao outro, quando não houvesse aquisição de patri-mônio a ser partilhado.

A situação clássica era a da mulher dedicada por inteiro ao lar e à criação dos filhos, dando suporte material e moral às atividades profissionais do companheiro. Ou da que lhe servia de ajudante no comércio, secretária na empresa, enfermeira em relação ao médico, etc., desinteressadamente, por amor, sem remuneração nem vínculo empregatício. A evidente utilidade dos serviços, sem outra contraprestação que a vida em comum, ocasionan-do benefícios ao parceiro, reclamava a devida compensação, a efetuar-se mediante pagamento indenizatório na ocasião em que dissolvida a sociedade de fato.

Foi como proclamou o Superior Tribunal de Justiça, no caso em apreço, mencionando diversos precedentes que marcaram essa posição da jurisprudência pátria até o advento da união estável como entidade familiar, digna de proteção do Estado (art. 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988), por isso também bene-ficiada com direitos patrimoniais, entre eles a assistência mútua por prestação alimentícia.

6. Claro resulta, diante do novo ordenamento jurídico, que não mais subsiste a antiga solução jurisprudencial da indenização por serviços prestados em uniões extramatrimoniais. Nem teria sentido o elastério da medida, quando, de um lado, o compa-nheiro se viu assistido com o direito a alimentos e, de outro, não poderia receber qualquer indenização por seus serviços, quando ao cônjuge nada se estabelece de parelha.

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Com efeito, em vista do mandamento constitucional de proteção à união estável como entidade familiar, foram editadas, em curto espaço de tempo, duas leis especiais sobre a matéria:

a) a Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, dispondo sobre os direitos de companheiros a alimentos, sucessão (herança e usufruto) e meação em caso de morte – até que parcialmente revogada pela Lei nº 9.278/1996;

b) a Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, que deu nova definição à união estável, estabelecendo os direitos e deveres dos conviventes, tratando da assistência mate-rial (alimentos) em caso de rescisão da vida em comum, além de direitos de meação sobre os bens havidos one-rosamente durante a convivência e de habitação sobre a moradia que servia ao casal.

Resultaram revogadas as referidas leis em face da inclusão da matéria no âmbito do Código Civil de 2002, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, que lhe dedica o Título III do Livro IV, arts. 1.723 a 1.727, e disposições esparsas em outros capí-tulos quanto a certos efeitos, como nos casos de obrigação alimentar (art. 1.694) e do direito sucessório do companheiro (art. 1.790)6.

No que tange à matéria desses comentários, cabe ressaltar que os alimentos entre companheiros decorrem do dever de mútua assistência, assegurado no art. 1.724 do Código Civil,

6 Interessante que, após conceituar a união estável e regrar seus direitos, o Código Civil dedica o art. 1.727 ao concubinato, definindo-o como re-lações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar (art. 1.727). Parece ter sido intuito do legislador extremar o concubinato da união estável, sem previsão de direitos que se restringem a essa espécie de entidade familiar.

em repetição de igual preceito que se continha no art. 2º da Lei nº 9.278/1996.

Sua aplicação tem lugar nos termos do art. 1.694 do mesmo Código, que coloca no mesmo plano os parentes, cônjuges ou companheiros, facultando-lhes “pedir uns aos outros os alimen-tos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de educação”.

A fixação da prestação alimentar obedece ao critério de pro-porção entre as necessidades de quem pede e dos recursos da pessoa obrigada, conforme dispõe o § 1º do art. 1.694, repi-sando tradicional critério adotado no art. 400 do Código Civil de 1916. Mas, se a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia, os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, como está disposto no § 2º do citado artigo.

Com a nova união estável do credor, assim como nas hipóteses de casamento e concubinato, cessa o seu direito à prestação alimentar pelo ex-companheiro, consoante disposição do art. 1.708 do Código Civil.

7. Assim sendo, diante da moderna concepção do ente familiar, que inclui não só os casados, mas também os partícipes da união estável, e considerando que a uns e a outros se assegura plena e similar proteção jurídica no aspecto patrimonial, com abrangência do direito a alimentos, impõe-se o fecho conclusivo de que não haveria lugar, nos dias de hoje, para reclamos de indenização por serviços de concubina, em hipóteses como a de que trata o acórdão sob exame, embora se ressalve sua justificativa à época dos fatos, tudo a revelar a formidável trans-formação legislativa no plano da evolução histórica do direito de família no Brasil.

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Medidas Provisórias

Medida Provisória nº 675, de 21.05.2015

Altera a Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988, para elevar a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL em relação às pessoas jurídicas de seguros privados e de capitalização e às referidas nos incisos I a VII, IX e X do § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. (DOU de 22.05.2015)

Medida Provisória nº 674, de 19.05.2015

Abre crédito extraordinário, em favor dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Defesa e da Integração Nacional, no valor de R$ 904.756.882,00, para os fins que especifica. (DOU de 20.05.2015)

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MP DOU ART NORMA LEGAL ALTERAÇÃO663 19.12.2014-extra 1º Lei nº 12.096/09 1º664 30.12.2014-extra 1º Lei nº 8.213/91 25, 26, 29, 43, 60, 74, 75 e 77664 30.12.2014-extra 2º Lei nº 10.876/04 2º664 30.12.2014-extra 3º Lei nº 8.112/90 215, 217, 218, 222, 223 e 225664 30.12.2014-extra 4º Lei nº 10.666/03 12664 30.12.2014-extra 6º Lei nº 8.112/90 216 e 218664 30.12.2014-extra 6º Lei nº 8.213/91 17, 59, 60 e 151665 30.12.2014-extra 1º Lei nº 7.998/90 3º, 4º, 9º e 9º-A 665 30.12.2014-extra 2º Lei nº 10.779/03 1º e 2º 665 30.12.2014-extra 4º Lei nº 7.859/89 Revogada665 30.12.2014-extra 4º Lei nº 7.998/90 2-Bº, 3º e 9º

MP DOU ART NORMA LEGAL ALTERAÇÃO665 30.12.2014-extra 4º Lei nº 8.900/94 Revogada665 30.12.2014-extra 4º Lei nº 10.779/03 2º 668 30.01.2015-extra 1º Lei nº 10.865/04 8º, 15, 17,668 30.01.2015-extra 2º Lei nº 11.941/09 10668 30.01.2015-extra 4º Lei nº 4.380/64 44 a 53668 30.01.2015-extra 4º Lei nº 9.430/96 74668 30.01.2015-extra 4º Lei nº 10.150/00 28668 30.01.2015-extra 4º Lei nº 13.097/15 169668 30.01.2015-extra 4º Lei nº 8.177/91 18 e 18-A673 01.04.2015 1º Lei nº 9.503/97 115675 22.5.2015 1º Lei nº 7.689/88 3º

Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

2 .156-5, DE 24.08.2001 Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.157-5, DE 24.08.2001 Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.158-35, DE 24.08.2001 Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.159-70, DE 24.08.2001 IR. Alteração na Legislação

2.161-35, DE 23.08.2001 Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.162-72, DE 23.08.2001 Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.163-41, DE 23.08.2001 Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.164-41, DE 24.08.2001 Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.165-36, DE 23.08.2001 Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.166-67, DE 24.08.2001 Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.167-53, DE 23.08.2001 Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.168-40, DE 24.08.2001 Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.169-43, DE 24.08.2001 Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.170-36, DE 23.08.2001 Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.172-32, DE 23.08.2001 Usura. Agiotagem

2.173-24, DE 23.08.2001 Anuidades Escolares

2.174-28, DE 24.08.2001 União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.177-44, DE 24.08.2001 Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.178-36, DE 24.08.2001 Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.179-36, DE 24.08.2001 União e Banco Central. Relações Financeiras

2.180-35, DE 24.08.2001 Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.181-45, DE 24.08.2001 Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.183-56, DE 24.08.2001 Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.184-23, DE 24.08.2001 Carreira Policial. Gratificação

2.185-35, DE 24.08.2001 Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.186-16, DE 23.08.2001 Patrimônio Genético. Diversidade Biológica

2.187-13, DE 24.08.2001 Previdência Social. Alteração na Legislação

2.189-49, DE 23.08.2001 IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001 Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.192-70, DE 24.08.2001 Proes. Bancos Estaduais

2.196-3, DE 24.08.2001 Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.197-43, DE 24.08.2001 SFH. Disposições

2.198-5, DE 24.08.2001 Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.199-14, DE 24.08.2001 IR. Incentivos Fiscais

2.200-2, DE 24.08.2001 Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.206-1, DE 06.09.2001 Programa Nacional de Renda Mínima

2.208, DE 17.08.2001 Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.209, DE 29.08.2001 Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE

2.210, DE 29.08.2001 Orçamento. Crédito Extraordinário

2.211, DE 29.08.2001 Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.213-1, DE 30.08.2001 Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.214, DE 31.08.2001 Administração Pública Federal. Recursos

2.215-10, DE 31.08.2001 Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.220, DE 04.09.2001 Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.224, DE 04.09.2001 Capitais Brasileiros no Exterior

2.225-45, DE 04.09.2001 Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990

2.226, DE 04.09.2001 Alteração da CLT

2.227, DE 04.09.2001 Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.228-1, DE 06.09.2001 Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.229-43, DE 06.09.2001 Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.05.2015)Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

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MP DOU ART NORMA LEGAL ALTERAÇÃO2.156-5 27.08.2001 32 DL 1.376/74 1º e 112.156-5 27.08.2001 32 DL 2.397/87 122.156-5 27.08.2001 32 Lei nº 8.034/90 1º2.156-5 27.08.2001 32 Lei nº 9.532/97 2º2.157-5 27.08.2001 32 DL 1.376/74 1º2.158-35 27.08.2001 2º e 93 Lei nº 9.718/98 3º e 8º2.158-35 27.08.2001 3º e 93 Lei nº 9.701/98 1º2.158-35 27.08.2001 10 e 93 Lei nº 9.779/99 14 e 172.158-35 27.08.2001 19 e 93 Lei nº 9.715/98 2º e 4º2.158-35 27.08.2001 34 e 75 Lei nº 9.532/97 1º e 64-A2.158-35 27.08.2001 64 D nº 70.235/72 1º, 25 e 64-A2.158-35 27.08.2001 69 DL 1.455/76 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A2.158-35 27.08.2001 70 Lei nº 9.430/96 632.158-35 27.08.2001 72 Lei nº 8.218/91 11 e 122.158-35 27.08.2001 73 Lei nº 9.317/96 1º e 64-A2.158-35 27.08.2001 73 e 93 Lei nº 9.317/96 9º e 152.158-35 27.08.2001 75 Lei nº 9.532/97 1º, 15 e 64-A2.158-35 27.08.2001 82 Lei nº 8.981/95 292.158-35 27.08.2001 93 Lei nº 9.432/97 112.158-35 27.08.2001 93 LC 70/91 6º e 7º2.158-35 27.08.2001 93 LC 85/96 Revogada2.158-35 27.08.2001 93 Lei nº 7.714/88 5º2.158-35 27.08.2001 93 Lei nº 9.004/95 Revogada2.158-35 27.08.2001 93 Lei nº 9.493/97 7º2.161-35 24.08.2001 1º e 6º Lei nº 9.491/97 2º, 4º, 5º, 6º e 302.162-72 24.08.2001 6º Lei nº 9.094/95 2º2.163-41 24.08.2001 1º Lei nº 9.605/98 79-A2.164-41 27.08.2001 7º e 8º Lei nº 7.998/90 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e

8º-C2.164-41 27.08.2001 1º e 2º CLT 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A,

643 e 6522.164-41 27.08.2001 3º Lei nº 4.923/65 1º2.164-41 27.08.2001 4º Lei nº 5.889/73 182.164-41 27.08.2001 5º Lei nº 6.321/76 2º2.164-41 27.08.2001 6º Lei nº 6.494/77 1º2.164-41 27.08.2001 9º Lei nº 8.036/90 19-A, 20, 29-C e 29-D2.164-41 27.08.2001 10 Lei nº 9.601/98 2º2.165-36 24.08.2001 13 Lei nº 7.418/85 1º2.165-36 24.08.2001 13 Lei nº 8.627/93 6º2.166-67 25.08.2001-extra 1º Lei nº 4.771/65 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A,

44-B e 44-C2.166-67 25.08.2001 3º Lei nº 9.393/96 102.167-53 24.08.2001 2º e 3º Lei nº 9.619/98 1º e 4º-A2.168-40 27.08.2001 13 Lei nº 5.764/71 882.168-40 27.08.2001 14 Lei nº 9.138/95 2º2.168-40 27.08.2001 18 Lei nº 10.186/01 7º2.170-36 24.08.2001 8º Lei nº 8.212/91 602.172-32 24.08.2001 7º Lei nº 1.521/51 4º, § 3º2.173-24 24.08.2001 1º e 2º Lei nº 9.870/99 1º e 6º2.177-44 27.08.2001 1º e 8º Lei nº 9.656/98 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11,

12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I

2.178-36 25.08.2001-extra 16 Lei nº 9.533/97 4º2.178-36 25.08.2001-extra 32 Lei nº 8.913/97 Revogada2.180-35 27.08.2001 1º Lei nº 8.437/92 1º e 4º

MP DOU ART NORMA LEGAL ALTERAÇÃO2.180-35 27.08.2001 4º Lei nº 9.494/97 1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1º-

E, 1º-F, 2º-A e 2º-B2.180-35 27.08.2001 6º Lei nº 7.347/85 1º e 2º2.180-35 27.08.2001 7º Lei nº 8.429/92 172.180-35 27.08.2001 8º Lei nº 9.704/98 1º2.180-35 27.08.2001 10 CPC 7412.180-35 27.08.2001 14 Lei nº 4.348/64 4º2.180-35 27.08.2001 21 Lei nº 10.257/01 532.181-45 27.08.2001 45 Lei nº 8.177/91 182.181-45 27.08.2001 46 Lei nº 9.365/96 6º2.181-45 27.08.2001 52 Lei nº 10.150/00 1º2.183-56 27.08.2001 1º DL 3.365/41 10, 15-A, 15-B e 272.183-56 27.08.2001 3º Lei nº 8.177/91 5º2.183-56 27.08.2001 4º Lei nº 8.629/93 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A2.187-13 27.08.2001 2º Lei nº 6.015/73 802.187-13 27.08.2001 3º e 16 Lei nº 8.212/91 38, 55, 56, 68, 101 e 1022.187-13 27.08.2001 4º e 16 Lei nº 8.213/91 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 1472.187-13 27.08.2001 7º Lei nº 9.639/98 1º, 2º e 5º2.187-13 27.08.2001 16 Lei nº 9.711/98 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 172.189-49 24.08.2001 10 Lei nº 9.532/97 6º, II, 34 e 82, II, f2.189-49 24.08.2001 11 Lei nº 9.250/95 10 e 252.189-49 24.08.2001 13 Lei nº 9.430/96 792.189-49 24.08.2001 14 Lei nº 9.317/96 9º2.190-34 24.08.2001 7º e 8º Lei nº 9.294/96 2º, 3º e 7º2.192-70 25.08.2001-extra 23 Lei nº 9.496/97 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 2.196-3 25.08.2001 12 Lei nº 8.036/90 9º2.196-3 25.08.2001 14 Lei nº 7.827/89 9º-A2.197-43 27.08.2001 3º e 8º Lei nº 8.692/93 23 e 252.197-43 27.08.2001 4º e 8º Lei nº 4.380/64 9º, 14 e 182.197-43 27.08.2001 5º Lei nº 8.036/90 9º, 20, 23, 29-A e 29-B2.199-14 27.08.2001 18 Lei nº 9.532/97 4º2.211 30.08.2001 1º Lei nº 9.995/00 35 e 702.211 30.08.2001 2º Lei nº 10.266/01 18, 34, 38 e 512.214 01.09.2001-extra 1º Lei nº 10.261/01 1º2.215-10 01.09.2001 41 Lei nº 8.448/92 6º2.215-10 01.09.2001 41 Lei nº 8.460/92 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14,

14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A

2.217-3 05.09.2001 1º Lei nº 10.233/01 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119

2.220 05.09.2001-extra 15 Lei nº 6.015/73 167, I2.224 05.09.2001 4º Lei nº 4.131/62 6º2.225-45 05.09.2001 1º Lei nº 6.368/76 3º2.225-45 05.09.2001 2º, 3º e 15 Lei nº 8.112/90 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117

e 1192.225-45 05.09.2001 4º Lei nº 8.429/92 172.225-45 05.09.2001 5º Lei nº 9.525/97 2º2.226 05.09.2001 1º CLT 896-A2.226 05.09.2001 3º Lei nº 9.469/97 6º2.228-1 05.09.2001 51 Lei nº 8.685/93 5º2.228-1 05.09.2001 52 e 53 Lei nº 8.313/91 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18,

§ 3º2.229-43 10.09.2001 72 Lei nº 9.986/00 222.229-43 10.09.2001 74 Lei nº 8.745/93 4º

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Normas Legais

Lei nº 13.129, de 26.05.2015 Altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Mensagem de veto (DOU de 27.05.2015)

Lei nº 13.128, de 26.05.2015 Denomina Ponte Anita Garibaldi a ponte sobre o Canal das Laranjeiras, localizada entre o km 313,1 e o km 315,9 da rodovia BR-101, no Município de Laguna, Estado de Santa Catarina. (DOU de 27.05.2015)

Lei nº 13.127, de 26.05.2015 Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, para eximir as entidades de autogestão constituídas sob a forma de fundação, de sindicato ou de associação da obrigação de constituir pessoa jurídica independente, especificamente para operar planos privados de assistência à saúde. (DOU de 27.05.2015)

Lei nº 13.126, de 21.05.2015 Autoriza a União a conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a destinar superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional à cobertura de despesas primárias obrigatórias e altera as Leis nº 12.096, de 24 de novembro de 2009, nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Mensagem de veto (DOU de 22.05.2015)

Lei nº 13.125, de 21.05.2015 Declara o Tenente-Coronel Jorge da Silva Prado Patrono do Material Bélico da Aeronáutica. (DOU de 22.05.2015)

Lei nº 13.124, de 21.05.2015 Altera a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, que dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição Federal. (DOU de 22.05.2015)

Lei nº 13.123, de 20.05.2015 Regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da Constituição Federal, o artigo 1, a alínea j do artigo 8, a alínea c do artigo 10, o artigo 15 e os §§ 3º e 4º do artigo 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 21.05.2015)

Lei nº 13.122, de 13.05.2015 Institui o dia 15 de maio como Dia Nacional de Conscientização quanto à Mucopolissacaridose. (DOU de 14.05.2015)

Lei nº 13.121, de 08.05.2015 Altera a Lei nº 12.800, de 23 de abril de 2013, que dispõe sobre as tabelas de salários, vencimentos, soldos e demais vantagens aplicáveis aos servidores civis, aos militares e aos empregados oriundos do ex-Território Federal de Rondônia integrantes do quadro em extinção de que trata o art. 85 da Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, e os Anexos III e III-A da Lei nº 11.356, de 19 de outubro de 2006; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 11.05.2015)

Lei nº 13.120, de 07.05.2015 Institui o dia 26 de junho como Dia Nacional da Consciência do 1º Voto. (DOU de 08.05.2015)

Lei nº 13.119, de 07.05.2015 Institui o Dia do Intensivista. (DOU de 08.05.2015)

Lei nº 13.118, de 07.05.2015 Institui o Dia Nacional do Médico Radiologista. (DOU de 08.05.2015)

Lei nº 13.117, de 07.05.2015 Institui o Dia Nacional da Liberdade. (DOU de 08.05.2015)

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Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

JAN 0,002890193 0,000230070 0,008935660 2,337799451 1,776137836 1,620784202FEV 0,002303309 0,000181500 0,006317633 2,289686273 1,754165163 1,608814621MAR 0,001833699 0,000143592 0,004517112 2,248028065 1,737442281 1,598240628ABR 0,001475577 0,000114134 0,003184429 2,197490186 1,723415403 1,588209530MAIO 0,001218679 0,000089014 0,002181564 2,123862253 1,712120544 1,578406050JUN 0,001017176 0,000069175 0,001489732 2,057067224 1,702098587 1,568440181JUL 0,000840294 0,000053179 2,789279160 1,999359704 1,691780418 1,558256972AGO 0,000679355 0,040790630 2,655794873 1,941304979 1,681939391 1,548070667SET 0,000551335 0,030591443 2,600375667 1,892027132 1,671451036 1,538424743OUT 0,000439731 0,022724293 2,538460087 1,856033083 1,660458799 1,528529046NOV 0,000351588 0,016644176 2,475215846 1,825833792 1,648230576 1,518577806DEZ 0,000285172 0,012223983 2,404966767 1,799938083 1,634912578 1,495643607

Mês/Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003

JAN 1,476325883 1,369582561 1,295363838 1,268766562 1,240419798 1,206604227FEV 1,459600323 1,362547728 1,292586071 1,267031996 1,237214176 1,200746983MAR 1,453117963 1,351334355 1,289583919 1,266565899 1,235767093 1,195824967ABR 1,440163691 1,335820140 1,286699140 1,264386098 1,233598427 1,191319397MAIO 1,433398052 1,327731599 1,285027319 1,262434374 1,230697672 1,186355685JUN 1,426915575 1,320126351 1,281832992 1,260132113 1,228116172 1,180864665JUL 1,419939412 1,316036111 1,279095727 1,258297515 1,226176361 1,175965592AGO 1,412168251 1,312187465 1,277120022 1,255233490 1,222928264 1,169573871SET 1,406893806 1,308334420 1,274539080 1,250935276 1,219901688 1,164870125OUT 1,400574414 1,304791910 1,273217481 1,248903311 1,217521433 1,160964640NOV 1,388230270 1,301843235 1,271544129 1,245275822 1,214160637 1,157246407DEZ 1,379764038 1,299247339 1,270023910 1,242879551 1,210958861 1,155194781

Mês/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009

JAN 1,153005225 1,132413216 1,101210140 1,079218549 1,063842714 1,046730308FEV 1,151531264 1,130288274 1,098654669 1,076861300 1,062769317 1,044807861MAR 1,151004105 1,129201982 1,097858722 1,076085442 1,062511127 1,044336865ABR 1,148961252 1,126234354 1,095587569 1,074070486 1,062076737 1,042837265MAIO 1,147957936 1,123983016 1,094651642 1,072706004 1,061063422 1,042364032JUN 1,146185933 1,121149871 1,092588834 1,070897258 1,060283053 1,041896221JUL 1,144171048 1,117804282 1,090476581 1,069876596 1,059069360 1,041213185AGO 1,141941977 1,114933329 1,088570494 1,068307253 1,057046173 1,040120019SET 1,139656965 1,111082318 1,085925180 1,066743407 1,055384997 1,039915155OUT 1,137691035 1,108160100 1,084275996 1,066368045 1,053309977 1,039915155NOV 1,136431868 1,105837840 1,082246784 1,065151642 1,050676980 1,039915155DEZ 1,135131008 1,103708786 1,080861120 1,064523573 1,048979731 1,039915155

Mês/Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015

JAN 1,039361176 1,032251526 1,019931693 1,016985392 1,015046419 1,006398262FEV 1,039361176 1,031513993 1,019051233 1,016985392 1,013904763 1,005515419MAR 1,039361176 1,030973763 1,019051233 1,016985392 1,013360588 1,005346521ABR 1,038538653 1,029725735 1,017964047 1,016985392 1,013091106 1,004045278MAIO 1,038538653 1,029345907 1,017733022 1,016985392 1,012626310 1,002968090JUN 1,038009269 1,027732367 1,017256946 1,016985392 1,012015053 1,001813000JUL 1,037398241 1,026588747 1,017256946 1,016985392 1,011544685 1,000000000AGO 1,036205568 1,025328618 1,017110482 1,016772887 1,010479639 SET 1,035264513 1,023204446 1,016985392 1,016772887 1,009871697 OUT 1,034538267 1,022179200 1,016985392 1,016692568 1,008990848 NOV 1,034050195 1,021545841 1,016985392 1,015758071 1,007944601 DEZ 1,033702871 1,020887369 1,016985392 1,015547852 1,007457999

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.

Indicadores

I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas(Vigência: Julho/2015 – Atualização: Junho/2015)

1 – Índice de Atualização Monetária até 28 de março de 2015 – Decreto-Lei nº 2.322/1987 combinado com a Lei nº 7.738/1989 (incluindo a Lei nº 8.177/1991 – TR – a partir de fev. 1991) – TR prefixada de 1º junho/2015 a 1º julho/2015 (Banco Central) = 0,1813%

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ANO TX PRO RATA DIE TX ACUMULADA COEFICIENTE 2015 (%) (%) ACUMULADO

1º JUNHO 0,008626% 0,000000% 1,00000000 02 JUNHO 0,008626% 0,008626% 1,00008626 03 JUNHO 0,008626% 0,017253% 1,00017253 04 JUNHO - 0,025880% 1,00025880 05 JUNHO 0,008626% 0,025880% 1,00025880 06 JUNHO - 0,034508% 1,00034508 07 JUNHO - 0,034508% 1,00034508 08 JUNHO 0,008626% 0,034508% 1,00034508 09 JUNHO 0,008626% 0,043137% 1,00043137 10 JUNHO 0,008626% 0,051766% 1,00051766 11 JUNHO 0,008626% 0,060397% 1,00060397 12 JUNHO 0,008626% 0,069028% 1,00069028 13 JUNHO - 0,077660% 1,00077660 14 JUNHO - 0,077660% 1,00077660 15 JUNHO 0,008626% 0,077660% 1,00077660 16 JUNHO 0,008626% 0,086292% 1,00086292 17 JUNHO 0,008626% 0,094926% 1,00094926 18 JUNHO 0,008626% 0,103560% 1,00103560 19 JUNHO 0,008626% 0,112195% 1,00112195 20 JUNHO - 0,120830% 1,00120830 21 JUNHO - 0,120830% 1,00120830 22 JUNHO 0,008626% 0,120830% 1,00120830 23 JUNHO 0,008626% 0,129466% 1,00129466 24 JUNHO 0,008626% 0,138104% 1,00138104 25 JUNHO 0,008626% 0,146741% 1,00146741 26 JUNHO 0,008626% 0,155380% 1,00155380 27 JUNHO - 0,164019% 1,00164019 28 JUNHO - 0,164019% 1,00164019 29 JUNHO 0,008626% 0,164019% 1,00164019 30 JUNHO 0,008626% 0,172659% 1,00172659 1º JULHO - 0,181300% 1,00181300

TR JUN. 2015 (1º JUN./1º JUL.) = 0,1813% (BANCO CENTRAL, 02.06.2015).

Tabela para Atualização Diária de Débitos Trabalhistas

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II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados

sobre o principal corrigido):

• Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês;

• De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente

– 1% ao mês;

• De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados:

T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde

a data da propositura da ação, contidos no período compreendido

entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente

Nº Meses % Efetivo Nº Meses % Efetivo Nº Meses % Efetivo

01 1,0000 17 18,4304 33 38,8690 02 2,0100 18 19,6147 34 40,257+6 03 3,0301 19 20,8108 35 41,6602 04 4,0604 20 22,0190 36 43,0768 05 5,1010 21 23,2391 37 44,5076 06 6,1520 22 24,4715 38 45,9527 07 7,2135 23 25,7163 39 47,4122 08 8,2856 24 26,9734 40 48,8863 09 9,3685 25 28,2431 41 50,3752 10 10,4622 26 29,5256 42 51,8789 11 11,5668 27 30,8208 43 53,3977 12 12,6825 28 32,1290 44 54,9317 13 13,8093 29 33,4503 45 56,4810 14 14,9474 30 34,7848 46 58,0458 15 16,0968 31 36,1327 47 59,6263 16 17,2578 32 37,4940 – –

Vigência Moeda Valor Norma Legal DOU

01.10.1989 NCz$ 381,73 Decreto nº 98.211/89 02.10.1989

01.11.1989 NCz$ 557,33 Decreto nº 98.346/89 31.10.1989

01.12.1989 NCz$ 788,18 Decreto nº 98.456/89 01.12.1989

01.01.1990 NCz$ 1.283,95 Decreto nº 98.783/89 29.12.1989

01.02.1990 NCz$ 2.004,37 Decreto nº 98.900/90 01.02.1990

01.03.1990 NCz$ 3.674,06 Decreto nº 98.985/90 01.03.1990

01.04.1990 Cr$ 3.674,06 Port. 3.143/90 24.04.1990

01.05.1990 Cr$ 3.674,06 Port. 3.352/90 23.05.1990

01.06.1990 Cr$ 3.857,76 Port. 3.387/90 04.06.1990

01.07.1990 Cr$ 4.904,76 Port. 3.501/90 16.07.1990

01.08.1990 Cr$ 5.203,46 Port. 429/90 01.08.1990

Vigência Moeda Valor Norma Legal DOU

01.09.1990 Cr$ 6.056,31 Port. 3.588/90 03.09.1990

01.10.1990 Cr$ 6.425,14 Port. 3.628/90 01.10.1990

01.11.1990 Cr$ 8.329,55 Port. 3.719/90 01.11.1990

01.12.1990 Cr$ 8.836,82 Port. 3.787/90 03.12.1990

01.01.1991 Cr$ 12.325,50 Port. 3.828/90 31.12.1990

01.02.1991 Cr$ 15.895,46 MP 295/91 01.02.1991

01.03.1991 Cr$ 17.000,00 Lei nº 8.178/91 04.03.1991

01.09.1991 Cr$ 42.000,00 Lei nº 8.222/91 06.09.1991

01.01.1992 Cr$ 96.037,33 Port. 42/92 21.01.1992

01.05.1992 Cr$ 230.000,00 Lei nº 8.419/92 08.05.1992

01.09.1992 Cr$ 522.186,94 Port. 601/92 31.08.1992

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Vigência Moeda Valor Norma Legal DOU

01.01.1993 Cr$ 1.250.700,00 Lei nº 8.542/92 24.12.1992

01.03.1993 Cr$ 1.709.400,00 Port. Interm. 4/93 01.03.1993

01.05.1993 Cr$ 3.303.300,00 Port. Interm. 7/93 04.05.1993

01.07.1993 Cr$ 4.639.800,00 Port. Interm. 11/93 01.08.1993

01.08.1993 CR$ 5.534,00 Port. Interm. 12/93 03.08.1993

01.09.1993 CR$ 9.606,00 Port. Interm. 14/93 02.09.1993

01.10.1993 CR$ 12.024,00 Port. Interm. 15/93 04.10.1993

01.11.1993 CR$ 15.021,00 Port. Interm. 17/93 03.11.1993

01.12.1993 CR$ 18.760,00 Port. Interm. 19/93 02.12.1993

01.01.1994 CR$ 32.882,00 Port. Interm. 20/93 31.12.1993

01.02.1994 CR$ 42.829,00 Port. Interm. 02/94 02.02.1994

01.03.1994 URV 64,79 Port. Interm. 04/94 03.03.1994

01.07.1994 R$ 64,79 Lei nº 9.069/95 30.06.1994/30.06.1995

01.09.1994 R$ 70,00 Lei nº 9.063/95 01.09.1994/20.06.1995

01.05.1995 R$ 100,00 Lei nº 9.032/95 29.04.1995

01.05.1996 R$ 112,00 Lei nº 9.971/00 19.05.2000

01.05.1997 R$ 120,00 Lei nº 9.971/00 19.05.2000

01.05.1998 R$ 130,00 Lei nº 9.971/00 19.05.2000

01.05.1999 R$ 136,00 Lei nº 9.971/00 19.05.2000

Vigência Moeda Valor Norma Legal DOU

03.04.2000 R$ 151,00 Lei nº 9.971/00 19.05.2000

01.04.2001 R$ 180,00 MP 2.142/01 (atual 2.194-6) 30.03.2001

01.04.2002 R$ 200,00 Lei nº 10.525/02 28.03.2002

01.04.2003 R$ 240,00 Lei nº 10.699/03 10.07.2003

01.05.2004 R$ 260,00 Lei nº 10.888/04 25.06.2004

01.05.2005 R$ 300,00 Lei nº 11.164/05 19.08.2005

01.04.2006 R$ 350,00 MP 288/06 31.03.2006

01.04.2006 R$ 350,00 Lei nº 11.321/06 10.07.2006

01.04.2007 R$ 380,00 MP 362/07 30.03.2007-extra

01.04.2007 R$ 380,00 Lei nº 11.498/07 29.06.2007

01.03.2008 R$ 415,00 MP 421/08 29.02.2008-extra

01.02.2009 R$ 465,00 MP 456/09 30.01.2009-extra

01.01.2010 R$ 510,00 MP 474/09 24.12.2009

01.01.2011 R$ 540,00 MP 516/10 31.12.2010

01.03.2011 R$ 545,00 Lei nº 12.382/11 28.02.2011

01.01.2012 RS 622,00 Decreto nº 7.655/11 26.12.2011

01.01.2013 R$ 678.00 Decreto nº 7.872/11 26.12.2012

01.01.2014 R$ 724,00 Decreto nº 8.166/13 24.12.2013

01.01.2015 R$ 788,00 Decreto nº 8.381/14 29.12.2014

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)

Salário-de-benefício mínimo R$ 788,00

Salário-de-benefício máximo R$ 4.663,75

Renda mensal vitalícia R$ 788,00

Salário-família: I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);

II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos).

Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)

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8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$) Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

Até R$ 1.399,12 8,00*

De R$ 1.399,13 até 2.331,8 9,00*

De R$ 2.331,89 até 4.663,75 11,00*

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo

Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

IV – Imposto de Renda na FonteTABELA PROGRESSIVA MENSALBase de cálculo em R$ Alíquota % Parcela a deduzir do imposto em R$

Até 1.787,77 - -

De 1.787,78 até 2.679,29 7,5 134,08

De 2.679,30 até 3.572,43 15,0 335,03

De 3.572,44 até 4.463,81 22,5 602,96

Acima de 4.463,81 27,5 826,15

Dedução por dependente 179,71

TABELA PROGRESSIVA ANUAL

O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano- -calendário.

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho

Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 372/2014 do TST, DJe de 17.07.2014, vigência a partir de 01.08.2014)

Recurso Ordinário R$ 7.485,83

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória R$ 14.971,65

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

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VII – Índices de Atualização dos Débitos JudiciaisTabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

VI – IndexadoresIndexador Dezembro Janeiro Fevereiro Março Abril Maio

INPC 0,62 1,48 1,16 1,51 0,71 0,99IGPM 0,29 0,76 0,27 0,98 1,17 0,41UFIR Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.

SELIC 0,96 0,94 0,82 1,04 0,95 0,99

TDA

Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75

Valores nominais reajustados – Reais 91,87

Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

JAN 11.230,659840 140.277,063840 3631,929071 13,851199 16,819757 18,353215

FEV 14.141,646870 180.634,775106 5132,642163 14,082514 17,065325 18,501876

MAR 17.603,522023 225.414,135854 7214,955088 14,221930 17,186488 18,585134

ABR 21.409,403484 287.583,354522 10323,157739 14,422459 17,236328 18,711512

MAIO 25.871,123170 369.170,752199 14747,663145 14,699370 17,396625 18,823781

JUN 32.209,548346 468.034,679637 21049,339606 15,077143 17,619301 18,844487

JUL 38.925,239176 610.176,811842 11,346741 15,351547 17,853637 18,910442

AGO 47.519,931986 799,392641 12,036622 15,729195 18,067880 18,944480

SET 58.154,892764 1065,910147 12,693821 15,889632 18,158219 18,938796

OUT 72.100,436048 1445,693932 12,885497 16,075540 18,161850 18,957734

NOV 90.897,019725 1938,964701 13,125167 16,300597 18,230865 19,012711

DEZ 111.703,347540 2636,991993 13,554359 16,546736 18,292849 19,041230

Mês/Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003

JAN 19,149765 19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 28,131595

FEV 19,312538 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 28,826445

MAR 19,416825 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 29,247311

ABR 19,511967 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 29,647999

MAIO 19,599770 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 30,057141

JUN 19,740888 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 30,354706

JUL 19,770499 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 30,336493

AGO 19,715141 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 30,348627

SET 19,618536 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 30,403254

OUT 19,557718 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 30,652560

NOV 19,579231 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 30,772104

DEZ 19,543988 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011 30,885960

Page 87: Jornal Jurídico Junho 2015

86

Jun

ho

/201

5 –

Ed

. 219

Mês/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009

JAN 31,052744 32,957268 34,620735 35,594754 37,429911 39,855905

FEV 31,310481 33,145124 34,752293 35,769168 37,688177 40,110982

MAR 31,432591 33,290962 34,832223 35,919398 37,869080 40,235326

ABR 31,611756 33,533986 34,926270 36,077443 38,062212 40,315796

MAIO 31,741364 33,839145 34,968181 36,171244 38,305810 40,537532

JUN 31,868329 34,076019 35,013639 36,265289 38,673545 40,780757

JUL 32,027670 34,038535 34,989129 36,377711 39,025474 40,952036

AGO 32,261471 34,048746 35,027617 36,494119 39,251821 41,046225

SET 32,422778 34,048746 35,020611 36,709434 39,334249 41,079061

OUT 32,477896 34,099819 35,076643 36,801207 39,393250 41,144787

NOV 32,533108 34,297597 35,227472 36,911610 39,590216 41,243534

DEZ 32,676253 34,482804 35,375427 37,070329 39,740658 41,396135

Mês/Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015

JAN 41,495485 44,178247 46,864232 49,768770 52,537233 55,809388

FEV 41,860645 44,593522 47,103239 50,226642 52,868217 56,635366

MAR 42,153669 44,834327 47,286941 50,487820 53,206573 57,292336

ABR 42,452960 45,130233 47,372057 50,790746 53,642866 58,157450

MAIO 42,762866 45,455170 47,675238 51,090411 54,061280 58,570367

JUN 42,946746 45,714264 47,937451 51,269227 54,385647 59,150213

JUL 42,899504 45,814835 48,062088 51,412780 54,527049

AGO 42,869474 45,814835 48,268754 51,345943 54,597934

SET 42,839465 46,007257 48,485963 51,428096 54,696210

OUT 43,070798 46,214289 48,791424 51,566951 54,964221

NOV 43,467049 46,362174 49,137843 51,881509 55,173085

DEZ 43,914759 46,626438 49,403187 52,161669 55,465502

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar:

Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967 NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970 Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986 CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988 R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo:Atualização, até junho de 2015, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 59,150213 (junho/2015) = R$ 99,08

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

Out./1964 a fev./1986: ORTN Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991)

Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994)

Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995)

Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989 Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)

Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)

Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002.Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 11/6/2015, p. 2

* Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.

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Junho/2015 – Edição 219