johanna lindsey família mallory 02 - terna e rebelde

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1 J J o o h h a a n n n n a a L L i i n n d d s s e e y y T T e e r r n n a a e e R R e e b b e e l l d d e e MALLORY 02 Ela era uma deliciosa herdeira escocesa e o matrimônio seria a única forma de encontrar segurança: devia proteger-se da maldade de um primo e a ambição de caçadores de fortunas que cobiçavam sua beleza ruiva e seu enorme patrimônio. Ele representava tudo aquilo contra o qual a tinham prevenido: era um aventureiro inglês, avassalador e belo, cujos olhos azuis prometiam todo tipo de prazeres. Ela queria atrever-se a amá-lo... acreditar em suas promessas apaixonadas... ir atrás do sonho encantado... Disponibilização/Tradução/Pesquisa: Yuna, Gisa, Mare e Rosie Revisão: Edith Suli Revisão Final: Danyela Formatação: Gisa PROJETO REVISORAS TRADUÇÕES

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JJJooohhhaaannnnnnaaa LLLiiinnndddssseeeyyy

TTTeeerrrnnnaaa eee RRReeebbbeeellldddeee

MALLORY 02

Ela era uma deliciosa herdeira escocesa e o matrimônio seria a única forma de encontrar segurança:

devia proteger-se da maldade de um primo e a ambição de caçadores de fortunas que cobiçavam sua

beleza ruiva e seu enorme patrimônio. Ele representava tudo aquilo contra o qual a tinham

prevenido: era um aventureiro inglês, avassalador e belo, cujos olhos azuis prometiam todo tipo de

prazeres. Ela queria atrever-se a amá-lo... acreditar em suas promessas apaixonadas... ir atrás do

sonho encantado...

Disponibilização/Tradução/Pesquisa: Yuna, Gisa, Mare e Rosie

Revisão: Edith Suli

Revisão Final: Danyela

Formatação: Gisa

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Este livro está dedicado com amor a todos meus leitores, com um agradecimento especial para

aqueles que desejavam que o tio Tony tivesse sua própria história.

CAPÍTULO 1

Inglaterra, 1818.

- Está atemorizada, pequena?

Roslynn Chadwick deixou de olhar pela janela da carruagem, pela qual contemplava a

paisagem durante uma hora sem vê-la realmente. Atemorizada? Estava sozinha no mundo, sem

tutor nem familiares. Ia a caminho de um futuro incerto, deixando atrás de si tudo que conhecia.

Atemorizada? Estava aterrorizada.

Mas Roslynn trataria de evitar que Nettie MacDonald soubesse. Nettie já estava bastante

inquieta; desde que cruzaram a fronteira inglesa na manhã anterior, embora tentasse ocultá-lo

tornando-se queixosa, segundo seu costume. Até então, Nettie estava alegre e despreocupada,

inclusive quando cruzaram as terras baixas da Escócia, às quais desprezava. Nettie, que fora uma

montanhesa durante toda sua vida, quer dizer durante quarenta e dois anos, nunca acredita que

algum dia deveria abandonar suas bem-amadas terras baixas e além disso cruzar a fronteira

inglesa. Inglaterra. Mas era impossível deixar atrás à querida Nettie.

Roslynn se esforçou por sorrir para agradar sua donzela e para tranqüilizar Nettie. -Oh,

Nettie, por que teria que estar atemorizada? Acaso não conseguimos sair escondidas no meio da

noite? Geordie nos procurará em Aberdeen e Edimburgo durante semanas e jamais adivinhará

que fugimos para Londres.

- Certamente - disse Nettie, contente pelo êxito que tiveram até esse momento e esquecendo-se

momentaneamente de que experimentava temor e desgosto pelos ingleses. Muito mais profunda

era sua aversão por Geordie Cameron. - E espero que esse maldito se asfixie com seu próprio mau

humor quando comprovar que conseguiu enganar seus detestáveis planos. Duncan não me

agradava, mas sabia o que era o melhor para você. Foi ele quem contratou esse excelente tutor

para que não esquecesse seu verdadeiro idioma, especialmente agora que estamos entre estes

endemoniados ingleses.

Roslynn sorriu e decidiu lhe fazer uma brincadeira. - Quando vir um inglês, recordarei

imediatamente meu verdadeiro idioma. Não me negará estes últimos momentos que posso falar

sem necessidade de pensar em cada palavra que pronuncio, não é?

- Ora. Só o esquece quando está alterada.

Nettie sabia. Em certas ocasiões, Nettie conhecia Roslynn melhor que ela mesma. Mas

Roslynn não estava mal-humorada, que era quando começava a falar com o sotaque escocês que

tinha aprendido de Nettie e de seu avô, o certo era que estava alterada, e com razão. Mas não o

suficiente para esquecer o autêntico inglês que tinha lhe ensinado seu tutor. Roslynn suspirou.

- Espero que cheguem os baús ou ficaremos sem roupas.

Ambas tinham partido com uma só muda de roupa para desorientar ainda mais seu primo

Geordie, se por acaso alguém as visse e o informasse.

- Esse é o menos grave de seus problemas, menina. Foi um acerto trazer essa costureira

londrina a Cameron Hall para que lhe fizesse todos esses bonitos vestidos. O bendito Duncan

pensou em todos os detalhes; inclusive enviou os baús com antecipação, um por um, para que

Geordie não suspeitasse.

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E Nettie pensou que tinha sido divertido fugir no meio da noite, com as saias recolhidas e

usando velhas calças de montar para que, à luz da lua, confundissem-nas com homens. Roslynn

achava o mesmo. De fato, era o único aspecto de toda essa loucura do qual tinha desfrutado.

Tinham cavalgado até a aldeia próxima, onde aguardavam a carruagem e seu condutor, e

precisaram aguardar várias horas para assegurar-se de que não as seguiam, antes de empreender

a viagem. Mas tinham sido necessários todos esses inconvenientes e ocultações para enganar a

Geordie Cameron. Pelo menos, assim tinha opinado o avô.

E Roslynn acreditou nele, sobre tudo ao ver a expressão de Geordie quando se leu o

testamento do avô. Depois de tudo, Geordie era o sobrinho neto de Duncan Cameron, o neto mais

novo de seu irmão e o único parente masculino que ainda vivia. Geordie tinha estado em todo seu

direito ao supor que parte da imensa fortuna do Duncan seria sua, embora só fosse uma pequena

parte. Mas Duncan tinha legado todo seu patrimônio à Roslynn, sua única neta: Cameron Hall, os

moinhos, tudo. E Geordie tinha realizado grandes esforços para não dar rédea solta a sua

indignação.

-Não devia surpreender-se tanto -disse Nettie no dia seguinte da leitura do testamento-.

Sabia que Duncan o odiava; que o culpava da morte de sua querida mãe. Por isso a cortejava tão

diligentemente durante todos estes anos. Suspeitava que Duncan deixaria isso tudo a você. E por

isso, agora que Duncan não está, é que tivemos que partir tão depressa.

Não havia tempo a perder. Roslynn soube quando Geordie voltou a lhe pedir que se

casasse com ele, depois da leitura do testamento, e ela voltou a recusá-lo. Nessa mesma noite, ela e

Nettie partiram. Não era o momento de ter pena nem de arrepender-se da promessa que tinha

feito a seu avô. Já tinha sofrido bastante quando dois meses antes, soube -se que Duncan morreria.

E, na realidade, sua morte tinha sido um alívio, pois durante os últimos sete anos tinha

enfraquecido e estava suportando dores; só sua obstinação escocesa tinha conseguido mantê-lo

vivo durante tanto tempo. Não, não podia lamentar que seu avô tivesse deixado de sofrer. Mas,

como sentiria saudades do querido ancião, que tinha desempenhado o papel de pai e mãe para ela

durante todos esses anos.

-Não chore por mim, menina -Havia-lhe dito umas semanas antes de morrer-. Eu a proíbo.

Dedicou-me muitos anos e, quando morrer, não quero que desperdice nem um só dia mais. Me

deve prometer isso. Uma promessa a mais para o velho que ama você, que a criou, que a

repreendeu e que a protegeu desde que sua filha regressou a seu lar com uma menina de seis anos

chamado Roslynn. O que importava uma promessa mais, quando já lhe tinha feito essa promessa

fatal que agora lhe provocava tanta ansiedade? De qualquer modo, não tinha tido muito tempo

para afligir-se; pelo menos tinha a cumprido.

Nettie franziu o cenho quando viu que Roslynn olhava novamente pela janela, pois sabia

que estava outra vez pensando em Duncan Cameron. Desde que Roslynn chegara a Cameron

Hall, tinha desfrutado provocando ao velho e feroz escocês, que aceitava isso com prazer. Ambas

sentiriam saudades, mas agora deviam pensar em muitas outras coisas.

- Estamos nos aproximando da estalagem - anunciou Nettie, sentada no assento que dava

para a frente da carruagem.

Roslynn se inclinou para frente e para o lado para olhar pela janela. O sol do entardecer

iluminou seu rosto e seus cabelos. Eram cabelos formosos, de cor dourado avermelhado como os

da Janet, sua mãe. Os cabelos de Nettie eram negros e seus olhos eram de cor verde apagada,

como o de um lago sombreado por altos carvalhos. Os olhos do Roslynn eram de uma cor similar:

cinza esverdeado com reflexos dourados. Todos seus traços se assemelhavam aos da Janet

Cameron, antes que tivesse fugido com seu inglês. Na realidade, Roslynn não se assemelhava em

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nada a seu pai, esse inglês por quem Janet tinha se apaixonado, convertendo-a em uma sombra de

si mesma quando ele morreu num trágico acidente. Janet nunca mais foi a mesma e, um ano

depois, ela também morria. Graças a Deus, Roslynn tinha contado com o apoio de seu avô. A

menina órfã de sete anos se adaptara perfeitamente ao ancião escocês, que satisfazia todos seus

caprichos.

- Oh, estou cometendo o mesmo engano que ela, ao pensar nos mortos, quando deveria me

preocupar com o futuro, tão incerto.

- Esperemos que as camas sejam mais Macias que as de ontem à noite - disse Roslynn

quando a carruagem parou em frente à estalagem.

- É a única coisa que me entusiasma em Londres. Sei que Frances terá camas prontas para

nós.

-Não se alegra em voltar a ver sua melhor amiga depois de tantos anos?

Roslynn olhou Nettie, surpreendida. - É claro. Estou ansiosa para vê-la. Mas as

circunstâncias não são as mais propícias para um encontro agradável, não? Quero dizer que não

terei tempo para visitas. Oh, esse Geordie - disse, franzindo o sobrecenho. - Se não fosse por ele...

- Se não tivesse feito promessas não estaríamos aqui, mas de nada vale queixar-se agora, não é

verdade? -replicou Nettie.

Roslynn sorriu. - Quem se queixava ontem à noite da cama dura?

Nettie emitiu um resmungo, negando-se a responder e apressando Roslynn para que

descessem do carro quando o condutor abriu a porta e lhe estendeu a mão para ajudá-la a descer.

Roslynn riu e Nettie voltou a bufar, desta vez para si mesmo.

- Não é tão velha para não poder suportar um pouco de desconforto, Nettie, pensou,

contemplando o andar ágil de Roslynn que a fez sentir muito mais velha nesse momento. -Embora

a cama seja de pedra, esta noite não direi uma palavra. Assim não fará brincadeiras.

Mas logo Nettie sorriu, meneando a cabeça. "Roslynn precisava brincar um pouco para deixar

de preocupar-se com o futuro". "Embora a cama seja muito Macia, será melhor que diga que é

uma rocha. Há muito que não a ouço rir nem ver uma expressão travessa em seus olhos. Precisa

fazer brincadeiras".

Quando Roslynn se aproximou da estalagem, não percebeu a presença de um jovem de

dezesseis anos, que estava de pé sobre uma banqueta acendendo o abajur que se achava sobre a

porta, mas infelizmente ele percebeu a sua. Ao ouvir a risada de Roslynn, tão diferente das que

estava acostumado a ouvir, olhou por cima de seu ombro e esteve a ponto de cair da banqueta,

sobressaltado ante seu aspecto. Parecia uma chama acesa, pois o sol do entardecer fazia refulgir

seus cabelos avermelhados. À medida que se aproximava, pôde distinguir os finos traços de seu

rosto ovalado com maçãs do rosto altas, nariz pequeno e lábios carnudos. Quando passou pela

porta, o jovem esticou o pescoço para continuar olhando-a, até que um som de desaprovação fez

ele voltar a cabeça e viu a criada de expressão severa que o olhava. O jovem se ruborizou.

Mas Nettie se compadeceu dele e nada disse. Isso acontecia em qualquer lugar que fossem,

pois Lady Roslynn Chadwick exercia esse efeito sobre o sexo oposto e nem os jovens nem os

velhos pareciam imunes a sua beleza. E esta era a jovem que andaria sozinha por Londres.

CAPÍTULO 2

-E lhe perguntava quem era seu alfaiate? - disse irritado o honorável William Fairfax a seu

jovem amigo. - Disse-lhe que seu alfaiate não tem nada que ver com isso. Se desejas competir com

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ele em algo, recolhe a luva. Ele está no assunto há mais de doze anos.

O jovem amigo de William, chamado Cully, sobressaltou-se ao ouvir o som do couro que

roçava a pele, mas abriu os olhos. Tinha-os fechado momentos antes quando apareceram as

primeiras gotas de sangue no nariz. Estremeceu ao ver que agora o sangue emanava em

abundância do nariz e também da boca e do talho do arco superficial.

- Desagrada-lhe, Cully? -disse William, sorrindo ao ver a palidez de seu amigo. Imagino que a

seu competidor também, pelo menos hoje. Riu, pensando que suas palavras eram brincalhonas. -

Se Knighton estivesse com ele no ringue, teríamos a quem apostar. Ele foi quem estreou. Mas

Knighton, conforme dizem, faz dez anos que não boxeia. Mas Malory está esquentado e isso

emparelha a situação.

Mas enquanto contemplavam a briga, junto com outros cavalheiros que rodeavam o ringue,

Sir Anthony Malory se relaxou e olhou com cenho franzido ao dono do estabelecimento esportivo.

- Demônios, Knighton, disse-te que ainda não estava preparado. Não se recuperou da última vez.

Jonh Knighton encolheu os ombros, mas seus olhos brilhavam, divertidos, ao olhar o zangado

pugilista a quem considerava um amigo. - Não tive notícias de outro que aceitasse a provocação,

milord. Se permitisse que outro homem ganhasse alguma vez, possivelmente acharia quem

estivesse disposto a brigar.

O comentário suscitou muitas risadas. Todos os que estavam ali sabiam que fazia uma década

que Malory não perdia uma briga nem permitia que ninguém tirasse vantagem dele nem sequer

nas práticas de boxe. Estava em ótimas condições, seus músculos eram perfeitos, mas era sua

habilidade que o tornava tão extraordinário... e imbatível. Os promotores, entre eles Knighton,

dariam algo para fazê-lo intervir em uma briga profissional. Mas, para um libertino como Malory,

o boxe era tão somente um exercício físico para manter-se em bom estado e rebater a vida

dissipada que levava. Suas visitas, três vezes por semana, ao Knighton's Hall tinham para ele a

mesma importância que seus passeios matutinos pelo parque. Só lhe proporcionavam prazer.

A metade dos cavalheiros que ali se encontravam eram também pugilistas que aguardavam

seu turno para subir ao ringue. Alguns, como o honorável Fairfax, tinham ido contemplar aos

peritos em ação, embora ocasionalmente existisse a oportunidade de fazer algumas aposta. Outros

poucos eram camaradas do Malory; estavam acostumados a assistir para ver como ele derrotava a

seus competidores, escolhidos pelo Knighton, e sabiamente se abstinham de competir com ele.

Um deles fez uma brincadeira ao Anthony. Quase de sua mesma estatura, mas mais magro,

Lorde Amherst era um indivíduo sem preconceitos, de vivazes olhos cinzas. Era da mesma idade,

mas loiro, enquanto que Anthony tinha cabelos escuros, e compartilhava com ele os mesmos

interesses, especialmente as mulheres e o jogo.

-Só conseguirá que algum deles faça com entusiasmo converter em cornudo a algum jovem

que tenha sua força e tamanho para que aceite a provocação.

-Dada minha má sorte, George -disse Malory-, só obteria que escolhesse um duelo a pistola

e isso não é divertido.

George Amherst riu, pois embora nem todos soubessem que Anthony era imbatível no

ringue, ninguém ignorava que era incomparável no campo da honra. Inclusive estava acostumado

a perguntar a seus desafiadores em que lugar de sua anatomia desejavam receber a ferida, o que

naturalmente os atemorizava mais ainda.

Anthony nunca tinha matado a ninguém em um duelo, pois sempre se batera por mulheres

e pensava que não valia a pena morrer por nenhuma delas, exceto pelas que integravam sua

família. Era solteiro, mas seus três irmãos mais velhos tinham filhos e, assim, tinha sobrinhos a

quem amava muito.

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-Está procurando competidores, Tony? Devia enviar a alguém para que me trouxesse. Sabe

que sempre estou disposto a te agradar.

George virou-se rapidamente sobre si mesmo, surpreso ao escutar uma voz que há dez anos

não ouvia. Depois arqueou as sobrancelhas com incredulidade. No vão da porta estava James

Malory, que indubitavelmente tinha envelhecido mas que ainda tinha o mesmo aspecto perigoso

de dez anos atrás, quando havia sido o libertino mais notório de Londres. Alto, loiro e ainda belo.

Deus, era incrível! Depois George se voltou para Anthony, para observar como reagia ante

a inesperada visita. Os dois irmãos tinham sido muito unidos, já que só havia um ano de diferença

entre eles e ambos compartilhavam dos mesmos interesses, embora James era sem dúvida o mais

amalucado; ou ao menos tinha sido. Mas depois James tinha desaparecido e embora a família não

mecionasse o motivo, os outros irmãos tinham renegado a ele e nem sequer o mencionavam.

Anthony não era uma exceção. Apesar de George ter sido amigo íntimo de Anthony

durante todos esses anos, este nunca lhe tinha dito por que James tinha sido expulso da família.

Mas, para surpresa de George, Anthony não reagiu mau. Seu atraente rosto não expressou

emoção alguma. Teria que conhecê-lo muito bem para perceber que esse brilho que aparecia em

seus olhos de cor azul cobalto denotava prazer e não fúria.

Mas quando falou, pareceu dirigir-se a seu pior inimigo. - James, que droga está fazendo

em Londres? Esta manhã devia embarcar.

James se limitou a encolher os ombros. - Houve uma mudança de planos, graças a teimosia

de Jeremy. Desde que conheceu o resto da família foi impossível raciocinar com ele. Certamente

tomou lições de manipulação com Regam, pois conseguiu me convencer para que lhe permitisse

finalizar aqui seus estudos, embora não sei como o fez.

Anthony desejava rir ao ver a expressão desconcertada do James, que tinha sido habilmente

dirigido por um jovem de dezessete anos, que mais parecia filho de Anthony que de James, e o

teria feito se James não tivesse mencionado o nome de Regam. Esse nome sempre irritava a

Anthony, como a Jason e a Edward, seus irmãos mais velhos; e James sabia, porque tinha

empregado o nome Regam em lugar do Reggie, que era como o resto da família chamava a Regina

Eden.

Enquanto James falava se adiantou, tirando o casaco para exibir a camisa solta que estava

acostumado a usar quando capitaneava o Maiden Anne. Como tinha toda a aparência de agradar

a Anthony no ringue, Anthony se absteve de discutir sobre o nome Regam, o que teria iniciado

uma das rixas habituais e teria posto em perigo a oportunidade de boxear amigavelmente com ele.

- Isso significa que você também ficará? -perguntou Anthony enquanto James entregava seu

casaco ao George e aceitava as luvas que Jonh Knighton lhe calçou com um sorriso.

- O suficiente para deixar estabelecido ao moço, suponho. Embora Connie disse que a única

razão que tínhamos para nos instalar nas ilhas era a de dar ao Jeremy um lar.

Anthony não pôde evitar a risada. - Dois velhos lobos marinhos brincando de ser mães.

Deus, como teria agradado vê-lo.

- Eu em seu lugar não diria isso -disse James, imperturbável. - Você também se fez de mãe

durante seis anos todos os verões, não é verdade?

-De pai - corrigiu Anthony. - Ou, melhor dizendo, de irmão mais velho. Surpreende-me que

não se tenha casado, como Jason, só para dar uma mãe à Jeremy. Claro que, considerando que

Conrad Sharp está disposto a te ajudar a criar o moço, suponho que não achou necessário.

James subiu ao ringue. - Está menosprezando meu melhor amigo.

Anthony fez uma leve reverência. - De acordo. Mas, quem se ocupará do moço enquanto

você e Connie decidem retornar?

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A direita de James apontou diretamente o torso de Anthony, ao mesmo tempo que disse: -

Você.

Dobrado em dois, Anthony tratou de absorver o golpe e a resposta. As apostas começaram.

Finalmente tinha chegado alguém que parecia capaz de vencer ao imbatível Lorde Malory. Malory

era um pouco mais alto, mas o outro era mais robusto e parecia estar em condições de abater a

qualquer um, incluindo Malory. E iriam ter o privilégio de contemplá-lo. Só uns poucos sabiam

que eram irmãos.

Quando Anthony recuperou o fôlego, olhou com o cenho carregado para James por causa

do golpe surpresa, mas, respondendo a suas palavras, perguntou:

- Eu? por que tenho que ser o afortunado?

- O moço escolheu você. É seu ídolo... depois de mim, naturalmente.

- Naturalmente -disse Anthony e tomou ao James de surpresa com um golpe de baixo para

cima que fez retroceder ao James. Enquanto James movia a mandíbula, Anthony acrescentou: -

Será um prazer tê-lo comigo, desde que compreenda que não restringirei minhas atividades como

fiz pela Reggie.

Aproximaram-se um do outro, trocando golpes antes que James respondesse: - Não

pretendo isso, pois eu não o tenho feito. É diferente quando se está a cargo de um jovem. Por

favor, esteve freqüentando prostitutas desde que tinha quatorze anos.

Anthony se pôs-se a rir, mas ao fazê-lo desceu o guarda e recebeu um forte golpe em um

flanco da cabeça. Mas reagiu rapidamente e deu uma trombada em James que o ergueu do chão,

apesar de James pesar por volta de doze quilos mais que seu irmão.

Anthony se manteve imóvel, aguardando que seu irmão se recuperasse. Quando James

levantou o olhar, sorria.

- Desejamos realmente ficar doloridos, Tony?

Anthony sorriu. - Não, sobretudo se podemos fazer algo mais agradável e lhe asseguro que

podemos. Aproximou-se de seu irmão e lhe rodeou o ombro com o braço.

- Então, cuidará do moço até que comece a escola?

- Agradaria-me, mas, meu Deus, farão-me toda classe de brincadeiras. Quem quer que veja

o Jeremy acreditará que é meu filho.

- Por isso deseja estar contigo -disse James sorrindo e deixando ver seus dentes brancos. -

Possui um endiabrado senso de humor. O que te parece esta noite? Conheço um par de rameiras...

- Rameiras?, por favor. Foi pirata durante muito tempo, capitão Hawke. Bem, conheço um

par de damas...

CAPÍTULO 3

-Mas, não compreendo, Ros -disse Lady Frances, inclinando-se para frente. - Por que teria

que se amarrar a um homem se não deseja fazê-lo? Se estivesse apaixonada por ele seria diferente.

Mas fala de te casar com alguém a quem ainda não conhece.

-Frances, se não tivesse prometido, acha que o faria? - perguntou Roslynn.

-Quero supor que não; mas quem poderá saber se não cumprir a promessa? Seu avô está

morto e... -Frances se interrompeu ao ver a expressão de sua amiga. - Esquece o que acabo de

dizer.

-Farei isso.

-Oh, mas acredito que é lamentável -disse Frances, suspirando enfaticamente.

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Lady Frances Grenfell era uma mulher notável de qualquer ponto de vista. Era miúda e não

exatamente formosa, mas muito atraente, com seus cabelos loiros e seus escuros olhos pardos. Em

um tempo tinha sido a jovem mais alegre e efervescente que Roslynn jamais conhecera, mas isso

tinha sido antes de contrair matrimônio com Henry Grenfell, sete anos atrás. Agora era formal,

uma matrona, mas ainda havia momentos em que parecia a jovem feliz de outras épocas.

-Agora é tão independente - continuou dizendo Frances. - Possui muitíssimo dinheiro e não

deve dar conta de seus atos a ninguém. Levou sete anos de convivência com um homem a quem

não amava para me achar em sua mesma situação, e ainda tenho uma mãe que me repreende

quando faço a menor coisa que ela desaprova. Embora seja viúva e viva só com meu filho, devo

dar contas a alguém de meus atos. Mas você, Roslynn, não deve preocupar-se por ninguém e

entretanto se vê obrigada a se entregar a um homem que sentirá prazer em limitar sua liberdade,

como o fez Lorde Henry comigo. E sei que não deseja fazê-lo. Sei muito bem.

- O que desejo não importa, Frances. Importa o que devo fazer.

- Mas, por que? - exclamou Frances, exasperada. - Isso é o que desejo saber. E não volte a

me dizer que é porque o prometeu a seu avô. Se ele considerava isso tão importante, teve muito

tempo para casá-la.

- Quanto a isso - respondeu Roslynn, - não havia ninguém com quem eu desejasse me casar.

E o avô não me teria obrigado a aceitar a quem não quisesse.

- Em todos estes anos não houve ninguém?

- Oh, detesto a forma em que diz "em todos estes anos", Frances. Não me recorde quão

difícil será para mim.

Frances a olhou com assombro. - Difícil? -Esteve a ponto de tornar-se a rir. - Ora, se casar

será o mais fácil do mundo. Terá tantos pretendentes que não saberá o que fazer com eles. E

ninguém terá em conta sua idade. Meu Deus, não sabe como é incrivelmente bela? E, como se isso

não fosse suficiente, está em posse de uma fortuna digna de um banqueiro.

- Tenho vinte e cinco anos, Frances - enfatizou Roslynn, como se houvesse dito cem.

Frances sorriu. - Também eu e não me considero uma anciã, obrigado.

- É diferente porque é viúva. Foi casada. Ninguém se surpreenderia se voltasse a se casar.

- Não, ninguém, porque jamais o farei.

Roslynn franziu o cenho ante a interrupção. - Mas quando me virem junto a todas essas

jovens casadouras rirão de mim.

Frances sorriu. -Sinceramente, Ros...

- É verdade. Eu mesma riria de uma solteirona de vinte e cinco anos que fizesse esse papel

de tola -disse Roslynn com um resmundo.

- Basta. Asseguro-lhe; juro a você, que sua idade não será um problema.

Roslynn não podia acreditar, apesar de o desejar. Dissimulou-o, mas estava à beira do

pranto. Essa era a razão pela qual aterrorizava-a a idéia de procurar marido. Ia cair em ridículo e

não suportava a idéia.

- Pensarão que me passa algo de mau porque não me casei antes, Fran. Sabe que será assim.

É próprio da natureza humana.

-Compreenderão-o perfeitamente quando souberem que passou os últimos seis anos

cuidando de seu avô e vão elogiar por isso. Além disso, a idade é o menor de seus problemas. E

evitou responder a minha pergunta, não é assim?

Roslynn riu ao ver a expressão severa de seu amiga, com essa risada cálida e rouca, tão

própria dela.

Ela e Nettie tinham chegado à casa da rua South Audley a noite anterior, muito tarde e as

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duas amigas não tinham tido oportunidade de conversar até essa manhã. Era uma velha amizade

que tinha sobrevivido doze anos, com uma só visita nos últimos dez, quando Frances levou a seu

filho Timmy às terras altas de Escócia, quatro anos atrás.

Roslynn tinha outras amigas na Escócia, mas nenhuma tão íntima como Frances nem a que

pudesse confiar todos seus segredos. Conheceram-se quando tinham treze anos, quando o avô a

tinha enviado à escola para convertê-la em uma dama, pois dizia que se estava convertendo em

uma jovem selvagem, sem noção alguma de sua condição social; o que era verdade embora ela

nem sempre considerasse assim.

Roslynn tinha ficado dois anos na escola e depois tinha sido expulsa e enviada de volta a

Cameron Hall por seu "comportamento incorrigível". O avô não a repreendeu. Na realidade, tinha

sentido muitas saudades e se alegrava de tê-la novamente a seu lado. Mas contratou a uma

excelente professora para que continuasse a educação de Roslynn e nenhuma das travessuras da

menina conseguiu afugentar à senhorita Beechham; o avô lhe pagava muito.

Mas durante esses dois anos que passou na Inglaterra, Frances e Roslynn tinham sido

inseparáveis. E se não se apaixonou aos dezoito anos, teria compartilhado o amor de Frances

através de suas cartas. Por intermédio de Frances, soube como era estar apaixonada. Por

intermédio de Frances, também soube como era ter um marido a quem não se amava. E embora

não tivesse tido crianças, sabia tudo relativo a eles, pelo menos o relativo a um filho, porque

Frances tinha compartilhado com ela todas as fases da evolução de Timmy.

Roslynn também tinha compartilhado com sua amiga todas suas experiências através de

suas cartas, embora a vida nas terras altas não tinha sido muito emocionante. Mas nos últimos

meses, não tinha querido preocupar à Frances com os temores do avô, de modo que não lhe tinha

falado do Geordie. E como dizer-lhe agora? Como fazer ela compreender que não se tratava da

manifestação senil de um ancião, mas sim de uma situação realmente perigosa?

Roslynn decidiu começar pelo princípio. - Frances, recorda que lhe disse que minha mãe se

afogou no Loch Etive quando eu tinha sete anos?

- Sim; foi um ano depois da morte de seu pai, não é? -disse Frances, dando uma suave

palmada sobre sua mão.

Roslynn assentiu, tratando de não recordar sua desolação por causa de ambas as mortes. -

O avô sempre culpou a seu sobrinho neto Geordie pela morte de minha mãe. Geordie era um

menino perverso, que sempre maltratava aos animais e provocava acidentes que o divertiam.

Nessa época tinha só onze anos, mas já tinha sido a causa de que um de nossos palafreneiros

quebrasse uma perna, que a cozinheira sofresse uma queimadura grave e que foi preciso sacrificar

um cavalo, sem contar as coisas que tinha feito em sua própria casa e das quais não nos soubemos.

Seu pai era primo de minha mãe e, quando nos visitava, sempre trazia o Geordie. O dia em que se

afogou minha mãe, fazia uma semana que estavam de visita.

- Mas, como pôde provocar a morte de sua mãe?

- Nunca houve provas, Frances. Aparentemente, o barco que tomou naufragou e, como era

inverno e ela estava muito abrigada, não pôde nadar até a costa.

- O que estava fazendo no lago no inverno?

- Tinha crescido junto ao lago. Era natural para ela estar na água. Adorava; no verão nadava

diariamente e percorria as bordas de ambas as márgens. Preferia remar a viajar de carro ou

cavalgar, por hostil que fora o clima. E possuía seu próprio bote de remos, facilmente manobravel.

Eu também, mas nunca me permitiam sair sozinha nele. Mas, de qualquer modo, apesar de ser

uma excelente nadadora, nesse dia não chegou à margem.

- Ninguém a ajudou?

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- Ninguém viu o ocorrido. Nesse dia ela tinha planejado cruzar o lago, de maneira que é

provável que o bote afundou no meio. Vários dias depois, um dos granjeiros disse ao avô que, no

começo dessa semana, tinha visto o Geordie no lugar onde se guardavam os botes. Se Geordie não

tivesse sido tão afeito a causar acidentes, o avô não teria dado importância. Mas Geordie pareceu

tão afetado como eu pela morte de minha mãe, o que era muito surpreendente, pois nem minha

mãe nem eu o agradávamos.

- De modo que seu avô acreditou que Geordie tinha prejudicado o bote? -Roslynn assentiu.

- Possivelmente fez algo para provocar uma lenta inundação no barco. Era a classe de coisa que

divertia a Geordie: provocar para que alguém se molhasse e perdesse um bom bote. Se o fez,

acredito que foi uma travessura de mau gosto. Não acredito que tivesse a intenção de matar a

ninguém; só desejava que se molhasse e se zangasse. Não podia saber que minha mãe se afastaria

tanto da margem. Não cruzava o lago com freqüência.

- Mesmo assim...

- Sim; mesmo assim... -disse Roslynn, suspirando. - Mas o avô nunca pôde provar de modo

que nada pôde fazer. O bote jamais apareceu e não se pôde saber se tinha sido danificado. Depois

disso, o avô nunca confiou no Geordie; quando vinha para casa, fazia ser vigiado por algum dos

criados. Odiava-o, Frances. Não podia dizer ao pai do Geordie quais eram suas suspeitas, nem lhe

negar a entrada à casa. Mas jurou que Geordie jamais receberia nada dele. Quando morreu o pai

do Geordie lhe deixou uma pequena herança. O avô sabia que Geordie invejava sua fortuna, mas

o avô o recebeu porque era o filho mais velho e herdou a fortuna dos Cameron. E, quando Geordie

pediu ao avô minha mão, soube que o fazia por interesse.

- Desvaloriza-se ao dizer isso, Ros. Não tem dinheiro só.

Roslynn fez um gesto, como subtraindo importância a suas palavras. - O fato é que nunca

agradei a Geordie, Frances, nem mesmo quando nos tornamos adultos. E o sentimento era mútuo.

Ele me invejava porque eu era a parenta mais próxima do avô. Mas quando morreu seu pai e

soube que sua herança seria muito magra, tornou-se subitamente encantador por mim.

- Mas o rejeitou -disse Frances.

- Naturalmente. Não sou uma parva e percebi claramente que suas lisonjas eram falsas. Mas

não desistiu. Continuou fingindo que me amava, embora eu visse o ódio em seus olhos azuis.

- Bem, embora me tenha informado de tudo isso, não compreendo por que deve se casar

depressa.

- Ao morrer o avô, fiquei desprotegida. Não necessitaria disso se não fosse pelo Geordie.

Pediu-me que me case com ele em muitas ocasiões. É evidente que deseja a fortuna dos Cameron e

que fará algo para obtê-la.

- Mas, o que pode fazer?

Roslynn fez um gesto de aborrecimento. - Acreditei que nada. Mas o avô sabia mais que eu.

Frances, inquieta, disse: - O dinheiro não cairia em mãos do Geordie se algo ocorresse a

você, não é verdade?

- Não; o avô tomou as medidas necessárias para que isso não aconteça. Mas Geordie pode

me obrigar a me casar com ele se me apanhar. Existem modos, por meio de drogas ou golpes e

inclusive com a intervenção de um padre inescrupuloso e não se assinaria o contrato matrimonial

que o avô redigiu para mim. Geordie controlaria tudo se pudesse e, como disse antes, já não teria

interesse em mim. E mais; não se atreveria a me ter a seu lado por temor que eu dissesse o que

tinha feito.

Frances estremeceu, apesar de ser uma morna noite de verão. - Não está inventando tudo

isto, não?

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- Desejaria que fosse assim, Frances. O avô sempre esperou que Geordie se casasse, mas não

o fez. O avô sabia que aguardava que eu ficasse sozinha, para que ninguém protestasse se me

obrigasse a me casar com ele. E é muito grande para que eu possa lutar contra ele, embora seja

hábil no manejo da adaga e levo uma dentro de minha bota.

- Não o diz seriamente.

- Oh, sim. O avô se assegurou de que soubesse usá-la. Mas, do que me serviria uma

pequena adaga se Geordie contratasse a alguém para me seqüestrar? Agora sabe por que precisei

abandonar a Escócia tão depressa e por que estou aqui.

- E por que desejas um marido.

- Sim, também isso. Uma vez que me tenha casado, Geordie nada poderá fazer. O avô me

obrigou a lhe prometer que me casaria o quanto antes possível. Planejou tudo, inclusive minha

fuga. Antes de me procurar aqui, Geordie percorrerá a Escócia, de modo que tenho tempo para

escolher um marido, mas não muito.

- Demônios, não é justo -disse Frances, causar pena. - Como pode se apaixonar tão

depressa?

Roslynn sorriu, recordando a séria advertência de seu avô: - Primeiro se proteja, menina,

com uma aliança em seu dedo. Mais tarde, poderá achar o amor. - Ela se tinha ruborizado ao

compreender o significado de suas palavras. Mas também lhe havia dito: -Naturalmente, se

encontrar o amor, não fuja dele. Aferre-se a ele, pois isto poderia ser bom e não terá necessidade

de buscá-lo depois.

O avô também lhe tinha dado conselhos a respeito do homem que devia escolher. -Dizem

que os libertinos são bons maridos, sempre que uma jovem bonita conquiste seu coração (não seus

olhos; seu coração). Já tiveram muitas aventuras de modo que estão dispostos a ter um

matrimônio estável.

Mas Roslynn lhe dissera que se dizia que os libertinos nunca deixam de sê-lo. Esse conselho

de seu avô não a tinha convencido.

- Quem disso isso? Se for assim, será porque não se apaixonou. Deixe-o apaixonado por

você, menina e não se arrependerá. Mas não refiro aos jovens. Deverá achar a um homem que

tenha a idade suficiente para que já não deseje ter mais aventuras amorosas. Mas tampouco

quererá um homem fatigado. Ren cuidado com isso.

- E como distinguirei a diferença entre um e outro?

- Pelos seus sentimentos. Se pode excitá-lo (e deixa de te ruborizar, menina). Excitará a

muitos homens jovens e também a muitos libertinos. Terá muitos entre os quais poderá escolher.

- Mas não desejo um libertino - tinha insistido ela.

- Quererá -disse Duncan. - São irresistíveis. Mas te assegure de que ponha o anel antes de...

- Avô!

Ele bufou ante sua exclamação. - Se eu não lhe disser isso, quem o fará? Deve saber como

dirigir um homem assim.

- Com o dorso da mão.

Ele riu. - Vamos menina, não é razoável a respeito disto - zombou. - Se o homem te atrair e

conquista seu coração, ignorará ele só porque é um libertino?

- Sim.

- Mas acabo de te dizer que são os melhores maridos! -tinha gritado ao vê-la tão obstinada. -

E desejo o melhor para ti, embora não terá muito tempo para achá-lo.

- Como diabos sabe, avô? Diga-me isso por favor. - Não estava zangada; só confusa. O avô

não sabia que ela já tinha informação a respeito dos libertinos através do Frances e segundo seu

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critério, devia fugir deles como da peste.

- Eu fui um e não se surpreenda tanto. Tinha conquistado mulheres durante dezesseis anos

quando me casei com sua avó e fui fiel até o dia de sua morte.

Uma exceção. Não era suficiente para que Roslynn mudasse de idéia em relação a essa classe

de cavalheiros. Mas se absteve de dizer-lhe a Duncan. Deixou que acreditasse que a tinha

convencido. Mas era um conselho que não pensava seguir e sobre o qual não tinha feito promessa

alguma.

Em relação à pergunta que Frances lhe fizera sobre o amor, Roslynn encolheu os ombros e

disse: - Se não acontecer imediatamente, não acontece. Sobrevive-se a isso.

Frances franziu o sobrecenho. - Eu não tive alternativa.

- Lamento-o. Não lhe devia recordar isso mas, no que a mim respeita, me apresente um

indivíduo atraente que não seja muito mulherengo e o aceitarei. Se considerar que pode me

agradar, será suficiente. -Depois sorriu. - Depois de tudo, conto com a permissão de meu avô,

inclusive com a sugestão, de que posso procurar o amor mais adiante se não o achar em meu

matrimônio.

- Você... faria isso?

Roslynn se pôs-se a rir ao ver a expressão escandalizada de sua amiga. - Me deixe achar um

marido antes de pensar em um amante. Roga que ambos sejam a mesma pessoa.

CAPÍTULO 4

- E bem, moço? Que tolices pensa ordenar? Satisfaz-se? - Anthony estava apoiado

indolentemente contra o batente da porta contemplando Jeremy, que examinava-se nova

habitação com evidente satisfação.

- Demônios, tio Tony, eu...

- Detenha -disse Anthony franzindo o cenho. - Pode chamar tio a meus irmãos, mas lhe

agradecerei que me chame simplesmente Tony.

Jeremy sorriu. Não estava intimidado absolutamente. - É esplêndido, Tony. O quarto, a

casa, você. Não posso lhe agradecer o...

- Pois não o faça, por favor -disse Anthony. - E antes de que continue me elogiando devo

adverti-lo que penso corromper você, meu querido moço. Seu pai merece por te deixar a meu

cargo.

- Promete-o?

Anthony precisou reprimir a risada. O jovem tinha acreditado. -Não. Por Deus, acha que

desejo que Jason me mate? De fato armará um escândalo quando souber que James o enviou a

minha casa, em lugar de alojá-lo na sua. Não, apresentarei a esse tipo de mulheres que seu pai

esqueceu que existe.

- Semelhantes a Regam?

Anthony franziu o cenho seriamente. -Você e eu nos levaremos bem sempre que não

pronuncie esse nome. Maldição, é como seu pai...

- Bom, não posso permitir que fale mal de meu pai, tio Tony - disse Jeremy muito

seriamente.

Anthony avançou e acariciou os cabelos negros do jovem, tão semelhantes aos seus. - Me

compreenda, cachorrinho. Amo a seu pai. Sempre o amei. Mas o atacarei sempre que me agrade.

Foi meu irmão antes de ser seu pai e não necessito que você o defenda. De modo que se

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tranqüilize. Não falava seriamente.

Jeremy, apaziguado, riu. -Rega- Reggie disse que não era feliz a menos que brigasse com

seus irmãos.

- Ah, sim? Essa mulher sempre foi uma sabichona - respondeu Anthony carinhosamente. -

Falando dela, enviou-me uma nota hoje. Parece que está na cidade sem seu visconde e necessita de

um acompanhante para um baile esta noite. Agradaria-lhea tarefa?

- Eu? Fala a sério? -perguntou Jeremy, muito emocionado.

- Por que não. Sabe que não suporto essas festas e não me teria falado disso se houvesse

outra pessoa disponível. Mas Edward levou a sua família ao Haverston esta semana para visitar o

Jason, e Derek também está ali, de modo que só ficamos você e eu. Somos os únicos Malory da

cidade aos quais pode persuadir, a menos que transmitamos a tarefa a seu pai. Desde que o

achemos a tempo. Pode ser que permaneça aqui esta semana, mas disse algo a respeito a reunir-se

com uma velha amiga...

- Sarah - disse Jeremy e seus olhos azuis brilharam-. Trabalha em uma taverna de...

- Não me aflija com detalhes.

- De qualquer modo, não iria a um baile, nem sequer para acompanhar a sua sobrinha

favorita. Mas me fascinaria. Inclusive possuo a roupa adequada. E sei dançar. Sinceramente.

Connie me ensinou.

- Anthony esteve a ponto de rir. - Fez isso? Quem conduzia a quem?

Jeremy sorriu. - Alternávamo-nos. Mas pratiquei com as rameiras e não se queixaram.

Anthony não tinha a intenção de perguntar o que outros tipos de práticas tinha realizado,

pois podia imaginar. Era óbvio que tinha muitos contatos com os desagradáveis amigos de seu

pai. O que faria com esse velhaco encantador? Algo devia fazer, pois Jeremy, graças a seu pai,

carecia de virtudes sociais. Um cavalheiro pirata (já retirado) e um libertino desacreditado: dois

bons exemplos para imitar. Possivelmente devia entregar o jovem a seus primos quando

retornassem a Londres, para que lhe ensinassem os rudimentos.

- Estou seguro de que Reggie estará encantada de dançar contigo, moço, mas se disser que é

uma rameira, levará alguns golpes. E lhe conhece bem, de modo que se alegrará de que a

acompanhe. Entendi que você agrada-a.

- Assim é. Fiquei-lhe simpático o dia do seqüestro.

- Deve recordar que só quando soube quem era é que teve simpatia. Meu Deus, quanto

trabalho teve James para se vingar do visconde, para logo descobrir que Reggie se casou com ele.

- Bom, isso mudou tudo.

- Naturalmente. Mas não devia arrastar você em seu desejo de vingança.

- Tratava-se de uma questão de honra.

- Ah, de modo que também sabe de questões de honra, não?, -disse secamente Anthony. -

Então suponho que ainda há esperanças para você... Desde que eliminarmos às "rameiras" de seu

vocabulário.

Jeremy se ruborizou levemente. Não era culpado de ter passado os primeiros anos de sua

vida em uma taverna, até que seu pai descobriu sua existência e se ocupou dele. Connie, o

primeiro companheiro e melhor amigo do James, corrigia sua linguagem. Agora aparecia outro

disposto a corrigi-lo.

- Talvez não sirva para acompanhar...

- Não volte a tomar tão seriamente tudo que digo. - Anthony meneou a cabeça. - Acaso lhe

teria sugerido que acompanhasse a minha sobrinha favorita se não o acreditasse capaz?

Jeremy franziu o cenho, mas por outro motivo. - Não posso fazê-lo. Demônios, no que

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estaria pensando? É obvio que não posso. Se se tratasse de outra pessoa... mas não. Não posso.

- Que diabos está dizendo?

Jeremy o olhou fixamente. - Não posso levá-la ao baile se serei o único que a proteja. O que

ocorrerá se a assediar alguém como você?

- Como eu? - Anthony não sabia se ria ou estrangulava ao jovem.

- Sabe a que me refiro, Tony, alguém que não aceita negativas. Não se trata de que não

atacaria ao que se atrevesse...

- Mas, quem se deixaria impressionar por um jovem de dezessete anos? - disse Anthony,

franzindo o cenho. - Maldição, não tolero estes condenados assuntos. Nunca pude nem poderei.

Mas está certo. Suponho que deveremos chegar a um acordo. Você a acompanhará e eu a vigiarei.

Acredito que o salão de baile Crandal está em frente de um jardim, de modo que poderei fazê-lo

sem aparecer diretamente. Isso satisfará inclusive a seu protetor e marido. Parece- lhe bem, jovem

Galahad?

- Sim, desde que souber que está ali e que intervirá se surgirem problemas. Mas, demônios,

Tony, não se aborrecerá toda a noite ali fora no jardim?

- Certamente, mas suponho que posso tolerá-lo por uma noite. Não sabe qual seria a

alternativa se aparecesse em uma dessas reuniões e não faça perguntas a respeito. É o que

envenena minha vida, mas é a vida que escolhi, de modo que não me queixo.

E depois desse misterioso comentário, Anthony deixou Jeremy a sós em seu novo quarto.

CAPÍTULO 5

- Bem, querida, acredita em mim, agora? -murmurou Frances, aproximando-se de Roslynn

por detrás. Roslynn estava rodeada por um círculo de admiradores que não a tinham deixado nem

um instante a sós desde que chegara ao baile, o terceiro em três dias.

Se alguém tivesse ouvido a pergunta teria a considerado perfeitamente inocente. Embora o

olhar dos cavalheiros presentes voltava uma e outra vez a Roslynn, que levava um vestido de rasa

cor verde azulada, nesse momento estavam discutindo amigavelmente uma corrida que teria

lugar no dia seguinte. Ela tinha começado o tema para interromper a discussão prévia, sobre

quem dançaria com ela a seguir. Estava fatigada de dançar, sobretudo com Lorde Bradley, que na

aparência tinha os pés maiores que existiam desse lado da fronteira escocesa.

Afortunada ou infelizmente, Roslynn não necessitou que Frances lhe explicasse a pergunta.

Frances a tinha formulado com muita freqüência no transcurso dos últimos dias, encantada de ter

estado certa em relação à acolhida que teria e de que Roslynn tivesse estado equivocada.

Desfrutava do êxito de Roslynn como se fosse dela própria.

-Acredito em você - suspirou Roslynn, com a esperança de que fosse a última vez que o

dissesse. - Asseguro-lhe que sim. Mas como terei que escolher entre tantos?

Frances lhe disse em um à parte: -Não precisa escolher a nenhum deles. Acaba de começar a

caçada. Há outros que ainda não conhece. Não tomará uma decisão às cegas, não é verdade?

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-Não, naturalmente; não tenho a intenção de me casar com um perfeito estranho. Bom, será-

o em certo modo, mas tratarei de averiguar tudo o que possa a respeito dele. Desejo conhecer

minha presa o melhor possível para evitar enganos.

-Sua presa, por Deus -disse Frances arregalando os olhos com gesto dramático. - É assim

como o considera?

Roslynn voltou a suspirar. -Oh, não sei, Frances. Não importa como o olhe, parece algo tão

calculado e frio, especialmente quando nenhum dos que conheci me atraiu nem sequer um pouco.

Tenho que comprar um marido. Essa é a verdade. E se isto é tudo que há para escolher, tenho a

impressão de que não me agradará muito o indivíduo. Mas enquanto cumprir os outros

requisitos...

-Ora - disse Frances com severidade. - Está se dando por vencida quando a busca mal

começa. Por que está tão deprimida?

Roslynn fez uma careta. - São tão jovens, Frances. Gilbert Tyrwhitt não tem mais de vinte

anos e Neville Baldwin não é muito major. O conde é de minha idade e Lorde Bradley tem muito

poucos anos mais que eu, embora aja como se ainda fosse um colegial. Esses outros dois não são

melhores. Maldição, fazem-me sentir tão velha. Mas o avô me acautelou. Disse que devia procurar

um homem mais velho, mas onde estão? E se me diz que todos estão já casados me porei a gritar.

Frances riu. - Ros, está se apressando. Existe uma boa quantidade de cavalheiros distintos;

alguns são viúvos, outros solteiros que certamente desejarão deixar de sê-lo quando a conhecerem.

Mas com certeza lhe deverei assinalar isso porque estes jovenzinhos provavelmente se intimidam.

Depois de tudo, é um grande êxito. Se deseja um homem mais velho, deverá estimulá-lo um

pouco; fazer ele saber que está interessada nele... bom, você sabe o que quero dizer.

-Por Deus, Frances, não tem por que se ruborizar. Não me importa tomar a iniciativa

quando é necessário. Inclusive estou disposta a expor meu caso e lhe propor matrimônio. Não

arqueie as sobrancelhas. Sabe que o digo seriamente e que farei isso se for preciso.

-Sabe muito bem que se será incômodo ser tão audaz.

-Possivelmente o seria em circunstâncias normais. Mas nestas, não tenho muitas

alternativas. Não tenho tempo para perder em um noivado formal, nem para aguardar que se

apresente o homem indicado. De modo que me indique quais são os candidatos mais

experimentados e direi a quais desejo que me apresentes. Já tive suficiente com estes garotos.

-Bem -disse Frances, olhando a seu redor. - Lá, junto aos músicos, o mais

alto. Não recordo seu nome, mas soube que é viúvo e tem dois meninos; não, três. Deve ter uns

quarenta e um ou quarenta e dois anos e me disseram que é muito agradável. Tem uma grande

propriedade no Kent, onde vivem seus filhos, mas prefere a vida da cidade. Aproxima-se mais ao

que desejava?

Roslynn sorriu ante o sarcasmo de Frances. -Oh, não está mau. Agradam- me suas têmporas

grisalhas. Já que não posso ter amor, exijo ao menos boa presença e é bonito, não é? Sim, pode ser.

Quem mais?

Frances a olhou, desgostosa, pois teve a sensação de estar em um mercado escolhendo

mercadoria seleta, embora Roslynn não opinasse o mesmo. Era desagradável a maneira prática e

quase sem escrúpulos com que Roslynn encarava o assunto. Mas na realidade não era assim. A

maioria das mulheres tinham um pai ou um tutor que se ocupavam dessas questões, enquanto

elas se preocupavam tão somente das felizes fantasias do amor eterno ou, nos casos

desventurados, da ausência do amor. Ros não tinha a ninguém que se ocupasse das realidades do

matrimônio, de modo que devia se confrontar ela mesma com isso, inclusive com os acordos

financeiros.

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Mais conformada com a situação, já que lutar contra ela era inútil, Frances indicou outro

cavalheiro e logo outro mais. Depoi de uma hora Roslynn já os conhecia todos e tinha

confeccionado uma lista mais restrita, mais aceitável do ponto de vista da idade. Mas os

jovenzinhos insistiam em assediá-la e em dançar com ela uma e outra vez. Embora sua

popularidade contribuisse em grande parte para diminuir sua ansiedade, também estava se

convertendo em uma perturbação.

Tendo vivido longo tempo encerrada com seu avô e os criados a quem conhecia desde toda

a vida, Roslynn tinha tido muito pouco contato com cavalheiros. Os que conhecia estavam

habituados a ela e aos que não conhecia, não se relacionava. A diferença de Nettie, que percebia

quanto ocorria a seu redor com rapidez e notava o efeito causado pelo Roslynn sobre o sexo

oposto, Roslynn era muito séria socialmente e não prestava atenção ao que acontecia em torno

dela. Não era surpreendente que atribuísse tão pouca importância a sua beleza, que nunca lhe

pareceu fora do comum, e também a sua idade, que considerava inadequada para seus propósitos

e que influía somente sobre sua condição de herdeira que devia encontrar marido com rapidez.

Tinha chegado à conclusão de que, dada sua idade avançada, comparada com as outras

jovens casadouras, devia conformar-se com indivíduos sem perspectivas, e inclusive com algum

aventureiro jogador ou algum lorde arruinado economicamente. E, embora se assinasse um

contrato matrimonial que lhe permitisse controlar a maior parte de sua fortuna, seria generosa.

Podia ser. Era tão rica que isso lhe produzia desconforto.

Mas, depois da primeira festa que participou com Frances, viu-se obrigada a reconsiderar

sua situação. Tinha descoberto que toda classe de cavalheiros mostrava interesse por ela, embora

não conhecessem o montante de sua fortuna. Naturalmente, seus vestidos e jóias falavam por si

mesmos mas o conde rico já a tinha visitado na casa da rua South Audley, assim como o

desagradável Lorde Bradley. Os homens mais velhos que figuravam em sua lista tampouco eram

pobres e todos pareciam muito adulados pelo interesse que ela lhes demonstrava. Mas, estariam

dispostos a casar-se com ela? Isso ainda não se sabia. A primeira

preocupação de Roslynn era averiguar algo mais a respeito deles. Não desejava receber surpresas

desagradáveis depois de casar-se.

Nesse momento precisava de um confidente e conselheiro; alguém que tivesse conhecido a

esses homens durante vários anos e a ajudasse a reduzir sua lista. Frances tinha vivido muito

encerrada e protegida desde que enviuvara e não podia lhe ser útil nesse sentido. Pessoalmente, só

conhecia os amigos de seu marido e não podia recomendar a nenhum. Os homens que tinha

apresentado à Roslynn essa noite eram simples conhecidos, sobre quem tinha uma informação

muito vaga.

Os falatórios poderiam ajudar, mas não eram de confiança, pois as antigas intrigas eram

substituídas por outras mais recentes e não seriam úteis nesse caso. Se Roslynn tivesse outras

amigas em Londres... mas Frances era a única.

Nenhuma delas pensou na possibilidade de contratar os serviços de alguém que fizesse as

averiguações pertinentes sobre seus candidatos. E, embora lhes tivesse ocorrido, não teriam sabido

como achar a essa pessoa. E além disso, teria sido muito simples. No começo, Roslynn tinha

suposto que a busca de um marido seria um assunto difícil. Supunha que lhe provocaria grande

angustia, porque não contava com o tempo necessário para tomar uma decisão muito pensada.

Pelo menos, nessa noite estava fazendo progressos, lentos mas efetivos. Sir Artemus

Shadwell, o viúvo das têmporas grisalhas, tinha confrontado com os garotos e a tinha convidado

para dançar. Infelizmente, não foi uma dança propícia para a conversa e só pôde averiguar que

tinha cinco crianças de seu primeiro matrimônio (e não três, como havia dito Frances) e que não

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tinha interesse em formar uma nova família se alguma vez se voltasse a casar. Ela desejaria saber

como faria para evitar isso, mas ele tinha afirmado redondamente.

Era lamentável, já que Roslynn desejava ter meninos quando se casasse. Era a única coisa

do casamento que a entusiasmava. Desejava ter filhos; não muitos mas dois ou três, ou quatro e

isso estava decidido. Tampouco podia aguardar muito tempo para os ter, dada sua idade. Se

pensava em formar uma família, devia começar imediatamente. Isso devia ficar claro. Não podia

aceitar que lhe dissessem "talvez" ou "veremos".

Mas não tinha por que eliminar ainda Sir Artemus de sua lista. Depois de tudo, ele não

sabia que era um de seus "possíveis", de modo que certamente não tinha considerado sua

pergunta sobre crianças como algo importante. Além disso, um homem podia mudar de idéia. Se

sabia algo a respeito dos homens, era isso.

Depois de dançar com ela, levou-a de novo junto à Frances que estava junto à mesa com

uma jovem que Roslynn não conhecia. Mas imediatamente começou a soar a melodia de uma

valsa e o persistente Lorde Bradley se aproximou dela. Roslynn grunhiu audivelmente. Era muito.

Não pensava deixar-se pisar outra vez por esse desajeitado indivíduo.

- O que ocorre, Roslynn? -perguntou Frances.

- Nada... tudo -respondeu ela, exasperada. Depois, sem ter em conta que ainda não tinham

lhe apresentado a estranha, disse:

-Não dançarei mais com esse parvo do Bradley. Juro que não o farei. Fingirei desmaiar, mas

isso poderia lhe causar problemas, de modo que me esconderei.

Rindo, olhou às damas com gesto de conspiração e desapareceu entre a multidão, deixando

que elas dessem as explicações do caso ao persistente Bradley.

Roslynn se dirigiu a uma das portas que dava para o terraço e saiu. Próxima do muro junto

à porta, certificou-se de que ninguém podia observá-la enquanto contemplava o amplo jardim que

se estendia além do terraço. Depois se inclinou para olhar para o interior e assegurar-se de que

não a seguiam. Viu lorde Bradley que se afastava de Frances, decepcionado.

Não experimentou nem o mais leve remorso. Continuou observando a Lorde Bradley para

estar segura de que, ao não achá-la no salão, não iria procurá-la no jardim. Nesse caso, teria que

achar outro esconderijo e podia imaginar-se ridiculamente agachada detrás dos trabalhadores de

pedreira do jardim. Mas também pensou que dava uma imagem ridícula nesse momento e voltou

a olhar nervosamente para trás para assegurar-se de que o jardim estava deserto. Na aparência,

estava. Depois de olhar a Lorde Bradley durante uns instantes mais, viu que ele convidava outra

mulher para dançar.

Suspirando, Roslynn se endireitou, alegrando-se de pôr seus pés a salvo no momento.

Devia antes fugir em direção ao jardim. O ar fresco foi um bálsamo para seus pensamentos,

confundidos pelas complexidades de sua vida atual. Precisava estar a sós para tranqüilizar-se, ao

som da melodia que saía pelas portas abertas.

Cada porta e cada janela que dava ao jardim desenhava sobre o terraço de pedra retângulos

de luz dourada. Havia algumas mesas e cadeiras, mas eram muito visíveis do interior, assim

Roslynn as evitou.

Divisou um banco debaixo de uma árvore, no extremo do terraço que se unia à grama. Pelo

menos, pareciam as pernas de um banco. A luz só iluminava essa parte, pois um ramo baixo não

permitia ver o resto. O resto dessa zona estava nas sombras por causa de três grossas árvores,

através das quais a luz da lua não podia penetrar. Era perfeito. Poderia apoiar os pés sobre o

assento e tornar-se invisível para todo aquele que saísse. Seria agradável ser invisível durante um

momento.

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Estava a vários metros de distância e Roslynn correu para seu refúgio inesperado, com a

esperança de que ninguém a visse nesse momento através de alguma das janelas. Experimentou a

ansiedade de não chegar a tempo. Só desejava uns poucos minutos de solidão. Mas sua ansiedade

era absurda, já que nada aconteceria se seu desejo se visse frustrado. De qualquer modo, não

poderia permanecer ali muito tempo. Do contrário, Frances se preocuparia.

Mas nada disso parecia importar-lhe. O banco se converteu em uma necessidade essencial

por motivos puramente emocionais. Então, de repente, compreendeu que não tinha achado

refúgio algum. O banco, seu banco, já estava ocupado.

Permaneceu de pé, imóvel, olhando inexpressivamente o que tinha parecido só uma

sombra à distância, mas que agora se mostrava ser a perna de um homem. O pé estava apoiado no

assento onde ela tinha pensado tornar-se invisível. Seu olhar percorreu a perna e comprovou que

o homem estava em parte de pé e em parte sentado. Os antebraços estavam apoiados sobre o

joelho flexionado; as mãos frouxas, com as palmas para baixo. Seus dedos eram longos e

elegantes; detalhe que se fazia evidente pelo contraste de sua cor clara contra o negro das calças. O

olhar de Roslynn seguiu subindo e viu um par de largos ombros, inclinados

para frente, e a gravata branca com o nó frouxo. Finalmente olhou seu rosto, mas, na escuridão, só

viu uma mancha cinza de cabelos escuros.

Estava completamente escondido entre as sombras, onde ela tinha planejado estar. Era só

um conjunto de sombras negras e cinzas, mas estava ali e era real e guardava silêncio. Enfureceu-

se e desejou vingar-se. Sabia que ele podia vê-la claramente, iluminada pela luz que provinha da

casa e pela lua. Provavelmente, tinha visto ela na ridícula pose de espiar para o salão, como uma

menina brincando de esconder. E não dizia nada. Não se movia. Simplesmente, olhava-a.

Ela se ruborizou. Sua fúria aumentou ante o silêncio dele. Se tivesse sido um cavalheiro

teria dito algo para que ela se sentisse menos incomodada; para fazê-la acreditar que acabava de

vê-la, embora não fosse assim.

O prolongado silêncio a fez desejar fugir, mas teria sido muito. Ela não saberia quem era

ele, enquanto ele a reconheceria facilmente. Quando conhecesse outros homens sempre se

perguntaria se um deles não era esse, que riria dela em silêncio. Uma preocupação mais. Não

podia ser.

Ela se dispôs a lhe perguntar quem era; estava decidida a insistir, inclusive a arrastá-lo pela

força para a luz se fosse necessário. Tal era sua fúria. As palavras não foram necessárias; de fato,

esqueceu-se delas. Em uma das salas do andar superior da casa se acendeu uma luz e esta se

filtrou através das copas das árvores. Iluminou então a parte superior do corpo do homem: suas

mãos, um de seus ombros, seu rosto.

Roslynn não estava preparada. Conteve o fôlego. Durante uns instantes seu atordoamento

foi tão grande que não teria podido lembrar-se nem de seu próprio nome.

Viu uma boca que esboçava um sorriso; um queixo forte e arrogante. O nariz era aquilino.

A pele estava bronzeada pelo sol e era dourada, mas contrastava com o cabelo negro e ondulado.

Os olhos (que Deus protegesse deles aos inocentes) eram de uma profunda cor azul e levemente

rasgados. Eram exóticos, hipnotizadores; emoldurados por pestanas negras e sobrancelhas finas.

Eram imponentes, inquisidores, atrevidamente sensuais; quentes, muito quentes.

A falta de ar fez Roslynn reagir, voltando para a realidade. Inspirou lenta e profundamente

e exalou um suspiro. Não era justo. Seu avô o tinha advertido. Não era preciso que ninguém lhe

dissesse nada. Sabia. Sabia que era um deles, um dos que "não terei que levar em conta". Era

muito bonito para não o ser.

Seu aborrecimento se dissipou, substituído pela irritação. Roslynn sentiu a imperiosa

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necessidade de golpeá-lo por ser o que era. Por que devia ser ele? Por que o único homem que a

atraía poderosamente devia ser o único tipo de homem inaceitável para ela?

-Está-me olhando com descaramento, senhor. -De onde tinha tirado isso, quando o resto de

seus pensamentos era tão caótico?

-Sei -disse ele simplesmente, sorrindo.

Ele se absteve de lhe dizer que ela estava fazendo o mesmo. Divertia-se muitíssimo somente

olhando-a. As palavras eram desnecessárias, apesar de que a voz rouca dela roçava a pele dele

como uma carícia.

Anthony Malory estava fascinado. Tinha a visto antes que ela saísse ao jardim. Tinha estado

vigiando ao Reggie através de uma janela e então ela entrou em seu campo visual. Não tinha visto

seu rosto nesse momento; só suas magras costas coberta pelo tecido fino... e seus cabelos. Os

cabelos de gloriosa cor avermelhada dourada tinham chamado imediatamente sua atenção.

Quando deixou de vê-la ficou de pé, preparando-se para confrontar às pessoas só para ver o rosto

que correspondia a esses cabelos estupendos.

Mas ela saiu para o jardim. E então ele aguardou com paciência sobre o banco. Como ela se

achava de costas para a luz não distinguia seus traços com clareza, mas era uma questão de

tempo. Ela não iria a nenhuma parte antes que ele o fizesse.

E logo se dedicou a contemplar suas cambalhotas quando se ocultou junto à porta e se

agachou para olhar para dentro. Seu traseiro bem formado o fizeram sorrir. "Minha querida, não

sabe como está provocadora", pensou.

Esteve a ponto de rir em voz alta, mas ela pareceu ler seu pensamento porque se endireitou

e olhou para o terraço. Quando dirigiu o olhar para onde ele se achava, pensou que o tinha

descoberto. E depois se surpreendeu ao correr para ele. E finalmente pôde ver seu rosto muito

formoso. Ela se deteve frente ao banco, e pareceu tão surpreendida como ele, só que a surpresa

dele se desvaneceu quando compreendeu que ela não tinha corrido para ele porque nem sequer

sabia que ele estava ali. Mas agora sabia.

Era divertido contemplar as emoções cambiantes de seu rosto. Surpresa, curiosidade,

desconforto, mas em nenhum momento temor. Ela tinha contemplado com seus intensos olhos

pardos, primeiro sua perna e logo o resto. Perguntou-se quanto tinha podido ver. Provavelmente

muito pouco, pois ela estava de pé na luz. Mas ele não tinha a intenção de fazer-se ver ainda.

Por um lado, estava assombrado de que ela não tivesse fugido ou se desmaiado ou

qualquer outra tolice que as jovens tendiam a fazer quando se encontravam com um homem

escondido entre as sombras. Sem perguntar-lhe procurou uma razão que justificasse essa reação,

diferente da de outras inocentes que ele estava acostumado a evitar. Mas logo se surpreendeu. Ela

não era tão jovem e não muito jovem para ele, pelo menos. De modo que não era inacessível.

A idéia fez Anthony reagir imediatamente. Até esse momento tinha apreciado sua beleza

como um perito, mas agora pensava que não só podia olhar, mas também tocar. Então se acendeu

a luz do andar superior e ela o olhou com outra expressão, obviamente fascinada e nunca se

alegrou tanto que as mulheres o considerassem atraente.

De repente, achou que era imperativo perguntar: - Quem é seu tutor?

Roslynn se sobressaltou ao ouvir de novo sua voz, depois do prolongado silêncio; sabia que

devia ter se afastado depois do breve diálogo inicial. Mas tinha permanecido ali, sem deixar de

olhá-lo, sem se importar em fazê-lo e que ele o fizesse por sua vez.

- Meu tutor?

- Sim. A quem você pertence?

- Oh, a ninguém.

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Anthony sorriu, divertido. -Possivelmente deveria formular a pergunta de outra maneira.

- Não, compreendi. Meu avô morreu recentemente. Vivia com ele. Agora não tenho

ninguém.

- Então, me tenha a mim.

As ternas palavras aceleraram seu coração. Faria algo para possui-lo. Mas estava segura de

que ele não tinha querido dizer o que ela desejava que dissesse, mas sim deveria envergonhar-se

pelo que em realidade havia dito. Mas não se envergonhava. Era de esperar que um homem como

ele dissesse isso. Nunca eram sinceros, segundo Frances. E adoravam dizer coisas que

escandalizassem para realçar sua própria imagem de dissipados e inescrupulosos.

Contudo, ela perguntou: - Casaria-se comigo então?

- Me casar?

Ela tinha conseguido desconcertá-lo. Quase se pôs-se a rir ao ver sua expressão de horror.

- Falo sem rodeios, senhor, embora geralmente não seja tão audaciosa. Mas, considerando o

que me disse, minha pergunta é coerente. De modo que não é dos que se casam?

- Não, por Deus.

- Não precisa ser tão enfático -disse ela, com voz um pouco decepcionada. - Não achei que

fosse.

Ele já não sentia tão agradado e tirou suas próprias conclusões. - Não vai destroçar minhas

ilusões tão rapidamente não é, querida? Não me diga que está procurando marido como todo

mundo.

- Oh, mas estou. Decididamente. Vim a Londres para isso.

- Acaso todas não fazem isso?

- Como disse?

- Desculpe-me.

Ele voltou a sorrir e esse sorriso teve sobre ela um efeito muito estranho. - Não está casada

ainda. Não era uma pergunta a não ser uma elucidação. Inclinou-se para frente e tomou sua mão,

aproximando-a a ele. -Qual é o nome que acompanha tanta beleza?

Que nome? Que nome? Sua mente parecia invadida pelos dedos que tomavam os seus.

Quentes, fortes. Sentiu um calafrio. Suas pernas golpearam contra a beirada do banco, perto do pé

dele, mas não percebeu. Ele a tinha levado para as sombras.

- Tem um nome, não é verdade? -insistiu ele.

Roslynn aspirou sua fragrância fresca e masculina.

- O que?

Ele riu, encantado ante a confusão dela. - Minha querida menina, um nome. Todos levamos

um, bom ou mau. O meu é Anthony Malory; Tony para os íntimos. Agora, confesse o seu.

Ela fechou os olhos. Só assim podia pensar. -Ros... Roslynn.

Ele estalou a língua. -Não estranho que deseje casar-se, Ros Roslynn. Simplesmente deseja

trocar de nome.

Ela abriu os olhos e se encontrou com um adorável sorriso.

Estava brincando. Era agradável que o fizesse. Os outros homens que tinha conhecido

recentemente estavam muito ocupados tratando de impressioná-la para sentir-se à vontade em

frente dela.

Ela devolveu o sorriso. -Roslynn Chadwick, para ser exata.

- Um nome que deveria conservar, querida... pelo menos até que nos conheçamos melhor. E

o faremos. Quer que lhe diga de que maneira?

Ela riu e o som rouco de sua voz o estremeceu novamente. -Ah, está tratando de me

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escandalizar outra vez, mas será em vão. Sou muito velha para me ruborizar e me avisaram a

respeito dos homens como você.

- Como eu?

- Um libertino.

- Culpado. - Suspirou com fingida desolação.

- Um professor da sedução.

- Espero que assim seja.

Ela riu e não foi um risinho tolo, nenhuma risada afetada, destinada a irritar seus sentidos,

mas sim um som quente e profundo que o fez desejar... mas não se atreveu. Não desejava arriscar-

se em atemorizar essa mulher. Talvez não fosse inocente pela sua idade, mas ainda não sabia se

era experimentada em outros sentidos.

A luz que tinha confundido ao Roslynn se apagou. O pânico foi instantâneo. Não

importava que ela tivesse desfrutado de sua companhia. Não importava que sentara à vontade

junto a ele. Agora estavam envoltos na sombra e ele era um libertino e ela não podia arriscar-se a

ser seduzida.

- Devo partir.

- Ainda não.

- Sim, devo fazê-lo.

Ela procurou retirar sua mão, mas ele a oprimiu com mais força. A outra tocou sua face com

dedos acariciantes. Ela experimentou uma estranha sensação no estômago. Devia fazê-lo

compreender.

-Eu... eu devo lhe agradecer, senhor Malory. - Impensadamente, falou com acento escocês.

Pensava na carícia dele e em seu próprio pânico. - Durante uns instantes, conseguiu me distrair de

minhas ocupações, mas agora não as aumente. Necessito de um marido, não de um amante e você

não reúne as condições... lamento-o.

Soltou-se, simplesmente porque conseguiu surpreendê-lo uma vez mais.

Anthony a contemplou enquanto ela desaparecia no interior da casa e novamente

experimentou esse impulso irrefreável de ir atrás dela. Não o fez. Sorriu devagar.

Lamento-o. - Havia-o dito com autêntica pena. A jovem não sabia, mas com essas palavras

tinha selado seu próprio destino.

CAPÍTULO 6

- Está observando a um professor em ação, Connie.

- Diria que se assemelhou mais a uma comédia de enganos - respondeu o loiro alto -.

Quando se perde uma oportunidade, a perde, não importa como a olhe.

Anthony riu quando ambos se reuniram debaixo da árvore. - Esteve me espiando, irmão?

James se inclinou para apoiar os antebraços sobre o espaldar do banco e sorriu. -A verdade

é que não pude resistir a tentação. Mas temi que a situação se tornasse embaraçosa.

-De maneira nenhuma. Acabo de conhecê-la.

-E de perdê-la. - Conrad Sharp o disse incisivamente.

Anthony lhe lançou um olhar penetrante, enquanto apoiava um pé sobre o banco, mas o

olhar se perdeu entre as sombras.

-Vamos, Connie, não pode culpá-lo -disse James. - Ela foi muito astuta ao apelar a seu bom

coração com esse primoroso acento escocês. Pensei que o halo deste jovem se manchara para

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sempre.

-Uma jovem como ela poderia fazer brilhar o halo de qualquer um – disse Conrad.

-Sim, é muito atraente, não é verdade?

Anthony já tinha escutado muito. - Mas não está disponível.

James riu. - Arriscou-se, não é? Tome cuidado; pode ser que tome como um desafio.

Anthony sentiu o sangue gelar. Quando eram muito jovens tinha sido divertido competir

pela mesma mulher, naqueles dias em que rondavam juntos pela cidade de Londres.

E a questão tinha sido qual dos irmãos conseguia ser o primeiro a conquistar à dama. Mas

os anos e os excessos tinham moderado a libido do Anthony. Já não era uma questão de vida ou

morte. Ou não o tinha sido, até esta noite.

Mas James, bem, já não conhecia James. Durante a maior parte de suas vidas tinham sido

grandes companheiros. Sempre faziam causa comum frente aos outros dois irmãos, que eram dez

anos mais velhos. Mas isso tinha sido antes que James tinha decidido converter-se em pirata de

alto mar.

Durante dez anos só tinha visto James em ocasiões contadas. A última vez se produziu um

desacordo que tinha determinado que os três irmãos o repudiassem, depois de lhe dar uma surra

por ter levado Reggie esse verão para compartilhar suas piratarias. Mas agora James era de novo

aceito. Tinha renunciado à pirataria. Inclusive pensava retornar definitivamente a Inglaterra. E,

nesse preciso momento, Anthony não sabia se falava a sério ou não quando o desafiou a respeito

de Roslynn Chadwick.

Nesse momento voltou a vê-la através da janela e notou que James também a tinha visto. -

Demônios, James, o que está fazendo aqui de qualquer modo?

O irmão que era mais velho um ano se ergueu, mas ainda assim era mais baixo que

Anthony. Não pareciam irmãos. James era loiro e seus olhos eram verdes, herança dos Malory, e

era mais robusto. Só Anthony, Regina, Amy, a filha do Edward e Jeremy tinham os cabelos negros

e os olhos de cor azul cobalto de sua avó, de quem se dizia que tinha sangue cigano nas veias.

-Se tivesse sido um pouco mais explícito nessa nota que me deixou, não teria quebrado a

noite vindo aqui -disse James. - E agora que me recorda isso, devemos esclarecer uma questão. Em

que demônios pensava quando permitiu que o patife de meu filho acompanhasse a Regam?

Anthony chiou os dentes ao escutar o nome Regam.

-Por isso veio?

-Isso foi quanto me disse. Deveria se explicar um pouco mais, me dizendo que também

você estaria aqui. Anthony olhou para o jardim. -Se considerar que estar escondido entre as

sombras é estar aqui, suponho que estou.

-Não seja odioso, cachorrinho -interveio Conrad. - Até que não tenha um próprio, não

saberá quanto se preocupa alguém sobre o que está fazendo.

-E o que poderia estar fazendo o pobre moço com dois pais diligentes que o vigiam? E além

disso, embora tivesse desejado ignorá-lo, foi Jeremy quem disse que possivelmente não estaria em

condições de protegê-la. Por isso me arrastou até aqui.

- Interpretou-me mau, Tony. Não me preocupava quem protegeria a Regam das pessoas,

mas sim quem a protegeria de seu acompanhante.

Transcorreram cinco segundos, durante os quais Anthony se perguntou quanta

animosidade provocaria sua risada. - É sua prima, pelo amor de Deus.

- E acha que lhe importa?

- Fala a sério? - perguntou Anthony.

- Está apaixonado por ela -disse James.

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- Mas não tem em conta a ela. Faria ele implorar por misericórdia em menos de um minuto

se a olhasse intencionalmente. Acreditei que conhecia melhor a nossa sobrinha, meu irmão.

- Sim, já se que ela sabe defender-se. Mas também conheço meu filho e não se desanima

facilmente.

- Preciso lhe recordar que está falando de um jovem de dezessete anos?

- E preciso lhe recordar como era você quando tinha dezessete anos? - replicou James.

Finalmente, Anthony sorriu. -Tem razão. Muito bem, não só vigiarei a ela, mas também a

ele.

- Sempre que puder deixar de olhar à escocesa -disse Conrad.

- Então, por favor fique -disse Anthony secamente-. Os três podemos vigiá-los. Além de

tudo, é uma maneira muito prazenteira de passar a noite.

James sorriu. -Acho que nos está dizendo para partirmos, Connie.

Olhe, deixemos que o pobre moço definhe a sós. Nunca se sabe. Pode ser que ela volte à a carga e

sua tarefa seja mais suportável. - Riu. - Se ela não vier para ele, não terá a coragem de se enfrentar

com essas aves de rapina. Eu tampouco o teria.

James estava duplamente equivocado.

CAPÍTULO 7

- Bem, o que está fazendo aqui? É quanto desejo saber. Lady Crandal não vê com bons

olhos essa classe de pessoas. Ela nunca o teria convidado.

- Sir Anthony não necessita de convite, querida. Faz como lhe agrada.

- Mas sempre teve a discrição de não assistir a nossas festas.

- Discrição? - Riu. - Não se trata de discrição. Não suporta estas reuniões. E não me

surpreende. É provável que todas as damas que se encontram aqui desejam reformar esse

libertino.

- Não é engraçado, Lenore. Quando aparece, a metade das mulheres que estão na sala se

apaixona por ele. Comprovei que é assim. Por isso nenhuma anfitriã o convida a suas festas se não

deseja problemas. Provoca muitos distúrbios.

- Mas nos dá assunto de conversa durante meses. Admite-o. É um tópico muito

interessante, não é verdade?

- Isso diz facilmente, Lenore -disse outra dama, obviamente desolada. - Não tem uma filha a

quem vigiar. Meu Deus, olhe Jane. Não pode deixar de olhá-lo. Com certeza já não aceitará Percy.

É uma jovem tão difícil.

- Olhar não faz mal, Alice. Só conta a sua filha algumas historia a respeito dele e não só se

horrorizará mas também se alegrará de que ele não tenha demonstrado interesse por ela.

- Mas o que está fazendo aqui? Desejaria sabê-lo. - A pergunta foi repetida com severidade.

- Provavelmente está vigiando a seu filho -disse Lenore com afetação.

- Seu o que?

- Olhe o jovem que está dançando com Sarah Lordes. É a viva imagem de Sir Anthony.

- Meu Deus, outro Malory ilegítimo. Essa família deveria ser mais circunspeta.

- Bom, o marquês reconheceu ao seu. Pergunto-me se Sir Anthony fará o mesmo.

- Isto é incrível. Como terão feito para guardar o segredo durante tanto tempo?

- Certamente o ocultaram em algum lugar até agora. Mas, aparentemente, os Malory darão

muitas surpresas esta temporada. Soube que o terceiro irmão retornou.

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- O terceiro irmão? -disse outra dama. - Mas se só há três.

- Onde esteve, Luta? -disse Lenore, maliciosa. - São quatro e o terceiro é a ovelha negra.

- Mas achava que Sir Anthony era essa ovelha.

- Como é o mais jovem, é a segunda. Oh, poderia te contar muitas histórias sobre o outro.

Esteve ausente durante muitos anos, mas ninguém sabe onde nem por que.

- Então não é surpreendente que eu não soubesse de sua existência -disse Luta,

defensivamente rígida.

- Olá, outra vez.

Roslynn se desgostou ante a inoportuna interrupção, mas ao menos não se tratava de um

de seus jovens admiradores. Por sorte, a maior parte deles foi para a sala de jogos, deixando-a em

liberdade para conhecer melhor aos cavalheiros de sua nova lista. Mas, em lugar de ir em busca de

um deles, distraiu-se com uma das numerosas conversas que se iniciaram quando Anthony

Malory entrou no salão de baile.

Roslynn se tinha instalado com discrição atrás de um grupo de senhoras mais velhas e se

dedicou a escutar sua conversa. Não podia negar. O assunto que se discutia lhe era extremamente

fascinante e escutou cada palavra com avidez. Mas agora alguém desejava conversar com ela e

não poderia evitá-lo.

Olhou para Lady Eden, mas tratou de manter um ouvido alerta ao que diziam as damas

sentadas em frente a ela. - Já se cançou de dançar?

A jovem, divertida, percebeu a distração de Roslynn. Divertiu-a mais ainda escutar certos

comentários que se faziam nesse momento perto dela e compreendeu o motivo da distração de

Roslynn.

- Todos sabem que poucas vezes danço a não ser com meu marido, mas esta noite não pôde

me acompanhar.

- Bem.

Regina Eden arregalou os olhos , sorriu e tomou Roslynn pelo braço. -Venha comigo,

querida. Faz muito calor aqui. Vamos a outro lugar, quer?

Roslynn suspirou ao ser tirada do grupo. Lady Eden era sem dúvida muito agressiva para

alguém tão jovem. De fato, Roslynn se tinha assombrado ao inteirar-se de que estava casada e já

tinha um filho, pois seu aspecto era o de uma colegial. Era a dama que tinha estado antes com

Frances e a que Roslynn não tinha sido apresentada porque se afastou do grupo. Mas Frances se

encarregou das apresentar quando Roslynn retornou do jardim. Nesse momento, ainda estava

emocionada por seu encontro com Malory. Na realidade, não podia recordar a conversa que tinha

tido então com Lady Eden, no caso de havê-la tido.

Lady Eden se deteve em frente da mesa onde se achava os refrescos. Infelizmente, Roslynn

tinha agora uma visão clara do assunto abordado por todos. Ele não tinha entrado realmente no

salão. Com ar indiferente, manteve-se de pé junto à porta que dava ao jardim; um ombro

recostado contra o batente, os braços cruzados sobre o peito, contemplando o interior do salão...

até que a viu. Então seu olhar se deteve e sorriu com esse sorriso que a enchia de calidez.

Ao vê-o em plena luz, seus sentidos estremeceram. Tinha um corpo tão simétrico que era

impossível deixar de admirá-lo. Ombros largos, cintura estreita, quadris magros e pernas longas. E

era alto. Não tinha notado isso no jardim. E gotejava sensualidade. Isso sim tinha notado.

O corte de sua roupa de etiqueta era impecável, embora vestido de negro aparentasse um

aspecto sinistro. Mas o negro complementava ele. Não pôde imaginá-lo usando as cores claras de

um "dandy". Atrairia ainda mais a atenção sobre ele, mas o certo era que a atraía de qualquer

modo, só pelo fato de aparecer.

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- É diabolicamente bonito, não?

Roslynn se sobressaltou, percebendo que a tinham descoberto enquanto o observava

atentamente. Mas seria estranho se não o fizesse, pois todos o observavam.

Olhou Lady Eden encolhendo os ombros. -Parece-lhe?

- Decididamente. Seus irmãos também são muito atraentes, mas sempre pensei que Tony

era o mais bonito de todos. Não agradou muito à Roslynn esse "Tony" pronunciado por essa moça

formosa, de cabelos negros e vivazes olhos azuis cheios de humor. O que lhe havia dito ele? "Tony

para os íntimos".

- Deduzo que o conhece bem.

Regina sorriu encantadoramente. -Conheço muito bem a toda a família.

Roslynn se ruborizou, coisa que raramente lhe ocorria. A resposta a tranqüilizou mas estava

irritada consigo mesma pela ansiedade com que formulou a pergunta. Se a viscondessa conhecia

bem aos Malory, era a última pessoa que Roslynn desejava que percebesse seu interesse por Sir

Anthony. Não deveria estar interessada absolutamente. Devia mudar de assunto. Mas não pôde.

- É muito mais velho, não é verdade?

- Bom, se acha que ter trinta e cinco anos é ser velho...

- Só trinta e cinco?

Regina precisou reprimir seu desejo de rir. A mulher estava disposta a achar algo mau no

Tony, mas era difícil saber o que poderia ser. Era óbvio que tinha feito outra conquista sem nem

sequer propor-lhe ou o propunha? Era perverso de sua parte olhá-la dessa maneira. Se ela não

estivesse junto à Lady Roslynn, a pobre seria destroçada pelos falatórios que geraria seu interesse

por ela.

Sim, era realmente perverso, porque nada resultaria de todo isso. Nunca resultava em algo.

E Lady Roslynn lhe agradava. Não desejava que a ferisse.

- É um solteiro contumaz -advertiu-lhe Regina. - Como tem três irmãos mais velhos, nunca

se viu obrigado a casar-se.

- Não tem por que suavizar a realidade. Sei que é um libertino.

- Ele prefere dizer que é um "perito em mulheres".

- Então também ele disfarça a realidade.

Regina riu. Realmente esta mulher lhe agradava. Possivelmente Roslynn fingia indiferença

por Tony, mas em outros aspectos era muito sincera e espontânea.

Roslynn olhou rapidamente a Sir Anthony. Sentia-se idiota por havê-lo chamado senhor

Malory, mas como podia saber que tinha a dignidade de par? O irmão mais velho era marquês de

Haverston, o segundo, um conde, o terceiro era a ovelha negra da família e Anthony era a

segunda ovelha negra. inteirou-se de muitas coisas essa noite. Por que não podia inteirar-se das

que se referiam a seus "possíveis" potenciais?

-Não dança? -perguntou Roslynn, dizendo-se a si mesma que devia abandonar o assunto.

-Oh, maravilhosamente, mas não se atreve a convidar a ninguém aqui. Se o fizesse, deveria

dançar também com várias dúzias de mulheres, para despistar às aves de rapina. Mas Tony não

tomaria tantas precauções para dançar com a dama que lhe interessar. Por isso não suporta estas

reuniões. Obrigam-no a ser discreto, quando a palavra nem sequer figura em seu vocabulário.

-É realmente tão má sua fama que o simples fato de dançar com ele arruinaria a reputação

de uma jovem?

- Acontece e é uma pena, porque não é tão mulherengo. Não é que lhe falte companhia

feminina. Mas tampouco se propos seduzir a todas as mulheres de Londres.

- Só a uma parte?

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Regina notou o sorriso e percebeu que Roslynn estava mais divertida que escandalizada

pela reputação de Anthony. Talvez não estivesse interessada nele. Ou talvez percebia sabiamente

que não havia possibilidades de conquistá-lo.

- Os falatórios podem ser muito cruéis, querida -murmurou Regina a seu ouvido. - O certo é

que não me atrevo a deixar você sozinha. Ele se está comportando indevidamente ao olhar você

dessa maneira.

Roslynn evitou olhar Regina nos olhos. -Talvez olhe você.

- É claro que não. Mas enquanto outros não souberem a qual das duas olha tão

atrevidamente, está a salvo.

- Ah, aqui está, Ros -disse Frances, unindo-se a elas, - Lorde Grahame perguntava por ti.

Diz que lhe prometeu uma valsa.

- Assim é. -Roslynn suspirou. Era hora de esquecer a Anthony Malory e de voltar para o

trabalho. -Só espero que o indivíduo relaxe um pouco e seja um pouco mais comunicativo desta

vez.

Compreendeu muito tarde como isso teria parecido aos ouvidos de Lady Eden, mas Regina

se limitou a sorrir. - Está bem, querida. Frances comentou comigo algo a respeito de sua situação.

Talvez lhe console saber que tive exatamente o mesmo problema que você quando procurava

marido. Mas a diferença estava em que minha escolha devia ser passada por minha família, o que

fazia isso extremamente dificil; para eles, ninguém era suficientemente bom para mim. Graças a

Deus, meu querido Nicholas fez um acerto comigo. Do contrário, ainda estaria procurando

marido.

Foi Frances quem pareceu escandalizar-se. -Mas acreditei que a tinham comprometido com

ele.

-Essa foi a opinião geral quando se fez o anúncio, mas o certo é que me seqüestrou

acreditando que eu era sua amante. Esse pequeno engano me salvou. Naturalmente, levou-me de

volta a minha casa imediatamente, mas o dano já tinha acontecido. E, como solteiro contumaz que

era, foi ao altar protestando. Mas se adaptou muito bem ao matrimônio. Isso demonstra que os

que parecem menos aptos costumam ser os melhores maridos. Nunca se sabe.

Suas últimas palavras tinham sido especialmente dirigidas à Roslynn, mas esta tratou de

não as levar em conta. Seu trabalho já era bastante árduo para acrescentar em sua lista aos

indesejáveis. Não desejava terminar casando-se com um libertino com a esperança de reformá-lo.

Não gostava de apostar.

Decidida, foi em busca de Lorde Grahame.

CAPÍTULO 8

Essa manhã o clima não podia ser mais perfeito. O número de cavaleiros que passeava por

Hyde Park quase o triplo do habitual. Em geral os passeios se faziam à tarde, quando se via toda

classe de carruagens avançando lentamente pelos atalhos de aspecto campestre. As manhãs eram

costumeiramente reservadas para realizar exercício físico, pois quem fazia se via obrigado a parar

em certas ocasiões afim de conversar com conhecidos, tal como ocorria à tarde.

Anthony Malory se resignou a desistir de seu galope habitual através do parque e se

dedicou a trotar. Não porque Reggie não estivesse disposta a segui-lo, mas duvidava que a égua

que ela montava pudesse estar à altura de seu poderoso animal e, como ela tinha insistido em

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acompanhá-lo, ele se viu obrigado a seguir seu ritmo.

Depois do que tinha ocorrido na noite anterior, ele tinha suas suspeitas sobre o porque ela

tinha desejado acompanhá-lo e não estava muito disposto a falar da dama. Mas quando Reggie

começou a cavalgar mais lentamente e logo se deteve e fez gestos ao James e Jeremy para que

continuassem, soube que não poderia evitar o assunto. A adorada garota podia ser

perturbadamente insistente quando se propunha a isso.

-Quando lhe disse que desejava cavalgar com você esta manhã, pensei que estaríamos a sós

-disse Regina com certo tom de aborrecimento. - Compreendo que Jeremy queria vir, mas o tio

James? Quase nunca se levanta antes do meio-dia.

Na realidade, Anthony tinha tirado seu irmão e seu sobrinho da cama, insistindo em que o

acompanhassem. Mas a artimanha não tinha conseguido fazer Reggie desistir de seu propósito. E

maldito James. Sabia muito bem que o havia convidado para que a conversa se mantivesse em um

terreno impessoal, mas lá ia, depois de sorrir ao Anthony com expressão divertida.

Anthony encolheu os ombros inocentemente. -O que posso dizer? Desde que se converteu

em pai, James mudou muitíssimo seus hábitos. Acaso o trapaceiro com quem se casou não fez o

mesmo?

-Está bem. Por que sempre ataca a Nicholas quando seu próprio comportamento está longe

de ser exemplar? -E foi diretamente ao ponto. - É meio escocesa, sabia?

Ele não se incomodou em perguntar quem; só disse com indiferença: - Ah, sim?

- Costumam ter muito mau gênio.

- Está bem, gatinha. -Ele suspirou. - O que a preocupa para que se considere obrigada a me

advertir?

Ela enrugou a testa e o olhou nos olhos. - Interessa a você, Tony?

- É que estou morto e não sabia?

Ela riu a pesar do que ele disse. -Sim, suponho que foi uma pergunta tola. Naturalmente lhe

interessa; a você e a várias dúzias mais. Suponho que minha próxima pergunta será: O que vai

fazer a respeito?

-Isso, minha menina, não é teu assunto.

Seu tom era afável mas firme e Regina voltou a franzir o cenho. -Sei. Mas acreditei que

devia saber algo a respeito dela, antes de se decidir a persegui-la.

- Vai me contar toda sua história? -perguntou ele secamente.

- Não crie dificuldades, Tony. Veio a Londres para casar-se.

- Já me inteirei dessa terrível noticia através da dama em questão.

- Quer dizer que falou com ela? Quando?

- Se deseja sabê-lo, ontem à noite, no jardim.

Ela conteve o fôlego. - Não...

-Não.

Regina exalou um suspiro, mas só foi um alívio passageiro. Se o fato de saber que Lady

Roslynn estava procurando marido não o desalentava, a pobre mulher estava condenada.

- Talvez não saiba que sua decisão é séria, Tony. Decidiu casar-se antes do fim do mês. Não,

não arqueie as sobrancelhas. Não se trata disso. De fato, considerando a experiência que tem em

relação aos homens, poderia ter dezesseis anos.

- Pois, não acredito nisso.

- Olhe. Não sabe nada a respeito dela e entretanto planeja desbaratar sua vida. A verdade é

que, até agora, viveu muito protegida. Esteve nas terras altas com seu avô desde a morte de seus

pais e, aparentemente, passou estes últimos anos cuidando dele. Por isso não pensou antes no

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casamento. Sabia?

- Nossa conversa foi muito curta, Reggie.

Ela percebeu sua irritação mas prosseguiu. - Seu pai era um conde de certo prestígio. Sabe

que o tio Jason o reprovará.

Anthony a interrompeu no meio da advertência. - Odeio figurar na lista negra de meu

irmão mais velho, mas não lhe devo explicações, gatinha.

- Ainda há mais, Tony. É uma herdeira. Seu avô era enormemente rico e deixou toda sua

fortuna à Roslynn. Essa notícia ainda não se difundiu, mas pode imaginar o que ocorrerá se não

estiver já casada quando se divulgar.

-Todos os patifes de Londres sairão de suas covas para assediá-la -disse Anthony com voz

tensa.

- Exatamente. Mas, felizmente, ela já elaborou uma lista de cavalheiros aceitáveis. Soube

que só lhe falta averiguar o quanto possa a respeito de cada um deles, antes de fazer sua escolha.

Devo perguntar ao Nicholas o que sabe sobre eles.

- Uma vez que está tão inteirada, me diga por que diabos tem tanta pressa.

Oh, definitivamente, estava interessado; o suficiente para não se importar que sua irritação

fosse evidente. Regina se deteve pensar que era algo insólito. Nunca o tinha visto antes tão

perturbado por uma mulher. Tinha tantas para escolher que nenhuma o atraía muito.

Possivelmente deveria reordenar seus próprios pontos de vista a respeito.

Com vacilação, Reggie disse: -Tem algo que ver com uma promessa que Lady Roslynn fez a

seu avô moribundo. Conforme diz sua amiga, Frances Grenfell, provavelmente não se casaria se

não fosse por essa promessa. Quero dizer que não se produz freqüentemente uma situação como a

dela: é uma mulher muito formosa, rica e independente.

Era em realidade uma situação singular, mas Anthony não a levou em conta nesse

momento. O nome Grenfell o inquietou.

- É muito amiga de Frances Grenfell?

A pergunta desconcertou Regina. - Por que?

- Lady Frances foi um dos enganos de juventude de George, mas isto é confidencial,

gatinha.

- Naturalmente - disse ela. Depois acrescentou: - Refere-se ao George, seu melhor amigo,

que sempre me fazia brincadeiras atrevidas? Esse George?

Ele sorriu ao ver sua surpresa. - O mesmo, mas não respondeu a minha pergunta.

- Bem, não acho que tenha importância, mas são amigas íntimas. Conheceram-se na escola e

sempre se mantiveram em contato.

- O que significa que se fazem toda classe de confidências - grunhiu ele.

Maldição. Anthony ainda podia ouvir sua voz rouca que lhe confessava: "Advertiram-me

contra homens como você." Ele tinha pensado que brincava, mas agora sabia de onde provinham

as advertências e como podiam ser condenatórias podiam ser. Não tinha estado brincando

absolutamente. Sempre estaria na defensiva com respeito a ele, recordando o ocorrido com sua

amiga. De repente teve o impulso de bater em George Amherst por sua indiscrição juvenil. A

droga com ele.

Ao ver seu cenho franzido, Regina receiou dizer o que sabia que devia ser dito, mas

ninguém se atreveria a dizer-lhe de modo que ela devia fazê-lo. -Sabe, Tony, a menos que esteja

disposto a dar o grande passo, que assombraria a toda Londres mas encantaria à família, deveria

deixar a esta dama em paz.

De repente, ele se pôs-se a rir. - Por Deus, gatinha, quando se converteu em minha

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consciência?

Ela se ruborizou. - Bom, é endiabramente injusto. Duvido que exista uma mulher que não

possa seduzir se se propõe a isso.

- Exagera minhas habilidades.

-Não brinque -disse ela. - Contemplei você a desdobrar seu encanto, Tony, e é devastador

quando o faz. Mas Roslynn Chadwick me agrada. Deve cumprir uma promessa que é importante

para ela e, por alguma razão, tem um limite de tempo para fazê-lo. Se interferir, criará problemas,

para não falar de sofrimento.

Anthony lhe sorriu carinhosamente. - Se preocupa muito por alguém a quem acaba de

conhecer, Reggie. É uma preocupação um tanto prematura, não acha? Além disso, ela não é

nenhuma idiota insensata. É independente e não deve prestar contas a ninguém. Ela o disse. Não

acha que é bastante grande e amadurecida para defender-se de um libertino como eu se o desejar?

- Essa palavra "deseja" me aterroriza -grunhiu ela e ele voltou a rir.

- Falou com ela durante bastante tempo ontem à noite. Mencionou-me?

Deus. O fato de que formulava semelhante pergunta indicava que levava o assunto muito

seriamente, apesar de tudo que lhe havia dito.

- Foi virtualmente o único assunto do qual falamos, mas isso não é surpreendente já que

quase todos os que estavam ali falavam de você. Na realidade, estou certa de que ouviu alguns

quantos falatórios a respeito de ti antes que eu me aproximasse dela.

- Fez-me ficar bem, gatinha?

- Tratei de fazê-lo, embora ela não me acreditasse. Mas suponho que lhe agradará muito

saber que, embora fingisse indiferença, tinha tanto interesse como você. - O sorriso de Anthony

quase a cegou. - Oh, Deus, não lhe devia dizer isso mas já que o fiz, também devo lhe dizer que,

apesar de seu interesse por você, decidiu conhecer melhor aos cavalheiros que considera aptos

para o matrimônio. Pode ser que a tenha impressionado, mas não conseguiu alterar seus planos.

Regina compreendeu que nada de quanto dissesse o desalentaria, e havia dito todo o

possível. Deveria ter economizado o incômodo. Nunca tinha tratado de interferir em sua vida

sentimental e via que era inútil fazê-lo agora. Ele faria o que desejava muito, tal como o fazia

sempre. Deus era testemunha de que durante anos e anos o tio Jason tinha tratado de frear seu

hedonismo sem êxito. O que a tinha feito pensar que ela teria melhor sorte?

De repente compreendeu que tinha sido uma idiota. Tinha estado tentando mudar as

qualidades de Anthony que mais lhe agradavam. Era um libertino encantador. Exatamente isso e

por essa razão era seu tio favorito. Se deixava tantos corações quebrados a seu passo, era porque

as mulheres não podiam evitar apaixonar-se por ele, embora ele nunca tomava suas aventuras

seriamente. Mas sabia proporcionar prazer e felicidade. Isso era muito valioso.

- Espero que não se zangue comigo por me intrometer no que não me diz respeito. - Sorriu-

lhe com esse sorriso que ele nunca deixava de apreciar.

- Tem um nariz muito bonito.

- Mas muito intrometida neste momento. Lamento-o, Tony, de verdade. Só acreditei que...

não importa. Até agora soube te desembrulhar sem os conselhos de ninguém. Acho que

deveríamos tratar de alcançar a...

Regina não terminou a frase. Viu um magnífico garanhão negro que chamou sua atenção;

caminhava pouco a pouco para seguir o passo do cavalinho que ia a seu lado, mas quando viu

quem montava o formoso animal, grunhiu em silêncio. Que horror. Tinha que ser precisamente

ela.

Observou se Anthony tinha notado a presença de Lady Roslynn. Sim, tinha-a notado. Se

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não tivesse atraído sua atenção o esplêndido cavalo, teria visto de qualquer modo à amazona, com

seu conjunto de montar de cor verde e seus cabelos radiantes. Mas era quase embaraçoso

contemplar a expressão de seu rosto.

Deus, nunca o tinha visto olhar assim a uma mulher, apesar de que o ter visto frente a

dúzias de suas amadas. Na noite anterior tinha olhado para ela fixamente, seduzindo-a com o

olhar. Isto era diferente. Era o olhar que Nicholas podia dirigir a Regina: uma mescla de paixão e

ternura.

Bem, estava claro. Sentiu-se como uma estúpida ao ter tratado de advertir Anthony. Era

óbvio que estava acontecendo algo especial. E não seria maravilhoso que desse resultado?

Os pensamentos de Regina mudaram por completo. Agora se perguntava como poderia

ajudar a esses dois a reunir-se. Anthony tinha suas próprias idéias.

- Reggie, poderia se retardar enquanto lhe apresento meus respeitos? - Mas o

olhar dela respondeu: - "Nem sonhe." Ele suspirou. - Imaginava. Bem, venha comigo então. Acho

que deve me acompanhar.

Sem aguardar Regina, Anthony se dirigiu para interceptar Roslynn, com a esperança de que

Reggie lhes permitisse estar uns minutos a sós. Mas não poderia ser. O maldito James escolheu

esse preciso momento para retornar e a interceptou antes que Anthony.

Quando Anthony se aproximou deles, ouviu que James dizia: -Encantado de voltar a vê-la,

Lady Chadwick.

Roslynn teve problemas para controlar Brutus, o que lhe causou um intenso aborrecimeto,

pois isto nunca lhe tinha ocorrido antes. Tinha visto Sir Anthony que se aproximava e certamente

por isso se surpreendeu ao ver o loiro desconhecido, que parecia ter saído do nada. Foi pior ainda,

e mais irritante, que ele se inclinasse para aquietar o cavalo, o que punha em evidência que ela era

incapaz de dominá-lo.

Com tom áspero disse: -Conheço-o, senhor?

- Não, mas tive a oportunidade de admirá-la ontem à noite no jardim dos Crandal.

Infelizmente, você fugiu antes de que pudesse me apresentar.

Anthony observou que ela se ruborizava. - Por isso, querido irmão, acho que voltarei a lhe

convidar ao Knighton's Hall.

James não se importou absolutamente. À luz do dia, Roslynn Chadwick era a dama mais

formosa que jamais tinha visto. O fato de que Anthony a tivesse conhecido antes não lhe

importava o mínimo. Tornava um tanto incômoda a situação, mas isso era tudo. Enquanto ela não

expressasse sua preferência, ambos podiam tratar de conquistá-la.

Roslynn olhou fixamente a James. Nunca teria adivinhado que era o irmão de Anthony. E,

depois de tudo o que tinha ouvido dizer dele, compreendia por que lhe consideravam pior que

Anthony. Ambos eram extremamente bonitos, mas enquanto Anthony era um descarado

encantador, o loiro Malory parecia ser muito mais desumano. Destilava perigo. Mas ela não se

atemorizou. Era Anthony que a perturbava e a fazia perder a compostura.

- De modo que você é a ovelha negra do clã Malory? - disse Roslynn. - Que coisas terríveis

tem feito para merecer essa denominação?

- Nada que possa ser provado; asseguro, doce dama. -Depois olhou ao Anthony com um

sorriso desafiante. - O que acontece com suas maneiras, moço? Apresente-nos.

Anthony chiou os dentes. -Meu irmão, James Malory. -Sem mudar o tom de sua voz,

acrescentou: - E o jovem que vem cavalgando para nós é seu filho, Jeremy.

Jeremy se deteve bruscamente, exultante pelo galope violento a que se entregara. Ouviu o

comentário que Roslynn fez ao James. - Seu filho? Como não o adivinhei? - Havia tal ironia em sua

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voz que ninguém duvidou que não acreditava em uma palavra de quanto lhe haviam dito.

Jeremy se pôs-se a rir. James também se divertia. Mas Anthony estava cada vez mais

zangado. Sabia que isso aconteceria, mas, por que devia acontecer pela primeira vez com ela? E

como o jovem ria a gargalhadas, não tentou esclarecer o mal-entendido.

Ao ver-se rodeada pelo Malorys, Roslynn desejou não ter sido tão altiva quando recusou a

companhia do palafreneiro de Timmy essa manhã. Pensou que para dar um simples passeio pelo

parque não necessitaria o amparo de um homem. Jamais o fazia em sua casa. Mas Londres não era

sua casa.

Anthony pareceu adivinhar seus pensamentos.

- Perdeu seu acompanhante?

Timmy, de seis anos de idade, disse: Ros é meu acompanhante e eu sou o dela. Disse que só

necessitávamos de nossa mútua companhia.

- E quem é você?

-L orde Grenfell -disse Timmy, dando-se importância.

Tinha os cabelos loiros e os olhos cinzas de George Amherst. Anthony balbuciou: -

Conheço... conheci muito bem a seu pai. Mas na próxima vez que Lady Ros se ofereça para ser

seu acompanhante, deve lhe dizer...

-Já comprovei que o parque não é tão seguro como tinha suposto, Sir Anthony -disse Ros,

com tom significativo. - Asseguro-lhe que não voltarei a desempenhar esse papel.

-Alegra-me sabê-lo, mas enquanto isso, escoltarei-a até sua casa.

James assinalou: - Detesto recordar-lhe isso irmão, mas tem que se encarregar de alguém.

Eu, em troca, estou disponível para acompanhar à senhorita até sua casa.

- Pois não o fará - espetou-lhe Anthony.

Regina desfrutava do do encontro de certa distância. Mas como aparentemente a situação

se tornava difícil, decidiu intervir.

-Antes de que se batam, acredito prudente lhes indicar que Jeremy também se encontra

disponível e poderá acompanhá-la. A distância era curta, e como eu pensava visitar Lady Frances,

irei com eles, Tony, e aproveito para agradecer sua companhia. - Dirigindo-se à Roslynn, disse: -

Está de acordo?

Roslynn suspirou aliviada, pois não tinha conseguido pensar como recusar cortesmente a

companhia dos irmãos Malory, depois de admitir seu engano ao cavalgar sem acompanhante. -

Completamente, Lady Eden.

-Por favor, querida, me chame Reggie. - Sorriu ao James e acrescentou: - Como me chamam

quase todos.

O comentário pareceu melhorar o humor de Anthony. Agora sorria contemplando Roslynn.

E com que sorriso. Ela precisou fazer um esforço para não voltar a olhá-lo depois que se

despediram. Na noite anterior tinha decidido sabiamente que não seria aconselhável vê-lo

novamente. Este encontro, breve mas desconcertante, só contribuía para reafirmar essa decisão.

Enquanto Anthony contemplava as quatro pessoas que se afastavam, pensou na

possibilidade de dar uma surra em Reggie quando voltasse a vê-la. - Tornou-se muito autoritária

desde que se casou com o Eden.

- Parece-lhe? - riu James. - Possivelmente nunca o percebeu antes, porque não era você a

quem dava ordens.

Irritado pela brincadeira de James, Anthony o olhou com fúria. -E você...

James não lhe deu oportunidade de descarregar sua ira. -Não seja aborrecido, moço. depois

de ver como reagiu com você, comprovei que não tenho muitas probabilidades de conquistá-la. -

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Fez girar seu cavalo e, antes de partir, disse com um sorriso malicioso: - Mas a falta de

probabilidades nunca me deteve.

CAPÍTULO 9

-Não me ajuda absolutamente, Frances - queixou-se Roslynn, e imitando-a acrescentou: -

Veja se a agrada. Que classe de resposta é essa?

Frances parou de repente na calçada cheia de gente da rua Oxford. Nettie se chocou contra

suas costas e dois pacotes caíram de suas mãos; uma chapeleira rodou para a beirada da calçada.

Anne, a criada de Frances, correu para ela antes de que chegasse até a rua. Frances nem sequer o

notou.

-O que lhe acontece, Ros? Se lhe é tão difícil resolver algo tão simples como isto, estremece-

me pensar nos problemas que deverá confrontar quando precisar escolher um marido. Ou desejas

assistir à festa dos Eden ou não o deseja. Sim ou não; não é complicado.

Roslynn fez uma careta. Claro que sim, Frances estava certa. Mas Roslynn não lhe tinha

falado de seu encontro com o Anthony no baile dos Crandal. Tinha tido a intenção de fazê-lo, mas

a conversa que tiveram essa noite ao regressar à casa tinha começado com a pergunta que fez

sobre se o marido de Lady Eden tinha sido um libertino antes de casar-se.

-Foi, sem dúvida.

Tinha-lhe respondido com tanto aborrecimento, que Roslynn só lhe tinha formulado outra

pergunta: - São felizes?

- Nunca vi duas pessoas tão felizes nem tão apaixonadas.

A resposta tinha saido com certa incredulidade, como se Frances não pudesse acreditar que

fosse possível. Mas depois, Roslynn sabia que seu amiga se alteraria muito se se inteirasse de que

ela considerava atraente ao Anthony Malory, de modo que não tinha mencionado isso. Era óbvio

que Frances ainda se aborrecia com os homens como ele.

Mas, independentemente da opinião de sua amiga e embora a compartilhasse, Roslynn

tinha pensado continuamente em Anthony essa noite. Tanto, que Nettie tinha notado isso quando

Roslynn entrou em seu dormitório.

Suas primeiras palavras tinham sido: - Bem, evidentemente já conheceu a seu homem.

Como se chama?

Saindo de seu devaneio, Roslynn tinha afirmado rapidamente que não havia só um, a não

ser quatro e imediatamente começou a falar de quanto sabia a respeito deles até esse momento, o

que não era muito, mas que a ajudou a conformar à Nettie. Agora estava atribuindo muita

importância ao convite eo Lady Eden, quando tinha decidido rapidamente e sem rodeios todos os

anteriores. Realmente, chamava a atenção.

Não era de se assombrar que Frances pensasse que algo lhe acontecia . Mas pelo menos não

podia adivinhar o que era. Por outra parte, Nettie tinha estado observando-a atentamente desde

que voltara do passeio do dia anterior. Roslynn não sabia como, mas se tinha delatado a si mesma.

- Talvez a decisão seja simples para você - disse à Frances com tom defensivo, - mas eu

devo considerar outros aspectos.

- Quais, por exemplo?

- Em primeiro lugar, o tempo. O fato de estar fora da cidade durante três ou quatro dias

demorará...

- Não disse que Regina lhe prometeu convidar também a seus cavalheiros?

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- Isso não significa que irão, Frances. A temporada acaba de começar. escolheu um

momento inoportuno para uma festa de fim de semana no campo.

- Silverley fica no Hampshire; não a vários dias de viagem. E além disso, disse que tinha

prometido falar com seu marido para lhe dar toda a informação que possui sobre seus cavalheiros

assim que chegue lá. Embora só fosse por esse motivo, supus que desejaria ir.

Ah, a lógica; como a refutar? - Como saber se ele conhece algo importante a respeito deles?

Poderia ser uma perda de tempo.

- Nesse caso, poderia retornar a Londres nessa mesma noite.

- E deixar você lá? -disse Roslynn-. Como voltaria?

Frances meneou a cabeça. -Rendo-me. É óbvio que não deseja ir, portanto tampouco irei eu.

Temos outra meia dúzia de convites para este fim de semana, de modo que...

-Não me faça dizer o que não disse. Ainda não disse que não.

-Bem?

Roslynn continuou caminhando e disse a seguinte frase por cima do ombro. -Ainda devo

pensar nisso.

Não devia falar da festa; dessa maneira tinha revelado a ansiedade que lhe provocava.

Quase podia escutar as engrenagens da mente de Nettie. Pelo menos Frances não sabia qual era o

problema. Mas Nettie a conhecia muito bem. E o que diria à Nettie quando fizesse perguntas, pois

era indubitável que as faria? Daria- lhe as mesmas desculpas, apesar de que Frances acabava de

lhe assinalar que não tinha nenhuma?

Diabos. Sentia-se encurralada. A lógica indicava que não havia nada que decidir. Devia ir a

Silverley embora fosse só para receber a informação que Regina teria para ela. Além disso, devia

ter em conta o que passaria se ela não ia e foram seus quatro "possíveis". Estaria em Londres sem

adiantar nada e essa sim seria uma perda de tempo.

Por outra parte, existia a possibilidade de que Anthony Malory fosse a Silverley e Roslynn

não queria correr o risco de vê-lo novamente. Era muito tentador. Sua reação tola e infantil do dia

anterior no parque, a plena luz do dia e até rodeada por outras pessoas, tinha demonstrado isso.

Devia ser mais explícita e devia perguntar à Lady Eden se o Malory que ela não desejava

voltar a ver estaria lá. Mas não tinha querido ficar em evidência. Despreocupadamente, tinha

perguntado se haveria algum Malory e Regina lhe tinha respondido com evasivas. - Nunca sei

quando um ou mais deles virão. Sabem que sempre são bem-vindos.

Esse tinha sido o resultado de sua reticência. Isso acontecia por fingir uma indiferença que

não sentia. Agora se via ante a alternativa de atrasar seus planos durante vários dias ou de

encontrar-se novamente com esse libertino.

Na realidade, só devia tomar uma decisão e era melhor não enganar-se a respeito. Devia

evitar outro encontro com Anthony Malory a qualquer preço. Devia atrasar seus planos.

- Hei-nos aqui, Ros. Dickens e Smith será a última loja que visito hoje - anunciou Frances.

Depois a repreendeu. - Não é divertido sair às compras com você. Pelo menos, pôde entrar na loja,

embora não deseje comprar nada.

Roslynn nem sequer pôde sorrir para que Frances não se zangasse; estava muito deprimida.

- Faria isso se não tivesse escolhido um dia tão quente. Entrar na perfumaria e na loja de lingerie

foi suficiente para mim, obrigado. Não sei como pôde suportar ir a chapelaria e a loja de seda, mas

suponho que está habituada. Mas esquece que o clima da Escócia é mais frio. Nestas lojas faz

muito calor. Pelo menos na rua corre uma leve brisa, embora apenas se note. Vê. Aguardarei você

aqui com o Nettie.

Quando a porta da tapeçaria se fechou detrás de Frances e Anne, Nettie reagiu no ato. -

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Agora, me diga menina...

- Oh, Nettie, não me importune agora -disse Roslynn, interrompendo-a. - Não estou com

humor para explicações.

Mas Nettie insistiu. - Não poderá me negar que esteve agindo de uma maneira muito

peculiar.

- Justifica-se, considerando onde estamos e tendo em conta que devo pensar em muitas

coisas -disse Roslynn, na defensiva. - Acha que isto de procurar marido é tarefa simples?

Demônios. Há momentos em que nem posso pensar.

Isso provocou a compaixão de Nettie. -Bom, pequena; tudo terá passado antes que...

- Shh -interrompeu-a Roslynn, franzindo o cenho. - Ali está de novo, Nettie. Percebeu?

- O que?

- Que alguém nos vigia.

Nettie a olhou com desconfiança, sem saber se Roslynn estava simplesmente tratando de

mudar de assunto ou se falava seriamente. Mas a jovem observava um lado e outro da rua com

grande ansiedade.

- Se alguém nos vigia, não será a nós, mas sim a você. Um admirador, sem dúvida.

Roslynn olhou para Nettie com impaciência. -Sei como se sente alguém quando a olham

dessa maneira e isto é diferente. Estive percebendo isso desde que aguardamos Frances em frente

da loja de chapéus. Tratei de ignorá-lo, mas a sensação persiste.

- Bem; então não há dúvida de que se trata de um ladrão. Não me surpreenderia; Usa

muitas jóias. Segure a sua bolsa, menina.

Roslynn suspirou. - Talvez tenha razão. Geordie não poderia me ter achado tão cedo, não?

Mas, de qualquer modo, preferiria aguardar no carro e não aqui na rua. Onde está o condutor?

Nettie ficou nas pontas dos pés. - Está a umas cinco lojas daqui, mas aparentemente está

preso atrás de um carro. Vê-o? Mas podemos caminhar até lá, para que suba no carro. Depois

voltarei para dizer à Lady Frances.

Roslynn não era paranóica, mas nunca tinha experientado antes uma sensação tão estranha.

Talvez sua imaginação a traísse, mas, de qualquer maneira , não tinha por que aguardar ali de pé

quando seu carro estava tão próximo. Olhou uma vez mais a seu redor, mas havia tantos

pedestres na calçada e tantos veículos na rua, que era impossível distinguir a alguém que estivesse

olhando-a fixamente.

Começaram a avançar pela rua, mas logo depois de terem percorrido seis metros, um braço

tomou a cintura de Roslynn por detrás e a levantou no ar. Não gritou, foi quase um alívio

comprovar que suas suspeitas não eram erradas. Estava preparada. Não foi presa do pânico nem

do temor. Simplesmente deixou cair a parte superior de seu corpo por cima do forte braço que a

segurava, levantou a barra de sua saia e tirou de sua bota a adaga.

Enquanto isso, Nettie deu um grito de alarme que se estendeu por toda Londres. Antes que

o indivíduo se movesse jogou-se sobre ele brandindo sua bolsa para a esquerda e para a direita,

golpeando sua orelha e seu nariz. Também empurrou o chapéu de Roslynn para frente,

obstruindo sua visão. Mas conseguiu dar no branco. Não precisou olhar para ferir o braço do

homem.

O indivíduo uivou de dor e a soltou. Roslynn se encontrou de repente sentada na calçada.

Jogou seu chapéu para trás e viu que Nettie continuava correndo atrás do homem, lançando

golpes contra sua cabeça e seus ombros, antes que ele subisse a uma velha carruagem

desconjuntada. O condutor empreendeu velozmente a marcha, instigando cruelmente os cavalos.

Roslynn se estremeceu ao comprovar que a carruagem tinha estado tão perto dela. Se

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tivesse avançado um pouco mais, teriam jogado ela em seu interior. E tudo tinha ocorrido tão

rapidamente. Havia pessoas a seu redor, mas suas reações eram tão lentas que era óbvio que não

teriam podido ajudá-la. Um dos palafreneiros de sua carruagem correu para ela, quando já era

muito tarde.

Nettie voltou, e puxou para baixo sua jaqueta que tinha se torcido durante a luta com o

salteador de caminhos. Um sorriso triunfal se desenhava em seus lábios. Nem sequer o espetáculo

de Roslynn estendida na calçada pôde diminuir sua sensação vitoriosa... até que viu a adaga que

Roslynn ainda segurava na mão. Mas, mesmo assim, tinha sido ela quem fizera fugir ao atacante,

embora Roslynn se assegurara de que não a levasse consigo. Tinham triunfado e isso a enchia de

orgulho.

Também Roslynn estava muito contente, apesar da dor de suas nádegas. O avô teria estado

orgulhoso dela por ter conservado a calma e ter feito o necessário sem vacilar. Tinha ferido com

uma arma pela primeira vez, mas não experimentava escrúpulos por isso. Em troca, sentia-se mais

segura ao saber que podia cuidar de si mesma. Mas era indubitável que tinha estado preparada.

Talvez nem sempre contaria com essa advertência intuitiva que a tinha alertado a tempo. E

também teria sido diferente se tivesse havido mais de um homem para seqüestrá-la. Não se

atrevia a alardear desse êxito.

Roslynn aceitou a ajuda do palafreneiro para ficar de pé e logo, com calma, guardou a

adaga em sua bota, antes de sacudir o pó de sua saia. Nettie fez retroceder à multidão com uma

breve referência à ineficácia da preocupação tardia. Zangada, recolheu os pacotes que tinham

caído ao chão, depositou-os em mãos do palafreneiro e tomou Roslynn pelo braço, virtualmente

arrastando-a até a carruagem.

- Devia ter em conta sua advertência, menina. Da próxima vez o farei.

- Então pensa que eram assalariados de Geordie?

Nettie refletiu durante um instante. - Pode ser, mas duvido.

- Quem se não?

- Olhe-se; parece um farol com essas safiras ao redor do pescoço. Puderiam pensar que era a

esposa de um lorde rico que pagaria um bom preço para recuperar você.

- É provável. - Ambas guardaram silêncio. Logo, inesperadamente, Roslynn acrescentou: -

Acho que vou à festa dos Eden. Não é má idéia me afastar de Londres durante uns dias, para me

encontrar a salvo. Se Geordie se encontrar aqui, me vigiando, pensará que estou fugindo

novamente. Até então, farei que os criados de Frances me acompanhem cada vez que saia.

- Bem; estou de acordo. Deve ser mais cautelosa do que foi até agora.

CAPÍTULO 10

Tinha sido simples fugir de Londres montada sobre Brutus, flanqueada por dois robustos

palafreneiros. Nesta ocasião, Roslynn não se deu ao trabalho de disfarçar-se. Se a casa da cidade

estava vigiada, desejava que Geordie se inteirasse de sua partida e visse a pesada mala com roupa

que levava, para que pensasse que partia de Londres.

Não obstante, o subterfúgio pareceu desnecessário quando se achavam a vários

quilômetros de distância e, aparentemente, ninguém os seguia. O sol radiante lhes oferecia muito

boa iluminação para a vigilância, mas os caminhos estavam cheios de granjeiros que levavam seus

produtos ao mercado e de viajantes que foram passar o fim de semana em Londres. Só se viu

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partir de Londres uma importante carruagem e Roslynn a deixou tão atrás que não se importou se

a seguiam ou não.

Tomou o café da manhã em uma estalagem enquanto aguardava a chegada de Frances e

quando esta chegou, não trouxe consigo notícias que despertassem suspeitas, de modo que

Roslynn viajou tranqüila durante o resto do caminho no carro dos Grenfell, rumo ao Hampshire.

Quando tinham feito a metade do percurso, substituiu uma preocupação por outra, mas pouco

podia fazer a respeito, exceto esperar que seus temores fossem infundados. Tinha a seu favor a

circunstância de que um homem como Sir Anthony não abandonaria o bulício de Londres por

uma pequena reunião campestre, e Lady Eden lhe havia dito que essa festa, planejada com meses

de antecedência, contaria com a assistência de seus vizinhos que, como ela, eram aficionados à

vida campestre e geralmente evitavam a vida de Londres durante a temporada.

Chegaram à tarde e foram os primeiros a chegar. Eram poucos os que planejavam passar ali

a noite, já que a maioria vivia nas redondezas. Frances dormiu durante o resto da tarde. Roslynn

disse que faria o mesmo, mas quando se achou a sós no aposento que lhe atribuíram, instalou-se

em frente da janela que dava para a frente da casa e olhou ansiosamente para o caminho.

Estudava cada carruagem que chegava e cada passageiro masculino que descia. Inclusive

observou atentamente as idas e vindas dos criados, para assegurar-se de esquadrinhar a todos os

homens que apareciam.

Quando Nettie entrou muito mais tarde para ajudar a sua ama a preparar-se para a noite,

teve que suportar pacientemente o nervosismo de Roslynn e suas constantes viagens à janela, cada

vez que ouvia chegar a um novo convidado. Levou meia hora para completar seu penteado.

- A quem busca tão afanosamente? -perguntou finalmente Nettie quando Roslynn voltou a

sentar-se em frente da penteadeira.

- A meus cavalheiros, naturalmente - respondeu Roslynn. - Até agora só chegou Sir

Artemus Shadwell.

- Se os outros devem chegar, chegarão. O fato de que os vigie não mudará a situação.

- Pode ser que seja assim -admitiu Roslynn, pois sua resposta tinha sido uma

mentira.

A verdade era que, desde que conheceu Anthony Malory, tinha pensado muito pouco em

seus quatro "possíveis". Isso devia mudar.

Felizmente, para sua tranqüilidade de espírito, o último ruído que a fez ir para a janela foi

aparentemente o último carro em chegar. Nettie conseguiu ajudá-la a colocar o vestido de seda de

cor azul pálida que tinha escolhido para essa noite, complementado com as safiras dos Cameron

ao redor de seu pescoço e seus delicados pulsos. Roslynn se distendeu um pouco.

Quando Frances se reuniu com ela para ir ao andar terreo, Roslynn estava muito tranqüila.

Ele não viria. Roslynn ignorou o pingo de decepção que essa certeza lhe produziu.

Lady Eden as recebeu ao pé da grande escada que partia do grande vestíbulo de entrada e

se dividia no centro. Uma das seções se dirigia para o frente da casa, onde se achavam os

aposentos de hóspedes; a outra, para a parte posterior da casa, onde estavam os dormitórios

principais. Um corredor bordeado por um corrimão rodeava o vestíbulo do andar superior,

permitindo a visão do andar terreo. Um grande lustre de luzes pendia do centro do teto

abobadado e lançava seus brilhos sobre o chão de mármore branco.

Roslynn estava ansiosa por percorrer o resto da casa e Regina não a decepcionou, dizendo

que seus convidados podiam aguardar. Contribuiu a tranqüilizar mais ainda Roslynn com sua

amena conversação e suas maneiras encantadoras, enquanto percorriam os aposentos.

Silverley era uma enorme casa campestre, semelhante a um castelo, com sua parte central e

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suas esquinas adornadas, mas seu interior não era absolutamente medieval, exceto talvez nas

antigas tapeçarias que adornavam muitas de suas paredes. Estava mobiliada com bom gosto, com

móveis pertencentes a distintos períodos: Rainha Ana e Chippendale em uma sala, usou Sheraton

em outra, uma combinação de estilos em uma terceira, que incluía várias peças curiosas de uso

provenzal francês. Roslynn teve a impressão de que se tratava de um lar, não de uma casa para ser

exibida, embora pudesse sê-lo perfeitamente.

A visita guiada concluiu na parte posterior da casa, onde se tinham reunido os convidados.

De pé no pequeno hall, que tinha janelas de vitrais que iam do chão até o teto, podiam vislumbrar

a sala de estar à esquerda e, mais à frente, a sala de música. À direita se via um grande comilão e

depois uma linda estufa. Roslynn decidiu visitá-la mais tarde com atenção. Mas nesse momento

Regina estava ocupada fazendo apresentações, antes que os numerosos convidados que

perambulavam pelos distintos quartos, que davam ao parque da parte posterior da casa,

passassem à sala de estar.

-Tenho um vizinho que lhe agradará conhecer - disse Regina à Roslynn quando finalmente

a acompanhou, junto com Frances, à sala de estar. - Nem todos partem para Londres durante a

temporada. Eu tampouco teria partido se não tivesse prometido, mas me alegra tê-lo feito, pois me

deu a oportunidade de conhecer você. E não se preocupe, pois mais tarde falaremos sobre o que

Nicholas me disse a respeito dos cavalheiros que lhe interessam.

-Só vi ao Sir Artemus, Ros - disse Frances, inquieta, sabendo que Roslynn tinha estado

ansiosa sobre o fato de que seus "possíveis" viessem à reunião ou não.

-Assim é - disse Regina. - Mas poderiam chegar amanhã. Os quatro aceitaram meu convite.

Mas, enquanto isso, deve conhecer lorde Warton. Nicholas está muito ciumento dele. O certo é

que algumas vezes me pergunto o que teria acontecido se tivesse conhecido primeiro ao Justin

Warton. Seu sorriso travesso dava a entender que não falava a sério.

-Justin não é tão velho como seus outros cavalheiros, Roslynn -prosseguiu dizendo Regina.

- Só tem ao redor de vinte e oito anos, mas é tão agradável. Sei que você gostará. Ama a sua

família e se aborrece de Londres, de modo que não poderia havê-lo conhecido lá. Só vai à cidade

uma vez por ano para levar a sua mãe e a sua irmã a compras, e sempre fora de temporada.

Vejamos, onde está? - De estatura diminuta, Regina se viu obrigada a ficar na ponta dos pés para

poder ver por cima de alguns ombros, mas finalmente sorriu. - Ali, junto ao lareira. Venham

comigo, queridas.

Roslynn avançou dois passos e se deteve abruptamente. Acabava de ver o homem bonito e

corpulento que estava sentado em um sofá de cor creme e dourado junto à lareira, ladeado por

uma jovem loira muito parecida com ele e por uma mulher mais velha, que obviamente eram sua

irmã e sua mãe respectivamente. Mas também tinha visto os dois cavalheiros elegantemente

vestidos que se achavam a escassa distância, de pé frente ao fogo. Eram os irmãos Malory e foi o

moreno quem a olhou nos olhos, fazendo-a vacilar, grunhir baixo e sentir uma estranha

vertigem...

Precisou realizar um enorme esforço para deixar de olhar ao Anthony Malory e continuar

caminhando atrás de sua anfitriã, que não tinha percebido nada. Desejava voltar-se e retirar-se,

antes de cortar a distância que a separava do sofá, a só dois metros de onde se achava ela. Mas era

impossível. portanto, decidiu concentrar-se nos Warton, especialmente no Justin Warton, e dar as

costas aos Malory.

Era simples compreender por que Regina pensava que Justin poderia atrair seu interesse.

Era extremamente atraente, de cabelos loiros, traços definidos e regulares, e uns formosos olhos

azuis, olhos que contemplaram admirativamente Roslynn. Além disso, era o homem mais alto

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que jamais conhecera. Comprovou-o quando ele ficou de pé para beijar a mão dela. Era

corpulento, de ombros largos e músculos firmes. Seu tamanho o teria convertido em um homem

intimidatorio se não fosse por seu sorriso infantil e suas maneiras encantadoras.

Roslynn se sentiu imediatamente muito confortável junto a ele e, durante alguns minutos,

quase esqueceu à pessoa que estava atrás dela... quase. O problema era que podia sentir esses

olhos sensuais que percorriam seu corpo, com o mesmo olhar com que a tinha fixado aquela noite

no baile dos Crandal. Fixado? Não, devorado através do salão, como o faziam agora a poucos

centímetros de distância. Procurava não imaginar o que ele estaria imaginando nesse momento

enquanto a olhava.

A interrupção que provocou a aparição de outra pessoa foi uma distração bem-vinda. -

Aqui estava, meu amor - disse Nicholas Eden, deslizando um braço possessivo ao redor da

pequena cintura de sua mulher. - Por que será que cada vez que saio da sala este grandão tolo

sempre aparece a seu lado?

Nem seus gestos nem o tom de sua voz demonstravam que falava a sério ou em

brincadeira, mas Justin Warton não se ofendeu. Em troca riu, como se estivesse habituado a que

seu anfitrião fizesse essa classe de comentários.

- Se lhe desejasse roubá-la Montieth, saberia - disse Justin, piscando um olho a Regina.

- Não comecem com suas brincadeiras -disse Regina, com tom de suave repreensão -, ou

farão que estas senhoras acreditem que falam a sério. Não é assim -disse a suas convidadas-;

absolutamente. E acrescentou: - Se por acaso não adivinharam, este é meu marido. - Depois

continuou com as apresentações, já que, embora Frances soubesse de sua existência, não o

conhecia pessoalmente.

Roslynn tinha suposto que uma mulher tão formosa como Regina Eden teria um marido

excepcionalmente bonito e o quarto visconde Eden do Montieth o era. Tinha cabelos castanhos

com reflexos dourados e os olhos claros de cor café, que brilhavam com reflexos ambarinos cada

vez que olhava a sua mulher e não era difícil compreender que o tivesse considerado um libertino

até um ano atrás, e que seu comportamento tivesse estado à altura de sua reputação.

Tampouco era difícil comprovar que agora estava completamente domesticado e muito

apaixonado por sua mulher. O assombroso era que fosse tão jovem. Roslynn calculou que devia

ser apenas uns poucos anos mais velho que ela; mas suas atitudes eram as de um homem mais

velho. De fato recordava a Sir Anthony que, de repente, invadiu novamente seus pensamentos.

-Vamos, gatinha, durante quanto tempo pensa nos ignorar? - disse de repente a voz

profunda de Sir Anthony.

-Durante toda a noite, se depender de mim - respondeu Nicholas com tom hostil.

Durante um instante, Roslynn acreditou que Anthony se dirigia a ela. Mas a resposta de

Nicholas, que provocou a cotovelada que Regina lhe deu nas costelas, enfrentou-a com a

realidade.

-Oh, Deus, sempre devo atuar como árbitro? - disse Regina, sem dirigir-se a ninguém em

especial. Logo foi para a lareira e beijou aos irmãos Malory na face. - Como se alguém pudesse

ignorá-los durante muito tempo -acrescentou rindo. - Mas não acredito que seja minha atenção

que desejam com tanta impaciência. Venham comigo e os apresentarei. -Deu-lhes o braço a ambos

e os fez avançar. - Lady Frances, acho que não conhece meus tios, James e Anthony Malory, não é

verdade?

Tios. Tios? "por que essa pequena informação não foi dada a conhecer antes?", perguntou-

se Roslynn, zangada. Ela não teria ido à reunião se tivesse sabido que os Malory eram tão

conhecidos da Regina Eden. Sua sobrinha. Droga.

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Seu desconforto se tornou mais suportável pois o grupo estava formado por quatro

pessoas, os Warton e Frances. Justin se apressou a afastar dali a sua irmã, para que não entrasse

em contato com dois notórios libertinos. Roslynn desejou ter a alguém que cuidasse dela tão

diligentemente; alguém que evitasse que ele estivesse em presença dela. Mas decidiu defender-se

a si mesma. Nem suas palavras nem seus gestos revelaram sua inquietação. Mas Frances não era

tão inescrutável. Apertou os lábios e respondeu com frases curtas, pondo em evidência sua

animosidade pelos dois homens. Poucos minutos depois deu uma desculpa e se dirigiu para outro

grupo de pessoas.

Ela deixou Roslynn em um apuro terrível. Se ela também partisse, sua atitude seria

grosseira. De modo que permaneceu ali, submetendo-se ao minucioso escrutínio dos Malory. E

ambos se dedicaram a examiná-la abertamente, sem rodeios.

James não considerou necessário ignorar o que acabava de ocorrer. - Acho que a jovem está

incomodada, Tony. Não deve ficar Lady Roslynn. Meu irmão e eu somos imunes a essa classe de

reações.

-Pode ser que você o seja -disse Anthony, com olhos brilhantes. - Me agradaria que me

tratasse com um pouco mais de consideração.

Roslynn não teve nenhuma dúvida a respeito da classe de consideração que ele desejava, já

que, quando o disse, olhava-diretamente para ela. Ela não pôde reprimir um sorriso. Ele não podia

aguardar que estivessem a sós para exercer sobre ela sua sedução. Isso era incorrigível.

Também Regina devia pensar o mesmo. - Vamos, Tony, prometeu se comportar bem.

- E estou fazendo -disse ele com toda inocência-. Se fizesse o que desejo, gatinha, provocaria

um escândalo em sua casa.

Roslynn teve a sensação de que falava seriamente, apesar de Regina rir como se ele

estivesse brincando. - Assustará-a, Tony; tome cuidado.

- De maneira nenhuma -objetou Roslynn.

- Olhe, querida -disse James. - Pode ir atender traquilamente a seus convidados. A senhorita

estará perfeitamente segura conosco.

-Oh, jamais o pus em dúvida - disse Regina e, ao afastar-se acrescentou: - Nicholas, não

deixe de vigiá-los.

-De acordo -disse Nicholas, franzindo o cenho.

James riu. - Que falta de confiança.

- Infelizmente justificada -grunhiu Nicholas em voz baixa.

- Acho que ainda não nos perdoou, Tony -disse James.

- Não me inclua, irmão. Só lhe indiquei que se se casasse com Reggie, sua saúde se veria

afetada. Você, em troca, foi responsável por que tivesse que guardar cama durante várias

semanas, para não mencionar o fato de que o trouxe para de rastro da Índia quando demonstrou

sua relutância para o matrimônio...

- Nunca...

Roslynn interrompeu ao Nicholas. - Antes de que esta conversação tome rumos

insuspeitados, será melhor que eu...

Anthony lhe impediu de terminar a frase. - Excelente idéia. Enquanto eles brigam a larga,

você e eu iremos contemplar as flores da estufa.

Sem lhe dar oportunidade de recusar, Anthony a puxou pelo braço e começou a conduzi-la

fora da sala. Ela tratou de afastar-se dele, mas ele não o permitiu.

- Sir Anthony...

- Não se comportará como uma covarde, não é? -disse-lhe ao ouvido.

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Roslynn se irritou ante o desafio. -Simplesmente não desejo sair da sala com você.

- Mas o fará.

Ela se deteve e ele se viu obrigado a arrastá-la ou parar por sua vez. Deteve-se e esboçou

um leve sorriso.

- Direi de outra maneira, querida. Ou a beijo na estufa ou a beijo aqui, e neste mesmo

instante. De qualquer maneira, tomarei você entre meus braços e...

- Isso você acredita - disse Roslynn, antes de perceber que muitas pessoas os observavam. -

Está bem - disse em voz baixa e sibilante. - Agradaria-me ver a estufa, mas não haverá beijos e me

deverá prometer isso antes, canalha.

Ele sorriu confidencialmente. - Vamos então.

Continuou conduzindo-a, detendo-se cada tanto para trocar algumas palavras com pessoas

que conhecia, como se estivessem simplesmente percorrendo as salas. Roslynn lançou um olhar à

Frances, que a contemplou com gesto de desaprovação. Mas Roslynn não se atrevia a tentar de

novo libertar-se dele. Era discutível que Anthony tivesse ousado beijá-la em presença de todos,

mas não podia arriscar-se.

Mas devia ter se assegurado de sua promessa. Quando disse "Vamos então" não lhe

prometeu nada, coisa que corroborou quando entraram na estufa.

- Isto é muito lindo - disse Roslynn, inquieta, enquanto ele deslizava seu braço pela cintura

dela e a guiava pelos atalhos cobertos de plantas.

- Estou de acordo -disse ele, mas a olhava a ela.

Ela desviou o olhar, olhando fixamente as estátuas que se erguiam dos lados do atalho, as

flores, a fonte que se achava no centro do recinto. Mas não podia deixar de pensar na mão que se

apoiava em seu quadril e queimava sua pele através do tecido fino do vestido de cintura alta.

- Deveria... deveria pô-lo a prova, Sir Anthony.

Sua voz era fraca e trêmula e precisou pigarrear para continuar falando. - Foi

diabolicamente injusto que adotasse essa atitude.

- Sei.

- Era necessário ser tão despótico?

Ele se deteve e a fez voltar-se. Estudou atentamente seu rosto. Alarmada, Roslynn percebeu

que estavam em um extremo da estufa, onde os ramos grossos de uma das árvores impediam de

ver a porta. Estavam sozinhos e o som da fonte apagava os ruídos da festa.

-Sim, era necessário -respondeu ele finalmente com voz rouca. - Porque desde que a vi, só

pude pensar nisto.

Roslynn não pôde reunir a força necessária para protestar quando a aproximou dele.

Deslizou a outra mão pelo pescoço dela, levantando seu queixo com o polegar e, durante um

instante fugaz ambos se olharam nos olhos. Depois ela sentiu seus lábios quentes, sedutores, que

oprimiam brandamente os seus e fechou os olhos, aceitando o inevitável. Precisava saber e agora

sabia. E no momento nada importava, exceto seu sabor e o toque de seu corpo contra o dele.

Anthony não a atemorizou com sua paixão, que refreou, apesar de que intimamente tivesse

a sensação de ter um vulcão em seu interior. Não recordava ter desejado algo com tanta

intensidade e tratou de não afligi-la com seus sentimentos; desejava fazer surgir nela o desejo

lentamente, até que o quisesse com a mesma veemência.

Nunca nada lhe tinha exigido um esforço tão grande, devia frear seus impulsos quando seu

corpo desejava possui-la ali, nesse momento. Enlouquecido de desejo, não percebeu as pequenas

coisas que fazia, enterrando seus dedos entre seus cabelos e despenteando-a; deslizando seu

joelho entre os dela. Mas, felizmente para ele, também ela tinha perdido a noção de quanto fazia.

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Essa coxa que roçava sua virilha, unido aos beijos cada vez mais profundos, foram a

perdição de Roslynn. Gradualmente, ele começou a introduzir sua língua na boca dela, abrindo-a

e suscitando nela sensações deliciosas. Finalmente, conseguiu que ela também o explorasse com

sua língua e, quando deslizou entre os lábios dele, não a soltou, sugando-a para o fundo de sua

boca.

Indefesa ante sua experiência, Roslynn foi completamente seduzida, até ficar entregue e

disposta a lhe deixar fazer quanto desejasse. Quando Anthony o percebeu, grunhiu. Frustrado,

compreendeu que tinha escolhido erroneamente o lugar. Nunca imaginou que alcançaria o êxito

tão rapidamente.

Deslizando seus lábios até o ouvido dela, disse: - Vá a seu quarto, querida. Seguirei-a.

Hipnotizada e aturdida, ela não pôde relacionar uma idéia com outra.

- Ao meu quarto?

Ele desejava sacudi-la. Não era o momento indicado para confusões. Puxou-a pelos ombros.

-Olhe-me, Roslynn -disse ele com urgência. - Não podemos permanecer aqui. Compreende-

o? Não é lugar privado.

Ela franziu o cenho. - E para que necessitamos que o seja?

Maldição. Estaria Regina certa? Seria Roslynn tão inocente na sua idade? A idéia lhe

produziu desgosto e prazer ao mesmo tempo. Se fosse assim, arriscaria-se a perder o que tinha

obtido se a fizesse reagir. Mas intimamente, sua veia terna, até então adormecida, desejou que

fosse assim.

Anthony suspirou e se armou de paciência. - Faremos amor; você e eu. É a conseqüência

lógica do que estivemos fazendo. E, dado que ambos o desejamos, devemos achar um lugar onde

não nos incomodem. Deve compreender que seu quarto é o lugar indicado.

Roslynn começou a menear a cabeça antes de que ele concluísse a frase. - Oh, o que fez?

Não devia me beijar. Havia lhe dito isso.

Seu sotaque escocês o excitou mais ainda e voltou a apertá-la contra seu peito. - É muito

tarde para mentiras, querida; já fraquejou em tudo, menos em uma coisa. Agora se comporte como

uma menina boa e faz o que lhe digo ou a possuirei aqui mesmo, juro-o, e que o diabo nos leve se

alguém nos ver.

Se ele procurou com isso amedrontá-la, não o conseguiu. Ela esteve a ponto de rir ante seus

embates, mas pensou que não lhe causaria graça. O sentido bom senso dizia que ele não faria nada

que pudesse causar a sua sobrinha uma situação incômoda. Devia percebê-lo antes de ir à estufa

com ele.

-Não lhe servirá de nada essa atitude descarada, amigo.

Nesse momento, Anthony não estava seguro de que se comportara com descaramento. Mas

o fato de que ela o assinalasse lhe fez reagir, embora não acalmasse por completo seus ardores.

Tinha arruinado a oportunidade. Ela tinha todo o direito de zangar-se.

Anthony sorriu com seu sorriso devastador. - Se não pode ser agora, irei a seu dormitório

mais tarde.

Ela se afastou bruscamente dele e meneou enfaticamente a cabeça. -Não passará da porta,

asseguro-lhe.

- Não jogue a chave.

- Tampouco farei tal coisa.

- A janela então.

Os olhos castanhos dela lançaram brilhos de fúria. - Deverei sufocar dentro do quarto,

fechando todas as janelas? por que não pode aceitar uma negativa? Acaso não falei claramente?

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-Não é a resposta correta, querida, e até que o seja, não esperará que desista, não é? Devo

pensar em minha reputação.

Ela riu, aliviando um tanto a tensão. Deus, ele era incorrigível, completamente imoral, mas,

ai, tão tentador. Nunca tinha conhecido a um homem tão atraente sexualmente, tão forte e

poderoso que ela se sentia atraída por ele mesmo em seus momentos mais lúcidos, sabendo muito

bem que não era homem para ela. Mas, falasse ele a sério ou não, ela só poderia superar a situação

em que se achava desde que não o levasse a sério.

Controlando novamente a situação e repreendendo-o com o olhar, Roslynn disse: -

Precisamente pensava em sua reputação, Sir Anthony.

- Então devo tratar de afugentar outra vez esses pensamentos.

- Não.

Ele foi até ela e Roslynn conteve o fôlego. Antes de que pudesse reagir, estava sentada sobre

o corrimão e lhe sorria. Ela tinha pensado que ele trataria de beijá-la outra vez. Isto não era

engraçado. Atrás dela havia uma altura perto de dois metros e meio. Seus pés pendiam no ar e, se

perdesse o equilíbrio, só poderia agarrar-se... a ele.

Franzindo o cenho, tentou saltar, mas Anthony se aproximou dela e levantou sua saia.

aproximou-se ainda mais, obrigando-a a separar as pernas; logo aproximou seu peito ao dela,

empurrando-a para trás...

- Agarre-se a mim ou cairá. - Sua voz lhe chegou através do pânico que experimentava.

Agarrou-se a ele, porque não podia fazer outra coisa. Mas ele não se endireitou para que ela

recuperasse o equilíbrio. Deixou que permanecesse pendendo pela metade por cima do corrimão;

sua única tabua de salvação era o corpo dele.

- Será melhor que rodeie meu pescoço com seus braços, querida. - Com um braço, apertou o

estômago e o peito de Roslynn contra o corpo dele. - Agora, segure com firmeza, porque a soltarei.

- Não, não o faça...

- Shh, querida. -Sua respiração roçou o ouvido de Roslynn, fazendo-a estremecer. -Se não

quer ceder, pelo menos me conceda isto. Preciso tocar você.

Ela conteve o fôlego ao sentir a mão dele sobre seu joelho que avançava lentamente para

sua coxa. - Basta. É um maldito... - E depois, com voz rouca, murmurou: - Anthony.

Ele estremeceu ao ouvir como pronunciava seu nome. Mas, antes de que pudesse dizer algo

mais, suas mãos chegaram até os quadris dela e apertaram suas nádegas com força.

Roslynn gemeu brandamente, jogou a cabeça para trás. Seus braços e pernas caíam

frouxamente dos seus lados. Ele teve a sensação de que pôdia tê-la penetrado. Seus lábios beijaram

seu pescoço e, compreensivamente , Roslynn esqueceu sua posição precária.

-Suponho que não me agradecerá a intromissão Tony, mas Lady Grenfell está procurando à

pequena escocesa e é provável que venha aqui a qualquer momento.

Anthony lançou uma maldição e olhou ao James, que se achava a escassa distância deles,

olhando discretamente para a fonte. Tomou Roslynn pelos quadris e a levantou; durante um

instante a segurou nessa posição, desfrutando de sua proximidade. As pernas dela estavam

virtualmente presas a sua cintura. Transida de paixão, tinha os lábios abertos, os olhos fechados e

o rosto aceso. Anthony duvidou que tivesse ouvido a James.

- Oh, Deus - disse, deixando que se deslizasse até o chão, irritantemente frustrado. -

Deveremos continuar em outro momento, querida.

Ela retrocedeu; suas pernas estavam debilitadas e durante vários instantes ele viu como

seus olhos recuperavam lentamente a visão normal. Finalmente os abriu por completo e logo os

entrecerrou bruscamente. Fascinado, Anthony nem sequer viu a mão que ela levantou, mas sentiu

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a sonora bofetada sobre sua face.

- Não haverá outro momento para o que desejas - disse ela em voz baixa, mas com uma

energia que demonstrou que estava furiosa. - Não conheço suas regras, mas evidentemente não

joga limpo, de modo que se afaste de mim.

Ela se voltou e seguiu na direção em que tinham estado caminhando. Anthony não

procurou segui-la. Apoiou-se sobre o corrimão, tocando sua face e contemplando-a até que

desapareceu.

- Perguntava-me quando sairia a brilhar o caráter dessa escocesa. - Sorriu ao James, que se

aproximou dele.

-Diria que não foi muito severa.

O sorriso de Anthony se alargou. -Nem sequer se deu conta de que estava aqui.

- Alardeia, irmãozinho?

- Só estou muito contente, velho.

- Bem, agora que conseguiu enfurecê-la, imagino que não se oporá a que eu faça uma

tentativa.

O bom humor de Anthony se desvaneceu imediatamente. - Mantenha-se afastado dela,

James.

James arqueou uma sobrancelha. - Assim estamos possessivos? Mas entendi que lhe

ordenou manter-se longe dela. E, depois de tudo, querido irmão, ainda não a conquistaste.

CAPÍTULO 11

A companhia de Justin Warton lhe foi tão agradável, que a irritação de Roslynn se dissipou

muito rapidamente; mais rapidamente do que esperava, considerando a fúria de que tinha sido

presa. Fúria que aumentara quando Frances a viu sair da estufa e a levou velozmente para o

andar superior para retocar seu penteado. Esse homem horrível a tinha deixado em um estado tal,

que parecia ter sido manipulada, o que era certo e lhe valeu a merecida reprimenda de Frances.

Sabia que tinha agido como uma idiota; sabia que tinha passado um enorme risco. Não era

necessário que o dissessem com tanta severidade. Mas sabia que a irritação de Frances nascia do

amor e da preocupação. Roslynn se enfureceu ainda mais, por ter perturbado Frances e por não ter

reagido como devia.

Depois de uma longa arenga a respeito da sórdida reputação de Anthony, Frances concluiu

dizendo: - Não deve voltar a estar a sós com ele, Ros, sobre tudo tendo em conta que lhe atrai

tanto.

- Não disse isso, Frances.

- Não é necessário. Compreendi-o quando Regina apresentou você a Anthony. E vi como a

olhava. Que a beijasse na estufa não teria importância, mas sabe que não se limitaria a isso se

tivesse estado em um lugar mais privado.

Roslynn não lhe disse que tinha sido algo mais que um beijo, nem que não estava segura de

que as coisas não teriam tomado outro rumo se Anthony não tivesse reagido sensatamente e a

tivesse libertado. Não tinha sido ela que reagiu; nem sequer o tinha tentado.

Deveria me dizer que o tinha conhecido no baile dos Crandal -disse Frances, mortificada. -

Teria podido advertir você com tempo, pois é óbvio que a considera sua próxima conquista.

- Frances, Frances, não precisava me advertir. Ouvi falar dele no baile. Sabia que é um

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libertino desprezível.

- E ainda assim, permitiu que a convencesse.

- Disse-lhe já que me enganou - exclamou Roslynn, exasperada. Logo se arrependeu do

tom que tinha empregado. - Lamento-o, mas deve deixar de preocupar-se. Disse-lhe que se afaste

de mim.

Frances franziu os lábios e franziu o sobrecenho. - E acha que respeitará seus desejos?

Homens como ele não aceitam serem rejeitados, Ros. Por algum motivo absurdo, teimam mais

quando a conquista é difícil. E esse, Sir Anthony, é o pior de todos, simplesmente porque é o mais

bonito, o mais perseguido e o solteiro mais contumaz do reino. Jamais se casará, Ros. Nunca se

conformará com uma mulher. Por que teria que fazê-lo quando centenas delas se esforçam por

conquistá-lo?

- Frances, esquece minhas circunstâncias especiais. Não sou uma jovem casadoura mais que

se oferece no mercado matrimonial. Devo alcançar uma meta e nada me impedirá isso. As

conseqüências são muito aborrecidas para mim, para não dizer perigosas, de modo que devo me

casar logo.

Frances suspirou e sorriu a modo de desculpa. - Está certa. Tinha esquecido. Mas, terá

cuidado, não é, Ros? Um homem com a experiência do Malory pode seduzir você antes de que se

dê conta disso. Suponho que devemos agradecer que seu irmão, que é tão inescrupuloso como ele,

não tenha posto seus olhos em você.

Roslynn recordaria mais tarde essas palavras, mas quando retornaram à andar terreo e

Justin Warton as convidou a compartilhar o bufê com ele, ainda estava indignada por sua própria

ingenuidade frente a Anthony Malory e não pensou nem remotamente em seu irmão.

E então Justin a distraiu e ela desfrutou durante um momento da noite. Era um homem

encantador e a olhava com tal admiração, que ela considerou seriamente a possibilidade de

acrescentá-lo a sua lista de candidatos, apesar de ser muito jovem. Pelo menos era mais velho que

ela e não punha nenhum empenho em ocultar seu interesse por ela, o que era gratificante,

especialmente depois de ter tido que ser ela mesma quem ousadamente escolhesse seus outros

candidatos. E ainda era assim, conforme parecia, pois Sir Artemus ainda não tinha se aproximado,

apesar de havê-la visto na reunião.

Infelizmente, Lady Warton irrompeu no grupo quando terminaram de comer e se queixou

de padecer de enxaqueca. Justin se viu obrigado a levá-la a sua casa, mas antes fez Roslynn

prometer que cavalgaria com ele na caçada organizada para a manhã seguinte.

- Bom, essa foi uma conquista fácil -disse Frances quando Justin partiu com sua mãe.

- Acredita? -disse Roslynn sorrindo. - É muito agradável, não?

- E muito honesto. Só ouvi dizer coisas boas sobre ele...

- Frances, não é necessário que destaque suas qualidades. Não sei se notou que Sir Anthony

se partiu. Deixa de preocupar-se.

Frances apertou sua mão. - Está bem. Sei que é capaz de distinguir o bom do mau. E dado

que Lorde Warton se retirou, não deveria conversar com Sir Artemus enquanto tem a

oportunidade de fazê-lo?

-Naturalmente -disse Roslynn, suspirando-. Também preciso achar Lady Eden para que me

dê a informação que me prometeu. Devo reduzir minha lista quanto antes.

Mas Regina Eden estava conversando animadamente com vários de seus vizinhos e

Roslynn não quis interrompê-la, e Sir Artemus estava jogando "whist".

Roslynn se aproximou de uma das janelas abertas para esperar que Regina ficasse livre de

sua ocupação e aspirou a fresca brisa que entrava do jardim. A sala de estar se tornou muito

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quente e desejava sair ao parque mas não se atrevia, sobre tudo porque a última vez que tinha

fugido para um jardim tinha conhecido Sir Anthony. E o fato de que não o tivesse visto desde que

o deixou na estufa não significava que não estivesse em algum lugar da casa.

Pensou em arrastar Frances com ela. Nesse momento se sobressaltou ao perceber que algo

se movia atrás dela.

-Diverte-se, Lady Roslynn?

Ela se voltou cautelosamente ao reconhecer a voz do James Malory, temendo que Anthony

pudesse estar com ele. Mas, aliviada, comprovou que estava sozinho. Seus cabelos estavam um

pouco despenteados; era óbvio que vinha do parque. Mas a tranqüilidade de Roslynn mal durou

uns segundos, pois a maneira como a olhava lhe recordou que este era o irmão ao qual ela

considerava mais perigoso e essa noite nada tinha feito para que ela mudasse de opinião, embora

agora se inclinasse a pensar que Anthony era o mais perigoso, ao menos para ela.

Ela assentiu. -Sim, sua sobrinha me tem feito sentir-me muito confortável, embora deva

reconhecer que me surpreendi ao saber que era sua sobrinha. Suponho que é a filha de algum de

seus irmãos mais velhos.

- De nossa única irmã, Melissa -disse ele, corrigindo-a. - Mas ela morreu quando Regam era

um bebê, de modo que meus irmãos e eu tivemos o prazer de criá-la.

-Roslynn teve a impressão de que os quatro homens jovens tinham tido realmente o prazer

de criar à única filha de sua irmã, e essa sensação convertia a este Malory em particular em um ser

menos perigoso, até que sugeriu: - Deseja dar um passeio até o lago?

Foi inesperado e lhe serviu de advertência. - Não, obrigada.

- Então, pelo parque? Parece que necessita um pouco de ar fresco.

- Na realidade, tenho um pouco de frio e estava pensando em ir procurar um xale.

James riu ante a fraca desculpa. - Minha querida menina, esse brilho de transpiração que há

em sua testa a contradiz. Vamos. Não tem por que me temer. Sou completamente inofensivo.

Quando a puxou pelo cotovelo para escoltá-la até lá fora, Roslynn experimentou a estranha

sensação de que já tinha acontecido antes, mais cedo e que a conduziam novamente ao desastre.

Mas não podia deter James como o tinha feito com Anthony quando tratou de tirar ela da sala.

Logo que deram dois passos já estavam no parque e tudo ocorreu antes de que ela pudesse pensar

em escapar; tampouco lhe deu a oportunidade de que o fizesse. Em lugar de avançar, ele a levou

para um lado da porta e a apoiou contra o muro. Quando ela tratou de protestar, ele cobriu sua

boca com seus lábios.

Fez-o tão rápida e habilmente, que Roslynn não pôde antecipar a armadilha nem sair dela.

Tampouco protestou raivosamente; para fazê-lo, teria chamado a atenção das pessoas que se

achavam no interior da casa, a escassos centímetros de distância e não podia expor-se aos

falatórios. Tratou de empurrá-lo para afastá-lo dela, mas era como estar apanhada entre dois

muros, tal era a força e solidez do torso dele. E desistiu. O temor de ser descoberta fazia pulsar

suas têmporas, mas na realidade o beijo de James Malory era tão similar ao de seu irmão, que era

como se a estivesse beijando Anthony. Mas não era assim, e se aferrou com todo seu ser a essa

idéia.

-Você e seu irmão devem dar-se lições mutuamente -disse Roslynn quando ele levantou a

cabeça.

James riu apesar de sua decepção. -Acha isso, escocezinha? Por que o diz?

Ela se ruborizou intensamente por ter admitido que Anthony a tinha beijado. Na defensiva,

disse: - Essa é sua concepção de ser inofensivo?

- Menti - disse ele com uma falta total de arrependimento.

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- Ah, sim? Agora, me permita passar, Lorde Malory.

Ele se afastou só o suficiente para separar seu corpo do dela, mas não para que pudesse

deslizar-se e sair. - Não se zangue, doce. Não pode culpar a um homem por fazer a tentativa,

embora deva reconhecer que Anthony me tirou vantagem desta vez. É muito injusto que o tenha

conhecido a ele antes que a mim.

- Que tolices está dizendo? -disse ela, embora soubesse. - Se vocês fizeram aposta a meu

respeito...

-Não pense isso, querida menina. É tão somente rivalidade entre irmãos e o fato de que

compartilhamos dos mesmos gostos. - Retirou com o dedo os cachos úmidos que caíam sobre a

testa de Roslynn e, por um instante, Roslynn ficou hipnotizada por esses intensos olhos verdes. - É

incrivelmente formosa, sabe... incrivelmente. E é muito difícil aceitar a derrota. - Abaixou

repentinamente a voz, que se tornou rouca. -Teria podido fazer ferver seu sangue, doce menina.

Está segura de que prefere ao Tony?

Roslynn tratou de reagir mentalmente, lutando contra o feitiço com que ele tratava de

envolvê-la; sem maior esforço, mas com muito êxito. Meu Deus, estes Malory eram devastadores

quando seduziam.

Rigidamente e rogando que ele acreditasse em suas palavras, ela insistiu:

- Nunca disse que preferisse a seu irmão, mas isso tampouco significa que prefira a você. O

fato, Lorde Malory, é que nenhum de vocês dois me interessa. Agora me permita passar ou

prefere que grite pedindo ajuda?

Ele retrocedeu, inclinou levemente a cabeça e sorriu com um sorriso deslumbrante e

sensual. - Não posso permitir tal coisa, querida senhorita. Se descobrirem você aqui a sós comigo,

sua reputação se arruinará.

- O que devia ter em conta antes de me arrastar até aqui - disse ela e desapareceu de sua

vista.

Tal como fizera antes Anthony, ele a viu partir, mas não experimentou a exultante sensação

de êxito que havia sentido seu irmão. Justamente o contrário. Tinha desejado conquistar essa

dama, e sem dúvida podia fazê-lo se se propusesse, mas a reação dela ante o beijo dele só tinha

sido um pálido reflexo da reação que provocou o beijo de Anthony. Não a tinha deixado no

mesmo estado de atordoamento em que a tinha deixado seu irmão. Ela tinha escolhido, embora

ainda não soubesse. Mas se tivesse sido outro e não Tony...

Maldição; ela era adorável. Uma presa interessante. Tinha recuperado seu irônico senso de

humor. Ela tinha conseguido perturbá-lo e agora necessitava urgentemente de uma rameira, o que

significava que devia ir à vila mais próxima ou irritar a Regam seduzindo a uma de suas vizinhas.

De modo que só lhe restava partir embora não o desejasse. Demônios e ao diabo com o amor a

primeira vista.

CAPÍTULO 12

Roslynn se virou na cama, esfregou seus olhos e piscou ao olhar o relógio que estava sobre

o suporte. Maldição. Tinha tido verdadeiros desejos de intervir na caçada dessa manhã. Inclusive

tinha prometido ao Justin que cavalgaria com ele e tinha pensado deslumbrá-lo com seus talentos

eqüestres. Mas a caçada certamente tinha chegado a seu fim. Tinham mencionado a possibilidade

de um almoço campestre à beira do lago e era meio-dia. Maldição, maldição.

Sentou-se na cama, olhando-a com rancor, pois não lhe tinha dado descanso durante a

noite. Nettie tinha tratado de despertá-la. Recordava-o. Mas nada a teria podido tirá-la da cama

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cedo, porque tinha adormecido ao amanhecer. Algo mais que podia render na qualidade de

tributo ao endiabrado Anthony Malory.

E não havia desculpas possíveis. Quando se deitou era pouco mais de meia-noite. Como no

dia anterior havia se levantado cedo para viajar até Silverley e não tinha dormido pela tarde, de

noite tinha estado exausta. E tinha tido que esperar várias horas para superar o aborrecimento que

lhe provocou o irmão de Anthony quando lhe falou de suas preferências masculinas. Inclusive

tinha conversado com a Regina e agora sabia muito mais a respeito de seus "possíveis" que antes,

embora infelizmente, não se tinha produzido nenhuma revelação de importância que a fizesse

reduzir a lista, tal como esperava.

Sir Artemus Shadwell era um jogador contumaz, mas Roslynn já tinha chegado a essa

conclusão por si mesma, e era suficientemente rico para desfrutar desse passatempo. Lorde

Grahame, o distinto conde Dunstanton, tinha enviuvado três vezes. Ao menos, seguia-o tentando.

Lorde David Fleming, o visconde que era também herdeiro de um título de duque, era um solteiro

contumaz e tão discreto em relação a suas aventuras amorosas que seu nome nunca tinha sido

vinculado ao de nenhuma mulher. Recomendável. Mas o honorável Christopher Savage era ainda

um enigma para ela. Os Montieth simplesmente não o conheciam.

Mas seus cavalheiros não eram quem tinham ocupado seus pensamentos durante toda a

noite. Também tinha esquecido a falta de vergonha do James Malory. Era esse vadio de cabelos

negros e acesos olhos azuis o causador de sua insônia. Hora após hora tinha revivido os funestos

momentos que passara com ele na estufa.

Bem, já não voltaria a acontecer; não continuaria esbanjando seu tempo pensando no

descarado de más intenções e não haveria mais demoras. Aproximaria-se a sua tarefa e esperava,

ou melhor, rogava, que o resto de seus cavalheiros aceitáveis e respeitáveis aparecesse nesse dia.

Impaciente para deixar seu quarto, chamou o Nettie, mas antes que esta se fizesse presente,

Roslynn tinha posto um formoso vestido de percal de cor pêssego com mangas curtas e avultadas

e ampla saia. Fez apressar ao Nettie para que a penteasse e Nettie aproveitou para repreendê-la

por ficar dormindo. Mas o coque e os cachos que emolduravam seu rosto ficaram impecáveis.

Roslynn não perdeu nem um minuto contemplando-se no espelho. Tomou seu chapéu de

cetim branco, adornado com plumas de avestruz que combinava com a cor de seus sapatos e uma

sombrinha bordada e saiu rapidamente do quarto, enquanto Nettie se dedicava a ordenar todos os

objetos que tinham ficado espalhados antes de sua chegada. E então, repentinamente, deteve-se,

pois no extremo do corredor que levava aos aposentos de hóspedes, estava Anthony Malory,

indiferentemente enpostado contra o corrimão que dava ao vestíbulo central da casa.

Era intolerável, pois era óbvio que a estava aguardando. Os quadris apoiados contra o

corrimão, os braços cruzados sobre o peito, os tornozelos cruzados também, estava ali a porta do

dormitório de Roslynn sem impedimento algum e, como a estava aguardando nesse lugar, ela não

podia evitá-lo de maneira nenhuma.

Estava informalmente vestido; não levava gravata e tinha desabotoados alguns botões de

sua camisa de cambraia bordada, deixando ver um V bronzeado de seu torso e parte do pêlo que

cobria seu peito. Levava uma jaqueta de cor azul marinho, com importantes ombreiras. Suas

pernas longas e musculosas estavam metidas em calças de montar. Tudo nele demonstrava que

era um amante do ar livre; atlético, um maldito corintio, tão oposto à imagem de libertino, amante

da vida noturna, inclinado aos prazeres sensuais e à dissipação. Fosse o que fosse, era muito

atraente.

Quando parecia que ela tinha decidido não dar um passo mais que a aproximasse dele,

Anthony disse: - Será melhor que saia agora, querida. Estava começando a fantasiar sobre a

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possibilidade de entrar em seu dormitório e achar você na cama...

- Sir Anthony.

- A porta estava sem chave? - brincou ele, mas quando ela o olhou, indignada, ele riu. -Não

me intimide com esses formosos olhos, querida. Não disse a sério. Pode avançar sem temores.

Hoje decidi me comportar muito bem, ser muito formal e enterrar esses instintos perversos que

podem alarmar a você.

-Promete?

Ele sorriu. -Devo fazê-lo?

-Sim.

-Muito bem. Prometo-o sincera e solenemente, até que tenha piedade de mim e me libere de

minha promessa.

O som rouco da risada dela foi uma música para seus ouvidos. - Será liberado dela, Sir

Anthony, quando for muito velho para desejá-lo. Nem um dia antes.

Então ela se encaminhou para onde estava e parou em frente dele, com sua sombrinha

debaixo do braço e seu chapéu pendurado pela mão. Era uma verdadeira visão, com seus lábios

sorridentes, seu pequeno e firme queixo e esses belos olhos com reflexos dourados, que agora

brilhavam, divertidos.

Ele pensou que tinha estado certo ao afastar-se de Silverley a noite anterior. Se tivesse

permanecido ali, teria sucumbido à tentação de vê-la outra vez, quando ela na realidade

necessitava de tempo para tranqüilizar-se. De modo que tinha partido para a aldeia para festejar

seu triunfo. Ela o tinha esbofeteado, mas ele tinha conseguido excitá-la e isso era motivo suficiente

para estar de bom humor e para procurar uma prostituta, já que ela também o tinha excitado.

Anthony poderia rir ante o fracasso de seus planos. Mas o problema era que, quando achou

uma jovem bem predisposta e além disso, bonita, já não a necessitava nem a desejava. Só desejava

a companhia da que tinha deixado em Silverley. Portanto, quando inesperadamente apareceu

James na mesma taverna em que ele se achava, cedeu a jovem e se dedicou a embriagar-se,

enquanto planejava seu próximo estratagema.

Astutamente, a julgar pelo sorriso dela, decidiu mudar temporariamente sua estratégia.

Depois de uma longa conversação com sua sobrinha favorita, urdiu o plano perfeito. Ofereceria à

dama algo que ela não poderia recusar: ajuda para levar a cabo seus planos. Claro que se seus

conselhos dessem como resultado mais impedimentos que ajuda, não deixaria de dormir por

causa disso. As metas dela simplesmente não coincidiam com as dele.

Ela aguardava com tranqüilidade que lhe explicasse por que lhe interceptava o passo. Ah, o

poder de umas poucas palavras. Ela estava tranqüila, a guarda baixa, confiando em sua promessa.

Não podia saber que as paixões dele superavam seu sentido de honra, pelo menos quando tratava

com mulheres.

Separou-se do corrimão e com suaves maneiras e voz impessoal disse: - Lady Roslynn,

conviria me acompanhar para que falemos em particular.

Ela adotou uma vez mais uma atitude cautelosa. - Não vejo por que...

O sorriso dele a desarmou. -Minha querida, falar, nada mais. Se não confiar em mim, como

poderei ajudar você?

Perplexa, ela perguntou: - Me ajudar?

- Naturalmente -respondeu ele. - Essa era minha intenção. Vamos.

A curiosidade impulsionou Roslynn a reprimir seus desejos de formular perguntas e

permitir que ele a conduzisse ao andar terreo e depois à biblioteca. Ela não podia nem sequer

imaginar que classe de ajuda lhe estava oferecendo. A única dificuldade que tinha nesse momento

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era a atração que sentia por ele e sua incapacidade para vislumbrar o que havia detrás da fachada

que seus cavalheiros apresentavam à opinião pública. Seus cavalheiros? Não, ele não podia saber

nada a respeito deles, não é?

Soubesse ou não, Roslynn se ruborizou ante a possibilidade de que assim fosse. Felizmente,

Anthony não o percebeu e a conduziu até um sofá. Logo se dirigiu ao outro extremo da longa

habitação, onde se achavam os licores.

- Conhaque? -perguntou ele por cima do ombro.

- A esta hora?

O tom de incredulidade o fez sorrir para si mesmo.

- Não, naturalmente. Que idiota sou.

Mas ele necessitava, pois pensou que por fim estava a sós com ela e que só bastava fechar as

portas com chave. Mas não a tinha levado até ali para isso e devia ter isso muito presente.

Bebeu seu conhaque e caminhou até o sofá. Ela estava muito decorosamente sentada com as

pernas juntas; a sombrinha e o chapéu sobre seu colo. Estava encolhida em um canto do sofá,

deixando um amplo espaço para que ele se instalasse. Teria sido impróprio que se sentasse junto a

ela, já que era evidente que ela não o desejava. Mas o fez, deixando um espaço mínimo entre

ambos para que ela não fosse presa do pânico.

Mas foi. - Sir Anthony...

- Não acha que poderia começar a me chamar Anthony, ou, melhor ainda, Tony? Além de

tudo, se tiver que ser seu confidente...

- Meu o que?

Ele arqueou uma sobrancelha. - A palavra é muito forte? Será melhor dizer amigo ou

conselheiro? Depois de uma longa conversação que tive esta manhã com minha sobrinha,

compreendi que necessitava muito disso.

- Ela lhe disse isso -exclamou Roslynn com tom acusador. - Maldição. Não tinha direito.

- Oh, mas o fez com a melhor das intenções, querida minha. Desejava me fazer

compreender como seriamente deseja se casar. Aparentemente acredita que tenho más intenções

para com você. Não sei por que.

Ela o olhou, furiosa, mas era impossível continuar zangada depois da tolice que acabava de

dizer. Pôs-se a rir.

- É um patife. Jamais fala a sério?

- Não, se posso evitá-lo. - Ele sorriu.

- Bem, trata de me explicar por que todos vocês estão dispostos a me ajudar em meus

propósitos matrimoniais.

-Simplesmente pensei que quanto antes se case e se aborreça do casamento, mais cedo a

terei em minha cama - disse ele grosseiramente.

Roslynn não teria acreditado em qualquer outra coisa. Mas acreditou nisso.

- Não diria que é uma manobra de muito longo alcance? - brincou ela. - Poderia me

apaixonar pelo meu marido, não acha?

- Deus não o permita - exclamou ele com fingido horror. - Ninguém se se entrega

apaixonadamente nestes tempos, querida minha, exceto os jovens românticos e os velhos caducos.

E você encara isto com muita sensatez para que isso ocorra.

- Admitirei-o por agora, e o que é exatamente o que me oferece?

A odiosa pergunta fez brilhar os olhos de Anthony. - Sua situação é muito semelhante a de

Reggie quando procurava marido. Começou a expor-se depressa quando transcorreu uma

temporada e além disso fez uma viagem ao continente, sem resultado algum. Naturalmente, não

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era sua culpa. Devia achar um homem que fosse aprovado por meus irmãos e por mim.

- Sim, lembro que o mencionou.

- Disse-lhe como resolveu o problema?

- Fez uma transação.

Roslynn se surpreendeu ao ver que ele franzia o cenho ante a resposta. -Ela nada teve que

ver com isso. Trato -se de uma brincadeira tola de Montieth que era uma falta. E não voltaremos a

mencioná-lo, por favor. Mas, antes disso, Reggie contratou a um velho lorde que conhecia todo

mundo e o arrastou com ela a todas partes, inclusive durante sua viagem, para que, com um sinal

que ambos tinham convencionado, indicasse-lhe quais eram os homens dignos de serem levados

em conta.

Roslynn o olhou, indignada. - Espero que não sugira que o leve comigo a toda parte, Sir

Anthony, porque...

Não lhe permitiu continuar. - De maneira nenhuma; além disso, seria desnecessário.

Segundo Reggie, já possui uma lista de indivíduos. E dá a casualidade de que eu os conheço muito

melhor que Montieth, já que a idade deles coincide mais com a minha que com a dele. Três deles

são membros de meu clube; o quarto freqüenta o mesmo ginásio que eu. Só devo lhe fazer uma

pergunta, querida. Por que não leva em conta a alguém que tenha uma idade aproximada da sua?

Roslynn desviou o olhar antes de responder: -É mais provável que um homem mais velho

tenha mais paciência em relação a meus defeitos que um homem jovem.

- Tem defeitos? Nunca os diga.

- Todos têm defeitos -disse ela.

- Um caráter irascível não seria um dos seus, não?

Ela entrecerrou os olhos e ele riu, mas ela prosseguiu. -Um homem mais velho seria mais

estável, já que teria tido suas aventuras amorosas na juventude. Se tiver que ser fiel a meu marido,

exijo que ele também o seja.

- Mas não o será, querida-recordou-lhe ele.

- Se não o for, tampouco exigirei que ele o seja. Mas se o sou, sim. Deixemo-lo assim. O fato

é que foi meu avô quem sugeriu que achasse um homem com muita experiência e a verdade é que

os homens jovens que conheci até agora não me impressionaram muito, exceto um, que incluí em

minha lista.

- Quem?

- Justin Warton.

- Warton! -Anthony se endireitou bruscamente e exclamou: - Mas se é um filhinho da

mamãe.

- Não é necessário ser desdenhoso -respondeu ela secamente.

- Minha querida menina, se só desejar relatórios primários a respeito de seus afortunados

candidatos, não acredito que possa lhe ser muito útil. Todos eles são exteriormente irreprocháveis,

o que é de se esperar tratando-se de cavalheiros de sua condição. Pensei que te interessava

conhecer seus defeitos ocultos.

Ela se comoveu com o comentário. - Naturalmente. Está certo. Lamento-o. E bem, em sua

opinião, qual deles seria melhor marido?

- Não tem preferências por nenhum deles?

- Na realidade, não. Todos são atraentes, de boa aparência, de acordo com o que averigüei a

respeito deles, bastante aptos. Essa foi minha dificuldade. Não sei qual escolher.

Anthony se tranqüilizou; Virou-se para trás e apoiou o braço sobre o espaldar do sofá, atrás

da cabeça dela. Ela não pareceu notá-lo. Estava aguardando sua resposta com impaciência, mas ele

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a evitava deliberadamente.

- Talvez me seria útil saber que atributos prefere -sugeriu ele.

- Um temperamento afável, boas maneiras, sensibilidade, inteligência, paciência e, como lhe

disse antes...

- Encantador. - Seu sorriso era malicioso e enloquecedor. - Morrerá de tédio, querida minha,

e chegaremos a intimidades muito antes do que supunha. -Ela franziu os lábios e lhe lançou um

olhar furioso, que o fez rir. -Dizia?

-Além disso, será necessário assinar um contrato matrimonial -disse ela, tensa-. Meu

marido não poderá ter o controle absoluto de minha pessoa nem de meus bens.

- Foi sua idéia?

- De meu avô. Era um ancião teimoso, de idéias obstinadas. Como me legou sua fortuna,

quis certificar-se de que a conservasse e não fosse parar à mãos de um estranho a quem ele

possivelmente não entregaria. Fez redigir o contrato antes de morrer.

- Se era tão suscetível, por que não arrumou seu casamento?

Ela o olhou pensativamente. - Tínhamos uma união muito especial, Anthony. Não desejava

deixá-lo só enquanto vivesse, e ele nunca me teria obrigado a fazê-lo.

Ele sorriu ao ouvir que ela pronunciava seu nome impensadamente. Demonstrava que ela

se sentia confortável com ele. Inclusive tinha flexionado um joelho enquanto lhe falava, para olhá-

lo de frente. Seria simples deixar cair o braço sobre os ombros dela e atrai-la para ele...

Anthony tratou de reagir mentalmente. - Na realidade, é um ponto discutível. Acredito que

o único que poderia opor-se a esse contrato seria Savage. Não porque cobice sua fortuna. Acredito

que tem muito dinheiro, e não acredito que lhe atribua importância quando se casar. Mas é um

homem a quem não lhe agrada submeter-se a limitações. Mas suponho que se deseja casar-se com

você, não porá objeções.

-Então o recomenda?

-Querida minha, só pode assegurar que, das condições que exige, possui unicamente a

inteligência. Na realidade, nenhum destes indivíduos possui todas as qualidades que busca. Que

mais se aproxima de seu ideal é Warton, mas se se casa com ele, também se casará com sua mãe,

sempre que lhe permita casar-se. Nunca vi uma mulher tão obstinada a seu filho como essa dama.

Roslynn tinha franzido o cenho antes que ele concluísse de falar. - Muito bem; não me

recomende nenhum. Simplesmente, me diga o que sabe dos outros.

- É simples. Comecemos pelo Fleming. Carinhosamente, apelidam-no o visconde

incompetente. Algo incorreto deve fazer, pois não lhe viram duas vezes com a mesma mulher,

mas talvez você seja a exceção. É brando. Alguns dizem que é covarde. Aparentemente, em uma

ocasião foi desafiado a duelo por um jovem e não aceitou. Nunca soube por que. Demonstrou

interesse por você?

Na realidade, não tinha demonstrado, mas não era essa a questão. -O próximo?

Anthony riu ao ver que ela evitava a resposta a sua pergunta. Ainda não era necessário lhe

dizer que o jovem Fleming demonstrava mais interesse pelos homens que pelas mulheres. Se ela

conseguisse casar-se com ele, coisa que duvidava, ela muito em breve procuraria um amante.

- O conde do Dunstanton é um homem simpático; além disso é muito mordaz, pode

destruir a alguém com suas palavras. Mas parece açoitado pela tragédia, pois nos últimos cinco

anos enviuvou três vezes. Poucos sabem, mas a morte de cada uma de suas esposas duplicou sua

fortuna.

- Não está sugerindo que...

- Absolutamente - disse ele, aproveitando a distração dela para aproximar seu joelho ao de

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Roslyn. - É tão somente uma especulação de alguns invejosos que não têm tanta fortuna como ele.

Tinha plantado a semente, embora não fosse certeira. Duas das esposas tinham morrido ao

dar a luz, o que realmente foi uma tragédia. A terceira caiu de uma escarpa. Foi um caso chato,

mas o conde não pôde ser o culpado, a menos que tivesse o poder de desencadear a tormenta que

atemorizou ao cavalo da dama e

provocou sua queda.

- E Sir Artemus?

- É muito aficionado ao jogo, mas todos o somos. -Disse-o piscando um olho. -E teria uma

família já formada. Tem dúzias de meninos...

- Disseram-me que eram somente cinco.

- Cinco são legítimos. Sim, estaria muito ocupada e Shadwell não te ajudaria muito, já que

tende a esquecer que é pai. Planeja ter filhos próprios?

Ela se ruborizou e as boas intenções do Anthony se diluíram. Tomou o pescoço de Roslynn

com suas mãos e, sem mover-se, atraiu-a para seu peito, deixando deslizar seus dedos pelos

cabelos dela para beijá-la.

Mas não conseguiu. Ela o empurrou com tal força e rapidez que ele, surpreso, soltou-a.

- Prometeu.

Ele se ergueu, puxando os cabelos com uma mescla de impaciência e mortificação, mas sua

voz se manteve serena. - Por favor lembre-se, minha querida, que este papel de confidente é novo

para mim e levará tempo para me habituar a ele. - Olhando-a de soslaio acrescentou: -Oh, Por

Deus, não me condene por meus atos reflexos. Posso lhe assegurar que não voltará a acontecer.

Ela ficou de pé, tomou sua sombrinha como se fosse uma arma e disse: -Se não tem nada

que adicionar...

"Oh, meu amor, se soubesse que só minha força de vontade a mantém a salvo." - Será

necessário separar os fatos dos rumores. Necessito de uma ou duas semanas...

-Uma semana.

Ele se virou novamente para trás contra o sofá, apoiando-se sobre os braços que estendeu

sobre o espaldar e a olhou languidamente. Era positivo que ainda lhe dirigisse a palavra e estava

disposta a seguir seus conselhos. Isso indicava que não estava tão zangada com ele.

- Arrume seus cabelos, querida, e acompanharei você até o lago.

Ele reprimiu a risada ao escutar seu murmúrio de exasperação ao comprovar que ele a

tinha despenteado uma vez mais. Com dedos impaciente os alisou e depois colocou o chapéu.

Então ele riu abertamente, provocando um olhar furioso dela.

Mas, poucos minutos mais tarde, enquanto caminhavam rumo ao lago, ele desdobrou toda

sua sedução e conseguiu que ela voltasse a sorrir, disposta a perdoar seu deslize. Mas o bom

humor de Roslynn durou pouco. De repente pensou que certamente tinha causado muito má

impressão que ele tinha permanecido na casa quando todos saíram para participar da caçada. O

cenho franzido e a expressão perplexa de Justin a fez reagir.

- Acho que não deveriam nos ver juntos -disse ela ao Anthony quando divisaram a outros

dos cavalheiros de sua lista.

-Estaria de acordo contigo se estivéssemos em outra parte -disse ele. - Aqui sou um parente

da anfitriã e é natural que converse com os convidados.

Subitamente, a despreocupação dele a irritou, pois tanto Lorde Grahame como Lorde

Fleming a tinham visto.

Não podia saber se consideravam impróprio que ela chegasse tarde e pelo braço de Sir

Anthony. Tampouco esquecia a advertência da Regina quando lhe disse que toda dama que

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suscitasse o interesse desse libertino estava exposta a toda classe de falatórios.

De qualquer maneira, o fato de que ele a acompanhasse até o lago depois que ambos

tinham deixado de participar da caçada não a favorecia absolutamente, sobretudo porque os

homens a quem ela cortejava certamente estariam intrigados ante a situação. Anthony devia sabê-

lo. Tinha muito mais experiência que ela nessas questões. Sua irritação estava dirigida

exclusivamente para ele.

- Desejo lhe esclarecer, Anthony, que embora me aborreça com meu marido, isso não

significa que terá que beneficiar você.

Ele pareceu compreender seu comentário e sorriu. Sua resposta provocou a apreensão de

Roslynn. - Pelo contrário. Será minha amante, querida. Se não estivesse absolutamente seguro

disso, não teria aceito ajudar você.

CAPÍTULO 13

- Não, meu Deus, que tudo seja um sonho.

Na realidade era um pesadelo. Despertou-se em um quarto que não era o seu e não

recordava como tinha chegado até ali. Roslynn olhou a seu redor. Pedindo para não estar

acordada, mas sabendo que estava. O papel das paredes estava manchado e descascado. Havia

uma tigela estilhaçada cheia de água e uma barata caminhava pela jarra que estava a seu lado.

Tudo se achava sobre uma mesa de três pernas precariamente instalada em um canto, porque

faltava a quarta. Roslynn se achava sobre uma cama estreita, coberta até a cintura com uma manta

de lã rala. Nada no chão, nem nos muros, nem na janela.

Como era possível? Apertou suas têmporas, tratando desesperadamente de recordar. Tinha

estado doente? Tinha sido vítima de um acidente? Mas só recordava a noite anterior, embora essa

noite pôdia ter sido a de muitos dias atrás.

Não tinha podido dormir, circunstância irritante que se repetia cada vez que via Anthony

Malory. Ela e Frances tinham retornado do campo três dias antes, mas não tinha podido esquecer

os momentos que passara ali junto Anthony, nem seu inesperado oferecimento de ajuda em lugar

de tentar seduzi-la.

E entretanto, apesar de sua promessa de não assediá-la, ao menos até que ela não se casasse,

tinha permanecido todo o dia junto a ela. Tinha-lhe permitido alternar com outros convidados ao

almoço campestre e cortejar a seus outros cavalheiros, mas cada vez que ela o olhava, ele a estava

contemplando, como se a vigiasse constantemente. Essa noite dançou com ela em três

oportunidades e com ninguém mais; nem sequer com sua sobrinha.

Quando ela compreendeu o que ele tratava de fazer, o dano já estava consumado. Lorde

Grahame, conde do Dunstanton, que a tinha convidado a ir ao teatro quando retornassem a

Londres, desculpou-se, alegando recordar subitamente um compromisso prévio, quando na

realidade era óbvio que estava intimidado pelo interesse aberto que Anthony demonstrava por

ela.

Sim, ontem à noite Roslynn tinha estado insone, furiosa e inquieta, porque nenhum de seus

cavalheiros a tinha visitado desde que chegara a Londres, e não se enganava a si mesmo dizendo-

se que estariam muito ocupados. As atenções aparentemente inocentes de Anthony a tinham

prejudicado.

Se podia recordar todo isso, como era possível que não recordasse como tinha chegado até

esse horrível e sórdido quarto? Anthony não teria ... não, não o teria feito. E duvidava que Frances

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tivesse enlouquecido e tivesse algo que ver com tudo isso. Só restava uma alternativa, a menos

que estivesse muito doente e tudo formasse parte de um delírio, e era muito real para que assim

fosse. Estava em mãos de Geordie. De algum jeito se tinha engenhado para seqüestrar a da casa da

rua South Audley, do Mayfair e lhe era impossível imaginar onde se achava. Era inconcebível,

mas, em que outra coisa podia acreditar?

Mas uma parte dela resistia a admitir que Geordie se saiu com a sua, uma parte dela que

era muito otimista e que esperava achar uma explicação. Quando viu a realidade com seus

próprios olhos, sua surpresa foi autêntica. Também o era o temor que atazanava sua garganta,

ameaçando asfixiá-la e que fazia transpirar as palmas de suas mãos. Geordie Cameron entrou

impassivelmente no quarto, com uma expressão vitoriosa no rosto. E depois de tudo que ela tinha

imaginado que lhe pudesse acontecer se ele conseguisse capturá-la, não era surpreendente que sua

ansiedade e sua angústia fossem tão grandes que só pudesse limitar-se a olhá-lo fixamente.

- Bem, alegra-me comprovar que a senhora Pym estava certa quando disse que finalmente

tinha despertado. Foi muito amável ao permanecer junto a sua porta, aguardando que se movesse

para me avisar. Sabe como estive impaciente, embora naturalmente, o dinheiro que lhe dava

estimulou sua diligência. Mas não ache que prestará atenção às tolices que possa lhe dizer, pois

lhe contei uma interessante historia. Disse-lhe que resgatei você para a reintegrar a sua família.

Não acreditará uma palavra do que diga se contradisser minha versão.

Depois disso sorriu e Roslynn recordou por que nunca tinha podido tolerar a esse membro

da família Cameron. Seus sorrisos jamais eram sinceros, mas sim zombeteiros ou depreciativos e

freqüentemente matreiros e seus olhos, que teriam podido parecer bonitos, expressavam só uma

maldade maliciosa.

Roslynn sempre tinha acreditado que era alto, até que conheceu os Malory, que o eram

muito mais. Da última vez que o vira, seus cabelos de cor cenoura se tornaram duros, mas era

indubitável que não teria tido muito tempo para escová-los desde que começara a correr atrás

dela. Não era obeso, mas seu corpo era um tanto roliço e robusto e sabia que não poderia lutar

contra ele para fugir dali. Mas era bem apessoado como todos os Cameron, pelo menos quando

sua natureza perversa não aparecia atrás de seus traços. Traços que se assemelhavam aos do

Duncan Cameron quando tinha a idade de Geordie, conforme o testemunhava o único retrato que

tinha de seu avô em Cameron Hall.

- Está muito calada -disse Geordie ao ver que ela continuava olhando-o fixamente sem dizer

nada. - Não dá as boas-vindas a seu único primo?

A incongruência da pergunta fez Roslynn reagir e enfurecer. Como se tinha atrevido a fazer

o que ela tanto temia? Naturalmente era porque estava ali em Londres, porque planejava casar-se

sem necessidade de fazê-lo, porque tinha tido uma amizade ridícula com Anthony, aceitando-o

como confidente, quando sabia que na realidade devia evitá-lo. Mas o terrível era estar certa.

Esqueceu seu temor ao pensar em todos os problemas e angústias que esse canalha ambicioso lhe

tinha criado.

- Boas-vindas? -disse ela com desprezo. - A única coisa que desejo saber, primo, é como

conseguiu levá-lo a cabo.

Ele riu com agrado em demonstrar sua habilidade e de que não lhe tivesse perguntado

por que o tinha feito. Que ela soubesse por que estava ali, economizava-lhe o trabalho de explicar-

lhe e de convencer a de que devia colaborar com ele. Não lhe agradava estar na Inglaterra nem

contratar mercenários ingleses; quanto antes retornassem a casa, melhor.

- Foi tão simples, menina; tão simples - alardeou ele. - Soube que trataria de urdir algo

assim logo que o velho foi enterrado, mas não imaginei que viria aqui. Mas fiz vigiar quase todos

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os caminhos, de modo que o único lugar ao qual podia ir sem que eu me inteirasse era a

Inglaterra.

-É muito inteligente para fazer semelhante dedução.

Ele entrecerrou os olhos ante a mofa dela. - Sim, inteligente; o suficiente para ter você onde

desejo.

Roslynn deu um pulo. Ele estava certo. - Mas, como me achou tão depressa, Geordie?

Londres não é uma cidade tão pequena.

- Recordei que tinha uma amiga aqui. Não foi difícil achá-la e portanto, achar a você. Mas

teria encontrado antes se esses malditos idiotas que contratei não tivessem sido tão covardes

porque havia muita gente a seu redor naquele dia na rua Oxford.

De modo que tinha sido obra do Geordie. Mas a referência à quantidade de gente fez

Roslynn rir, risada que se converteu rapidamente em tosse. Podia imaginar a história que esses

malfeitores teriam contado ao Geordie para justificar seu fracasso e evitar sua ira.

- E depois saiu da cidade e pensei que a tinha perdido -continuou dizendo Geordie com a

testa enrugada. - Deu-me muito trabalho e precisei gastar muito dinheiro. Precisei enviar homens

em todas as direções para seguir seu rastro, mas não o deixou, não é verdade? Ninguém chegou

tão longe. Mas retornou por sua própria vontade. -Voltou a sorrir, como indicando que ela tinha

cometido um engano tipicamente feminino. - E depois foi tão somente questão de esperar... e aqui

está.

Sim, ali estava e ainda não sabia como tinha engenhado Geordie para fazê-lo. Mas seu olhar

demonstrava que estava disposto a dizer-lhe inclusive desejando fazê-lo, porque estava muito

contente de que tudo lhe tivesse resultado tão bem e desejava que ela apreciasse sua habilidade. E

bem que a apreciava; como à peste. Esse tinha sido sempre o problema de Geordie. Era muito

inteligente e matreiro, como uma maldita raposa. Durante toda sua vida tinha experimentado

prazer em tramar e forjar as sacanagens e acidentes que tanto lhe agradavam. Por que teria que ser

diferente agora?

Maliciosamente, Roslynn decidiu desalentá-lo em lugar de estimular seu ego com sua

curiosidade. Ao ouvir suas explicações bocejou e disse com gesto fatigado: - E agora, o que,

primo?

Ele ficou boquiaberto. - Não lhe interessa saber como chegou até aqui?

- Importa por acaso -perguntou ela com tom indiferente-. Tal como você disse, o fato é que

estou aqui.

A mortificação foi tão intensa, que Roslynn pensou que seu primo explodiria.

- Direi-lhe isso, pois foi o mais simples mas mais engenhoso de meus planos.

- Adiante - disse ela.

Mas voltou a bocejar e comprovou, com agrado, que ele a olhava furioso. Era tão

transparente, tão mesquinho, egoísta e irascível. Pensou que não era prudente irritá-lo mais. Ela

estava mais tranqüila depois da comoção inicial, mas ele continuava sendo uma ameaça para ela.

E, enquanto não pudesse achar a maneira de fugir dali, no caso de que a houvesse, era melhor

aplacá-lo.

-Foi a criada; uma jovem inteligente que contratei para que se introduzisse na casa.

Simplesmente obtive que uma das criadas habituais não se apresentasse a trabalhar e essa jovem a

substituiu, alegando que tinha ido substitui-la, pois a outra criada estava doente.

Roslynn se irritou. -E o que fez com a pobre jovem que não se apresentou para trabalhar?

-Não te ofusque, prima. - Recuperou o bom humor ao ver que ela voltava a lhe prestar

atenção. - Não lhe fiz mal; só tem um pequeno golpe na cabeça e já enviei a um homem para que a

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liberte, pois já devem ter notado sua ausência de qualquer modo. Mas, como lhe dizia, estando

minha criada na casa e a seu serviço, só precisei aguardar que pedisse algo de comer ou beber

antes de se deitar e ela introduziu um sonífero no que ingeriu.

O leite. O maldito leite morno que tinha pedido na noite anterior, com a esperança de que a

ajudasse a dormir, sem imaginar que dormiria tão profundamente que nem sequer despertaria

quando a seqüestrassem.

Compreende como o fiz, não é? - disse Geordie rindo. - Depois a criada introduziu meus

homens na casa e os ocultou. E tendo completado seu encargo, partiu para sua casa. Então,

quando o resto das criadas foram dormir e a casa se achava em silêncio, meus homens tiraram

você dali e a trouxeram até aqui, sem que despertasse em nenhum momento.

-E quais são seus planos agora? -perguntou ela, tensa e com voz zombadora. -Certamente

terá pensado em algo desprezível.

-Achei um sacerdote a quem persuadi de que não necessitava de seu consentimento para

nos casar. O padre ébrio virá assim que meus homens descubram em que beco se refugiou ontem

à noite. Mas não demorarão, prima. E não tente nada enquanto aguardamos. A senhora Pym

estará alerta junto a sua porta.

Quando viu que partia e ouviu que fazia girar a chave, Roslynn pensou em chamá-lo.

Reconsideraria a situação se soubesse que tanto Nettie como Frances estavam inteiradas de que ela

o detestava e que jamais consentiria em casar-se com ele? Pior se abster de dizer algo, pensando na

cobiça insaciável dele. Se se casava com ela obteria uma fortuna e, se tinha sido capaz de

seqüestrá-la, provavelmente também se atreveria a eliminar a qualquer que se interpusesse em seu

caminho. Tal como estavam as coisas, talvez planejasse prendê-la em algum lugar. Também podia

tramar um "lamentável acidente". Mas certamente não a manteria com vida se soubesse que ela

tinha amigas que denunciariam um casamento entre ambos e, se ela as nomeasse, também

correriam perigo.

Qual era então sua situação? "Contrair matrimônio com esse canalha", respondeu-se a si

mesmo. Demônios, não o faria enquanto pudesse evitá-lo. Mas o pânico começava a apoderar-se

dela. Ele havia dito que as bodas se celebraria logo. Com quanto tempo contava? Possivelmente o

padre ébrio já estava a ponto de chegar. E, onde diabos estava ela?

Olhou para a janela, tirou as mantas e correu para ela. desanimou-se ao ver que estava no

andar superior de um edifício. Por isso Geordie não tinha tomado a precaução de cercá-la. E, se

procurasse gritar pedindo ajuda, a senhora Pym apareceria no ato, e Roslynn seria deixada de

mãos atadas e amordaçada.

Por um momento pensou na possibilidade de raciocinar com a senhora Pym, mas

desprezou a idéia imediatamente. Era provável que a mulher pensar que ela estava demente ou

algo similar. Geordie era ardiloso e planejava muito bem seus estratagemas. Não deixaria nada ao

acaso, sobre tudo se estava em jogo a fortuna que tanto cobiçava.

Roslynn olhou novamente a seu redor, mas a única coisa que poderia lhe servir de arma

seria a jarra de água, e só poderia usá-la uma vez, com a primeira pessoa que entrasse na

habitação. Não tinha segurança alguma de que essa pessoa fosse Geordie, nem que o cântaro o

deixasse inconsciente, nem de que ele estivesse sozinho.

A única probabilidade de fuga era a janela. Dava a uma espécie de atalho, ou melhor a um

beco o suficientemente largo para dar passagem ao tráfico. Mas não havia tráfico. Estava deserto e

envolto em sombras, assim como os edifícios que se levantavam de ambos os lados e impediam a

passagem da luz. Enfiou a cabeça pela janela e em ambos os extremos do beco viu ruas bem

iluminadas, carros que passavam, um menino que corria, um marinheiro que levava pelo braço a

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uma mulher vestida chamativamente. Se gritasse com força possivelmente atrairia a atenção de

alguém. Nenhum dos extremos da rua estava muito afastado. Mas um grito também atrairia a

atenção da senhora Pym.

Roslynn voltou rapidamente para a cama, tomou a manta e, atirando-a pela janela, agitou-a

violentamente até que ficou exausta e com a respiração entrecortada. Nada. Se alguém o notou,

certamente pensou que estava arejando a manta, o que não suscitaria a curiosidade de ninguém.

Então ouviu o ruído do carro. Voltou a cabeça e viu que entrava lentamente no beco; seu

coração se agitou, emocionado. O carro estava cheio de barris e provavelmente usava o beco a

maneira de atalho para chegar à outra rua. O condutor solitário assobiava para estimular a sua

mula e depois lhe falava docemente.

Roslynn deixou cair a manta e começou a agitar os braços. Mas como não fez som algum, o

condutor não a viu. Levava um chapéu de asa longa que obstruía sua visão para cima. quanto

mais se aproximasse, menos probabilidades tinha que a visse e maior era o pânico de Roslynn. Ela

falou e agitou os braços com mais violência para chamar sua atenção, mas foi em vão. Quando

pensou em lhe jogar o cântaro de água, ele já tinha passado. Além disso, o ruído que fazia o carro

ao avançar pelos paralelepípedos tinha impedido que ele ouvisse o som do cântaro ao estalar se

contra o chão, a menos que desse diretamente sobre ele, o que era muito improvável.

Decepcionada, apoiou-se contra o muro junto à janela. Não daria resultado. Embora o

indivíduo a tivesse visto, como lhe explicar sua situação em voz baixa? Ele não teria

compreendido suas palavras e, se ela levantasse a voz, delataria-se ante a senhora Pym.

Demônios, acaso não podia fazer nada? Olhou de novo o jarro de água, mas não tinha

muitas esperanças de que fosse útil. Quando Geordie voltasse a entrar, certamente o faria

acompanhado pelo sacerdote e pelos homens que tinham ido buscá-lo, para oficiar de

testemunhas da ímpia cerimônia.

Roslynn estava tão distraída imaginando seu casamento com o Geordie Cameron, que não

ouviu o segundo veículo que passou pelo beco até que foi quase muito tarde. Quando olhou para

fora o carro carregado com feno estava virtualmente debaixo de sua janela. Esse condutor,

também solitário, amaldiçoava aos pôneis que puxavam o carro, e enfatizava sua ira aparente

brandindo a garrafa de genebra que tinha na mão, bebendo um gole e sacudindo-a continuamente

ao mesmo tempo que voltava a amaldiçoar. Este não a ouviria por causa do ruído que ele mesmo

fazia.

Não tinha alternativa. Talvez não se apresentasse outra oportunidade. Sem se deter para

pensar, pois isso a teria aterrorizado e paralisado, Roslynn subiu ao batente da janela, aguardou

uns segundos até que o carro estivesse diretamente debaixo dela e saltou.

CAPÍTULO 14

Era uma loucura. Essa idéia passou pela mente de Roslynn enquanto caía, caía, os pés em

frente a seus olhos, as mãos aferrando-se instintivamente ao ar, sabendo que morreria.

Amaldiçoou ao Geordie com seu último fôlego, mas ao menos lhe produzia certa satisfação que

ele pensasse que tinha preferido morrer a casar-se com ele, embora não a satisfação suficiente para

que valesse a pena, pois era ela quem morria, enquanto o infame ambicioso possivelmente

conseguisse apresentar um certificado de matrimônio e reclamar a fortuna dela.

Aterrissou sobre suas costas. O golpe lhe fez perder momentaneamente os sentidos. Um

paralelepípedo que faltava fez o carro saltar e voltou a si. Grunhiu, na crença de que tinha

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quebrado pelo menos uma dúzia de ossos. Mas a sacudidela seguinte do carro não lhe produziu

dor alguma. Era incrível que tivesse podido fazer algo tão insensato e sair ilesa. Sem dúvida tinha

sido bem-aventurada, mas os idiotas costumam sê-lo e ela o tinha sido em grau supremo. Pôde ter

quebrado o pescoço e sabia disso. Mas, felizmente, o colchão de feno a tinha salvado. Se o carro

tivesse levado outra carga...

Milagrosamente, o condutor ébrio não percebeu que levava uma passageira. Roslynn supôs

que o impacto de seu corpo contra o carro tinha sido para ele semelhante ao que poderia produzir

um sulco especialmente profundo. Ou era assim, ou o homem era surdo.

Estava literalmente coberta de feno dos pés a cabeça, mas quando olhou para a janela da qual

tinha saltado jogou em cima de si mais punhados de feno para completar a camuflagem. E o fez

muito oportunamente, pois o carro saiu do beco escuro para a rua brilhantemente iluminada e

Roslynn tomou consciência de que só levava a camisa de dormir de algodão fino que havia posto

na noite anterior. E, além disso, estava descalça.

Mas devia estar agradecida. Pelo menos a camisola não era uma das transparentes que tinha

preparado para seu enxoval. Cobria-a do pescoço até os tornozelos e tinha longas mangas com

punhos fechados. Achou que se pudesse achar algo que fizesse as vezes de cinto, poderia parecer-

se com um vestido.

Infelizmente, Roslynn teve pouco tempo para pensar nisso e em como faria para chegar a sua

casa sem dinheiro. O carro entrou em um estábulo e se deteve. Ela saiu rapidamente dele e se

ocultou atrás de uma casinha, antes que o condutor fosse para a parte posterior do carro para

descarregar o feno. Outro homem, grande e robusto, reuniu-se a ele, amaldiçoando-o

amigavelmente por haver demorado. Enquanto ambos se dedicavam a descarregar o feno,

Roslynn explorou o lugar.

Um estábulo não era mau lugar para finalizar sua viagem. Na realidade, era o lugar ideal. Se

pudesse alugar um cavalo e obter informação sobre como chegar ao Mayfair, já que ainda não

sabia em que parte da cidade se achava, poderia chegar a sua casa logo e sem maiores

inconvenientes. O problema era que o único objeto de valor que levava era um crucifixo de sua

mãe, que usava sempre, exceto quando usava suas jóias mais valiosas e não desejava desprender-

se dele. Mas aparentemente, não teria outra alternativa, a menos que estivesse mais perto do

Mayfair do que acreditava. Nesse caso poderia chegar a pé, embora estivesse descalça.

Roslynn franziu o cenho ante a idéia. Não era das melhores. Além disso, esquecia a classe de

tráfico que tinha visto passar pelo beco: carros de carga, homens ébrios, marinheiros com suas

prostitutas, mas nenhuma carruagem. E esse estábulo não se achava muito afastado do lugar de

que tinha fugido. Fosse qual fosse a parte da cidade em que se achava, não era por certo um setor

distinto, e se tratasse de atravessá-la a pé, era provável que devesse confrontar mais perigos do

que já tinha confrontado. Era, portanto, indispensável alugar um cavalo.

Roslynn não sabia se Geordie já tinha descoberto sua ausência, nem se já estava procurando-a

pela vizinhança. Essa circunstância a pôs muito nervosa enquanto aguardava que o bebedor de

genebra partisse com seu carro. Mas estava decidida a correr o risco de achar-se a sós com o outro

indivíduo para lhe expor seu problema; quanto menor fosse o número de pessoas que a visse

nessas condições, melhor. Podia imaginar o escândalo se sua situação se divulgasse. "Lady

Chadwick percorre os arredores humildes em roupa de dormir." As pessoas se se regozijariam

com a história e perderia sua última oportunidade de realizar um

casamento rápido e honorável.

Mas devia obrigar-se a si mesma a sair de seu esconderijo quando estivesse a sós com o moço

do estábulo, embora lhe mortificasse a idéia de que qualquer, desconhecido ou não, visse-a em

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roupa de dormir. E sua vergonha não teve limites quando o homenzarrão a viu e seus olhos

saíram virtualmente de suas órbitas. De pé, tratando de ocultar um pé nu com o outro, os braços

cruzados sobre o peito, pois embora estivesse coberta, sentia-se nua, e os cabelos soltos que caíam

sobre seu tronco estavam cheios de feno, constituía uma visão insólita. Uma visão muito atraente,

embora ela pensasse o contrário.

O homem devia pensar que assim era porque continuou olhando-a fixamente, imóvel, mudo

e boquiaberto. Era de meia idade, cabelos castanhos e grisalhos e barba cinza. Isso não mostrava

se era o proprietário ou um empregado e de qualquer modo não importava. Era o único que podia

ajudá-la e isso aumentou sua inquietação.

Roslynn explicou entrecortadamente sua situação, mas o fez tão rapidamente que o indivíduo

não compreendeu quase nada de tudo que disse. Passaram uns instantes até que deu sinais de tê-

la escutado. Depois riu, levantou as calças e caminhou para ela.

-Um cavalo, né? Devia dizê-lo no primeiro momento, senhorita. Antes de que pensasse que

meu amigo Zeke me tinha enviado um formoso obséquio para meu aniversário. Um cavalo? -

Voltou a rir, meneando a cabeça. -Não poderia culpar a um homem por fazer-se ilusões.

Roslynn avermelhou. -Pode me alugar um?

-Possuo dois pôneis, mas os cavalos bons partem cedo.

-Aceitaria isto? -tirou-se o crucifixo e o entregou. -Comprarei-lhe os dois pôneis e outros mais,

mas me deverá devolver isso quando enviar alguém com o cavalo e o pagamento adequado.

Ele inspecionou o crucifixo e logo teve o atrevimento de mordê-lo antes de assentir com um

gesto da cabeça. -Servirá.

-Suponho que não terá um par de sapatos que possa me emprestar, não?

Ele olhou seus delicados pés e respondeu com ironia. -Não, senhorita. Meus filhos já cresceram

e foram embora.

Desesperada, ela perguntou: -Uma capa, então? Ou algo com o que me cobrir?

-Isso sim. E será melhor que lhe dê algo, ou causará um tumulto nas ruas.

Roslynn se sentiu muito aliviada para zangar-se quando ele riu e partiu em busca do pônei.

CAPÍTULO 15

As sombras do entardecer se tornavam mais profundas à medida que transcorriam os segundos. O

que deveria ser uma viagem de trinta minutos se converteu em uma excursão de três horas,

devido às voltas errôneas, as demoras e outras circunstâncias agravantes. Mas pelo menos

Roslynn já sabia onde se achava e agradeceu a escuridão, pois, em sua ansiedade para chegar à

casa, não tinha tido em conta o percurso que devia realizar pela rua South Audley, onde

numerosas pessoas pudessem reconhecê-la. A escuridão lhe permitiu passar inadvertida e

também foi muito útil o capuz da velha capa puída que o moço do estábulo lhe tinha entregue.

Demônios, esse dia estava se tornando interminável para ela, mas ainda devia confrontar

mais problemas. Não poderia continuar alojando-se na casa de Frances, nem sequer essa noite.

Tampouco podia adiar mais seu casamento. O fato de que Geordie a tivesse achado mudava tudo.

Ela imaginava que ele a aguardaria ante a porta de sua casa ou que se aproximaria dela oculto no

interior de um carro, preparado para jogar-se sobre ela assim que chegasse à casa.

Mas a sorte a acompanhou. Pôde chegar à casa sem que nada ocorresse. E considerou que era

muito oportuno que Frances não estivesse ali, pois teria desaprovado a idéia de Roslynn e teria

tratado de detê-la e Roslynn não dispunha de tempo para convencer a ela de que sabia o que

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estava fazendo.

Nettie era outro problema. Depois de enviar a um dos palafreneiros ao estábulo com o velho

cavalo e o dinheiro para recuperar o crucifixo, assegurando aos criados que se achava muito bem,

sem oferecer mais explicações, Roslynn foi ao andar superior e achou Nettie que passeava pelo

quarto de cima abaixo, com expressão de profunda preocupação. Mas, assim que viu Roslynn seu

rosto se encheu de surpresa e alívio.

-Oh, pequena, deste-me o susto maior de minha vida. Depois, mudando de tom lhe

recriminou: -Onde demônios esteve? Supus que seu primo a tinha seqüestrado.

Roslynn esteve a ponto de sorrir ante a capacidade de Nettie de passar de uma emoção a

outra com assombrosa rapidez, mas ela também estava tão desgostosa, que não pôde perder nem

um segundo comentando a atitude de sua criada, a quem tanto se alegrava de ver depois de um

dia tão horrível. Foi diretamente a seu armário e disse à Nettie: -Fez isso, Nettie. Agora me ajude a

me vestir; depressa. Enquanto isso, contar-lhe-ei o acontecido.

Quando o fez, Nettie só ao interrompeu para dizer: - Fez semelhante coisa? -quando lhe

contou que tinha saltado pela janela. Quando concluiu, a expressão de Nettie era, como no

princípio, ansiosa.

- Então não deve permanecer aqui.

- Sei -disse Roslynn. - E partirei esta noite. Ambas o faremos, mas separadas.

-Mas...

-Escuta... -disse Roslynn impacientemente, - passei a tarde pensando no que devo fazer.

Geordie já agiu. Agora que seu plano foi descoberto nada o impedirá de chegar aonde eu estiver e

voltar a me seqüestrar; e talvez vai ferir alguém em sua tentativa. Levei tanto tempo para chegar

em casa, que pensei que estaria aqui me aguardando. Mas talvez tenha acreditado que não

poderia chegar até aqui, sem dinheiro nem roupa.

-Pensa que a procura perto de onde fugiu?

-Sim; do contrário estará urdindo um novo plano para me apanhar. Mas também é possível

que tenha enviado alguém para vigiar esta casa. Embora não visse ninguém, isso não significa que

não possa haver alguém lá fora, de modo que devemos confundi-los e roga que somente haja um

homem. Se partirmos juntas e ao mesmo tempo, mas em direções diferentes, não saberá a quem

perseguir.

-Mas, aonde irá?

Roslynn sorriu. - Ao Silverley. Não poderá nos achar lá.

- Não sabe.

- Foi Geordie quem ordenou que me apanhassem outro dia na rua. Sabia onde me achava,

mas aparentemente, ninguém vigiou a casa o dia em que saí para o campo. Quando compreendeu

que tinha partido enviou homens em todas as direções, mas perderam nosso rastro quando

saímos da estalagem em que nos reunimos. Se evitarmos os lugares públicos e não nos

perseguirem, estaremos a salvo.

-Mas, menina, só poderá ocultar você durante um tempo. Não poderá se casar e não estará a

salvo desse canalha até que o faça.

-Sei, por isso chamarei pelo cavalheiro que escolhi para que se reúna ali comigo e lhe farei

minha proposta. Se tudo sair bem, poderei me casar em Silverley, desde que Regina não se

oponha.

Nettie arqueou as sobrancelhas. -Quer dizer que já escolheu ao homem com quem se casará?

-Farei isso antes de chegar lá. Saberei quem quero -disse Roslynn evasivamente, pois era a

única coisa que ainda lhe criava dúvidas.

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-No momento, o importante é chegar lá sem deixar rastros. Já enviei a um dos criados para

que nos alugue dois cavalos.

-E Brutus? -perguntou Nettie e logo olhou o armário de Roslynn, cheio de roupa-. E sua

roupa? Não há tempo para empacotar...

-Permanecerá aqui até que me case, Nettie. Ambas podemos levar umas poucas coisas agora.

Estou segura de que Regina possui uma costureira competente que nos fará quanto necessitarmos

para as bodas. Só devo deixar uma nota à Frances; logo partiremos. Onde está ela?

Nettie grunhiu. - depois de passear durante toda a manhã, uma das criadas disse que seu

irmão conhecia um indivíduo que sabia como contratar a homens que podiam achar você mais

rapidamente que as autoridades...

- Autoridades! -disse Roslynn, horrorizada ante a possibilidade de que o escândalo que tanto

temia desatar, produziria-se de qualquer modo-. Demônios. Não avisou à polícia, não?

Nettie meneou a cabeça. -Esteve a ponto de fazê-lo pois estava extremamente preocupada,

mas compreendeu que, se o fizesse, já não poderia manter isso em segredo. E embora não te

prejudicaria totalmente, os falatórios afetariam suas possibilidades de conseguir um bom marido.

Por isso se aferrou à sugestão da criada e insistiu em ir pessoalmente contratar essas pessoas.

Roslynn franziu o cenho. - Mas se os criados já sabem...

-Oh, vamos. Não se preocupe por isso menina. Lady Frances tem um bom pessoal, mas para

me assegurar, falei com eles. Não dirão nada a respeito de sua ausência fora desta casa.

Roslynn riu. - Algum dia me dirá que ameaças emprega, mas agora não temos tempo. Venha

e empacote várias mudas de roupa, eu farei o mesmo e logo nos reuniremos no andar térreo.

Devemos partir simultaneamente. E vai para o norte até estar segura de que ninguém a persegue;

depois irá para o Hampshire. Eu irei para o sul e logo retrocederei. Mas se não chegar

imediatamente depois de você, não se preocupe. Darei uma grande volta para estar a salvo. Não

desejo cair uma vez mais em mãos de Geordie, aconteça o que acontecer. Da próxima vez não serei

tão negligente.

CAPÍTULO 16

Pareceu, para Roslynn, que tinha transcorrido uma eternidade quando, depois de chamar

repetidas vezes, a porta finalmente se abriu. Estava tão nervosa pelo temor de ser capturada em

qualquer momento, que sua própria sombra a atemorizou quando olhou para trás para assegurar-

se de que o velho carro a estava aguardando e o condutor ainda a olhava vigilante, embora não

fosse uma grande ajuda se Geordie e seus capangas a descobrissem.

Era o risco o que a sobressaltava. Não devia deter-se ali. Tinha prometido à Nettie que

sairia a toda pressa de Londres, mas em troca tinha ido diretamente até ali. Por isso seu coração

pulsava com tanta violência. Era certo que Geordie a estava perseguindo e que se aproximava dela

cada vez mais, enquanto ela permanecia junto à condenada porta, aguardando que se abrisse.

Quando se abriu, entrou atropeladamente e quase fez cair ao mordomo. Ela mesmo fechou

a porta e se apoiou contra ela. Depois olhou ao homem, espavorida. Ele também a olhou

horrorizado.

O mordomo endireitou sua jaqueta e se envolveu em sua dignidade como se fosse uma

capa. - Realmente, senhorita...

Ela tratou de impedir que continuasse, o que produziu uma impressão mais desfavorável

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ainda. - Não me esgane, homem. Lamento entrar desta maneira, mas se trata de uma emergência.

Devo falar com o Sir Anthony.

- Impossível -disse ele desdenhosamente. - Sir Anthony não recebe ninguém esta noite.

- Ah, então não se encontra aqui?

- Não recebe visitas -disse o mordomo secamente. - Tenho minhas ordens, senhorita. Agora,

se for amável...

- Não -disse ela quando ele apoiou a mão sobre a tranca da porta. - Não me ouviu? Devo

vê-lo.

Ele abriu a porta e Roslynn se afastou dela. -Não se fazem exceções. –Mas quando tratou de

tomá-la pelo braço para levá-la para fora, Roslynn o golpeou com sua bolsa. -Um momentinho -

disse o homem, indignado.

- É você um idiota - disse ela em tom sereno mas olhar furioso. - Não me partirei até ver Sir

Anthony. Não me arrisquei a vir aqui para que me joguem na rua. Diga-lhe... só lhe diga que uma

dama deseja vê-lo. Faça-o ou lhe juro que...

Dobson se voltou antes que ela cumprisse sua ameaça. Subiu muito rígido as escadas,

demorando-se deliberadamente. Dama. Em todos os anos que trabalhara para Sir Anthony, jamais

tinha visto uma semelhante. As damas não maltratavam a um homem porque este cumpria com

seu dever. Que ocorrência. Como se tinha rebaixado Sir Anthony a tratar com semelhante mulher?

Ao desaparecer do vestíbulo, Dobson considerou a possibilidade de aguardar uns instantes

e logo retornar para tratar novamente de desfazer-se da mulher. Sir Anthony tinha chegado de

muito mau humor porque se atrasara e chegaria tarde a uma reunião de família na casa de seu

irmão Edward. Lorde James e o jovem Jeremy já tinham partido para lá. Embora Sir Anthony

desejasse ver essa mulher, não tinha tempo para isso. Nesse momento se estava vestindo e

desceria dentro de uns instantes. Certamente não quereria atrasar-se mais por causa de uma

mulher de duvidosa condição. Se se tratasse de outro compromisso não seria tão importante. Mas

a família era uma prioridade para Sir Anthony. Sempre o tinha sido e sempre o seria.

E entretanto... Dobson não podia deixar de pensar na ameaça que tinha recebido. Nunca

tinha enfrentado a um visitante tão insistentemente, à exceção da própria família de Sir Anthony,

naturalmente. Seria ela capaz de gritar ou de apelar à violência? Era impensável. Mas

possivelmente deveria informar ao Sir Anthony sobre o problema.

Quando bateu na porta do quarto, recebeu uma resposta cortante. Dobson entrou

cautelosamente. Bastou-lhe olhar ao Willis, o criado de Sir Anthony, para perceber que o estado de

ânimo de seu amo era o mesmo. O homem tinha uma expressão mortificada, como se já tivesse

recebido muitos insultos da parte de Sir Anthony.

Nesse momento, Sir Anthony se voltou. Quase nunca o tinha visto em roupa interior.

Levava só as calças e estava secando os negros cabelos com uma grossa toalha.

Voltou a empregar um tom impaciente. -O que acontece, Dobson?

- Uma mulher, senhor. Entrou atropeladamente e exigiu falar com você.

Anthony girou sobre si mesmo, lhe dando as costas. -Desfaça-se dela.

- Tentei-o, senhor. Nega-se a partir.

- Quem é?

Dobson não pôde dissimular seu desgosto. -Não quis dar seu nome, mas diz ser uma dama.

- É?

- Tenho minhas dúvidas, senhor.

Anthony jogou a toalha longe de si, obviamente vexado. -Droga; provavelmente veio em

busca de James. Devi supor que as prostitutas que conhece nas tavernas viriam a minha casa se ele

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permanecesse aqui muito tempo.

Dobson esclareceu com relutância: - Desculpe, senhor, mas ela mencionou seu nome, não o

de Lorde Malory.

Anthony franziu o cenho. -Então use sua inteligência, homem. As únicas mulheres que vêm

aqui o fazem por convite. Não é assim?

- Sim, senhor.

- E acaso teria eu formulado um convite, tendo um compromisso prévio?

- Não senhor.

- Então, por que me incomoda?

Dobson experimentou um intenso calor. -Para obter sua permissão para jogá-la à rua,

senhor. Nega-se a partir pelas boas.

- Faça – respondeu Anthony secamente. - Vá a um dos palafreneiros se não puder fazê-lo

por você mesmo, mas desfaça-se dela antes de que eu desça.

Dobson avermelhou. - Obrigado, senhor. Acredito que pedirei ajuda. Não me atrevo a me

enfrentar só a essa escocesa.

- Como disse? -perguntou Anthony com tanta energia que Dobson empalideceu.

- Eu... eu...

- Disse que era escocesa?

- Não, mas seu sotaque...

- Demônios, homem, porquê não me disse isso? Faça-a entrar; depressa, antes que resolva

partir.

- Antes de que... -Dobson abriu a boca desmesuradamente e olhando a seu redor, disse: -

Aqui, senhor?

- Agora, Dobson.

CAPÍTULO 17

Anthony não podia acreditar. Mesmo quando a viu entrar, olhar ao Dobson com fúria e

logo lançar o mesmo olhar iracundo a Anthony, não podia acreditar.

- Esse teu mordomo é muito grosseiro, Sir Anthony.

Ele sorriu. Ela estava em frente a ele golpeando o chão com o pé, os braços cruzados sobre o

peito.

- Quando lhe dei meu endereço, querida, foi para que me enviasse uma mensagem em caso

de necessidade, não para que aparecesse em minha casa de improviso. Dá-se conta de que sua

atitude é pouco decorosa? Esta é a residência de um homem solteiro. E meu irmão e meu sobrinho

estão vivendo aqui...

- Bem, se estiverem aqui quer dizer que não estou a sós com você.

- Lamento decepcionar você, querida, mas saíram e está a sós comigo. Como vê, estava-me

preparando para sair. Por isso Dobson se negava a fazer você entrar.

Mas quando ela o observou, com olhos escurecidos pela ira, teve a sensação de que se

preparava para ir para cama. Levava um roupão curto e acolchoado de cetim azul prateado, as

calças e nada mais. Antes que ele atasse o cinto de seu roupão ela espiou o pelo negro e cacheado

de seu peito. Tinha os cabelos úmidos, penteados para trás com a mão e algumas mechas

começavam a frisar-se sobre suas têmporas. Seu aspecto era muito sensual. Teve que fazer um

esforço para deixar de olhá-lo e recordar o motivo de sua visita.

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Mas de repente viu a cama e subitamente compreendeu que a tinha recebido em seu

dormitório. Demônios.

- Sabia que era eu... não, era impossível -respondeu-se a si mesmo, olhando-o nos olhos. -

Recebe aqui todas suas visitas?

Anthony riu. - Só quando tenho pressa, minha querida.

Ela franziu o cenho, mas tratou de sobrepor-se. Para isso, precisava desviar o olhar.

- Não lhe tirarei muito tempo. Tampouco eu posso perdê-lo. Ocorreu algo... bom, não lhe

concerne. Basta dizer que já não tenho tempo. Necessito um sobrenome, e o necessito agora.

O humor dele mudou subitamente. Acreditou saber exatamente o que queria dizer ela e

essa certeza lhe produziu uma incômoda sensação no estômago. Quando ele se ofereceu ser seu

confidente, só o tinha feito para aproximar-se dela. Mas não trairia seus próprios planos ajudando-

a a casar-se. Tinha tido a intenção de dilatar indefinidamente a situação e seduzi-la antes de que

ela se casasse. E agora lhe pedia que lhe conseguisse um sobrenome, que em realidade teria se

tivesse feito o que tinha prometido fazer. Era óbvio que ela já não necessitava de um confidente.

Se ele não a ajudasse, ela faria sua própria escolha, boa ou má. Não tinha dúvida alguma a

respeito.

- Que diabos aconteceu?

Ela piscou ante o tom áspero dele, tão repentino. - Disse-lhe que não lhe concernia.

- Pois deverá me explicar por que encara este matrimônio com tanta coragem e tanta pressa.

- Não é seu assunto -insistiu ela.

- Se deseja que escolha um nome para você, deverá permitir que o seja.

- Isso... isso...

- Não é muito esportivo de minha parte, sei.

- Bruto.

Ao vê-la zangada, ele recuperou o bom humor. Era linda quando seus olhos brilhavam

dessa maneira. Os reflexos dourados pareciam lançar brilhos que combinavam com o fogo de seus

cabelos. De repente compreendeu que ela estava em sua casa, em seu dormitório, onde tantas

vezes imaginara, sem poder achar a maneira de concretizar seus desejos.

O sorriso que esboçou a enfureceu ainda mais. "Veio a minha toca, amor", pensou ele.

"Agora a tenho."

Anthony disse: - Deseja beber algo?

- Faria um santo pecar - disse ela, mas aceitou com um gesto da cabeça e bebeu um

generoso gole do conhaque que lhe ofereceu.

- Bem? -disse ele, quando ela continuou olhando-o enfurecida sem dizer nada.

- Está relacionado com meu avô e a promessa que lhe fiz de me casar tão logo ele morresse.

- Sei -disse Anthony serenamente-. Agora me diga por que a fez prometer isso.

- Muito bem -disse ela. - Tenho um primo longínquo que tem a intenção de casar-se comigo

a todo custo.

- E?

- Não disse que o deseja mas sim essa é sua intenção, com meu consentimento ou sem ele.

Compreende-o, agora? Se Geordie Cameron me apanhar, me obrigará a fazê-lo.

- E você não deseja se casar com ele.

- Não seja tolo, homem - disse ela com impaciência, começando a passear pelo quarto.

-Acaso acha que estaria disposta a me casar com um estranho por alguma outra razão?

- Não, imagino que não.

Roslynn conteve o fôlego ao ver o sorriso de Anthony. - Acha que é engraçado?

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- Acredito que exagerou um pouco. Só necessita que alguém persuada a esse seu primo de

que seria melhor para ele procurar uma esposa em outra parte.

- Você?

Ele encolheu os ombros. - Por que não? Não recusaria lhe fazer esse favor.

Ela esteve a ponto de bater nele . Mas em troca bebeu o resto de conhaque que havia em sua

taça e se tranqüilizou.

- Me deixe lhe dizer algo, Anthony Malory. Está sugerindo que arrisque minha vida, não a

sua. Não conhece Geordie. Não sabe como está obcecado nem quanto anseia apoderar-se da

fortuna de meu avô. Faria qualquer coisa para obtê-la e, uma vez que a consiga, nada o impede de

planejar um acidente, ou me encerrar em algum lugar, aduzindo que me tornei louca ou algo

semelhante. Uma advertência sua não o amedrontaria, mesmo que pudesse achá-lo. Nada o

atemoriza. A única maneira de me proteger dele é me casando com outra pessoa.

Anthony tinha tomado sua taça, tinha-a enchido novamente e a tinha entregue enquanto

lhe relatava tudo. Ela não pareceu notá-lo.

- Muito bem, agora sei por que decidiu se casar tão rapidamente. Pior, por que agora deseja

fazê-lo imediatamente? O que te induziu a arriscar sua reputação ao vir aqui esta noite?

Ela deu um pulo ao recordar esse perigo, que em outro momento lhe parecia um mal

menor. - Geordie sabe onde estou. Ontem à noite me fez drogar e conseguiu que me tirassem da

casa de Frances.

- Demônios.

Ela prosseguiu falando como se não o tivesse ouvido. - Esta manhã, quando despertei,

estava encerrada em uma habitação desconhecida, perto do mole, aguardando a chegada do padre

falso que nos casaria. Se não tivesse saltado pela janela...

- Meu Deus. Mulher, não fala a sério.

Ela deteve seu impaciente perambular pela habitação para olhá-lo desdenhosamente. -Não

há nenhuma dúvida. Ainda tenho nos cabelos o feno que se introduziu entre eles e que estava no

carro sobre o que caí. Demorei tanto em achar o caminho para casa que não tive tempo de me

escovar. Poderia lhe mostrar isso mas Nettie não está aqui para refazer meu penteado e não

acredito que Dobson fosse capaz de fazê-lo. E não irei de sua casa como se... como se...

Anthony riu, jogando a cabeça para trás, ao ver que ela não se atrevia a completar a frase

provocadora. Roslynn lhe deu as costas e foi para a porta. Ele se

adiantou e a impediu de sair.

- Disse algo indevido? -perguntou ele inocentemente ao ouvido dela.

Roslynn não vacilou em dar-lhe uma cotovelada. Satisfeita ao ouvir seu gemido, deslizou-

se junto a ele para afastar-se da porta.

- Acredito que já se divertiu bastante a minha custa. Só pensava estar aqui uns minutos e

estive perdendo o tempo com explicações desnecessárias. Um chofer me aguarda e devo fazer

uma longa viagem. Disse que você também tinha pressa. Por favor, me diga um nome.

Ele se apoiou contra a porta; essa "longa viagem" lhe produzia pânico. - Sairá de Londres?

- É claro. Não pensa que posso permanecer aqui, depois que Geordie me descobriu, não?

- E como fará para cortejar a um de seus admiradores para que lhe proponha casamento se

não achar você aqui?

-Demônios. Não tenho tempo para cortejar a ninguém -disse ela exasperada por suas

contínuas perguntas. - Eu farei a proposta, desde que me indique o nome de alguém.

Sua ênfase furiosa decidiu-o a mudar de tática. Mas no momento não sabia o que fazer. Não

nomearia a ninguém, nem que tivesse algum para recomendar, mas se o dissesse, ela partiria

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imediatamente e iria quem sabe aonde. Não sabia se devia atrever-se a lhe perguntar que rumo

levava. Não, estava farta das evasivas deliberadas dele.

Foi para ela e lhe indicou a poltrona que estava frente a lareira. - Sente-se, Roslynn.

- Anthony... - ela começou a dizer em tom de repreensão.

- Não é tão simples.

Ela entrecerrou os olhos com desconfiança. - Teve tempo suficiente para fazer as

averiguações necessárias, tal como o prometeu.

- Recorda que te pedi uma semana.

Ela o olhou, alarmada. -Então não há...

-Justamente o contrário - interrompeu-a rapidamente. - Mas não lhe agradará o que

averigüei.

Ela grunhiu, ignorou a poltrona que lhe oferecia e começou a caminhar outra vez pelo

quarto. - Diga-me.

Anthony fez trabalhar sua imaginação a toda velocidade, tratando de acumular defeitos e

vícios para atribuí-los a seus candidatos. Começou com o único que era verdadeiro, esperando

inspirar-se à medida que falava.

- Esse duelo que lhe mencionei e no que David Fleming se negou a participar. Não só o

converteu em um covarde mas também ... bom...

- Diga-o. Suponho que envolvia a alguma mulher. Não me surpreenderia.

- Não se produziu por uma mulher, querida minha, mas sim por outro homem e foi uma

discussão sentimental. - Aproveitando a comoção momentânea de Roslynn, ele voltou a encher

sua taça de conhaque.

- Quer dizer...

- Receio que é assim.

- Mas parecia tão... tão, Oh, não importa. Ele está descartado.

- Também deverá riscar o Dunstanton -disse Anthony. Como ela partiria de Londres não

poderia constatar a veracidade do que ele disse a seguir. - Acaba de anunciar seu casamento.

-Não acredito - disse ela-. No fim de semana passada me convidou ao teatro. Claro que logo

cancelou o convite mas... Oh, está bem. Eu desejava cortar a lista. E Savage?

Anthony se inspirou ao escutar o nome. - Não é o indicado, querida minha. Em algum

momento de sua juventude dissipada deve ter tomado seu nome muito a sério. O homem é um

sádico.

- Oh, vamos...

- É verdade. Sente prazer em ferir qualquer ser que seja mais fraco que ele: animais,

mulheres. Seus criados estão horrorizados...

- Está bem. Não é necessário que entre em detalhes. Resta Lorde Warton; sua sobrinha me

recomendou ele; e Sir Artemus.

Foi Anthony quem começou a passear pelo quarto. Não sabia o que dizer do Warton. Podia

acusar ao Shadwell de jogador contumaz mas não havia nenhum motivo para acusar ao Warton.

Em realidade, poderia ser um marido ideal para Roslynn. Mas essa idéia o zangou de tal maneira

que pôde imaginar a pior baixeza.

Voltou-se para Roslynn, fingindo uma expressão relutante. -Será melhor que descarte ao

Warton também. Seu interesse por você era só uma manobra para despistar a sua mãe.

-O que quer dizer isso?

-Está apaixonado por sua irmã.

-O que?

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-Oh, é um segredo muito bem guardado -assegurou-lhe Anthony. – Reggie o ignora,

porque Montieth não deseja desiludi-la com uma causa semelhante. Ela é amiga dos três Warton.

Se ele não me houvesse dito isso, se eu não lhe tivesse falado de seu súbito interesse pelo

indivíduo. Mas em uma ocasião se reuniu comigo no bosque e foi muito embaraçoso, imagina...

- Basta. -Roslynn bebeu seu terceiro conhaque e lhe entregou a taça. – Fez tudo que lhe pedi

e lhe agradeço isso. Sir Artemus foi o primeiro que figurou em minha lista, de modo que parece

lógico que ele seja o eleito.

- Está desqualificado, querida minha.

- Não haverá problemas. -Ela sorriu.- Possuo suficiente dinheiro para restituir o que perca

por causa do jogo.

- Acredito que não compreende, Roslynn. Nos últimos anos, sua paixão pelo jogo se

converteu em uma enfermidade. Era um dos homens mais enriquecidos da Inglaterra e agora

virtualmente não possui nada. Precisou vender todas suas propriedades, exceto a que possui no

Kent e essa está hipotecada.

- Como sabe?

- Meu irmão Edward se encarregou das vendas.

Ela franziu o cenho, mas insistiu teimosamente: - - Não me importa. Na realidade, dá-me a

segurança de que não recusará minha proposta.

- Oh, aceitará-a, sem dúvida. E dentro de um ano estará tão pobre como ele.

- Esquece que eu serei quem controla minha fortuna, Anthony.

- É certo, mas não leva em conta o fato de que um homem pode obter crédito no jogo, e isso

é impossível de controlar. Seus credores irão a você, porque será legalmente sua esposa; inclusive

poderão lhe levar a julgamento. E os tribunais, querida minha, não respeitarão seu contrato

quando provarem que se casou com o Shadwell sabendo que era jogador. Deverá confrontar suas

dívidas, queira-o ou não.

Roslynn empalideceu. Olhou-o com assombro e incredulidade. Como não conhecia as leis,

não tinha por que duvidar da palavra de Anthony. Viu-se obrigada a acreditar nele. E achar que

em um momento pensou que um jogador contumaz seria o candidato perfeito, sem ter em conta

que poderia conduzi-la à ruína. Era como entregar sua fortuna ao Geordie.

- Eram todos tão aptos -disse ela distraidamente e causou pena; logo olhou ao Anthony com

seus grandes olhos pardos. - Dá-se conta de que me deixou sem ninguém?

Sua expressão o comoveu. Ele era o responsável, com suas verdades pela metade e suas

invenções. Tinha interferido na vida dela por motivos puramente egoístas. Mas não podia

empurrá-la para os braços de outro homem. Não podia fazê-lo. E não só porque a desejasse. A

idéia de que outro homem a tocasse lhe produzia uma sensação angustiante.

Não, não podia lamentar o que tinha feito; seu alívio era enorme. Mas tampouco podia

evitar a pena.

Fez um esforço para animá-la. - Fleming a aceitaria, embora só fosse para a salvar as

aparências. -Se ele pensasse que ela poderia aceitá-lo, veria-se obrigado a matar ao indivíduo. -

Seria ideal para seus fins e eu poderia estar seguro de te ter só para mim.

Com esse comentário somente conseguiu provocar a ira dela. - Não tomaria a um homem

que odiasse me tocar. Se devo me casar, quererei ter filhos.

- Isso pode solucionar-se, querida minha. Eu estou disposto a fazê-lo - respondeu ele.

Mas ela não o escutava. - Suponho que poderia retornar a casa e me casar com um

granjeiro. O que importa com quem me case? O que importa é fazê-lo.

Ele compreendeu que todos seus esforços tinham sido vãos. - Por Deus, não pode...

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Ela ainda refletia sobre suas oportunidades perdidas. -Preciso fazê-lo de início. Pelo menos

saberei com quem me caso.

Ele a puxou pelos ombros, obrigando-a a escutá-lo. - Maldição, mulher; não estou disposto

a permitir que desperdice sua vida com um granjeiro. - E, antes de dar-se conta do que ia dizer,

Anthony balbuciou: - Se casará comigo.

CAPÍTULO 18

Quando Roslynn deixou de rir, tardiamente compreendeu que sua reação era na realidade

uma ofensa para Anthony. Enquanto ela ria a gargalhadas ele se afastou dela. Finalmente, viu-o

sentado na cama e apoiado sobre um cotovelo.

Não parecia ofendido. Na realidade parecia confuso. Pelo menos o passo em falso de

Roslynn não o tinha deixado zangado, o que teria sido razoável. Mas era tão ridículo. Casar-se

com ele; que acontecimento. O libertino mais famoso de Londres. Certamente quis dizer outra

coisa.

Mas ela se sentiu melhor depois de rir muito. Ainda devia confrontar-se com muitos

problemas. Sorrindo, aproximou-se dele com a cabeça inclinada para um lado para chamar sua

atenção.

- Possui o dom de levantar ânimos, Anthony. A verdade é que ninguém poderia acusar

você de não ser encantador. Mas é evidente que não está em seu elemento quando se trata de

propor matrimônio. Considero que deve fazer-se como um pedido, não como uma exigência.

Deverá recordá-lo na próxima vez que seu senso de humor o leve ao absurdo.

A princípio, ele se calou, mas a olhou nos olhos. Ela se sentiu perturbada.

- Está certa, minha querida. Acredito que perdi a cabeça. Mas quase nunca faço as coisas de

uma maneira convencional.

- Bom... -Ela se encolheu em seu casaco com bordas de arminho com gesto nervoso. -Já o

atrasei bastante.

Ele se ergueu e apoiou as mãos sobre os joelhos. - Antes de partir deverá me responder.

- Responder o que?

- Se casará comigo?

Embora a pergunta fosse feita de maneira convencional, foi igualmente absurda. - Você está

brincando -disse ela com incredulidade.

- Não, amor. Embora esteja tão surpreso como você, falo a sério.

Roslynn apertou os lábios. Isto não era engraçado absolutamente. – De maneira nenhuma.

Não me casaria com você e nem com Geordie.

Sua risada anterior se tornou compreensível. E a reação que ela teve ante a proposta dele

era fraca comparada com sua própria surpresa. Mas embora suas palavras tivessem sido

impensadas, uma vez faladas, Anthony compreendeu que a idéia de casar-se, que antes o

horrorizava, era de repente aceitável.

Não era que não pudesse ser convencido do contrário se ela não tivesse estado ali e

brilhasse tão atraente. Tinha vivido trinta e cinco anos sem necessitar de uma esposa; não tinha

por que necessitá-la agora. Por que demônios insistia na seriedade de sua proposta quando ela a

tinha recusado com sua atitude dúbia?

O problema era que não lhe agradava que o abandonassem e ela o estava fazendo ao

ameaçar casando-se virtualmente com qualquer um. E lhe agradava menos a idéia de não voltar a

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vê-la, com o que também o estava ameaçando. Na realidade, não desejava que ela saísse de seu

quarto. Estava ali. E ele tiraria vantagem da situação.

Mas a terminante negativa dela tinha inclinado o prato da balança. Ela o aceitaria, embora

ele tivesse que chegar a uma transação para obter seu consentimento.

- Me corrija se me equivocar, querida minha, mas não tem outra oferta, não é verdade? E

lembro que disse que não se importaria de casar-se com qualquer um contanto que o fizesse.

Ela franziu o cenho. - É verdade, mas você é a única exceção.

- Por que?

- Porque seria um péssimo marido.

- Sempre opinei o mesmo - disse ele, surpreendendo-a. - Por que outra razão teria evitado o

casamento durante tanto tempo?

- Bom, então compreende meu ponto de vista, não é verdade?

Ele sorriu. -Só admito a possibilidade, amor. Mas olhemos a outra face da moeda. Também

poderia me inclinar pelo matrimônio. Montieth o fez e eu fui o primeiro que pensou que estava

condenado ao fracasso.

- Mas ele está apaixonado por sua mulher - assinalou ela enfaticamente.

- Meu Deus, não espera que diga que a amo, não? É muito rápido...

- Naturalmente - interrompeu Roslynn secamente, com as faces coradas.

- Mas ambos sabemos que a desejo, não é verdade? E ambos sabemos que você...

- Anthony, por favor. -ruborizou-se mais ainda. - Nada de quanto diga me fará mudar de

idéia. Não me serve. Jurei que jamais me casaria com um libertino e admitiu que o é. E não pode

deixar de sê-lo.

-Suponho que devo agradecer sua inflexibilidade à Lady Grenfell, não é assim?

Desconcertada, nem sequer se perguntou por que chegava ele a essa conclusão. -Sim,

Frances sabe por experiência o que ocorre quando alguém se apaixona por um libertino. Quando

ela se viu na necessidade de casar-se, o dela fugiu velozmente e ela se viu obrigada a aceitar o que

pôde: um ancião a quem detestava.

Seus olhos eram mais rasgados quando ele franzia a testa. - Acredito que chegou o

momento de que conheça a verdadeira história, Roslynn. O velho George foi preso do pânico

quando precisou confrontar-se com a paternidade de forma inesperada. Partiu por duas semanas

para resignar-se à perda de seu celibato e, quando repensou, Frances já estava casada com o

Grenfell. Nunca lhe permitiu ver seu filho. Negou-se a recebê-lo quando Grenfell morreu. Pode

ser que sua amiga tenha sido desventurada como resultado de tudo quanto aconteceu, mas meu

amigo também foi. A verdade é que George se casaria com ela agora se ela o aceitasse.

Roslynn se sentou na poltrona e olhou fixamente o fogo da lareira. Por que devia ser amigo

do George Amherst? Por que lhe tinha contado isso? Talvez Frances se casasse com Amherst

imediatamente se pudesse perdoá-lo por uma reação que indubitavelmente tinha sido muito

natural, considerando que nessa época ele era um dissoluto. E o que se passava com Roslynn?

Demônios, nada lhe agradaria mais que casar-se com o Anthony Malory...se ele a amasse,

se pudesse lhe ser fiel, se ela pudesse confiar nele. Mas não era assim. Provavelmente Nicholas

Eden amava a Regina, seu avô pôde ter amado a sua avó, George Amherst provavelmente tinha

amado ao Frances e possivelmente ainda a amava, mas Anthony tinha admitido que não a amava.

E, infelizmente, para ela seria muito fácil amá-lo. Se a situação não fosse como era, ela aceitaria sua

proposta. Mas não era tão idiota para expor-se ao sofrimento que Anthony podia lhe causar e que

indubitavelmente lhe causaria.

Ela se voltou para olhá-lo, mas a cama estava vazia. Sobressaltada, deu-se conta de que lhe

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punham o chapéu e a empurravam até a beirada da poltrona. Logo viu que Anthony tinha

apoiado os braços sobre o espaldar da poltrona.

Roslynn demorou um segundo em habituar-se a sua proximidade; depois pigarreou e disse:

-Lamento, mas o que me disse a respeito de George e Frances não me faz mudar de idéia a

respeito de você.

- Imaginei -disse, meneando a cabeça, e logo sorriu sedutoramente-. É uma escocesa

teimosa, Lady Chadwick, mas é uma de suas qualidades que mais me agrada. Ofereço-te o que

mais necessita e o rejeita, se prejudicando; tudo por um motivo que é tão somente uma ridícula

hipótese. Poderia chegar a ser o mais exemplar dos maridos, não me dá a oportunidade de

averiguá-lo.

- Anthony, disse-lhe que não me agrada fazer apostas. Não desejo arriscar o resto de minha

vida a um "possivelmente", quando há tantos fatores negativos.

Ele se inclinou para frente e apoiou o queixo sobre seus braços cruzados. -Suponho que se

dá conta de que se a obrigar a permanecer aqui durante toda a noite, verá-se em uma situação

comprometedora. Nem sequer precisaria tocar você, minha querida; as circunstâncias falam por si

mesmas. Assim se casou Reggie, apesar de que seu primeiro encontro com o Montieth foi

completamente inocente.

- Não faria tal coisa.

- Acredito que sim.

Roslynn ficou de pé e o olhou, furiosa. A poltrona estava entre ambos. - Isso... isso... de

qualquer modo não resultaria. Retornarei a Escócia. Não me importa que minha reputação se

arruinou aqui. Ainda tenho mi... -Não pôde pronunciar a palavra. -Meu marido se daria conta e só

isso me importa

- Ah, sim? -perguntou ele com um olhar malicioso que aparecia em seus olhos azuis. Então,

como devo ajudá-la apesar de você mesma, não me deixa muitas alternativas. De modo que devo

comprometer você realmente e não só aparentemente?

- Anthony!

Sua exclamação o fez sorrir. -Duvido que me tivesse conformado com a aparência. Fui

considerado ao tê-la em conta, mas, como reiteradamente afirma, sou muito libertino para não

tirar vantagem de sua presença em meu quarto.

Ela começou a retroceder para a porta. Apressou-se quando ele foi até ela. Aceitarei um

compromisso aparente.

Ele meneou a cabeça. - Querida menina, se todos pensassem que compartilhou minha

cama, por que lhe negar esse prazer?

As palavras de Anthony a perturbaram, mas Roslynn tratou de lutar contra sua

perturbação, estava segura de que ele brincava. Ele fazia parecer como um jogo, mas quanto mais

se aproximava dela, mais se alarmava.

Sabia o que ocorreria se ele a beijasse. Tinha acontecido antes. Falasse ele seriamente ou não

de uma suposta sedução, se a tocasse era provável que se produzisse. Anthony não precisaria

realizar um grande esforço.

- Não quero...

- Sei - disse ele meigamente, tomando-a pelos ombros e aproximando-a de seu peito.

-Mas o quererá, amor, prometo-lhe isso.

Naturalmente, tinha razão. Ele sabia quais eram seus desejos profundos, os que não queria

admitir nem a si mesma. Por muito que lutasse contra eles, não deixariam de existir. Ele era o

homem mais atraente e adorável que ela jamais conhecera e o tinha desejado no momento em que

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o viu pela primeira vez. Era um sentimento intenso que nada tinha que ver com a lógica ou o

raciocínio. Era uma ansiedade do corpo e do coração, e ao diabo com o bom senso.

Roslynn cedeu, entregando-se ao torvelinho dos sentidos, no momento em que ele a tomou

entre seus braços. Tinha imaginado tantas vezes esse instante, que era como retornar ao lar. O

calor de seu corpo, a força de seus braços, a embriaguez da paixão. Já os conhecia, mas tudo se

renovava de uma maneira maravilhosa.

Mas quando a beijou, fez-o com tal suavidade, que apenas o sentiu. E compreendeu que lhe

estava dando uma última oportunidade para detê-lo, antes de que ele dominasse a situação por

completo. Ele sabia muito bem que era suficientemente hábil e experiente para quebrantar

qualquer resistência que ela pudesse opor. Tinha-o feito antes. O fato de que se contivera a

perturbou mais e o desejou com mais intensidade.

Roslynn disse que sim ao rodear o pescoço dele com seus braços. Ficou vencida pelo

enorme atrativo dele. Os lábios de Anthony a aniquilaram com sua magia; respirar não era

importante. Seus lábios eram quentes e roçavam novamente os dela.

Segurou-a entre seus braços durante um longo momento, beijando-a, provocando nela

sensações deliciosas. Quando ele se virou para trás, começou a desabotoar o vestido de Roslynn.

Já lhe tinha tirado o chapéu e a capa, sem que ela percebesse.

Ela contemplou como a despia lentamente e não pôde mover-se; não quis fazê-lo. Os olhos

dele a hipnotizavam; suas pálpebras pesadas e seu olhar intenso esquadrinhavam sua alma. Ela

não pôde deixar de olhá-lo, nem sequer quando percebeu que seu vestido deslizava por seu corpo

até cair a seus pés. Sua roupa interior seguiu o mesmo caminho.

Nesse momento ele só a tocou com o olhar, percorrendo com os olhos seu corpo de cima

para baixo e vice-versa. Em seus lábios reapareceu esse sorriso sensual que tinha o poder de

fundir seus membros, o que era perigoso pois seus sentidos já a tinham rendido. O pescoço dela

oscilou e ele segurou seus quadris. Depois, lentamente, acariciou a pele nua de sua cintura,

detendo-se nos seios. Segurou-os com o polegar. Os mamilos dela se ergueram e sua respiração se

acelerou; uma suave fraqueza percorreu seu ser.

O sorriso de Anthony se alargou, triunfante, como se pudesse ver seu interior e saber

exatamente o que estava sentindo. Regozijou-se com sua vitória. E não se importou. Ela também

sorria, mas interiormente, porque embora ele tivesse triunfado, também o tinha feito ela,

derrotando a seu bom senso, para obter o que tinha desejado todo o tempo: fazer amor com esse

homem; que ele fosse quem a iniciasse e se convertesse em seu primeiro amante, porque sabia

que, com ele, tudo seria belo.

Mas, dado que cederia aos desejos dele, queria desempenhar um papel ativo. Tinha

pensado despi-lo, perguntando-se como seria seu corpo nu. Em sua imaginação, via-o como a um

Adonis. Em frente a ela estava o homem, que a intimidava muito mais que uma fantasia, mas o

desejo a tornava audaz.

Roslynn desatou seu cinto o roupão se abriu. Apoiou as palmas de suas mãos sobre a pele

de Anthony, tal como ele tinha feito, e as deslizou para cima, tocando sua pele, abrindo o roupão e

fazendo-a deslizar por seus ombros. Ele o deixou cair e logo tomou Roslynn entre seus braços,

mas ela o afastou para contemplar longamente. Viu a pele morna e os músculos firmes, o pêlo

escuro e cacheado de seu peito fez vibrar seus dedos. Sólido, poderoso, era muito mais do que

tinha imaginado. Ela sentiu um forte impulso de rodeá-lo com suas pernas para aproximar-se dele

o quanto possível.

- Oh, como é lindo, Anthony.

Ele estava enfeitiçado pelo olhar escrutinador de Roslynn, mas estas palavras,

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pronunciadas com essa voz rouca, estimularam-no até o delírio. Aproximou-a dele e a beijou

apaixonadamente. Tomou entre seus braços, levando-a para a cama.

Depositou-a suavemente sobre o leito e logo se virou para trás para contemplar seu corpo

uma vez mais com olhos acesos de desejo. Freqüentemente a tinha imaginado ali, com a pele

rosada pela paixão, chamando-o com com olhos ardentes. Era deliciosa, mais do que tinha

suposto; suas curvas eram perfeitas, femininas e estava ali; era dele e o desejava.

Tinha querido gritar de alegria. Em troca, apoiou suas mãos com ternura sobre as faces de

Roslynn e seus dedos acariciaram seu rosto, seus cabelos, seu pescoço. Não se cansava de tocá-la.

- Não imagina o que faz comigo.

- Sei o que você faz comigo - disse ela suavemente, olhando-o. - É o mesmo?

Ele respondeu com um sorriso e um suspiro. - Deus, espero que sim.

E então a beijou, introduzindo sua língua na boca dela e apoiando seu peito contra o dela.

Quando ela levantou os braços para abraçá-lo, ele a tomou, estirando-os para os flancos e

entrelaçando seus dedos com os dela. Roslynn não podia mover-se, mas podia sentir; sentir o

peito dele que roçava seus mamilos, eletrizando-os com sua sensual suavidade.

Depois ele desceu a cabeça para tomar um de seus seios na boca, sugando brandamente ou

deslizando a língua a seu redor. Mas não soltou suas mãos e ela pensou enlouquecer por causa do

desejo incontido de tocá-lo e acariciá-lo.

Lançou um gemido. Ele se deteve e sorriu, olhando-a aos olhos.

- É um demônio - disse ela ao perceber sua maliciosa alegria.

- Sei. -E deslizou a língua sobre o outro mamilo. -Você não gosta?

- O que se eu gosto? -disse ela, como se nunca tivesse escutado uma pergunta tão ridícula-.

Mas desejaria tocar você por minha vez. Por que não me solta?

- Não.

- Não?

- Logo poderá me tocar até que se farte. Agora não poderia resistir.

-Oh - suspirou ela. - Pois eu tampouco poderei continuar resistindo.

Ele enterrou a cabeça entre seus seios, grunhindo. -Querida, se não calar, começarei a me

comportar como um jovem inexperiente.

Roslynn riu e o som rouco de sua risada foi a perdição de Anthony. Tirou as calças, mas

felizmente repensou antes de jogar-se sobre ela. Ainda devia lhe tirar as meias e os sapatos e o fez

rapidamente. O desejo o atendia e seu ritmo pausado do começo tinha sido substituído por uma

pressa frenética.

A adaga que caiu da bota de Roslynn o obrigou a recuperar o controle. Sorriu, intimamente

assombrado. A pequena escocesa estava cheia de surpresas. Casar-se com ela não só seria

extremamente prazenteiro mas também interessante e de repente suas dúvidas se dissiparam e

começou a pensar ansiosamente na possibilidade.

Sopesou a adaga. - Realmente sabe como usar isto?

- Sim, e o fiz quando um dos malfeitores do Geordie tratou de me seqüestrar na rua.

Anthony jogou a adaga para um lado e sorriu. -A partir desta noite, já não deverá

preocupar-se com isso, amor.

Roslynn tinha suas dúvidas a respeito, mas se absteve de as expressar. Nada tinha sido

combinado. Ainda considerava que ele não era um homem apto para o matrimônio, embora

desejasse que fosse justamente o contrário. Era um amante e como tal podia aceitá-lo. O que

importava sua virgindade, se os acontecimentos recentes lhe asseguravam que seu casamento só

seria um contrato comercial?

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Mas as decisões de amanhã eram muito longínquas e as mãos do Anthony deslizavam por

suas pernas, separando-as e impossibilitando todo pensamento. Ele se agachou para beijar a parte

interior de sua coxa, logo o quadril, para finalmente introduzir sua língua em seu umbigo.

Chamas de fogo lambiam os pés de Roslynn, que retorceu seu corpo. Ela tomou a cabeça dele, mas

ele voltou a beijar seus seios, acariciando com sua língua os sensitivos mamilos, até que ela

enlouqueceu de desejo. Arqueou suas costas, amoldando seu estômago ao peito dele, exigindo o

contato. Ela não sabia exatamente o que necessitava, mas instintivamente compreendia que seus

sentidos estavam acesos com alguma finalidade.

Puxou freneticamente a cabeça de Anthony, mas ele controlava a situação. Quando esteve

preparado, deslizou-se para cima um pouco mais, beijando o pescoço de Roslynn com lábios

ardentes e aproximando-os de seu ouvido.

Quando introduziu a língua em sua orelha ela reagiu tão vivamente que esteve a ponto de

jogar Anthony longe de si. Logo começou a tremer deliciosamente e desejou encolher-se junto a

ele.

Doía as costas de Roslynn e ela se senti envolta em um calor úmido e infernal e quando

sentiu que algo a tocava em suas partes íntimas pela primeira vez, seu corpo o envolveu

instintivamente, ávido de sentir a pressão nessa zona lhe queimando. E depois a penetrou e ela

experimentou uma bela sensação de plenitude, rodeando o corpo de Anthony com suas pernas

para não perdê-lo, sentindo finalmente que tinha obtido certo controle. Não o soltou e a pressão

começou a crescer em seu interior até que pareceu explodir, abrindo um novo canal de sensações,

que aliviou parcialmente a tensão. Mas o alívio não foi duradouro.

Ele a beijou novamente, com avidez e ferocidade, com uma voracidade similar a dela. Os

braços dele a aprisionavam como barras de ferro e seus dedos acariciavam seus cabelos,

segurando-a, controlando-a. E seu corpo se movia contra o dela com um apresso ao que ela

respondia. A tensão voltou a crescer e finalmente alcançou a culminação, que deu passagem a um

ditoso esquecimento.

Instantes mais tarde, Anthony se desabou sobre ela; sua própria culminação o tinha

debilitado tanto que durante um momento não pôde levantar a cabeça. Nunca tinha

experimentado nada igual e estava a ponto de dizer-lhe quando percebeu que ela estava

inconsciente ou profundamente adormecida. Sorriu, afastando os cabelos das faces de Roslynn,

extremamente satisfeito consigo mesmo e com ela.

Desejava despertá-la para recomeçar tudo, mas se reprimiu ao recordar a barreira que havia

sentido e que revelava sua virgindade. Reggie lhe havia dito que o era. As respostas apaixonadas

de Roslynn o desmentiam. A verdade o encheu de um gozo inexplicável. E, embora ela não

parecesse perceber a perda de sua condição de donzela, essa perda era uma recuperação. Existia a

manhã. Existia o resto de sua vida.

Desconcertado, meneou a cabeça. Desde quando era tão cavalheiresco?

Cautelosamente saiu da cama e a cobriu com as mantas. Ela se estirou languidamente e

suspirou. Anthony sorriu. Deus, era formosa, e tão sedutora que um homem desejaria conhecer

cada centímetro de seu corpo. Prometeu a si mesmo que o obteria. Mas, no momento vestiu o

roupão, recolheu as roupas dela e saiu silenciosamente da habitação. Devia despedir o chofer e

tomar decisões; a dama não iria a nenhuma parte.

CAPÍTULO 19

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Roslynn despertou por causa do toque das pétalas de rosa contra sua face. Abriu os olhos e

os fixou sobre a rosa rosada, franzindo o cenho; logo viu o homem que lhe sorria.

- Bom dia, querida. E o é realmente. O sol decidiu brilhar para nossas bodas.

Roslynn grunhiu e se voltou para enterrar o rosto no travesseiro; não desejava enfrentar o

dia nem às conseqüências de suas próprias ações. Demônios, o que tinha feito? Nettie estaria no

Silverley extremamente preocupada, pensando que a artimanha tinha fracassado e que Geordie

tinha a seqüestrado de novo à Roslynn. E o chofer. Como pôde esquecê-lo? Tinha-lhe dado uma

boa gorjeta, mas não tão grande para fazê-lo aguardar durante toda a noite. Provavelmente tinha

partido, levando sua mala, que não só continha roupa, mas também

a maior parte de suas jóias e papéis importantes, tais como seu contrato matrimonial. Ao diabo

com essas três taças de conhaque.

Às conseqüências indesejadas de seu procedimento se somava agora a mão do Anthony

que percorria suas costas enquanto ria. - Se deseja permanecer na cama...

-Saia! - disse ela, furiosa consigo mesma porque, apesar de seu desassossego,

experimentava um estremecimento ao sentir sua carícia; e furiosa com ele porque parecia tão

alegre.

- Qual é o problema? -disse ele razoavelmente. - Libertei-a da preocupação de tomar

decisões. Está realmente comprometida, amor.

Ela se voltou. - Ao diabo com você. Não experimentei nenhuma dor, só...

Ele riu ao vê-la ruborizar-se e calar subitamente. -Sei que sou sutil, mas não sabia que era

tão hábil. Percebi a perda de sua virgindade, querida menina. - Arqueou uma sobrancelha e lhe

sorriu sedutoramente. -Não o notou você?

- Cale-se e me deixe pensar.

-No que deve pensar? Enquanto você dormia profundamente, consegui uma licença

especial que nos permitirá casar imediatamente. Nunca me tinha dado conta de como é útil

conhecer homens influentes.

Parecia tão orgulhoso de si mesmo que ela tinha vontade golpeá-lo. -Não disse que me

casaria com você.

-Não. Mas o fará. -Ele foi para a porta, abriu-a e deixou passar ao mordomo. -Lady

Chadwick deseja que traga sua roupa e o café da manhã, Dobson. Tem apetite, não é verdade,

amor? Sempre estou esfomeado depois de uma noite de...

O travesseiro bateu em seu rosto e Anthony precisou reprimir a risada ao ver a expressão

incrédula de seu mordomo. -Isso é tudo, Dobson.

-Sim, sim, é claro, senhor. Muito bem senhor.

O pobre homem, confuso, saiu apressadamente do quarto. Roslynn disse, feito uma fúria: -

É uma besta, um mal nascido. Por que lhe disse meu nome?

Ele encolheu os ombros, imutável ante a reação dela por sua mutreta deliberada. -Só tratei

de me assegurar, amor. Dobson jamais difundiria falatórios sobre a futura Lady Malory. De outra

parte... -Não completou a frase, mas era desnecessário esclarecer quais poderiam ser as novas

conseqüências.

-Esquece que não me importa arruinar minha reputação aqui.

-Isso não é exato -disse ele suavemente, de forma reservada. - Importa-se. Neste momento

não tem uma noção clara de quais são suas prioridades.

Era verdade, mas não vinha ao caso. Ela tratou de reverter a situação.- Pergunto-me por

que um homem como você poderia desejar casar-se tão rapidamente. É minha fortuna o que o

interessa?

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- Meu Deus, de onde tirou essa idéia?

Pareceu tão surpreso, que ela se envergonhou de havê-lo dito, mas assinalou: - É o quarto

filho.

- Assim é. Mas esquece que estou informado de seu insólito contrato matrimonial que, de

outra parte, estou disposto a assinar. Também esquece o fato de que ontem à noite fizemos amor,

Roslynn. Neste momento poderia estar grávida.

Ela desviou o olhar e mordeu o lábio inferior. Tinham-no feito e ela poderia estar. Tratou de

reprimir o prazer que essa idéia lhe produziu.

-Então, que vantagem tem para você este casamento? -perguntou-lhe.

Ele se aproximou da cama. Tirou uma fibra de palha de seus cabelos e a observou com

esmero, sorrindo. -Você - respondeu simplesmente.

O coração de Roslynn se acelerou. Soava muito bem; tanto que não pôde recordar quais

eram suas objeções. Não resultaria.

Suspirou com exasperação. -Não posso pensar quando acabo de despertar. Ontem à noite

tampouco me deu tempo para pensar -disse com tom acusador.

- É você que tem pressa, amor. Só trato de me adequar a ti. Por que lhe assinalava essas

coisas? -Necessito de tempo para meditar.

- Quanto tempo?

- Dirigia-me ao Silverley. Minha criada já está lá, de modo que devo ir. Se aguardar até esta

tarde, dar-lhe-ei uma resposta. Mas devo dizer-lhe, Anthony, que não me imagino casada com

você.

De repente, Anthony a levantou no ar e a beijou. -Ah, não?

Ela se afastou dele e caiu sobre a cama. -Isso demonstra que não posso pensar quando estou

a seu lado. Agora, se trouxer minha roupa, partirei. E por que diabos a agarrou?

- Para me assegurar de que estaria aqui quando retornasse depois de obter a licença.

- Dormiu comigo?

Ele sorriu ante seu tom vacilante. -Querida, fiz amor com você. Que tenha dormido com

você ou não, carece de importância depois disso, não acha?

Ela decidiu não dizer nada e lamentou haver tocado no assunto. Ele poderia envolvê-la com

seus argumentos de todos os modos. -Minha roupa, Anthony.

- Dobson a trará. E a mala que deixou na carruagem está em meu quarto de vestir, se é que

necessita dela. Roslynn arqueou as sobrancelhas. -Recuperou-a? Graças a Deus.

- Por Deus, não é possível que tenha sido tão descuidada para deixar um pouco de valor em

um carro alugado.

Ela se incomodou ante a crítica. -Quando vim estava muito perturbada - disse ela

acidamente, defendendo-se-. E, se não recorda, estive muito mais quando cheguei a este quarto.

- Com efeito -disse ele. - Mas deveria verificar se está todos seus pertences.

- Só me preocupava o contrato matrimonial. Levaria muito tempo para fazer redigir outro.

- Ah -disse Anthony sorrindo. - O contrato infame. Pode deixá-lo aqui para que eu o leia.

- E para que o extravie intencionalmente? Não.

- Querida menina, deveria confiar um pouco em mim. Nossa relação seria mais agradável,

não acha? -Como ela se negasse a responder, ele suspirou. -Muito bem, faça a sua maneira. -Mas,

para que ela percebesse que ele também desconfiava, acrescentou: -Estará em Silverly quando for

por você, não é verdade?

Roslynn se ruborizou. -Sim. Foi muito amável ao me fazer sua proposta. Devo-lhe uma

resposta. Mas não admitirei discussões a respeito. Deverá aceitar minha decisão, seja qual for.

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Anthony saiu do quarto sorrindo. Com respeito a isso, confiava tão pouco nela como ela

nele. Devia fazê-la seguir para assegurar-se que não partiria para a Escócia. Também necessitava

que alguém mantivesse a Warton longe do Silverley enquanto ela permanecesse ali. Não podia

arriscar-se a que se encontrassem depois de ter desprestigiado ao homem com uma mentira

infamante.

Em relação à resposta dela não estava preocupado. O primo de Roslynn não era o único que

podia conseguir que se casassem, de uma maneira ou outra.

CAPITULO 20

- Não posso acreditar. Tony pediu que se case com ele? Meu tio Tony?

- Sei a que te refere -disse Roslynn, divertida ante a expressão sobressaltada da Regina.-

Também me custa acreditar.

- Mas, é tão repentino... bom, ele conhece sua situação. Deve ser repentino se deseja que o

aceite. Oh, isto é grandioso. Tio Jason não caberá em si do assombro. Toda a família se

surpreenderá. Nunca pensamos que o faria. Oh, é maravilhoso.

Que fosse maravilhoso ou não era discutível, mas Roslynn sorriu para não decepcionar a

Regina, que obviamente estava encantada. Ela tinha tomado uma decisão durante a longa viajem a

Silverley. Felizmente, pois, desde que chegara, não tinha tido um instante de pausa. Primeiro

precisou atender as reprimendas justificadas de Nettie. Depois Regina quis saber tudo relativo ao

seqüestro e à fuga de Roslynn das mãos de seu captor. Nettie o tinha mencionado para explicar o

motivo de sua inesperada visita.

Agora Roslynn pensava que logo chegaria Anthony para obter uma resposta. Era notável

que Regina não lhe tivesse perguntado qual seria essa resposta. Naturalmente, ela era parcial. Não

poderia conceber que uma mulher duvidasse ante a possibilidade de casar-se com um homem tão

bonito e encantador como Anthony, embora tivesse um passado duvidoso.

- Terá que avisar a todos -disse Regina com entusiasmo-. Se deseja me encarregarei disso. E

estou segura de que quererá que se celebre as bodas assim que os proclamas ...

- Nada de proclamas, gatinha - disse Anthony, entrando na sala sem prévio aviso. - Pode

informar à família, mas já notifiquei o sacerdote e o convidei para jantar. Depois celebraremos a

pequena cerimônia. É isso o suficientemente rápido para você, Roslynn?

Ela não tinha imaginado que deveria lhe comunicar sua decisão assim que chegasse. Mas

ele a estava olhando nos olhos, aguardando sua confirmação ou sua negativa e ela teria jurado que

havia nele algo diferente. Nervos, possivelmente? Seria na realidade sua resposta tão importante

para ele?

-Sim, assim estará bem... mas antes devemos falar de certas coisas.

Anthony exalou o ar com lentidão e sorriu. -É claro. Nos desculpas, gatinha?

Regina ficou de pé e jogou os braços ao pescoço. – Desculpar você? Esmurraria-o. Não nos

disse nada.

- E estragar a surpresa?

- Oh, Tony, é maravilhoso -disse, feliz. - Estou impaciente para dizer ao Nicholas, de modo

que vou sair. -Riu. -Antes que me joguem.

Anthony sorriu ao contemplá-la enquanto saía da sala, dilatando o momento em que

deveria se confrontar com as conseqüências. Pensou que não devia apressar Roslynn dessa

maneira. E quando ela disse que deviam falar de certas coisas ele notou que o tom de sua voz era

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muito sério.

- Espero que não será sempre tão despótico.

A voz de Roslynn era cortante. Anthony se voltou e a olhou com um sorriso forçado.

- Não. Posso ser muito maleável em mãos da mulher adequada.

Não lhe causou graça. Sua expressão se tornou mais fria.

- Sente-se, Anthony. Antes de que aceite me casar com você deverá aceitar certas coisas.

- Será doloroso? -Ela entrecerrou os olhos e ele suspirou. -Bem, me diga o pior.

- Desejo ter um filho.

- Só um?

Demônios, ela desejava lhe jogar algo à cabeça. Será que alguma vez poderia falar

seriamente?

- Na realidade, agradaria-me ter pelo menos três, mas isso será suficiente por agora -disse

ela secamente.

-Bem, isto justifica que me sente, verdade? -disse ele e se sentou junto a ela no sofá.

-Também tem preferências respeito ao sexo? Quero dizer que, se deseja meninas e só temos

meninos, estou disposto a continuar tentando, desde que você o queira.

Seu tom era de graça, mas ela teve a sensação de que falava a sério. -Não tem inconveniente

em ter filhos?

- Minha querida menina, de onde tirou essa idéia? Depois de tudo, a maneira de gerá-los

sempre foi minha atividade favorita.

Ela se ruborizou intensamente. Olhou suas mãos, entrelaçadas com força sobre seu regaço.

Percebeu que ele a contemplava, divertido ante sua vergonha. Mas ainda havia mais.

Sem olhá-lo nos olhos, ela disse: -Alegra-me que seja tão razoável, mas há outra condição

pouco ortodoxa. Sua amante, ou amantes...

Ele a interrompeu tomando o queixo e obrigando-a a olhá-lo. -Isto não é necessário -disse

brandamente. - Um cavalheiro sempre renuncia a suas amantes quando se casa.

- Nem sempre.

- Pode ser, mas em meu caso...

- Deve me permitir concluir, Anthony. -Sua voz era novamente dura. Inclinando

teimosamente o queixo, disse: -Não lhe peço que renuncie a nada. Pelo contrário, insisto em que

continue freqüentando suas amantes.

Ele se apoiou contra o espaldar do sofá e meneou a cabeça. -Soube que há esposas

complacentes, mas não acha que exageras um pouco?

- Falo a sério.

- Sei. -Franziu o cenho, furioso; não só porque ela parecia falar realmente a sério, mas sim

pela sugestão em si mesmo. -Se acha que aceitarei um casamento puramente nominal...

- Não, não; interpreta-me mau. -Ela estava surpreendida ante essa explosão de

ira. Tinha pensado que ele estaria fascinado com sua sugestão. -Como poderia ter um filho se

nosso matrimônio fosse puramente nominal?

- Exato - disse ele, cortante.

- Anthony. -Ela suspirou, compreendendo que tinha ferido seu orgulho. Era óbvio que ele

esperava ter uma mulher ciumenta e que ela o decepcionava.

-Tenho a intenção de ser sua esposa em todo sentido. É o mínimo que posso fazer, depois

de comprovar que me salvou. Só desejo que me escute.

-Estou pasmado.

Ela voltou a suspirar. Por que discutia ele esse ponto? Na aparência, era a solução ideal. Ela

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não se casaria com ele se não ficassem de acordo sobre o assunto.

Voltou a tentar. -Não compreendo por que se exalta. Não me ama. Disse-o. E tampouco

estão em jogo meus sentimentos; ao menos, não ainda. Mas eu gosto e nos... pelo menos eu me

sinto atraída por você.

-Sabe muito bem que a atração é mútua.

Ela ignorou a irada interrupção. -Esse foi um de meus requisitos prévios, que o marido que

escolhesse fosse fisicamente agradável, para que não me importasse tanto...

Ela se interrompeu ante o bufar dele, sabendo que ele estava pensando na noite anterior e

em como ela a tinha desfrutado. Não, não era necessário esclarecer que com ele, certas obrigações

maritais lhe seriam muito prazenteiras.

- É de aparência agradável -continuou dizendo ela- e encantador. Isso é inegável. E estou

certa de que podemos nos dar bem. Mas como nossa relação não está apoiada no amor, não tem

por que assumir esse compromisso. Tampouco eu, embora seja que necessita desesperadamente

de um marido. Em seu caso, não seria realista de minha parte esperar que fosse fiel a suas

promessas. Não compreende? De modo que não lhe peço que o seja. Nosso matrimônio será um

convênio comercial, um casamento de conveniência. A fidelidade não é indispensável.

Ele a olhava como se ela tivesse enlouquecido. Roslynn pensou que possivelmente estava

exagerando, mas de que outra maneira podia expressar civilizadamente que ela não confiava nele

e que provavelmente jamais confiaria? Demônio, ele admitia ser um libertino. E um libertino não

se reforma a menos que se apaixone; isso havia dito seu avô e ela acreditava porque era sensato.

Anthony não tinha por que zangar-se com ela. Devia ser ela quem se zangasse por ver-se na

necessidade de formular esse acordo.

- Talvez deveríamos esquecer todo este assunto -disse ela com secura.

- Por fim uma boa idéia -disse ele lentamente.

Ela se alegrou de que pelo menos coincidissem nisso. -Eu não desejava me casar contigo.

Disse-lhe isso.

-O que? -Ele se ergueu bruscamente. -Aguarda um momento, Roslynn. Não quis dizer que

não casar fosse uma boa idéia. Pensei que você...

-Pois não -exclamou ela, perdendo a paciência-. E se não aceitar manter a suas amantes, não

fica nada para discutir, não é verdade? Não estou renunciando ao que corresponde fisicamente.

Mas sei como é; quando a novidade se desgastar, começará de novo a procurar namoricos. Não

pode evitá-lo. Está em sua natureza.

- Droga.

Ela prosseguiu, como se não tivesse ouvido seu palavrão. -Sou tão tola, que estava disposta

a compartilhar você. Se tivéssemos lindas crianças. Teria-me salvado de Geordie. Era suficiente.

Não pensava pedir mais.

- Talvez eu esteja disposto a lhe dar mais. Ou é jamais pensou nisso quando teve este gesto

tão magnânimo?

O tom depreciativo dele a tornou rígida, mas conseguiu controlar outra vez a situação. -

Tudo se reduz a uma coisa, Anthony. Jamais poderia confiar em ti a respeito de outras mulheres.

Se chegasse a... se chegasse a te amar alguma vez sua traição me faria sofrer muito. Prefiro saber

desde o começo que não me será fiel. Desse modo nossa relação não se modificará. Seríamos

amigos e. ..

- Amantes?

- Bom, sim. Mas como não aceita meu pedido, não há mais que dizer, não é verdade?

- Acaso disse que não acessaria? -A voz de Anthony tinha recuperado a serenidade, mas era

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uma serenidade forçada. Sua expressão dura, sua postura rígida, indicavam que ainda estava

furioso. -Vejamos se estamos de acordo, querida. Deseja ter um filho comigo, mas, ao mesmo

tempo, não deseja que lhe seja fiel. Você será minha esposa em todo sentido, mas eu continuarei

com minha vida habitual e freqüentarei a todas as mulheres que deseje.

- Com discrição, Anthony.

- Oh, sim, com discrição. Compreendo que não deseje que se saiba, sobretudo porque me

jogaria de seu lado antes de que transponha a soleira da porta. De modo que se não retornar a casa

duas ou três noites por semana, você será feliz, não é assim?

Não se dignou responder a essa pergunta. -Está de acordo?

-Claro que sim. -Sorriu friamente, mas Roslynn não o notou. -Que homem poderia recusar

semelhante proposta?

Não agradou à Roslynn o comentário. Tampouco estava segura de que lhe agradaria a

aceitação dele, agora que a tinha obtido. Ele não tinha discutido muito. Tinha resistido um pouco e

logo tinha aceito de mau grado. Ah, calhorda. Certamente estava encantado com as condições que

lhe tinha imposto. Agora, ela deveria agüentar.

CAPÍTULO 21

O carro dos Éden tinha boa suspensão, era cômodo e contava com almofadões e mantas,

taças e champanha. Roslynn não necessitou dos almofadões, pois o ombro de seu marido lhe era

muito agradável. Também recusou o champanha, pois já tinha bebido várias taças depois da

cerimônia.

Tinham feito; casaram-se. Numa noite fizeram amor e na noite seguinte se casaram. Era tão

incrível que Roslynn se perguntou se não tinha desejado desde o começo; se não foi para isso que

se dirigiu à casa de Anthony na noite anterior, em lugar de partir diretamente a Silverley, tal como

tinha planejado. Mas não seria um casamento ideal. Ela, com sua própria teimosia, tinha tratado

de que não fosse e não devia esquecer que era assim. Mas tinha; isso era indubitável. Era seu

marido, embora não o fosse com exclusividade.

Ela sorriu e se encolheu junto a ele, feliz de estar com tanto agrado para agir naturalmente.

Anthony bebia champanha a pequenos goles e olhava pensativamente pela janela. O silêncio era

agradável; o champanha que ela tinha bebido fazia ela dormitar.

Não estava certa do porque não passariam a noite em Silverley, tal como ela tinha suposto.

Anthony havia dito algo a respeito dos ruídos e de sua própria cama e de seu desejo de começar

bem as coisas. Nesse momento lhe tinha parecido um tanto detestável, sobre tudo no referente aos

ruídos, mas já não recordava porque. Provavelmente por causa do nervosismo próprio de uma

recém casada. Depois de tudo, acabava de renunciar a sua independência e se entregara a um

homem que mal conhecia e que estava cheio de surpresas, como a de ter decidido casar-se com

ela.

Tinha motivos de sobra para estar nervosa. Acaso não a tinha surpreendido ele em duas

ocasiões nesse dia, primeiro ao discutir suas condições e depois ao assinar o contrato matrimonial

sem tê-lo lido? Nicholas, que tinha oficiado como testemunha, protestou. Ela também o tinha feito.

Mas até mesmo depois de ter assinado esse maldito papel, Anthony se tinha negado a lê-lo. E

agora a levava de volta a Londres, que era o que ela menos esperava.

Na realidade, teria se sentido mais segura se passasse sua noite de núpcias na casa dos

Éden. Mas nesse dia já tinha exposto muitas exigências e não protestou quando Anthony decidiu

partir com ela depois da curta celebração. Tinham jantado cedo e a cerimônia matrimonial tinha

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sido muito curta. Não era tão tarde, mas provavelmente seria meia-noite quando chegassem a casa

de Anthony, na cidade.

Ela decidiu aproveitar a viagem para descansar e dormir um pouco. Voltou a sorrir, pois

quando viu os almofadões e mantas empilhados nos assentos não tinha pensado em dormir.

Tinha-a espantado a idéia de passar sua noite de núpcias no carro. Nettie viajava em uma

carruagem menor atrás deles, a uma velocidade menor. Estavam a sós em um carro que era o

suficientemente amplo para fazer quanto lhes ocorresse. O resplendor amarelo do abajur do carro

o inundava com uma luz suave e romântica. Mas não, Anthony só tinha sugerido que

ela dormisse durante a viagem de volta a Londres. Nem sequer a tinha beijado; só a tinha

aproximado dele.

Roslynn podia culpar ao champanha por lhe fazer pensar que sua noite de núpcias

começaria cedo. Nem sequer estava segura de ter uma noite de núpcias. Depois do alvoroço que

Anthony tinha provocado por causa das condições que lhe impunha e embora as tivesse aceito,

não se surpreenderia se a deixasse na casa e partisse para visitar uma de suas numerosas

mulheres. E o que poderia dizer ela a respeito? Ele mesmo lhe havia dito que o tinha jogado para

longe dela.

Anthony ouviu o suspiro de sua mulher e se perguntou quais seriam seus pensamentos.

Com certeza estava tramando mais argúcias para desligar-se dele o mais possível. Tinha graça,

mas não tinha pensado assim umas horas antes. Pela primeira vez em sua vida tinha decidido

casar-se e ela só desejava ser uma amante; e nem sequer uma amante possessiva. Acaso não sentia

nada por ele e por isso lhe permitia alegremente que ele saísse de seus braços para jogar-se nos de

outra mulher? Se ele tivesse desejado continuar com sua vida dissipada teria permanecido

solteiro.

Tinha transcorrido mais ou menos meia hora quando o disparo quebrou o silêncio da noite

e obrigou o carro a deter-se de repente. Roslynn se endireitou piscando e ouviu Anthony

amaldiçoar em voz baixa.

- Chegamos? -perguntou ela, confusa, olhando pela janela.

- Ainda não, querida.

- Então...

- Acho que seremos assaltados.

Ela o olhou nos olhos.

- Bandoleiros? Então, o que faz aí sentado? Não fará nada?

- Querida minha, estamos na Inglaterra e os assaltos são tão comuns que alguém chega a

pensar neles como donativos aos pobres. Ninguém que esteja em seu juízo perfeito viaja a estas

horas da noite com objetos de valor. Esvaziaremos nossos bolsos e continuaremos viajando sem

problemas. Em poucos minutos, tudo terá passado.

Ela o olhou, horrorizada. -De qualquer jeito? E se não desejar ser assaltada?

Ele suspirou. -Suponho que esta é a primeira vez que acontece isso com você.

- Claro que sim. E me assombra que permaneça tranqüilamente sentado e não faça nada a

respeito.

-E o que sugere que faça, considerando que não levo uma arma comigo?

-Eu possuo uma.

Quando ela se inclinou para tomar a arma que tinha oculta na bota, ele pegou seu pulso. -

Nem o tente- advertiu-lhe.

-Mas...

-Não.

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Ela se virou para trás e o olhou, zangada. -É uma vergonha que um marido não defenda a

sua mulher dos assaltantes.

-Aceite, Roslynn -disse ele com impaciência. - São tão somente umas poucas libras e

algumas bagatelas.

-E uma fortuna em jóias.

Ele a olhou, depois olhou a mala que estava sobre o assento em frente a eles; era a mesma

que ela tinha deixado negligentemente no interior do carro que alugara na noite anterior; e

grunhiu: -Maldição. Como lhe ocorre viajar de carro com uma fortuna? Muito bem. -Examinou o

interior mas nada lhe ocorreu. Depois olhou para Roslynn. - Ponha a capa sobre os ombros... sim. -

O profundo decote de seu vestido permitia ver o nascimento de seus seios, mas era recatado se o

comparasse com outros que se usavam na época. -Agora, abaixe um pouco seu vestido...

-Anthony...

-Não é momento para falso pudor - disse ele, sentando-se no assento oposto ao dela. -

Distrairá-os.

-Bem, nesse caso.

-É suficiente, querida. -Ele franziu o cenho. -Talvez não se importe que outras mulheres me

vejam nu, mas eu não sou tão generoso a respeito de seus encantos e de outros homens.

-Só procurava ajudar -replicou Roslynn, chateada porque lhe recordava o acordo imposto

por ela.

-Muito louvável, mas queremos que o indivíduo a olhe com avidez, não que arrebente suas

calças.

-Que arrebente suas calças? O que diz?

Ele sorriu. -Demonstrarei-lhe isso com gosto em outro momento.

Nesse momento apareceu o assaltante; abriu a porta do carro e introduziu a cabeça no

interior. Roslynn se sobressaltou. Uma coisa era falar de um assalto, mesmo que este fosse

iminente, e outra ver o ladrão cara a cara.

O carro era elevado e só se viu a parte superior do torso do homem, mas era um torso

grande, de ombros largos e musculosos, vestido em uma jaqueta muito justa na cintura. Seus

cabelos eram escuros e espessos e tinha a cabeça envolta em um lenço sujo. Seus dedos grossos

seguravam uma velha e oxidada pistola, apontada em direção a Anthony.

Roslynn não podia deixar de olhar a arma, enquanto seu coração pulsava loucamente. Não

o tinha imaginado assim... Na realidade, não tinha imaginado nada. Como não conhecia

pessoalmente a nenhum bandoleiro como poderia saber quão perigosos eram? Mas tinha insistido

para Anthony fazer algo e se o matassem, ela seria a culpada. E para que? Para salvar umas

estúpidas jóias que podiam ser substituídas?

Olhou para Anthony, perguntando-se como poderia fazê-lo saber que esquecesse suas

palavras. O assaltante disse:

- Boa noite, senhor. -Sua voz soava amortecida pelo lenço.- Foi muito amável ao ficar quieto e

sentado até que eu chegasse. Tive um problema com meu cavalo depois de esclarecer a situação

com o chofer. Mas quero aliviar sua carga...

Nesse momento o indivíduo olhou para Roslynn. Anthony tomou o pulso do homem e o

atraiu violentamente para ele, para lhe dar uma trombada.

Foi tão rápido que Roslynn não teve tempo de alarmar-se vendo que a mão que tinha

tomado Anthony era a que empunhava a pistola. O bandoleiro caiu ao chão, de barriga para

baixo. Com toda calma, Anthony apoiou um pé sobre suas costas para evitar que deslizasse pela

porta e lhe tirou a arma.

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- Seja uma menina boa e permaneça aqui enquanto verifico se estava sozinho ou tem

companheiros nas redondezas.

Antes que Roslynn pudesse responder, Anthony desceu do carro. O assaltante caiu pela

outra porta e ela se achou no carro vazio, sem poder pronunciar palavra. Nunca tinha estado tão

atemorizada em sua vida, nem sequer por si mesma. O fato de que Anthony corresse perigo foi

uma revelação para ela. Descobriu que não podia tolerar a espera e receou escutar mais disparos.

Felizmente, ele retornou depois de poucos instantes, sorrindo. -Segundo nosso assustado

condutor (ao que parece, este é seu primeiro assalto), o indivíduo estava sozinho.

O imenso alívio de Roslynn foi expresso explosivamente. -Como pode me atemorizar

assim? Pôdia ter morrido.

Anthony arqueou as sobrancelhas ante a veemência dela. -Minha querida menina, o que

esperava que fizesse? Você me exigiu que agisse.

- Não me referi a que se deixasse matar.

- Alegra-me ouvi-lo -disse ele secamente. - Mas já está feito.

- Não me diga que...

Ele a jogou sobre seu colo e a beijou com paixão. Depois seus beijos se tornaram mais

suaves e finalmente sorriu.

- Assim está melhor. Agora poderá pensar em outra coisa e posso lhe assegurar que

continuaremos com isto mais tarde. - Colocou-a com suavidade de novo a seu lado e tomou a

garrafa de champanha. -Mas agora me agradaria beber outra taça e você pode continuar

dormindo.

- Como se pudesse -disse Roslynn, mas já não estava zangada.

- Será melhor que tente isso, amor, porque lhe asseguro que não terá oportunidade de fazê-

lo mais tarde.

Ela não respondeu. Aguardou que ele se instalasse no assento com a taça na mão e voltou a

recostar-se contra seu ombro. Seu coração pulsava já em um ritmo normal, mas a experiência tinha

sido muito desagradável. Precisamente em sua noite de núpcias. Essas coisas não aconteciam na

noite de núpcias de uma pessoa.

Mal-humorada por haver-se assustado sem motivo, disse: -Da próxima vez não faça caso de

mim e não seja tão heróico. As jóias não eram tão importantes.

- Possivelmente, mas como sou seu marido teria que repô-las e não desejo incorrer em um

gasto tão grande.

- De modo que se casou comigo por meu dinheiro?

- Por que outro motivo teria que fazê-lo?

A ironia de sua voz fez que Roslynn o olhasse; viu que ele contemplava fixamente seu

decote. Esteve a ponto de rir. Realmente, por que outro motivo? O homem era um libertino

completo, mas ela não o ignorava e sabia que não existia a menor esperança de mudá-lo.

Ela suspirou, perguntando-se se não deveria lhe dizer que, se se tinha casado com ela por

seu dinheiro, receberia uma agradável surpresa. Seu contrato matrimonial era muito generoso a

respeito dele. E embora evidentemente Anthony tivesse uma fortuna que lhe permitia viver sem

trabalhar, era o quarto filho e nunca seria tão rico para desprezar com o que ela tinha contribuído

ao matrimônio.

Teria que dizer-lhe mas não agora. O susto que lhe tinha provocado o assalto frustrado a

havia perturbado muito. Depois de uns instantes, dormiu profundamente.

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CAPÍTULO 22

Anthony sacudiu Roslynn para despertá-la no momento em que saíram do King's Road e

tomaram Grosvenor Agrada. Já estavam perto do Picadilly, onde se achava a casa dele, em frente

a Green Park. Desejou que James tivesse saído essa noite e que Jeremy estivesse na cama, pois já

era tarde, e não desejava dar explicações. Além disso, durante toda a viagem, exceto quando foi

brevemente interrompido pelo assaltante, tinha sentido falta de sua cama. Não podia aguardar

mais tempo.

Nesse momento, Roslynn não pensava no problema. Tinha dormido profundamente e teve

dificuldades para despertar e tomar consciência de que já tinham chegado. Só desejava continuar

dormindo. Já não pensava em sua noite de núpcias, nem em seu novo marido nem em nada. Mas

alguém a sacudia com força.

Anthony ficou perplexo quando Roslynn gemeu, irritada e afastou a mão dele, negando-se

a abrir os olhos. Quase sempre, as mulheres não dormiam em sua presença, de modo que não

estava habituado a esforçar-se por despertar a uma que se negava a fazê-lo. Tinha-lhe sugerido

que dormisse para descansar um pouco, não para que o fizesse durante toda a noite.

Anthony tentou de novo. -Vamos, menina, ou esqueceu que dia é hoje?

- Mmm?

- Não recorda os sinos das bodas? Não pensa em um marido que espera que ponha algo

suave e fino e sensual para agradá-lo?

Ela bocejou, mas conseguiu sentar-se, piscando e esfregando-os olhos como uma menina. -

Não estou acostumada a viajar com essa classe de coisas.

Ele sorriu. Pelo menos a mente de Roslynn funcionava, embora com uma lentidão que a

impedia de dar-se conta de que ele brincava.

- Não se preocupe, querida. Esta manhã trouxe suas coisas.

Isso a despertou. -Não. Foi uma tolice, pois ainda não sabia se me casaria com você ou não.

Geordie podia ter estado à espreita para averiguar aonde eu tinha ido.

Anthony esperava que assim fosse e por isso o tinha feito. Se tivesse sorte, o homem que ele

tinha enviado para seguir o rastro dos perseguidores, teria amanhã uma direção para lhe dar. Mas

riu ante a preocupação dela.

- Sei que não se casa todos os dias, amor, mas é desconcertante e muito prejudicial para o

ego, que continuamente se esqueça de sua condição de mulher casada. Está casada e, quanto antes

souber seu primo, melhor; dessa maneira deixará de incomodar você.

Ela começou a sorrir e logo sua expressão se converteu em uma manifestação de grande

deleite. -É verdade. Estou tão habituada a fugir do Geordie, que suponho que demorarei um

tempo em me acostumar à idéia de que já não preciso fazê-lo. Aí está. Sou livre.

- Não completamente, minha querida.

- Não, não quis dizer...

- Sei -disse ele, dando um tapinha no queixo de Roslynn. - Mas agora é minha e estou

descobrindo de forma muito rápida que sou um chato possessivo.

Era uma frase absurda, mas Roslynn estava certa de que brincava, como sempre. Se alguma

vez chegasse a falar de algum assunto com seriedade, provavelmente ela morreria do choque.

Mudando de assunto, ela perguntou: -Anthony, por que insistiu em retornar a Londres esta

noite?

Os olhos de Anthony brilharam, divertidos. -As noivas costumam ficar nervosas em sua

noite de núpcias. Pensei que estaria mais confortável em uma cama que já conhece.

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Ruborizando-se, ela respondeu em um sussurro: -Suponho que me procure.

- Assim é.

- Mas falou de barulhos.

- Sim? Não tem importância. Seremos muito silenciosos.

Outra vez brincava. Ela não estava segura de que lhe agradasse que o fizesse essa noite.

Não estava certa de chegar a habituar-se a suas brincadeiras relativas a fazer amor. Pior essa

noite...

Ela bocejou e Anthony sorriu. O carro parou.

- Por fim -disse ele e saltou do carro-. Venha, querida; farei o esforço de a levar em meus

braços para cruzar a soleira.

Ela tomou sua mão e saiu da carruagem. -Não é necessário...

- Me permita cumprir meu papel - disse ele, tomando-a em seus braços. - Além de tudo,

devem ter inventado este curioso costume por algum motivo. Talvez para que a noiva não possa

fugir.

- Que tolice -Ela riu e rodeou com seu braço o pescoço de Anthony.-Talvez algumas noivas

desmaiaram na soleira e precisaram ser levadas ao interior da casa nos braços.

- Só algumas? -brincou ele. - Asseguro-lhe que existe uma grande ignorância sobre quanto

ocorre no leito conjugal. Nestes tempos as mães não se atrevem a falar sobre esses assuntos. É

uma pena, porque os pobres noivos se vêem em grandes dificuldades, tratando de acalmar nervos

e temores, quando na realidade desejam deflorar a suas esposas.

- Anthony -exclamou ela, embora lhe foi difícil não rir ante o sorriso malévolo dele-. Precisa

dizer essas coisas?

Depois acrescentou: -Além disso, algumas noivas não têm mães que as instruam.

- Ah, estamos sendo pessoais. -Ele bateu na porta e depois a olhou com ternura. -Mas, não

estava atemorizada, não é verdade, amor?

- Não me deu tempo para ficar - disse ela, ruborizando-se.

- E agora que sabe do que se trata?

- Acho que vou desmaiar.

Ele se pôs a rir, mas quando abriu a porta, converteu a risada em tosse. Dobson os

contemplou com expressão estóica. Roslynn experimentou certa decepção ante seu ar enfastiado,

como se estivesse muito habituado a ver seu amo na porta com uma mulher nos braços. Mas

quando passaram junto ao Dobson e ela viu sua expressão, sentiu-se aliviada; estava

sobressaltado. Ela ocultou seu sorriso contra o ombro do Anthony.

Por olhar o mordomo, não viu James Malory, que nesse momento entrava no vestíbulo,

com uma taça na mão. Não demonstrou surpresa alguma e sua voz soou suave e serena.

- Imagino que não deveria estar presenciando isto.

- Esperava que não o fizesse -disse Anthony, sem deter-se. - Mas já que o fez, informo-o

que me casei com esta jovem.

- Diabo.

- Fez isso - disse Roslynn, rindo, encantada ante sua reação. - Ou supõe que permitiria que

qualquer um me levasse nos braços para cruzar a soleira da porta?

Anthony se deteve bruscamente, um pouco surpreso ao comprovar que tinha conseguido

desconcertar esse irmão em particular. -Por Deus, James, durante toda a vida aguardei o momento

de ver você aniquilado. Mas compreenderá que não posso esperar que reaja, não é verdade? -E

continuou seu caminho.

Quando chegaram ao andar superior, Roslynn murmurou sorrindo. –Fomos perversos, não

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acha?

-De maneira nenhuma, menina -disse ele. - Se quisesse ter você durante um momento a

sós, era necessário deixar meu irmão boquiaberto. A família não demorará para nos bombardear

com perguntas e bons desejos. -Quando entraram no quarto de Anthony, ele se recostou contra a

porta, suspirando. – Enfim sós.

Antes que Roslynn pudesse dizer algo, depositou-a no chão e, ao mesmo tempo a obrigou a

virar-se para ele. Ela ficou virtualmente deitada sobre Anthony, posição da qual ambos

desfrutaram, enquanto ele a cobria de beijos.

Ele acariciou suas faces com o dorso de seus dedos e ela abriu lentamente os olhos. Os de

Anthony estavam carregados de paixão. Sua voz era uma carícia e sua respiração morna roçava os

lábios dela.

-Alguma vez se deteve para pensar que esta é a única noite de sua vida em que todos

sabem que tem a intenção de fazer amor? Oh, querida, eu adoro que se ruborize por mim.

- É algo que estive só fazendo ultimamente... desde que te conheci.

Sua resposta foi um estímulo para os sentidos do Anthony. Separou-a de si com mãos

trêmulas e grunhiu com ternura.

- Fui um estúpido. Não devia esperar tanto tempo. Concederei-lhe cinco minutos para fazer

tudo que necessitar, mas, por Deus Roslynn, tem piedade de mim e se coloque na cama antes que

eu retorne.

- Com algo leve e sensual?

- Não, por Deus -exclamou ele. - Não poderia tolerá-lo neste momento.

Depois desapareceu, encerrando-se em seu quarto de vestir. Roslynn permaneceu com um

sorriso bobo e uma morna sensação de espera no estômago. Ela havia conseguido isso? Fazê-lo

perder o controle? Que extraordinário. Mas ela tampouco estava muito calma. Era muito diferente

saber o que aconteceria e não saber. Facilitava as coisas. Experimentava uma grande ansiedade.

Mas ainda era muito inexperiente para não estar também um tanto nervosa.

Com dedos trôpegos despojou-se de suas roupas, mas conseguiu fazê-lo com rapidez. Seu

coração pulsava a uma velocidade anormal. Seus ouvidos estavam atentos ao ruído da porta que

se abriria em qualquer momento. Meteu-se na cama; não sabia se devia cobrir-se completamente

com o lençol ou deixar uma parte de seu corpo a descoberto. Nesse momento triunfou a modéstia.

Perguntou-se se a freqüência modificaria as coisas; se chegaria a poder expressar certa indiferença.

Tratando-se de Anthony, duvidava-o. O mais provável era que isto se convertesse em um hábito.

Quando voltou, Anthony usava um roupão longo de veludo cor carmesim. Muito

envergonhada, Roslynn percebeu que nem sequer tinha pensado em vestir uma camisola. Não

teria permanecido com ela durante muito tempo, mas, não era indecoroso que uma esposa

aguardasse seu marido nua na cama? Possivelmente não; pelo menos nessa noite. E o sorriso de

Anthony quando se aproximou da cama expressava sua aprovação.

- Com licença - disse ele, sentando-se a seu lado e tirando os grampos de seus cabelos.

Ela tocou um dos cachos avermelhados que caíram sobre seus ombros. - Esqueci.

- Me alegro.

E era verdade. Adorava seus cabelos e desfrutava tocando-os. Deixou os grampos a um

lado e massageou o couro cabeludo de Roslynn até que ela fechou os olhos e em seus lábios se

desenhou um sorriso sonhador.

- Que agradável -murmurou ela suavemente.

- É? E isto?

Apoiou seus lábios sobre as têmporas dela e logo os deslizou até sua boca. Beijou-a

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apaixonadamente antes de continuar, beijando seu pescoço e logo seus seios. Roslynn estremeceu.

- Isso é muito agradável -murmurou ela.

Anthony riu com prazer. -Oh, carinho, realmente foi ontem à noite? Parece que transcorreu

uma eternidade após.

Ela apoiou sua mão sobre a face dele e logo passou um dedo sobre seus lábios. -Nada mais

que uma eternidade?

Ele a chamou com paixão e depois pegou seu pulso e beijou a palma de sua mão sem deixar

de olhá-la. Uma corrente elétrica, quente e formigante, estabeleceu-se entre ambos. E o olhar fixo

dele a transpassou, imobilizando-a, enquanto ele tirava o roupão, afastava o lençol e se deitava

sobre Roslynn. Começou a beijá-la tão intensa e apaixonadamente que, quando a penetrou, ela

estava transida de desejo, tanto que alcançou a culminação imediatamente, lançando um grito de

plenitude que fez que Anthony também a alcançasse.

Rendida de prazer, Roslynn segurou entre seus braços o corpo transpirado de Anthony e

ambos aguardaram até que sua respiração se normalizasse. Ela não tinha pressa para que ele se

movesse e o segurou com força. Ele tampouco desejava mover-se. Sua cabeça se apoiou no ombro

dela e seu fôlego roçou seu pescoço, lhe provocando cócegas muito leves. Um calafrio percorreu

os braços de Roslynn e ele o percebeu.

- Agi como um recém casado típico -disse ele, suspirando. - Impaciente, apressado e agora

contrito. -Apoiou o peso de seu corpo sobre os cotovelos; Roslynn se emocionou ao sentir que a

virilha dele pressionava a sua. - Dou-lhe permissão para que me castigue, querida.

- Por que?

- Bom, se não sabe...

- Por que, Anthony?

- Por meu descontrole, naturalmente. Um homem de minha idade e experiência não tem

desculpas, de modo que devo culpá-la. Fez-me perder a cabeça.

- Por acaso isso é mau?

- Você decidirá em um momento, quando fizer amor com mais lentidão.

Ela riu. -Se não soubesse que não é assim, diria que está tratando de que eu o adule. Deve

saber que sua atuação não foi deficiente. Justamente o contrário. Esteve maravilhoso.

Ele sorriu com sedução e ela se comoveu. Lançou um suspiro entreabrindo os lábios e ele se

inclinou para beijá-los meigamente.

Mas então se levantou, cobriu-a com surpresa com o lençol e tomou o roupão que tinha

deixado cair com descuido no chão. Voltou a sentar-se na beirada da cama, mas a certa distância

dela. Devia servir de advertência à Roslynn.

Com um suspiro fingido, disse: -No que respeita ao barulho.

Ela piscou. -O barulho?

- A exteriorização de seu temperamento escocês.

Roslynn sorriu, acreditando que ele brincava. -Zangarei-me, não é verdade?

- É muito provável, pois devo lhe dizer que hoje menti para você.

Ela se tornou séria. -A respeito do que?

- Não o adivinha, querida minha? Agora que me casei, não tenho a menor intenção de

manter minhas amantes. Defraudo-te, não?

- Mas, esteve de acordo.

Ele sorriu com masculina satisfação. -Hoje teria aceito qualquer coisa para fazer você

legalmente minha; inclusive teria feito por escrito, mas por sorte não me exigiu isso.

Roslynn o olhou com incredulidade; O relaxamento foi substituído pela ira. Sentia-se

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extorquida. Estava furiosa.

- Casou-se comigo empregando falsidades.

- Casei-me com você de boa fé.

- Que não pedi nem desejava. E, se pensar, compreenderá quão absurdo era seu pedido.

Você não me pediu que me casasse com você; fui eu quem lhe pediu isso e desejo que saiba que

jamais o fiz antes. Nem o teria feito sem temor. Tive amantes que poderiam durar toda a vida.

Agora desejo uma esposa.

A calma dele resulta ridícula frente à fúria dela e Roslynn, envergonhada, abaixou a voz. -

Isso diz agora, mas o que acontecerá dentro de um mês ou de um ano? Logo seus olhos começarão

a olhar a outras mulheres.

Anthony sorriu, sabendo que seu sorriso a enfureceria mais ainda. -Meus olhos estiveram

olhando-as durante os últimos dezenove anos. Dê-lhes um descanso, Roslynn. Estão fixos em ti e

não desejam mover-se.

Ela entrecerrou os olhos e o olhou com vivacidade, tal como ele o previra. –De modo que

pensa que brinco? Bem, me deixe lhe dizer...

Ele se inclinou e a puxou pela cintura, arrastando-a pela cama e aproximando-a a de seu

peito. O lençol ficou atrás, mas ela estava muito zangada e não o notou. Mas Anthony não o estava

e a sensação que experimentou debaixo de seu cinto fez ela desejar concluir com a discussão e

voltar a desfrutar dos prazeres de sua noite de núpcias. Menina tola. Tanto alvoroço porque só

queria a ela. Deveria estar feliz em lugar de armar um rebuliço. Mas ele o tinha imaginado e tinha

uma resposta preparada.

- Por que não chegamos a um acordo, amor? Ainda insiste em que tenha uma amante?

- Demônios. Por acaso não lhe estive dizendo isso? -disse ela.

- Muito bem. -Seus olhos acariciaram o rosto dela, detiveram-se em seus lábios e sua voz se

fez mais profunda. -Está preparada para desempenhar esse papel?

- Eu?

Ele voltou a sorrir, com esse sorriso enlouquecedor. -Quem senão você? É a única mulher

que me interessa neste momento.

-Não foi isso o que quis dizer e sabe.

-Talvez, mas é tudo que pode fazer.

Roslynn não acreditou nele. -Certamente há uma mulher a quem esteve freqüentando.

- Certamente. Na realidade há várias. Mas nenhuma delas é minha amante, amor. E desejo

que saiba que não as vi desde que conheci você. Mas isso nada tem que ver, não é verdade? A

questão é que não desejo voltar a me deitar com nenhuma delas. Está amarrada a mim.

- Anthony, por favor fala a sério embora seja só uma vez -rogou ela com exasperação.

- Minha querida, jamais falei tão seriamente em minha vida. Como fazer amor com outra

mulher se é a única que desejo? Sabe que não se pode. O desejo não obedece à vontade. Ou não

pensou nisso?

Ela o olhava, confusa e um pouco assombrada, mas logo franziu o cenho e apertou os

lábios. -Mas isso não significa que em algum momento não lhe agrade alguém a quem veja.

Anthony suspirou, aborrecido. -Se esse dia chegar, juro-lhe, Roslynn, que não me

importará. Bastará que a imagine, tal como está agora e isso bastará para me agradar.

Ela exalou um arquejo. -Sabe dizer muito bem as coisas, admito-o. Mas esquece que não me

ama.

Ele a jogou sobre a cama e cobriu seu corpo com o seu. -Então estudemos quais são meus

sentimentos, quer? -Sua voz parecia um ronronar, mas era óbvio que tinha perdido a paciência. -

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Existe uma grande quantidade de desejo. Foi uma tortura aguardar até agora para tocar você.

Existe uma grande possessividade, a qual descobri recentemente. Existem ciúmes, que

experimentei durante semanas. - Arqueou as sobrancelhas e ela o olhou, assombrada. -Não me

diga que se surpreende.

-Teve ciúmes? De quem?

-De todos, inclusive de meu maldito irmão. E, já que falamos do assunto, deve saber que os

cavalheiros com quem pensava se casar eram todos muito adequados, com exceção do Fleming,

que é realmente estranho. Foram tudo mentiras, Roslynn, porque não tolerava a idéia de que

nenhum deles a tivesse.

Nesse momento a segurava pelos braços, esperando a violenta reação dela depois dessa

confissão. Mas Roslynn permaneceu imóvel; o sobressalto era maior que a irritação.

- Então... deve me querer um pouco - disse ela em voz muito baixa e vacilante.

- Droga - explodiu ele-. Teria me casado com você se não fosse assim?

Nada intimidada, lhe lembrou: - Casou-se comigo para me ajudar a sair de uma situação

horrenda e lhe agradeço por isso.

Anthony fechou rapidamente os olhos, tratando de controlar-se. Quando os abriu, seu olhar

era duro. Mas sua voz, serenamente arrogante.

- Querida minha, se só tivesse desejado salvá-la, como você diz, teria podido provocar a

morte prematura de seu primo sem maiores inconvenientes. Mas a queria para mim; assim

simples. -O tom de sua voz mudou e se tornou severo. –E se voltar a me dizer que freqüente

outras mulheres, converterei-me em um marido arcaico e lhe darei uma surra. Fui claro? Não

haverá outras mulheres; nem agora, nem nunca.

Aguardou que ela explodisse. Mas ela sorriu, com um sorriso que acendeu os reflexos

dourados de seus olhos.

Anthony não soube o que pensar dessa mudança súbita. Até que ela disse: - Não

mencionou antes algo a respeito de fazê-lo mais lentamente? Supõe-se que eu devia decidir...

Ele riu, interrompendo-a. Sua risada era profunda e exultante. -Não mude nunca, carinho.

Não a quereria se fosse diferente.

E começou a possuí-la a sua maneira, com a ampla colaboração dela.

CAPÍTULO 23

E agora, o que acontece? O que faz aí sentada, sorrindo?

Roslynn inclinou levemente o espelho de mão e viu a imagem de Nettie refletida atrás dela.

Seu sorriso se fez mais longo e seus olhos, brilhantes, trataram de parecer inocentes. Voltou-se,

ainda sentada sobre a banqueta.

- Sorria? Não posso imaginar por que.

Nettie lançou um resmungo, mas também esboçou um sorriso. -Está contente com você

mesma, não é?

Roslynn deixou de fingir. -Sim. Oh, Nettie, nunca acreditei que pudesse ser tão feliz.

- Não me surpreende. conquistou um homem muito bonito. Mas, por que o mantinha em

segredo?

- Não houve nenhum segredo. Não figurava em minha lista, Nettie. Quando me pediu que

me casasse com ele, surpreendi-me tanto quanto os outros.

- Bem, tudo que peço é que seja feliz com ele. É muito mais do que esperava, dada a pressa

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que tinha. Nem sequer importa que esta casa seja tão espartana e que os criados sejam grosseiros e

esnobes.

Roslynn riu. -Imagino que conheceu Dobson.

- Sim; é um camponês. E esticado. Mas não me surpreende, já que tem a suas ordens os

outros criados. Não há uma governanta nem criadas; só duas que vêm várias vezes por semana

para realizar a limpeza. Até o cozinheiro é um homem e também é muito vaidoso.

- Pelo visto, tem muitas queixas, Nettie. Mas não se preocupe tanto. Esquece que esta era

uma residência de homens solteiros. Estou segura de que Anthony não porá objeções se fizermos

algumas mudanças. Terá que comprar móveis novos. - Olhou a seu redor e pensou no toque

feminino que necessitava seu novo dormitório. -Terá que contratar novos criados. Posso lhe

assegurar que estaremos muito ocupadas nas próximas semanas.

- Não incorra em gastos excessivos por minha causa. E recorda que antes de gastar, deve

consultar a seu marido. Os maridos costumam ser suscetíveis com respeito a essas coisas.

- Não se preocupe, Nettie. Não usarei seu dinheiro pois tenho fortuna própria.

- Deveria falar primeiro com ele, menina. Os homens gostam de pagar as contas de suas

mulheres, não sabia? O problema é que esteve se ocupando de si mesma durante muito tempo,

inclusive antes de que Duncan morrera. Mas agora está casada. Deve fazer concessões e fazer as

coisas de outra maneira se deseja manter a harmonia conjugal. -Nesse momento, bateram na porta

e Nettie disse: -Já deve estar preparada a água para seu banho. -Tem pressa para te reunir com seu

marido na hora de almoçar? Ou tem tempo para...

-Há muito tempo, Nettie. Acho que Anthony saiu. -Roslynn se ruborizou. -Quando me

disse isso estava meio dormindo. Mas disse algo a respeito de seu passeio matutino e algumas

coisas que devia fazer. Não acredito que retorne antes da hora de comer, de modo que posso

dedicar o dia a conhecer a casa e os criados. E além disso, devo enviar um bilhete à Frances para

lhe explicar o ocorrido. –Roslynn tinha dormido muito pouco a noite anterior, de maneira que

pensou que tudo isso era suficiente para um dia.

Uma hora depois pôs um vestido de fina musselina de cor bege, estampado com flores

primaveris em cores rosadas e amarelas. Roslynn saiu da habitação de Anthony, que agora era

também a sua, e começou a caminhar pelo vestíbulo. Virtualmente não tinha visto a casa na última

vez que esteve nela, nem tampouco na noite anterior, mas logo solucionaria o problema. Ia

necessitar da ajuda do Dobson. Como havia outros Malory na residência, não podia abrir portas

indiscriminadamente.

Dedicou um instante a pensar nos outros dois habitantes da casa, o irmão de Anthony e seu

filho. Perguntou-se se Anthony admitiria agora que Jeremy Malory era seu filho. Não havia

motivo algum para que o negasse, ao menos não ante ela. Era um jovem bonito, do qual se podia

estar orgulhoso, e era o vivo retrato de seu pai. Era ridículo que Anthony negasse sua paternidade;

bastava olhar ao moço para saber quem o tinha gerado.

Ela devia fazer-se amiga do jovem, coisa que não lhe parecia difícil. James Malory, em troca,

era outra coisa. Não havia motivos para ser muito amistosa com ele, mas sim justamente o

contrário. Deveria dizer ao Anthony que James a tinha beijado em uma ocasião? Talvez já

soubesse. Havia-lhe dito que tinha estado ciumento de seu irmão.

Sorriu ao recordar a desatinada conversa que tinham mantido na noite anterior. Não sabia

como tinha conseguido, mas a tinha convencido de que seria um marido maravilhoso. Todos seus

preconceitos a respeito dos libertinos se desvaneceram. Seria fiel a ela. Ela sabia e acreditava

firmemente e isso a fazia muito feliz. Que mais podia pedir senão ter Anthony Malory só para ela?

Seu amor, pensou. Mas o teria. Devia o ter.

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- Diabos, o que está fazendo você aqui?

Roslynn se deteve no alto das escadas. Jeremy Malory, que se dirigia ao andar superior,

parou de repente, boquiaberto. Roslynn decidiu lhe responder travessamente, pois era óbvio que

ele ainda não sabia de seu casamento.

- Passei a noite aqui, não sabia?

- Passou a noite? -repetiu ele.

- Sim, e estive pensando em me instalar nesta casa.

- Mas aqui somos todos solteiros.

- Mas há muito lugar, não acha? E nesta casa faz falta uma mulher.

- Ah, sim? -disse ele, confuso; depois meneou a cabeça. - Mas não seria decoroso. Você é

uma dama... bom, quero dizer... você sabe. Não seria correto.

-Não? -Roslynn sorriu. -Então deverei falar com seu pai. Ele insiste em que fique.

-Ele? -Jeremy esteve a ponto de afogar-se. -Diabos, sim que fez boa. O tio Tony ficará

furioso. Tinha-lhe jogado o olho. Demônios, é provável que agora nos jogue na rua.

- Jeremy -começou a dizer ela, deixando a brincadeira de lado. Não pensou que lhe afetaria

tanto. -Não precisa fingir. Sei que Anthony é seu pai. E lamento lhe ter feito uma brincadeira. Fico

porque ontem me casei com seu pai.

- Deveria lhe dizer isso..

Jeremy voltou a abrir a boca, estupefato, mas se recuperou logo. –Quando falas de meu pai,

refere ao Anthony? Casou-se com Anthony Malory?

- Não tem por que se surpreender tanto.

- Mas... não acredito. Tony casado? Não o faria, estou certo.

- Por que não?

- Porque não. É um solteiro contumaz. Muitas mulheres o assediam. Para que desejaria uma

esposa?

-Tome cuidado, mocinho - advertiu-lhe Roslynn asperamente. - Está a ponto de me ofender.

Jeremy se ruborizou. -Dis... desculpa, Lady Chadwick. Não quis ofender você.

- Agora sou Lady Malory, Jeremy - disse ela, mostrando seu anel de casamento. -Casamo-

nos ontem à noite em Silverley e sua prima Regina foi testemunha das bodas. De modo que deve

acreditar. Não tenho por que mentir e pode perguntar a seu pai quando voltar.

- Meu pai esteve lá?

Roslynn suspirou -Não acha que deve estar tratando de seu próprio casamento?

- Não, referia ao James. Ele é meu pai. Realmente o é.

Agora a surpreendida foi Roslynn, pois era óbvio que Jeremy falava a sério. -Mas, você se

parece tanto com Anthony.

- Sei. -Ele sorriu. -Mas também Reggie se parece com ele e Amy, a filha do tio Edward. E

minha tia Melissa, a mãe de Reggie, também se parecia com ele, embora não a conhecesse. Morreu

quando Reggie era um bebê. Os outros Malory são loiros. Só nós cinco nos parecemos com a

bisavó Malory.

- Ainda devo aprender muitas coisas a respeito desta família; é tão numerosa.

- É certo que se casou com você? Fez de verdade?

- Sim, Jeremy, fez. -Ela sorriu e desceu uns degraus para tomar seu braço. -Venha, e lhe

contarei tudo. James, seu pai, estava aqui ontem à noite quando Anthony me fez cruzar a soleira

em seus braços. Se acha que recebeu uma surpresa, precisava ver sua cara; estava sobressaltado.

- Não duvido. -Sua risada era muito profunda para um homem tão jovem, mas contagiosa.

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91

CAPÍTULO 24

Quando Anthony e James entraram na taverna e olharam o salão lotado de gente,

produziu-se o mesmo fenômeno que tinha tido lugar várias vezes ao longo da tarde. Os ocupantes

os contemplaram, deram-se cotoveladas entre si e logo se fez silêncio; um silêncio tão denso como

a fumaça que flutuava sobre as mesas gastas.

A gentalha dos moles não via com bons olhos a invasão dos cavalheiros em seu território, e

sempre havia algum ressentido que iniciava uma rixa. Essa rixa podia converter-se no momento

culminante da noite; uma oportunidade para que as classes baixas se apoderassem de algo dos

ricos que as exploravam; arrastando seus corpos surrados como de costume e jogando-os na rua

meio mortos e, em certas ocasiões, totalmente mortos.

Mas a envergadura destes dois aristocratas os fez vacilar. Não tinham o aspecto dos

cavalheiros elegantes que consideravam divertido freqüentar estabelecimentos que logo

desprezavam durante o dia. Não, estes dois eram diferentes e seu aspecto era ameaçador. Se

alguém pensara em algum momento em lhes criar problemas, não demorou para mudar de idéia

ao olhá-los com cuidado. E depois continuou bebendo e divertindo-se, ignorando-os.

O silêncio tinha durado uns vinte segundos. Anthony nem sequer o notou. Estava fatigado,

frustrado e um tanto ébrio, já que tinham bebido nas nove tavernas em que tinham entrado para

interrogar aos donos de cantina. James o percebeu e, uma vez mais, repreendeu-se a si mesmo por

não vestir-se adequadamente para essa classe de saídas. Mas nenhum dos dois pensara que a

excursão se prolongasse todo o dia.

Anthony decidiu que já era suficiente para um dia, mas nesse momento vislumbrou um

arbusto de cabelos avermelhados. Olhou a seu irmão e lhe indicou o bar com o olhar. James olhou

para ali e também viu o indivíduo. Os cabelos avermelhados não bastavam para convertê-lo no

Geordie Cameron, mas era provável que fosse um escocês. James suspirou, com a esperança de

que a busca tivesse se concluído. As perseguições infrutíferas não eram sua maneira favorita de

empregar o tempo.

- Por que não nos sentamos nessa mesa perto do bar e tratamos de escutar o que se

conversa? -sugeriu James.

- Por que não ir diretamente e lhe perguntar? -disse Anthony.

- A estes homens não agrada que lhes façam perguntas, querido irmão. Em geral têm algo

que ocultar. Ainda não lhe tinha ocorrido?

Anthony franziu o cenho mas assentiu. James estava certo. As pessoas para quem tinham

formulado perguntas não tinham colaborado com eles. Mas desejava concluir esse assunto e

retornar a sua casa. Sua mulher o aguardava e não era esta a maneira que imaginou passar seu

segundo dia de matrimônio.

O que devia levar tão somente umas poucas horas se converteu em uma comédia

exasperante. Anthony se tinha disposto a explicar a James o assunto de Geordie Cameron e o

motivo pelo qual se casara tão apressadamente, quando John, o investigador, interrompeu seu

café da manhã para lhe entregar o endereço do Cameron, que conseguira depois de perseguir os

capangas do Cameron até seu esconderijo.

Foi com certeza a expressão de ave de rapina satisfeita que apareceu no rosto de Anthony

que instigou James a lhe oferecer sua companhia. Não porque Anthony tivesse intenções de ferir o

canalha. Só desejava impressioná-lo com uma contundente surra, lhe informar que Roslynn estava

já fora de seu alcance, pois não sabia se Cameron estaria informado do casamento através dos

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92

periódicos, e lhe avisar que não a incomodasse mais. Muito simples. Não necessitava da ajuda do

James, mas à medida que transcorreu o dia, alegrou-se de tê-lo a seu lado.

A primeira frustração sofreram quando descobriram que Cameron já tinha abandonado o

apartamento que tinha alugado. Era importante o fato de que o tinha feito na noite anterior,

portanto Roslynn tinha burlado sua vigilância no dia anterior. Ou confiava em que ela não

denunciasse seu seqüestro ante as autoridades ou essa simplesmente estúpido. Mas na noite

anterior tinha decidido mudar de domicílio. E, como ainda era cedo para que se inteirasse do

casamento de Roslynn, Anthony duvidava de que o homem tivesse renunciado à busca para

retornar a Escócia. Por essa razão passou o resto do dia fazendo averiguações em qualquer

alojamento e taverna que houvesse na vizinhança, embora infrutuosamente.

Só conhecia Geordie Cameron através da descrição que lhe tinha feito a proprietária do

apartamento, mas coincidia com o aspecto do indivíduo que estava no bar. Alto, de cabelos

avermelhados, olhos de cor azul clara, muito bem apessoado, segundo a senhora Pym. Anthony

ainda não tinha podido ver seus olhos e não sabia se era bem apessoado, já que isso era uma

apreciação subjetiva, mas o resto coincidia, incluindo a roupa que levava. Estava acompanhado;

provavelmente se tratava de um de seus capangas. Era um homem baixo que usava uma boina

encasquetada até as orelhas, que impedia de distinguir com claridade seus traços.

Estavam conversando e a sugestão de James com respeito a escutarem a conversa parecia

razoável, apesar de que Anthony estava perdendo a paciência. Depois de todo o trabalho que teve

nesse dia, já não só desejava surrar o indivíduo mas sim contemplava com prazer a perspectiva de

lhe inferir um dano mais permanente. Tinha deixado de almoçar, de jantar, de fazer amor com sua

mulher. Esperava que ela apreciasse os esforços que estava fazendo por sua causa.

Foi atrás de seu irmão até a mesa ocupada por dois homens de aspecto rude e seu mau

humor se dissipou um tanto quando viu que seu irmão os olhava fixamente para que

desocupassem os assentos. -É assombroso como consegue , velho.

James sorriu inocentemente. -Que coisa?

- Expressar crime e destruição com esses olhinhos verdes.

- Não posso evitar que os indivíduos achem que possa fazer-lhes mal fisicamente.

Não é minha intenção e sabe. Sou o homem mais pacífico deste lado do...

- Inferno? -sugeriu Anthony com um sorriso retorcido. - Menos mal que Connie não esteja

aqui; do contrário morreria de rir.

- Basta, cachorrinho. Devemos beber algo para não continuar chamando a atenção.

Anthony se voltou para chamar uma garçonete. Uma prostituta surpreendentemente bonita

para um lugar como esse se sentou em seu colo e lhe rodeou o pescoço com os braços. Fez-o com

tanta rapidez que ele não teve tempo de reagir.

James teve piedade dele, divertido ante a situação em que se via envolto seu irmão. -

Enganou-se de colo, moça. -A garçonete o olhou, confundida, e James sorriu. -Tem frente a você

uma das criaturas mais dignas de compaixão deste mundo: um homem casado e que, além disso,

esta noite está muito preocupado. Se depositar seu bonito traseiro sobre este outro lado da mesa,

talvez descubra que é mais rentável.

A garçonete riu ao escutar as palavras de James, às quais estava habituada, mas que não

esperava de um cavalheiro tão elegante. Olhou ansiosamente a Anthony, que era o que tinha

chamado sua atenção quando ambos entraram no lugar. Valia a

pena voltar a tentá-lo, embora o outro fosse tão bonito como ele.

Ignorou o cenho franzido de Anthony, provocado pelo comentário de James, e enroscou

seus largos cabelos loiros em volto de seu pescoço para aproximá-lo dela e, debaixo da mesa, suas

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93

nádegas se moveram, provocando, sobre seu colo. –Está certo de que não me quer amorzinho?

Seria muito feliz se...

Reagindo com suma rapidez, Anthony a levantou, obrigando-a a ficar em pé e

empurrando-a para James. -Em outro momento, amorzinho - disse severamente, as entrecerrou os

olhos ao ver o olhar divertido de James.

James não estava perturbado o mínimo. Tomou a jovem pela cintura, acariciou suas

nádegas, murmurou algumas palavras em seu ouvido e encomendou duas cervejas.

- Agradou-te? -disse Anthony zombando.

- Seja este seu homem ou não, já tive suficiente por hoje. Não me desagradaria obter alguma

compensação pelo trabalho que tive e ela parece ser a indicada para me proporcionar isso.

Anthony sorriu. -Sim, imagino que assim será. Mas não esqueça que me preferiu.

- Sua vitória recente te envaideceu, moço. Odeio fazer você voltar para a realidade, mas

obviamente é necessário lhe recordar que, de agora em diante, só poderá se limitar a olhar,

enquanto que eu posso fazer quanto muito desejar .

- Acaso me queixei que minha condição de homem casado?

- Recorda essas palavras quando o fizer. As mulheres devem ser desfrutadas no momento.

Se a situação se prolongar, a prudência do homem corre perigo.

Anthony sorriu calmamente, apesar de que ele estava acostumado a pensar o mesmo. James

não o percebeu. Seu olhar se dirigiu para os dois homens que estavam no bar, conversando. fixou-

se sobre tudo no homem mais baixo e franziu o cenho; tinha as nádegas mais bonitas que jamais

visse em um indivíduo do sexo masculino.

Anthony também lhes prestou atenção quando o ruivo, que estava a menos de dois metros

de distância, levantou um tanto a voz. Seu sotaque escocês era inconfundível e novamente

recordou por que se achavam ali.

- Já ouvi suficiente -disse Anthony e ficou de pé.

James o puxou pelo braço e disse em voz baixa: -Não ouviu nada. Seja razoável, Tony. Não

sabemos quantos dos indivíduos que se acham aqui podem homens que trabalham para ele.

Podemos aguardar até que parta.

- Você poderá aguardar. Eu tenho uma esposa em casa e já a fiz esperar muito.

Mas antes de que desse um passo mais, James disse em voz alta: -Cameron - com a esperança

de que não houvesse resposta, pois Anthony se encontrava muito alterado. Infelizmente, houve-a;

ambos os indivíduos se voltaram até tempo e percorreram o salão com o olhar, um com temor, o

outro agressivamente. Os dois pares de olhos se fixaram sobre o Anthony quando este tirou de

cima a mão do James e avançou para eles. Mas Anthony só olhava ao escocês.

- Cameron? -perguntou em voz baixa.

- Meu nome é MacDonell, homem, Ian MacDonell.

- Mente -grunhiu Anthony, tomando ao homem pelas lapelas e levantando-o até que os

olhos de ambos estivessem ao mesmo nível e a poucos centímetros de distância.

Anthony compreendeu seu engano quando era muito tarde. Os olhos entrecerrados que o

olhavam com fúria eram cinzas, não azuis. Nesse mesmo instante, o pequeno pobrezinho que

estava junto a eles tirou uma faca da manga.

James interveio, pois Anthony estava tão concentrado no ruivo que não tinha notado a

manobra de seu companheiro. Jogou a faca para um lado, mas foi atacado com golpes de punho e

chutes. Não lhe fez muito dano, pois o pobrezinho tinha pouca força. Mas James não estava

disposto a tolerar o ataque. Sem esforço algum, levantou no ar a seu competidor. Não se

surpreendeu ao tocar um seio com a mão.

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Anthony os olhou e contemplou sobressaltado o delicado queixo, os lábios Macios e o

pequeno nariz. A boina lhe cobria os olhos, mas as maçãs do rosto eram inegavelmente femininos.

Surpreso, exclamou em voz alta: -Meu Deus, é uma mulher.

James sorriu. -Sei.

- Descobriram, miseráveis -disse a jovem e vários homens a olharam-. Mac, faz algo.

MacDonell o fez. Levou o braço para trás para golpear ao Anthony. Foi um movimento

rápido; era impossível não brigar. Além disso, Anthony precisava desafogar sua frustração.

Tomou o punho do homem e o esmagou contra a barra do bar.

-Não faça isso, MacDonell -disse Anthony. - Cometi um engano; peço-lhe desculpas.

MacDonell ficou desconcertado ante a facilidade com que Anthony o tinha dominado. Não

era muito menor que o inglês, mas lhe era impossível levantar o punho. E teve a sensação de que,

embora pudesse fazê-lo, não lhe serviria de muito.

Judicioso, o escocês assentiu com um gesto da cabeça e Anthony soltou sua mão. Mas James

ainda segurava a sua companheira e o escocês dirigiu sua ira para ele.

- Solte-a ou baterei em você. Não posso permitir que a maltrate...

- Acalme-se, MacDonell -disse Anthony em voz baixa. - Não lhe fará mal. Permite-nos que

os acompanhemos até a saída?

- Não é necessário...

- Olhe a seu redor -disse James. - Aparentemente é necessário, por causa do engano que

cometeu meu irmão.

Tomou a jovem e se encaminhou para a porta, levando-a debaixo do braço. Ela tratou de

protestar mas se reprimiu quando ele oprimiu suas costelas. Como MacDonell não a ouviu

queixar-se, seguiu-os. Anthony fez o mesmo, depois de deixar umas moedas sobre o balcão, em

pagamento das cervejas que nunca beberam. Olhou para o salão e viu que a maioria dos clientes

ainda olhavam ao James e a jovem; Na realidade, mais a jovem que a James. Ele se perguntou

durante quanto tempo teria estado na taverna até que seu disfarce fosse descoberto. Não

importava. Embora levava calças e suéter muito grande, qualquer desses homens teria tentado

aproveitar-se dela se James não a sustentasse com tanta firmeza.

Anthony imaginou que era esperar muito supor que poderiam sair dali sem que se

produzisse outro incidente. Apressou-se a unir-se aos outros quando a garçonete apareceu e

tomou o braço do James com gesto possessivo, detendo-o.

Anthony chegou a tempo para escutar seu protesto. -Ouça, não pensa partir, não é verdade?

James, em lugar de pô-la de lado, sorriu-lhe. -Retornarei mais tarde, querida.

Ela mudou sua expressão e nem sequer olhou o vulto que ele levava debaixo do braço. -

Meu trabalho termina às duas.

- Então, virei às duas.

- É muito tarde -disse um marinheiro musculoso que se pôs de pé, impedindo que James

avançasse.

Anthony suspirou e se aproximou de seu irmão. -Suponho que não terá inconveniente de

deixá-la no chão e te ocupar disto, James.

- Não.

- Pensei isso.

- Não intervenha -disse o marinheiro. - Não tem direito de entrar aqui e levar a duas de

nossas mulheres.

- Duas? Esta pequena prostituta é sua? -Anthony olhou a jovem que levantou a boina para

ver melhor e os olhava com expressão assassina. -Pertence a este homem, querida?

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Ela fez um gesto negativo com a cabeça. Por sorte, o marinheiro era um bruto de má

aparência; do contrário, talvez a resposta seria diferente, pois estava furiosa por causa da maneira

pela qual a estavam tratando. Anthony não a culpava. James a segurava com mais força que a

necessária e lhe tinha feito adotar uma postura muito pouco digna.

- Imagino que isso esclarece tudo. -Não foi uma pergunta. Anthony estava farto do

incidente, sobretudo porque ele era o único culpado de quanto tinha ocorrido. -Seja amável e se

afaste de nosso caminho.

Mas o marinheiro se manteve firme. -Não a tirará daqui.

- Droga - disse Anthony. Depois deu uma trombada no indivíduo.

O marinheiro aterrissou, inconsciente, a vários metros de distância. O homem que tinha

estado sentado a seu lado se levantou grunhindo, mas não foi o suficientemente rápido. Um golpe

o enviou outra vez a sua cadeira; seu nariz sangrava.

Anthony se voltou devagar e arqueou uma sobrancelha com gesto interrogante. -Há

alguém mais que deseje intervir?

De costas para ele, MacDonell sorria, alegrando-se de não haver-se enfrentado com o inglês.

Ninguém se moveu; aparentemente coincidiam com o MacDonell. Tudo tinha acontecido muito

rapidamente. Sabiam distinguir a um bom pugilista quando o viam.

- Muito bem, moço -disse James, felicitando-o. - Podemos partir ?

Anthony assentiu e sorriu. - Depois de você, velho.

Quando estavam fora, James deixou a jovem de pé em frente a ele. Ela o olhou à luz tênue

do abajur que pendia sobre a porta do botequim, vacilou um instante e depois lhe deu um chute

na tíbia e fugiu rua abaixo. Ele amaldiçoou violentamente e se dispôs a correr atrás dela, mas

pouco depois se deteve ao ver que era inútil. Ela já tinha desaparecido na escuridão da rua.

Voltou-se, amaldiçoando uma vez mais e comprovou que também MacDonell se esfumara.

-Aonde droga foi o escocês?

Anthony, que ria a gargalhadas, não o ouviu. -O que diz?

James sorriu tensamente. -O escocês. Desapareceu.

Anthony se voltou. -Que ingrato. Desejava lhe perguntar por que ambos voltaram a cabeça

quando nomeei ao Cameron.

- Ao diabo com isso -disse James. - Como poderei achá-la se não sei quem é?

- Achá-la? -disse Anthony, rindo. - Regozije-se com o castigo, irmão. Para que desejas uma

rameira que insiste em te machucar, quando tem outra que está contando os minutos aguardando

sua volta?

- Intrigou-me -disse James. Depois encolheu os ombros. -Suponho que está certo. A

pequena garçonete poderá tomar seu lugar. -Mas voltou a olhar rua abaixo antes que ambos se

encaminhassem para o carro que os aguardava.

CAPÍTULO 25

Roslynn estava no saguão junto à janela, com a face apoiada contra o vidro e apertando com

suas mãos o cortinado azul junto a ela. Fazia trinta minutos que estava ali; desde que saíra da sala

de jantar, depois de um jantar incômodo com o Jeremy e seu primo Derek, que tinha vindo buscá-

lo para sair.

Pelo menos, a chegada de Derek Malory a tinha distraído durante um momento. O herdeiro

do marquês era um jovem bonito da idade de Roslynn, loiro e de olhos pardos com reflexos

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esverdeados. Vestido de etiqueta, mostrava uma imagem muito atraente e Roslynn adivinhou

imediatamente que seguia os passos de seu tio; outro libertino em uma família que já tinha

muitos. Mas Derek Malory ainda tinha um ar juvenil que lhe dava um aspecto inofensivo e

encantador.

Ao inteirar do casamento de seu tio, reagiu tal como o tinha feito Jeremy; a princípio com

incredulidade e depois com alegria. Além disso, foi o primeiro que a chamou tia Roslynn; e não

brincava, o que a sobressaltou um pouco. Era em realidade uma tia agora e de repente tinha

numerosos sobrinhos e sobrinhas. Uma família instantânea, graças a seu casamento com Anthony.

Uma família cálida e acolhedora, segundo Jeremy.

Mas Jeremy e Derek partiram e Roslynn se tornou melancólica, sem perceber que tinha

estado de pé no mesmo lugar durante meia hora, contemplando o tráfego que passava por

Piccadilly.

Além disso, estava doente de preocupação. Algo tinha acontecido a Anthony. Certamente

estava ferido e não podia comunicar-se com ela. Por isso tinha transcorrido todo o dia sem notícias

a respeito dele. Por outra parte, o que tinha começado sendo uma leve irritação por sentir-se

abandonada, converteu-se, com o transcurso das horas, em uma cólera reprimida, sobre tudo

quando chegou Derek e ela não soube como explicar a ausência do Anthony. Durante todo o dia

se ocupou de seus assuntos, sem pensar que agora tinha uma esposa que podia estar preocupada

com ele.

Esses sentimentos conflitivos lhe tinham tirado o apetite, apesar de que tinha organizado

um jantar especial, que demorou durante mais de uma hora, esperando que Anthony chegasse a

tempo. Não o tinha feito e a ansiedade de Roslynn era cada vez maior; superando sua irritação e

lhe provocando um mal- estar físico.

Demônios, onde estava? Era tão somente seu segundo dia de casamento. Tinha esquecido?

Deveriam passar o dia juntos, tratando de conhecer-se melhor.

Finalmente, um carro se deteve frente à porta e Roslynn saiu correndo da sala, fazendo um

sinal ao Dobson para que não abrisse a porta de entrada. Ela mesma a abriu, antes de que

Anthony batesse. Olhou-o de cima abaixo, procurando feridas, mas não as havia. Estava bem.

Teria desejado abraçá-lo e golpeá-lo ao mesmo tempo, mas se manteve imóvel, com as mãos

entrelaçadas, para não fazer nenhuma das duas coisas.

Quando Anthony a olhou e a viu tão linda com seu vestido cor verde pálido e bordado

branco, seu rosto se iluminou com um sorriso.

- Deus, parece uma visão, amor. Não imagina o dia horrível que passei.

Roslynn se manteve imóvel no centro da soleira. -por que não me disse isso?

O sotaque a delatou. Ele retrocedeu para olhá-la melhor e notou seu gesto áspero e seus

lábios apertados.

- Acontece algo, querida?

- Sabe que horas são?

- Ah, é isso. -Ele riu. -Sentiu saudades, amor?

- Sentir saudades? -disse ela exasperada. - Presunçoso. Se não deseja vir para casa durante

vários dias não me importa. Mas acredito que a mais elementar educação indica que é necessário

avisar quando a gente não pensa retornar durante todo o dia.

- Sim, suponho que assim é -disse ele, surpreendendo-a. - E a recordarei da próxima vez

que empregue todo o dia tratando de achar a esse fugidio de seu primo.

- Geordie? Mas... por que?

- Por que teria que ser? Para lhe dar a boa notícia. Ou não compreendeu que até que não se

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inteire de sua nova condição, continua sendo um perigo para você?

Roslynn ficou vermelha de fúria. Ele se tinha demorado por ela e ela o recebia encolerizada.

- Lamento, Tony.

Seu olhar contrito era irresistível. Ele a aproximou de seu corpo e ela apoiou a cabeça sobre

seu ombro. -Menina tola -disse ele brincando-; não tem por que lamentar nada. Agrada-me que

alguém se preocupe comigo. Estava preocupada, não é verdade? Por isso se zangou?

Ela assentiu, mas não estava muito convencida de quanto ele dizia. Seu nariz percebeu um

aroma adocicado e provocador que provinha do casaco de Anthony; parecia... perfume e perfume

barato além disso. Ela se virou para trás, franzindo o cenho e viu um fio amarelo sobre o ombro

dele... mas não era um fio, era um cabelo loiro. Ela tomou entre seus dedos e o puxou parada

continuava saindo; era um cabelo muito comprido. Pôdia pensar que era dele, apesar de que a cor

era mais clara; mas não era fino mas sim grosso.

- Sabia -disse ela, olhando-a enfurecida.

- Sabia o que? O que acontece agora?

- Isto. -Mostrou-lhe o cabelo. -Não é meu e decididamente tampouco é teu, não é verdade?

Anthony franziu o cenho, tomando o cabelo. -Não é o que acha, Roslynn.

Ela cruzou os braços sobre o peito. -Ah, não? Suponho que uma rameira atrevida se deixou

cair inesperadamente sobre seu colo e te impregnou de aroma de perfume barato antes de que

pudesse evitá-lo.

"Meu Deus", grunhiu ele para si mesmo, "como o adivinhou?"" – Na realidade...

- Demônios, nem sequer sabe inventar suas próprias desculpas -gritou ela.

Era muito ridículo; muito cômico, mas Anthony não ousou rir ao ver a expressão assassina

de Roslynn. Muito serenamente disse: -Na realidade, foi uma garçonete. E não me teria achado em

condições de que se instalasse em meu colo se não tivesse estado em um das numerosas tavernas

que fui em busca de seu primo.

- Assim me culpa por sua infidelidade. Muito tipicamente masculino, não? Mas te direi do

que sou culpada: de ter acreditado em suas palavras ontem à noite. Já não voltarei a cometer esse

engano.

- Roslynn...

Quando ele procurou tocá-la, ela retrocedeu bruscamente e, antes que pudesse detê-la,

fechou-lhe a porta na cara. Anthony amaldiçoou profusamente; tinha perdido a paciência, mas

não tinha como descarregar seu mau humor.

Voltou-se, viu a rua vazia e chiou os dentes. Ao menos James tinha seguido seu caminho no

carro, rumo ao White's, para matar o tempo antes de sua entrevista com a dita garçonete. Não

teria podido suportar que seu irmão fosse testemunha de semelhante absurdo, nem vê-lo rir a

gargalhadas, enquanto lhe recordava as delícias da vida conjugal.

Droga. Tinham-no jogado de sua própria casa. Uma boa culminação de um dia que tinha

ido de mal a pior.

Anthony reagiu. Era sua casa. Que direito tinha ela de jogar o de sua própria casa? Voltou-

se e começou a dar chutes à porta. Mas logo pensou que era melhor acionar a tranca. Como não

estava fechada com chave, abriu a porta violentamente. O barulho que fez lhe produziu uma

grande satisfação, mas não moderou sua ira. Surpreendeu a sua mulher, que nesse momento subia

as escadas.

- Desça imediatamente, Lady Malory. Nossa discussão não acabou.

Anthony se surpreendeu ao ver que lhe obedecia imediatamente. Quando esteve junto a

ele, olhou-o desdenhosamente.

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- Se não partir, fá-lo-ei eu -disse ela, dirigindo-se para a porta de entrada, que ainda estava

aberta.

Anthony tomou seu pulso e a obrigou a girar sobre si mesma. -Nem o sonhe. Não deixará

esta casa, nem eu tampouco. Estamos casados, recorda? E entendi que as pessoas casadas vivem

juntas.

- Não pode me obrigar a permanecer aqui.

- Ah, não?

Podia e Roslynn se enfureceu até mais ao recordar que lhe tinha outorgado esse direito.

Tirou violentamente sua mão e esfregou o pulso que com toda probabilidade estaria roxo

na manhã seguinte. -Muito bem, mas me instalarei em outro aposento e se tiver algo que dizer a

respeito, pode adiá-lo para outro momento.

Voltou-se para dirigir-se para as escadas, mas Anthony tomou seu ombro e a obrigou a

virar-se. -Prefiro fazê-lo agora, querida minha -disse ele asperamente. - Condena-me sem me

escutar.

- Trouxe a prova com você. Fala por si mesmo.

Ele fechou os olhos, exasperado. -Mesmo que fosse assim, o que não é, não me permite me

defender. É injusto, de qualquer ponto de vista.

- Injusto? -disse ela, com olhos brilhantes de cólera. - Só lhe economizo a perturbação, pois

diga quanto diga, não acreditaria.

Tratou outra vez de afastar-se, mas ele a aproximou outra vez a si. -Maldição, mulher,

estava procurando Cameron.

- Pode ser, mas também fez um pequeno desvio. Bem, eu lhe tinha permitido isso.

Furioso, ele disse: -Então, por que faz este escândalo?

- Mentiu-me. Tratou de me fazer acreditar que seria de outra maneira; por isso, não o

perdôo.

Ela se voltou, mas a voz dele a deteve. -Se partir, surrarei você.

- Não se atreveria.

Ele entrecerrou os olhos. -Asseguro-lhe amor, que neste momento seria um prazer. Bem, lhe

avisarei isso somente uma vez. Embora não o acredite, já não me importa. A pequena rameira que

me sentou em cima só estava fazendo seu trabalho. Fez sua oferta e eu a recusei. Isso foi tudo.

Friamente, Roslynn perguntou: -Acabou? Mas foi Anthony quem se voltou e partiu.

CAPÍTULO 26

Nessa noite, Roslynn chorou até adormecer; era a primeira vez que lhe acontecia desde que

era menina. O fato de que Anthony não tentasse aproximar-se dela em seu novo quarto foi um

alívio, mas a fez chorar mais amargamente. Odiava-o; não desejava voltar a vê-lo, mas estava

atada a ele.

Se não fosse uma ingênua tola. Mas tinha permitido que ele a convencesse de que podiam

ter um casamento normal e agora estava pagando o preço de sua credulidade, com um

ressentimento que não podia evitar e uma amargura que nunca tinha experimentado. Essa manhã

tinha sido imensamente feliz durante umas horas e por isso, o fato de voltar para a realidade era

tão mais difícil de suportar. Não poderia lhe perdoar que tivesse quebrado sua oportunidade de

ser feliz.

Por que não deixou as coisas tal como estavam? Por que a iludiu, para logo destroçar suas

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ilusões?

Nettie não necessitou que lhe contassem o acontecido, pois todos os habitantes da casa

ouviram a irada discussão, mas não abriu a boca enquanto ajudou a Roslynn a trocar de quarto.

Na manhã seguinte aplicou compressas frias sobre os olhos inflamados, novamente sem

comentários. O canalha estava inclusive arruinando seu aspecto físico.

Mas a solução de ervas preparada por Nettie apagou todos os rastros da triste noite que

tinha passado sua ama. Lástima que não tivesse uma poção mágica para aliviar o sofrimento

interior de Roslynn. Entretanto, quando desceu, embelezada com um alegre vestido de cor

amarela que contrastava com seu humor, ninguém diria que os sentimentos negativos ainda

buliam dentro dela. Felizmente, porque se encontrou com numerosos Malory na sala de visitas,

mas graças a Deus, nenhum deles era seu marido.

Tinha começado. E precisamente quando não sabia se toleraria a presença de Anthony

nesse dia. Além disso, não tinha a menor idéia de qual seria seu humor quando descesse. Talvez

demonstrasse seu estado de ânimo, mas ela não tentava fazê-lo.

Sorriu calidamente. Que não se levasse bem com seu marido, não significava que devia

inimizar-se com o resto da família.

James foi o primeiro em vê-la e imediatamente ficou de pé para fazer as apresentações do

caso. -Bom dia, querida menina. Como vê, os mais velhos vieram inspecionar você. Meus irmãos

Jason e Edward... a desposada enrubescida.

A expressão empregada pelo James fez Jason franzir o cenho. Ambos, ele e Edward, eram

corpulentos, loiros e de olhos verdes, mas Edward era mais robusto. Jason parecia uma versão

maior do James; era sério e, como ele, tinha um aspecto implacável. Edward era totalmente

oposto. Mais tarde ela comprovou que tinha bom caráter, bom humor, era alegre, mas formal e

sério em questões de negócios.

Ambos ficaram de pé. Edward abraçou carinhosamente Roslynn. Jason, mais reservado,

beijou sua mão. Jeremy, que não precisava ser apresentado, lhe piscou um olho. Por sorte, nem ele

nem James tinham estado na casa na noite anterior e, por isso, não tinham escutado a embaraçosa

cena que tinha tido lugar no vestíbulo.

- Não imagina quanto prazer me proporciona , minha querida -disse Jason, sorrindo,

enquanto a conduzia até o sofá para sentar-se junto a ela-. Achei que Tony jamais se casaria.

- Não acreditei que o moço pensasse em sentar cabeça -acrescentou Edward jovialmente. -

Alegra-me me haver equivocado. Alegra-me muito.

Dadas as circunstâncias, Roslynn não soube o que responder, já que era evidente que

Anthony não pensava fazê-lo. Mas eles desejavam acreditar que era assim, de modo que não os

contradisse. Mas tampouco lhes faria acreditar que se tratava de uma união apoiada no amor. Pois

não o era não.

Começou a falar com vacilação. -Houve motivos para nosso casamento e acredito que

deveriam conhecê-los...

- Já sabemos, querida -interrompeu Edward. - Reggie nos falou que seu primo... Na

realidade, não importa. Se Tony não estivesse disposto, não teria tomado essa decisão.

- Fez isso para me ajudar - disse Roslynn. Os três sorriram dubiamente e ela insistiu: -Na

realidade foi assim.

-Tolices -disse Jason-. Tony não é desses homens a quem agrada passar por heróis, exceto

com as raparigas.

-Justamente o contrário -disse Edward, rindo.

James disse: -Basta olhar você, querida menina, para saber qual foi o motivo. Não o culpo o

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mínimo.

Jason interceptou o sorriso libertino de James, que fez ruborizar à Roslynn. - Nada disso

agora -disse ao James, franzindo o cenho.

- Oh, vamos Jason. O casamento a salvou de mim.

- Desde quando foi um impedimento para você? -perguntou Jason com brutalidade.

- É verdade. -James encolheu os ombros. -Mas não seduzo a minhas cunhadas.

Roslynn não sabia que se tratava de uma brincadeira. Tampouco sabia que esses irmãos

eram felizes quando discutiam, embora fosse de brincadeira.

-Senhores, por favor -disse, - estou certa de que James não quis me ofender.

- Viu-disse James com gesto presumido. - Ela sabia que não devia tomar minhas palavras a

sério. De qualquer modo, o que tem que mau em olhar?

- Em geral os olhares expressam os sentimentos - disse Jason franzindo a testa.

-Ah, mas não meus. É mais divertido para mim, não ser tão óbvio... como você, irmão.

Edward riu. -Apanhou-o, Jason. Neste momento sua expressão é um tanto feroz.

-Sim -disse James. - Seu gesto é tão sério que certamente a nova integrante da família

acreditará que é sério.

A expressão de Jason se suavizou quando olhou para Roslynn. -Lamento-o, querida. O que

pensará de...

-Que é um tirano e não está errada - disse James, sem poder conter-se, embora com isso

conseguisse que Jason o olhasse de novo com gesto severo.

-De maneira nenhuma -disse Roslyn. - Sou filha única; é tão... interessante ver como se

relacionam entre si os membros de uma família numerosa. Me digam, quem é o árbitro da família?

Sua pergunta provocou uma gargalhada geral. Transformou ao James, tornando-o ainda

mais bonito. Também suavizou os traços de Jason, demonstrando que, aos quarenta e seis anos,

ainda era endiabradamente atraente e que seu aspecto não era tão intimidatório como lhe tinha

parecido ao princípio. Edward se tornou mais adorável ainda. Deus, esses Malory punham em

perigo o equilíbrio de uma jovem. E ela se casou com um deles.

- Disse-lhes que era uma jóia - disse James a seus irmãos. - É o par perfeito para Anthony,

não acreditam?

- Assim parece -disse Edward, secando suas lágrimas. - Mas acreditei que havia dito que

era escocesa. Não percebi seu sotaque.

Uma voz serena respondeu da porta, antes de que James pudesse fazê-lo. -Aparece quando

se zanga, no momento mais inesperado.

James não pôde evitar um comentário malicioso. -Sem dúvida, sabe por experiência.

-Sem dúvida -disse Anthony, olhando para sua mulher.

Roslynn fechou os punhos ao vê-lo tão informalmente apoiado sobre o batente da porta, os

braços cruzados e um joelho flexionado para cruzar os pés à altura dos tornozelos. Como se

atrevia? De modo que desejava fazer jogos de palavras.

Sorriu docemente ao Anthony, aceitando o desafio. -Não alardeie. Só guardo rancor quando

as pessoas o merecem.

James jogou lenha ao fogo. -Pois então, Anthony, não tem por que preocupar- se. Não é

assim?

-Quanto zarpa seu navio, irmão? -replicou Anthony e James riu.

Os irmãos mais velhos e Jeremy se aproximaram para felicitá-lo e bater nas costas

carinhosamente. Roslynn contemplou a feliz cena, com raiva. De modo que fingiria que nada mau

acontecia. Bem, ela também podia fazê-lo enquanto a família estivesse ali e enquanto ele se

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mantivesse a distância. Mas não foi assim. Sentou-se junto dela no sofá, tomando o lugar do Jason

e rodeou seus ombros com seu braço, atitude muito marital.

- Passou bem a noite, amor?

- Vá para o diabo -murmurou ela embora sorrisse ao dizê-lo.

Anthony riu, embora o esforço lhe provocasse dor de cabeça. Graças a teimosia de sua

mulher, na noite anterior se embriagara e estava sofrendo as conseqüências. Teria preferido

permanecer na cama, mas não pôde fazê-lo quando Willis lhe informou que os mais velhos tinham

chegado. Maldito inconveniente. Não poderia discutir com Roslynn em presença de todos eles.

Na realidade, deveria concluir a discussão na noite anterior. Mas ingenuamente acreditou

que depois de dormir toda a noite, ela se acharia mais receptiva e razoável. Por isso não tinha

derrubado sua porta. Deveria tê-lo feito. Ela ainda estava ressentida, de modo que não teria

podido zangá-la mais ainda. Droga. Queria matar a quem uma vez disse que as mulheres eram

seres maleáveis.

Momentaneamente, decidiu ignorar a sua mulher, mas não tirou seu braço dos ombros de

Roslynn. -Eddie, onde está o resto de sua família?

- Virão quando Charlotte conseguir reuni-los. A propósito, deseja organizar uma festa em

honra de vocês, já que não pudemos assistir ao casamento. Não será uma grande recepção; só a

família e os amigos.

- Por que não? -disse Anthony. - Será agradável compartilhar nossa felicidade com outros.

Sorriu em seu interior quando ouviu que Roslynn se engasgava.

CAPÍTULO 27

- Ontem estive aqui, mas tinha tantos convidados...

- Que partiu -disse Roslynn. Deixou de passar manteiga em seu pãozinho para olhar

fixamente à Frances. -Lamento que o tenha feito.

-Não quis parecer uma intrusa.

-Fran, era só sua família que tinha vindo para me conhecer e a felicitar a Anthony. Teria

sido bem-vinda, me acredite, em especial por mim. Não imagina como me senti só no meio do clã

Malory.

Frances calou-se. Bebeu um gole de chá, brincou com o guardanapo que tinha sobre seu

colo e com o bolo que havia sobre seu prato e que não tinha provado. Roslynn a contemplou,

contendo o fôlego. Sabia que demorava. Temia-o, especialmente agora, que lamentava haver-se

casado tão apressadamente com Anthony. E era a primeira vez que via Frances desde suas

núpcias. Quando apareceu inesperadamente à hora do café da manhã, Roslynn soube que, além

das tentadoras delícias que o cozinheiro tinha preparado, deveria digerir uma considerável cota

de críticas.

Tratou de atrasar o momento. -Espero que não tenha estado muito preocupada na outra

noite. -Demônios, só fazia quatro dias que Geordie a tinha seqüestrado?

-Muito preocupada? Frances riu amargamente. -Tiraram-na de minha casa. Eu era

responsável.

-Não. Geordie foi muito ardiloso e enganou a todos. Mas espero que compreenda por que

me vi obrigada a partir antes de que retornasse.

-Sim, compreendo-o. Não podia permanecer comigo depois dele ele ter descoberto seu

paradeiro. Mas esse bilhete que me enviou há dois dias. Jamais poderei compreender isso. Como

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pôde fazê-lo, Ros? Nada menos que com Anthony Malory?

Bem, já tinha formulado a pergunta tão temida; como ela mesma se esteve perguntando. As

respostas não eram satisfatórias, não para ela; mas devia responder à Frances.

- Na noite em que Nettie e eu partimos, parei aqui para ver o Anthony. -Não pode ser.

Roslynn vacilou. -Sei que não devia fazê-lo, mas fiz. Quando estivemos no Silverley, ele se

tinha devotado a me ajudar. O marido da Regina não conhecia muito bem a meus cavalheiros,

mas Anthony, sim. Supostamente, ia clarificar alguns rumores sobre eles. Bom, a questão é que,

depois desse encontro com o Geordie, eu tinha muita pressa. Vim a esta casa só para que ele me

sugerisse um nome, para que escolhesse um dos cinco cavalheiros mais adequado para mim.

- Bem. É razoável, embora muito indecoroso -disse Frances. – Estava atemorizada e

alterada. Nessa noite não pensava com lucidez. Mas, o que aconteceu? Por que escolheu ao Sir

Anthony?

- Mentiu-me -disse Roslynn simplesmente, olhando o pãozinho que ainda tinha na mão. -

Convenceu-me de que os cinco eram tão inadequados que não podia me casar com nenhum deles.

Devia ter escutado algumas de suas horríveis histórias e a forma convincente com que as

inventou. Em nenhum momento suspeitei que mentisse.

- Então como sabe...?

Roslynn riu um instante. -Porque depois de nos casarmos admitiu-o. Arrogantemente,

confessou-o tudo.

- Que canalha.

- Sim, é -suspirou Roslynn. - Mas não é essa a questão. Na noite que vim vê-lo eu estava

desesperada e quando me disse tudo isso compreendi que estava como no começo e não soube o

que fazer.

- De modo que lhe pediu que se casasse com você - assegurou Frances, tirando suas

próprias conclusões. - Bom, agora compreendo... ou acredito compreender. Suponho que teve a

sensação de que não tinha outra alternativa.

- Não foi exatamente assim -disse Roslynn, mas decidiu não mencionar o fato de que tinha

sido seduzida. Frances não tinha por que saber tudo.- Nem sequer nesse momento pensei que

Anthony pudesse ser a solução de meu problema. Demônios; estava decidida a retornar a Escócia

e me casar com um granjeiro. Foi Anthony quem sugeriu que me casasse com ele.

Frances ficou boquiaberta. -Ele? -repôs-se com rapidez da surpresa. -Bom, naturalmente

pensei que... quero dizer que, como há um momento disse que não teria vacilado em fazer a

proposta, talvez foi necessário porque contava com muito pouco tempo para um noivado. E o

tempo era cada vez menor, de modo que supus... Realmente lhe propôs casamento?

- Sim, e me surpreendi tanto como você. Pensei que brincava.

- Mas não era assim, não é verdade?

- Não, absolutamente. É obvio, recusei-o.

Frances voltou a abrir muito a boca. -Fez isso?

- Sim, e parti para Silverley. -Não era necessário que Frances soubesse que isso tinha

ocorrido no dia seguinte. -Mas, como vê, mudei de idéia. Ele me oferecia a solução e decidi encará-

lo como um assunto de negócios. Ainda não sei por que o fez, mas assim foi. Essa é toda a história.

-Menos as partes que Roslynn não podia mencionar.

Frances voltou atrás, mais tranqüila. -Bem, espero que não tenha que lamentá-lo. Rogarei

para que se produza um milagre: que Sir Anthony chegue a converter-se em outro Nicholas Eden.

-Meu Deus, dobre a língua, senhora -disse Anthony, entrando na sala. - Esse indivíduo me é

intolerável.

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A pobre Frances corou intensamente. Roslynn olhou a seu marido com fúria. -Dedica-se a

escutar conversas alheias, meu senhor?

-De maneira nenhuma -disse ele, mas seu sorriso desmentia sua negativa. – De modo que

chegaram os reforços?

Olhou para Frances significativamente e foi Roslynn quem se ruborizou desta vez.

Recordou que no dia anterior, cada vez que ele procurava falar com ela, ela se tinha dedicado a

falar com algum membro da família, os que ficaram jantando e ainda mais tarde, lhe

proporcionando uma boa desculpa para evitá-lo durante todo o dia. Agora tampouco estavam

sozinhos, com a diferença de que a visita provinha de seu bando. O emprego da palavra "reforços"

era indicado, embora Frances não sabia a que se referia com ela.

- Vai sair? -perguntou Roslynn, esperançada.

- Sim. Continuarei a busca de seu querido primo.

- Oh. E fará outro desvio? -disse ela enfurecida. - Então você verá... quando vir, suponho.

Anthony apoiou as mãos sobre a mesa e a olhou nos olhos. -Verá-me esta noite, querida.

Não o duvide. -Logo se endireitou e sorriu desinteressado.- Bom dia, senhoras. Agora podem

continuar me despedaçando.

Girou sobre seus calcanhares e saiu com tanta indiferença como tinha entrado, deixando

Roslynn irritada e Frances com a sensação de que acontecia muito mais do que se deixava

entrever. Anthony, que tinha saído em silêncio da sala, partiu da casa batendo a porta.

Roslynn fez uma careta e Frances arqueou uma sobrancelha. -Está aborrecido por algum

motivo?

- Sim.

- Você também?

- Frances, não desejo falar sobre isso.

- É tão terrível? Bem, só posso lhe dizer que aceitou este matrimônio, sabendo como era.

Imagino que não será fácil conviver com ele, mas deve fazer todo o possível por salvar seu

matrimônio. Não espere muito.

Era jocoso. Não tinha esperado nada até que Anthony lhe fez forjar a ilusão de que poderia

mudar. Antes de que transcorressem vinte e quatro horas, tinha demonstrado que não podia. Ela o

teria compreendido um mês mais tarde, até mesmo uma semana, mas como podia compreender

no dia seguinte de lhe jurar que não queria a nenhuma outra mulher, a não ser só a ela? O

problema era que não podia superar sua irritação e aceitar a idéia original de tomá-lo tal qual era.

Anthony tinha pensamentos semelhantes quando subiu à carruagem que o aguardava.

Tinha direito a estar furioso e o estava em grau supremo. Um acordo comercial. Gostaria de saber

o que conseguiria desse "convênio comercial" tal como se achavam as coisas nesse momento.

Mulher teimosa, irracional e irritante. E além disso, ilógica. Se empregasse um pouco de

bom senso, compreenderia como eram absurdas suas acusações. Mas não, nem sequer desejava

falar do assunto. Ontem, cada vez que ele tinha tentado, lhe tinha sorrido falsamente e escapulira,

usando à família dele como barreira defensiva. E eles estavam encantados com ela. por que não?

Era adorável, inteligente (exceto quando se tratava de certos assuntos) e formosa, e todos

consideravam que era a salvação de Anthony. Mas em realidade, era o advogado do diabo, cuja

missão era enlouquecê-lo.

Pois não perderia mais nenhuma só noite de sono por causa da teimosia de sua mulher. Ela

devia dormir em sua cama, em lugar de alimentar ressentimentos em outro quarto. Falariam nessa

noite, sem interrupções.

Devia pensar em fazer chegar uma mensagem a James, sugerindo-lhe que ele e Jeremy

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saíssem essa noite, sem lhe explicar por que.

CAPÍTULO 28

Pouco depois de Frances partir, chegou Jeremy com uma pilha de periódicos e um garboso

sorriso. Disse à Roslynn que a notícia apareceria durante duas semanas. Ela achou o anúncio de

seu casamento em cada um dos periódicos, mas devia reconhecer que Anthony estava certo. Não

existia nenhuma certeza de que Geordie o lesse. De maneira que não pôde evitar sentir-se

agradecida ante o fato de que ele, apesar de estar zangado com ela, estava-se esforçando por achar

Geordie e avisá-lo a respeito.

Ela estava casada e a salvo, mas se Geordie o ignorasse, até que ponto estaria? Nesse

mesmo momento podia estar tramando um novo estratagema para seqüestrá-la e desposá-la.

Sabia onde se achava ela; pelo menos sabia que sua roupa tinha sido enviada para esse endereço.

E se conseguisse apanhá-la novamente e ela devia lhe dizer que já era muito tarde, poderia, em

sua cólera, submetê-la a todo tipo de maltratos.

Por esse motivo, Roslynn tinha decidido permanecer em sua casa durante um tempo. As

remodelações que planejava podiam ser levadas a cabo pelos artesãos que fossem à casa, sem

necessidade de que ela fosse buscá-los. Tinha decidido fazer muitas reformas na casa de Anthony.

E não pensava lhe informar a respeito. E quando ele percebesse os gastos que devia pagar, já que

ela tinha mudado de idéia e pensava empregar só o dinheiro dele, talvez meditasse atentamente

antes de voltar a mentir.

Uma pequena vozinha interior lhe dizia que estava agindo com malícia e rancor, mas

Roslynn não a escutou. Tinha decidido gastar o dinheiro de Anthony como se ele possuísse uma

imensa fortuna. Inclusive talvez insistiria em que ele construísse uma nova casa, talvez uma

mansão no campo. Mas primeiro se dedicaria a redecorar esta. Além de tudo, a casa não era tão

grande. Nem sequer possuía um salão de baile. Como poderia receber convidados nessas

condições?

Se propusesse, poderia gastar todo o dinheiro de Anthony e mergulhá-lo na pobreza. Sim,

era uma idéia interessante. Imaginava Anthony humilhado, lhe pedindo dinheiro para sobreviver;

a idéia a fascinou. Merecia-o por havê-la decepcionado.

Mas Roslynn não dedicou muito tempo a seus planos de vingança; não podia deixar de

pensar na ameaça implícita de Anthony em relação a uma possível confrontação. Não podia negar

que a perspectiva a preocupava. E seu nervosismo aumentou no transcurso da tarde; tanto que

quando James lhe anunciou durante o jantar que ele e Jeremy iriam ao Vauxhall Gardens essa

noite, esteve a ponto de lhe pedir que a levassem com eles. Por que deviam partir precisamente

essa noite, embora essa fosse a norma e não a exceção? Embora Anthony ainda não tivesse

chegado, Roslynn teve a certeza de que finalmente apareceria.

Mas não quis impor sua companhia aos dois Malory, que ainda eram solteiros. Não era tão

covarde. Pelo menos assim quis acreditá-lo antes de que James e Jeremy partissem. Mas quando a

porta de entrada se fechou atrás deles e ela ficou a sós com a criadagem, a criadagem de Anthony

(Nettie não contava), chegou à conclusão de que era uma covarde.

Era ridículo retirar-se para seu dormitório a essa hora tão cedo mas o fez com rapidez.

Disse a Dobson que informasse a Anthony de que não se sentia bem e que não desejava ser

incomodada sob nenhum pretexto. Mas não sabia se daria resultado.

Se por acaso o estratagema falhasse, vestiu sua camisola menos atraente (uma bata de

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algodão grosso, mais indicada para o inverno não rigoroso de Escócia), ocultou seus cabelos

debaixo de um horrível gorro de dormir que pediu emprestado à Nettie, pois ela jamais os usava,

e completou seu traje com um grosso roupão que costumava usar depois do banho.

Também considerou a possibilidade de lubrificar o rosto com um dos cremes que Nettie

usava, mas lhe pareceu um exagero. Ao olhar-se no espelho comprovou que estava bastante

horrível sem necessidade de apelar ao creme. Se acrescentasse algo mais Anthony perceberia que

se tratava de um arsenal muito óbvio e talvez risse em lugar de desanimar.

Como se tivesse coberto tanto, não se cobriu com as mantas. Sentou-se com um livro na

mão; era mais natural que fingir estar dormindo, coisa que Anthony poria em dúvida sendo tão

cedo.

Não, devia parecer normalmente indisposta, sem demonstrar que tratava de evitá-lo. Ele se

veria obrigado a deixá-la a sós. Isso, em caso de ignorar a mensagem de Dobson. Ou se voltasse

para casa.

Demônios, nada disso seria necessário se Dobson tivesse achado a maldita chave que lhe

tinha pedido no dia anterior. Mas, por outro lado, se se fechasse com a chave, ele poderia

considerar isso como um desafio. Seria evidente que ela não desejava falar com ele. Não, era

melhor assim. Se desejasse entrar, que entrasse. Ela o faria sentir culpado por havê-la incomodado,

sentindo-se ela tão mal.

O livro que tinha nas mãos era uma aborrecida recopilação de sonetos, melosamente

sentimentais, pertencente ao anterior ocupante do aposento, fosse quem fosse. Mas não tinha

outro ao alcance da mão. Era muito tarde para arriscar- se a descer ao estúdio do Anthony, onde

havia uma pequena biblioteca. Se o fizesse , ele poderia entrar nesse momento e o efeito que ela

procurava criar se arruinaria.

Deixou de um lado o livro. Em outro momento a teria fascinado já que os sonetos de amor

em geral a comoviam. Mas essa noite não estava para romantismos. Sua mente começou a divagar

e se perguntou se seria conveniente prolongar sua enfermidade durante todo o dia seguinte. Isso

lhe daria tempo para pensar e para voltar a controlar suas emoções.

Por sorte, Roslynn ainda tinha o livro em frente dela e parecia estar lendo quando de

repente, Anthony abriu a porta. Por desgraça, não caiu na armadilha.

- Muito divertido, querida minha -disse secamente. Sua expressão era inescrutável.- Levou

todo o dia para planejar isto ou se inspirou quando o falcão e seu cachorrinho lhe abandonaram?

Como ela não tinha a menor idéia da referência que ele fazia a respeito de aves

e cães, ignorou a pergunta. -Pedi para não ser incomodada.

- Sei, amor. -Fechou a porta e sorriu em forma inóimidatoria. -Mas um marido pode

incomodar a sua mulher, em qualquer momento, em qualquer lugar e como lhe agradar.

O significado que estava atribuindo a suas palavras fez Roslynn se ruborizar e ele o

percebeu. -Ah, deve ser a febre -continuou dizendo ele, aproximando-se da cama. - Não é de

estranhar, com toda a roupa que vestiu. Ou se trata de um resfriado? Não, não beliscaste seu nariz

para que avermelhasse. Então deve tratar- se de enxaqueca. Não é necessário ter sintomas visíveis

para padecê-la, verdade?

Suas palavras provocadoras a enfureceram. -Bruto. Se a tivesse, não se importaria.

- Oh, não sei. -sentou-se na cama e brincou com o cinto do roupão de Roslynn. Agora que

ela tinha deixado de fingir, o sorriso dele era divertido. –Tem enxaqueca?

- Sim.

- Mentirosa.

- Estou aprendendo de meu professor.

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Ele riu. -Muito bem, querida. Perguntava-me como abordar o assunto. Mas você o fez por

mim.

- Que assunto?

- Sabe muito bem. Tem a intenção de se fazer de idiota?

-N ão tenho nenhuma intenção. Você sairá deste quarto.

É claro, ele não o fez. Teria sido muito simples. Anthony se apoiou sobre um cotovelo e a

esquadrinhou irritantemente, em silêncio.

De repente, ele se inclinou para frente e lhe tirou o gorro de dormir. -Assim está melhor. -

Fez girar o gorro com seu dedo, enquanto contemplava os cabelos avermelhados dela que caíam

sobre seus ombros. -Sabe que adoro seus cabelos. Imagino que os ocultou para me zangar, não é

assim?

-Adula a si mesmo.

- Talvez - disse ele suavemente. - E talvez conheci suficientes mulheres para saber como

funcionam suas mentes quando se tornam vingativas por causa de uma suposta ofensa. Comida

fria, corpo frio, cama fria. Bem, deu-me tudo isso, menos a comida fria, mas suponho que já

chegará.

Jogou-lhe o livro. Ele se esquivou com destreza. - Amor, se deseja apelar à violência, aviso

que estou muito disposto a empregá-la. Na realidade, se hoje tivesse achado ao Cameron, acho

que primeiro o teria matado e depois lhe teria formulado perguntas. De modo que não abuse de

sua boa fortuna.

Disse-o com muita serenidade como para que ela o levasse a sério. Estava muito

ensimesmada em suas próprias emoções violentas para dar-se conta de que jamais o tinha visto

assim. Ele estava tranqüilo. Exercia o controle da situação. Mas estava furioso. E ela não sabia.

-Faça o favor de sair! - exclamou ela peremptoriamente. - Ainda não estou preparada para

falar com você.

- Estou vendo. - Jogou o gorro de dormir ao outro extremo do quarto.- Mas não me importa

se está ou não, querida minha.

Quando ele se lançou sobre ela, Roslynn conteve o fôlego e levantou as mãos para recusá-

lo. Pôde fazê-lo porque ele o permitiu... nesse momento.

- Recorda a primeira condição deste casamento, Roslynn. Devo lhe fazer um filho; você

insistiu nisso. E eu estive de acordo

- Também aceitou a segunda condição e a levou a cabo. As mentiras que sobrevieram

depois mudaram a situação.

Agora ela percebeu que ele estava zangado. Via-o em seu olhar duro e em sua mandíbula

tensa. Era um homem diferente, que inspirava temor... um homem fascinante. Fez surgir nela algo

primitivo, irreconhecível. Poderia ter confrontado com seus gritos. Mas não isto. Não sabia o que

ele faria; do que seria capaz, mas uma parte dela desejava averiguá-lo.

Mas Anthony estava zangado; não louco. E esse brilho de desejo que brilhou nos olhos dela

quando o recusou moderou um tanto sua cólera. Ela ainda o desejava. Apesar de sua fúria,

desejava-o. Com essa segurança, descobriu que podia aguardar até que a irritação dela

desaparecesse. Não seria uma espera agradável, mas não queria que ela o acusasse de violação na

manhã seguinte e que seu rancor se visse incrementado.

-Devia beliscar seu nariz, querida. Teria acreditado.

Roslynn piscou; não podia dar crédito a seus ouvidos.

Arremeteu contra ele com todas suas forças. Ele ficou de pé. Olhou-a com um sorriso tenso.

- Tive paciência, mas aviso que a paciência de um homem é muito limitada. Não deve me

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pôr a prova com freqüência, especialmente quando não tenho nada que ocultar nem me sinto

culpado... ainda.

- Ah!

Anthony ignorou sua exclamação e foi para a porta. -Seria conveniente que me dissesse até

quando pensa me castigar.

- Não o estou castigando -disse ela com dureza.

- Ah não, amor? -Ele se voltou e disse: -Bem, lembre-se que este jogo é para dois.

Durante o resto da noite, Roslynn refletiu sobre o possível significado dessas palavras.

CAPÍTULO 29

Uma estocada. Outra estocada. Um gancho esquerdo e logo um golpe cruzado. Um homem

no chão, inconsciente. Anthony retrocedeu, amaldiçoando porque tudo tinha terminado tão

rapidamente.

Knighton jogou uma toalha em seu rosto. Também amaldiçoou ao subir ao ringue para

examinar ao competidor do Anthony. -Deus, Malory. Não é de se estranhar que Billy tratasse de

desculpar-se depois de ver você entrar. Sempre afirmo que o ring é um bom lugar para

descarregar frustrações, mas não quando se trata de você.

-Cale-se, Knighton -disse Anthony, tirando-as luvas de boxe.

-De maneira nenhuma -disse o homem mais velho, zangado. - Queria saber onde vou achar

um estúpido que deseje subir ao ringue com você. Mas lhe direi uma coisa: não me incomodarei

em fazê-lo até que se deite com essa rameira e se acalme. Afaste-se daqui até que o faça.

Anthony teria golpeado a outro homem por muito menos que isso, mas Knighton era seu

amigo. Mas esteve a ponto de fazê-lo por ter estado tão perto da verdade. Permaneceu ali, imóvel,

contendo a ira. A voz de James o fez reagir.

- Outra vez tem problemas para achar um competidor, Tony?

- Não se estiver disposto a aceitar o desafio.

- Tenho aspecto de tolo? -James olhou seu próprio traje com fingida surpresa. - E pensar

que acreditei que me tinha vestido muito bem hoje.

Anthony riu e sua tensão cedeu um pouco. -Como se não pensasse que pode me deixar

deitado na lona em poucos instantes.

- É obvio que poderia. Não me cabe dúvida alguma. Mas não desejo fazê-lo.

Anthony soprou e esteve a ponto de lhe recordar a surra que lhe tinha dado Montieth,

embora James saísse vencedor, mas mudou de idéia. Não tinha motivos para discutir com seu

irmão.

- Tenho a impressão de que me segue. É por alguma razão em especial?

- A verdade é que desejo esclarecer uma questão com você... fora do ring, é claro.

Anthony desceu e tomou sua jaqueta. -Saiamos daqui, quer?

- Venha, convido-o para beber uma taça.

- Bem, mas que seja mais de uma.

A atmosfera do White's era tranqüila à tarde. Era um lugar ideal para descansar, ler o

periódico, falar de negócios, de política, trocar falatórios ou embriagar-se, que era o que Anthony

pensava fazer, sem a presença destrutiva das mulheres, das que lhe proibiam a entrada. Os que

estavam acostumados a almoçar ali já tinham saído e só ficavam os freqüentadores habituais, que

viviam mais no clube que em sua casa. Os que jantavam no lugar e os jogadores ainda não tinham

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chegado, embora alguns já tivessem começado a jogar partidas de "whist".

- Quem se encarregou de manter minha associação ao clube durante todos estes anos? -

perguntou James quando se sentaram longe da janela, onde estava acostumado a reunir-se o

grupo elegante.

- Quer dizer que ainda é sócio? Pensei que entrasse em qualidade de meu convidado.

- Muito engraçado, moço. Mas sei que nem Jason nem Eddie se preocuparam com isso.

Anthony, encurralado, franziu o cenho. -Pois sou um estúpido sentimental. Por Deus, são

somente uns poucos guineos por ano. Não desejava que seu nome fosse eliminado da lista de

sócios.

-Ou tinha a certeza de que finalmente retornaria?

Anthony encolheu os ombros. -Em parte. Além disso havia uma extensa lista de espera

para os que desejavam associar-se. Não queria que nos abandonasse e fosse ao Brook'S.

-Malory. -Um rubicundo conhecido de Anthony se aproximou para saudá-lo. -Ontem

passei por sua casa, mas Dobson disse que tinha saído. Desejava esclarecer algo como resultado de

uma pequena aposta que fiz com Hilary. Viu a notícia no jornal. Dizia que se tinha casado,

imagine. Naturalmente pensei que se tratava de outra pessoa. Devia ser outra, com o mesmo

sobrenome. É assim, não? Me diga que é uma estúpida coincidência.

Anthony apertou sua taça com força, mas, fora isso, não demonstrou estar incomodado com

a pergunta. -É uma estúpida coincidência -respondeu.

- Sabia -exclamou o indivíduo. - Estou ansioso por ver a expressão da Hilary. É a primeira

vez em muito tempo que ganho tanto dinheiro.

- Acha que foi a resposta acertada? -perguntou James quando o rubicundo afastou-se. -

Imagina as discussões que causará quando ele afirmar que você mesmo lhe disse que não se

casou. Logo discutirão com terceiros melhor informados.

- Que diabos me importa? -disse Anthony. - Quando me sentir casado admitirei que o

estou.

James voltou atrás e sorriu. -De modo que começou o arrependimento?

- Oh, cale-se. -Anthony bebeu sua taça e partiu em busca de outra. Retornou com uma

garrafa. -Disse que desejava esclarecer um assunto comigo. Faça-o. Na aparência, está-se

convertendo em um costume.

James passou por cima da descoberta. -Muito bem. Jeremy me disse que a idéia de ir ao

Vauxhall foi sua, não dele. Se desejava se desfazer de nós por uma noite, por que fazê-lo através

do moço?

-Não se divertiram?

-Isso não vem ao caso. Não me agrada ser manipulado, Tony.

-Por isso mesmo lhe enviei a mensagem através de Jeremy. -Anthony sorriu. - reconhece

que lhe é difícil negar algo, agora que se converteu em um pai carinhoso.

- Droga! Podia me pedir isso.Sou tão insensível para não poder compreender que deseja

passar uma noite a sós com sua mulher?

- Basta, James. É tão sensível como uma árvore morta. Se ontem à noite tivesse pedido que

saísse, teria permanecido em casa só para saber por que lhe pedia isso.

-Sim? -James sorriu com tédio. - Sim, suponho que sim. Teria imaginado você e à pequena

escocesa correndo nus pela casa e não pudessem se desfazer de mim. Não teria perdido isso por

nada do mundo. Mas, para que necessitavam de tanta intimidade?

Anthony se serviu de outra dose. -Já não importa. A noitada não terminou como eu

esperava.

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- De modo que há problemas no paraíso?

Anthony apoiou ruidosamente a garrafa sobre a pequena mesa junto a sua cadeira e

explodiu. -Nem imagina do que me acusou. De fazer amor com essa pequena garçonete que

conhecemos na outra noite.

- Tome cuidado. Guardo gratas lembranças de Margie.

- De modo que se reuniu com ela depois?

- Acreditava que não o faria, tratando-se de uma jovem tão bonita? Embora a pequena

prostituta tivesse sido capaz de... não importa. -James se serviu de outra dose, perturbado por

havê-la perdido. -por que não disse à sua mulher que a tinha escolhido para mim?

Compartilhamos mulheres em muitas ocasiões, mas é desagradável compartilhá-las no mesmo

dia, não acha?

- Assim é, mas minha querida esposa pensa que sou capaz de fazer toda classe de coisas

desagradáveis. E me desgosta ter que explicar que não tenho feito nada de mau. Não deveria ter

que fazê-lo. Um pouco de confiança não seria de mais.

James suspirou. -Tony, moço, ainda deve aprender muitas coisas relativas às recém casadas.

- Por acaso teve uma esposa e acha ser um perito na matéria? -disse Anthony com desprezo.

- Não, é obvio -disse James. - Mas o bom senso indica que é um momento muito especial

para uma mulher. Está adaptando-se. Sente-se insegura, nervosa. Confiança? Ora. As primeiras

impressões costumam ser as mais duradouras. Tem sentido, ou não?

- Tem sentido de que não sabe do que fala. Quanto tempo faz que não trata de uma

verdadeira dama? Os gostos do capitão Hawke se inclinam para mulheres completamente

diferentes.

- Não completamente, moço. Encabeçar uma banda de foragidos tem suas desvantagens,

sobretudo em estabelecimentos da classe baixa que alguém deve freqüentar. E é difícil

desprender-se dos hábitos adquiridos. Mas meus gostos não são diferentes dos teus. Duquesa ou

rameira, sempre que for atraente e está bem predisposta, o mesmo se dá. E não passaram tantos

anos para que não recorde a idiossincrasia das duquesas. Além disso, em uma coisa, todas são

iguais. O ciúme as converte em harpias.

- O ciúme? -disse Anthony inexpressivamente.

- Bem, homem, por Deus, acaso não é esse o problema?

- Não pensei que... bem, agora que o menciona, poderia ser por isso que se comporta de

uma maneira tão irracional. Está tão furiosa que nem sequer quer falar disso.

Assim Knighton estava certo. -James explodiu em gargalhadas. -O que aconteceu com sua

sutileza, querido moço? Teve bastante experiência na matéria para saber se desembrulhar...

-Olhe quem fala -sentenciou Anthony, irritado. - O mesmo homem ao que

deram um chute na perna na outra noite. O que ocorreu com a sutileza de Hawke?

- Demônios, Tony -grunhiu James. - Se continua empregando esse nome, acabarei com uma

corda no pescoço. Hawke morreu. Por favor, recorda-o.

Agora que seu irmão estava de mau humor, Anthony melhorou seu estado de ânimo. -

Acalme-se, velho. Estes indivíduos não o reconheceriam. Melhor, já entendi. Já que teve o trabalho

de matá-lo, deixaremos que descanse em paz. Mas nunca me disse isso. O que foi feito do resto de

seus bandidos?

- Alguns seguiram seu próprio caminho. Outros se uniram ao Maiden Anne, embora este

mudasse de bandeira. Vivem no mar até que zarpemos novamente.

- E quando ocorrerá isso?

- Acalme-se, velho - parafraseou James. - Estou me divertindo muito ao ver como arruína

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sua vida e no momento, não desejo partir.

CAPÍTULO 30

Eram cinco da tarde quando George Amherst ajudou aos dois irmãos Malory a descer da

carruagem que se deteve em frente da casa de tijolos do Piccadilly. Na realidade, necessitavam de

ajuda. George sorria. Tinha feito isso no momento em que achou ambos no White's e procurou

apaziguar o distúrbio que tinham provocado. Não podia evitá-lo. Nunca tinha visto Anthony tão

ébrio. E quanto ao James, era muito cômico vê-lo rir a gargalhadas diante da condição em que se

achava seu irmão, quando a sua era muito semelhante.

-Não o agradará isto -disse James, rodeando os ombros de Anthony com o braço, com o que

estiveram ambos a ponto de cair no chão.

- Quem? -perguntou Anthony com tom belicoso.

- Sua mulher.

- Mulher?

Quando Anthony começou a cambalear, George o segurou e o conduziu para a porta.

-Esplêndido. -Riu. -Quase conseguiu que o jogassem do clube por golpear ao Billings,

quando o único que fez foi felicitar você por seu casamento e agora não lembra que tem esposa.

George também estava tratando de habituar-se à idéia. Tinha ficado atônito quando

Anthony tinha ido no dia anterior para dizer-lhe pessoalmente, antes de que o lesse nos

periódicos.

- Se rir George... se se atrever a fazê-lo... golpearei você no nariz -havia-lhe dito Anthony

com grande sinceridade. - Estava obscurecido. É a única explicação possível. De modo que não me

felicite, por favor. Suas condolências seriam mais adequadas.

Depois se tinha negado a acrescentar algo mais. Não tinha querido dizer quem era ela nem

por que se casou, nem tampouco deixou entrever por que estava arrependido. Mas George não

estava muito seguro de que fosse assim; sobretudo porque o tinha arrastado na busca do primo

de sua mulher, que representava um perigo para ela. Era evidente que desejava protegê-la.

Também era evidente seu desejo de não falar de Roslynn. E o mais evidente era a ira subjacente de

Anthony. George se alegrou muito ao saber que não tinham achado ao indivíduo que Anthony

procurava. O resultado teria sido desastroso.

Mas um comentário casual que fez James quando George os tirava do White's, esclareceu

um tanto a situação. -Acaba de achar um caráter tão irascível como o seu, Tony. Não se pode dizer

que seja negativo em uma esposa. Manterá você entretido. -Depois tinha rido enquanto Anthony

resmungava. -Quando tiver sua própria mulher, irmão, espero que seja tão doce como essa

pequena harpia que lhe deu um chute em lugar de agradecer a ajuda que lhe deu a outra noite.

George estava a ponto de bater na porta, quando esta se abriu. Dobson apareceu com

expressão imperturbável, mas experimentou uma desagradável surpresa quando James entregou

Anthony para que o segurasse.

- Onde está Willis? Acho que necessitarei que me tire os sapatos.

Não era a única ajuda que necessitava, pensou George, sorrindo, enquanto o esquálido

Dobson, em silêncio, procurava levar ao Anthony para a escada. George também tinha problemas

para segurar Anthony.

- Dobson, será melhor que chame os palafreneiros -sugeriu George.

- Receio que estejam fazendo trabalhos para a senhora, senhor –disse Dobson, sem olhar

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para trás.

- Maldição -disse Anthony ao ouvir essas palavras. - por que enviou...?

George lhe deu uma cotovelada para fazê-lo calar. A dama em questão tinha saído da sala

de visitas e estava com as mãos apoiadas nos quadris, olhando- os com rosto de poucos amigos.

George engoliu a saliva. Essa era a mulher de Anthony? Por Deus, era muito bela; e estava furiosa.

- Desculpe, lady Malory -disse George com vacilação. - Achei a estes dois um tanto ébrios.

Pensei que o prudente era trazê-los para sua casa para que dormissem.

- E quem é você, senhor? -perguntou Roslynn secamente.

George não teve tempo para responder. Anthony, olhando a sua mulher, disse com

desprezo: -Vamos, querida, sem dúvida conhece o velho George. É o responsável por sua

desconfiança para com o sexo masculino.

Ela olhou para George entrecerrando os olhos e ele se ruborizou ao máximo. - Maldição,

Malory -murmurou, afastando Anthony de si. - Deixarei você nos ternos braços de sua mulher.

Merece isso depois de semelhante observação. - Não a tinha compreendido, mas não era a maneira

adequada de apresentar a uma esposa a seu melhor amigo.

George se dirigiu à Roslynn e a saudou inclinando a cabeça. – Até outro momento, Lady

Malory e espero que em melhores circunstâncias. -Zangado, partiu, sem incomodar-se em fechar a

porta.

Anthony o contemplou, confuso, e procurou sem êxito manter o equilíbrio no meio do

vestíbulo. -Disse algo inconveniente, George?

James riu com tal força, que ele e Dobson retrocederam dois degraus. –É assombroso, Tony.

Ou não se lembra de nada ou se lembra mais do que devia.

Anthony girou sobre si mesmo para olhar ao James, que já estava na metade da escada. -

Que demônios quer dizer com isso? -perguntou e James voltou a rir de forma estrepitosa.

Quando Anthony pareceu a ponto de cair de bruços no chão, Roslynn correu para ele,

tomou seu braço e o colocou ao redor de seu pescoço e depois rodeou a cintura de Anthony com

seu próprio braço. -Não posso acreditar que tenha feito isto, homem -grunhiu, enquanto o

conduzia através do vestíbulo. - Como chega a esta hora do dia neste estado?

- Qualquer hora que seja -respondeu ele, indignado-, aonde poderia ir a não ser a minha

casa?

Tropeçou com o degrau inferior e arrastou ao Roslynn em sua queda. - Maldição. Deveria

deixar você aqui.

Anthony, obscurecido pelo álcool, compreendeu mau. Rodeou-a com seu braço e a abraçou

com tal força que ela quase não podia respirar. -Não me deixará, Roslynn. Não o permitirei.

Ela o olhou com incredulidade. -Você... Oh, Deus, livre-me dos ébrios e dos imbecis -disse,

exasperada, afastando-se dele. - Vamos, tolo. Ponha-se de pé.

Por fim, conseguiu levá-lo até ao andar superior e colocá-lo na cama. Quando Dobson

apareceu na porta um minuto depois, ela fez um gesto para afastá-lo, embora não soubesse muito

bem por que. Teria sido útil sua ajuda. Mas se tratava de uma situação excepcional; Anthony

estava indefeso e era incapaz de arrumar-se por si mesmo. Roslynn a desfrutou. Também a

satisfez pensar que era por causa dela que estava nesse estado. Seria-o na realidade?

- Pode me dizer por que chega a casa bêbado ao meio do dia? -perguntou ela, tirando uma

das botas de Anthony.

- Bêbado? Meu Deus, mulher, que palavra tão desagradável. Os cavalheiros não se

embriagam.

- Ah. E o que lhes ocorre nestas circunstâncias?

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Ele empurrou com o pé contra as nádegas dela até que a bota caiu ao chão. -A palavra é...

é... qual é?

- Bêbado - repetiu Ros afetadamente.

Ele grunhiu e, quando ela se dispôs a lhe tirar a segunda bota, ele empurrou com mais

força, fazendo-a cambalear. Ela se voltou com os olhos entrecerrados e viu que ele sorria

inocentemente.

Ros jogou a bota no chão e retornou à cama para lhe tirar a jaqueta. –Não respondeu a

minha pergunta, Anthony.

- Qual foi?

- Por que se acha neste estado lamentável?

Desta vez, ele não se ofendeu. -Vamos, querida. Por que haveria um homem de beber uma

dose a mais? Ou porque perdeu sua fortuna, morreu um parente ou sua cama está vazia.

Foi ela então quem adotou um ar inocente. - Morreu alguém?

Ele apoiou as mãos sobre os quadris e a atraiu para si com as pernas. Sorria, mas seu sorriso

carecia de humor. -Se brincar com fogo, amor, se queimará- -advertiu-a severamente.

Roslynn puxou a gravata de Anthony e depois o empurrou sobre a cama. –vá dormir, amor.

-E girou sobre seus calcanhares.

-É uma mulher cruel, Roslynn Malory -disse ele.

Ela partiu batendo a porta.

CAPÍTULO 31

Anthony despertou com uma aguda dor de cabeça e uma maldição nos lábios. Sentou-se na

cama para acender o abajur e voltou a amaldiçoar. O relógio marcava duas menos cinco. Fora

estava escuro, de modo que se deu conta de que eram duas da manhã. Amaldiçoou de novo ao ver

que estava completamente acordado no meio da noite, com uma forte dor de cabeça e muitas

horas a frente antes de amanhecesse.

Que demônios lhe acontecia? Bem, na realidade sabia, mas não devia permitir que lhe

acontecesse. Recordou vagamente que George os tinha levado até a casa e também recordava ter

golpeado ao Billings... Droga. Desejou não tê-lo feito; Billings era uma boa pessoa. Teria que

desculpar-se; com certeza mais de uma vez. E George, não tinha partido zangado? Anthony não

recordava muito bem. Incomodado, olhou-se e fez uma careta. Que mulher de mau caráter. Ao

menos pôdia tê-lo despido e coberto, já que era ela a culpada dele ter se embriagado. Além disso,

não o tinha repreendido? Tampouco o recordava muito bem. Anthony se inclinou para frente,

massageando com suavidade suas têmporas. Bem, mesmo a essa hora, tinha diversas opções.

Podia tratar de dormir, embora não acreditasse que teria êxito. Já tinha dormido mais horas do

que costumava. Podia mudar de roupa e retornar ao White's para uma partida de "whist", desde

que não se comportara de uma maneira muito abominável e lhe permitissem entrar. Ou podia ser

tão cruel como sua esposa e despertá-la para ver o que acontecia. Não, sentia-se muito mal para

fazer algo a respeito, no caso de que ela se tornasse subitamente amigável.

Riu fazendo uma careta. O melhor era tratar de agüentar seu mal-estar até que

desaparecesse. Agradar-lhe-ia tomar um banho, mas deveria aguardar até a manhã para despertar

aos criados. Talvez pudesse comer algo.

Devagar, porque cada passo que dava retumbava em sua cabeça, Anthony saiu do quarto.

Viu luz por debaixo da porta do dormitório de seu irmão. Chamou mas não aguardou a resposta e

entrou. James estava nu, sentado na beirada de sua cama, segurando sua cabeça entre as mãos.

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Anthony quase se pôs a rir mas se conteve. Sua própria dor era muito intensa.

James não levantou o olhar para ver quem tinha entrado. Em voz baixa e de mau agouro

disse: -Fala em voz muito baixa ou arriscará a vida.

- Você também tem um homenzinho martelando em sua cabeça?

James levantou lentamente a cabeça. Olhou-o com olhos assassinos. –Pelo menos uma

dúzia. E devo todos eles a você, canalha...

- Está louco. Você me convidou para beber uma taça, de modo que o único que pode

queixar-se...

- Uma taça, não várias garrafas, imbecil.

Ambos deram um pulo quando James levantou a voz. -Bom, nesse sentido tem razão.

- Alegra-me que o reconheça -disse James, massageando suas têmporas.

Anthony franziu os lábios. Era ridículo a forma em que tinham castigado seus corpos.

Quando Anthony entrou no quarto se surpreendeu ao ver seu irmão nu; não o tinha visto assim

desde aquela vez quando tinha entrado intempestivamente na habitação daquela condessa, cujo

nome não recordava, para avisar James que o marido dela estava subindo as escadas. Desde essa

noite, mais de muitos anos atrás, James tinha mudado. Era mais corpulento, mais sólido.

desenvolveram-se os músculos de seus braços e seu torso e também os de suas pernas. Certamente

devido ao exercício que havia feito nos navios, em seus dez anos de pirataria.

- Sabe, James, é um espécime incrivelmente bruto.

James meneou a cabeça ante o comentário insólito e olhou seu corpo. Depois olhou a

Anthony. A seguir sorriu. -Às damas não parece se incomodar.

- Não, imagino que não. -Anthony riu. -Deseja jogar cartas? Não posso dormir.

- Desde que não comece a beber conhaque.

- Deus, não! Pensei beber café e acho que não jantamos.

- Dentro de uns minutos me reunirei com você na cozinha.

Quando Roslynn se dispôs a tomar o café da manhã, ainda tinha o olhar turvo, pois tinha

passado outra má noite. Nesta ocasião a culpa era dela. Experimentou certa culpa pela forma

como tinha tratado Anthony na tarde anterior. Devia despi-lo e procurar que estivesse mais

cômodo, em lugar de deixá-lo tal como estava e sem cobri-lo com as mantas. Além de tudo, era

seu marido. Conhecia seu corpo. Não tinha por que envergonhar-se.

Tinha estado a ponto de ir ao quarto de Anthony meia dúzia de vezes para retificar seu

engano, mas tinha mudado de idéia, temendo que ele despertasse ou interpretasse mal sua

preocupação. E quando se deitou, não quis entrar no dormitório dele com camisola. Certamente

isso ele teria interpretado mau.

Incomodava-lhe sentir-se culpada. Não compadecia-se dele. Se ele desejava embriagar-se e

jogar a culpa nela, era problema dele. E se essa manhã sofria as conseqüências de sua bebedeira,

também era seu problema. Os excessos teria que pagá-los. Então, por que tinha passado a metade

da noite acordada pensando nele?

-Se a comida for tão má para que a olhe zangada será melhor que coma no clube esta

manhã.

Roslynn o olhou. A aparição súbita de Anthony a surpreendeu e só respondeu: -Nada tem

de mal na comida.

- Esplêndido -disse ele alegremente. - Então não terá inconveniente que me sente à mesa

com você, não é verdade?

Sem aguardar resposta, foi para o aparador e começou a servir-se de grandes quantidades

de comida. Roslynn olhou sua alta figura, impecavelmente vestida com uma jaqueta de cor

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castanha, calças de montar e botas brilhantes. Não tinha direito a brilhar tão magnífico, de estar

tão alegre essa manhã. Deveria estar gemendo e grunhindo e amaldiçoando seu destino.

-Dormiu muito - disse Roslynn, cravando uma salsicha que tinha em seu prato.

- Acabo de retornar de meu passeio matutino. -sentou-se em frente a ela e arqueou um

pouco as sobrancelhas com gesto interrogativo. -Acaba de se levantar, querida?

Por sorte ainda não tinha ingerido a salsicha, pois se o tivesse feito, engasgaria ante essa

pergunta, na aparência inocente. Como se atrevia a privá-la da satisfação de acusá-lo, depois de

seu comportamento vergonhoso do dia anterior? E isso era exatamente o que ele estava fazendo,

ao sentar-se em frente a ela com todo o aspecto de ter passado uma noite perfeitamente

descansada.

Anthony não esperava uma resposta a sua pergunta; tampouco a obteve. Com gesto

divertido, contemplou Roslynn enquanto ela comia, decidida a ignorá-lo. Mas ele não o permitiu.

-Vi um tapete novo no vestíbulo.

Ela não o olhou, apesar de que era ofensivo chamar simplesmente "tapete" à custosa

Aubusson. -Estranhei de não o tivesse visto ontem.

"Bravo, amor", pensou Anthony, sorrindo para si mesmo. Mas ela receberia seus ataques de

todos os modos.

-Também um novo Gainsborough -prosseguiu ele, olhando fugazmente o magnífico quadro

que agora pendia em uma parede a sua esquerda.

- O novo armário de palisandro para a porcelana e a mesa do refeitório chegarão hoje.

Ela continuava olhando seu prato sem levantar a vista, mas Anthony percebeu a repentina

mudança nela. Já não estava ali sentada, reprimindo a ira. Agora estava muito satisfeita.

Anthony esteve a ponto de voltar a rir em voz alta. Sua doce esposa era muito transparente.

Tendo em conta a ojeriza que ela experimentava nesse momento para com ele e o assunto que

estavam tratando, não era difícil perceber o que tramava. Era um antigo truque; o da mulher que

fazia seu marido pagar os desgostos que lhe provocava, gastando seu dinheiro. E de acordo com

os comentários que ela fizera antes, não pensava que ele possuísse dinheiro suficiente para

confrontar os grandes gastos.

-Assim está dedicada a redecorar a casa?

Ela encolheu levemente os ombros e respondeu com um tom muito doce: -Sabia que não se

incomodaria.

-Absolutamente, querida. Eu mesmo pensava em lhe sugerir isso -

Ela levantou rapidamente a cabeça, e respondeu com rapidez: -Bem, porque isto é somente

o começo. E se alegrará saber que não será tão caro como pensei quando percorri a casa pela

primeira vez. Só gastei quatro mil libras.

-Perfeito.

Roslynn o olhou com incredulidade. Jamais tinha esperado essa resposta. Talvez

imaginasse que ela estava gastando seu próprio dinheiro. O canalha se inteiraria da realidade

quando recebesse as faturas.

Ela ficou de pé e jogou seu guardanapo sobre a mesa. Estava mortificada pela reação dele,

ou melhor dizendo, por sua falta de reação, e não desejava permanecer em sua companhia. Mas

não pôde efetuar a saída teatral que tinha desejado. Depois do ocorrido no dia anterior, devia

insistir em que não se repetisse a mesma cena nesse dia, em que esperava visitas.

-Frances deverá jantar esta noite. Se modificar seu costume de chegar tarde e decidir nos

acompanhar, por favor trata de estar sóbrio.

Anthony precisou fazer um esforço para não franzir os lábios. -Já volta a recorrer aos

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reforços, querida?

-Não me agrada isso -disse ela friamente antes de sair. Ao chegar à porta se voltou e o

olhou, furiosa. - E, para sua informação, meu senhor, devo lhe dizer que não desconfio de todos os

homens, como tão grosseiramente assinalou ontem quando apresentou seu amigo: só dos

libertinos e dos presunçosos.

CAPÍTULO 32

-Esse deve ser ele, senhor.

Geordie Cameron se voltou para o homem baixo e com bigode que estava junto a ele. -Qual

deles, idiota? São dois.

Wilbert Stow nem sequer piscou ante o tom agressivo do escocês. Já estava habituado a ele,

a sua impaciência, sua irritabilidade, sua arrogância. Se Cameron não lhe pagasse tão bem o

mandaria ao diabo. E possivelmente também lhe cortasse o pescoço para completar sua obra. Mas

lhe pagava muito bem, trinta libras inglesas, que para o Wilbert Stow representavam uma fortuna.

De modo que, como de costume, conteve-se, ignorando os insultos.

- O moreno - disse Wilbert com voz servil. - É o dono da casa. Chama-se Anthony Malory.

Geordie dirigiu o binóculo para a rua e viu claramente os traços do Malory, que falava com

o indivíduo loiro que o acompanhava. De modo que esse era o inglês que tinha estado procurando

por ele nos bairros de má fama nos últimos dias e que estava escondendo Roslynn? Geordie sabia

que ela estava em sua casa, embora não aparecesse na rua desde que ele tinha ordenado ao

Wilbert e a seu irmão Thomas que vigiassem sem interrupção a casa. Para lá tinha sido enviada

sua roupa. E ali tinha ido essa mulher chamada Grenfell em duas ocasiões para visitá-la.

Roslynn se acreditava muito segura ao ocultar-se no interior da casa e não sair. Mas era fácil

vigiá-la ali, pois Green Park estava frente à casa. Havia muitas árvores para ocultar-se: não era o

mesmo que aguardar em uma carruagem que podia despertar suspeitas, como tinha ocorrido na

rua South Audley. Ela não podia deslocar-se sem que Wilbert ou Thomas soubessem, e tinham um

carro no extremo da rua, aguardando que saísse da casa. Era tão somente questão de tempo.

Mas enquanto isso, Geordie se ocuparia do manequim inglês que a escondia e que o tinha

obrigado a mudar de alojamento em duas oportunidades nos últimos cinco dias, por causa de sua

infernal perseguição. Agora que sabia que aspecto tinha, seria muito simples desfazer-se dele.

Geordie abaixou o binóculo e sorriu. "Logo, moça. Logo a farei pagar por todo este

transtorno. Desejará não se ter voltado contra mim como sua estúpida mãe e o velho, que tomara,

estejam apodrecendo no inferno."

- Deseja outra dose de xerez, Frances?

Frances olhou sua taça, quase cheia, e depois olhou Roslynn, que voltava a encher a sua

com o líquido ambarino. -Acalme-se, Ros. Se não voltou já, é difícil que o faça, não acha?

Roslynn olhou sua amiga por cima do ombro, mas, embora se esforçasse para sorrir, não

pôde fazê-lo. -Cheguei à conclusão de que Anthony aparece quando menos se espera, só para me

pôr nervosa.

- Está nervosa?

Roslynn deixou escapar um risinho que era quase um grunhido e bebeu um gole de seu

segundo xerez antes de voltar a sentar-se junto à Frances no novo sofá Adams. -Não deveria estar,

não? Depois de tudo, estando você aqui, não faria nada inconveniente e além disso lhe avisei que

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viria.

- Mas?

Roslynn sorriu, embora mais que um sorriso foi uma careta. -Deixa-me atônita, Fran, com

suas mudanças de humor. Nunca sei o que esperar.

- Não há nada incomum nisso, querida. Também nós temos mudanças de humor, não é

verdade? Deixa de se inquietar.

Roslynn riu. -Ainda não o viu.

Frances a olhou, assombrada. -Quer dizer que não submeteu sua escolha a sua aprovação

prévia? Mas estas coisas são tão... tão...

- Delicadas e femininas?

Frances conteve o fôlego ao ver o brilho travesso dos olhos de Roslynn. -Meu Deus; tem

feito isso de propósito. Espera que ele os deteste, não?

Roslynn olhou em torno dela, contemplando a sala que antes tinha um aspecto masculino e

que tinha sido transformada com lindos móveis de madeira acetinada das Índias. Agora tinha o

aspecto que devia ter um saguão, pois essa sala era na realidade território feminino. Adams era

famoso por seu estilo excessivamente refinado, de estrutura e decoração delicadas, mas lhe

agradava o esculpido e o dourado dos dois sofás e das poltronas; e sobre tudo o estofo de brocado

fino, de fundo verde oliva e flores prateadas. As cores não eram femininas. Nesse aspecto, fazia

uma concessão. Mas sim o era a decoração. Além disso ainda devia decidir como seria o novo

papel das paredes...

- Não acredito que Anthony o deteste, Frances, e embora assim seja, é muito provável que

não o diga. Ele é assim. -encolheu os ombros. -Mas, se o fizer, desfarei-me destes móveis e

comprarei outros.

Frances franziu o cenho. -Acredito que está habituada a gastar dinheiro sem pensar nos

preços. Esquece que seu marido não é tão rico como você.

-É claro, não esqueci.

Ante semelhante afirmação, Frances suspirou. -De modo que é isso. Bem, espero que saiba

o que faz. Em questões de dinheiro, os homens costumam reagir de maneira inesperada, sabe?

Alguns podem perder vinte mil libras sem que isso os afete. Outros se suicidariam.

-Não se preocupe, Frances. Anthony certamente pertence à categoria dos indiferentes.

Deseja beber algo mais antes de jantar?

Frances olhou sua taça, meio cheia, e depois a de Roslynn, outra vez vazia. Meneou a

cabeça, mas não para responder à pergunta. -Continua agindo como se nada lhe importasse, Ros,

mas não me convencerá de que não está ansiosa aguardando sua reação. Comportou-se ele de

uma maneira muito... desagradável quando discutiram sobre esse assunto do qual não quer falar?

- Não foi uma discussão -respondeu Roslynn, seca. - Ele se comportou de uma maneira

desagradável desde que me casei com ele.

- Você tampouco esteve adorável da última vez que os vi juntos. Diria que seus estados de

ânimo estão diretamente relacionados com os seus, querida.

Ante a sábia observação, Roslynn fez uma careta. -Como obviamente não jantará conosco e

que seu irmão e seu sobrinho saíram, seremos só você e eu. Estou certa de que poderemos achar

um tema de conversa mais agradável.

Frances sorriu, cedendo. -Claro, se nos esforçarmos o suficiente.

Roslynn também sorriu e sua tensão se aliviou um tanto. Frances era boa companhia para

ela, embora lhe desse alguns conselhos que ela não desejava ouvir.

Deixou sua taça sobre uma mesa e ficou de pé. -Venha. Outra dose danificaria a excelente

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comida que o cozinheiro preparou , e Dobson nos aguarda na sala de jantar para começar a servir

o jantar. Já verá a nova mesa que me entregaram esta tarde. É muito elegante e apta para todos os

gostos.

- E sem dúvida bastante cara para sua extravagância.

Roslynn riu. -Sim.

Saíram do saguão de braços dados e foram para a pequena sala de jantar, que antes fora

uma sala para tomar o café da manhã, já que Anthony raramente jantava em sua casa antes de

casar-se, e tampouco o fazia agora. Mas Roslynn se deteve de repente ao ver que Dobson abria a

porta de entrada. Ao ver entrar Anthony, ficou rígida. Mas sua tensão deu passagem ao assombro

quando viu quem estava com ele. Como se atrevia? Mas se tinha atrevido. Por sua conta, havia

trazido consigo George Amherst, sabendo que Frances estaria ali. E, a julgar pelo gesto surpreso

de George, que ficou imóvel ao ver Frances, tampouco o tinha avisado a ele.

- Esplêndido -disse Anthony jocosamente, entregando seu chapéu e suas luvas ao impávido

mordomo-. Vejo que chegamos a tempo para jantar. George.

Roslynn apertou os punhos. A reação de Frances foi um pouco mais dramática.

Empalideceu e, emitindo um grito de horror, separou-se de Roslynn e retornou correndo ao

saguão.

Anthony deu a seu amigo uma palmada nas costas, tirando o de seu estupor. - Bem, o que

faz aí de pé como um parvo, George? Vá atrás dela.

-Não -disse Roslynn antes que George pudesse dar um passo. - Não fez já o suficiente?

Seu tom depreciativo intimidou ao pobre homem, mas logo se dirigiu para o saguão.

Estupefata, Roslynn correu para lhe fechar o passo. Mas não tinha contado com a intervenção de

Anthony. Antes que ela chegasse à porta do saguão, atravessou o vestíbulo, tomou-a firmemente

pela cintura e a conduziu para as escadas.

Ela estava indignada. -me solte...

- Vamos, vamos, querida; tome cuidado, por favor -disse ele com agilidade.

- Acho que já tivemos suficientes cenas desagradáveis nesse vestíbulo, para deleite dos

criados. Não é preciso outra.

Ele estava certo, de modo que ela baixou a voz, mas sua fúria não tinha diminuído. -Se

não...

Ele apoiou um dedo sobre os lábios de Roslynn. -Preste atenção, amor. Ela se nega a escutá-

lo. Já é hora de que ele a obrigue a fazê-lo, e George pode fazê-lo ali, sem interrupções. -Depois fez

uma pausa e lhe sorriu. –Soa familiar , não é verdade?

- Absolutamente -murmurou ela, encolerizada. - Eu escutei você. Mas não acreditei em

você .

- Menina teimosa -disse ele com carinho. - Mas não importa. Virá comigo enquanto me

troco para jantar.

Ela se viu forçada a segui-lo, já que ele a levou virtualmente nos braços até o andar

superior. Mas quando chegaram ao quarto de Anthony, ela se afastou violentamente dele, sem

perceber que Willis estava de pé junto à cama.

- É o mais aborrecido que já fez - explodiu ela.

- Alegra-me sabê-lo -respondeu ele, contente-. Achei que o mais aborrecido que tinha feito

era...

- Cale-se. Por favor, cale-se.

Passou junto a ele para dirigir-se para a porta. Ele tomou pela cintura e a depositou no divã

que estava junto à lareira. Depois apoiou uma mão em cada lado dela, até que Roslynn se viu

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obrigada a apoiar-se para manter a distância entre ambos. A expressão dele já não era engraçada,

mas sim bastante séria.

- Ficará aqui, querida esposa, ou amarro-a a uma cadeira. -Arqueando um pouco uma

sobrancelha, acrescentou: -Está claro?

- Não o faria.

- Pode ter a certeza de que o faria.

Ela apertou os lábios e se olharam belicosamente nos olhos. Mas quando viu que Anthony

não se movia e permanecia inclinado sobre ela, considerou prudente ceder.

Expressou sua conformidade baixando o olhar e levantando as pernas sobre o divã para

estar mais cômoda. Anthony aceitou esses sinais de rendição e se endireitou, mas continuou de

mau humor. Percebeu que, ao ajudar ao George, tinha prejudicado muito sua própria causa.

Qualquer avanço que tivesse podido obter em seu intento de diminuir a irritação de Roslynn se

prejudicou. Devia aceitá-lo. depois de tantos anos, George merecia essa oportunidade. O que

podiam significar umas poucas semanas mais de animosidade por parte de Roslynn? Uma tortura.

Anthony se virou; sua expressão era tão carrancuda que seu criado retrocedeu sem querer.

Depois disso, Anthony reparou nele. -Obrigado, Willis. -Sua voz era deliberadamente

inexpressiva, para dissimular sua agitação interior. -como sempre, escolheu à perfeição.

Ao ouvir suas palavras, Roslynn virou a cabeça. Primeiro olhou ao Willis e depois a roupa

que estava estendida sobre a cama. -Quer dizer que ele sabia

que viria para casa para jantar?

- Claro que sim, querida -respondeu Anthony, tirando-a jaqueta-. Sempre aviso ao Willis

quando deve me esperar, sempre que estiver razoavelmente seguro de meus honorários.

Ela olhou ao Willis com expressão acusadora e Willis corou.

- Pôdia me ter dito isso - disse ela a Anthony.

- Não é sua obrigação.

- Você pôdia me ter dito isso.

Anthony a olhou por cima do ombro, perguntando-se se seria positivo desviar sua irritação

para esse assunto menor. -É verdade, amor. E se não tivesse saído tão rápido do aposento esta

manhã, teria feito.

Os olhos de Roslynn brilhavam de ira. Baixou os pés par ao chão. Ficou de pé sem recordar

a ameaça de Anthony, mas logo voltou a sentar-se.

Mas não deixou de falar. -Não fiz tal coisa. Como se atreve a dizer isso?

- Oh? -Anthony a olhou, esboçando um sorriso. -E como diria que foi?

Deixou cair sua camisa na mão de Willis antes que ela pudesse responder. Roslynn se virou

com tal velocidade que Anthony quase pôs-se a rir. Pelo menos, o novo assunto tinha melhorado

seu humor. Era muito interessante que ela não desejasse vê-lo quando se despia.

Anthony se sentou sobre a cama para que Willis lhe tirasse as botas, mas não deixou de

olhar a sua mulher. Ela se tinha penteado de uma maneira diferente nessa noite; seu penteado era

mais frívolo. Seus cabelos estavam recolhidos sobre a cabeça e uns cachos pendiam sobre sua

testa. Fazia muito tempo que suas mãos não tocavam esses gloriosos cabelos avermelhados; muito

tempo que seus lábios não roçavam a suave pele de seu pescoço. Ela havia virado a cabeça, mas

seu corpo estava de perfil e seus seios atraíram o olhar de Anthony.

Anthony se viu obrigado a olhar para outro lado antes que fosse embaraçoso para ele, e

para o Willis, continuar despindo-se. -Sabe, querida, não acerto em decifrar a causa de seu mau

humor desta manhã.

- Provocou-me.

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Como ela não o olhava, precisou fazer um esforço para ouvir suas palavras. -Como pude

fazê-lo se me comportei corretissimamente?

- Referiu-se à Frances como a meus reforços.

Ouviu isso. -Suponho que considerará grosseiro que te diga que estava de péssimo humor

antes que mencionássemos sua amiga.

- Assim é -disse ela-. É muito grosseiro de sua parte.

Ele voltou a olhá-la e viu que ela tamborilava os dedos sobre os braços da poltrona. Ele a

tinha esquecido. Não tinha sido sua intenção.

Muito sereno, disse: -A propósito, Roslynn, até que localize seu primo, agradeceria que não

saísse da casa sem mim.

A brusca mudança de tema a confundiu. Em outro momento teria respondido que já tinha

chegado à conclusão de que era mais prudente permanecer na casa durante um tempo. Mas agora

estava muito agradecida de que ele tivesse deixado de pressioná-la sobre a conversa da manhã.

- Naturalmente -disse ela.

- Desejaria ir a algum lugar em especial nos próximos dias?

E ver-se obrigada a suportar sua companhia durante todo esse tempo? -Não - disse ela.

- Muito bem. -Ela percebeu que ele encolhia os ombros. -Mas se mudar de opinião, não

vacile em me dizer.

Por que tinha que ser tão demoniacamente razoável e complacente? –Não concluíu ainda?

- Na realidade...

-Malory - ouviu gritar do outro lado da porta. Então, George Amherst irrompeu no quarto -

Tony, você...

Roslynn ficou em um instante de pé. A presença do Amherst lhe fez esquecer a ameaça de

Anthony. Não permaneceu para escutar o que George tinha tanta urgência de dizer a seu marido;

passou com rapidez junto a ele e saiu do quarto, rogando que Anthony não fizesse outra cena para

detê-la.

Tampouco voltou a vista atrás; correu escada abaixo e foi ao saguão. Deteve-se de repente

ao ver que Frances ainda estava ali, de pé em frente da lareira de mármore branco, dando as costas

para a sala. Voltou-se e Roslynn se angustiou ao ver o rosto de sua amiga banhado em lágrimas.

- Oh, Frances, lamento tanto -disse Roslynn abraçando Frances-. Nunca perdoarei ao

Anthony por haver interferido. Não tinha direito...

Frances retrocedeu, interrompendo-a: - Vou me casar, Ros.

Rosynn emudeceu. Nem sequer o sorriso feliz de Frances, um sorriso que não tinha visto

em muitos anos, pôde convencê-la. As lágrimas contradiziam suas palavras. As lágrimas...

-Então, por que chora?

Frances riu, trêmula. -Não posso evitá-lo. Fui uma idiota, Ros. George diz que me ama; que

sempre me amou.

- Acredita nele?

- Sim. -Depois repetiu com mais força: -Sim.

- Mas, Fran...

- Não está procurando fazê-la mudar de idéia, não é verdade, Lady Malory?

Roslynn se sobressaltou e se voltou. George Amherst a olhava com a expressão mais hostil

que jamais tinha visto no rosto de um homem. E sua voz estava além disso carregada de ameaça.

Seus olhos cinzas a olhavam com frieza.

- Não -disse ela, perturbada. -Jamais me ocorreria...

-Bem. -A transformação foi imediata, George sorriu, sedutor. -Porque agora que sei que

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ainda me ama, não permitirei que ninguém se interponha entre nós.

Suas palavras indicavam, tão claramente como a calidez de seu olhar, que "ninguém"

incluía Roslynn. E também era evidente que Frances estava encantada com a sutil advertência.

Frances abraçou à consternada Roslynn, murmurando em seu ouvido: -Comprende agora

por que não duvido de sua sinceridade? Não lhe parece maravilhoso?

Maravilhoso? Roslynn estava aniquilada. Era um libertino. E tinha sido Frances quem lhe

advertira que não devia confiar nesses homens; Frances, que agora desejava casar-se com o que

tinha destroçado seu coração.

-Espero que nos perdoe se partirmos, querida -disse Frances, retrocedendo e ruborizando-

se. - Mas George e eu temos muito do que falar.

- Estou certo que compreende que neste momento desejamos estar a sós, Franny -

acrescentou George, tomando Frances pela cintura e aproximando-a indecorosamente a ele. -

Além de tudo, ela é uma recém casada.

Roslynn se engasgou, mas por sorte, nenhum dos dois se deu conta; estavam

ensimesmados olhando-se nos olhos e não prestavam atenção a quanto lhes rodeava. E na

aparência ela respondeu adequadamente, pois, quando ainda não tinha transcorrido um minuto,

achou-se a sós no saguão, olhando fixamente o chão, presa das mais desencontradas emoções e

imersa na mais absoluta perplexidade.

- Vejo que lhe deram a boa notícia.

Roslynn se voltou devagar e, durante um instante, ao ver seu marido, todos seus

pensamentos se desvaneceram. Levava uma jaqueta fina de cor esmeralda e de seu pescoço

brotava uma cascata de bordado branco. Tinha penteado seus cabelos para trás, desafiando o

estilo em voga, mas eram tão suaves que já começavam a cair sobre suas têmporas, formando

ondas de ébano. Era magnífico; não havia outra palavra para qualificá-lo; tão bonito que o coração

de Roslynn se acelerou.

Mas então observou sua postura, já familiar; o ombro apoiado contra o batente da porta, os

braços cruzados sobre o peito... e a expressão satisfeita de si mesmo. Diabos, parecia saturado de

presunção, com esse sorriso satisfeito, a risada bailarina em seus olhos, que pareciam mais azuis

ainda pelo contraste do verde escuro de sua jaqueta. Era um pavão, o grande canalha, e não

dissimulava sua arrogância.

-Não tem nada para dizer, amor, depois de ter se alvoroçado tanto sem motivo?

Zombava dela com vontade. Ela apertou os dentes, e apoiou os punhos sobre os quadris.

Suas emoções se canalizaram e era presa da fúria. Mas ele não havia terminado. Desejava fazê-la

sofrer.

- Deve ser desconcertante comprovar que a mesma mulher que fomentou sua desconfiança

para com os homens, traia você e confia em um. Faz você ver as coisas de outra maneira, não é

verdade?

- É... -Não, não o faria. Negava-se a gritar outra vez como uma camponesa, para deleite dos

criados. - Na realidade -disse com os dentes apertados -não existe comparação possível entre meu

caso e o dela-. Depois acrescentou: -Pela manhã recuperará a sensatez.

- Conheço George e o duvido. Pela manhã sua amiga só pensará em como passou a noite.

Não te soa familiar?

Ela tratou de reprimir-se, mas suas faces se acenderam. -É repugnante, Anthony. Saíram

para conversar.

- Se você o diz, amor.

O tom condescendente a enfureceu. É claro, ele estava certo. Ela sabia. Ele sabia. Tinha sido

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muito embaraçosamente óbvio por que George e Frances partiram tão rápido. Mas ela jamais o

admitiria em frente a ele.

Tensa, disse: -Acho que me deu dor de cabeça. Se me desculpar... –Mas precisou parar ao

chegar à porta, pois ele a bloqueava. -Permite-me? - perguntou ela, mordaz.

Anthony se endireitou pouco a pouco, divertido ao ver que lhe dava as costas para passar

junto a ele sem tocá-lo. -Covarde -disse ele em voz baixa e sorriu quando ela se deteve no meio do

vestíbulo erguendo rigidamente os ombros-. E acho que lhe devo uma lição em uma cadeira, não é

assim? -Ouviu seu resmungo antes de correr para a escada. Ele riu. - Será de outra vez, amor.

CAPÍTULO 33

Duas noites depois do que Roslynn considerava a deserção de Frances e sua passagem

ao bando inimigo, assistiu a grande festa em casa do Edward Malory. Ao entrar no salão de baile,

Roslynn se deteve, surpreendida, obrigando a seus dois acompanhantes a fazer o mesmo. As

numerosas carruagens que se achavam em frente à mansão dos Malory deveria lhe dar uma pista

da grande quantidade de convidados, mas não imaginou que seriam quase duzentas pessoas.

- Acreditei que se tratava de uma pequena reunião de familiares e amigos - disse Roslynn a

Anthony, sem poder evitar o tom tenso de sua voz. Além de tudo, a festa se celebrava em honra

deles. Deveriam lhe advertir. -Lembro que seu irmão falou de algo íntimo.

- Em realidade, as festas que Charlotte organiza costumam ser maiores.

- E estes são todos teus amigos?

- Lamento lhe decepcionar, amor, mas não sou tão popular. –Anthony sorriu. -Quando

Eddie falou dos amigos da família, suponho que se referiu aos amigos de cada um dos membros

individuais da família; ao menos, assim parece. Seu traje é muito adequado, querida.

Não a preocupava seu traje. O vestido de seda cor verde musgo, com bordado negro sobre

franjas finas nas mangas, de profundo decote e cintura alta era adequado para qualquer baile, pois

nisso se converteu a reunião. Complementavam-no as luvas negras e os sapatos finos, mas o que

em realidade a fazia sentir-se apresentável eram os diamantes que brilhavam no pescoço, nas

orelhas, nos pulsos e em vários dedos. Estava vestida para ser apresentada ao príncipe regente.

Roslynn calou-se. De qualquer modo, Anthony não lhe prestava atenção; contemplava a

habitação cheia de gente e ela teve oportunidade de olhá-lo fugazmente. Logo se obrigou a desviar

o olhar, chiando os dentes.

Deveria estar orgulhosa de chegar com Anthony e James, dois dos homens mais bonitos de

Londres, e teria estado se parasse para pensar nisso. Mas a única coisa que a preocupava era

afastar-se da presença de seu marido. Depois da viagem até ali, que lhe tinha resultado

intolerável, pois se tinha visto obrigada a sentar-se a seu lado, era nesse momento um molho de

nervos.

A viagem não tinha sido tão terrível, já que os assentos eram bastante espaçosos, mas

Anthony a tinha aproximado dele deliberadamente, apoiando um braço sobre os ombros dela e

ela nada pôde fazer a respeito, já que James estava sentado em frente a eles, observando os de

forma divertida. Por isso mesmo o tinha feito Anthony; porque sabia que ela não faria uma cena

em presença de seu irmão.

Mas tinha sido uma tortura, uma felicidade dolorosa. A coxa dele roçando a sua e ela

sentada tão junto a ele. E não tinha deixado de mover sua maldita mão em nenhum momento;

seus dedos tinham acariciado o braço nu de Roslynn, entre a curta manga de seu vestido e a luva

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que chegava até seu cotovelo. E ele sabia muito bem que efeito produziam nela suas carícias.

Embora se mantivesse rígida como uma tábua, não pôde evitar a aceleração de sua respiração nem

deter os batimentos violentos de seu coração ou o formigamento de sua pele cada vez que ele

tocava com seus dedos, lhe provocando calafrios que demonstravam ao Anthony quão efetiva era

sua carícia inocente.

A viagem lhe tinha parecido eterna, embora houvesse muito poucas ruas entre Piccadilly e

Grosvenor Square, onde vivia Edward Malory, com sua mulher e seus cinco filhos. E embora já

tivessem chegado e Roslynn pudesse respirar normalmente de novo, ao pôr distância entre ela e

Anthony, sabia que passaria um tempo antes que pudesse afastar-se dele de tudo. Uma vez que a

festa se celebrava em honra deles, a etiqueta os obrigaria a permanecer juntos durante as

apresentações. Quando Roslynn viu a quantidade de convidados, chegou à conclusão de que

levaria muito tempo. Mas assim que lhe tivessem apresentado à última pessoa...

Todos os Malory estavam presentes. Viu Regina e Nicholas, de pé junto a vários dos filhos

do Edward; Jason e seu filho Derek junto à mesa onde se serviam bebidas, ao Jeremy, que tinha

chegado mais cedo para ajudar a sua tia Charlotte nos detalhes de último momento, que na

aparência incluíam o mudança de todas as flores do jardim de Charlotte ao interior da casa. Viu

Frances e George e a outras pessoas que tinha conhecido desde sua chegada a Londres.

Então percebeu o silêncio que se fez no salão. Tinham sido vistos e quando Anthony

deslizou seu braço ao redor da cintura dela, para passar uma imagem de casamento apaixonado,

ela grunhiu em seu interor. Aparentemente, essa noite tinha decidido tomar liberdades ilimitadas.

Nem se quer a soltou quando se aproximaram Edward e Charlotte, acompanhados por um

pequeno grupo de pessoas e começaram as apresentações. A única interrupção se produziu

quando precisaram iniciar o baile, em sua qualidade de convidados de honra. E essa foi outra

desculpa que Anthony aproveitou para atormentá-la com sua proximidade.

Pouco depois conheceu seus amigos; o grupo mais lamentável de lascivos libertinos que

podia imaginar-se. Cada um deles a olhou com falta de vergonha, namoriscou com ela, ou lhe fez

brincadeiras intencionadas. Eram divertidos e, ao mesmo tempo, ultrajantes. E conseguiram

afastar a do Anthony dançando com ela uma dança atrás de outra, até que ela rogou que lhe

dessem um momento de descanso. Anthony já não estava perto dela. Por fim, Roslynn pôde

tranqüilizar-se e divertir-se.

- Olhe, Malory, ou joga cartas ou não -disse o honorável John Willhurst, exasperado ao ver

que Anthony ficava de pé pela terceira vez em menos de uma hora.

Os outros dois jogadores se tornaram tensos quando Anthony apoiou ambas as mãos sobre

a mesa e se inclinou para Willhurst. -irei esticar as pernas, John. Mas se isso lhe causa algum

problema, já sabe o que deve fazer.

-Não... absolutamente -disse John Willhurst. Era vizinho de Jason e conhecia as explosões

temperamentais dos irmãos Malory, já que tinha crescido junto a eles. No que tinha estado

pensando? -Eu também desejaria beber uma taça.

Willhurst se afastou com rapidez da mesa e Anthony olhou aos outros jogadores para

comprovar se algum deles punha objeções. Não foi assim.

Sereno, como se não tivesse estado a ponto de desafiar a um velho amigo da família,

Anthony tomou sua taça e saiu da sala de jogo. Deteve-se na entrada do salão de baile e olhou às

pessoas ali reunidas, até que achou o que repetidamente lhe impulsionasse a retornar ali.

Maldição, nem sequer podia jogar uma partida de cartas quando Roslynn estava nas

redondezas. O mero fato de saber que se achava perto de lhe impedia de concentrar-se, tanto, que

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já tinha perdido quase mil libras. Não podia evitá-lo. Se estava perto dela precisava tocá-la, e

tampouco podia manter-se afastado dela.

No outro extremo do salão, Conrad Sharp acotovelou as costelas do James. - Voltou de

novo.

James olhou para onde estava Anthony e riu ao vê-lo franzir o cenho, enquanto

contemplava a sua mulher que dançava na pista. -Que rosto tão expressivo. Poderia afirmar que

meu irmão não é nada feliz.

- Poderia solucionar falando com a dama e lhe dizendo a verdade.

- Imagino que poderia fazê-lo.

- Mas não o fará?

- E facilitar as coisas ao Tony? Vamos, Connie. É muito mais divertido ver como as acerta

por sua conta. Seu temperamento não aceita a rejeição. É provável que piore a situação antes de

sair dela.

- No caso de que possa.

- Acaso perdeu a fé? Os Malory sempre saem vitoriosos. -James sorriu. - Além disso, ela já

está cedendo, embora talvez não o tenha notado. Tampouco ela pode deixar de olhar a seu redor

para saber se ele está ou não. Se existir uma mulher na verdade apaixonada, é Lady Roslynn.

- Mas suponho que ela não o percebeu.

- Exato.

- Do que se riem vocês dois? -perguntou Regina, que estava acompanhada pelo Nicholas.

James a abraçou. -Das fraquezas humanas, querida. Em certas ocasiões somos tão

estúpidos.

- Não me inclua -disse Nicholas.

- Na realidade, excluía a mim mesmo -disse James, fazendo uma careta ao olhar a seu

sobrinho por afinidade. - Mas você é um primeiro exemplo, Montieth.

- Famoso -disse Regina, suspirando com exasperação e olhando a ambos com fúria. Depois

tomou o braço do Conrad. -Connie, resgataria-me me convidando a dançar? Estou farta de que me

salpiquem com suas navalhadas.

- Eu adoraria, garotinha. -Connie sorriu.

James soprou ao vê-los afastar-se, dançando. -É muito direta, não é verdade?

- Não a conhece -grunhiu Nicholas, em grande parte para si mesmo. - Trate de dormir no

sofá quando sua mulher está zangada com você.

James não pôde evitar e pôs-se a rir. -Meu Deus, você também? É muito divertido, moço;

asseguro-lhe que o é. E que fez para merecer...?

- Não o perdoei. -Nicholas franziu a testa ante o gesto divertido de James a suas custas. - E

ela sabe. Cada vez que você e eu discutimos, logo me reprova isso. Quando partirá de Londres?

-Pois parece que é um assunto de interesse geral. -James continuou rindo. –Se com isso

consigo que continue dormindo no sofá, possivelmente não parta nunca.

- Como é bondoso, Malory.

- Acho que o sou. Se te servir de consolo, direi-lhe que faz muito tempo que perdoei você.

- Que magnânimo. Em realidade, o culpado foi você. Só te superei em alto mar...

- E conseguiu que me encarcerassem -disse James, mais sério.

- Ah! Isso foi depois de que me surrou de tal modo que esteve a ponto de faltar a minhas

próprias bodas.

- A qual tinha sido arrastado - disse James acidamente.

- Isso é mentira.

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- É? Não pode negar que meus irmãos precisaram obrigá-lo a que viesse. Eu também

chegaria a tempo nessas circunstâncias...

- E chegou para espreita com suas insídias.

- Espreitar? Espreitar! -disse James, iracundo.

Nicholas grunhiu. -E agora arruína tudo com seus gritos.

James olhou para onde olhava Nicholas e viu que Regina tinha deixado de dançar. Estava

de pé, no meio da pista de dança, contemplando-os com aborrecimento. Connie estava junto a ela,

tratando de fingir que não tinha ouvido os gritos.

- Viria-me bem tomar outra taça -disse James com aspereza, sorrindo-. Que desfrute do

sofá, moço. -E se afastou, rumo à mesa. Ao passar junto ao Anthony não pôde resistir ao o impulso

de lhe dizer: -Você e Montieth deveriam comparar suas respectivas situações, querido irmão.

Padece seus mesmos males.

- Ah, sim? -Anthony percorreu o salão com o olhar até ver Nicholas. Brevemente,

acrescentou: -Se for assim, obviamente conseguiu ventilá-los.

James riu ao ver que Nicholas beijava a sua mulher, sem se importar com os olhares que

posavam sobre eles. -É muito preparado. Regam não pode repreendê-lo enquanto ele a beija.

Mas Anthony não ouviu seu comentário. Uma vez mais escutou a gargalhada de Roslynn,

festejando a ocorrência de seu companheiro de dança. Abriu passagem entre os casais que

dançavam até chegar aonde estavam eles e deu uma palmada não muito suave sobre o ombro de

Justin Warton, obrigando-os a deter-se.

- Acontece algo, Malory? -perguntou cauteloso Lorde Warton, percebendo a ameaça

subjacente na atitude e a expressão do Anthony.

- Nada. -Anthony sorriu, tenso, mas esticou o braço e tomou o de Roslynn que começava a

afastar-se. -Só trato de recuperar o que me pertence. -Com uma leve inclinação de cabeça,

começou a dançar com sua mulher a valsa que ainda se escutava. -Diverte-se, amor?

-Divertia-me -disse Roslynn, tratando de não olhá-lo.

Ele apertou sua cintura com um pouco mais de força. -Deseja que partamos?

- Não -disse ela com muita rapidez.

- Mas, se não se divertir...

- Me... divirto -disse ela com tom áspero.

Sorriu-lhe, contemplando os olhos dela que olhavam para todas partes, menos para ele.

Aproximou-a mais a seu corpo e notou que o pulso de Roslynn se acelerava. Perguntou-se o que

faria ela se ele empregasse a estratégia do Montieth.

Perguntou-lhe: -Querida, o que faria se terminasse esta dança com um beijo?

- O que?

Olhou-o fixamente nos olhos.- Produz-lhe pânico, não é? -disse ele. - Por que?

- Não é assim.

- Ah, agora fala com sotaque escocês; é o sinal que indica...

- Cale-se -murmurou ela; as palavras dele a alarmaram tanto que cometeu um engano ao

dançar.

Anthony sorriu, encantado, e decidiu lhe dar uma pausa. Se fazia algo inconveniente no

salão de baile, não só cometeria um ato de mau gosto, mas também não obteria nenhum resultado.

Ao ver a fortuna que ela luzia em diamantes, disse com tom impessoal: -O que pode dar um

homem a uma mulher que tem tudo?

- Algo que não possa ser comprado -disse ela com voz ausente, pois ainda

] pensava no que ocorreria quando conclui-se essa dança.

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- Seu coração, talvez?

- Possivelmente... não... quero dizer... -gaguejou ela. Depois olhou-o encolerizada e

continuou dizendo amargamente: -Já não desejo seu coração.

Uma mão acariciou os cachos que caíam sobre sua têmpora. -E se já o possuísse? -

perguntou o de maneira suave.

Durante um instante, Roslynn se viu perturbada por seu olhar. Inclusive se aproximou dele

e esteve a ponto de lhe oferecer seus lábios, sem se importar as pessoas nem o problema que havia

entre ambos. Mas de repente reagiu e se separou dele, olhando-o com irritação.

Furiosa consigo mesma, disse: -Se seu coração me pertencer, posso fazer com ele quanto

deseje e desejaria cortá-lo em pedacinhos antes de lhe devolver.

- Mulher desumana.

- Não precisamente. -Ela sorriu sem alegria, divertindo-o sem sabê-lo. –Meu coração está

onde deve estar e ali ficará.

Com essas palavras, soltou-se dos braços dele e se dirigiu para onde estavam seus irmãos

mais velhos. Só em sua presença se sentia protegida dos audazes sarcasmos de Anthony e das

carícias supostamente inocentes de suas mãos.

CAPÍTULO 34

George bateu várias vezes à porta, depois retrocedeu enquanto assobiava uma alegre

melodia. Dobson abriu a porta.

- Faz cinco minutos que partiu, senhor -disse Dobson, antes de que George dissesse algo.

- Diabos, e eu acreditei que me sobrava tempo -respondeu George, mas permaneceu

imperturbável. - Muito bem. Será fácil achá-lo.

George voltou a montar seu cavalo baio e foi para o Hyde Park. Conhecia os caminhos

favoritos de Anthony, afastados do Rotten Row, que as mulheres evitavam. Em várias ocasiões o

tinha acompanhado em seus rodeios matutinos, em geral depois de uma noite de farra, quando

nenhum deles devia por obrigação ir dormir. Nunca se tinha levantado essas horas insólitas, nem

para cavalgar nem para fazer nenhuma outra coisa... até há pouco tempo.

George continuou assobiando; estava de tão bom humor que tinha a sensação de flutuar no

ar. Nos últimos três dias seus costumes tinham sofrido uma mudança drástica, mas não podia ser

mais feliz. Deitava-se cedo e se levantava cedo e passava todos os dias junto à Franny. Não, não

podia ser mais feliz, e devia tudo a Anthony. Mas desejava achar uma oportunidade para

agradecer a seu amigo; por isso tinha pensado em cavalgar com ele essa manhã.

Ao entrar no parque apressou a marcha para alcançar a Anthony, até que o viu certa

distância. Anthony se tinha detido antes de começar a galopar. George levantou o braço, mas

antes de que pudesse gritar para que Anthony o ouvisse, escutou-se um disparo.

Ouviu-o e não pôde acreditar. Viu que o cavalo do Anthony retrocedia com tanta

brutalidade que o animal e o cavaleiro estiveram a ponto de cair para trás, mas ainda assim não

pôde acreditar. O cavalo recuperou o equilíbrio, mas estava evidentemente espantado; tratava de

afastar-se e movia a cabeça. Retrocedeu para um arbusto que o assustou mais ainda. Um homem

ruivo que se achava a uns vinte metros de distância do Anthony, montou um cavalo escondido

entre os arbustos e saiu ao galope.

Anthony ainda não se tinha posto de pé e, embora tudo tivesse acontecido no espaço de

poucos segundos, George compreendeu muito bem o que tinha acontecido. Então Anthony se

sentou e se passou uma mão pelos cabelos. George que tinha empalidecido, recuperou a cor.

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Olhou ao ruivo que fugia e logo ao Anthony que ficava de pé, aparentemente ileso, e tomou uma

decisão. Enfiou seu cavalo atrás do ruivo.

Anthony acabava de entregar sua cavalgadura ao lacaio para que a levasse de volta à

cavalariça quando George passou junto a ele a galope. Droga! Não estava de humor para suportar

George e sua euforia. Não porque Anthony se chateasse com sua boa sorte. Mas não necessitava

que lhe recordassem como era diferente sua situação pessoal.

- De modo que saiu ileso? -disse George, sorrindo ao ver o gesto carrancudo de Anthony. -

Não há ossos quebrados?

- Vejo que foi testemunha de minha queda. Agradeço-te que tenha colaborado na

recuperação de meu cavalo.

George riu ante o sarcasmo. -Acreditei que preferiria isto, velho. –Entregou uma parte de

papel.

Anthony arqueou uma sobrancelha ao ler um endereço que nada lhe dizia. –É um médico?

Ou um açougueiro? -resmungou.

George se pôs-se a rir a gargalhadas, pois sabia que não enviaria a seu cavalo favorito a um

açougueiro. -Nenhuma das duas coisas. Ali achará o indivíduo ruivo que utilizou você para suas

práticas de tiro. Homem estranho. Nem sequer aguardou para comprovar se o tinha ferido ou

matado. Com probabilidade de acreditar que é um atirador exímio.

Os olhos de Anthony brilharam. -Perseguiu-o até o lugar onde vive?

- É claro, quando vi você levantar seus ossos machucados do chão.

- Claro. -Depois, Anthony sorriu. -Obrigado, George. Não ateria podido ir atrás dele.

- É o que estava procurando?

- Estou quase certo de que é ele.

- Irá visitá-lo?

- Não há a menor dúvida.

George se alarmou ao ver a expressão fria dos olhos de Anthony. -Deseja que o

acompanhe?

- Nesta ocasião não, amigo -respondeu Anthony. - Este encontro se demorou já muito

tempo.

Roslynn abriu a porta do estúdio e se deteve de repente ao ver o Anthony sentado em

frente à escrivaninha, limpando um par de pistolas. Não o tinha ouvido voltar de seu passeio

matinal. Tinha permanecido de propósito em seu quarto até que ouviu ele partir, pois não

desejava encontrar-se com ele depois de ter agido como uma idiota na noite anterior.

Anthony tinha achado divertido vê-la arrastar Jeremy da festa, apesar dos protestos do

moço. Anthony sabia muito bem por que não confiava em si mesma quando estava a sós com ele,

embora fosse durante uma viagem curta. James tinha partido cedo com seu amigo Conrad Sharp.

Jeremy era seu único amortecedor. Roslynn não concebia ficar a sós com Anthony depois da forma

em que ele se mofou dela durante toda a noite.

Agora estava sozinha com ele. Tinha ido trocar um livro por outro. Mas, quando ela entrou,

ele não levantou o olhar. Talvez se ela partisse em silêncio...

- Deseja algo, querida?

Ainda não tinha levantado o olhar. Roslynn chiou os dentes.

- Não é urgente.

Continuando, Anthony prestou atenção a ela e olhou o livro que ela tinha na mão. -Ah, o

companheiro das solteironas e das viúvas. Nada como um bom livro para passar uma noite

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quando a gente não tem outra coisa que fazer, não é verdade?

Ela tinha vontade de lhe jogar o livro à cabeça. Por que se empenhava em aludir ao

distanciamento que havia entre ambos cada vez que a via? Não podia manter-se calado até que ela

pudesse aceitar sua infidelidade? Comportava-se como se ela fosse a culpada.

Sua atitude injusta a irritou, e atacou. -Prepara-se para um duelo, meu senhor? Ouvi dizer

que é um de seus passatempos favoritos. Quem será o desventurado marido desta vez?

- Marido? -Anthony sorriu, tenso. - De maneira nenhuma, amor. Pensava lhe desafiar.

Talvez se permitir que me fira, se compadecerá de mim e nossa pequena guerra terminará.

Ela ficou boquiaberta. Depois reagiu. -Fale a sério, por favor.

Ele encolheu os ombros. -Seu querido primo pensa que se se desfizer de seu atual marido,

terá outra oportunidade com você.

- Não -disse Roslynn horrorizada. - Nunca pensei...

- Não? -interrompeu ele. - Pois não se preocupe por isso, amor. Pensei-o eu.

- Quer dizer que se casou comigo sabendo que sua vida corria perigo?

- Há coisas pelas quais vale a pena arriscar a vida... ao menos pensava isso.

Mortificada, Roslynn não pôde suportar mais, e saiu correndo do estúdio. Foi a seu quarto e

rompeu em pranto. Oh, Deus, tinha acreditado que tudo terminaria quando se casasse. Nunca

imaginou que Geordie trataria de matar a seu marido. E seu marido era Anthony. Não podia

tolerar a idéia de que algo lhe ocorresse por causa dela.

Devia fazer algo. Devia achar ao Geordie e falar com ele, lhe entregar sua fortuna, algo.

Nada devia acontecer a Anthony. Resolvida, Roslynn secou suas lágrimas e desceu para dizer ao

Anthony qual era sua decisão. Livrariam-se do Georgie com dinheiro. De qualquer modo, era

quanto ele desejava. Mas Anthony partira.

CAPÍTULO 35

Anthony compreendeu por que nem ele nem seus agentes tinham podido localizar a

Cameron. O escocês se afastara do cais e tinha alugado um apartamento em uma zona melhor da

cidade, o que era surpreendente, pois os aluguéis eram muito altos durante a temporada. O

proprietário, um indivíduo cordial, disse que Cameron tinha alugado o apartamento poucos dias

atrás e que nesse momento, achava-se nele. Não sabia se se encontrava a sós. Mas ao Anthony era

indiferente.

Cameron se fazia passar por um tal Campbell, mas Anthony estava seguro de que se

tratava dele. Tinha achado a seu homem. Pressentia-o. Seu coração se acelerou pelo efeito da

adrenalina que inundou suas veias. E uma vez que arrumasse contas com o Cameron, arrumaria-

as com Roslynn. Tinha permitido que ela fixasse as regras mas já era suficiente.

As habitações se encontravam no segundo andar; era a terceira porta à esquerda. Anthony

chamou com suavidade e poucos segundos depois a porta se abriu e viu pela primeira vez a

Geordie Cameron. Os olhos, muito azuis, surpreendidos ao reconhecer ao Anthony, delataram-no.

O escocês demorou uns instantes em reagir; logo o invadiu o pânico e tratou de fechar com

violência a porta. Pior, bastou uma mão para impedir-lhe. Anthony o empurrou com força e

Geordie soltou a tranca e retrocedeu quando ouviu a porta bater.

A fúria e a ansiedade fizeram presa do Geordie. O inglês não lhe tinha parecido tão forte à

distância. Tampouco lhe tinha parecido tão perigoso. Além disso, teria que estar morto ou, pelo

menos, gravemente ferido e, em todo caso, intimidado ao saber que Geordie Cameron era seu

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inimigo mortal. Imaginou que Roslynn tinha sido presa do pânico e tinha abandonado a casa de

Picadilly, circunstância que Wilbert e Thomas Stow teriam aproveitado para apanhá-la. Não

estava previsto que o inglês se apresentasse a sua porta, com aspecto saudável até a irritação, e

sorrindo com desprezo, o que alarmou muitíssimo Geordie.

-Me alegro de que não precisemos perder tempo nos apresentando, Cameron - disse

Anthony, entrando no quarto e obrigando Geordie a retroceder-. Teria me decepcionado ter que

lhe explicar por que estou aqui. E lhe darei uma oportunidade, coisa que você não fez esta manhã.

É você suficientemente cavalheiro para aceitar meu desafio?

O tom impassível de Anthony provocou certa beligerância em Geordie. -Ah!, não sou

estúpido.

- Isso é discutível, mas não supus que faríamos isto da maneira habitual. Muito bem, pois.

Geordie não estava preparado para o murro. O golpe atingiu o meio de seu queixo e o

enviou contra a pequena mesa de comer, cujas frágeis pernas se destroçaram, provocando a queda

da mesa e das cadeiras. Geordie aterrissou sobre todos eles. Imediatamente ficou de pé e viu que o

inglês tirava devagar a jaqueta, sem nenhuma pressa. Geordie moveu a mandíbula, comprovando

que estava intacta e olhou sua própria jaqueta que estava sobre a cama, no outro extremo do

quarto. Perguntou-se se poderia tomar a pistola que estava no bolso.

Descobriu que quando se virou para a cama foi obrigado a girar sobre si mesmo, para

receber um golpe de punho no estômago e outro na face. Novamente caiu ao chão e desta vez não

pôde ficar de pé com tanta velocidade. Tampouco podia respirar. O maldito canalha tinha rochas

nos punhos.

Anthony disse: -Isso foi pelo desta manhã. Agora nos ocuparemos do verdadeiro problema.

- Não lutarei contra você -disse Geordie, sentindo o gosto a sangue na boca, como

conseqüência do murro no rosto.

- É obvio que o fará, moço -disse Anthony alegremente. - Não tem outra alternativa.

defenda-se ou não, limparei o chão com seu sangue.

- Está louco.

- Não. -O tom de Anthony mudou. -Falo muito a sério.

Inclinou-se para levantar o Geordie. Geordie deu chutes para afastá-lo, mas Antony lhe

bloqueou com o joelho e lhe obrigou a ficar de pé. Geordie voltou a sentir as rochas que

golpeavam outra vez seu rosto. Cambaleou para trás e levantou seus punhos antes que Anthony

se aproximasse dele. Tratou de golpear com o punho direito, mas não conseguiu. Seu corpo caiu

para frente quando recebeu dois golpes sucessivos no estômago. Antes que pudesse recuperar o

fôlego, seus lábios foram destroçados contra seus dentes.

- Bas... ta -balbuciou.

- Não, Cameron -disse Anthony, que não acusava sintomas de fadiga.

Geordie grunhiu e voltou a grunhir quando recebeu dois novos golpes. A dor o

enlouqueceu. Nunca lhe tinham dado uma surra em sua vida. Não tinha a presença de ânimo para

agüentá-lo como um homem. Começou a gritar e a dar murros no ar. Quando conseguiu golpear

riu, mas ao abrir os olhos descobriu que tinha golpeado a parede, quebrando três dedos. Anthony

o fez girar sobre si mesmo e, de um murro, fez golpear a cabeça do Geordie contra a parede. Ao

deslizar para o chão, Cameron comprovou que também seu nariz estava quebrado.

Pensou que tudo tinha acabado. Estava derrotado e sabia. Doía-lhe todo o corpo e sangrava

em excesso. Mas não era o final. Anthony o levantou, tomando-o pela camisa, apoiou-o contra a

parede e o golpeou reiteradamente. Embora Geordie procurasse evitar os golpes, estes

continuavam caindo sobre ele.

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Finalmente deixou de senti-los. Tinham cessado. Caiu ao chão e permaneceu sentado só

porque a parede o segurava. O sangue emanava de sua boca, seu nariz e das feridas de seu rosto.

Tinha duas costelas quebradas. O dedo mindinho de sua mão esquerda estava quebrado. Só podia

ver com um olho e viu o Anthony que o olhava com desprezo.

- Droga! Você não me proporciona satisfação alguma, Cameron.

Era engraçado. Geordie procurou sorrir, mas seus lábios estavam insensibilizados, de modo

que não sabia se tinha podido fazê-lo ou não. Mas pôde pronunciar uma palavra.

- Miserável.

Anthony grunhiu e se pôs de cócoras em frente a ele. -Deseja mais?

Geordie gemeu: -Não... basta.

- Então, preste atenção, escocês. Sua vida pode depender disso, porque se me vejo obrigado

a vir em outra ocasião até aqui, não empregarei os punhos. Ela é minha agora e também o é sua

herança. Casei-me com ela faz uma semana.

Apesar de seu embotamento, Geordie compreendeu suas palavras. –Está mentindo. Ela não

se casou com você a menos que assinasse esse estúpido contrato; nenhum homem cordato o faria.

- Equivoca-se, querido moço. Assinei-o em presença de testemunhas e o queimei depois da

cerimônia.

- Não pôde tê-lo feito se havia testemunhas.

- Esqueci de dizer que as testemunhas eram membros de minha família –disse Anthony

sarcástico.

Geordie tentou levantar-se, mas não pôde. -E o que? Recuperará tudo quando eu a converta

em viúva.

- Parece que você não aprende -disse Anthony, tomando de novo a camisa do Geordie.

Geordie segurou seus punhos. -Não quis dizê-lo. Juro-o.

Anthony o soltou. Decidiu continuar mentindo em lugar de apelar à força. –Que eu morra

ou não será igual para você, escocês. Segundo meu novo testamento, tudo que possuo, incluindo a

herança de minha mulher, será herdado por minha família. Ela se ocupará de que não falte nada à

minha esposa, mas fora disso, não receberá nada. Perdeu tudo no dia que se casou comigo... e

você também.

O olho são do Geordie se entrecerrou com fúria. -Ela deve odiá-lo por havê-la extorquido.

- Esse é meu problema, não lhe parece? -disse Anthony ficando de pé. –Seu problema é sair

de Londres hoje mesmo em é estado em que se encontra. Se amanhã ainda estiver aqui, farei

prender você por essa pequena manobra que tentou esta manhã no parque.

- Não tem provas.

- Não? -Anthony sorriu. -O conde do Sherfield foi testemunha de tudo que ocorreu e o

seguiu até aqui. Como acha que dei com seu paradeiro? Se meu testemunho não for suficiente

para enviá-lo ao cárcere, o dele o será.

Anthony partiu enquanto Cameron murmurava, dizendo como supunha que podia sair de

Londres quando nem sequer podia ficar de pé.

CAPÍTULO 36

Por sorte, Roslynn não viu Anthony quando este retornou a sua casa. Depois de banhar-se e

mudar de roupa não apresentava sinais da rixa. Seus nódulos estavam doloridos, mas como tinha

usado luvas, não havia neles feridas nem marcas dos dentes do Cameron. Não obstante, estava

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enfastiado. O homem não havia oposto resistência alguma e isso o punha de mau humor, estava

de ânimo inapropriado para confrontar seu próximo desafio: Roslynn.

Nesse momento nem sequer desejava vê-la, mas por desgraça ela saiu do saguão no

momento em que ele se dispunha a voltar a sair.

- Anthony?

Ele franziu o cenho ante seu tom vacilante, tão incomum nela. -O que ocorre?

- Desafiou ao Geordie?

Ele grunhiu: -Não quis aceitar.

- Viu-o?

- Vi-o. E pode se tranqüilizar, querida. Já não voltará a incomodar você.

- Por acaso...?

- Só o persuadi para que partisse de Londres. Possivelmente deva ser levado por terceiros,

mas partirá. E não me espere para jantar. Irei ao clube.

Roslynn permaneceu olhando a porta depois que ele partiu, perguntando-se por que a

perturbava tanto sua concisão. Devia estar aliviada, contente de que Geordie tivesse recebido uma

surra, pois estava certa de que esse era o método de persuasão que tinha empregado Anthony.

Mas em troca estava desanimada, deprimida, por causa de sua brutalidade e fria indiferença. Ele

tinha atravessado distintos estados de ânimo na última semana, mas este era novo e não lhe

agradava absolutamente.

Pensou que tinha adiado sua decisão durante muito tempo. Tinha chegado o momento de

resolver sua relação matrimonial, antes que já não pudesse decidir nada. Devia fazê-lo agora, hoje,

antes que ele retornasse.

-Bem, Nettie?

Nettie, que estava escovando os cabelos avermelhados de Roslynn, fez uma pausa para

olhá-la no espelho. -É isso o que na realidade decidiu, menina?

Roslynn fez um gesto afirmativo com a cabeça. Tinha-lhe contado tudo à Nettie; tinha-lhe

falado de como Anthony a tinha seduzido nessa mesma casa, das condições que ela tinha posto

para casar-se com ele e das mentiras que ele havia dito a respeito de sua fidelidade. Nettie se tinha

enfurecido e assombrado. Roslynn não lhe economizou detalhes e finalizou comunicando ao

Nettie sua decisão. Queria a opinião e o apoio de sua donzela.

- Acredito que está cometendo um grave engano, menina.

Não era essa a opinião que esperava. -por que?

- Vai usá-lo e isso não lhe agradará.

- Compartilharei seu leito -disse Roslynn. - É isso usá-lo?

- Compartilhará seu leito só durante um tempo.

- Ele aceitou ter um filho comigo.

- Sim. Mas não aceitou deixar de ter relações contigo depois de que o filho fosse concebido,

não é verdade?

Roslynn franziu o sobrecenho. -Só trato de me proteger, Nettie. Se continuo mantendo

relações íntimas com ele... Não quero amá-lo.

- Já o ama.

- Não é assim -disse Roslynn, girando sobre si mesma para olhar Nettie com fúria. - E não o

amarei. Nego-me. E deixaria que ele decidisse. Oh, não sei para que te disse algo.

Nettie soprou, imperturbável ante a explosão de Roslynn. -Então, vá e diga-lhe. Vi ele

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entrar em seu quarto antes de vir para cá.

Roslynn desviou o olhar, com um nó de nervos no estômago. –Talvez devesse aguardar até

manhã. Não estava precisamente cordial quando partiu.

- Não o esteve desde que mudou de quarto - recordou-lhe Nettie. - Mas talvez compreenda

que sua idéia é uma tolice...

- Não -disse Rosynn com voz decidida-. Não é uma tolice. É própria da conservação.

- Se você o diz, pequena. -Nettie suspirou. -Mas lembre-se que lhe avisei disso...

- Boa noite, Nettie.

Roslynn permaneceu sentada em frente de seu novo toucador durante dez minutos mais,

depois que Nettie partiu, olhando-se no espelho. Sua decisão era a correta. Não perdoaria ao

Anthony. De maneira nenhuma. Mas tinha chegado à conclusão de que a atitude que tinha

adotado era um impedimento para obter seus fins. Podia continuar alimentando sua fúria e

mantendo Anthony a distância, ou podia ter um filho. Desejava-o. Era assim simples.

Mas implicava engolir seu orgulho e ir em busca de Anthony. Dada a frieza que ele tinha

demonstrado hoje, era indubitável que ela deveria dar o primeiro passo. Mas se recordou a si

mesmo que era só passageiro. Ele devia aceitar essa condição. Ainda não podia aceitá-lo tal como

era, embora o tivesse feito quando se casaram. A verdade era que já não desejava que fosse como

antes. Compreendeu que era muito egoísta ao desejar possuí-lo só para ela. Mas, como isso não

podia ser, devia manter-se indiferente, para não esquecer em nenhum momento que ela nunca

seria a única mulher de sua vida.

Antes que a coragem a abandonasse, Roslynn saiu abruptamente do quarto. Cruzou o

vestíbulo e bateu na porta do Anthony. Quando o fez, a apreensão voltou a apoderar-se dela.

Quando chamou pela segunda vez o fez com tanta suavidade que só ela escutou o som de sua

mão contra a porta. Mas Anthony tinha ouvido a primeira chamada.

Willis abriu a porta, olhou-a e saiu em silêncio do quarto, deixando a porta aberta para que

ela entrasse. Ela o fez com vacilação e fechou a porta. Temia encontrar-se com o Anthony. Olhou a

cama, vazia mas preparada. ruborizou-se e as palmas de suas mãos se umedeceram de

transpiração. De repente compreendeu que estava ali para fazer amor com Anthony. Seu coração

começou a pulsar com força, embora ainda não o tivesse olhado.

Ele a contemplava. Tinha contido o fôlego ao vê-la entrar com sua bata de dormir de seda

branca, que se aderia provocativamente às suaves curvas de seu corpo. Sobre ela levava outra

bata, também de seda, mas de mantas longas e transparentes que deixavam ver seus braços nus.

Levava os cabelos soltos, que caíam em suaves ondas sobre suas costas. Anthony desejava afundar

seus dedos neles. E estava descalça.

Foram seus pés nus que indicaram a Anthony por que estava ela ali. Só havia dois motivos

que os justificassem. Ou Roslynn era uma idiota ao acreditar que podia torturá-lo com seu

provocativo traje e depois fugir para seu quarto sem que ele a tocasse, ou estava ali para pôr fim a

sua tortura.

Qualquer que fosse a razão pela qual ela se introduziu em seu dormitório, mostrando-se

como não o tinha feito durante toda a semana, ele não tinha a menor intenção de permitir que

partisse. Fosse qual fosse a razão, seus dias de celibato tinham chegado a seu fim.

- Roslynn?

Seu tom era interrogante. Desejava saber por que estava ela ali. Demônios, acaso devia ela

dizer-lhe mais claro? Acaso não era óbvio? Willis o tinha compreendido ao vê-la, o que era

bastante embaraçoso. Mas Anthony ia obrigar a dizê-lo. Devia saber que não seria simples.

Ao ouvir sua voz, ela se virou. Ele estava sentado no divã no qual em certo momento tinha

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ameaçado amarrá-la. Ao recordá-lo, experimentou mais vergonha ainda e recordou que ele a tinha

obrigado a sentar-se ali enquanto ele mudava de roupa. Ao vê-lo, e ao ver como a contemplava,

não pôde emitir palavra.

Mas seu coração continuava pulsando com violência; com mais força ainda, agora que o

tinha visto. Levava uma bata de cor azul prateada sobre as calças. Era a mesma que usara na noite

em que fizeram amor pela primeira vez. As lembranças a fizeram ruborizar-se e os nervos atados

em seu estômago se converteram em algo completamente diferente.

- Bem, querida?

Roslynn pigarreou, mas não foi de muita utilidade. -Pensei... pensei que poderíamos... Não

pôde concluir; ele a olhava nos olhos. Seu olhar já não era inescrutável mas sim intenso, embora

ela não sabia qual era o sentimento que o provocava.

Anthony perdeu a paciência, aguardando que ela dissesse o que ele desejava ouvir. -

Poderíamos o que? Você e eu poderíamos fazer muitas coisas. No que pensa exatamente?

- Prometeu-me um filho -disse ela. Logo suspirou, aliviada por havê-lo dito.

- Instalará-se outra vez aqui?

Demônios, ela tinha esquecido o resto. -Não... quando o conceber não haverá motivos

para...

- Para que compartilhe meu leito?

A expressão subitamente furiosa dele a fez vacilar, mas sua decisão já estava tomada. Devia

manter-se firme.

- Exato.

- Compreendo.

A palavra soava nefasta. Roslynn estremeceu. Nettie lhe tinha advertido que não lhe

agradaria, mas ao ver seu queixo tenso e o frio olhar de seus olhos azuis, compreendeu que ele

estava muito zangado. Mas não se moveu. Talvez apertou um pouco a taça de conhaque que tinha

na mão, mas sua voz se manteve suave quando prosseguiu falando... suave e ameaçadora.

- Isto não foi o que combinamos a princípio.

- Tudo mudou depois - recordou-lhe ela.

- Nada mudou, exceto o que sua mente imagina.

Ela retrocedeu. -Se não aceitar...

- Permaneça onde está, Roslynn -disse ele asperamente. - Ainda não terminei de analisar

esta sua nova condição. -Deixou a taça sobre a mesa que estava junto a ele e apoiou as mãos sobre

a cintura. Em nenhum momento deixou de olhá-la. E depois, com calma, ou ao menos com

autodomínio, disse: -De modo que desejas usar meu corpo durante certo tempo com fins de

gestação?

- Não precisa ser vulgar a respeito.

- Trataremos o tema tal como o merece, querida. Você deseja um garanhão, isso é tudo. O

problema é que não sei se posso ser tão indiferente para lhe dar só o que deseja. Seria uma

experiência nova para mim. Não sei se sou capaz de funcionar de uma maneira puramente formal.

Nesse momento teria sido. Estava tão zangado com ela que só desejava pô- la sobre seus

joelhos e lhe dar uma surra, para tratar de que fosse um pouco mais sensata. Mas lhe daria justo o

que ela pedia e aguardaria até ver quanto tempo o levaria para admitir que não era isso o que em

realidade desejava.

Roslynn já tinha suas dúvidas. Ele o fazia soar tão... tão animal. Formal? Que diabos tinha

querido dizer com isso? Se pensava agir de uma maneira indiferente, como poderia fazer amor?

Ele mesmo lhe havia dito que não podia fazer-se, a menos que existisse o desejo. Claro que isso

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havia dito quando lhe afirmou que não queria a nenhuma outra mulher, exceto a ela. E tinha sido

mentira. Mas agora dizia que não estava seguro de poder fazê-lo. Demônios. Tinha-a

perseguido no começo. Como não podia fazê-lo?

Ele interrompeu seus pensamentos com uma ordem. -Venha, Roslynn.

- Anthony; talvez ...

- Deseja um filho?

- Sim -respondeu ela com um fio de voz.

- Então, venha para cá.

Ela se aproximou dele, mas devagar e com certo temor. Não lhe agradava vê-lo assim, tão

controlado, tão frio. E sabia que sua irritação ainda subsistia. Mas seu coração se acelerou com

cada passo que dava. Fariam amor. Não importava como. Não importava onde, embora olhasse

fugazmente a cama vazia antes de olhar de novo para o divã. E de repente recordou a ameaça que

lhe fizera Anthony na noite em que George e Frances tinham estado na casa; havia-lhe dito que lhe

devia o castigo de atá-la ao divã. Roslynn se deteve de repente.

Por desgraça, já era tarde. Estava suficientemente perto de Anthony para que ele pudesse

tomá-la e fazê-la sentar sobre seu colo. Ela tratou de girar para olhar o de frente, mas ele o

impediu e a colocou como ele desejava, quer dizer de costas para ele. A posição a pôs mais

nervosa ainda, pois não podia ver o rosto do Anthony. Mas talvez essa era sua intenção. Roslynn

já não sabia o que pensar.

- Está rígida como uma tábua, querida. Lembre-se que isto foi sua idéia.

-Não em um divã.

- Não disse que o faríamos aqui... mas tampouco disse que não. O que importa onde o

façamos? O principal é descobrir se está em condições de levar a cabo o esforço.

Dada a posição em que ele a tinha colocado, sentada em seu regaço e lhe dando as costas,

ela não podia saber que ele já o estava tentando e que tinha pensado nisso no momento em que ela

entrou no quarto. Roslynn percebeu que ele tomava seus cabelos com as mãos, mas não soube que

levava as sedosas jubas até seus lábios, nem que as apertava contra suas faces; não pôde ver como

fechava os olhos ao sentir os cabelos dela sobre sua pele.

- Anthony, não acredito que...

- Shh. -Ele puxou para trás a cabeça de Roslynn tomando a pelos cabelos e lhe murmurou

ao ouvido: -Pensa muito, querida. Trata de ser espontânea alguma vez. Talvez lhe agrade.

Ela se conteve e não respondeu. Ele desceu os ombros da bata do Roslynn, deslizando suas

mãos pelos braços dela; logo lhe tirou as mangas e voltou a deslizar as mãos até seus ombros.

Continuou tocando seus ombros, seu pescoço, mas ela percebeu a diferença entre esta vez e a

anterior. Inclusive a noite anterior, quando tinha acariciado seu braço nu na carruagem, tinha-o

feito de uma maneira diferente. Ela havia sentido seu ardor como uma marca de fogo. Agora não

sentiu nada; só indiferença, como se tocasse um objeto. Formal... Oh, Deus.

Não podia tolerá-lo. Tratou de endireitar-se , mas ele tomou firmemente seus seios e a

atraiu para si.

- Não irá a nenhuma parte, querida. Veio com suas malditas condições e as aceitei. Não

pode mudar de idéia... outra vez.

A cabeça de Roslynn caiu para trás sobre o peito dele. Enquanto falava, ele manteve as

mãos quietas. Tinham começado a acariciar seus seios. Possivelmente ele não sentia nada, mas ela

estava acesa de desejo. E na aparência não podia evitá- lo; suas pernas e braços se tornaram

lânguidos e tensos alternativamente.

Roslynn já não se importava a falta de paixão do Anthony. Seus próprios sentidos a

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dominavam. Era muito tarde para mudar de idéia. Além disso, tudo era só um meio para alcançar

um fim. Não devia esquecê-lo.

Instantes depois já não podia pensar. As mãos de Anthony percorriam a frente de seu

corpo, com carícias ora suaves, ora violentas, mas já não indiferentes, embora já não percebesse a

diferença. Inclusive a seda de sua bata que se deslizava para cima sobre suas pernas era uma

carícia. Então, a mão dele tocou o triângulo de pêlo e se deteve.

- Abre as pernas -ordenou ele. Seu fôlego quente roçou a orelha de Roslynn.

Ela ficou tensa durante um instante, mas as palavras a tinham estremecido de cima abaixo.

Ofegando, com o coração acelerado, separou apenas os joelhos. A mão dele se manteve imóvel

sobre os cachos avermelhados, mas a outra deslizou debaixo de sua bata e tocou seus seios. A seda

já não se interpunha entre a mão e a pele.

Voltou a ordenar: -Mais, Roslynn.

Ela conteve o fôlego mas obedeceu e moveu seus joelhos sobre os dele, até que suas pernas

pendiam de ambos os lados das nádegas do Anthony. Mas não era suficiente para ele. Separou

seus próprios joelhos, obrigando-a a abrir mais as pernas; só então sua mão deslizou para baixo e

introduziu um dedo nela.

Roslynn gemeu e arqueou as costas. Seus dedos se afundaram na bata dele. Não sabia o que

estava fazendo, mas ele sim. Cada gemido de prazer que ela emitia era uma chama que acendia a

alma do Anthony. Ele mesmo não podia compreender como podia ainda controlar sua paixão

abrasadora. Mas não poderia continuar fazendo-o.

- Não importa, não é verdade? -Sua pergunta foi calculadoramente cruel, para manter

viva sua ira. -Aqui? Na cama? No chão?

Ela ouviu a pergunta. Só pôde menear a cabeça, respondendo que não.

-Neste momento, poderia obrigá-la a renunciar a todas suas malditas condições. Sabe, não,

amor? -Ela não pôde responder; só lançou um gemido. - Mas não o farei. Quero que recorde que

você escolheu isto.

Já nada importava à Roslynn; só o fogo que a consumia. Tampouco ao Anthony. Ela o tinha

empurrado além de seus limites.

Sem advertência prévia, deslizou-a para frente sobre seus joelhos para preparar-se; logo a

levantou e a penetrou. Ela levantou as mãos para tomar a cabeça dele, que era o único que estava a

seu alcance. Ele acariciou todo o torso dela, enquanto ela se deitava contra ele, gozando.

Foi um breve instante, antes de que lhe recordasse que não se tratava de um ato de amor,

mas sim de algo que se fazia com uma finalidade específica. Ao diabo com ela e suas condenadas

condições. Anthony desejava beijá-la; fazê-la girar e possuí-la com toda a paixão e a ternura que

sentia por ela. Mas não o faria. Queria que ela recordasse esse momento com aversão, para que

admitisse que desejava algo mais dele que um filho.

Tendo presente essa idéia, tomou as mãos dela e as pôs sobre os braços da poltrona,

obrigando-a a erguer-se; depois voltou-se para trás e ela ficou escarranchada sobre ele, com seus

cabelos que caíam sobre o ventre dele. Ela olhou para trás, espectadora. Ele sabia que ela

aguardava que ele começasse, que a guiasse, pois ela desconhecia por completo as numerosas

posições que existem para fazer amor. Tampouco sabia que, nessa posição, era ela quem devia

tomar a iniciativa.

Com premeditação, Anthony disse: -Quis usar meu corpo. Tem-no. Agora, cavalga. -Ela o

olhou, surpreendida, mas não lhe permitiu protestar. -Faça-o.

Ela se voltou para enfrentá-lo; suas faces ardiam. Mas isso que tinha em seu interior devia

ser satisfeito. E se não o fizesse...

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Por fim achou o ritmo, foi simples. Foi simples porque era maravilhoso e ela controlava a

situação e podia impor seu próprio tempo. Podia balançar-se suavemente para frente e para trás,

ou podia elevar-se e logo cair com força se o desejasse, ou deslizar para baixo com deliciosa

lentidão. Pôde satisfazer seus caprichos e controlar a situação... até que Anthony se fez cargo dela.

Não teve alternativa. Ela se tinha adaptado com muita rapidez e estava excitando-o muito;

sabia que não poderia esperar que ela chegasse à culminação. Não devia aguardar. Deveria

frustrá-la. Não precisava experimentar prazer para conceber um filho. Mas não podia lhe fazer

isso, merecesse-o ou não.

Anthony se endireitou e tomou pela cintura para mantê-la quieta. Com a outra mão

acariciou seu púbis. Fez-lhe chegar ao topo e logo a soltou, para que ela concluísse por sua conta.

Ela o fez; cavalgou sobre ele com tal força e velocidade que os espasmos de prazer os envolveram

a ambos, com intervalos de poucos segundos.

Ela caiu sobre ele, exausta, feliz e lhe permitiu ficar ali durante uns poucos instantes; e se

permitiu o prazer de abraçá-la durante esses poucos instantes. Mas logo se endireitou e a ajudou a

ficar de pé.

- Vá para cama... a minha cama. Até que conceba dormirá aqui.

A frieza de sua voz fez cessar a euforia de Roslynn, com comoção. Voltou-se e viu sua

expressão suave, seu olhar turvo e pensou que seus ouvidos a tinham traído. Depois ele desviou o

olhar, como se fosse indiferente e abotoou suas calças. Então ela compreendeu que não os tinha

tirado. Nem sequer tinha aberto a bata. Ela também levava sua bata de dormir.

Seus olhos se encheram de lágrimas. Anthony os viu e sua expressão se tornou colérica.

- Não -grunhiu-; não o faça ou lhe darei uma surra. Obteve exatamente aquilo que veio

buscar.

- Não é verdade -exclamou ela.

- Não é? Acaso esperava outra coisa ao planejar amor?

Deu-lhe as costas para que não a visse chorar e se refugiou na cama. Nesse momento

desejava retornar a seu dormitório, mas não se atreveu a fazê-lo ao ver o humor em que estava

Anthony. Mas a vergonha a invadiu e continuou chorando. Ele tinha razão. Ela tinha chegado até

ali pensando que lhe faria amor como em outras ocasiões. Mas merecia o tratamento que lhe tinha

dado. E a envergonhava mais ainda o fato de havê-lo desfrutado.

Tinha estado tão segura de sua decisão. Oh, Deus, por que não tinha escutado Nettie? Por

que era sempre tão egocêntrica e só pensava em seus próprios sentimentos, sem levar em conta os

alheios? Se Anthony lhe tivesse feito essa mesma proposta, sugerindo-lhe que compartilhasse seu

leito até que concebesse um filho, para depois não ter nada que ver com ela, ela teria sentido

destroçada e teria pensado que ele era cruel e insensível... Oh, Deus o que pensaria ele dela? Ela

não teria aceito uma proposta tão ultrajante. Se sentiria ofendida e furiosa, tal como estava ele.

Pelo menos, não a amava. Não queria nem pensar o que sentiria ele agora se a amasse. Mas

sentia outras coisas com respeito a ela: desejo, ciúmes, possessividade...

Roslynn compreendeu de repente que todos esses sentimentos estavam relacionados com o

amor. Mas lhe havia dito que não a amava. Não; havia dito que era muito cedo para falar de amor.

Mas nunca a havia contradito quando lhe disse que ele não a amava. Não podia amá-la. E se a

amasse? Talvez lhe houvesse dito a verdade quando afirmou não lhe ter sido infiel. Se assim fosse,

o comportamento dela desde que se casaram tinha sido imperdoável. Não... não. Não podia estar

tão equivocada.

Sentou-se na cama e viu que ele ainda estava na poltrona e que tinha outra vez a taça de

conhaque na mão. -Anthony?

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Ele não a olhou, mas sua voz foi cortante e amarga. -Vá dormir, Roslynn. Nos acasalaremos

novamente quando eu achar conveniente.

Ela deu um pulo e voltou a deitar-se. Na realidade pensava que o tinha chamado para

convidá-lo a acasalar? Não, estava tratando de ser desagradável e não podia culpá-lo por isso. Era

indubitável que deveria suportar muitas outras coisas desagradáveis, porque não sabia como

desligar-se desse novo acordo que tinha combinado com ele. Mas não dormiu. E Anthony não foi

para cama.

CAPÍTULO 37

Na manhã seguinte, Roslynn desceu com pressa às sete e meia da manhã. Suas faces ainda

estavam avermelhadas por causa da mortificante experiência de encontrar-se com James quando

saiu do quarto de Anthony, vestida tão somente com sua bata transparente. James ainda levava

sua roupa de etiqueta; é obvio acabava de retornar de uma noite de folguedo e estava abrindo a

porta de seu dormitório quando Roslynn o viu e ele a viu. Ele a olhou devagar, de cima abaixo e

franziu o cenho com gesto divertidamente interrogante.

Demônios, ela se havia sentido muito envergonhada e, com as faces coradas, tinha entrado

apressadamente em seu quarto. Quando fechou com força a porta, ouviu a gargalhada de James.

Só desejava encolher-se debaixo das mantas de sua cama e não voltar a sair dali. Uma coisa era

que James pensasse que se reconciliara com o Anthony e compartilhava de novo seu leito e outra

que visse que não era esse o caso, pois ela ainda dormia em um quarto separado. O que pensaria

James? Não deveria se importar. Tinha muitos problemas em que pensar para preocupar-se com o

que o irmão de Anthony pudesse pensar de seu insólito comportamento.

Um desses problemas era o de achar as faturas de todas suas compras recentes, antes de

que as achasse Anthony. Agora compreendia que seu desejo de lhe provocar problemas só por

rancor era infantil. E totalmente desprezível para uma mulher de sua idade. Além disso, ele estava

muito zangado com ela para arriscar-se a encolerizá-lo ainda mais, coisa que ocorreria se

descobrisse a grande quantidade de dinheiro que ela tinha gasto em seu nome.

Não tinha muito tempo. Embora tivesse deixado Anthony dormindo no divã, ele sempre se

levantava cedo para seu passeio matinal. Ela desejava estar fora da casa antes de que ele baixasse.

Agora que Geordie já não representava um perigo e ela podia sair com liberdade, iria ao banco e

pagaria essas contas em pessoa. Quando chegasse o momento de voltar a encontrar-se com

Anthony, pelo menos teria a consciência tranqüila a respeito disso. Depois meditaria sobre a

forma de anular esse horrível acordo que tinha feito com ele, sem sacrificar seu orgulho e sem lhe

dizer que ainda não lhe tinha perdoado suas mentiras. Na realidade, considerava que seria

impossível corrigir a situação sem que seu orgulho sofresse. Já tinha dedicado a metade da noite a

tratar de solucionar o problema, sem resultado algum.

Ao entrar no estúdio de Anthony para procurar as faturas, deixou sua bolsa e seu chapéu

sobre uma cadeira. A curta jaqueta de cor castanha com fios dourados e o vestido cor castanha que

levava vestidos eram adequados para as diligências que levaria a cabo e estavam de acordo com

seu estado de ânimo, combinavam com a depressão e o desespero que a afligiam, por causa da

situação em que se colocara.

Na primeira gaveta havia livros maiores e de contabilidade e no segundo, correspondência

pessoal que não revisou. Na terceira gaveta achou o que procurava e mais ainda. Estava cheio de

contas; algumas abertas e outras não. Era típico das classes acomodadas e não a surpreendeu. Era

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costume ignorar as contas em certas ocasiões durante meses, às vezes indefinidamente, em geral

até que chegasse o momento oportuno de pagá-las. As suas não tinham sido abertas. Comprovou-

o com alivio ao reconhecer os nomes dos cinco comerciantes que ela tinha procurado.

Mas desta vez Roslynn não pôde resistir a tentação de examinar o conteúdo da gaveta. Uma

conta de quinhentas libras de um alfaiate não a surpreendeu, mas arqueou as sobrancelhas ao ver

uma de um jovem joalheiro por valor de dois mil. Outra por valor de trinta mil em nome de um

senhor Simmons lhe produziu um grande assombro; e nem sequer dizia do que se tratava. E eram

tão somente três credores de pelo menos vinte contas que havia na gaveta.

Estaria Anthony endividado? Demônios, e ela tinha planejado aumentar suas dívidas de

forma considerável. Se tivesse aberto essas contas teria ido às nuvens. Graças a Deus, como o resto

de sua classe, tinha guardado tudo, adiando-o para outro momento.

Enquanto estava no banco se ocuparia de transferir a uma conta em nome dele os recursos

que lhe correspondia de acordo com o contrato matrimonial. Depois deveria levar a cabo a penosa

tarefa de explicar a Anthony, pois se não o fizesse, ele nunca saberia que esse dinheiro estava ao

seu dispor. E este não era o momento de falar com ele de dinheiro. Outro maldito problema que a

preocupava.

- Olá.

Roslynn se sobressaltou e ocultou as contas no bolso de sua saia que, por sorte, estava a

uma altura inferior que a da escrivaninha, de modo que Jeremy não pôde ver o que estava

fazendo. Felizmente, estava sozinho. Se tivesse sido Anthony, ela não teria desculpas para estar

ali. Com Jeremy não as necessitava mas mesmo assim estava nervosa.

- Madrugou -disse ela, saindo detrás da escrivaninha e pondo o chapéu.

- Derek virá por mim. Iremos a uma festa na campina que com probabilidade durará vários

dias.

Estava muito alvoroçado. Desejou ter conhecido ao Anthony quando era tão jovem como

Jeremy, a quem tanto se parecia. Mas duvidava de que Anthony tivesse sido tão transparente,

nem sequer aos dezessete anos.

- Seu pai sabe?

- É obvio.

Disse-o com muita rapidez e o instinto maternal de Roslynn surgiu de improviso. -Que tipo

de festa é essa?

Jeremy lhe piscou um olho, cheio de entusiasmo. -Não haverá damas, mas sim muitas

mulheres.

- Seu pai sabe disso?

Ele riu ao ver seu gesto reprovador. -Disse que talvez fosse.

Roslynn se ruborizou. Se seu pai passava, quem era ela para entremeter-se? O jovem era

bastante velho para... bom, James certamente pensava que o era. Mas seus filhos não sairiam com

mulheres aos dezessete anos. Ela se encarregaria de que fosse assim... no caso de que tivesse um

filho.

Suspirou e tomou sua bolsa. -Bem, que lhe... -Não, não lhe diria que se divertisse. Não

podia aprovar o que estava a ponto de fazer, embora seu aspecto fosse o de um homem adulto. -

Verei você quando retornar.

- Vai sair? -perguntou ele, preocupado-. Não há perigo?

- Nenhum. -Ela sorriu. -Seu tio se encarregou de tudo.

- Então a levaremos. Derek chegará muito em breve.

- Não, um carro me aguarda e me acompanhará um lacaio, embora só vá ao banco. Sei,

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Jeremy -disse ao partir, mortificando-o.

A viagem até o banco não foi tão curta como pensava, mas, para exasperação de Roslynn,

ainda era muito cedo. Em sua impaciência por sair de casa, não tinha pensado na hora. Em lugar

de permanecer sentada ali, aguardando, ordenou ao chofer que desse várias voltas ao largo, até

que o banco abrir suas portas.

O trâmite levou quase uma hora, pois também abriu a conta do Anthony. Uma soma de

cem mil libras, além de um adicional mensal de vinte de acordo com o contrato, ajudaria-o a

saldar suas dívidas. Possivelmente não lhe agradeceria esse dote, mas essa era outra questão. A

maioria dos homens o faria. Não sabia se Anthony era como a maioria.

Ao sair do banco Roslynn se distraiu ao ver dois homens brigando a murros; era algo que

alguém esperava ver nos moles mas não ali...

Seu pensamento foi interrompido por um braço que a segurou por trás pela cintura e algo

duro e agudo que se cravou em seu flanco.

- Nada de jogos desta vez, senhora, ou lhe demonstrarei como está afiado isto.

Ela não disse uma palavra. No primeiro momento, por causa da surpresa e depois por

causa do temor. À luz do dia e frente a um banco; era incrível. E seu carro estava ali, a menos de

um metro e meio de distância. Mas a conduziam por detrás do carro, enquanto a rixa que tinha

lugar diante deles chamava a atenção de todos. Teria sido organizada para distrair a outros?

Demônios, se isto era obra do Geordie... mas não podia ser. Tinha sido advertido por meio da

violência. Não se atreveria.

Introduziram-na dentro de um velho carro, com cortinados escuros nas janelas. O

indivíduo subiu com ela e logo fechou a porta. Ela tratou de levantar do chão, mas uma mão rude

a empurrou novamente para baixo.

- Não me crie problemas, senhora, e tudo será mais simples - disse ele introduzindo um

trapo na boca de Roslynn e atando suas mãos atrás de suas costas. Depois olhou os pés dela e

decidiu não correr riscos. Atou uma corda em torno de seus tornozelos. Quando tirou a adaga da

bota do Roslynn, riu. - Não terá outra oportunidade de usá-la contra meu irmão.

Roslynn grunhiu em seu interior. De modo que era um dos homens que tinha participado

de sua tentativa de seqüestro. Um homem do Geordie. Seu primo devia estar demente para voltar

a tentá-lo. Sabia que ela estava casada. Que demônios estava fazendo? A idéia que a assaltou a pôs

tensa. Agora quereria vingar-se por havê-lo burlado.

O homem saiu do carro e a deixou estendida no chão. Poucos minutos depois o velho

veículo começou a avançar. Roslynn ficou de lado para tratar de sentar-se. A mordaça que lhe

tinham colocado estava frouxa e ela começou a empurrá-la para fora com a língua. Quase tinha

conseguido tirar-lhe quando o carro se deteve e ouviu que o chofer dizia:

- É suficiente, Tom.

Um segundo depois abriu-se a porta e entrou outro indivíduo. Era o que ela tinha ferido

com sua adaga. Seu lábio sangrava e estava ofegando. A distração tinha sido planejada. Era um

dos pugilistas, que com probabilidade tinha provocado uma rixa com um estranho para que

ninguém notasse que o outro homem a levava. E ela se deixou levar sem protestar, com uma faca

apoiada em seu corpo.

Tom lhe sorriu ao levantá-la e sentá-la frente a ele. Voltou a lhe pôr a mordaça, meneando a

cabeça, divertido. Pelo menos não desejava vingar-se pela ferida que lhe tinha causado na vez

anterior, ou ao menos, assim o parecia. Contemplava-a, sorrindo. Ao fim, riu.

-Deus, você é uma beleza. Muito para esse canalha que nos paga. -Ela tratou de falar

através da mordaça, mas foi em vão. -Não o tente. Achávamos que jamais poderíamos capturá-la,

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mas aqui está. Comporte-se bem e não seremos rudes com você.

Era a segunda vez que lhe advertiam que não devia criar problemas. O que ocorreria se os

criasse? Era uma pergunta estúpida, já que estava amarrada com pés e mãos e nem sequer podia

gritar.

CAPITOLO 38

Introduziram-na no edifício, carregando-a sobre o ombro do Tom. Antes disso, tinham

aguardado que Wil, o outro homem mais baixo, dissesse que não havia ninguém à vista. Roslynn

experimentou certo otimismo. Levavam-na a um lugar onde alguém podia passar e lhes perguntar

por que a tratavam dessa maneira. Só precisava dar um forte grito e seria resgatada.

Na posição em que se achava, com a cabeça para baixo, mal viu uma parte do edifício antes

de entrar. Logo a levaram escada acima. Mas na calçada de frente se viam casas com fachadas de

tijolo, que pareciam pertencer a uma zona residencial de certa categoria. Seria essa uma casa de

hóspedes? Era provável que já não houvesse ninguém a essa hora da manhã.

De modo que Geordie se instalara em uma zona residencial da cidade? Isso explicava que

Anthony tivesse tido tantos problemas para achá-lo, pois tinha pensado que estaria em um lugar

semelhante ao abrigo do mole, aonde a levaram da vez anterior. Mas de nada lhe tinha servido

achar ao Geordie. E ela, acreditando-se segura, tinha caído na armadilha. Demônios, desprezava

ao Geordie por sua teimosia escocesa ao não dar-se por vencido.

Detiveram-se e alguém bateu em uma porta. Logo entraram e deixaram cair Roslynn em

uma cadeira. Ela grunhiu; os braços, atados a suas costas, doíam-lhe terrivelmente depois da longa

e lenta viagem até ali. Mas esqueceu sua dor e olhou com fúria a seu redor, procurando o Geordie.

Quando o viu de pé junto à cama, com uma camisa na mão, a mala aberta sobre a cama

como se estivesse empacotando, olhou-o fixamente, perguntando-se quem seria. Mas o cabelo cor

cenoura...

Roslynn fez uma careta. Se não tivesse sido pelo cabelo, não o teria reconhecido. Parecia

horrível. Tinha o aspecto de alguém que deveria estar de cama e não empacotando para partir.

Deus, como o tinha deixado Anthony. Seu rosto estava arroxeado e inflamado; tinha um olho

negro, completamente fechado e o outro, de cor arroxeado, mal estava aberto. Seu nariz estava

torcido. Seus lábios estavam cobertos por crostas sanguinolentas. Tinha feridas no rosto e na

fronte, onde a pele se rasgara sobre o osso.

Não a olhava. Contemplava aos dois vadios que a tinham levado até ali, que por sua vez o

olhavam como se nunca o tivessem visto. Acaso não sabiam que ele tinha recebido uma surra?

Demônios, tratava-se de um engano?

Assim era. Geordie jogou a camisa com um gesto de fúria, depois grunhiu e apoiou suas

mãos sobre suas costelas. O movimento brusco lhe produziu uma intensa dor. Wilbert e Tom Stow

permaneceram de pé, imóveis, sem saber o que pensar.

Geordie disse com voz abafada pela ira. Logo que pode pronunciar as palavras por causa

de seus lábios inflamados. -Idiotas. O moço que enviei não lhes entregou minha nota?

- Esta? -disse Tom tirando do bolso uma parte de papel-. Não sabemos ler, senhor -disse,

encolhendo os ombros e deixando cair a nota ao chão.

Geordie grunhiu. -Isto me ocorre por contratar ingleses ineptos. -Indicou Roslynn com o

dedo. -Já não a quero. Casou-se com o maldito inglês.

Aparentemente , Wilbert e Thomas acreditaram que era engraçado e puseram-se a rir.

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Roslynn viu que o pouco que ficava do rosto de Geordie de cor normal avermelhava. Se não

precisasse passar por uma situação revoltante, também ela teria achado engraçado.

Não assim Geordie. -Saiam ambos.

Os dois homens deixaram de rir. - Depois que nos pague, senhor.

Wilbert empregou palavras respeitosas, mas seu tom não o era. Na realidade, o indivíduo

baixo e barbudo olhou ao Geordie com gesto ameaçador. O homem mais alto que estava a seu

lado fez o mesmo. Geordie estava calado e Roslynn o olhou surpreendida. Já não estava

encolerizado; tinha medo. Acaso não tinha dinheiro para lhes pagar?

A verdade era que Geordie mal tinha o dinheiro suficiente para retornar a Escócia. Tinha

contado com o dinheiro de Roslynn para pagar a seus mercenários. Mas todo o dinheiro tinha ido

parar à mãos do inglês. Não era justo. E agora estes dois provavelmente o matariam. Em seu

estado, nem sequer poderia defender-se.

Empurrando a mordaça com a língua, Roslynn conseguiu escapar dela. -Me desatem e lhes

darei seu dinheiro... em troca de minha adaga.

- Não a toquem -ordenou Geordie.

Roslynn furiosa, voltou-se para ele. -Cale-se, Geordie. Sabe o que fará meu marido com

você quando souber disto? Se voltar a ter você entre suas mãos ficará muito pior que agora.

Wilbert e Thomas repararam no significado de "volta", mas de qualquer modo escutaram a

Geordie. Tinham matado a alguns homens, mas nunca tinham machucado a uma mulher. Este

trabalho lhes tinha desagradado desde o começo e não o teriam aceito se o escocês não lhes tivesse

devotado o que para eles representava uma fortuna.

Wilbert se adiantou e cortou as ataduras de Roslynn com a adaga dela. Depois a entregou,

mas retrocedeu com rapidez para estar fora de seu alcance.

Roslynn se surpreendeu ao comprovar que tinha sido muito simples, já que não tinha

nenhuma certeza de que os dois rufiões a obedecessem. Mas o tinham feito e ela se sentia muito

melhor. E tinha estado certa ao pensar que Geordie não tinha dinheiro. Do contrário ele lhes teria

pago antes que a liberassem de suas ataduras. Geordie se sentou na cama, segurando suas costelas

e olhando aos três com cautela.

- Quanto? -perguntou ela, ficando de pé.

- Trinta libras, senhora.

Roslynn olhou a seu primo desdenhosamente. -É miserável, Geordie. Pôdia oferecer um

pouco mais a estes indivíduos tão eficientes.

- Poderia fazê-lo se a tivessem apanhado antes que esse canalha se casasse com você - disse

ele, colérico.

Ela estalou a língua, satisfeita de ter conseguido dominar milagrosamente a situação que

tanto temia. Tomou um punhado de dinheiro de sua bolsa.

- Acredito que isto será suficiente, cavalheiros. -Entregou os bilhetes ao Wilbert.

Os dois irmãos olharam fascinados as cinqüenta libras. Wilbert dirigiu o olhar à bolsa de

Roslynn. Ela ficou tensa.

- Nem o tentem -advertiu-lhes. - E se não desejarem terminar como ele –disse olhando ao

Geordie- não voltem a apresentar-se ante meus olhos.

Ambos sorriram à pequena mulher que ousava os ameaçar. Mas tinham recebido um

pagamento abundante. Se o escocês não estivesse tão maltratado, teriam-no golpeado por tê-los

insultado. Dadas as circunstâncias, deram-se por satisfeitos e depois de inclinar as cabeças

sorrindo, partiram.

Mas ao chegar ao alto das escadas, deixaram de sorrir. Nesse momento subia o mesmo

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cavalheiro cuja casa tinham estado vigiando durante os últimos dez dias; o mesmo que sem

dúvida era o marido da dama. Seu aspecto não era ameaçador, nem sequer os olhou ao subir os

degraus, mas nenhum dos dois irmãos pôde deixar de pensar que o estado em que se achava o

escocês era obra desse homem.

Wilbert tirou sua faca, só para sentir-se mais seguro, mas a escondeu contra seu corpo. Se o

cavalheiro não tivesse agido com tanta indiferença, seria perigoso. Na realidade, tinha visto a faca

e se deteve. Suspirou antes de falar.

- Droga. Venham para mim e acabemos de uma vez.

Wilbert olhou ao Thomas antes que ambos atacassem juntos. Mas o ataque não deu o

resultado que eles esperavam. O cavalheiro se afastou um segundo antes do previsto e, apoiando

as costas contra a parede, estendeu um pé. Thomas rodou pelas escadas e, antes de que Wilbert

compreendesse o que estava acontecendo, já não tinha a faca na mão. Ao ver que o cavalheiro a

segurava na sua, correu escada abaixo, recolheu ao dolorido Thomas do chão e o arrastou fora do

edifício.

Lá em cima, no quarto, Roslynn passeava zangada ante o olhar amargurado de Geordie. -

Não existem qualificativos para o definir, Geordie Cameron. Me envergonho que leve esse

sobrenome. Nunca esteve à altura dele.

- E você o esteve, não é?

- Cale-se. Por sua culpa estou casada. Por sua culpa precisei me casar quando não era o que

desejava, ao menos não desta maneira.

- E perdeu tudo, não é verdade, estúpida? -disse ele. - E me alegra, ouve-me? Já que não

posso possuir a fortuna dos Cameron, pelo menos sei que ele lhe...

Roslynn se deteve e o olhou com fúria. -De que falas?

-Ele me disse que tinha queimado seu contrato matrimonial -respondeu Geordie com uma

careta semelhante a uma risada. - O grande canalha possui tudo agora e embora morra, não o

recuperará, porque o herdará sua família. Que lindo marido arrumou, prima.

Ela esteve a ponto de rir, mas se Anthony se incomodou em urdir essa mentira, ela não o

desmentiria. Na realidade, era brilhante pois fazia Geordie acreditar que já não restava nenhuma

oportunidade.

- De qualquer maneira , prefiro-o a você, primo.

Ele tratou de ficar de pé, mas gemeu e voltou a sentar-se na cama. Roslynn, longe de

compadecer-se dele, instigou-o.

-Devia partir quando ainda podia fazê-lo, Geordie. Se meu marido encontrar você aqui,

destroçará você. Já comprovou que é um homem com quem não se brinca. Mas merece isso por ter

tentado matá-lo.

- Só estava tratando de atemorizá-lo para que a deixasse. Não sabia que já estava casada

com ele. Mas me surrou por disparar nele. Deixou-me estendido no chão e não pude me levantar

até esta manhã. -Pronunciou essas palavras gemendo. -Mas já vê que ia partir, de modo que não

tem por que dizer nada a esse maldito espartano.

Espartano? Sim, possivelmente Anthony pudesse em ocasiões ser comparado com esses

homens austeros, famosos por sua estrita disciplina e suas façanhas militares, mas só em um

sentido superficial. Seu autocontrole podia ser desesperador quando se propunha, mas quando

não era assim, era tão exaltado como qualquer escocês. Só terei que olhar ao Geordie e recordar

que ele não tinha recebido nem um arranhão. O pobre Geordie parecia ter sido esmagado por um

cavalo, e não só surrado por um homem a golpes de punho. - Não pensava dizer a Anthony; não

se de verdade parte - disse ela.

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- É muito bondosa, menina.

O sarcasmo a enfureceu. -Se esperas que compadeça de você, Geordie, lamento decepcioná-

lo. Não posso fazê-lo, depois de tudo quando me tem feito. Tratou de me machucar.

- Amava-te.

Essas palavras lhe provocaram uma sensação de asfixia. Era possível? Havia-o dito muitas

vezes ao longo dos anos, mas nunca tinha acreditado. Por que nesta ocasião soavam sinceras? Ou

talvez ele se convenceu a si mesmo de que era assim?

Em voz baixa, temendo a resposta, ela perguntou: -Se for verdade, Geordie, me diga o que

aconteceu com minha mãe. Você furou seu barco?

Ele levantou a cabeça e logo, pouco a pouco, o resto do corpo que estava estendido na

cama. -por que não me perguntou quando aconteceu, Roslynn? Por que alguma vez não me

perguntou isso o velho? Não, nunca danifiquei seu navio. Estava no lago procurando lombrigas

para pôr no guisado. Não me aproximei de seu barco.

- Mas, quando lhe disseram isso se horrorizou.

- Sim, porque desejava sua morte. Nesse dia me tinha batido. Pensei que meu desejo se

cumprira. Senti-me culpado.

Roslynn sentiu um mal-estar no estômago. Durante todos esses anos lhe tinham culpado

por algo que não tinha feito. E ele sabia o que pensavam mas nunca se defendeu; só alimentou seu

ressentimento. Não o convertia em uma pessoa grata ante ela, mas era inocente.

- Lamento-o, Geordie; sou sincera.

- Mas não se teria casado comigo de qualquer modo, certo? Mesmo sabendo a verdade.

- Não. E não deveria procurar me obrigar a fazê-lo.

- Um homem faz algo quando está desesperado.

Por amor ou por dinheiro? Não o perguntou. Mas pensou que talvez o testamento de seu

avô tivesse sido diferente se tivesse sabido a verdade. Embora, na realidade, ela não acreditava.

Ele sempre tinha desprezado a debilidade do Geordie, algo imperdoável para um homem que

tinha a fortaleza espiritual do Duncan. Ela não era tão implacável. E devia liberar sua consciência

por ter responsabilizado ao Geordie da morte de sua mãe, que agora compreendia tinha sido um

terrível acidente.

Deixaria-lhe o dinheiro que tinha em sua bolsa e com o qual pensava pagar suas contas.

Dez mil libras não era muito comparado com o que ela possuía, mas seriam úteis ao Geordie. E

talvez pudesse as empregar para abrir-se caminho, em lugar de tratar de achar sempre o caminho

fácil que lhe convertia em um ser mais fraco ainda.

Roslynn se voltou para tomar o dinheiro sem que ele a visse. Deixaria-o onde ele pudesse

achá-lo antes de partir.

-Ajudarei-o a empacotar, Geordie.

-Não desejo que me faça favores.

Ela ignorou sua resposta cheia de amargura e foi para o toucador onde ainda ficavam

alguns objetos. Tomou e deslizou o dinheiro entre eles antes de guardá-los na mala. Cometeu um

engano ao aproximar-se tanto dele. Geordie tomou pela cintura.

- Ros...

A porta se abriu e ele a soltou. Roslynn nunca soube o que tinha estado a ponto de lhe

dizer. Desejava pensar que se desculparia por tudo que lhe tinha feito. Mas já não importava.

Anthony estava no quarto.

-Havia tanto silêncio que pensei que se tinham matado mutuamente.

Não lhe perguntou por que estava ali.

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-Conforme parece, tem o costume de escutar atrás das portas, meu senhor.

Ele não o negou. -É um costume útil e, em certas ocasiões, fascinante.

O "em ocasiões" se referia à conversa que tinha escutado quando ela tinha falado com

Frances. Então, não lhe tinha agradado o que ouviu. Mas nesta ocasião, não pôde ter ouvido nada

que o zangasse. Seu olhar era severo, mas ela já conhecia a diferença. Estava zangado, mas nem

tanto. Talvez fosse tão somente um resto da irritação da noite anterior.

-Como vê, parte -disse ela, avançando para seu marido.

-E veio se despedir? -respondeu Anthony secamente. - Que amável é, querida.

Ela não entraria em seu jogo. -Se tiver vindo para me levar para casa, agradeço-lhe. Não

tenho carro.

Ela teve a esperança de que seria suficiente e que ele não se ocuparia do Geordie, fazendo

uma cena da qual não desejava ser testemunha. Não queria ver o Anthony no estado de ânimo

que certamente o tinha levado a golpear ao Geordie. Seu olhar lhe fez conter o fôlego. Logo olhou

ao Geordie. Roslynn sabia que seu primo devia estar tremendo de medo.

- Terei partido dentro de uma hora -disse Geordie.

Anthony continuou olhando-o durante um instante mais. Logo saudou com uma breve

inclinação de cabeça e conduziu Roslynn fora da habitação. Puxou-a pelo cotovelo com força.

Quando chegaram à rua, Roslynn só viu o cavalo do Anthony. Um menino da rua segurava as

rédeas.

Roslynn decidiu atacar antes de que ele o fizesse. -O que fazia outra vez aqui?

- Vim para levar você para casa.

- Dirá que veio se assegurar de que partiu, já que não podia saber que eu estava aqui.

- Também isso.

Ela rilhou os dentes. -Sabia?

- Não até que ouvi você lhe dizer todas essas coisas desagradáveis.

De modo que tinha estado atrás da porta desde o começo. Teria dito algo que ele não devia

ouvir? Não, acreditava que não... Desta vez, não. Mas igualmente estava zangada.

- Melhor seria que afugentasse a seus homens, que ainda vigiavam a casa; do parque, sem

dúvida. Seguiram-me até o banco e...

- Sim, Jeremy disse aonde foi. Imagina minha surpresa ao achar você aqui.

Disse-o como se não tivesse acreditado nas palavras de Roslynn. -Demônios, Anthony. Não

sabia onde estava; como teria podido achá-lo embora o tivesse desejado? Esses safados que

contratou ainda não sabiam que ele tinha desistido de seu propósito de me seqüestrar.

-É plausível -disse ele, entregando uma moeda ao menino e montando em seu cavalo.

Ela olhou com fúria a mão que lhe ofereceu. Não lhe atraía muito a idéia de sentar-se junto

a ele. Teria preferido tomar um carro de aluguel, mas não havia nenhum à vista.

Tomou a mão de Anthony e se achou colocada entre as pernas dele; as suas caíam sobre as

coxas de seu marido. Obrigada a rodeá-lo com seus braços, ruborizou-se. Foi uma viagem

desconcertante; fez-lhe pensar em seu dilema principal. Junto ao calor de seu corpo, aspirando seu

perfume, só podia pensar na forma em que poderia liberar do acordo que tinha feito com ele, para

voltar para a cama de Anthony sem nenhuma classe de condições.

CAPÍTULO 39

A viagem até Piccadilly lhe pareceu eterna e, por outra parte, não muito longa. Roslynn

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estava invadida por uma estranha euforia. Sem palavras que lhe distraíssem, ouvindo somente o

compassado andar do cavalo e os batimentos do coração de Anthony perto de seu ouvido, foi-lhe

fácil esquecer a realidade e encerrar-se em um casulo de bem-estar.

Produziu-lhe um grande aborrecimento descer do cavalo para enfrentar-se com seus

irritantes problemas. Naquele momento, sentiu-se desorientada. Olhou o sobre o objeto amassado

que estava a seus pés durante vários segundos, antes de dar-se conta do que se tratava e de

agachar-se para tomá-lo. Mas Anthony foi mais rápido.

Roslynn grunhiu para si mesma. Tinha esquecido por completo essas estúpidas contas. Já

era grave que uma delas caísse de seu bolso, mas era pior que Anthony a agarrasse. E tivesse sido

muito afortunada se ele a tivesse entregue sem olhá-la. Mas não o fez. Abriu-a.

- Anthony.

Ele a olhou, arqueando uma sobrancelha. -Está dirigida a mim -disse ele.

Ela começou a caminhar para a casa mas ele a puxou pelo braço para detê-la, enquanto lia o

papel que segurava com a outra mão.

Quando falou, sua voz só expressou curiosidade. -Posso saber o que faz com isto?

Ela se voltou. -É a conta de alguns dos móveis que comprei.

- É evidente, querida. Perguntei por que está em seu poder.

- Pensava pagá-la. Por isso...

Interrompeu-se ao ver que ele dirigia o olhar para o bolso de sua saia. Outro papel aparecia

por ali. Durante a viagem saiu de seu lugar. E antes que pudesse dizer outra palavra, Anthony

colocou sua mão no bolso dela e tirou as faturas restantes.

- Também pensava pagar estas?

Ela assentiu, mas ele não a olhava, de maneira que com dificuldade disse: -Sim.

- Não seria então mais apropriado que fossem enviadas em seu nome?

Ela não compreendia por que ele tomava o assunto com tanta serenidade. - Pensei em fazê-

lo mas esqueci.

- Não, não o esqueceu -disse ele, desanimando-a. Depois a confundiu ao acrescentar em

tom divertido: -Não é muito boa para regatear, querida. Podia ter comprado tudo isto pela metade

do preço.

Guardou as faturas em seu bolso, tal como ela esperava. Não obstante, irritou-se. -São

minhas compras -disse-lhe.

- Mas adornam minha casa.

- Eu as comprei -insistiu ela-, e penso em pagá-las.

- Não o fará. Não tinha intenção de fazê-lo, de modo que deixemos tudo como está, quer?

Sorria-lhe. -Não seja teimoso, Anthony. Já tem muitas dívidas. Desejo pagar pelo que...

- Cale-se, amor - interrompeu-a ele, apoiando as mãos sobre seus ombros-. Suponho que

não devia deixar que acreditasse que não sabia de nada, mas parecia se divertir tanto me criando

dívidas que não quis arruinar sua diversão. -Riu ao ver que ela baixava o olhar com expressão

culpada e levantou o queixo de Roslynn. - A verdade é que poderia redecorar cem casas e não me

alteraria.

- Mas não é rico.

Ele riu com alegria. -É bom ter um irmão que é um gênio com o dinheiro. Edward tem

talento para isso. E se ocupa das finanças da família, para tranqüilidade de todos. Se depois do

trabalho que teve para redecorar a casa, não a agradar, possuo várias propriedades em zonas

vizinhas, e também no Kent, Northamplton, Norfolk, York, Lincoln, Wiltshire, Devon...

- É suficiente.

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- Decepciona-se saber que não me casei contigo por seu dinheiro, querida?

- De qualquer modo, possui uma parte dele, em virtude do contrato matrimonial. Esta

manhã coloquei o dinheiro em uma conta em seu nome. -Pelo menos isso estava esclarecido.

Ele deixou de rir. -Irá ao banco e o depositará para nossos filhos. E já que falamos do

assunto, devo lhe dizer que eu a manterei, Roslynn. Pagarei sua roupa, suas jóias, tudo aquilo que

adorne seu corpo.

- E o que farei com meu dinheiro? -disse ela asperamente.

- O que desejar, desde que nada tenha que ver com vestidos, alimentação, casas nem tudo

aquilo que eu deva prover para você. Seria aconselhável que me consultasse antes de gastá-lo.

Desse modo evitaremos futuras discussões.

O espírito independente de Roslynn se sentiu ofendido. Seu coração de mulher estava

encantado. E a palavra "filhos" continuava soando em seus ouvidos. Implicava o fim das

dificuldades entre ambos, se bem que não visse essa possibilidade.

- Se formos continuar esta conversação, não seria melhor entrar?

Anthony sorriu ante o tom de voz impessoal de Roslynn. Ele tinha esclarecido a situação e

além disso recuperava sua alegria inicial ao comprovar que ela deixava de lado seu rancor. Era

uma oferenda de paz. Ele também podia fazê-la. Por sorte, a idéia que o tinha rondado depois

dessa viagem na qual estiveram tão juntos, converteu-se em uma necessidade.

- O assunto está esgotado -disse Anthony, conduzindo-a para o interior da casa-, mas há

outro que deve ser solucionado imediatamente.

Acelerou o coração de Roslynn, mas não estava certa de ter compreendido bem. Não quis

ter ilusões até que ele a puxou pelo braço e a conduziu até seu quarto. Mesmo então, depois que

ele fechou a porta, não sabia quais podiam ser suas intenções. Ele cruzou o quarto, tirou o casaco e

o jogou sobre a maldita poltrona que tinham ocupado a noite anterior.

Ela franziu o cenho ao olhá-lo. Tinha aprendido a lição, tal como ele o decidisse. O rancor se

agitou em seu interior, lutando contra o desejo que a invadia só pelo fato de estar novamente

nesse quarto.

- Venha aqui, Roslynn.

Ele estava sentado sobre a cama e desabotoava pouco a pouco a camisa branca. O coração

de Roslynn pulsou com violência. Anthony era uma tentação inimaginável, mas não acreditava

poder suportar outra vez seu tratamento "formal".

- Suponho que ainda se sente capaz de simular desejo.

- Simular? -Anthony arqueou as sobrancelhas. - Compreendo. Ainda não acredita na

espontaneidade, não é verdade, amor? Venha e me ajude com as botas, quer?

Ela o fez porque ele não tinha respondido a sua pergunta e não desejava fugir até ter a

certeza. Podia suportar o horrível, não a falta de paixão.

- Está nervosa -disse ele ao ver que ela não se voltava depois de deixar cair a segunda bota

no chão. - Não tem por que estar, querida. Deve aproveitar a oportunidade quando se apresenta.

Anthony viu que as costas de Roslynn se tornavam rígida e se arrependeu imediatamente

de suas palavras. Ontem à noite ele tinha sido claro. Ela não o esqueceria. Mas não podia repetir

essa experiência.

Ele se inclinou para apanhá-la entre suas pernas; suas mãos deslizaram pelas costelas de

Roslynn até tomar seus seios. Apoiou sua face sobre a jaqueta dela. Roslynn jogou a cabeça para

trás e arqueou o corpo. Anthony, aceso de desejo, deixou-a cair sobre a cama e se inclinou sobre

ela, mantendo suas pernas entrelaçadas com as de Roslynn.

- Simulação, querida? Não acredito que você e eu sejamos capazes de semelhante proeza.

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Beijou-a com intensa paixão e Roslynn conteve o fôlego. Era delicioso. Era esse fogo

devorador que tudo o consumia e que estava além de todo raciocínio. Esqueceu a noite anterior.

Agora a beijava como se nisso estivesse a vida, sem ocultações nem reticências e sua alma de

mulher reviveu entre seus braços.

CAPÍTULO 40

-Partirei dentro de dois dias, Tony -disse James quando entrou na sala de jantar.

- Necessita de ajuda para empacotar?

- Não seja tedioso, cachorrinho. Sabe bem que esteve encantado de me ter aqui.

Anthony grunhiu e continuou comendo seu café da manhã. -Quando o decidiu?

- Quando compreendi que sua situação é irremediável. Já não me diverte contemplá-la.

Anthony deixou seu garfo e olhou com fúria as costas de seu irmão que foi para o aparador

e se serviu do café da manhã. Em realidade, Anthony considerava que tinha feito grandes

progressos nas duas últimas semanas. Bastava que tocasse Roslynn para que ela caísse em seus

braços. Não via nada de irremediável nisso. Logo ela admitiria que o necessitava tanto como ele

dela. Reconheceria sua loucura e mandaria ao diabo suas regras. Mas, até então, ele as respeitaria

ao pé da letra.

- Quer explicar esse comentário?

James se sentou em frente a ele e disse, irritado: -Agrada-me esta habitação tal como está

agora. Quanto lhe custou?

- Maldição, James.

James encolheu os ombros. -É óbvio, querido moço. Ela compartilha seu quarto a todas as

horas do dia, mas quando não estão ocultos detrás dessa porta, agem como se fossem estranhos. O

que se tem feito de seu poder para submeter às mulheres? É ela imune a ele?

- Não é seu assunto.

- Sei.

De qualquer modo, Anthony lhe respondeu. -Não é imune, mas tampouco é como as

demais mulheres. Tem certas idéias extravagantes... a questão é que desejo que venha para mim

por sua vontade e não só quando seus sentidos estão escurecidos pelo desejo e não tem

alternativa.

- Quer dizer que ela... não vai para você, é isso?

Anthony respondeu franzindo o cenho. James riu. -Não me diga que não esclareceu esse

pequeno mal-entendido a respeito da doce Margie.

- Ainda recorda seu nome?

Era evidente que Anthony mofava, mas James o ignorou. -Na realidade, vi-a

freqüentemente. É uma delícia. -Mas a verdadeira razão pela qual tinha voltado à taverna era

aquela harpia com calças. -Alguma vez tentou explicar-lhe?

- Fiz. Mas não o farei duas vezes.

James suspirou ante tanta teimosia, embora a sua fosse semelhante. -O orgulho é próprio

dos idiotas, moço. Faz quase um mês que está casado. Se tivesse sabido o desastre que faria, teria

açoitado à dama.

- Sobre meu cadáver -disse Anthony, aborrecido.

- Que suscetível está. -James sorriu. -Mas não importa. Ganhou. Pior o que fez depois, é

deplorável. Um pouco de idílio não seria demais. Acaso não ficou fascinada contigo à luz da lua?

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Anthony precisou fazer um esforço para não golpear a seu irmão. - A última coisa que

necessito de você, James, são conselhos. No que concerne a minha mulher, tenho minha própria

estratégia e, embora pareça que não dá resultado, dá.

-É a estratégia mais estranha que vi; inimigos de dia, amantes de noite. Eu não teria tanta

paciência. Se não se renderem diante da primeira tentativa...

- Não valem a pena?

- Algumas valem a pena. Mas para que tomar o trabalho, havendo tantas disponíveis.

- Mas eu tenho Roslynn.

James riu. -De acordo. Ela vale a pena?

Anthony sorriu lentamente e James calou. Sim, imaginava que a pequena escocesa valia um

pouco de paciência. Mas quanto à estratégia do Anthony, tinha a impressão de que cavava sua

própria fossa. James não se surpreenderia que, ao retornar a Inglaterra, descobrisse que a mulher

do Anthony tinha muito em comum com a do Jason, que lançava mão de qualquer desculpa para

evitar a seu marido.

Nettie apareceu na porta. -Desculpe, senhor, mas Lady Roslynn deseja lhe falar

- Onde está? -perguntou Anthony.

- Em seu quarto, senhor. Não se sente muito bem.

Anthony fez um gesto à Nettie para que fosse embora e depois disse.

- Droga.

James meneou a cabeça, aborrecido. -Viu? Sua mulher está doente e, em lugar de estar

preocupado...

- Demônios, James; não sabe que droga está ocorrendo, de modo que não se intrometa. Se

estiver doente, é porque o esteve desejando. Notei-o a outra manhã quando... -Anthony se

interrompeu ao ver que James arqueava uma sobrancelha.

- Maldição. Dirá-me que serei pai.

- Ah... mas é magnífico -disse James, encantado. Ao ver que o gesto do Anthony se tornava

mais sombrio, disse com vacilação: -Não o é?

- Não, não o é.

- Por Deus, Tony, os filhos são parte do matrimônio...

- Sei, idiota. Desejo esse filho. Mas não as condições que traz aparelhado.

James compreendeu mau e pôs-se a rir. -É o preço da paternidade, não sabia? Deus, só

deverá se afastar da cama dela durante uns poucos meses. Pode encontrar consolo em outra parte.

Anthony ficou de pé e, com voz serena mas gelada, disse: -Se desejasse achar consolo em

outra parte e se fosse só durante uns poucos meses, estaria certo, irmão. Mas assim que minha

mulher me anuncie sua gravidez, começará meu celibato.

James, surpreso, disse: -De quem foi essa idéia ridícula?

- Certamente, não foi minha.

- Quer dizer que só se deitou com você para ter um filho?

- Assim é.

James soprou. - Odeio lhe dizer isto, querido moço, mas tenho a impressão de que sua

mulher necessita de uma boa surra.

- Não; precisa reconhecer que está enganada e o fará. Mas me irrita não saber quando.

CAPÍTULO 41

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Nettie insistiu em que devia beber chá leve e torradas. Não era um café da manhã muito

apetitoso, mas sem dúvida era melhor que o chocolate quente e os bolos que tinham provocado os

vômitos de Roslynn. Tinha suspeitado na semana anterior, quando sua menstruação se atrasara. E

três dias atrás tinha tido a certeza, ao sentir um intenso mal-estar pela manhã, que se dissipou ao

meio dia. E, à medida que passavam os dias, seu estado piorava. Nessa manhã não tinha podido

se afastar do quarto de banho durante uma hora. Receava o que poderia ocorrer no dia seguinte, e

no dia seguinte, pela manhã, casava-se Frances. Não estava certa de poder assistir ao casamento e

isso contribuía para deprimi-la mais ainda, quando na realidade deveria estar felicíssima.

Apesar de já ter comido uma torrada, seu estômago continuava revolto. Sentia-se tão mal

que lhe custava recordar que seu maior desejo era ter um bebê. Por que não podia ser uma dessas

afortunadas mulheres que alguma vez tinham ficado chateadas pelas manhãs? E tinha começado

tão cedo. Só tinham transcorrido duas semanas desde que acertara esse infame acordo com

Anthony. E uma semana mais tarde tinha suspeitado que estava grávida, o que demonstrava que

não tinha sido necessário estabelecer esse acordo, pois o mais provável era que tivesse concebido a

seu filho na primeira vez que fizeram amor.

Roslynn pôs a xícara sobre a mesa que ficava junto ao divã em que estava recostada. Foi um

movimento excessivo. Tinha descoberto com horror na manhã em que Anthony lhe fez amor e seu

estômago se decompôs. Nesse momento tinha apelado a todas suas forças para não se

envergonhar confessando-o imediatamente. E, egoisticamente, deitou-se com ele em duas ocasiões

posteriores, sem lhe dizer a verdade. Mas já não podia adiar mais. Nessa manhã, apenas saiu do

quarto dele, Anthony despertou e a chamou. As náuseas aumentavam,

de modo que já não poderia fazer amor de manhã. Devia dizer-lhe antes que ele descobrisse e se

desse conta de que ela estava ignorando o acordo.

Demônios, como odiava esse maldito acordo. Anthony tinha sido tão maravilhosamente

carinhoso durante as duas últimas semanas, ao menos em seu dormitório. Ele fazia amor com

tanta freqüência que ela sabia muito bem que não podia fazê-lo com outra mulher, que era todo

seu. Cada noite parecia sua noite de núpcias; ele era apaixonado e terno como nunca.

Mas fora do dormitório era um homem diferente; comportava-se com indiferença ou era

frio e sarcástico, mas nunca agradável. E Roslynn sabia que a culpa era do acordo; dessa maneira a

fazia saber que estava aborrecido pelas condições que lhe tinha imposto.

E agora tudo tinha terminado. Mas ela não desejava que fosse assim. Demônios, convertera-

se em viciada em Anthony, pior, por própria decisão, perderia-o. Ela havia dito que seria durante

um tempo. Duas curtas semanas.

- Desejava ver?

Não tinha batido na porta mas tinha entrado diretamente. Não tinha estado nesse quarto

desde a noite em que ela tinha fingido estar indisposta. Agora não fingia.

Anthony olhou de forma rápida os novos móveis antes de fixar seus olhos azuis sobre ela.

Os nervos revolveram o estômago de Roslynn.

- Vou ter um bebê -disse ela precipitadamente.

Ele permaneceu de pé em frente a ela, as mãos nos bolsos. Sua expressão não mudou. Isso

foi o pior. Ao menos podia ter demonstrado alguma alegria ante a notícia. Ou desagrado. Nesse

momento, Roslynn teria preferido o desagrado.Teria preferido que se enfurecesse, como na noite

em que ela estabeleceu suas condições.

- Alegra-me muito por você - disse ele suavemente. - De modo que concluíram suas viagens

a meu dormitório.

- Sim, a menos que...

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- A menos que o que? -disse ele, interrompendo-a de propósito. - Não é minha intenção

quebrar suas regras, amor.

Ela mordeu os lábios para não amaldiçoar essas regras em sua presença. De qualquer

modo, não sabia o que tinha começado a dizer quando ele a interrompeu. Mas era óbvio que ele

não desejava ouvi-lo. E ela tinha estado esperando, rogando, que ele insistisse em esquecer o

acordo e que lhe exigisse que se instalasse definitivamente em seu dormitório. Mas não o faria.

Seria porque já não lhe importasse?

Ela desviou o olhar para a janela e com voz inexpressiva disse: -Necessitarei de um quarto

para o bebê.

- James partirá dentro de poucos dias. Pode redecorar o quarto.

Tinha lhe dado uma oportunidade. Ele poderia ter sugerido que fosse esse quarto. Era mais

conveniente pois estava em frente ao dele.

Ela continuou olhando pela janela. -Também é seu filho, Anthony. Não tem nenhuma

preferência em relação às cores... ou alguma outra coisa?

- Decida de acordo com seus gostos, querida. A propósito, esta noite não jantarei em casa.

Celebraremos a última noite lúcida de George no clube.

Doeu para Roslynn a forma abrupta em que mudou de assunto. Evidenciava não ter

interesse algum no bebê, nem nela. Ele se virou para sair da habitação sem acrescentar nada mais.

Quando saiu do quarto, Anthony golpeou a parede com o punho. No interior do quarto, as

lágrimas rolavam pelas faces de Roslynn. Sobressaltou-se ao ouvir o barulho, mas não lhe deu

importância.

Nunca se havia sentido tão desventurada e ela era a culpada. Nem sequer recordava por

que tinha feito esse estúpido acordo. Ah, sim. Tinha temido que a freqüência das relações íntimas

com Anthony a levassem a apaixonar-se por ele. Bem, já era muito tarde. Nettie tinha estado certa.

- Era a notícia que esperava?

Anthony se voltou e viu James de pé junto a seu aposento. -Era.

- Infiro que a estratégia não está dando resultado, não?

- Maldição, James. Espero que parta quanto antes.

CAPÍTULO 42

- Por que não o diz, Ros?

- Não posso -disse Roslynn, bebendo outro gole de sua taça de champanha.

Durante a festa, que foi uma pequena reunião das amigas de Frances na casa de sua mãe,

mantiveram-se separadas das demais. Não só os cavalheiros podiam celebrar a noite anterior à

bodas. Mas Roslynn não estava com ânimo para celebrações, embora tinha chegado a aceitar que

Frances fosse muito feliz com esse matrimônio e ela compartilhava a felicidade de sua amiga. Mas

não podia demonstrá-lo.

Por desgraça, Frances tinha percebido sua depressão e tinha feito um à parte para falar com

ela, temendo que Roslynn ainda estivesse contra o casamento. Só poderia convencer a sua amiga

de que não era assim lhe dizendo a verdade.

- Se fosse tão simples... -começou a dizer Roslynn, mas Frances a interrompeu.

- Mas é simples. Só deve dizer "amo você". Duas palavrinhas, querida, e seus problemas

desaparecerão.

Roslynn meneou a cabeça. -A diferença, Fran, reside em que essas palavras são simples

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150

para você porque sabe que George a ama. Mas Anthony não me ama.

- Deu-lhe algo que possa amar?

Roslynn fez uma careta. -Não. Pode dizer-se que, desde que me casei, fui uma mulher mal-

humorada.

- Bem, teve motivos, não é assim? Foi lamentável para Sir Anthony, mas disse que estava

certa de que só se comportou mal essa única vez. Depende de você, querida. Pode fazê-lo saber

que perdoou esse deslize e que deseja recomeçar, ou pode continuar como até agora.

Que alternativa, pensou Roslynn, ainda ressentida. Por ] que devia ser ela quem faria todas

as concessões? Anthony nem sequer se desculpara, e era provável que não o fizesse.

- Um homem como Sir Anthony não vai esperar para sempre -prosseguiuFrances. -Jogará

ele nos braços de outra mulher.

- Não necessita que eu o faça -disse Roslynn com amargura.

Mas Frances estava certa. Se ela não compartilhasse a cama de Anthony, no final outra o

faria. Mas sabia disso quando fez o acordo. Naquele momento não quis reconhecer diante de si

mesma que isso lhe importava. Mas lhe importava, e muito, porque o amava.

Roslynn retornou a sua casa às onze e acabava de tirar o casaco e as luvas quando a porta

voltou a abrir-se e apareceram Anthony e George. Dobson os olhou e suspirou. Roslynn teve a

sensação de ter presenciado já a mesma cena e não tinha sido divertida; só que desta vez era

Anthony quem servia de apoio ao outro. George parecia meio adormecido.

Chega cedo -disse Roslynn com tom imperturbável.

- O moço se embriagou e perdeu a consciência. Pensei que seria melhor deitá-lo.

- De modo que o trouxe aqui em lugar de levá-lo a sua casa?

Anthony encolheu os ombros. -A força do costume, amor. Quando saíamos juntos pelas

noites, a maioria das vezes George vinha a minha casa. Tem seu próprio quarto aqui. Embora na

realidade, agora o ocupe você.

Olharam-se muito tempo, até que George disse: - O que é isso? Quem ocupa meu quarto?

-Não se preocupe, velho, minha mulher tem algumas coisas nele, mas não terá

inconveniente em tirá-las. Não é assim, querida?

Roslynn sentiu que seu coração palpitava com força. Teria trazido ele ao George para que

ela tivesse que mudar de quarto? E o único quarto a que podia ir era o de Anthony.

- Não se incomode por mim, Lady Malory.

Entendeu-o perfeitamente, embora balbuciasse e não parecia capaz de situá-la no espaço;

olhou ao Dobson em troca.

- Não é nada, George -disse Roslynn. - Só demorarei um instante...

- Não há tempo -disse Anthony. - É muito pesado e se o deixar no chão, não se levantará.

Vá na nossa frente, querida, e pegue o que necessitar.

Ela o fez depressa. Recolheu velozmente suas coisas e Anthony deixou George cair na

cama. O quarto de George? De modo que os sonetos que ali tinha achado pertenciam-lhe. Nunca o

teria acreditado capaz de escrevê-los. Frances era mais afortunada do que pensava.

Saiu depressa da habitação pois Anthony tinha começado a despir a George. Quando

estava no corredor, olhou concentrada a porta do dormitório de Anthony. Era isso o que ele

desejava que fizesse, não é verdade? Onde poderia dormir senão ali? Jeremy e James

provavelmente ainda não tinham chegado, mas o fariam. E só havia quatro dormitórios no andar

superior.

Entrou, vacilante, no dormitório, esperando achar Willis, embora o tivesse visto ali em

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poucas ocasiões, ultimamente; só vinha quando Anthony o chamava. Mas o quarto estava vazio.

Ou Anthony tinha planejado isto ou não tinha avisado Willis. Além disso, segundo os costumes

londrinos, era cedo ainda. Willis não esperaria que seu amo voltasse tão cedo.

Roslynn suspirou, sem saber o que pensar. Mas não desperdiçaria a oportunidade. Ela

mesma não poderia ter planejado melhor. Não teria que sacrificar seu orgulho, confessando que

tinha sido uma parva. Simplesmente demonstraria ao Anthony que não se incomodava de estar

ali, mas sim o desejava.

Começou a tirar a roupa. Quando Anthony entrou no quarto, achava-se em camisa. Olhou-

a durante uns instantes e depois se dirigiu a seu quarto de vestir. Roslynn se meteu

apressadamente na cama. Desejou que ele houvesse dito algo. Deus, isto lhe recordava sua noite

de núpcias. E estava tão nervosa como tinha estado então.

Quando ele apareceu, só levava um roupão. Ela pelo menos tinha tido tempo de vestir uma

camisola. Não queria ser tão óbvia.

Mas era óbvio. Enquanto ele se dedicava a apagar os abajures, o desejo acendeu os olhos

dourados de Roslynn ao admirar seu belo corpo. Tinha-o tido em grandes dose esses últimos dias.

Mas tinha descoberto que não era suficiente. Nunca o seria.

O quarto estava às escuras; só se filtrava pelas janelas um raio prateado de lua. Antes que

os olhos de Roslynn se habituassem à escuridão, seus sentidos se acenderam. Podia cheirar o

aroma do Anthony quando ele se aproximou. Quando a cama cedeu debaixo de seu peso, ela

conteve o fôlego. Experimentou a mesma sensação de vertigem que sempre a invadia quando ele

estava junto a ela. Em um instante se inclinaria sobre ela. Seus lábios beijariam os seus, quentes,

exigentes...

- Boa noite, querida.

Ela abriu os olhos. Demônios, em definitivo, não tinha planejado o desalojamento do quarto

dela. Se atinha às regras que lhe tinha imposto; não a tocaria quando ela ficasse grávida. Não era

justo. Como podia fazê-lo se ela estava estendida a seu lado, desejando-o mais que a nada no

mundo?

- Anthony.

- Sim?

Seu tom de voz era cortante e a inibiu. -Nada -murmurou ela.

Roslynn permaneceu deitada, contando os batimentos do coração de seu coração, e

desejando ter bebido mais de duas taças de champanha na festa do Frances. Mas tinha pensado

nas náuseas da manhã seguinte, antes de assistir ao casamento. Não tinha imaginado que lhe seria

impossível dormir. Na noite anterior tinha apoiado a cabeça no peito de Anthony e tinha contado

os batimentos do coração dele. Que grande diferença podia haver entre um dia e outro. Não, não

era o dia; era seu maldito acordo.

Não podia ser. Teria que...

Ouviu o grunhido e logo as mãos do Anthony a estreitaram contra seu peito. Beijou-a

grosseiramente, com uma paixão desatada que inflamou a ambos. Roslynn não opôs resistência.

Aceitou-o, feliz e tão aliviada que se abandonou por completo entre os braços dele. O orgulho não

importava. Amava-o. Diria isso, mas não nesse momento. Mais tarde, quando pudesse pensar de

novo com clareza.

CAPÍTULO 43

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152

Tudo parecia conspirar para que Roslynn não pudesse passar um momento a sós com

Anthony; inclusive ela mesma. Na noite anterior, depois de fazer amor, ela tinha dormido

profundamente e, na manhã seguinte, Anthony a tinha despertado para lhe dizer que George

partira e que ela podia voltar para seu quarto. Assim, como se a noite anterior não tivesse existido.

E, quando ela esteve a ponto de lhe falar, as náuseas tinham obrigado ela a retirar-se com rapidez

para seu quarto.

Depois o casamento tinha sido celebrado e tinham participado do almoço posterior, que

levara quase toda a tarde. Mas Anthony não tinha retornado a casa com ela. Partiu diretamente

para passar a última noite com seu irmão, e Roslynn se torturou durante toda a noite pensando o

que estariam fazendo, pois nenhum deles voltou até de madrugada.

E esta manhã tinha sido despertada de repente para ir ao porto para se despedir do Maiden

Anne com toda a família. Roslynn estava de pé junto ao Jeremy, enquanto os irmãos de James o

abraçavam e lhe desejavam uma boa viagem. Tinha lhe dado um rápido beijo de despedida que

James não deixou de comentar. -Imagino que sentirá muitas saudades, não é verdade, Jeremy?

O jovem sorriu. -Por Deus, não parta portanto tempo. E acho que não terei tempo de sentir

saudades. Ele deixou instruções. Deverei me dedicar ao estudo de forma intensiva, deverei evitar

me colocar em problemas, cuidar do tio Tony e de você, é claro, e procurar que ele esteja

orgulhoso de mim.

- Estou certa de que estará à altura das circunstâncias. -Roslynn tratou de sorrir, mas os

aromas do caís começaram a fazê-la sentir-se mau. Devia chegar à carruagem antes de decompor-

se. -Acho que chegou o momento de se despedir de seu pai.

Jeremy recebeu um forte abraço de James e de Conrad e precisou escutar outra longa lista

do que devia e não devia fazer. Mas os dois homens foram chamados para subir a bordo e Jeremy

se viu liberado dos conselhos de seu pai.

James podia culpar ao Anthony das conseqüências da bebedeira que esteve a ponto de fazê-

lo esquecer. Chamou Jeremy para que subisse a prancha e lhe entregou uma nota. -Entrega isto a

sua tia Roslynn, mas não o faça em presença de Tony.

Jeremy guardou o bilhete em seu bolso. -Não é uma carta de amor, não é verdade?

-Uma carta de amor? -disse James. - Saia daqui, cachorrinho. E não esqueça...

-Sei, sei. -Jeremy levantou os braços, rindo. -Não farei nada que você não faria.

Correu pela prancha antes que James reagisse. Mas quando se virou, James sorriu. Conrad

lhe perguntou: -O que era isso?

James encolheu os ombros, compreendendo que Connie o tinha visto entregar a nota. -

Finalmente decidi ajudá-lo. Se Tony continuar assim, viverá a tropeços.

- Achei que não interferiria -recordou-lhe Connie.

- Bom, é meu irmão, não? Embora não deveria me preocupar com ele depois da má ação

que me fez ontem à noite. -Como Connie arqueasse uma sobrancelha, sorriu apesar da enxaqueca

que o atormentava. -assegurou-se de que me sentiria terrivelmente mal hoje, o grande maldito.

- Mas você não resistiu.

- Claro. Não podia deixá-lo beber a sós. Mas você deverá se encarregar da despedida,

Connie. Irei para meu camarote. Me avise quando tivermos zarpado.

Uma hora depois, Connie se serviu de uma medida de uísque da bem provida adega do

camarote do capitão e se reuniu com James. -Não se preocupará pelo moço, não é verdade?

- Esse safado? -James meneou a cabeça e deu um pulo por causa da dor de cabeça. Bebeu

outro gole da bebida que Connie tinha disposto. -Tony se encarregará de que não se meta em

problemas graves. Você será quem se preocupará. Deveria ter um filho próprio, Connie.

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- Talvez o tenha. Ainda não o achei como aconteceu com você. Possivelmente tenha outros

que desconhece.

- Por Deus, esse é suficiente -disse James, fingindo horror e fazendo rir a seu amigo-. Bem,

que novidades tem? Quantos vieram da antiga tripulação?

- Dezoito. E não houve inconvenientes para substituir aos que faltavam, exceto o

contramestre, tal como lhe disse antes.

- De modo que zarpamos sem contramestre? Isso significa que deverá trabalhar mais,

Connie.

- Sim, se não fosse por ter achar um ontem; um voluntário. Ele e seu irmão queriam viajar

como passageiros. Quando lhe disse que o Maiden Anne não os levaria, ofereceu-se para

trabalhar. Jamais vi um escocês tão insistente.

- Outro escocês? Como se não tivesse tido suficiente que ver com eles ultimamente. Alegra-

me de que seus antepassados escoceses sejam tão longínquos que já não os recorde, Connie. Entre

a perseguição do primo de Roslynn e a da pequena harpia e seu companheiro...

- Acreditei que o tinha esquecido.

James respondeu franzindo o cenho. -Como sabe que este escocês conhece um pouco de

navegação?

-Pu-lo a prova. Acredito que trabalhou antes. E afirma ter navegado como comissário,

carpinteiro de bordo e contramestre.

-Se for verdade, nos será muito útil. Bem. Algo mais?

-Johnny se casou.

-Johnny? Meu grumete? -James enfureceu-se. Meu Deus, só tem quinze anos. No que estava

pensando?

Connie encolheu os ombros. -Diz que se apaixonou e não podia afastar-se da pequena

mulher.

-Pequena mulher? -soprou James. - Esse jovenzinho louco necessita de uma mãe, não de

uma esposa. -A cabeça lhe doía outra vez e bebeu o resto da bebida.

- Achei outro grumete para você. O irmão do MacDonell...

James derramou a bebida sobre a escrivaninha. -Quem? -disse com voz apagada.

- Maldição, James, o que acontece com você?

- MacDonell disse? Seu nome é Ian?

- Sim. -Connie o olhou, furioso. -Deus, não é o escocês da taverna, não é?

James ignorou a pergunta. -Olhou bem a seu irmão?

-A verdade é que não o fiz. Era um indivíduo pequeno, calado, que se ocultava atrás de seu

irmão. Precisei contratá-lo, pois Johnny me avisou só há dois dias que pensava permanecer na

Inglaterra. Mas não pensará que...

- Penso. -de repente, James se pôs a rir. -Oh, Deus, Connie, isto é incrível. Voltei para

procurar essa harpia, mas ela e seu escocês tinham desaparecido da área. E agora ela vem a meu

encontro.

Connie grunhiu. -Bem, terá uma viagem prazenteira.

- Não tenha dúvida alguma -disse James com um sorriso malicioso. - Mas não a

desmascaremos ainda. Antes, desejo me divertir um pouco.

- Poderia estar equivocado. Talvez seja um moço.

- Duvido -disse James. - Mas o averiguarei quando ela começar a cumprir com

suas tarefas.

E enquanto o Maiden Anne se afastava da Inglaterra, James pensou nessas tarefas e em sua

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154

participação nelas. Seria sem dúvida uma viagem prazenteira.

CAPÍTULO 44

- Sairá de novo?

Anthony se deteve; estava calçando as luvas. -ia fazê-lo.

Roslynn saiu do saguão e se aproximou dele. Fazia pouco mais de um agora que tinham

chegado. Tinha levado todo esse tempo para reunir a coragem necessária para abordá-lo, mas

agora que se apresentava a oportunidade, essa coragem parecia abandoná-la. Mas devia fazê-lo.

- Desejaria falar com você.

- Muito bem. -Ele indicou o saguão.

- Não, no andar superior. -Ele arqueou as sobrancelhas, ela se ruborizou e acrescentou

rapidamente: -Em meu quarto. -Jeremy estava em algum lugar da casa, mas ela não desejava que

ninguém interrompesse essa conversa. -Lá teremos a intimidade necessária... para o que desejo

dizer.

- Bem, querida.

O tom de Anthony era indiferente. Não ia ser simples. E se não se importasse? E se só

conseguisse fazer o papel de tola?

Roslynn subiu depressa as escadas e Anthony foi lentamente atrás dela. Arrastava os pés;

receava que o que ela dissesse não lhe agradasse. Era ainda muito cedo para que ela dissesse o que

ele desejava ouvir. Tinha calculado que ainda demoraria várias semanas em admitir que não lhe

agradava dormir sozinha. Então não resistiria quando lhe exigisse que respeitasse o acordo

original e fosse sua mulher em todos os aspectos.

Quando Anthony entrou no quarto, Roslynn sentou-se no divã. Como esse assento estava

ocupado e a cama estava fora da questão, ele se sentou na banqueta que estava em frente ao

toucador, a pouca distância dela. Brincou com os frascos de perfume aguardando que ela

começasse a falar. O pedaço de papel que havia ali era somente um objeto a mais, mas quando o

abriu, reconheceu a letra de James.

- Anthony, por favor, me olhe. -Ele o fez e entrecerrou os olhos. Ela abaixou o olhar. -Não

sei como dizer isto... mas cometi um engano.

- Um engano?

- Ao pôr limitações a nosso matrimônio. Desejaria... recomeçar.

Então levantou o olhar. Tinha esperado qualquer coisa menos ira, mas era indubitável

que ele estava furioso.

- Tem isto algo que ver com sua súbita mudança de atitude? -Tinha o papel entre os dedos.

- O que é? -perguntou ela, cautelosa.

- Não brinque comigo, Roslynn. Sabe muito bem o que é -disse ele.

Ela adotou o mesmo tom agressivo, esquecendo por um instante sua intenção de

reconciliação. -Não, não sei. Onde o achou?

- Sobre seu toucador.

- Impossível. Troquei de roupa quando voltei do porto e isso, seja o que for - disse,

apontando o papel-, não estava sobre meu toucador.

- Mas não pode prová-lo, não é?

Ele estava furioso por causa da intervenção de James, mas sobretudo, estava furioso com

ela. Como se atrevia a torturá-lo e depois, tão somente por uma nota, admitir que estava

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155

equivocada? Não queria sua maldita contrição. Queria que ela o desejasse sem condições. E o

tivesse feito. Só então a teria convencido de que o tinha acusado injustamente.

Foi para a porta e a abriu, chamando Jeremy aos gritos. Ou James lhe tinha entregue a nota

no caís, o que era duvidoso já que Anthony tinha estado junto a ela durante todo o tempo, ou a

tinha dado ao Jeremy para que a entregasse. Fosse como fosse, não permitiria que lhe mentisse a

respeito.

Quando o jovem mostrou a cabeça pela porta de seu quarto, no outro extremo do corredor,

Anthony lhe perguntou: -Entregou-lhe seu pai algo para que o

desse a minha mulher?

Jeremy grunhiu. -Demônios, Tony. Pensei que tinha saído. Pu-lo... você

não devia vê-lo.

Anthony fez uma bola de papel com a nota. -Está bem, moço. Não há problema.

Fechou a porta, franzindo o cenho. Ela não tinha lido a nota. Isso queria dizer que... Droga,

ele acabava de zangar-se com ela.

Encontrou-a de pé, com a mão estendida e os olhos brilhantes de indignação.

- Me entregue isso, por favor.

- Não -disse ele notando seu sotaque, sintoma de seu aborrecimento-. Lamento-o. Tirei uma

conclusão apressada. A nota não tem importância...

- Isso decidirei eu. Se isso estava sobre meu toucador, estava dirigido a mim, não a você.

- Então, toma-o.

Estendeu a mão, com a palma para cima. Quando ela se aproximou e tomou a bola de

papel, não lhe deu a oportunidade de lê-lo. Fechou seus dedos sobre os dela e tomou-a entre seus

braços.

- Pode lê-la mais tarde -disse meigamente-. Primeiro diga-me o que queria dizer quando

afirmou ter cometido um engano.

Ela esqueceu a nota que tinha no punho fechado. -Falei-lhe... das limitações. Nunca devia...

impor condições a nosso matrimônio.

- Assim é. Isso é tudo?

Estava sorrindo, com esse sorriso que tanto a perturbava. -Não devia me deitar com você

somente pelo menino, mas temia me habituar tanto a você que depois já nada me importaria.

- E foi assim? -Os lábios do Anthony roçaram suas faces, junto a sua boca.

- O que?

- Habituou-se a mim?

Não lhe permitiu responder. Seus lábios se apoiaram sobre os de Roslynn, quentes,

sedutores, roubando seu fôlego e sua alma. -Ela se separou dele. -Homem, se continua me

beijando, jamais lhe poderei dizer isso - Então, leia a nota de James.

Ele riu, sustentando-a entre seus braços. -Mas nada disto foi necessário, amor. Seu

problema consiste em que deu tudo, é claro. Supôs que permitiria que seguisse com essa atitude

de não me toque indefinidamente. Não era assim. Aparentemente, também pensou que tivesse

aceito todas que pôs a respeito de nossa relação. Também se enganou nisso. -Suavizou a notícia

com outro beijo antes de prosseguir. - Odeio desiludir você, amor, mas só toleraria suas exigências

ridículas durante o tempo que eu acreditasse razoável. E só lhe teria permitido isso durante mais

algumas semanas.

- E se não?

- Teria me instalado aqui.

- Seriamente? -disse ela, mas estava a ponto de sorrir. - Suponho que sem minha permissão.

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- Alguma vez saberemos, não é? -Ele sorriu. -Bem, que mais desejava me dizer?

Ela tratou de encolher os ombros, mas não resultou. Seus sentidos a traíam por estar tão

perto dele, ver seu olhar terno, seus lábios junto aos seus.

- Amo-o -disse ela; depois, quando ele a abraçou com tanta força que mal pode respirar,

gemeu.

-Oh, Deus Roslynn, temi que nunca o dissesse. É verdade? Apesar de ser estúpido durante

quase todo o tempo?

- Sim. -Ela riu, ébria de felicidade ante sua reação.

- Então, lê a nota do James.

Era a última coisa que ela esperava escutar nesse momento. Quando ele a soltou e

retrocedeu, ela o olhou com desconfiança. Mas abriu a nota; a curiosidade era muito grande. A

mensagem era breve e estava dirigida a ela.

"Já que Tony é muito teimoso e não lhe conta isso, pensei que deveria saber que essa

pequena rameira da taverna, que você pensou ter seduzido ao Tony, passou a noite comigo.

Talvez ela tenha escolhido ao Tony, tal como o fez você, mas não teve inconveniente em

conformar-se comigo. Esteve equivocada com respeito a ele, querida menina. Acredito que a ama.

"

Quando Roslynn olhou para Anthony seus olhos estavam úmidos de pranto. Ele tomou-a

outra vez entre seus braços. -Poderá me perdoar alguma vez, Anthony?

- Você me perdoou, não é assim?

- Mas não foi culpado.

- Cale-se, amor. Já não importa, não é verdade? Continua sendo a única mulher que desejo

desde que a conheci, quando vi você espiando o salão de baile dos Crandal e me mostrando seu

doce traseiro.

- Anthony!

Ele riu e a abraçou com mais força para impedir que ela o golpeasse. -Bom, é verdade,

querida. Cativou-me todo.

- Foi um libertino.

- Ainda o sou -disse ele-. Não quererá que me converta em um homem sério e formal, não é

verdade? Não lhe agradará fazer amor na escuridão, adequadamente vestidos para que a pele não

se toque, exceto nas zonas necessárias... ai! -Lhe tinha beliscado. -Não brinco, querida. -Riu. -É

provável que Warton lhe tivesse feito amor dessa maneira. É claro, teria morrido por causa dela...

bom, bom, não mais beliscões.

- Então fala a sério.

- Mas o faço, minha menina, muito a sério. -Seus dedos deslizaram entre os cabelos de

Roslynn, fazendo cair seus grampos de um lado e de outro e sem deixar de olhá-la nos olhos. -Foi

minha essa primeira noite em que veio para mim sob a luz da lua. Enfeitiçou-me. Sabe quanto

desejava fazer amor com você, ali mesmo, no jardim dos Crandal? O que sentiu você, amor?

- Lamentei... não poder ter você.

- Lamentou? -perguntou ele meigamente. Seus polegares acariciaram as faces de Roslynn e

seus lábios apenas roçaram os dela. -Deseja-me agora?

- Sempre o desejei, Anthony - murmurou ela, lhe rodeando o pescoço com os braços. - Mas

não queria desejá-lo. Temia não poder confiar em você.

- Confia em mim agora?

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- Devo fazê-lo. Amo-o... embora você não me ame...

Ele apoiou um dedo sobre seus lábios. -Oh, minha formosa e tola menina. Não leu a nota de

meu irmão? Toda minha família sabe que a amo embora não tenha dito. por que não sabe você?

- Ama-me? -perguntou ela com um fio de voz.

- Teria me casado com você se não a amasse?

- Mas, por que não me disse isso?

- Você não queria se casar comigo, amor- recordou-lhe ele. - Quase precisei obrigá-la. E

quando aceitou, fez todo o possível para me manter a distância. Por acaso me teria acreditado se

tivesse confessado meu amor? Roslynn, por que outro motivo me teria casado com você?

- Mas... -Não havia mas. Ela o beijou uma e outra vez; seu coração estava a ponto de

explodir de alegria.

- Oh, Anthony, alegra-me tanto de que tenha sido assim. E jamais, jamais voltarei a me

comportar como uma idiota, juro...

Entre um beijo e outro, ele disse: -Pode ser uma idiota ... quando a desejar muito... desde

que não deixe de me amar.

- Não poderia, embora quisesse. E você?

- Nunca, carinho. Pode estar certa disso.

CAPÍTULO 45

- Entendi que devo felicitá-lo - disse Nicholas quando se reuniu com Anthony no jardim

para fumar. O jantar dos domingos em casa do Edward tinha reunido a todo o clã, excetuando

James. -Não acha que é algo maior para iniciar uma nova família, Malory?

- Quando irá ao Knighton's Hall, Montieth? -respondeu, seco, Anthony.

Nicholas riu, ignorando a brincadeira. -Desde que Roslynn contou, Regina não fala de outra

coisa. Agora deseja ter outro filho.

- Será um tanto difícil, não é verdade? Segundo James, tem caído em desgraça.

- Oh, não é costume ser duradouro, amigo -disse Nicholas com um sorriso irritante. - Sua

sobrinha possui o famoso caráter dos Malory, mas não é insensível. Além disso, não lhe agrada

dormir sozinha.

Anthony o olhou com o cenho franzido. Ainda não podia conceber que sua pequena Reggie

já era uma mulher... com um marido libertino. Devia dar um murro em Montieth por esse

comentário. Mas toda a família se enfureceria com ele se o fizesse e Reggie seria a primeira.

- Um destes dias, Montieth, conseguirá me agradar. Mas não será logo.

Nicholas se pôs a rir e Anthony entrou na casa. Regina o alcançou no vestíbulo para tratar

de dissipar sua irritação.

- Viu Nicholas, Tony?

- Desejaria não vê-lo, mas está no jardim.

- Voltaram a discutir? -perguntou ela com o cenho enrugado.

- O que posso lhe dizer, gatinha? -encolheu os ombros e logo acrescentou deliberadamente:

-Mas terá notado que saí. Nestes últimos dias se enfurece comigo.

- Por favor. Quando se darão bem vocês dois?

- Somos muito parecidos, minha menina, e sabemos. Mas me faça o favor de lhe levar para

o interior da casa, quer? Agradaria-me caminhar com minha mulher e seria agradável gozar de

Page 158: Johanna lindsey   família mallory 02 - terna e rebelde

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certa intimidade.

Anthony sorriu quando Regina se afastou. Provavelmente, Montieth cairia de novo em

desgraça essa noite e o pobre tolo nem sequer saberia qual tinha sido seu engano. Riu ao pensar

nisso. Um desses dias Regina compreenderia que ele e Nicholas desfrutavam de suas discussões.

Por agora, Anthony se considerava vencedor.

Viu que Roslynn tinha sido monopolizada por Edward e, ao aproximar-se, ouviu suas

últimas palavras. -Mas não desejo duplicar meu dinheiro. Demônios, o que faria com tanta

quantidade?

- Devia avisá-la, amor, que Eddie a perseguiria. Não pode ver dinheiro parado.

Edward se defendeu. -Bom, é ridículo, Tony. Ninguém possui muito dinheiro. Devem

pensar nos meninos, e...

- E estou seguro de que Roslynn te permitirá administrar sua fortuna, desde que souber ou

seja a quanto ascende.

- Isso é injusto -protestou Roslynn. - Sei exatamente quanto possuo; só que não posso

recordá-lo com precisão. -Ambos os homens riram, mortificando-a. –Muito bem. Meu advogado

lhe fará uma visita, Edward. Talvez deveria me interessar nesta questão.

- Oh, Deus, olhe o que fez, Eddie -queixou-se Anthony, fingindo horror. - Não quero que

encha sua mente de cifras.

-Não, só deseja que esteja cheia de você - zombou Edward.

- Assim é. -Anthony sorriu com descaramento. -Venha, querida; veremos se posso dirigir

seu interesse para outra coisa.

Anthony a conduziu longe da casa, até que só a luz da lua iluminou o atalho. Junto às

roseiras a abraçou e apoiou seu queixo sobre o ombro dela.

- De verdade deseja se envolver no império que a legou seu avô?

- Não, mas me alegra que pelo menos me tenha perguntado isso. -Ela sorriu e apoiou seus

braços sobre os dele.

- Só desejo vê-la feliz, Roslynn, pois sua felicidade é a minha.

Ela girou entre seus braços e apoiou sua face contra o peito do Anthony. Amava-o tanto

que não cabia em si de prazer. Um de seus dedos desenhou círculos sobre o suave veludo azul da

jaqueta dele.

- Há algo -disse ela em voz baixa.

- O que diz, amor.

Houve um prolongado silêncio antes de que ela perguntasse: -Poderíamos tratar de fazê-lo

novamente na poltrona?

A risada encantada de Anthony encheu Grosvenor Square, em frente do jardim.

FIM