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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem
07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR
2020
Mídias alternativas e comunicação de massa: caminhos possíveis com potencial de subjetivação
Marcia Boroski1 RESUMO O objetivo deste trabalho é discutir a construção da subjetividade do sujeito a partir de sua relação com a imagem, dentro de duas possibilidades: a ideia de projeção e identificação contida no conceito de Cultura de massa proposto por Edgar Morin e, em contrapartida, o olhar de Gilles Deleuze e Félix Guattari sobre o sujeito e as máquinas desejantes. A pesquisa exploratória e comparativa apontou que as imagens veiculadas na grande mídia são massivas e apresentam estereótipos que confirmam a primeira condição apresentada. Em segundo plano, o estudo apontou a existência de mídias alternativas que propõem uma interpretação distinta dos signos arbitrários. Não há, em geral, mobilização expressiva de possibilidades de representação visual midiática de corpos que não estejam dentro do culto estético da Cultura de massa. As diferenças entre a subjetividade construída pela cultura de massas e a que busca a singularidade através de agenciamentos estaria, então, na diferença entre consciência e falsa consciência de seu papel social como sujeito. Palavras-chave: Cultura de Massa; Subjetividade; Celebridade
Alternative medias and mass communication: possibles ways with subjectivity potential
ABSTRACT The aim of this paper is discuss the construction of subject’s subjectivity starting to the relationship with images inside two perspectives: the idea of projection-identification contained in the concept of mass culture proposed by Edgar Morin and, on the other hand, the Gilles Deleuze and Felix Guattari’s view about subject and desire machines. The exploratory and comparative research indicated that images publicized by mainstream media as massive and show stereotypes that confirm the first condition presented. Besides, the research also indicated a existence of alternatives media that propose a interpretation different of arbitrary signs. Generally, there isn't expressive mobilization of visual representation possibilities of bodies that don't be inside the esthetic cult. The differences between a subjectivity constructed by mass culture and the looking for singularity through the assemblages would be, by the way, on the difference between consciousness and false consciousnees about you social role like subject. Key-words: Mass culture, subjectivity, celebrity
Em que medida mídias alternativas podem contribuir e auxiliar na construção da
subjetividade do sujeito e qual o espaço destas mídias no cenário da comunicação de
massas são os motores da discussão presente neste artigo. Especificamente, no que
concerne a relação de construções de ideais a partir da cultura midiática. Parte-se do
entendimento de que o homem é um ser que se relaciona com as mídias a partir de uma
relação de projeção e identificação. Segundo Edgar Morin (1984), estas relações 1Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina. Mestranda no programa de Pós-Graduação em Comunicação pela mesma instituição. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].
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ocorreriam segundo a lógica da relação de seres olimpianos (seres com dupla natureza -
divina e humana) e portadores de características como beleza, juventude, sucesso,
riqueza, felicidade, etc e que, geralmente, estariam ligados ao mundo das visualidades.
A partir disso, nasceu um interesse pessoal em buscar novos tipos de visualidades
simbólicas que construam novos referenciais de beleza.
Por exemplo, como um panfleto colado no centro de uma cidade de médio porte
pode se constituir como um tipo de visualidade simbólica e operar projetando novos
tipos de discursos que sejam também referência de beleza.
Figura 1 - Cartaz
Figura 2 - Coluna Social Ana Marta (nov/2012)
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A intenção aqui é comparar o panfleto que diz: “Não acredite nas revistas, você é
linda”, colado em ruas do centro da cidade de Londrina com a coluna social do Jornal
de Londrina, chamada Ana Marta. A escolha de tais objetos deu-se primeiramente pela
causalidade do panfleto encontrado colado nas ruas do centro da cidade de Londrina, e
como ponto comparativo, outro tipo de subjetividade produzida midiaticamente por uma
fonte também local, no caso, a coluna social Ana Marta.
Cultura de massa e olimpianos
Primeiramente é necessário compreender o quadro contemporâneo geral dos
meios de comunicação de massa, para então compreender seus habitantes – os
olimpianos – e, posteriormente, discutir outros processos comunicacionais que sejam
potencialmente produtores de subjetividades. Este quadro – de comunicação de massas
– formou-se no período pós-industrial, no qual o lazer e o entretenimento começaram a
ter espaço na vida do trabalhador. A lógica do consumo está intimamente ligada a forma
de produção capitalista. Conforme Morin (1984) explica, após a redução da carga
horária do trabalhador, houve um aumento no tempo disponível para lazer. O tempo de
repouso passou a ser utilizado para consumir: o consumo do lazer.
A própria organização da família, onde se prepara de se planeja como e onde
gastar a renda destinada ao lazer é expressão deste cosumo. Na estrutura família ainda
há a questão de que a construção da subjetividade contemporânea passa pelo consumo e
pelo individualismo. Esse objetivo é alcançado com a inserção de elementos externos
para criar uma nova realidade. A televisão, por exemplo, entra na casa de milhares de
telespectadores brasileiros diariamente. É como se este meio quente (conforme
categorização de McLuhan) tivesse passagem livre para trazer para dentro do lar o
mundo inteiro: as cordilheiras dos Andes, a pobreza da Etiópia, os lençóis maranhenses,
o Mundial do Japão e a crise européia. É possível e acessível aos olhos e às mãos
conteúdos produzidos do mundo inteiro.
Cultura de massa, isto é, produzida segundo as normas maciças da fabricação (que um estranho neologismo anglo-latino chama de mass media); destinando-se a uma massa social, isto é, um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade (classes, família, etc.). O termo cultura de massa, como os termos sociedade industrial ou sociedade de massa (mass-society) do qual ele é o equivalente cultural, privilegia excessivamente um dos núcleos da vida social; as sociedades modernas podem ser consideradas não só industriais e maciças, mas também técnicas, burocráticas, capitalistas, de classes, burguesas,
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individualistas... A noção de massa é a priori demasiadamente limitada. (MORIN, 1984, p.14)
Morin (1984) demonstra que dentro da cultura de massas o consumo mostra-se
como necessidade e única forma de encontrar o bem-estar. Nesse esquema, valores
como beleza e riqueza relacionam-se diretamente com felicidade, a qual pode ser
medida pelo poder aquisitivo aparente. Esta série de características citadas são os
principais componentes dos seres Olimpianos.
Esses olimpianos propõem o modelo ideal da vida de lazer, sua suprema aspiração. Vivem Segundo a ética da felicidade e do prazer, do jogo e do espetáculo. Essa exaltação simultânea da vida privada, do espetáculo, do jogo é aquela mesma do lazer, e aquela mesma da cultura de massa. (MORIN, 1984, p.75)
Olimpiano é um termo reciclado por Edgar Morin na tentativa de entender as
relações de projeção e identificação que as celebridades midiáticas operavam sobre os
espectadores. De acordo com Junito Brandão (1985), os olimpianos eram deuses gregos
que habitavam o Monte Olimpo. Eles eram dotados de sabedoria, poderes, nobreza e
tais qualidades eram adorados pelos homens comuns.
Morin (1984) retoma o termo a partir da ideia de novos olimpianos: seres com
dupla natureza (divina e humana) que gozam, simbolicamente, de privilégios e alguns
poderes dos deuses do Olimpo, mas que também habitam o mundo dos seres humanos
comuns.
As estrelas são figuras da cultura de massas que sobrevivem por meio do
consumo real e simbólico dos pesquisadores. Morin (1989) define que “estrelas são
seres ao mesmo tempo humanos e divinos, análogos em algumas aspectos aos heróis
mitológicos ou aos deuses do Olimpo, suscitando um culto, e mesmo uma espécie de
religião” (p. X). Como figura da cultura de massas, a estrela sobrevive por meio do
capitalismo: ele suscita e carrega o mito das estrelas. É importante compreender que as
estrelas são figura que habitam o monte Olimpo.
Eles têm dupla natureza teológica (herói-deus). Os olimpianos encarnam um papel
sobre-humano, mas também existem como humanos, em sua vida privada. A mídia
investe nas características mitológicas do olimpiano, promovendo a projeção.
Entretanto, também investiga e expõem, sempre que possível, suas vidas privadas. Essa
última exposição tem objetivo de promover o processo de projeção. Para esclarecer
melhor o termo faz-se necessário debruçar-se nas teorias da Psicanálise. Fonsêca e
Mariano (2008) explicam, a partir de Laplanche e Pontalis (1986) que:
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Dentre as teorias psicológicas, a que mais utiliza a projeção no arcabouço teórico é a Psicanálise. Para explicitar a manifestação da projeção, a teoria psicanalítica ampliou o sentido e definição do conceito, concebendo-a como uma operação na qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro, pessoa ou coisa, as qualidades, os desejos, os afetos, os sentimentos e até mesmo os “objetos” que estão internalizados e ele desdenha e/ou recusa aceitar e/ou admitir que lhe são pertencentes. (LAPLANCHE E PONTALIS, 1986). Para justificar a existência dos eventos por eles produzidos, o indivíduo desloca-os para alguém ou alguma coisa que esteja fora, realizando uma ação projetiva. (FONSÊCA; MARIANO, 2008, p. 3)
O lazer midiático acontece como um jogo, no qual não fica claro quem joga e
quem é jogado. Essa linha é apagada pela dissolução do limiar de quem produz e quem
consome. O consumidor, ou espectador, da cultura de massas não é tido como um
sujeito. Ele é uma máquina consumidora, cujos desejos são os semelhantes ao do
homem médio2.
Os meios de comunicação de massas são dotados de um domínio de representação
da realidade. Entender de que forma ocorre a representação de ideais de beleza, por
exemplo, é peça chave para compreender em que os espectadores se apoiaram como
referencial para traçar suas próprias estéticas de beleza.
A massificação dos referencias de beleza tornam-se nocivos a medida em que
investem em uma relação próxima com referenciais de felicidade. Uma discussão
teórica profunda, que compreenda a sociedade regida por imagens, o consumo
capitalista e simbólico destas imagens produzidas industrialmente e a tradução
intersemiótica que regem os signos imagéticos é capaz de desvendar as camadas
subterrâneas de fotografias que operam por meio da representação da realidade, de uma
forma extremamente excludente.
Tenta-se dizer o seguinte: um anúncio de um produto de beleza como um batom
tem mais a dizer que apenas as qualidades concretas do produto batom. Ele carrega
valores como beleza, juventude, sucesso financeiro e pessoal, independência, felicidade
entre outros. Nada disso está dito em sua camada mais superficial, mas a produção
daquele signo imagético como um todo produz este sentido, que ao ser reafirmado pela
grande mídia revelam-se como signo arbitrário: mulheres bonitas, independentes, felizes
2 Este indivíduo é compreendido como um ser que é a média de uma amostra de determinada
comunidade. Por exemplo: o homem médio goza com o cinema hollywoodiano que apela para a forma e as músicas do hit parede. Tal conceituação é um dos norte da publicidade, de algumas políticas governamentais e econômicas e, sobretudo, da comunicação de massa.
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e jovens aparecem, majoritariamente, usando batons avermelhados. Isso revela toda
uma tendência representativa de várias gerações. E tal pergunta torna-se inquietante:
seria o batom também um signo ideológico?
Formas alternativas de subjetivação
Em um cenário pós-moderno, os referenciais das grandes narrativas como o
Marxismo, a Psicanálise e a Linguística entram em um estado insustentável. As práticas
sociais aparecem com um quebra-cabeça, ou ainda um corpo inter-relacionado que
figura como um Frankenstein. Vê-se que por um lado, alguns autores como Jean
Baudrillard, vêem a pós-modernidade como o fim da história ou ainda do social.
Por outro lado, o leque de possibilidades aberto pela queda das grandes narrativa
dá espaço, mesmo que sem incentivos, para ocorrência de mídias alternativas e autorais,
como o cartaz apresentado.
A crise de visibilidade apontada por Norval Baitello Jr. analisa a produção
imagética atual sob um regimento específico que diz que nada pode e consegue mostrar-
se a não ser pela exposição imagética. Por isso, devoramos e somos devorados por
imagens.
A retórica na imagem é executada ao retirar um elemento e modificar o regimento
habitual da imagem, como fez René Magritte em boa parte de suas obras. No contexto
do signo imagético tal modificação pode causar delírio. A visualidade do discurso
retórico aproxima esse discurso a uma patologia. Um bom exemplo, além de Magritte,
são as situações absurdas presentes no cinema e na publicidade. Tais mídias apostam na
contigüidade entre elementos que não tem esta associação para alcançar esse delírio. O
delírio é uma ruptura, que se vale de uma invasão simbólica de um elemento que
contamina a relação com o real.
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René Magritte – The Great War
Um dos objetos deste trabalho é um cartaz que diz “Não acredite nas revistas,
você é linda”. Neste cartaz, que fala para mulheres pela conjugação no feminino,
nenhuma imagem de alguma mulher que represente todas as mulheres é trazida. Não há
nenhum referencial imagético de beleza. O referencial é você, e não as revistas. Não há
potencial mimético.
Se por um lado, de acordo com Rolnik e Guattari (2005), explicam que a cultura
de massa produz indivíduos, “indivíduos normalizados, articulados uns aos outros,
segundo sistemas hierárquicos, sistemas de valores, sistemas de submissão (...)” (p. 22),
por outro lado há uma saída por meio dos modos de subjetivação singulares, ou
processos de singularização, que produziriam sujeitos.
Na tentativa de desutilizar o termo ideologia, Suely Rolnik e Felix Guattari (2005)
propõem o termo subjetivação, processo pelo qual passaria o sujeito. Nele haveria “uma
subjetividade de natureza industrial, maquínica, ou seja, essencialmente fabricada,
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modelada, recebida, consumida” (Rolnik e Guatarri, 2005, p. 33). A produção de
subjetividade seria o combustível para todos os outros processos produtivos,
funcionando por meio dos corações dos indivíduos e articulando-se através da teia
social e da lógica da produção industrial e do trabalho.
Tudo que é produzido pela subjetivação capitalista – tudo o que nos chega pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam – não é apenas uma questão de ideia ou de significações por meio de enunciados significantes. Tampouco se reduz a modelos de identidade ou a identificações com polos maternos e paternos. Trata-se de sistemas de conexão direta entre as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social e as instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo. (ROLNIK E GUATARRI, 2005, p. 35)
Isso implica que a produção de bens extrapola o âmbito da fábrica, constituindo-
se em trocas semióticas, através de comportamentos, sentimentos, percepções,
memórias, hábitos, relações sociais, relações sexuais e imaginário. Segundo a dupla,
“Todos os fenômenos importantes da atualidade envolvem dimensões do desejo e da
subjetividade” (Rolnik e Guatarri, 2005, p. 36). Esta subjetividade da qual eles falam é
produzida por meio de agenciamentos de enunciação, os quais podem ser de
praticamente qualquer natureza. Entretanto, a subjetivação capitalista, que opera pela
lógica do lucro, tem propósito de poder subjetivo, de alcançar e conquistar um
consumidor subjetivo (seriam consumidores de ideias).
É importante focar que os agenciamentos de subjetivação são fenômenos
coletivos: partem da ideia de uma economia coletiva, apresentando-se também pela
individuação. Ainda conforme Rolnik e Guatarri (2005), “A subjetividade está em
circulação nos conjuntos sociais de diferentes tamanhos: ela é essencialmente social, e
assumida e vivida por indivíduos em suas experiências particulares” (p. 42). É preciso
entender também que a subjetivação coletiva não é uma soma da totalidade das
subjetividades existem. O caráter, na verdade, tem a ver com um leque diverso de
agenciamentos de subjetivação, que se constituíram no contexto social.
Rolnik e Guatarri (2005), explicam que apesar desta gama de subjetivações
disponíveis, há uma que parece ser gerida na teia social, funcionando de uma forma
mais amplificada, a chamada subjetividade capitalística. Mesmo assim, há um tipo de
forma para acontecer. “(...) é a subjetividade individual que resulta de um
entrecruzamento de determinações coletivas de várias espécies, não só sociais, mas
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econômicas, tecnológicas, de mídia e tantas outras” (ROLNIK; GUATTARI, 2005, p.
43).
Apesar dessa subjetividade capitalística descrita anteriormente, os dois autores
julgam que a humanidade, através das relações sociais e dos agenciamentos, pode
conseguir passar por um processo de singularização da subjetivação. Este processo é
descrito como agenciamentos possíveis, inter-relacionando coisas de diferentes espécies
e naturezas, no intuito de produzir, ou ser, algo diferente, único, singular.
Só que em uma sociedade em que determinadas instituições, ou como diria Rolnik
e Guatarri (2005), produções de subjetividade capitalística, provem massificação dos
agenciamentos, instaura-se o chamado agenciamento maquínico. Como, por exemplo, a
função da economia subjetiva capitalística da infantilização.
Pensam por nós, organizam por nós a produção e a vida social. Além disso, consideram que tudo o que tem a ver com coisas extraordinárias – como o fato de falar e viver, o fato de ter que envelhecer, de ter que morrer – não deve perturbar nossa harmonia no local de trabalho e nos postos de controle social que ocupamos, a começar pelo controle social que exercemos sobre nós mesmo. (ROLNIK; GUATTARI, 2005, p. 50)
Esta ideia é complementar à discussão feita por Michel Foucault sobre a
sociedade do disciplinar, que futuramente será entendida por Gilles Deleuze como
sociedade do controle, que na verdade é um estágio posterior da sociedade. Há olhos de
julgadores em todos os cantos. Há também exibicionismo desse olhar controlador que
vai além da segurança pública e privada e apresentação como estágio avançado de
voyeurismo, os reality shows. De outra forma, Rolnik e Guatarri explicam,
Operários de uma máquina de formação da subjetivação capitalística, esses equipamentos têm por função integrar fatores humanos, infra-humanos e extra-humanos, colocando numa articulação real instâncias tão diferentes quanto as que estão em jogo na economia libidinal (como as sistêmicas familiares) e nas produções semióticas (como as que são postas em funcionamento pela mídia). (...) aceitamos tudo isso porque partimos do pressuposto que esta é “a” ordem d mundo, ordem que não pode ser tocada sem que se comprometa a própria ideia de vida social organizada. (ROLNIK; GUATTARI, 2005, p. 51)
Abarcando fatores humanos, infra-humanos e extra-humanos engloba-se a
totalidade do ser. Não há muito fora desta máquina de formação da subjetivação
capitalística. Além disso, a excelência do agenciamento maquínico da subjetivação
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capitalística está na condição de que ela é produzida tanto pelos opressores quanto pelos
oprimidos. (Rolnik e Guattari, 2005). Os modelos estariam presentes em todos os
níveis? Os dois autores propõem que o processo de singularização fugiria a este destino
e operaria a partir do ato automodelador.
Isto é, que ele capte os elementos da situação, que construa seus próprios tipos de referências práticas e teóricas, sem ficar nessa posição constante de dependência em relação ao poder global, em nível econômico, em nível do saber, em nível técnico, em nível das segregações, dos tipos de prestígio que são difundidos. A partir do momento em que os grupos adquirirem essa liberdade de viver seus processos, eles passam a ter uma capacidade de ler sua própria situação e aquilo que se passa em trono deles. Essa capacidade é que vai lhes dar um mínimo de possibilidade de criação e permitir preservar exatamente esse caráter de autonomia tão importante. (ROLNIK; GUATTARI, 2005, p. 55)
A autonomia de que falam é traduzida pelos processos de singularização. Eles
investem em uma recusa ao agenciamento exclusivo pela subjetivação capitalista.
Tornam-se independentes ao lidarem de forma singular com suas máquinas desejantes.
O pensamento conjunto de Gilles Deleuze e Félix Guattari, de uma forma geral,
propõe uma ruptura ao modelo psicanalítico de Freud. A grande quebra gira em torno
do Complexo de Édipo, que segundo Deleuze e Guattari seria apenas uma fase da
experiência psicanalítica e que o ser seria algo que estaria em constante transformação,
por meio de agenciamentos maquínicos. O desejo, então, não seria fruto de uma falta
gerada pelo Édipo, e sim um produto gerado pela máquina desejante.
O capital se torna assim um ser bem misterioso, pois todas as forças produtivas parecem nascer dentro dele e pertencer-lhe. E o que é especificamente capitalista aqui é o papel do dinheiro e do uso do capital como corpo pleno para formar a superfície de inscrição ou de registro. (DELEUZE; GUATTARI, 1976, p. 26)
O consumo dos produtos desta máquina, segundo Deleuze e Guattari, estaria
ligado a um prazer auto-erótico. As máquinas desejantes são impulsionadas pela
produção, é um circulo vicioso, em que o produto vai gerar mais produtividade. Aqui se
demonstra o caráter do desejo incessante do ser humano da qual o capitalismo, e suas
manifestações estéticas, por exemplo, se valem.
Ana Marta, não acredite nas revistas
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A natureza distinta dos objetos analisados vem a calhar para demonstrar - dentro
do espectro de produções midiáticas regionais da cidade de Londrina – as discussões
apresentadas anteriormente.
A coluna social Ana Marta é publicada no Jornal de Londrina, veículo do
CRPCOM, Grupo Paranaense de Comunicação que é proprietário de cerca de dez
veículos de comunicação no estado do Paraná. A coluna é diária e produzida, até onde
pode-se investigar, pela própria Ana Marta. Como toda a coluna social, esta tenta
representar o que acontece na “alta sociedade” de Londrina e região (viagens,
aniversários, atos notáveis, casamentos, empreendimentos, etc).
O relevante é partir do pressuposto que tal espaço tem alto potencial de
subjetivação capitalística, já que trabalha com representações de uma realidade concreta
(os fatos aconteceram: fulano viajou, ciclano, beltrano comprou um novo apartamento).
Evidentemente, não se pode afirmar a percepção e as consequências totais da veiculação
de tais eventos desta maneira. Entretanto podemos afirmar, a partir de diversas
pesquisas realizadas na área de Jornalismo e Comunicação, de uma forma geral, que
certos eventos, ao serem publicados em jornais ou revistas, tendem a gozar de um
estado natural do estatuto de realidade.
De acordo com Edgar Morin (1984) os processos comunicativos que acontecem
na cultura de massa pelos elementos estéticos visam determinada padronização
superficial. A sociedade contemporânea fundamentada na imagem desenvolve esta
função de forma excepcional: se foi constatado a ocorrência de padrões culturais por
Morin, se a psicanálise explica que a projeção é intrínseca a experiência psíquica
humana, se Baitello diz que a crise da visibilidade está no constante devorar e ser
devorado por imagens, se o espetáculo – apresentado por Guy Debor – é executado de
forma que não há representação ou relações além das imagens, a coluna social analisada
neste trabalho tende a apresentar-se como um produto cultural que vem a legitimizar os
conceitos citados anteriormente e também confirmar tais experiências e padrões
estéticos.
A coluna social Ana Marta é um veículo da máquina de produção de
subjetividade capitalística. Ele é produzido por dominados e dominadores, já que
excepcionalmente aparecem sujeitos que não habitam o mundo das celebridades. Eles,
geralmente, têm uma relação com o olimpiano que está em destaque, mas,
assertivamente, o interesse no lucro, definido Rolnik e Guattari (2005) sobre a lógica da
subjetivação capitalística, é o que elenca traços deste fenômeno.
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Figura 3: Fotos veiculadas na coluna Ana Marta: alto padrão estético de beleza
A cultura de massa necessita do ser olimpiano para que ele seja fonte irradiadora
de processos comunicativos que tocaram os outros sujeitos por meio da subjetivação
capitalística. Eles interferem diretamente na forma de ver o mundo. Os enunciados e os
discursos presentes em tais imagens são imprescindíveis para validar esses padrões. Na
Figura 2, por exemplo, há uma mulher cuja aparência tem semelhança com uma boneca.
O cartaz com a frase “Não acredite nas revistas você é linda” (cuja fotografia
apresentada neste trabalho foi tirada na Rua Pio XII, entre as ruas Pernambuco e
Prefeito Hugo Cabral, no centro da cidade de Londrina – PR) vem a calhar em uma
análise comparativa. Certo que tal manifestação cultural tem caráter subversivo, um
olhar mais atento também poderia entendê-la como uma grande fuga ao padrão
esmagador de estética de beleza ocidental.
A ausência de um referencial único de beleza, como, por exemplo, o rosto de uma
modelo, é um dos principais elementos discursivos deste cartaz. A força do disrcuso
presente vem da condição de que qualquer mulher que venha a lê-lo recebe a mensagem
de que ela é bonita e aponta uma mentira contada pelas revistas (ou grande mídia).
Esse mesmo fator, a ausência de referencial imagético, confere ao cartaz certo ar
de abstração. Sendo que este material é veiculado em uma sociedade condicionada a ter
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todos os referenciais imagéticos super expostos, a ausência de um (ainda mais um que
afirme o contrário das revistas) requer alto grau de interpretação do espectador.
Os agenciamentos presentes no cartaz formam o que Deleuze e Guattari chama de
rizoma, um modo de pensar que tente fazer algo diferente, a partir de agenciamentos de
significantes de naturezas diferentes. Segundo Deleuze e Guattari, o que vale são as
experimentações, os novos níveis estéticos.
Considerações
A premência da imagem na pós-modernidade é o que conduz um discurso
midiático provido de referenciais estéticos de beleza, como pra outras esferas. Este
discurso é legitimado por um ethos: o ethos dos olimpianos, que faz com que os
olimpianos gozem de fé pública.
A mercadoria simbólica para ser vendida pela publicidade precisa de uma ligação
com o humano para torna-se orgânica. A subjetividade torna-se suporte da mercadoria.
Dentro de uma lógica capitalista em que o valor de troca substitui o valor de uso, a
mercadoria tem o espaço e a importância que é lhe conferida simbolicamente.
De acordo com José Arbex3, lidar com a mídia é lidar com condicionamentos de
comportamentos e consensos. São abordadas apenas teses conservadoras, já que a
representação midiática requer isso. Só que o que propõem Deleuze e Guattari vai
contra isso e em direção do rompimento com a estética da citação, em que todos citam o
mesmo referente.
O cartaz é um tipo de singularização, um tipo de automodelador. A proposta é de
você não se modelar conforme um padrão beleza, e sim ser linda a partir das opções
disponíveis no teu ser. Não há referentes imagéticos de forma e/ou de modelo para
seguir para ser bonita. É necessário criá-los.
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