john r. w. stott - cristianismo equilibrado

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  • 7/31/2019 John R. W. Stott - Cristianismo Equilibrado

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    CCrriissttiiaanniissmmoo EEqquuiilliibbrraaddoo

    John R. W. Stott

    Editora: CPAD

    Contedo:

    UNIDADE, LIBERDADE E CARIDADE 2INTELECTO E EMOO 5TRADIO E LIBERDADE 12EVANGELISMO E AO SOCIAL 21

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    UUnniiddaaddee,, LLiibbeerrddaaddee ee CCaarr iiddaaddee

    Minha preocupao chamar a ateno para uma dasgrandes tragdias da cristandade contempornea, que especialmente visvel no meio de todos ns que somos

    chamados (e, na verdade, como ns nos chamamos) cristosevanglicos. Numa nica palavra: essa tragdia chama-sepolarizao. Serei mais especfico sobre o que quero dizer.

    O pano de fundo para a tragdia a nossa substancialconcordncia no histrico cristianismo bblico. Nossa unionos fundamentos da f crist coisa grande e gloriosa.Cremos em Deus Pai, infinito e pessoal, santo, criador e

    sustentador do Universo. Cremos em Jesus Cristo, o nicoDeus-homem; em seu nascimento virginal , em sua vidaencarnada, na autoridade do seu ensino, em sua morteexpiatria, na sua ressurreio histrica, e em seu retornopessoal terra. Cremos no Esprito Santo por cuja inspiraoespecial as Escrituras foram escritas e por cuja graapecadores so hoje justificados e nascidos de novo,transformados na imagem de Cristo, incorporados Igreja eenviados para servir no mundo. Nestas e em outras grandesdoutrinas bblicas, permanecemos firmes pela graa de Deus,e permanecemos juntos.

    Contudo, ns no somos unidos. Ns nos separamosuns dos outros por assuntos pouco importantes. Algumasdas questes que nos dividem so teolgicas; outrastemperamentais. Teologicamente, por exemplo, podemosdiscordar na relao exata entre soberania divina e

    responsabilidade humana, naordem e ministrio pastoralda igreja (se deve ser episcopal, presbiteriano ouindependente) e at onde os crentes podem envolver-se numamistura denominacional sem que se comprometam a simesmos e a f que professam; nas relaes Igreja-Estado; emquem est qualificado para ser batizado e no volume de guaa ser usado; em como interpretar profecia, em quais donsespirituais esto disponveis hoje e quais so os mais

    importantes. Estas so algumas das questes nas quaiscrentes igualmente dedicados e bblicos discordam entre si.So questes que os reformadores chamam de adiaforia,questes indiferentes. Desta forma, embora pretendemos

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    continuar defendendo nossa prpria convico dasEscrituras, em conformidade com a luz que nos tem sidodada, procuraremos no pressionar dogmaticamente aconscincia de outros crentes, mas tratar a cada um comliberdade, em amor e respeito mtuo. No se pode fazer coisa

    melhor do que mencionar o famoso epigrama atribudo a umcerto Rupert Meldenius e citado por Richard Baxter. Emcoisas essenciais, unidade; nas no-essenciais, liberdade; emtodas as coisas, caridade.

    Estamos, tambm, separados uns dos outrostemporariamente.

    Esquecemo-nos , s vezes , que Deus ama a diversidade

    e tem criado uma rica profuso de tipos humanos,temperamentos e personalidades. Alm disso, o nossotemperamento tem mais influncia na nossa teologia do quegeralmente imaginamos ou admitimos. Embora a nossacompreenso da verdade bblica dependa da iluminao doEsprito Santo, ela inevitavelmente colorida pelo tipo depessoa que somos, pela poca na qual vivemos e pela culturaa que pertencemos. Alguns de ns, por disposio e

    formao, so mais intelectuais que emocionais; outros, maisemocionais que intelectuais. Repetindo, a disposio mentalde muitos conservadora (detestam mudanas e sentem-seameaados), enquanto outros so, por natureza, rebeldes tradio (o que eles detestam monotonia, considerandomudana como algo prprio de sua natureza). Questes comoestas surgem de diferenas temperamentais bsicas. Porm,no devemos permitir que o nosso temperamento noscontrole. Pelo contrrio, devemos deixar que as Escriturasjulguem nossas inclinaes naturais de temperamento. Casocontrrio, acabaremos por perder o nosso equilbrio cristo.

    O ttulo deste ensaio Cristianismo Equilibrado, poisuma das maiores fraquezas que os cristos (especialmente osevanglicos) manifestam a tendncia para o extremismo oudesequilbrio. Parece que no existe outro passatempo deque Satans mais goste do que o de tirar o equilbrio dos

    crentes. Embora eu no reivindique qualquer amizadepessoal com ele e nem tampouco qualquer conhecimentontimo da sua estratgia, suponho ser este um dos seus

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    hobbis favoritos.

    Por falta de equilbrio, entendemos o deleite quesentimos em habitar em uma ou outra das regies extremasda verdade. Se pudssemos apoiar-nos em ambos os plos,simultaneamente, exibiramos um saudvel equilbrio

    bblico. Em lugar disto, tendemos a cair em extremos. Como

    Abrao e L, nos separamos uns dos outros.Empurramos outras pessoas para um plo, enquanto que oplo oposto mantido como nossa propriedade.

    Teologicamente falando, ningum na histria da igrejabritnica nos preveniu melhor deste perigo do que CharlesSimeon, professor do Kings College e proco da igreja HolyTrinity, em Cambridge, no incio do sculo passado.Considere esta conversa imaginria com o apstolo Paulo,que ele incluiu numa carta para um amigo em 1825. Averdade no est no meio e nem no extremo, mas nos doisextremos. Aqui esto dois extremos: calvinismo earmenianismo. - Paulo, como te situas em relao a eles? Nomeio-termo intermedirio? - No. - Nos extremos? - No. -Como ento? - Nos dois extremos: hoje eu sou um calvinista

    convicto: amanh, um convicto armeniano. - Bem, bem,Paulo, compreendo a tua esperteza: vai a Aristteles eaprende o meio termo intermedirio!

    Simeon continua: - Mas, meu irmo, eu sou umdesventurado. Primeiramente li Aristteles e gostei muito;mas, desde que comecei a ler Paulo, tenho captado algo deseus estranhos conceitos, oscilaes (no vacilaes) de um

    plo para o outro. s vezes, sou um poderoso calvinista e,outras, um dbil armeniano. Desta forma, se extremos tedeleitarem, sou a pessoa certa para ti; lembra-te somente:no para um extremo que devemos ir, mas para ambos-um adgio que Charles Smyth descreveu como tonaturalmente desconcertante para a mente inglesa(Memoirsof the Life of the Ver. Charles Simeon, editado por WillianCarus 1847, p. 600. Simeon and Church Order por Charles

    Smyth, 1940, p. 185).As palavras de Simeon so sabedoria para hoje. Sejam

    nossas polarizaes basicamente teolgicas ou

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    temperamentais, devemos evit-las. Meu irmo, permita-medar quatro exemplos da inutilidade de polarizaesdesnecessrias, o que ser feito nos captulos seguintes.

    IINNTTEELLEECCTTOO EE EEMMOOOO

    O primeiro exemplo situa-se no campo do intelectual edo emocional. Alguns crentes so to friamente intelectuaisque se questiona serem eles mamferos de sangue quente,para no dizer seres humanos, ao passo que outros so toemocionais que se deseja saber se so possuidores de umaporo mnima de massa cinzenta. Eu me sinto constrangidoa dizer que o mais perigoso dos dois extremos oanteintelectualismo de depois a entrega ao emocionalismo.Vemos isto em algumas pregaes evangelsticas, que noconsistem em outra coisa seno em um apelo para decisocom pouqussima, ou nenhuma pregao do evangelho epouca, ou nenhuma, argumentao com o povo a respeito dasEscrituras, maneira dos apstolos.

    A mesma tendncia evidente na atual busca de

    experincias emocionais, vividas de primeira mo, e naexaltao da experincia como critrio da verdade, ao passoque a verdade deveria ser sempre o critrio da experincia. Omeu receio que esta tendncia seja um legadosemicristianizado do existencialismo secular. O que pareceTer filtrado na conscincia pblica da famosa distino deMartin Heidegger entre existncia autntica e inautntica que devemos abandonar cada conveno e disciplina e

    cada estilo de vida imposto que ameace a nossa autenticidadepessoal.

    Devemos, acima de tudo, escolher que seremos nsmesmos, pensando e fazendo somente o que nos parea serautntico no momento. luz deste princpio, tenho ouvidojovens crentes argumentando assim:

    Ningum pode esperar que eu creia numa doutrina s

    porque est nas Escrituras; s crerei se a doutrinaautenticar-se a mim como verdadeira. Voc no pode esperarque eu v igreja, que leia a Bblia ou que ore s porque

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    estes so deveres cristos; eu somente posso fazer estascoisas se sentir vontade. E eu no posso, possivelmente,amar o meu prximo (para no dizer o inimigo) s porquesou ordenado a fazer isto, mas somente se o Esprito Santoproduzir um relacionamento de amor com o prximo,

    autntico e real

    .Ao lado da corrente insistncia na experincia

    existencial, segue uma desconfiana, um menosprezo ouintelecto. A fuga da razo um sinal distintivo da vidasecular contempornea (pelo menos assim nos EstadosUnidos). O professor Richar Hofstadter documentou istomuito bem em seu livro Anti-intelellectualism in AmericanLife (Antiintelectualismo na vida americana) (Vintage, 1962).

    E um impressionante exemplo, recente, pode ser encontradoem Joe McGinness, quando, sob o ttulo The Selling of thePresident 1968 (A Venda do Presidente, 1968), ele relata acampanha eleitoral de Richard Nixon, em 1968. Osorganizadores da campanha ficaram convencidos de queNixon perdera a eleio para Kennedy, em 1960, porqueKennedy tinha uma imagem televisiva bem melhor que a deNixton. Ento, consultaram Marshall McLuham para orient-

    los em como fazer com que Nixon se projetasseeletronicamente, e como transform-lo de um advogadoseco e sem graa em um ser humano afetuoso e animado.Poltica- o professor MacLuham assegurou-lhes - apenasuma cincia racional.

    Eleies- insistiu - no so ganhas na bancadaeleitoral apresentada, mas nas imagens. Faa os eleitoresgostarem da cara do sujeito e a campanha est virtualmenteganha.

    Esta , naturalmente, uma situao sria, quando umanao desenvolvida , ento, levada a abdicar de suaresponsabilidade poltica, deixar de debater os assuntos dodia ou formar sua opinio e votar, no pelo que oscandidatos so, mas pelo que vulgarmente chamado dereao instintiva aos candidatos. Porm , este tipo de

    antiintelectualismo muito mais srio na igreja evanglica,pois a Palavra de Deus ensina que a nossa razo parte daimagem divina na qual Deus nos criou. Ele o Deus racional

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    que nos fez seres racionais e nos deu uma revelao racional.Negar nossa racionalidade , portanto, negar nossahumanidade, vindo a ser menos do que seres humanos. AsEscrituras probem que nos comportemos como cavalos emulas que so sem entendimento, e ao contrrio, ordenam

    que sejamos

    maduros

    em nosso entendimento

    Sl. 32:9, ICo. 14:20. De fato, a Bblia nos diz constantemente que cadarea da vida crist dependente do uso cristo de nossasmentes. Permita-me dar um exemplo: o exerccio da f.Muitos acham a f e inteiramente irracional. Mas asescrituras nunca colocam f e razo uma contra a outra,como sendo incompatveis.

    Pelo contrrio, f somente pode nascer e crescer em ns

    pelo uso de nossas mentes: em ti confiaro os queconhecem o teu nome (Sl 9:10); a confiana deles brota doconhecimento da fidelidade do carter de Deus. Novamente,em Isaas 26:3: Tu conservars em paz aquele cuja menteest firme em ti, porque ele confia em ti. Aqui, confiar emDeus e manter a mente em Deus so sinnimos e umaperfeita paz o resultado.

    luz desta nfase bblica a respeito do lugar da mentena vida crist, o que que devemos dizer para a geraomoderna dos antiintelectuais, os emocionais? Sinto muito terde dizer que eles esto se autoproclamando intensamente,como sendo crentes mundanos.

    Pois mundanismo no apenas uma questo (comofui ensinado a acreditar) de fumar, beber e danar, nemtampouco aquela velha questo sobre embelezar-se, ir a

    cinemas, usar minissaias, mas o esprito do sculo. Seabsorvemos sem qualquer exame os caprichos do mundo(neste caso, o existencialismo), sem que primeiro sujeitemosisto a uma rigorosa avaliao bblica, j nos tornamos crentesmundanos.

    Temos como princpio fundamental, disse Wesley paraum dos seus primeiros crticos, que renunciar o uso da

    razo renunciar religio, que

    religio e razo seguem demos dadas e que toda religio irracional falsareligio(citado por R.W. Burtner, R. E. Chiles em ACompend of Wesleys Theology, 1954, p. 26).

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    Sinto-me na obrigao de acrescentar, contudo, que se oantiintelectualismo perigoso, a polarizao oposta quaseigualmente perigosa. Um hiperintelectualismo rido e semvida, uma preocupao exclusiva com ortodoxia no cristianismo do Novo Testamento. No h dvida de que os

    crentes primitivos eram profundamente motivados pelaexperincia de Jesus Cristo. Se o apstolo Paulo podeescrever sobre a excelncia do conhecimento de CristoJesus, meu Senhor, e o apstolo Pedro pode dizer que oscrentes alegram-se com gozo inefvel e glorioso (Fp. 3:8; IPedro 1:8), ningum pode facilmente acus-los de tristonhosou insensveis.

    A verdade que Deus nos fez criaturas, tanto

    emocionais, como racionais. No somos apenas mamferos desangue quente, mas seres humanos, capazes de sentimentosprofundos de amor e de ira, de compaixo e de temor.Escrevo sobre isto com convico pessoal, pois, de algumaforma, diverge da educao que recebi em escola particularda Inglaterra. No tenho a menor inteno de morder a moque me alimentou, pois reconheo o quanto devo aosprivilgios educacionais que me foram concedidos. Contudo,

    sinto-me crtico daquela caracterstica distintiva da tradioda escola particular, conhecida como o lbio superiorrgido.

    Visto que o primeiro sinal externo de profunda emoointerna geralmente o tremor do lbio superior, mant-lorgido reprimir as emoes e cultivar as virtudes (maismasculino que feminino, mais anglo-saxo que latino) decoragem, vigor e autocontrole. O que no poderia acontecerera um rapaz chorar em pblico; choramingo era reservados moas e crianas. Desde aqueles dias de pr-guerra,contudo, tenho lido o Novo Testamento muitas vezes edescoberto que Jesus no teve o acanhamento de demonstrarsuas emoes. Em duas ocasies diferentes somosinformados de que Ele, na realidade, caiu em prantos empblico, primeiro ao lado do tmulo de um amigo e, depois,na impenitente Jerusalm. Neste caso, ento, Jesus no foieducado no mesmo sistema, da escola particular britnica!

    Se um perigo negar nosso intelecto, um perigo

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    tambm negar nossas emoes. Mesmo assim, o quemuitos de ns estamos fazendo.

    Alvin Toffer escreve sobre alguns jovens americanos queesto exibindo os sintomas do que ele chama de choque dofuturo. Ele se refere a uma pequena aldeia martima em

    Creta, cujas 40 ou 50 cavernas esto ocupadas portrogloditas americanos, desertores: rapazes e moas que,na maior parte, desistiram de fazer qualquer esforo maiorpara enfrentar a alta velocidade explosiva das complexidadesda vida. Um reprter visitou-os em 1968 e comunicou-lhes anotcia do assassinato de Robert F. Kennedy. Resposta:silncio: Nenhum choque, nenhuma emoo, nenhumalgrima! este o novo fenmeno: Desertores dos Estados

    Unidos e desertores das emoes. Eu compreendo o no-envolvimento, o desencanto e, mesmo o no-comprometimento. Porm, para onde foi todo o sentimento?(Future Shock, Pan Books 1971, p.331).

    Pamela Hansford Johnson, que fez a reportagem doshorrores sdicos dos assassinatos dos Moors, escreveu queassassinos por lucro ou gratificao so quase sempre

    destitudos daquilo que os psiclogos chamam de

    comoo

    - capacidade de penetrar nos sentimentos dos outros; econtinuou dizendo: corremos o risco de criar uma sociedadesem qualquer comoo, na qual ningum se preocupe com oouro, seno consigo mesmo, ou com outra coisa que noauto-satisfaa instantneamente.

    Procuramos sexo sem amor, violncia por prazer.Estamos encorajando o entorpecimento da sensibilidade...

    (On Iniquity, McMillan 1967, pp. 18 e 24).

    Uma das causas da insensibilidade da nossa sociedade a televiso, pois ela traz para os nossos lares, numaseqncia que nunca pra, cenas de violncia, brutalidade etragdia que assaltam to poderosamente nossas emoes demaneira tal que no conseguimos suportar. Fazemos, ento,duas coisas: ou nos levantamos e desligamos o aparelho, ou

    fazemos pior: permitimos que a imagem continue a brilharna tela, mas desligamos o nosso interior do que est sendomostrado.

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    Continuamos assistindo, mas sem nos envolveremocionalmente.

    Talvez eu possa dar um exemplo pessoal, desta vez noa respeito da televiso, mas de um concerto da pea OMessias, de Handel, no Royal Albert Hall. Quando o

    concerto atingiu seu clmax com o coro Aleluia, com aafirmaes majestosas de que o Senhor Deus onipotentereina... Rei dos reis e Senhor dos senhores e com o Ammfinal, confesso que fiquei profundamente comovido. Quandoos msicos pararam, a audincia explodiu num estrondo deaplausos, que foi uma maneira perfeitamente apropriada deexpressar sua apreciao pelo maestro, coro, orquestra esolistas. Mas, ento, medida que os aplausos se

    extinguiam, todos comearam a pegar seus chapus ecasacos, a rir, a conversar e a empurrarem-se ao se dirigirempara as portas de sada.

    Ser presuno minha dizer que eu no podia mover-me? Eu tinha sido transportado para o Cu, para aeternidade, para a presena do prprio grande Rei. No foisuficiente para mim aplaudir os msicos; eu quis curvar a

    cabea e adorar a Deus. Sou eu estranho ao reagir com toprofunda emoo religiosa? Ou ser que estou certo aoperguntar o que esto as pessoas fazendo com suas emoesa ponto de ouvir um concerto ou ir a um culto e permanecerinsensveis? Eu no estou questionando por emocionalismo,pois uma exibio artificial, uma pretenso espria. Masemoes, sentimentos genunos surgidos legitimamente quedevem ser expressados, e no sufocados.

    Qual, ento, a verdadeira relao entre o intelecto e aemoo?

    Muhammed Iqbal, o jurisconsulto e poeta, que se tornoupresidente da Liga Muulmana, que preparou o caminhopara um Paquisto independente e que trabalhou por umnovo entendimento entre o Oriente e o Ocidente, escreveu emum dos seus poemas:

    No Ocidente, intelectos a fonte da vida.

    No Oriente, amor a base da vida.

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    Atravs do amor, intelecto cresce familiarizado com arealidade.

    Intelecto d estabilidade ao trabalho do amor.

    Levantai e lanai os fundamentos de um novo mundo.

    Enlaando intelecto ao amor.

    Isto est perfeitamente certo. Porm, o intelecto no prerrogativa do Ocidente, nem o amor (ou emoo), doOriente. Algumas naes ou raas podem verdadeiramente

    ter mais de intelecto e outras mais de emoo, mas intelectoe emoo no podem estar restritos a alguns temperamentosou algumas culturas, pois ambos so parte de toda ahumanidade que Deus criou. Ambos - intelecto e emoo -pertencem autntica experincia humana.

    Em particular, nada coloca o corao to em fogo comoa verdade.

    A verdade no fria e seca. Pelo contrrio, cheia decalor e paixo, e em qualquer que seja o momento em quenovas perspectivas da verdade de Deus surgem diante dens, no podemos ser apenas contemplativos.

    Somos movidos a responder, seja em penitncia, ira,amor, ou adorao.

    Pense nos dois discpulos a caminho de Emas; naprimeira pscoa, tarde, quando o Senhor ressuscitadofalava com eles. Quando Ele desapareceu, eles disseram umpara o outro: Porventura no ardia em ns o nosso coraoquando, pelo caminho, nos falava e quando nos abria asEscrituras?(Lc. 24:32). Eles tiveram uma experinciaemocional durante toda a tarde. Por isso, descreveram asensao que tiveram como um corao ardente. E qual foi acausa do ardor espiritual? Foi Cristo, abrindo-lhes asEscrituras!

    o mesmo hoje. Sempre que lemos as Escrituras e

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    Cristo as abre para ns, para que captemos verdades novas,nossos coraes devem arder dentro de ns. Como F.W.Faber disse: Teologia profunda a melhor lenha para adevoo, pega fogo, que uma beleza e, uma vez acesa,queima por muito tempo(citado por Ralph G. Turnbull, em A

    Minister

    s Obstacles, 1946, Baker 1972, p. 97).Esta combinao verdadeira de intelecto e emoo

    deveria ser visvel, tanto na pregao como na compreensoda Palavra de Deus.

    Ningum expressou isto melhor do que o Dr. MartynLloyd Jones, que bem define o que pregao: Lgica emfogo! Razo eloqente! So contradies? ?Claro que no!

    Razo acerca da verdade tem de ser poderosamenteeloqente, como voc pode verificar no caso do apstoloPaulo e de outros. teologia em fogo. E uma teologia queno traz fogo (eu afirmo), uma teologia defeituosa. Pregao teologia vinda atravs de um homem em fogo (Preachingand Preachers, Hodder & Stoughton 1971, p. 97).

    TTRRAADDIIOO EE LLIIBBEERRDDAADDEE

    A Segunda polarizao desnecessria na igrejacontempornea refere-se a conservadores e radicais.Devemos comear pela definio dos termos. Porconservador estamo-nos referindo s pessoas que estodeterminadas a conservar ou preservar o passado e so, porisso, resistentes a mudanas. Por radical referimo-nos spessoas que esto em rebelio contra o que herdado dopassado e esto, por isso, fazendo agitaes por mudanas.

    Deixai-me, agora, definir mais precisamente em quesentido cada crente deveria ser um conservador e umradical, ao mesmo tempo: Cada crente deveria serconservador porque toda a Igreja chamada por Deus paraconservar sua revelao, para guardar o depsito (I Tm.6:20; II Tm 1:14), para batalhar pela f que uma vez foi dada

    aos santos, Jd 3. A tarefa da Igreja no continuarinventando novos evangelhos, novas teologias, novasmoralidades e novos cristianismos, mas, antes, ser uma

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    guardi fiel do nico Evangelho eterno, pois a auto-revelaode Deus alcanou sua consumao no seu Filho Jesus Cristoe no testemunho apostlico de Cristo, preservado no NovoTestamento. Isto no pode ser alterado de forma alguma: imutvel em verdade e autoridade.

    Os quatro autores do livro Growing into Union(Crescendo em Unio) expressaram este ponto com vigor: Aprimeira tarefa da Igreja manter as boas-novas intactas. melhor falar do hbito mental que esta vocao requer comoconservacionista do que como conservador, pois aSegunda palavra pode facilmente sugerir uma tendnciaantiquria: por ser antigo, por ser velho, e uma resistnciacega ao pensamento novo, e no absolutamente a respeito

    disso que estamos falando.

    Antiquarianismo e obscurantismo so vcios da mentecrist, mas conservadorismo est entre as suas virtudes(SPCK 1970, p. 103).

    Alguns crentes, contudo, no limitam o conservantismodeles teologia bblica que professam. O fato que soconservadores por natureza. Eles so conservadores na

    poltica e na perspectiva social, no estilo de vida, no estilo devestir, no estilo de cortar o cabelo, no estilo da barba, emqualquer outro tipo de estilo que se mencione.

    No esto apenas atolados na lama, a lama delesendureceu como concreto. Mudana de qualquer tipo antema para eles. So como o duque ingls, o qual teriadito durante seus dias de estudante na Universidade de

    Cambridge:Qualquer mudana , em qualquer tempo e porqualquer razo, deve ser deplorada! O slogan favorito :

    Como foi no princpio, agora e ser para sempre. Amm!

    Um radical, por outro lado, algum que fazperguntas grosseiras sobre as tradies estabelecidas. Eleno considera qualquer tradio, qualquer conveno equalquer instituio (ainda que antiga) como sendosacrossanta. Ele no reverencia vaca sagrada alguma. Pelo

    contrrio, est preparado para submeter qualquer coisaherdada do passado ao escrutnio crtico. E seu escrutniogeralmente leva-o a querer reformas, at mesmo revoluo

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    (embora, sendo um crente, opte pela no-violncia).

    Um radical reconhece a rapidez com que a cena domundo est mudando hoje. Ele no se sente ameaado poristo, nem seu primeiro instinto comportar-se como o reiCanute e tentar prender a mudana da mar crescente. Alvin

    Toffer define choque do futuro, a expresso que eleinventou, como paralelo a choque cultural, nestes termos:choque do futuro a desorientao vertiginosa produzidapela chegada prematura do futuro. Pode bem ser a maisimportante molstia de amanh... (p.19). Mas o radical nofica chocado com isto. Sabendo que mudanas soinevitveis, ele d-lhes as boas-vindas e se ajusta para achegada de qualquer mudana. E at mesmo a inicia.

    Parece ento primeira vista, que conservadores eradicais esto em oposio e que no podemos fazer outracoisa seno polarizar nesta questo. Mas no bem assim.No bem entendido que nosso Senhor Jesus Cristo foiconciliatoriamente um conservador e um radical, embora emesferas diferentes. No existe a menor dvida de que ele foium conservador em sua atitude para com as Escrituras. As

    Escrituras no podem ser anuladas,

    nem um jota ou um tilse omitir da lei, sem que tudo seja cumprido, (Jo. 10:17;Mt. 5:17,18). Uma das principais queixas de Jesus contra oslderes judeus da sua poca referia-se ao desrespeito porparte deles pelas Escrituras do Velho Testamento e falta deuma verdadeira submisso sua autoridade divina.

    Mas Jesus pode tambm ser verdadeiramente descritocomo um radical. Ele foi um crtico mordaz e destemido do

    tradicionalismo judeu, no somente devido insuficientelealdade que havia para com a Palavra de Deus, mas,tambm, devido lealdade exagerada s prprias tradieshumanas. Jesus teve a temeridade de lanar fora sculos detradies que tinham sido herdadas, as tradies dosancios, para que a Palavra de Deus pudesse ser apreciadae novamente obedecida. (Mc. 7:1-13). Ele foi, tambm, muitoousado nas violaes das convenes sociais. Insistiu em

    preocupar-se com todas as reas da comunidade que eramnormalmente menosprezadas: falou com mulheres empblico, o que no era aceito nos seus dias, convidou

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    crianas para que viessem a Ele, embora na sociedaderomana crianas rejeitadas fossem geralmente abandonadasou deixadas ao relento, o que levou os discpulos a acharemque ele no gostaria de ser incomodado por elas. Elepermitiu que prostitutas o tocassem (os fariseus afastavam-se

    delas horrorizados) e Ele mesmo, na realidade, tocou numleproso intocvel (os fariseus apedrejavam-nos para quefossem mantidos distncia). Destas e de outras maneiras,Jesus recusou-se a ser preso por costumes humanos: suamente e conscincia estavam presas unicamente Palavra deDeus.

    Por conseguinte, Jesus foi uma combinao nica doconservador e do radical: conservador em relao s

    Escrituras, e radical no eu escrutnio (seu escrutnio bblico)de todas as outras coisas.

    Ora, o discpulo no est acima do seu mestre, comoJesus freqentemente dizia. Portanto, se Jesus podecombinar conservadorismo e radicalismo, assim podemosns, que afirmamos segui-lo. Verdadeiramente, devemos faz-lo, se formos leais a Ele. H uma necessidade urgente para

    que mais

    C Rs

    surgem na Igreja; agora, no maisrepresentando as iniciais para catlicos romanos, mas paraconservadores radicais. uma necessidade que cristosevanglicos desenvolvam um discernimento mais crtico entreo que no possvel ser modificado e o que pode, e mesmodeve ser.

    Deixai-me dar um exemplo do que no possvel sermodificado:

    Era costume, nos dias passados, ter o Pai Nosso, os DezMandamentos e o Credo dos Apstolos pintados na paredeleste de muitas igrejas inglesas, para ser visto e lido portodos. Na igreja de uma vila, as letras tinham ficadodesbotadas e um pintor desenhista foi contratado pararetoc-las. Na ocasio oportuna (assim a estria contada), oconselho da igreja ficou alarmado com a conta que lhe foi

    apresentada.Acontecendo isso antes da implantao do sistema

    decimal, a conta foi lida como segue:

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    Pela reparao do Pai Nosso 10 s.

    Pelos trs Mandamentos novos 12s.

    Por ter feito um Credo completamente novo 17s 6d.

    Por outro lado, embora tenhamos autoridade paraalterar o Credo ou os Mandamentos que Deus tem revelado,todavia (como Leighton Ford disse corretamente, em 1959,no Congresso Americano sobre Evangelismo, emMinnepolis) Deus no est preso ao ingls do sculodezessete, nem aos hinos do sculo dezoito, nem arquitetura do sculo dezenove, nem aos clichs do sculovinte, nem (algum pode adicionar) a muitas outras coisas.Embora Ele mesmo nunca mude, nem tampouco suarevelao, Ele , tambm, o Deus que age, chamando sempreo seu povo para empreendimentos novos e venturosos.

    Mais particularmente, todos ns necessitamos discernircom clareza entre Escrituras e cultura. As Escrituras so aPalavra de Deus eterna e imutvel, mas cultura umamistura de tradio eclesistica, conveno social ecriatividade artstica. Seja qual for a autoridade que a

    cultura possa ter, ela derivada da Igreja e da comunidade,no podendo exigir uma imunidade ao cristianismo oureforma. Pelo contrrio, cultura muda de poca para poca ede lugar para lugar. Alm do mais, ns crentes, que dizemosdesejar viver sob a autoridade da Palavra de Deus,deveramos submeter nossa cultura contempornea a umcontnuo escrutnio bblico. Longe de ressentirmo-nos com amudana cultural ou de resistirmos a ela, deveramos estar

    na linha de frente, junto aqueles que trabalham por umamodificao progressiva, para fazer com que a mudanarealmente expresse, cada vez mais, a dignidade do homem eseja mais agradvel ao Deus que os criou. Numa recentevisita aos Estados Unidos, fiquei impressionado com umgrupo de estudantes que encontrei em Trinity EvangelicalDivinity Shooll, em Deerfield, llinois. Eles pertenciam aosmais diversos grupos, mas achavam-se unidos no

    compromisso para com o cristianismo bblico, no desencantocom muito do cristianismo americano contemporneo e nadeterminao de descobrir uma aplicao radical docristianismo bblico aos grandes assuntos do dia. De modo

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    que eles se reuniam num grupo de estudo e orao, do qualsurgiu a coligao Crist do Povo (The Peoples ChristianCoalition), cujo rgo oficial o The Post-American. Oprimeiro nmero publicado em fevereiro de 1971 tinha umarepresentao do Senhor Jesus na primeira folha, coroado

    com espinhos, manietado e envolto com as estrelas e listas dabandeira americana. Muitos pensaram que o retrato faziaparalelo com a blasfmia. Mas eu no compartilhei com amesma reao. Pelo contrrio, achei que foi uma expressogenuna que eles tinham pela honra de Cristo. Jim Wallispublicou no seu editorial: A ofensa da religio estabelecida a proclamao e a prtica de uma caricatura de cristianismoinculturado, domesticado e sem vida, que nossa gerao fcile naturalmente rejeita. Ns achamos que a igreja americanaest cativa dos valores e estilo de vida da nossa cultura. Ocativeiro da igreja americana tem resultado na desastrosaequao: a maneira americana de vida somada maneiracrist de vida.

    Exatamente o mesmo poderia ser dito da expressocultural do cristianismo em outras partes do mundo. Este um dos principais problemas em muitas igrejas do Terceiro

    Mundo, que foram estabelecidas por misses da Europa e daAmrica do Norte, e esto agora procurando suas prpriasidentidades indgenas. Estas igrejas confrontam-se com doisproblemas culturais. O primeiro diz respeito cultura nativaou tribal, talvez especialmente na frica. Os lderes nacionaisreconhecem que alguns costumes africanos tradicionaisrefletem a origem pag e so incompatveis com a f, amor ejustia crist. O segundo problema diz respeito cultura

    estrangeira (seja europia ou americana) que, muitofreqentemente, foi importada para o Terceiro Mundo com oEvangelho. , em parte, porque esta invaso cultural temparecido para muitos como uma afronta prpria dignidadenacional, que muitos deles chegaram ao fora com a religiodo homem branco. Naturalmente, o clamor est errado.Cristianismo no pertence ao homem branco e, nemtampouco, a qualquer outro grupo de homens. Jesus Cristo

    Senhor de todas as raas, pases e pocas, sem qualquerdiscriminao. Contudo, certo para os africanos, asiticos elatinos americanos procurar desenvolver suas prpriasexpresses indgenas da verdade crist. Nesse sentido, o Dr.

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    Ren Padilha fez um apelo eloqente no CongressoInternacional sobre Evangelizao Mundial, em Lausanne, emjulho de 1974, quando atacou o que chamou de cristianismocultural.

    Por conseguinte, lderes cristos de igrejas jovens

    necessitam de grande sabedoria para discernir no apenasentre cultura nacional e cultura importada, mas, tambm,entre o que em ambas as culturas honrvel a Cristo e o queno ; o que tem valor e o que no tem. Eles precisam,tambm, coragem para reter uma coisa e rejeitar a outra.

    O cristianismo europeu cujas razes alcanam,aproximadamente, 2000 anos, est, tambm, profundamente

    enraizado na cultura dos sculos. No sem sentido quepodemos falar sobre luteranismo, anglicanismo,presbiterianismo, metodismo e, mesmo, irmanismo. Cada umdeles uma forma tradicional ou cultural do cristianismohistrico que colore no somente nossos formulriosdoutrinrios, mas nossa liturgia (ou falta de liturgia) emsica; o formato e a decorao dos nossos templos, nossosmtodos pastorais e evangelsticos, e tudo o que fazemos

    como igreja. Tudo isto deve ser submetido investigaobblica regular e crtica.

    Portanto, quando resistimos a mudanas - sejam elasna igreja ou na sociedade devemos perguntar-nos se so, narealidade, as Escrituras que estamos defendendo (como nosso costume insistir ardorosamente) ou, se ao contrrio, alguma tradio apreciada pelos ancios eclesisticos ou denossa herana cultural. Isto no quer dizer que todas as

    tradies, simplesmente por serem tradicionais, devam aqualquer custo ser lanadas fora. Iconoclasmo sem crtica to estpido quanto conservantismo em crtica, e algumasvezes mais perigoso. O que eu estou enfatizando quenenhuma tradio pode ser investida com uma espcie deimunidade diplomtica examinao. Nenhum privilgioespecial pode ser-lhe reivindicado.

    Quando, por outro lado, clamamos por mudanas,devemos estar certos de que no contra as Escrituras queestamos nos rebelando, mas contra alguma tradio no-bblica, que portanto, aberta reforma.

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    Se no-bblica no sentido de ser claramente contrrias Escrituras, ento devemos atacar o assuntocorajosamente e trabalhar muito para sua abolio. Se no- bblica no sentido de no ser requerida pelasEscrituras, ento devemos mant-la sob reviso crtica.

    Mas freqentemente do que a maioria de ns sabe ouprocura admitir, ns revestimos nossas idias e costumesculturais com uma autoridade, verdade e imutabilidade quesomente pertencem s Escrituras. Mas so parte da nossasegurana. Quando so ameaados, ns nos sentimosameaados tambm. Assim, evitamos qualquer risco elutamos vigorosamente para defender essas coisas, s quaisnos agarramos.

    Outras vezes, ns nos posicionamos por demaisfracamente em relao s Escrituras e tratamos a Palavra deDeus como se pudssemos coloc-la de lado to facilmentequanto o fazemos com as opinies e tradies humanas. Porconseguinte, provamos que somos cristos mundanos, quetm a tal ponto absorvido a onda antiautoritria do mundoque nem mesmo estamos preparados para viver sob a

    autoridade de Deus e de Sua Palavra, pela qual ele governa oseu povo.

    Os crentes contemporneos so chamados para andarnesta corda apertada. Ns no devemos resistir s mudanastotais. Alm disso, mesmo em questes abertas mudana,devido liberdade dada pelas Escrituras, no devemos serinconoclastas. Crentes que crem no deus da histria e naatividade do Esprito Santo no decorrer da histria da Igreja,

    no podem deleitar-se com mudanas, simplesmente pormudar. Algumas vezes, como Jesus disse, melhor o velho (Lc. 5:39), porque tem agentado a prova do tempo.Devemos, tambm, ser sensveis ao conservantismo doscrentes de geraes mais antigas; eles no puderam adaptar-se com facilidade a mudanas, mas foram mais facilmenteferidos e perturbados por isso. Somos chamados para umsbio discernimento; instrudos por uma perspectiva bblica,

    para que sejamos apreciadores do legado do passado eresponsveis pela disposio do presente. Somente entopoderemos aplicar para toda a cultura (na Igreja e na

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    sociedade) um cristianismo bblico radical e procurar o quens cremos que poderia ser mudado para melhor, sob aorientao de Deus.

    Os nossos reformadores da igreja da Inglaterra do sculodezesseis entenderam bem este princpio, pelo menos na sua

    aplicao reforma eclesistica. Na pequena impresso doLivro de Orao comum h um prefcio intitulado DasCerimnias, que explica porque algumas so abolidas eoutras retidas. Isto foi includo no primeiro Livro de Oraoreformado de 1549, que foi provavelmente composto peloprprio arcebispo Crammer. Ele considera que, neste nossotempo, as mentes dos homens so to diferentes que algunspensam que um grande problema de conscincia

    abandonar, por menor que seja, as cerimnias, pois elesesto presos aos costumes antigos, mas, por outro lado,alguns so to modernos que inovariam todas as coisas e,assim, desprezariam as antigas, de maneira que somente oque novo lhes favorvel. Similarmente ao prefcio, queexplica os princpios que regeram a reviso do Livro deOrao em 1662, comea: Tem sido sbia por parte daigreja da Inglaterra, desde a primeira compilao da Liturgia

    Pblica, manter um equilbrio entre os dois extremos, derigidez demasiada em recusar, e de facilidade demasiada emadmitir, qualquer alterao disto. Possa Deus dar-nos estamesma sabedoria hoje e, tambm, dar-nos a coragem deaplic-la no somente para os assuntos eclesisticos, mastambm nos assuntos sociais, ticos e polticos!

    Talvez eu poderia expressar-me em termos biolgicospara dizer que ns necessitamos de moscas varejistas cristspara aferroar-nos e impelir-nos a agir em busca demudanas e, tambm de ces de guarda cristos que latiro,alta e longamente, se mostramos qualquer sinal decomprometimento da verdade bblica. Nenhum dos dois,moscas varejistas e ces de guarda, so companhias fceisde se conviver com eles, nem tampouco acham eles acompanhia um do outro compatvel. Contudo, as moscasvarejistas no devem picar os ces de guarda, nem devem osces de guarda comer as moscas varejistas. Eles devemaprender a coexistir na Igreja de Deus e a executarem seuspapis ao concentrar a ateno em ns, a maioria do povo de

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    Deus, que, desesperadamente, necessitamos do ministrio deambos.

    Tendo advertido sobre os perigos de mudanasdemasiadas ou de nenhuma, concluo este captulo dizendoque o perigo maior (pelo menos entre os evanglicos)

    confundir cultura com Escrituras, ser conservador etradicionalista demais, estar cego a todas as coisas, na Igrejae na sociedade, que desagradam a Deus e que deveriam,portanto, desagradar-nos, ter os ps enterrados no statusquo e resistir firmemente mais desconfortvel de todas asexperincias: MUDANAS.

    EEVVAANNGGEELLIISSMMOO EE AAOO SSOOCCIIAALL

    Eu mudo, agora, da polarizao entre o conservador e oradical, para a do estruturado e o no-estruturado. Asestruturas seculares esto desmoronando em todos oslugares. H uma rebelio mundial contra formasinstitucionais rgidas e um sentimento universal procura deliberdade e flexibilidade. A igreja crist, considerada em

    muitas parte do mundo como uma das principais estruturasdo tradicionalismo, no pode escapar a este desafio denossos tempos. Alm disso, o desafio vem tanto de dentrocomo de fora. Muitos jovens crentes esto requerendo umnovo e no-estruturado tipo de cristianismo, despojado dosobstculos eclesisticos que tem sido herdados do passado.

    Permita-me classificar as trs expresses principaisdesta onda.

    Referem-se igreja e seu ministrio, direo de cultospblicos, e ao relacionamento com os outros crentes. perigoso generalizar.

    Todavia, algum pode dizer, em primeiro lugar, quemuitos esto procurando igrejas que no tenham cerimniafixa. Grupos de crentes esto, agora, libertando-se em

    muitas partes do mundo, libertando-se da tradio e fazendoas coisas sua maneira.

    Em segundo lugar, h um desejo por cultos informais,

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    nos quais o ministro no mais domina, mas onde aparticipao da congregao incentivada, onde o rgo substitudo pelo violo e uma liturgia antiga, pela linguagemde hoje, onde h mais liberdade e menos formalidade, maisespontaneidade e menos rigidez.

    Em terceiro lugar, h uma rejeio dedenominacionalismo e uma nova nfase bastante corrente emcortar os laos que os prendem ao passado e mesmo a outrasigrejas do presente. Eles querem chamar-se crentes massem qualquer rtulo denominacional.

    Sem dvida, estas trs exigncias tem alguma lgica.Elas so fortemente sentidas e poderosamente manifestadas.

    No podemos simplesmente consider-las comoirresponsabilidades loucas do jovem. H uma ampla buscapara o livre , o flexvel, o espontneo, o no-estruturado. Agerao dos crentes mais velhos e tradicionais precisaentender isso, ser solidria e acompanhar, na medida dopossvel, o que est acontecendo. Todos ns concordamos emque o Esprito Santo pode ser (e s vezes tem sido)aprisionado em nossas estruturas e sufocado por nossas

    formalidades. Contudo, h algo a ser dito em relao aooutro extremo. Liberdade no sinnimo de anarquia.

    Que argumento pode ser apresentado, ento, em favorde alguns tipos de cerimnias e estruturas?

    Primeiro: uma igreja estruturada. Os crentespertencem a diferentes origens denominacionais e apreciamtradies diferentes.

    Contudo, a maioria (talvez todos ns) concorda em queo Fundador da Igreja tencionou que ela tivesse umaestrutura visvel.

    Verdadeiramente, a Igreja tem o seu aspecto invisvel,em que somente, o Senhor conhece os que so seus, (II Tm.2:19). Mas no podemos refugiar-nos na doutrina dainvisibilidade da Igreja verdadeira para negar que Jesus

    Cristo tinha em mente que seu povo fosse visto e conhecidocomo tal. Ele mesmo insistiu no batismo como a cerimniade iniciao na sua Igreja, e batismo um ato visvel e

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    pblico. Ele tambm instituiu sua ceia como a refeio dacomunho crist, pela qual a Igreja identifica a si mesma eexercita disciplina sobre os membros.

    Alm disto, Ele consagrou pastores para alimentar oseu rebanho.

    Portanto, sempre que voc tiver batismo, a ceia doSenhor e um pastorado, ou, em termos tradicionais, umministrio e ordenanas, voc tem estrutura. Pode ser queseja mais simples e mais flexvel do que em muitasdenominaes histricas, mas continua uma estrutura clarae definida. De mais a mais, seu valor pode ser fortementediscutido em termos de Ter-se um ministrio e ordenanas

    que sejam reciprocamente reconhecidos pelas diferentesigrejas.

    Segundo: adorao formal. Em particular, soucompletamente a favor da adorao espontnea, exuberante,alegre e barulhenta do jovem, ainda que, algumas vezes,possa ser doloroso, como experimentei uma vez, em Beirute,quando o meu ouvido direito estava a apenas algumaspolegadas do trombone. Alguns de nossos cultos so por

    demais formais, srios e maantes. Ao mesmo tempo, emalgumas reunies modernas, a quase total noo dereverncia perturba-me. Parece que alguns acham que aprincipal evidncia da presena do Esprito Santo obarulho.

    Temos nos esquecido de que uma pomba tanto umemblema do Esprito quanto o vento e o fogo? Quando Ele

    visita o seu povo em poder, s vezes, traz quietude, silncio,reverncia e temor. Sua voz mansa e delicada ouvida.Homens curvam-se maravilhados diante da majestade doDeus vivo e o adoram: O Senhor est no seu santo templo;cale-se diante dele toda a terra!. Eu no estou sugerindo quereverncia e formalidades sigam sempre juntas, pois reuniesinformais podem tambm ser reverentes, ao passo que cultosformais podem ter seriedade e beleza sem ter uma verdadeira

    reverncia espiritual. Mas onde seriedade e reverncia soencontradas em conjunto, a adorao oferecida bastanteagradvel a Deus.

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    Terceiro: um princpio de conexo. A maioria de nsdesejaria insistir em, pelo menos, um certo grau deindependncia para a igreja local que, em conformidade como Novo Testamento, uma manifestao local e visvel daIgreja universal. E a igreja local (no apenas a igreja

    universal), chamada o templo de Deus e o corpo de Cristo:a igreja local: (I Co. 3:16; 12:27 ) e a igreja universal: (Ef.2:19-22; 4:14-16). Contudo, possvel levar este princpio daautonomia da igreja local longe demais e, virtualmente,ignorar todos os crentes do passado e do presente. Quandoisto acontece, a igreja local tem-se tornado to auto-suficiente que menospreza a Igreja de Deus no tempo e noespao. Precisamos, portanto, lembrar-nos de certas verdadesbblicas que o povo cristo (especialmente o jovem) tende aesquecer. Esto eles interessados somente no presente?Esto eles, a gerao de agora, fazendo eco ao famoso dito deHenry Ford que histria discurso insincero? s vezesparece que sim. Mas, em que tipo de Deus crem eles? Pois oDeus da Bblia o Deus da histria, o Deus de Abrao, deIsaque e de Jac, de Moiss e dos profetas, dos apstolos eda Igreja apostlica, que cumpre seus propsitos atravs dossculos. Se Deus o Senhor da histria, como podemos nsignor-la ou no nos interessar por ela? Ele , tambm, oDeus de toda a igreja. A unidade da Igreja derivada daunidade de Deus. E porque h um s Pai, h uma s famlia,e um s Senhor, h uma s f, uma s esperana e um sbatismo; e porque h um s Esprito, h somente um corpo:(Ef. 4:4-6). Portanto, toda a questo do relacionamento comoutros crentes controversa e complicada, e certamente asEscrituras no nos do autoridade para procurar ou

    assegurar unidade sem verdade. Mas no nos d, tampouco,autoridade para buscar a verdade sem unidade.Independncia conveniente. Mas tambm o a comunhona f comum que professamos.

    Mais uma vez meu argumento que no polarizemosnesta questo.

    H um lugar necessrio na Igreja de Cristo, tanto parao estruturado como para o no-estruturado, tanto para oformal como para o informal, tanto para o srio como para oespontneo, tanto para a independncia como para a

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    comunho.

    A igreja primitiva apresenta-nos um exemplo saudvelneste assunto. Lemos que imediatamente depois do dia dePentecostes, os crentes cheios do Esprito Santo estavamunnimes todos os dias no Templo, partindo o po em

    casa, (At. 2:46). Assim, eles no rejeitaram imediatamente aigreja institucional. Eles procuraram reform-la emconformidade com o Evangelho. E eles simplesmentecomplementavam as reunies formais de orao do Templocom reunies em suas prprias casas. Parece-me que cadacongregao deveria incluir no programa tanto cultos maisformais na igreja quanto reunies informais de comunhonos lares. Os mais antigos membros tradicionais da igreja,

    que amam a liturgia, precisam experimentar a liberdade doculto no lar, ao passo que os mais novos, que amam obarulho e a espontaneidade, precisam experimentar aseriedade e reverncia dos cultos formais da igreja. Acombinao muito saudvel!

    A Quarta polarizao desnecessria diz respeito snossas responsabilidades evangelsticas e sociais. Tem sido

    sempre uma caracterstica dos evanglicos ocupar-se comevangelismo. Tanto assim que no raro encontrarmo-noscom uma confuso de termos, como se evanglico eevangelstico significassem a mesma coisa. Na nossa nfaseevanglica em evangelismo, temos compreensivelmentereagido contra o to falado evangelho social que substituisalvao individual por melhoramento social e, apesar donotvel testemunho da ao social dos evanglicos do sculodezenove, ns mesmos temos suspeitado de qualquerenvolvimento deste tipo. Ou, se temos sido ativossocialmente, temos tido a tendncia de concentrar-nos nasobras de filantropia (cuidando dos acidentes de umasociedade doente) e tomado cuidado para evitar poltica (ascausas de uma sociedade doente).

    Algumas vezes, a polarizao na igreja tem parecido sercompleta, com alguns exclusivamente preocupados com

    evangelismo e outros com aes poltico-sociais. Como umexemplo para o primeiro, tomarei alguns grupos do tofalado Povo de Jesus. Ora, estou muito longe de querer ser

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    crtico de todo o movimento. Contudo, uma das minhasinmeras hesitaes diz respeito s comunidades de Jesusque parecem ter rejeitado a sociedade e se retirado para acomunho individual, fazendo cultos evangelsticosocasionais, no mundo fora da comunidade. Vernon Wishart,

    um ministro da Igreja Unida do Canad, escreveu sobre oPovo de Jesus em Novembro de 1972, num artigo da revistaObserver, rgo oficial da sua igreja. Ele descreveu omovimento como uma reao ao profundo mal-estar culturale social e uma tentativa para vencer uma depresso doesprito humano causada pela tecnocracia materialista.Mostrou-se admirador do genuno zelo cristo por elesmanifestado: Como crentes primitivos, eles simplesmentevivem de uma maneira amorosa, estudando as Escrituras,partindo o po juntos e compartilhando os recursos. E elereconheceu que o intenso relacionamento pessoal deles comJesus, e de um para com o outro era um antdoto despersonalizao da sociedade moderna. Ao mesmo tempo,ele viu este perigo: Voltar-se para Jesus pode ser umatentativa desesperada de desviar- se do mundo no qual eleencarnou. Como as drogas, a religio de Jesus pode ser umafuga de nossa tecnocultura. Nesta ltima frase, VernonWishart colocou o dedo no problema principal: Se Jesusamou o mundo de tal maneira que entrou nele atravs daencarnao, como podem seus seguidores proclamar queamam o mundo procurando escapar dele? Sir FrederickCatherwood escreveu: Procurar melhorar a sociedade no mundanismo, mas amor.

    Lavar as mos da sociedade no amor, mas

    mundanismo

    (Is Revolution Charnge?, editado por BrianGriffths, IVP, 1972, p. 35).

    A polarizao oposta parece ter sido evidente naAssemblia da Comisso do Conselho Mundial de Igrejassobre Misso e Evangelismo Mundial, realizada em Bangkok,em janeiro de 1973. Por ter sido intitulada Salvao hoje,muitos tiveram a esperana de que uma definio nova desalvao surgiria, quer seria tanto fiel s Escrituras comorelevante para o mundo moderno. Porm, ficamosdecepcionados: Os documentos preparatrios e a prpriaconferncia tentaram redefinir salvao em termos quase

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    inteiramente sociais, econmicos e polticos. verdade quehouve referncias salvao pessoal do pecado e que opropsito da convocao para uma moratria de dez anos noenvio de dinheiro e pessoal missionrio para as igrejas doTerceiro Mundo foi ajud-las a tornarem-se auto- suficientes.

    Contudo, a impresso geral de Bangkoki que o labormissionrio e evangelstico esto sem apoio nos crculosecumnicos , ao passo que a misso real da igreja, segundo oConselho Mundial de Igrejas , identificar-se com os atuaismovimentos de libertao: Nos vemos as lutas por justiaeconmica, liberdade poltica e renovao cultural como oselementos da libertao total do mundo, atravs da misso deDeus (Bangkok Assembly 1973, p. 89).

    Destes dois extremos, a falha caracterstica dosevanglicos encontra-se mais na primeira que na Segundapolarizao. Ns certamente no estamos confundindojustia com salvao, mas temos freqentemente falado e noscomportado como se pensssemos que nossa nicaresponsabilidade crist para com uma sociedade noconvertida fosse evangelismo, a proclamao das boas-novas

    de salvao. Nos ltimos anos, contudo, tem havido bonssinais de mudana. Temos ficado desiludidos com amentalidade da tentativa abandonada com a tendncia deescolher no participar da responsabilidade social e com atradicional obsesso fundamentalista da micro-tica (aproibio de coisas mnimas) e a negligncia correspondenteda macro- tica (os grandes problemas de raa, violncia,pobreza, poluio, justia e liberdade). Tem havido tambm,um recente reconhecimento dos princpios bblicos para aao social crist, tanto teolgica quanto tica.

    Teologicamente, tem havido um redescobrimento dadoutrina da criao. Tendemos a ter uma boa doutrina daredeno e uma pssima doutrina da criao. Naturalmente,temos tido uma reverncia de lbios verdade de que Deus o Criador de todas as coisas, mas, aparentemente, temosestado cegos para as implicaes disto. Nosso Deus tem sido

    por demais religioso, como se o seu principal interesse fossecultos de adorao e orao freqentados por membros deigrejas. No me entenda mal: Deus tem prazer nas oraes e

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    louvores do seu povo. Mas, agora, comeamos a v- lo,tambm (como a Bblia sempre o retratou), como o Criador,que est interessado tanto pelo mundo secular quanto pelaIgreja, que ama a todos os homens e no somente os crentes,e que tem interesse na vida como um todo, e no meramente

    na religio.Eticamente, h um redescobrimento da

    responsabilidade do amor pelo prximo, que o seguintemandamento: Amar nosso prximo como amamos a nsmesmos. O que isto significa na prtica ser determinadopela definio das Escrituras sobre o nosso prximo. Onosso prximo uma pessoa, um ser humano, criado porDeus. E Deus no o criou como uma alma sem corpo (para

    que pudssemos amar somente sua alma), nem como umcorpo sem alma (para que pudssemos preocupar-nosexclusivamente com seu bem-estar fsico), em tampouco umcorpo-alma em isolamento (para que pudssemos preocupar-nos com ele somente como um indivduo, sem nos preocuparcom a sociedade em que ele vive). No!

    Deus fez o homem um ser espiritual, fsico e social.

    Como ser humano, o nosso prximo pode ser definido comoum corpo-alma em sociedade.

    Portanto, a obrigao de amar o nosso prximo nuncapode ser reduzida para somente uma parte dele. Se amamosnosso prximo como Deus criou (o que mandamento parans), ento, inevitavelmente, estaremos preocupados com oseu bem-estar total, e bem-estar do seu corpo, da sua alma eda sua sociedade. Martin Luther King expressou isto muito

    bem:

    Religio trata tanto com o Cu como com a terra...Qualquer religio que professar estar preocupada com asalmas dos homens e no est preocupada com a pobreza queos predestina morte, com as condies econmicas que osestrangula e com as condies sociais que os tornamparalticos, uma religio seca como poeira (My life wih

    Martin Luther King Jr. Por Coretta King, Hodder 1970, p.127). Eu acho que deveramos adicionar que uma religioseca como poeira, na realidade, uma religio falsa.

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    verdade que o Senhor Jesus ressurrecto deixou aGrande Comisso para a sua Igreja: pregar, evangelizar efazer discpulos. E esta comisso ainda a obrigao daIgreja. Mas a comisso no invalida o mandamento, como seamars o teu prximo tivesse sido substitudo por pregars

    o Evangelho

    . Nem tampouco reinterpretar amor ao prximoem termos exclusivamente evangelsticos. Ao contrrio,enriquece o mandamento amar o nosso prximo, aoadicionar uma dimenso nova e crist, nomeadamente aresponsabilidade de fazer Cristo conhecido para esse nossoprximo.

    Ao rogar que deveramos evitar a escolha mais do queingnua entre evangelismo e ao social, eu no estou

    supondo que cada crente deva estar igualmente envolvido emambos. Isto seria impossvel. Alm disso, devemosreconhecer que Deus chama pessoas diferentes e as dota comdons apropriados sua chamada. Certamente cada crentetem a responsabilidade de amar e servir o prximo medidaque as oportunidades se manifestam, mas isto no o inibirde concentrar-se - conforme sua vocao e dons - em algumaincumbncia particular, seja alimentando o pobre, assistindo

    ao enfermo, dando testemunho pessoal, evangelizando nolar, participando na poltica local ou nacional, no serviocomunitrio, nas relaes raciais, no ensino ou em outrasboas obras.

    Embora cada crente, individualmente, deva descobrircomo Deus o tem chamado e dotado, aventuro-me a sugerirque a igreja evanglica local, como um todo, deve preocupar-se com a comunidade secular local como um todo. Uma vezque isto seja aceito, em princpio. Crentes individuais, quecompartilham as mesmas preocupaes, seriam incentivadosa juntar-se em grupos de ao e estudo. No para ao semestudo prvio, nem para estudo sem ao conseqente, maspara ambos. Tais grupos, com responsabilidade,considerariam em orao um problema particular, com ainteno de agir atacando o problema. Um grupo poderiaestar preocupado com o evangelismo num novo conjuntohabitacional, no qual (at onde conhecido) no moranenhum crente, ou com uma seo particular da comunidadelocal - uma repblica para estudantes, uma priso,

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    estudantes recm-formados etc. Um outro grupo poderiadedicar-se aos problemas dos imigrantes e das relaesraciais, de uma favela de rea e de habitaes deficientes, deum asilo para velhos desamparados ou de um hospital; depessoas idosas que tm penso, mas se sentem ss, de uma

    clnica local de aborto, ou de uma casa de prostituio. Apossvel lista quase interminvel. Mas se os membros deuma congregao local fossem compartilhar asresponsabilidades evangelsticas e sociais da igreja emconformidade com seus interesses, chamadas e dons, muitotrabalho construtivo poderia certamente ser feito nacomunidade.

    Eu no conheo qualquer outra declarao de nossa

    dupla responsabilidade crist, social e evangelstica, melhordo que aquela feita pelo Dr. W.A . Visser: Eu creio, disseele, que com respeito grande tenso entre a interpretaovertical do Evangelho como essencialmente preocupada como ato da salvao de Deus na vida dos indivduos e ainterpretao horizontal disto, como principalmentepreocupada com as relaes humanas no mundo, devo fugirdaquele movimento oscilatrio mais do que primitivo de ir de

    um extremo para o ouro. Um cristianismo que tem perdidosua dimenso vertical tem perdido seu sal e , no somenteinspido em si mesmo, mas sem qualquer valor para omundo.

    Mas um cristianismo que usaria a preocupao verticalcomo um meio para escapar de sua responsabilidade pelavida comum do homem uma negao do amor de Deus pelomundo, manifestado em Cristo. Deve tornar-se claro quemembros de igreja que de fato negam suas responsabilidadescom o necessitado em qualquer parte do mundo so toculpados de heresias quanto todos os que negam este ouaquele artigo da F. O meu argumento neste livreto tem sidoa favor de um cristianismo bblico equilibrado, no qual seevitam as polaridades comuns do mundo cristo - eespecialmente do mundo evanglico.

    Precisamos enfatizar, tanto o intelecto como oemocional, lembrando que nada coloca o corao em fogocomo a verdade; tanto o conservador como o radical,

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    resolvido a conservar as Escrituras, mas a avaliar a culturaem conformidade com a Bblia; tanto o estruturado como ono-estruturado, pois um pode completar o outro; e tanto oevangelstico como o social, pois nenhum deles pode ser umsubstituto, uma capa ou uma desculpa para o outro, desde

    que cada um sustente a si prprio como uma expresso, parao qual Deus, o Senhor, ainda chama o seu povo. Em pelomenos nestas quatro reas (que no so as nicas), temosuma boa autoridade bblica para substituir um excessivo eingnuo um-ou por um maduro ambos-e. Coloquemos,pois, nossos ps com confiana nos dois plos,simultaneamente. No nos permitamos polarizar!

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