jornada de trabalho do professor-gestor tânia stoffel

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1 JORNADA DE TRABALHO DOS PROFESSORES-GESTORES RESUMO Neste texto são apresentados alguns dados que integram a pesquisa realizada sobre o processo formativo do professor como gestor escolar da educação básica da rede pública estadual de Mato Grosso, aqui denominado de professor-gestor. Buscou-se, dentre outros objetivos, conhecer como os sujeitos percebem e administram a sua jornada de trabalho no exercício da gestão escolar. A pesquisa foi qualitativa, aliada ao método de abordagem do materialismo dialético histórico. Utilizou-se, como procedimentos de pesquisa, a entrevista e o questionário que foram aplicados a dez gestores que se encontravam no primeiro mandato. Os resultados evidenciaram a excessiva jornada de trabalho dos professores-gestores e dos demais docentes, sendo que eles a relacionaram com o número crescente de adoecimentos e afastamentos verificados na Educação. Palavras chave: Professor-Gestor. Jornada de trabalho. Gestão escolar. 1. CAMINHOS METODOLÓGICOS Os dados deste artigo integram a pesquisa realizada sobre o processo formativo do professor como gestor escolar da educação básica da rede pública estadual de Mato Grosso. A metodologia utilizada foi de cunho qualitativo aliado ao método de abordagem do materialismo dialético histórico. Utilizou-se como procedimentos de pesquisa a entrevista e o questionário que foram aplicados a dez educadores que se encontravam no primeiro mandato (biênio 2010/2011) em unidades escolares da rede estadual de ensino da cidade de Rondonópolis-MT que ofereciam, simultaneamente, Ensino Fundamental e Médio. A locução professor-gestor foi utilizada para designar o ocupante do cargo de gestor escolar na rede estadual de ensino do Estado de Mato Grosso, uma vez que sua formação inicial é para exercer a docência, sendo a gestão assumida mediante sua aprovação em processo seletivo específico. No Brasil, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996, a gestão escolar passou a adotar o modelo democrático, que pressupõe uma forma de gerir descentralizada, participativa e transparente. Tal modelo é considerado responsável pela eficiência e eficácia do processo administrativo e educacional. Nesta perspectiva, a figura do professor-gestor passou a ser central e a formação desse ator social representa expressivos significado e desafio aos sistemas de ensino. Desse modo, nesta pesquisa, apesar de conceber a gestão como trabalho de uma equipe, foi focado apenas na figura do gestor escolar, denominado professor-gestor.

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Parte da pesquisa de dissertação emstrado em Educação UFMT

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Page 1: JORNADA DE TRABALHO DO PROFESSOR-GESTOR Tânia Stoffel

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JORNADA DE TRABALHO DOS PROFESSORES-GESTORES

RESUMO

Neste texto são apresentados alguns dados que integram a pesquisa realizada sobre o processo

formativo do professor como gestor escolar da educação básica da rede pública estadual de

Mato Grosso, aqui denominado de professor-gestor. Buscou-se, dentre outros objetivos,

conhecer como os sujeitos percebem e administram a sua jornada de trabalho no exercício da

gestão escolar. A pesquisa foi qualitativa, aliada ao método de abordagem do materialismo

dialético histórico. Utilizou-se, como procedimentos de pesquisa, a entrevista e o questionário

que foram aplicados a dez gestores que se encontravam no primeiro mandato. Os resultados

evidenciaram a excessiva jornada de trabalho dos professores-gestores e dos demais docentes,

sendo que eles a relacionaram com o número crescente de adoecimentos e afastamentos

verificados na Educação.

Palavras chave: Professor-Gestor. Jornada de trabalho. Gestão escolar.

1. CAMINHOS METODOLÓGICOS

Os dados deste artigo integram a pesquisa realizada sobre o processo formativo do

professor como gestor escolar da educação básica da rede pública estadual de Mato Grosso. A

metodologia utilizada foi de cunho qualitativo aliado ao método de abordagem do

materialismo dialético histórico. Utilizou-se como procedimentos de pesquisa a entrevista e o

questionário que foram aplicados a dez educadores que se encontravam no primeiro mandato

(biênio 2010/2011) em unidades escolares da rede estadual de ensino da cidade de

Rondonópolis-MT que ofereciam, simultaneamente, Ensino Fundamental e Médio.

A locução professor-gestor foi utilizada para designar o ocupante do cargo de gestor

escolar na rede estadual de ensino do Estado de Mato Grosso, uma vez que sua formação

inicial é para exercer a docência, sendo a gestão assumida mediante sua aprovação em

processo seletivo específico.

No Brasil, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB), em 1996, a gestão escolar passou a adotar o modelo democrático, que pressupõe uma

forma de gerir descentralizada, participativa e transparente. Tal modelo é considerado

responsável pela eficiência e eficácia do processo administrativo e educacional.

Nesta perspectiva, a figura do professor-gestor passou a ser central e a formação desse

ator social representa expressivos significado e desafio aos sistemas de ensino. Desse modo,

nesta pesquisa, apesar de conceber a gestão como trabalho de uma equipe, foi focado apenas

na figura do gestor escolar, denominado professor-gestor.

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2. QUESTÕES LEGAIS

Intensas transformações são observadas atualmente no tempo de trabalho em todas as

áreas profissionais, especialmente quanto à sua intensificação e flexibilização, ao passo que a

luta pela redução da jornada de trabalho tem evoluído pouco conforme o detalhamento

histórico acerca da redução da jornada de trabalho no Brasil constante na Nota Técnica 16 do

Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) (DIEESE,

2006). Ana Cláudia Moreira Cardoso (2010) argumenta que a duração da jornada de trabalho

é uma construção social resultado de disputas sociais que ocorreram ao longo da história.

A fundamentação legal e normativa atinente à questão da carreira e remuneração

docente contempla a jornada de trabalho do profissional da educação como sendo de no

máximo quarenta horas semanais, das quais dois terços devem ser destinados ao desempenho

das atividades de interação com os educandos (BRASIL, 2008) e o restante deve ser utilizado

nas atividades de preparação de aulas, avaliação da produção dos alunos, reuniões escolares,

contatos com a comunidade e formação continuada.

No entanto, o Sindicato dos Trabalhadores no Ensino de Mato Grosso (SINTEP)

discutiu, com anuência dos sindicalizados, proposta para a redução da carga horária. A

entidade defende que a jornada ideal é a “de [...] 20 horas com o aluno, [...], e mais 10 horas

se preparando” (SINTEP, 2010, p.4).

No mesmo sentido, o Plano Nacional da Educação (PNE) relativo à década de 2001 a

2010, ao diagnosticar a formação dos professores e valorização do Magistério, relaciona o

alcance da melhoria na qualidade de ensino com tal valorização, pautada esta na “[...]

melhoria da formação inicial e continuada, das condições de trabalho, salário e carreira”

(BRASIL/MEC/INEP, 2001, p. 95). O novo PNE, que tem como eixo central a valorização do

professor, está em tramitação.

Na definição das diretrizes para a valorização do Magistério, o documento aborda

como um dos itens a “[...] jornada de trabalho organizada de acordo com a jornada dos alunos,

concentrada num único estabelecimento de ensino e que inclua o tempo necessário para as

atividades complementares ao trabalho em sala de aula” (BRASIL/MEC/INEP, 2001, p.98).

Na Conferência Nacional de Educação (CONAE) foi reafirmado que os sistemas de

ensino “[...] devem promover, facilitar e assegurar acesso aos meios de formação inicial e

continuada”, por meio de medidas como a redução da carga horária sem perda salarial e a

criação de “[...] dispositivo legal que garanta a aplicação da dedicação exclusiva dos/das

docentes em uma única instituição de ensino” (CONAE, 2010, p. 90 – grifos no original).

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Pleitos importantes ocorrem com o intuito de aumentar a qualidade do trabalho

pedagógico e da vida do profissional da educação. Afinal, a saúde física e mental depende de

um equilíbrio entre trabalho e convivência social, familiar e lazer. Nas entrevistas, foi feito

um comentário interessante a esse respeito:

[...] as pessoas muitas vezes se esquecem que é aqui que trabalhamos e

quanto melhor for aqui, melhor para mim, mas algumas pessoas ainda não

conseguem ver isso e sofrem o tempo todo. Por isso falo: Vamos todos ficar doentes e a escola vai ficar péssima para todo mundo [...]. (BRAHMA

1, E2)

Também no mesmo campo de preocupações a CONAE (2010), ao abordar a formação

e valorização dos profissionais da educação, preconiza

A criação de um plano de carreira específico para todos/as os/as

profissionais da educação que abranja: piso salarial nacional; jornada de trabalho em uma única instituição de ensino, com tempo destinado à

formação e planejamento; condições dignas de trabalho; e definição de um

número máximo de estudantes por turma, tendo como referência o custo aluno/a - qualidade (CAQ). (CONAE, 2010, p. 95)

No plano legal, a organização curricular por ciclos de formação no Ensino

Fundamental e Médio do Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso, para evitar o excesso

de carga de trabalho docente, recomenda “[...] uma relação máxima de 250 alunos por

professor/a, assim como o cumprimento da jornada única de trabalho definida em lei ou

convenção coletiva de trabalho no mesmo estabelecimento de ensino” (MATO GROSSO,

2002, Art. 10 § único).

Estipula, ainda, que a escola deve ter “[...] um corpo de coordenadores/as pedagógicos

composto de um profissional com licenciatura plena para cada 250 alunos/as, com jornada de

trabalho equivalente à jornada única dos/as professores/as regentes, distribuída nos turnos de

oferta do regime por ciclos” (MATO GROSSO, 2002, Art. 11).

3. JORNADA DE TRABALHO

Na entrevista, a professora-gestora Ceres apontou que o não cumprimento da

determinação legal relativa à relação máxima de discentes por docente/coordenador

pedagógico dificulta a candidatura de novos professores-gestores ao cargo e desabafou:

Seja gestora numa escola desse tamanho, de 1º a 3º ano, com apenas uma coordenadora de 30 horas, porque nenhum efetivo quer o cargo nem de

coordenador, para você ter que ficar 24 horas levando cacetada de aluno

1 Com o intuito de garantir o sigilo das fontes de informações, os nomes usados na identificação das escolas e de

todas as pessoas envolvidas na pesquisa são fictícios.

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ainda que não participe. É por isso que ninguém quer ser diretor. E cada vez

eles mais diminuem os cargos. Nós tínhamos um articulador do terceiro ciclo

e, a partir do ano que vem, não teremos mais. Aí minha situação piora ainda, porque será um articulador e um coordenador. Aí para você mexer com

público, parte pedagógica e administrativa, tudo, disciplinar os meninos, que

hoje em dia não é nada fácil. Quem é que quer? Só se for bem obcecado por

educação, mas eu não conheço nenhum. (CERES, E1)

A pesquisa denuncia, ainda, a falta de pessoal de apoio (porteiro) e de um coordenador

para cada período, fato que também é sentido por Artêmis, que relatou:

Hoje, por exemplo, a coordenação não tem muito tempo para ler, porque a coordenação precisa ler muito e se preparar muito bem, porque é ela que dá a

Sala do Professor. [...] No entanto, a coordenação tem que ficar atrás de

aluno porque não tem inspetor de aluno na escola. Eu acho assim que teria

que priorizar a aprendizagem. O governo deveria olhar com muito carinho esta questão, entendeu? Com um agente de pátio, um inspetor de aluno para

estar vendo esta questão e não a coordenação estar correndo atrás do aluno.

(CERES, E1)

Por outro lado, há também a questão do Conselho Deliberativo da Comunidade

Escolar (CDCE), composto pelos docentes, pessoal do apoio, estudantes e seus pais. O

professor-gestor Brahma afirmou entender que a gestão escolar seria mais tranquila se o

CDCE fosse realmente atuante, contudo asseverou que os integrantes do Conselho alegam

“[...] que têm muito serviço, sobrecarga e acabam largando” a função assumida (BRAHMA,

E2).

Convém lembrar que a gerência escolar envolve diferentes profissionais e, de acordo

com os documentos legais consultados, a gestão democrática implica participação conjunta,

colegiada. Ora, a falta desses profissionais em número suficiente gera sobrecarga,

compromete a administração e, por consequência, os próprios resultados escolares. Ou seja,

pessoas qualificadas, em número suficiente, com papéis definidos e valorizadas segundo o

que preceitua o documento elaborado a partir da CONAE 2010 são fundamentais para se

garantir o bom funcionamento da escola e, portanto, uma gestão bem sucedida.

Bernadete Gatti e Elba Siqueira de Sá Barretto mostraram dados sobre a profissão

docente obtidos em um projeto desenvolvido em parceria com a Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que confirmaram que há diferença

entre as jornadas de trabalho de acordo, também, com a rede de ensino (pública ou privada) e

nível (infantil, fundamental ou médio). Apresentamos parte das considerações:

No setor público os professores da educação básica têm maiores jornadas de

trabalho do que no privado (medianas 30 e 25 horas, respectivamente),

tendência que se repete na educação infantil, no Ensino Fundamental e no

Médio. A maior diferença de jornada entre os setores público e privado ficou

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por conta dos professores do Ensino Médio, que apresentaram mediana de

40 horas no primeiro e 26 no segundo. (GATTI; BARRETTO, 2009, p. 31)

Todos esses dados permitem compreender que o gestor da escola pública de Ensino

Fundamental e Médio (caso das escolas selecionadas nesta investigação) administra uma

jornada de trabalho estendida, por parte dele próprio e da equipe escolar, o que pode ser

traduzido em maior desgaste e sobrecarga laboral.

Ao serem questionados sobre como percebem e administram a sua jornada de trabalho

ampliada, os professores-gestores disseram que, para cumprir a responsabilidade da entrega

dos documentos em dia e atender às demandas que surgem a todo o momento na escola,

perfazem uma carga horária que consideram “Cansativa demais, e assim, [...] a gente ainda

deixa coisas por fazer [...]” (ENKI, E2). E, ainda, “Gera muito desgaste. A gente pensa que

não vai dar conta, na verdade. Depois você se esforça e acaba dando conta, mas é

desgastante” (ARTÊMIS, E2).

Ísis, por sua vez, ponderou: “[...] chega um momento em que você tem que parar e

pensar se não você não aguenta. [...] Acho que é uma questão de administrar, mesmo, porque

problemas vão ter na escola sempre, e não vai ser a sua presença que vai acabar evitando-os,

então tem que administrar, mesmo” (ÍSIS, E2).

Três outros professores-gestores perceberam suas jornadas “[...] como normal”

(BRAHMA, E2); e que, “Agora está mais tranquilo, dentro do normal, mesmo. Você acaba

fazendo um pouco a mais, sempre faz um pouco a mais” (CERES, E2). E ainda: “Eu tenho

que fechar dois períodos por dia, mas tem dias da semana que tenho que estar aqui os três

períodos e noutros dias é mais calmo, então é assim” (JUNO, E2). Conforme sugere Garduño

(2010), estas declarações evidenciam que alguns gestores já desenvolveram maior segurança

para enfrentar os problemas do cargo.

Por outro lado, as questões da jornada de trabalho ampliada e das atividades realizadas

na escola nos finais de semana e feriados causam desconforto com a família. Gaia comentou:

“[...] deixo minha casa abandonada e fico envolvida aqui” (GAIA, E2). Outros entrevistados

também manifestaram que a família sente necessidade da sua presença e, no caso do

professor-gestor Hermes, a falta de tempo é o motivo para não se recandidatar ao cargo.

De forma semelhante, Fauno ponderou que a família “[...] cobra, mas, ao mesmo

tempo, tem que compreender porque sabe que é passageiro” (FAUNO, E2). No entanto, foram

as palavras de Artêmis que refletiram certo desespero da família devido às suas constantes

ausências: “[...] meu marido esses dias chegou a mim e falou: [...] Quanto vale o teu minuto?

Por favor, a gente precisa falar com você. É corrido, Deus, me livre!” (ARTÊMIS, E2).

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As declarações coletadas também revelaram o reconhecimento dos professores-

gestores de que “[...] os professores levam muito trabalho para casa no final de semana”

(JUNO, E2), especialmente devido o diário eletrônico, que dificilmente é preenchido durante

as dez horas-atividade garantidas por lei. Eles também admitiram que os docentes contratados

tem uma jornada ainda maior que os concursados por não desfrutarem do referido benefício,

assim como os que cumprem dupla jornada por desempenhar funções em outros órgãos e/ou

lecionam várias disciplinas.

Contudo, apesar de reconhecerem a sobrecarga dos docentes, os entrevistados

expressaram que “[...] igual diretor ninguém tem essa sobrecarga. [...] Quando eu era

professora, era assim: você vinha, dava aula, dava reforço, corrigia as tuas provas, e tua mente

descansava. Hoje não, hoje você vem, trabalha, trabalha, trabalha e você não para de pensar

na escola” (ARTÊMIS, E2).

O fato é que, no caso dos profissionais da educação, vem se desenvolvendo uma

exigência laboral maior, decorrente das políticas educacionais que impactaram a organização

e a gestão escolar, considerada por Ada Ávila Assunção e Dalila Andrade de Oliveira como

“[...] fator estressante” (2009, p. 367) em sua pesquisa sobre a intensificação do trabalho e a

saúde dos professores. As autoras descrevem a intensificação como

[...] fazer a mesma coisa mais rapidamente. Contudo, o processo de intensificação provoca a degradação do trabalho não só em termos de

qualidade da atividade, mas também da qualidade do bem ou do serviço

produzido. Confrontados com a falta de tempo, os trabalhadores limitam a atividade em suas dimensões centrais, que seriam manter o controle da turma

e responder aos dispositivos regulatórios. Vale ressaltar que o sofrimento no

trabalho, associado ao adoecimento em estudos específicos, está sempre ligado a um conflito entre a vontade de bem fazer o seu trabalho, de acordo

com as novas regras implícitas da profissão, e a pressão que os leva a certas

regras para aumentar a sua produtividade. (ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009,

p. 366)

A mesma situação é verificada no dia a dia dos professores-gestores entrevistados:

Você entra [na gestão] e fica tão envolvida porque é tanta coisa que

tem que administrar, que ver, é prestação de contas, a questão da

merenda que não pode faltar, um monte de coisas que às vezes você

acaba esquecendo-se do pedagógico. E eu faço questão [de

acompanhar]. (ARTÊMIS, E1)

De acordo com os depoimentos do professores-gestores, para realizar todas as suas

tarefas, alguns deles ficam os três períodos na escola e, quando necessário, nos finais de

semana também. Muitos relataram sofrer por não conseguir dedicar mais tempo ao aspecto

pedagógico e que o modelo administrativo implantando exige muito tempo do gestor escolar.

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Momento em que aparece a questão da responsabilização pelos resultados em que o “[...]

gerenciamento busca incutir performatividade na alma do trabalhador” (BALL, 2005 p. 545).

O trabalho realizado pelos gestores nas escolas durante os finais de semana também

foi apontado em pesquisa nacional realizada pelo IBOPE que verificou que eles trabalhavam

em média 49,76 horas/semana e 60% deles atuavam inclusive nos finais de semana no

estabelecimento escolar, numa média de 2,45 finais de semana/mês (IBOPE, 2009, p. 50). A

pesquisa ainda constatou que os “[...] diretores do Ensino Médio trabalham mais horas por

semana, em média e que nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste a carga semanal dos

diretores é mais puxada” (IBOPE, 2009, p. 51).

Todos os gestores da presente investigação revelaram, no decorrer da primeira

entrevista, que trabalhavam nos finais de semana no recinto escolar, numa média de 2,5 (dois

vírgula cinco) finais de semana/mês, realizando atividades relacionadas com a limpeza da

unidade, prestação de contas e andamento de projetos.

Porém, na segunda entrevista este número sofreu redução. Situação que, segundo os

entrevistados, amenizou em termos de trabalhar na escola nos finais de semana, muito embora

o número de horas trabalhadas por dia/semana ainda esteja elevado (Quadro 01), a considerar

que a legislação preconiza uma jornada de quarenta horas semanais (BRASIL, 2008).

Quadro 01 – Jornada média de trabalho dos professores-gestores pesquisados

Professor-

Gestor Turnos

Horas por Finais de semana por mês

dia semana

Artêmis 2 12 64 “[...] dois sábados - pela manhã”

Brahma 3 10 56 “[...] três sábados - pela manhã”, “domingo só na prestação de

contas”

Ceres 2 9 45 “[...] no início do ano vinha no sábado, agora não”

Dionísio 3 11 63 “[...] dois a três sábados e domingos por mês”

Enki 3 9 45 “[...] raramente venho no sábado”

Fauno 3 12 64 “[...] um sábado por mês, pela manhã”, “domingo raramente”

Gaia 2 8 40 “[...] sábados de reposição e domingos se tiver festa”

Hermes 3 12 64 “[...] três a quatro sábados por mês”

Ísis 3 12 64 “[...] só quando tem algo específico e sábados de reposição”

Juno 3 9 45 “[...] só quando há Conselho”

Fonte: Dados da pesquisa realizada em 2011

Considerando que as mulheres desempenham jornada de trabalho doméstico superior

ao número de horas dedicado ao mesmo trabalho pelos homens – média 22 horas semanais

para as mulheres e de 9,5 horas para os homens (IBGE, 2010, p. 257). Assim, fica evidente a

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sobrecarga extra a que elas se submetem no dia a dia, fato que dificulta a conciliação entre

vida doméstica e profissional.

Tem-se aqui, certamente mais um motivo de tantos adoecimentos e consequentes

afastamentos do trabalho causados pela estafa do trabalho docente, do desgaste e dos

adoecimentos próprios da profissão como a síndrome de Burnout conforme apresentado por

Carlotto (2002), Moura (2009) e Garcia e Anadon (2009).

Ficou evidenciado nas entrevistas que o quadro de afastamentos foi maior no início da

gestão de Brahma, Enki, Dionísio e Juno. Apenas Hermes afirmou que houve aumento nesse

número em sua escola enquanto que nas demais, este se manteve, em partes, pela constituição

de equipes renovadas viabilizada pelo ingresso dos novos concursados durante o ano de 2011.

Segundo os respondentes, os afastamentos foram ocasionados por vários motivos,

entre eles os que seguem: “Dentro da minha gestão houve afastamentos, licenças de

professores que realmente estavam doentes, cansados, por conta do estresse mesmo, do dia a

dia, da burocracia” (JUNO, E2).

Também foi apontado o esgotamento do final de carreira, a vivência de situações de

estresse elevado, estados de depressão profunda, lesão por esforço repetitivo, acidentes de

trânsito, burocracia e gestação – uma vez que a maior parte do quadro funcional das escolas é

composta por mulheres.

De modo particular, o gestor Hermes observou que a dupla jornada de trabalho conduz

ao adoecimento: “A gente têm vários professores que tem jornada dupla, para falar a verdade,

90% estão doentes. [... Os que] não são concursados, então, eles tentam segurar o máximo que

podem. Eles ficam doentes, mas, às vezes, tentam tirar licença, e aí ela não sai [...] então eles

ficam doentes dentro da sala de aula” (HERMES, E2).

Neste aspecto, levantamento realizado pela Fundação Victor Civita (GATTI et al.,

2009) sobre a atratividade da carreira docente no Brasil, sob a ótica de alunos concluintes do

Ensino Médio, demonstrou que a jornada de trabalho constitui um dos fatores que interferem

para que a docência tenha deixado de ser uma opção profissional interessante para o ingresso

do jovem neste mercado de trabalho.

O documento evidencia que as percepções sobre o “ser professor” e sobre o trabalho

docente denunciam que este é um profissional desvalorizado e desrespeitado pelos alunos,

pela sociedade e pelo governo de modo que transparece uma “[...] preocupação da

disparidade entre exigência e retorno, ou seja, os jovens falam do medo de trabalhar muito

e não ser devidamente reconhecidos” (GATTI et al., 2009, p. 65 – grifos no original).

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Os professores-gestores pesquisados foram unânimes na queixa sobre a excessiva

jornada de trabalho (Figura 01) e a concentração de atividades, fatores que geraram desgaste e

frustração. Nesta direção, ao comentar sobre seu trabalho diário, Brahma desabafou:

[...] aqui é uma escola grande, trabalho em três períodos. Tenho duas equipes

de limpeza, três equipes de merenda. Eu tenho um grupo de professores em

cada período e é uma realidade diferente em cada período. É um desafio imenso. (BRAHMA, E1)

Figura 01 – Apontamentos sobre a jornada de trabalho dos professores-gestores pesquisados

Fonte: Dados da pesquisa realizada em 2011

Em linhas gerais, os entrevistados relataram que, ao chegar à escola, verificam a

questão da merenda e da limpeza e, na sequência, passam pela sala dos professores. Alguns

disseram que acompanham a entrada dos estudantes no portão e outros, que são solicitados

por familiares e por questões relacionadas à manutenção/estrutura do prédio escolar. Há

também os que ressaltaram olhar o e-mail institucional no início da jornada.

Expressaram também que, apesar de conhecerem os prazos, como por exemplo, de

prestação de contas, dificilmente conseguem realizar essa tarefa no decorrer do expediente,

em razão das constantes interrupções causadas pelas demandas da escola. Por isso, relataram

ter dificuldade para programar as atividades diárias, conforme atestam as declarações sobre o

dia a dia do gestor:

É cheio de solavancos, lógico que em alguns momentos é muito gratificante

porque a gente recebe algumas visitas que vêm trazer propostas, parcerias, ajuda para os nossos alunos como palestras ou então entrevistas, ou para

noticiar projetos interessantes. Mas falar para você que eu tenho uma agenda

Todos apontaram excessiva jornada de trabalho

Maioria fica na escola por três períodos e todos trabalham no final de semana (numa média de 2,5 finais de semana/mês) realizando atividades relacionadas com a limpeza da unidade, prestação de contas e andamento de projetos.

Os entrevistados destacaram a dificuldade de gozar suas férias, a sobrecarga também percebida nos docentes e equipe de coordenação escolar, além do número crescente de adoecimentos e afastamentos.

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para o dia, eu posso até sonhar com ela, mas de fato ela não existe. Eu

atendo às demandas, e não são poucas. (BRAHMA, E2)

Cada dia é uma página, não dá nem para falar como é que é, [...]. Então, tem

dia que é muito tumultuado, [...] e tem dia que é tudo natural, só os

encaminhamentos normais mesmo. Então, é difícil, é difícil. Não tem como você falar assim: Meu dia de gestor é assim, assim e assim. Cada dia é um

evento, cada dia é uma luta [risos] você nunca sabe o que vai acontecer, a

gente vive sobtensão. (CERES, E2)

Igualmente, citaram que as solicitações por parte da Assessoria Pedagógica, sem uma

programação prévia, interrompem o andamento das atividades e provocam o não

cumprimento do planejado. Sobre o assunto, o professor-gestor Fauno detalhou que há muitos

[...] convites de última hora. Você deixa de atender aquilo que você planejou para atender outras coisas. [...] Você planejou se reunir com a comunidade,

mas não pode participar. Fizemos um planejamento de Sala do Professor na

segunda-feira, mas nem toda segunda eu participo, porque eu não posso.

Então, isso fugiu do meu planejamento do início. (FAUNO, E1)

Outro exemplo de sobrecarga foi verificado no depoimento da professora-gestora

Gaia, ao explicar que a gestão financeira é parcialmente partilhada com o quadro funcional da

unidade.

Atitude tomada como forma de reduzir a sobrecarga de trabalho que recai sobre o

professor-gestor e de descentralização do poder, enquanto modo de buscar a participação dos

demais nas tarefas gerenciais da escola. Participação enquanto princípio indispensável a uma

gestão democrática efetiva de acordo com a concepção sociocrítica da gestão defendida por

Libâneo (2004).

Ao serem questionados sobre o período do ano que os professores-gestores

consideravam mais difícil, duas das entrevistadas não especificaram o período (Artêmis e

Ísis); quatro ponderam ser o início do ano: (Brahma, Dionísio, Hermes e Juno) sob a alegação

dos “[...] conflitos entre alunos e também falta de experiência”.

Outro aspecto recorrente apontado foi a “[...] falta de qualificação do pessoal de

apoio” (Brahma). E ainda, pela “Falta de funcionários. Falta de verba. O sistema online não

funcionar” (Hermes). Por outro lado, os demais (Ceres, Enki, Fauno e Gaia) apontaram como

período mais difícil, o final do semestre/ano letivo “[...] por conta das atribuições desta época;

fechamento do ano letivo, contagem dos pontos e prestação de contas” (Enki). Esta última

situação também foi apontada por Ceres.

Para contribuir com o debate, relata-se que pesquisas realizadas em alguns países dos

continentes americano, europeu e asiático, analisadas por Garduño (2010, p. 762-763), sobre

os novos diretores e os problemas e desafios por eles enfrentados. Os dados indicam como

Page 11: JORNADA DE TRABALHO DO PROFESSOR-GESTOR Tânia Stoffel

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pontos comuns a crescente complexidade do trabalho do diretor e a consequente sobrecarga;

pouca preparação para desempenhar o cargo; pressões internas e externas vivenciadas em

relação aos membros da unidade e às reformas educativas, respectivamente.

De forma análoga, os dados desta investigação permitiram compreender que os

professores-gestores investigados também possuem uma sobrecarga laboral. Em resumo, os

entrevistados revelaram permanecer na escola por três períodos diários e ainda nos finais de

semana. Eles destacaram a dificuldade de gozar suas férias, a sobrecarga também percebida

nos docentes e equipe de coordenação escolar, além do número crescente de adoecimentos e

afastamentos.

REFERÊNCIAS

ASSUNÇÃO, Ada Ávila; OLIVEIRA, Dalila Andrade. Intensificação do trabalho e saúde dos

professores. Educ. Soc. [online]. 2009, vol.30, n.107, p. 349-372.

BALL, Stephen J. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cad. Pesqui. [online].

2005, vol.35, n.126, p. 539-564.

BRASIL. Lei nº11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do

caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso

salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica.

Diário Oficial da União, 17 jul. 2008 Disponível em:

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