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Tu, porm

A Bblia Fala HojeEditores da srie: J. A. Motyer (AT) John R. W. Stott (NT)

Tu, porm,A mensagem de 2 Timteo

TU PORMA mensagem de 2 TimteoJohn R. W. StottImpresso nas oficinas daAssociao ReligiosaImprensa da FCP. 18918 So Paulo - BrasilC.G.C. 62.202.528/0001-09ABU Editora

Digitalizao: valadaobatistoni

www.portaldetonando.com.br/forumnovo/

TU, PORM, ...

Traduzido do original em ingls GUARD THE GOSPEL

Inter-Varsity Press, Leicester, Inglaterra

Direitos reservados pela

ABU Editora S/C

C. Postal 30505

01000 - So Paulo - SP - Brasil.

A ABU Editora a publicadora da Aliana Bblica Universitria do Brasil - A.B.U.B.

Traduo de Joo Alfredo dal Bello

Reviso de Milton A. Andrade

O texto bblico utilizado neste livro o da Edio Revista e Atualizada no Brasil, da Sociedade Bblica do Brasil, exceto quando outra verso indicada.

1a Edio 1982

ABU EDITORAS/C

Rua Emba, 235 04039

So Paulo-SP

C.G.C. 46.394,69/0001-74Prefcio Geral

A Bblia Fala Hoje constitui uma srie de exposies, tanto do Velho como do Novo Testamento, caracterizadas por um triplo objetivo: exposio acurada do texto bblico, relacionar o texto com a vida contempornea, e leitura agradvel.

Esses livros no so, pois, "comentrios", j que um comentrio busca mais elucidar o texto do que aplic-lo, e tende a ser uma obra mais de referncia do que literria. Por outro lado, esta srie tambm no apresenta aquele tipo de "sermes" que, pretendendo ser contemporneos e de leitura acessvel, deixam de abordar a Escritura com suficiente seriedade.

As pessoas que contriburam nesta srie unem-se na convico de que Deus ainda fala atravs do que ele j falou, e que nada mais necessrio para a vida, para o crescimento e para a sade das igrejas ou dos cristos do que ouvir e atentar ao que o Esprito lhes diz atravs da sua velha (e contudo sempre atual) Palavra.

J. A. MOTYER J. R. W. STOTT

Editores da srie

3Prefcio Geral

4Prefcio

5Principais Abreviaes e Bibliografia

6Introduo

10CAPTULO 1 Primeira Exortao: Guarda o Evangelho!

21CAPTULO 2 Segunda Exortao: Sofre Pelo Evangelho!

36CAPITULO 3 Terceira Exortao: Permanece no Evangelho!

47CAPTULO 4 Quarta Exortao: Prega o Evangelho!

Prefcio

Nos ltimos cinco anos tenho me sentido como que vivendo esta segunda carta de Paulo a Timteo. Em pensamento tenho me colocado ao lado de Timteo, esforando-me em ouvir atentamente esta exortao final do idoso apstolo. Tenho tambm tentado comunicar essa mensagem a muitas pessoas: congregao da Igreja de All Souls, Londres, no outono de 1967; a cerca de 9000 estudantes no grande congresso missionrio de Urbana em dezembro de 1967; aos participantes da Conveno de Keswick em 1969; a vrios grupos de pastores na Amrica, no Pas de Gales, na Irlanda, na Nova Zelndia, na Austrlia e em Singapura; e a alguns bispos Anglicanos antes da Conferncia de Lambeth em 1968. Em cada oportunidade em que apresentei essa mensagem renovava em mim o sentimento de contemporaneidade do que o apstolo escreveu, especialmente para com jovens lderes cristos. Pois que tambm o nosso tempo um tempo de confuso teolgica e moral, e at mesmo de apostasia. E o apstolo nos exorta, tal como o fez a Timteo, a ser forte, corajoso e perseverante.

As palavras que para mim sintetizam esta epstola de 2 Timteo so as duas palavrinhas monossilbicas su de ("TU, POREM,..."), que aparecem quatro vezes. Timteo chamado a ser diferente. Ele no deve se submeter as presses da opinio pblica, ou conformar-se ao esprito de sua poca, mas antes deve permanecer firme na verdade e na justia de Deus. Creio que nada mais necessrio aos cristos de hoje do que esta mesma coragem.

Expresso meu profundo agradecimento a minha secretria, Francs Whitehead, por sua eficincia e incansvel trabalho nos ltimos dezessete anos, na datilografia de inumerveis manuscritos. O deste livro, por sinal, creio que ela nunca se esquecer, pois que foi a causa indireta de um acidente que lhe causou a dor de um dedo deslocado! .. .

John R. W. Stott

Principais Abreviaes e Bibliografia

AGA Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature de William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich (University of Chicago Press e Cambridge University Press, 1957).

AlfordThe Greek Testament, a Criticai and Exegetical Commentary, por Henry Alford. Vol. III (Rivington, 4a Edio, 1865).

BarrettThe Pastoral Epistles por C. K. Barrett (The New Clarendon Bible, Oxford University Press, 1963).

BLHA Bblia na Linguagem de Hoje (Sociedade Bblica do Brasil).

BJA Bblia de Jerusalm (Edies Paulinas).

BVA Bblia Viva (Mundo Cristo).

CalvinoThe Epistles of Paul to Timothy and Titus por Joo Calvino, 1548 (Oliver and Boyd, 1964).

CINCartas s Igrejas Novas (J. B. Phillips)

EllicottThe Pastoral Epistles of St. Paul por C. J. Ellicott, 1861 (Longmans, 4a edio, 1869).

ERABEdio Revista e Atualizada no Brasil (Sociedade Bblica do Brasil)

ERCEdio Revista e Corrigida (Imprensa Bblica Brasileira)

EusbioThe Ecclesiastical History por Eusbio, bispo de Cesaria, 4o sculo d.C. Traduzido por H. J. Lawlor e J. E. L. Oulton (S. P. C. K., 1927).

FairbairnCommentary on the Pastoral Epistles por Patrick Fairbairn, 1874 (Oliphants e Zondervan, 1956).

GuthrieThe Pastoral Epistles por Donald Guthrie (Tyndale New Testament Commentaries, Tyndale Press e Eerdmans, 1957).

HansonThe Pastoral Letters por A. T. Hanson (The Cambridge Bible Commentary on the New English Bible, Cambridge University Press, 1966).

HendriksenThe Epistles to Timothy and Titus por William Hendriksen (Baker Book House, 1957 e Banner of Truth Trust,1959).

LSGreek - English Lexicon compilado por H. G. Liddell e R. Scott. Nova edio por H. S. Jones (Oxford University Press, 1925-40).

LockThe Pastoral Epistles, a Critical and Exegetical Commentary, por Walter Lock (The International Criticai Commentary, T. e T. Clark, 1924).

MMThe Vocabulary of the Greek Testament por J. H. Moulton e G. Milligan, 1930 (Hodder e Stoughton, 1949).

MouleThe Second Epistle to Timothy por Handley C. G. Moule (da srie The Devotional Commentary, Religious Tract Society, 1905).

PAPFBblia Sagrada, traduo do Pe. Antnio P. de Figueiredo (Barsa).

PlummerThe Pastoral Epistles por Alfred Plummer (The Expositor's Bible, Hodder e Stoughton, 1888).

SimpsonThe Pastoral Epistles por E. K. Simpson (Tyndale Press, 1954).

WhiteThe Pastoral Epistles por Newport J. D. White (The Expositor's Greek Testament, Hodder e Stoughton, 1910).

Introduo

O Rev. Handley Moule confessou ter-lhe sido muito difcil ler a segunda carta de Paulo a Timteo sem sentir as lgrimas brotarem nos olhos. Isso compreensvel, j que se trata de um documento humano bastante comovedor.

Imaginemos o apstolo Paulo, j idoso, definhando numa masmorra escura e mida em Roma, de onde no dever sair, a no ser para a morte. O seu trabalho apostlico est concludo, tanto que ele pode dizer: "completei a carreira". Agora, no entanto, compete-lhe tomar providncias para que, depois da sua partida, a f seja transmitida sem se contaminar, genuna, s geraes futuras. Assim ele d a Timteo esta solenssima misso. Cabe-lhe preservar, a qualquer preo, o que recebeu, e transmiti-lo a homens fiis, que por sua vez sejam tambm idneos para ensinar a outros (2:2).

Para bem captar a mensagem da carta e sentir todo o seu impacto, necessrio entender a situao no contexto em que foi escrita. H quatro pontos a considerar.

1. Trata-se de uma genuna carta de Paulo a TimteoA genuinidade das trs epstolas pastorais foi quase que universalmente aceita na igreja primitiva. Aluses a elas possivelmente ocorrem na carta de Clemente de Roma aos corntios, j no ano 95 d.C; provavelmente tambm nas cartas de Incio e Policarpo, nas primeiras dcadas do segundo sculo; e certamente ocorrem nas obras de Irineu, nos fins do sculo. O Cnon Muratrio, que data de cerca do ano 200 d.C, atribui as trs epstolas ao apstolo Paulo. A nica exceo a este testemunho a do herege Marcion, que foi excomungado em 144 d.C, em Roma. Mas Marcion tinha razes de ordem teolgica para rejeitar esta (e outras) epstolas do Novo Testamento. Tertuliano mostrou-se surpreso por Marcion ter omitido as epstolas pastorais de seu cnon. Eusbio incluiu-as, no sculo quarto, entre "as quatorze epstolas de Paulo", que "so conhecidas e claras (no tocante sua autenticidade)", sendo a dcima-quarta a epstola aos Hebreus, que alguns no aceitam ser paulina.

Este testemunho quanto autenticidade das epstolas pastorais permaneceu como uma tradio intacta at quando, em 1807, F. Schleiermacher repudiou 1 Timteo e, em 1835, F. C. Baur rejeitou tanto 2 Timteo como Tito. A partir de ento, telogos agruparam-se em cada lado desse debate, e assim as pastorais passaram a ter fortes crticos e ardorosos defensores. Para uma crtica esmerada, o leitor queira reportar-se obra de P. N. Harrison, "The Problem of the Pastorals" (1921) e, para uma defesa da tradicional autoria paulina, reporte-se aos comentrios de William Hendriksen (pp. 4-33) e Donald Guthrie (pp. 12-52 e 212-228). Aqui estes assuntos podem ser s delineados.

A melhor maneira de comear reconhecer que, no primeiro versculo de cada uma das trs cartas, o autor faz uma clara e solene reivindicao de ser o apstolo Paulo. Ele faz aluso tambm ao seu zelo perseguidor anterior (1 Tm 1: 12-17), sua converso e misso de apstolo (1 Tm 1: 11; 2: 7; 2 Tm 1: 11) e aos seus sofrimentos por Cristo (p. ex.: 2 Tm 1: 12; 2:9-10; 3: 10-11). E ainda mais, a personalidade do apstolo parece permear estas cartas. O Rev. Moule escreveu a respeito de 2 Timteo: "O corao humano est nela presente, de comeo a fim. E os falsrios daquela poca no lograriam imit-lo com tanta perfeio, pois certo que no entendiam bem do corao humano". Por esta razo, at mesmo os que negam a autoria paulina destas cartas tendem a crer que o escritor incorporou em sua obra genunos fragmentos paulinos.

A primeira rea em que a autoria paulina das pastorais questionada a histrica. Argumenta-se que, uma vez que as cartas mencionam visitas de Paulo a feso e Macednia (1 Tm 1: 3), a Creta e a Nicpolis ( Tt 1: 5; 3: 12), a Trade, a Mileto e a Roma (1 Tm 1: 17; 4: 13, 20), as quais no se coadunam com o registro de Lucas em Atos, com respeito s jornadas do apstolo, elas devem ser, ento, uma inveno do autor ou, quem sabe, visitas autnticas colocadas engenhosamente fora de lugar. Mas se o apstolo foi liberto de sua priso em Roma e, ento, prosseguiu suas viagens (como ele mesmo esperava e como diz a tradio), at ser preso de novo, perfeitamente possvel reconstruir a ordem dos acontecimentos (como veremos mais adiante), sem nenhuma necessidade de acusar o autor de criar fico ou romance.

O segundo argumento de ordem literria. Crticos rejeitam a autoria paulina das Pastorais baseando-se em que uma boa parte do vocabulrio nelas empregado no se encontra nas outras dez cartas atribudas a Paulo (algumas palavras nem mesmo aparecem em todo o resto do Novo Testamento), e ainda em que numerosas expresses paulinas daquelas dez cartas esto ausentes nas Pastorais. H uma abundncia de paulinismos nas Pastorais, contudo, tanto em estilo como em linguagem, e as mudanas de tempo, de situao e de tema so suficientes para responder pelas peculiaridades nelas existentes.

O terceiro argumento, de cunho teolgico, assume vrias formas. Muitos sustentam que o Deus das primeiras cartas paulinas (Pai, Filho e Esprito Santo) e a sndrome graa-f-salvao-obras passaram a ser sutilmente deixados de lado, no mais soando como verdade. No pode haver dvida, contudo, de que as Pastorais mostram a iniciativa de eleio e de redeno de "Deus nosso Salvador". Este deu o seu Filho para morrer, em nosso resgate, o qual ressuscitou e agora nos justifica por sua graa e nos regenera por seu Esprito, de modo que podemos viver uma nova vida de boas obras. Muitos pretendem que a heresia que as Pastorais deixam perceber como ento existente (a negao da ressurreio, o amor ao asceticismo, "mitos" e "genealogias"), a heresia do gnosticismo, desenvolvida no segundo sculo, talvez pelo prprio Marcion.Tal conjectura ignora, porm, os aspectos judaicos da heresia (p. ex. Tt 1: 10, 14; 3: 9; 1 Tm 1:3-11) e suas evidentes semelhanas com a heresia dos colossenses, a quem o apstolo j havia escrito pessoalmente, um ou dois anos antes.

O quarto argumento de carter eclesistico, isto , que as estruturas da Igreja consideradas nas Pastorais so as do segundo sculo, incluindo o episcopado monrquico, a que o bispo Incio de Antioquia se referiu em suas cartas. Muitos crticos vo mais alm e acham que a atmosfera geral das Pastorais demasiadamente "igrejeira" para ser de Paulo. Ernst Ksemann cita Martin Dibelius como tendo dito certa vez que as Epstolas Pastorais marcam o incio da perspectiva burguesa na Igreja. Acrescenta que, pessoalmente, no pode aceitar como sendo paulinas essas cartas, nas quais a Igreja se tornou "o tema central da teologia", e em que "o evangelho domesticado", e ainda em que a imagem de Paulo "grotescamente manchada pela religiosidade". Pode-se to-somente contestar que este um julgamento extremamente subjetivo. Cartas anteriores de Paulo j destacam uma elevada doutrina da igreja e do ministrio, e Lucas nos informa que no seu programa de ao, desde a sua primeira jornada missionria, Paulo inclua a ordenao de ancios em cada igreja (Atos 14: 23). perfeitamente compreensvel, ento, que ele tenha, mais tarde, desenvolvido este tema, dando instrues de como escolher e nomear ministros, sobre a ordem do culto e quanto guarda da doutrina. A igreja e o ministrio que ele descreve, contudo, ainda so reconhecivelmente os mesmos, e no h qualquer episcopado monrquico ou triplo ministrio, j que "bispos" e "ancios" ainda significavam a mesma coisa.

Conseqentemente, a concluso a que chegam muitos telogos ainda a de que os argumentos histricos, literrios, teolgicos e eclesisticos, que tm sido usados para negar a autoridade paulina das Epstolas Pastorais, no so suficientes para derrubar a evidncia, tanto interna como externa, que as autentica como genunas cartas do apstolo Paulo, endereadas a Timteo e a Tito.

2. Paulo, o escritor da carta, estava preso em RomaPaulo se intitula "encarcerado do Senhor" (1: 8) e esta era a segunda vez que se achava preso em Roma. Agora ele j no estava desfrutando da relativa liberdade e do conforto da casa que alugara, situao em que se encontrava no final do relato de Lucas em Atos, aps o que tudo indica ter sido posto em liberdade, como ele mesmo esperava. Agora, porm, estava encarcerado em algum "escuro calabouo subterrneo, com um buraco no teto para a passagem de luz e de ar". Talvez fosse, como o quer a tradio, a Priso Mamertina; de qualquer modo, onde quer que estivesse, Onesforo o encontrou s depois de uma diligente busca (1: 17). Certamente Paulo estava acorrentado (1: 16), "sofrendo at algemas, como malfeitor" (2: 9). Tambm a solido, o enfado e o frio da vida em priso faziam-no sofrer (4: 9-13). A audincia preliminar de seu caso j se realizara (4: 16, 17); agora s lhe restava aguardar o julgamento, mas Paulo no contava com a absolvio. A morte lhe parecia inevitvel (4:6-8). Como se deu isso?

Parece que, depois de ter sido solto de sua primeira priso (a domiciliar, em Roma, descrita no final de Atos), Paulo "novamente se pe a caminho, no ministrio de pregao". Foi a Creta, onde deixou Tito (Tt 1: 5) e depois a feso, onde deixou Timteo (1 Tm 1: 3, 4). Talvez ele tenha prosseguido viagem at Colossos para encontrar-se com Filemom, conforme planejara (Fm 22), e certamente chegou em Macednia (1 Tm 1; 3). Das cidades da Macednia visitadas por ele, uma deve ter sido Filipos (Fp 2: 24). Da Macednia enviou a sua primeira carta a Timteo, que se achava em feso, e a sua carta a Tito, que se encontrava em Creta. Paulo contou a Tito sua inteno de passar o inverno em Nicpolis (Tt 3: 12), uma cidade no piro, na costa ocidental da Grcia, no Adritico. Presumivelmente essa viagem foi feita, e Tito provavelmente veio juntar-se a ele, como pedira. Se o apstolo ainda estava em condies de realizar a sua grande ambio de evangelizar a Espanha (Rm 15; 24, 28), isso deve ter ocorrido na primavera seguinte. Clemente de Roma, em sua famosa carta aos Corntios (cap. 5), disse que Paulo "chegara ao limite extremo do ocidente". Talvez estivesse se referindo somente Itlia, mas uma aluso Glia ou Espanha, ou at mesmo Gr-Bretanha (como alguns sugerem), parece ser mais plausvel.

Pode-se admitir, com toda a segurana, que ele manteve a sua promessa de tornar a visitar Timteo em feso (1 Tm 3: 14, 15). Da o seu itinerrio parece t-lo levado ao prximo porto de Mileto, onde teve de deixar Trfimo, por se achar enfermo (2 Tm 4: 20); depois foi a Trade (o porto onde antes tomara o navio para a Europa), onde esteve com Carpo, deixando l sua capa e alguns livros (2 Tm 4: 13); em seguida foi a Corinto, onde Erasto deixou o grupo (2 Tm 4: 20; cf. Rm 16: 23); e, finalmente, seguiu at Roma. Em algum lugar, nessa jornada, Paulo deve ter sido preso de novo. Teria sido em Trade, explicando-se assim por que no tivera oportunidade de pegar os seus pertences, tendo de deix-los na casa de Carpo? Ou aconteceu somente quando chegou a Roma? No conhecemos as circunstncias, mas sabemos que foi recapturado e novamente aprisionado e que, desta vez, teve de suportar grande sofrimento, do qual no houve escape. que a perseguio ordenada por Nero estava ento em seu pice (64 d.C). possivelmente correta a tradio que nos d conta de que Paulo foi condenado morte e ento decapitado (assim teria de ser, como cidado romano), na Via stia, cerca de quatro quilmetros distante da cidade. Eusbio, citando Dionsio de Corinto, relata que Paulo e Pedro "foram martirizados na mesma ocasio", acrescentando todavia que a execuo de Paulo foi por decapitao e a de Pedro (em atendimento a sua prpria solicitao) por crucificao de cabea para baixo.

Foi pouco antes de morrer, durante a sua ltima e mais severa priso, que Paulo enviou a sua segunda mensagem a Timteo. Paulo escrevia sombra de sua execuo, que lhe parecia iminente. Alm de ser uma comunicao muito pessoal ao seu jovem amigo Timteo, esta carta foi tambm o registro de sua ltima vontade, o seu testamento Igreja.

3. Timteo, a quem a carta foi endereada, estava sendo colocado numa posio de responsabilidade, pela liderana crist, muito alm da sua capacidade naturalPor mais de 15 anos, desde que fora recrutado em sua cidade natal (Listra), Timteo tinha sido o fiel companheiro missionrio de Paulo. Viajara com ele durante a maior parte da segunda e da terceira viagem, tendo sido, durante as mesmas, enviado como fiel delegado apostlico a diversas misses especiais, como por exemplo a Tessalnica e a Corinto (1 Ts 3: 1ss; 1 Co 4: 17). Acompanhou Paulo, ento, a Jerusalm (Atos 20: 1-5) e possivelmente tenha ido com ele na perigosa viagem a Roma. De qualquer forma, Timteo certamente se encontrava em Roma durante a primeira priso de Paulo, j que o apstolo incluiu o seu nome, junto ao seu prprio, ao escrever da priso as cartas a Filemom, aos Filipenses e aos Colossenses (Fm 1; Fp 1:1; 2:19-24; Cl 1:1).

Paulo no s devotava uma forte afeio a Timteo, por ter sido o amigo que ele evidentemente levara a Cristo, podendo assim cham-lo de "filho amado e fiel no Senhor" (1 Co 4:17), mas tambm aprendera a confiar em Timteo como o seu "cooperador" (Rm 16: 21) e como "irmo e ministro de Deus no evangelho de Cristo" (1 Ts 3: 2). De fato, em virtude do genuno interesse de Timteo pelo bem-estar das igrejas, e por causa da lealdade com que serviu ao evangelho junto com Paulo, "como filho ao pai", Paulo pde chegar ao ponto de dizer: "a ningum tenho de igual sentimento" (Fp 2: 20-22). Dentre todos os companheiros de Paulo, Timteo se destacava.

No surpreendente, portanto, que ao se libertar depois de sua primeira priso, Paulo tenha deixado Timteo em feso, como um autorizado lder da igreja, um "bispo em embrio". Grandes responsabilidades lhe foram conferidas: combater os herticos, que conturbavam a igreja local; impor ordem no culto; escolher e ordenar os ancios da igreja; regularizar a assistncia e o ministrio s vivas; e comandar e ensinar a f apostlica, junto com as obrigaes morais dela decorrentes. E agora fardos mais pesados estavam por cair sobre os ombros de Timteo. que Paulo estava prestes a ser martirizado e, ento, a responsabilidade de preservar intacto o ensino dos apstolos seria sua em escala bem maior. E, humanamente falando, Timteo era totalmente inapto para assumir as pesadas responsabilidades de liderana na igreja.

Primeiramente lembremo-nos de que Timteo ainda era relativamente jovem. Em sua primeira carta, Paulo insistira com ele: "ningum despreze a tua mocidade" (1 Tm 4: 12); e em sua segunda carta, um ano ou dois depois, exortou-o a fugir "das paixes da mocidade" (2 Tm 2: 22). No sabemos precisamente qual era a sua idade. Supondo que tivesse cerca de 20 anos quando Paulo o recrutara como missionrio cooperador, Timteo estaria agora com a idade de trinta e poucos anos. Esta fase da vida era considerada como pertencente juventude, porque para o grego ou o romano havia s dois nveis de idade reconhecidos: o neos e o geron ou o juvenis e o senex, respectivamente, sendo bastante amplo o espao coberto pela juventude. Abrangia os adultos em pleno vigor da vida e, no caso de soldados militantes, at cerca de quarenta anos. Certamente trinta anos era uma idade bem jovem para essa liderana na igreja, que fora confiada a Timteo. Em segundo lugar, Timteo era propenso doena. Na primeira carta de Paulo a Timteo, o apstolo referiu-se s freqentes enfermidades que Timteo tinha, sem, contudo, especificar quais eram. Por causa do estmago, Paulo o aconselhou a deixar de beber somente gua, mas a tomar tambm um pouco de vinho (1 Tm5:23).

Em terceiro lugar, Timteo era de temperamento tmido. Parece ter sido de natureza arredia. Se tivesse vivido em nossa gerao, creio que o teramos descrito como sendo um "introvertido". H evidncias de que ele relutava diante de tarefas difceis, tanto que Paulo teve de abrir-lhe caminho para a sua misso, escrevendo aos corntios: "E, se Timteo for, vede que esteja sem receio entre vs"; e mais adiante: "ningum, pois, o despreze" (1 Co 16: 10-11). Vrias vezes, nesta segunda carta a Timteo, o apstolo exorta-o a tomar a sua parte no sofrimento e a no ter medo ou vergonha, j que Deus no nos deu um esprito de covardia (p.ex.: 2 Tm 1:7-8; 2: 1, 3; 3:12; 4: 5). Essas admoestaes eram, evidentemente, necessrias. Paulo conhecia a fraqueza de Timteo; no podia se esquecer de suas lgrimas, quando se separaram (2 Tm 1: 4). Nas palavras de Fairbairn, Timteo era mais inclinado a ser comandado do que a comandar.

Assim, pois, era Timteo: jovem, de estrutura fsica fraca, de disposio tmida; e, no obstante, chamado a srias responsabilidades na igreja de Deus.

Uma grande obra lhe estava sendo confiada e, como Moiss, Jeremias e muitos outros antes e depois dele, Timteo se sentia muito relutante em aceit-la. Ser que algum leitor destas pginas encontra-se numa situao semelhante? Voc jovem, fraco e tmido, e ainda assim Deus o est chamando liderana? Esta carta contm uma mensagem especial para todos os tmidos Timteos.

4. Escrevendo a Timteo, a preocupao de Paulo era com o evangelho, o depsito da verdade que lhe havia sido revelada e confiada por DeusA carreira de Paulo como obreiro do evangelho estava virtualmente encerrada. Pelo espao de cerca de 30 anos, ele havia fielmente pregado as boas novas, fundado igrejas, defendido a f e consolidado a obra. Na verdade, havia "combatido o bom combate, completado a carreira e guardado a f" (2 Tm 4: 7). Agora aguardava to-somente a coroa de vitria junto linha de chegada. Agora era um prisioneiro, logo depois seria um mrtir.

Mas o que aconteceria ao evangelho depois da sua morte? O imperador Nero, determinado a reprimir todas as sociedades secretas, e desconhecendo a natureza da igreja crist, mostrava-se disposto a destru-la. O nmero de herejes parecia aumentar. H bem pouco tempo acontecera uma quase total apostasia dos ensinos de Paulo (2 Tm 1: 15) na provncia da sia. O Rev. Moule chega ao ponto de escrever que "o Cristianismo estremecia, humanamente falando, beira da aniquilao". Quem, pois, combateria pela verdade, depois de Paulo deixar esta vida? Esta era a pergunta que dominava e inquietava a sua mente, enquanto jazia em cadeias, e qual se reportou nesta epstola. J em sua primeira carta ele rogara a Timteo que conservasse bem o depsito: " Timteo, guarda o que te foi confiado" (1 Tm 6: 20). Mas desde ento a situao piorou, de modo a tornar o apelo do apstolo mais insistente. Timteo lembrado de que agora o precioso evangelho lhe foi confiado, que agora era a sua hora de assumir responsabilidade por ele, de preg-lo e ensin-lo, de defend-lo contra os ataques e contra a falsificao, e de assegurar a sua correta transmisso s geraes vindouras. Em cada captulo Paulo retorna ao mesmo assunto bsico, ou a algum aspecto dele. De fato, podemos resumir a mensagem da carta com as palavras de quatro exortaes:

Captulo 1 Primeira Exortao: Guarda o Evangelho! Guarda o bom depsito, mediante o Espirito Santo que habita em ns (1:14).

Captulo 2 Segunda Exortao: Sofre pelo Evangelho!

Participa de meus sofrimentos, como bom soldado de Jesus Cristo. Lembra-te de Jesus Cristo . . . segundo o meu evangelho, pelo qual estou sofrendo at algemas, como um malfeitor (2:3, 8, 9).

A igreja de nossos dias precisa urgentemente atentar para a mensagem desta segunda carta de Paulo a Timteo, j que nossa volta vemos cristos e igrejas abrindo mo do evangelho, manuseando-o desajeitadamente, incorrendo no perigo de finalmente v-lo escorrer por entre os dedos. Precisa-se de uma nova gerao de jovens Timteos, que queiram guardar o sagrado depsito do evangelho, que estejam determinados a proclam-lo e preparados para sofrer por ele; e que o compartilharo puro e incorrupto gerao que, cm seu devido tempo, se levantar em seguida.

Captulo 3 Terceira Exortao: Persevera no Evangelho!

Mas os homens perversos e impostores iro de mal a pior, enganando e sendo enganados. Tu, porm permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado . .. (3:13, 14).

Captulo 4 Quarta Exortao: Proclama o Evangelho!

Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus.. ..prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer no, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina (4:1, 2).

CAPTULO 1Primeira Exortao: Guarda o Evangelho!

Antes de abordar o tema principal deste captulo, que a exortao a Timteo para no se envergonhar do evangelho e, sim, guard-lo com toda a segurana (vs. 8-14), o apstolo comea esta sua carta com a costumeira saudao pessoal (vs. 1, 2). Segue-se uma orao de agradecimento (vs. 3, 5) e uma admoestao (vs. 6, 8). No pargrafo inicial deparamo-nos, de um modo muito vivido, com Paulo e Timteo, o autor da carta e o destinatrio, respectivamente. Inteiramo-nos, particularmente, de como cada um deles chegou a ser o que era. Estes versculos enfocam a providncia divina, mostrando como Deus molda os homens, tornando-os conforme ele quer que sejam.

1. Paulo, apstolo de Cristo Jesus (v. 1)Paulo, apstolo de Cristo Jesus, pela vontade de Deus, de conformidade com a promessa da vida que est em Cristo Jesus.Intitulando-se "apstolo de Cristo Jesus", Paulo faz uma considervel reivindicao para si mesmo. Ele se coloca entre os doze que Jesus escolheu pessoalmente, separando-os do vasto crculo de seus discpulos. A estes Jesus deu o ttulo especial de "apstolos" (Lc 6: 13), indicando com isso que pretendia envi-los com a misso de represent-lo e ensinar em seu nome. A fim de prepar-lo para esta tarefa, providenciou que ficassem "com ele" (Mc 3: 14). Assim, tendo a oportunidade sem par de ouvir as suas palavras e ver os seus feitos, estariam, ento, aptos para testemunhar dele e de tudo o que vissem e ouvissem dele (Jo 15: 27). Jesus tambm lhes prometeu que o Esprito Santo lhes daria uma inspirao de forma extraordinria, lembrando-os acerca do que ele lhes havia dito e guiando-os em toda a verdade que no pudera ensinar-lhes (Jo 14:25-26; 16:12-13).

A este grupo selecionado Paulo reivindica ter sido ento acrescentado. Ele vira o Senhor ressurreto, no caminho de Damasco, o que lhe deu a qualificao para ser apstolo: ser testemunha da ressurreio (Atos 1: 21 -26; 1 Co 9:1; 15:8-9). De fato, sua experincia no caminho de Damasco foi mais do que a sua converso; foi tambm o seu comissionamento ao apostolado. Cristo lhe disse: "Por isto te apareci para te constituir ministro e testemunha, tanto das coisas em que me viste como daquelas pelas quais te aparecerei ainda; livrando-te do povo e dos gentios, para os quais eu te envio, para lhes abrir os olhos. . ." (Atos 26: 16-18). As palavras do Senhor "eu te envio" foram "eg apostell se", ou seja, "eu te torno apstolo", isto , "eu te ponho por apstolo dos gentios" (cf.Rm 11:13; Gl 1:15,16; 2:9).

Paulo jamais poderia esquecer este comissionamento. Ele defendeu sua misso e mensagem apostlica contra todos os detratores, insistindo que o seu apostolado vinha de Cristo e no de homens (p.ex.:Gl 1: 1, 11, 12). Mesmo agora, ao escrever esta carta, humilhado pelos homens, e esperando pela manifestao do imperador, este prisioneiro comum um privilegiado apstolo de Cristo Jesus, o Rei dos reis.

O apstolo prossegue, descrevendo dois aspectos do seu apostolado, e lembra a Timteo a origem e o objeto do mesmo. A origem do seu apostolado foi "a vontade de Deus". Termos idnticos (dia thelmatos theou) so empregados no incio das duas cartas aos Corntios e das duas cartas, escritas na priso, aos Efsios e aos Colossenses. Realmente, em nove das suas treze cartas, inclusive na primeira (aos Gaiatas) e na ltima (esta, 2 Timteo), Paulo se refere "vontade", ou ao "chamado" ou ao "comando" de Deus, pelo qual se fez apstolo. Paulo sustentou, desde o comeo at o final da sua carreira apostlica, a convico de que a sua indicao como apstolo no procedia nem da igreja, nem de qualquer homem ou grupo de homens. Nem tampouco se havia indicado a si mesmo. Pelo contrrio, o seu apostolado originara-se no desejo divino e no chamado histrico do Deus todo-poderoso, atravs de Jesus Cristo.

O alvo do seu apostolado diz respeito "promessa da vida que est em Cristo Jesus". Isso eqivale a dizer que ele foi comissionado como apstolo, primeiramente para formular, e depois para comunicar, o evangelho. E o evangelho a boa nova para os pecadores agonizantes, a notcia de que Deus lhes promete vida em Jesus Cristo. muito interessante que, quando a morte lhe parece mais evidente, o apstolo define aqui o evangelho como sendo uma "promessa de vida". E realmente isso. O evangelho oferece vida aos homens, vida verdadeira, vida eterna, tanto aqui como depois. Ele declara que a vida est em Cristo Jesus, o qual no somente afirmou ser ele mesmo a vida (Joo 14: 6) mas, como Paulo logo adiante revela, "destruiu a morte e trouxe a luz da vida e a imortalidade mediante o evangelho" (v. 10).

O evangelho vai alm de somente oferecer vida; ele promete vida a todos os que esto em Cristo. Ele afirma dogmaticamente: "quem tem o Filho, tem a vida" (1 Jo 5:12). De fato, poder-se-ia dizer que a Bblia inteira pode ser descrita como sendo uma promessa divina de vida, e isto a partir da primeira meno da "rvore da vida", em Gnesis 3, at o ltimo captulo do Apocalipse, no qual o povo remido de Deus, de graa, come da rvore da vida e bebe da gua viva. A vida eterna um presente que Deus, que no pode mentir, prometeu antes dos tempos eternos; agora o tem revelado mediante a pregao do evangelho (cf. vs. 9, 10; Tt 1: 2-3; Rm 1:1-2).

assim, ento, que Paulo se apresenta. Ele um apstolo de Cristo Jesus. O seu apostolado originou-se na vontade de Deus e consolidou-se na proclamao do evangelho de Deus, isto , na "promessa da vida que est em Cristo Jesus".

2. Timteo, o filho amado de Paulo (vs. 2-8)Ao amado filho Timteo: Graa, misericrdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus nosso Senhor. 3Dou graas a Deus, a quem, desde os meus antepassados, sirvo com conscincia pura, porque sem cessar me lembro de ti nas minhas oraes, noite e dia. 4Lembrado das tuas lagrimas, estou ansioso por ver-te, para que eu transborde de alegria, 5pela recordao que guardo de tua f sem fingimento, a mesma que primeiramente habitou em tua av Lide, e em tua me Eunice, e estou certo de que tambm em ti. 6Por esta razo, pois, te admoesto que reavives o dom de Deus, que h em ti pela imposio de minhas mos. 7Porque Deus no nos tem dado espirito de covardia, mas de poder, de amor e de moderao. 8No te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado que sou eu; pelo contrrio, participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus.Aqui Paulo chama Timteo de "amado filho", e em outra parte "filho amado e fiel no Senhor" (1 Co 4: 17), presumivelmente porque foi o instrumento humano usado para a converso de Timteo. Certamente a razo por que podia referir-se aos corntios como "filhos meus amados", era que "eu pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus" (1 Co 4: 14, 15). Presumimos, pois, que quando Paulo e seu companheiro visitaram Listra, em sua primeira viagem missionria, "onde anunciavam o evangelho" (Atos 14: 6-7), Timteo ouviu e aceitou as boas novas, de forma que, quando Paulo tornou a visitar Listra, alguns anos mais tarde em sua segunda viagem missionria, "havia ali um discpulo chamado Timteo", o qual j fizera tal progresso na vida crist que "dele davam bom testemunho os irmos em Listra e Icnio" (At 16:1-2).

A seu "amado filho" Paulo envia agora a costumeira saudao de "graa e paz", acrescentando, nas duas cartas a Timteo, "misericrdia". Podemos estar certos de que esta saudao em trs palavras no mera conveno epistolar, pois estas so palavras de profunda importncia teolgica. Elas nos comunicam muito acerca da triste condio do homem em pecado e, apesar disso, do imutvel amor de Deus pelo pecador. Porque assim como a graa a bondade de Deus para com os indignos, a misericrdia mostrada aos fracos e desamparados, incapazes de ajudarem-se a si mesmos. Nas parbolas de Jesus, foi misericrdia que o bom samaritano demonstrou vtima dos assaltantes; foi misericrdia que o rei conferiu a seu servo que estava to endividado a ponto de no poder pagar a sua dvida (Lc 10: 37; Mt 18: 33). Foi tambm misericrdia que converteu Saulo de Tarso, ferrenho blasfemador e perseguidor. "Mas obtive misericrdia", escrevera Paulo em sua primeira carta a Timteo (1 Tm 1: 13; 16). "Paz", por outro lado, reconciliao, restaurao da harmonia em vidas arruinadas pela discrdia. Podemos talvez sintetizar estas trs bnos do amor de Deus como sendo graa ao indigno, misericrdia ao desamparado e paz ao aflito, permanecendo Deus Pai e Cristo Jesus, nosso Senhor, a fonte nica de onde flui essa tripla torrente.

Segue ento um pargrafo de cunho bem pessoal, no qual o apstolo afirma no ter se esquecido de Timteo. "Sem cessar me lembro de ti em minhas oraes, noite e dia" (v.3), "lembrado das tuas lgrimas" (v.4) e "pela recordao que guardo de tua f sem fingimento" (v.5). E sempre que me lembro de ti, Timteo, "dou graas a Deus" (v.3).

Este ltimo ponto significativo. Mostra que Paulo reconhecia ter sido Deus quem fizera de Timteo o que ele de fato era. Timteo no era um apstolo como Paulo. Isso eles deixaram bem claro, ao escreverem em conjunto cartas s igrejas, como por exemplo na carta aos Colossenses: "Paulo, apstolo de Cristo Jesus, por vontade de Deus e irmo Timteo. . .". Timteo era um irmo em Cristo. Era tambm um ministro cristo, um missionrio e representante do apstolo. E Deus vinha operando na vida de Timteo para fazer dele uma pessoa com tais atributos. Direta ou indiretamente, Paulo menciona, neste pargrafo, as quatro maiores influncias que teriam contribudo para a formao de Timteo.

a. A formao familiarPaulo refere-se, neste pargrafo, a seus antepassados (v.3), dele e de Timteo, e tambm me e av de Timteo (v.5). E isto faz sentido porque toda pessoa , em alto grau, afetada por razes de ordem gentica. A maior influncia na formao de cada um de ns deve-se ou ascendncia ou ao lar. Por esta mesma razo, boas biografias nunca comeam abordando as pessoas de que tratam, mas os seus pais e possivelmente tambm os seus avs. bem verdade que ningum pode herdar a f de seus pais, do mesmo modo como herda traos de personalidade, mas uma criana pode ser conduzida f pelo ensino, pelo exemplo e pelas oraes de seus pais.

Timteo provinha de um lar temente a Deus. Lucas nos conta que ele era filho de um casamento misto, em que o pai era grego e a me judia (Atos 16: 1). Pode-se presumir que o seu pai fosse descrente, mas a me Eunice era uma judia crente, que se tornou crist. E, antes da me, sua av Lide era tambm convertida, visto que Paulo escreve sobre a "f sem fingimento" das trs geraes (v.5). Talvez os trs, av, me e filho, devessem sua converso a Paulo, quando levou o evangelho a Listra. Mesmo antes da converso a Cristo, essas mulheres tementes a Deus haviam instrudo Timteo no Antigo Testamento, assim que, "desde a meninice" fora inteirado das "sagradas letras" (3: 15). Calvino comenta, com muita propriedade, que Timteo "foi criado de tal modo que pde sugar a piedade junto com o leite materno".

Paulo poderia dizer praticamente o mesmo de si prprio. Estivera servindo a Deus "com uma conscincia pura", assim como os seus antepassados o fizeram antes dele. claro que a sua f se enriqueceu, tornou-se mais completa e mais profunda quando Deus lhe revelou Cristo. Contudo, ainda era substancialmente a mesma f dos crentes do Antigo Testamento, como Abrao e Davi, pois era o mesmo Deus no qual todos eles sempre creram. como se l em Romanos 4. No de se estranhar, ento, que Paulo tenha afirmado ao procurador Flix: "Sirvo ao Deus de nossos pais" (Atos 24: 14; cf. 26: 6). Devemos sempre lembrar disso ao testemunharmos aos judeus contemporneos. A converso de um judeu a Cristo no de forma alguma um ato de infidelidade a seus antepassados; , isto sim, o cumprimento da f e da esperana de seus antepassados.

Voltando a Timteo, a primeira influncia em sua vida foi a sua educao no lar e, em particular, a sua me e a sua av, crentes sinceras, que lhe falaram das Escrituras desde a infncia. De igual forma, uma bno de valor incalculvel, da parte de Deus, hoje nascer e ser criado num lar cristo.

b. A amizade espiritualDepois de nossos pais, os nossos amigos so os que mais nos influenciam, especialmente se so, de algum modo, nossos professores. E Paulo era para Timteo um mestre e amigo excepcional. J vimos que Paulo era o "pai espiritual" de Timteo. Paulo o conduzira a Cristo, por isso no se esqueceu dele, nem o abandonou. Paulo lembrava-se constantemente dele, como diz repetidamente nesta passagem. Tambm o tomara consigo em suas viagens e o treinara como um aprendiz. Na ltima vez em que se separaram, Timteo foi incapaz de conter as lgrimas. E agora, recordando-se daquelas lgrimas, Paulo almejava "noite e dia" tornar a v-lo, "para que eu transborde de alegria" (v.4). O Rev. Handley Moule interpreta apipothn como "ardente saudade". Entrementes, Paulo orava sem cessar por Timteo (v.3) e, de tempos em tempos, escrevia-lhe cartas de aconselhamento e encorajamento, tais como esta.

Tal amizade crista, incluindo o companheirismo, as cartas e as oraes que a expressavam, certamente teve um poderoso efeito na formao do jovem Timteo, fortalecendo-o e sustentando-o em sua vida e no servio cristos.

Eu agradeo a Deus pelo homem que me levou a Cristo e pela extraordinria devoo com que me acompanhou nos primeiros anos da minha vida crist. Ele me escrevia semanalmente, creio que por sete anos. Tambm orava por mim todos os dias e creio que ainda o faa. Nem posso avaliar o quanto sou devedor a Deus por esse fiel amigo e pastor.

c. O dom espiritualPaulo deixa agora os meios indiretos usados por Deus para moldar o carter cristo de Timteo (seus pais e amigos) para enfocar um dom diretamente dado por Deus a ele. "Por esta razo, pois, te admoesto que reavives o dom de Deus, que h em ti pela imposio das minhas mos" (v.6). Que dom (carisma) da graa de Deus foi este, no sabemos nem de leve, pelo simples fato de no nos ter sido revelado. No temos a liberdade de ir alm da Escritura. Contudo, podemos arriscar uma conjectura, desde que ressalvemos que se trata de apenas uma suposio. O que est claro, tanto neste versculo como numa referncia similar em 1 Timteo 4: 14, que o dom lhe fora conferido quando Paulo e certos "ancios" (provavelmente da igreja em Listra) lhe impuseram as mos. Os dois versculos mencionam a imposio de mos e parecem referir-se ao que podemos chamar de sua "ordenao" ou "comissionamento". Sendo assim, ento o dom em questo seria um dom que Deus lhe dera relacionado com o seu ministrio. possvel tambm que Paulo esteja se referindo ao ministrio em si, para o qual Timteo fora separado, pela imposio de mos. De fato, as funes de pastor e de mestre, tal como as de apstolo e de profeta, so apontadas como dons da graa de Deus (Ef 4: 7-11). Desse modo, talvez Dean Alford tenha razo, ao dizer que "o dom espiritual o de ensinar e o de presidir a igreja". Ou ento a referncia pode ter sido ao dom de evangelizao. Logo adiante Paulo insiste com Timteo para que este faa o trabalho de evangelista, cumprindo assim o seu ministrio (4: 5). Ou ainda, uma vez que o apstolo prossegue imediatamente referindo-se espcie de esprito que Deus nos deu (v.7), possvel que ele estivesse se referindo a uma ddiva ou uno especial do Esprito, que Timteo recebera por ocasio de sua ordenao, e que o capacitaria obra para a qual fora chamado. Minha opinio pessoal que mais seguro descrever o carisma de Timteo com as palavras de Alfred Plummer: "a autoridade e o poder para ser um ministro de Cristo". Isto inclui tanto a funo como o equipamento espiritual necessrio para desempenh-la.

Aprendemos, pois, que o homem no somente o que ele recebe de seus pais, amigos e mestres, mas tambm o que Deus mesmo faz dele, quando o chama para um ministrio especial, dotando-o com recursos espirituais apropriados.

d. A disciplina pessoalDe fato, os dons de Deus, tanto os naturais como os espirituais, precisam ser desenvolvidos e usados. As parbolas dos talentos e das minas, que nosso Senhor ensinou, ilustram claramente a responsabilidade pelo servio, a recompensa pela fidelidade e o perigo da preguia. Assim, na sua primeira carta, Paulo pede que Timteo no se faa negligente com o seu dom (4: 14) e na segunda carta o admoesta a reaviv-lo (v.6), ou reacend-lo. O dom comparado ao fogo. Do verbo grego anazpure, que no aparece em nenhuma outra passagem do Novo Testamento, no se pode deduzir que Timteo tenha deixado o fogo extinguir-se e que tenha agora de soprar as brasas quase apagadas, at que o fogo ressurja. O prefixo ana pode indicar tanto aumentar o fogo como tornar a acend-lo. Parece, pois, que a exortao de Paulo para continuar soprando, para "atiar aquele fogo interior", para conserv-lo vivo, at inflamar-se, e isso presumivelmente pelo exerccio fiel do seu dom e pela splica a Deus por constante renovao desse dom.

Lanando este apelo, Paulo imediatamente justifica: "porque Deus no nos tem dado esprito de covardia, mas de poder, de amor e de moderao" (v.7). J consideramos anteriormente os problemas da mocidade, da sade debilitada e do temperamento tmido contra os quais Timteo teria que lutar. Ele parece ter sido uma criatura muito arredia e sensvel, a quem a responsabilidade se configurava como uma carga pesada. Talvez temesse excessos e extravagncias espirituais. Assim, Paulo compelido a no somente insistir com ele para conservar ativo o seu dom, mas tambm a certific-lo de que ele no devia ser acanhado no exerccio do mesmo.

Por que no? Bem, porque "covardia no tem nada a ver com o Cristianismo", ou, como Paulo o diz, por causa do Esprito que Deus nos deu. Note-se que, ainda que um certo dom espiritual especfico tenha sido dado a Timteo ("que h em ti"), o dom do Esprito em si foi dado a todos ns ("Deus... nos tem dado") a todos os que estamos em Cristo. E este Esprito, que Deus deu a todos ns, no um Esprito de "covardia", mas de "poder, de amor e de moderao". Sendo ele o Esprito de poder, podemos estar confiantes de que ele nos capacita no exerccio do nosso ministrio. Sendo ele o Esprito de amor, devemos usar a autoridade e o poder de Deus a servio do prximo, no em auto-afirmao ou vanglria. E sendo ele o Esprito de domnio prprio, este uso deve ser com visvel reverncia e reserva.

At aqui estudamos o que os primeiros sete versculos da carta nos transmitem a respeito desses dois homens, Paulo e Timteo, e de suas qualidades essenciais. Paulo sustenta ser apstolo de Jesus Cristo "pela vontade de Deus", como dissera antes ser o que ele era "pela graa de Deus" (1 Co 15: 10). E uma srie de fatores levou Timteo a ser o que era: foi criado no temor de Deus, a amizade e o treinamento de Paulo, o dom de Deus, e a sua autodisciplina em desenvolv-lo.

Em princpio, acontece o mesmo com todo o povo de Deus. Talvez a coisa mais impressionante seja a combinao, tanto em Paulo como em Timteo, da soberania divina com a responsabilidade humana. So duas realidades, de revelao e de experincia, que consideramos difcil subsistirem ao mesmo tempo, e impossvel serem sistematizadas numa acurada doutrina.

Paulo podia escrever sobre a vontade de Deus e assegurar que a graa divina fizera dele o que ele era. Mas Paulo imediatamente acrescentou: "e a sua graa, que me foi concedida, no se tornou v, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia no eu, mas a graa de Deus comigo" (1 Co 15: 10). Ou seja, ele acrescentou o seu esforo graa de Deus; contudo, na verdade, foi a graa de Deus que inspirou o seu esforo.

Com Timteo acontecia o mesmo. Sua me e sua av puderam ensinar-lhe as Escrituras e lev-lo converso. Foi Paulo que o levou a Cristo, tornou-se seu amigo, orou por ele, escreveu-lhe, treinou-o e exortou-o. Timteo recebeu de Deus um dom especial, em sua ordenao. Mas o prprio Timteo teve que desenvolver sozinho o dom divino, sem Paulo. Ele teve de acrescentar a sua prpria autodisciplina aos dons de Deus.

Conosco no se d de forma diferente. O muito ou o pouco que tenhamos recebido de Deus, seja diretamente numa doao natural e espiritual, seja indiretamente atravs de pais, amigos ou professores, de qualquer modo devemos aplicar-nos numa ativa autodisciplina para cooperar com a graa de Deus e para conservar bem aceso o fogo interior. De outra forma, jamais seremos os homens e as mulheres que Deus quer que sejamos; jamais cumpriremos o ministrio que ele nos deu para exercermos.

Paulo deixa, agora, os vrios fatores que contriburam para a formao de Timteo e volta-se para a autenticidade do evangelho e para a responsabilidade de Timteo em relao ao mesmo. Antes de definir o evangelho, ele roga o Timteo que no se envergonhe do mesmo (v.8). O ministrio de Timteo deveria ser caracterizado pelo sofrimento e no pela vergonha. Ele poderia ser jovem, dbil, tmido e fraco; tambm poderia recuar diante das tarefas para as quais estava sendo chamado. Mas Deus o moldou e o dotou para seu ministrio, de modo que Timteo no deveria envergonhar-se desse ministrio, nem temer exerc-lo.

Isto significa, antes de tudo, que Timteo no deveria envergonhar-se de Cristo, "do testemunho de nosso Senhor". Cada cristo uma testemunha de Cristo, e o testemunho cristo essencialmente um testemunho tanto para Cristo, como de Cristo (cf. Jo 15: 26-27; At 1: 8). Assim, cada cristo deve estar pronto e desejoso, se necessrio, a fazer-se "um louco, por causa de Cristo" (1 Co 4: 10); por ningum mais se diz que algum deva se dispor a passar por um louco!

No tendo Timteo que se envergonhar do Senhor, tambm no tinha que se envergonhar de Paulo. Porque possvel orgulhar-se de Cristo, mas envergonhar-se do seu povo e sentir-se perturbado por se associar a ele. Parece que quando Paulo foi preso novamente e posto em cadeias, quase: todos os seus antigos auxiliares o abandonaram (v.15). Agora ele implora a Timteo no lhes seguir o exemplo. Aos olhos dos homens, ele talvez seja prisioneiro do imperador; na realidade, porm, prisioneiro do Senhor, um prisioneiro voluntrio, mantido pelos homens em priso somente com a permisso de Cristo e pela causa de Cristo.

Timteo no deve, portanto, envergonhar-se do evangelho, mas tomar parte no sofrimento por ele. Sendo fraco em si mesmo, poderia ser fortalecido pelo poder de Deus, para assim suportar os sofrimentos. E isso era necessrio, pois o evangelho de Cristo crucificado, loucura para alguns e pedra de tropeo para outros (1 Co 1: 23), sempre despertou oposio. E opondo-se mensagem, as pessoas se colocam obviamente contra os mensageiros que, deste modo, "sofrem com o evangelho do sofrimento".

Estes continuam ainda sendo os trs modos mais importantes pelos quais os cristos, como Timteo, so tentados a envergonhar-se: ora do nome de Cristo, do qual somos chamados a dar testemunho; ora do povo de Cristo, ao qual tambm pertencemos, se que pertencemos a Ele; ora do evangelho de Cristo, cuja propagao nos foi confiada.

A tentao forte e insidiosa. Se Timteo no a sentisse, Paulo no o exortaria nestes termos. Se o prprio Paulo nunca tivesse se sentido exposto a ela, no teria tido que se expressar, alguns anos antes, com tanta veemncia: "No me envergonho do evangelho de Cristo, pois o poder de Deus para a salvao de todo aquele que cr" (Rm 1: 16). Com efeito, se esta no fosse uma tentao corriqueira, o Senhor Jesus no teria necessidade de advertir solenemente: "Porque qualquer que, nesta gerao adltera e pecadora, se envergonhar de mim. e das minhas palavras, tambm o Filho do homem se envergonhar dele, quando vier na glria de seu Pai com os santos anjos" (Mc 8: 38). Todos ns somos muito mais sensveis opinio pblica do que pensamos, e tendemos a dobrar-nos facilmente s presses dela, tal como palmeiras agitadas pelo vento.

Paulo agora fala mais detalhadamente sobre o evangelho do qual Timteo no deve se envergonhar, e pelo qual deve se dispor tambm a sofrer. Ele comea citando as caractersticas mais importantes (vs. 9, 10) e depois resume a nossa responsabilidade em relao ao evangelho (vs. 11, 18). Este ento o duplo tema do restante do captulo: o evangelho de Deus e o nosso dever para com ele.

3. O Evangelho de Deus (vs. 9,10). . . que nos salvou e nos chamou com santa vocao; no segundo as nossas obras, mas conforme a sua prpria determinao e graa que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos, 10e manifestada agora pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual no s destruiu a morte, como trouxe luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho... notvel ver Paulo passar, de repente, da referncia ao "evangelho" afirmao central: "Deus . . . nos salvou". mesmo impossvel falar do evangelho sem falar, ao mesmo tempo, da salvao. O evangelho precisamente isto: boas novas de salvao, ou boas notcias de "nosso Salvador Cristo Jesus" (v.10). Desde o dia do Natal, quando a boa nova de alegria foi anunciada pela primeira vez, proclamando o nascimento do "Salvador que Cristo o Senhor" (Lc 2: 10-11), os seguidores de Jesus tm reconhecido o seu contedo essencial. Paulo mesmo nunca vacilou a esse respeito. Em Antioquia da Pisdia, na primeira viagem missionria, ele refere-se ao seu evangelho como a "mensagem desta salvao". Em Filipos, na segunda jornada missionria, ele e seus companheiros foram identificados como "servos do Deus Altssimo, que nos anunciam o caminho da salvao". E ao escrever em Roma aos Efsios, ele intitula a palavra da verdade de "o evangelho da vossa salvao" (At 13:26; 16:17; Ef 1:13).

Assim, aqui, ao escrever a respeito do evangelho, Paulo usa a terminologia costumeira, isto , que somos salvos em Cristo Jesus por determinao, graa e chamado de Deus, no por nossas prprias obras. que ele est expondo, nesta sua ltima carta, o mesmo evangelho que j expusera na sua primeira carta (Gaiatas). Com o passar dos anos, o seu evangelho no sofreu mudanas; h somente um evangelho de salvao. E conquanto devamos traduzir os termos "evangelho" e "salvao" por expresses mais compreensveis ao homem moderno, no podemos alterar a substncia da nossa mensagem. Examinando com mais cuidado a forma concisa com que Paulo apresenta o evangelho de Deus nestes versculos, constatamos que ele indica a sua essncia (o que o evangelho), a sua origem (de onde provm) e o seu fundamento (onde se baseia).

a. A essncia da salvaoPrecisamos juntar as trs clusulas que afirmam que Deus "nos salvou", "nos chamou com santa vocao" e "trouxe luz a vida e a imortalidade". Isto explica que a salvao vai muito alm do perdo. O Deus que nos "salvou" tambm o que, ao mesmo tempo, "nos chamou com santa vocao", ou seja, que nos "chamou para sermos santos". O chamamento cristo uma vocao santa. Quando Deus chama algum para si, tambm o chama santidade. A isto Paulo dera muita nfase em suas cartas anteriores. "Deus no nos chamou para a impureza, e, sim, em santificao", porque todos fomos "chamados para ser santos", chamados para viver como povo santo de Deus e separado para ele (1 Ts 4:7; 1 Co 1: 2). Sendo a santidade uma parte integrante no plano de Deus para a salvao, tambm o a "imortalidade", da qual escreve no versculo seguinte (v.10). De fato, "perdo", "santidade" e "imortalidade" so trs aspectos da grande "salvao" de Deus.

O termo "salvao" precisa ser urgentemente libertado do conceito medocre e pobre com o qual tendemos a degrad-lo. "Salvao" um termo majestoso, que evidencia todo o amplo propsito de Deus, pelo qual ele justifica, santifica e glorifica o seu povo: primeiramente, perdoando as nossas ofensas e aceitando-nos como justos ao nos olhar atravs de Cristo; depois transformando-nos progressivamente, pelo seu Esprito, para sermos conforme a imagem do seu Filho, at que finalmente nos tornemos iguais a Cristo no cu, com novos corpos, num mundo novo. No devemos minimizar a grandeza de "to grande salvao" (Hb 2:3).

b. A origem da salvaoDe onde provm to grande salvao? A resposta de Paulo : "No segundo as nossas obras, mas conforme a sua prpria determinao e graa que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos" (v.9). Se quisssemos acompanhar o manancial da salvao at a sua origem, deveramos ento voltar para trs, atravs do tempo, em direo eternidade do passado. As palavras do apstolo so mesmo: "antes dos tempos eternos" e so traduzidas de diversas formas: "antes do princpio do mundo" (BV), "antes do tempo existir" (CIN), ou "antes de todos os sculos" (PAPF).

Para no pairar qualquer dvida sobre a verdade de que a predestinao e eleio por Deus pertence eternidade e no ao tempo, Paulo faz uso de um particpio aorstico para indicar que Deus de fato nos deu algo (dotheisan) desde toda a eternidade, em Cristo. O que Deus nos deu foi "a sua prpria determinao e graa", ou "a sua determinao, ou propsito, de nos dar graa". A sua determinao de dar a salvao no era arbitrria, mas sim fundada em sua graa. Fica claro, por conseguinte, que a fonte de nossa salvao no so as nossas prprias obras, visto que Deus nos deu a sua prpria determinao da graa em Cristo antes que praticssemos quaisquer boas obras, antes de termos nascido e de termos podido fazer quaisquer obras meritrias; antes mesmo da Histria, antes do tempo, na eternidade.

Temos que confessar que a doutrina da eleio matria difcil para mentes finitas mas , incontestavelmente, uma doutrina bblica. Ela enfatiza que a salvao devida exclusivamente graa de Deus, e no aos mritos humanos; no s nossas obras realizadas no tempo, mas determinao que Deus concebeu na eternidade; "aquela determinao", como se expressa o Rev. Ellicott, "que no surgiu de algo fora dele, mas que brotou unicamente das maiores profundezas da divina eudokia". Ou, nas palavras de E. K. Srmpson: "As escolhas do Senhor tm as suas razes imperscrutveis, mas no se baseiam na elegibilidade dos escolhidos". Assim sendo, a divina determinao, ou propsito, da eleio um mistrio para a mente humana, j que no se pode aspirar compreender os pensamentos secretos e as decises da mente de Deus. Contudo, a doutrina da eleio nunca introduzida na Escritura para despertar ou para diminuir a nossa curiosidade carnal, mas sempre tendo um propsito bem prtico. De um lado ela desperta uma profunda humildade e gratido, por excluir todo o orgulho prprio. De outro lado, traz paz e segurana, porque nada pode acalmar os nossos temores pela nossa prpria estabilidade como o conhecimento de que a nossa segurana depende, em ltima anlise, no de ns mesmos, mas da prpria determinao e graa de Deus.

c. O fundamento da salvaoA nossa salvao tem um firme fundamento na obra histrica efetuada por Jesus Cristo no seu primeiro aparecimento. Porque, conquanto a graa de Deus nos tenha sido "dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos", ela foi "manifestada agora", no tempo, "pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus", ou seja, pelo aparecimento do mesmo Jesus Cristo. Os dois estgios divinos foram em e atravs de Jesus Cristo; a ddiva foi eterna e secreta, mas a manifestao foi histrica e pblica.

O que ento Cristo realizou, ao aparecer e manifestar a eterna determinao e graa de Deus? A isto Paulo d uma dupla resposta no versculo 10. Primeiramente, Cristo "destruiu a morte". Em segundo lugar, "trouxe luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho".

Em primeiro lugar, Cristo destruiu a morte.

"Morte" , de fato, a palavra que bem sintetiza a nossa condio humana resultante do pecado. Porque a morte o "salrio" do pecado, a sua horrvel punio (Rm 6: 23). E assim para cada uma das formas que a morte assume. A Escritura fala da morte em trs sentidos: a morte fsica, a alma separada do corpo; a morte espiritual, a alma separada de Deus; e a morte eterna, a alma e o corpo separados de Deus para sempre. Todas as trs mortes so devidas ao pecado; so a sua terrvel, porm justa, recompensa. Mas Jesus "destruiu" a morte. O sentido no pode ser o de que ele j a tenha eliminado, conforme sabemos por nossa prpria experincia diria. Os pecadores ainda esto "mortos em delitos e pecados", nos quais andam (Ef 2: 1-2), at que Deus lhes d a vida em Cristo. Todos os seres humanos morrem fisicamente e continuaro a morrer, com exceo da gerao que estiver viva quando Cristo retornar em glria. E muitos experimentaro a "segunda morte", que uma das apavorantes expresses usadas no livro do Apocalipse para designar o inferno (p. ex.: Ap. 20: 14; 21:8). Com efeito, anteriormente Paulo escrevera que a destruio final da morte ainda se encontra no futuro, quando ela, o ltimo inimigo de Deus, ser destruda (1 Co 15: 26). S depois da volta de Cristo e da ressurreio dos mortos que haveremos de proclamar com jbilo: "tragada foi a morte pela vitria" (1 Co 15:54;cf.Ap21:4).

O que Paulo afirma, triunfantemente, neste versculo, que, em seu primeiro aparecimento, Cristo decisivamente derrotou a morte. O verbo grego katarge no permite, por si mesmo, concluirmos qual seja o seu significado, pois pode ser empregado com muitos sentidos, e assim s o contexto pode determinar qual o seu correto significado. Contudo, o seu primeiro e mais notvel sentido o de "tornar ineficiente, sem poder, intil" ou "anular" (AG). Assim Paulo compara a morte a um escorpio, do qual se arrancou o ferro; e tambm a um comandante, cujas tropas foram vencidas. O apstolo pode, portanto, levantar a sua voz em desafio: "Onde est, morte, a tua vitria? onde est, morte, o teu aguilho?" (1 Co 15: 55). Porque Cristo destruiu o poder da morte (AG).

muito significativo que este mesmo verbo katarge usado no Novo Testamento com referncia ao diabo e nossa natureza decada, assim como o tambm com referncia morte (Hb 2: 14; Rm 6: 6). Nem o diabo, nem a nossa natureza decada e tampouco a morte foram aniquilados; mas pelo poder de Cristo, a tirania de cada um deles foi destruda, de forma que os que esto em Cristo esto em liberdade.

Consideremos particularmente como foi que Cristo "destruiu" ou "anulou" a morte. X A morte fsica j no mais o terrvel monstro que nos parecia antes, e que continua ainda sendo para muitos, a quem Cristo ainda no libertou. Pelo pavor da morte eles ainda esto "sujeitos escravido por toda a vida" (Hb 2: 15). J para os crentes em Cristo a morte significa simplesmente "dormir" em Cristo; e isto , na verdade, um "lucro", por ser o caminho para estar "com Cristo, o que incomparavelmente melhor". um dos bens que se tornam nossos, quando somos de Cristo (1 Ts 4:14-15; Fp 1:21-23; 1 Co 3: 22-23). A morte tornou-se to inofensiva, que Jesus chegou a afirmar que o crente, ainda que morra, "no morrer, eternamente" (Jo 11: 25-26). O que absolutamente certo que a morte jamais conseguir separar-nos do amor de Deus, que est em Cristo (Rm 8:38-39).

A morte espiritual, para os cristos, deu lugar vida eterna, que a comunho com Deus, iniciada aqui na terra e que ser perfeita no cu. Alm disso, os que esto em Cristo "de nenhum modo sofrero os danos da segunda morte", porque j passaram da morte para a vida (Ap 2:11; Jo 5:24; e 1 Jo3:14).

Em segundo lugar, Cristo "trouxe luz a vida e a imortalidade mediante o evangelho". Esta a contrapartida positiva. Foi por meio de sua morte e ressurreio que Cristo destruiu a morte. atravs do evangelho que ele agora revela o que fez, e oferece aos homens a vida e a imortalidade que para eles conquistou. No est claro se devemos fazer distino entre as palavras "vida" e "imortalidade", pois podem ser sinnimas, a segunda definindo a primeira. Ou seja, a espcie de vida que Cristo nos garantiu, e que agora nos revela e nos oferece atravs do evangelho, a vida eterna, uma vida que imortal e incorruptvel. Somente Deus possui a imortalidade em si mesmo, mas Cristo a d aos homens. At mesmo os nossos corpos participaro dessa imortalidade, aps a ressurreio (1 Co 15: 42, 52-54). Assim ser a herana que receberemos (1 Pe 1:4). De outro lado, como C. K. Barrett escreve: "possivelmente 'vida' refira-se nova vida, possvel de ser obtida neste mundo; e 'imortalidade' ao seu prolongamento depois da morte". Qualquer que seja a nossa conceituao dessas palavras, ambas so "reveladas" ou "trazidas luz" atravs do evangelho. H muitas aluses no Velho Testamento a uma vida aps a morte, e alguns lampejos dessa f, mas de maneira geral a revelao do Antigo Testamento o que o Rev. Moule chamou de "um lusco-fusco", em comparao com o Novo Testamento. O evangelho, contudo, trouxe torrentes de luz sobre a ddiva da vida e da imortalidade, atravs da vitria de Cristo sobre a morte.

A fim de apreciarmos a plena fora desta afirmativa crist, precisamos relembrar quem este que a est proferindo. Quem este que escreve com tanta segurana sobre a vida e a morte, sobre a destruio da morte e a revelao da vida? algum que encara a iminente expectativa da sua prpria morte. A qualquer hora ele espera receber a sua sentena de morte. J soa em seus ouvidos a sua ultimao final. Em sua imaginao j pode ver o lampejar da espada do carrasco. E, no obstante, na dura presena da morte, ele brada alto: "Cristo destruiu a morte". Isto f crist triunfante!

Como suspiramos e anelamos que a igreja de nossos dias recupere a sua esperana na vitria de Jesus Cristo, que proclame estas boas novas a este mundo, para o qual morte continua sendo uma palavra proibida. A revista "The Observer" dedicou uma edio inteira ao tema "morte", em outubro de 1968, e comentou: "Longe de estar preparada para a morte, a sociedade moderna conferiu a esta palavra o carter de coisa no mencionvel. . . aplicamos todos os nossos talentos para nos esquivar da expectativa de morrer e, quando a hora chega, reagimos de qualquer forma, ou com excessiva trivialidade, ou at com total desespero".

Um dos testes mais reveladores que se pode aplicar a qualquer religio diz respeito atitude da mesma em relao morte. Avaliada por este teste, muito "cristianismo" por a achado em falta, com suas roupagens pretas, e com seus cnticos plangentes e suas missas de rquiem. claro que morrer pode ser muito desagradvel e a perda de um ente amado pode trazer amarga tristeza. Mas a prpria morte foi derrotada, e "bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor" (Ap 14: 13). O epitfio adequado para um crente em Cristo no a lgubre e incerta petio, requiescat in pace (descanse em paz), mas a firme e jubilosa afirmao: "Cristo venceu a morte", ou para quem prefira lnguas clssicas, o equivalente a isso em grego ou latim!

Tal , pois, a salvao que nos oferecida pelo evangelho, da qual nos apropriamos em Cristo. Caracteriza-se pela recriao e transformao do homem na santidade de Cristo, aqui e alm. A origem desta salvao o eterno propsito da graa de Deus. O seu fundamento o aparecimento histrico de Cristo e a destruio da morte por ele.

Juntando estas grandes verdades, podemos encontrar cinco etapas que caracterizam o propsito salvfico de Deus. A primeira o dom eterno da sua graa, que nos oferecido em Cristo. A segunda o aparecimento histrico de Cristo para destruir a morte atravs da sua morte e ressurreio. A terceira etapa o convite pessoal que Deus faz ao pecador, por meio da pregao do evangelho. A quarta a santificao moral dos crentes pelo Esprito Santo. E a quinta etapa a perfeio celestial final, na qual o santo chamamento consumado.

A extenso do propsito da graa de Deus realmente sublime, tal como Paulo o delineia, partindo da eternidade passada, passando pela sua realizao histrica em Jesus Cristo, e culminando no cristo, que tem o seu destino final com Cristo e semelhana de Cristo, numa futura imortalidade. No realmente maravilhoso que, mesmo estando o corpo de Paulo confinado ao espao apertado de uma cela subterrnea, o seu corao e a sua mente possam elevar-se at a eternidade?

4. Nossa responsabilidade perante o evangelho divino (vs. 11-18)Para o qual eu fui designado pregador, apstolo e mestre, 12 e por isso estou sofrendo estas coisas, todavia no me envergonho; porque sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele poderoso para guardar o meu depsito at aquele dia. 13Mantm o padro das ss palavras que de mim ouviste com f e com o amor que est em Cristo Jesus. 14Guarda o bom depsito, mediante o Espirito Santo que habita em ns. 15Ests ciente de que todos os da sia me abandonaram; dentre eles cito Figelo e Hermgenes. 16Conceda o Senhor misericrdia casa de Onesforo, porque muitas vezes me deu nimo e nunca se envergonhou das minhas algemas. 17Antes, tendo ele chegado a Roma, me procurou solicitamente at me encontrar. 18O Senhor lhe conceda, naquele dia, achar misericrdia da parte do Senhor. E tu sabes, melhor do que eu, quantos servios me prestou ele em feso.Se perguntssemos a Paulo qual a primeira responsabilidade de algum em relao ao evangelho, ele responderia, sem dvida, que receber a boa nova e viv-la. Mas o seu interesse aqui no se refere responsabilidade do incrdulo, mas do cristo perante o evangelho, depois de o ter abraado. Paulo d trs respostas a esta pergunta:

a. Nossa responsabilidade de comunicar o evangelho (v. 11)Se "a vida e a imortalidade" que Cristo conquistou so trazidas luz "mediante o evangelho", ento, naturalmente, imperativo que proclamemos o evangelho. Assim Paulo continua: "para o qual (evangelho) eu fui designado pregador, apstolo e mestre". A mesma combinao de palavras ocorre em 1 Timteo 2: 7, e nas duas passagens Paulo usa o ego enftico, sem dvida para expressar a sua "sensao de surpresa consigo mesmo" por lhe ter sido conferido tamanho privilgio.

Talvez possamos nos referir s trs funes de "apstolo", "pregador" e "mestre", dizendo que os apstolos formularam o evangelho, os pregadores o proclamam como arautos, e os mestres so os que instruem de forma sistemtica acerca de suas doutrinas e das implicaes ticas decorrentes.

Hoje no h mais apstolos de Cristo. J vimos anteriormente o quanto restrito, no Novo Testamento, o uso deste termo. O evangelho foi formulado pelos apstolos e por eles legado Igreja. Acha-se em sua forma definitiva registrado no Novo Testamento. Esta f apostlica neotestamentria normativa para a Igreja de todos os tempos e lugares. A Igreja est edificada "sobre o fundamento dos apstolos e profetas" (Ef 2: 20). No h outro evangelho. No pode haver nenhum outro evangelho.

Embora no haja apstolos de Cristo em nossos dias, certamente h pregadores e mestres, homens e mulheres chamados por Deus para se consagrarem obra da pregao e do ensino. Notemos que eles so chamados para pregar e para ensinar o evangelho. muito ao gosto de crculos teolgicos fazer uma clara distino entre o krygma (a pregao) e o didache (o ensino). Ao kerygma corresponde essencialmente a boa nova de Cristo crucificado e ressurreto, com o apelo ao arrependimento e f; no didache corresponde principalmente a instruo tica aos convertidos. Esta distino pode ser til, mas perigosa. Ela benfica somente se nos lembrarmos de que os dois de entrelaam. Havia muito de didache no krygma e muito de kerygma no didach. Alm do mais, ambos concernem ao evangelho, sendo que o krygma era a proclamao de sua essncia, enquanto que o didache inclua as grandes doutrinas que o sustentam, assim como a conduta moral dele decorrente.

A referncia a "testemunho", no versculo 8, que j consideramos anteriormente, acrescenta um quarto termo a esta lista. Ele nos lembra que, embora no haja apstolos hoje, e apesar de somente alguns serem chamados ao ministrio da pregao e do ensino, cada crente em Cristo deve testemunhar de Jesus Cristo a partir de sua experincia pessoal.

b. Nossa responsabilidade de sofrer pelo evangelho (v. 12a)Paulo havia ordenado a Timteo que no se envergonhasse, mas que assumisse a sua parte de sofrimento pelo evangelho (v.8), tema este a que se dedicou no segundo captulo desta carta. Mas agora ele enfatiza que no est exigindo de Timteo algo que ele mesmo, Paulo, no estava preparado para suportar: ". . . por cuja causa padeo. . ., mas no me envergonho...". Qual a razo para este relacionamento entre o sofrimento o evangelho? Que h com o evangelho, que os homens odeiam e a ele se opem, e que por sua causa os que o pregam tm de sofrer?

D-se o seguinte: os pecadores suo salvos por Deus em virtude da prpria determinao e graa divina, e no em virtude das boas obras deles (v.9). O que ofende as pessoas a imerecida gratuidade do evangelho. O homem "natural" ou no regenerado odeia ter de admitir a gravidade do seu pecado e culpa, a necessidade da graa de Deus e a morte expiatria de Cristo para salv-lo, e conseqentemente a sua inegvel dvida para com a cruz. isto que Paulo entendeu por "pedra de tropeo da cruz". Muitos pregadores sucumbem tentao do silncio com respeito a esse aspecto. Pregam o mrito dos homens em vez de Cristo e sua cruz, e substituem um pelo outro, "somente para no serem perseguidos por causa da cruz de Cristo" (Gl 6: 12; cf. 5:11). Ningum consegue pregar com fidelidade o Cristo crucificado sem sofrer oposio, ou at mesmo perseguio.

c. Nossa responsabilidade de zelar pelo evangelho (vs. 12b-18)Deixando de lado, por enquanto, a segunda parte do versculo 12, chegamos dupla exortao de Paulo a Timteo, nos dois versculos seguintes: "Mantm o padro das ss palavras que de mim ouviste" (v.13); "guarda o bom depsito, mediante o Esprito Santo que habita em ns" (v. 14). Aqui Paulo se refere ao evangelho, f apostlica, usando duas expresses. O evangelho tanto um padro de ss palavras (v.13), como um depsito precioso (v.14).

"Ss" palavras so palavras "saudveis". A expresso grega empregada nos evangelhos nos casos de pessoas curadas por Jesus. Anteriormente eram deformes ou doentes; agora estavam bem ou "ss". Assim, a f crist a "s doutrina" (4: 3), que consiste de "palavras ss", por no ser mutilada ou enferma, mas "sadia", ou "completa". o que Paulo mencionara, anteriormente, como sendo "todo o desgnio de Deus" (At 20:27).

Alm disso, essas "ss palavras" foram dadas por Paulo a Timteo num "padro". A palavra grega aqui hypotyposis. A BLH traduz por "exemplo". E o Dr. Guthrie diz que ela significa um "esboo rpido, como o faria um arquiteto, antes de lanar no papel os planos detalhados de uma construo." Neste ltimo cano Paulo estaria sugerindo a Timteo que ampliasse, expusesse e tiplicasse o ensino apostlico. Parece-me que essa interpretao no se harmoniza com o contexto, principalmente num confronto com o versculo seguinte. A nica outra ocorrncia de hypotyposis no Novo Testamento encontra-se na primeira carta de Paulo a Timteo, onde ele descreve a si mesmo como um objeto da maravilhosa misericrdia e da perfeita pacincia de Cristo, como um "exemplo dos que haviam de crer nele" (1: 16). Arndt e Gingrich, que optaram por "modelo" ou "exemplo" como sendo a traduo usual, sugerem que essa palavra empregada mais com o sentido de "prottipo" em 1 Timteo 1: 16 e com o sentido de "padro" em 2 Timteo 1: 13. Neste caso Paulo estaria ordenando a Timteo que se conservasse como um padro de ss palavras, isto , "como um modelo de ensino sadio", aquilo que ouvira do apstolo. Isto certamente corresponde ao ensino geral da carta e reflete fielmente a nfase da sentena na primeira palavra, "modelo" ou "padro".

Assim, o ensino de Paulo deve ser uma regra ou diretriz para Timteo, da qual este no deve se afastar. Pelo contrrio, deve obedecer a essa regra, ou melhor, deve apegar-se a ela com firmeza (eche). E assim deve proceder "na f e no amor que h em Cristo Jesus". Isto , Paulo no est to preocupado com o que Timteo deve fazer, mas sim com o modo como ele o far. As convices doutrinrias pessoais de Timteo e a instruo recebida de outros, assim como as que reteve firmemente dos ensinos de Paulo, devem ser manifestadas com f e amor. Timteo deve procurar estas qualidades em Cristo: uma crena sincera e um amor pleno.

A f apostlica no somente um "padro de ss palavras"; tambm o "bom depsito" (h kal parathtk). Ou como ex-pressa a BLH: "as boas coisas que foram entregues a voc". Sim, o evangelho um tesouro, depositado em custdia na igreja. Cristo o confiou a Paulo; e Paulo, por sua vez, o confiou a Timteo.

Timteo deveria "guard-lo". precisamente o mesmo apelo que Paulo lanou no final da sua primeira carta (6: 20), com a nica diferena de que agora ele o chama de "bom", literalmente "belo" depsito. O verbo (phylassj tem o sentido de guardar algo "para que no se perca ou se danifique" (AG). empregado com a idia de guardar um palcio contra saqueadores, e bens contra ladres (Lc 11: 21; At 22: 20). Fora h hereges prontos a corromper o evangelho e desta forma roubar da igreja o inestimvel tesouro que lhe foi confiado. Cabe a Timteo colocar-se em guarda.

Deveria ele guardar o evangelho com toda a firmeza possvel em vista do que acontecera em feso (a capital da provncia romana da sia) e seus arredores, onde Timteo se encontrava (v.15). O tempo aoristo do verbo "me abandonaram" parece referir-se a um acontecimento especial. mais provvel que tenha sido o momento da segunda deteno de Paulo. As igrejas da sia, onde trabalhara por vrios anos, tornaram-se muito dependentes dele, e talvez a priso do apstolo lhes tenha incutido a idia de que a f crist agora estava perdida. A reao deles talvez tenha sido repudiar Paulo ou recusar-se a reconhec-lo. De Figelo e Hermgenes nada sabemos de concreto, mas a meno de seus nomes nos indica que possivelmente eles tenham sido os cabeas da oposio. De qualquer modo, Paulo via nesse afastamento das igrejas da sia mais do que uma simples desero pessoal dele; era, sim, uma rejeio autoridade apostlica. Deve ter-lhe sido algo bastante srio, principalmente porque alguns anos antes, durante a sua permanncia em feso por dois anos e meio, Lucas registra que "todos os habitantes da sia ouviram a palavra do Senhor, e muitos creram" (At 19: 10). Agora "os que esto na sia" haviam voltado as costas a Paulo. A um grande despertamento seguiu-se uma grande desero. "A todos os olhos, menos aos da f, deve ter parecido que o evangelho estava s vsperas da extino".

Uma grande exceo parece ter sido um homem chamado Onesforo, o qual repetidas vezes acolhera Paulo em sua casa (literalmente "reanimou-o", v.16) e que, em feso, prestara-lhe muitos servios (v.18). Onesforo permanecera, deste modo, fiel ao significado do seu nome: "portador de prstimos". Alm disso, no se envorgonhara das algemas de Paulo (v.16), o que d a entender que no repudiou a Paulo quando preso, e que o seguiu, e mesmo o acompanhou a Roma, procurando-o at encontr-lo no calabouo. Paulo tinha boas razes para ser grato por este amigo fiel e corajoso. No surpreendente, pois, que se expresse por duas vezes em orao (vs. 16, 18), primeiro por sua casa ("conceda o Senhor misericrdia casa de Onesforo") e depois, especificamente, por Onesforo ("O Senhor lhe conceda, naquele dia, achar misericrdia da parte do Senhor").

Vrios comentaristas, notadamente catlicos romanos, partindo das referncias casa de Onesforo (mencionada novamente em 4: 19) e expresso "naquele dia", tm argumentado que Onesforo quela altura estava morto e que, por conseguinte, no versculo 18 temos uma orao em favor de um falecido. Isto, na verdade, no passa de uma simples e gratuita conjectura. O fato de Paulo mencionar primeiro Onesforo e depois sua casa no d a entender necessariamente que estejam eles separados em virtude de sua morte; mais vivel crer que fosse devido distncia: Onesforo estava ainda em Roma, enquanto que sua famlia permanecia em casa, em feso. "Considero que uma orao em separado pelo homem e por sua famlia", escreve o Rev. Moule, "por estarem ento separados um do outro, por terras e mares . . . No h necessidade alguma de interpretar que Onesforo tivesse morrido. A separao de sua famlia, por uma viagem, isso o que se depreende da passagem".

Em todo o caso, todos na sia, como Timteo estava bem ciente, voltaram as costas ao apstolo, com exceo do leal Onesforo e de sua famlia. Era em tal situao de apostasia quase universal que Timteo deveria "guardar o bom depsito" e "manter o padro das ss palavras", ou seja, deveria preservar o evangelho imaculado e genuno. J seria uma grande responsabilidade para qualquer um, quanto mais para algum com o temperamento de Timteo. Como poderia ento permanecer firme?

O apstolo d a Timteo a base segura de que ele necessita. Timteo no pode pensar em guardar o tesouro do evangelho com fora prpria; somente poder faz-lo "mediante o Esprito Santo que habita em ns (v.14). A mesma verdade ensinada na segunda parte do versculo 12, que at aqui ainda no consideramos. A maior parte dos cristos est familiarizada com a traduo "porque sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele poderoso para guardar o meu depsito at aquele dia". Estas palavras so verdadeiras e muitas outras passagens bblicas as confirmam; quanto estrutura lingstica, foram traduzidas acuradamente. De fato, tanto o verbo "guardar" como o substantivo "depsito" so precisamente as mesmas palavras no versculo 12 e no versculo 14 e ainda em 1 Timteo 6: 20. Presume-se, ento, que "o meu depsito" no o que eu lhe confiei (minha alma ou eu mesmo, como em 1 Pedro 4: 19), mas aquilo que ele confiou a mim (o evangelho).

O sentido, pois, este:Paulo podia dizer que o depsito "meu", porque Cristo lho confiou. Contudo, Paulo estava persuadido de que era Cristo que iria conserv-lo seguro "at aquele dia", quando ele teria de prestar contas da sua mordomia. Em que se baseava a sua confiana? Somente numa coisa: "eu o conheo". Paulo conhecia a Cristo, em quem confiava, e estava convencido da capacidade dele para manter o depsito em segurana: "porque sei em quem tenho crido, e estou bem certo de que ele poderoso para guardar o meu depsito at aquele dia" (v.12). Cristo o confiou a Paulo, verdade, mas o prprio Cristo cuidar do depsito. E agora Paulo o est confiando a Timteo. E Timteo pode ter esta mesma segurana.

Aqui h um estmulo muito grande. Em ltima anlise, Deus mesmo quem preserva o evangelho. Ele se responsabiliza por sua conservao. "Sobre qualquer outro fundamento a obra da pregao no se sustentaria nem por um momento". Podemos ver a f evanglica encontrando oposio em toda parte, e a mensagem apostlica sendo ridicularizada. Talvez vejamos uma crescente apostasia crescer na igreja, muitos de nossa gerao abandonando a f de seus pais. Mas no temos nada a temer! Deus nunca permitir que a luz do evangelho se apague. verdade que ele o confiou a ns, frgeis e falveis criaturas. Ele colocou o seu tesouro em frgeis vasos de barro, e ns devemos assumir a nossa parte na guarda e na defesa da verdade. Contudo, mesmo tendo entregue o depsito aos cuidados de nossas mos, Deus no retirou as suas mos desse depsito. Ele mesmo , afinal, o seu melhor vigia; ele saber preservar a verdade que confiou Igreja. Isto ns sabemos, porque sabemos em quem depositamos a nossa confiana, e em quem continuamos a confiar.

Vimos que o evangelho a boa nova da salvao, prometida desde a eternidade, concretizada na Histria por Cristo, e oferecida f.

A nossa primeira responsabilidade reside na comunicao do evangelho, fazendo uso de velhos mtodos ou procurando novos caminhos para torn-lo conhecido por todo o mundo.

Se assim procedermos, certamente sofreremos por ele, j que o autntico evangelho nunca foi popular. Ele humilha muito o pecador.

E ao sermos chamados a sofrer pelo evangelho, somos tentados a adapt-lo, a eliminar aqueles elementos que ofendem e provocam oposio, a silenciar as notas que ferem os sensveis ouvidos modernos.

Mas devemos resistir a esta tentao. Pois, antes de tudo, fomos chamados a guardar o evangelho, conservando-o puro, a qualquer preo, preservando-o de toda corrupo.

Guard-lo fielmente. Difundi-lo ativamente. Sofrer corajosamente por ele. Esta a nossa trplice responsabilidade perante o evangelho de Deus, de acordo com este primeiro captulo.CAPTULO 2Segunda Exortao: Sofre Pelo Evangelho!

1. Passando a verdade adiante (vs. 1 e 2)

Tu, pois, filho meu, fortifica-te na graa que est em Cristo Jesus. 2 E o que da minha parte ouviste, atravs de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiis e tambm idneos para instruir a outros.O primeiro captulo termina com a pesarosa referncia que Paulo fez generalizada desero dos cristos na provncia romana da sia (1: 15). Onesforo e sua casa talvez tenham sido a nica exceo. Agora Paulo insta com Timteo para que ele se mantenha firme, em meio debandada geral. Esta a primeira de uma srie de exortaes similares na carta, que comeam com su oun ou su de, "tu, pois" ou "mas tu", ordenando que Timteo resista a vrias coisas predominantes naquela poca. Timteo fora chamado a exercer uma responsvel liderana na Igreja, no somente a despeito de sua inata falta de confiana em si mesmo, mas ainda na mesma rea onde a autoridade do apstolo estava sendo repudiada. como se Paulo lhe dissesse: "No te importes com o que outras pessoas possam estar pensando, dizendo ou fazendo. No te importes com a fraqueza e a timidez que talvez estejas sentindo. Quanto a ti, Timteo, s forte!"

claro que esta exortao, se tivesse parado a, teria sido intil, at mesmo absurda. Dizer a algum to tmido como Timteo para ser forte seria o mesmo que mandar um caracol ser ligeiro ou exigir que um cavalo voasse. Mas o apelo de Paulo firmeza tem um carter cristo, no estico. No uma exigncia de que Timteo seja forte em si mesmo, demonstrando isso rosnando e batendo no peito, mas de que "seja fortalecido interiormente" por meio da "graa" que est em Cristo Jesus". Isto significa que Timteo deve procurar recursos para o seu ministrio no em sua prpria natureza, mas na de Cristo. No dependemos da graa somente para a salvao (1:9), mas tambm para o servio.

Paulo prossegue indicando o tipo de ministrio para o qual Timteo ter de fortalecer-se pela graa de Cristo. At aqui Timteo foi exortado a conservar a f e a guardar o depsito (1: 13, 14). Contudo, deve fazer mais do que preservar a verdade, deve pass-la adiante. Assim como a deslealdade da Igreja na sia tornava imperativo que Timteo guardasse a verdade com lealdade, assim tambm a iminente morte do apstolo tornava imperativo que Timteo tomasse providncias para legar a verdade intacta gerao seguinte. Nesta transmisso da verdade, de mo em mo, Paulo divisa quatro estgios.

Primeiramente, a f fora confiada a Paulo por Cristo. Por isso que ele a chamou de "meu depsito" (1: 12). Ela lhe pertence por depsito, no por inveno. Sendo apstolo de Jesus Cristo, Paulo insiste em que o seu evangelho no um "evangelho de homens", mesmo que ele o tenha formulado, e outros tambm. que no tem base simplesmente na tradio humana. Pelo contrrio, assim pde escrever ". . . no o recebi, nem aprendi de homem algum, mas mediante revelao de Jesus Cristo" (Gl 1:11,12).

Em segundo lugar, o que por Cristo fora confiado a Paulo, este por sua vez o confiou a Timteo. Assim "o meu depsito" (1:12) passa a ser virtualmente "o bom depsito" (v.14); ou seja, o que fora confiado a Paulo agora a verdade que confiada a Timteo. Este depsito consiste em certas "ss palavras", que Timteo ouvira dos lbios do prprio Paulo. A exata expresso "que de mim ouviste" (1: 13, par' emou kousas) repete-se em 2: 2, tendo agora a referncia de que Timteo a ouvira "atravs de muitas testemunhas". O tempo aorstico parece referir-se no a uma nica ocasio em que Timteo tivesse ouvido o ensino do apstolo, como por exemplo no dia do seu batismo ou de sua ordenao ao ministrio, mas sim totalidade de suas instrues atravs dos anos. E a referncia s "muitas testemunhas" mostra que a f apostlica no era uma tradio secreta, transmitida particularmente a Timteo (tal era o ensino dos gnsticos), ficando a sua autenticidade sem provas, mas era uma pblica instruo, cuja verdade era garantida pelas muitas testemunhas que, tendo-a ouvido, podiam ento conferir o ensino de Timteo com o do apstolo.

Esta declarao de Paulo tornou-se importante no sculo seguinte, quando o gnosticismo cresceu e se espalhou. Por exemplo, no captulo 25 de sua obra Prescries contra os Herticos (200 d.C), Tertuliano de Cartago escreveu especialmente contra os gnsticos, que diziam terem recebido, s eles, revelaes particulares, e tambm possurem tradies secretas herdadas dos apstolos. Ele no aceita que os apstolos tivessem "confiado algumas coisas abertamente a todos e algumas coisas a uns poucos, secretamente". Porque (assim discorre), em apelando a Timteo para que "guarde o depsito" no h aluso a uma doutrina secreta, mas a uma ordem para no admitir qualquer outra doutrina, a no ser a que ouvira do prprio apstolo publicamente ("entre muitas testemunhas"), como ele diz.

Em terceiro lugar, o que Timteo ouviu de Paulo, deve agora "confi-lo a homens fiis", os quais seriam certamente encontrados num remanescente dentre os muitos desertores da sia. Os homens que Paulo tinha em mente deveriam ser primeiramente ministros da palavra, cuja funo principal ensinar; e ancios cristos, com a responsabilidade de, semelhana dos ancios judeus na sinagoga, preservar a tradio. Tais ancios cristos so "dispenseiros de Deus", como Paulo h pouco escrevera a Tito (1: 7), porque tanto a famlia de Deus como a verdade de Deus lhes foram confiadas. E o requisito fundamental para os dispenseiros a fidelidade (1 Co 4: 1, 2). Devem ser "homens fiis".Em quarto lugar, tais homens devem pertencer quela classe de homens (como o relativo hoitines deveria ser traduzido) que sejam "tambm idneos para instruir a outros". A habilidade ou competncia que Timteo deve procurar em tais homens ser traduzida, em parte, pela integridade ou lealdade de carter, j referidas, e em parte pela capacidade de ensinar. Eles devem ser didaktikoi, "aptos para ensinar", palavra usada por Paulo em relao aos candidatos ao ministrio em 1 Tm 3: 2, e empregada de novo mais adiante, neste mesmo captulo (2:24).

Aqui esto, pois, os quatro estgios na transmisso da verdade, destacados por Paulo: de Cristo a Paulo, de Paulo a Timteo, de Timteo a "homens fiis", e. de "homens fiis" a "outros". Esta a verdadeira "sucesso apostlica". Tal sucesso dependeria de homens, de uma srie de "homens fiis", mas essa sucesso dos apstolos refere-se mais mensagem em si do que aos homens que a ensinem. Deve ser antes uma sucesso da tradio apostlica do que de autoridade, de seqncia ou de ministrio apostlicos. Deve ser uma transmisso da doutrinados apstolos, deles recebida sem distores pelas geraes posteriores, passada de mo em mo como a tocha olmpica. Esta tradio apostlica, "o bom depsito", hoje encontrada no Novo Testamento. Falando de maneira ideal, os termos "Escritura" e "tradio" deveriam ser sinnimos, pois o que a Igreja transmite de gerao em gerao deveria ser a f bblica, nada mais e nada menos. E a f bblica a f apostlica.

No restante deste segundo captulo de sua carta, Paulo prossegue abordando o ministrio do ensino, ao qual Timteo foi chamado, Como ilustrao, Paulo faz uso de seis vividas metforas. As trs primeiras so suas imagens favoritas: o soldado, o atleta, e o lavrador. Em cartas anteriores ele j fizera uso delas, em vrias ocasies, para salientar muitas verdades. Aqui todas elas enfatizam que a obra de Timteo exigir vigor, envolvendo tanto labuta quanto sof