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Set. 2016 LaJed oS revista espeleológica nordestina ISSN 1984-2155 Fundada em 2008 Edição 6 Volume 4 I Número 1 www.espeleonordeste.org III ENE: IRAQUARA 2016 - BIOLOGIA SUBTERRÂNEA POTIGUAR CARBURETEIRAS NA AMÉRICA DO NORTE - CARSTE DE SERGIPE ESPELEOAMIGOS: CAMPO FORMOSO 2016

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Set. 2016

LaJed oSrevista espeleológica nordestina

ISSN 1984-2155Fundada em 2008

Edição 6

Volume 4 I Número 1www.espeleonordeste.org

III ENE: IRAQUARA 2016 - BIOLOGIA SUBTERRÂNEA POTIGUAR

CARBURETEIRAS NA AMÉRICA DO NORTE - CARSTE DE SERGIPE

ESPELEOAMIGOS: CAMPO FORMOSO 2016

Revista Lajedos I Set. 2016 I www.espeleonordeste.org

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O caminho de consolidação regional da Espeleolo-gia é tarefa árdua e que só pode ser imaginado em longo prazo, com muita energia e planejamento.

O Nordeste brasileiro, mesmo aqui se situando algumas das mais revelevantes cavernas do país, em termos históricos, sempre mostrou indicadores espeleológicos bem abaixo de seu potencial natural. Poucos e dispersos grupos, baixo interesse pelo aprimoramento da técnica, inexpressiva inte-ração intrarregional, ausência de projetos contínuos ou am-biciosos envolvendo as grandes áreas cársticas são alguns – dos tantos – fatores que culminaram numa Espeleologia nordestina sem qualquer relevância ao cenário nacional. Como reverter esse quadro? Àqueles que lutam em defesa do fortalecimento da “Espeleonordeste”, talvez, a resposa seja muito simples: “não desanimar, jamais!” As-sim, assumir os erros individuais e coletivos, as omissões, os despreparos e, acima de tudo, arregimentar pessoas e pulverizar germes da Espeleo é um ponto de partida, pois esse é o caminho mais certeiro, quando se sabe que não há avanço sem autocrítica, determinação e pessoas motivadas. Após um longo período de “estiagem editorial”, a re-vista Lajedos lança uma nova edição. Estávamos hibernan-do. Pensando. Refletindo. Porém sempre tralhando, mesmo quando reclusos em nossos próprios mundinhos. Porém o mundo de um caverneiro nunca deve ser fechado, nunca deve ser pequeno. Voltamos porque era hora de voltar!

EditorialAntigas Luzes e Novos Caminhos

Lajedos é uma publicação eletrônica, criada em abril de 2008, à divulgação e preservação do patrimônio espeleológico e do carste. É mantida pela ação voluntária de colaborado-res. A opinião dos autores não reflete as posi-ções da publicação ou dos parceiros. Proibido o uso desta publicação para fins comerciais, sendo livre a divulgação, desde que de citada a fonte. A violação dos direitos de autor é crime prevista no artigo 184 do Código Penal Brasi-leiro. Leia, critique, elogie, participe!

LAJEDOSRevista espeleológica nordestinaISSN [email protected]

Comissão Editorial:Christiane Ramos Donato (Biologia)Daivisson Batista Santos (Arqueologia)David C. Cardoso da Silva (Prospecção e Topografia)Heleno dos Santos Macedo (Geomorfologia)Mário André Trindade Dantas (Paleontologia)Solon R. de Almeida Netto (Fotografia)

EditorialPág. 03III ENE: O Brasil invade IraquaraPor Claudia Sousa Lima MattediPág. 04Biologia Subterrânea PotiguarPor Jan Pierre Martins de Araújo, Marcelo A. F. Kramer, Gustavo Henrique N. Basílio e Alyne de Oliveira AmorimPág. 14Luzes do CarburetoPor Solon R. Almeida NettoPág. 24Ambientes Cársticos em SergipePor Heleno dos S. Macedo, David C. Cardoso da Silva, Hélio M. Araújo e Rafael M. Sousa.Pág. 42Espeleoamigos 2016Por Ericson B. Oliveira e Tereza R. B. R. e SilvaPág. 56Notas e ReferênciasPág. 62

Capa: Lapa Doce, Iraquara/BA - Brasil.Imagem vencedora do Concurso Cultural Na-tional Geographic Brasil, publicada na edição de ago./2016, autor Solon Almeida Netto, feita durante o III ENE. No alto da página, os participantes do mesmo evento, em imagem do mesmo autor. Na página seguinte, dese-nho de uma carbureteira Baldwin, reproduzi-da a partir de Clemmer, 1987.

Lajedos I Set. 2016 I Volume 4 I Número 1 I Edição 6 I www.espeleonordeste.org

Pela Comissão Editorial,Solon R. Almeida Netto

Revista Lajedos I Set. 2016 I www.espeleonordeste.orgIII Encontro Nordestino de Espeleologia

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III Encontro Nordestino de Espeleologia:O Brasil invade IraquaraTextoClaudia Sousa Lima MattediSociedade Baiana de EspeleologiaCoordenadora geral do III ENE

FotosSolon R. Almeida NettoGrupo Bambuí de Pesquisas EspeleológicasSociedade Nordestina de EspeleologiaFernando AndradeGrupo Mundo Subterrâneo de Espeleologia

O grupo folclórico Terno de Reis e Reisados, importante manifestação cultural de Iraquara/BA, foi a atra-ção que abriu o III ENE, com uma apresentação na Câmara de Verea-dores, mostrando aspectos da rica tradição popular regional, repleta de histórias, cores e músicas. (Ima-gem de Fernando Andrade).

E m termos realistas, a Espeleologia sediada no Nordeste, nunca teve um papel relevante no cenário na-

cional, mesmo estando nessa região situa-das algumas das mais expressivas cavernas brasileiras e, por que não dizer, de todo o Hemisfério Sul. Porém, a atividade dos grupos nordestinos vem demonstrando, nos últimos anos, nítidos sinais de reestrutu-ração, por indicadores objetivos, como o crescimento da quantidade de associações, associados, pesquisadores universitários e, especialmente, eventos voltados a reunir não somente os praticantes da atividade, mas, especialmente, fomentar o debate com a sociedade no plano nacional. Nessa linha, foi realizado na Chapa-da Diamantina, em um dos polos caverní-colas mais expressivos do Brasil, o municí-pio de Iraquara/BA, no período de 20 a 22 de maio de 2016, o III Encontro Nordesti-no de Espeleologia, que foi prestigiado por 112 inscritos, dentre os quais estavam al-guns dos mais importantes atores do cená-rio espeleológico nacional, havendo forte

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representação não somente dos agrupamen-tos locais, mas, igualmente, de associações tradicionais como o Bambuí, de Minas Ge-rais, ou o Pierre Martin, de São Paulo, além de participantes individuais de vários outros estados, como Rio de Janeiro e Pará. O Encontro Nordestino é um evento realizado pela Sociedade Brasileira de Es-peleologia - SBE, com a organização local de grupos voluntários, modelo que vem sendo fomentado pela SBE em todo o país. Normalmente, esse tipo de reunião é pro-movida nos anos em que não há Congresso Brasileiro de Espeleologia, como uma for-ma de congregar a comunidade e manter os vínculos regionais. No caso da edição de Iraquara 2016, destacou-se um evento que superou as expectativas, por haver atraído gente de todo o Brasil, especialmente porque a Chapada Diamantina apresenta alguns dos mais conhecidos sistemas es-peleológicos brasileiros e é pesquisada por acadêmicos de todos os cantos do país. A etapa pré-congresso não recebeu muitos participantes, mas, em resumo, foi interessante para afinar o debate entre al-guns vetores regionais – especialmente os baianos, sergipanos e potiguares –, e dis-cutir as perspectivas de trabalhos ao biênio 2016-2017, com ações para o fortalecimen-to da Espeleologia regional. A iniciativa é importante, pois mesmo a Chapada Dia-

O pré-congresso do III ENE foi marcado por visitas a algumas das principais cavernas da região, como Lapa Doce (abaixo), Fuma-ça, Pratinha e Torrinha. As ativi-dades desenvolvidas procuraram familiarizar os caverneiros com os sistemas da região e discutir pers-pectivas de trabalhos integrados durante o biênio 2016-2017. (Ima-gens de S. Almeida Netto).

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mantina recebendo forte fluxo de turistas interessados em suas grutas, a compreensão do valor desses locais pelos moradores ainda se mostra distante da realidade. Por tudo isso, faz-se necessário discutir mais a Espeleologia com a comunidade, sensibili-zando a todos acerca das particularidades e fragilidades do ambiente cárstico, além de aumentar o volume dos trabalhos. A programação do III Encontro foi marcada por homenagens e palestras que, resumidamente, detalharam o que vem sen-do feito na Chapada Diamantina, nos últi-mos 30 anos, em termos espeleológicos. A abertura do evento foi feita pela professora Maria Elina Bichuette, da Universidade Federal de São Carlos, que fez uma fala inaugural demonstrando a biodiversidade subterrânea da área. Marcaram, ainda, apre-sentações com a de Ezio Rubbioli, do Gru-po Bambuí, que expôs de forma direta e di-dática, dados reunidos ao longo de décadas sobre a distribuição de cavernas na Chapa-da e o modo qual evoluíram os mapeamen-tos dos condutos. Outros pesquisadores, como Murilo Valle e Fernando Laureano, também contribuíram aos debates. Oriun-dos de instituições de pesquisa da região, os professores Ricardo Fraga, Christiane Ramos Donato e Carlos Etchevarne tam-bém fizeram ricas apresentações.

A programação do III ENE procurou valorizar o conhecimento espeleológico sobre a região da Chapada Diamantina. Na abertura, houve a apresentação de grupos culturais locais (alto, à esquerda), favorecendo a integração dos inscritos praticantes da Espeleologia com a comunidade, através do envolvimento dos voluntários nos trabalhos do evento. Marcou o ENE a divulgação do trabalho do professor Carlos Etchevarne, com a entrega de livros sobre a arqueologia da região (abaixo, à direita). (Imagens de S. Almeida Netto).

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A palestra inaugural do III ENE foi feita pela professora Maria Elina Bichuette, que há décadas pesquisa a Biologia Subterrânea da Chapada Diamantina (alto, à esquerda). Na sequência, o professor Carlos Etchevarne fez uma exposição sobre a Arqueologia da região (alto, à direta). Também apresentaram valiosas informações sobre a diversidade espeleológi-ca os acadêmicos Murilo Valle (abaixo, à esquerda) e Christiane Ramos Donato (abaixo, à direita). (Imagens de S. Almeida Netto).

A diversidade dos palestrantes contemplou desde acadêmicos com longa história de pesquisa ligada à Chapada Diamantina, como Ricardo Fraga (alto, à esquerda) e Fernando Laureano (abaixo, à esquerda), até a fala de Ezio Rubbioli, que fez uma exposição sobre mais de três décadas de atuação dos grupos espeleológicos na região (alto, à direita). Marcelo Rasteiro, presidente da SBE, destacou a importância das cavernas à conservação ambiental (abaixo, à direita). (Imagens de S. Almeida Netto).

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O encontro de Iraquara, cujo tema foi “Turismo e Paisagens Cársticas” contri-buiu de forma inquestionável não somente para reunir a comunidade espeleológica, mas foi de suma importância para agre-gar instituições e pessoas fundamentais ao aproveitamento sustentável das cavernas, possibilitando parear discussões entre os ambientalistas, o Ministério Público da Bahia, os cientistas nacionais e a classe empresarial, que, há décadas, remodelou a economia da região, alçando o turismo ao forte componente econômico local. Pensado como um evento para cele-brar amizades e parcerias, a missão extra-polou as barreiras do Nordeste e catalisou novas possibilidades de trabalhos e de dis-cussões às melhores formas de proveito do grande patrimônio espeleológico que há na Chapada Diamantina. Um dos principais resultados diretos e concretos do encontro, foi a formação de um grupo de trabalho que desenvolverá ações, já a partir do segundo semestre de 2016, na região. São esperadas, dessas atividades, a integração de grupos espeleológicos de várias partes do país, re-tificação de bases de dados, prospecção de novas áreas, com o incremento do conheci-mento sobre as cavernas da Chapada, além da produção de mais pesquisa científica, já que há acadêmicos de vários centros uni-versitários engajados na iniciativa.

A última manifestação do evento foi marcante, por ter sido feita pela representante do Minis-tério Público da Bahia, órgão que, nos últimos anos, vem acompanhando de perto a observân-cia da legislação ambiental, para manutenção do equilíbrio ambiental da Chapada Diaman-tina. As considerações foram feitas pela Pro-motora de Justiça Luciana Khoury, que traçou um panorama geral da legislação ambiental e demonstrou como a atuação das autoridades do Ministério Público estão sendo pautadas pela lei. Oportunidades desse tipo são alto valor para alinhar os interesses de vários vetores da socie-dade, como ambientalistas, empresários e auto-ridades. (Imagem de S. Almeida Netto).

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Biologia Subterrânea Potiguar:Uma análise do que se sabe até hojeTextoJan Pierre Martins de AraújoGrupo Bambuí de Pesquisas EspeleológicasSociedade Nordestina de EspeleologiaGustavo Henrique Nunes BasílioSociedade Nordestina de EspeleologiaMarcelo Augusto de Freitas KramerSociedade Nordestina de EspeleologiaEast Tennessee State UniversityAlyne de Oliveira AmorimSociedade Nordestina de Espeleologia

FotosSolon R. Almeida NettoGrupo Bambuí de Pesquisas EspeleológicasSociedade Nordestina de Espeleologia

Em termos quantitativos ou núme-ro de registros, o Rio Grande do Norte compreende o quarto maior

patrimônio espeleológico do Brasil, ficando atrás apenas dos estados de Minas Gerais, do Pará e da Bahia. A descoberta desse vas-to patrimônio deve-se, primeiramente, aos grupos de Espeleologia, que desde o século passado vêm investindo tempo e recursos na exploração das cavernas potiguares. Em segundo (e não menos importante), ao Cen-tro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas - CECAV, que através de sua base de pesquisa avançada, contribuiu significa-tivamente para o avanço do conhecimento espeleológico na região. No entanto, se existiu um expres-sivo volume de trabalhos amparando o conhecimento abiótico do meio, inver-samente, muito pouco se fez para com-preender as dinâmicas ecológicas desses ambientes, podendo-se dizer que apenas uma pequena fração de todo o esforço vol-tado à prospecção e topografia foi direcio-nada à biologia subterrânea.

As pesquisas envolvendo a biota do meio cavernícola ainda têm muito a descobrir nas grutas do Rio Grande do Norte. Ao lado, concentrações de raízes servem de abrigo a centenas de seres milimétricos, no interior da gruta dos Crotes, em Felipe Guerra/RN.

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Em termos gerais, os estudos sobre a biota cavernícola brasileira só avançaram a partir da década de 1980, com pesquisas na Bahia, em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, no Paraná, Mato Grosso e, de modo menos intenso, no Ceará. No Rio Grande do Norte, a temática é muito recente, se comparada a out-ras regiões, havendo sido inaugurada por um relatório técnico feito pelo CECAV (quando ainda integrava o IBAMA), apresentando o título: “Relatório de levantamento da fauna de invertebrados e caracterização bioespe-leológica no carste de Felipe Guerra - RN”, feito por Silva (2006). Posteriormente, Kramer (2008a) fez uma avaliação da biota endocárstica do Laje-do do Rosário, em Felipe Guerra, intitulada “Bioespeleologia no Lajedo do Rosário”, sendo o resultado de uma expedição da So-ciedade Espeleológica Potiguar – SEP. No mesmo ano, ainda em expedição com a SEP, abordou, de forma simplória, os aspectos faunísticos da gruta da Caridade, uma das mais importantes feições cársticas do estado (Kramer, 2008b). O autor também realizou uma análise da composição filogenética de comunidades de “arqueas” no solo da caverna (Kramer, 2009). Dois anos depois, Ferreira et al., (2010) realizaram o, até en-tão, mais abrangente estudo sobre a biota cavernícola do estado, “Fauna subterrânea do estado do Rio Grande do Norte: carac-

Aranhas são alguns dos animais mais comuns nas cavernas, sendo essenciais ao equilíbrio ecológico do meio. A maio-ria delas não oferece risco ao ser hu-mano, como a espécie vista na imagem, Mesabolivar sp (Araneae: Polcidae), com sua ooteca, a estrutura que abriga os ovos em estado de maturação.

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Espécies de amblipígios são comuns nas cavernas do oeste do Rio Grande do Norte. Destacam-se duas: Trichodamon sp (Amblypygi: Phrynichidae) (acima, à esquerda) e Charinus sp (Amblypygi: Cha-rinidae) (acima, à direita). Também são comuns Opiliones (centro, à esquerda). Eventualmente, podem ser vistos roedores, Monodelphis sp (Didelphirmophia: Didelphidae) (centro, à direita). Dentre as serpentes, é comum a Bothrops sp (Squamata: Viperidae) (abaixo, à esquerda). Em algumas cavernas, pelas particularidades do meio hipógeo, podem ser vistos animais com traços de troglomorfismo, (Zygentoma: Nicoletiidae) (abaixo, à direita).

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terização e impactos”, sendo esse trabalho compreendido por um levantamento das características biológicas, tróficas, físicas e de uso antrópico de 17 cavernas nos mu-nicípios de Apodi, Felipe Guerra, Baraúna, Pedra Grande, Jucurutu, Martins, Jandaíra e Governador Dix-Sept Rosado, abrangendo as quatro províncias espeleológicas do esta-do. Após, Bento (2011), em Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal do RN, abordou a diversidade de invertebrados em cavernas calcárias do oeste potiguar e determinou áreas prioritárias para a conservação do patrimônio espeleológico do RN e do Bioma Caatinga. A pesquisa in-ventariou 40 grutas nos municípios de Apodi, Mossoró, Baraúna, Governador Dix-Sept Ro-sado e Felipe Guerra. Mesmo com tal pequeno volume de pesquisas, vieram as primeiras descobertas: Vasconcelos e colaboradores (2013) identi-ficaram uma nova espécie ao gênero Chari-nus, o Charinus potiguara, um Amblypy-gi da família Charinidae que ocorre em cavernas no oeste do Rio Grande do Norte. Analisando esse conjunto, desde os levantamentos de fauna que objetivam en-tender as dinâmicas ecológicas dos ambi-entes subterrâneos, até as publicações sobre os achados de novas espécies, esses estudos possuem o mesmo elo: o conhecimento

Normalmente, zonas de entrada e folhiços carreados à penumbra es-condem muitos seres como aranhas (Araneae: Nemesiidae) (no alto, à esquerda), Olios sp (Araneae: Sparassidae) (no alto, à direita) e (Ara-neae: Ctenidae) (abaixo, à direita). Já os escorpiões, podem ser encon-trados caçando por múltiplos tipos de ambientes das grutas, como o Tityus sp (Scorpiones: Buthidae) (abaixo, à esquerda).

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sobre a biota e suas interações com meio cavernícola é incipiente e que, ainda mais, o desconhecido patrimônio espeleológico do Rio Grande do Norte impõe a conser-vação do ambiente cárstico. Nessa linha, amparados em dados semelhantes, Bento et al. (2015) propuseram em seu trabalho a criação de unidade de conservação denomi-nada “APA Pedra de Abelha”, na maior con-centração de cavernas do estado. Ainda há vasto caminho a ser percor-rido à conservação do patrimônio potiguar. Se comparado a outros estados brasileiros, o RN está atrasado em conhecimento so-bre a vida do meio hipógeo. Na verdade, pode-se dizer que a carência de estudos nas cavernas do Nordeste brasileiro é muito alta e, concomitantemente, o Bioma Caat-inga segue sendo um dos menos conheci-dos. Hoje, grupos como a Sociedade Espe-leológica Potiguar, fomentam a pesquisa e disseminação dos conhecimentos sobre as grutas da região. Além disso, outras insti-tuições, como a Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Universi-dade Federal de Lavras – UFLA, Universi-dade Federal de Sergipe – UFS e o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas – CECAV/ICMBio têm desem-penhado importante papel para o conheci-mento e a conservação das cavernas do Rio Grande do Norte e de todo o Nordeste.

Nem sempre a biodiversidade dos ambientes cavernícolas é evidente. Vários animais apresentam tamanho tão diminuto, que é preciso paciência e disci-plina dos pesquisadores (à esquerda) para visualizá-los, como ocorre com o Pseudoescorpiones, que mede menos de 1,5mm de comprimento (à direita).

Trabalhos sobre a micobiota cavernícola são limitados, especialmente no Rio Grande do Norte, o que torna importante a realização de pesquisas sobre microbiologia subterrâ-nea para avaliar como se inserem esses mi-crorganismos na manutenção do ecossistema cavernícola. Taylor et al., 2009 realizaram um trabalho pioneiro relacionado à micobiota cavernícola potiguar, o qual se intitula “ Le-vantamento e distribuição mínima de fungos filamentosos em cavernas da caatinga brasilei-ra”, em que onde os gêneros Aspergillus e Pe-nicillium apresentaram melhor distribuição nas cavernas amostradas: gruta da Rainha (Felipe Guerra, RN), Furna Feia (Baraúnas, RN), Labirinto do Angico (Governador Dix--sept Rosado, RN), gruta do Guano (Pedra Grande, RN) e Casa de Pedra (Jucurutu, RN). Dias et al., 2007 objetivaram isolar e ca-racterizar bactérias em cavernas da caatinga brasileira, conseguindo isolar 10 espécies do gênero Staphylococcus e 1 espécie do gênero Corynebacterium na Gruta Rainha, em Felipe Guerra/RN e 3 espécies Corynebacterium, na Furna Feia, em Baraúnas/RN. Destaca--se que a presença de microrganismos com potencial patogênico nessas grutas demanda atenção e necessidade de estudos, visto que esses ambientes são constantemente visitados por pesquisadores e turistas.

A MICROBIOTA POTIGUAR

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Talvez seja difícil a alguém nascido em meio à modernidade do séc. XXI compreender como o homem

dependeu do fogo, até bem pouco tempo, para algo tão simples quanto gerar luz. Em um mundo feito de LEDs, imaginar que a chama amarela representou, há apenas cem anos, uma solução sofisticada para ilumi-nar, ilustra a dimensão da distância tecno-lógica percorrida pela humanidade no curto intervalo de tempo das últimas décadas. Na verdade, o ciclo que transformou a sociedade no modelo atual, o período chamado de Revolução Industrial, trouxe inovações, em meados do séc. XVIII, a vá-rias áreas, mas não houve, por muito tem-po, uma reposta eficiente para problemas simples, como a iluminação das cidades ou equipamentos capazes de substituir os milenares candeeiros ou velas. Mesmo os avanços com a energia elétrica, não trouxe-ram, de imediato uma solução, pois fatores como o custo da eletricidade ou a autono-mia das baterias demoraram a ser superados.

Luzes do Carbureto:Antigas lanternas da América do NorteTexto e fotosSolon R. Almeida NettoGrupo Bambuí de Pesquisas EspeleológicasSociedade Nordestina de Espeleologia

Lanterna Wolf, fabricada entre 1920-1930, nos Estados Unidos, um período em que o gás acetileno era a forma mais viável de produzir luz em peque-nas lanternas (ao lado). Acima, dese-nho da década de 1920 reproduzindo a Wolf (original em Thorpe, 2006).

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Tudo isso é muito importante para se compreender que a ideia “lanterna”, con-cebida como o equipamento atual, é algo relativamente novo. Em termos históricos, a lanterna – ou a lâmpada – representa o instrumento que dava suporte à queima para gerar luminosidade. Mas essa necessi-dade tão simples, ainda estava, por volta de 1850, intimamente dependente do óleo ou da vela, mesmo em um mundo que precisa-va de muita luz para trabalhadores ou faróis de máquinas. Para se compreender melhor aquele momento histórico, é muito interes-sante constatar que, nos Estados Unidos, toda a mineração subterrânea se praticava com um rudimentar tipo de lamparina de pavio, chamado de “oil-wick lamp”, que nada mais era do que pequeno bule, pelo qual a estopa lubrificada gerava uma chama fraca, cheia de fuligem e fumaça preta. Porém, esse mundo estava em trans-formação. Em 1836, o químico britânico Edmund Davy alardeou a descoberta de um gás chamado acetileno. O acetileno tinha várias utilidades, mas se destacava pela capacidade de produzir uma luz muito bri-lhosa e de queima bem mais limpa, quando comparada à chama fumacenta do pavio de óleo. O problema estava em como arma-zenar esse gás. Seguiu-se, então, em 1892, os anúncios independentes do canadense Thomas Willson e do francês Henri Moisan

As pequenas lamparinas em formato de bule, conhecidas como “oil-wick lamp”, eram equipamentos muito ru-dimentares e havia centenas de mode-los e fabricantes praticamente artesa-nais. Quando o carbureto surgiu, por volta de 1900, ainda conviveu durante cerca de 10 anos com esse tipo de lanterna a óleo. Porém, por volta de 1910, os fabricantes mais conhecidos, como a Grier Bros. Co., encerraram sua linha de produção, abandonando as tradicionais pequenas lamparinas de pavio (imagem abaixo).

A mineração norte-americana, no iní-cio do séc. XX, era um ambiente mui-to insalubre. Homens, crianças e ani-mais dividiam espaços nas galerias e galpões de beneficiamento. A ausência de regras de proteção ao trabalhador ou que impedissem a contratação de mão-de-obra infantil criava situações desumanas (imagens ao lado). Não existiam equipamentos adequados de iluminação e os acidentes fatais eram comuns. O desenvolvimento de novas tecnologias e normas introduziu gran-des mudanças nesse cenário.

Fonte: Library of Congress/USA

Oil-wick lamp modelo conhecido como "Star", fabricada em aço, na segunda metade do séc. XIX, pela Grier Bros. Co., uma empre-sa que iniciou suas atividades em 1839, na cidade de Pittsburgh, e se tornou uma das principais produtoras de lanternas de pa-vio, nos EUA, por volta de 1880.

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de um método economicamente viável de fabricar o carboneto de cálcio, uma subs-tância que, quando em contato com a água, espontaneamente liberava o acetileno. Esse processo industrial para fabricação do carbureto, como ficou comercialmente co-nhecido o carboneto, representou, no final do séc. XIX, o grande salto tecnológico ca-paz de dar suporte para que as lamparinas de pavio fossem substituídas, na América do Norte, pelas revolucionárias “carbide lamps”, as lanternas de carbureto. No início do séc. XX, houve, então, uma grande disputa entre muitos inventores, cada um alardeando um proveito melhor ou mais inovador ao carbureto. No começo, eles se voltaram a desenvolver soluções de iluminação para bicicletas, sendo que, tão logo se consolidou um sistema padrão às lanternas, pelo qual um reservatório supe-rior com água abastecia um tanque inferior com carbureto, logo se percebeu que, com pequenas modificações, esses equipamentos poderiam ser adaptados à mineração. Os trabalhadores da mineração repre-sentavam um grande mercado em potencial aos fabricantes das novas lanternas, pois os Estados Unidos dependiam do carvão mineral como principal fonte de energia. Assim, havia milhões de mineiros cavando em galerias escuras e a “oil-wick lamp”, durante a primeira década do séc. XX, foi

As pequenas lanternas foram proje-tadas, especialmente, para uso nos bonés de lona ou capacetes de couro e se tornaram muito populares, entre os mineiros, na primeira metade do séc. XX, nos Estados Unidos, graças à chama luminosa e ao baixo custo de manutenção (imagens ao lado). Havia também modelos maiores, para usar fixados ou apoiados - as "hand lamps" -, como o clássico da década de 1930 do fabricante Dewar Mfg. Co. (página anterior).

Fonte: Library of Congress/USA

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As lanternas de carbureto eram robustas e confiáveis. Usualmente, eram feitas de bronze ou latão, havendo também os modelos nique-lados. Ao lado, uma Auto--Lite de 1930. Na página anterior, uma clássica Simmons Baldwin de 1910.

superada pela eficiência da “carbide lamp”. Até a década de 1920, já havia mais de duas dezenas de manufaturas das lâmpadas de carbureto, destacando-se marcas como a Baldwin, Simmons, Guy´s Dropper, Auto--Lite, Dewar ou Justrite, que, basicamente, foram as grandes responsáveis pelo desen-volvimento de soluções para melhorar os mecanismos das lanternas e consolidar co-mercialmente o acetileno nos EUA. Analisando historicamente essas lanternas, percebe-se que foram feitas centenas de modelos diferentes. Contudo, basicamente, existem três tipos de equipa-mentos, que podem ser agrupados como: a “cap lamp”, como eram conhecidas as lanternas para fixação por ganchos e pre-silhas em chapéus ou capacetes; a “hand lamp”, também chamada como lâmpadas de superintendente ou inspetores das minas e que eram carregadas por alças; e, por fim, o “acetylene generator”, um tipo peculiar no qual o reator era preso na cintura, atado ao cinto, sendo o gás levado ao queimador, fixado na altura da testa, por uma manguei-ra de borracha. Esse último tipo de lanterna tinha maior autonomia e era muito usado por caçadores, pescadores ou pessoas que desejavam praticar atividades ao ar livre. A importância de todas essas lanter-nas à Espeleologia é vital. A evolução dos mecanismos como gotejadores, refletores,

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bicos de gás, filtros de feltro ou mesmo acendedores de fagulha permitiu que equi-pamentos simples, resistentes, confiáveis, de baixo custo de manutenção e com ex-pressiva autonomia, liberassem as mãos dos exploradores, pois estando a luminosa chama presa ao capacete ou boné, havia plena liberdade de movimentos. Após 1930, as pessoas começaram a testar as lanternas da mineração nas explo-rações de cavernas. Essa atividade ainda era tímida, na América do Norte, mas, após a Segunda Guerra Mundial, a Espeleologia norte-americana organizou-se e os bonés ou capacetes (de fibra ou alumínio) com as pequenas lanternas passaram a ser o equi-pamento padrão de um caverneiro nos Es-tados Unidos. Esse tipo de acessório passou a ser difundido pela National Speleological Society - NSS, a entidade nacional, como o modelo de iluminação a ser usado nas ex-pedições em todo o país. A NSS criou uma seção específica para reunir informações sobre esse tipo de lanterna e seus associa-dos começaram a buscar equipamentos usados, especialmente quando os últimos fabricantes foram, gradativamente, encer-rando a manufatura da “carbide lamp”. Desse modo, mesmo após a conso-lidação das lanternas elétricas, na segunda metade do séc. XX, a “carbide lamp” não caiu em desuso na América do Norte. Na

As pequenas lanternas de car-bureto podiam ter refletores de vários formatos e tamanhos. As funções eram diversas: impedir o vento, proteger de pingos, além de, evidentemente, concentrar ou abrir o foco. Conforme o uso, os refletores podiam ser soltos, ros-queados e substituídos, tornando as lanternas muito versáteis. Na imagem, duas lanternas Justrite, amplamente usadas na Espeleolo-gia nos EUA no século passado.

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verdade, as funções acessórias da lanterna de carbureto, como produzir calor na grutas frias e marcar bases topográficas com fuli-gem, ou ainda as características como bai-xo custo de manutenção e resistência, fize-ram desse equipamento o mais popular para iluminação em cavernas até a virada do séc. XXI. Uma lanterna de carbureto aguentava pancadas, mergulhos e, quando entupia, podia ser facilmente reparada por um ex-plorador habilidoso (até mesmo no escuro total!). Assim, o frágil bulbo das lâmpadas elétricas não era concorrência. As manufaturas norte-americanas, porém, não resistiram tanto tempo. Com o desenvolvimento dos sistemas elétricos e das baterias, o carbureto começou a ser gradativamente substituído na mineração a partir da década de 1930. Séries de explo-sões em minas de carvão, pelo contato do fogo com bolsões de gases, incentivaram a edição de uma rígida legislação restriti-va. Em 1950, apenas a Wolf, a Universal e a Justrite Mfg. Co., ainda sobreviviam no mercado, sendo que a última Justrite feita em corpo metálico foi fabricada na década de 1970. O legado, desses equipamentos à Espeleologia, porém, é inimaginável. E tal-vez, exatamente por isso, mesmo ao fim da Era do Carbureto, ainda haja tantos entu-siastas, em todas as partes do mundo, lim-pando e polindo suas velhas carbureteiras.

O início da Espeleologia nos Esta-dos Unidos, após os anos 1930, foi basicamente feito com a “carbide cap lamp”. A entidade nacional, a National Speleological Society - NSS, incentivou o uso desse tipo equipamento, por várias décadas. Ao contrário dos europeus, acos-tumados aos geradores fixados aos cintos, os norte-americanos adaptaram as pequenas lanternas da mineração, usando-as presas à cabeça, como os mineradores, por mais de meio século.

Fonte: Clemmer, 1987/NSS.

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Simmons BaldwinFabricada entre 1910-1913O norte-americano Frederic Baldwin é considerado o principal desenvolvedor de lanternas de carbureto do início do séc. XX. Suas invenções dominaram o mercado até 1912. O modelo clássico era um equi-pamento pequeno, equipado com um gotejador de agulha (“needle valve”), que à época não oferecia uma solução perfeita ao controle do fluxo de água que entrava em contato com o carbureto.

Simmons PioneerFabricada entre 1917-1919Frederic Baldwin e John Simmons romperam sua sociedade por volta de 1913. Simmons introduziu nas lanternas uma nova marca (o Diamante-S) e os mode-los se tornaram mais arredondados, sendo conhecidas como Pioneer. A manufatura encerrou suas atividades por volta 1919 e seu know-how foi incorporado por outro fabricante, a Dewar, que adquiriu os estoques e continuou a evoluir os sistemas dos gotejadores.

Lu-Mi-NumFabricada entre 1922-1933A lanterna de Fred Belt representou uma que-bra do paradigma do design, ao introduzir no mercado uma lâmpada feita de liga de alumínio fundido, com caneluras para irradiar o calor e particularidades, como muitas partes parafusa-das e o encaixe do reservatório sem rosca.

Grier Reservatório HorizontalFabricada entre 1918-1919A Grier Bros. Co. durante o século XIX, representou uma das mais tradicionais fabricantes de luzes para mineração, sendo famosa por sua “oil-wick cap lamp”. Posteriormente, com o advento do carbureto, entrou nesse mercado por volta de 1910. Como a Justrite, co-mercializou modelos com tanque de água horizontal. Em 1924, a GEM Mfg. Co. adquiriu a empresa.

Dewar Sun RayFabricada entre 1920-1930A linha Sun Ray representou um forte apuro estético da manufatura Dewar. O fabricante ficou famoso não somente pelas soluções para otimizar a eficiência de seus gotejadores, mas também pelo apelo do design so-fisticado. Nessa lanterna, destaca-se o refletor de alumí-nio chamado “Ha-Mer-It”, uma peça única com apoio radial, mas que não fez tanto sucesso nas vendas.

Ashmead Buddy IIIFabricada entre 1928-1933O fabricante Ashmead Mfg, Co. produziu as lanternas Elkhorn e Buddy, havendo iniciado sua produção por volta da I Guerra Mundial, especialmente a partir dos projetos incorporados de outros desenvolvedores, como Meyer e Philip Stein. A Buddy III apresentou um ex-clusivo sistema de controle do fluxo de água à válvula de regulagem, patenteado pelo fabricante.

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Auto-Lite Set-ScrewFabricada entre 1917-1920A Auto-Lite é uma das marcas comercialmente mais bem-sucedidas da história mundial de lan-ternas de carbureto. Seu modelo mudou pouco ao longo dos anos e o sucesso da manufatura Univer-sal Lamp Co. não é devido a grandes inovações, mas ao tino comercial do seu proprietário, Jacob Sherman. O modelo com o refletor parafusado re-presenta as linhas de produção mais antigas.

Dewar ITPFabricada entre 1920-1930A marca ITP é uma abreviação para “It´s Trouble Proff” (À Prova de Problemas) e foi desenvolvida pela Dewar Mfg. Co., a partir de um modelo que incorporou a linha de produção da extinta Simmons. Essa lanterna usava um sistema conhecido como “Float Feed”, pelo qual, a expansão do carbureto molhado fechava o fluxo da água empurrando um disco (ou mola) na haste de gotejamento, uma grande inovação, naquela época.

Guy´s Dropper Seis DatasFabricada entre 1926-1932As inovações da Guy´s Dropper revolucionaram as lanternas de carbureto pelo sistema de gote-jamento que impedia obstruções, mantendo a estabilidade da chama. Esse gotejador foi, basica-mente, um grande divisor de águas na indústria, tornando a Shanklin Mfg. Co. uma das manufa-turas mais populares nos EUA, durante a primeira metade do século XX.

Justrite Tanque Horizontal FinancistaFabricada entre 1923-1929A Justrite Mfg. Co. representa uma das mais interes-santes indústrias de lanternas de carbureto, pela enor-me diversidade de modelos que lançou. O mais famoso, desenvolvido por Augie Hansen, é chamado de “tanque horizontal” e aproveitou a parede côncava do reser-vatório de água como refletor. O estilo “financista” é assim chamado pelo tipo que gravou a marca na late-ral do tanque.

Auto-Lite Three LinesFabricada entre 1930-1935A referência “Three Line” é a forma como esse modelo da Auto-Lite ficou conhecido por colecio-nadores, pelas três linhas de inscrições gravadas no topo. É um equipamento clássico, grande sucesso de vendas e que, muitas décadas após, continuou sendo usado na Espeleologia como uma das me-lhores lanternas para cavernas nos EUA.

Justrite StreamlinedFabricada entre 1940-1970Em 1938, a Justrite Mfg. Co. já havia mudado seu clás-sico projetista para um novo desenvolvedor, chamado Charles Packer, que modificou a linha de produção para um padrão que ficou conhecido como “Streamlined”. Es-sas lanternas foram produzidas até 1970, quando foram substituídas por modelos de policarbonato. A Streamlined foi um equipamento amplamente usado na Espeleologia norte-americana no período de 1950 a 1980.

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LIÇÕES E CONSELHOS DE UM MUNDO DE CARBURETO

No início de 1980, os manuais de Espeleo-logia nos Estados Unidos ainda referencia-vam as "carbide cap lamps" como sendo o equipamento mais confiável e a preferência natural à iluminação na exploração de ca-vernas. O trecho a seguir foi extraído da publicação do "Missouri Speleology Sur-vey, Inc.", um agrupamento regional que reunia, à época, quase 15 grupos espeleoló-gicos daquela região:

"Muitos formatos e estilos de lanternas de carbureto foram feitos desde 1900. Elas foram originariamente usadas pelos minei-ros ou nas atividades da mineração, mas, a partir da década de 1940, tornaram-se a primeira opção para iluminação dos exploradores de cavernas. Várias empre-sas manufaturaram lanternas de bronze, como a Baldwin, Victor, Guy´s Dropper, Autolight e Justrite. De todas essas, a única que ainda continua produzindo é a Justrite. Em 1973, a Justrite mudou para lanternas

feitas de plástico, mas que se mostraram problemáticas, e muita gente resolveu vol-tar aos modelos antigos. A confiabilidade desse novo equipamento, assim, ainda é duvidosa. Atualmente, apenas dois mode-los de bronze ainda são feitos: a britânica 'Premier' e a japonesa 'Butterfly', também chamada de 'Safesport'. Dessas, a Premier é a melhor, pois a asiática é mais fina e racha facilmente. Entretanto, as melhores lanternas de carbureto são as antigas, que podem ser encontradas em lojas de antigui-dades, brechós ou nas ‘garages sales’. Elas podem ser facilmente restauradas e usadas. Se for possível, procure uma lanterna com um gancho tipo pá ou lâmina (blade hook). Elas são mais fortes e se adaptam melhor aos capacetes”. (Tradução livre de trecho de THOMSON, K. C.; MARTIN, R. L. An Introduction to Caving: A guide for Begin-ners. Quarterly Journal of the Missouri Speleological Survey, Inc., Rolla, v. 20, n.1-2, p. 11, jan. 1980.)

Publicações do início da década de 1980 listavam as pequenas carbureteiras criadas no início do séc. XX como o equipamento de iluminação mais confiável e aces-sível à Espeleologia nos EUA. Nas imagens, alguns exemplos desse tipo de registro.

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Ambientes Cársticos em Sergipe:Delimitação e levantamento geoespeleológico

PorHeleno dos Santos MacedoUniversidade Federal de Sergipe - PPGEO/UFSSociedade Nordestina de EspelologiaDavid Carvalho Cardoso da SilvaSociedade Nordestina de EspelologiaGrupo Pierre Martin de EspeleologiaHélio Mário de AraújoUniversidade Federal de Sergipe – DGE/UFSRafael Moreira SousaSociedade Nordestina de EspelologiaCENTRO DA TERRA - Grupo Espeleoelógico de SE

Em Sergipe os estudos sobre paisa-gens cársticas são recentes. Segun-do Donato (2011), o conhecimento

sobre a abrangência desse tipo de ambiente na área é desconhecido ou incipiente, quan-do comparado com outros estados do terri-tório nacional. De acordo com Donato,

(...) pode-se situar o início do reconheci-mento da morfologia cárstica em Sergipe em 1888, com as indicações de cavidades naturais feitas por Branner (1888) nos mu-nicípios de Divina Pastora (i.e., Caverna do Urubu) e Laranjeiras (i.e., Caverna da Pedra Furada). Como registros posterio-res, podem ser citados a publicação do IBGE (FERREIRA, 1959) e as explorações de José Augusto Garcez na década de 1970 (PROUS, 1992) (DONATO, 2011, p. 02).

Mas, segundo Donato (2011) foi a partir da década de 1990 que aumentaram os estudos de caráter paleontológico e bio-lógico sobre esse tipo de paisagem, princi-palmente no tocante à presença de cavida-des naturais subterrâneas.

A Caverna Casa do Caboclo (ao lado) é uma das três cavidades ca-dastradas no município de Japara-tuba, no povoado Marrocos, na área cárstica de Taquari/Penedo. Seu desenvolvimento está associado a processos de abatimento e dissolu-ção ocorridos no argilito arenoso da Formação Barreiras. Essa gruta é apenas um exemplo do diversificado patrimônio espeleológico de Sergipe. (Imagem de Isaias Santos, 2013).

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Santos. D. B. et al. (2002) publicaram o primeiro trabalho sobre o carste de Sergipe, intitulado “O CAIS e a ESPELEO-SE: Re-gistros Preliminares de Cavidades Naturais em Sergipe”, no 2° Workshop Arqueológico de Xingo, realizado na cidade de Canindé de São Francisco (Sergipe) em 2002. Em 2003, no 27° Congresso Brasileiro de Espeleolo-gia, realizado na cidade de Januária, Minas Gerais, Santos et al. (2003) publicam um segundo trabalho sobre o tema, com o título “Aspectos Históricos e Geográficos sobre a ocorrência de Cavernas em Sergipe”. Em 2004, Araújo et al. publicaram um artigo abordando o carste sergipano, no trabalho “As influências Paleoclimáticas na Morfologia Cárstica em Sergipe” No ano de 2012, Macedo; Araújo; Donato; et al., publicaram, no 9° Simpósio Nacional de Geomorfologia, outro trabalho sobre a temática, intitulado “Considerações sobre o Ambiente Cárstico de Sergipe”. O carste tradicional em Sergipe cor-responde a 1.453,37 Km2 da área total do estado, encontrando-se estabelecidos sobre esse tipo de morfologia (totalmente ou par-cialmente) 35 municípios: Areia Branca, Campo Brito, Capela, Carmópolis, Cedro

de São João, Divina Pastora, Frei Paulo, General Maynard, Itaporanga d’ Ajuda, Japaratuba, Japoatã, Lagarto, Laranjeiras, Macambira, Malhada dos Bois, Malhador, Maruim, Muribeca, Nossa senhora das Do-res, Nossa Senhora do Socorro, Pacatuba, Pedra Mole, Pinhão, Poço Verde, Própria, Riachuelo, Rosário do Catete, Santa Rosa de Lima, Santana do São Francisco, Santo Amaro das Brotas, São Cristóvão, São Do-mingos, São Francisco, Simão Dias e Siriri. Desses, nove vão concentrar a maior parte da paisagem cárstica: Laranjeiras, Maruim, Divina Pastora, Nossa Senhora do Socorro, Simão Dias, São Domingos, Ma-cambira, Lagarto e Poço Verde, o municí-pio com o maior número de cavernas. Para a melhor caracterização da área de estudo, adotou-se a divisão proposta por Macedo (2014-2017) na construção da sua tese de doutorado para áreas cársticas de Sergipe, compartimentando o carste sergi-pano em três setores: setor 01, denominado Área Cárstica Taquari / Penedo; setor 02, nomeado de Área Cárstica Cotinguiba - Sa-pucari; e setor 03, denominado de Área Cá-rstica Olhos d’Água / Frei Paulo (imagem da página ao lado).

Para facilitar o diagnóstico da distribuição das cavernas em Sergipe, houve a divisão do território em três setores distintos, optando-se em utilizar o nome da unidade(es) geológica(as) predominante(es) no recorte espacial: setor 01 - Taquari/Penedo; o se-tor 02 - Cotinguiba - Sapucari; e setor 03 - Olhos d’Água/Frei Paulo. (Mapa: Heleno dos Santos Macedo; Hélio Mário de Araújo, 2015).

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Setor 01: Área Cárstica Taquari / Penedo

Área que se situa na Bacia Sedimen-tar Sergipe, no Grupo Igreja Nova (Forma-ção Aracaré) e Grupo Coruripe (Formações Barra de Itiúba, Muribeca, Penedo, Rio Pitanga e Coqueiro Seco), conforme dados da CPRM (1998). Caracteriza-se pela de-posição de calcários intercamados, arenitos avermelhados, calcilutitos acastanhados, calcário avermelhado, com interlaminações de dolomita e anidrita, sendo deposição por deltas (lacustres ou acustres) e leques aluviais associados ao retrabalhamento eólico ou a falhamentos na borda da bacia (Shaller, 1969 e Feijó, 1994). O setor 01 representa 292,87 km2 do total dessa morfologia em Sergipe. Sobre essa área, encontram-se os municípios de Capela, Cedro de São João, Japaratuba (porção noroeste), Japoatã, Malhada dos Bois, Muribeca, Neópolis, Pacatuba, Pró-pria, Santana do São Francisco e São Fran-cisco (ver imagem na primeira página).

Setor 02: Área Cárstica Cotinguiba - Sapucari

O setor 02 está assentado sobre a Bacia Sedimentar Sergipe, nos Grupos Ser-gipe e Piaçabuçu. Sobre o Grupo Sergipe, encontram-se as Formações Riachuelo e

Cotinguiba, e no Grupo Piaçabuçu, a For-mação Calumbi (CPRM, 1998). Caracteri-za-se pelos Membros Angico, Taquari, Ma-ruim e Sapucari, constituídos por calcário, dolomitos, calcarenitos, calcilutitos, cal-cirruditos, folhelhos e arenitos, em alguns casos, intercamados ou em níveis isolados, sendo a deposição em plataforma carbo-nática, por leques aluviais-deltaicos ou em talude (Shaller, 1969 e Feijó, 1994). Esse setor corresponde a maior porção do carste sergipano, com aproximadamente 651,65 km2, fixando-se sobre esse recorte, os municípios de Areia Branca, Carmópolis, Divina Pastora, General Maynard, Japaratu-ba (porção sul/sudoeste), Laranjeiras, Ma-lhador, Maruim, Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora do Socorro, Riachuelo, Ro-sário do Catete, Santa Rosa de Lima, Santo Amaro das Brotas, São Cristóvão e Siriri.

Setor 03: Área Cárstica Olhos d’Água/Frei Paulo

O setor 03 apresenta o carste mais de-senvolvido de Sergipe, destacando-se feições do exocarste e endocarte como lapiás, dolinas de dissolução e abatimento, poljes e caver-nas. Encontra-se no Domínio Vaza-Barris, localizado no centro de Sergipe, limitando-se com o Domínio Estância através da Falha do Rio Jacaré, uma zona de cisalhamento rúp-

O setor 03 se caracteriza pelos Membros Angico, Taquari, Maruim e Sapucari, constituídos por calcários, dolomitos, calcarenitos, calcilutitos, calcirruditos, folhelhos e areni-tos. A Caverna da Pedra Feia (na imagem), no município de Nossa Senhora das Dores, apresenta na sua constituição litológica calcário com intercalações de calcarenitos e fo-lhelhos, na margem esquerda do rio Morcego. (Imagem de David Cardoso, 2016).

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til-dúctil, prolongando-se para o leste até a Bacia de Sergipe, e a oeste para trechos fora do limite do estado (CPRM, 1998). Esse do-mínio é constituído pelo Grupo Vaza-Barris (Formações Olhos d’água e Palestina), Grupo Simão Dias (Formações Frei Paulo e Jacaré) e o Grupo Miaba (Formações Jacoca e Ri-beirópolis), além da presença dos Domos de Itabaiana e Simão Dias (op. cit., 1998). Caracteriza-se pela deposição de cal-cários laminados, calcário e dolomitos oolí-ticos, metacarbonatos (calcário e dolomito), metacarbonatos e metapelitos (com níveis de metachert), metarenitos (micáceos e metas-silititos) e quartzitos, sendo a deposição em ambientes de plataforma lamosa ou rasa, com eventuais condições de ambiente de intra-maré, planícies de maré com tapetes algais, ambiente marinho raso, além, de cunhas de clástico em ambiente tectônico instável e vul-canismo (Shaller, 1969 e Feijó, 1994). O setor 03, representa 508,85 km2 do total dessa morfologia em Sergipe. Sobre essa área, encontram-se os municípios de Campo do Brito, Frei Paulo, Itaporanga d’Ajuda, La-garto, Macambira, Pedra Mole, Pinhão, Poço Verde, São Domingos e Simão Dias. O conjunto de cavidades registradas em todos esse ambientes e distribuídas em 27 municípios sergipanos indica a ocorrência de 171 pontos. Dentre outras

No mapa acima, a Toca da Raposa, cuja topografia foi elaborada durante os levantamentos realizados nos últimos anos. Os espeleólogos ativos em Sergipe vêm empreendendo esforços para mapear todas as cavernas que foram cadastradas na região através de projetos e pesquisas. (Mapa: Lucas Souza/CENTRO DA TERRA, 2015).

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além de convidados de várias áreas como Geografia, Biologia, Turismo, Química, Pe-dagogia, História, Direito, e de colaborado-res estudantes de cursos de graduação como Arqueologia, Geologia e Direito, havendo ainda a contribuição de moradores locais com várias indicações, o que resultou no re-gistro de mais 61 novas cavidades. Uma observação de destaque nesse levantamento é a ocorrência de cavernas em litologias distintas do carste tradicional, como filito, arenito, metarenito, quartzo diorito, quartzito micáceo e tufa calcária. Destacam-se no contexto dos am-bientes cársticos em Sergipe, a Furna do Macedo, em Poço Verde; a Toca da Raposa, em Simão Dias (detalhe no mapa das pá-ginas anteriores); a Caverna dos Aventu-reiros, em Laranjeiras; a Gruta do Rei, em Canindé de São Francisco; a Caverna da Fumaça e a Gruta do Itororó, em Lagarto; a Caverna do Urubu e a Caverna do Uru-buzinho, em Divina Pastora; a Caverna da Chuva, em Rosário do Catete; a Caverna de Pedra Branca e a Gruta Pedreira da Baixa, em Maruim; a Furna do Flecheiro (Gruta da Miaba), em São Domingos; e a Caverna Casa de Pedra (Gruta da Ribeira), em Cam-po do Brito, como as cavidades com maior desenvolvimento horizontal.

O setor 03 apresenta o carste mais desenvolvido de Sergipe. Essa área encontra-se no Domínio Vaza-Barris, localizado na porção central do estado. Destacam-se as Formações Olhos d’Água, Frei Paulo e Jaco-ca. A Furna do Flecheiro (Gruta da Miaba) (na imagem), município de São Domingos, inserida na Formação Jacoca, desenvolve-se em cal-cários laminados, a partir de processos de dissolução e abatimento, e apresenta a maior variedade de espeleotemas em Sergipe. (Imagem de David Cardoso, 2016).

pesquisas e dados relevantes, existem 46 cavernas com mapas topográficos produzi-dos durante os trabalhos do Projeto PRO--Cavernas Laranjeiras (2012) e do Projeto Expedição CENTRO DA TERRA (2013 a 2015), quando também 42 novas cavida-des foram registradas, sob a coordenação do espeleólogo David Cardoso, em proje-tos pela associação CENTRO DA TERRA - Grupo Espeleológico de Sergipe. Outra contribuição ao levantamento geoespeleológico de Sergipe, nos últimos dois anos, vem dos trabalhos de campo realizados para a construção da tese de doutorado de Heleno dos Santos Macedo, intitulada “Elaboração de Instrumentos para o planejamento e gestão ambiental de paisagens cársticas em Sergipe”. Além da proposta de delimitação do carste tra-dicional em Sergipe, apresentada no início desse artigo, o cadastro e a caracterização de feições do exocarste e do endocarste vem criando um novo panorama sobre o ambiente cárstico do estado. Os caminha-mentos do trabalho de pesquisa foram rea-lizados em 44 dias em campo, somando 7.013,5 quilômetros percorridos, sendo 124,77 quilômetros a pé, entre os meses de março e setembro de 2016, por David Cardoso, Heleno Macedo e Rafael Moreira,

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QUADRO DA DISTRIBUIÇÃODAS CAVERNAS EM SERGIPE

Município Quant.Poço Verde 34Canindé do São Francisco 19Simão Dias 18Laranjeiras 17Lagarto 13Divina Pastora 10Macambira 08Nossa Senhora do Socorro 07Rosário do Catete 06Maruim 05São Domingos 04Tobias Barreto 04Gararu 05Itabaiana 03Japaratuba 03Porto da Folha 02Riachão do Dantas 02São Cristóvão 02Campo do Brito 01Canhoba 01Capela 01Frei Paulo 01Indiaroba 01Nossa Senhora das Dores 01Pinhão 01Ribeirópolis 01Siriri 01

TOTAL DE CAVERNAS 171

Há cadastradas 171 ocorrências de cavernas (tabela ao lado). O Abismo de Simão Dias (Furna do Dorinha), em Simão Dias, destaca-se pelo desnível (imagem acima). Os dados estão em processo de inserção no CNC/SBE e no CANIE/ICMBio-CECAV, já que as duas bases de dados estão desprovidas dessas informações. (Mapa: Lucas Souza/CENTRO DA TERRA, 2015).

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No início de 2016 os espeleólogos David Cardoso e Rafael Moreira haviam prospectado cavidades na área do municí-pio de Poço Verde e cadastrado 04 cavernas nesse maciço. Com o início dos trabalhos de campo para a pesquisa de doutorado do pes-quisador Heleno Macedo (PPGEO/UFS), 30 novas cavernas foram identificadas no mu-nicípio, sendo 30 no povoado Caraíba e 04 no povoado Saco do Camisa. Essa concen-tração de cavernas e de feições no povoado Caraíba recebeu o nome de Sistema Cársti-co Caraíba (imagem da página seguinte).

No tocante à caraterização geológi-ca do Sistema Cárstico Caraíba, o mesmo se assenta no Grupo Vaza-Barris na Formação Olhos D’Água. Essa formação está posicio-nada concordantemente sobre a Formação Palestina e se caracteriza pela presença de rochas carbonáticas laminadas (calcários e dolomitos), com intercalações de metape-litos formadas em ambiente de plataforma rasa e/ou planícies de maré de idade neopro-terozoica, algo entre 700 a 540 milhões de anos. As cavernas possuem tamanhos dife-renciados, grande parte delas se desenvolve a partir do plano de fratura da rocha. Dentre as cavidades cadastradas nesse sistema, des-

tacam-se pelos seus processos de formação, geomorfologia e espeleometria, o Abismo Poço Verde, a Furna do Macedo, a Furna dos Três Caverneiros, a Gruta do Caçador e a Furna da Gameleira. Além das cavidades, o Sistema Cárstico Caraíba ainda conta com a presença de outras morfologias típicas desse tipo de paisagem, tais como lapiás, dolinas (dissolução e abatimento) e uma planície, denominada de poljes, essa última utilizada no município, principalmente para o cultivo do milho.

Portanto, o município de Poço Ver-de, diante desse novo fato, passa a ter uma importância singular para a proteção das ca-vernas no Brasil e ações devem ser tomadas no intuito da manutenção desse patrimônio natural, a partir da conscientização e valori-zação desse bem natural, por meio da cria-ção de projetos educacionais, campanhas de conscientização com agricultores, mine-radores que desenvolvem suas atividades nesse ambiente, tudo visando a conservação ambiental, mas especificamente, do patri-mônio espeleológico, garantindo às futu-ras gerações a possibilidade de conhecer os “mistérios” e o encantamento das cavernas (imagens na página seguinte).

O Município de Poço Verde e o Sistema Cárstico Caraíba

O Sistema Cárstico Caraíba se assenta no Grupo Vaza-Barris, Formação Olhos d’Água. Essa formação está posicionada concordantemente sobre a Formação Pa-lestina e caracteriza-se pela presença de rochas carbonáticas laminadas (calcários e dolomitos), com intercalações de metapelitos, formadas em ambiente de platafor-

ma rasa e/ou planícies de maré de idade neoproterozoica, conforme afloramento na imagem superior. Na imagem inferior, a equipe que vem conduzindo pesquisas

do levantamento geoespeleológico de Sergipe: David Cardoso (à esquerda), Rafael Moreira (centro) e Heleno Macedo (à direita). (Imagem de Heleno Macedo, 2016).

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Espeleoamigos 2016:De Paripiranga para Campo Formoso

Espeleologia é uma área interdisci-plinar que intercambia e interliga diversos ramos do conhecimento

(Geologia, Biologia, Paleontologia, Ar-queologia, etc.), pois contempla desde as pesquisas acadêmicas, até a busca de espor-tistas por superação de limites físicos. No V Espeleoamigos não foi diferente e essa multiplicidade de áreas e interesses enri-queceu o encontro em benefício a todos. O encontro já era uma tradição no município de Paripiranga/BA, desde 2012. A ideia surgiu da parceria entre o Grupo Mundo Subterrâneo de Espeleologia - GMSE e o CENTRO DA TERRA - Grupo Espeleológico de Sergipe e, desde então, vinha sendo organizado e realizado pelo GMSE, com o objetivo principal de buscar o intercâmbio entre grupos espeleológicos. Em 2016, em sua quinta edição, pela primeira vez foi organizado fora de Pari-piranga, sendo realizado pela Sociedade Espeleológica Azimute - SEA, em Campo Formoso, centro-norte baiano, região onde estão as duas maiores cavernas do Brasil, a Toca da Boa Vista e Toca da Barriguda (107 e 33 km mapeados, respectivamente), essa última, a maior caverna do Hemisfério Sul.

O Espeleoamigos é um evento de na-tureza esportiva, criado em 2012 pelo GMSE, grupo sediado em Paripiran-ga/BA, com a finalidade de fortalecer parcerias entre associações espeleoló-gicas e a sociedade. A edição de 2016 foi realizada em Campo Formoso/BA, entre os dias 09 a 11 de setembro. (Imagem de Fernando Andrade).

TextoEricson Batista de OliveiraSociedade Espeleológica AzimuteTereza Rachel Barbosa Ribeiro e SilvaSociedade Espeleológica Azimute

FotosLeonardo Morato DuarteUniversidade Federal do Oeste da BahiaFernando AndradeGrupo Mundo Subterrâneo de Espeleologia

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A SEA foi fundada em 31 de março de 2014, no entanto parte do grupo já traba-lhava com Espeleologia desde 2010. Atua principalmente na bacia do Rio Salitre, mas concentra as ações em Campo Formoso, de-vido à importância da área. A SEA tem aju-dado a solidificar a Espeleologia da região e eventos como o Espeleoamigos contribuem para fortalecer esse trabalho, especialmen-te por reunir gente de diversas cidades do Nordeste (Petrolina, Paripiranga, Ilhéus, Barreiras, Vitória da Conquista, Senhor do Bonfim, Pindobaçu, Várzea Nova, etc). A principal atividade do V Espeleoa-migos foi a ida ao Fim de Mundo, região distal da Toca da Boa Vista – chamá-la de Fim de Mundo não é mera força de expres-são – para mapear de áreas inexploradas. A Toca da Boa Vista possui três entra-das. A chamada entrada clássica, horizontal, e duas entradas verticais (abismos do Bode e do Sapo). O grupo adentrou por esse últi-mo, que possui um desnível aproximado de 15 metros, por volta do meio-dia do dia 10 de setembro. Pelo percurso, houve muitos tipos de obstáculos, como trechos rebaixa-dos, passagens muito estreitas e escaladas. Além da adversidade do ambiente, o aspec-to labiríntico da caverna, associado à exten-são, requer atenção redobrada à sinalização. Pela exaustiva caminhada, houve pontos icônicos, como o salão Quadrado, a

Durante o Espeleoamigos, os participantes do evento puderam conhe-cer um pouco mais do potencial da TBV, que se destaca não somente pelos condutos labirínticos, mas também pelos conjuntos de fósseis muito preservados. Foi apresentada a dinâmica de deslocamento pelos caminhos labirínticos da gruta, através do mapa da caverna (abaixo, à esquerda), e realizados levantamentos topográficos (abai-xo, à direita). (Imagens de Leonardo Morato Duarte).

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Fechadura e o salão da Lage (início do "Fim de Mundo”). Alguns, com espirito aventurei-ro e melhor condicionamento físico, estende-ram a expedição até o salão do Morto-Vivo (nome alusivo ao estado físico de quem se aventura até ele). A saída da caverna ocor-reu por volta da meia-noite e meia, pouco mais de doze horas após a entrada. Apesar da exaustão, coletivamente, houve a sensação de dever cumprido. No retorno, o grupo foi muito bem acolhido no povoado de Pacuí, onde, no dia seguinte, fez atividades nas grutas Pontes do Sumidouro, no rio Pacuí. Os intervalos entre as pontes calcárias são vestígios de uma caverna maior, hoje parcialmente aba-tida, por onde o rio Pacuí alargou condutos. Pesquisadores (paleontólogos, ar-queólogos e microbiólogos) aproveitaram o evento para dar andamento a suas pesqui-sas. Na oportunidade, apresentaram-nas aos participantes, que ainda puderam colaborar com a coleta de dados em campo. Além da troca de conhecimentos e de experiências, as interações que o am-biente cavernícola possibilita ajudaram a fortalecer e criar novos laços de amizades, interligando ainda mais os espeleólogos e os aficionados. O efeito positivo em mais um ano de realização demonstra que o Es-peleoamigos veio para ficar no calendário espeleológico nacional.

Eventos feitos para integrar grupos de regiões distintas e pesquisado-res acadêmicos são fundamentais ao desenvolvimento da atividade espeleológica. Na imagem acima, o grupo principal reunido no Espe-leoamigos 2016, na comunidade de Pacuí. No detalhe central esquerdo, exploradores exaustos na saída da TBV. Nas demais imagens menores, a integração entre os participantes em momentos com a comunidade e nas atividades. (Imagens de Fernando Andrade e Leonardo Morato).

Revista Lajedos I Set. 2016 I www.espeleonordeste.orgNotas e Referências

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Todas as imagens produzidas em ambiente natural, sem interferência nos animais. Animais coletados de acordo com a licença SISBIO nº 47438-2.Os trabalhos indicados no texto, têm as seguintes fontes:BENTO, D.M. Diversidade de invertrebrados em cavernas calcárias do oeste potiguar: subsídio para a deter-minação de áreas prioritárias para conservação. 2011. 160 p. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Ciên-cias Biológicas), Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.BENTO, D.M.; CRUZ, J.B.; FREITAS, J.I.M.; CAMPOS, U.P.. Área de proteção ambiental Pedra de Abelha: proposta para a conservação da maior concentração de cavernas do Rio Grande do Norte. In: RASTEIRO, M.A.; SALLUN FILHO, W. (Eds.) CONGRESSO BRASILEIRO DE ESPELEOLOGIA, 33, 2015. Eldorado. Anais... Campinas: SBE, 2015. p. 51-63.DIAS, M.; MAGALHÃES, K.T.; CARDOSO, P.M.; TAYLOR, E.; BATISTA, L.B.; FERREIRA, R.L. Isolamento e caracterização de bactérias de cavernas da caatinga brasileira. XVI CONGRESSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA UFLA, 16, Lavras: UFLA, 2007. p. 1-5.FERREIRA, R.L.; PROUS, X; BERNARDI, L.F.O; SOUZA-SILVA, M. Fauna Subterrânea do Estado do Rio Grande do Norte: caracterização e impactos. Revista Brasileira de Espeleologia, v. 1, n. 1, 2010. p. 25-51.KRAMER, M. Bioespeleologia no Lajedo do Rosário. Lajedos, Natal, v. 1, n. 1, p. 38-43, 2008a.KRAMER, M. Biodiversidade nos confins subterrâneos da Serra da Cruz. Lajedos, Natal, v. 1, n. 3, p. 38-43, 2008b.KRAMER, A.F.M.; AGNEZ-LIMA, L.F. Evidence of ammonia oxidizing archaeal community the Gruta da Ca-ridade, Rio Grande do Norte State, Brazil. In: WHITE, W.B (Ed). International Congresso of Speleology, 15, Kerrville. Proceedings. UIS/NSS, 2009. p.362-363.SILVA, F.J. Relatório do levantamento da fauna de invertebrados e caracterização bioespeleológica no carste de Felipe Guerra – RN. Brasília: Relatório Técnico, CECAVIBAMA. Contrato nº 2004/00033, Termo de Refe-rência nº 109178. 2006. 27p.TAYLOR, E.L.S.; FERREIRA, R.L.; CANESTRI, G.B.; BATISTA, L.R. Levantamento e distribuição mínima de fungos filamentosos em cavernas da caatinga brasileira. CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE ECOLO-GIA, 3, São Lourenço: SEB, 2007. p. 1-3.VASCONCELOS, A.C.O.; GIUPPONI, A.P.L.; FERREIRA, R.L. A new species of Charinus Simon, 1892 from northeastern Brazil with comments on the potential distribution of the genus in Central and South Americas (Arachnida: Amblypygi: Charinidae). Zootaxa v 3737, n.4, p. 488-500, 2013.

Notas eReferências

Biologia Potiguar:Uma análise de tudo que se sabe até hoje

Todas as imagens de peças e equipamentos foram produzidas em estúdio, em ago./set. 2016, a partir de objetos da coleção do autor. As imagens históricas de mineiros estão todas disponíveis, para fins não comerciais, no sítio eletrônico da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América, havendo a consulta sido feita em ago./set. 2016 (https://www.loc.gov/). Imagens históricas de explorações de cavernas pertencem à NSS e estão disponíveis na obra de CLEMMER, Greg. S. American Miners´: Carbide Lamps. Tucson: Westernlore Press, 1987. 126 p. Ademais, a pesquisa foi amparada em vários documentos adquiridos comercialmente pelo autor e, especialmente, em relatórios e instruções da NSS, além de no trabalho de THORPE, Dave. Carbide Ligth: The Last Flame in American Mines. Washington: Bergamot, 2006. 248 p., bem como no sítio eletrônico man-tido pelo pesquisador Hal Post, sobre artefatos da mineração norte-americana, consultado no mesmo período (http://www.halslamppost.com/). Agradecimentos a Marcelo Augusto de Freitas Kramer, pela ajuda com a aquisição de peças históricas nos EUA, e à empresa Natal Cromo, pela restauração do material.

Luzes do Carbureto:Antigas lanternas da América do Norte

Os trabalhos indicados no texto, têm as seguintes fontes:DONATO, Christiane Ramos. Análise de impacto sobre as cavernas e seu entorno no Município de Laranjei-ras, Sergipe. 2011. 198 p. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente). Universidade Fede-ral de Sergipe, São Cristóvão, 2011.MACEDO, H. S.; ARAÚJO, H. M.; DONATO, C. R. et al. Considerações sobre o Ambiente Cárstico em Sergi-pe. In: Anais - 9° Simpósio Nacional de Geomorfologia – SINAGEO. Rio de Janeiro, 2012.SANTOS. D. B.; OLIVEIRA, Daniela Andrade de; MENEZES, H.J.S. “O CAIS e a ESPELEO-SE: Registros Preliminares de Cavidades Naturais em Sergipe”. In: 2° Workshop Arqueológico de Xingo, 2002, Canindé de São Francisco. Anais do 2° Workshop Arqueológico de Xingo. Aracaju: SERCORE, 2002, p. 117-122.SANTOS. D. B.; MENEZES, H.J.S. “Aspectos Históricos e Geográficos sobre a ocorrência de Cavernas em Sergipe”. In: 27° Congresso Brasileiro de Espeleologia, 2003. Januária – MG. 27° CONGRESSO BRASILEI-RO DE ESPELEOLOGIA –SBE, v.1, p. 248-252.SANTOS, Reginaldo Alves dos. Geologia e Recursos Minerais do Estado de Sergipe. 1ª ed.; Brasília: CPRM: Codise, 1997.

Ambientes Cársticos em Sergipe:Delimitação e levantamento geoespeleológico

Notas eReferências