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IV Congresso RIBIE, Brasilia 1998 Jogos Computacionais no Processo de Formação Profissional: o Design de A Caça ao Tesouro Lúcio Dutra Fernandes 1 [email protected] Roger Augusto Valenciano 2 [email protected] Cristiano Caritá 2 [email protected] Maria Cecília Calani Baranauskas 2, 3 [email protected] 1 Departamento de Informática do Arsenal de Marinha do RJ Cx. Postal 2647 - CEP 20180-000 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil Telefone: (021)962-0074 Telefax: (021)516-2309 2 Departamento de Ciência da Computação-IC-UNICAMP Cx. Postal 6065 - CEP 13081-970 - Campinas - SP - Brasil Telefone: (019)239-3115 R- 227 fax: (019)239-7470 3 Núcleo de Informática Aplicada à Educação-NIED-UNICAMP Ed. Reitoria V, 2°. andar - CEP 13083-970 - Campinas - SP - Brasil Telefone: (019)239-8136 fax: (019)239-4717 Os recursos humanos são, seguramente, o maior bem de que dispõem as organizações: seu Peopleware. Disponibilizar novos conhecimentos e técnicas, investindo na atualização e aperfeiçoamento do saber profissional de seus funcionários é atitude inteligente dos órgãos responsáveis pela formação e treinamento de pessoal de uma Organização que pretenda se inserir no contexto da Qualidade Total. Entre outros ganhos, obtém-se a participação mais ativa e eficaz do funcionário no seu processo de trabalho, como vem acontecendo na nova gestão da produção enxuta. Este trabalho propõe o uso de jogos computacionais para ensino/aprendizado de alguns conceitos ligados à manufatura, ao discutir seu uso na formação e no treinamento de recursos humanos nas organizações. Tal proposta é ilustrada com o design de A Caça ao Tesouro, um ambiente metafórico criado para trabalhar — ou melhor dizendo, jogar — com alguns conceitos inerentes ao campo da Produção Enxuta. 1.0 - Introdução

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IV Congresso RIBIE, Brasilia 1998

Jogos Computacionais no Processo de FormaçãoProfissional: o Design de A Caça ao Tesouro

Lúcio Dutra Fernandes 1

[email protected] Augusto Valenciano 2

[email protected] Caritá 2

[email protected] Cecília Calani Baranauskas 2, 3

[email protected]

1 Departamento de Informática do Arsenal de Marinha do RJCx. Postal 2647 - CEP 20180-000 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Telefone: (021)962-0074 Telefax: (021)516-2309

2 Departamento de Ciência da Computação-IC-UNICAMPCx. Postal 6065 - CEP 13081-970 - Campinas - SP - Brasil

Telefone: (019)239-3115 R- 227 fax: (019)239-7470

3 Núcleo de Informática Aplicada à Educação-NIED-UNICAMPEd. Reitoria V, 2°. andar - CEP 13083-970 - Campinas - SP - Brasil

Telefone: (019)239-8136 fax: (019)239-4717

Os recursos humanos são, seguramente, o maior bem de que dispõem asorganizações: seu Peopleware. Disponibilizar novos conhecimentos e técnicas, investindona atualização e aperfeiçoamento do saber profissional de seus funcionários é atitudeinteligente dos órgãos responsáveis pela formação e treinamento de pessoal de umaOrganização que pretenda se inserir no contexto da Qualidade Total. Entre outros ganhos,obtém-se a participação mais ativa e eficaz do funcionário no seu processo de trabalho,como vem acontecendo na nova gestão da produção enxuta. Este trabalho propõe o usode jogos computacionais para ensino/aprendizado de alguns conceitos ligados àmanufatura, ao discutir seu uso na formação e no treinamento de recursos humanos nasorganizações. Tal proposta é ilustrada com o design de A Caça ao Tesouro, um ambientemetafórico criado para trabalhar — ou melhor dizendo, jogar — com alguns conceitosinerentes ao campo da Produção Enxuta.

1.0 - Introdução

É sabido que o desempenho das empresas brasileiras, salvo honrosas exceções, estáabaixo do padrão mundial. Tal fato deve-se a uma série de fatores, entre os quais aformação inadequada de pessoal. Este trabalho possui como cerne o estudo e o design dejogos computacionais e seu uso como ferramenta complementar e moderna na formaçãode recursos humanos nas organizações industriais, sendo oriundo de uma Dissertação deMestrado em desenvolvimento no Instituto da Computação da Universidade Estadual deCampinas-UNICAMP.

Ainda na seção introdutória, situaremos o domínio dessa abordagem, conceituandoProdução Enxuta e traçando um panorama histórico-evolutivo da manufatura a partir dasua concepção no período pré-industrial do Hemisfério Norte. Em seguida,apresentaremos o estado da arte em jogos, pinçando aqui e ali algumas evidências de seuuso.

Na próxima seção, abordaremos alguns aspectos do design de jogos, iniciando poruma sumária apresentação da influência dos jogos na cultura e vice-versa. Seguiremosconceituando metáfora e correlacionando seus componentes, passando a discorrer acercada interação homem-computador, quando serão apontados alguns elementos dessainterface e o que difere nossa abordagem computacional de jogo dos demais tipos desoftware educativo.

Em seguida, na seção destinada ao design do jogo, faremos o mapeamento dasmetáforas conceitual e computacional, apresentando a estrutura básica do jogo e algunsexemplos de telas (story-board) de A Caça ao Tesouro.

Finalizando, faremos uma discussão sobre nossas intenções originais e o feed-backrecebido quando da apresentação da versão Alfa desse aplicativo, para um grupo depesquisadores em Informática na Educação e, em seguida, apresentaremos a conclusão aque chegamos.

1.1 - O Domínio do Trabalho: A Produção Enxuta

A expressão “Lean Manufacturing”, definida por John Krafcik, pesquisador doInternational Motor Vehicle Program e que foi traduzida em nossa língua comoManufatura Enxuta, é uma faceta de um revolucionário sistema oriental – denominadoocidentalmente de Produção Enxuta ou Lean Production – e possui em seu cerne umadimensão fundamental: requer menores recursos, maximiza a eficiência e a produtividadee, principalmente, maximiza a flexibilidade, sendo mais ágil, inovadora e capaz deenfrentar melhor as mudanças conjunturais e de mercado. Em quase todos os aspectos,veio a contrapor-se aos dois outros métodos de produção concebidos pelo Homem: aProdução Artesanal e a Produção em Massa [Womack, Jones, Roos; 1992].

O produtor artesanal, desde os primórdios da evolução manufatureira, lançava mão,quase sempre, de trabalhadores altamente qualificados e ferramentas simples, masaltamente flexíveis, para produzir o que o cliente mais desejava: um item de cada vez,muitas das vezes, exclusivo. Essa produção tanto possuía sofisticação e qualidade deacabamento quanto uma grande desvantagem econômica: era cara demais para a grandemaioria das pessoas tornando-se, com o passar do tempo, inviável comercialmente[Womack, Jones, Roos; 1992].

Após a Primeira Guerra Mundial, Alfred Sloan, da General Motors e Henry Ford, daFord Motors, conduziram séculos de produção artesanal de bens – cuja liderança eraeuropéia – para a chamada Era da Produção em Massa. Este sistema de produção, que foiutilizado primeiramente nas indústrias automobilísticas americanas, foi posteriormentedifundido nas indústrias da Europa. E mesmo no início deste século, a maioria doseuropeus era incapaz de distingüir as vantagens e idéias universais da produção em massade sua origem norte-americana.

O produtor em massa, por sua vez, utilizava-se de profissionais excessivamenteespecializados para projetar produtos que eram manufaturados por trabalhadores semqualificação ou semi-qualificados, em máquinas dispendiosas e especializadas em umaúnica tarefa. Por ser dispendiosa a mudança de um produto, este era mantido comopadrão o maior tempo possível e com métodos de trabalho muitas vezes monótonos e semsentido. Com isso, o consumidor obtinha preços mais baixos, em detrimento de variedadee qualidade.

A produção em massa deixava muito a desejar em termos de competitividade eatendimento aos anseios consumistas emergentes [Womack, Jones, Roos; 1992]. Mas, aocontrário do que se imagina, a chave para este tipo de produção não residia na linha demontagem em movimento contínuo, mas sim na completa e consistente intercambialidadedas peças, em sua simplicidade e na facilidade de ajustá-las entre si. Foram estasinovações que tornaram a linha de montagem possível, reduzindo-se drasticamente oscustos de fabricação e aumentando a qualidade do produto, superando os problemas daprodução artesanal.

O surgimento do conjunto de filosofias e técnicas da Produção Enxuta na indústriajaponesa – um pioneirismo de Eiji Toyoda e Taiichi Ohno, da Toyota, ocorrido após aSegunda Grande Guerra – deu-se porque as idéias convencionais para o desenvolvimentoindustrial do Japão pareciam não funcionar mais. Todavia, o salto japonês logo ocorreu, àmedida que outras companhias e indústrias do país copiavam o modelo desse notávelsistema. [Womack, Jones, Roos; 1992].

O produtor enxuto, em contraposição aos dois anteriores, combina as vantagens daprodução artesanal e em massa, evitando a rigidez desta e os altos custos da primeira.Assim, emprega equipes de trabalhadores multiqualificados em todos os níveis daorganização, além de perseguir custos sempre declinantes, nenhum estoque, e dedesenvolver ou adquirir máquinas altamente flexíveis e cada vez mais automatizadas,para produzir uma maior e sempre crescente variedade de produtos, tendo sempre emmente a máxima satisfação do cliente – a qualidade aplicada [Womack, Jones, Roos;1992].

Passado quase meio século, inúmeras companhias ocidentais compreenderam afilosofia da Lean Production. Todavia, o mundo ainda tem imensa carência decapacidade competitiva de produção enxuta e um excesso de capacidade não-competitivade produção em massa.

Uma das diferenças mais impressionantes entre os dois sistemas reside nos objetivosfinais: os “produtores em massa” estabelecem para si uma meta limitada, o produto “bomo suficiente”, enquanto os “produtores enxutos” almejam abertamente a perfeição. Algocomo a qualidade perfeita. É claro que essa perfeição é praticamente inatingível, ou entãoseu custo é altíssimo, mas sua busca continua gerando efeitos surpreendentes.

Outra diferença recai sobre o modo como as pessoas trabalham. Enquanto a maioriadelas achará seu trabalho mais estimulante – inclusive os operários de chão de fábrica – àmedida que a produção enxuta vai se disseminando e sua produção aumentando, poderáocorrer que suas tarefas se tornem mais estressantes. Isso porque um dos objetivos-chavedesse sistema de produção é trazer a responsabilidade para a base da pirâmideorganizacional, responsabilidade essa que significa liberdade para controlar o própriotrabalho – uma vantagem – mas que aumenta o temor de cometer erros que acarretemprejuízo, certamente uma desvantagem em nossa mentalidade de insegurança no empregoe de parcos estímulos aos processos de tomada-de-decisão nesse nível.

1.2 - O Estado da Arte

Na busca da excelência na formação e no treinamento de funcionários e executivos,grande número de empresas sediadas nos países industrializados utilizam-se de uma sériede expedientes e atividades, físicas, mentais e psicológicas, quase sempre adequadas aoperfil sócio-econômico de seus treinandos, muitas das vezes até lançando modismos edescobrindo novos valores, como a onda atual em torno da “inteligência emocional”.

Uma série de empresas sediadas no Brasil como o Citybank, a Rhodia e entidadescomo a Febraban, dentre outras, já se utilizam de jogos do tipo carteado, de dados e deperguntas para treinar seus funcionários visando a melhoria no desempenho dos mesmos.Aprende-se brincando, o que possibilita melhor assimilação de conceitos eprocedimentos, além de enriquecer o aprendizado. Outras, submetem seus executivos dotopo da hierarquia e de média gerência a uma série de psico-atividades do tipopsicodrama, testes de perseverança e de desempenho correlato, acreditando ser possíveldespertar nos participantes dessas atividades uma série de atributos favoráveis àAdministração e que poderiam estar adormecidos ou em estado potencial.

Para diferenciarmos esse tipo de atividade lúdica que se utiliza de papel, canetas,dados, tabuleiros ou aquelas mais eminentemente psicomotrizes – que não utilizam ocomputador como ferramenta ou mídia – daquelas atividades apoiadas por oudesenvolvidas para computador, denominaremos as primeiras de “jogos analógicos” e asúltimas de “jogos computacionais”.

Mário Seabra, consultor de empresas na área de Gamming, concebe jogos“analógicos” há 34 anos. Na área de treinamento de Recursos Humanos já produziujogos, somente para citar dois casos, para a Febraban e para o Citybank, que enfocavam ofuncionamento de uma agência bancária no primeiro caso e como vencer no mercadofinanceiro, no segundo. Segundo ele, os principais segredos para obter-se bons resultadosnesse tipo de treinamento é ter em mente a noção de tempo, o timing, e ser o maishistriônico possível, ou seja, eletrizante a fim de manter a atenção e transmitir emoçãopara empolgar os treinandos. Sem exageros, todavia.

O design de jogos computacionais para o contexto da formação no trabalho ainda éum tópico de pesquisa em aberto. A interdisciplinaridade envolvida no assunto e aaparente associação de jogo com diversão, enquanto que trabalho é uma coisa “séria”, éapenas um dos desafios que têm impulsionado nosso trabalho (Fernandes et al., 1995,1996) nessa área. Este trabalho dá continuidade ao nosso projeto envolvendo o design dejogos computacionais para o contexto da formação na indústria.

2.0 - Aspectos do Design de Jogos

Tanto o design quanto o desenvolvimento de qualquer jogo para uso na formaçãoprofissional requerem um certo número de cuidados e decisões a serem tomadas desde oinício, começando pela identificação e pertinência do mesmo quanto às necessidadesespecíficas a serem satisfeitas, as quais servirão para estabelecer grosseiramente anatureza do jogo. Estas decisões são tão importantes quanto difíceis – quando nãoimpossíveis – que chegam a mudar radicalmente a fase de desenvolvimento.

Num trabalho realizado para o Royal Military College of Science, em 1981, seusautores estabeleceram três áreas principais que condensavam alguns aspectosproblemáticos a serem levados em conta pelo designer de jogos: problemas relacionadoscom o usuário, problemas no desenvolvimento e problemas computacionais [Hartley,Ritchie, Fitzsimons;1981].

2.1 - Os Jogos e a Cultura

O mundo dos Jogos é tão variado e tão complexo que o seu estudo pode serabordado de inúmeras maneiras. O jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou umreflexo psicológico. É uma função significante, ou seja, encerra um determinado sentido.É também uma evasão da vida real para uma esfera temporária de atividade comorientação própria [Huizinga, 1938].

Ele se insinua como atividade temporária que possui uma finalidade autônoma,como um intervalo em nossa vida quotidiana. Porém, tem um caminho e um sentidopróprios, início e fim, e é limitado pelo tempo, apesar de poder ser repetido a qualquermomento. Além de todos esses predicados, o jogo cria ordem e é ordem [Huizinga,1938].Ou seja, introduz na confusão da vida e na imperfeição do mundo, uma perfeiçãotemporária e limitada, devido às regras que são estabelecidas. Essas regras deixam de serseparadas do jogo assim que este adquire a existência institucional, passando a fazer partede sua natureza de cultura.

Schiller [ Schiller, 1862] talvez tenha sido o primeiro a salientar a excepcionalimportância do jogo na história da cultura. A avaliação dos recursos disponíveis e ocálculo das eventualidades previstas fazem-se de súbito acompanhar duma outraespeculação, uma espécie de aposta que supõe uma comparação entre o risco aceito e oresultado previsto. E a essência do espírito lúdico é ousar, correr riscos, suportar aincerteza e a tensão.

Considerando estes aspectos podemos definir essencialmente o jogo como sendouma atividade prazerosa, livre, delimitada, incerta, regulamentada e fictícia.

A extensão e variedade infindas dos jogos provocam inicialmente uma certapreocupação em classificá-los segundo algum princípio, haja vista que podem existirvárias classificações concorrentes. Roger Caillois [Caillois, 1958], um dos fundadoresdo “Collège de Sociologie”, numa de suas obras sobre os mitos sociais, propôs a divisãoem quatro classes principais, conforme predomine no jogo o papel de competição: Agôn;da sorte: Alea; do simulacro: Mimicry e da vertigem: Ilynx.

Assim, tanto o futebol quanto o xadrez seriam exemplos de Agôn; o pôquer e aloteria, de Alea. Como exemplo de Mimicry – termo oriundo da língua inglesa e que éusado para designar mimetismo – poderíamos citar a representação do papel de mãe,pelas meninas, nas brincadeiras infantis com bonecas, bem como a representação desuper-herói pelos meninos.Segundo Platão, com meia hora de jogo é possível conhecer-semelhor alguém do que olhando sua vida inteira. Baseada nesta teoria, a PsicologiaIndustrial se vale de uma série de role-playing games, onde são apresentadas situações edistribuídos diversos papéis aos entrevistados, num exemplo típico de Mimecry. E,finalmente, as brincadeiras de rotação rápida ou de queda do corpo, levadas a termo atéatingir-se um estado orgânico de confusão e desordem, seriam exemplos de Ilynx.

De maneira semelhante, Caillois ainda polariza esses quatro componentesprimordiais em dois extremos antagônicos. Um, onde reina um princípio de diversão,turbulência, improviso e fantasia, que ele designa por Paidia, é a manifestaçãoespontânea do instinto do jogo. Outro, onde essa aparente indisciplina alegre é contidapor uma necessidade imperiosa de submeter-se a regras convencionais e até incômodas,exigindo um número crescente de tentativas, de persistência, de habilidade ou de artifício,é denominado de Ludus.

Durante muito tempo o estudo dos jogos limitou-se a ser a história dos brinquedos.Enquanto Huizinga define a tese de que “a cultura é proveniente do jogo”, para Caillois,“o espírito do jogo é essencial à cultura, embora jogos e brinquedos, no decurso dahistória, sejam efetivamente os resíduos dessa cultura”. E, finalmente, a questão de saberquem precedeu quem, o jogo ou a estrutura séria, parece não ter muita importância,embora a pretenção de definir-se uma cultura a partir, simplesmente, de seus jogos seriauma operação arrojada e provavelmente enganadora.

2.2 - A Interação Homem-Computador

Os jogos no computador representam um universo de interação usuário-interfacemuito mais exigente. Enquanto que o usuário de software, em geral, avalia a qualidadeda interface em termos relativos às alternativas que possui para realizar a mesma tarefasem o computador, o jogo deve passar num teste “absoluto”: além de ser funcional e fácilde usar, deve ser “divertido”. Em conseqüência disso, características muitas vezesconsideradas no software geral como “cosméticas”, são essenciais em se tratando dejogos no computador. É o caso do uso de representações gráficas, som e animação, ondea “indireção” do texto roubaria do mesmo clareza e expressão, conforme cita [Crawford,1990 p. ]: Um elemento gráfico é geralmente capaz de expressar um conceitodiretamente, quando um texto fala sobre ele indiretamente.

Intensidade e assimetria da interação são, portanto, o mote no jogo computacional.Usuário e computador devem estar em interação aparentemente contínua, pois o usuárionecessita de resposta num intervalo de tempo que não quebre a concentração nemperturbe a continuidade do jogo. Ao mesmo tempo, a velocidade do computador nãopode inibir o usuário na conquista dos objetivos daquele jogo.

O universo de fantasia próprio do jogo remete-nos, sobretudo no caso do meiocomputacional, ao uso de metáforas. O termo “metáfora” é tradicionalmente associado aouso de linguagem. A metáfora é tão constante em nossa fala e pensamento que se torna“invisível”. Quando queremos veicular um conceito abstrato de uma forma mais familiare acessível freqüentemente usamos expressões metafóricas. Por exemplo, tendemos afalar sobre o “tempo”, que é um conceito muito abstrato, em termos de “dinheiro”,conforme citado em Preece, 1994 [Lakoff e Johnson, 1980]: economizamos, gastamos,perdemos tempo..., damos nosso tempo a alguém. Nossa linguagem como um todo estárepleta desses tipos de abstrações metafóricas. Expressamos o entendimento de idéiasabstratas por representantes concretos dessas idéias: olhando mais de perto o assunto...,lançando uma luz sobre o assunto, vendo o assunto sob nova perspectiva...

Erickson [ Erickson, 1990] define metáfora como um emaranhado invisível determos e associações que é subjacente à maneira como falamos e pensamos sobre umconceito. Funcionam como modelos mentais, permitindo-nos usar conhecimento deobjetos concretos, familiares e experiências anteriores para dar estrutura a conceitosabstratos. É essa estrutura estendida que, segundo o mesmo autor, faz da metáfora parteessencial e poderosa de nosso pensamento.

As características da metáfora em nossa linguagem parecem ser as mesmascaracterísticas que governam seu funcionamento no jogo. Portanto, usamos metáforascomo “modelos” através dos quais podemos dar sentido, falar e refletir sobre conceitosabstratos. O objetivo da metáfora na interface do jogo computacional é, portanto, prover ousuário com um modelo de um sistema subjacente. Erickson (1990) define 5 parâmetrosessenciais à utilidade de uma metáfora no contexto computacional: estrutura (quanto deestrutura a metáfora provê ), aplicabilidade (quanto da metáfora é relevante ao problema),representabilidade (quão fácil de representar no meio computacional é a metáfora),adequabilidade à audiência (quão fácil de ser entendida pelo público alvo) e extensão(quanto de estrutura adicional é possivel estender à mesma). Esses foram os parâmetrosnorteadores de nosso design de A Caça ao Tesouro.

3.0 - O Design de A Caça ao Tesouro

A construção de jogos para utilização na formação de Recursos Humanos é umprocesso complexo e custoso, sendo difícil pesar se é mais uma arte do que uma ciência.O principal atributo de um bem sucedido designer deve ser a habilidade em determinarexatamente as exigências primárias da formação profissional ou do treinamentorequeridos, e então desenhar e desenvolver um jogo que atenda a essas exigências. Istosignifica, em outras palavras, observar macroscopicamente a situação, evitando muitaconcentração em algum aspecto específico, e depois traduzir em regras e ações osconceitos desejados.

A Caça ao Tesouro é um jogo de aventura onde o jogador é o chefe de umaexpedição organizada por ele próprio, para a busca de um lendário tesouro escondido.Existe um contexto e um cenário para os vários elementos e as várias etapas do jogo, quesão usados para representar elementos e situações do processo de manufatura em umafábrica.

Após analisadas situações e metas e o estabelecimento do domínio e dos conceitosque serão cobertos, o próximo passo é o tratamento da realidade através das metáforasconceituais, que originarão as computacionais, quando chegar a fase do uso docomputador. Esta ferramenta tem um potencial tremendo, como se sabe, mas precisa sertratada com cautela, posto que sua utilização em um jogo nem sempre é desejada ou deveser automática. No nosso caso, as possibilidades da simulação, aliadas a um aprendizadoindividual e prazeroso justificaram seu uso.

Neste passo foram mapeados e adaptados alguns conceitos julgados de maiorimportância, possibilitando a criação das metáforas conceituais correspondentes, além dacriação de um modelo que foi julgado bastante adequado para servir de base ao enredo dojogo e às suas correspondentes metáforas computacionais. Dentro da filosofia das"melhorias contínuas" preconizada por Deming [Deming; 1986], o modelocomputacional deve sofrer os aprimoramentos contínuos julgados necessários, apesar denunca serem atingidas a completude ou a perfeição, a exemplo das situaçõesimprevisíveis e eventos conseqüentes que por vezes ocorrem na organização real.

Nosso modelo conceitual de jogo foi baseado em A Meta [Goldratt, Eliyahu M.;Cox, J., 1994] e A Corrida [Goldratt, Eliyahu M.; Fox, Robert E., 1992], duas obras degrande importância em se tratando de gerenciamento de produção e de manufatura.

O primeiro desses dois livros, A Meta, foi escrito em estilo novelesco e retrata umaorganização fabril e a jornada profissional e familiar do gerente-protagonista, em suatentativa de tirar a fábrica da iminência de ser fechada por prejuízos crescentes e de salvarseu emprego e casamento. O protagonista solicita, então, o auxílio de seu antigo professor– um cientista político – que o ensina, de forma eficaz mas quase cruel, a raciocinar eencontrar suas próprias soluções, utilizando vários conceitos de gerência, sobretudoconceitos da Teoria das Restrições e os baseados no Paradigma do Custo, mais voltadopara a área de logística.

Na obra A Corrida, o autor faz uma analogia entre o padrão de vida atual e comoeste pode ser elevado. Segundo ele, no mundo ocidental, sobretudo, o padrão de vida estátendendo a cair e tanto a fonte quanto a solução desse problema estariam no mesmoponto: a manufatura, que vem sendo a maior geradora de riqueza do mundoindustrializado. Muitos são os conceitos que compõem um Sistema Enxuto, seja ele deprodução ou de manufatura. Em nosso trabalho limitaremos a abordagem dos conceitosque julgamos mais interessantes para figurarem no aplicativo computacional, dentro dasnecessidades de uma formação profissional nesse contexto.

A busca de uma solução viável para o design envolveu alguns passos: análise o maiscompleta possível da situação real; definição de uma analogia na qual o problemapudesse ser facilmente expresso; encontro de uma solução ótima dentro da estrutura daanalogia; transferência de tal solução para o ambiente da fábrica e, finalmente,verificação de sua viabilidade, voltando-se aos passos anteriores para implementação dasmelhorias.

Em se tratando do enredo do jogo, o objetivo do usuário – o gerente-protagonista – ésolucionar o dilema da redução do inventário do estoque em processo, sem que sejamafetadas tanto as vendas (ganho) quanto a despesa operacional de uma fábrica demanufatura. Essa situação poderá ser abordada de outra maneira se usarmos uma situaçãometafórica análoga, na qual o problema possa ser expresso.

Para tanto, mapeamos os conceitos que seriam abordados pelo aplicativo e, emseguida, traçamos um paralelo entre a realidade e a ficção, paralelo este que resultou emuma metáfora conceitual. Em seguida, algumas metáforas conceituais sofreramadequações, ajustes e acréscimos, para que propiciassem o design e a implementação deum ambiente baseado em um jogo-exemplificação, que foi denominado A Caça aoTesouro.

Como metáfora conceitual podemos entender um conjunto de analogias quepermitem que, tanto o problema real da manufatura quanto os conceitos que se desejaabordar, possam ser expressos em seus mais importantes aspectos, causas econsequências, sem perda desses fatores quando da transposição de seu senso real para ofigurado. De posse do modelo conceitual julgado adequado, buscamos uma metáforacomputacional – a conceitual implementada no computador – conforme veremos naTabela 1, a seguir:

TABELA 1: MAPEAMENTO DAS METÁFORAS METÁFORA CONCEITUAL METÁFORA COMPUTACIONAL

- A busca constante e árdua em seatingir a meta de qualquer organização fabril

- Representada no jogo pela metáfora-título ACaça Ao Tesouro, uma expedição em busca de umlendário tesouro

- O ganho é a meta de uma organização - Representado no jogo pelo baú do tesouro,conquistá-lo significa atingir a meta

- Uma medida do ganho - O tempo ótimo de percurso até chegar-se aotesouro

- O sistema de produção - Será representado pelo usuário, pelosexpedicionários e seus equipamentos e pela água

- O gerente de uma fábrica, quecoordena os recursos disponíveis a fim deque a meta seja atingida

- Será representado pelo usuário

- A célula de trabalho, que é um eventodependente num sistema de produção

-Um expedicionário

- A manutenção do maquinário - A água que enche os cantis- A sobrecarga em uma célula fabril - Uma mochila e seu conteúdo- O programa de manutenção

preventiva de máquinas- Os cantis

- Um limitador do inventário - A corda- O recebimento de matéria-prima - Primeiros passos do primeiro expedicionário

ao iniciar a caminhada- A expedição do produto final - A chegada ao tôpo do último dos

expedicionários- Cada operação do processo

produtivo- O caminhar de cada expedicionário

- A despesa operacional, ou seja,qualquer atributo que transforme o inventátio

- Equipamentos, suprimentos e energia gastapara os expedicionários percorrerem toda a caminhada

em ganho- O inventário de materiais em

processo- O intervalo entre os expedicionários durante as

caminhadas- O aumento desse inventário - O aumento do intervalo entre os

expedicionários- O potencial máximo de um recurso,

quando este é atingido- A circunstância de algum expedicionário ficar

para trás durante o percurso- Uma célula de trabalho que tenha

parado de trabalhar por uma pane numamáquina ou escassez de um recurso, ou seja,quando um potencial máximo é atingido enão há recurso extra para suplementá-lo

- A morte de um expedicionário;

- A manutenção corretiva em umacélula ou máquina

- A troca de lugar entre expedicionários na fila

Vários foram os elementos de jogo utilizados e esses foram classificados em grupos( clicáveis e não-clicáveis) e sub-classificados em níveis. Classificamos de elementosclicáveis aqueles elementos que, através de um único ou um duplo clic com o botãoesquerdo do mouse sobre os mesmos, são capazes de fazer com que o aplicativo produzaações, sejam estas de seleção, de mudança de tela, de comandos operacionais, ou outras.Esses elementos terão duas formas pictóricas básicas: ícone ou figura. Tambémenglobamos esses elementos clicáveis em níveis funcionais de magnitude de atuação econseqüências similares, para facilitar a compreensão e o manuseio. São estes os níveis:Elementares, Contenedores, Informativos, Cenográficos e Funcionais.

1. - Elementos de Primeiro Nível ou Elementares: EXPEDICIONÁRIO,MOCHILA, CORDA, PÁ, PICARETA, BÚSSOLA, LANTERNA

2. - Elementos de Segundo Nível ou Contenedores: BARRIL, RESERVATÓRIO,CANTIL

3. - Elementos de Terceiro Nível ou Informativos: SACO DE DINHEIRO,DIÁRIO, MAPA, INDICADOR DE TEMPO

4. - Elementos de Quarto Nível ou Cenográficos: RUA, LOJA, BAR,ESCRITÓRIO, PLACA DE LIMITE DE VILA, PORTA DO ESCRITÓRIO, PORTADO ALOJAMENTO, PORTA DE SAÍDA, FENDA NO MONTE

5. - Elementos de Quinto Nível ou Funcionais: INÍCIO, SAÍDA, RETORNO,AJUDA, MÓDULO ESTRATÉGICO, SALVAR.

Na categoria dos elementos não-clicáveis, destacamos os elementos de nívelmeramente informativo, que são a CAIXA REGISTRADORA e a BALANÇA.

Para criarmos o aplicativo, utilizamos a seguinte tecnologia de implementação: trêsmicrocomputadores em fases diferentes da implementação, sendo um com processadorPentium Intel, clock de 60 Mhz e 32 Mb de RAM; outro com processador Pentium Intel,clock de 166 Mhz e 64 Mb de RAM e um terceiro, com processador Pentium Pro Intel,clock de 200 Mhz e 64 Mb de RAM, além de um Scanner SCANJET HP 4T. O softwareutilizado como ferramenta de desenvolvimento foi o Multimedia Toolbook 4.0 forWindows, da Asymetrix Corporation [AC; 1991], auxiliado pelo 3D-Studio Max 1.1, daKinetix Co., para a confecção de telas, objetos e aplicação de texturas e de animações.

Quanto às telas, a resolução utilizada foi de 800 x 600 pontos e 65K-cores. Devidoao tamanho dos arquivos, foi necessário armazenar inicialmente as estruturas, cenas escripts em disco de Zip Drive. Após concluída a versão alfa, já incluída aí a trilha sonora,que foi composta por excertos de músicas clássicas de domínio público, essa versão serágravada em CD-ROM.

3.1 - Exemplificação de Aspectos Funcionais do Jogo

Utilizando o Windows for Workgroups versão 3.11 como plataforma, o aplicativopode ser executado a partir da tela do Gerenciador de Programas, bastando que o íconecorrespondente ao mesmo seja duplamente clicado. No caso da versão 95, basta clicar-sesobre o ícone Iniciar da Barra de Tarefas e selecionar-se a opção Programas. Emseguida, clicar-se o ícone correspondente ao jogo. Quando isso é feito, aparece a primeiradas telas do Módulo de Apresentação. Convém ressaltar que todas as telas do aplicativosão full-screen.

O jogo foi dividido em dois módulos: o Módulo de Apresentação, que contém aabertura e a apresentação da estória, ou seja, situa o contexto em que se desenrolam asações e também as instruções preliminares de jogo; e o Módulo Estratégico, que contémo jogo em si. Essa modularidade buscou, dentre outros objetivos, possibilitar que umusuário já familiarizado com o jogo possa optar por não executar o Módulo deApresentação – de média duração – passando direto das primeiras telas ao MóduloEstratégico, reduzindo o tempo de utilização de máquina e, conseqüentemente, detreinamento.

A seguir, serão exibidas algumas telas do aplicativo..

Figura 1: Tela do Módulo de Apresentação

A figura 1 nos mostra uma das telas do Módulo de Apresentação, com uma cenaambientada num pátio interno de um Mosteiro, tendo em primeiro plano uma colunasobre a qual se encontra o livro que conta a estória e o enredo do Jogo.

Figura 2: Tela do Módulo de Apresentação

A figura 2 exibe outra tela do Módulo de Apresentação, com visão da Biblioteca damansão da família Manager e do deslocamento do quadro onde se ocultava o livro antigoque contém o mapa.

Figura 3: Tela do Bar

A figura 3 mostra o interior do Bar, onde são contratados expedicionários eadquirida a água, contida no barril. Nesta cena, também se encontra a máquinaregistradora, em cujo visor é exibido o custo da última aquisição ou contratação. Do ladoesquerdo da tela, observa-se os quatro elementos de terceiro nível ou informativos, decima para baixo: o diário, o mapa, o saco de dinheiro e o indicador de tempo.

Figura 4: Tela do Alojamento

Na figura 4 é mostrada a Tela do Alojamento, onde os recursoscontratados/adquiridos no Bar e na Loja são disponibilizados e devem serotimizados pelo usuário, antes da caminhada seguinte. Estão presentes osElementos Informativos à esquerda da tela. Nas prateleiras estão disponíveis oselementos contratados/adquiridos, com a exibição das quantidades adquiridas eremanescentes e em baixo, a disposição dos mesmos, de acordo com a otimizaçãopretendida pelo usuário.

Figura 5: Tela do 3º trecho de caminhada

A figura 5 nos mostra uma tomada do terceiro e último trecho de caminhada, asubida do Monte Ganho. Esta tela, animada, possui pontos coloridos em movimento, querepresentam os expedicionários caminhando dispostos em fila, conforme posiçãoestabelecida pelo usuário na parada anterior.

4.0 - A Caça ao Tesouro Sob o Ponto-de-Vista Lúdico

Numa tentativa de classificarmos nosso aplicativo segundo as idéias de Caillois,poderíamos chegar à conclusão que ele possui uma tendência à atração e à união de maisde um aspecto predominante. Agôn é facilmente identificável como sendo opreponderante. Todavia, em uma análise mais acurada, podem ser percebidossecundariamente os aspectos Mimicry e Alea, com nuances ora de Paidia, ora de Ludus.

Agôn, porque A Caça ao Tesouro aparece sob a forma de uma competição entre ojogador e as limitações do jogo, ou seja, como um combate em que se tenta criarartificialmente a igualdade de oportunidades para que os jogadores se defrontem emsituações ideais, apesar de não jogarem ao mesmo tempo ou um contra o outro. Trata-sede uma rivalidade bastante rica, porquanto baseada em algumas qualidades concorrentes,tais como: rapidez, memória, habilidade, engenho, etc., excedendo-se em alguns limites esem nenhum auxílio exterior, quer sejam disputadas entre um número definido ouindefinido de competidores. Daí, a prática de Agôn supor uma atenção persistente, um

treino apropriado, esforços assíduos e vontade de vencer, apresentando-se como a formapura do mérito pessoal e servindo para manifestá-lo.

Alea, nome latino para um jogo de dados, encerra em sua essência um componentede oposição a Agôn, numa decisão que não depende do jogador e numa dada situação emque ele precisa mais vencer um destino do que outro jogador ou, no nosso caso, osdesafios impostos pelo aplicativo. Exemplo dessa rubrica em nosso jogo é a chance de ojogador atingir o topo do Monte Ganho antes do tempo se esgotar e com os recursosotimizados logo na primeira ou segunda jogadas. Este resultado seria esperado tãosomente após um considerável número de jogadas conscientes. Do contrário, seria mais ainfluência do componente sorte do que da habilidade ou da competência, sendoeliminados os valores profissional, da qualificação, da responsabilidade individual, dapaciência e do trabalho.

Na Caça ao Tesouro, a combinação de Alea e Agôn, embora traduzam atitudesopostas e de certa forma simétricas, obedecem à mesma lei: a criação artificial dascondições de igualdade quase que absoluta entre os jogadores, o que a realidade de vidarecusa aos mesmos. A fuga desse absolutismo, todavia, é um trunfo, pois para um mesmojogador, esses pequenos desvios e sutilezas entre jogadas emprestam um desafio maior àempreitada.

Podemos perceber a presença de Mimecry quando o usuário é convocado a assumiro papel do protagonista da estória e chefe da expedição, Tom Manager. Os esforços vãona direção de que o usuário aceite temporariamente a ilusão, requerendo uma dose deempatia e imersão no contexto da estória. Então o jogo poderá consistir não na realizaçãode uma atividade ou na assunção de um destino num lugar fictício, mas sobretudo, naencarnação de um personagem ilusório e na adoção do respectivo comportamentoesperado.

A vertigem não é observada em A Caça ao Tesouro porque a mesma não poderiasujeitar-se a uma rivalidade pautada em regras, sem que logo as adulterasse. Issodestruiria as circunstâncias que definem Agôn: o recurso eficaz à destreza, à força, aocálculo; o autodomínio; o respeito pela regra; o desejo de medir forças em condições deigualdade; a prévia submissão à sentença de um árbitro; a obrigatoriedade decircunscrever-se a luta dentro de limites convencionados, para ficarmos somente nessesaspectos. Além disso, o fato de se estar em frente a uma máquina, em comportamentofisicamente quase passivo, embora mentalmente ativo, reduziria a componente liberdadee em certo nível, o descontrole, tão necessários em Ilynx.

Nosso aplicativo consegue congregar todos esses aspectos, além da componenteligada ao aprendizado: ao fugir-se da realidade fabril com o uso de metáforas, o usuário éinduzido a raciocinar entre o real e o fictício, apoiado por uma ferramenta poderosa demodelagem e simulação dessa realidade fabril, agora transposta para uma expedição embusca de um tesouro perdido, inserida em um contexto de fantasia e mistério.

5.0 - Discussão e Conclusões

Por uma série de circunstâncias, produção enxuta no país ainda soa quase queexclusivamente como redução de custos de mão-de-obra, acarretando incremento no nível

de desemprego. A política governamental desta última década, nas pretensas e mal-sucedidas tentativas de conter a espiral inflacionária e de colocar a nação nos rumos dodesenvolvimento, ajudou a enegrecer ainda mais nosso cenário industrial. Isso sem falarno baixíssimo índice de investimento em treinamento de nossas Organizações, quergovernamentais, quer privadas, nos três segmentos da Economia: agrícola, industrial ecomercial.

Quando foi apresentada a versão Alfa do aplicativo para um grupo de professores-pesquisadores em Informática na Educação filiados ao Núcleo de Informática Aplicada ÀEducação - NIED da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, fomossurpreendidos por algumas colocações que buscavam uma correção política para umasérie de ingênuas coincidências, como por exemplo, o fato de o expedicionário gordo ebaixo (que poderia representar um estorvo numa caminhada, por possuir uma conjunçãode características físicas menos favorecidas, apesar de ser mais barata sua contratação)possuir também a tez negra; e o fato de que não haviam expedicionários do sexofeminino.

Essas colocações foram conceituadas como ingênuas coincidências, posto que nãoforam propositais e nem eram esperadas reações desse tipo por parte do público usuário.Quando da criação das figuras, cujo intuito – esse sim premeditado – foi atribuir umacerta graça aos elementos através da caricatura de personagens totalmente fictícios, nãohouve de nossa parte uma preocupação exagerada com o “politicamente correto”.Todavia algumas mudanças nesse sentido foram feitas, antes da “prensagem” da versãofinal do aplicativo.

Concluindo este trabalho, esperamos que a formação profissional e/ou o treinamentono âmbito industrial possam ser bastante beneficiados com o uso de jogos interativos queutilizam "metáforas representativas" da realidade fabril, uma vez que esses possibilitam,de certa forma, a simulação lúdica da manufatura, sendo mais agradável e possivelmentemais eficaz o aprendizado de conceitos inerentes à mesma.

Era pretensão, a priori, criar condições para reflexão e para uma mudança namentalidade do público-alvo obtendo-se, com isto, a conseqüente melhoria de seudesempenho, ao sensibilizá-lo para a necessidade de otimização e incremento daqualidade dos processos reais sob sua responsabilidade e execução.

Além disso, pretendíamos possibilitar o desenvolvimento da capacidade dos usuáriosautocriticarem sua "performance", quer durante o uso do computador, quer nocumprimento de suas rotinas de trabalho diário. Outro objetivo era o de propiciar adesmistificação do uso do computador por esse segmento profissional, possibilitando amaior popularização de algumas obras musicais clássicas, escolhidas dentre tantas, paracomporem a trilha-sonora do aplicativo. Como não fez parte do escopo do projeto ostestes e a avaliação do software, estes itens serão objeto de discussão futura.

É preponderante que os organismos responsáveis pela Formação (com letramaiúscula!) do indivíduo, desde o lar até a formação profissional – incluindo-se aí e asescolas – sofram uma reformulação completa, de estrutura e de enfoque.

A modernização dos Ensinos Fundamental e Técnico passa pela formação etreinamento de professores e facilitadores. Assim, os ambientes computacionais –sobretudo os baseados em jogos – podem vir a ser uma poderosa ferramenta lúdica deaplicação prática de todo um arcabouço teórico, possibilitando aos usuários a tão

necessária otimização de sua Educação, ao complementarem sua formação acadêmica eprofissional.

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