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Parte IV DISCURSO E LÍNGUA PORTUGUESA Janaína de Aquino Ferraz Regina Célia Pagliuchi da Silveira

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Parte IVdIscurso e língua Portuguesa

Janaína de Aquino Ferraz

Regina Célia Pagliuchi da Silveira

a multImodalIdade e a formação dos sentIdos em Português como segunda língua

Janaína de Aquino Ferraz* (UnB)

Resumo: Nos últimos anos, houve grande abertura para a pluralidade de usos da linguagem no contexto escolar. Como conseqüência direta desse fenômeno houve mudança significativa na configuração dos materiais didáticos. Com isso, o objetivo principal deste artigo é analisar o conteúdo de livros didáticos de português para estrangeiros, no intuito de verificar quais são as mudanças na construção dos sentidos segundo os textos apresentados nesses materiais sob a luz da Análise de Discurso Crítica e da Semiótica Social.

Palavras-chave: Discurso; Multimodalidade; Imagens.

Abstract: In recent years, it had great opening for the plurality of language uses in the pertaining to school context. As a direct consequence of this phenomenon, it had significant changes in the configuration of didactic materials. For this reason, the main goal of this article is to analyze contents of didactic books of Portuguese for Foreigners, in intention to verify what are the changes in the meanings construction in texts presented in these materials, according to the directions of Critical Discourse Analysis and Social Semiotics.

Keywords: Discourse; Multimodality; Images.

* Professora da Universidade de Brasília; ministra disciplinas na área de Lingüística; mestre em Lingüís-tica pela mesma instituição; membro da Asociación Latinoamericana de Estúdios del Discurso (ALED), da Associação Brasileira de Lingüística (ABRALIN) e do Centro de Pesquisa em Análise de Discurso Crítica (CEPADIC); realiza pesquisas na área de Português Língua Estrangeira sob enfoque da Análise de Discurso Crítica a da Multimodalidade. E-mail: [email protected].

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a modalidade escrita na atualidade

Múltiplas semioses sempre coexistiram, mas assumi-las como objeto de estu-do é ainda algo muito novo. A linguagem do mundo atual privilegia outras

modalidades diferentes da escrita, portanto os eventos de escrita devem ser vistos, hoje, sob nova perspectiva. Essa modalidade torna-se, cada vez mais, apenas um dos modos de representação cultural. Mesmo ao constatar a pluralidade de linguagens, em termos de estudos lingüísticos, o que se verifica é o enfoque na escrita, que não basta mais para revelar a totalidade dos usos da língua e de seus fenômenos.

Essas mudanças significativas trazem à tona um novo tipo de texto, que se mostra bastante recorrente nas práticas sociais pós-modernas: o texto multimodal. Para a Teoria da Multimodalidade, o texto multimodal é aquele cujo significado se realiza por mais de um código semiótico, conforme Kress & van Leeuwen (1996). Ainda segundo esses, um conjunto de modos semióticos está sempre envolvido em toda produção ou leitura dos textos; cada modalidade tem suas potencialidades específicas de representação e de comunicação, produzidas culturalmente; tanto os produtores quanto os leitores têm poder sobre esses textos; o interesse do produ-tor implica a convergência de um complexo conjunto de fatores; histórias sociais e culturais, contextos sociais atuais, inclusive perspectivas do produtor do signo sobre o contexto comunicativo.

O constante surgimento de avanços tecnológicos confere às práticas sociais mais diversas, novas configurações lingüísticas, que lançam mão de multisemioses. Os reflexos dessas mudanças apontam novos direcionamentos para disciplinas críticas, como a Análise de Discurso Crítica (ADC), que, hoje, reconhece a importância da análise da comunicação visual.

Visualização: novo enfoque para estudos discursivosA Análise de Discurso Crítica (ADC) tem se concentrado não mais apenas em

análises textuais baseadas na linguagem escrita, mas também em amplas tendên-cias na comunicação pública. Isso porque as mudanças na linguagem direcionam os estudos do discurso e impulsionam as transformações de todas as formas de comunicação. A grande utilização de imagens para a comunicação atesta que, cada vez mais, o texto multimodal figura como fonte essencial de investigação para a ADC, isso porque esta pretende mostrar, dentre outras coisas, como esses textos podem de fato reproduzir atitudes ideológicas e como a linguagem é usada para veicular poder na interação social pós-moderna. Dessa forma, considero a abran-gência dada ao termo discurso que também é utilizado para referir-se a “elementos semióticos das práticas sociais” (ChOULIARAKI e FAIRCLOUgh, 1999, p. 38) como

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reflexo da inclusão de outras modalidades semióticas de discurso não-verbal por parte da ADC.

De acordo com a Semiótica Social, a linguagem tende a se adequar às linhas seguintes, segundo Kress e van Leeuwen (1996):

a) a comunicação exige que os participantes elaborem suas mensagens maxi-mamente compreensíveis num contexto particular. Para isso eles procuram formas de expressão que eles acreditam ser maximamente transparentes para os outros participantes;

b) a comunicação determina lugares na estrutura social que são inevitavel-mente marcados pelas diferenças de poder, e isso afeta o modo como cada participante compreende a noção de entendimento máximo;

c) os participantes em posição de poder podem forçar outros participantes a um maior esforço de interpretação, diferenciando sua noção de entendimento máximo;

d) a representação requer que o criador dos signos procure formas para a expressão do que eles têm em mente, formas que eles vêem como as mais aptas e plausíveis em dado contexto;

e) o interesse dos criadores dos signos, no momento da criação, guia-se para procurar um aspecto ou o conjunto de aspectos do objeto a ser represen-tado como sendo característico, naquele momento, para representar o que eles querem representar, e daí procurar a mais plausível, a mais apta forma para sua representação. Isso se aplica também ao interesse das instituições dentro das quais as mensagens são produzidas, e lá se faz a formação de convenções e constrangimentos.

Nesse âmbito de mudanças, o ensino de línguas mostra-se como uma das áreas que mais sofreu influência das novas tecnologias. O apelo visual deixa de ser ex-clusivo do discurso publicitário, materiais didáticos também passam a apresentar maior quantidade de imagens e de cores. O texto, no qual predomina um único modo semiótico, não atende mais às novas necessidades da sociedade atual, que pede maior quantidade de informação. A famosa frase “uma imagem vale mais que mil palavras” ganha força e direciona a configuração dos discursos.

Com base nessas afirmações, teço considerações a respeito de textos multimodais presentes em livros didáticos de português para estrangeiros, segmento que aponta de forma significativa para uma nova configuração na sua forma, condizente com o uso da imagem como recurso argumentativo para a transmissão de mensagens. Passo, agora, a apresentação desses materiais didáticos.

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os materiais didáticos de Português língua estrangeiraO ensino de línguas estrangeiras sempre teve como característica o emprego

de multimeios para a aplicação de atividades diversificadas, mas o que procuro ressaltar é como o emprego dos modos semióticos, como cores e imagens aplicadas em materiais didáticos direcionam a representação dos signos selecionados pelo produtor. Dessa forma, pretendo elucidar o verdadeiro papel dos textos multimo-dais, compostos por linguagem verbal e não-verbal presentes em livros didáticos de português para estrangeiros, com o objetivo de verificar como a organização dos vários modos semióticos presentes nesses textos contribui para a construção de significados aos olhos do aluno estrangeiro, seu principal leitor.

É corrente dizer que um dos objetivos dos cursos de língua estrangeira é ativar a competência comunicativa consciente na língua-alvo em uso concreto por parte do aluno, mas, como em grande parte dos casos, o processo de aprendizagem não se dá em ambiente de imersão, essa competência é trabalhada em ambiente de sala de aula e com a utilização de um livro didático – base para o curso. É desse livro, portanto, que se retiram as situações-alvo para o desenvolvimento das habilidades lingüísticas necessárias no desempenho das tarefas exigidas. Tais necessidades são comumente estabelecidas em termos de objetivos, canais, ambientes de comuni-cação, habilidades lingüísticas, funções e estruturas.

Para que as habilidades lingüísticas sejam desenvolvidas, mesmo em ambiente formal, é importante proporcionar ao aluno melhor conhecimento da cultura dos falantes nativos da língua-alvo, de forma que ele possa ter o domínio crítico ne-cessário dos vários modos semióticos que o cercam, em outras palavras, prepará-lo para uma interpretação eficiente de textos multimodais em outra língua.

Por considerar o processo de aprendizagem uma negociação entre os participan-tes, não só em relação ao conteúdo a ser estudado, mas também em relação a sua implementação em sala de aula, vejo o livro didático como uma conseqüência de todas as escolhas oriundas de uma idéia de planejamento que nele se refletem, um lugar repleto de pistas significativas sobre a formação discursiva de conceitos.

O livro didático é, portanto, elemento “provocador” que pode abrir pontos para a troca de idéias, de opiniões, de pontos de vista, pois carrega em si eventos e situações que buscam retratar cultura. Coloca o aluno estrangeiro em contato com visões de mundo e com parâmetros culturais diferentes dos de sua origem

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e como um dos veículos de um discurso permeado por crenças e valores sociais. Por tudo isso, o livro didático figura de forma eficiente como objeto de estudos discursivos.

O ponto de partida para o conhecimento crítico dos vários modos semióticos que envolvem a produção de textos multimodais em português reside em investigar as conseqüências da perspectiva do produtor dos signos, que busca representar a realidade por meio das formas simbólicas que considera mais plausíveis para determinado contexto. Dessa forma, os textos multimodais apresentados em ma-teriais didáticos de língua estrangeira passam a ser reflexo de posicionamentos ideológicos. Portanto, é do livro didático que proponho iniciar meu trabalho, pois o considero fonte essencial de subsídios para a compreensão da ideologia contida em seus textos, e da percepção das origens sociais em que se deu sua produção.

Cumprida a tarefa de apresentar a importância dos materiais didáticos de língua estrangeira, nesse momento procedo à apresentação de mudanças significativas nesses materiais, nos últimos anos.

as mudanças significativas em materiais didáticos de língua estrangeiraAnteriormente, mencionei, de forma breve, as mudanças pelas quais passaram

os materiais didáticos de língua estrangeira nas últimas décadas. Tais mudanças trouxeram reestruturações quanto à composição textual das partes constitutivas das capas de livros didáticos, que por apresentarem estruturas fixas, podem ser consideradas um gênero discursivo, bem como de seus textos internos.

A comprovação da existência de um “código de integração” que implica sin-cronização de elementos por meio de um ritmo comum (van Leeuwen 1985, apud Kress & van Leeuwen, 2001), pode ser vista, por meio dessas estruturas fixas. Dessa forma, meu enfoque, para o momento, volta-se ao conjunto dos modos semióticos envolvidos na produção de duas capas, o que levará ao entendimento das mensagens nelas contidas, para, posteriormente, proceder ao exame de textos multimodais de cada um dos livros selecionados para essa discussão.

Passo à apresentação sucinta das partes fixas constitutivas do gênero em ques-tão, de modo a explicitá-las de acordo com as modalidades envolvidas em sua produção. Observemos as duas capas seguintes:

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Capa de Lima & Iunes (1990).

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Ao analisar a capa selecionada, verifico a apresentação padrão de alguns itens significativos nesse gênero, e que passam a ser as partes fixas de composição textual, são elas:

I. Título da série: Via Brasil;

II. Nome dos autores: Emma Eberlein O. F. Lima e Samira Abirad Iunes;

III. Título do livro: Português: um curso avançado para estrangeiros;

IV. Editora: EPU.

Em primeiro plano, temos o título da obra “VIA BRASIL PORTUgUÊS: um curso avançado para estrangeiros” com destaque para as palavras Via Brasil e Portu-guês. Os nomes das autoras, apesar de aparecerem antes do título, encontram-se em segundo plano, juntamente com o nome da editora. Esses elementos revelam o objetivo de uma capa: apresentar ao leitor uma idéia geral sobre o que vai ser abordado naquela obra.

Na modalidade visual, existem poucos elementos representativos ou formas de expressão que remetam ao conjunto de aspectos que será apresentado no interior do livro. O que destaco nessa modalidade são as cores do segundo plano: verde e preto que remetem à vegetação do Brasil como país tropical, as folhas e as árvores sombreadas reforçam a presença de florestas no País.

O número reduzido de formas de expressão nessa capa leva a concluir que não houve preocupação do produtor dos signos quanto à representatividade de ima-gens, ou mesmo com os efeitos de composição de sentido entre linguagem verbal e não-verbal, ficando a encargo da parte escrita a veiculação da mensagem sobre os conteúdos a serem tratados. Apesar de haver a presença de mais de um modo semiótico para a produção dessa capa, como cores e outras formas que remetem à vegetação, a composição desses modos não necessariamente leva o aluno es-trangeiro a um entendimento maior do conjunto de aspectos que será apresentado no livro. O fato de o livro datar de 1990 aponta para o fato de a obra ser parte de uma época e que não se refletia de forma sistematizada sobre os vários modos de significação do discurso.

Para demonstrar a ocorrência de reestruturação no emprego de imagens com valor argumentativo no espaço de quinze anos, passo, neste momento, à apresen-tação da segunda capa:

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Capa de henriques e grannier (2001).

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A segunda capa mencionada, de henriques & grannier, apresenta as seguintes partes fixas de composição textual:

I. Nome das autoras: Eunice Ribeiro henriques e Daniele Marcelle grannier;

II. Título da obra: Interagindo em português: textos e visões do Brasil;

III. Nome da editora: Thesaurus;

IV. Volume: I.

As informações em primeiro plano estão assim organizadas: o nome das autoras em letras reduzidas; o título da obra com destaque para a frase “INTERAgINDO EM PORTUgUÊS: textos e visões do Brasil” seguida do restante do título; as informações sobre o nome da editora e o volume da obra em mesmo nível.

Na modalidade imagética, destacam-se os seguintes elementos:

a) cor do segundo plano: azul que remete a uma das cores da bandeira;

b) pessoas em uma feira livre;

c) espontaneidade da conversação entre os participantes;

d) autenticidade da cena escolhida: o hábito do brasileiro de ir à feira compõe o sentido do título da obra;

e) itens simbólicos: os feirantes, as frutas e hortaliças, os compradores ou “clientes” da feira, as bancas.

Uma das maneiras de ativar a competência comunicativa consciente na língua em uso concreto por parte do aluno, é explorar diferentes temáticas nos materiais didáticos. Como se pode observar pelo conjunto dos modos semióticos envolvido na produção dessa capa, o produtor dos signos demonstra preocupação com a compo-sição de sentidos entre o título e as imagens selecionadas como forma de expressão, o que está de acordo com a proposta da Semiótica Social. Para elucidar essa relação motivada entre os signos empregados nessa última capa, recorro à aplicação de ca-tegorias analíticas da gramática Visual de Kress e van Leeuwen.

a Proposta analítica de Kress e van leeuwenAs categorias a seguir emergem de uma gramática de construção sintático-visual.

Os estudos de Kress e van Leeuwen (1996) serviram de base para os caminhos que tomei em minha análise, pois os processos de representação dos signos selecionados por seus produtores revelam pistas sobre o contexto sócio-histórico no qual esses signos são produzidos. Assim, as categorias selecionadas que tomei por minhas ferramentas de trabalho constituem uma espécie de guia na orientação do leitor na interpretação e na busca do(s) significado(s) do texto.

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a categoria dos participantes

Na capa de henriques & grannier, temos na categoria dos participantes repre-sentados, que corresponde aos objetos da comunicação, sobre os quais se produz mensagem, o brasileiro, falante nativo da língua-alvo dos alunos estrangeiros. Como o título do livro é Interagindo em português: textos e visões do Brasil, é pressuposto que os participantes representados indicam quais elementos da cultura do Brasil serão tratados e servirão como tema para o estudo do português. Assim, nessa categoria temos:

a) participantes representados: pessoas em uma feira livre e os elementos da feira, frutas, hortaliças, bancas, sacolas, carrinhos de compras;

b) participantes interativos: a interação é realizada entre os clientes e os fei-rantes.

No caso dessa capa, o brasileiro é retratado em uma cena cotidiana, não há alusão aos estereótipos relacionados ao País, apenas a elementos que retratam o dia-a-dia no Brasil, o que não significa neutralidade na escolha desses participantes, uma vez que se parte do princípio de que o produtor dos signos faz a seleção das formas de expressão de acordo com crenças e valores.

Dessa forma, o título Interagindo em português: textos e visões do Brasil apre-senta relação semântica motivada com os modos semióticos envolvidos na pro-dução da capa, assim, o que está verbalizado é também constituído por meio das imagens empregadas, uma vez que os participantes representados encontram-se em situação cotidiana de interação da língua em ambiente natural, a feira livre, o que demonstra a intencionalidade de evidenciar ao aluno uma “visão” do país. Todas essas escolhas comprovam que o conjunto dos modos semióticos utilizados na produção dessa capa carrega em si várias pistas significativas.

a categoria dos processos narrativos

Na capa de henriques & grannier, os participantes representados têm a vetori-zação dos olhares voltada não para o leitor/viewer, mas sim realizada entre si, o que demonstra o processo de ação como fator de composição de sentido.

Nesse mesmo processo, está inserida a idéia de transitividade visual por meio da qual o reacter direciona o olhar para outro agente, ou seja, os sintagmas envolvidos na produção da capa têm relação motivada entre si, nessa imagem os sintagmas,

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ou participantes representados são os feirantes e os clientes. A interação entre eles feita por meio do olhar, revela o processo reacional em duas situações: na de conversação entre os clientes e na situação de compra e venda, ambas com os reacters (clientes) direcionando suas ações aos agentes (feirantes).

O processo simbólico nessa capa reside, em parte, nos tipos de personagens. Digo em parte, por ter de levar em conta outros elementos significativos que for-necem pistas sobre a construção dos sentidos da capa. O propósito dos modos semióticos envolvidos nessa produção textual é retratar uma “visão do Brasil”, o brasileiro é representado por meio do cidadão comum em situação de seu cotidiano, os participantes eleitos, os feirantes, as pessoas que freqüentam a feira têm em si a carga simbólica da figura do brasileiro.

Vejamos essas relações sintagmáticas visuais no esquema abaixo:

1. feirante2. cliente

3. Vetorização dos olhares

4. sintagmas visuais relativos ao ambiente da feira

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a categoria da composição espacial do significado

Como mencionei na seção anterior, existem outros elementos significativos que devem ser levados em conta em processos narrativos de imagens. A composição espacial dos significados pode revelar pistas da representatividade e da interativi-dade. Vejamos esses processos aplicados à capa:

a) valor da informação: os personagens principais são os brasileiros nas figuras de clientes e feirantes, enquanto o restante dos elementos representativos figura como compositor de significado para o cotidiano do brasileiro, o am-biente da feira;

b) saliência: a projeção dos elementos em primeiro e em segundo plano também se faz presente nessa capa, os brasileiros (clientes e feirantes) à frente das bancas são os principais personagens que servem como foco de atenção em meio ao ambiente da feira.

a categoria do dado e o novoNesta categoria, a disposição dos elementos na composição dos modos semióticos

é tomada como fator de valorização da informação que cada forma de expressão pos-sui. Assim, o que está posicionado à esquerda é considerado o “dado”, já conhecido pelo viewer/leitor, o que está posicionado à direita é considerado o “novo”, ao qual se deve prestar maior atenção. No caso das capas analisadas, essa categoria aparece da seguinte forma: à esquerda, temos os brasileiros interagindo na feira, por sua disposição na imagem entram como elemento “dado”, conhecido pelo viewer/leitor. À direita, temos o próprio ambiente da feira que figura como elemento “novo”, o qual deverá ser apresentado ao viewer/leitor.

A aplicação dessas categorias revela que essa constituição identitária se estabelece no universo do texto multimodal, no interior do qual, os signos são estabelecidos por relações motivadas entre significado e significante. Examinar a multimodali-dade como característica constitutiva do texto é prerrogativa para elucidação das maneiras como as formas simbólicas são lidas e compreendidas por quem as produz e as recebe no seu decurso de vida.

A análise elaborada sob a perspectiva da Teoria da Semiótica Social retoma conceitos relativos à formação de identidade em contextos específicos da pós-modernidade. Extrai das mensagens o caráter ideológico referente à perspectiva sócio-histórica específica em que essas mensagens são produzidas, circulam e são recebidas, no contexto de uma teoria social.

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O sentido nos textos pós-modernos é constituído num universo entrelaçado de palavras, imagens, cores e padrões sintáticos descomplicados, permitindo compre-ensão rápida e global, refletindo o ritmo acelerado da vida pós-moderna bem como as formas de interconexão social que cobrem o globo. Para verificar a existência de relação motivada entre os elementos das capas dos livros e os textos multimodais internos, passo a análise desses últimos.

categorias analíticas de fairclough aplicadas aos textos multimodaisAs categorias provêm da proposta de Fairclough (1999, 2001, 2003) de dire-

cionar o trabalho dos analistas do discurso de especificação das práticas sociais de produção e consumo do texto associadas ao gênero do discurso que a amostra representa, o que implica a interpretação da ação estratégica em textos. O emprego dessas categorias auxilia no entendimento de como os elementos se relacionam, assim como quais conhecimentos culturais são exigidos a fim de se ler o material. Antes da aplicação das categorias de Fairclough, faço breves considerações a res-peito da configuração do texto selecionado.

O primeiro texto de título Miami, Caribe, Nordeste, a bordo do Bohème foi retirado do livro de Lima e Iunes (1990, p. 149), e pertence à seção Trocando em Miúdos, na qual o aluno deve responder a perguntas de interpretação relativas ao texto. Cabe ressaltar que meu objetivo não é discutir a qualidade do exercício empregado, mas sim focar a composição de sentidos entre os modos verbal e visual empregados e que tornem a produção da mensagem coerente tanto interna como externamente, com aspectos relevantes do entorno semiótico (o chamado contexto).

O material aqui escolhido é originalmente anúncio publicitário e ganha em seu novo contexto objetivos didáticos, baseados no pressuposto de que os signos da publicidade são intencionais e serão, por isso, claramente definidos, ou “compre-endidos”. Para que cada elemento de composição textual seja contemplado, passo à descrição das partes fixas de composição textual do gênero nesse texto que são as seguintes:

I. Título da seção: Trocando em Miúdos;

II. Título do texto: Miami, Caribe, Nordeste. A bordo do Bohème;

III. Corpo do texto: somente língua escrita;

IV. Imagem: coqueiro.

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Na modalidade verbal, para compreender as condições da prática discursiva, é preciso responder a duas perguntas:

a) o texto é produzido (consumido) individual ou coletivamente?

b) que tipos de efeitos não-discursivos possui essa amostra?

Lima e Iunes, 1990.

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Quanto à primeira pergunta, como o texto encontra-se no livro didático, o público-alvo pode ser de apenas um aluno ou um grupo de alunos, o produtor ou produtores do texto são desconhecidos, mas o conteúdo da mensagem, propaganda sobre o navio Bohème, é carregada de marcas de transitividade (escolha da voz ativa) como nos seguintes trechos:

“Você sai por via aérea no dia 5 de julho, fica 4 dias em Miami, hospedado em hotéis de primeira e depois pega o Bohème para a viagem dos seus so-nhos.” (l.6)

há também marcas de processo relacional, pelo qual o produtor do texto procura interagir com o leitor, e marcas de processo mental, no qual o produtor procura condicionar a opinião do leitor. Tais processos são estratégias típicas do discurso publicitário, e podem ser vistas em diversas passagens ao longo do texto por meio do emprego do imperativo e do pronome “você” que conferem ao texto uma pro-ximidade com o leitor. Vejamos as seguintes:

• “O Bohème é um privilégio do qual você não pode abrir mão”;

• “Não fique a ver navios! Decida-se logo!”.

Quanto à segunda pergunta sobre os efeitos não-discursivos da amostra, ela nos leva, mais uma vez, ao direcionamento de opinião do leitor. Nesse ponto, devo considerar a modificação do objetivo original do texto. O conhecimento cultural e os valores que se pressupõe que o leitor possua podem ser usados para “reconstruir” o leitor “ideal”. No caso de leitores brasileiros, o efeito não-discursivo, direcionamento de opinião, está diretamente ligado ao conhecimento profundo do português. A língua escrita não representa dificuldade de entendimento para esses leitores.

Em se tratando de alunos estrangeiros que não têm o mesmo domínio do portu-guês, o efeito não-discursivo é perpassado por uma dificuldade de entendimento da língua escrita, que limita o entendimento dos significados do texto, como também perpassa pela procura de outras modalidades, como as imagens, que serviriam de suporte para composição de significados e conseqüentemente propiciar melhor compreensão do texto.

Outra categoria presente nesses trechos é a do significado cultural das expressões. “abrir mão” e “ficar a ver navios” são exemplos dessa categoria. Tais expressões seriam de mais fácil entendimento se contassem com outros modos semióticos de composição de sentido. Como o texto serve de base para exercício de interpreta-ção, uma das perguntas propostas é “Você gostaria de passar 16 dias em um navio com o conforto do Bohème?”, a qual o aluno estrangeiro é levado a responder de

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acordo com as expectativas do produtor do texto, devido ao emprego de uma linha argumentativa direcionadora de opinião.

Aspecto relevante a ser considerado é a presença de uma única imagem no tex-to, que não atua como elemento semiótico constitutivo de sentido, está ali apenas como figurante, com valor apenas ilustrativo, não chegando a ser fator decisivo para o entendimento da mensagem apresentada no texto. O que reforça o fato de o leitor-alvo, o aluno estrangeiro, não poder contar com a utilização eficaz da imagem como elemento compositor em seu processo de leitura da língua escrita em português.

O papel de principal modalidade lingüística ainda é o da língua escrita. Assim, posso concluir que o leitor desses textos, o aluno estrangeiro, dificilmente poderá recorrer à imagem como componente de significado, tendo de despender um esforço redobrado para a compreensão do texto, o que torna seu processo de aprendizagem de segunda língua uma tarefa muito mais árdua do que poderia de fato ser. Passo agora à análise do próximo texto.

O texto de título “Uma família brasileira” foi retirado do livro de henriques e grannier (2001) e pertence à seção Situações, que, como o próprio título sugere, é destinada a propagandas, figuras e/ou textos mais ou menos formais, curtos que reportem situações do cotidiano do brasileiro focadas em questões culturais. Serve de base para atividades em que o aluno deve responder a perguntas relacionadas ao texto proposto.

A exemplo dos outros textos selecionados, “Uma família brasileira” é um texto composto por modalidade verbal e visual e, portanto, trata-se de texto multimodal. Quanto às partes fixas de composição textual desse gênero, temos:

I. Título da seção: Situações;

II. Título do texto: Uma família brasileira;

III. Modalidade verbal: texto escrito localizado à esquerda;

IV. Modalidade visual: imagem de uma família, localizada à direita.

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Originalmente, o texto é da revista Veja, de grande circulação nacional, e traz como tema a descrição de uma família brasileira de classe média alta. Devo atentar para a intencionalidade de sua inclusão no livro didático o que demonstra como dados formais podem reconstruir as maneiras como a realidade pode ser represen-tada por um grupo social, uma vez que revistas e outros meios de comunicação representam, em parte, um grupo de pessoas.

Por ser texto originalmente informativo, já que esta é a proposta da Revista Veja, “informar” de maneira “isenta”, é possível verificar, a tentativa de escolha despre-tensiosa, livre de julgamentos de valor quanto ao conteúdo a ser tratado. Mas há claramente um recorte na caracterização da “típica” família brasileira que pode ser inferida por meio das informações apresentadas tanto na modalidade escrita como na imagética. Para abordar esses aspectos na modalidade verbal recorro, mais uma vez, a alguns dos modos de operação da ideologia de Thompson (1995) presentes nesse texto: a unificação por meio da simbolização da unidade e da padronização e da fragmentação por meio da diferenciação.

A escolha dos tópicos Renda, Urbanização, Mulher, Educação e Lazer para a descrição da família revela a unificação por meio das estratégias da simbolização da unidade e da padronização. Por meio da aplicação desse modo de operação da ideologia, é possível verificar que as características da família descrita passam a ser comuns a qualquer família brasileira.

Outro ponto a ser abordado diz respeito à escolha do produtor do texto na apre-sentação da família por meio da figura masculina, Ricarte, o que denota o homem como figura principal, o provedor ou “chefe da casa”, ficando a identidade de Ro-sângela, em patamar secundário, como um dos tópicos posteriores – podemos ver seu esforço em se enquadrar no erro da câmara fotografica; ao contrario o marido e o vetor seus braços, erga ommis domina e proteje toda a família. Essa escolha determina a fragmentação por meio da estratégia da diferenciação, pois ao enfati-zar a diferenças e as divisões de papéis entre pessoas, no caso as diferenças entre o casal Ricarte e Rosângela, o produtor do texto define identidades culturalmente construídas, ao mesmo tempo em que as fortalece e as torna legítimas, o que remete à categoria de identidade, o ethos, proposta por Fairclough, a qual envolve não apenas o discurso, mas todo o contexto social ao qual o texto faz referência.

Além da escolha de tópicos, a disposição entre eles também constitui uma pista significativa na parte escrita: o tema, pois há preocupação em estabelecer um padrão discernível na estrutura temática do texto por meio das escolhas dos temas das orações. Ao apresentar como informação inicial a renda familiar, a su-posição subjacente a essa estrutura temática é de que há a intenção em se definir a identidade social da família brasileira por meio de sua classe social e de seu

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poder aquisitivo. Todas as outras informações subseqüentes, o lugar onde moram, os negócios da família, as expectativas em relação à educação dos filhos e o tipo de lazer giram em torno dessa primeira. Vejamos de maneira esquematizada essa construção discursiva:

Quanto à modalidade imagética, há uma diferença em relação aos textos an-teriores: a disposição da imagem à direita do texto escrito. De acordo com as categorias da Gramática visual propostas por Kress e van Leeuwen, dentro da categoria do dado e do novo, o que está disposto à esquerda é considerado como “dado” ou já conhecido, enquanto o que se encontra à direita representa o “novo” ou desconhecido do leitor. O texto escrito, portanto, é a informação antiga, que no caso pode estar ligada à idéia de entendimento gramatical das estruturas e não necessariamente conhecimento cultural, uma vez que o leitor é o aluno estrangeiro. A imagem representa a informação nova e da mesma forma que acontece com o texto escrito exige leitura crítica, pois, para responder a perguntas sobre o texto, é usada como elemento de composição de significado.

O efeito de composição da imagem pode ser esclarecido ao se aplicar em outras categorias da Gramática visual. Na categoria dos participantes representados, temos a imagem da família de Ricarte, composta por ele, sua esposa e os dois filhos, em composição com o título Uma família brasileira. Outra categoria a ser contemplada

Os temas remetem à figura de Ricarte como principal membro da família

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é a da composição espacial do significado, que diz respeito aos significados repre-sentacionais e interativos da imagem. Os participantes representados, componentes da família, estão localizados ao centro, em primeiro plano, o que demonstra serem eles os elementos principais, com maior valor de informação. Como o vetor do olhar dos participantes representados é direcionado ao leitor, posso afirmar que a família faz o papel de reagente, enquanto os leitores passam a ser os participantes interativos. Essa disposição dos elementos e de seus processos de interação passam a ser julgados pelos leitores de forma não-linear como acontece na modalidade escrita, de acordo com o destaque dado a cada um.

Outros elementos de composição da imagem encontram-se em segundo plano, de acordo com a projeção/saliência, mas desempenham papel de composição de significado ao colaborarem para a conexão dos elementos da imagem. Esses ele-mentos secundários determinam o cenário em que a família está, uma sala con-fortável. Ser representada em um lugar que passe a idéia de bom gosto e conforto compõe o sentido da mensagem sobre a classe social apresentada no texto escrito e acrescenta a idéia de estabilidade ao núcleo familiar.

A leitura da imagem em conjunto com o texto escrito determina lugares na es-trutura social que são inevitavelmente marcados pelas diferenças de poder. Apesar de haver núcleos familiares de diversos tipos, como os chefiados por mulheres, a família apresentada ainda faz referência ao modelo tradicional, no qual o pai é a figura de maior projeção, pois é ele quem sustenta a casa, a esposa ainda de-sempenha um papel social de menor prestígio, sua identidade depende da figura de seu marido, ela é mulher de Ricarte como vemos no trecho “Na foto à direita, Ricarte aparece com sua mulher e filhos”. Esse tipo de construção afeta o modo como cada participante compreende a mensagem do texto.

cosiderações finaisPelas análises realizadas dos textos de português para estrangeiros e tendo em

vista os dois tipos de semioses que os compõem, a modalidade escrita e a imagéti-ca, pude verificar as peculiaridades do processo de composição de sentidos nesses textos e suas implicações para a formação da identidade do brasileiro por parte de seu leitor-alvo, o aluno estrangeiro.

Busquei interpretar textos multimodais levando em conta o discurso verbal e não-verbal por acreditar que a composição de sentidos entre essas modalidades poderiam revelar pistas significativas sobre o processo de formação de identida-des. Pude verificar que, assim como a modalidade verbal, a modalidade imagética compõe significados mediante uma sintaxe visual, o que configura a existência de uma nova gramática que exige nível de leitura crítico. Além disso, pude ver que,

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dependendo do gênero, a semiose verbal, ou a visual, é mais utilizada. Constatei, dessa forma, que, no gênero capa, os significados são construídos predominan-temente pela modalidade visual. A modalidade lingüística é menos proeminente. Já nos textos multimodais internos dos livros didáticos, a imagem tem o papel de chamar a tenção do leitor para pontos que o produtor considera relevantes, mas assume papel secundário.

Pude demonstrar que os produtores dos textos deixam pistas significativas para que os leitores as construam de forma direcionada, alguns exemplos dessas pistas são as estruturas sintáticas, as escolhas vocabulares, que configuram recursos lingüísticos utilizados pelos produtores nos textos verbais e que funcionam como estratégias de manipulação. Constatei que a construção do texto imagético pode ser feita pela composição espacial, pela escolha das cores e do processo narrativo, uma vez que o discurso é um conjunto de práticas que estão armazenadas numa memória coletiva, social, institucionalizada. Portanto, há de se pensar nas várias maneiras de significar um texto, uma vez que são múltiplos os significados que se escondem na não-transparência da linguagem e fazem parte de uma movimentação contínua. É preciso ressaltar que o sentido não está no texto, mas na relação que este mantém com quem produz, com quem lê, com outros textos e com outros discursos possíveis.

Outra constatação surgiu a partir da análise apresentada: os textos que envolvem as modalidades verbal e visual podem ser lidos de várias maneiras, configurando o que Kress e van Leeuwen (1996) chamam de leitura não-linear, que se caracteriza por ser determinada pelo leitor, o qual pode iniciar a leitura da esquerda para a direita, de cima para baixo, linha por linha. A leitura pode ser circular, diagonal ou em espiral. Com a composição multimodal, aumentaram-se as possibilidades aos receptores e, conforme Kress e van Leeuwen (1996, p. 223), enquanto os textos lineares impõem uma estrutura sintagmática para o leitor – as imagens, mediante a seqüência da conexão entre os elementos que podem ser vistos e apresentados de acordo com uma lógica paradigmática, a lógica do centro – margem, do dado – novo, deixam para o leitor a maneira seqüencial de conectá-los. Dessa forma, quem realiza a relação entre as semioses, a conexão entre o verbal e imagético é o leitor.

Em uma área como a do ensino de línguas estrangeiras, que prima pelo emprego de multimeios, é com facilidade que reafirmo minha posição no tocante aos modos de representação cultural, apesar de a comunicação sempre ter sido semiótica, como já havia referendado anteriormente, assumi-la de forma crítica e consciente ainda é algo novo. O livro de Lima & Iunes que data de 1990 comprova que a utilização argumentativa de modos semióticos variados em material didático de línguas estrangeiras no âmbito escolar ainda é recente e o seu uso como objeto de

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pesquisa lingüística no sentido de levar o leitor-aprendiz a uma educação visual da informação. Pude verificar que a composição das linguagens verbal e não-verbal desencadeia os seguintes fatos:

a) a linguagem visual constitui discurso autônomo, com sintaxe própria;

b) a identidade é constituída por meio de características selecionadas como as mais relevantes em determinado contexto.

Tais constatações são determinantes no que diz respeito a uma das linhas da Teoria da Semiótica Social (Kress & van Leeuwen) que afirma serem os participantes em posição de poder (produtores dos signos) os que levam os outros participantes (leitores) a um maior esforço de interpretação, e diferenciam a noção de entendi-mento do receptor da mensagem.

Assim, as considerações aqui apresentadas podem ser vistas como uma con-tribuição para o trabalho docente, a fim de alertar sobre a mudança dos modos discursivos de significar o texto na sociedade contemporânea, sendo necessária uma mudança nos paradigmas de ensino de língua portuguesa apenas voltada ao ensino da modalidade verbal.

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