jc ibase 141 01c · em breve serei professor habilitado nessa área. portanto, preciso me manter...

15
02 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ’08 O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econô- micas (Ibase), criado em 1981 pelo sociólogo Be- tinho, é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, sem vinculação religiosa e a partido político. Sua missão é a construção da democracia, combatendo desigualdades e estimulando a partici- pação cidadã. Um de nossos objetivos é contribuir para uma cultura democrática de direitos. Defender, valorizar e fortalecer a participação social e política como direito e responsabilidade cidadã de todos e to- das, sem desigualdades ou discriminações, sem racis- mo ou machismo. CONSELHO EDITORIAL André Guimarães (Educafro) Elaine Ramos (jornalista) Eliane Ribeiro (Uerj) Marina Maria (jornalista) Mario Osava (IPS) Mônica Francisco Santos (Agenda Social Rio) Paulo Carrano (Observatório Jovem/UFF) Professoras Sonia Américo de Mello (Coordenadoria Metro- politana/RJ) e Inalva Mendes (E. M. Finlândia) Pelo Ibase: Marina Ribeiro (coord. do Pré-vestibular Popular CJ/Campo) e Luciano Cerqueira (cientista social) Diretora responsável: Dulce Pandolfi Edição: Jamile Chequer Subedição: Flávia Mattar Revisão: AnaCris Bittencourt Estagiários: Carlos Daniel da Costa e David da Silva Produção: Geni Macedo Distribuição: Elaine Amaral de Mello Assessoria de imprensa: Rogério Jordão Projeto gráfico e diagramação: Dotzdesign Ilustrações: Guto Miranda Divulgação: Diego Heredia Tiragem: 58.000 exemplares ISSN 1679-1762 Uma publicação do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas Av. Rio Branco, 124 / 8º - Centro - 20040-916 Rio de Janeiro/ RJ - Tel.: (21) 2178 9400 Fax: (21) 2178 9401 [email protected] www.ibase.br As matérias assinadas não traduzem, necessariamente, a posição do Ibase. Dê a sua opinião sobre o novo Jornal da Cidadania. [email protected] Quero saber sobre o mo- tivo da suspensão do envio deste importante e imprescindível meio de comunicação que dissemina in- formação e conhecimento. Sou líder co- munitário e faço curso de licenciatura em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Em breve serei professor habilitado nessa área. Portanto, preciso me manter ciente e atualizado sobre os acontecimentos nacionais e inter- nacionais. Na maior parte das vezes, minha fonte é esta fonte de saber jornalística, singular na minha concepção. Como sou com- prometido com a formação da cidadania e da democracia, solicito o retorno deste apreciado informativo. José Aldaíde Amorim Gomes, leitor - Madalena, CE RESPOSTA DA REDAÇÃO Caro José, pedimos desculpas pelo transtorno e agradecemos a carta tão carinhosa. Tivemos problemas no envio de exemplares para algumas localidades, mas isso já foi resolvido. Esperamos contribuir com seu ativismo. Abraços.

Upload: tranthuy

Post on 16-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

02 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ’08

O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econô-

micas (Ibase), criado em 1981 pelo sociólogo Be-

tinho, é uma organização não-governamental, sem

fins lucrativos, sem vinculação religiosa e a partido

político. Sua missão é a construção da democracia,

combatendo desigualdades e estimulando a partici-

pação cidadã. Um de nossos objetivos é contribuir

para uma cultura democrática de direitos. Defender,

valorizar e fortalecer a participação social e política

como direito e responsabilidade cidadã de todos e to-

das, sem desigualdades ou discriminações, sem racis-

mo ou machismo.

CONSELHO EDITORIAL

André Guimarães (Educafro)Elaine Ramos (jornalista)Eliane Ribeiro (Uerj)Marina Maria (jornalista)Mario Osava (IPS) Mônica Francisco Santos (Agenda Social Rio) Paulo Carrano (Observatório Jovem/UFF)Professoras Sonia Américo de Mello (Coordenadoria Metro-politana/RJ) e Inalva Mendes (E. M. Finlândia)Pelo Ibase: Marina Ribeiro (coord. do Pré-vestibular Popular CJ/Campo) e Luciano Cerqueira (cientista social)

Diretora responsável: Dulce Pandolfi Edição: Jamile Chequer Subedição: Flávia Mattar Revisão: AnaCris BittencourtEstagiários: Carlos Daniel da Costa e David da SilvaProdução: Geni MacedoDistribuição: Elaine Amaral de MelloAssessoria de imprensa: Rogério JordãoProjeto gráfico e diagramação: DotzdesignIlustrações: Guto MirandaDivulgação: Diego HerediaTiragem: 58.000 exemplaresISSN 1679-1762

Uma publicação do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e EconômicasAv. Rio Branco, 124 / 8º - Centro - 20040-916 Rio de Janeiro/RJ - Tel.: (21) 2178 9400Fax: (21) 2178 9401

[email protected] www.ibase.br

As matérias assinadas não traduzem, necessariamente, a posição do Ibase.

Dê a sua opinião sobre o novo

Jornal da Cidadania.

[email protected]

Quero saber sobre o mo-

tivo da suspensão do envio

deste importante e imprescindível

meio de comunicação que dissemina in-

formação e conhecimento. Sou líder co-

munitário e faço curso de licenciatura em

História pela Universidade Estadual Vale

do Acaraú. Em breve serei professor habilitado

nessa área. Portanto, preciso me manter ciente e

atualizado sobre os acontecimentos nacionais e inter-

nacionais. Na maior parte das vezes, minha fonte é esta fonte de

saber jornalística, singular na minha concepção. Como sou com-

prometido com a formação da cidadania e da democracia, solicito

o retorno deste apreciado informativo.

José Aldaíde Amorim Gomes, leitor - Madalena, CE

RESPOSTA DA REDAÇÃO

Caro José, pedimos desculpas pelo transtorno e agradecemos a carta tão carinhosa. Tivemos problemas no envio de exemplares para algumas localidades, mas isso já foi resolvido. Esperamos contribuir com seu ativismo. Abraços.

03JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ‘08

Pi PLANETA IBASE

BIDU – RAÍZESEMM

OVIMENTO

04 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ’08

A diversidade cultural é um dos principais atrativos

da “Cidade Maravilhosa”. Da Baixada ao Centro do

Rio, ONGs, empresas e movimentos sociais vêm

trabalhando para manter espaços de lazer, de estu-

do, de resgate cultural ou histórico, onde é possível

enriquecer potencialidades. Para ficar ainda me-

lhor, alguns são gratuitos ou com preços populares.

Temos exemplos como o Centro Cultural Ban-

co do Brasil (CCBB) que, periodicamente, renova

atrações artísticas, sem citar o belíssimo acervo

literário que é uma importante fonte de consulta

nas áreas de Artes, Ciências Sociais e Literatura,

com 120 mil títulos informatizados, atualizados e

tratados por uma equipe de bibliotecários(as).

E que tal assistir uma peça teatral ou um musi-

cal de qualidade pagando apenas R$ 1? É verdade,

a prefeitura do Rio mantém um projeto chamado

“Domingo é dia de teatro”. Realizado sempre no úl-

timo domingo do mês, o projeto já levou mais de 20

mil espectadores(as) às principais salas da rede de

teatro do Rio de Janeiro. O próximo pode ser você.

Um casarão com dois andares chama a aten-

ção daqueles(as) que passam pela Rua Getúlio

Vargas, em Nova Iguaçu. É um lugar culturalmen-

te privilegiado no centro do município. Inaugura-

do em 2004, o Espaço Cultural Sylvio Monteiro

reúne, em seus dois andares, galerias de arte e

uma sala para oficinas educativas. E, num prédio

anexo, um teatro e uma biblioteca.

Artistas locais estão sendo cadastrados(as) e

convidados(as) a participar das atividades. São

artesãos e artesãs, artistas plásticos(as), atores

e atrizes, dançarinos(as), fotógrafos(as) etc. Tra-

zendo diariamente para o espaço atrações dife-

rentes. Para a rapper Re.Fem, é importante en-

volver as comunidades do entorno, pois acaba se

tornando “mais uma opção de atividades de troca

cultural e de informação”.

O mesmo faz a equipe da Casa da Cultura Me-

riti, que promove oficinas, eventos ou exposições

artísticas, possibilitando às comunidades vizinhas

a integração social por meio de ações culturais

gratuitas. Re.Fem, que também é moradora da

Baixada, fala do prazer de já ter participado de

uma das oficinas da Casa: “Eu já fiz oficina de

circo. Gente, zoei muito (risos)”, conclui.

INSTITUIÇÕES MOBILIZADASInstituições como o Observatório de Favelas e Raí-

zes em Movimento, que atuam nos conjuntos de

favelas da Maré e do Alemão, desenvolvem pro-

jetos itinerantes dentro ou fora das respectivas

comunidades. O Observatório, com o Cine Clube

Sem Tela, e o Raízes, com o evento Circulando,

levam para as áreas mais populares lazer e infor-

mação por meio de projeção cinematográfica e

de comunicação, arte e diálogo.

São idéias que põem o público em contato di-

reto com os(as) organizadores(as) e, conseqüen-

temente, com a produção, como afirma o coorde-

nador do Raízes em Movimento, Alan Brum: “Nos

últimos anos, produzimos trabalhos em diferentes

linguagens da comunicação, como jornalismo, gra-

fite, música, ilustração, fotografia. A última parte,

agora, é mostrar o resultado num evento, abrindo

espaço para que a comunidade participe e se sin-

ta estimulada também a produzir”.

Da mesma forma, vem trabalhando o pessoal

do Centro Interativo de Circo (CIC), que ocupa

um espaço na Fundição Progresso – Lapa. Suas

atividades são marcantes pela coletividade que

se estabeleceu nas ações: “Se a pessoa tiver o

mínimo de força de vontade, vai lá e aprende um

monte de coisas, desde malabarismo até música,

passando pela arte de rua”, afirma o colaborador,

Wagner Santana (Wag).

Toda quinta-feira, por exemplo, tem um

evento que já é ponto de encontro dos(as) “hip-

hopeiros(as)” de carteirinha. Estamos falando da

“Batalha do Conhecimento”, um momento de di-

versão conduzido pelas rimas improvisadas dos

MC’s de plantão. Wag, que também é um dos or-

ganizadores do evento semanal, diz que o ganho

está na oportunidade do desenvolvimento indivi-

dual dos(as) participantes e do público: “Estamos

tentando desenvolver mais o conhecimento do MC

e fazendo o público reconhecer isso. Na primeira

edição, não tinha nem 20 pessoas, hoje o espaço

lota....só com o marketing ‘boca a boca’. O impor-

tante é passar e receber conhecimento”, acentua.

Da redaçãoColaborou: David Silva

CcCANAL CULTURAL

ALGUNS ENDEREÇOSCASA DA CULTURA DE MERITIRua Machado de Assis, Lt 12 – Qd 84Vilar dos Teles – São João de Meriti – RJ

CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL RIO DE JANEIRORua Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro RJ - CEP 20010-000De terça a domingo, das 10h às 21h(21) 3808-2020

CENTRO INTERATIVO DE CIRCORua da Lapa, 24 Lapa – Rio de Janeiro – RJDe segunda a sexta, das 14h às 22h(21) 2210-3324

“DOMINGO É DIA DE TEATRO”Prefeitura do Rio (Secretaria Municipal das Culturas)Rua Afonso Cavalcanti, 455 / sl 248 – Cidade Nova(21) 2503-2550 / 2503-2553 / 2503-9597 / 2503-9542 / <http://www.rio.rj.gov.br/culturas/>

ESPAÇO CULTURAL SYLVIO MONTEIRORua Getúlio Vargas 51 – Centro – Nova Iguaçu – RJ

GALERIAS DE ARTE E SALA DE PRODUÇÃO EDUCATIVA De terça a domingo, das 10h às 17h Biblioteca: de segunda a sexta, das 9h às 19h (21) 2667-2157 e 2667-2631

05JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ‘08

A CONFERÊNCIA VEM AÍ!

Uma outra maneira para conhecer demandas e bandeiras dos(as) jovens é nas conferências, um importante mecanismo de consulta do governo à população e instrumento de participação social. De 27 a 30 de abril, será realizada em Brasília a 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude. Ela deve ser mais do que um evento em que jovens de todo o país se encontrarão para debater quais devem ser as prioridades das políticas públicas para a juventu-de. Por isso, iniciou-se no fim de 2007 um processo de pré-conferências, conferências livres, municipais e estaduais que devem envolver o maior número de jovens possível, organizados em movimento ou não, para darem sua opinião sobre o assunto. Afinal, são quem sabem melhor do que ninguém o que pode melhorar em suas vidas! No fim de março, de 28 a 30, vai ocorrer a Conferência Estadual de Políticas Públicas de Juventude, no Rio de Janeiro. Se você quer ficar por dentro desse assunto, é só dar uma olhada nas páginas eletrônicas <www.conferenciadeju-ventude.wordpress.com> e <www.juventude.gov.br>. Nelas você encontrará informações sobre o que está sendo discutido, quando e onde os encontros vão se realizar e como participar. Certamente, você também tem demandas e bandeiras para compartilhar!

Patrícia LânesSocióloga, pesquisadora do Ibase.

Como os(as) jovens sul-americanos(as) estão se

organizando hoje? Quais são suas principais rei-

vindicações? Elas estão sendo atendidas pela

sociedade? Em 2007, Ibase e Instituto Pólis rea-

lizaram uma grande pesquisa na América do Sul

buscando pistas que ajudassem a responder tais

questões. Ao todo – e com a ajuda de uma rede

de instituições no Brasil e nos outros cinco países

pesquisados (Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e

Uruguai) –, foram estudadas 19 situações juvenis

e ouvidas 960 pessoas, entre jovens e adultos.

Com isso, foi possível conhecer diversos grupos

juvenis que expressam demandas relacionadas,

sobretudo, à educação, trabalho, circulação/trans-

porte, cultura, segurança e meio-ambiente. Esses

grupos vão desde sindicatos, partidos políticos e

movimentos ambientais até organizações comuni-

tárias e grupos culturais, como o hip hop e jovens

participantes de projetos sociais.

O estudo revelou, também, as maneiras pe-

las quais essas demandas e reivindicações estão

se tornando visíveis na sociedade. Os(as) jovens

organizados(as) estão indo para as ruas se mani-

festar, participando de reuniões e assembléias e

organizado atividades comunitárias. Tem muito(a)

jovem sul-americano(a) usando rádios, jornais,

panfletos e a Internet (por meio de blogs, listas de

discussão etc.) para darem o seu recado e se mos-

trarem para o mundo. E isso é muito importante.

Além de demandas concretas, como educação

pública e de qualidade, trabalho decente, direito

de circular pelas cidades e pelo campo, acesso

à cultura e à segurança e preservação ambien-

tal, os(as) jovens também querem ser reconhe-

cidos e valorizados. Estão cansados(as) de serem

vistos por estereótipos e sabem que muitos destes

(de jovem alienado(a), violento(a)/ perigoso(a),

despreparado(a) etc.) fazem com que políticas

públicas e ações criadas para a juventude não

consigam responder aos problemas que enfren-

tam no seu dia-a-dia.

Nesse sentido, os(as) jovens organizados(as)

que fizeram parte do estudo esperam que muitas

de suas demandas sejam respondidas pelo po-

der público. Ao falarem de direitos, esperam que

estes sejam garantidos pela sociedade, mas, so-

bretudo, pelos governos. E, também, reivindicam

espaços de participação, seja dentro dos grupos,

entidades e movimentos dos quais participam,

seja nos espaços de formulação, execução e ava-

liação das políticas públicas.

Infelizmente, na avaliação dos(as) pesquisado-

res(as) que participaram desse projeto, as políti-

cas pensadas para os(as) jovens ainda dispõem

de orçamentos limitados; têm problemas de de-

senho e de gestão; não garantem uma aborda-

gem integral dos problemas que atingem os(as)

jovens; quase nunca são articuladas entre si e

faltam nelas espaços de participação para os(as)

próprios(as) jovens.

Longe de ser uma avaliação pessimista do

que há de políticas públicas para os(as) jovens

na América do Sul hoje, esse quadro nos mostra

que ainda há muito por que lutar. E há muitos

jovens fazendo isso. Passar a encarar a questão

da juventude de forma regional, ou seja, numa

articulação entre povos, movimentos e nações do

continente sul-americano, pode ser um caminho

para contribuir para que nossas sociedades mu-

dem esse cenário.

ARQU

IVOS

: BAS

E–IS

, COT

IDIA

NO M

UJER

, CID

PA, P

IEB,

IBAS

E

06 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ’08

Da redaçãoColaborou: Carlos Daniel da Costa

Thais Silva (18), moradora do bairro Jardim Amé-

rica, na cidade do Rio de Janeiro, está tirando seu

título este ano por causa da idade. Ela é obrigada

a votar, mas está animada por poder fazer a sua

escolha. “Meu voto vai fazer a diferença, vou es-

colher meus candidatos tendo consciência de em

quem vou votar. Acredito que pode aparecer uma

pessoa que possa fazer coisas boas”, afirma.

Como ela, mais de 2 milhões de jovens de 16 e

17 anos acreditam no poder do voto para a trans-

formação do país. Segundo dados do Tribunal Su-

perior Eleitoral (TSE), a emissão de títulos elei-

torais para jovens dessa faixa etária cresceu em

2007. Mas o voto de Thais faz a diferença?

Na opinião do sociólogo Cândido Grzybowski,

diretor do Ibase, sim. “Entramos em ano eleitoral e

a crise política nos leva a rever nosso papel como

cidadãos. Como estamos exercendo o direito de

votar e definir quem governa? Mesmo reconhe-

cendo que as eleições não são a panacéia geral,

votar é preciso”, defende.

O cientista político Paulo d´Ávila, professor da

PUC/RJ, concorda. “Acredito que o voto seja fun-

damental para a democracia, por várias razões. O

sistema de legitimação do exercício do poder po-

lítico que adotamos como ‘menos pior’ é o da de-

mocracia representativa. Reforçar as instituições

democráticas, mesmo que tenhamos motivos de

sobra para críticas, ajuda a garantir a manutenção

de um modelo de organização do poder que permi-

te a convivência de formas de pensar absolutamen-

te discrepantes, incluindo a sua”, esclarece.

O estudante de Jornalismo Diego Santos Fran-

cisco (20) tirou seu título aos 16, embora naquele

ano não fossem ocorrer eleições. Ele esperou um

ano para exercer esse direito, mas não se arrepen-

de: “Quando tinha 17, tiveram eleições munici-

pais. Escolhi meu candidato pelas idéias, nem foi

a pessoa que ganhou, mas era o meu candidato,

aquele em quem eu acreditava”, empolga-se. A

clareza sobre a importância do voto como forma

de exercer a cidadania também é um norte na vida

de Carla Beatriz Duarte de Souza (23), técnica em

Administração. Apesar de não ter tirado o título

aos 16 anos, Carla, desde cedo, importa-se com a

situação do país.

“Fui acostumada a participar de conversas que

envolviam política e acompanhar os acontecimen-

tos político-sociais do Brasil e do mundo. Tirei

meu título de eleitora aos 18 anos. Aos 16 anos,

me sentia pronta, mas eram eleições municipais,

não queria votar nos possíveis candidatos e sou

contra o voto branco ou nulo. Votei pela primeira

vez em 2002, nas eleições presidenciais”, conta.

Danilo Cavalcante (18) vai votar pela primeira

vez este ano, mas não tem a mesma animação de

Carla e Diego. A questão do voto ser obrigatório

pode pesar na hora de decidir o momento de tirar

o título.“Voto obrigatório é um saco! Deveria votar

quem quisesse!”, revolta-se.

Jéssica Honorato dos Santos (18) concorda: “O

voto não deveria ser obrigatório. Não sentia von-

tade de votar antes. Você tem que ter certeza em

quem vai votar, alguém que vai fazer algo pelo

povo. Deveria ser semelhante a outros países onde

o voto é uma opção”, diz.

O pesquisador do Laboratório de Pesquisas em

Comunicação Política e Opinião Pública (Iuperj),

Jairo Nicolau, explica esse desinteresse. “A juven-

tude de hoje não tem mais as mesmas crenças

e ideologias do passado. O mundo mudou, seus

valores e a forma de fazer política também. O que

acontece é que essa juventude tem algo de dife-

rencial que não existia há 10 anos. Acho que tem

a ver com a ineficiência da política tradicional, que

não agrada a juventude. Eles olham esses políticos

e acham isso muito estranho. Realmente é, parla-

mentares usando terno e gravata e falando de coi-

sas técnicas. Assim, não conseguem conquistar

os jovens eleitores”, conclui.

COMO ESCOLHER?Polêmicas à parte, uma pergunta que fica no ar

para quem vai votar pela primeira vez é saber como

decidir. “O que é importante é a confiabilidade das

informações consumidas no processo de decisão,

independente dos critérios adotados por cada um

na dura tarefa de realizar uma escolha. Portanto,

a primeira escolha é o tipo de informação ou meio

de obtenção de informação que se vai privilegiar”,

explica Paulo d´Ávila.

Quando se trata dessa escolha, Carla Beatriz

Duarte é enfática: “Pense bem em quem votará,

procure conhecer o passado do seu candidato,

como chegou ao partido ao qual pertence e quais

suas propostas. Não vote por protesto, pois as-

sim ganham pessoas que não têm o mínimo de

conhecimento político. O voto bem feito e com os

eleitores cobrando dos políticos suas obrigações

pode fazer a diferença no Brasil. Temos muito

que avançar e a postura dos eleitores é a grande

arma que temos”, conclui. Agora, é com você.

VOTE!

tire seu tÍtuloQuem quiser votar nas eleições de 2008, pre-

cisa tirar o título de eleitor, no máximo, até o

dia 7 de maio. Para isso, compareça à zona

eleitoral referente à rua onde você mora com

os seguintes documentos:

– documento de identificação pessoal (RG;

certidão de nascimento);

– comprovante de residência.

Mais informações em: <www.tse.gov.br/>

07JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ‘08

Andaram dizendo por aí que o Fórum Social Mun-

dial (FSM) perdeu sua força. É, parece que o fato

de, em janeiro de 2008, 72 países terem promo-

vido eventos e manifestações – 19 cidades só no

Brasil – pela busca de um outro mundo possível

não comove certos segmentos da sociedade.

Essa “descentralização” do FSM foi uma forma

de mostrar e valorizar a diversidade da sociedade

no mundo. Dar mais visibilidade às questões lo-

cais e mostrar que, ainda assim, ainda que as di-

ferenças de tradições e culturas existam, que as

sociedades funcionem cada uma a seu modo, al-

guns elementos em comum permeiam esses gru-

pos. Um deles é exatamente aquele que fermenta

o Fórum: a contraposição ao neoliberalismo.

O FSM é um espaço para unir forças de trans-

formação da sociedade. Hoje, vivemos em um

mundo no qual o que importa é “meu pirão pri-

meiro”. Um mundo capitalista tão complicado que

não respeita o que é ser humano. Tudo se trans-

forma em “coisa vendável”, o trabalho, os bens

materiais e imateriais etc. E o objetivo do Fórum é

transformar a sociedade dando mais sentido para

as relações humanas. Construir uma sociedade

planetária com cidadania de fato, o que signifi-

ca a existência de igualdade nas oportunidades,

respeito à diversidade e pluralidade de idéias, às

questões de gênero e opção sexual, diferenças

de cor, raça, credo e de localização geográfica.

Você pode estar pensando que, olhando daqui,

isso tudo parece muito distante de ocorrer. Mas pode

não ser bem assim. O Fórum Social Mundial teve

seu primeiro encontro em 2001, em Porto Alegre,

e reuniu 20 mil pessoas. Nos sete encontros mun-

diais, foram mais de 650 mil pessoas. Além desses,

centenas de encontros locais e regionais ocorreram

pelo mundo. Deve haver algo acontecendo, um de-

sejo, uma sinalização para reunir tanta gente, não?

Nos encontros deste ano no Brasil, várias de-

mandas, discussões e articulações importan-

tes foram sinalizadas. Em Maricá, no estado do

Rio, houve debate sobre a disputa por terras na

região. Em Nova Friburgo, no mesmo estado, a

discussão foi sobre a importância da água como

fonte de vida. Em Fortaleza, Ceará, um cortejo

organizado por mais de 40 organizações também

saiu em defesa da água e da terra como direito

humano de todos e todas.

Outras cidades brasileiras realizaram manifes-

tações por um outro mundo possível. Juiz de Fora,

em Minas Gerais, discutiu questões como o des-

matamento na Amazônia, cenários do Brasil e da

América Latina. Foi redigida a Carta de Juiz de

Fora, entregue ao Comitê Internacional do FSM.

Em São Paulo, foi a vez do “Sábado-feira”, que

reuniu mais de uma centena de instituições sociais

e grupos culturais para compartilhar experiências.

Reforma política, violência contra a mulher, músi-

ca e teatro marcaram o evento cultural e político.

No Rio, o evento político também uniu-se ao

cultural. Com o slogan “Cultura, arte e política por

um outro mundo possível”, o encontro Rio Com

Vida reuniu cerca de 10 mil pessoas em torno de

shows, passeatas e economia solidária. Em Be-

lém, no Pará, sede do próximo encontro mundial

em janeiro de 2009, além de debates, um cortejo

político-cultural animou mais de 6 mil pessoas

manifestantes contra o colonialismo, patriarcado,

neoliberalismo, racismo, trabalho escravo e diver-

sas outras formas de exploração.

AINDA É POUCO?Mas ainda assim, você me pergunta: “Onde estão

os resultados?”. O Fórum Mundial de Educação

(FME), que será realizado na Baixada Fluminense,

em março (ver página 16) é um deles. O tema deste

ano é “Educação cidadã”, na busca para garantir

os direitos sociais a todas as pessoas. No FME,

uma Plataforma Mundial de Educação vem sendo

elaborada a cada edição. É a defesa da educação

como um direito humano fundamental e ferramen-

ta para eliminar a pobreza e as desigualdades.

Também a economia solidária ganha força

com o FSM. Hoje, o país tem uma Secretaria Na-

cional de Economia Solidária a partir da pressão

de grupos que outrem se encontraram no Fórum,

se articularam e estão se fortalecendo.

A juventude também encontrou seu caminho.

Só os Acampamentos Internacionais da Juven-

tude de todas as edições do FSM reuniram mais

de 80 mil pessoas. Em 2005, por exemplo, de-

mocracia direta, gestão ambiental sustentável e

novas formas de fazer política foram praticadas

pelas 35 mil pessoas que lá estavam.

O FSM é um processo, o que significa que ele

ocorre o tempo todo e depende de cada um(a) de

nós. Você pode fazer parte dele, a partir de agora.

Não precisa, necessariamente, estar em todos

os eventos. Pode começar desejando um mundo

mais justo, mais igualitário, onde o “outro” seja

respeitado. Pode encontrar seus amigos e amigas

e pensar propostas para sua escola, formar um

grupo de articulação com outras escolas e propor

mudanças na educação. Basta começar a cons-

truir esse outro mundo possível.

E aí, o FSM perdeu a força? Nos encontramos

em Belém.

FOTO

S FS

M <

HTTP

://W

SF20

08.N

ET/E

NG/N

ODE/

6777

>

FÓRUM À TODA FORÇA

08 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ’08

Dados do Ministério das Comunicações mostram

que existem no país 279 TVs comerciais e 177

TVs educativas. Seguindo o que estabelece a

Constituição, no artigo 221, essas emissoras de-

vem disponibilizar uma programação que atenda

aos seguintes princípios: finalidades educativas,

artísticas, culturais e informativas; promoção da

cultura nacional e regional e estímulo à produção

independente; regionalização da produção cultu-

ral, artística e jornalística; e respeito aos valores

éticos e sociais da pessoa e da família.

Na prática, eles não estão plenamente pre-

sentes, sobretudo nas emissoras privadas. Para

reverter isso e regulamentar o artigo 221, uma

série de projetos de lei (PL) está em tramitação

no Senado Federal, como o de nº 256 (1991),

da então deputada federal Jandira Feghali. Esse

PL reforça a regionalização da programação das

emissoras de TV, estabelecendo percentuais mí-

nimos de veiculação da produção local e preven-

do instrumentos legais de fiscalização.

Enquanto os PLs não são aprovados, a medi-

da provisória nº 398 criou, em 2007, a Empresa

Brasil de Comunicação (EBC), pensada para ge-

rir o sistema público de radiodifusão, incluindo a

TV Brasil. À frente da EBC está a jornalista Tereza

Cruvinel, que chama a atenção para o papel da

TV pública (também chamada de educativa). “A

TV Brasil deve ser vista como uma conquista de

cidadania. É o Estado devolvendo ao cidadão par-

te de sua contribuição em impostos, oferecendo

um serviço qualificado”, destaca.

Ao contrário das TVs comerciais, pautadas

pelo lucro e aferição de audiência , Cruvinel expli-

ca que “a grande qualidade da TV pública é que

ela garante ao cidadão o direito à informação e o

acesso a uma programação diversificada sobre a

qual ele tem influência efetiva”. A proposta é que

a TV Brasil não se paute pela lógica econômico-

financeira e não se subordine ao poder político,

sendo um serviço público que conte com a parti-

cipação direta de cidadãos(as), acompanhando e

fiscalizando a qualidade da programação.

Preocupada com a garantia dessa participa-

ção, a sociedade civil organizada tem se mobi-

lizado para cobrar espaço na nova TV pública.

O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação

Social, que defende a comunicação como direi-

to humano, apresentou, em janeiro, ao Conselho

Curador da EBC, um documento com propostas

que visam fortalecer o envolvimento cidadão na

gestão, produção e avaliação da TV Brasil. Para

o Intervozes, o Conselho tem a função de contri-

buir para a transparência da empresa e para uma

cultura de participação.

“Os movimentos sociais e ONGs que lutam

pela democratização dos meios de comunicação,

apesar de intensa reivindicação, foram excluídos

do processo de concepção da TV Brasil”, lembra

Bia Barbosa, jornalista e integrante do Intervo-

zes. Com o envio desse documento, ela espera

que o processo seja mais participativo, de for-

ma que consultas e audiências públicas sejam

instrumentos para um diálogo constante com o

Conselho Curador.

A SERVIÇO DA CIDADANIAPensar como a televisão e outras linguagens de

comunicação podem estar a serviço da cidadania

é papel das TVs educativas e tem sido o desa-

fio de alguns órgãos, como a Empresa Municipal

da então deputada federal Jandira Feghali. Esse

PL reforça a regionalização da programação das

emissoras de TV, estabelecendo percentuais mí-

nimos de veiculação da produção local e preven-

do instrumentos legais de fiscalização.

da provisória nº 398 criou, em 2007, a Empresa

Brasil de Comunicação (EBC), pensada para ge-

rir o sistema público de radiodifusão, incluindo a

TV Brasil. À frente da EBC está a jornalista Tereza

Cruvinel, que chama a atenção para o papel da

TV pública (também chamada de educativa). “A

TV Brasil deve ser vista como uma conquista de

cidadania. É o Estado devolvendo ao cidadão par-

te de sua contribuição em impostos, oferecendo

um serviço qualificado”, destaca.

pelo lucro e aferição de audiência , Cruvinel expli-

ca que “a grande qualidade da TV pública é que ca que “a grande qualidade da TV pública é que

A recente criação pelo governo federal da TV Brasil, que resulta da fusão

da programação de TVs educativas, tem gerado debates sobre o papel da

TV pública na sociedade brasileira. Mas, afinal, o que é TV pública? Você

costuma assistir a emissoras educativas e culturais? Está satisfeito(a) com

o conteúdo veiculado na televisão em geral?

TV Pública de qualidade: temos direito

Marina MariaJornalista, conselheira do Jornal da Cidadania.

JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ’0808

QfQUAL FOI?

09JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ‘08

de Multimeios da Prefeitura do Rio de Janeiro

(Multirio). Embora seja uma produtora, a Multi-

rio apresenta uma forma inovadora de apoiar a

formação de alunos(as) da rede de ensino da

cidade. A partir das linguagens impressa, audio-

visual e digital, desenvolve um trabalho que alia

mídia e educação nas práticas pedagógicas(as)

e, por conseguinte, no aprendizado de crianças

e jovens.

A revista Nós da Escola e o Portal Multirio são

exemplos de instrumentos criados com finalida-

des pedagógicas, culturais, sociais, visando ao

direito de cidadania da comunidade escolar. No

caso da TV, a empresa pública produz progra-

mas veiculados na Band Rio e no canal a cabo

14 da NET, incluindo documentários, programas

culturais e informativos interativos, produções

para crianças e campanhas de interesse público.

O diferencial é que boa parte dessa produção é

criada com alunos(as) e educadores(s) das cerca

de 40 mil escolas municipais da cidade.

Presidenta da produtora, a pedagoga Regina

de Assis afirma que a associação entre mídia e

educação tem papel importante no processo de

inclusão da população, na garantia de acesso ao

conhecimento e à discussão em torno de valores e

no reconhecimento das diferenças. Cabe aos(às)

profissionais de comunicação e educadores(as)

identificarem os recursos mais eficazes e como

podem ser inseridos no processo de formação

dos(as) alunos(as).

Entre esses recursos, a animação tem se fir-

mado como um instrumento educativo e de pro-

moção da cidadania. Porém, apesar da expressiva

visibilidade na televisão, o investimento nesse se-

tor ainda é baixo para que uma indústria nacional

de desenho animado seja consolidada.

Além disso, a produção veiculada nas emis-

soras privadas brasileiras é basicamente estran-

geira, de maneira que desenhos animados nacio-

nais têm espaço apenas em TVs educativas, como

a antiga TVE/RJ, agora TV Brasil. O animador An-

drés Lieban, da 2dLab – um estúdio de animação,

fundado em 1998, com produções premiadas na-

cional e internacionalmente –, avalia que o cenário

internacional é bem diferente do brasileiro.

Para desenvolver um trabalho de qualidade em

animação, a pesquisa estética é uma importante

etapa que envolve tempo, recurso e investimento,

aspectos que, segundo Lieban, não atraem as TVs

privadas, pela incerteza da eficácia dessas produ-

ções. Assim, optam por continuar a importar séries

que reproduzem outras culturas. Nesse aspecto,

as TVs públicas, por meio de editais de incentivo

à produção independente, com financiamento do

Ministério da Cultura, colaboram para a dissemi-

nação da produção nacional, em programas como

o Curta Criança, já na terceira edição.

A parceria com outros países acaba sendo

uma alternativa diante do insuficiente incentivo

interno, com a possibilidade de exportação e in-

tercâmbio no desenvolvimento de trabalhos. A

2dLab, por exemplo, já criou animações para a

série Um Menino muito Maluquinho, da TV Bra-

sil, fez clipes musicais premiados, entre os quais

para Aquarela, de Toquinho, participa de festi-

vais internacionais, como o Animamundi, e busca

agora o mercado internacional, a partir de dois

projetos em co-produção com Canadá.

Um deles é a série animada, em fase de desen-

volvimento, Meu amigãozão, que conta a história

de três crianças que têm a ajuda de amigos(as)

imaginários(as) – um elefante azul, uma girafa

e um canguru – para resolver problemas do

dia-a-dia. “Precisamos reforçar uma parceria

entre governo, televisão e produtores(as) para

que consigamos criar um espaço de desenvolvi-

mento da animação no país. Estamos tentando

usar nosso currículo para conseguir implantar

uma produção de série que passe em TV, que

atinja o público brasileiro, mas que também

passe para o público de fora, senão a produção

não se paga”, observa Lieban.

Já a Multirio destina parte de seu orçamento

para o desenvolvimento de animação e tem se

destacado no cenário brasileiro por suas produ-

ções, como a série Juro que Vi, criada a partir

da interação entre alunos(as), desenhistas e

educadores(as) que revisitaram o folclore brasi-

leiro numa espécie de resgate da identidade cul-

tural e regional.

Regina de Assis explica que o objetivo foi tra-

balhar conflitos e questões reais da vida, como o

medo e a coragem, a beleza e a feiúra, de forma

leve e lúdica, a partir das lendas brasileiras, es-

colhidas com alunos(as) de uma escola da rede

municipal. “Pegamos a versão que o autor Luís

de Câmara Cascudo produziu dos mitos brasi-

leiros e escolhemos uma escola para trabalhar.

Com alunos de 6 a 12 anos, relemos as lendas

e escolhemos quais transformaríamos em anima-

ções”, conta Regina.

Juro que Vi foi premiada em festivais nacio-

nais e internacionais, como o Animamundi.

Para a pedagoga, manter aspectos da cultura

brasileira é essencial para comunicar também

a outros países. “A linguagem universal é a da

imagem em movimento. O êxito da animação é

dar um caráter muito regional, brasileiro, na es-

tética do traço, nas cores, até nas expressões,

que são diferentes do que os estúdios Disney ou

os mangás japoneses fazem. Conseguimos fa-

zer com que a questão local fale com o mundo

inteiro”, finaliza.

O BOTO, JURO QUE VI / MULTIRIOMEU AMIGÃOZÃO / 2DLAB

AQUARELA / 2DLAB

JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ’0810

Para nós mulheres jovens, o mês de março é um

dos mais importantes do ano já que no dia 8 ce-

lebramos o Dia Internacional da Mulher.

E você sabe como surgiu esta data? Ainda hoje,

existem várias versões. Porém, a mais conhecida

é a história das operárias de uma fábrica têxtil de

Nova Iorque, que pegou fogo em 8 de março de

1857, durante uma greve das trabalhadoras que

lutavam por melhores condições de trabalho.

Embora esse lamentável episódio tenha acon-

tecido, pesquisas históricas mais aprofundadas

põem em dúvida a ocorrência nesse dia e demons-

tram que várias outras heróicas lutas das mulheres

concorreram para a fi xação do 8 de março como

Dia Internacional da Mulher. Dentre elas, a mobili-

zação das mulheres em muitos países pelo direito

ao voto e a ação política das operárias russas que

desencadeou a revolução em 1917, saindo às ruas

contra a fome, a guerra e a tirania.

E POR QUE É IMPORTANTE CONHECERMOS ESSA HISTÓRIA? É importante para sabermos que esse dia é um

símbolo da luta, de nós mulheres, por direitos,

igualdade e autonomia! E ainda hoje, apesar de

todos os avanços que já tivemos – como a con-

quista do direito ao voto, estudo, trabalho, divór-

cio e tantas outras, como já falamos na edição

passada –, ainda temos muito que caminhar para

conquistarmos a igualdade de fato.

E para nós jovens, que já nascemos com mui-

tos desses direitos conquistados, essa é a hora de

dizermos o que ainda nos incomoda, onde e como

ainda somos discriminadas e colocar a boca no

trombone com nossas reivindicações!

Ainda passamos por uma série de preconcei-

tos e constrangimentos, quando, por exemplo, ao

passarmos nas ruas, somos obrigadas a fi car ou-

vindo “gracinhas” machistas; dentro de casa, sem-

pre sobra para nós a obrigação de fazer a maioria

das tarefas e de cuidar das(os) irmãs(aos) mais

novas(os); quando os(as) namorados(as) querem

controlar com que roupa e com quem andamos,

com quem falamos; a família querendo controlar

nossa vida sexual e, quando engravidamos, a culpa

e a responsabilidade de uma gravidez não planejada

sempre recai sobre nós. Embora sejamos a maioria

da população, ainda somos a minoria nos espaços

de representação política; sem falar na difi culdade

que enfrentamos para arrumar emprego...

Ufaaaa, já deu pra ver que ainda temos muito

pelo que lutar, hein??? E você, como está se orga-

nizando para mudar esta realidade? Nós mulhe-

res jovens já contribuímos e podemos contribuir

ainda mais para dar continuidade à luta feminista

pela igualdade de oportunidades entre os sexos.

Muitas de nós já estamos organizadas de diver-

sas formas nas escolas, comunidades, em grupos

culturais, instituições de mulheres, entre outros.

Núcleo de Mulheres Jovens da Casa da Mulher Trabalhadora (Camtra)Contatos: (21) 2544 0808 [email protected]<www.camtra.org.br>

AeAGORA É QUE SÃO ELAS

Um bom exemplo de que as mulheres jovens

estão se organizando é a realização do I Encontro

Nacional de Jovens Feministas, que será realizado

de 13 a 16 de março, em Fortaleza/CE, e reunirá jo-

vens mulheres de todo o Brasil para discutir temas

ligados à nossa situação no país. Esse encontro

faz parte de um processo ainda mais amplo, que

culminará na I Conferência Nacional de Juventude

ainda este semestre, em Brasília. Nós mulheres jo-

vens temos que nos organizar para levantar nossas

reivindicações. Aqui no Rio de Janeiro, o Núcleo

de Mulheres Jovens da Camtra constrói, em con-

junto com outros grupos de jovens, a Conferência

Juventudes do Rio de Janeiro Levantem suas Ban-

deiras – Conferência Livre.

Essas são só algumas demonstrações de como,

podemos nos organizar para transformar a história

das mulheres no Brasil. Como podemos ver, ainda

teremos muitos 8 de março pela frente para exigir

nossos direitos e celebrar nossas conquistas!

SÍMBOLO DE LUTAFOTOS <WWW.SXC.HU>

JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ‘08 11

CONSIDERA-SE UMA ARTISTA OU UMA ATIVISTA?Hip hop é o ativismo artístico, as duas partes não se

separam. Procuro sempre incluir isso no meu dia-a-

dia. O hip hop ajudou muito na minha identifi cação

como negra e como feminista, de buscar conheci-

mento para levar às pessoas. Passei a estudar e a

ler mais. O hip hop me deu uma profi ssão, foi por

causa disso que consegui meu primeiro emprego.

Como fez o seu primeiro rap?Em fevereiro de 2000, fi zeram um evento perto de

casa e resolvi cantar porque não havia mulher can-

tando. O único show com mulheres que tinha visto

foi o da Anfetaminas. Achei legal, mas não atingia

as meninas das periferias. Sempre achei que a

mulher tem que ser protagonista. Não admitia que

não houvesse mulher na cultura hip hop da Baixa-

da. Assim, fi z uma música que falava de política.

Você é uma das organizadoras do Encontro Nacional da Juventude Negra, Enjune, certo?Sim, o ponto de partida dessa iniciativa foi a Marcha

Zumbi+10, realizada em Brasília, em novembro de

2005. Os jovens que saíram dessa marcha resolve-

ram organizar o Enjune porque, muitas vezes, são

realizadas mobilizações do movimento negro e a

juventude participa de forma dispersa. Temos uma

Secretaria da Juventude no governo, mas a juven-

tude negra não está sendo contemplada por essas

ações. Ainda estamos morrendo, estamos fora das

escolas, desempregados, não temos bom acesso à

saúde. Por isso, resolvemos organizar esse encon-

tro, para conversar com jovens de todo o Brasil.

E qual foi o resultado da iniciativa?Foram feitos encontros estaduais e regionais, em

que discutimos saúde, educação, cultura, vio-

lência. Em julho de 2007, em Salvador, em um

encontro nacional com cerca de 700 jovens, de-

cidimos montar uma campanha, que esperamos

lançar este ano, contra o genocídio da população

negra. Até maio, vamos lançar o Fórum Nacional

da Juventude Negra, que vai discutir políticas pú-

blicas para essa juventude e fortalecer as ações

de empoderamento da juventude negra que são

realizadas dentro das suas comunidades. Se a

sociedade não nos protege, as políticas públicas

não nos protegem, vamos nos proteger uns aos

outros porque estamos morrendo em massa.

Você também participa de uma rede com jovens sul-americanos?Sim, essa iniciativa tem parceria com a Fase, com

apoio da União Européia e várias outras organizações

que trabalham com jovens no Mercosul e no Chile.

O projeto chama-se Juventude, Direitos e Derechos.

Nele, identifi camos que um dos direitos mais viola-

dos tem a ver com o acesso ao lazer. A partir daí, ini-

ciamos diálogos com as prefeituras, associações de

moradores e pessoas que poderiam ajudar a mudar

isso. Entramos em outras áreas também, como o

primeiro emprego, mídia, foram feitas várias ações.

Como está vendo a política, os partidos, o jogo duro do poder?A imagem que tenho da política é a de um cabo de

guerra. Em algum momento da vida, pensei: ‘Vou

me candidatar porque vou revolucionar alguma coi-

sa’. Só que não é bem assim, posso me candidatar,

ganhar, mas se quiser, por exemplo, aprovar a lei

que descriminaliza o aborto, vou precisar negociar

e, talvez, tenha que ceder naquilo que não consi-

dero certo, é faca no coração. Passei a prestar mais

atenção nisso a partir do governo Lula, um cara que

ajudei a colocar lá, em quem acredito. Vejo a gale-

ra só metendo o chicote, o cara faz uma ótima po-

lítica, só que muito do que ele não fez ou não pôde

fazer foi por causa desse jogo político. Aprendi que

não depende só dele, não depende só do vereador,

do deputado federal ou do senador que ajudei a

eleger. Depende de toda uma conjuntura política.

A juventude hoje participa mais da política?A juventude está organizada, questionando, cor-

rendo para tirar o título de eleitor. Na Baixada,

existe o Grupo Enraizados, de Nova Iguaçu. Eles

praticamente moram no prédio da prefeitura. Orga-

nizaram a Escola de Formação de Militantes, con-

seguiram câmeras e saem pelas ruas da cidade,

fi lmando, entrevistando as pessoas. Já fi zeram do-

cumentário sobre primeiro emprego, sobre espaço

público, saneamento. Outro exemplo é a galera do

Setor BR, em Mesquita, que vem desenvolvendo

um bom trabalho com a prefeitura. Em São João de

Meriti, percebo também que há um diálogo forte

da juventude com a prefeitura. Penso que, nestas

eleições municipais, a participação da juventude,

principalmente na Baixada, vai ser muito mais forte.

Trechos da entrevista publicada na revista Democracia Viva

do Ibase nº 38, março de 2008.

Revolta Feminina. “Revolta da necessidade de pre-cisar falar para as pessoas o que está acontecendo que tinha que causar revolta no povo. E Feminina porque, quando entrei, as mulheres pareciam meni-nos. Por isso, fiz questão de cantar de saia, brinco, maquiagem, igual a uma menina, feminina mesmo. E fazer os caras me respeitarem por isso.”

Baixe as m

úsicas d

a Re.Fem em:

www.hiphopdsdr.org.br

www.hiphopsemviolencia.org.br

FOTO

S M

ARCU

S VI

NI

JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ’0812

m 2006, o prefeito do Rio de Janeiro César Maia assinou decreto que orienta e programa as

comemorações previstas para este ano, quando do bicentenário da chegada da Família Real

portuguesa à cidade. Dentre outras, estão previstas iniciativas como: “grandes espetáculos de teatro

de rua que irão reproduzir a chegada da Família Real, [...], transformando a Praça XV em um imenso

cenário”; a realização de exposições com obras de Nicolas Taunay e Grandjean de Montigny, artistas da

missão francesa que chegaram ao Brasil durante o governo joanino; além de um concurso entre estu-

dantes da 5ª à 7ª série das escolas da rede municipal de ensino, que irá premiar “o melhor desenho e

a melhor redação sobre a estada da Família no Rio de Janeiro”.

Ao que parece, o decreto do prefeito não virou letra morta. Nas estantes das livrarias, há inúmeros

títulos sobre o tema. E, a partir de março, o Centro do Rio de Janeiro deverá, finalmente, assistir ao “es-

petáculo do desembarque da Família Real” – a encenação está prevista para outubro.

Esse evento, para muitos estudiosos, marca o início de um novo tempo na vida da Colônia. Alguns

deles, entusiasmados, como o jornalista Laurentino Gomes – autor do best-seller 1808 – chegam mesmo

a afirmar que coube a D. João inventar o Brasil, “construir um Brasil que não existia”. Diz ele: “Não é só a

chegada da Corte que se comemora, mas os 200 anos da indústria, da imprensa, do Banco do Brasil, da

Marinha, das escolas superiores, do comércio internacional, na realidade o Brasil está fazendo 200 anos”.

Vejamos agora um outro documento oficial que, em maio de 2008, completa 200 anos. A Carta

Régia assinada pelo próprio D. João, então já devidamente instalado no Rio de Janeiro. Prestemos bem

atenção neste pequeno trecho:

A Carta Régia de D. João abriu caminho para uma luta sem par contra aqueles povos indígenas que,

no começo do século 19, espalhavam-se pelos atuais estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Es-

pírito Santo e Bahia. Quais as razões que levaram o governo joanino a adotar uma “guerra sem fim”

contra eles? Quem eram? Há remanescentes dessas tribos nos dias de hoje?

Para tratar desses e de outros temas, entrevistei o historiador Marco Morel, professor de História da

Universidade Estadual do Rio de janeiro (Uerj) e ex-pesquisador do Ibase, que, nos últimos anos, tem se

dedicado a estudar essa história. Meu objetivo, ao chamar a atenção para a guerra empreendida contra

os botocudos, foi o de jogar luz para outras faces, ainda pouco iluminadas, do governo joanino no Brasil, o

qual, como veremos a seguir, também se valeu dos tradicionais métodos de violência e de extermínio que,

desde os tempos coloniais, marcaram a história das relações do Estado com as populações indígenas.

Américo Freire*

* Historiador e professor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOOC/FGV).

JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ‘08 13

Como se interessou pelos botocudos? Tomei contato com a Carta Régia de D.João, de

maio de 1808, em que o príncipe-regente decla-

ra guerra a esses índios. Comecei a ficar curioso

para saber quem eram e por que eram tratados

dessa maneira. A partir daí, desenvolvi um pro-

jeto que tem como objetivo uma pesquisa histó-

rica sobre os índios, prática não muito comum

no nosso campo porque os índios costumam ser

estudados apenas pelos antropólogos.

Busquei fazer um trabalho de historiador em

torno das imagens que foram produzidas sobre

os botocudos, articulando a construção das ima-

gens tanto de ícones como pessoais, com a tra-

jetória histórica deles. A pesquisa, logo, enfatiza

a primeira metade do século 19.

Qual o motivo da declaração de guerra?A Carta Régia é um texto muito impressionan-

te. Começa justificando a declaração de guerra,

com base no argumento de que os índios eram

antropófagos. Ao longo da pesquisa, descobri

que esse é o relato do padre mineiro Caetano

Vasconcelos, que pintou uma aquarela mostran-

do os índios botocudos comendo carne humana,

e essa aquarela circulou e impressionou muito

a Corte de D. João. Mas acho pouco provável

que fossem, já que pertencem ao grupo etno-

lingüístico macro-jê, que não costuma ter essas

práticas. O canibalismo ritual é uma prática mais

comum entre os tupis. E nunca houve nenhuma

comprovação. Os botocudos costumavam mutilar

os cadáveres dos adversários e isso acabou sen-

do associado com o canibalismo. Mas isso, pro-

vavelmente, influenciou a decisão de D. João.

Um outro fator está relacionado à crise da

mineração, que teria levado a um movimento de

colonização para outras terras, seja para plan-

tar ou procurar áreas mineradoras. Os índios

ocupavam uma área importante desse território,

daí o interesse em expulsá-los. Além disso, os

botocudos ainda ocupavam as margens do Rio

Doce, que era uma importante via navegável

para se alcançar o Espírito Santo. Então, esse

conjunto de fatores explica a decisão do prínci-

pe-regente.

Como foi a guerra? Foi realizada a partir de três capitanias: Minas

Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro – a Bahia

ficou um pouco de fora porque lá havia uma

política de boa vizinhança com esses índios. A

guerra durou muitos anos e só foi oficialmente

revogada pelo governo regencial em 1831, mas

os combates mais violentos se deram nos anos

de 1808 a 1824. Em 1824, já no começo do Pri-

meiro Reinado, os botocudos tentam reunir for-

ças para atacar a cidade de Vitória, mas foram

rechaçados pelas forças fiéis ao governo. A partir

daí, a guerra se esvazia.

Essa guerra representa um movimento intenso

de expansão civilizatória da Corte do Rio de Janei-

ro em direção ao interior. Em geral, a historiografia

mais tradicional costuma olhar esse movimento

somente pelo lado dos benefícios – melhoramen-

tos urbanos, instituições etc. Só que, é bom lem-

brar, essa expansão civilizatória teve também seu

aspecto bélico de conquista de novos territórios e

de submissão de povos.

E depois da guerra? Os botocudos tiveram muitas perdas, incluindo

terras. O governo estimulava as pessoas a criarem

pontos de colonização, distribuindo terras para

fazendas. Houve ainda um processo de escra-

vização. Os índios foram levados para fazendas,

trabalhos públicos e capitais das províncias. Al-

guns foram alistados nas forças militares. Houve,

também, tráfico de crianças indígenas, porque,

em geral, os homens eram mortos em combate e

as crianças poupadas para serem escravizadas,

as kurucas. A palavra usada até em português,

kuruquinha, para chamar crianças, é uma pala-

vra botocuda, surgiu a partir dessa época.

A Carta Régia de D. João previa que índios

pegos em combate poderiam ser escravizados

por dez anos, prorrogados por mais dez. Isso

ocorreu até a década de 1840, quando autori-

dades locais começaram a se posicionar contra

essa escravização e forçaram os proprietários a

libertar os índios que haviam sido pegos ainda na

época de D. João.

Fale sobre o presídio indígena. Nas primeiras décadas do século 20, depois da

criação do Serviço de Proteção ao Índio, o Ma-

rechal Rondon conseguiu garantir, no governo

de Minas, uma terra – lugar onde vivem até hoje

– para esses índios que deixaram de ser chama-

dos de botocudos e passaram a ser chamados

de krenakis. É um território que fica no município

de Resplendor, em Minas, perto de Governador

Valadares.

Porém, na década de 1950, eles foram dados

como extintos. Os que restaram começaram a

ser expulsos do território, que passou a ser ocu-

pado por fazendeiros. Durante a ditadura militar,

foi construído um presídio somente para índios, o

único do gênero em todo o Brasil. Sob as ordens

do capitão Pinheiro, da Polícia Militar, o presídio

passou a receber infratores índígenas de diferen-

tes etnias. Eles ficavam ali confinados, obrigados

a fazer trabalhos forçados e, se falassem nas suas

línguas originais, eram castigados com prisão ou

espancamento.

Nesse contexto, embora os krenakis tives-

sem sido dados como extintos, havia ainda na

região 20 deles, também submetidos ao regime

do presídio. A estratégia utilizada, sobretudo pe-

las mulheres, foi a de casar com os índios das

outras etnias e criar os filhos como krenakis. O

presídio foi desativado, eu conheci a ruína do

prédio que está lá até hoje. Há uma documen-

tação grande sobre esse presídio, que chegou a

ter cerca de 200 índios presos. Há denúncias de

que eles foram torturados e assassinados duran-

te o governo Médici.

Como foi o episódio sobre o espírito das águas? Em 1979, houve uma enchente. O Rio Doce en-

cheu e destruiu o prédio do presídio. O prédio

foi demolido oficialmente em 1980. No ano se-

guinte, os índios resolveram invadir e ocupar a

região. Para eles, foi o Espírito das Águas que

terminou com tudo aquilo. Cabe lembrar que era

o momento da abertura política e não havia mais

condições para se manter o presídio. Então, o

grupo de cerca de 12 krenakis ficou com a pos-

se das terras até 1997, ano em que, por meio

de uma ação na Justiça, conseguiu expulsar os

fazendeiros e retomar, por definitivo, o controle

das suas terras.

De 1950 até 1997, eles ficaram, em grande

parte, numa situação de clandestinidade, espa-

lhados pelo país todo. E, esses 12 que ficaram lá

escondiam a sua condição indígena com medo

de serem perseguidos. Depois de 1997, quando

garantiram a posse da terra, começaram a voltar.

Reconstituir família, construir as casas de novo e

tudo isso. Hoje, estão lá cerca de 200 krenakis.

Q? QUE MUNDOÉ ESTE?

JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ’0814

Como funciona o projeto Trançando Idéias?Neide – Utilizando uma ação pedagógica forte, o

projeto tem o objetivo de trabalhar a auto-estima,

em especial das meninas e adolescentes negras.

O projeto se vale da Lei 10.639, de ensino de his-

tória da África e do povo africano, para trabalhar

nas escolas com crianças, adolescentes e jovens.

Ao longo do ano letivo, organizamos palestras e

oficinas, com exibição de vídeos, exposições fo-

tográficas, abordando o combate ao preconceito

racial, a partir do enfraquecimento dos estereóti-

pos criados em torno da beleza negra.

O cabelo é um forte motivo de bulling* na escola, certo?Neide – Sim, a maioria das crianças negras sofre

com isso. São chamadas de ‘cabelo de bombril,

cabelo ruim’. O trabalho que fazemos mostra que

não existe cabelo ruim, o que existe são vários

tipos de cabelo e cada um tem uma espessura

própria, um jeito de ser tratado e todos podem, e

devem, ser admirados como são.

Qual a abrangência desse projeto?Neide – Realizamos visitas em escolas públicas,

estaduais e municipais, e também em particula-

res, não apenas no estado do Rio de Janeiro, já

levamos o projeto para uma universidade em Curi-

tiba. Também atuamos dentro de comunidades e

em parceria com movimentos sociais. Durante as

palestras, trazemos depoimentos de ativistas e es-

tudiosos que ajudam o público a entender melhor

o processo de formação do país e onde nós, a

população negra, está incluída.

O projeto Trançando Idéias foi criado pela ONG Estimativa há dois anos, voltado principalmente para adolescentes e mulheres negras. Para maio, quando se comemoram 120 anos da Abolição da Escravatura, será reali-zada uma vasta programação, “mas não se trata de comemorar”, avisa Neide Diniz, assessora de imprensa da Estimativa, “será uma oportunida-de de refletir sobre a situação da população negra no Brasil”, aposta.

O alunado tem sido receptivo? E os(as) professores(as)?Neide - No primeiro momento, há um estranha-

mento, principalmente em escolas particulares,

onde a presença de alunos negros é menor. Mas

também acontece em Cieps, onde os negros são

maioria, por ser um assunto pouco falado em sala

de aula. Outro problema é que essas crianças e

adolescentes não têm um referencial, a mídia tra-

balha com um outro modelo de beleza, não nos

reconhecemos nesse padrão. Por isso, o primeiro

momento é de espanto. Depois que o trabalho

é apresentado, elas passam a vivenciar aquele

universo, fazem as tranças no cabelo e aí passam

do espanto para a exaltação. Os olhos delas bri-

lham, a mudança é incrível. No início, vários têm

uma postura de inferioridade, mas depois que

recebem a informação adequada e, finalmente,

fazem o cabelo, principalmente as meninas, logo

querem pegar um espelho, se ver, passar batom,

se arrumar. A atitude muda totalmente. Elas pas-

sam a andar mais eretas, olham as pessoas nos

olhos, sem medo de encarar os outros, se sentin-

do belas. Para além da estética, trabalhar a auto-

estima tem um impacto psicológico forte.

Quais os outros projetos desenvolvidos pela Estimativa?Neide – Tem o Cinemativa, Nômades Culturais,

são vários, todos têm a pessoa negra como ator

principal, com enfoque nas mulheres. Nosso

objetivo é fazer a população negra conhecer a

sua própria história, respeitá-la e admirá-la. Só

cuidamos do que conhecemos. E, a partir daí,

passamos a nos gostar mais também. Apresen-

tamos essa memória, mostramos quem foram

os nossos heróis, nossos guerreiros, nossos in-

telectuais, quem são as mulheres e homens que

lutam para combater o preconceito e ajudar a po-

pulação negra a ter uma vida melhor. Como não

aparecemos na mídia, muitos acham que somos

invisíveis, mas não somos, tem uma galera muito

boa fazendo tudo acontecer.

Há alguma programação prevista para os 120 anos de Abolição da Escravatura?Neide – A idéia não é comemorar, é aproveitar

esse momento para fazer reflexões a respeito. Va-

mos realizar seminários, uma comunhão de todos

os nossos projetos, a cara da Estimativa é refle-

xão com muito alto astral, ainda estamos em fase

de preparação dos eventos que serão realizados

em torno disso, a programação estará acessível

no nosso site.

AnaCris Bittencourt

Pedidos de palestras e informações em <www.estimativa.org.br>.Tel.: (21) 2567.0011

* Termo da língua inglesa, sem correspondente

na língua portuguesa, que envolve “jogos de hu-

milhações” entre estudantes com o pretexto de

serem por “brincadeira”.

JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ‘08 15

Admito que fiquei pensando como começaria a es-

crever este texto, se deveria começar a escrever des-

de o momento de início dos estudos ou a partir do

momento em que me vi na situação de “aguardando

vagas”. Decidi começar pelo sentimento que nos

rege num primeiro momento: o de frustração. Afinal,

pelo menos até agora, me vi fora do sonho de muitos

jovens deste país: o de estudar em uma universida-

de pública. Não poderia transferir “minha responsa-

bilidade” da não-aprovação para outros, porém não

poderia deixar de mencionar que tive oportunidades

diferentes das demais pessoas: sou moradora da

zona oeste, oriunda de escola pública e de um pré-

vestibular comunitário. Isso somado ao fato de que o

reduzido número de vagas aumenta a concorrência.

A minha frustração, na verdade, é um misto de

sensações que se tem quando não se vê o seu nome

naquela lista sentenciadora chamada “lista de clas-

sificação”. Juntam-se pensamentos como os de que

eu poderia ter me dedicado mais, uma vez que as

minhas piores notas, ironicamente, foram em Histó-

ria e Biologia, disciplinas as quais eu mais tive pra-

zer em estudar durante toda a minha vida escolar.

Pois bem, diante de toda essa situação, tive

que começar a tentar ver as coisas com um pouco

mais de lucidez. Foi o que tentei fazer. Passado

esse momento de confusão, comecei a organizar

UNIRIOO edital de isenção da taxa de inscrição do Concurso Vestibular 2009 estará disponível a partir de

maio. As inscrições estão previstas para início de setembro. <www.unirio.br/vestibular>

UERJA solicitação de isenção do pagamento da taxa de inscrição do segundo exame de qualificação deve

ser feita de 28 a 30 de maio, pelo site <www.vestibular.uerj.br> ou no Laboratório de Informática da

Uerj – Pavilhão João Lyra Filho – térreo, das 10h às 17h (dias úteis).

O último dia para postagem do requerimento de isenção e da documentação comprobatória nas

agências de Correio é 2 de junho de 2008. A divulgação do resultado do processo de isenção será no

dia 1º de julho no site e no mural do vestibular da Uerj.

Para alunos(as) de cursos pré-vestibulares comunitários, populares ou similares, o requerimento

pode ser solicitado na Uerj no DSEA/Atendimento. Pavilhão João Lyra Filho, Bloco F – 1º andar – Sala

1.141 (das 9h às 17h), de 28 a 30 de maio. A entrega dos requerimentos de isenção e da documen-

tação comprobatória será feita no dia 2 de junho no mesmo local.

Informações no Telecandidato:

(21) 2587-7737 / (21) 2587-7343 / (21) 2587-7611 / (21) 2587-7307 ou escreva para <[email protected]>

os pensamentos. Foi assim que decidi dar uma re-

viravolta nos sentimentos que tinham me tomado

no primeiro momento. Comecei a analisar se real-

mente queria fazer parte das piores estatísticas, e

decidi que não. Não abriria mão de todo um ano

de estudos conciliados com trabalho, que muitas

vezes me sacrificava, com a falta de dinheiro de

passagem para ir ao pré-vestibular.

Definitivamente, não era isso que eu queria con-

tar para os meus filhos. Foi então que resolvi voltar

ao ponto zero, começar tudo de novo. Sempre quis

ser alguém que vai além das expectativas e é esse

sentimento de querer ingressar num curso altamente

elitista, como o de Psicologia, que me motiva a vol-

tar ao curso preparatório e encarar o vestibular mais

uma vez. Vou fazer quase tudo igual. Não deixarei de

ser uma ex-estudante de escola pública, continuarei

a fazer um pré-vestibular comunitário, enfrentarei

o frio, o sol, a violência urbana, a falta de dinheiro

de passagem, só para mudar o fim desta história.

No ano que vem, vou olhar pra trás, para este

texto e dizer: eu consegui passar, eu consegui furar

o bloqueio. E a mensagem que deixo é que todos

nós, que temos esse sonho e enfrentamos tantas

dificuldades, não podemos perder o foco. Acredite

em Deus, acredite em si, não perca seus objetivos,

não saia do foco. Nunca desista dos seus sonhos.

Daniele Santos da Silva

Estudante – PVP / CAMPO – Zona Oeste/RJ

VESTIBULANDO – DE OLHO NAS DATAS

Use o espaço no JC para contar algo legal sobre seu cotidiano na escola ou fora dela, compartilhar

dúvidas e certezas. É possível também utilizar o espaço para um debate entre professor(a) e estu-

dante sobre determinado assunto. Pode ter letra de música, poesia, desenho. Participe!

Marina Ribeiro – Coordenadora e prof.ª do Pré-vestibular Popular CJ/Campo, do Ibase

JORNAL DA CIDADANIA | Nº 141 | MARÇO ’0816

MÍNIMO DE 80 PESSOAS