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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP CLAINE CHIESA IPI - COMPOSTURA DAS REGRAS-MATRIZES E A ESSENCIALIDADE DOS PRODUTOS COMO FATOR DETERMINANTE NA FIXAÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

CLAINE CHIESA

IPI - COMPOSTURA DAS REGRAS-MATRIZES E A ESSENCIALIDADE DOS PRODUTOS COMO FATOR

DETERMINANTE NA FIXAÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

CLAINE CHIESA

IPI - COMPOSTURA DAS REGRAS-MATRIZES E A ESSENCIALIDADE DOS PRODUTOS COMO FATOR

DETERMINANTE NA FIXAÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, na área de concentração Direito do Estado, subárea de Direito Tributário, sob a orientação da Professora Fabiana Del Padre Tomé.

SÃO PAULO 2013

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BancaExaminadora:

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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AGRADECIMENTOS

Toda conquista se faz com apoio direto ou indireto de pessoas que, de algum

modo, ajudaram ou provocaram reflexões; por isso, meus agradecimentos.

Primeiramente a Deus, luz de todos os momentos e força que revitaliza sempre.

Aos meus pais, Sérgio Chiesa e Terezinha Baldissera Chiesa, pelo apoio

incondicional, e ao meu irmão, Clélio Chiesa, pelo apoio durante a realização de todo o

mestrado e pelas valiosas intervenções pontuais em momentos de grandes dúvidas deste

trabalho, que muito contribuíram para enriquecê-lo.

Aos professores do mestrado, Elizabeth Nazar Carrazza, Antônio Carlos

Mendes, Roque Antonio Carrazza e Paulo de Barros Carvalho, e aos professores

assistentes, Thaís Helena Morando, Fernando Bonfá, Sandra Ferreira, Tácio Lacerda

Gama, Robson Maia Lins, meu muito obrigada por tudo que representam no meu

aprendizado, proporcionando precioso crescimento.

Agradeço em especial à professora Fabiana Del Padre Tomé, pela orientação

durante todo o desenvolvimento deste trabalho, que, com paciência e prontidão, sempre

ouviu minhas dúvidas, que muitas vezes se fizeram a distância por e-mail e telefone, mas

sempre com a mesma disponibilidade e precisão.

À Ana Paula Duarte Ferreira, pelas discussões sobre o tema do presente

trabalho, à Priscila de Souza, pelo apoio em todos os momentos, e ao Armando Malgueiro

Lima, pela prontidão de ajudar sempre.

Agradeço carinhosamente todos os colegas do mestrado, que dividiram

momentos de dúvidas e de debates calorosos, mas não poderia deixar de agradecer em

especial à querida Silvia Varella, Henrique Gouveia da Cunha, Roberto Fragoso e Lucas

Galvão de Britto.

Aos colegas do escritório Chiesa Advogados Associados, pelo apoio

dispensado durante todo o mestrado nas tarefas diárias.

Por fim, não poderia deixar de agradecer àquele que durante toda a jornada do

mestrado me apoiou e compreendeu minhas ausências, a você, Matheus Podalirio Tedesco

Dandolini, todo meu carinho e meu especial agradecimento, pelo incentivo e motivação

com palavras certas nos momentos difíceis.

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RESUMO

O imposto sobre produtos industrializados é um tributo de competência da União, nos termos do art. 153, IV da Constituição Federal, sendo objeto de estudos do presente trabalho. Considerando que o imposto sobre produtos industrializados teve sua origem no imposto sobre consumo, iniciamos o trabalho traçando a evolução histórica desse tributo nas Constituições Federais, para melhor compreensão de suas características, e de sua materialidade, que se apresenta com interpretações divergentes. As materialidades do IPI foram construídas a partir do texto constitucional que prescreveu a sua incidência sobre “produto industrializado”, bem como das disposições da lei complementar, que estabeleceu três hipóteses de incidência, mas, considerando que a lei ordinária instituiu apenas duas delas, o desenvolvimento do trabalho circunscreveu-se às construções das regras-matrizes de incidência de importação de produtos industrializados e industrialização de produtos para o mercado interno. Os critérios das regras-matrizes foram analisados e desenvolvidos, tendo sido abordados os critérios da hipótese – material, espacial e temporal –, bem como os critérios do consequente – pessoal e quantitativo. Por meio do exame de alguns princípios constitucionais aplicados ao IPI, delinearam-se suas principais características, fundamentalmente, pela possibilidade de o Poder Executivo alterar as alíquotas por Decreto, mas dentro dos limites estabelecidos pela lei, o que releva afirmar a observância do princípio da legalidade. O princípio da anterioridade se aplica ao IPI somente quanto à anterioridade nonagesimal, não se lhe aplicando a anterioridade anual. Tratou-se do princípio da não cumulatividade, que objetiva salvaguardar o direito de abatimento entre as operações havidas e, consequentemente, tornar o produto final mais barato, e se realizou o exame do direito de crédito do contribuinte como repercussão do princípio da não cumulatividade. Por fim, a seletividade pela essencialidade foi analisada conjuntamente com a extrafiscalidade, resultando na conclusão de que a essencialidade é categoria autônoma, sendo fator determinante na fixação da carga tributária e política fiscal impositiva, onde as medidas atinentes aos produtos essenciais são peremptórias, não se confundindo com a extrafiscalidade, cujas medidas são desejadas pelo Estado, com liberdade de escolha e da forma de execução, podendo a seletividade ser aplicada na essencialidade e na extrafiscalidade.

Palavras-Chave: Produto industrializado. Regras-matrizes. Extrafiscalidade. Essencialidade.

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ABSTRACT

The Tax on Industrialized Products (IPI) is a tax of Union competence, pursuant to art. 153, IV of the Federal Constitution, and it is the subject of study of this work. Whereas such a tax had its origin in the excise tax, we began this study by tracing the historical evolution of this tax in Federal Constitutions, for better understanding its characteristics, and of its materiality, which has varying interpretations. The materiality of the IPI were built from the Constitution which prescribed its impact on “industrialized product” as well as from the additional provisions of the law, which established three hypotheses incidence, but, considering that the ordinary law instituted only two of them, the work development is confined to the constructions of matrix rules of incidence of importing manufactured goods and industrialization of products for the domestic market. The criteria of the matrix-rules were developed and analyzed, by addressing the criteria of the – material, spatial and temporal –hypothesis, as well as the consequent – quantitative and personal – criteria. Through examination of some constitutional principles applied to IPI, its main features were outlined basically by the Executive Branch’s ability to alter the rates by means of a Decree, but within the limits established by law, which allows stating the principle of legality. The principle of precedence is applied to the IPI only in relation to the 90-day holding period, not being applied to the same tax year. The principle of non-cumulative tax, which aims to safeguard the right of rebate rate incurred among operations and therefore to make the end product more cheaply, was studied as well as the examination of the taxpayer’s right to credit as repercussions of the principle of non-cumulative tax was held. Finally, the selectivity for essentiality was analyzed jointly with extrafiscality, resulting in the conclusion that the essentiality is an independent category and the determining factor in setting the tax burden and imposing fiscal policy, where the measures relating to essential commodities are peremptory, not mingling with extrafiscalidade, whose measures are desired by the State, with freedom for choosing and applying, in which selectivity can be applied in essentiality and extrafiscality.

Keywords: Industrialized product. Matrix-rules. Extrafiscality. Essentiality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 9

1 ORIGENS DO IPI E SEU PERFIL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ...................... 12 1.1 Breve evolução histórica ............................................................................................ 12 1.2 A alteração de imposto de consumo para imposto sobre produtos

industrializados – hipóteses tributárias mantidas ....................................................... 15 1.3 Características marcantes do IPI ................................................................................ 22 1.3.1 Breves considerações sobre o perfil constitucional do IPI na Constituição de

1988 ....................................................................................................................... 22 1.3.2 O IPI como tributo indireto ................................................................................... 25

2 O IPI E A SUA(S) REGRA(S) MATRIZ(ES) DE INCIDÊNCIA ............................ 31 2.1 A linguagem e o direito .............................................................................................. 31 2.2 A norma jurídica ........................................................................................................ 34 2.3 Composição da regra-matriz de incidência ................................................................ 37 2.4 A competência impositiva da União para tributar produtos industrializados e

a(s) consequente(s) regra(s)-matriz(es) de incidência................................................ 43 2.5 Síntese das regras-matrizes de incidência instituídas pela Lei nº 4502/64 ................ 52

3 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IPI QUE ONERA A INDUSTRIALIZAÇÃO DE PRODUTOS.................................................................. 54

3.1 A materialidade “industrializar produtos” ................................................................. 54 3.2 O critério espacial ...................................................................................................... 64 3.3 Critério temporal: a saída do produto do estabelecimento demarcada por uma

operação jurídica ........................................................................................................ 65 3.4 CRITÉRIO PESSOAL ............................................................................................... 74 3.4.1 Sujeito ativo ........................................................................................................... 74 3.4.2 Sujeito passivo: o industrial e o equiparado à industrial ....................................... 75 3.5 CRITÉRIO QUANTITATIVO .................................................................................. 85 3.5.1 Base de cálculo ...................................................................................................... 86 3.5.1.1 Dos acréscimos estipulados para o preço do produto ............................................ 88 3.5.1.2 Cobrança do IPI em valores fixos ......................................................................... 94 3.5.2 Alíquota ................................................................................................................. 97 3.6 Controle especial instituído pelo fisco na arrecadação do IPI ................................. 100

4 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IPI SOBRE A IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS DO EXTERIOR ................................... 104

4.1 A materialidade “importar produtos industrializados do exterior” .......................... 104 4.2 Critério espacial ....................................................................................................... 109 4.3 Critério temporal ...................................................................................................... 110 4.4 Critério Pessoal ........................................................................................................ 110

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4.4.1 Sujeito ativo ......................................................................................................... 110 4.4.2 Sujeito passivo: a figura do importador e as indevidas equiparações e o

importador pessoa física ...................................................................................... 111 4.4.2.1 O importador como equiparado a industrial quando der saída do produto

industrializado do seu estabelecimento ............................................................... 111 4.4.2.2 A figura dos estabelecimentos atacadistas ou varejistas que adquirirem

produtos importados por encomenda ou por conta e ordem, também considerados sujeito passivo do IPI, sem realizar o ato de industrializar ........... 117

4.4.2.3 Importações para consumo próprio ..................................................................... 119 4.5 Critério Quantitativo ................................................................................................ 122 4.5.1 Base de cálculo .................................................................................................... 122 4.5.2 Alíquota ............................................................................................................... 124

5 ANÁLISE DE PRINCÍPIOS APLICADOS AO IPI ............................................... 125 5.1 O sistema jurídico e o subsistema do direito tributário ............................................ 125 5.2 Princípio da legalidade ............................................................................................. 130 5.3 Princípio da anterioridade ........................................................................................ 135 5.4 Princípio da não cumulatividade .............................................................................. 139 5.4.1 Do direito ao aproveitamento de crédito ............................................................. 146 5.4.2 Do sistema de compensação ................................................................................ 148 5.4.3 Isenção, alíquota zero, não tributação e o direito ao aproveitamento do

crédito .................................................................................................................. 150 5.4.3.1 O tema na jurisprudência: isenção, alíquota zero, não tributação e o direito

ao aproveitamento do crédito .............................................................................. 159 5.4.3.2 O tema na legislação infraconstitucional: isenção, alíquota zero, não

tributação e o direito ao aproveitamento do crédito ............................................ 163 5.4.3.3 Síntese do panorama atual de operações submetidas à isenção, alíquota zero

e não tributada, na jurisprudência ........................................................................ 166 5.4.4 Do Sistema de Crédito Fiscal .............................................................................. 167 5.4.4.1 Das espécies dos créditos no IPI ......................................................................... 170 5.4.4.2 Os insumos e o seu creditamento no IPI, no entendimento do STF .................... 172

6 OS REFLEXOS DAS DIRETRIZES DA ESSENCIALIDADE E DA EXTRAFISCALIDADE NA COMPOSTURA DO IPI ........................................... 175

6.1 O mistifório das categorias da extrafiscalidade, da seletividade e da essencialidade ........................................................................................................... 175

6.2 A utilização do tributo como instrumento realizador de políticas públicas ............. 176 6.3 Fiscalidade, Extrafiscalidade e Seletividade na doutrina ......................................... 178 6.3.1 Fiscalidade ........................................................................................................... 178 6.3.2 Extrafiscalidade ................................................................................................... 180 6.3.3 A seletividade ...................................................................................................... 187 6.4 A seletividade como técnica .................................................................................... 189

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6.5 A seletividade como instrumento de viabilização da extrafiscalidade e da essencialidade ........................................................................................................... 192

6.6 A essencialidade como categoria distinta da extrafiscalidade e da seletividade ...... 198 6.7 O Princípio da Essencialidade e a demarcação de sua força normativa para o

sistema ...................................................................................................................... 202 6.8 A impossibilidade de tributação extrafiscal nas hipóteses submetidas ao regime

da essencialidade ...................................................................................................... 211 6.9 A graduação da carga tributária do IPI, consoante a seletividade ambiental ........... 212 6.10 Os limites do controle judicial da extrafiscalidade e da essencialidade................... 216 6.10.1 O controle dos critérios adotados para a efetivação da essencialidade ............... 216 6.10.2 A distinção dos limites do controle jurisdicional da essencialidade e

extrafiscalidade .................................................................................................... 220

CONCLUSÕES ................................................................................................................ 226

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 234

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INTRODUÇÃO

O Imposto sobre produtos industrializados é um tributo que possui

características próprias e marcantes delineadas no texto constitucional e na legislação

infraconstitucional, sendo diversas as matérias possíveis de serem analisadas e que são

objeto de discussões na doutrina e na jurisprudência, pelo que centralizamos nossa

abordagem no desenvolvimento de suas regras-matrizes de incidência, no exame de

princípios aplicados, culminando com a abordagem da seletividade pela essencialidade e

da extrafiscalidade.

O Imposto sobre produtos industrializados tem suas origens no antigo imposto

sobre consumo, com posições divergentes quanto a tratar-se do mesmo tributo ou se seria

um novo; nesse sentido, levou-nos apenas para melhor compreensão de sua configuração

atual, a fazer, primeiramente, breve incursão sobre a sua evolução histórica nas

constituições revogadas e a mencionar, ainda que sucintamente, características importantes

do IPI e constantes da Constituição Federal 1988.

No exame da materialidade do IPI, apontando as posições doutrinárias

divergentes, apresentamos nossa interpretação, sendo que essa interpretação resultaria na

construção de uma ou mais regras-matrizes de incidência. Antes, porém, desse exame,

colocamos a importância da linguagem para o direito, traçamos a definição de norma

jurídica e descrevemos a composição da regra-matriz de incidência enquanto estrutura

lógica, ou seja, analisamos todos os critérios formadores da regra-matriz de incidência.

Colocadas aas posições doutrinárias sobre a materialidade do IPI e tendo

concluído por haver materialidades distintas, apresentamos uma síntese das regras-matrizes

de incidência instituídas pela Lei nº 4.502/64, para, sequencialmente e em capítulos

próprios, examinar cada uma delas.

Na análise das regras-matrizes de incidência, iniciamos o exame pelos

enunciados prescritivos constantes no texto constitucional especialmente demarcados no

subsistema constitucional tributário quanto ao IPI; em seguida, as leis infraconstitucionais,

quais sejam o Código Tributário Nacional, a lei instituidora do IPI e o seu decreto

regulamentar.

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No desenvolvimento dos critérios formadores da regra-matriz de incidência do

IPI que onera a industrialização, com a materialidade “industrializar produtos”,

discorremos individualmente sobre os critérios, relevando o trato de questões importantes,

como a definição de produtos industrializados, de operação, da figura dos equiparados ao

industrial e elevados à condição de contribuintes e os acréscimos de elementos realizados à

base de cálculo, dentre outros.

Com a materialidade importar produtos de procedência estrangeira, seguiu-se a

mesma linha de trabalho, desenvolvendo individualmente seus critérios formadores,

demarcando questões centrais em cada um deles, como a materialidade que gera opiniões

divergentes quanto à possibilidade da incidência do IPI na importação, as equiparações

realizadas e a importação feita por pessoa física, dentre outros.

Completado os critérios das regras-matrizes, voltamo-nos a abordar princípios

aplicados ao IPI, que são diversos e igualmente importantes para delinear o seu arquétipo

constitucional; entretanto, no desenvolvimento deste trabalho procedemos a um recorte,

analisando apenas alguns princípios com o propósito de uma melhor atenção aos mesmos,

quais sejam: legalidade, anterioridade e não cumulatividade, tendo, nesse último, tratado

do direito ao crédito.

Ao abordar os referidos princípios, sem esgotá-los, buscamos trazer as

principais problemáticas que envolvem as suas aplicações. Nesse capítulo dos princípios,

também antes de adentrarmos em cada um deles especificamente, entendemos importante

abordar e demarcar o sistema jurídico e o subsistema do direito tributário a fim de

compreender a posição dos princípios nesse sistema estruturado.

Por fim, procedemos à análise conjunta dos temas fiscalidade, extrafiscalidade,

seletividade e essencialidade para melhor quadramento dos institutos no que tange a

tributação por meio de IPI. A seletividade que se apresenta nos termos do art. 153, § 3º, I,

da Constituição Federal, tem como critério de aplicação a “essencialidade”; nesse contexto,

tem-se uma obrigatoriedade imposta pelo legislador constituinte, e temos uma deliberada

tomada de decisão possível quando da implementação de uma política pública de cunho

extrafiscal.

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Diante disso, releva a importância de se verificar se todo efeito secundário da

tributação por meio do IPI, considerando suas características próprias, se caracterizaria

efetivamente como extrafiscalidade; nesse sentido, buscamos apresentar interpretação

sobre a questão para contribuir com o desenvolvimento de um estudo sobre o tema.

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1 ORIGENS DO IPI E SEU PERFIL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

O objeto de nossos estudos no presente trabalho, “Imposto sobre Produtos

Industrializados – IPI”, teve suas origens no então denominado Imposto sobre Consumo,

sendo que a lei infraconstitucional instituidora desse gravame permanece até os dias de

hoje disciplinando o IPI, mas sobre a escrita de que “dispõe Sôbre o Imposto de

Consumo”.

Tal circunstância sobreleva a necessidade de que façamos uma evolução

histórica desse tributo, ainda que brevemente, seja para entender a mudança de Imposto

sobre Consumo para Imposto sobre Produtos Industrializados, seja para compreendê-lo

melhor.

Paulo de Barros Carvalho destaca que, “concebido o direito positivo como

objeto do mundo da cultura, sua historicidade será presença inafastável do correspondente

processo cognitivo”1.

Desse modo, para melhor conhecermos a configuração atual do IPI, é

importante que se proceda à interpretação das normas que conformam nosso sistema

jurídico sem desprezar, nesse caminho, as origens desse tributo como incidente sobre o

“consumo”, fazendo-o a partir de uma análise dos sucessivos textos constitucionais

disciplinadores.

1.1 Breve evolução histórica

Na Constituição de 1891, não havia disposição constitucional sobre o imposto

em comento; o que havia era uma competência concorrente entre a União e os Estados, o

que possibilitava sua criação. Aliás, o constituinte de 1891 ao distribuir as competências

1 CARVALHO, Paulo de Barros. Função social dos tributos. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva;

NASCIMENTO, Carlos Valder do; MARTINS, Rogério Gandra da Silva. Tratado de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 93.

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entre a União e os Estados, sem que percebesse os reflexos futuros, criou superposição de

tributos, que resultaria em concorrência tributária entre os referidos entes políticos.2

O art. 12 da Constituição de 1891 autorizava a União e os Estados a criar

outras fontes de receitas além daquelas constantes do art. 7º, que discriminava a

competência exclusiva da União, e do art. 9º, que tratava da competência dos Estados-

membros.

A referida possibilidade trouxe uma competência concorrente entre União e

Estados-membros, que não foi exercida quanto ao IPI, havendo apenas menção na Lei

Orçamentária nº 25 de 1891: que a receita ordinária da República adviria também da

receita arrecadada sobre estampilhas (taxas cobradas em estampilhas), decorrentes do

consumo de alguns produtos3.

Foi na Constituição Federal de 1934 que surgiu o imposto sobre consumo de

competência da União, que poderia instituir o imposto “de consumo de quaisquer

mercadorias, exceto os combustíveis de motor a explosão”.4 Nesse momento histórico,

houve a ampliação do rol dos tributos de competência da União, tendo sido mantido na

Constituição Federal de 1937.

A Constituição Federal de 1946 manteve a União como competente para criar

impostos sobre

[…] consumo de mercadorias; e, produção, comércio, distribuição e consumo, e bem assim importação e exportação de lubrificantes e de combustíveis líquidos e gasosos de qualquer origem ou natureza, estendendo-se esse regime, no que for aplicável, aos minerais do país e à energia elétrica.5

2 BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. História do Tributo no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p.

106. 3 BRITO, Edvaldo Pereira de. IPI: gerador na Importação. Revista Tributária e de Finanças Públicas,

São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 45, jul.-ago. 2002. 4 BRASIL. Presidência da República. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16

de julho de 1934). Rio de Janeiro, art. 6º, inciso I, alínea “b”, 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao34.htm>. Acesso em: 02 mar. 2013.

5 BRASIL. Presidência da República. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Rio de Janeiro, art. 15, incisos II e III, 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao46.htm>. Acesso em: 02 mar. 2013.

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Sob a égide da Constituição de 1946, foi publicada a lei ordinária nº 4.502, de

30 de novembro de 1964, que dispôs sobre o imposto de consumo, prescrevendo sua

incidência sobre os produtos de procedência estrangeira, quando do respectivo

desembaraço aduaneiro, e sobre a produção nacional que der saída do estabelecimento

produtor.

As discriminações das competências entre os entes políticos constantes na

Constituição Federal de 1946 foram modificadas com advento da Emenda Constitucional

nº 18, de 01 de dezembro de 1965. Essa emenda, marcadamente, trouxe alterações

significativas na disciplina da competência dos entes tributantes.

Dentre as mudanças perpetradas pela Emenda nº 18/1965, tivemos a alteração

da designação de “imposto sobre consumo” para “imposto sobre produtos

industrializados”, que trouxe também a seletividade e a não cumulatividade como

características dessa espécie tributária, nos termos do seu art. 11:

Compete à União o impôsto sôbre produtos industrializados. Parágrafo único. O impôsto é seletivo em função da essencialidade dos produtos, e não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nos anteriores.

Logo após, em outubro de 1966, foi publicada a Lei nº 5.172, que dispôs sobre

o Sistema Tributário Nacional e instituiu normas gerais de direito tributário aplicáveis à

União, Estados e Municípios, estabelecendo no Capítulo IV, entre os artigos 46 e 51, o

disciplinamento do imposto sobre produtos industrializados.

Com as alterações legislativas havidas, temos que o imposto sobre consumo

passou a denominar-se imposto sobre produtos industrializados, pela Emenda

Constitucional nº 18/65, sendo mantida a designação pelo Código Tributário Nacional e

consolidada pela expressa dicção do Decreto-lei nº 34 de 18 de novembro de 1966 ao

dispor em seu art. 1º que “O Impôsto de Consumo, de que trata a Lei nº 4.502, de 30 de

novembro de 1964, passa a denominar-se Impôsto sôbre Produtos Industrializados”.

A Constituição de 1967 e a Emenda nº 1 de 1969 reproduziram a configuração

antes havida do imposto em questão. Por sua vez, a Constituição Federal de 1988, ao

delinear as competências da União, manteve, dentre elas, a de instituir o imposto sobre

produtos industrializados, em seu inciso IV, art. 153.

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A Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, que instituiu o imposto sobre

consumo, hoje denominado de imposto sobre produtos industrializados, conhecido pela

sigla IPI, embora com algumas alterações por leis posteriores, continua até os dias atuais

sendo a norma geral instituidora e disciplinadora dessa espécie tributária, tendo havido a

edição de sucessivos decretos regulamentando-a, sem, entretanto, haver a edição de nova

norma geral, mesmo após a alteração de sua denominação pela Emenda nº 18/1965.

O atual cenário legislativo infraconstitucional do IPI compõe-se das normas

gerais constantes do Código Tributário Nacional, da Lei Ordinária Federal nº 4.502/1964,

que é a lei instituidora do IPI, e pelo Decreto nº 7.212/2010, que regulamenta a referida lei

ordinária e o Decreto nº 7.660, de 23 de dezembro de 2011 que traz a Tabela de Incidência

sobre Produtos Industrializados (TIPI), além disso, há diversas Portarias e Instruções

expedidas pela Receita Federal do Brasil.

1.2 A alteração de imposto de consumo para imposto sobre produtos

industrializados – hipóteses tributárias mantidas

Ainda no empenho de melhor compreender o IPI, é preciso que se conheça a

extensão e o alcance da mudança da denominação de imposto de consumo para imposto

sobre produtos industrializados, fundamentalmente, quanto a ter havido alteração

meramente nominativa ou de materialidade.

Quando de sua criação, em 1934, o texto constitucional prescreveu que caberia

à União decretar “impostos de consumo de quaisquer mercadorias”. A regulamentação do

imposto de consumo foi feita pelo Decreto-lei nº 739 de 24 de setembro de 1938, que

estabeleceu em seu art. 4º que tal imposto incidiria sobre “os produtos, nacionais ou

estrangeiros, enumerados no art. 1º.”6

6 1. Fumo. 2. Bebidas, 3. Álcool. 4. Fósforos e isqueiros. 5. Sal. 6. Calçados. 7. Perfumarias e artigos de

toucador. 8. Especialidades farmacêuticas, 9. Conservas. 10. Vinagre e óleos adequados à alimentação. 11. Velas. 12. Tecidos. 13. Artefatos de tecidos e de peles. 14. Papel e seus artefatos. 15. Cartas de jogar. 16. Chapéus e bengalas. 17. Louças e vidros. 18. Ferragens (artefatos de ferro e de outros metais). 19. Café torrado ou moído e chá. 20. Banha, manteiga e sucedâneos. 21. Móveis. 22. Armas de fogo, suas munições e fogos de artifício. 23. Lâmpadas, pilhas e aparêlhos elétricos. 24. Queijos e requeijões. 25. Eletricidade. 26. Tintas e vernizes. 27. Leques. 28. Artefatos de borracha. 29. Pinceis para barba e obras de cutelaria. 30. Pentes, escovas, espanadores e vassouras. 31. Brinquedos. 32. Artefatos de couro e de outros materiais. 33. Joias e obras de ourives. 34. Bijuterias, objetos de adôrno e de utilidade e relógios.

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Interessante notar que a relação de bens constante do Decreto-lei nº 739/1938

trata de bens submetidos a algum tipo de transformação, produtos da indústria, portanto, e

que estão sob a incidência do imposto denominado sobre “consumo”.

A Constituição de 1946 manteve a competência da União para os impostos

sobre Consumo, e a Lei nº 3.520 de 30.12.1958 fez menção a produtos industrializados,

estabelecendo que “O impôsto de Consumo incide sôbre os produtos industrializados,

nacionais ou estrangeiros, discriminados nas Tabelas anexas.”

Verifica-se que o imposto sobre consumo incidia sobre mercadorias nacionais

ou estrangeiras submetidas a transformações, tanto é que a citada Lei nº 3.520/1958

estabeleceu que se equiparava ao fabricante “os transformadores, montadores,

beneficiadores e reacodicionadores dos produtos sujeitos ao impôsto de consumo, assim

como os importadores […]”.

Podemos assinalar que a legislação trazia a expressão “imposto sobre

consumo”, mencionando por vezes a incidência sobre mercadoria nacional consumida ou

produto industrializado; contudo, as legislações faziam alusão a produtos que, de algum

modo, sofreram algum tipo de alteração, mudança do seu estado original, também

acrescentando tais mercadorias quando importadas. Os artigos sujeitos ao imposto sobre

consumo, seja sob a designação mercadoria ou produto, consubstanciava-se em um

produto transformado.

José Nabantino Ramos noticia que em nosso país, assim como em outros

países, a tributação em questão surgiu com o escopo de atingir o “consumo”, produtos a

serem consumidos. Tributo com características semelhantes já existia em alguns estados

dos Estados Unidos da América, Argentina, Grécia e França.

A evolução desse modelo de tributação sobre o consumo que envolvia

inclusive produtos transformados resultou, segundo o referido autor, em três

características: dedução do imposto pago na aquisição da matéria-prima a ser

35. Gasolina, óleos e carbureto de cálcio. 36. Ladrilhos e outros materiais. 37. Instrumentos de música. 38. Material ótico, fotográfico e cinematográfico. 39. Fogões, fogareiros e aquecedores. 40. Cimento. 41. Linhas, cordoalha e botões. (BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 739, de 24 de setembro de 1938. Aprova o regulamento para a arrecadação e fiscalização do imposto de consumo. Rio de Janeiro, 24 set. 1938).

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industrializada, subdivisão do ônus de recolher para mais de um contribuinte e a

transferência do crédito para outro período7.

Embora tal conformação fosse marcante tanto na tributação em outros países

como no nosso, a legislação brasileira diferenciou-se da estrangeira em ponto importante,

segundo as lições do mesmo autor: “Em outros países, um só imposto incide tanto sobre a

produção industrial como sobre operações de venda ou transferência de mercadorias”.

Aborda, nesse domínio, o fato de que no Brasil a incidência do IPI se dá na

produção industrial e o ICMS atinge as operações posteriores à industrialização, havendo,

portanto, dois impostos que se originam da tributação sobre operações que se realizam com

produtos, seja na fase de produção, seja na distribuição de bens.

Atualmente, esse modelo de divisão de competências em nosso país (ICMS e

IPI) se encontra delineado no texto constitucional, mas podemos notar que, inicialmente,

havia certa confusão ou até mesmo sobreposição de incidências, quando se tratava do

denominado imposto de consumo, já que as legislações infraconstitucionais ora

mencionavam mercadoria ora produtos.

O aperfeiçoamento do atual modelo de divisão de competências surgiu com a

Emenda nº 18/1965 à Constituição de 1946, que introduziu o imposto sobre circulação de

mercadorias (ICM) e delineou o imposto sobre produtos industrializados (IPI), trazendo as

características da tributação sobre “mercadorias” e “produtos industrializados”.

Nada obstante encontrarmos as competências devidamente demarcadas, é

preciso mencionar que, apesar de haver delimitação de competências que se apresenta

dividida entre os entes tributantes, têm-se diversos casos que acabam por gerar dúvidas

quanto à incidência de ICMS e de IPI, ou até mesmo de ISS.

De todo modo, certo é que o referido aperfeiçoamento ocorreu e foi marcado,

fundamentalmente, entre o delineamento da tributação sobre mercadoria e produtos

industrializados.

7 RAMOS, José Nabantino. I.C.M. E I.P.I. – Fato Gerador e Circulação. Revista de Direito Público, São

Paulo: Revista dos Tribunais, n. 11, jan.-mar. 1970, p. 110-111.

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No que se refere aos produtos industrializados, ainda que tenha havido

alterações nominativas, podemos observar que as suas principais características se

mantiveram, tendo sido mantidas as suas hipóteses tributárias, o que nos leva a concluir

que estamos diante do mesmo tributo, tendo havido uma adequação nominativa apenas.

Entretanto, houve divergência na doutrina quanto ao IPI tratar-se ou não do

antigo imposto sobre consumo. Há os que, como Edvaldo Brito, entenderam que o IPI não

se perfazia no antigo imposto sobre consumo. Edvaldo Brito, em parecer emitido, afirma

que os responsáveis pela reforma tributária de 1965 equivocaram-se e que, em verdade, o

IPI não era o mesmo imposto sobre consumo:

[…] o art. 46 do CTN dispõe sobre três impostos sob a denominação de imposto sobre produtos industrializados. Essa circunstância incompatibiliza-o com a regra constitucional de outorga de competência que autoriza apenas o IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados. Impõe-se, por isso, que, doravante, cuide-se desse imposto inserindo-o no sistema tributário, profligando o imposto sobre consumo.8

Para Edvaldo Brito, o imposto sobre consumo incidia sobre o consumo de

mercadorias, mas, aos buscarmos as definições jurídicas de mercadoria e produto,

concluímos que são coisas diferentes. Daí seu entendimento de que o imposto incidente

sobre os produtos industrializados não é o mesmo daquele que incidia sobre o consumo de

mercadorias.

Contrariamente, Aliomar Baleeiro afirmava tratar-se do mesmo tributo: “Em

verdade, o tributo que, nas águas da Emenda 18/1965, recebeu o nome de ‘imposto sobre

produtos industrializados’, é o mesmo imposto de consumo das Constituições de 1946 e

anteriores.”9

No mesmo sentido, o mestre Paulo de Barros Carvalho assevera que, embora

os responsáveis pela reforma tributária à época tenham se orientado pela realidade

econômica, com o IPI isso não aconteceu, tendo sido mantida a designação jurídica

corretamente; eis que o consumidor apenas sofre a repercussão econômica dessa carga

8 BRITO, Edvaldo Pereira de. IPI: gerador na Importação. Revista Tributária e de Finanças Públicas,

São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 45, jul.-ago. 2002. 9 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Atualizado por Misabel Abreu Machado

Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 335.

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tributária, mas quem figura na relação jurídica é aquele que realizou a operação com

produto industrializado. Vejamos suas lições:

Na verdade, malgrado a incoerência que deve ser registrada, prevaleceu a designação jurídica que nos parece mais apropriada, visto que a pessoa do consumidor do produto não integra a relação jurídica do imposto, a qual vincula unicamente o responsável pela industrialização ou quem lhe seja equiparado, vale dizer, o contribuinte “de iure”10.

Destaca o autor que as hipóteses tributárias do IPI continuaram a ser as

mesmas, então previstas para o imposto sobre consumo: As hipóteses de incidência,

todavia, continuam a ser as mesmas, não se alterando a “natureza jurídica específica do

tributo”, como quer o art. 4º do Código Tributário Nacional (lei n. 5.172, de 25.10.1966)11.

A Emenda nº 18 alocou o IPI no título “Impostos sobre a Produção e a

Circulação”; certo é que a oneração ocorre sobre o produto industrializado que “sai” do

estabelecimento para ser consumido, a tributação tem como objeto o produto fabril.

O denominado imposto sobre consumo poderia supor eventual sobreposição de

incidências com a confusão entre produto e mercadoria; entretanto, desde a sua instituição

até o momento em que passou a denominar-se imposto sobre produtos industrializados, as

legislações advindas da União demonstravam o intento de onerar o produto industrializado

submetido à venda ou importado, tanto é que as hipóteses tributárias permaneceram

inalteradas.

As origens do IPI estão no antigo Imposto sobre Consumo, sendo preciso

constatar que o aperfeiçoamento da tributação perpetrada pela Emenda nº 18/1965, melhor

distinguindo e delimitando a competência impositiva do ICMS e do IPI, fez com que se

reconheça que o IPI é um tributo que apenas indiretamente visa ao consumo, o que nos

habilita a afirmar que se trata de um tributo sobre a produção que atinge o resultado desta,

quais sejam, os produtos industrializados.

10 CARVALHO, Paulo de Barros. Introdução ao Estudo do Impôsto sobre Produtos Industrializados.

Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 11, 1970, p. 75. 11 Ibid., p. 75-76.

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Consumo, numa imediata e apressada tomada de consciência, seria tudo aquilo

que em pronta utilização ou uso levaria ao seu desaparecimento, ou seja, todos os artigos

utilizados ou usados que tendem a dissipar-se.

Nada obstante a compreensão comum, o significado da expressão “consumo”

terá sua amplitude delineada ampliativamente ou restritivamente quando inserida e

visualizada sob determinado contexto.

O consumo ou o ato de consumir assume significação própria e distinta quando

visto sob a realidade do direito. Rubens Gomes de Sousa assevera que “De fato, para os

efeitos do IPI, o verbo ‘consumir’ e a expressão verbal ‘dar em consumo’ têm um sentido

técnico mais amplo que o seu significado gramatical comum”.12

Assim, “consumir” ou “dar em consumo” assume para o direito e,

especificamente para o direito tributário, configuração própria, que foi sofrendo alterações,

conforme podemos apurar das legislações do IPI. Primeiramente, tinha-se como de

consumo os artigos identificados de pronto uso e absorção para, adiante, ser tido como

outros bens de características duráveis. Aliomar Baleeiro nos dá conta dessa evolução

significativa:

Na primeira década de sua expansão, entre 1891 e 1900, esse imposto atingia, realmente, apenas artigos classificáveis como de consumo, p. ex., bebidas, alimentos acondicionados em latas, fósforos, vestuário, calçados, velas etc. Essas mercadorias se extinguiam pela própria utilização. Mais tarde, o Fisco foi alcançando mercadorias duráveis, como certos implementos de edifícios, objetos de adorno, automóveis etc. e, por fim, bens de produção, como máquinas ou coisas de duração indefinida, como joias, objetos de arte etc., que foram incluídos no conceito legal de consumo.

Considerando o contexto em que se apresentam os artigos de consumo, não

podemos deixar de reconhecer que eles podem ser objeto de incidência fiscal, seja pelo IPI,

seja pelo ICMS ou outros tributos, já que amplamente o consumo é o destino dos produtos

e mercadorias.

12 SOUSA, Rubens Gomes. IPI e as vendas de ativo fixo. Doutrinas Essenciais. Direito Tributário.

Edições Especiais. v. III – Imposto sobre produtos industrializados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 954.

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Foi em tempo e acompanhando a evolução das atividades empresariais, e o

próprio conceito de consumo, que a reforma de 1964, ao alterar a distribuição das

competências, afastou a nominação “imposto sobre consumo” para denominá-lo de

“imposto sobre produtos industrializados”.

De todo modo, o imposto sobre produtos industrializados tem suas origens no

antigo imposto sobre consumo, pois, essencialmente, decorre da incidência sobre os

produtos industrializados, mesmo sobre a antiga denominação. A análise da legislação faz

reconhecer que, antes e depois da alteração nominativa, a materialidade principal era sobre

artigos resultantes de um processo industrial.

O que a reforma fez foi afastar uma denominação que não mais se coadunava

com a verdadeira materialidade atingida, já que o objetivo é tributar a conduta do agente da

cadeia econômica que coloca o produto industrializado no mercado.

De forma ampla, como se disse, os produtos e as mercadorias têm como

destino final o consumo, por isso consideramos o efetivo contribuinte do IPI – agente

econômico responsável por industrializar e colocar à venda o produto industrializado ou o

importador de produtos industrializados, para alocar o IPI como um imposto sobre a

produção, já que, ainda que ocorra o fenômeno da translação do encargo financeiro, o

responsável dentro do ciclo econômico pelo recolhimento é aquele que põe à venda o

produto industrializado.

Além do que, medidas de políticas públicas são adotadas pelo Governo, como

a manipulação das alíquotas do IPI, que, embora atinjam o consumo, em verdade, buscam

salvaguardar a economia salvaguardando determinado setor industrial do país com

incentivos para a produção industrial.

A tributação dos produtos industrializados no sistema jurídico brasileiro

apresenta-se com um regime jurídico muito próprio, devidamente disciplinado no texto

constitucional, que muito se volta para a manipulação de alíquotas para que se atinja a

produção industrial, normalmente, com o fito de evitar que se desregule o mercado

nacional.

A manipulação das alíquotas com intento de alcançar fins específicos envolve a

tributação a ser suportada por aquele que coloca à venda o produto industrializado (ainda

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que posteriormente repassada ou não), mas que, naquele momento da cadeia produtiva, é o

responsável pelo recolhimento do tributo e, naquele momento, a produção sofrerá reflexos.

A consequência das medidas adotadas nas etapas produtivas, com oneração ou

desoneração delas, impulsionando ou não a produção interna, terá como resultado atingir o

consumo de tais produtos, consequências reflexas, portanto. Por isso, o IPI atua ainda na

fase produtiva, o que nos leva a concluir que se trata de um imposto sobre a produção,

tendo como foco o produto da indústria.

1.3 Características marcantes do IPI

Com o intuito de facilitar a compreensão do tema deste trabalho, entendemos

que se faz necessário introduzir, desde já, breves considerações sobre as características

marcantes do IPI, que iluminarão todo o trabalho, as quais serão revistadas durante os

capítulos que se seguem.

A importância de traçar considerações iniciais relevando as características

marcantes do IPI justifica-se pelo modo singular como essa exação se apresenta no texto

constitucional.

1.3.1 Breves considerações sobre o perfil constitucional do IPI na Constituição de

1988

A Constituição Federal de 1988, ao tratar do sistema tributário nacional no

Capítulo I, do Título VI, disciplinou amplamente a matéria tributária. Além dos princípios

gerais, das limitações ao poder de tributar, da repartição das receitas tributárias, o

constituinte estabeleceu a competência legislativa de cada ente político.

Assim, a discriminação das competências tributárias é matéria constitucional

rigidamente estabelecida, perfazendo-se na divisão entre União, Estados-membros, Distrito

Federal e Municípios, por força da forma Federativa adotada pelo Estado brasileiro.

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O Constituinte Federal de 1988, portanto, foi meticuloso ao discriminar as

competências tributárias das pessoas jurídicas de direito público interno no corpo da

Constituição, posto que as delineou pormenorizadamente.

Permite tal discriminação individualizada que cada ente tenha aptidão para

instituir os tributos sob sua competência, a fim de que cada qual possa ter sua autonomia

financeira preservada. Nos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, essa competência

tributária que detém as pessoas políticas permite-lhes que venham a expedir regras

jurídicas, inovando o ordenamento jurídico13.

Nesse caminho, adverte o mesmo autor que a expressão “competência

tributária” é dotada de uma multiplicidade de traços significativos, já que tanto pode

referir-se à competência que detém as pessoas políticas para instituir os tributos (norma

geral e abstrata) quanto ao administrador público, o juiz e todos que devem cumprir ou

fazer cumprir a lei14.

Entretanto, guardamos a utilização da expressão “competência tributária” como

aquela de que são portadoras as pessoas políticas que possuem Poder Legislativo próprio e

que expedem normas que inovam a ordem jurídica, e que se encontra devidamente

desenhada no texto constitucional.

Nesse contexto, o estudo do IPI deve, necessariamente, partir das diretrizes

traçadas pela Constituição Federal para, em conjunto com as demais legislações

infraconstitucionais, formar o arcabouço legislativo desse tributo. Destaca-se, desde já, que

o IPI é dotado de algumas características singulares fixadas pelo legislador constituinte

originário, que, embora se aponte, nesse momento, sucintamente, deverão ser revisitadas

durante todo o trabalho.

Comecemos mencionando a aplicação do princípio da legalidade ao IPI. Sua

observância continua sendo imposição constitucional; entretanto, a Constituição Federal

possibilita que o Poder Executivo venha a alterar suas alíquotas por meio de decreto.

13 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 269. 14 Id. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 233.

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Nada obstante a possibilidade de modificar as alíquotas por decreto, certo é que

elas só podem ser alteradas dentro dos limites fixados em lei15. Logo, ainda que se alterem

por decreto as alíquotas, a observância dos parâmetros dessa modificação continua

estabelecida em lei, permanecendo intacto o dever de observar o princípio da legalidade.

Por isso, não há que se falar em exceção ou flexibilização ao princípio da

legalidade para o IPI. O que o texto constitucional autoriza é que o Poder Executivo, para

implementar e dar efetividade às políticas públicas, tem à sua disposição a possibilidade de

variar as alíquotas dentro dos limites fixados pela lei.

A seletividade, característica marcante e disciplinada no texto constitucional

para o IPI, tem por função proceder à graduação das alíquotas considerando a

essencialidade dos produtos industrializados. Por meio dela, a alíquota pode sofrer

variação, de modo que seja dosada a depender da essencialidade do produto em questão,

impactando no preço final dos produtos industrializados. Vale dizer que quanto mais

essencial o produto menor será sua alíquota, ou até mesmo pode haver uma desoneração

total.

Todo tributo tem como característica principal a fiscalidade, ou seja, representa

fonte de receita para o Estado para a consecução de seus objetivos. Para o IPI também não

se afasta a fiscalidade, mas considerando a faculdade estabelecida pelo legislador

constituinte de manipulação das alíquotas por meio de Decreto, essa exação fiscal é

fortemente utilizada na indução de comportamentos por meio de alíquotas diferenciadas,

estimulando-os ou desestimulando-os, com o escopo de implementar políticas públicas ou

mesmo realizar valores constitucionais.

O disciplinamento do IPI constante do texto constitucional faz com que ele

tenha um regime jurídico próprio que permite ao legislador atuar de modo a influenciar,

com alterações legislativas, o processo produtivo, com o fito de implementar políticas

públicas.

15 Art. 153, § 1º. É facultado ao poder executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei,

alterar as alíquotas dos impostos nos inciso I, II, IV E V. (BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 out. 1988).

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O IPI tem o importante papel de servir ao Estado como instrumento a serviço

das políticas públicas a serem implementadas, devendo ser “utilizado como instrumento de

ordenação político-econômica, estimulando a prática de operações havidas por necessárias,

uteis ou convenientes à sociedade e, em contrapartida, onerando outras que não atendam

tão de perto ao interesse social”.16

O IPI não se submete ao princípio da anterioridade denominada genérica (art.

150, III, b, CF), mas deve observar a anterioridade prevista no art. 150, III, c, da

Constituição, denominada de especial ou noventa constitucional, que estabelece a

proibição de cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que foi publicada

a lei instituidora.

Por fim, o IPI tem como característica marcante a não cumulatividade (art. 153,

§ 3º, II da CF). O intento da não cumulatividade é evitar a tributação “em cascata”, de

modo que se assegure ao contribuinte o direito de realizar compensação pela sistemática de

crédito e débito, em que do montante a ser pago a título de IPI na operação subsequente

deve se proceder ao abatido do valor já pago nas operações anteriores, com isso se evita

onerar excessivamente o preço final do produto.

1.3.2 O IPI como tributo indireto

É preciso destacar ainda que o IPI se enquadra dentre os impostos classificados

como indiretos. No imposto indireto, a carga econômica é suportada por terceira pessoa e

não pelo contribuinte que efetivamente realizou o fato jurídico tributário. No caso do IPI,

quem suporta a carga econômica do tributo é o consumidor do produto industrializado,

que, ao adquirir o produto, pagará em seu preço o valor do imposto anteriormente

recolhido. Os impostos diretos são aqueles que não repercutem no valor final do produto

ou mercadoria, sendo suportado pelo realizador do fato jurídico tributário.

Paulo Roberto Lyrio Pimenta noticia que a dicotomia entre tributos diretos e

indiretos tem origem nas ciências das finanças, “especificamente aos fisiocratas, que no

16 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI, Seletividade e Alteração de

Alíquotas. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 159, dez. 2008, p. 107.

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século XVIII traçaram essa separação baseando-se no critério da repercussão econômica”,

que consideravam que toda riqueza era oriunda da terra, sendo tributos diretos os

suportados pelo proprietário rural e os indiretos seriam as demais incidências, onde apenas

nesses últimos havia o repasse do ônus econômico. Posteriormente, com base nessa

diferenciação apareceram as figuras do contribuinte de direito e de fato17.

O mesmo autor afirma que hodiernamente a dicotomia tem sido estabelecida

com base em critérios econômico-financeiros que se fundam na repercussão econômica ou

jurídicos com a existência de três teorias, do lançamento (sujeitos ou não ao lançamento),

do rol nominativo (critério administrativo) e do tipo da relação jurídica base do imposto

(teoria da natureza do fato tributável). E conclui que elas não explicam satisfatoriamente a

dicotomia.

Certo é que, a classificação em impostos diretos e indiretos efetivamente não

pode considerar a repercussão econômica como elemento diferenciador dessa

classificação, pelo que incidiria em erro ao tomar como critério dado de outra realidade

que não a jurídica.

No Direito Brasileiro, parte da doutrina afirma que a diferenciação é pautada

por critérios econômicos, não podendo ser aceita; outros afirmam a existência da

repercussão jurídica, entendendo como possível a classificação. Certo é que essa

classificação dos impostos em diretos e indiretos divide opiniões, havendo os que a

consideram irrelevante já que se fundamentaria em aspectos econômicos. Geraldo Ataliba

discorre que “É classificação que nada tem de jurídica; seu critério é puramente

econômico”. E conclui que “No Brasil, não tem aplicação”18.

Roque Antonio Carrazza também entende que a classificação é irrelevante para

o Direito, pois tem fundamento em fenômeno econômico, ou seja, a transferência do

encargo financeiro:

Esta classificação, em rigor, não é jurídica, já que, perante o Direito, é despiciendo saber quem suporta a carga econômica do imposto. O que importa, sim, é averiguar quem realizou seu fato imponível,

17 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Tributos Indiretos. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.).

Tributação Indireta no Direito Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 353-354. 18 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 143.

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independentemente de haver, ou não, o repasse do valor do imposto para o preço final do produto, da mercadoria, do serviço etc.19

Entretanto, interessante argumentação contrária é desenvolvida pela professora

Misabel Derzi ao afirmar que o IPI e o ICMS são efetivamente impostos indiretos, já que a

Constituição Federal lhes impôs dois princípios que somente podem ser compreendidos

pelo fenômeno da translação – o da seletividade e da não cumulatividade20.

Por meio dos referidos princípios constitucionais, a alteração das alíquotas

repercutiria no preço final ao consumidor, desonerando o agente econômico realizador do

fato jurídico tributário por expressa dicção constitucional; assim, no caso do IPI e do

ICMS, a repercussão foi transformada em uma presunção jurídica pela Constituição. São

dela as lições:

Convertida em um direito de crédito, necessariamente compensável com os débitos tributários no ICMS ou no IPI, a repercussão do imposto é uma presunção inerente à técnica não-cumulativa desses tributos, presunção que serviu de inquestionável fundamento adotado pela Constituição. […] Por isso, a consideração da repercussão deixa de ser critério “ajurídico” ou meramente “econômico” no caso do ICMS ou do IPI.21

Econclui:

O princípio constitucional da não-cumulatividade desencadeia aquilo que se denomina de repercussão jurídica, não repercussão econômica. Se a repercussão jurídica corresponde à econômica, essa é uma coincidência provável mas não certa, que muitas vezes poderá não ocorrer.22

Defende a professora que, no caso do ICMS e do IPI, embora haja uma

coincidência com a repercussão econômica, certo é que, efetivamente, haverá repercussão

jurídica, já que a prescrição da transferência é autorizada constitucionalmente.

Parece-nos que a professora Misabel Derzi está com a razão, pois, ainda que se

tenha um dado econômico, a legislação, ao prever a translação do encargo, juridicizou o

19 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 563. 20 DERZI, Mizabel Abreu Machado. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003,

p. 886-887. 21 Ibid., p. 887. 22 Ibid., p. 891.

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instituto, considerando-o na compostura legislativa do IPI e do ICMS. Pode haver ou não a

coincidência de a repercussão jurídica ser econômica, mas o que importa é a repercussão

jurídica. Tributos indiretos seriam aqueles criados para repercutir, independentemente de

haver ou não o repasse de ônus financeiro.

Paulo Roberto Lyrio Pimenta realça que é a partir do exame constitucional que

se deve analisar a existência de repercussão jurídica. Nesse caminho, identifica a previsão

da não cumulatividade para o IPI e para o ICMS, que tem como pressuposto o fenômeno

da translação, e que esse é possível nos tributos plurifásicos 23 sujeitos à não

cumulatividade, esse caráter indireto do tributo é pressuposto para a aplicação da não

cumulatividade e não uma mera presunção:

Ou seja: a não-cumulatividade parte da existência da repercussão do ônus financeiro, que representa o tributo, visando com isso a evitar que o consumidor seja onerado, assegurando-se, ainda, a neutralidade da tributação. […] Logo, pode-se concluir que a repercussão jurídica é aquela que atinge os dois impostos submetidos pela Constituição Federal à aplicação da não cumulatividade24 .

O autor conclui definindo que tributos indiretos “são todos os tributos

plurifásicos, incidentes sobre negócios-jurídicos bilaterais, em relação aos quais se aplica a

técnica da não cumulatividade”25 . O autor considera indiretos os tributos plurifásicos

submetidos à não cumulatividade, ou seja, nem todo tributo não cumulativo é indireto, mas

apenas aqueles que se caracterizam pela plurifasia.

Podemos constatar, desse modo, que a repercussão jurídica está positivada no

Direito Brasileiro, em norma constitucional, por meio da técnica do princípio da não

cumulatividade aos tributos plurifásicos. Vale dizer que é possível identificar essa figura

tributária a partir de um critério jurídico-positivo.

Além da repercussão havida pela aplicação do princípio da não

cumulatividade, temos disciplinamento em que as consequências partem dessa

repercussão. O Código Tributário Nacional em seu art. 166 considerou, para o caso de

23 Plurifasia se caracteriza pela incidência do mesmo tributo sobre as diversas etapas de um ciclo

econômico. PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Tributos Indiretos. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Tributação Indireta no Direito Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 359.

24 Ibid., p. 358. 25 Ibid., p. 359.

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restituição de tributos, a tributação direta e indireta. Sacha Calmon Navarro Coêlho

discorre:

Quando o CTN se refere a tributos que, pela sua natureza, comportam a transferência do respectivo encargo financeiro, está se referindo a tributos que, pela sua constituição jurídica, são feitos obrigatoriamente para repercutir, casos do IPI e do ICMS, entre nós, idealizados para serem transferidos ao consumidor final. A natureza a que se refere o artigo é jurídica. A transferência é juridicamente possibilitada.26

Releva como critério diferenciador dessa classificação a repercussão jurídica.

O art. 166 do CTN27 refere-se aos tributos que por sua natureza possam ser transferidos, ou

seja, aqueles criados para repercutir, o que ressalta a tomada do referido critério

diferenciador.

Desse modo, em havendo normatização que ordena a translação do encargo

financeiro, a questão da repercussão está positivada, tornando-se relevante para o Direito,

diferentemente do que alega parte da doutrina, sendo imperioso constatar que temos

critério jurídico-normativo para separar os tributos em diretos e indiretos, qual seja, a

repercussão jurídica.

No que tange ao IPI, Américo Lacombe esclarece:

O fenômeno da repercussão só pode ser considerado fenômeno jurídico no caso do IPI, cuja legislação dá ao fabricante o direito de, no ato de venda, acrescer o valor da operação com a parcela do imposto devido. Isto se infere do sistema. O art. 32 da Lei 4.502 diz que a “restituição do imposto indevidamente pago fica subordina à prova, pelo contribuinte, de que o mesmo imposto não foi recebido de terceiro”. Por aí se vê que a lei admite o ato de ser o valor do imposto incluído no preço total28.

O IPI é tributo submetido ao princípio da não cumulatividade, que permite ao

sujeito passivo compensar o valor do imposto incidente em operações anteriores com o 26 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006, p. 816. 27 Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo

financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la. (BRASIL. Presidência da República. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 out. 1966).

28 LACOMBE, Américo Masset. Imposto sobre produtos industrializados – Sua estrutura normativa – Princípios constitucionais – Princípio da legalidade das isenções. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27-28, jan.-jun. 1984, p. 125.

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montante incidente na operação subsequente, evitando, desse modo, a oneração do produto

final, sistemática essa positivada pela Constituição Federal, que autoriza a transferência do

ônus, caracterizando a repercussão jurídica.

Nesse contexto, entendemos ser possível uma classificação dos tributos em

diretos e indiretos com supedâneo em critério jurídico-normativo, qual seja, a repercussão

jurídica.

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31

2 O IPI E A SUA(S) REGRA(S) MATRIZ(ES) DE INCIDÊNCIA

2.1 A linguagem e o direito

Para a hermenêutica jurídica tradicional (teoria científica sobre as técnicas

possíveis de interpretação), os textos normativos eram dotados de sentido próprio, com

supedâneo seja na “intenção do legislador” ou na “vontade da lei”. Os métodos eram

utilizados para encontrar o sentido e o alcance correto e único do texto interpretado; havia

a reprodução de um sentido já contido no texto.

Ocorre que a hermenêutica tradicional não logrou solucionar diversos

problemas, dentre eles e, talvez o mais importante, o fato de que a palavra, mesmo usada

da forma “correta” e na sua univocidade como pregavam, gerava interpretações distintas,

nem mesmo encontrava solução para os chamados conceitos abertos ou indeterminados.

Tal circunstância fez com que surgisse uma reformulação na forma de

aproximação do objeto a ser conhecido. O marco desse movimento são os estudiosos do

Círculo de Viena, na segunda metade do século XX, quando filósofos e cientistas

repensaram a teoria do conhecimento, concluindo que a linguagem é o instrumento por

excelência do conhecimento científico. Essa nova visão, advinda com a corrente filosófica

conhecida como giro linguístico, influenciou a concepção de interpretação.

O movimento iniciado no século XX – giro linguístico ou reviravolta

linguística – mudou os rumos da Filosofia e provocou um profundo impacto sobre todas as

áreas do conhecimento, fazendo surgir um novo entendimento sobre o estudo da

linguagem. Robson Maia Lins destaca:

Assim, o giro linguístico supera os métodos científicos tradicionais, dando uma nova postura cognoscitiva perante o que se entende por sujeito, por objeto e pelo próprio conhecimento. Após o giro linguístico passou-se a exigir o próprio conhecer da linguagem, condição primeira para apresentação do objeto. O mundo exterior só existirá para o sujeito cognoscente se houver uma linguagem que o constitua. […]

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O conhecimento pressupõe a existência de linguagem. Esta cria ou constitui a realidade29.

A linguagem passa a ser analisada como instrumento de representação do

mundo, estruturadora da cultura e constituidora da vida humana, passando a ter papel

preponderante e decisivo para o conhecimento científico. Sonia Maria Broglia Mendes

assevera:

O objetivo era, por meio da análise da linguagem, acabar com os problemas de ambiguidade, obscuridade e falta de sentido com que as filosofias ditas "tradicionais" se deparavam, principalmente na relação entre as palavras e as coisas ou fatos.30

A mudança da concepção do conhecimento consubstanciada na linguagem

surgiu, então, com o movimento giro linguístico, marcado pela obra Tractatus logico-

philosophicus, de Ludwig Wittgenstein. O entendimento era de que tudo está na

linguagem: “os limites da linguagem são os limites do mundo”31.

Tárek Moysés Moussallem afirma que, com a publicação da obra Wittgenstein,

“a linguagem iniciou o seu processo de independência em relação à realidade, passando a

sobrepô-la”:

Sem embargo, a linguagem não é o espelho da realidade. Trata-se de mundos tão distintos quanto não inter-seccionáveis. A linguagem existe de per se, é auto-subsistente. […] Mediante determinado ato de fala, Deus, com seu poder supremo de fala, criou a realidade. Com o homem, sua imagem e semelhança, não se dá diferente. Partindo do mito, não é difícil constatar que a linguagem tornou o home a “imagem e semelhança” de Deus, pois não há nada que o homem não possa fazer por meio da linguagem (criar monstros, lugares maravilhosos, imaginar o seu time campeão do mundo, etc.). 32

Para essa concepção, os eventos só existiam para o homem quando

constituídos em linguagem. As coisas passam a ser reais a partir do momento em que o

29 LINS, Robson Maia. O Supremo Tribunal Federal e norma jurídica: aproximações com o

constructivismo lógico-semântico apud HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson (Coords.). Vilém Flusser e juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de estudos Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2009, p. 374-377.

30 MENDES, Sonia Maria Broglia. A validade jurídica pré e pós giro linguístico. São Paulo: Noeses, 2007, p. 1 et seq.

31 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: EDUSP, 1994, proposição 5.6. 32 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 3.

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homem as interpreta, “o acesso aos acontecimentos (mundo físico) só ocorre pela via da

linguagem. Nada existe fora de interpretações. A interpretação é a versão dos fatos

(Nietzsche)33”.

A base da nova hermenêutica jurídica evolui, alterando-se, de modo a superar

os entendimentos até então formados pelas Escolas que preconizavam que a interpretação

se consubstanciava na tarefa de obter o sentido e alcance do texto normativo. Alterou-se o

modo de ver as coisas e os procedimentos. O conhecimento foi transferido para a

linguagem, deixando de ser um meio entre sujeito e objeto para assumir a condição

essencial do conhecimento.

Os estudiosos a partir da reviravolta linguística apontaram um sentido inovador

para as questões filosóficas, saltando da era da filosofia do ser para a filosofia da

linguagem. A ideia de um sentido único e abrangente, onde as palavras tinham um

significado ontológico (relacionado com a coisa) e, consequentemente, próprio a cada

termo, deu lugar, pela nova concepção, a uma relação entre linguagens.

Nessa concepção, o direito manifesta-se na forma de linguagem, e, para

conhecê-lo, precisamos necessariamente conhecer a linguagem. Paulo de Barros Carvalho,

expressivo defensor dessa teoria, afirma:

[…] penso que nos dias atuais seja temerário tratar do jurídico sem atinar a seu meio exclusivo de manifestação: a linguagem. Não toda e qualquer linguagem, mas a verbal-escrita, em que se estabilizam as condutas intersubjetivas, ganhando objetividade no universo do discurso. E o pressuposto do “cerco inapelável da linguagem” nos conduzirá, a uma concepção semiótica dos textos jurídicos, em que as dimensões sintáticas ou lógicas, semânticas e pragmáticas, funcionam como instrumentos preciosos do aprofundamento cognoscitivo34.

O direito positivo é formado por proposições que visam disciplinar o

comportamento humano. Sem dúvida, a convivência social organizada se dá com o

estabelecimento de regras de direito que vão organizar a referida convivência, regulando as

condutas das pessoas nas relações de intersubjetividade.

33 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 3. 34 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 162.

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O direito, ao disciplinar comportamentos humanos, o faz mediante os textos

escritos, objetivado, portanto, em linguagem, perfazendo-se, então, em um conjunto, um

corpo de linguagem que possui função prescritiva. O direito se expressa por linguagem, daí

que para conhecê-lo é preciso conhecer a linguagem.

Considerando que o conhecimento está na linguagem, conhecer um objeto, sem

dúvida, significa conhecer a linguagem. Desse modo, para conhecermos o direito

precisamos conhecer a linguagem pela qual se expressa; para tanto, necessitamos

interpretar os enunciados prescritivos, não aos moldes da teoria tradicional de extrair o

sentido dos textos, que são entidades meramente físicas, mas, a partir delas, construir

significações.

2.2 A norma jurídica

Na linha de pensamento defendida por Paulo de Barros Carvalho35, com a qual

nos coadunamos, em que a linguagem é constitutiva da realidade, o direito cria suas

próprias realidades e se consubstancia em um conjunto de normas jurídicas válidas em

tempo e espaço certos, que formam o sistema jurídico.

Os textos do direito positivo são os suportes físicos, a base sobre os quais o

intérprete constrói as significações; aqueles são os enunciados prescritivos, e essas as

normas jurídicas. Ou seja, as normas jurídicas são as significações obtidas pelo intérprete e

construídas em seu intelecto a partir dos textos normativos ou enunciados prescritivos.

Paulo Ayres Barreto leciona:

Norma jurídica é a significação construída a partir do direito positivo, de cunho coercitivo, e que se destina à regulação de condutas intersubjetivas. O direito é um sistema composto por normas36.

Vimos que o direito é um corpo de linguagem com função prescritiva e que as

normas jurídicas como unidades formadores da ordem jurídica se revelam pela linguagem,

35 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 32. 36 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,

2006, p. 7.

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daí porque conhecer essa linguagem torna-se fundamental, já que “é pelo veículo da

linguagem que temos acesso ao universo das normas jurídicas”, sendo fundamental o apoio

dos recursos da Teoria da Linguagem na pesquisa do fenômeno normativo37.

A linguagem prescritiva é a expressão do direito, seus textos prescrevem

condutas, e para conhecê-lo é preciso conhecer essa linguagem. A linguagem em sentido

amplo é o meio pelo qual o ser humano se comunica e se dá por meio dos signos, que, por

sua vez, são as unidades representativas do sistema comunicacional, com os quais o

indivíduo se comunica, formando um conjunto sistematizado que é a língua.

Fabiana Del Padre Tomé ensina:

O direito é composto por linguagem, que cria sua própria realidade. Portanto, “direito é texto”. Não estamos nos referindo ao texto em sentido estrito, ou seja, ao mero suporte físico, como é o caso das marcas de tinta sobre o papel. A equiparação do direito ao texto exige que tomemos o vocábulo “texto” em seu sentido lato, no qual se identifica a relação triádica inerente aos signos: suporte físico, significado e significação38.

Como nos ensina a autora citada, a formação dos signos é triádica e sua análise

se perfaz na inter-relação entre o suporte físico, significado e significação. Nas linhas do

direito, os textos legais seriam suportes físicos, a conduta humana intersubjetiva o

significado, e, ao extrair os juízos, estes teriam as significações que correspondem às

normas jurídicas.

A Semiótica pode ser utilizada como técnica de estudo do direito positivo,

aplicando-se os seus três planos de investigação sobre a linguagem prescritiva do direito

(sintático, semântico e pragmático). Com o plano sintático, centra-se em uma análise

estrutural (relação entre os signos); no semântico, faz-se uma verificação do conteúdo

(significado e significação); e, no pragmático, volta-se ao uso da linguagem (como os

usuários utilizam os signos).

37 VIEIRA, José Roberto. A Regra-Matriz de Incidência do IPI: Texto e Contexto. Curitiba: Juruá, 1993,

p. 46. 38 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A extrafiscalidade tributária como instrumento para concretizar políticas

públicas. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Tributação e Desenvolvimento – Homenagem ao professor Aires Barreto. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 199.

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O intérprete, portanto, orienta-se pelas categorias da semiótica, já que o direito

se apresenta como um fenômeno de linguagem, de modo que as construções jurídico-

prescritivas sejam pesquisadas pelos ângulos da sintaxe, da semântica e da pragmática.

Lançando-se, desse modo, na construção dos sentidos da linguagem prescritiva

do direito, é preciso destacar a ambiguidade do termo “normas jurídicas”, como unidade

formadora do sistema jurídico, que podem vir a ser tomadas numa diversidade sintática e

por conteúdo semânticos diferentes.

Daí a distinção entre normas jurídicas em sentido amplo, que seriam os

conteúdos significativos dos enunciados prescritivos construídos pelo intérprete e ainda

não estruturados deonticamente, e normas jurídicas em sentido estrito, que seria a

construção articulada das significações com sentido deôntico-jurídico.

As normas jurídicas em sentido amplo não se apresentam com mensagem

deôntica completa, enquanto as normas jurídicas em sentido estrito sempre se apresentam

com juízo hipotético condicional, por isso afirmar-se haver uma homogeneidade sintática

quanto à regras em sentido estrito.

As normas jurídicas em sentido estrito são formadas por um descritor, que é a

hipótese ou antecedente e por um prescritor, que é o consequente. Na hipótese ou

antecedente, há descrição de uma situação de possível ocorrência, que conjuga um

consequente, no qual se tem uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito em torno de

uma conduta regulada obrigatória (O), proibida (V) ou permitida (P).

Essa norma jurídica é tida como norma primária, que, conjugada a norma

jurídica secundária, forma a norma jurídica completa: naquela, obrigações são

estabelecidas em decorrência de fato lícito, vinculando deonticamente um fato a uma

conduta; nessa, previsão de acesso ao órgão jurisdicional para cumprimento da norma

primária. Vale mencionar, ainda, a norma primária sancionatória, que também estabelece

relações jurídicas de direito material, mas atinentes a atos ou fatos ilícitos.

Dentre as normas jurídicas, podemos identificar as normas jurídicas tributárias,

que também se apresentam nessa unidade estrutural, sendo construídas a partir do enfoque

no subsistema do direito tributário, que condensa toda a matéria que envolve os tributos,

seja sua instituição, fiscalização, arrecadação ou extinção. Considerando essa amplitude de

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matérias atinentes ao referido subsistema, temos uma quantidade numerosa de normas

tributárias, por isso Paulo de Barros Carvalho discrimina-as por grupo institucional, a fim

de que sejam mais bem estudadas:

a) normas que estabelecem princípios gerais, demarcadores da virtualidade legislativa no campo tributário; b) normas que estipulam a incidência do tributo, descrevendo os aspectos de eventos de possível ocorrência e prescrevendo os elementos da obrigação tributária (sujeitos e modo de determinação do objeto da prestação. Chamemo-las de “norma-padrão de incidência” ou “regra-matriz de incidência tributária”, registrando que cabem nesse item as normas que impõem penalidades. E por fim, c) normas que fixam outras providências administrativas para a operatividade do tributo, tais como as de lançamento, recolhimento, configuração de deveres instrumentais e as relativas à fiscalização.39

Dada essa quantidade de normas tributárias, o citado autor utilizou-se da

diferenciação entre norma jurídica tributária em sentido amplo e norma jurídica tributária

em sentido estrito, sendo essa última a norma referente à incidência fiscal, nominando-a de

regra-matriz de incidência ou norma padrão de incidência.

2.3 Composição da regra-matriz de incidência

A norma tributária em sentido estrito (regra padrão de incidência ou regra-

matriz de incidência) está organizada internamente como proposição condicional, em que

uma hipótese está atrelada a uma consequência, associadas no modelo deôntico, “o dever-

ser, que caracteriza a imputação jurídico-normativa” 40 , conformando uma norma de

comportamento que marca o núcleo do tributo, demarcando a incidência fiscal.

Fabiana Del Padre Tomé ensina:

A norma jurídica, portanto, apresenta estrutura lógica específica composta por uma hipótese, também denominada antecedente, suposto, prótase ou descritor, e por uma consequência, que pode igualmente

39 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 131. 40 Id. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 298.

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receber o nome de consequente, mandamento, estatuição, apódose ou prescritor41.

A sua formação, portanto, é dual, compondo-se da hipótese, na qual se

encontra um critério material (comportamento de uma pessoa), condicionado no tempo

(critério temporal) e no espaço (critério espacial), e o consequente, formado pelo critério

pessoal (sujeitos ativo e passivo), e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota)42.

Essa é a composição mínima que a norma de incidência deve ter.

O mestre Paulo de Barros Carvalho, discorrendo sobre tais critérios, ensina-nos

que

[…] identificaremos, no descritor da norma, um critério material (comportamento de uma pessoa, representado por verbo pessoal e de predicação incompleta, seguido pelo complemento), condicionando no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial). Já na consequência, observaremos um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota)43.

Destaca ainda o mestre que “a construção da regra-matriz de incidência, assim

como de qualquer norma jurídica, é obra do intérprete, a partir dos estímulos sensoriais do

texto legislado”44. Nesse contexto, é preciso haver o trabalho do intérprete, essencialmente,

porque, via de regra, as leis não trazem as normas jurídicas agrupadas, ou seja, para haver

a construção da regra-matriz terá, muitas vezes, o intérprete, que se valer de vários textos

legais.

A Regra-Matriz de Incidência Tributária é criação doutrinária, instituída para

dinamizar o estudo das obrigações tributárias, pela qual o intérprete analisa se determinada

norma tributária tem todos os critérios necessários para ingressar no sistema jurídico

tributário e, consequentemente, produzir seus efeitos concretos.

A falta de qualquer um dos critérios da regra-matriz denunciará que a norma

tributária é inconstitucional. Vale dizer, a regra-matriz de incidência tributária é uma

41 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A extrafiscalidade tributária como instrumento para concretizar políticas

públicas. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Tributação e Desenvolvimento – Homenagem ao professor Aires Barreto. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 195-196.

42 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 298-299.

43 Id. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 605. 44 Ibid., p. 604.

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norma hipotético-condicional, com potencial deôntico, capaz de delimitar se determinada

espécie tributária tem ou não condições de ingressar no mundo jurídico e gerar a

correspondente obrigação tributária ou, ainda, na linguagem de Paulo de Barros Carvalho,

“é o mínimo irredutível de sentido deôntico45”.

Abordando o método da regra-matriz de incidência tributária, o citado autor

assevera:

Dentre os recursos epistemológicos mais úteis e operativos para a compreensão do fenômeno jurídico-tributário, segundo penso, inscreve-se o esquema da regra-matriz de incidência. Além de oferecer ao analista um ponto de partida rigorosamente correto, sob o ângulo formal, favorece o trabalho subsequente de ingresso nos planos semântico e pragmático, tendo em vista a substituição de suas variáveis lógicas pelos conteúdos da linguagem do direito positivo.46

Assim, utilizando-se do modelo padrão de incidência – a regra-matriz –, uma

vez preenchidos seus critérios, o intérprete terá condições de conhecer o fenômeno jurídico

da incidência tributária. Portanto, a lei que cria determinada imposição tributária deve,

necessariamente, trazer todos os componentes da norma padrão de incidência, sob pena de

estar se criando um tributo contrário às comandos jurídicos.

A regra-matriz de incidência traz a previsão de um acontecimento e estipula se

certa obrigação, se e quando vier a ocorrer, é norma geral e abstrata. Ou seja, é norma

dirigida a todos indistintamente e contém uma previsão hipotética, que descreve as notas

que o evento deve ter para que seja fato jurídico tributário.

Ocorrida a previsão hipotética e constituída em linguagem competente com a

verificação concreta do acontecimento do evento, tem-se por instaurada a obrigação

tributária, constituindo-se a norma individual e concreta, surgindo o que se denomina de

fenomenologia da incidência tributária (processo de positivação).

Já vimos que a regra-matriz é uma norma jurídica que trata da configuração do

tributo, tendo na hipótese a ocorrência de um fato vertido em linguagem jurídica e no

consequente a prescrição de determinada conduta dirigida aos sujeitos da relação jurídica.

45 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 149. 46 Ibid., p. 146-147.

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40

Tanto a hipótese quanto o consequente apresentam critérios que possibilitam melhor

investigação das normas tributárias instituidoras de tributos.

A hipótese é formada por três critérios identificadores do fato: critério material,

critério espacial e critério temporal, sendo características selecionadas do evento e postas

pelo legislador no sistema jurídico para fazer irromper a relação jurídica do tributo.

O consequente da norma, por sua vez, é formado por dois critérios: critério

pessoal e critério quantitativo, que possibilitam identificar o vínculo jurídico que nascerá

em decorrência da previsão contida na hipótese, prescrevendo a relação entre sujeitos em

torno de uma prestação.

O critério material, componente da hipótese, permite identificar o

comportamento, a ação humana ou estado de pessoa que ensejará consequências jurídicas,

delimitando “o núcleo do acontecimento a ser promovido à categoria de fato jurídico”47,

núcleo esse formado por verbo representativo de uma ação com um complemento que

indica uma especificidade dessa ação.

O critério espacial também componente da hipótese estabelece o local no qual

o evento deve acontecer para que produza efeitos, podendo ser pontual quando determina

local específico, regional quando envolver áreas específicas, territorial quando

genericamente a hipótese define onde todo e qualquer fato ocorra sob a vigência territorial

da lei e universal, que seria qualquer lugar, ainda que fora daquele âmbito territorial de

vigência da lei48.

Por fim, o critério temporal, como último componente da hipótese, indica o

momento da ocorrência, o instante em que se considera ocorrido o fato descrito na

hipótese, que fará irromper a obrigação tributária.

O critério pessoal é o primeiro componente do consequente da norma, pelo

qual podemos conhecer os sujeitos da relação jurídica a ser instaurada quando ocorrer a

previsão hipotética.

47 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010,

p. 382. 48 Ibid., p. 388-391.

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41

O sujeito ativo é “o titular do direito subjetivo de exigir a prestação

pecuniária”49; pode ser a pessoa jurídica portadora de competência tributária ou outra

pessoa jurídica ou privada que o ente competente, por meio da transferência da capacidade

ativa, coloque na qualidade de sujeito ativo.

O sujeito passivo é aquele que figura na relação jurídica como responsável pelo

cumprimento da obrigação tributária, integra o vínculo obrigacional, podendo ser pessoa

“física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação:

pecuniária, nos nexos obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações

que veiculam meros deveres instrumentais ou formais.”50

O critério quantitativo, segundo e último componente do consequente da norma

tributária, permite a definição da dívida tributária por meio da conjugação da base de

cálculo e da alíquota.

A base de cálculo é a grandeza tomada pelo legislador como hábil a

dimensionar o critério material, que servirá ao intento de calcular o tributo devido, isto é,

delimitado o acontecimento ensejador da tributação, o legislador precisa demarcar a

grandeza a ser adotada como base a incidir a alíquota, a fim de obter o conteúdo

econômico da obrigação.

São as lições de Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo:

Base de cálculo, em apertada síntese, é a expressão econômica da materialidade do tributo, estando intimamente relacionada com a respectiva hipótese de incidência. Ou, como quer Geraldo Ataliba, “é a perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese de incidência” tributária. É, ainda, se preferirmos, o ponto de partida das operações matemáticas, a serem realizadas pelo Fisco, tendo em vista a apuração do quantum debeatur51.

A grandeza que representa a base de cálculo deve guardar correspondência

com o prescrito no critério material, ou seja, ela deve “dimensionar a intensidade do

49 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 369. 50 Ibid., p. 372. 51 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. A não-incidência do IPI nas operações

internas com mercadorias importadas por comerciantes (um falso caso de equiparação legal). Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 140, 2007, p. 94.

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comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja

determinado o valor da prestação pecuniária”.52

A parcela de recursos levada do particular para o poder público por meio da

tributação é retirada da propriedade dos particulares; nesse cenário, o acontecimento

previsto e ensejador dessa tributação deve apresentar-se numericamente adequado àquele

acontecimento eleito, sob pena de se ter ferido o direito de propriedade e da capacidade

contributiva.

A capacidade contributiva mencionada refere-se à perspectiva econômica do

acontecimento previsto no critério material. Trata-se de verificar se a situação tributável

está economicamente mensurada de forma adequada, não importando se a pessoa física ou

jurídica tenha capacidade econômica (situação patrimonial positiva), mas se efetivamente

hipótese de incidência e base de cálculo guardam correspondência.

A alíquota é um “componente aritmético para a determinação da quantia que

será objeto da prestação tributária”53. O valor do débito tributário é determinado a partir da

conjugação da base de cálculo com a alíquota.

Analisados os critérios formadores da regra-matriz de incidência, é preciso

destacar que o preenchimento dos seus critérios depende do intérprete. Na linha apregoada

por Paulo de Barros Carvalho quanto à construção de sentido dos textos, em que sugere a

aplicação de método específico para tal construção pelo intérprete, os critérios da regra-

matriz serão preenchidos em sua completude na terceira fase do referido método.

Afirma o autor que, na construção do sentido dos textos, há planos ou etapas

pelos quais o intérprete deve necessariamente percorrer, denominando de plano (S1) o

plano dos enunciados, que seria a literalidade textual, o (S2) plano das proposições, que

seriam as construções isoladas dos enunciados, o (S3) plano das normas, onde as

significações são construídas na forma hipotética-condicional, e, por fim, (S4) plano da

sistematização, onde a norma estabelece vínculos com outras normas.

52 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 400. 53 Ibid., p. 411.

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43

Vimos que a norma jurídica em sentido estrito ou regra-matriz de incidência

compõe-se de diversos critérios. O preenchimento desses critérios a partir dos enunciados

prescritivos, com aplicação do método interpretativo proposto por Paulo de Barros

Carvalho, nos permitirá conhecer a inteireza dos conteúdos normativos. A construção da

regra-matriz de incidência permitirá conhecermos as espécies tributárias, bem como a

conformação dessas espécies dentro do sistema jurídico-tributário.

2.4 A competência impositiva da União para tributar produtos industrializados e

a(s) consequente(s) regra(s)-matriz(es) de incidência

Após a necessária elucidação da regra-matriz enquanto esquema lógico-

semântico, que se apresenta como importante método na investigação do fenômeno da

incidência, passaremos a analisar o conteúdo dos textos positivados quanto ao imposto

sobre produtos industrializados, na conformidade dessa estrutura, que nos proporcionará

conhecer toda a inteireza da norma padrão de incidência dessa exação.

Inicialmente, detemo-nos a investigar a materialidade do imposto sobre

produtos industrializados, ou seja, qual será o comportamento disciplinado pelo legislador

como hábil a fazer nascer a obrigação tributária de pagar esse tributo. Comecemos pelas

disposições constitucionais:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: […] IV - produtos industrializados; § 3º - O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do produto; II - será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; […]

As disposições da Constituição Federal de 1988 estabelecem que o Imposto

sobre Produtos Industrializados é de competência da União, devendo ser instituído sobre

“produtos industrializados”, ser seletivo em função da essencialidade e deve ser não

cumulativo, de modo que se compense em cada “operação” o valor cobrado na operação

anterior.

Analisando o texto constitucional, podemos apanhar dois elementos

importantes na construção da materialidade do IPI: “produto industrializado” e

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“operações”. Já a legislação infraconstitucional – Código Tributário Nacional –, delineou

três possíveis acontecimentos ensejadores da tributação: desembaraço aduaneiro de

produto de procedência estrangeira, a saída do produto dos estabelecimentos e a

arrematação em leilão quando o produto for abandonado ou apreendido.

Nesse quadro, conforme se verá, têm-se entendimentos divergentes na doutrina

com a construção de uma única hipótese tributária de IPI e outros que identificam duas

hipóteses tributárias.

José Roberto Vieira, embora reconheça um laconismo na Constituição quanto

ao IPI, afirma que, quanto ao critério material, “o legislador constitucional disse o

bastante”. Esse autor entende juntamente com Geraldo Ataliba que o critério material, dada

a sua complexidade, deve necessariamente estar contemplado no texto constitucional54;

nesse sentido, elege a materialidade do IPI como sendo o comportamento de “realizar

operações com produtos industrializados”55, tratando a incidência sobre a importação como

mero adicional do imposto de importação.

Nas linhas do seu pensamento, o complemento se perfaz em “operações com

produtos industrializados”, sendo o “produto industrializado” o foco constitucional

objetivado e não a atividade industrial, enquanto a operação foi o ato escolhido pelo

diploma constitucional para a incidência do tributo ao determinar ao IPI a aplicação do

princípio da não cumulatividade: “a exação atinge os produtos industrializados apenas

enquanto objetos daqueles atos aos quais a Constituição se reporta como operações.”56

Quanto à eleição do verbo do critério material (realizar), José Roberto Vieira

afirma que o IPI não grava diretamente os produtos industrializados, mas atinge as

operações, por isso o cerne do complemento residiria no substantivo “operações”,

conjugado por um termo acessório “produtos industrializados”, que se uniriam por uma

realização, qual seja, de operações, daí o verbo “realizar”.

54 VIEIRA, José Roberto. A Regra-Matriz de Incidência do IPI: Texto e Contexto. Curitiba: Juruá, 1993,

p. 72. 55 Ibid., p. 75. 56 Ibid., p. 73.

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45

A escolha do verbo “realizar” pelo autor deu-se dentro de uma análise do

contexto constitucional, partindo da constatação que outras figuras tributárias incidem

sobre operações como IOF e ICMS, notadamente nessa última, em que a Constituição

menciona operação “realizada”; por isso, pelo recurso à analogia, colhe de situação

semelhança o verbo “realizar”. Assevera ainda que o IPI, quando comparado ao ICMS,

mais que semelhança, poderia se falar em identidade57.

No que tange às relações com o ICMS, apesar da proximidade atesta que não

se confundem. Coloca como distinção fundamental o fato de o IPI incidir sobre “produto”

enquanto o ICMS sobre “mercadoria” – naquele, tem-se em vista o gênero; neste, a

espécie. No ICMS, a obrigação de dar refere-se a algo destinado ao comércio, podendo ser

natural ou industrial; no IPI, a obrigação de dar tem por objeto o produto da indústria.

Geraldo Ataliba e Cleber Giardino asseveram que o IPI não vislumbra a

industrialização e nem diretamente os produtos industrializados, mas “o objeto tributado é

verdadeiramente a operação realizada”, basta haver uma “operação versando produto

industrializado”.58

Eduardo Domingos Bottallo afirma que o art. 46 do CTN, ao discorrer sobre as

três hipóteses possíveis de incidência do IPI, em verdade, traz sobre uma única

denominação – IPI – três impostos diferentes, dos quais apenas um pode ser considerado

IPI em sentido estrito: aquele cujo aspecto material da hipótese de incidência é

“industrializar produto e celebrar operação jurídica que promova a transferência de sua

propriedade ou posse”.59

Para Américo Lacombe60 e Paulo de Barros Carvalho61, a materialidade é

“industrializar produtos”, que se conjuga com “a operação realizada na saída do produto do

57 VIEIRA, José Roberto. A Regra-Matriz de Incidência do IPI: Texto e Contexto. Curitiba: Juruá, 1993,

p. 74-75. 58 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Hipótese de Incidência do IPI. Revista de Direito Tributário,

São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, 1986, p. 149. 59 BOTTALLO, Eduardo Domingos. Conceito Constitucional e Limites a Tributação pelo IPI. SANTI,

Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Tributação e Desenvolvimento – Homenagem ao professor Aires Barreto. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 177.

60 LACOMBE, Américo Masset. Imposto sobre produtos industrializados – Sua estrutura normativa – Princípios constitucionais – Princípio da legalidade das isenções. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27-28, jan.-jun. 1984, p. 114-117.

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46

estabelecimento”, como o momento da exigência do tributo, para dar conformação à

hipótese, já que a saída haverá sempre de ser aquela que exteriorize um negócio jurídico,

sendo, portanto, operação que tem por objeto produtos advindos da industrialização.

Américo Lacombe afirma que o IPI tem três núcleos, três normas: “a)

desembaraçar produtos industrializados; b) industrializar produtos; c) arrematar produtos

industrializados apreendidos ou abandonados.” Embora o autor construa três normas,

afirma que somente o núcleo “industrializar produtos” traduziria “a ideia do IPI

propriamente dito”62.

Paulo de Barros Carvalho afirma que o legislador da União, ao fazer uso de sua

competência, tomou como ponto de referência produto industrializado, construindo três

faixas de incidência:

a) uma, que onera a industrialização de produtos;

b) outra, que grava a importação de produtos industrializados, do exterior;

c) uma terceira, que colhe a arrematação de produtos industrializados levados a leilão por terem sido apreendidos ou abandonados63

O professor Paulo de Barros Carvalho, analisando o núcleo comum às

hipóteses tributárias previstas, qual seja, “produtos industrializados”, assevera que o

“binômio hipótese de incidência/base de cálculo indica tratar-se de impostos diferentes

sobre a mesma denominação – IPI”64.

Ainda que se trate de grandezas diferentes e que enunciam impostos diferentes

sobre um mesmo núcleo, destaca o referido autor que o legislador tinha competência para

dispor como o fez, já que o constituinte não agregou qualquer complemento ao “imposto

sobre produtos industrializados”, quando o prescreveu no art. 153, inciso IV, do texto

constitucional de 1988.

61 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 680. 62 LACOMBE, Américo Masset. Imposto sobre produtos industrializados – Sua estrutura normativa –

Princípios constitucionais – Princípio da legalidade das isenções. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27-28, jan.-jun. 1984, p. 112-114.

63 CARVALHO, op. cit., p. 680. 64 Ibid., p. 682.

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47

Eduardo Domingos Bottallo, também nesse sentido, afirma que

O que há de comum nestes três fatos geradores é ser o mesmo o objeto último do fenômeno econômico que descrevem: um produto industrializado. Mas o mecanismo operacional ligado a este cordão umbilical, produto industrializado, é diferente. Um importar, outro é dar saída e o outro é arrematar. Portanto, são três comportamentos econômicos diferentes65.

Parece-nos que efetivamente há no sistema três hipóteses de incidência quanto

ao IPI, já que, embora a construção da regra-matriz inicie-se pela análise do texto

constitucional, cremos que nela não se esgota. Apresentando-se insuficiente o texto

constitucional, é preciso buscar a materialidade do IPI, fazendo-o a partir da conjugação do

que dispõe o texto constitucional e as disposições das normas infraconstitucionais.

As unidades políticas União, Estado, Distrito Federal e Municípios têm suas

competências devidamente disciplinadas na Constituição, de modo que, dentro de suas

atribuições, possuem autonomia política, administrativa e financeira. No desenvolvimento

de sua atividade financeira, cada ente político detém competência, também

constitucionalmente definida, para criar tributos e prover suas necessidades como ente

estatal.

Essa competência tributária é rígida, na medida em que os entes integrantes

recebem do Estado brasileiro, por meio da Constituição, autorização para criar tributos,

mas essa autorização é pormenorizadamente delimitada, ou seja, cada esfera de atuação

tem competência tributária nos exatos limites discriminados pelo texto constitucional. A

Constituição não cria tributos, mas autoriza o ente competente a fazê-lo.

Já fixamos, em linhas sobreditas, que as normas jurídicas são as unidades do

sistema jurídico que encontram fundamento de validade na Constituição e que a construção

delas, muitas vezes, se dá pela conjugação de enunciados prescritivos diferentes.

Sobreleva asseverar a importância da Constituição e, repita-se, ponto de partida

para todas as análises, sem se voltar imediatamente para a legislação infraconstitucional,

65 BOTTALLO, Eduardo Domingos. Linhas básicas do IPI. Revista de Direito Tributário, São Paulo:

Revistas dos Tribunais, n. 13-14, 1980, p. 201.

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48

que, entretanto, deve, em seguida, ser considerada e contextualizada com as diretrizes

constitucionais.

O constituinte estabeleceu que a instituição do IPI se dará sobre “produtos

industrializados”, não estipulando as condutas que pudessem estar relacionadas com essa

materialidade, de modo que os comportamentos ensejadores da ocorrência do tributo

fossem prontamente identificados.

Não temos, desse modo, a conduta geradora desse tributo. Ou seja, o

constituinte não estabeleceu o comportamento a ser vinculado a produtos industrializados,

apenas estabeleceu que “o núcleo comum, obrigatório, portanto, é o complemento […]

produtos industrializados”. 66 Temos, nesse sentido, por insuficiente as dicções

constitucionais, permitindo-se que o ente competente o faça por meio de lei

infraconstitucional.

Paulo de Barros Carvalho ensina:

De ver está, como o constituinte não determinou a conduta ligada a produtos industrializados, o legislador infraconstitucional escolheu três tipos de ação: industrializar produtos, importar produtos industrializados e arrematar em leilões produtos industrializados (encontrando-se este último atualmente desativado). O núcleo comum, obrigatório, portanto, é o complemento “produtos industrializados”.

E conclui:

Restaria, então, perguntar se o legislador da União dispunha de competência constitucional para fazer o que fez. E a resposta, acreditamos deve ser afirmativa, porque o constituinte se refere, no art. 153, IV, a instituir imposto sobre produtos industrializados, não adscrevendo o verbo a ser agregado a esse complemento, o que possibilitou ao legislador ordinário fazê-lo.67

No que tange a expressão “operação”, entendemos como elemento relevante

para construir a regra-matriz; entretanto, o fato de considerar esse elemento a partir das

disposições constitucionais não habilita, por outro lado, o intérprete a tomar o verbo

“realizar” como elemento integrador do complemento “produto industrializado”, por

66 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 682. 67 Id. Direito Tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 682.

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semelhança ao que ocorre com o ICMS. Deveras, acaso assim o quisesse, poderia o

constituinte tê-lo feito, já que tal verbo lhe é conhecido no disciplinamento do ICMS.

Por digressão, tomemos o critério material como sendo “realizar operações

com produtos industrializados”. De imediato, surge a semelhança com a materialidade do

ICMS: “realizar operações relativas à circulação de mercadoria”.

Acreditamos que, a partir de uma análise das disposições quanto ao IPI, o

constituinte preferiu apenas delinear o complemento da conduta, qual seja, produto

industrializado, deixando ao legislador da União a escolha da conduta (representada por

um verbo), que, somada àquele complemento, daria a compostura da materialidade do IPI.

Ademais, não cremos ainda quanto à tomada do verbo “realizar” como hábil a

representar o comportamento tributável, por se alegar que haja a proximidade com o

conteúdo semântico das expressões “produto” e “mercadoria”. Ora, justamente pela

proximidade que esse argumento não pode prosperar.

Produto68 é “aquilo que é produzido; resultado da produção; aquilo que é

produzido para venda no mercado”, a mercadoria69, é “qualquer produto suscetível de ser

comprado ou vendido”. Aquele é o gênero; esta é a espécie. Destarte, o produto

industrializado também pode ser destinado ao comércio, havendo uma operação com

produto industrializado e outra operação relativa à circulação de mercadorias.

A riqueza eleita no ICMS, para ser tributada, é o valor econômico envolvido na

operação “realizar operações relativas à circulação de mercadoria”; diferentemente ocorre

com o IPI, cujo valor econômico, ou seja, a riqueza a ser tributada, é a venda de um

produto antecedido de uma industrialização. É a industrialização condutora do

comportamento tributável.

Acaso tomarmos como materialidade do IPI o “realizar operações com

produtos industrializados”, consideraríamos, em verdade, o fato econômico propulsor

desse tributo somente o fato de “realizar operações” numa cadeia mercantil, o que

68 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, s.v.

produto. 69 Ibid., s.v. mercadoria.

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permitiria, equivocadamente, a incidência do IPI em todas as etapas do ciclo econômico, já

que o produto industrializado é submetido a operações em cada uma dessas etapas.

Os que contestam o critério material “industrializar produtos” afirmam que tal

configuração afasta-se das dicções constitucionais que denunciam a incidência sobre

“produtos industrializados”, deixando de relevar a “operação”. Entrementes, como

demonstramos, isso não ocorre, já que sem industrialização não há produto industrializado,

operação sem prévia industrialização não resulta em incidência do IPI, mas do ICMS.

O legislador infraconstitucional, na qualidade de legislador nacional,

exercendo sua competência de expedir norma geral, disciplinou as condutas do IPI no

Código Tributário Nacional, prescrevendo:

Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.

Considerando o citado artigo do CTN, constroem-se três regras-matrizes,

havendo materialidades distintas.

Nesse caminho, a busca das materialidades no caso do IPI se dá a partir da

conjugação do que dispõe o texto constitucional e as disposições do Código Tributário

Nacional, para, então, concluirmos haver três hipóteses tributárias: a industrialização de

produtos; a importação de produtos industrializados do exterior; e a arrematação de

produtos levados a leilão, por terem sido apreendidos ou abandonados.

Essa é a interpretação que melhor se coaduna com o sistema jurídico tributário

nacional. Ao discorrermos sobre a origem histórica do IPI, vimos que a Constituição de

1988 não promoveu alterações em seu texto quanto à configuração do IPI, mantendo-se

inalterado conforme ordem jurídica vigente anteriormente, cabendo à União instituir o

imposto sobre produtos industrializados.

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51

Paulo Ayres Barreto pontua a importância de investigar o uso de um signo no

contexto anterior à instalação da nova ordem jurídica, para, em seguida, verificar sua

adequação ou alteração frente à nova ordem:

As convenções linguísticas preexistentes devem ser um primeiro e importante parâmetro na busca das significações constitucionais. Evidentemente, alterações podem ser levadas a efeito, o que se apura mediante interpretação das novas prescrições normativas70.

Quando da promulgação da Constituição de 1988, vigiam o art. 46 do Código

Tributário Nacional e o art. 2º da Lei Federal nº 4.502/1964, que já traziam a possibilidade

da instituição de três hipóteses tributárias envolvendo “produtos industrializados”. O que

nos autoriza a concluir que o constituinte compreendia tais hipóteses como possíveis, já

que poderia, e não o fez, restringir o conteúdo semântico da expressão “produto

industrializado”.

O Ministro Cezar Peluso, em voto proferido no RE 390.840 71 , embora

analisando o conteúdo semântico da expressão “faturamento”, mas abordando o tema

“interpretação”, foi preciso ao afirmar que, quando o constituinte se utiliza de uma

expressão sem delimitações, é necessário que se olhe para as outras normas empregadas

naquele momento no ordenamento. Sua conclusão:

Quando u’a mesma palavra, usada pela Constituição sem definição expressa nem contextual, guarde dois ou mais sentidos, um dos quais já incorporado ao ordenamento jurídico, será esse, não outro, seu conteúdo semântico, porque seria despropositado supor que o texto normativo esteja aludindo a objeto extrajurídico.

Humberto Ávila também se manifesta nesse sentido:

Isso significa que a utilização de uma expressão específica por uma regra constitucional de competência faz com que o intérprete tenha de verificar se não havia um conceito técnico previsto no direito infraconstitucional pré-constitucional (não necessariamente no direito privado). Se havia um conceito e o legislador constituinte resolveu não modificá-lo pela instituição de um novo conceito, a referencia à expressão significa uma

70 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,

2006, p. 37. 71 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 390.840/MG. Relator: Ministro Marco

Aurélio. Julgamento: 09 nov. 2005. Órgão Julgador: Plenário. Publicação: DJ 15 ago. 2006.

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52

opção sua pela incorporação desse conceito legal ao ordenamento constitucional.72

Com isso, queremos concluir que o constituinte de 1988 já conhecia as três

hipóteses mencionadas pela lei infraconstitucional para a instituição do IPI. Logo, ao não

delimitar a expressão “produto industrializado”, optou por incorporar como possíveis as

hipóteses constantes da legislação infraconstitucional.

Consoante expusemos, podemos verificar que são três as materialidades que

ensejam a incidência do IPI, nos termos do Código Tributário Nacional. Entrementes, o

legislador ordinário da União, no uso de sua competência, apenas instituiu duas hipóteses

tributárias: “industrializar produtos” e “importar produto industrializado do exterior”.

2.5 Síntese das regras-matrizes de incidência instituídas pela Lei nº 4502/64

Nada obstante a previsão das três hipóteses tributárias pelo Código Tributário

Nacional, o legislador da União, exercendo a sua competência impositiva, ao instituir o

IPI, não o fez com relação ao inciso III (arrematação), conforme se depreende da Lei nº

4.502/64:

Art. 2º Constitui fato gerador do impôsto: I - quanto aos produtos de procedência estrangeira o respectivo desembaraço aduaneiro; II - quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento produtor.

Diante disso, deixaremos de abordar a hipótese tributária do IPI quanto à

arrematação de produtos industrializados levados a leilão, deixando o registro que existe

previsão legal, podendo o legislador da União vir a instituí-lo.

Abordaremos, no capítulo que se segue, as hipóteses tributárias que oneram a

industrialização de produtos e a importação de produtos industrializados; para tanto, com

base na proposta de Paulo de Barros Carvalho73, quanto à composição interna das regras-

72 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 209. 73 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 680-681.

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matrizes do IPI, elaboramos um quadro elucidativo e simplificado de seus critérios

formadores, para, depois, partirmos ao detalhamento dos critérios no capítulo seguinte.

Quadro elucidativo:

Passemos, nos capítulos seguintes, à análise das regras-matrizes de incidência

que oneram os produtos da indústria e importação de produtos industrializados de

procedência estrangeira.

INDUSTRIALIZAÇÃO DE PRODUTOS

IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS DO EXTERIOR

M Industrializar produtos Importar produto industrializado do

exterior

E Qualquer lugar do território nacional

Repartições alfandegárias do país

T Momento da saída do produto estabelecimento industrial

Momento do desembaraço aduaneiro

P SA: União SA: União SP: Titular do estabelecimento industrial ou que lhe seja equiparado

SP: o importador ou equiparado

Q BC: é o preço da operação na saída do produto

BC: valor que servir de base para o cálculo dos tributos aduaneiros, acrescido do montante desses e dos encargos cambiais devidos pelo importador

Al: porcentagem constante da TIPI (tabela de incidência do imposto sobre produto industrializados)

AL: porcentagem constante da TIPI (tabela de incidência do imposto sobre produto industrializados)

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3 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IPI QUE ONERA A

INDUSTRIALIZAÇÃO DE PRODUTOS

3.1 A materialidade “industrializar produtos”

A primeira materialidade que abordaremos será aquela que envolve a

incidência do imposto sobre os produtos da indústria. A lei instituidora do IPI – Lei nº

4.502/196474 –, embora faça confusão entre a materialidade da hipótese tributária e o

momento em que será devido o tributo, permite que identifiquemos o comportamento

ensejador da tributação, qual seja, industrializar produtos.

Entretanto, o critério material “industrializar produtos” deve ser conjugado

com os demais critérios da hipótese tributária, para se concluir que a produção industrial

deve ser submetida a um negócio jurídico. Ou seja, a saída do produto do estabelecimento

do industrial é aquela representativa de um negócio jurídico.

O agente realizador da hipótese de incidência do IPI – o industrial – é o

vendedor do produto industrializado. Ele “produz para vender”75. Haverá venda de um

produto cujo comportamento antecedente foi o de industrialização.

A característica marcante é o existir prévio de um fazer, uma atividade

consubstanciada na industrialização de produtos, ainda que a incidência ocorra

efetivamente na operação que se realizar com o resultado dessa industrialização. Marcelo

Caron Baptista assevera:

O industrial, de regra, elabora o produto e assume os riscos quanto à sua comercialização. O fazer, então, é indissociável do comportamento de industrializar, de criar produtos, o que não afasta a natureza jurídica da prestação-fim objeto de suas operações, que é a de dar76. (grifo nosso).

74 Art. 2º Constitui fato gerador do impôsto: […] II – quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento produtor.

(BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965).

75 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Hipótese de Incidência do IPI. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, 1986, p. 147.

76 BAPTISTA, Marcelo Caron. ISS do texto à norma. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 318.

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Assim, temos que o comportamento que denota a incidência da exação sobre os

produtos da indústria é “industrializar produtos”, ainda que, na compostura integral da

norma padrão de incidência, outros marcos identificadores da tributação pelo IPI devam

ser considerados, como o elemento “operação”, mas que sobressalta-se, entretanto, a

necessidade de industrializar o produto.

A importância do fazer prévio no IPI é fundamental, daí porque o critério

material da hipótese deve necessariamente contemplar o verbo “industrializar”. O

industrial, conforme Marcelo Caron Baptista asseverou na citação transcrita, cria o produto

e se responsabiliza pela comercialização.

O art. 153, § 3º, II, ao prescrever que o IPI deve observar o princípio da não

cumulatividade, prescreve que o mesmo deve se compensar com o devido “em cada

operação”. Tal dicção traz o elemento “operação” para o contexto da incidência e

compostura da norma padrão.

Por sua vez, as disposições do inciso II, art. 46 do CTN 77 , que, embora

mencione como fato gerador78 o que, em verdade, trata-se do critério temporal, que será

abordado oportunamente, mas o qual, nesse momento, tomamos para fins de identificar o

critério material, traz como materialidade do IPI a saída dos produtos do estabelecimento.

A partir das disposições normativas, podemos identificar que os elementos

marcantes do IPI e aptos a sua incidência sobre os produtos da indústria são: i. que tenha

havido a industrialização do produto; ii. prática de uma operação; e iii. saída do produto do

estabelecimento79.

Os critérios formadores da hipótese e da consequência – elementos da norma

jurídica tributária em sentido estrito, tomados na sua individualidade – são partes

77 Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51; […] (BRASIL. Presidência da República. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de

1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 out. 1966).

78 Fato gerador, no citado artigo, refere-se à descrição legislativa do fato que faz nascer a relação jurídica tributária.

79 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Hipótese de Incidência do IPI. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, 1986, p. 150.

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abstraídas de um todo, sendo da composição de todos os critérios que obteremos a

identificação da norma padrão de incidência.

Nesse sentido, o critério material “industrializar produtos” se completará na

conjugação com os demais critérios da regra-matriz de incidência, marcadamente pelo

critério temporal que conforma a significação do elemento “operação”.

Considerando o critério material como “industrializar produtos”, faz-se

importante delinear o que venha a ser industrialização para a exata compreensão da

incidência.

Pela disciplina da Constituição de 1988, cabe à Lei Complementar estabelecer

normas gerais em matéria tributária. O IPI consiste numa prestação de fazer seguida com

uma de dar, que se configuram como indissociáveis para fazer nascer a obrigação do

industrial, já que o industrial realiza um fazer para em seguida realizar uma obrigação de

dar que prepondera.

Nessa esteira, possivelmente para evitar conflitos de competência com outros

tributos (ICMS e ISS), a Lei nº 5.172/66 – Código Tributário Nacional – que adquiriu

eficácia de lei complementar, apressou-se em demarcar a extensão de “industrialização”,

prescrevendo que,

Art. 46. […] Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.

A lei complementar, como instrumento competente para fixar as normas gerais

em matéria tributária, considerou como industrializado o produto que viesse a ter a sua

natureza ou finalidade alteradas ou ainda que houvesse aperfeiçoamento para o consumo.

Vale dizer, a industrialização deve se circunscrever ao processo industrial que “modifique

a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo”.

As normas do sistema do direito positivo, além das relações de coordenação,

mantêm relações de subordinação. Essas relações de subordinação dão-se porque o sistema

positivo está organizado hierarquicamente. Essa subordinação hierárquica pode ser formal,

quando estabelecer os requisitos formais de produção a serem observados pela norma

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subordinada e será material quando “preceituar os conteúdos de significação da norma

inferior”.80

O Código Tributário Nacional, lei complementar ora analisada, delimitou

materialmente a expressão “industrialização”, impondo que a norma subordinada observe a

“compostura semiológica da norma subordinante”81 . A norma inferior deve buscar o

fundamento de validade material na norma superior.

Nesse caso, o legislador ordinário da União deve respeitar a lei complementar

quanto ao tema “industrialização”, observando o conteúdo da disposição normativa

introduzida pela lei complementar, sob pena de flagrante ruptura do sistema positivo, que

tem na estrutura hierarquizada de suas normas a sua essência: “não há sistema de direito

sem hierarquia”82.

Na busca de interpretar o que seja a industrialização de produtos, precisamos,

então, analisar a “amplitude semântica” das “locuções empregadas” 83 pelo legislador

complementar, o qual estabeleceu que industrializado é o produto submetido a qualquer

operação que venha a modificar a sua natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o

consumo.

Por certo, a verificação da referida amplitude semântica não é tarefa fácil.

Iniciamos verificando como o legislador ordinário e o regulamento trataram da questão,

para, numa conjugação de enunciados prescritivos, mas pautado pela observância da

regular competência material dos veículos introdutores, buscar o conteúdo semântico de

industrialização.

A Lei Ordinária nº 4.502/64 estabeleceu em seu art. 3º, parágrafo único:

Para os efeitos dêste artigo, considera-se industrialização qualquer operação de que resulte alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto, salvo84:

80 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 385. 81 Ibid., loc. cit. 82 Ibid., p. 384. 83 Ibid., p. 386. 84 O mesmo dispositivo excepcionou: I - o consêrto de máquinas, aparelhos e objetos pertencentes a

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O Regulamento do IPI, integrante do sistema jurídico tributário, Decreto nº

7.212 de 15 de junho de 2010, prescreveu, em seu art. 3º, que “produto industrializado é o

resultante de qualquer operação definida neste Regulamento como industrialização, mesmo

incompleta, parcial ou intermediária”.

Por sua vez, o art. 4º, do mesmo diploma, estabeleceu que se “caracteriza

industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o

acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo”,

prevendo as seguintes operações: transformação, beneficiamento, montagem,

acondicionamento ou reacondicionamento, renovação ou recondicionamento.85

Da leitura da legislação ordinária e do regulamento, de fato não encontramos

uma delimitação precisa que pudesse facilitar a compreensão do que seja “produto

industrializado”, mas nos parece que uma constatação pode ser feita de imediato, a de que

o conceito primeiro estabelecido na lei complementar foi ampliado pela legislação inferior,

sendo considerado atualmente industrializado o produto resultante de qualquer operação

que esteja definida no RIPI como industrialização.

Entrementes, o conceito de industrialização deve ser buscado na Constituição

Federal e na lei complementar que disciplinar norma geral em matéria tributária.

terceiros; II - o acondicionamento destinado apenas ao transporte do produto; III - O preparo de medicamentos oficinais ou magistrais, manipulados em farmácias, para venda no varejo, diretamente e consumidor, assim como a montagem de óculos, mediante receita médica; IV - a mistura de tintas entre si, ou com concentrados de pigmentos, sob encomenda do consumidor ou usuário, realizada em estabelecimento varejista, efetuada por máquina automática ou manual, desde que fabricante e varejista não sejam empresas interdependentes, controladora, controlada ou coligadas. (BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965).

85 Art. 4o Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como:

I - a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação);

II - a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);

III - a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem);

IV - a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou

V - a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).

Parágrafo único. São irrelevantes, para caracterizar a operação como industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou equipamentos empregados. (Ibid.).

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O produto industrializado, nesses termos, deve ser o resultado de alterações

que se caracterizam pela modificação da sua natureza, obtendo-se um novo produto, nova

espécie, ou que a mudança havida resulte em nova finalidade para o produto, sendo

utilizado com outro objetivo, ou, ainda, que seja aprimorado para ser levado ao consumo.

O produto, para ser efetivamente tomado como industrializado com alteração

na sua natureza ou finalidade, ou que se aperfeiçoe, deve passar a ter nova feição, uma

nova condição, refletir em significativa mudança.

Eduardo Domingos Bottallo86 ensina:

Portanto, um produto é industrializado, para fins de IPI, sempre que, mercê de uma operação física, química, mecânica, técnica etc., adquire utilidade nova para o consumo. Haverá, pois, produto industrializado, na acepção do art. 153, IV, da Constituição Federal e do art. 46, parágrafo único, do CTN, quando um bem in natura passa por qualquer tipo de ação, que lhe altere a natureza ou a finalidade ou, mesmo, facilite sua utilização, para satisfazer uma necessidade humana. Vale dizer, para fins de tributação por meio de IPI, não é qualquer modificação que se imprima a um bem, que pode ser havida como processo de industrialização, mas, apenas, a que lhe agrega qualidades que facilitarão a satisfação de uma necessidade de consumo.

Na mesma linha de pensamento, temos as lições de Antonio Maurício da Cruz,

para quem os denominados produtos industrializados podem ser considerados como

[...] aqueles obtidos pelo esforço humano sobre bens móveis quaisquer, em qualquer estado, com ou sem uso de instalações ou equipamentos. Haverá produto industrializado se, do esforço humano sobre bem móvel, resultar acréscimo ou alteração de utilidade, pela modificação de qualquer de suas características. Inocorrendo tal efeito, tratar-se-á de simples prestação de serviços.87

A busca pela amplitude do conceito de produto industrializado há de se

circunscrever ao disposto no art. 153, IV, da Constituição Federal e o art. 46, parágrafo

único do Código Tributário Nacional.

O produto deve sofrer alterações que venham a resultar em um novo produto

ou que altere sua finalidade, e ainda quando houver modificações que resultem em

86 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 28. 87 CRUZ, Antonio Maurício da. O IPI – Limites Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1984, p. 55.

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melhoramento nele para o consumo. Somando-se a isso, tem-se que a produção industrial é

destinada ao mercado, advém de uma linha de produção industrial – “padronização e

massificação” –, de modo que o industrializar deve reunir “dois aspectos básicos e

necessários: a) alteração da configuração de um bem material; b) padronização e

massificação”88.

Sem se afastar dessa delimitação normativa, eis que identificadora do que seja

industrialização; é preciso analisar as operações que provocam a industrialização, nos

termos consignados pelo Regulamento do IPI.

A transformação é a operação por excelência da industrialização, que, exercida

sobre a matéria-prima ou produtos intermediários, faz resultar em uma nova espécie.

Eduardo Ferreira Jardim89 chega a entender que somente esse tipo de operação pode ser

considerado efetivamente industrialização.

O beneficiamento seria o aperfeiçoamento de um produto, ou alteração de seu

funcionamento, utilização, acabamento ou aparência. Analisamos o beneficiamento com

ressalvas. Parece-nos que, quando o beneficiamento alterar o funcionamento e a utilização

do produto, haverá correspondência com a modificação de sua natureza ou finalidade, mas

não enxergamos a alteração do acabamento ou a aparência como industrialização.

A montagem se dá com a reunião de produtos que, em caso de haver novo

produto, demonstraria haver industrialização; caso contrário, não haverá, conforme

reconheceu o Superior Tribunal de Justiça, em um caso onde se discutia se a instalação de

um motor a um casco de uma embarcação (lancha) caracterizaria fato gerador do referido

imposto, implicando uma operação industrial de montagem:

[…] IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. LANCHA. MONTAGEM DE MOTOR AO CASCO DA EMBARCAÇÃO. INDUSTRIALIZAÇÃO NÃO-CARACTERIZADA. INEXISTÊNCIA DE GERAÇÃO DE UM NOVO PRODUTO COM DENOMINAÇÃO PRÓPRIA, PARA FINS DA CLASSIFICAÇÃO NA TIPI. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO PREVISTO NO ART. 46 DO CTN. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 3º,

88 JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na constituição. v. 10. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1985, p. 115. (Coleção Textos de Direito Tributário). 89 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Dicionário Jurídico Tributário. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2003,

s.v. industrialização.

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DA LEI 4.502⁄64, E 3º, CAPUT E INCISO III, DO DECRETO 87.981⁄82. […] 2. Partindo-se da premissa de que o fato que ensejaria a operação de industrialização (montagem) seria a geração de um novo produto ou unidade autonomamente considerada, torna-se indispensável constatar se tal conjunto passa a ter, ou não, outra denominação para fins de classificação fiscal. 3. Tendo ficado caracterizado nos autos, de acordo com o laudo pericial realizado, que a reunião das unidades autônomas não se enquadraria em um novo produto, para fins de classificação fiscal da TIPI, não há falar, assim, em incidência do IPI. 4. Recurso especial desprovido90.

A ministra Denise Arruda fundamentou sua decisão pela inexistência de novo

produto, citando a doutrina de Antônio Zomer:

“Para que uma operação de montagem seja considerada industrialização para efeito de IPI, é necessário que ela gere um novo produto ou unidade autônoma, no qual as partes e peças reunidas não mantenham as suas características individuais, notadamente em termos de classificação fiscal, de modo que o conjunto passa a ter classificação fiscal própria e única, ainda que seja a mesma de alguma das partes que o compõem. Se o produto resultante da montagem, em face das regras de classificação fiscal vigentes, não puder ser classificação fiscal vigente, não puder ser classificado como um todo, inexistirá industrialização tributada pelo IPI.” (ZOMER, Antônio. Regulamento do IPI: Impostos sobre Produtos Industrializados: Anotado e Comentado. Marcelo Magalhães Peixoto e Luiz Roberto Domingo (coords.), São Paulo: MP, 2008, pp. 33-34).91

Concluímos que nem toda montagem caracteriza-se como industrialização,

havendo necessidade de se constatar, dentro da diretriz do CTN, haver produto novo ou

que seu aperfeiçoamento resulte em unidade autônoma.

O acondicionamento ou reacondicionamento trata-se da colocação ou

substituição de embalagem. Essa operação pode vir a guardar relação com o

aperfeiçoamento para o consumo. O vinho, o azeite, dentre outros, chegam ao consumidor

em embalagens padronizadas e adequadas a sua preservação, de modo que se tem um

acondicionamento que aperfeiçoa o produto para que todos possam consumir, até mesmo

com os valores nutricionais, muitas vezes, importante para quem consome.

90 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 931.031/RS. Relatora: Ministra Denise

Arruda. Julgamento: 21 maio 2009. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ 24 jun. 2009. 91 Ibid..

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Se a colocação de embalagem não representa um aperfeiçoamento no sentido

de viabilizar o consumo, sendo mero embelezamento e praticidade não caracterizaria

industrialização. Como exemplo, temos o parecer normativo da Coordenação do Sistema

de Tributação, Solução de Consulta n° 264, de 24 de outubro de 2011, em que foi

reconhecido que o simples fato de colocar os óculos em uma caixa para revenda seria

industrialização:

ANEXAÇÃO. PRODUTOS. ESTRANGEIROS. NACIONAIS. COLOCAÇÃO. EMBALAGEM. CONJUNTO. ACONDICIONAMENTO. A reunião de óculos de sol importados ou de armações de óculos importados à flanela de origem nacional em estojo adquirido no mercado interno, formando um único conjunto, efetuada pelo próprio importador, para fins de venda no mercado interno, caracteriza-se como industrialização na modalidade acondicionamento/ reacondicionamento, para efeito de incidência do imposto.

No caso relatado, houve uma facilitação, na medida em que ficou mais prático

carregar os óculos, mas daí a dizer que houve industrialização, não nos parece correto,

mesmo porque os óculos (objeto principal) pode chegar do mesmo modo ao consumidor

final, diferentemente do caso do leite, por exemplo, que, sem ser acondicionado nas

embalagens adequadas, não chegaria aos consumidores em grande escala. Tem-se um

conceito ampliativo do que seja produto industrializado e que extrapola as diretrizes legais.

A renovação ou recondicionamento refere-se à restauração de produtos, ou

seja, haverá uma melhoria num produto usado ou inutilizado. Entendemos que a renovação

ou recondicionamento não se trata de industrialização, não se enquadrando no conceito de

modificação da natureza ou da finalidade e nem ocorre um aperfeiçoamento do produto;

em verdade, ocorre um melhoramento que dará uma “sobrevida” ao produto.

Deveras, o regulamento do IPI a pretexto de regular acabou por ampliar o

conceito de industrialização, seja ao elencar alguns modelos de operação de

industrialização, seja ao deixar uma conceituação aberta em seu caput. Leandro Paulsen

destaca:

A Lei 4.502/64 e o Decreto 4.544/02 (RIPI) atribuem dimensão bastante larga ao que se deve considerar por produto industrializado, de modo que possa abranger a transformação, o beneficiamento, a montagem, o acondicionamento ou reacondicionamento e a renovação ou recondicionamento. Tal elastecimento, contudo, desborda do sentido possível dos termos constantes do art. 46, parágrafo único, do CTN,

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particularmente no que diz respeito ao acondicionamento ou reacondicionamento, conforme nota adiante92.

Os procedimentos, não raras vezes, suscitam dúvidas, considerando que a

legislação infraconstitucional trouxe uma dimensão ampla do que se pode considerar

produto industrializado. Hugo de Brito Machado atesta que houve um alargamento do

conceito, afirmando que,

Realmente, o conceito de produto industrializado independe de lei. É um conceito pré-jurídico. Mesmo assim, para evitar ou minimizar conflitos, a Lei Complementar pode e deve estabelecer os seus contornos. Assim, é que o Código Tributário Nacional estabeleceu que para efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo. [...] Não obstante, o Regulamento do IPI ampliou tal conceito, inclui nele operações como o simples acondicionamento, ou embalagem, que a verdade não lhe modificam a natureza, nem a finalidade, nem o aperfeiçoam para o consumo. Isto constitui evidente abuso do poder regulamentar, em afronta ao disposto no parágrafo único, do art. 46 do CTN.93

Parece incontestável ter havido uma ampliação do conceito de industrialização

pela Lei 4.502/64 e pelo RIPI/Decreto 7.212/2010, já que, por exemplo, a operação que

venha a alterar a apresentação do produto é considerada industrialização. Nesse sentido, a

colocação de embalagem é tida como hipótese de industrialização, na medida em que se

entende que o acondicionamento ou reacondicionamento acabam por valorizar o produto,

modificando sua apresentação.

Essa ampliação legislativa do conceito de industrialização havida permite

alocar diversos casos que talvez efetivamente não se enquadrariam como industrialização.

A par disso, a individualização do caso é que permitirá a identificação e a alocação do

produto como sendo ou não industrializado.

Nesse sentido, acreditamos que não podemos tomar as denominações dadas às

operações para indicar tratar-se ou não de industrialização, pois, com exceção da

92 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da

jurisprudência. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 845. 93 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. v. I. São Paulo: Atlas,

2003, p. 468-470.

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transformação, que nos parece ser figura isenta de dúvida, as demais – beneficiamento,

montagem, acondicionamento ou reacondicionamento, renovação ou recondicionamento –

não permitem tal afirmação.

Tais figuras, muitas vezes, conflitam com a hipótese própria do imposto sobre

serviços; nesses casos, haverá necessariamente de se analisar a operação jurídica que

demarca uma transferência de propriedade, verificar se configura uma obrigação de dar

antecedida ou não por um fazer e se a produção está destinada a atender um consumo em

grande escala.

Destarte, seja qual for a denominação que se dê, a operação que incidirá sobre

o produto, a busca para identificar se houve ou não industrialização deve corresponder ao

disposto no texto constitucional e na lei complementar, conceito juridicizado, portanto,

pelo qual o produto deve resultar na modificação da natureza ou finalidade e ser

aperfeiçoado para o consumo.

3.2 O critério espacial

O critério espacial é condicionante do lugar onde a descrição do acontecimento

constante do critério material deverá ocorrer para fazer irromper uma relação jurídico-

tributária. Vale dizer, tem o condão de delimitar o espaço em que o comportamento

descrito no critério material se dará e no qual se considerará como ocorrido.

Paulo de Barros Carvalho reportando-se ao critério espacial do IPI e do ICMS

afirma que

Seja qual for o lugar em que o fato ocorra, dentro da latitude eficacial da norma, dão-se por propagados seus legítimos efeitos, não havendo falar-se de pontos particularmente determinados, ou de sub-regiões zelosamente delineadas. O critério espacial coincide, nessas hipóteses, com o âmbito de vigência territorial da lei94.

Trata-se, portanto, da demarcação do lugar da efetiva ocorrência da conduta

prescrita e hábil a fazer nascer a exação fiscal, que, no caso do IPI sobre os produtos da

indústria, confunde-se com a própria extensão do Estado brasileiro, já que absorverá as 94 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 328.

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atividades industriais realizadas dentro dessa extensão nacional; por isso, a assertiva de

que, nesse caso, o critério espacial coincide com o âmbito de vigência territorial da lei.

A coordenada de espaço poderá ser prevista na lei de modo específico. No caso

do IPI, a “coordenada específica de espaço” 95 para os produtos da indústria é o

estabelecimento. A Lei nº 4502/64 dispõe que estabelecimento é todo aquele em que

houver a industrialização de produtos, bem como os que a ele se equipara.

Geraldo Ataliba, analisando a hipótese de incidência do IPI, afirma que “a

essência da materialidade da hipótese de Incidência do IPI está na dinâmica, em si, do fato

de o produto sair de uma origem, juridicamente qualificada: o “estabelecimento”, onde

ocorre o processo concreto (conjunto de operações mecânico-físicas) que redundou no

produto final”96.

A lei e o Decreto regulamentar fixam como estabelecimento aquele que

executa o processo de industrialização, bem como aqueles que elegem como equiparados a

estabelecimento industrial, ainda que não realizem o referido processo. Também estabelece

a lei que cada estabelecimento é considerado autônomo para o cumprimento das

obrigações tributárias, devendo manter escrituração contábil por estabelecimento97.

3.3 Critério temporal: a saída do produto do estabelecimento demarcada por uma

operação jurídica

O critério temporal do IPI traz importante contorno definidor dessa espécie

tributária incidente sobre os produtos da indústria. O legislador, ao eleger a coordenada de

tempo – momento em que se considera ocorrido o fato descrito na hipótese –, agregou, no

95 LACOMBE, Américo Masset. Imposto sobre produtos industrializados – Sua estrutura normativa –

Princípios constitucionais – Princípio da legalidade das isenções. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27-28, jan.-jun. 1984, p. 115.

96 ATALIBA, Geraldo. Imposto sobre produtos industrializados e sua hipótese de incidência. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; BRITO, Edvaldo (Coords.). Doutrinas Essenciais – Direito Tributário. v. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 851.

97 Art. 57. Cada estabelecimento, seja matriz, sucursal, filial, depósito, agência ou representante, terá escrituração fiscal própria, vedada a sua centralização, inclusive no estabelecimento matriz. (BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965).

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que tange ao critério material industrializar produtos, elemento de suma importância:

“operações”.

O legislador, por equívoco, tomou a própria coordenada de tempo “saída do

respectivo estabelecimento produtor” como sendo hipótese de incidência do IPI (art. 2º,

Lei nº 4502/64), em verdade é o momento em que se demarca a ocorrência da incidência.

Geraldo Ataliba destaca: a “saída não é materialidade da hipótese de incidência. É,

meramente, seu aspecto temporal”98.

O comportamento ensejador da tributação via IPI para os produtos da indústria,

como já discorremos, é industrializar produtos. O legislador ordinário escolheu o momento

da incidência como sendo a saída do produto do estabelecimento, porque esse momento

culmina com o intento do industrial, que é vender aquilo que produziu.

A industrialização do produto é a essência para se pensar em IPI, já que sem

ela não há que se aventar em produtos da indústria, que se perfaz, que se completa, com a

saída do produto do estabelecimento industrial99 por meio da venda desses produtos.

E é esse “produto industrializado” resultado do processo de industrialização

que é inserido num ciclo mercantil, já que o industrial produz para colocar o produto no

mercado, portanto produz para vender. Esse produzir, próprio da industrialização, que tem

como destino a venda (demarcando uma operação), é fato que se sobressaiu ao legislador,

que acabou, impropriamente, tratando-o como fato gerador do imposto, o que, em verdade,

é o seu critério temporal.

O inciso II, do art. 46, do CTN, estabelece que “o imposto, de competência da

União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador, a sua saída dos

estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51”. O art. 51, por sua vez,

prescreve os sujeitos passivos do IPI.

98 ATALIBA, Geraldo. Imposto sobre produtos industrializados e sua hipótese de incidência. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva; BRITO, Edvaldo (Coords.). Doutrinas Essenciais – Direito Tributário. v. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 850.

99 Utilizamos nesse tópico “estabelecimento industrial” de forma ampla; entretanto, lembramos que o art. 51 do CTN elege o estabelecimento industrial como sendo também daquele sujeito passivo que foi equiparado a industrial.

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A “saída” fixada nos termos do art. 46 do CTN completa, finaliza o processo

de industrialização (produzir para vender), que se caracteriza numa operação. Por essa

razão, o art. 153, § 3º, II, ao estabelecer a não cumulatividade para o IPI, prescreveu que

este se compensaria “em cada operação”.

O momento da incidência – saída do produto do estabelecimento – é

caracterizador do IPI quando efetivamente essa saída se der por meio de uma operação,

negócio jurídico. Essa compreensão é obtida pelas dicções do texto constitucional, que

estabeleceu a compensação em cada operação o que denota a existência de um negócio

jurídico, e pela legislação ordinária, que menciona por diversas vezes as expressões

“venda”, “vender”, “preços”, dentre outras.

Essa compostura do antecedente da regra-matriz de incidência permite que

identifiquemos seus elementos marcantes: ter havido industrialização de um produto e que

a saída do produto do estabelecimento decorra de uma operação onerosa.

Para o direito, “operação” significa “negócio jurídico”. O professor Aires

Fernandino Barreto nos ensina:

O termo operações, à luz de um ponto de vista estritamente jurídico, significa atos regulados pelo Direito capazes de produzir efeitos jurídicos, ou seja, negócios jurídicos100.

No mesmo sentido, são as lições do mestre Geraldo Ataliba:

Não é qualquer saída que faz presumir a conclusão do ciclo econômico, considerado pelo legislador como unidade fática materialmente tributável, mas só a saída decorrente de um negócio jurídico: só a saída de produto que tenha sido objeto de um negócio jurídico101.

Américo Lacombe, citando Carlos Rocha Guimarães, bem pontua que a

interpretação que atende aos desígnios do constituinte e do legislador ordinário é a

compreensão de que a operação a ser realizada é “jurídica” e não a meramente física, pois,

acaso fosse física, não haveria necessidade de sua menção, e cita como exemplo a hipótese

100 BARRETO, Aires Fernandino. Natureza Jurídica do imposto criado pela medida provisória 160/90.

Repertório IOB de Jurisprudência, n. 10, 2ª quinzena maio 1990, p. 152. 101 ATALIBA, Geraldo. Imposto sobre produtos industrializados e sua hipótese de incidência. In:

MARTINS, Ives Gandra da Silva; BRITO, Edvaldo (Coords.). Doutrinas Essenciais – Direito Tributário. v. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 851.

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do ICMS, que não necessitaria referir-se a operações relativas à circulação de mercadorias,

mas, sim, apenas a imposto sobre circulação e mercadorias.

E conclui o mestre:

Vê-se, em conclusão, que a palavra “operações” possui, na Constituição, o sentido de ato jurídico, negócio jurídico, ato juridicamente relevante. Não há, portanto, qualquer possiblidade de uma lei conferir um sentido diverso daquele consagrado na Carta Magna. Assim, quando o art. 14, II, da Lei 4.502 fala em “operações”, só pode dar a esta expressão o mesmo sentido que lhe foi dado pela Constituição, vale dizer, o sentido de operação jurídica, ato jurídico, negócio jurídico102.

A saída do produto do estabelecimento industrial há de ser, portanto, aquela

que se exterioriza por um negócio jurídico em que o industrial realiza a prática de um ato

negocial, inserindo o produto industrializado num ciclo mercantil, transferindo a

propriedade, conforme nos ensina Geraldo Ataliba:

Na verdade, tal como desenhada pela hipótese de incidência do IPI, não basta haver produto, nem sua saída. É absolutamente necessário – para que nasça a obrigação tributária – que a saída seja determinada por um negócio jurídico que transfira a posse ou propriedade do produto103.

Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo ensinam no mesmo

sentido:

[…] o IPI deve, por injunção constitucional, ter por hipótese de incidência o fato de alguém industrializar produto e impulsioná-lo para fora do estabelecimento produtor, mediante a celebração de um negócio jurídico translativo de sua posse ou propriedade104.

Importa, nesse caminho, abordar o furto de produtos industrializados, já que

haverá a saída do estabelecimento, mas a operação não se aperfeiçoará, ou seja, como

ficará a tributação quanto ao IPI, quando a operação efetivamente não venha a ocorrer por

casos fortuitos ou força maior, embora tenha o produto dado saída do estabelecimento.

102 LACOMBE, Américo Masset. Imposto sobre produtos industrializados – Sua estrutura normativa –

Princípios constitucionais – Princípio da legalidade das isenções. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27-28, jan.-jun. 1984, p. 117-118. (grifos nossos).

103 ATALIBA, op. cit., p. 855. 104 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. A não-incidência do IPI nas operações

internas com mercadorias importadas por comerciantes (um falso caso de equiparação legal). Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 140, 2007, p. 93.

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A literalidade do texto da legislação infraconstitucional nos leva à conclusão de

que basta a simples saída dos produtos do estabelecimento industrial para que haja a

incidência de IPI; entretanto, a estrutura do nosso sistema positivo impõe análise conjunta

das normas jurídicas, as quais não se perfazem, muitas vezes, apenas em um enunciado

prescritivo.

Já vimos que a coordenada de tempo, momento da incidência para os produtos

da indústria está prescrita no inciso II, do art. 46 do CTN, e menciona como sendo a saída

dos produtos industrializados dos estabelecimentos dos contribuintes do IPI. O inciso II, do

art. 2º, da Lei nº 4.502/64 traz como sendo “a saída do respectivo estabelecimento

produtor”. O § 2º do mesmo dispositivo legal estabelece que o imposto é devido

independentemente do destino dado ao produto105.

Nada obstante tais dispositivos trazerem a mera “saída” do estabelecimento

como necessária para a incidência do IPI, outras disposições, no entanto, demonstram ser

preciso haver negócio jurídico.

O art. 47, II, “a” do CTN, ao prescrever sobre a base de cálculo do IPI, dispõe

que será “o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria”. A Lei nº 4.502/64,

ao dispor em seu art. 14, inciso II, sobre o valor tributável, repetiu a dicção do CTN e

acrescentou no § 2º que “o valor da operação compreende o preço do produto, acrescido

do valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo

contribuinte ao comprador ou destinatário”. (grifos nossos).

Além de o legislador da União destacar que a base de cálculo será o valor da

operação, ao prescrever algumas inclusões nesse valor, menciona expressamente a figura

do “comprador”106.

105 Art. 2º […] § 2º O impôsto é devido sejam quais forem as finalidades a que se destine o produto ou o título jurídico a

que se faça a importação, o fato gerador considerar-se-á ocorrido no momento em que ficar concluída a operação industrial.

(BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965).

106 Art. 14, § 1º (Presidência da República. Lei nº 4502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965).

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A conjugação de tais dispositivos importa em concluir a existência da operação

jurídica como condição para incidência do IPI. A transferência da propriedade é

imprescindível para que exista a referida operação jurídica e entendida a expressão

“operação”, mencionada por diversas vezes como base tributável do IPI na lei, como sendo

jurídica, conclui-se que a mera saída física não é suficiente para gerar a obrigação

tributária.

A regra-matriz de incidência é construída a partir de diversos critérios que

devem ser interpretados conjuntamente; na medida em que eles se completam, “existe

entre todos os seus aspectos um necessário correlacionamento lógico, e os conceitos e

definições de um deles devem servir para precisar conceitos e definições de outros”107.

Paulo de Barros Carvalho alerta nesse sentido:

Não sobeja esclarecer que tais informações (que chamamos de critérios) estão ilaqueadas numa realidade jurídica incindível. Somente por um processo de abstração, assim compreendida a operação mental que separa entes inseparáveis, é que podemos insularmente examiná-los, de evidência que sob color didático, e para fins de especulação científica.108

Assim, da interpretação conjunta dos critérios da regra-matriz do IPI, se o

critério material é industrializar produtos, o momento da incidência é a saída do

estabelecimento e o valor tributável é o valor da operação havida (operação jurídica),

conclui-se que a incidência ocorrerá com o aperfeiçoamento dessa operação jurídica.

O CTN prescreve em seu art. 116, inciso II, que se considerará ocorrido o fato

gerador da obrigação tributária quando tratar-se “da situação jurídica, desde o momento em

que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável”. Por sua vez, o art.

117 do mesmo diploma legal estabelece que quando a referida situação jurídica depender

de condição resolutória, ela somente se completaria tornando-se perfeita e acabada quando

houvesse o implemento dos atos ou negócios jurídicos.109

107 LACOMBE, Américo Masset. Imposto sobre produtos industrializados – Sua estrutura normativa –

Princípios constitucionais – Princípio da legalidade das isenções. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27-28, jan.-jun. 1984, p. 119.

108 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 150.

109 Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados:

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A saída do produto do estabelecimento industrial dá início à operação jurídica

havida que se completará com a efetiva entrega ao comprador ou destinatário. Vale dizer, a

operação jurídica considera-se efetivamente ocorrida quando se completar com a

transferência da propriedade dos bens, com a entrega deles, que ensejará a tributação via

IPI.

A Receita Federal do Brasil tem entendimento de que a simples saída do

produto dos estabelecimentos dará ensejo a tributação via IPI, mas guarda razão Geraldo

Ataliba quando, abordando a saída por roubo ou furto, ou a ocorrência de incêndio, ou até

a transferência para depósito ou local de guarda, afirma que são fatos que não se

qualificariam como idôneos a causar o nascimento de tributo:

A saída, destarte, juridicamente relevante – porque apta a causar o resultado jurídico previsto – é a que exterioriza um negócio jurídico e faz presumir consumados tanto o negócio quanto o processo de produção (industrialização).

Ecompletaseuraciocínioapartirdapróprialei:

Por isso, a lei não considera saída relevante, por exemplo, “remessa de […] produtos intermediários para serem industrializados” fora, “desde que o produto resultante tenha que retornar ao estabelecimento de origem” (art. 5º, n. II, “a”, da Lei n. 4.502)110.

O Superior Tribunal de Justiça, num primeiro momento, seguiu o entendimento

da Receita Federal, conforme decisão proferida no Recurso Especial nº 734.403, por três

votos a dois, em que firmou posicionamento que o IPI é devido em caso de roubo ou de

furto sob a assertiva, em síntese, de que os acontecimentos eram risco inerente à atividade

industrial e que o prejuízo não poderia ser transferido à sociedade sob a forma do não

pagamento do tributo111.

I – sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio; […] (BRASIL. Presidência da República. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de

1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 out. 1966).

110 ATALIBA, Geraldo. Imposto sobre produtos industrializados e sua hipótese de incidência. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; BRITO, Edvaldo (Coords.). Doutrinas Essenciais – Direito Tributário. v. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 851.

111 PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO NÃO-CONFISCO E DA NÃO-CUMULATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME PELO STJ EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE

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Afastando esse posicionamento que efetivamente não se coaduna com o

sistema positivo, o STJ, no Recurso Especial nº 1.203.236, proferiu decisão em 30 de

agosto de 2012, revendo seu entendimento, afastando a incidência do IPI nos casos de

roubo e furto.

Por esse novo entendimento, os ministros reconheceram, por maioria, que o

fato ensejador da tributação não seria a saída do produto do estabelecimento industrial,

mas a realização da operação de transferência da propriedade ou posse dos produtos

industrializados. Em caso de roubo ou furto, segundo eles, não haveria proveito

econômico, não se podendo falar em recolhimento de tributo.

Afirma o relator, ministro Herman Benjamin, que não é razoável que o

empresário tenha a sua mercadoria roubada, suporte o prejuízo decorrente da deficiência na

segurança pública que deve ser oferecida pelo estado e ainda recolha o tributo como se

tivesse obtido proveito econômico com a operação.

Em seu voto, assevera que o CTN criou uma ficção legal, antecipando o

elemento temporal do fato gerador do IPI para a saída do produto do estabelecimento

industrial, valendo-se da presunção de que o negócio jurídico mercantil será concluído com

a entrega da mercadoria ao comprador. Essa seria uma condição resolutória, que, em não

PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. FATO GERADOR. MOMENTO DA OCORRÊNCIA. SAÍDA DO PRODUTO DO ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL OU EQUIPARADO. ROUBO DE CARGA APÓS O FATO GERADOR. INAPLICABILIDADE DO ART. 174, V, DO RIPI-98. EXIGÊNCIA DO TRIBUTO.

1. Inexiste a alegada violação do art. 535 do CPC. Conforme se depreende do julgado recorrido, houve expressa análise do dispositivo legal invocado pela recorrente.

2. A discussão sobre o alcance dos princípios da não-cumulatividade e do não-confisco, previstos no art. 153, § 3º, II, e art. 150, IV, da Constituição Federal de 1988, refoge ao âmbito do STJ, em sede de recurso especial, sob pena de usurpação das competências do STF.

3. A legislação tributária define o fato gerador do IPI como sendo a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial ou equiparado, seja qual for o título jurídico de que decorra essa saída do estabelecimento produtor (art. 46, II, do CTN; art. 2º, II e § 2º, da Lei n. 4.502⁄64; e art. 32, II, do Decreto n. 2.637⁄98 - RIPI-98).

4. O roubo ou furto de mercadorias é risco inerente à atividade do industrial produtor. Se roubados os produtos depois da saída (implementação do fato gerador do IPI), deve haver a tributação, não tendo aplicação o disposto no art. 174, V, do RIPI-98. O prejuízo sofrido individualmente pela atividade econômica desenvolvida não pode ser transferido para a sociedade sob a forma do não pagamento do tributo devido.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 734.403/RS. Relator: Ministro Mauro

Campbell Marques. Julgamento: 22 jun. 2010. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe 06 out. 2010).

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vindo a acontecer, poderia ser contraposta em caso de furto, roubo, perecimento da coisa

ou desistência do comprador.112

Essa mudança de entendimento da Segunda Turma do Superior Tribunal de

Justiça melhor se coaduna com o sistema positivo, já que a situação jurídica hábil a fazer

nascer a tributação via IPI se completa com a operação jurídica, representativa de um

112 PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.

IPI. FATO GERADOR. MOMENTO TEMPORAL. FURTO⁄ROUBO. TRADIÇÃO. CONDIÇÃO RESOLUTÓRIA. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA SUBJETIVA. EXAÇÃO INDEVIDA.

1. A empresa ajuizou Ação Ordinária com o intuito de anular lançamentos de IPI sobre mercadorias (cigarros) destinadas à exportação que foram furtadas. O Juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido, tendo sido mantida a sentença pelo Tribunal Regional Federal.

[…] 3. Em relação ao mérito, esta Turma se posicionara inicialmente no sentido de que "o roubo ou furto de

mercadorias é risco inerente à atividade do industrial produtor. Se roubados os produtos depois da saída (implementação do fato gerador do IPI), deve haver a tributação, não tendo aplicação o disposto no art. 174, V, do RIPI-98". (REsp 734.403⁄RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.10.2010). Nessa oportunidade, fiquei vencido ao lado do Eminente Ministro Castro Meira, cujas considerações ali feitas motivaram aqui maior reflexão sobre a justiça de onerar o contribuinte com tributação que não corresponde ao proveito decorrente da operação. Tais observações prevalecem nos seguintes termos:

4. O fato gerador do IPI não é a saída do produto do estabelecimento industrial ou a ele equiparado. Esse é apenas o momento temporal da hipótese de incidência, cujo aspecto material consiste na realização de operações que transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados.

5. Não se pode confundir o momento temporal do fato gerador com o próprio fato gerador, que consiste na realização de operações que transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados.

6. A antecipação do elemento temporal criada por ficção legal não torna definitiva a ocorrência do fato gerador, que é presumida e pode ser contraposta em caso de furto, roubo, perecimento da coisa ou desistência do comprador.

7. A obrigação tributária nascida com a saída do produto do estabelecimento industrial para entrega futura ao comprador, portanto, com tradição diferida no tempo, está sujeita a condição resolutória, não sendo definitiva nos termos dos arts. 116, II, e 117 do CTN. Não há razão para tratar, de forma diferenciada, a desistência do comprador e o furto ou o roubo da mercadoria, dado que em todos eles a realização do negócio jurídico base foi frustrada.

8. O furto ou o roubo de mercadoria, segundo o art. 174, V, do Regulamento do IPI, impõem o estorno do crédito de entrada relativo aos insumos, o que leva à conclusão de que não existe o débito de saída em respeito ao princípio constitucional da não cumulatividade. Do contrário, além da perda da mercadoria – e do preço ajustado para a operação mercantil –, estará o vendedor obrigado a pagar o imposto e a anular o crédito pelas entradas já lançado na escrita fiscal.

9. Desarrazoado entender que a parte que tem a mercadoria roubada deva suportar prejuízo decorrente de deficit da segurança pública que deveria ser oferecida pelo Estado, e recolher o tributo como se obtivesse proveito econômico com a operação. Quando há proveito econômico, não se recolhe tributo. Quando não há, o pagamento é indevido? Tratar-se-ia de afirmação kafkiana.

10. O furto de mercadorias antes da entrega ao comprador faz desaparecer a grandeza econômica sobre a qual deve incidir o tributo. Em outras palavras, não se concretizando o negócio jurídico, por furto ou roubo da mercadoria negociada, já não se avista o elemento signo de capacidade contributiva, de modo que o ônus tributário será absorvido não pela riqueza advinda da própria operação tributada, mas pelo patrimônio e por rendas outras do contribuinte que não se relacionam especificamente com o negócio jurídico que deu causa à tributação, em clara ofensa ao princípio do não confisco.

11. Recurso Especial provido. (pendente Recurso Extraordinário sobre a matéria) (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.203.236/RJ. Relator: Ministro Herman

Benjamin. Julgamento: 21 jun. 2012. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe 30 ago. 2012).

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negócio jurídico que se implementa com a entrega dos produtos industrializados, com a

transferência de titularidade. Será relevante para o Direito, então, não a saída física, mas

aquela que decorre de um negócio jurídico que se realiza a translação do bem.

Entendemos também não ser representativa de uma “operação jurídica” e

consequentemente não sujeita a incidência de IPI, a situação em que se denomina de

ativação de bens de fabricação própria, pela qual o estabelecimento industrial incorpora ao

seu ativo fixo bens por ele produzido.

Concordamos, nesse caso, com Geraldo Ataliba, que, analisando tal situação,

embora discorrendo sobre a exigência de ICMS, mas que por proximidade há de ser

aplicado ao IPI, em que concluiu não haver operação, pois não há transferência do bem,

não há sujeitos de direito (transmitente e adquirente), e a ativação do bem próprio não tem

conteúdo econômico hábil para revelar capacidade contributiva113.

Podemos verificar que na compostura da regra-matriz de incidência dos

produtos da indústria, o critério temporal é revelador de característica essencial dessa

hipótese tributária, elegendo como necessário que a “saída” eleita pelo legislador do

estabelecimento industrial seja aquela que configura uma “operação jurídica”

representativa de um negócio jurídico, onde há a transferência do bem.

Essa configuração imanente à regra padrão de incidência sob análise deve ser

considerada para que efetivamente se reconheça a tributação por meio do IPI.

3.4 CRITÉRIO PESSOAL

3.4.1 Sujeito ativo

Como já pontuamos, a Constituição Federal traçou, pormenorizadamente, a

competência tributária dos entes políticos. Nesse desenho constitucional das competências,

113 ATALIBA, Geraldo. ICMS. Incorporação ao ativo – Empresa que loca, oferece em ‘Leasing seus

produtos – Descabimento do ICMS’. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 52, 1990, p. 84.

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o constituinte permitiu que a União instituísse o imposto sobre produtos industrializados-

IPI, cabendo a ela a criação da referida exação.

O imposto sobre produtos industrializados atualmente é arrecadado pela

própria União, por meio da Secretaria da Receita Federal do Brasil, de modo que o sujeito

ativo do referido tributo é a União.

3.4.2 Sujeito passivo: o industrial e o equiparado à industrial

O sujeito passivo integra a relação jurídica tributária na posição de devedor do

tributo, tendo o dever de adimplir a obrigação tributária. O legislador, ao eleger o sujeito

passivo, deve escolher uma pessoa que esteja vinculada ao núcleo da materialidade do IPI,

ou seja, alguém que mantenha relação direta com a materialidade do IPI.

O Código Tributário Nacional estabelece, em seu art. 51, quanto aos produtos

da indústria, que serão contribuintes do imposto “o importador ou quem a lei a ele

equiparar”; e “o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos

contribuintes definidos no inciso anterior”.

A Lei nº 4520/64 estabelece que o contribuinte do IPI será “tôda pessoa natural

ou jurídica de direito público ou privado que, por sujeição direta ou por substituição, seja

obrigada ao pagamento do tributo”. Nesse sentido, prescreve como contribuinte originário

“o produtor, inclusive os que lhe são equiparados pelo art. 4º - com relação aos produtos

tributados que real ou fictìciamente, saírem de seu estabelecimento”. O Regulamento do

IPI também disciplinou a matéria em seu art. 24114, fazendo-o à semelhança do CTN.

114 Art. 24. São obrigados ao pagamento do imposto como contribuinte: […] II - o industrial, em relação ao fato gerador decorrente da saída de produto que industrializar em seu

estabelecimento, bem como quanto aos demais fatos geradores decorrentes de atos que praticar (Lei nº 4.502, de 1964, art. 35, inciso I, alínea “a”);

III - o estabelecimento equiparado a industrial, quanto ao fato gerador relativo aos produtos que dele saírem, bem como quanto aos demais fatos geradores decorrentes de atos que praticar (Lei nº 4.502, de 1964, art. 35, inciso I, alínea “a”); […]

(BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Brasília, 15 jun. 2010).

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O sujeito passivo do IPI para os produtos da indústria é fundamentalmente o

industrial. O industrial é a pessoa que promove a industrialização e realiza a operação com

a saída do produto do seu estabelecimento, que, nos termos da Lei nº 4.502/64, é chamado

de produtor, reportando-se a ele como contribuinte originário. Esse mesmo diploma legal

dispõe, em seu art. 3º, que considera estabelecimento produtor aquele que industrializar

produtos115.

Com relação ao contribuinte originário eleito pela lei como sendo o “produtor”,

caracterizada a industrialização pelo seu estabelecimento, exsurge a obrigação tributária.

Entretanto, a lei elegeu também, como contribuinte originário, sujeitos que se equiparam

ao produtor para fins de fazer surgir a relação jurídica tributária:

Art. 4º Equiparam-se a estabelecimento produtor, para todos os efeitos desta Lei: […] II - as filiais e demais estabelecimentos que exercerem o comércio de produtos importados, industrializados ou mandados industrializar por outro estabelecimento do mesmo contribuinte; III - os que enviarem a estabelecimento de terceiro, matéria-prima, produto intermediário, moldes, matrizes ou modelos destinados à industrialização de produtos de seu comércio. IV - os que efetuem vendas por atacado de matérias-primas, produtos intermediários, embalagens, equipamentos e outros bens de produção.

O Regulamento do IPI, Decreto nº 7212/10, traz, em seu art. 9º, outras

equiparações fixadas em leis esparsas116, marcadamente pela figura do estabelecimento

atacadista, dos estabelecimentos comerciais varejistas e das cooperativas de produtores que

venderem a produção de seus associados quanto a vinhos e derivados117.

115 Art. 3º Considera-se estabelecimento produtor todo aquele que industrializar produtos sujeitos ao

impôsto. (Id. Presidência da República. Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de

Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965). 116 Decreto-lei nº 1593/77; Lei nº 9430/97; Lei 11.281/06; Lei nº 9779/99; Lei nº 10.883/03; Lei nº

11.727/08. 117 Art. 9º […] VII - os estabelecimentos atacadistas e cooperativas de produtores que derem saída a bebidas alcoólicas e

demais produtos, de produção nacional, classificados nas Posições 22.04, 22.05, 22.06 e 22.08 da TIPI e acondicionados em recipientes de capacidade superior ao limite máximo permitido para venda a varejo, com destino aos seguintes estabelecimentos (Lei nº 9.493, de 1997, art. 3º):

a) industriais que utilizarem os produtos mencionados como matéria-prima ou produto intermediário na fabricação de bebidas;

b) atacadistas e cooperativas de produtores; ou

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O CTN considera, então, o industrial como o contribuinte de IPI e o

comerciante que fornece produtos ao industrial, figura essa também prevista no inciso IV,

do art. 4º da Lei nº 4502/64. O industrial é aquele que efetivamente realiza o processo de

industrialização e que guarda relação direta com o critério material do IPI (industrializar

produtos).

Os demais estabelecimentos denominados “equiparados” não realizam o

processo de industrialização, mas são colocados na posição de contribuinte do IPI, como se

o fizessem118. O RIPI traz ainda uma equiparação na modalidade opcional, constante do

art. 11119.

Temos pelo atual Regulamento do IPI, Decreto nº 7.212/2010, dois tipos de

equiparação a estabelecimento industrial, sendo uma obrigatória ou compulsória (art. 9º e

10º) e a equiparação por opção (art. 11º). Para que haja a referida equiparação, o

contribuinte deve registrar seus dados cadastrais na REF, alocando-se como contribuinte

do IPI.

Os equiparados a industrial por opção são aqueles que se enquadram como

estabelecimento comercial que der saída a bens de produção para estabelecimentos

industriais ou revendedores, exceto quando destinados a particulares e em quantidade que

não exceda a normalmente destinada ao seu próprio uso (art. 14, I, “a” do RIPI). Podem se

equiparar ainda, por opção, as cooperativas constituídas nos termos da Lei nº 5.764/71, que

se “dedicarem à venda em comum de bens de produção, recebidos de seus associados para

comercialização”.

A figura do “estabelecimento equiparado a industrial” trata-se de ficção legal,

pois os negócios realizados por esses estabelecimentos jamais darão saída a produtos

c) engarrafadores dos mesmos produtos; […] (BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Regulamenta a

cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Brasília, 15 jun. 2010).

118 Art. 9o do Decreto nº 7212/2010. (Ibid.). 119 Art. 11. Equiparam-se a estabelecimento industrial, por opção: I - os estabelecimentos comerciais que derem saída a bens de produção, para estabelecimentos industriais

ou revendedores, observado o disposto na alínea “a” do inciso I do art. 14; e II - as cooperativas, constituídas nos termos da Lei no 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que se

dedicarem à venda em comum de bens de produção, recebidos de seus associados para comercialização. (Ibid.).

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advindos do processo de industrialização, não havendo uma igualdade por semelhança

capaz de ensejar uma equiparação. Nesse sentido, resta-nos ponderar a eleição desses

contribuintes por ficção legal.

Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo ensinam:

[…] equiparação é o artifício, usado pelo legislador, para igualar situações que, posto dissemelhantes, apresentam pontos de identificação. Trata-se, pois, de um artifício, que busca equalizar, sob a ótica do Direito, coisas diferentes, dispensando-lhes o mesmo tratamento120.

Os mestres, ao tempo em que delimitam o que seja a equiparação como

fundamentalmente representativas de artifício criado pelo legislador, alertam que o seu uso

indiscriminado no campo tributário não se justifica, “especialmente quando isso põe em

risco os direitos constitucionais dos contribuintes”.

A Constituição Federal nos trouxe apenas o núcleo da materialidade quanto ao

IPI “produtos industrializados”, restando ao legislador infraconstitucional eleger o sujeito

passivo. Nas diretrizes do Código Tributário Nacional, podemos identificar três critérios

materiais distintos, sendo um deles a conduta voltada a “industrializar produtos”. O sujeito

passivo nesse caso deve ser escolhido considerando a referida materialidade, ou seja, será

aquele que venha a cumprir, executar aquele comportamento.

No caso do IPI, a lei elegeu como contribuinte não só o fabricante do produto

industrializado, mas sujeitos equiparados ao industrial. Como se mencionou, para que haja

equiparação, é preciso que as situações dissemelhantes apresentem pontos de identificação;

assim, para que possa haver equiparação a industrial é preciso que referidos pontos de

identificação sejam fortes o suficiente para tornar o equiparado sujeito de obrigação

tributária do IPI.

A materialidade eleita para os produtos da indústria é a conduta “industrializar

produtos”, e, nos limites estabelecidos pelo CTN, industrializar é submeter o produto “a

120 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. A não-incidência do IPI nas operações

internas com mercadorias importadas por comerciantes (um falso caso de equiparação legal). Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 140, 2007, p. 98.

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qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o

consumo”121.

Nesse contexto, somente poderia ser equiparado ao industrial e colocado na

condição de sujeito passivo do IPI aquele que, sem revestir a qualidade de industrial,

viesse a praticar atos relacionados com o processo de industrializado. São precisas as

lições de Hugo de Brito Machado:

Industrial por equiparação legal é aquele que está de algum modo ligado a umas das hipóteses de incidência do imposto, mas, a rigor, não poderia ser tido como industrial. A equiparação legal tem por fim evitar questionamentos, mas não pode ser arbitrária, vale dizer, a lei não pode equiparar qualquer pessoa ao industrial, apenas para dele cobrar o imposto, sem que exista um elo entre aquele que é equiparado a industrial e a atividade de industrialização ou de comercialização do produto dela resultante. É imprescindível a existência de alguma relação entre o industrial por equiparação legal e a hipótese de incidência do imposto122. (grifo nosso).

Extrai-se, também, dos ensinamentos de Hugo de Brito Machado, que a

equiparação permitida é aquela que demonstra existir um mínimo de enlace, de ligação

entre a situação equiparada daquela que efetivamente se igualou.

Tércio Sampaio Ferraz Jr discorrendo sobre equiparação afirma que “não

procede a uma igualação artificial entre dados essencialmente desiguais, mas afirma a

existência de uma igualdade por semelhança, à qual se subsumem situações, apesar da

existência de dissemelhanças secundárias”123.

O mesmo autor afirma que o CTN autoriza o legislador a fazer equiparações:

A equiparação está expressamente autorizada pelo art. 51 do CTN, que trata da sujeição passiva do IPI, considerando contribuinte do imposto: "I - o importador ou quem a lei a ele equiparar; II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar". O CTN autoriza equiparações ao importador ou ao industrial para efeito de sujeição passiva. Para que a lei proceda, pois, à

121 Art. 46, parágrafo único (BRASIL. Presidência da República. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172,

de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 out. 1966).

122 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. v. I. São Paulo: Atlas, 2003, p. 512.

123 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Equiparação - CNT, Art. 51. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 28, p. 10-14, 1999. Disponível em: <http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/89>. Acesso em: 02 mar. 2013.

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equiparação, faz mister a afirmação de uma analogia entre esses sujeitos e o sujeito equiparado. Entre eles deve haver uma similitude essencial, em que pesem diferenças secundárias. O ponto de partida é, pois, uma semelhança e não uma diferença essencial (esta, própria da ficção).

Entretanto, vejamos se as equiparações perpetradas evidenciam um elo, uma

possível semelhança, quais sejam: (i) estabelecimentos importadores que derem saída a

esses produtos; (ii) estabelecimentos varejistas que comercializarem os referidos produtos;

(iii) filiais e estabelecimentos que comercializarem produtos importados, industrializados;

(iv) estabelecimentos comerciais atacadistas dos produtos classificados nas Posições 71.01

a 71.16 da TIPI (pérolas naturais ou cultivadas, pedras preciosas ou sintéticas; (v) os

estabelecimentos atacadistas e cooperativas de produtores que derem saída a bebidas

alcoólicas e demais produtos, de produção nacional (22.04, 22.05, 22.06 e 22.08 da TIPI) e

acondicionados em recipientes de capacidade superior ao limite máximo permitido para

venda a varejo, com destino aos estabelecimentos a) industriais que utilizarem os produtos

mencionados como matéria-prima ou produto intermediário na fabricação de bebidas,

b) atacadistas e cooperativas de produtores ou c) engarrafadores dos mesmos produtos;

(vi) estabelecimentos comerciais atacadistas que adquirirem de estabelecimentos

importadores determinados produtos de procedência estrangeira (33.03 a 33.07 da TIPI);

(vii) estabelecimentos, atacadistas ou varejistas, que adquirirem produtos de procedência

estrangeira, importados por encomenda ou por sua conta e ordem, por intermédio de

pessoa jurídica importadora; (viii) estabelecimentos atacadistas de automóveis de

passageiros (87.03 da TIPI ); (ix) estabelecimentos comerciais atacadistas de produtos de

preparação utilizadas na elaboração de bebidas e os que adquirirem destes diretamente, ou

de encomendante.

Assim, deve existir elo a justificar a equiparação, como é o caso do inciso IV

do art. 4º da Lei nº 4502/64, que equipara os que vendem por atacado matérias-primas,

produtos intermediários, embalagens, equipamentos e outros bens de produção. Veja-se

que tais sujeitos vendem bens que possuem relação direta com a produção; sem eles, não

se produz. Ou seja, os insumos que fornecem serão industrializados, havendo, portanto,

relação com o critério material, e a tributação se justifica.

Diferentemente, não existindo ligação compatível com o comportamento

industrializar entre os equiparados e aquele ao qual se igualou, não se pode equiparar e

nem criar por ficção essa equiparação. Tércio Sampaio Ferraz Jr. nos dá a dimensão dessas

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figuras: “a equiparação afirma uma igualdade, desprezando desigualdades secundárias,

enquanto a ficção afirma uma desigualdade essencial, procedendo, não obstante, a uma

igualação”124.

Ainda nas lições dos mestres, Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos

Bottallo:

[…] na ficção, o ato, mais que improvável ou inverossímil, é falso e, nesta medida, jamais será real. É um artifício do legislador, que transforma uma impossibilidade material numa possibilidade de natureza jurídica. Nesse sentido, é uma criação do legislador, que faz nascer uma verdade jurídica diferente da verdade real125.

Destarte, ainda que o direito possa criar suas próprias realidades, certo é que,

no que tange ao Direito Tributário, temos a afetação do direito a propriedade, o que se

impõe que a utilização das ficções deva ser utilizada com cautela.

Cristiano Carvalho elucida:

As ficções são produtos da cultura, figuras linguísticas, cuja função não é descrever a realidade, mesmo a institucional, mas, sim, desconsiderar a realidade (natural ou institucional), para atingir algum propósito determinado. Esse propósito pode ser contar uma história, construir modelos científicos e até mesmo criar direitos e obrigações126.

O autor menciona que a essência das ficções está na expressão “como se”, um

elemento do discurso, cuja função é fabuladora, linguagem essa, como destaca Paulo de

Barros Carvalho, utilizada frequentemente quanto às ficções jurídicas127.

Adiante, o mesmo autor, abordando especificamente as ficções jurídicas,

ensina:

Podemos definir a ficção a partir da função da hipótese de incidência atribuída por Lourival Vilanova (1997, p.96); “a hipótese é o descritor de

124 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Equiparação - CNT, Art. 51. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 28, p.

10-14, 1999. Disponível em: <http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/89>. Acesso em: 02 mar. 2013.

125 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. A não-incidência do IPI nas operações internas com mercadorias importadas por comerciantes (um falso caso de equiparação legal). Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 140, 2007, p. 98.

126 CARVALHO, Cristiano. Ficções Jurídicas no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2008, p. 69. 127 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 51.

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possível situação fáctica no mundo (natural ou social, social juridicizada inclusive), cuja ocorrência na realidade verifica o descrito na hipótese”. O que as ficções fazem é justamente não levar em consideração as situações naturais, sociais ou jurídicas, de modo a produzir determinados efeitos jurídicos.

Verificamos que as ficções jurídicas desconsideram determinadas situações,

criando outras e a elas atribuem efeitos jurídicos. No caso da eleição de contribuintes na

qualidade de equiparados ao industrial, foi exatamente o que ocorreu, surgindo, assim, a

indagação sobre se seria possível tomar os equiparados a industrial “como se” industrial

fossem.

Nesse sentido, servimo-nos, novamente, das lições de Cristiano Carvalho, que

afirma serem legítimas as ficções quando sua “única função é tornar o subsistema

tributário operacional, sem, no entanto, ferir a capacidade contributiva. Ficções que

ultrapassam essa função meramente integradora devem sucumbir ao teste da

constitucionalidade”.

Vimos dentre algumas figuras equiparadas o estabelecimento atacadista, os

estabelecimentos comerciais varejistas e algumas cooperativas de produtores.

Necessariamente tais figuras não realizam a industrialização, afastam-se completamente da

materialidade “industrializar produtos”. Parece-nos que a figura dos equiparados ao

industrial tem sua constitucionalidade duvidosa.

O sistema tributário nacional está construído dentro de uma estipulação

constitucional rígida de competências, que delimita o campo de atuação dos entes

políticos, que, ao exercer a sua competência, devem se pautar pelas dicções

constitucionais, impondo que na instituição de seus tributos atentem-se rigorosamente às

normas constitucionais.

Destarte, não podem fazer uso dessa competência tributária para alargar a

incidência do tributo, elegendo, por ficção jurídica, como contribuinte quem, efetivamente,

nem por semelhança, realiza a materialidade da exigência fiscal; “não podem transformar

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qualquer pessoa em contribuinte de IPI” 128 , sob pena de desrespeitar as normas

constitucionais.

Assim, se dentro do núcleo “produtos industrializados” uma de suas hipóteses

de incidência é “industrializar produtos”, a eleição do sujeito passivo não pode se afastar

desse comportamento, já que a norma padrão de incidência deve colher seus elementos a

partir da situação que se busca atingir pela tributação. Essa moldura estrutural da norma

deve ser respeitada sob pena de insegurança jurídica, não se pode falar em atribuir a

sujeição passiva a quem não industrializa.

José Souto Maior Borges evidência a eminência do princípio da segurança

jurídica, destacando que sem ele sequer pode o Brasil definir-se como Estado Democrático

de Direito:

Segurança é direito e garantia fundamentais, não sendo possível desconsiderá-la em qualquer nível de aplicação infraconstitucional, isto é, nas leis e regulamentos fiscais e até nos atos de sua execução. É essa uma característica dos princípios fundamentais que permeiam a exegese constitucional em qualquer tópico de aplicação do sistema jurídico positivo, no plano hierárquico infraconstitucional, o das leis e regulamentos fiscais129.

A vinculação do sujeito passivo à materialidade da hipótese tributária é diretriz

que se constrói a partir do próprio texto constitucional, sendo critério limitador para o

legislador e garantia dos administrados; destoar desse contexto é romper a segurança

jurídica que se reflete em toda essa organização constitucional estabelecida.

A aludida equiparação também viola o princípio da capacidade contributiva,

em cujas exigências caracterizadoras está a necessidade de haver identidade entre o sujeito

que realiza a situação prevista na hipótese tributária e aquele que efetivamente irá ocupar o

polo passivo da obrigação tributária:

Erigir uma ficção desconsiderando essa necessária identidade é violar a capacidade contributiva que deve integrar toda produção normativa,

128 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. A não-incidência do IPI nas operações

internas com mercadorias importadas por comerciantes (um falso caso de equiparação legal). Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 140, 2007, p. 104.

129 BORGES, José Souto Maior. Segurança jurídica: sobre a distinção entre as competências fiscais para orientar e autuar o contribuinte. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 100, 2008, p. 20.

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como diretivo nuclear do sistema. Como exemplo temos a equiparação de organizações que não realizam realmente atividades tributáveis com aquelas que realizam, desconsiderando a realidade institucional e jurídica, ao tributar pessoas jurídicas que não ocupam status dos reais contribuintes daquele tributo. O imposto sobre produtos industrializados é fértil dessas ficções de segundo e terceiro grau, ao equiparar determinadas empresas com estabelecimentos industriais, para fins de exação tributária130.

José Eduardo Soares de Melo 131 reprime, veementemente, a referida

equiparação:

Injurídica a figura do estabelecimento equiparado a industrial, porque a real capacidade econômica é intrínseca ao fabricante do produto, em face de sua natural estrutura empresarial, tecnologia, e pessoal habilitado. São inaceitáveis os mecanismos engendrados pelo legislador com a finalidade de obter a liquidação do tributo por pessoas estranhas à realização da industrialização, em razão do que o elenco dos contribuintes não pode ser ampliado de modo a permitir a exigência tributária fora dos parâmetros constitucionais. Somente poderia ser equiparada a industrial a pessoa que realiza industrialização. Quem realiza venda de bens, reveste a natureza jurídica distinta de industrial. Não pode o legislador ordinário modificar a natureza do tributo, qualificando o comerciante como industrial.

José Eduardo Soares de Melo assevera que, ao assim proceder, o legislador

infraconstitucional criou ficções jurídicas incompatíveis com o princípio da tipicidade

fechada e da segurança jurídica, “comprometendo o patrimônio de terceiros (comerciantes)

que não praticam fatos geradores de IPI (industrialização)”.

Os equiparados ao industrial, em verdade, fazem a venda de bens ou revenda

de bens, não realizam a industrialização de produtos. Deveras, colocar na qualidade de

sujeito passivo quem não realizou qualquer atividade de industrialização nas operações

internas evidencia um extrapolamento das dicções constitucionais.

A constituição trouxe a previsão da figura do “produto industrializado” a ser

atingido. A Lei instituidora 4520/64 prescreveu que estabelecimento produtor é todo

aquele que industrializar produtos, ou seja, são produtos que se submeteram a uma

operação de industrialização. Logo, equiparar a industrial “como se” fosse industrial é criar

ficção jurídica que vai de encontro às disposições constitucionais.

130 CARVALHO, Cristiano. Ficções Jurídicas no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2008, p. 284. 131 MELO, José Eduardo Soares. IPI Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 20.

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3.5 CRITÉRIO QUANTITATIVO

O critério quantitativo formado pela base de cálculo e pela alíquota

possibilitará a identificação do valor devido a título de IPI para a operação especificamente

realizada, ou seja, será possível, por meio da conjugação entre base de cálculo e alíquota,

obter o valor devido a título de IPI.

Embora o cálculo ocorra sobre uma determinada operação realizada, certo é

que o valor final efetivamente devido e recolhido pelo contribuinte dependerá do resultado

da sistemática de crédito e débito, considerando que o IPI está submetido ao princípio da

não cumulatividade.

Assim, apesar da apuração do valor individualizado do tributo em cada

operação realizada e sujeita ao IPI, o sujeito passivo lançará os créditos e os débitos, por

meio da escrituração em seus livros fiscais e, ao final do período, fará a aproximação entre

créditos e débitos para o fim de obter o valor total devido a título de IPI.

No caso do IPI, a regra geral é a apuração mensal, com a realização da

compensação entre crédito e débito para os produtos da indústria em operações interna.

Importante destacar ainda a evolução do registro e controle dos valores devidos

a título de IPI, que estão se transformando do formato físico para eletrônico, diante da

informatização operacionalizada pela Receita Federal do Brasil-RFB, com o denominado

Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), em atendimento à diretriz constitucional

de que as Administrações Tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios devem atuar de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de

cadastros e de informações fiscais, disposição trazida pela Emenda Constitucional nº 42, de

19 de dezembro de 2003, que introduziu o inciso XXII ao art. 37 da Constituição Federal.

Com o SPED, as informações quanto às obrigações contábeis e fiscais a cargo

das empresas contribuintes do IPI, em regra, chegarão ao Fisco por meio eletrônico. Desse

modo, esse Sistema fará com que a Receita Federal do Brasil tenha todas as informações

contábeis e fiscais das empresas eletronicamente, facilitando a fiscalização.

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Tais informações ou banco de dados também são disponibilizados às unidades

da Federação e aos municípios, havendo uma integralização e compartilhamento de

informações entre os Fiscos.

Passemos à análise individualizada dos critérios formadores do “quantitativo”.

3.5.1 Base de cálculo

A base de cálculo deve se conformar com a materialidade do IPI, devendo

haver correlação em que, fundamentalmente, a base de cálculo venha a dimensionar o

critério material da hipótese normativa, de maneira que, no caso do IPI, envolva uma

operação realizada com um produto industrializado.

O critério material “industrializar produtos” deve, portanto, ter como base de

cálculo aquela que medirá as proporções dessa situação que representará um “índice

avaliativo”132 capaz de dimensionar essa materialidade. O CTN dispõe sobre a base de

cálculo do IPI, quanto aos produtos industrializados que derem saída dos estabelecimentos:

Art. 47. A base de cálculo do imposto é: […] II - no caso do inciso II do artigo anterior: a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria; b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente; […]

O padrão dimensível adotado pelo legislador do CTN foi o valor da operação

ou, na sua falta, o preço corrente da mercadoria. Nesse último caso, Eduardo Domingos

Bottallo menciona tratar-se de “hipótese subsidiária e excepcional”, já que somente pode

ser utilizada quando não se tenha o valor da operação133.

A lei ordinária instituidora, por sua vez, prescreve que a base de cálculo do IPI

é o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento industrial ou

equiparado a industrial.

132 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 401. 133 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 183.

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A Lei nº 7.798/89 acrescentou alguns parágrafos ao inciso II, do art. 14 da Lei

nº 4502/64134, dispondo que o valor da operação compreende o preço do produto, acrescido

do valor do frete e outras despesas incidentes, prescrevendo a impossibilidade de haver

dedução dos descontos, diferenças ou abatimentos, concedidos a qualquer título, mesmo os

incondicionais.

A base de cálculo eleita pelo Código Tributário Nacional e pela redação

original da Lei nº 4502/64 é valor da operação e preço da operação135; entretanto, podemos

verificar que a Lei nº 7.798/89 fez acréscimos, prescrevendo outras grandezas dentro do

padrão dimensível “valor da operação”.

Desse modo, a base de cálculo nas operações internas, nos termos da legislação

atual, é o valor da operação na saída do produto, ou seja, o preço do produto incluindo-se o

frete, descontos condicionais e incondicionais, despesas acessórias, bonificações.

134 Art. 14. Salvo disposição em contrário, constitui valor tributável: […] II - quanto aos produtos nacionais, o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento

industrial ou equiparado a industrial. § 1º. O valor da operação compreende o preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais

despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário. § 2º. Não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ou abatimentos, concedidos

a qualquer título, ainda que incondicionalmente. § 3º. Será também considerado como cobrado ou debitado pelo contribuinte, ao comprador ou destinatário, para efeitos do disposto no § 1º, o valor do frete, quando o transporte for realizado ou cobrado por firma coligada, controlada ou controladora (Lei nº. 6.404) ou interligada (Decreto-Lei nº. 1.950) do estabelecimento contribuinte ou por firma com a qual este tenha relação de interdependência, mesmo quando o frete seja subcontratado.

§ 4º. Será acrescido ao valor da operação o valora das matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, nos casos de remessa de produtos industrializados por encomenda, desde que não se destinem a comércio, a emprego na industrialização ou no acondicionamento de produtos tributados, quando esses insumos tenham sido fornecidos pelo próprio encomendante, salvo se se tratar de insumos usados.

(BRASIL. Presidência da República. Lei nº 7.798, de 10 de julho de 1989. Altera a legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e dá outras providências. Brasília: 10 jul. 1989).

135 Art . 14. Salvo disposição especial, constitui valor tributável: […] II - quanto aos de produção nacional, o preço da operação de que decorrer a saída do estabelecimento

produtor, incluídas tôdas as despesas acessórias debitadas ao destinatário ou comprador, salvo, quando escritura das em separado, os de transporte e seguro nas condições e limites estabelecidos em Regulamento. (Id. Presidência da República. Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965).

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3.5.1.1 Dos acréscimos estipulados para o preço do produto

Já vimos que a base de cálculo deve expressar o critério material da hipótese

tributária e vimos também que há disposição legal impondo que a base de cálculo da

materialidade “industrializar produtos” é o preço do produto incluindo-se o frete,

descontos condicionais e incondicionais, despesas acessórias, bonificações.

O CTN prescreveu como base de cálculo “o valor da operação de que decorrer

a saída da mercadoria”, e a Lei nº 4502/66, como sendo “valor total da operação”.

Considerando essa última estipulação, temos que a lei permitiu que o valor total da

operação fosse acrescida de outras grandezas cobradas pelo estabelecimento industrial ou

equiparado a industrial.

Assim, entendemos que eventuais acréscimos ao valor do produto devem

corresponder a algo que tenha “relação de pertinência com a operação que está sendo

realizada no momento da quantificação do fato jurídico”136. Fora disso, parece-nos haver

um extrapolamento que resultará na ausência da necessária conexão entre a base de cálculo

e a hipótese tributária.

A lei estabelece a inclusão do que denomina despesas acessórias. Essas

despesas acessórias, segundo parecer do Fisco, são “outros gastos necessários à realização

da operação, como sejam frete, seguro, juros, despesas com carga, descarga, despacho,

encargos portuários e outras que tais” (Parecer Normativo do CST 341/71) 137 .

Mencionemos algumas delas.

O § 2º do art. 14 da Lei nº 4.502/64, com redação dada pela Lei nº 7.798/89,

fixa que não podem ser deduzidos os descontos, diferenças ou abatimentos, concedidos a

qualquer título, ainda que incondicionalmente, do valor da respectiva operação. Ou seja,

ainda que eles ocorram, o contribuinte não poderá excluí-los da base de cálculo, devendo

eles necessariamente integrá-la.

136 TOLEDO, José Eduardo Tellini. IPI – Incidência Tributária e Princípios Constitucionais. São Paulo:

Quartier Latin, 2006, p. 127. 137 Citado por VIEIRA, José Roberto. A Regra-Matriz de Incidência do IPI: Texto e Contexto. Curitiba:

Juruá, 1993, p. 116.

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Entrementes, vejamos em que se consubstanciam os descontos comerciais e os

abatimentos, conforme lições da equipe de professores da Faculdade de Economia,

Administração e Contabilidade da USP, em obra coordenada por Sérgio de Iudícibus:

Descontos incondicionais são os concedidos pelo vendedor a favor do comprador, no ato da compra, em função de vários motivos: seja pela grande quantidade que está sendo vendida, seja porque o comprador é um cliente especial, ou, ainda, porque a empresa imprime catálogos com os preços das mercadorias e, para não alterá-los, frequentemente, faz a aplicação de porcentagens de desconto sobre os mesmos etc.

Abatimentos são concedidos após a venda, em função de avaria ou outro

motivo descoberto a posteriori, os Descontos Comerciais já são contratados no ato da

venda, quando ficam conhecidos em seu montante138.

Temos que a interpretação que se coaduna com o sistema jurídico é aquela que

não generaliza, como o fez a lei, impondo que todo e qualquer desconto seja excluído da

base de cálculo. Os descontos incondicionais e abatimentos, como vimos nas definições

transcritas, são acontecimentos que efetivamente diminuem o valor da operação; não

descontá-los da base de cálculo seria tomar valor que efetivamente não representa o

montante correspondente ao valor da operação realizada.

Nesse sentido foi que o STJ reconheceu a impropriedade da lei ao estabelecer a

impossibilidade do desconto:

RECURSO ESPECIAL IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. DESCONTOS INCONDICIONAIS. ART. 14, § 2º, DA LEI N. 4.502/64 (REDAÇÃO DADA PELO ART. 15, DA LEI N. 7.798/89). BASE DE CÁLCULO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CORREÇÃO MONETÁRIA. POSSIBILIDADE. […] 2. A jurisprudência dominante deste Tribunal Superior afasta a incidência do IPI sobre os descontos incondicionais, que não integram o preço final, porquanto a base de cálculo do imposto é o valor da operação da qual decorre a saída da mercadoria. Por isso que, tendo ocorrido incidência indevida da exação, os valores a serem restituídos deverão ser corrigidos monetariamente. Precedentes: REsp 510.551/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Segunda Turma, julgado em 10/04/2007, DJ 25/04/2007 p. 299; REsp 554.490/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,

138 IUDÍCIBUS, Sérgio de et al. Contabilidade Introdutória. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 119.

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SEGUNDA TURMA, julgado em 03/08/2006, DJ 17/08/2006 p. 337; REsp 477525/GO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2003, DJ 23/06/2003 p. 258; MC nº 15.218 - SP, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 2.12.2009. 3. Recurso especial provido139. (destaque nosso)

Em caso semelhante, o ministro Luiz Fux destacou que a lei ordinária, a fim de

explicitar o disposto na lei complementar, não pode acrescentar elementos estranhos, como

o fez com relação à base de cálculo do IPI. São dele as ponderações:

Infere-se deste contexto que é vedado ao legislador ordinário eleger, para a formação da base de cálculo do IPI, elemento estranho à operação realizada. A base de cálculo da citada exação é o valor da operação, e esta se define no momento em que a operação se concretiza. Desta sorte revela-se inequívoco que havendo descontos incondicionais, estes não podem integrar o valor da operação para fins de tributação do IPI, porquanto os valores a eles referentes são deduzidos do montante da operação, antes de realizada a saída da mercadoria, fato gerador deste imposto. Estabelecendo a lei complementar os contornos relativos à base de cálculo do tributo, isto em consonância com o que dispõe a Constituição Federal, não pode o legislador ordinário, a pretexto de explicitar o conceito veiculado no diploma complementar, inserir elemento estranho à definição fornecida pela lei maior. Na hipótese em apreço, tendo o Código Tributário Nacional, por seu art. 47, definido como base de cálculo do IPI o valor da operação, qualquer elemento estranho à mesma efetivamente realizada é afastado para fins de composição do quantum sobre o qual vai incidir a alíquota do tributo em questão.

Essa questão da exclusão dos descontos incondicionais da base de cálculo do

IPI foi objeto do RE 567.935-RG/SC, em que houve o reconhecimento de repercussão

geral quanto à constitucionalidade ou não do art. 15 da Lei nº 7.798/89 pelo Ministro

Marco Aurélio. A União alega ser possível a lei ordinária discorrer sobre elementos

integrantes do conceito de “valor da operação” sendo que a referida lei apenas clarificou

139 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.161.208/SP. Relator: Ministro Mauro

Cambell Marques. Julgamento: 28 set. 2010. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe 15 out. 2010.

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conceito indeterminado previsto no CTN. Logo, não haveria contradição entre os

diplomas140.

Deveras, a referida lei efetivamente não só clarificou, como fez acrescer

elementos outros não previstos no CTN, havendo nítido extrapolamento, considerando que

cabe à lei complementar dispor nesse sentido, além do que o próprio texto constitucional

circunscreve o termo “operação”, sendo o valor real, efetivo e representativo dessa que

deverá compor a base de cálculo. Nada obstante tal entendimento, é preciso aguardar como

a Suprema Corte irá se posicionar.

Além dos descontos incondicionais, o art. 15 da Lei 7.798/89 alterou a Lei nº

4502/64, perpetrando mais uma inconstitucionalidade, já que prescreveu que o frete

passaria a fazer parte do valor da operação de saída para fins de cálculo do IPI, bem como

tem o Fisco entendido que dentre as despesas acessórias incluem-se as de seguro.

Entendemos que tais gastos fazem efetivamente parte dos valores que podem

existir no ciclo produtivo, mas não formam o valor da operação que deve se enquadrar na

circunstância reveladora da materialidade de industrializar produtos e submetê-los à saída

do estabelecimento por meio de um negócio jurídico. O transporte e o seguro ocorrem em

fase subsequente ao do resultado da industrialização, que é a obtenção do produto

industrializado.

Cleber Giardino, afirmando que o valor da operação se apura no instante de sua

realização, leciona que “o que surge depois – como efeito ou resultado da operação –

mesmo que comporte significado econômico-financeiro é algo, ontologicamente, dela

distinto”141.

O referido autor, ao firmar tal posição, também se reporta aos tributos que

decorrem da realização da operação, destacando que “O ‘valor da operação’ – como base

de cálculo, seja do IPI, seja do ICM, – não pode incorporar, reciprocamente, o montante

140 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 567.935/SP. Relator: Ministro Marco

Aurélio. Tribunal Pleno. Decisão que reconheceu a repercussão em 24 maio 2008. Publicação: 06 abr. 2010.

141 GIARDINO, Cleber. Conflitos entre imposto sobre produtos industrializados e imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 13/14, jul.-dez. 1980, p. 144.

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correspondente ao outro tributo”. Conclui pela invalidade da inclusão dos tributos nas suas

próprias e respectivas bases de cálculo.

Nada obstante entendermos nesse sentido, certo é que a inclusão do ICMS na

base de cálculo do IPI foi objeto de decisão judicial favorável142, considerando regular a

inclusão, sob a assertiva de que o ICMS integra o preço final do produto que será pago

pelo adquirente, sendo, no entanto, destacado em separado na nota fiscal para fins formais

de futura compensação, mas o seu valor já consta do preço total da operação.

No que tange ao frete, diferentemente, o Superior Tribunal de Justiça tem

decidido pela impossibilidade de incluí-lo na base de cálculo do IPI:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. INCLUSÃO DO VALOR DO FRETE REALIZADO POR EMPRESA COLIGADA NA BASE DE CÁLCULO. VALOR REAL DA OPERAÇÃO. DESCONTOS INCONDICIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 47 DO CTN. PRECEDENTES. 1. A alteração do art. 14 da Lei nº 4.502/64 pelo art. 15 da Lei nº 7.798/89 para fazer incluir, na base de cálculo do IPI, o valor do frete realizado por empresa coligada, não pode subsistir, tendo em vista os ditames do art. 47 do CTN, o qual define como base de cálculo o valor da operação de que decorre a saída da mercadoria, devendo-se entender como “valor da operação” o contrato de compra e venda, no qual se estabelece o preço fixado pelas partes. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça envereda no sentido de que: - “Consoante explicita o art. 47 do CTN, a base de cálculo do IPI é o valor da operação consubstanciado no preço final da operação de saída da mercadoria do estabelecimento. O Direito Tributário vale-se dos conceitos privatísticos sem contudo afastá-los, por isso que o valor da operação é o preço e, este, é o quantum final ajustado consensualmente entre comprador e vendedor, que pode ser o resultado da tabela com seus descontos incondicionais. […]143

142 TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS IPI. INCLUSÃO DO ICMS

NA BASE DE CÁLCULO DO IPI. 1. A jurisprudência desta Corte é pacífica em proclamar a inclusão do ICMS na base de cálculo do IPI. Precedentes: REsp. Nº 610.908 PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 20.9.2005, AgRg no REsp.Nº 462.262 SC, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 20.11.2007. 2. Recurso especial não provido. Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima.

(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 675.663/PR. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Julgamento: 24 ago. 2010. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe 30 set. 2010).

143 Id. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 667.950/RN. Relator: Ministro José Delgado. Julgamento: 04 nov. 2004. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe 13 dez. 2004, p. 260.

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Nada obstante o reconhecimento pelo STJ de que a lei ordinária não poderia

fazer os acréscimos que fez, no REsp 209.320 houve o reconhecimento de que essa matéria

de conflito de competência cabe ao Supremo Tribunal de Federal, já que o cerne da

questão estaria em verificar o conflito entre uma e outra norma em confronto ao disposto

na Constituição Federal:

TRIBUTÁRIO. IPI. BASE DE CÁLCULO. ART. 15 DA LEI Nº 7.798⁄89. ALTERAÇÃO DO ART. 47⁄CTN. IMPOSSIBILIDADE. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS LEIS. MATÉRIA DE CARÁTER CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA "RATIONE MATERIAE" DA TURMA PARA JULGÁ-LA. RECURSO DO QUAL NÃO SE CONHECE144.

Desde as alterações introduzidas pela Lei nº 7.798/89, a União se pôs a tomar a

base de cálculo “valor da operação” de forma ampla, incluindo diversas despesas que não

guardam relação objetiva com a materialidade constante do critério material, destoando da

perspectiva dimensível que a base de cálculo deve possuir.

A tributação por meio do IPI, na hipótese que alberga o produto da indústria,

objetiva atingir o produto da industrialização, e, nesse sentido, a base de cálculo, como

grandeza dimensível do critério material, deve corresponder ao valor da operação pelo qual

o produto industrializado der saída do estabelecimento, sendo esse o valor real que deve

ser considerado.

O comportamento industrializar produtos tomado como critério do IPI se

perfaz com a venda do produto industrializado; portanto, o que se quer atingir é esse

produto industrializado. O art. 47, II do CTN, lei complementar, prescreve sobre a base de

cálculo do IPI, estabelecendo ser “o valor da operação de que decorrer a saída da

mercadoria”.

A lei ordinária, ao estabelecer acréscimos ao “valor da operação”, fez a

inclusão de outras grandezas e se desajustou do disposto no Código Tributário Nacional.

A Lei nº 7.798/89 de natureza ordinária não poderia ter disciplinado matéria reservada à lei

complementar e alterar a base de cálculo do IPI.

144 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 209.320/DF. Relator: Ministro Castro

Meira. Julgamento: 28 jun. 2005. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJe 20 mar. 2006, p. 224.

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3.5.1.2 Cobrança do IPI em valores fixos

O Código Tributário Nacional estabelece que a base de cálculo do IPI para os

produtos da indústria é o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria do

estabelecimento industrial, sendo aplicado sobre a base de cálculo alíquotas variáveis.

Ocorre que a legislação do IPI, diferentemente, para alguns casos, trouxe a cobrança do IPI

sob um regime de valores fixos.

Alguns produtos, como bebidas alcoólicas e cigarros, têm um regime de

cobrança especial, em que a base de cálculo “valor da operação” é substituída por uma

quantidade, tipo de embalagem ou, ainda, pelas dimensões dos cigarros, enquanto a

alíquota é um valor fixo.

Adriana Manni Peres e Paulo Antonio Mariano chamam de alíquotas

específicas:

Aplicada, como por ex., para bebidas, cigarros, chocolates e sorvetes, as alíquotas específicas são aplicadas conforme a classe dos produtos, ou seja, não representam um percentual, mas sim um valor fixo de acordo com a unidade ou quantidade do produto, fugindo à regra geral145.

Apenas para ilustrar, trazemos alguns exemplos146. O capítulo 17 da TIPI

– “Açúcares e produtos de confeitaria” – traz a previsão de que os produtos classificados

no Código 1704.90.10 (chocolate branco), “ficam sujeitos ao imposto de nove centavos

por quilograma do produto”. Os chocolates classificados nas subposições 1806.31, 1806.32

e 1806.90, acondicionados em embalagens para consumo inferior a dois quilogramas,

ficam sujeitos ao imposto de doze centavos por quilograma do produto. Já os vinhos,

145 PERES, Adriana Manni; MARIANO, Paulo Antonio. ICMS e IPI no dia a dia das empresas. 6.ed. São

Paulo: IOB, 2011, p. 115. 146 O Decreto 7212/2010 – RIPI – traz os produtos sujeitos à cobrança de valor fixo, mas possibilita que o

executivo inclua ou exclua produtos: Art. 200. Os produtos dos Capítulos 17, 18, 21, 22 e 24 da TIPI relacionados nesta Seção sujeitam-se, por

unidade ou por determinada quantidade de produto, ao imposto, fixado em reais, conforme tabelas de Classes de valores ou valores constantes das Notas Complementares NC (17-1), NC (18-1), NC (21-2), NC (22-3), NC (24-1) e NC (24-2) da TIPI e da Tabela do art. 209 (Lei no 7.798, de 1989, arts. 1º, caput e § 2º, alínea “b”, e 3º).

§ 1º O Poder Executivo poderá excluir ou incluir outros produtos no regime tributário de que trata este artigo (Lei nº 7.798, de 1989, art. 1º, § 2º, alínea “b”).

(BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Brasília, 15 jun. 2010).

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vermutes, outras bebidas fermentadas e álcool etílico não desnaturado estão sujeitos ao IPI

de acordo com as classes constantes da NC (22-2) da TIPI. As classes são fixadas pela

espécie do produto e, conforme o caso, a capacidade e a natureza do recipiente147. Por fim,

cigarros que contenham tabaco (código 24.02.20.00) pagam o IPI fixado em reais por

vintena148. (NC (24-1)).

A citação de tais casos tem por fim demonstrar que a mencionada cobrança do

IPI é fixa, sempre realizada a partir de um dado que pode ser quantidade, tipo de

embalagem, forma de acondicionamento etc. por um valor fixo em reais. Ainda que se

considere aquele como base de cálculo e este último como alíquota, mesmo que se tenham

os elementos formadores do critério quantitativo, temos que essa composição não

representará efetivamente o valor da operação. O valor a ser pago será sempre o mesmo,

independentemente do valor efetivo da operação realizada.

Não se deixa de verificar que a sistemática é facilitadora para o Fisco,

viabilizando um maior controle dos pagamentos; entretanto, é preciso reconhecer que não

se coaduna com a base de cálculo estabelecida pelo CTN – lei complementar.

Eduardo Domingos Bottallo assevera:

A faculdade prevista no art. 153, parágrafo 1º, da CF sinaliza que o IPI deve, necessariamente, observar o regime de alíquotas variáveis, não sendo, portanto, admissível sua cobrança por meio de valores fixos, já que nada autoriza interpretar o texto constitucional como apto a possibilitar que elas venham a ser abolidas pela legislação ordinária, ainda que em relação a uns poucos e determinados produtos. Ademais, o

147 Art. 203, § 1º (BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010.

Regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Brasília, 15 jun. 2010).

148 RIPI. Art. 212. Os produtos de fabricação nacional, classificados no Código 2402.20.00 da TIPI, ficam sujeitos

ao imposto fixado em reais, por vintena, conforme estabelecido na NC (24-1) da TIPI (Lei nº 7.798, de 1989, art. 1º, § 2º, alínea “b”).

Art. 213. As marcas comerciais de cigarros passam a ser distribuídas em quatro Classes, observadas as seguintes regras para o respectivo enquadramento:

I - Classe IV: marcas apresentadas em embalagem rígida e versões dessas mesmas marcas em embalagem maço, de comprimento superior a oitenta e sete milímetros;

II - Classe III: marcas apresentadas em embalagem rígida e versões dessas mesmas marcas em embalagem maço, de comprimento até oitenta e sete milímetros;

III - Classe II: outras marcas apresentadas em embalagem maço, de comprimento superior a oitenta e sete milímetros; e

IV - Classe I: outras marcas apresentadas em embalagem maço, de comprimento até oitenta e sete milímetros. (Ibid.).

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sistema de valores fixos é incompatível com as exigências do princípio da capacidade contributiva (art. 145, parágrafo 1º, da CF) o que, também por este aspecto, compromete sua adoção pelo legislador149.

Já Ilmar Galvão entende não haver irregularidade na cobrança do IPI em

valores fixos, sendo um regime especial legalmente estipulado pela Lei nº 7798/99: “A

Constituição não veda a prática do imposto de valor fixo. Tampouco existe norma

complementar ou ordinária contendo proibição dessa natureza”150.

O Tribunal Regional da Quarta Região rechaçou a fixação dos valores fixos na

cobrança do IPI:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPI. BEBIDAS. LEGITIMIDADE. ART. 166 DO CTN. VALOR FIXO. PAUTA FISCAL. INCONSTITUCIONALIDADE. O distribuidor, não contribuinte do IPI, que adquire o produto da indústria com incidência do IPI, suportando o respectivo ônus por força de repercussão jurídica evidenciada no destaque do valor do IPI devido na nota, tem legitimidade para demandar acerca do valor devido. Titular do direito à restituição, nos termos do art. 166 do CTN, é o contribuinte de fato quando haja a repercussão jurídica que retira do contribuinte de direito a possibilidade de obter a restituição do que não suportou, de modo que, sendo titular do direito à restituição, por certo pode antecipar-se à incidência, buscando não pagar o indevido. O art. 153, IV, da CF, outorga competência para a instituição de tributo sobre produtos industrializados e que seu § 1º autoriza a alteração das alíquotas pelo Poder Executivo, nas condições e limites estabelecidos por lei. A par disso, o art. 146, III, alínea "a", da CF estabelece que cabe à lei complementar dispor sobre a base de cálculo dos impostos previstos no texto constitucional. Para o Imposto de Importação, o CTN estabeleceu como base de cálculo o valor aduaneiro, de modo que pode não corresponder ao valor exato da operação de importação. Para o IPI, contudo, o art. 47, II, a, estabelece como base de cálculo possível "o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria" e o art. 47, III, b, apenas "na falta do valor... o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente". Sendo assim, não se sustentam os valores fixos (pauta fiscal), ainda que devam corresponder "ao que resultaria da aplicação da alíquota a que o produto estiver sujeito na TIPI, sobre o valor tributável numa operação normal de venda", porquanto tem por referência não o valor da operação propriamente, mas o valor "normal de venda", ou seja, uma valor presumido e não um valor real. Suscitado Incidente de Argüição de

149 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 80. 150 GALVÃO, Ilmar. Regime de Tributação de Cigarros pelo IPI. Revista Dialética de Direito Tributário,

São Paulo: Dialética, n. 155, 2008, p. 121.

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Inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 7.798/89, por violação ao disposto no art. 146, III, "a: da CF/88 c/c o art. 47, II, a, do CTN151.

Parece-nos que nessa sistemática de cobrança do IPI por meio de valor fixo,

ainda que represente uma forma prática de controle fiscal, não há como não reconhecer o

afastamento da base de cálculo prevista no CTN, que é efetivamente tomar o valor real da

operação havida, quando de sua saída do estabelecimento.

3.5.2 Alíquota

As alíquotas do IPI estão discriminadas na denominada Tabela de Incidência

do IPI, conhecida como “TIPI”. A tabela estabelece uma classificação fiscal dos produtos

com a respectiva alíquota a ser aplicada. Atualmente, a TIPI consta do Decreto nº 7.660 de

23 de dezembro de 2011, cuja vigência se iniciou em 01.01.2012.

O crescente comércio entre os países fez surgir a necessidade de haver uma

codificação dos produtos, seja para questões estatísticas ou tributárias. Nesse sentido,

adveio a Convenção Internacional de Bruxelas, da qual o Brasil é signatário, onde se

estabeleceu o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias (SH),

tornando-se a base da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias-NBC, bem como

orientando a construção da TIPI, que teve vigência até dezembro de 1996.

Com a assinatura pelo Brasil do Tratado de Assunção, que deu origem ao

Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), criou-se a Nomenclatura Comum do Mercosul

(NCM). Assim, a partir de 01 de janeiro de 1995, a TIPI passou a ter como base a referida

NCM, que também se perfaz e tem como fonte o Sistema Harmonizado de Designação e

de Codificação de Mercadorias (SH).

O Decreto nº 7.660/2011 aprovou a TIPI, que estabelece uma classificação de

mercadorias com base na NCM, bem como traz regramento de como interpretar a referida

tabela. No Brasil, a Secretaria da Receita é o órgão responsável pelo enquadramento das

mercadorias, bem como a interpretação dessa classificação.

151 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª região. Apelação Cível 2003.71.12.002280-6. Relator:

Leandro Paulsen. Julgamento: 13 dez. 2006. Órgão julgador: Segunda Turma. Publicação: D.E. 28 fev. 2007.

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Os produtos estão classificados na TIPI por Seções, Capítulos, subcapítulos,

posições, subposições, itens e subitens. A alíquota a ser aplicada sobre os produtos

industrializados, seja para os que derem saída dos estabelecimentos industriais em

decorrência de um negócio jurídico, seja para os importados, será, então, uma porcentagem

fixada na TIPI.

Analisando ainda a TIPI, podemos verificar que o enquadramento de uma

mercadoria pode se dar como produto não tributado (NT), isento, com alíquota zero ou

com alíquota positiva. Nesse contexto, a tabela prescreve os produtos que sofreram a

incidência do IPI, fixando o respectivo percentual incidente.

A tabela se perfaz como parte integrante da regra-matriz do IPI, posto que afeta

o critério material da hipótese e concorre com a composição do quantum devido, ao

estipular a grandeza percentual em que se conjuga a base de cálculo.

A TIPI, portanto, traz a alíquota que o contribuinte deve aplicar sobre cada

produto. Destarte, é preciso que o contribuinte proceda a classificação fiscal do seu

produto sempre buscando a mais específica em detrimento da mais genérica.

Paulo de Barros Carvalho, analisando a TIPI, assevera que a tabela de

incidência do IPI criou realidade própria, na medida em que adotou a classificação do SH,

mas procedeu ao ajustes necessários à nossa política tributária interna:

Cada código denota um conjunto de mercadorias e, idealmente, cada mercadoria tem um código ao qual se subsume. Algumas, mesmo semelhantes, exigem e recebem códigos distintos. O Sistema Harmonizado, tal qual aprovado na Convenção Internacional, opera com seis dígitos, correspondendo a posições e subposições de mercadorias, mas a NBM/SH (TIPI/TAB) sobrepõe-se àquele sistema para acrescentar-lhe matriz de subespécies, mediante a particularização de itens e de subitens. […] A adição dos códigos item/subitem demonstra bem esse esforço do legislador em promover um processo de adaptação que, introduzindo subclasses adicionais, aprofundou a conotação das subposições originais,

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depositando naquelas subclasses os valores inerentes às particularidades do nosso ordenamento152.

Os ajustes da tabela à realidade brasileira é imperativo constitucional em

decorrência do princípio da essencialidade, já que a alíquota deve ser fixada observando as

diretrizes do referido princípio, ou seja, deve necessariamente ser seletiva conforme a

essencialidade do produto, estabelecendo uma diferenciação de alíquotas a partir da

imprescindibilidade do produto aos indivíduos e à sociedade.

Nesse sentido, pode também utilizar o método comparativo entre os produtos

de modo que seja agravada para menos ou para mais, a depender do produto ser supérfluo

ou essencial para as necessidades dos indivíduos e da sociedade, sendo a equação

inversamente proporcional. Representativamente teremos:

Produtos de primeira necessidade - ↓ Alíquotas

Produtos supérfluos ou suntuários - ↑alíquotas

A classificação fiscal dos produtos, nesse quadro, mostra-se absolutamente

importante, já que resultará na incidência ou não sobre determinado produto, bem como na

alíquota a ser aplicada.

Por isso, o citado mestre, Paulo de Barros Carvalho, enaltece a sua

importância, na medida em que acaba por atuar no “critério material da hipótese

normativa, precisando o complemento do verbo, sobre completar o critério quantitativo da

consequência, ao atribuir a percentagem correspondente ao bem tributado”153.

Como parte integrante da regra-matriz da incidência do IPI, a compreensão,

portanto, da TIPI é questão que merece atenção e cautela, essencialmente porque o

enquadramento fiscal, que, num primeiro momento, poderia se mostrar tarefa fácil, não é.

A TIPI é extremamente minuciosa na discriminação dos produtos. Suas

características, na forma como elencados, podem vir a suscitar dúvidas efetivas no

152 CARVALHO, Paulo de Barros. IPI - Comentários sobre as regras gerais de interpretação da tabela

NBM/SH (TIPI/TAB). Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 2, n. 12, 1996, p. 57.

153 Ibid., p. 58-59.

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enquadramento dos produtos tributáveis. Não é incomum que as empresas necessitem

realizar consultas ao Fisco e até mesmo requisitar laudos de profissionais sobre a

especificação técnica do produto para que se proceda ao referido enquadramento.

Vale mencionar, por fim, que o IPI é calculado por fora. Ou seja, sobre o valor

da operação registrada, aplicando-se a alíquota do produto para calculá-lo, de modo que o

valor do IPI constante na nota fiscal não se conjuga ao valor da mercadoria, ele é lançado

em destaque, separadamente do valor da mercadoria.

3.6 Controle especial instituído pelo fisco na arrecadação do IPI

Embora os selos constantes dos maços de cigarro ou nas tampas de bebidas

alcoólicas não representarem qualquer referência ao pagamento da tributação por meio do

IPI, o que poderia se supor, trazemos à baila essa interessante e especial forma de

fiscalização instituída pelo Fisco, para compreendermos como ela ocorre.

No caso do IPI, o contribuinte é responsável por verificar a ocorrência do fato

jurídico tributário, devendo proceder ao cálculo e ao recolhimento do IPI devido, ou seja, é

imposto que se sujeita ao lançamento por homologação. O Fisco efetuará as fiscalizações e

fará o lançamento por ofício quando não houver o pagamento do IPI ou quando tenha sido

insuficiente; é o que dispõe a Lei 4.502/64:

Art. 20. O lançamento consistirá na descrição da operação que o originar e do produto a que se referir, na classificação fiscal dêste no cálculo do impôsto devido e no registro de seu valor, em parcela destacada, na guia ou na nota fiscal em que deva ser efetuado. Parágrafo único. O lançamento é de exclusiva responsabilidade do contribuinte. Art. 21. A autoridade administrativa efetuará de ofício o lançamento mediante a instauração do processo fiscal, quando o contribuinte não o fizer na época própria ou fizer em desacôrdo com as normas desta lei.

O Fisco, buscando meios de controle e de fiscalização quanto ao recolhimento

do IPI, estabeleceu um diferente procedimento, alternativo, portanto, para obter um maior

controle sobre os produtos industrializados. Nesse sentido, estipulou, para alguns produtos,

a necessidade da afixação do “selo”, meio pelo qual exerce a fiscalização deles.

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Assim, o selo, em verdade, é um modo pelo qual o Fisco exerce a fiscalização

sobre os produtos industrializados. A Lei n°4.502, de 30 de novembro de 1964, em seu

artigo 46, estabelece que

O regulamento poderá determinar, ou autorizar que o Ministério da Fazenda, pelo seu órgão competente, determine a rotulagem, marcação ou numeração, pelos importadores, arrematantes, comerciantes ou repartições fazendárias, de produtos estrangeiros cujo contrôle entenda necessário; bem como prescrever, para estabelecimentos produtores e comerciantes de determinados produtos nacionais, sistema diferente de rotulagem, etiquetagem obrigatoriedade de numeração ou aplicação de sêlo especial que possibilite o seu contrôle quantitativo.

Por sua vez, o atual Decreto do IPI, em seu art. 284, prescreve:

Estão sujeitos ao selo de controle previsto no art. 46 da Lei nº 4.502, de 1964, segundo as normas constantes deste Regulamento e de atos complementares, os produtos relacionados em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil, que poderá restringir a exigência a casos específicos, bem como dispensar ou vedar o uso do selo (Lei nº 4.502, de 1964, art. 46).

Os selos de controle podem ser vistos na produção de diversos produtos, dentre

eles, cigarros, bebidas alcoólicas, relógios de pulso, cuja selagem é exigida para a saída do

produto do estabelecimento industrial, a fim de certificar o fato jurídico do IPI. Sobretudo,

trata-se de um controle quantitativo do produto, mas o recolhimento do IPI aos cofres

públicos ocorre normalmente de forma mensal, pela sistemática da compensação entre

créditos e débitos.

Os selos são adquiridos pelo estabelecimento industrial em lotes, os quais são

requeridos junto à Receita Federal do Brasil, por meio de procedimento próprio, no qual

deve constar a quantidade necessária em planejamento anual.

No que tange às bebidas, tem-se o Sistema de Controle de Produção de

Bebidas (SICOBE), que se trata de sistema de controle de produção industrial semelhante

aos selos, de utilização compulsória pelos fabricantes de águas, refrigerantes e cervejas.

Trata-se de um procedimento mais complexo, que exige “equipamentos de contagem e

identificação de imagens, geradores e leitores de códigos eletrônicos, sistemas de

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comunicação e transmissão de dados, hardware e software específicos e dispositivos de

integração”154.

O referido sistema é controlado pela Receita Federal do Brasil (RFB), que, em

conjunto com a Casa da Moeda do Brasil (CMB), estabelecem todos os procedimentos que

devem ser seguidos pelos industriais, perfazendo-se em uma selagem automática. Nesse

procedimento, é utilizado um sistema especial em que a mercadoria sofre marcação

direta155. O mecanismo responsável pelo procedimento registra a marcação e os dados da

produção. A Lei nº 11.827/2008 estabelece:

Art. 58-T As pessoas jurídicas que industrializam os produtos de que trata o art. 58-A desta Lei ficam obrigadas a instalar equipamentos contadores de produção, que possibilitem, ainda, a identificação do tipo de produto, de embalagem e sua marca comercial, aplicando-se, no que couber, as disposições contidas nos arts. 27 a 30 da Lei no 11.488, de 15 de junho de 2007.

A instrução normativa 869/2008 da RFB dispõe:

Art. 2º O Sicobe será composto por equipamentos contadores de produção, bem como de aparelhos para o controle, registro, gravação e transmissão dos quantitativos medidos à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB). § 1º Os equipamentos de que trata o caput possibilitarão, ainda, a identificação do tipo de produto, embalagem e sua respectiva marca comercial. § 2º Os produtos controlados também deverão ser marcados pelo Sicobe, em cada unidade, em lugar visível, conforme for mais apropriado ao tipo de embalagem, por processo de impressão com tinta de segurança indelével, com códigos que possibilitem identificar a legítima origem, a diferenciação da produção ilegal e a comercialização de contrafações. § 3º Os procedimentos de integração, instalação e manutenção preventiva e corretiva de todos os equipamentos que compõem o Sicobe nos estabelecimentos industriais envasadores das bebidas de que trata o art. 1º serão realizados pela Casa da Moeda do Brasil (CMB).

O Sistema de Controle de Produção de Bebidas (SICOBE) trata-se de um

aperfeiçoamento dos sistemas de controle a serem engendrados pelo Fisco, na sua

154 GONÇALVES, Marco Frattezi. Breves apontamentos sobre a obrigação de utilização do Sistema de

Controle de Produção de Bebidas (SICOBE). Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18237/breves-apontamentos-sobre-a-obrigacao-de-utilizacao-do-sistema-de-controle-de-producao-de-bebidas-sicobe>. Acesso em: 02 mar. 2013.

155 Ibid..

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103

crescente tarefa de apenas fiscalizar o recolhimento do tributo devido, já que realizado

essencialmente pelo lançamento dito por homologação.

Verifica-se que a União, por meio da Receita Federal do Brasil, tem criado

meios de controles mais efetivos quanto à fiscalização da produção industrial,

possibilitando um rígido controle na arrecadação, tudo com escopo de evitar a evasão

fiscal.

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104

4 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IPI SOBRE A IMPORTAÇÃO DE

PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS DO EXTERIOR

4.1 A materialidade “importar produtos industrializados do exterior”

Tanto a Lei nº 4.502/64 instituidora do IPI quanto a Lei nº 5.172/66 (Código

Tributário Nacional) trazem, como critério material da hipótese de incidência do IPI,

importar produtos industrializados de procedência estrangeira, sendo, portanto, a segunda

materialidade possível do IPI.

Como discorremos no capítulo segundo, a legislação infraconstitucional, ao

prescrever as materialidades do IPI, não extrapolou da competência fixada pela

Constituição, considerando que o constituinte, ao estabelecer a competência quanto ao IPI,

não agregou ao complemento a conduta ensejadora dessa exação, permitindo que o

legislador infraconstitucional o fizesse.

Desse modo, entendemos que o IPI sobre a importação de produtos trata-se de

regra-matriz de incidência com materialidade própria e distinta daquela sobre

“industrializar produtos”, consubstanciando-se numa segunda faixa autônoma de

incidência do IPI. Entrementes, há na doutrina algumas discussões que envolvem essa

materialidade.

Não aceitando essa materialidade como autônoma, mas apenas aquela que

incide sobre produtos industrializados em território nacional, José Eduardo Soares de

Mello afirma não haver “fundamento jurídico na incidência do IPI na importação, face ao

princípio da territorialidade”156.

Coloca a questão sob o enfoque de que o produto industrializado que adentrou

ao território brasileiro não se submeteu, em território nacional, à industrialização que

promovesse modificação em sua natureza ou em sua finalidade ou, ainda, nos termos da

lei, o seu aperfeiçoamento para o consumo. Centra-se na necessidade de haver a fase de

156 MELO, José Eduardo Soares. IPI Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 128.

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industrialização em território nacional, não sendo considerada aquela havida fora do

país157.

Na contestação dessa exigência de territorialidade para a industrialização,

podemos afirmar que a hipótese tem como núcleo o produto; desse modo, em sendo o

produto importado e industrializado, haverá condição suficiente para gerar a cobrança do

imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre importação, sem qualquer

necessidade da efetiva industrialização em território nacional, já que a incidência nesse

caso se perfaz em situação distinta da ação de industrializar produtos.

Ainda sobre o IPI na importação, há doutrinadores que sustentam haver uma

“superposição parcial do campo de incidência do imposto de importação” 158 , como

Eduardo Bottallo, que afirma ser um mero adicional do imposto de importação, que não se

trata de uma “variante operacional” do IPI, mas que se confunde com o imposto de

importação; entretanto, não reconhece haver inconstitucionalidade, já que também se inclui

na competência tributária da União e é prevista na Constituição Federal.159

José Roberto Vieira afirma que o legislador elegeu como base de cálculo uma

grandeza que coincide com a do imposto de importação, concluindo também “pelo caráter

de adicional do Imposto de Importação”:

Para fora de dúvida que a importação de produtos industrializados estrangeiros (materialidade do pseudo IPI) está, por todos os lindes, perfeitamente contida na importação de produtos estrangeiros (materialidade do Imposto de Importação); inexistindo aqui duas hipóteses de incidência, mas tão somente uma, de índole inegavelmente aduaneira, porque a mais ampla das duas materialidades ostentado afirmando160.

Apesar de o autor entender como adicional o imposto de importação, não o

macula de inconstitucional, afirmando haver um tolerável bis in idem, já que está sobre a

competência da mesma pessoa jurídica. Aceita apenas a faixa de incidência do IPI sobre os

157 Nesse sentido também José Eduardo Tellini Toledo. IPI – Incidência Tributária e Princípios

Constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 74. 158 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Atualizado por Misabel Abreu Machado

Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 342. 159 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 23. 160 VIEIRA, José Roberto. A Regra-Matriz de Incidência do IPI: Texto e Contexto. Curitiba: Juruá, 1993,

p. 120-121.

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produtos industrializados provenientes do exterior que se caracterizam como reimportação,

isto é, a importação de produtos industrializados nacionais anteriormente exportados.

Nesse sentido, concordamos com Mizabel Derzi, que os objetivos e funções do

imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre importação não se confundem.

Os impostos distinguem-se pela extensão, em que o imposto sobre a importação atinge

todos os produtos não só os industrializados e não incide sobre os nacionais ou

nacionalizados (reimportação). Afirma ainda que não procede falar-se em sobreposição

parcial, pois, a seguir esse caminho, haveria de se reconhecer que houvesse também entre o

IPI e o ICMS161. Trata-se, assim, o IPI-importação de imposto autônomo.

No que tange aos reimportados, produtos nacionais ou nacionalizados que

retornem ao país, também há divergências. José Eduardo Tellini Toledo assevera que a

incidência é sobre produtos industrializados de procedência estrangeira e não de

procedência nacional, não incluindo, portanto, aqueles nacionais ou nacionalizados, que,

enviados ao exterior, venham a ser introduzidos em território nacional.162

O art. 46, inciso I, do Código Tributário Nacional realmente menciona a

incidência quando o produto for de procedência estrangeira; compreendemos nessa dicção

a inclusão de todo e qualquer produto que provenha do exterior, abrangendo os

reimportados.

O constituinte, ao demarcar a competência da União, prescreveu apenas que

pudesse instituir o imposto sobre produtos industrializados, não agregando qualquer outro

elemento. Nesse diapasão, coube ao legislador ordinário competente eleger as hipóteses

tributárias, desde que se preservasse o núcleo orientador da incidência, qual seja, produto

industrializado.

O legislador da União ao instituir o IPI, elegeu como uma de suas

materialidades “o desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira”. Apesar da

incorreção na utilização do desembaraço aduaneiro, já que este se trata do momento em

161 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Atualizado por Misabel Abreu Machado

Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 342. 162 TOLEDO, José Eduardo Tellini. IPI – Incidência Tributária e Princípios Constitucionais. São Paulo:

Quartier Latin, 2006, p. 76.

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que ocorre o recolhimento do tributo, a interpretação nos leva à construção de que o

critério material da hipótese tributária é importar produtos industrializados do exterior;

essa é a conduta regulada pela norma.

O constituinte prescreveu que a União seria competente para instituir o imposto

sobre produtos industrializados, nada mais afirmando, nesse caminho; quando o legislador

da União instituiu o IPI sobre a importação, não se afastou do núcleo do tributo, qual seja,

produto industrializado.

Temos que a eleição feita ele encontra autorização no sistema jurídico

tributário brasileiro. Primeiramente porque o constituinte assim permitiu, já que, quando

prescreveu a competência da União para instituir o IPI, não restringiu a expressão produtos

industrializados com outros elementos.

E, por segundo, que a própria característica extrafiscal desse imposto,

marcadamente a de direcionar políticas econômicas, ratifica a possibilidade da exigência

na importação de produtos industrializados, como meio de salvaguardar a produção interna

brasileira e igualando os produtos industrializados, quanto à incidência do IPI, tanto ao

produto nacional como o estrangeiro.

Misabel Derzi afirma que não se trata de objetivo protecionista, mas é

fenômeno necessário de isonomia e de equidade, conforme ensina:

[…] a norma adotada no mercado internacional é aquela de desoneração das exportações, de tal modo que os produtos e serviços importados chegam ao país do destino livres de todo imposto. Seria agressivo à regra da livre concorrência e aos interesses nacionais pôr em posição desfavorável a produção nacional, que sofre a incidência do IPI e do ICMS. Daí a necessidade de se fazer incidir o IPI sobre a importação de produtos industrializados. A tributação da importação, por meio do IPI (e do ICMS), é regra geral, quer estejamos falando de mercados abertos ou fechados.

E completa: “O fundamental é que o produto estrangeiro circulo, no mínimo e

pelo menos, em iguais condições em que circula o produto nacional”163.

163 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Atualizado por Misabel Abreu Machado

Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

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108

A ideia, segundo a autora, é garantir uma igualdade entre o produto

industrializado nacional e o estrangeiro; desse modo, se existe o IPI no mercado interno

brasileiro, sem dúvida que, para garantir a referida igualdade, é preciso que não haja a

desoneração do IPI quanto aos produtos industrializados importados, para não se infringir a

livre concorrência e os interesses da indústria nacional.

Cláudia Guerra elenca objetivamente duas ordens de problemas se não

houvesse a incidência do IPI na importação:

(i) os produtos estrangeiros importados entrariam no país com preços inferiores aos nacionais, uma vez que apenas estes últimos seriam atingidos pelo IPI; (ii) provocar-se-ia perigoso mecanismo de evasão fiscal, pois o industrial poderia exportar o produto livre do imposto, por força da imunidade do art. 153, § 3º, II, da Constituição Federal, para, logo depois, importá-lo novamente, sem que fosse alcançado pela exação.

Deveras, a não tributação pelo IPI dos produtos industrializados importados

resguarda a livre concorrência, princípio a ser observado pelo Estado, bem como coloca a

salvo os interesses nacionais quanto aos produtos da indústria, que reflete diretamente no

desenvolvimento econômico interno.

Já discorremos que o IPI adveio do antigo imposto sobre consumo e que, ainda

sobre essa designação, havia a oneração da importação por essa exação, o que confirma a

legitimidade da hipótese em questão, preocupação essa voltada a tributar igualmente tanto

o produto nacional quanto o importado.

Os que veem nessa hipótese um extrapolamento da competência do legislador

infraconstitucional afirmam que, se o legislador constitucional quisesse onerar a

importação com o IPI, o teria feito, como fez com o ICMS (art. 155, II, da Constituição

Federal). Ousamos discordar.

Ao apresentarmos a história do IPI nas constituições brasileiras, tivemos a

oportunidade de ver que adveio do antigo imposto sobre consumo, o qual já trazia critérios

materiais diferentes para o IPI, mas sobre a mesma base: produtos industrializados. A

incidência sobre a importação de produtos industrializados já ocorria, por isso,

considerando a existência desses critérios, o legislador constituinte preferiu não fazer

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109

restrições, impondo apenas o núcleo produto industrializado, subentendendo a manutenção

das hipóteses existentes.

Deveras, se o legislador constituinte tinha conhecimento dos critérios materiais

formadores das distintas hipóteses de incidência do imposto do IPI e que a tendência

naturalmente era a sua manutenção, a restrição seria imperativo que se impunha;

entretanto, não o fez, o que nos autoriza a afirmar que possibilitou ao legislador da União

delinear a tributação sobre os mencionados produtos industrializados.

Compreendemos, portanto, que o IPI se apresenta com duas faixas autônomas

de incidência, em que se têm hipóteses diversas e bases de cálculo também diversas, que

compagina o binômio hipótese/base de cálculo na identificação do tipo impositivo,

perfazendo a regra-matriz de incidência do IPI sobre a materialidade importar produtos

industrializados de procedência estrangeira em faixa de incidência distinta e autônoma164.

4.2 Critério espacial

O critério espacial no caso do IPI refere-se à própria extensão do Estado

brasileiro, conforme já mencionamos quando discorremos sobre esse critério nos produtos

da indústria. Embora tenhamos essa demarcação nacional, a coordenada de espaço pode

ser delimitada de modo mais específico, como ocorre com o IPI na importação.

O art. 46, inciso I, do CTN, elege como o momento da incidência do IPI o

desembaraço aduaneiro, que representa o procedimento para haver a liberação dos

produtos importados e que ocorre nas aduanas. As aduanas seriam os locais específicos de

ocorrência, por isso Américo Lacombe menciona coordenada específica de espaço165.

Na importação de produtos industrializados, podemos identificar o lugar como

sendo as aduanas (ou repartições alfandegárias do país), que se trata de repartições

164 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 420-

421. 165 LACOMBE, Américo Masset. Imposto sobre produtos industrializados – Sua estrutura normativa –

Princípios constitucionais – Princípio da legalidade das isenções. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27-28, jan.-jun. 1984, p. 113.

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110

públicas onde ocorre todo o controle do que se exporta e do que se importa; nelas também

se efetiva o pagamento dos tributos.

4.3 Critério temporal

No caso da importação, verifica-se que não basta a entrada dos produtos no

território nacional, é preciso haver o efetivo desembaraço dos bens pela autoridade

competente, por meio do despacho aduaneiro, conforme dispõe o art. 46, I, do Código

Tributário Nacional.

José Eduardo Soares de Melo assevera que:

O despacho aduaneiro do produto importado é o procedimento mediante o qual é verificada a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação à mercadoria importada, aos documentos apresentados e à legislação vigente, com o objetivo de promover sua entrega ao importador e regular ingresso no País166.

Ocorridas todas as conferências aduaneiras necessárias, a autoridade

competente promoverá o despacho aduaneiro, pelo qual o produto poderá ser

desembaraçado, sendo, nesse momento, considerado ocorrido o fato jurídico tributário,

fazendo irromper a relação jurídica tributária, com o consequente nascimento da obrigação

tributária.

4.4 CRITÉRIO PESSOAL

4.4.1 Sujeito ativo

Conforme já expusemos, a Constituição Federal prescreveu a competência

tributária de cada ente político, ficando a cargo da União a instituição do IPI, que, além de

o fazer sobre a materialidade “industrializar produtos”, o fez para os casos de “importação

de produtos industrializados de procedência estrangeira”, nos termos preconizados pela Lei

nº 4502/64.

166 MELO, José Eduardo Soares. IPI Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 125.

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111

4.4.2 Sujeito passivo: a figura do importador e as indevidas equiparações e o

importador pessoa física

O sujeito passivo eleito para suportar o IPI, nos termos do inciso I, art. 51, do

Código Tributário Nacional é o importador de produtos industrializados de procedência

estrangeira ou quem a lei a ele equiparar. Assim, aquele que realizar a importação de

produtos industrializados estará sujeito ao IPI incidente sobre os referidos produtos

industrializados de procedência estrangeira quando do desembaraço aduaneiro.

Podemos verificar que o IPI na importação se perfaz em hipótese tributária

autônoma, sendo que o sujeito passivo efetivamente deve ser o importador que guarda

relação direta com a materialidade do IPI (importar produtos industrializados); entretanto,

os problemas se iniciam quando se analisa a figura do “equiparado”.

4.4.2.1 O importador como equiparado a industrial quando der saída do produto

industrializado do seu estabelecimento

Já o dissemos oportunamente, no capítulo terceiro, que as equiparações que

condizem com as demais normas do sistema e, portanto, permitidas pelo Direito, são

aquelas realizadas a partir da possibilidade de encontrar elementos que denotem

semelhanças, elos, algo em situações ou pessoas que permite haver uma equiparação.

Na equiparação a importador, deve ser tomado eventual sujeito que venha a

apresentar semelhanças que permitam o equiparar a importador, conquanto que, para isso,

possa ter relação com a materialidade importar produtos industrializados. Afora isso, não

teremos equiparação, mas ficção legal, ou seja, “criação” na figura de um sujeito que

efetivamente não se vincula à materialidade importar produtos industrializados.

O CTN trata o importador e o equiparado como contribuintes de IPI. O art. 4º

da Lei nº 4.502/64 equipara ao estabelecimento produtor os importadores de produtos de

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112

procedência estrangeira167 . Até aqui o sujeito passivo corresponde à materialidade de

importar produtos industrializados.

Ocorre que o Decreto, ao regulamentar a Lei nº 4.502/64 e estabelecer a

equiparação ao estabelecimento industrial, dispôs “os estabelecimentos importadores de

produtos de procedência estrangeira, que derem saída a esses produtos”.168

O importador, além de recolher o imposto no momento do desembaraço

aduaneiro, passou a ser obrigado a recolher o IPI também quando desse saída dos produtos

do seu estabelecimento importador, em decorrência do disposto no referido diploma legal

que o equipara a estabelecimento industrial169.

A hipótese tributária do IPI na importação de produtos industrializados já

vimos ser inteiramente possível, perfazendo-se numa faixa autônoma de incidência. O que

se pode questionar é a incidência do referido tributo nas operações de saídas subsequentes

à importação, pois, além de efetivar o pagamento do IPI no desembaraço aduaneiro, o

importador está sendo impingido a pagar quando der saída do produto de seu

estabelecimento, mas, agora, pela saída do estabelecimento como equiparado à industrial.

O Decreto impropriamente fez acrescer nova exigência ao importador, seja

porque não pode inovar ao disposto na lei, seja porque o importador, ao dar saída do

produto, não guarda qualquer identificação com a figura do estabelecimento industrial, já

que nada industrializou.

O estabelecimento industrial ou não que importe produtos industrializados

pagando o respectivo IPI no desembaraço aduaneiro e que, posteriormente, coloque-os à

comercialização não pode se sujeitar novamente à incidência do IPI, eis que não realizou

qualquer industrialização. 167 Art. 4º Equiparam-se a estabelecimento produtor, para todos os efeitos desta Lei: I - os importadores e os arrematantes de produtos de procedência estrangeira; […] (BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto

de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965). 168 Art. 9º, I (grifo nosso).

(Id. Presidência da República. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Brasília, 15 jun. 2010).

169 Art. 9o Equiparam-se a estabelecimento industrial: I - os estabelecimentos importadores de produtos de procedência estrangeira, que derem saída a esses

produtos; […] (Ibid.).

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113

Deveras, quando o importador simplesmente der saída do produto, não realiza a

hipótese abstratamente prevista como ensejadora do IPI, ou seja, não pratica qualquer conduta

atinente à “industrializar produtos”, não podendo ser submetido ao pagamento do IPI.

Algumas equiparações que são verdadeiras ficções legais, como já discorremos

quando abordamos o sujeito passivo da hipótese tributária que tem como materialidade

industrializar produtos, foram realizadas impropriamente pelo Decreto; eis que se inovou a

ordem jurídica por instrumento não competente, já que a eleição dos critérios da regra

padrão de incidência estão submetidos à lei. Por sua vez, a lei criou equiparações

dissonantes com a referida materialidade que elegeu, qual seja, industrializar produtos.

Além disso, também destacamos, ao tratar do sujeito passivo dos produtos da

indústria, que, embora o direito cria suas próprias realidades, essas possuem limites dentro do

próprio sistema jurídico, ou seja, o sujeito passivo eleito somente pode ser escolhido dentre

aqueles que realizam a hipótese prevista no critério material ou tenham vínculo com ele.

Não foi o que aconteceu no caso. Os produtos importados e postos à

comercialização não passaram por qualquer procedimento de industrialização, não

havendo subsunção do fato à norma, como nos ensina Paulo de Barros Carvalho, pois, se

os critérios materiais eleitos se perfazem em industrializar produtos e importar produtos

industrializados, tendo esse ocorrido, as operações subsequentes na hipótese industrializar

produtos só pode ocorrer se industrialização houver.

A incidência somente se perfaz quando houver concreção do fato previsto na

hipótese. São as lições de Paulo de Barros Carvalho:

Mas esse quadramento do fato à hipótese normativa tem de ser completo, para que e dê, verdadeiramente, a subsunção. É aquilo que se tem por tipicidade, que no Direito Tributário, assim como no Direito Penal, adquire transcendental importância. Para que seja tido como fato jurídico tributário, a ocorrência da vida real, descrita no suposto da norma individual e concreta expedida pelo órgão competente, tem de satisfazer a todos os critérios identificadores tipificados na hipótese da norma geral e abstrata170.

170 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 316.

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114

Se a hipótese abstratamente prevista é “industrializar produtos”, o fato

relevante a produzir efeitos jurídicos somente poderá ser aquele que realizar tal hipótese,

ou seja, que se caracterize num efetivo processo de industrialização, pois quanto à hipótese

importar produtos industrializados, já se realizou com a importação e no momento do

desembaraço aduaneiro.

Ademais, se a hipótese tributária de incidência do IPI sobre os produtos

industrializados importados tem o condão de salvaguardar a indústria nacional, mantendo

uma igualdade entre o produto nacional e o importado, a carga incidente quando da

importação já realizou tal intento. Legítima, portanto, a exigência do IPI do importador de

produtos industrializados.

Destarte, não se pode considerar o importador como sujeito passivo do IPI nas

operações internas de revenda ou transferência dos produtos que importou, a título de ser

equiparado a industrial, sendo um despropósito tributar os atos subsequentes por meio do

IPI, pois que efetivamente nesse momento o importador não realiza a conduta

“industrializar produtos”.

Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo afirmam que, no caso,

não se fazem presentes os pontos de aproximação necessários entre o comerciante-

importador e o industrial, capazes de justificar uma equiparação e submeter a tributação

por meio do IPI:

Portanto, não estão reunidos os elementos necessários e suficientes para que ocorra a equiparação, único fenômeno jurídico que pode render ensejo à tributação por meio de IPI, a quem, no rigor dos fatos, não é industrial. O que há, sim, é uma ficção, inidônea a possibilitar a incidência de IPI, para quem, não sendo industrial (nem validamente a ele equiparado), revende ou transfere produtos importados. Considerar tal ficção, modalidade de equiparação autorizada pelo CTN, implica atribuir tratamento igual a situações diferentes, levando em conta apenas semelhanças secundárias que elas eventualmente possam apresentar171.

171 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. A não-incidência do IPI nas operações

internas com mercadorias importadas por comerciantes (um falso caso de equiparação legal). Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 140, 2007, p. 101.

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O produto importado nem sempre será submetido a algum outro processo de

industrialização, criando a lei, então, ficção jurídica, ao determinar que a saída do produto

do estabelecimento do importador deve incidir IPI e também cria obrigação indevida para a

figura do comerciante que importou produtos para revendê-los no mercado interno, já que

efetivamente não realiza operação que possa caracterizar industrialização. Deveras, a sua

incidência já ocorreu no desembaraço aduaneiro.

Entretanto, pelo atual regulamento do IPI, mesmo que o importador não venha

a industrializar os produtos que importou, tem que proceder ao pagamento de IPI em dois

momentos, sendo o primeiro no desembaraço aduaneiro e o segundo quando esse

importador der saída do produto importado no mercado interno (equipara-se a industrial).

Ainda nas lições de Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo:

[…] a conclusão a que chegamos é que a potencialização da eficácia arrecadatória não tem força bastante para justificar o uso indiscriminado de equiparações e ficções legais no campo tributário, especialmente quando isso põe em risco os direitos constitucionais dos contribuintes172.

O Superior Tribunal de Justiça posicionou-se no sentido de haver realmente

duplicidade de incidência do imposto, afastando aquele incidente na saída do

estabelecimento do importador por inexistirem atos de industrialização. Parece-nos guardar

plena razão o Tribunal Superior. Vejamos ementa:

EMPRESA IMPORTADORA. FATO GERADOR DO IPI. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. I - O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão. II - Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação. III - Recurso especial provido173.

172 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. A não-incidência do IPI nas operações

internas com mercadorias importadas por comerciantes (um falso caso de equiparação legal). Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 140, 2007, p. 98.

173 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 841.269/BA. Relator: Ministro Francisco Falcão. Julgamento: 28 nov. 2006. Órgão julgador: Primeira Turma. Publicação: DJ 14 dez. 2006, p. 298.

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116

O Ministro Francisco Falcão, em seu voto, esclareceu que devem se tomar

diferentemente as equiparações, já que consubstanciadas nas hipóteses tributárias distintas

(inciso I e II):

O recorrente é comerciante e importador de tapetes, conforme reconhecido no acórdão recorrido. Ao importar os produtos industrializados e desembaraçá-los na aduana, o contribuinte, nos termos do artigo 46, I, do CTN, fez nascer o fato gerador do IPI, o que impõe o pagamento da exação. O referido dispositivo legal apresenta três hipóteses de incidência tributária, quais sejam: a) o desembaraço aduaneiro, quando o produto tem procedência estrangeira; b) a saída do produto dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; e c) a arrematação dos produtos, quando apreendidos ou abandonados e levados a leilão. As diferentes operações encimadas explicitam em que hipóteses alternativas deverá recair o IPI. Ao explicitar que incidirá imposto sobre produtos industrializados na operação de saída do produto nos estabelecimentos a que se referem o parágrafo único do artigo 51 do CTN, o legislador indicou qualquer estabelecimento importador, industrial, comerciante ou arrematante, para consignar que a hipótese de incidência do IPI é a realização de operações com produtos industrializados, sejam os contribuintes importadores, industriais, comerciantes ou ainda arrematantes em leilão. A indicação constante da parte final do inciso II do artigo 46 do CTN não atinge, como é curial, a hipótese descrita no inciso I, do mesmo regramento, uma vez que este inciso traz situação dirigida ao produto de procedência estrangeira. Permitir a dupla incidência do mesmo tributo (IPI), primeiro no desembaraço aduaneiro, depois na saída da mercadoria do estabelecimento importador, seria praticar a bitributação e, mais, malferir o princípio da isonomia e da competência tributária onerando ilegalmente o estabelecimento importador, o qual já sofre bis in idem na entrada da mercadoria, com o recolhimento de Imposto Sobre Produtos Industrializados e Imposto de Importação. (grifos nossos).

Os Tribunais Regionais também tem seguido a orientação da Superior Tribunal

de Justiça, conforme decisão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região:

TRIBUTÁRIO. EMPRESA IMPORTADORA. FATO GERADOR DO IPI. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. I - O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão. II - Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída

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do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação174. ____ TRIBUTÁRIO. EMPRESA IMPORTADORA. FATO GERADOR DO IPI. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. COMERCIANTE DE PRODUTOS IMPORTADOS. 1- O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão. 2 - Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação175.

Destarte, no caso mencionado, a operação realizada pela importadora, qual

seja, a saída do produto do seu estabelecimento sem realizar qualquer industrialização

sobre o produto, não pode caracterizar a incidência do IPI, já que efetivamente não realiza

qualquer ato de industrialização. Válida apenas a exigência do IPI perpetrada quando da

importação do produto industrializado.

4.4.2.2 A figura dos estabelecimentos atacadistas ou varejistas que adquirirem

produtos importados por encomenda ou por conta e ordem, também

considerados sujeito passivo do IPI, sem realizar o ato de industrializar

Quando a importação envolver efetivamente um estabelecimento industrial,

contribuinte de IPI, resta caracterizada a regra geral de incidência do IPI. A questão é

quando não se trata de estabelecimento que industrialize produtos, mas que, por força da

denominada equiparação, é colocado na posição de contribuinte de IPI.

A Lei nº 11281/06 equiparou os estabelecimentos, atacadistas ou varejistas,

que adquirirem produtos de procedência estrangeira, importados por encomenda ou por sua

conta e ordem, como se estabelecimentos industriais fossem, fazendo nascer para eles a

obrigação de pagar o IPI, sem que realizem a materialidade “industrializar produtos”.

174 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº 0010443-77.2009.404.7200.

Relatora: Luciane Amaral Corrêa Münch. Julgamento: 22 jun. 2010. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: 15 jul. 2010.

175 Id. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação/Reexame Necessário 5011683-79.2010.404.7200/TRF. Relator: Joel Ilan Paciornik. Julgamento: 01 ago. 2012. Órgão julgador: Primeira Turma. Publicação: Dje 02 ago. 2012.

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118

Estabeleceu, portanto, que o estabelecimento que adquirir de importador produtos

importados para revenda deverá pagar IPI nas saídas posteriormente promovidas.

A Secretaria da Receita Federal reconhece e regulamenta dois modos de

terceirização das operações de comércio exterior: a importação por conta e ordem e a

importação por encomenda:

A importação por conta e ordem de terceiro é um serviço prestado por uma empresa – a importadora –, a qual promove, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadorias adquiridas por outra empresa – a adquirente –, em razão de contrato previamente firmado, que pode compreender ainda a prestação de outros serviços relacionados com a transação comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial (art. 1º da IN SRF nº 225/02 e art. 12, § 1°, I, da IN SRF nº 247/02)176. A importação por encomenda é aquela em que uma empresa adquire mercadorias no exterior com recursos próprios e promove o seu despacho aduaneiro de importação, a fim de revendê-las, posteriormente, a uma empresa encomendante previamente determinada, em razão de contrato entre a importadora e a encomendante, cujo objeto deve compreender, pelo menos, o prazo ou as operações pactuadas (art. 2º, § 1º, I, da IN SRF nº 634/06). Assim, como na importação por encomenda o importador adquire a mercadoria junto ao exportador no exterior, providencia sua nacionalização e a revende ao encomendante, tal operação tem, para o importador contratado, os mesmos efeitos fiscais de uma importação própria177.

O estabelecimento que necessitar importar poderá fazê-lo, então, por conta

própria ou por meio de um intermediário contratado para esse fim. No caso de utilizar o

intermediário, poderá fazê-lo de dois modos.

A primeira modalidade é por conta e ordem de terceiros em que o importador

faz o despacho aduaneiro em seu nome, mas a empresa contratante figura como adquirente

e a operação é realizada com seus recursos, sendo a contratada considerada mera

prestadora de serviços. O importador de fato é o adquirente.

Na modalidade por encomenda, a figura da encomendante contrata uma

empresa importadora para que esta por seus próprios recursos realize a importação dos

176 BRASIL. Receita Federal. O que é a importação por conta e ordem? Disponível em:

<http://www.receita.fazenda.gov.br/TextConcat/Default.asp?Pos=2&Div=Aduana/ContaOrdemEncomenda/ContaOrdem/>. Acesso em: 06 mar. 2013.

177 Ibid..

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119

produtos industrializados e, posteriormente, revenda para a empresa encomendante. A

importadora deve ter capacidade econômica para pagar a importação, e a encomendante,

para adquirir posteriormente o produto.

A Lei nº 11.281/2006178, independentemente da modalidade de importação

utilizada, equiparou a estabelecimento industrial os atacadistas e os varejistas, para o fim

de exigência do IPI quando da aquisição de produtos industrializados de procedência

estrangeira. Antes da referida lei, apenas a importação por conta e ordem era equiparada a

estabelecimento industrial, ou seja, a importação por encomenda não era equiparada.

Com o advento do referido diploma, ou seja, a partir de 20 de fevereiro de

2006, seja a operação de importação realizada por encomenda, seja por conta e ordem de

terceiros, os estabelecimentos atacadistas e varejistas foram equiparados a estabelecimento

industrial, contribuintes, portanto, do imposto sobre produtos industrializados, ainda que

não realizem o ato de industrializar.

4.4.2.3 Importações para consumo próprio

Outra questão que tem gerado discussões trata-se da importação de produto

industrializado por pessoa física que adquire produto industrializado para uso próprio. O

STF, no caso de importação de veículo para uso próprio de pessoa física, decidiu que em

tais casos não há que se falar em cobrança de IPI; eis que em não sendo contribuinte não

terá como repassar o ônus tributário, de modo que se violaria o princípio da não

cumulatividade. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO PARA USO PRÓPRIO. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – Não incide o IPI em importação de veículo automotor, por pessoa física, para

178 Art. 13. Equiparam-se a estabelecimento industrial os estabelecimentos, atacadistas ou varejistas, que

adquirirem produtos de procedência estrangeira, importados por encomenda ou por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora. (BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.818, de 23 de agosto de 1999. Cria o Fundo de Garantia à Exportação - FGE, e dá outras providências. Brasília: 23 ago. 1999).

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120

uso próprio. Aplicabilidade do princípio da não cumulatividade. Precedentes. II - Agravo regimental improvido179.

Com fundamentação no desrespeito ao princípio da não cumulatividade, o STF

tem reconhecido que não é cabível a cobrança de IPI sobre a importação de bens

industrializados, quando importados por pessoas físicas ou jurídicas que não sejam

contribuintes do IPI, considerando que no caso não haveria a possibilidade de se aplicar o

referido princípio, já que as etapas subsequentes inexistirão e, consequentemente, não

haveria como tais sujeitos se creditarem dessa exação.

Parece-nos que o fundamento utilizado pela Suprema Corte para afastar a

incidência, qual seja, o princípio da não cumulatividade não está em consonância com a

diretriz instituidora do IPI sobre os produtos importados.

Já discorremos oportunamente e em concordância com a professora Misabel

Derzi que a tributação por meio do IPI sobre os produtos importados é hipótese tributária

autônoma e inteiramente possível. Por ela coloca-se a salvo o princípio da igualdade e da

livre concorrência, já que tem o condão de tratar igualmente a incidência sobre produtos

nacionais e importados.

A força motriz propulsora dessa tributação é manter a equivalência dos preços

entre produtos nacionais e os importados, objetivo esse que só se realiza ao manter-se a

mesma carga tributária para os importados que aquela existente para os produtos nacionais,

eis o princípio da igualdade que conduz o escopo dessa exigência fiscal. Diante disso, não

importa se a “importação se destine à nova industrialização, ao comércio ou ao consumo

do importador”180.

Vale destacar, como o faz Marcus de Freitas Gouvêa, que o tratamento

tributário dos produtos industrializados importados possuem duas etapas que não se

excluem, sendo uma delas “voltada à proteção do mercado interno, denominada

179 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 550170. Agravo Regimental não

provido. Relator Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento: 07 jun. 2011. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe-149, 04 nov. 2011, p. 291.

180 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 342.

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121

nacionalização do bem (incidência dos tributos internos), e outra relacionada à proteção do

mercado interno (incidência do imposto de importação)”181.

Além de tais perspectivas e sobre as quais deve-se compreender a tributação

por meio do IPI sobre a importação de bens industrializados, é preciso destacar que,

contrariamente ao que foi exposto no julgado acima transcrito, não houve violação ao

princípio da não cumulatividade, tendo os julgadores, equivocadamente, desconsiderado

questão essencial, ou seja, que a incidência é monofásica.

No caso da aquisição de veículos por pessoas físicas para o consumo final, o

fundamento utilizado pela Suprema Corte para afastar a incidência do IPI foi o de que, por

não haver etapas posteriores de comercialização, a aplicação do princípio ficaria

prejudicada, o que impunha a não incidência do IPI sob pena de violar o referido princípio.

O princípio da não cumulatividade impõe que não haja cumulatividade do

tributo durante as etapas do ciclo produtivo, vale dizer que se efetiva quando o produto

necessariamente percorre mais de uma etapa. O princípio da não cumulatividade visa em

última instância não onerar o produto que chega ao consumidor em decorrência de

sucessivas ocorrências.

Ocorre que, quando a operação jurídica se implementa em uma única fase,

sendo nessa que se chega ao consumidor final, não há que se falar em desrespeito ao

princípio da não cumulatividade; eis que esse seria violado em caso de haver várias etapas

sem o respectivo abatimento e sem que houvesse a translação ao contribuinte de fato

quanto ao ônus fiscal.

Em não havendo mais de uma etapa, não há violação do princípio, já que não

haverá cumulação das exações, mas uma única incidência a cargo do consumidor final.

Marcus de Freitas Gouvêa assevera:

A observância do princípio da não-cumulatividade exige que não se tribute cumulativamente mais de uma etapa do processo produtivo.

181 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados na importação de

Veículos Automotores Destinados a Consumidor Final. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 195, 2011, p. 89.

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Contudo, se a tributação ocorre em uma única etapa do processo, seja ela a primeira ou a última, não haverá cumulatividade182.

André Mendes Moreira também discorre sobre a impropriedade de se adotar o

fundamento de que não se atenderia ao princípio da não cumulatividade: “A importação de

mercadorias é uma situação atípica na qual há a concentração, em uma única pessoa

(natural ou jurídica), das figuras do contribuinte de jure e de facto”183.

Podemos concluir, portanto, nada obstante o posicionamento do STF de afastar

a incidência do IPI para as importações de produtos industrializados por quem não seja

contribuinte, que há um equivoco nesse entendimento, não havendo impedimento para sua

exigência, sendo que, para esses casos, o tributo é de incidência única se compatibilizando

com o princípio da não cumulatividade, já que as figuras do contribuinte de fato e de

direito se concentram na mesma pessoa.

4.5 CRITÉRIO QUANTITATIVO

4.5.1 Base de cálculo

A base de cálculo da hipótese tributária do IPI sobre produtos industrializados

de procedência estrangeira, assim como para os produtos da indústria, está delimitada no

Código Tributário Nacional, vejamos:

Art. 47. A base de cálculo do imposto é: I - no caso do inciso I do artigo anterior, o preço normal, como definido no inciso II do artigo 20, acrescido do montante: a) do imposto sobre a importação; b) das taxas exigidas para entrada do produto no País; c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis; […]

Por sua vez, dispõe o art. 20:

Art. 20. A base de cálculo do imposto é:

182 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados na importação de

Veículos Automotores Destinados a Consumidor Final. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 195, 2011, p. 93.

183 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p. 188.

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[…] II - quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País; […]

Já a lei instituidora, Lei nº 4.502/64 estabelece:

Art. 14. Salvo disposição em contrário, constitui valor tributável: I – quanto aos produtos de procedência estrangeira, para o cálculo efetuado na ocasião do despacho; a) o preço da arrematação, no caso de produto vendido em leilão; b) o valor que servir de base, ou que serviria se o produto tributado fôsse para o cálculo dos tributos aduaneiros, acrescido de valor dêste e dos ágios e sobretaxas cambiais pagos pelo importador; […]

A base de cálculo, portanto, do IPI na importação de produtos industrializados

é o valor que servir de base para o cálculo para os tributos aduaneiros, acrescido do

montante desses e dos encargos cambiais devidos pelo importador. Ou seja, representada

pelo preço normal do produto acrescido do montante pago a título de imposto de

importação, taxas para entrada do produto no país e encargos cambiais efetivamente pagos

pelo importador ou dele exigíveis.

No que tange aos encargos cambiais, parece que fazem parte dos custos do

próprio produto importado; entretanto, isso não parece ocorrer quanto a incluir na base de

cálculo o valor pago a título de importação.

Concordamos com André Mendes Moreira, para quem uma das formas de se

ter a cumulatividade tributária “é a inclusão de tributos na base de cálculo de outras

exações, majorando artificialmente a riqueza tributável”. É o que ele denomina de

superposição contributiva, e conclui: “Com isso, a alíquota real do tributo torna-se

superior àquela nominalmente constante da lei, pois a exação passa a gravar uma base

majorada.”184

Por fim, cabe o alerta de José Eduardo Tellini Toledo, que, em verdade, o

inciso I, alínea “b” do art.14, acima transcrito, não se refere a hipótese de IPI quanto à

materialidade “importar produtos”, mas, sim, “do aspecto temporal da hipótese de

184 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p. 57.

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incidência, qual seja, a “saída” de produtos estrangeiros”, a qual já foi por nós analisada e

rechaçada quando tratamos do sujeito passivo do IPI na importação185.

4.5.2 Alíquota

Ao abordarmos a regra-matriz de incidência que onera os produtos da

indústria, discorremos sobre a importância da alíquota na composição da regra-matriz,

como integrante do critério quantitativo. A alíquota é a porcentagem que, conjuntamente

com a base de cálculo, propiciará a identificação do valor devido.

Apenas recordamos que as alíquotas do IPI estão estabelecidas na Tabela de

Incidência do IPI, que se denomina “TIPI”, a qual traz uma classificação de produtos com

a correlata alíquota a ser aplicada, encontrando-se disposta no Decreto nº 7.660 de 23 de

dezembro de 2011.

A Tabela de Incidência do IPI é única, vale dizer, é aplicada para as duas faixas

de incidência do IPI: regra-matriz de incidência sobre os produtos industrializados e a

regra-matriz de incidência sobre a importação de produtos industrializados de procedência

estrangeira.

185 TOLEDO, José Eduardo Tellini. IPI – Incidência Tributária e Princípios Constitucionais. São Paulo:

Quartier Latin, 2006, p. 126.

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125

5 ANÁLISE DE PRINCÍPIOS APLICADOS AO IPI

5.1 O sistema jurídico e o subsistema do direito tributário

Seguindo as lições preconizadas por Paulo de Barros Carvalho, temos que “O

direito positivo é o complexo de normas jurídicas válidas num dado país”. 186 Esse

complexo de normas jurídicas em que se perfaz o direito precisa estar ordenado num todo;

por isso, reunindo os textos de direito positivo, estes devem formar um todo organizado,

um sistema.

Um sistema se caracteriza por manter uma organização de seus elementos

unidos a partir de um dado unificador. Fabiana Del Padre Tomé afirma que, “Tomado em

seu significado de base, podemos definir sistema como o conjunto de elementos

coordenados entre si, aglutinados perante uma referencia determinada.”187

A citada professora, apoiando-se em Lourival Vilanova, nos ensina que haverá

sistema onde houver elementos e relações. As normas jurídicas formam um sistema em

que se inter-relacionam e, se consideradas em determinado espaço e tempo, formatam o

direito positivo.

Paulo de Barros Carvalho ensina:

Se pudermos reunir todos os textos do direito positivo em vigor no Brasil, desde a Constituição Federal até os mais singelos atos infralegais, termos diante de nós um conjunto integrado por elementos que se inter-relacionam, formando um sistema. As unidades desse sistema são as normas jurídicas que se despregam dos textos esse interligam mediante vínculos horizontais (relações de coordenação) e liames verticais (relações de subordinação-hierarquia).188

Vale destacar que as normas jurídicas formam o sistema jurídico, sistema

jurídico-normativo; são, conforme menciona Cristiano Carvalho, “o elemento universal do

186 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 34. 187 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008, p. 37-38. 188 CARVALHO, op. cit., p. 42-43.

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sistema jurídico” 189 e se relacionam com vínculos de coordenação e subordinação

hierárquica sob um princípio unificador, que é a norma fundamental.

O direito positivo tem sua formação num conjunto de normas que se apresenta

sob a linguagem prescritiva, as quais, se voltadas para uma determinada sociedade no

tempo e no espaço, formam o sistema do direito positivo, que servirá de objeto para o

cientista do direito, perfazendo-se em objeto o sistema da Ciência do Direito sob outra

camada de linguagem, a descritiva.

O sistema jurídico pode se referir tanto ao sistema do direito posto quanto ao

sistema da Ciência do Direito, camadas de linguagem que não se confundem: naquele, há o

disciplinamento de condutas intersubjetivas; neste, tem-se a descrição das normas jurídicas

de um determinado sistema jurídico.

A formação do sistema do direito positivo se dá pelas normas jurídicas, as

quais não se confundem com os textos normativos. A norma jurídica é o resultado obtido a

partir da leitura dos textos de lei em nossa mente, vale dizer, é a significação obtida da

leitura dos textos normativos. Paulo de Barros Carvalho elucida:

Uma coisa são os enunciados prescritivos, isto é, usados na função pragmática de prescrever condutas; outras, as normas jurídicas, como significações construídas a partir dos textos positivados e estruturados consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas.190

Esse elemento formador em que se perfazem as normas jurídicas seria,

conforme nos ensina o citado mestre, “o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto

provoca em nosso espírito”191, destacando que um único texto pode ter várias significações

ou que a significação pode advir de diversos textos de lei.

O sistema do direito positivo está estruturado de forma hierarquizada, tendo

todas as normas que o formam como fundamento de validade a Constituição (norma

fundamental). Vale dizer, todas as normas derivam da norma fundamental e nela se

189 CARVALHO, Cristiano. Ficções Jurídicas no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2008, p. 162. 190 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 129. 191 Id. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 40.

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127

fundamentam formatando uma organização estruturada que tem nela – norma fundamental

– seu princípio unificador.

Nesse sentido, Tácio Lacerda Gama menciona haver relação de hierarquia

entre normas, que resulta na unicidade do sistema de direito:

Há relação de hierarquia entre as normas, sob o ponto de vista formal, sempre que uma busque fundamento de validade noutra, sendo esta hierarquicamente superior e aquela inferior. Essa conexão de supra-infra-ordenação entre as normas jurídicas é o que possibilita falar na unidade só sistema de direito positivo, por que, em última análise, toda norma deriva da Constituição da República192.

As normas jurídicas prescrevem comportamentos e são compostas por dois

elementos que se interligam pelo conectivo do “dever-ser”: hipótese e consequente193. Essa

“estrutura condicional da norma revela a forma que o homem encontrou para condicionar

seu próprio comportamento.”194

Todas as normas possuem a referida estrutura: uma hipótese que possibilita

identificar o acontecimento e um consequente que permite identificar a relação jurídica

decorrente do acontecimento previsto na hipótese. Dada essa unicidade de estrutura é que

Paulo de Barros Carvalho afirma a homogeneidade lógica das unidades do sistema:

[…] operamos com a premissa da homogeneidade lógica das unidades do sistema. Consoante a qual todas as regras teriam idêntica esquematização formal, quer dizer, em todas as unidades do sistema encontraremos a descrição de um fato “F” que, ocorrido no plano da realidade físico-social, fará nascer uma relação jurídica (S’R S’’) entre dois sujeitos de direito, modalizada com um dos operadores deônticos: obrigatório, proibido ou permitido (O, V ou P).195

As normas tributárias como integrante do ordenamento jurídico também

possuem idêntica estrutura e, dada a materialidade específica de suas normas, conformam

o sistema tributário nacional.

192 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária fundamento para uma teoria da nulidade. São

Paulo: Noeses, 2009, p. 134. 193 Representatividade: H C (se ocorrer o fato H, então deve ser a relação C). 194 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos

em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Forense, 2005, p. 18. 195 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 29.

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128

A ordem jurídica brasileira se perfaz num sistema de normas, sendo que nesse

sistema outros sistemas ou subsistemas se formam aglutinados por algum conceito

fundante. Daí o subsistema do direito tributário que condensa normas específicas e

essencialmente demarcadas pelo conceito fundante de tributo: são as normas jurídico-

tributárias.

Nada obstante divisões realizadas, ainda que para fins meramente didáticos,

certo é que não podemos desprezar que o ordenamento jurídico há de ser visto em sua

integralidade.

Feitas as considerações sobre o sistema do direito como conjunto de normas

dispostas no ordenamento numa estrutura hierarquizada, faz-se necessário analisar a

presença dos princípios nele.

Canotilho 196 afirma que o sistema jurídico deve ser um sistema aberto

constituído de regras e princípios, onde as normas são o gênero das quais a regra e o

princípio são espécies.

Paulo de Barros Carvalho utiliza o termo “regra” como sinônimo de “normas”,

sendo os princípios regras que fixam critérios objetivos ou podem significar um valor,

distinguindo quatro usos para os princípios, sendo nos dois primeiros norma e nos dois

últimos critério objetivo:

a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; d) como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma.197

O princípio na concepção do professor da PUC e da USP pode expressar-se em

termos normativos impregnados de valor ou traçar limites objetivos para atingir certos fins,

esses sim, portadores de valores. Seguindo as lições de Paulo de Barros Carvalho, temos

196 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra:

Almedina, 1992, p. 172. 197 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 263.

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129

que os princípios se perfazem em normas jurídicas possuindo a mesma estrutura destas,

apresentando-se, contudo, com grande força valorativa. São suas as lições:

[…] “princípios” são “normas jurídicas” carregadas de forte conotação axiológica. É o nome que se dá a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem jurídica198.

De sorte que os princípios são prescrições de conteúdo intenso que irradiam

efeitos por todo o ordenamento jurídico 199 . Nesse contexto, não podemos deixar de

reconhecer que os princípios jurídicos detêm posição privilegiada no sistema jurídico,

possuindo intenso grau de juridicidade. Os princípios são mandamentos nucleares de um

sistema200, seja enquanto denotam valores objetivos, seja enquanto o próprio valor.

O professor Roque Antonio Carrazza destaca que “os princípios exercem

função importantíssima dentro do ordenamento jurídico-positivo, já que orientam,

condicionam e iluminam a interpretação das normas jurídicas”.201 São suas as lições:

Com efeito, na análise de qualquer problema jurídico, por mais trivial que seja ou por mais trivial que pareça ser, deve o jurista alçar-se ao altiplano dos princípios constitucionais. Para quê? Para verificar em que sentido, em que direção, os princípios constitucionais apontam. Nenhuma interpretação será havida por jurídica – e, portanto, por boa – se fizer tabula rasa de qualquer princípio constitucional202.

Verificada a importância dos princípios no ordenamento jurídico e como eles

se apresentam na formação deste, voltamo-nos ao IPI para análise de princípios aplicados a

essa espécie tributária, destacando que no IPI dizem de sua própria essência,

fundamentalmente, os princípios da legalidade, da anterioridade, não cumulatividade e da

essencialidade. No que tange ao princípio da essencialidade, este será analisado no capítulo

seguinte conjuntamente com o tema extrafiscalidade.

198 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 257. 199 Apesar de alguns autores estabelecerem diferença entre sistema e ordenamento, posicionamo-nos pelo

uso sem distinção. 200 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p.

932. 201 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed. São Paulo:

Malheiros, 2008, p. 51. 202 Id. Princípios Constitucionais. XIX Congresso Brasileiro de Direito Tributário, Revista de Direito

Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 94, 2005, p. 161.

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130

5.2 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade impõe que a instituição de todo tributo se dê por

meio de lei, conforme previsão constitucional específica constante do art. 150, inciso I,

disposição essa integrante do capítulo Sistema Tributário Nacional da Constituição Federal

de 1988. O princípio da legalidade é um limite intransponível à atuação Estatal e para os

administrados é assegurado de que as restrições impostas ao seu patrimônio advenha por

meio de lei.

O professor Roque Antonio Carrazza nos ensina que “criar um tributo é

descrever abstratamente sua hipótese de incidência, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo,

sua base de cálculo e sua alíquota. Em suma, é editar, pormenorizadamente, a norma

jurídica tributária”.203

Em decorrência do princípio da legalidade, a lei deve delimitar concreta e

exaustivamente a norma padrão de incidência ou a regra-matriz de incidência. Não pode

haver a delegação de poderes à Administração para que venha a dispor sobre os elementos

da referida norma, tarefa essa que cabe à lei instituidora do gravame.

Todos os elementos essenciais do tributo devem ser erigidos abstratamente

pela lei, para que se considerem cumpridas as exigências do princípio da legalidade. Vale

dizer, o princípio da legalidade no âmbito tributário exige que a imposição tributária esteja

rigorosamente descrita na lei.

Não é sem razão que a professora Mizabel Abreu Machado Derzi, em nota de

atualização à obra do de Aliomar Baleeiro, destaca “Somente a lei, formalmente

compreendida, vale dizer, como ato oriundo do Poder Legislativo, é ato normativo próprio

à criação dos fatos jurígenos, deveres e sanções tributárias.”204

Com o IPI não é diferente, embora haja a previsão de alteração das alíquotas

por decreto. O texto constitucional permite estipulação das alíquotas por decreto, mas certo

203 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed. São Paulo:

Malheiros, 2008, p. 257. 204 DERZI, Mizabel Abreu Machado. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2001, p. 73.

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é que essa competência é limitada e vigiada: limitada porque a variação possível da

alíquota é pautada por lei; e vigiada porque qualquer excesso é possível de ser corrigido

pelo Poder Judiciário.

A Carta Magna dispôs, em seu art. 153, § 1º, que “é facultado ao Poder

Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos

impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”.

O inciso IV se refere ao IPI. A Constituição Federal prescreveu que o Poder

Executivo tem competência para alterar as alíquotas desse tributo, mas impôs que essa

alteração observasse as condições e limites que estariam dispostos em lei. Veja-se que a

abertura proporcionada pelo sistema constitucional é limitada.

O IPI apresenta-se como instrumental hábil a realizar e implementar políticas

públicas, essencialmente demarcado pela intervenção na economia, variando a carga

tributária sobre determinados artigos para estimular ou desestimular a sua produção,

podendo o Poder Executivo fazê-lo por Decreto.

A produção industrial de um país envolve toda uma gama de situações, como

desenvolvimento social, absorção de mão de obra, geração de riqueza, enfim influencia nos

resultados da economia e na sociedade, situações essas que dependem do momento vivido,

são circunstanciais, sendo que, nos mais das vezes, a intervenção para atingi-las exige

tomada de medidas céleres, o que justifica a possibilidade de alteração das alíquotas por

Decreto.

Essa flutuação de acontecimentos e a consequente necessidade de tomadas de

decisões necessárias para corrigir eventuais distorções justificam a abertura feita pelo

constituinte ao permitir a manipulação das alíquotas sobre o produto industrializado

tributado por meio de IPI.

O constituinte, no entanto, não excepcionou o princípio da legalidade no IPI; o

que fez, em verdade, foi permitir o manejo das alíquotas por decreto, mas dentro de limites

impostos pela lei. Poderíamos até falar em uma flexibilização, mas apenas no sentido de o

Poder Executivo poder proceder a uma variação de alíquotas sobre determinado produto da

indústria com a estrita observância nos limites fixados pela lei.

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Veja-se que o constituinte não afastou a observância do princípio da

legalidade, apenas autorizou o Poder Executivo a fixar as alíquotas dentro dos parâmetros

estipulados pelo legislador ordinário.

A competência para alterar as alíquotas do IPI, portanto, pertence ao Presidente

da República, chefe do Poder Executivo e responsável pelas políticas governamentais e

sociais; ainda que o constituinte expressamente não tenha estabelecido que a competência

seria do chefe desse Poder, temos que somente este tem a referida competência, como

agente eleito para o fim de comandar a estrutura governamental.

A imposição de lei para a criação de tributo condiz com o Estado Democrático

de Direito, em que os representantes do povo possuem autorização constitucional para

atingir o patrimônio dos particulares pela tributação. Assim, se o constituinte possibilitou

que as alíquotas viessem a ser alteradas pelo Poder Executivo, somente o chefe desse

Poder, também eleito para representar o povo, tem competência para proceder à alteração

das alíquotas.

Nada obstante, não é isso que tem ocorrido, já que muitas alterações têm sido

perpetradas por ministros das pastas das áreas de interesses, que são meros agentes

executores e subordinados ao chefe do Poder Executivo.

Não há amparo jurídico para a previsão constante do atual regulamento do IPI,

Decreto nº 7212/10, que possibilita ao Ministro realizar a alocação de produtos nas Classes

de valores do imposto, art. 210: “O enquadramento dos produtos nacionais nas Classes de

valores de imposto será feito por ato do Ministro de Estado da Fazenda.”

O enquadramento dos produtos nas respectivas Classes de valores significa

proceder à alteração das alíquotas, já que, ao modificar o enquadramento do produto nessa

ou naquela classe, pode resultar na aplicação de alíquotas diferentes. Os ministros, como

auxiliares no exercício do Poder Executivo comandado pelo Presidente da República, não

detêm competência para modificar as alíquotas, já que o art. 84, parágrafo único, do texto

constitucional não trouxe tal matéria como possível de delegação.

Ademais, a função de modificar as alíquotas dentro dos parâmetros legais

caracteriza-se como função atípica do Poder Executivo, o que nos autoriza a interpretar

restritivamente a autorização encartada no texto constitucional; eis que prepondera no

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sistema jurídico tributário como pressuposto essencial de toda atividade tributária a

observância da legalidade.

Se ao executivo é dada a possibilidade de graduar as alíquotas do IPI por

Decreto, dentro dos parâmetros legais, entendemos que somente o chefe desse Poder como

autoridade máxima é quem detém a competência; eis que à semelhança dos legisladores é

o presidente também submetido à escolha pelo povo que efetivamente está autorizado a

“legislar”.205

No desempenho dessa atividade de modificação das alíquotas, o chefe do

Poder Executivo, ressalta-se, mais uma vez, não o faz livremente; eis que o dispositivo

constitucional que lhe faculta tal atividade impõe que a referida alteração deve respeitar

“as condições e os limites estabelecidos em lei”.

Américo Lacombe, reportando-se a essa permissão constitucional, leciona:

[…] limita-se a conferir ao Executivo poder de alterar, isto é, modificar aquilo que já existe, que já foi criado. Só esta pode prever e alterar a hipótese de incidência (antecedente normativo) e a previsão dos sujeitos no mandamento (consequente normativo)206.

A professora Mizabel Abreu Machado Derzi, em nota à obra de Aliomar

Baleeiro, ensina: “No que tange à especificidade legal quantitativa, a Carta Magna vigente

concede ao Poder Executivo a faculdade de graduar as alíquotas, dentro dos limites

previamente postos pela lei disciplinadora dos impostos […]”.207

Com supedâneo nas lições da citada professora, concluímos que a melhor

expressão para a autorização constitucional de modificar as alíquotas pelo Poder Executivo

é a “graduação de alíquotas”, na medida em que representa exatamente o que acontece,

pois a referida modificação das alíquotas dos produtos da indústria, em verdade, ocorre por

uma graduação de alíquotas.

205 A expressão “legislar” foi utilizada em sentido amplo. 206 LACOMBE, Américo Masset. Imposto sobre produtos industrializados – Sua estrutura normativa –

Princípios constitucionais – Princípio da legalidade das isenções. Revista de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 27-28, jan.-jun. 1984, p. 125.

207 DERZI, Mizabel Abreu Machado. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 68.

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Graduar nada mais é do que aumentar ou diminuir progressivamente a

quantidade de algo208, que, no caso das alíquotas do IPI, seria dentro da “quantidade”

estipulada pela lei, ou seja, o Poder Executivo não cria alíquotas, mas as gradua dentro dos

limites mínimos e máximo prescritos na lei.

Pois bem, e quais seriam esses limites? No plano infraconstitucional, temos o

Decreto-lei nº 1.199/71 que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e que

trouxe os limites e as condições legais para o Poder Executivo proceder às alterações das

alíquotas, permitindo reduzir até zero ou aumentá-las em até trinta unidades o percentual

de incidência fixado em lei, dispondo:

Art. 4º O Poder Executivo, em relação ao Impôsto sôbre Produtos Industrializados, quando se torne necessário atingir os objetivos da política econômica governamental, mantida a seletividade em função da essencialidade do produto, ou, ainda, para corrigir distorções, fica autorizado: I - a reduzir alíquotas até 0 (zero); II - a majorar alíquotas, acrescentando até 30 (trinta) unidades ao percentual de incidência fixado na lei;

O Poder Executivo, para atingir os objetivos da política econômica

governamental, bem como para dar efetividade à política definidora do atendimento à

essencialidade dos produtos, pode, então, promover a graduação das alíquotas do IPI

dentro dos parâmetros legais prescritos.

Importante destacar também que essa possibilidade de alteração deve ser

seguida de motivação. Ao proceder às alterações de alíquotas, o Executivo deve motivar

suas razões, ou seja, explicar os motivos que o levaram a promover a modificação –

aumentando-as ou diminuindo-as –, devendo ser acompanhada de justificativa que vá ao

encontro das políticas públicas visadas.

Ao interpretarmos os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais,

mormente o Decreto-lei nº 1.199/71 citado, que autoriza a modificação das alíquotas

“quando se torne necessário atingir os objetivos da política econômica governamental”,

conclui-se que a motivação da alteração seria pressuposto necessário para a referida

autorização.

208 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 982.

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Roque Antonio Carrazza e Eduardo Domingos Bottallo com precisão afirmam:

“qualquer ato do Poder Executivo, que venha a alterar as alíquotas do IPI, há de ser

motivado. Caso não se paute por critérios fundados e pertinentes, explicitados em

justificação adequada, padecerá de manifesta injuridicidade”209.

A falta de motivação ou a motivação apartada das diretrizes da essencialidade

dos produtos e do escopo de atingir os objetivos da política econômica governamental

levará, portanto, à ilegalidade da alteração.

A título de exemplo, mencionamos a majoração da alíquota do IPI trazido pelo

Decreto nº 7.567, de 15 de setembro de 2011, que aumentou a alíquota para o limite

máximo incidente sobre os veículos importados. A motivação exposta para o referido

aumento foi o de regular o mercado e proteger a indústria nacional, induzindo o

consumidor a optar pelo veículo nacional.

Ainda nas lições dos mestres citados, “é necessário que esta motivação revele a

existência de valores, benefícios ao consumidor final, capazes de sobreporem-se aos que

tenham determinado, precedentemente, a fixação da alíquota do IPI objeto da alteração”.

Podemos verificar que a liberdade concedida ao Poder Executivo para alterar

as alíquotas do IPI está pautada por limites, caso em que a liberdade é posta sob limites,

podendo atuar com discricionariedade na graduação das alíquotas, mas dentro dos

parâmetros estabelecidos pela lei.

O Poder Executivo não pode criar as alíquotas dos produtos industrializados,

mas apenas modificar as já existentes e estabelecidas em lei, sendo que qualquer

delegação, nesse sentido, contraria o comando constitucional do princípio da legalidade.

5.3 Princípio da anterioridade

O princípio da anterioridade compõe o sistema tributário nacional e impõe que

a lei que institui ou majora tributo aguarde determinado lapso de tempo para ter vigência,

209 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI, Seletividade e Alteração de

Alíquotas. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 159, dez. 2008, p. 112.

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de modo que os administrados tenham tempo hábil para conhecer a carga tributária. O

professor Roque Antonio Carrazza destaque que, em verdade, esse princípio salvaguarda o

sobreprincípio da segurança jurídica e ensina: “o princípio da anterioridade é o corolário

lógico do princípio da segurança jurídica. Visa a evitar surpresas para o contribuinte, com

a instituição ou majoração de tributo no curso do exercício financeiro”210.

Segundo o mestre, a observância ao princípio da anterioridade visa suprimir a

tributação de surpresa. O contribuinte, no exercício de suas atividades econômicas, precisa

fundamentalmente realizar planejamentos que comumente resultam na adoção de medidas,

que devem se dar dentro de uma previsibilidade estipulada.

O avanço de todos os setores da vida moderna nunca impôs tanto a necessidade

do planejamento no desenvolvimento das atividades empresariais, dentre elas, sem dúvida,

a tributária é uma das mais importantes. O contribuinte tem que conhecer a tributação

incidente sobre a atividade que desenvolve para que possa planejar a vida econômica de

sua empresa ou mesmo o contribuinte pessoa física que pretenda alterar seu patrimônio.

O princípio da anterioridade constante da Constituição Federal tem o condão

de salvaguardar essa necessidade de segurança e previsibilidade que todas as atividades

dos contribuintes demandam; eis que, ao impor o aguardo de lapso tempo para iniciar a

cobrança dos tributos, ele evita que o contribuinte seja surpreendido com a nova carga

tributária.

O princípio da anterioridade é garantia posta pelo sistema ao contribuinte. A

nossa Carta Magna não traz o princípio em apenas um dispositivo, mas o formata a partir

dos arts. 150, III, “b” e “c”, 150 § 1º e 195, § 6º, apresentando uma anterioridade revelada

pela não exigência do tributo no mesmo exercício financeiro em que a lei foi publicada e

noventa dias após publicação da lei, com aplicação diferenciada aos tributos.

Conjugando essa garantia com os dispositivos que tratam da matéria é que a

professora Regina Helena Costa concluiu que o princípio da anterioridade vem se tornando

cada vez mais complexo, tudo com o fim de oferecer maior proteção ao contribuinte. Na

210 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 204.

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aplicabilidade do princípio da anterioridade, segundo a referida professora, é possível

identificar diferentes regimes jurídicos:

1) observância de ambos os princípios – anterioridades genérica e especial, que constitui o padrão do sistema tributário;

2) não sujeição a nenhuma modalidade de anterioridade: empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência (art. 148, I); Imposto de Importação (art. 153, I); Imposto de Exportação (art. 153, II); IOF (art. 153, V); e impostos extraordinários (art. 154, II);

3) aplicação da anterioridade genérica, mas não da especial: IR (art. 153, III), fixação da base de cálculo do IPVA (art. 155, III); e IPTU (art. 156, I);

4) aplicação da anterioridade especial, mas não da genérica: IPI art. 153, IV); bem como ao ICMS incidente sobre operações com combustíveis e lubrificantes (art. 155, § 4º, IV, c), e à contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível (art. 177, § 4º, I, b), por força da EC n. 33, de 2001;

5) aplicação da anterioridade nonagesimal, específica para contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social (art. 195, § 6º).211 (grifo nosso).

A disciplina do princípio da anterioridade, como bem colocou a citada

professora, apresenta-se com diversidade de regimes. No que se refere ao IPI, a

Constituição o excepciona da anterioridade anual, mas impõe a necessidade de se observar

a anterioridade nonagesimal, de modo que a possibilidade de haver as alterações da

alíquota por meio de Decreto do Executivo não afasta a necessidade de que seja observada

a anterioridade nonagesimal.

Em caso recente, houve a majoração da alíquota dos veículos importados pelo

Decreto 7.567 de 15 de setembro de 2011, sem a observância da anterioridade

nonagesimal. O Poder Executivo, em sua defesa, afirma que o Decreto-lei 1199/71, que

estabelece os limites da majoração, foi recepcionado como lei e, portanto, não haveria

majoração; eis que a alíquota variou dentro da previsão legal.212

211 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 67-68. 212 Art. 4º O Poder Executivo, em relação ao Impôsto sôbre Produtos Industrializados, quando se torne

necessário atingir os objetivos da política econômica governamental, mantida a seletividade em função da essencialidade do produto, ou, ainda, para corrigir distorções, fica autorizado:

I - a reduzir alíquotas até 0 (zero);

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Não andou bem o Poder Executivo em sua justificativa, já que, embora haja um

parâmetro de alteração das alíquotas do IPI, a mesma só pode ocorrer com observância das

disposições do sistema jurídico tributário, dentre elas o respeito à anterioridade, que evitará

que os contribuintes sejam surpreendidos com o aumento da carga tributária, seja por lei ou

por decreto.

No caso do IPI, não houve exceção pela Carta Magna, devendo, portanto, ser

respeitada a anterioridade nonagesimal, conforme restou reconhecido pelo Supremo

Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4661.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal concedeu liminar para afastar a

vigência do Decreto 7.567/2011, que aumenta a alíquota do IPI para automóveis

importados e reduz a alíquota desse imposto para os fabricados no país. O relator, Ministro

Marco Aurélio, entendeu que o princípio da anterioridade deve ser observado no caso,

decidindo que o decreto fica suspenso até que tenha transcorrido o prazo de noventa dias

da sua publicação.

O art. 16 do referido Decreto previa a sua vigência imediata, a partir da

publicação que se deu em 16 de setembro de 2011. Com a decisão do STF, o aumento da

tributação somente surtirá efeitos após obedecido o prazo constitucional de 90 dias, nos

termos do que dispõe o art. 150, inciso III, letra c, da Constituição Federal, consolidando o

entendimento de que ao IPI se aplica a anterioridade nonagesimal:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – DECRETO – ADEQUAÇÃO. Surgindo do decreto normatividade abstrata e autônoma, tem-se a adequação do controle concentrado de constitucionalidade. TRIBUTO – IPI – ALÍQUOTA – MAJORAÇÃO – EXIGIBILIDADE. A majoração da alíquota do IPI, passível de ocorrer mediante ato do Poder Executivo – artigo 153, § 1º –, submete-se ao princípio da anterioridade nonagesimal previsto no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – IPI – MAJORAÇÃO DA ALÍQUOTA – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL – LIMINAR – RELEVÂNCIA E RISCO CONFIGURADOS. Mostra-se relevante pedido de concessão de medida acauteladora objetivando

II - a majorar alíquotas, acrescentando até 30 (trinta) unidades ao percentual de incidência fixado na lei;

[…] (BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 1.199, de 27 de dezembro de 1971. Altera a

Nomenclatura Brasileira de Mercadorias (NBM), a Tarifa Aduaneira do Brasil (TAB), a legislação do Impôsto sôbre Produtos Industrializados e dá outras providências. Brasília: 27 dez. 1971).

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afastar a exigibilidade da majoração do Imposto sobre Produtos Industrializados, promovida mediante decreto, antes de decorridos os noventa dias previstos no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Carta da República.213 Destacamos.

O art. 150 § 1º do texto constitucional expressamente excepcionou os tributos

não submetidos à anterioridade nonagesimal; dentro dessa exceção, não se incluiu o IPI,

concluindo-se pela sua aplicação para essa espécie tributária, conforme se posicionou o

Supremo Tribunal Federal.

5.4 Princípio da não cumulatividade

O princípio da não cumulatividade foi previsto para o então denominado

imposto sobre consumo, primeiramente por meio de legislação infraconstitucional. A Lei

nº 3.520 de 30 dezembro de 1958 trouxe a previsão da dedução para os casos de aquisição

de matérias-primas e outros produtos quando utilizados na fabricação e acondicionamento

de artigos ou produtos tributados214.

A não cumulatividade prevista pela referida lei ordinária fez menção expressa

que o aproveitamento do crédito para a dedução seria apenas os relativos “às matérias

primas e outros produtos adquiridos a fabricantes ou importadores ou importados

diretamente, para emprêgo na fabricação e acondicionamento de artigos ou produtos

tributados”.

As deduções permitidas se configuraram por meio do sistema do crédito físico,

ou seja, para os produtos que efetivamente foram usados na industrialização.

213 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº

4661/DF. Relator: Marco Aurélio. Julgamento: 20 out. 2011. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: 28 out. 2011.

214 Art. 213. […] 2º Os fabricantes pagarão o impôsto com base nas vendas de mercadorias tributadas, apuradas

quinzenalmente, deduzido, no mesmo período o valor do impôsto relativo às matérias primas e outros produtos adquiridos a fabricantes ou importadores ou importados diretamente, para emprêgo na fabricação e acondicionamento de artigos ou produtos tributados; […] (Id. Presidência da República. Lei nº 3.520, de 30 de dezembro de 1958. Altera a legislação do Impôsto de Consumo e dá outras providências. Rio de Janeiro: 11 jun. 1959).

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Constitucionalmente, o princípio da não cumulatividade foi previsto para o IPI

com a Emenda Constitucional de 1965 215 . Importante destacar que a previsão

constitucional, diferentemente da lei ordinária, não fez previsão expressa de quais produtos

poderiam ser objeto de dedução. Vale dizer, não fez qualquer diferenciação entre créditos

físicos e créditos financeiros.

A mencionada distinção também não foi feita pela Constituição de 1988, que

manteve normatização semelhante, de modo que o princípio da não cumulatividade é

diretriz constitucional prevista no capítulo do Sistema Tributário Nacional, pelo qual o

tributo da operação anterior deve ser abatido na operação subsequente, permitindo, desse

modo, ao contribuinte realizar a compensação em cada operação com a anterior.

O princípio assegurará que a carga tributária não recaia sobre a totalidade da

operação em cada etapa da cadeia produtiva, evitando-se a tributação repetida dos valores

incidentes sobre o produto e vindo de operações anteriores, de modo que não haja uma

cobrança cumulativa em cada operação, ou seja, evita-se a denominada cobrança “em

cascata”.

É por isso que o princípio da não cumulatividade garantirá ao contribuinte o

direito de apenas proceder ao pagamento da diferença apurada em determinado período,

caso ela exista, por meio da compensação entre créditos e débitos.

A Carta Magna prevê em seu o art. 153, § 3º, II, da Constituição Federal:

Art. 153. […] § 3º - O imposto previsto no inciso IV: I - será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; […]

A Constituição estabeleceu a aplicação do princípio da não cumulatividade ao

IPI, fixando como característica inerente a essa espécie tributária. A dicção, repita-se, é

constitucional, devendo ser observada pelo legislador infraconstitucional. Leandro Paulsen

destaca a sua importância:

215 Art. 11. Compete à União o impôsto sôbre produtos industrializados. Parágrafo único. O impôsto é seletivo em função da essencialidade dos produtos, e não-cumulativo,

abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nos anteriores. (BRASIL. Presidência da República. Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965.

Reforma do Sistema Tributário. Brasília: 01 dez. 1965).

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Visa a impedir que as incidências sucessivas nas diversas operações da cadeia econômica de um produto impliquem um ônus tributário muito elevado, decorrente da múltipla tributação da mesma base econômica. Em outras palavras, consiste em fazer com que o IPI não onere, em cascata, a produção. Isso ocorreria caso o IPI pudesse ser cobrado, sem qualquer compensação, nas diversas saídas de produtos industrializados ocorridas numa cadeia de industrializações que geram um produto final (saída do insumo de uma indústria para outra com vista ao fabrico de produto intermediário, saída do produto intermediário desta última indústria para outra com vista ao fabrico do produto final, saída do produto final para estabelecimento comercial que o oferecerá aos consumidores).216

A não cumulatividade erige-se como princípio constitucional que determina o

comportamento do legislador infraconstitucional ao atingimento de certas finalidades

almejadas pelo Estado brasileiro, buscando, no caso do IPI, essencialmente, evitar o

encarecimento do produto final, que, embora transite por diversas etapas tributada do ciclo

produtivo, não venha, por tal circunstância, influenciar o preço do produto que chega ao

consumidor.

Tal intento atinge a economia e o próprio desenvolvimento estatal com

repercussão direta para toda sociedade, já que a não cumulação de tributos em cada etapa

de um ciclo produtivo resultará em menor custo de produção para o industrial, com

resultados diretos sobre os produtos que terão preços mais acessíveis a toda população,

movimentando a economia, gerando mais empregos e fazendo com que haja circulação de

riquezas, fomentando a produção de bens.

Eis a magnitude desse princípio. O reflexo de sua aplicabilidade atinge a toda

sociedade, na medida em que influencia o desenvolvimento econômico. Esse contexto

deve ser fortemente considerado quando se pretende realizar qualquer interpretação

normativa.

O texto constitucional, além de fixar a não cumulação da tributação do IPI

como diretriz a ser observada pelo Estado-Administração, traz o modo como esse princípio

deve ser efetivamente realizado, ao prescrever que o IPI será compensado com “o que for

devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”. Trata-se da garantia de

dedução, o direito de abater de compensar. 216 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da

jurisprudência. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 308.

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A compensação é o meio utilizado para operacionalizar o princípio da não

cumulatividade. Faz-se o confronto entre o valor do tributo da operação anterior com

aquele da operação subsequente para, então, calcular-se eventual imposto devido sem que

ocorra a acumulação de cobrança. Veja-se que tal sistemática condiz com a busca de

valores a serem implementados pelo princípio constitucional, já que suaviza o impacto do

tributo sobre os preços dos bens, com reflexos diretos na economia.

Caso assim não ocorresse, prejudicado estaria a comercialização dos produtos,

conforme pondera José Eduardo Soares de Melo, demonstrando a importância do

princípio:

Referidos preços estariam desvinculados da realidade, da produção e da comercialização. Isto oneraria o custo de vida da população, e encareceria o processo produtivo e comercial, reduzindo os investimentos empresariais, em face do aumento de custos ocasionados por esse artificialismo tributário oriundo da cumulatividade.217

Com efeito, por ser o IPI um imposto cujo impacto da carga tributária recai

sobre o preço final do bem, suportado pelo consumidor, o constituinte impôs a observância

da não cumulatividade com o objetivo de evitar a onerosidade excessiva do processo

produtivo e, consequentemente, dos próprios produtos.

Paulo de Barros Carvalho, discorrendo sobre o princípio da não

cumulatividade, afirma que trata-se de um limite objetivo, voltando-se ao atingimento de

determinados valores, como da justiça da tributação, da capacidade contributiva e da

uniformidade na distribuição da carga tributária.218

Nesse contexto em que a aplicação da não cumulatividade se dá, temos que ela

erige-se como um princípio e não como mera técnica arrecadatória. André Mendes Moreira

afirma que, ao ser constitucionalizado, deixou de ser simples regra de apuração do valor

devido, passando a efundir diversas funções:

(a) a translação jurídica do ônus tributário ao contribuinte de facto, não onerando os agentes produtivos;

217 MELO, José Eduardo Soares. IPI Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 166. 218 CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade.

Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 33, p. 142-173, 1998.

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(b) a neutralidade fiscal, de modo que o número de etapas de circulação da mercadoria não influa na tributação sobre ela incidente; (c) o desenvolvimento da sociedade, pois a experiência mundial denota que a tributação cumulativa sobre o consumo gera pobreza, pois encarece a circulação de riquezas; (d) a conquista de mercados internacionais, permitindo-se a efetiva desoneração tributária dos bens e serviços exportados (impraticável no regime cumulativo de tributação); (e) a isonomia entre produtos nacionais e estrangeiros, pois a não-cumulatividade possibilita a cobrança, na importação, de tributo em montante idêntico ao suportado pelo produtor nacional219.

O referido autor, ao destacar a repercussão dos efeitos da não cumulatividade,

apanhou-a em toda a sua magnitude, demonstrando que, envolta da sua exteriorização por

meio de uma técnica arrecadatória, existem valores a serem atingidos, conquistados pelo

Estado.

Parte da doutrina 220 entende que a não cumulatividade é mera técnica

arrecadatória, afirmando, essencialmente, que não permeia outras normas constitucionais,

representando simples forma de apuração do quantum devido.

Entendemos, como Paulo de Barros Carvalho, Roque Antonio Carrazza e

Mizabel Derzi, que de fato a não cumulatividade deve se realizar por meio de uma técnica

arrecadatória. Entretanto, essa não cumulatividade foi constitucionalizada e tem a força de

gerar consequências que vão ao encontro de diretrizes que o constituinte quis salvaguardar,

dentre outros, a justiça da tributação, o respeito à capacidade contributiva do administrado,

e ao da uniformidade na distribuição da carga tributária221, que refletem diretamente no

desenvolvimento do Estado brasileiro.

No caminho de realizar esse princípio constitucional, há técnicas que lhe

permitem dar efetividade, como imposto-contra-imposto e base-contra-base (na sistemática

de deduções) ou a da adição (em que se soma o valor acrescido à mercadoria ou serviços,

para então, sujeitar-se essa parcela à tributação)222.

219 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p. 238. 220 Sustentam a não-cumulatividade como técnica: José Souto Maior Borges, Christine Mendonça, José

Artur Lima Gonçalves, dentre outros. 221 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 322. 222 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p. 241.

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No ICMS e no IPI temos a técnica do imposto-contra-imposto, pela qual o

contribuinte credita-se do tributo pago na operação anterior e debita-se do imposto pago

nas operações subsequentes, recolhendo aos cofres públicos a diferença entre créditos e

débitos.

Na COFINS e no PIS, não se aplica referida técnica, já que a incidência se dá

sobre a receita bruta, “a não-cumulatividade consiste em mera forma de apuração do

quantum debeatur”223. A base de cálculo é a receita bruta total proveniente de origens

diversas (aplicações, venda de ativos, dentre outros), não se podendo falar em uma “receita

‘agregada’ em cada fase do processo produtivo”224, diferentemente do ICMS e IPI, que se

dá com base em negócios jurídicos realizados em cada etapa do ciclo produtivo ou

mercantil.

Alcides Jorge Costa afirma que a técnica utilizada na COFINS e no PIS é

mista: “o contribuinte aplica a alíquota à soma dos insumos, equipamentos etc. que recebe

e debita-se da contribuição incidente sobre sua receita bruta. Há, pois, uma combinação do

método imposto sobre imposto com base sobre base”225.

A não cumulatividade se efetiva diferente para a COFINS e o PIS quando

contraposta ao ICMS e IPI, cada qual utiliza-se de técnica própria para o cálculo do tributo

devido, evidenciando que sobre a adoção dessas técnicas de cálculo irradia-se a não

cumulatividade como princípio orientador.

Nosso ordenamento jurídico, para o IPI, prescreve a técnica do imposto-contra-

imposto, mecanismo esse que se viabiliza por meio da compensação entre o que foi pago

na operação anterior com a subsequente. A “compensação” é o meio por excelência que

afasta a cumulatividade. O sistema de compensação permite que se confrontem todas as

entradas e todas as saídas de produtos do estabelecimento, em certo período de tempo, a

fim de se obter eventual diferença de tributo a ser pago.

223 Ibid., p. 242. 224 Ibid., p. 219. 225 COSTA, Alcides Jorge. Não-cumulatividade: restrições. Revista de Direito Tributário, São Paulo:

Malheiros, n. 94, 2005, p. 121.

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O sistema de compensações, portanto, dá efetividade ao princípio da não

cumulatividade, garantindo ao contribuinte que suporte apenas o pagamento da diferença

do imposto, se houver.

Vale destacar, ainda, que a compensação se realiza com a simples ocorrência

da operação que gerou o crédito. Assim, embora o texto constitucional mencione que a

compensação se dará com o montante cobrado na operação anterior, certo é que não há

necessidade da prova do efetivo recolhimento, essa é a inteligência do dispositivo.

O pagamento ou o recolhimento do tributo na etapa anterior não tem o condão

de validar o direito ao crédito, que nasce independente e constitui regra própria (regra-

matriz de direito ao crédito), não se subordinando ao pagamento ou recolhimento do

tributo na etapa anterior.

Portanto, o direito ao crédito, ou seja, o valor do tributo pago na etapa

antecedente e que gera o crédito ao contribuinte a ser compensado com o valor pago na

etapa subsequente – débito – não se vincula ao recolhimento do tributo. Eduardo

Domingos Bottallo destaca:

De fato se o sujeito passivo que promoveu a operação anterior deixa de pagar o imposto, ou este não é “cobrado” pela Fazenda, isto em nada prejudica o direito à compensação: o abatimento é devido mesmo nessas hipóteses.226

A interpretação da “expressão cobrado” deve se coadunar com a sistemática de

arrecadação do tributo e, fundamentalmente, com a diretriz constitucional da não

cumulação da tributação sobre bens destinados ao consumo.

O direito ao crédito independe da concretização do pagamento, bastando ter

havido a operação anterior, mesmo porque o contribuinte adquirente do bem não detém o

controle do efetivo recolhimento do tributo, e impor-lhe tal constatação discreparia do

direito constitucional de compensar.

226 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 38.

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146

A literalidade da interpretação não prevalece, essencialmente, porque a regra-

matriz de incidência tributária não se confunde com a regra-matriz do direito ao crédito.

Nas lições de Paulo de Barros Carvalho:

Para realizar esse desígnio, imperativamente proposto pela Constituição da República, impende a edição de norma jurídica que instaure, de forma efetiva, o direito ao crédito daquele que adquire mercadoria ou insumo, com o fim de dar sequência às várias etapas dos procedimentos de industrialização ou de comercialização. Mas o direito ao crédito não basta. Para tornar efetivo o princípio da não-cumulatividade exige-se, em cada ciclo, a compensação entre a relação do direito ao crédito (nascida com a entrada do bem) e a relação jurídica tributária (nascida com a saída do bem). É por esse motivo que o direito ao crédito, daquele que participa das fases do ciclo da não-cumulatividade, é tão necessário na consecução dessa técnica.227

Assim, o pagamento do tributo da etapa anterior é irrelevante para fins do

reconhecimento do direito ao crédito do contribuinte da etapa subsequente. Destarte, tendo

o contribuinte participado de operações anteriores sujeitas à tributação via IPI, terá o

direito do aproveitamento do valor do imposto como crédito em sua escrituração fiscal.

Tomadas as considerações expostas, podemos inferir que o princípio da não

cumulatividade mostra-se fundamental para realizar valores e metas a serem alcançadas

pelo Estado brasileiro, essencialmente marcado para realizar o crescimento econômico, já

que a desoneração que implementa provoca reflexos diretos no desenvolvimento social,

com a geração de empregos e a circulação de riqueza.

5.4.1 Do direito ao aproveitamento de crédito

Como vimos, o princípio da não cumulatividade tem a força de impedir que se

acumule a cobrança do IPI sobre o mesmo produto que transita por várias etapas de uma

cadeia de produção. A não cumulatividade tem razão de ser nos impostos plurifásicos,

como o IPI, onde há operações sucessivas que caracterizam hipótese de incidência de

tributação, em que, para cada nova etapa em que haja a incidência do tributo, deverá ser

considerada a tributação ocorrida nas anteriores.

227 CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade.

Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 33, 1998, p. 158.

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147

O princípio se perfaz pelo mecanismo da compensação – abatimento entre

débito e crédito –, sendo suficiente para seu implemento a existência de operação

antecedente e submetida à hipótese tributária do IPI, gerando uma relação de crédito para o

contribuinte. Trata-se de imperativo constitucional que prescreve o direito de

aproveitamento de crédito.

Nessa linha de raciocínio, estamos habilitados a afirmar que, por isso, o

princípio da não cumulatividade não pode sofrer restrições pelo legislador

infraconstitucional sob pena de se afastar do intento do constituinte. Na Constituição de

1988 e mesmo antes dela, não havia restrições fixadas, por certo objetivando salvaguardar

os valores que o cumprimento desse princípio traz para a economia e, consequentemente,

para a sociedade.

O princípio constitucional da não cumulatividade não precisa de outras normas

para produzir efeitos. O seu conteúdo se perfaz nos termos postos pela Constituição, daí

porque não pode sofrer restrições pelo legislador infraconstitucional. Esse pode estabelecer

formas de controle da realização da sistemática de compensação, como a necessária

escrituração dos créditos e débitos, mas sem restringir a amplitude da não cumulatividade.

Nesse sentido, vale mencionarmos o caso particular atinente ao ICMS, que,

pela Emenda Constitucional nº 23/83, conhecida como Emenda Passos Porto, teve

restrições ao princípio da não cumulatividade estabelecidas e que foram mantidas na

Constituição de 1988. Diferentemente, no regime jurídico do IPI, não há limitações

constitucionais feitas; a Carta Magna não estabeleceu qualquer limitação.

De todo modo, importante ponderação foi feita por Hugo de Brito Machado, ao

afirmar que a Emenda 23/83 “violentou a lógica do sistema, e somente prevalece pela

categoria superior das normas da Constituição”228. Aduz que a restrição no ICMS apenas

se justifica pela finalidade de evitar a “guerra fiscal” entre os Estados e, que, no caso do

IPI, por ser tributo federal, não há que se falar em dispensar o mesmo tratamento.

228 MACHADO, Hugo de Brito. Isenção e Não-cumulatividade do IPI. Revista Dialética de Direito

Tributário, São Paulo: Dialética, n. 4, 1996, p. 31.

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148

Humberto Ávila, abordando a reserva constitucional material pressuposta,

assevera que “é lícito afirmar que a Constituição pressupõe conceitos que não podem ser

desprezados pelo legislador ordinário”.229

A Constituição, ao não prescrever limitações ao aproveitamento de crédito para

o IPI, permitiu que os contribuintes dessa exação tivessem direito ao crédito sobre as

operações anteriores, ainda que isentas, não tributadas ou submetidas à alíquota zero.

Não há, nesse aspecto, limitação do direito ao crédito, de sorte que ocorrida as

hipóteses referidas (isenção, não tributado ou alíquota zero), deve ser mantido o

aproveitamento do crédito, o que se coaduna com os intentos almejados com a aplicação

do princípio da não cumulatividade.

Deveras, antes mesmo da Constituição de 1988, já existia restrição para o

ICMS, de modo que, se assim o quisesse, o constituinte poderia também tê-lo feito para o

IPI, mas não o fez. Ademais, sabe-se que a restrição imposta ao ICMS foi resultado de

pressões havidas pelos Estados como meio de evitar confrontos; entretanto, essa realidade

não pode ser submetida ao IPI.

A isenção, a não tributação e a submissão à alíquota zero denotam técnicas que

pretendem suavizar o impacto da tributação com caráter ordinatório de condutas. No

entanto, esse intento somente se realiza com a manutenção do direito ao crédito em cada

etapa do ciclo produtivo, mesmo que desoneradas, permitindo-se haver a compensação

com o regular aproveitamento desse crédito com o débito advindo da regra-matriz de

incidência tributária.

5.4.2 Do sistema de compensação

A Constituição estabelece em seu o art. 153, § 3º, II, que o IPI será não

cumulativo, compensando-se com o que for devido em cada operação, com o montante

cobrado nas anteriores. A expressão “cobrado”, já oportunamente analisada, significa não

229 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 207.

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149

o tributo efetivamente recolhido ou pago, mas a existência de operação anterior

caracterizadora de hipótese tributária do IPI.

O Código Tributário Nacional, como norma geral do sistema tributário

nacional, dispondo sobre o IPI, prescreve:

Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados. Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte transfere-se para o período ou períodos seguintes.

Conjugando os dispositivos, temos a compensação como instrumento previsto

para que o princípio da não cumulatividade se realize. A sistemática da compensação surge

como meio de apurar eventual valor devido a título de IPI. Diz-se eventual já que do

confronto entre entradas e saídas pode resultar, em verdade, crédito.

A compensação será possível, conforme nos ensina Cléber Giardino, “quando

existam débitos opostos que, podem, perfeitamente, liquidar-se reciprocamente na medida

de sua equivalência”.230

Esse sistema de abatimento ocorre de “imposto-contra-imposto”, ou seja, toma-

se como base de cálculo o preço total da operação de venda, faz-se a aplicação da alíquota

correspondente para que se obtenha o valor do imposto e se reduz o valor tido nas

operações anteriores. É o denominado método subtrativo indireto.

Esclarece André Mendes Moreira que, apesar de a origem da não

cumulatividade estar relacionada aos tributos sobre o valor agregado, em que o imposto

incide sobre o valor efetivamente acrescido do produto ou serviço, a bem da verdade, e

apesar da utilização da expressão (imposto sobre valor agregado), tem-se que o cálculo do

tributo a ser pago se dá pelo mencionado método subtrativo indireto que toma o preço da

operação de venda como base de cálculo e não o valor acrescido.231

230 GIARDINO, Cleber. O ICM e o princípio da não-cumulatividade. Revista de Direito Público, São

Paulo: Revista dos Tribunais, n. 25-26, jul.-dez. 1983, p. 191. 231 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p. 62-73.

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150

O CTN prevê que o sistema de compensação ocorra “em determinado

período”. O contribuinte, ao final do período fixado em lei, promoverá o encontro de

contas, onde os valores de IPI resultantes de aquisições realizadas (créditos) deverão ser

subtraídos dos valores de IPI das operações de saídas (débitos).

Dentro da normalidade da tributação por meio do IPI, em que todas as etapas

têm a regra padrão de incidência, a aludida sistemática segue devidamente ocorrida no que

tange ao creditamento; entretanto, os problemas começam a surgir quando há, em uma das

etapas, isenção, alíquota zero e não tributação, sem que se resguarde o respectivo direito ao

crédito para compensar.

5.4.3 Isenção, alíquota zero, não tributação e o direito ao aproveitamento do

crédito

Afora a normalidade das operações em que há tributação do IPI nas diversas

etapas do ciclo de produção, a questão que se precisa analisar nesse momento é se o direito

ao crédito permanece intacto, ou não, quando a industrialização de produtos envolva etapa

com produto isento, sujeito à alíquota zero ou mesmo produtos não tributados.

Para tanto, fundamental destacarmos que a conclusão da questão posta só será

possível por meio do processo interpretativo a ser empreendido sobre o sistema jurídico

brasileiro, o que faz denotar a importância da interpretação normativa.

É preciso, então, enfrentar as normas que disciplinam a obrigação tributária de

pagar IPI, que estabelecem dever jurídico para o sujeito passivo dessa exação e as normas

que possibilitam que o Estado institua isenção ou submeta à operação a uma alíquota zero

ou não tributada. Quanto a essas últimas uma observação desde já se mostra necessária. Se

o ordenamento trouxe a possibilidade de instituí-las, os efeitos delas são diversos da norma

de tributação, o que deve ser considerado sob pena de se esvaziarem o conteúdo de tais

institutos.

Assim, tem-se a norma de tributação e a norma que estabelece uma isenção,

alíquota zero ou não tributação, envolvendo uma das etapas do ciclo produtivo, sendo que,

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do confronto dessas normas, é que decorre a provocação quanto aos efeitos jurídicos

desses institutos frente à não cumulatividade.

Pois bem, primeiramente, uma constatação deve ser reafirmada: o texto

constitucional não traz qualquer limitação ao princípio da não cumulatividade para o IPI,

dicção constitucional essa essencial para iniciarmos o caminho interpretativo.

O texto constitucional prescreve a competência da União para instituir

obrigação tributária sobre os produtos industrializados. Paralelamente, estabelece que essa

incidência se dará de modo não cumulativo, devendo haver compensação com o que for

devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.

Podemos depreender que a Constituição estabelece direitos distintos, opostos e

antagônicos entre si, quais sejam, o direito do fisco de exigir o cumprimento da obrigação

tributária que se perfaz no recolhimento de IPI sobre determinada operação do ciclo

produtivo e o direito do contribuinte em creditar-se, ou seja, realizar o pagamento daquele

débito tributário por meio “de uma moeda especial que lhe foi credenciada pelo texto

constitucional e que corresponde a um crédito, um valor, que abate o montante singelo

daquela obrigação anterior”.232

Nesse quadro, o Estado e o contribuinte figuram em relações jurídicas distintas,

a partir de um mesmo fato. Numa, o Estado tem o direito de exigir o cumprimento de uma

obrigação que é titular e, na outra, em que passa a figurar em outro polo da relação

jurídica, tem o dever de assegurar ao contribuinte o direito à compensação.

Por isso, percuciente é a lição de Paulo de Barros Carvalho, ao afirmar que

“um único fato social comparece aos olhos do jurista como dois fatos jurídicos distintos

porque objeto da incidência de normas jurídicas diversas”233.

A conformação do princípio constitucional da não cumulatividade para o IPI

exsurge com dois direitos distintos entre o Estado e o contribuinte, que, consequentemente,

232 GIARDINO, Cleber. O ICM e o princípio da não-cumulatividade. Revista de Direito Público, São

Paulo: Revista dos Tribunais, n. 25-26, jul.-dez. 1983, p. 190-191. 233 CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade.

Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 33, 1998, p. 146.

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152

propagam duas relações jurídicas distintas, nas quais referidos sujeitos se alternam nas

posições dessas relações jurídicas.

Temos, portanto, duas relações jurídicas, a relação jurídica tributária e a

relação de direito ao crédito, que Cleber Giardino chama de relação de débito e relação de

crédito, destacando a diferença entre as mesmas:

Na primeira relação (que aqui chamaremos de relação tributária, relação de débito), o sujeito ativo é o Estado, pretendente ao recebimento de uma certa importância em dinheiro. O sujeito passivo, por outro lado, é o contribuinte, obrigado e devedor. Na relação de crédito (relação que decorre do direito atribuído pela Constituição ao contribuinte, para que constitua um título obrigacional contra o Estado), as posições, nessa sujeição, se invertem. O sujeito ativo, aquele que tem o direito de exigir o respeito à faculdade constitucional de abatimento, é o próprio constituinte. E, sujeito passivo (aquele que deve suportar esse abatimento, na linguagem da Constituição, é o Estado. As posições dos sujeitos se invertem nessas duas relações.234

Depreendemos das lições de Giardino a clara distinção entre as relações

jurídicas que se instauram a partir do princípio da não cumulatividade e que possuem

regimes jurídicos próprios, com tratamentos distintos perante o sistema jurídico tributário.

Paulo de Barros Carvalho também ensina que “duas são as normas jurídicas – a

regra-matriz de incidência do IPI e a regra-matriz do direito ao crédito”235, evidenciando

que se trata do mesmo fato social sendo utilizado pelo legislador para dar ensejo à

incidência de normas jurídicas diferentes.

Para realizar a sistemática de crédito/débito, cada regra-matriz traz

consequências próprias, não se confundindo; a norma isentiva atua inibindo a norma

tributária não se confrontando com o direito ao crédito que permanece intacto, dando

efetividade a dicção constitucional da não cumulatividade.

234 GIARDINO, Cleber. O ICM e o princípio da não-cumulatividade. Revista de Direito Público, São

Paulo: Revista dos Tribunais, n. 25-26, jul.-dez. 1983, p. 191-192. 235 CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade.

Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 33, 1998, p. 154.

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153

Logo, a existência do direito ao crédito não se vincula ao nascimento da

obrigação tributária. Nesse sentido, tomamos novamente as lições de Paulo de Barros de

Carvalho:

Cabe salientar, enfim, que a regra que estipula o nascimento do direito ao crédito goza de autonomia, relativamente à norma que cuida da imposição tributária. Portanto, se para a formação do direito ao crédito é irrelevante o próprio nascimento da obrigação, muito mais ainda será a circunstância de ter sido ou não extinta essa mesma relação: a cobrança do tributo na operação anterior torna-se irrelevante para a formação do direito ao crédito236.

A autonomia das regras-matrizes faz com que o princípio da não

cumulatividade se realize em sua integridade conceptual, mantendo-se o direito ao crédito

ao contribuinte que participa das etapas do ciclo produtivo.

O citado mestre afirma que a conformação da tributação via IPI para dar

efetividade ao princípio da não cumulatividade há de ter inexoravelmente uma norma que

juridicize as aquisições feitas pelos contribuintes para o processo de industrialização, que

traga em seu consequente o direito de crédito do comprador frente ao Fisco,

independentemente de ter havido cobrança, incidência ou pagamento do imposto.

Daí porque não se pode conceber a interpretação literal para a expressão

“cobrado”, constante do inciso IV, do art. 153 da Constituição Federal, consoante já

tivemos a oportunidade de abordar no capítulo quarto quando se abordou o princípio da

não cumulatividade.

A existência de duas regras jurídicas distintas que perfazem a sistemática de

crédito e débito salvaguardam a não cumulatividade, que tem em si o propósito de evitar o

acúmulo da tributação, refletindo no valor final do produto. O rompimento dessa

sistemática, nas lições de Sacha Calmon Navarro Coêlho, resulta em:

- cumulação de imposto de uma operação à outra; - mais imposto a pagar à Fazenda Pública, em quantia superior

àquele que seria devida se não houvesse a isenção; - elevação do preço final do produto, suportando o consumidor final

ônus mais pesado do que suportaria se não houvesse a isenção;

236 CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade.

Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 33, 1998, p. 160.

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- ônus adicionais para os contribuintes, se estes não conseguirem transferir o encargo para o consumidor, o que contraria a regra de que os impostos não-cumulativos não devem onerar os agentes econômicos da indústria ou do comércio.237

As referidas consequências elencadas por Sacha Calmon demonstram o quão

nefasto se torna o rompimento da não cumulatividade durante as etapas do ciclo produtivo,

circunstância essa que deve ser considerada ao analisarmos etapas do ciclo produtivo que

porventura venham acobertadas pela isenção, alíquota zero ou ainda não tributada.

Tais mecanismos são utilizados pelo legislador e visam não apenas

arrecadação, mas, sim, atingir fins diversos na sociedade, como a economia, meio

ambiente e tantos outros a cargo do Estado. Vale dizer que podem ser manuseados para

que o Estado oriente condutas para que atinja ou implemente políticas públicas a que se

propôs.

A isenção conduz ao efeito de eximir a imposição de um ônus, no caso, o de

impor o dever de pagar IPI. Concordarmos com Paulo de Barros Carvalho que a norma

isentiva investe sobre um dos critérios da regra-matriz de incidência, mutilando-a

parcialmente, havendo o encontro de duas normas jurídicas que vão afetar a abrangência

da incidência da hipótese tributária. A isenção atinge a funcionalidade da regra-matriz de

incidência, seja nos critérios do antecedente, seja do consequente.238

O ciclo produtivo se opera sobre a sistemática de compensação –

crédito/débito. Quando se estipula a isenção do IPI em uma das etapas do mencionado

ciclo produtivo, há que se compreender adequadamente o instituto da isenção sob pena de

torná-lo sem qualquer efeito.

Ocorrendo a isenção, é preciso que se reconheça a autonomia normativa dessa

regra isentiva. Vale dizer, a sua ocorrência mutila parcialmente a regra-matriz de

incidência tributária; entretanto, continua a produzir outros efeitos sem atingir a regra-

matriz do direito ao crédito, de modo que reste assegurada a constituição do direito ao

crédito.

237 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. O Imposto sobre Produtos Industrializados e o direito à compensação

de créditos presumidos. Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, v. 2, 1998, p. 311. 238 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 593.

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155

Deveras, se o contribuinte tem direito ao crédito nas etapas do ciclo de

produção como regra autônoma e constitucionalmente fixada, estabelecer isenção sobre

uma delas só se justificaria acaso lhe fosse mantido o mesmo direito ao abatimento, sem

qualquer estorno de crédito, para que, assim, se desonere ainda mais o impacto da

tributação e, consequentemente, o valor final do produto, pois, se assim não fosse, não

haveria razão para que a figura da isenção fosse aplicada.

Paulo de Barros Carvalho afirma que a isenção deve caminhar alinhavada com

os preceitos da não cumulatividade; eis que,

[…] havendo por parte do contribuinte direitos aos recursos que asseguram a não-cumulatividade, e desfrutando ele de isenção, não quadraria argumentar que um anula o outro, como se estivessem em oposição frontal. Ao contrário, tais providências ordinatórias se entrecruzam, somando seus efeitos: o direito subjetivo à isenção e o direito constitucional à não-cumulatividade.239

Hugo de Brito Machado foi brilhante em sua conclusão, ao abordar a isenção e

a não cumulatividade do IPI, afirmando que o direito ao crédito deve ser mantido quando

houver operação isenta, senão haverá a “supressão pura e simples das isenções, que

restariam convertidas em meros diferimentos de incidência”. E conclui:

É razoável, assim, entender-se que o princípio da não-cumulatividade efetivamente ampara a pretensão das adquirentes ao crédito do IPI relativo a insumos isentos, pois não é admissível uma interpretação segundo a qual resta anulada a finalidade da isenção. O elemento sistemático impõe a preferência pela interpretação que não anula o instituto da isenção240.

A não concessão do direito de aproveitamento do crédito significa, portanto,

torná-lo cumulativo, inviabilizando o intento maior de sua utilização, que seria a concessão

de desonerações tributárias, havendo, em verdade, apenas uma prorrogação no tempo para

recolher o IPI ou, como afirmou Hugo de Brito, haverá mero diferimento, o que

absolutamente não parece ser a intenção da Constituição.

239 CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade.

Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 33, 1998, p. 158. 240 MACHADO, Hugo de Brito. Isenção e Não-cumulatividade do IPI. Revista Dialética de Direito

Tributário, São Paulo: Dialética, n. 4, 1996, 4: 31.

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156

A isenção e o diferimento são institutos distintos. A isenção se apresenta como

mecanismo previsto pelo sistema jurídico brasileiro tendente a implementar a tributação

extrafiscal, possibilitando que o Estado por meio de preceito diretivo da conduta viabilize

os desígnios constitucionais, já o diferimento se apresenta como possibilidade ofertada ao

legislador ordinário nos procedimentos de recolhimento do tributo.

A isenção molda a norma de tributação, de modo que certos contribuintes,

fatos ou situações excluem-se do seu campo de incidência. Entrementes, a alteração

promovida sobre a norma padrão de incidência não afeta o suporte fático que enseja o

direito ao crédito.

A isenção é um instituto utilizado pelo Estado para viabilizar a tributação

extrafiscal, de modo que se atinge a carga tributária para poder implementar políticas

públicas necessárias à sociedade. Sua natureza, portanto, não pode ser negada, devendo se

compatibilizar com as demais normas do sistema como o preceito constitucional da não

cumulatividade.

Com a alíquota zero, temos a mesma mutilação que afetará o âmbito de

incidência da norma de tributação. Nesse caso, não haverá dever jurídico e nem direito

subjetivo, inexistindo relação jurídica, já que não haverá o objeto; eis que o crédito

tributário estará reduzido a zero, tendo-se atingido o aspecto quantitativo da regra-matriz

de incidência, o que resulta em inexistência de obrigação a ser cumprida, “paralisando a

atuação da regra-matriz de incidência tributária”241.

A redução da alíquota para “zero” significa que o aspecto quantitativo da

norma padrão de incidência foi mutilado, afetando o nascimento da relação jurídica

tributária, mas não afeta o nascimento da relação jurídica que dá nascimento ao direito de

crédito, pois “sobre o mesmo suporte factivo, a regra-matriz de direito ao crédito recorta

seu próprio fato jurídico e produz seus efeitos específicos, constituindo o direito ao

crédito.”242

241 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 570-

573. 242 Id. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não-cumulatividade. Revista Dialética de Direito

Tributário, São Paulo: Dialética, n. 33, 1998, p. 166.

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157

A possibilidade de atribuir alíquota “zero” a determinados tributos pelo Poder

Executivo não pode aniquilar princípio constitucional, sob pena de ser mero subterfúgio

para afastar a não cumulatividade e ofender primado insculpido para a tributação do IPI

pela Constituição Federal.

O mesmo raciocínio empregado na isenção e na alíquota zero deve ser aplicado

aos produtos cuja classificação na Tabela do IPI conste como “não tributado”. Muitos

produtos submetidos à industrialização e que constam da Tabela de Incidência do IPI, ao

invés da alíquota são alocados como “não tributado”.

Em tais casos, a caracterização do tributo como “não tributado” não tem o

condão de afastar o aproveitamento do crédito, já que se mostra como verdadeiro caso de

desoneração, em que a norma de tributação tem sua amplitude atingida, nos contornos da

figura isencional. Vale dizer que temos o mesmo resultado, ou seja, não há pagamento de

tributo.

No caso dos produtos não tributados, importante anotação fez o ministro Cezar

Peluso, asseverando haver três situações possíveis:

i) produtos não-tributados (N/T) por ausência de competência tributária (imunidade ou ausência de competência por exclusão lógico-residual da norma atributiva);

ii) produtos não-tributados (N/T) por não estarem incluídos na lei que fixa o âmbito de incidência do IPI, mas estarem incluídos no da competência;

iii) produtos não-tributados (N/T) por expressa disposição legal (dentro do âmbito de competência e dentro do âmbito de incidência).243

O Ministro concluiu, com razão, pela manutenção do crédito nas hipóteses (ii)

e (iii), equiparando essas à isenção e alíquota zero; eis que reduzem a abrangência da

regra-matriz de incidência, sendo opção do legislador tributar tais situações. Já na hipótese

(i) – não tributação por ausência de competência –, como os casos em que não se trata de

produto industrializado, não haveria que se falar em direito ao crédito.

243 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 353.657/PR. Relator: Ministro Marco

Aurélio. Julgamento: 25 jun. 2007. Órgão Julgador: Pleno. Publicação: Dje 06 mar. 2008.

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Destarte, o legislador infraconstitucional, ao se utilizar dos instrumentos ao seu

alcance como isenção, alíquota zero ou não tributado, deve, necessariamente, garantir o

aproveitamento de crédito sob pena de subverter a dicção constitucional de evitar o efeito

em cascata, bem como inexistiria razão que justificaria o uso de tais mecanismos, cuja

função primordial é de orientar condutas para que o Estado atinja os desígnios estatais.

Eduardo Domingos Bottallo observa: “A isenção visa favorecer situações

consideradas de alta relevância social. O impedimento à utilização dos créditos de IPI, nas

operações assim beneficiadas, anula por completo este propósito”.244

A não cumulatividade constitucionalmente fixada para o IPI deve ser

interpretada amplamente, de modo que reste salvaguardado o direito ao crédito, com

supedâneo na existência de duas normas jurídicas distintas independentes. Desconsiderar a

autonomia da regra-matriz do direito ao crédito e vinculá-la à regra-matriz de incidência

tributária significa, nos casos em que houver qualquer das figuras mencionadas, afronta à

não cumulatividade constitucional prescrita para o IPI.

Por isso, José Eduardo Soares de Melo ,analisando tais figuras, ensina que,

Por conseguinte, quaisquer formas de desoneração de cargas tributárias – isenção, imunidade, alíquota zero, n/t – não tributado –, relativamente à aquisição dos bens, ou no que concerne aos produtos industrializados, não poderiam ter nenhum efeito inibitório no que diz respeito ao regular (e constitucional) aproveitamento dos créditos de IPI.245

A isenção, a alíquota zero e os produtos não tributados não obstam a tomada do

direito ao crédito já que esse direito decorre diretamente do princípio da não

cumulatividade estipulado no texto constitucional para o IPI. Não há, portanto, que se

vincular o direito ao crédito à incidência da norma de tributação, sob pena de haver

restrição a não cumulatividade, não prevista constitucionalmente.

Não se despreza que ontologicamente tais institutos se diferenciam; entretanto,

perfazem-se em instrumentos que provocam a desoneração de uma operação. Paulo de

Barros Carvalho destaca que existem diversas maneiras de se inibir a regra-matriz

tributária e, sempre que a sua abrangência for atingida, estaremos diante do fenômeno da

244 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 42. 245 MELO, José Eduardo Soares. IPI Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 179.

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isenção, seja qual for o modo como se venha a nominar tal circunstância, devendo resultar

no mesmo tratamento.246

José Souto Maior Borges destaca que o ponto comum que se tem na isenção,

na não tributação e a na alíquota zero é o fato de que não há obrigação a ser constituída,

mas se perfazem em categorias afins247 que possuem o condão de desonerar determinada

operação, o que torna forçoso reconhecer que devam ter o mesmo tratamento,

considerando sua contextualização com o princípio da não cumulatividade, que impõe

concluir pela necessidade de que em tais situações o direito ao crédito seja preservado.

5.4.3.1 O tema na jurisprudência: isenção, alíquota zero, não tributação e o

direito ao aproveitamento do crédito

O direito ao crédito do IPI em operações isentas, não tributadas e sujeitas à

alíquota zero é tema que se apresenta com diferentes interpretações, dependendo

essencialmente do conteúdo, sentido e alcance que será construído da norma constitucional

da não cumulatividade, confirmando, mais uma vez, a importância da interpretação.

O Supremo Tribunal Federal, analisando o direito ao aproveitamento do crédito

de aquisição de insumos em operações isentas no Recurso Extraordinário nº 212.484/RS

julgado em março de 1998, considerou que o contribuinte tinha direito ao crédito do IPI.

Segue ementa:

CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO INCIDENTE SOBRE INSUMOS. DIREITO DE CRE’DITO. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. OFENSA NÃO CARACTERIZADA. Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o contribuinte de IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção. Recurso não conhecido.248

O Ministro Nelson Jobim assevera em seu voto que o Brasil “adotou, por

conveniência, a técnica da cobrança distinta”, que objetiva tributar a primeira operação de

246 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 570-

573. 247 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. São Paulo: Malheiros, 2001. 248 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 212.484/RS. Relator: Ministro Ilmar

Galvão. Julgamento: 05 mar. 1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 18 mar. 1998.

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forma integral e depois apenas o valor agregado, mas que, para evitar confusão, a alíquota

incide sobre o valor de todas as operações sucessivas com a concessão de crédito para

evitar a cumulação, e conclui:

Ora, se esse é o objetivo, a isenção concedida em um momento da corrente não pode ser desconsiderada quando da operação subsequente tributável. O entendimento no sentido de que, na operação subsequente não se leva em conta o valor sobre o qual deu-se a isenção, importa, meramente em diferimento.

O Ministro Marco Aurélio bem ponderou que não se poderia confundir isenção

com diferimento, “nem agasalhar uma óptica que importe em reconhecer-se a possibilidade

de o Estado dar com uma das mãos e retirar com a outra”.

O STF se posicionou, então, no sentido de que os créditos resultantes da

utilização de matérias-primas e insumos isentos preservariam integralmente seu crédito,

sob pena de configurar mero diferimento da incidência do imposto, uma vez que o

contribuinte sofreria gravame equivalente ao que suportaria, caso não existisse a

exoneração.

Posteriormente, em 2002, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº

353.668-1, RE nº 357.277-6 e RE nº 350.446-1, manteve o entendimento quanto ao direito

de aproveitar o crédito do IPI nas aquisições de insumos isentos e estendeu esse mesmo

entendimento às operações sujeitas à alíquota zero e não tributadas. Em seu voto, o

Ministro Nelson Jobim destaca:

A isenção, a alíquota zero e não-tributação objetivam levar, ao mercado, o produto final com menor oneração tributária. […] Negar o creditamento é negar que os efeitos da isenção, alíquota zero ou não-tributação intercorrentes alcancem o custo final do produto249.

Até esse momento, o direito ao crédito do IPI, quando houvesse operações

isentas, sujeitas à alíquota zero e não tributadas, era reconhecido pelos tribunais superiores.

Entretanto, no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 353.657/PR e 370.682/SC, o

249 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 350.446/PR. Relator: Ministro Nelson

Jobim. Julgamento: 18 dez. 2002. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 19 dez. 2002, p. 728-729.

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Supremo Tribunal Federal, revendo seu entendimento, passou a negar o direito ao

aproveito do crédito nas aquisições sujeitas à alíquota zero e não tributadas.

Assim, em 2007, o Supremo Tribunal Federal alterou parcialmente seu

entendimento para afastar o direito ao crédito quando houvesse operações submetidas à

alíquota zero250, sob a assertiva de que nesses casos estaria se reconhecendo um crédito

fictício, já que não haveria um crédito anterior para se compensar, o que não poderia

prevalecer.

O Supremo Tribunal Federal, por maioria (6 x 5 – votos), em 2010251, firmou

entendimento que o creditamento pressupõe efetivamente a cobrança, já que só se

compensaria com o que fosse devido na operação anterior.

Trazemos à baila, decisão do Ministro Ayres Brito proferido em fevereiro de

2012, que bem retrata o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal:

2. Pois bem, a União aponta violação ao inciso II do art. 5º, ao inciso I e ao § 6º do art. 150, ao inciso II do § 3º do art. 153, ao inciso IV do art. 170, ao § 4º do art. 173, e ao caput do art. 174, todos da Magna Carta de 1988. 3. Tenho que a insurgência não merece acolhida. De saída, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar os REs 353.657 e 370.682, entendeu que a utilização dos créditos de IPI alusivos à alíquota zero e à não-tributação afronta o inciso II do § 3º do art. 153 da Constituição da República. Esta Casa de Justiça concluiu que a não-cumulatividade pressupõe, salvo previsão expressa do próprio Magno Texto, tributo devido e já recolhido e que, nestes casos, não há parâmetro normativo para se definir a quantia a compensar. Ressaltou que, ao ser admitida a apropriação dos créditos, o produto menos essencial proporcionaria uma compensação maior, sendo o ônus decorrente dessa operação suportado indevidamente pelo Estado. Mais: ficou esclarecido que a Lei 9.779/1999 não confere direito a crédito na hipótese de alíquota zero ou de não-tributação, mas, sim, nos casos em que as operações anteriores forem tributadas. 4. De mais a mais, pontuo que a jurisprudência desta nossa Justiça é firme no sentido de que a aquisição de insumos isentos constitui hipótese exoneratória que também não gera créditos de IPI a ser compensados. Leia-se, a propósito, a ementa do RE 566.819, da relatoria do ministro Marco Aurélio:

250 Recursos Extraordinários nº 353.657/PR e 370.682/SC. 251 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 566.819/RS. Relator: Ministro Marco

Aurélio. Julgamento: 29 set. 2010. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-027 10 fev. 2011.

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“IPI – CRÉDITO. A regra constitucional direciona ao crédito do valor cobrado na operação anterior. IPI – CRÉDITO – INSUMO ISENTO. Em decorrência do sistema tributário constitucional, o instituto da isenção não gera, por si só, direito a crédito. IPI – CRÉDITO – DIFERENÇA – INSUMO – ALÍQUOTA. A prática de alíquota menor – para alguns, passível de ser rotulada como isenção parcial – não gera o direito a diferença de crédito, considerada a do produto final.”

5. Outros precedentes: AI 736.994-AgR, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; bem como REs 370.682-ED, da relatoria do ministro Gilmar Mendes; 372.345-AgR-AgR, da relatoria da ministra Cármen Lúcia; 547.640-AgR, da relatoria do ministro Luiz Fux; e 566.551-AgR, da relatoria da ministra Ellen Gracie. Ante o exposto, e frente ao § 1º-A do art. 557 do Código de Processo Civil, dou provimento ao apelo da União. Sem condenação em honorários advocatícios (Súmula 512/STF).

Para o Supremo Tribunal Federal, o direito ao crédito deve pressupor a

existência de operação tributada anteriormente, ou seja, deve haver duas operações

tributadas em sequência. No caso de haver o creditamento nessas situações, tratar-se-á de

mera concessão de benefício pelo ente tributante.

Embora a matéria suscite opiniões divergentes, podemos inferir que a Suprema

Corte separou os institutos, configurando-os do seguinte modo:

(i) a isenção como dispensa legal do tributo, em que a norma de tributação

incide para depois ser excluída, ou seja, a obrigação tributária nasce mas

é extinta posteriormente pela atuação da norma isencional;

(ii) a não tributação como não incidência, em que as situações fáticas não

chegam a ser abrangidas pela norma de tributação;

(iii) e a alíquota zero seria um expediente em que a norma de tributação

incide, mas não geraria a obrigação, já que o montante devido seria zero,

inexistindo o dever jurídico.

No seu entendimento atual, o Supremo admite que o direito ao crédito só se

mantém quando a norma de tributação incidir e existir o dever tributário. A isenção seria a

única possibilidade de creditamento nos casos em que houver aquisição de insumos

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sujeitos à isenção, alíquota zero e não tributado, não havendo o mesmo creditamento

quando o industrial ou a ele equiparado promover saídas desoneradas.

O STF, portanto, decidiu pela negativa do creditamento quanto às operações

submetidas à alíquota zero e não tributadas, permanecendo o direito ao crédito nas

operações de aquisição de insumos sujeitos à isenção; de todo modo, quanto às operações

isentas, certo é que o Ministro Marco Aurélio reconheceu a repercussão geral no Recurso

Extraordinário n° 590.809/RS, podendo, então, ainda vir a ser alterado referido

entendimento.

Nada obstante o entendimento sufragado, reafirmamos que, em verdade, ainda

que se tenham diferenças ontológicas dos institutos, deve haver, por certo, sua

contextualização no sistema jurídico, ao ensejo de que se verifique efetivamente se

resultam na mesma consequência, pelo que imperioso se faz a dispensa do mesmo

tratamento.

5.4.3.2 O tema na legislação infraconstitucional: isenção, alíquota zero, não

tributação e o direito ao aproveitamento do crédito

O Código Tributário Nacional, ao estabelecer a não cumulatividade para o IPI,

não menciona a expressão “cobrado”, mas prescreve que a compensação se dará entre o

imposto havido na saída do produto com o pago na entrada252; entretanto, vale para essa

expressão o que já se discorreu sobre a aludida expressão “cobrado”.

A compatibilização com o texto constitucional que impõe o princípio da não

cumulatividade do IPI é o de apenas haver uma operação anterior, já que a exigência da

constatação da cobrança e/ou do pagamento do tributo na operação anterior é circunstância

252 Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença

a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.

Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte transfere-se para o período ou períodos seguintes.

(BRASIL. Presidência da República. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 25 out. 1966).

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impraticável e que fere a dicção legal, além do que a regra-matriz do direito ao crédito não

se vincula à regra-matriz do tributo.

Já tivemos a oportunidade de mencionar que a Lei n°4502/64 é a lei

instituidora do IPI e, quanto à não cumulatividade, prescreve que:

Art. 25. A importância a recolher será o montante do imposto relativo aos produtos saídos do estabelecimento, em cada mês, diminuindo do montante do imposto relativo aos produtos nele entrados, no mesmo período, obedecidas as especificações e normas que o regulamento estabelecer. § 1° O direito de dedução só é aplicável aos casos em que os produtos entrados se destinem à comercialização, industrialização ou acondicionamento e desde que os mesmos produtos ou os que resultarem do processo industrial sejam tributados na saída do estabelecimento.

O referido dispositivo teve o condão de estabelecer o período de apuração do

tributo, que, nada obstante, poderá ser alterado, desde que não afete a não cumulatividade;

e o parágrafo primeiro, por sua vez, trouxe o disciplinamento do IPI pelo regime do crédito

físico ao permitir o creditamento apenas sobre produtos destinados à comercialização,

industrialização ou acondicionamento. O dispositivo também menciona que o direito ao

crédito deve se dar se a saída do produto for tributada.

Nesse diapasão, temos a Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, que passou a

admitir o creditamento sobre os insumos mesmo quando as saídas forem isentas ou sujeitas

à alíquota zero, vejamos o dispositivo:

Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.

A Lei nº 9.779/1999 permitiu que houvesse o creditamento sobre a aquisição

de insumos destinados à produção de bens isentos e tributos à alíquota zero, não

contemplando os não tributados. Além disso, possibilitou que os créditos acumulados

pudessem ser compensados com outros tributos federais.

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O Superior Tribunal de Justiça provocado a estender o creditamento também

sobre os produtos “não tributados”, já decidiu que não há creditamento quando a operação

envolver operações com esses produtos:

I - O art. 11 da Lei 9.779/99 prevê duas hipóteses para o creditamento do IPI pago na aquisição de insumos e matérias-primas, na saída de produtos industrializados: a) quando os insumos são utilizados na elaboração de produtos isentos; e b) quando são usados na industrialização de produtos tributados à alíquota zero. II - Na análise da lei tributária é vedada sua interpretação extensiva, in casu, não tendo a norma legal incluído como hipótese de creditamento de IPI a saída do produto industrializado não-tributado, tem-se indevido o pleito de creditamento da exação.253

O entendimento sobre a referida disposição legal pelos nossos Tribunais

Superiores é o de que houve a criação de regra de novo direito ao crédito, devendo

produzir seus efeitos a partir de edição; entretanto, não coadunamos com o mesmo.

Perfilhamos entendimento que o art. 11 da lei 9.779/99 não veio instituir

regramento novo; a referida lei apenas disciplinou como o contribuinte poderia utilizar seu

crédito inscrito em sua conta gráfica, inclusive, quanto às operações de aquisições isentas

com saídas tributadas, ou na aquisição tributada com saída isenta.

Não há nela a criação de possibilidades em que se daria o aproveitamento do

crédito, já que esse decorre diretamente da norma constitucional. O princípio da não

cumulatividade tem por escopo impedir que haja a oneração da produção industrial,

permitindo o abatimento, a compensação entre créditos e débitos. Essa sistemática torna o

produto menos custoso refletindo numa dinâmica positiva para todo o ciclo produtivo que

envolve consequências também positivas para a economia.

Com esse intento, a Constituição fixou a não cumulatividade do IPI sem

estabelecer restrições na tomada dos créditos, por certo objetivando tornar a indústria

brasileira competitiva com outros mercados, já que o creditamento provoca uma produção

menos custosa, de sorte que não caberia ao legislador infraconstitucional criar limitações;

contudo, não é isso que ocorre.

253 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.109.232/RS. Relator: Ministro Francisco

Falcão. Julgamento: 02 abr. 2009. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: Dje 22 abr. 2009.

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166

A inibição do aproveito de crédito não se coaduna com a diretriz constitucional

da não cumulatividade, já que o direito ao crédito se conforma em regra jurídica autônoma,

ou seja, o nascimento desse direito depende apenas de ter havido operações anteriores.

5.4.3.3 Síntese do panorama atual de operações submetidas à isenção, alíquota

zero e não tributada, na jurisprudência

(i) Primeira situação: adquirentes de insumo, envolvendo operação isenta, não

tributada ou com alíquota zero. A questão se refere à concessão de crédito presumido de

IPI quanto às aquisições desoneradas, mantendo-se o crédito mesmo que as saídas não

sejam tributadas:

- aquisição isenta

- aquisição não tributada

- aquisição com alíquota zero

- 1998-STF: o crédito presumido era tido como imprescindível sob pena de

inutilizar a isenção;

- 2002-STF: isenção e alíquota zero se equiparam para concessão do crédito;

- 2007-STF: diferenciou-se isenção dos demais institutos, mantendo a

concessão do crédito presumido apenas para a aquisição de insumos isentos.

Restaram reconhecidos os efeitos ex nunc desse entendimento.

No caso em tela, o STF entende pela concessão de crédito presumido aquele

que adquire bem sujeito a isenção e a ser utilizado na industrialização, garantindo o direito

ao crédito em sua conta gráfica.

(ii) Segunda situação: aquisição de insumos gravados pelo IPI pelo industrial

ou equiparados com a saída isenta, submetida à alíquota zero ou não tributada. Trata-se da

necessidade de estorno ou não do crédito da operação tributada anteriormente:

Saída tributada

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- operação tributada

O STF não reconhece para o caso a manutenção dos créditos, por isso aquele

que aliena produto industrializado com saída isenta, sujeita à alíquota zero ou não

tributada, deve fazer o estorno do crédito em sua conta gráfica. Tal posição da Corte

Suprema contraria seu entendimento de que a isenção é dispensa legal do tributo, na

medida em que, se a norma de tributação incidiu e depois foi atingida pela norma

isencional, ainda que seja posteriormente, é de se reconhecer a manutenção do crédito.

A par desse entendimento, temos a Lei 9779/1999 que assegurou a manutenção

do crédito sem a necessidade de estorno em saídas isentas e sujeitas à alíquota zero. No

caso de operação não sujeita a tributação, deve haver o estorno do crédito. Frente à referida

lei, o STF afirma haver um benefício fiscal estabelecido por lei.

No que tange à desoneração na saída, portanto, temos disposição expressa no

art. 11 da lei 9.779/99, que conferiu a possibilidade de creditamento para entradas oneradas

e saídas desoneradas, possibilitando crédito de saída isenta e com alíquota zero, porém não

permite a manutenção de créditos para não tributados (NT).

5.4.4 Do Sistema de Crédito Fiscal

O mecanismo da compensação no IPI se realiza com o sistema de crédito

fiscal, dando efetividade ao princípio da não cumulatividade como diretriz constitucional

imposta. Para cumprir os designíos constitucionais, a legislação infraconstitucional deve

dar concretude à referida sistemática.

O Código Tributário Nacional, conforme já mencionado, prescreve em seu art.

49 que a apuração do IPI se dará num determinado período de tempo, bem como previu o

transporte dos créditos não utilizados para as próximas competências. Por sua vez, a Lei nº

4.502/64 estabelece em seu art. 25 que

‐ saída isenta

‐ saída com alíquota zero

‐ saída não tributada

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A importância a recolher será o montante do imposto relativo aos produtos saídos do estabelecimento, em cada mês, diminuído do montante do imposto relativo aos produtos nele entrados, no mesmo período, obedecidas as especificações e normas que o regulamento estabelecer.

O regulamento do IPI dispõe:

Art. 225. A não-cumulatividade é efetivada pelo sistema de crédito do imposto relativo a produtos entrados no estabelecimento do contribuinte, para ser abatido do que for devido pelos produtos dele saídos, num mesmo período, conforme estabelecido neste Capítulo.

Pela sistemática da compensação, o montante devido a título de IPI será

compensado com o montante já suportado quando da ocorrência das operações anteriores,

o que se fará por meio do sistema de crédito fiscal. Os débitos e os créditos

operacionalizam-se por meio da contabilidade do contribuinte, os quais são lançados na

denominada “conta gráfica”.

O contribuinte do IPI deve lançar em sua escrituração fiscal as operações que

promover, constituindo em crédito aquelas aquisitivas e em débito as decorrentes de saídas

do estabelecimento. Com isso, o contribuinte poderá deduzir do valor a ser recolhido o

valor referente às operações anteriores, podendo ocorrer, portanto, o pagamento por meio

de créditos; eis que a compensação se dá entre crédito-débito.

O § 1º do art. 25 da Lei nº 4.502/64254 traz a amplitude do creditamento,

prescrevendo o direito de dedução quanto aos produtos destinados à comercialização,

industrialização ou acondicionamento. Ou seja, delimita quais os créditos podem ser

tomados para se realizar o confronto crédito-débito.

O industrial que adquire os insumos, embalagens, produtos intermediários que

se incorporarão ao produto final, pode se creditar do IPI incidente nessas operações,

procedendo ao abatimento desse crédito com o IPI devido nas saídas dos produtos

industrializados.

254 Art. 25 § 1º O direito de dedução só é aplicável aos casos em que os produtos entrados se destine à

comercialização ou acondicionamento e desde que os mesmos produtos ou os que resultarem do processo industrial sejam tributados na saída do estabelecimento.

(BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964. Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Brasília, 16 jul. 1965).

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O Regulamento nomina de “créditos básicos” aqueles passíveis de

creditamento, dispondo:

Art. 226. Os estabelecimentos industriais e os que lhes são equiparados poderão creditar-se (Lei nº 5.502, de 1964, art. 25): I – do imposto relativo a matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas e os produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente.

Da análise do dispositivo transcrito, verificamos que a legislação permite a

tomada de crédito apenas sobre a aquisição de matérias-primas, bens intermediários e

materiais de embalagem que se incorporaram ao produto ou que seja utilizado no processo

de industrialização, pelo que, adota o crédito físico.

Para se realizar o princípio da não cumulatividade, há dois regimes de créditos:

físico e financeiro. Cada qual toma como crédito a ser abatido de modo diferente. O crédito

físico toma a efetiva entrada de bens corpóreos no estabelecimento do contribuinte e o

crédito financeiro considera todo e qualquer custo realizado para o desenvolvimento da

atividade do contribuinte.

André Mendes Moreira explicita:

O direito ao crédito nos impostos plurifásicos não cumulativos pode ser:

(a) físico, quando o creditamento é autorizado apenas sobre as aquisições de: (a.1) mercadorias para revenda; (a.2) insumos, tais como matérias-primas e produtos intermediários

consumidos no processo industrial ou de prestação de serviços;

(b) financeiro, quando, além da garantia do crédito físico, assegura-se também o direito ao abatimento do imposto incidente sobre: (b.1) bens do ativo permanente; e (b.2) material de uso e consumo da empresa.255

No que tange ao IPI, a legislação atual traz a previsão do crédito físico,

admitindo o creditamento sobre matérias-primas, bens intermediários e materiais de

255 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p. 172-173.

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170

embalagem, nada dispondo quanto aos bens de consumo, e nega o creditamento quanto aos

bens para o ativo permanente.

5.4.4.1 Das espécies dos créditos no IPI

O creditamento é admitido quando haja a entrada de bens físicos no

estabelecimento do contribuinte, ou seja, considera a tributação paga sobre os bens que

integram o produto objeto da industrialização ou utilizados no seu processamento.

A seção II do capítulo XI do Regulamento do IPI – Decreto nº 7212/2010 traz

os créditos possíveis de serem creditados: créditos básicos, créditos por devolução ou

retorno de produtos, créditos como incentivo, créditos de outra natureza, crédito

presumido.

Os créditos básicos 256 referem-se àqueles atrelados ao processo produtivo,

industrialização realizada pelo estabelecimento industrial ou equiparado,

operacionalizando o princípio da não cumulatividade.

Os créditos por devolução ou retorno de produtos257, segundo o regulamento,

são aqueles recebidos em devolução ou retorno, isto é, para os casos em que por qualquer

circunstância restou cancelada a operação que havia dado ensejo à tributação, com o

retorno do produto. O regulamento fixa, entretanto, condições nesses casos, impondo

exigências a serem cumpridas para que haja o aproveitamento do crédito.

Créditos como incentivo 258 e os nominados créditos presumidos 259 não se

relacionam com o processo de industrialização diretamente, decorrem da função extrafiscal

do IPI, onde, por opção, o legislador os concede com intuito de desonerar o contribuinte.

Caso conhecido do crédito presumido é aquele decorrente de exportações, em que o Fisco

concede ao contribuinte determinado crédito para posterior compensação.

256 Art. 226. (BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Regulamenta

a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Brasília, 15 jun. 2010).

257 Art. 229. (Ibid.). 258 Art. 236. (Ibid.). 259 Art. 241. (Ibid.).

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171

Os chamados créditos de outras naturezas 260 também se relacionam

indiretamente com o princípio da não cumulatividade, prescrito o creditamento nos casos

de cancelamento de notas fiscais e de redução de alíquota por lançamento antecipado.

Importa discorrer um pouco mais sobre os créditos básicos. Ao consultar a

legislação vigente, podemos depreender que o creditamento ocorre com a matéria-prima, o

produto intermediário e o material de embalagem utilizados no produto industrializado ou

que venham a ser consumidos no processo de industrialização.

As matérias-primas se consubstanciam em produtos que normalmente são a

base para formação de outro, trata-se de componente bruto utilizado para fabricar outro.

Com elas as indústrias se alimentam e dão origem ao um produto final alterado, como é o

cacau para a produção de chocolate, a areia na composição do vidro, o couro para a

indústria do calçado, dentre tantas outras.

Além das matérias-primas – produto em estado bruto –, a indústria pode vir a

utilizar outros produtos não tidos nesse estado bruto, mas que são fundamentais na

composição e realização do produto final. Assim, além das matérias-primas, a Lei nº

4.502/62 traz os denominados produtos intermediários como hábeis a gerar creditamento;

no entanto, não os definiu.

O RIPI em vigor, Decreto nº 7212/2010, prescreve que se incluem entre as

matérias-primas e os produtos intermediários, “aqueles que, embora não se integrando ao

novo produto, forem consumidos no processo de industrialização”. Os produtos

intermediários são aqueles, nos termos da legislação atual, que forem consumidos no

processo de industrialização.

O legislador estabeleceu uma garantia mínima de creditamento por meio do

crédito físico, envolvendo a matéria-prima, o produto intermediário e o material de

embalagem utilizados no produto industrializado ou que venham a ser consumidos no

processo de industrialização.

260 Art. 240. (BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Regulamenta

a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Brasília, 15 jun. 2010).

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172

Dessa análise, podemos concluir por uma tomada restritiva de creditamento

quanto ao IPI, já que a legislação não inclui no rol os bens tributados e adquiridos para o

consumo e os destinados ao ativo fixo e que representam custo à produção.

5.4.4.2 Os insumos e o seu creditamento no IPI, no entendimento do STF

A realidade posta é a de que o industrial não pode lançar em sua conta gráfica

os créditos advindos de bens adquiridos para o consumo, como combustíveis, pneus,

materiais de segurança, dentro outros, que não incorporam o produto final, embora sejam

fundamentais na atividade da indústria, assim como não pode se creditar dos bens

adquiridos e destinados ao ativo fixo.

Atualmente, o industrial apenas pode se creditar quanto aos insumos

considerados matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem261, que sejam

utilizados e consumidos diretamente na industrialização dos produtos, sem qualquer

compreensão ampliativa para incluir ativo permanente, energia elétrica, materiais de uso e

consumo e os serviços de comunicação, por serem gastos considerados no processo

produtivo e pelo fato do ativo fixo se depreciar.

O RIPI estabelece em seu art. 226, inciso I, parte final, a ressalva para os bens

destinados ao ativo permanente e o Superior Tribunal de Justiça sumulou a matéria:

“Súmula 495. A aquisição de bens integrantes do ativo permanente da empresa não gera

direito a creditamento de IPI.”262

O Supremo Tribunal Federal em recente decisão negou também o creditamento

nessa hipótese:

EMENTA. […] 2. A matéria encontra-se pacificada, em ambas as Turmas desta Corte, no sentido de não se reconhecer, ao contribuinte, o direito de creditar o valor do IPI incidente nas operações de aquisição de

261 Art. 226 do Decreto nº 7212/2010.

(BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. Brasília, 15 jun. 2010).

262 Id. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 495. Primeira Seção. Publicação: DJe 13 ago. 2012.

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bens destinados ao ativo fixo e/ou permanente da empresa. 3. Agravo regimental não provido263.

O ministro Marco Aurélio também decidiu nesse sentido: “A aquisição de

equipamentos que irão integrar o ativo fixo da empresa ou produtos destinados ao uso e

consumo não gera o direito ao crédito, tendo em conta o fato de a adquirente, na realidade,

ser destinatária final”.264

O ministro Luiz Fux em julgado semelhante asseverou:

1. O contribuinte do IPI não faz jus ao creditamento do valor do imposto incidente sobre as aquisições de bens destinados ao ativo fixo da empresa ou de produtos de uso e consumo, haja vista apresentar-se como destinatário final das mercadorias. 2. É que o direito ao creditamento decorre do princípio da não-cumulatividade, cuja razão de ser é alicerçada sobre o direito de o contribuinte não sofrer tributação em cascata, hipótese caracterizada quando o valor a ser pago na operação posterior não sofre a diminuição do que pago anteriormente. O direito ao creditamento pressupõe, portanto, pagamento de tributo em pelo menos uma das fases da etapa produtiva e, essencialmente, saída onerada.265

A negativa do direito ao crédito quanto aos bens destinados ao ativo fixo e de

consumo foi fundamentada pelos Tribunais Superiores por inexistir lei que autorize, bem

como por se tratar de destinatário final da mercadoria, não havendo duas etapas de

tributação como exigência imposta pela não cumulatividade. Além do que, a garantia

mínima do princípio da não cumulatividade estaria representada pelo crédito físico.

Nada obstante o entendimento perfilhado, já se teve no ordenamento jurídico

brasileiro disposição expressa autorizando o creditamento de ativo fixo, constante do

Decreto-lei nº 1136/70, já revogado:

Art. 25. § 2º O Ministro da Fazenda poderá atribuir aos estabelecimentos industriais o direito de crédito do imposto sobre produto industrializados relativo a máquinas, aparelhos e equipamentos, de produção nacional, inclusive quando adquiridos de comerciantes não contribuintes do referido imposto destinados à sua instalação, ampliação ou modernização

263 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 485.611/RS. Relator: Ministro Dias

Toffoli. Julgamento: 07 fev. 2012. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: Dje 28 fev. 2012. 264 Id. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 352.856/SC. Relator: Ministro Marco

Aurélio. Julgamento: 01 fev. 2011. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: DJe-042 03 mar. 2011. 265 Id. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 387.592/PR. Relator: Ministro Luiz Fux.

Publicação: 28 set. 2011. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: Dje 04out. 2011.

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174

e que integrarem o seu ativo fixo, de acordo com as diretrizes gerais de política de desenvolvimento econômico do país.

O referido dispositivo esteve em vigor até sua revogação pelo Decreto-lei nº

2.433 de 19 de maio de 1970.

A indústria em sua regular funcionalidade necessita realizar diversas aquisições

de produtos, seja para empregar diretamente ou indiretamente em todo o processo de

industrialização; entretanto, pelas disposições legislativas atuais e pelo entendimento dos

Tribunais Superiores atualmente, o industrial somente poderá utilizar o crédito advindo da

aquisição acaso se trate de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem

que usar no referido processo ou no produto resultante.

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175

6 OS REFLEXOS DAS DIRETRIZES DA ESSENCIALIDADE E DA

EXTRAFISCALIDADE NA COMPOSTURA DO IPI

6.1 O mistifório das categorias da extrafiscalidade, da seletividade e da

essencialidade

Debruçamo-nos a investigar os institutos extrafiscalidade, seletividade e

essencialidade que estão fortemente conectados ao imposto sobre produtos

industrializados; para tanto, percorremos as prescrições normativas e os textos

doutrinários, bem como analisamos os aspectos pragmáticos desses institutos. Nessa senda,

constatamos que os institutos apresentam, dependendo da doutrina examinada, variações

de conteúdo e, às vezes, até a utilização de um pelo outro.

Pois bem, nossa análise iniciou-se pelo art. 153, § 3º, inciso I da Constituição,

que estabelece que o IPI deve ser seletivo em função da essencialidade. A doutrina, de um

modo geral, trata a dicção como sendo o princípio da seletividade que se realiza pelo

critério da essencialidade, espaço em que atuaria a função extrafiscal do tributo, podendo

haver a alteração das alíquotas por meio de Decreto.

Em seguida, examinamos algumas ações governamentais interventivas na

economia, dentre elas a variação de alíquotas sobre os automóveis com motor de mil a

duas mil cilindradas, em que o Governo graduou as alíquotas pautado pelos chamados

carros populares. Utilizou-se, portanto, de uma seleção de alíquotas. Nesses casos, resta

saber se a variação de alíquotas perpetrada se deu para implantar o tributo sob feição

extrafiscal ou simplesmente realizar a seletividade pela essencialidade.

A alteração das alíquotas, segundo se veiculou, foi resultado de uma deliberada

ação governamental destinada a fomentar a produção industrial, com o fim de beneficiar

um setor específico da indústria e não o consumidor do produto, ainda que esse tenha

experimentado os reflexos positivos dessa redução.

Já, quando o Governo reduz ou zera a alíquota sobre os produtos necessários

ao consumo ou que tenham relevante utilidade aos indivíduos ou a sociedade, colocados

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dentre aqueles denominados essenciais, releva uma imposição constitucional de serem

tratados diferentemente.

Deveras, nesse sentido, surgiram indagações: será que todo efeito secundário

dos tributos seria extrafiscalidade? A essencialidade está contida na extrafiscalidade ou é

uma categoria autônoma? Ou ainda, é meio de viabilização da seletividade? E a

seletividade seria então uma categoria utilizada tanto na extrafiscalidade como na

essencialidade ou nada disso?

Cercada por todas essas dúvidas, colocamo-nos a investigar essas categorias,

para, enfim, possibilitar a construção de nossa opinião sobre elas. É o que passamos a

fazer.

6.2 A utilização do tributo como instrumento realizador de políticas públicas

A Constituição brasileira estabelece os direitos e garantias fundamentais

consubstanciados em individuais e coletivos, bem como os sociais, construídos em torno

da essência da formação estatal em Estado Democrático de Direito, postos que estão na

Carta Magna para serem observados e realizados. É a Constituição Federal subordinando o

Estado brasileiro a valores e objetivos que pretende ver salvaguardados e implementados.

É dizer que, na compostura do Estado Democrático de Direito, a Constituição

elege valores e objetivos que necessitam serem implementados, sendo o Estado

responsável por realizar os objetivos traçados pelo texto constitucional à sociedade.

Nessa configuração, têm-se as denominadas políticas públicas que representam

todo o conjunto normativo que estabelece objetivos para o Estado, como entidade

organizacional criada para estruturar a convivência em sociedade, e que tem por missão

realizar e implementar as referidas políticas públicas.

A Constituição Federal disciplina não só as metas e objetivos que o Estado

deve realizar na sua atuação, mas provê esse mesmo Estado de meios para dar efetividade

as tais metas e objetivos. Nesse caminho, eis o direito como instrumental hábil a viabilizar

esse intento, essencialmente, pela utilização da tributação, que permite ao Estado

concretizar as diretrizes constitucionais.

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177

O Estado, como pessoa jurídica criada para conduzir a coletividade, tem, à sua

disposição, o direito, que, por meio de suas normas, disciplina comportamentos e conduz a

sociedade com vistas a realizar e implementar as políticas públicas postas na Constituição.

Deveras, o direito “sempre aparece como principal instrumento e orientação

econômica, política e social das comunidades organizadas”266 . Sobre essa intervenção

estatal pela norma, destacou Alfredo Augusto Becker que “a finalidade imediata da regra

jurídica é modificar o curso espontâneo dos fatos sociais, gerando consequentemente uma

tensão ou, ao menos, possibilidade de tensão, entre a conduta que ela (a regra jurídica)

impõe e o fato social.”267

A mencionada tensão faz parte da construção de uma ordem jurídica

democrática, já que, como cediço, sempre haverá a contraposição entre interesses

individuais e os interesses coletivos, que devem, necessariamente, serem ajustados para

que prevaleça uma unidade voltada a se atender as exigências do bem comum.

Os tributos são caracterizados por representar o meio por excelência e estar à

disposição do Estado, para que os intentos constitucionais se efetivem. Daí porque o

Direito Tributário é tido como de natureza instrumental, que visa não a objetivos próprios

mas que serve de instrumental para a realização de outros objetivos.

Para dar concretude às políticas públicas, o Estado brasileiro necessita de

recursos financeiros que possibilitarão que efetive as diretrizes traçadas no texto

constitucional, e o tributo representa a principal fonte de receitas à disposição do Estado.

Contudo não é só.

O tributo tem sido um instrumento utilizado pelo Estado não só para arrecadar,

mas, também, para a implementação de políticas públicas não pela realização de serviços

públicos, mas para, por meio dele, intervir em diversos setores da sociedade, a fim de, em

estimulando ou desestimulando condutas, atingir as referidas políticas públicas.

Ruy Barbosa Nogueira constata que:

266 GUERRA, Cláudia. Incidência do IPI na importação. Revista de Direito Tributário, São Paulo:

Malheiros, n. 83, 2002, p. 203. 267 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 538.

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Um dos fatos mais evidentes ocorridos na vida das nações, neta metade do século, é sem dúvida a transformação das funções e deveres do Estado. Assistimos a uma crescente e constante intervenção do poder público em quase todos os setores da atividade dos particulares, principalmente na esfera econômica268.

Assim, segundo o mesmo autor, o imposto deixa de ser conceituado apenas

como aquele destinado às necessidades financeiras para ser instrumento de intervenção e

regulamentação de atividades, afirmando “é o fenômeno que hoje se agiganta com a

natureza extrafiscal do imposto”269.

Nada obstante o aspecto principal de toda tributação que é a característica

arrecadatória; certo é que ela tem servido ao Estado como instrumento realizador de

preceitos constitucionais por meio da indução de comportamentos, em que se estimula ou

desestimula estes para se atingir aqueles.

A Constituição, para possibilitar a efetivação das metas constitucionais, pode

ainda prescrever tratamentos diferenciados a partir de princípios que pretende ver

salvaguardados. A implementação das políticas públicas pode advir de diferentes formas a

serem previstas pelo texto constitucional.

Nesse contexto, não se têm dúvidas que a tributação se apresenta como valioso

aliado do Estado na consecução das políticas públicas, que poderá, a partir da utilização do

“instrumental jurídico-tributário”270, concretizar as diretrizes constitucionais.

6.3 Fiscalidade, Extrafiscalidade e Seletividade na doutrina

6.3.1 Fiscalidade

Os tributos são essencialmente fiscais, destinando-se a gerar receita para o

Estado, de modo que “não pode ser encarado nem como um mero poder para o Estado,

268 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 188. 269 Ibid., p. 189. 270 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 290.

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nem como um mero sacrífico para os cidadãos, constituindo antes o contributo

indispensável a uma vida em comunidade organizada em Estado Fiscal.”271

A organização estatal conta com um aparato de entidades e órgãos dispostos de

maneira a atingir um objetivo específico, quais sejam, as necessidades coletivas. Tal

organização, para ser mantida e para que atinja sua finalidade, necessita de recursos

financeiros. “A existência de um Estado implica a busca de recursos financeiros para sua

manutenção”272.

O Estado obtém os recursos financeiros de duas maneiras: por meio das

receitas originárias que são as advindas da exploração do próprio patrimônio com a venda

de bens e serviços; e pela denominada receita pública derivada, que representa toda receita

exigida compulsoriamente pelo Estado na exploração financeira de bens pertencentes ao

patrimônio dos particulares.

As receitas obrigatórias de direito público são obtidas, primordialmente, por

meio dos tributos. Os tributos são os ingressos públicos próprios derivados (receitas

derivadas), ou seja, trata-se de receita exigida compulsoriamente pelo Estado, sendo a

principal fonte de receita.

Quando o tributo é utilizado no específico contexto de obter ingresso de

dinheiro público para realização das despesas públicas, temos a “fiscalidade”. De sorte que

teremos a fiscalidade quando o objetivo da lei seja abastecer os cofres públicos, arrecadar,

sem que outros interesses estejam envolvendo a instituição ou cobrança do tributo. Paulo

de Barros Carvalho assevera que se fala em fiscalidade

[…] sempre que a organização jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituição, ou que governam certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo de abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses – sociais, políticos ou econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva.273

Regina Helena Costa aduz:

271 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2000, p. 678. 272 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 15. 273 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 290.

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Em primeiro lugar, a fiscalidade traduz a exigência de tributos com o objetivo de abastecimento dos cofres públicos, sem que outros interesses interfiram no direcionamento da atividade impositiva. Significa olhar para o tributo, simplesmente, como ferramenta de arrecadação, meio de geração de receita. É a noção mais corrente quando se pensa em tributação.274

Nada obstante a função fiscal do tributo, certo é que não há exação fiscal que

seja puramente de tal feição, já que o abastecimento dos cofres públicos de recursos

financeiros tem, por fim último, realizar as políticas públicas.

6.3.2 Extrafiscalidade

As normas tributárias de incidência apresentam-se como disposições

normativas em que preponderam finalidades arrecadatórias – fiscalidade. Entretanto, os

tributos têm servido ao Estado com outros objetivos que não o abastecimento dos cofres

públicos – extrafiscalidade; contudo, mesmo nos casos em que o objetivo principal não

seja a arrecadação, ocorre o abastecimento dos cofres públicos com recursos financeiros,

daí porque se diz não haver “entidade tributária que se possa dizer pura”275.

Alfredo Augusto Becker, discorrendo sobre o finalismo extrafiscal do tributo,

menciona que a experiência mostra uma progressiva transfiguração dos tributos utilizados

para a intervenção estatal no meio social e na economia e ensina:

Na construção de cada tributo, não mais será ignorado o finalismo extrafiscal nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão, agora de um modo consciente e desejado; apenas haverá maior ou menor prevalência deste ou daquele finalismo.276

Os tributos não agregam uma conotação somente fiscal ou extrafiscal; o que há

é que, por vezes, uma prepondera sobre a outra. Foi por isso que o professor Alcides Jorge

Costa sugeriu, ao invés de tributo extrafiscal, falar-se em um dirigismo via tributação.

Vejamos:

274 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 48. 275 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 291. 276 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 536.

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[…] a expressão tributo extrafiscal não é a mais feliz possível, porque não há nenhum tributo que não tenha algum efeito além daquele da mera arrecadação, e esses efeitos variam de imposto para imposto, de tributo para tributo. Parece-nos mais apropriado falar, em vez de efeitos extrafiscais, em efeitos dirigistas. Quando um tributo é criado visando a encaminhar um certo comportamento, a induzir um certo comportamento, há aí um dirigismo, via tributação.277

Assim, os dois objetivos convivem harmônicos na mesma figura impositiva,

sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro. Ou seja, o

critério de classificação não é de exclusividade, mas de preponderância, ora arrecadatória,

ora não.

Colocadas as classificações das funções dos tributos apresentadas pela doutrina

– fiscal e extrafiscal –, é preciso destacar que elas são construções da Ciência do Direito,

que as separam a partir da análise do arcabouço normativo das espécies tributárias. Feito o

cotejo entre essas funções do tributo, passemos a analisar detalhadamente a função

denominada extrafiscal, que, notadamente, vem sendo utilizada de modo crescente.

Os entes tributantes, utilizando-se dos tributos sob sua competência, podem

direcionar comportamentos por meio de normas indutoras, em que estabelecem uma

política fiscal278, com contornos próprios, a estimular ou desestimular condutas, a fim de

atingir desígnios estatais.

Como vimos, os tributos, fundamentalmente, são utilizados como efetivos

instrumentos arrecadatórios, que vão abastecer os cofres públicos de receitas necessárias à

satisfação das despesas públicas voltadas à consecução de políticas públicas. Outras vezes

há em que a instituição de um tributo não guarda a compostura da fiscalidade, momento

em que outros interesses permeiam a exigência fiscal.

Paulo de Barros Carvalho assevera que a extrafiscalidade pode se dar por todas

as fórmulas jurídico-tributárias para alcançar metas que não sejam com fins arrecadatórios:

277 COSTA, Alcides Jorge. Ideias em torno de uma reforma. Revista de Direito Tributário. São Paulo:

Malheiros, n. 67, p. 197-211, 1997. 278 Política fiscal é utilizada neste trabalho como meio para se atingir uma meta específica, tendo caráter

instrumental; volta-se às finalidades a serem atingidas pelo Estado. No atingimento dessas finalidades, o tributo pode ser utilizado como meio, e, ao fazer o disciplinamento quanto a esse tributo – instituição, organização e aplicação –, o Estado define a política fiscal aplicada ao caso especificamente.

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A experiência nos mostra, porém, que vezes sem conta a compostura da legislação de um tributo vem pontilhada de inequívocas providências no sentido de prestigiar certas situações, tidas como social, política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso. A essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade.279

Eduardo Domingos Bottallo afirma que as modalidades de normas extrafiscais

consubstanciam-se em dois grupos: (a) as voltadas à consecução de metas que poderiam

ser chamadas de desenvolvimento econômico; (b) as que visam à realização de objetivos

de justiça social280.

Eduardo Marcial Ferreira Jardim afirma ser “o emprego do arsenal tributário

sem finalidades arrecadatórias, mas como instrumento de ação política, econômica e

social.”281

Regina Helena Costa define:

A extrafiscalidade, por sua vez, consiste o emprego de instrumentos tributários para o atingimento de finalidades não arrecadatórias, mas, sim, incentivadoras ou inibitórias de comportamentos, com vista à realização de outros valores, constitucionalmente contemplados282.

A professora Misabel Derzi destaca:

Costuma-se denominar de extrafiscal aquele tributo que não almeja, prioritariamente prover o Estado dos meios financeiros adequados a seu custeio, mas antes visa a ordenar a propriedade de acordo com a sua função social ou a intervir em dados conjunturais (injetando ou absorvendo a moeda em circulação) ou estruturais da economia. Para isso, o ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estimular e desestimular comportamentos, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da concessão de benefícios e incentivos fiscais. 283

279 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 290. 280 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 51. 281 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Dicionário Jurídico Tributário. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2003,

s.v. extrafiscalidade. 282 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 48. 283 DERZI, Misabel Abreu Machado. Atualização. In: BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro.

11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 233-234.

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A professora Mizabel Derzi assevera que a Constituição expressamente admite

os tributos com efeitos extrafiscais para promover o equilíbrio do desenvolvimento

socioeconômico, voltados a induzir comportamentos.

Marcos Aurélio Pereira Valadão afirma a necessidade de haver a intenção

manifesta do efeito extrafiscal pelo Estado quando da edição da norma instituidora: “De

maneira geral, os aspectos extrafiscais ocorrem quando a forma de tributar (ou desonerar

da tributação) interfere na ordem normal das coisas dentro do contexto econômico, e é esta

a intenção quando da edição da norma instituidora.”284

Por certo, essa necessidade de regulação extrafiscal fez com que o legislador

incluísse o art. 146-A, no Capítulo do sistema tributário nacional na Constituição Federal,

possibilitando ao legislador federal, por meio da Emenda Constitucional nº 42 de 19 de

dezembro de 2003, utilizar-se de qualquer tributo com fins extrafiscais: “Art. 146-A. Lei

complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de

prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei,

estabelecer normas de igual objetivo.”

O texto normativo evidencia a necessidade, muitas vezes, de estabelecer

critérios especiais de tributação, com intuito de buscar um fim não arrecadatório, mas de

política econômica e social.

Podemos verificar que a extrafiscalidade tem sido vista pela doutrina de um

modo mais amplo, alocando todas as normas tributárias usadas com fins que não sejam o

arrecadatório, e, de um modo mais restrito, para delinear a utilização dos instrumentos

tributários para estimular ou desestimular comportamentos, fazendo-o por meio de

indução, com o fim de implementar políticas econômico-sociais.

A extrafiscalidade surge para incutir na tributação um aspecto não

arrecadatório, mas de indução de comportamento, em que os tributos são utilizados para

adentrar nas esferas de poder de regulação de diversas atividades que estão sob a

responsabilidade do Estado.

284 VALADÃO, Marcus Aurélio Pereira. Aspectos Extrafiscais do IPI e os Direitos Fundamentais: In:

BRANCO, Paulo Gonet; MEIRA, Liziane Angelotti; CORREIA NETO, Celso de Barros (Coords.). Tributação e Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 265.

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Essa intervenção estatal no campo social, como político e econômico,

utilizando-se da atividade tributante, com fins não arrecadatórios, tem origem no próprio

contexto histórico vivenciado pelas sociedades. O Estado, num primeiro momento,

concentrava o intuito de arrecadação para poder viabilizar a realização dos serviços

públicos; entretanto, as necessidades e as exigências da sociedade levaram-no a ter que

somar diversas outras atividades que não dependiam somente de recursos financeiros, mas,

essencialmente, da necessidade de direcionar comportamentos, induzir condutas.

A produção industrial de um país tem relação direta com o desenvolvimento da

sociedade, já que com ela fomenta-se o mercado de trabalho, gerando empregos que

resultam em riqueza à população, permitindo que ela possa ter acesso aos produtos,

comprando-os e gerando a necessidade daquela produção industrial ser aumentada ou

diminuída. É um ciclo, uma cadeia que gera riqueza e desenvolvimento.

O IPI incide sobre os produtos industrializados e submetidos à venda, o que

influenciará diretamente no custo do fabricante, já que, num primeiro momento, é este

quem suporta a carga tributária, ainda que, posteriormente, repasse ao consumidor final.

Nesse contexto, a manipulação das alíquotas é um instrumento fortemente

utilizado pelo Estado para influenciar nesse ciclo gerador de desenvolvimento e riquezas.

A intervenção estatal na economia, marcadamente no ciclo produtivo, levou o

constituinte a permitir que o Poder Executivo tivesse uma facilitação na manipulação das

alíquotas sobre o IPI, possibilitando que, dentro dos limites legais, pudesse promover

alterações das alíquotas. É permitida, ainda, a tomada de medidas protecionistas,

objetivando proteger a indústria nacional, com a incidência do IPI com maior oneração das

alíquotas sobre determinados produtos de procedência estrangeira.

Marcus Freitas Gouvêa nos ensina que inúmeros são os valores constitucionais

que se amoldam à extrafiscalidade, elencando objetivos que justificariam sua utilização,

mas sem esgotá-los:

[…] desenvolvimento econômico, que se detalha na acumulação de capital, na busca do pelo emprego na distribuição de renda e riqueza, na geração de tecnologia, na preservação do meio ambiente, no desenvolvimento urbano, no desenvolvimento rural e na reforma agrária, além do desenvolvimento sociocultural, representado pela proteção da

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família, pela promoção da seguridade social e pelo incentivo à cultura, à educação e ao desporto.285

Conforme leciona o autor citado, a extrafiscalidade pode atingir diversos

setores da sociedade. As intervenções mencionadas sempre dependem da situação

econômica diagnosticada e que se pretende regular. A manipulação das alíquotas do IPI,

aumentando ou diminuindo-as, é permissão prevista no sistema jurídico tributário como

poderosa ferramenta à disposição do Estado.

Os meios para atingir os efeitos extrafiscais podem se dar de modos diferentes.

No que tange ao IPI, cuidou o legislador constituinte de fixar a possibilidade de variação

de alíquotas, facultando ao Poder Executivo promover a alteração delas por Decreto, mas

nada impede que o legislador ordinário, dentro da sua competência, também o faça.

Veja-se que, ao possibilitar a modificação das alíquotas dos produtos

industrializados no art. 153, § 1º, o constituinte possibilitou que o Poder Executivo, frente

às necessidades de realizar as políticas públicas com supedâneo numa tributação que

envolve os produtos da indústria, com discricionariedade e ao talante das conveniências,

tenha liberdade estipulativa, mas dentro dos parâmetros legais fixados.

Especial momento vivido pela economia mundial envolvida numa crise que

vem afetando diversos países, o Governo Federal buscou no IPI um instrumento indutor de

comportamento para salvaguardar a economia. O Executivo Federal utilizou-se das

reduções das alíquotas do IPI de diferentes produtos286, que gerou preços mais baixos,

movimentando determinados setores que se encontravam com dificuldades, já que

estimulou o consumo e que, por consequência, evitou o desemprego e um desaquecimento

do mercado consumidor nacional.

A redução do IPI foi marcada por gerar benefícios para a economia nacional. O

estímulo fiscal beneficiou a produção industrial, que aumentou em decorrência do aumento

do consumo, já que tornou mais baratos os produtos industrializados atingidos, evitando

desemprego e afetação negativa do setor produtivo. O efeito positivo da medida atingiu em

285 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey,

2006, p. 134. 286 Indústria de automóveis, da construção civil, da denominada linha branca de eletrodomésticos, dentre

outros.

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cascata diversos intentos, mas, essencialmente, manter a economia nacional estimulada.

Vale dizer, regular o mercado nacional.

Nota-se, portanto, que o IPI tem sido um dos tributos fortemente utilizados

para fins extrafiscais, servindo de instrumento realizador dos desígnios estatais. O

professor Paulo de Barros Carvalho elucida: “O imposto sobre produtos industrializados é

a expressão mais singela da iniciativa diretora da política econômica pelo Estado

brasileiro. Em razão de seu caráter extrafiscal, criado para impulsionar a produção interna

do País, […]”287

O autor citado destaca que a própria Constituição Federal cuidou de tratar

diferentemente a imposição de diversos princípios na tributação via IPI, o que torna

marcante sua função extrafiscal:

[…] a própria Constituição lhe atribuiu regime jurídico próprio, em que o excepciona de uma série de princípios, tais como o da anterioridade anual (art. 150, § 1º,b), da anterioridade nonagesimal (art. 150, § 1º,c), do confisco (prescrito no art. 150, IV, uma vez que se permite cogitar de taxações altíssimas, sem que se alvitre sombras de efeitos confiscatórios) e da estrita legalidade (art. 150, I, podendo ter sua alíquota como objeto de alteração por Decreto Presidencial).

Sem dúvida que, alterando a carga tributária sobre os produtos, haverá uma

indução de conduta, estimulando a sua realização ou não, com escopo a atingir fim

específico. A recente redução do IPI sobre os automóveis estimulou a sua compra, mas o

intento era beneficiar a indústria automobilística, que se encontrava em crise e ameaçava a

estabilidade da economia nacional.

As disposições constitucionais específicas quanto ao IPI, como afirmou Paulo

de Barros Carvalho 288 , fez com que ele tivesse um regime jurídico próprio e,

consequentemente, propício a ser utilizado na função extrafiscal, marcadamente pela não

observância da anterioridade anual e pela faculdade dada ao Poder Executivo de modificar

as alíquotas por Decreto, possibilitando uma rápida interferência na ordem econômica,

com correções imediatas.

287 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, p. 679. 288 Ibid., op. cit.

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187

Neste contexto da extrafiscalidade, a doutrina diverge quanto à aplicação do

princípio da capacidade contributiva.

Mizabel de Abreu Machado Derzi afirma que “Na extrafiscalidade, em muitos

casos, a capacidade contributiva é posta de lado, de forma total ou parcial.” E adiante

completa, “Trabalha-se, então, com novo critério de comparação (valores distintos) que

não a capacidade contributiva”.289

José Roberto Vieira afirma que na tributação extrafiscal não há um afastamento

absoluto da capacidade contributiva, já que haverá de respeitar limites mínimo e máximo:

o mínimo restringido pelo mínimo vital; e o máximo, pelo princípio da não confisco.290

Destarte, ainda que se mencione haver um parâmetro mínimo e máximo a

orientar a aplicação da capacidade contributiva na extrafiscalidade, haverá uma margem de

que efetivamente esse princípio restará afastado.

A extrafiscalidade, portanto, caracteriza-se pelo uso de instrumentos jurídico-

tributários para induzir comportamentos, estimulando-os ou os desestimulando, detendo o

agente político liberdade de escolha sobre o modo como irá utilizá-los e sobre quais

valores postos na Constituição pretenderá realizar ou implementar por meio da tributação,

desde que não seja o valor “essencialidade”, já que para este não há liberdade para o

Estado implantar ou não uma política fiscal seletiva, mas imposição da Constituição que

seja realizada pela seletividade, como se intentará demonstrar nas linhas que se seguem.

6.3.3 A seletividade

A seletividade se encontra positivada, devendo, necessariamente, ser observada

quanto ao imposto sobre produtos industrializados291. A doutrina a trata sob o manto do

289 DERZI, Mizabel Abreu Machado. IPI – Impossibilidade jurídica de se utilizar o imposto sobre produtos

industrializados em tributação diferenciada do açúcar para produtores do sul e do nordeste. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 64, 1994, p. 232.

290 VIEIRA, José Roberto. Mesa de Debates de Tributos Federais. Tema: Imposto sobre Produtos Industrializados e Extrafiscalidade. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 91, 2003, p. 76.

291 Art. 153, § 3°, I: Será seletivo, em função da essencialidade do produto; […]

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“princípio da seletividade”, impondo a seleção de produtos com aplicação de alíquotas

diferenciadas.

O professor Aliomar Baleeiro define “seletividade” como “discriminação ou

sistema de alíquotas diferenciais por espécies de mercadorias” e ensina:

[...] refere-se à adequação do produto à vida do maior número dos habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. Geralmente são os artigos mais raros e, por isso, mais caros.292

José Roberto Vieira afirma que a alíquota nos domínios do IPI é uma “entidade

que assume foros de maior relevância, porque instrumento de realização do Princípio da

Seletividade, assim consagrado no Texto Magno.”293

José Eduardo Tellini Toledo destaca que, dentre os vários princípios a que se

sujeita o IPI, mister se faz destacar o princípio da seletividade, em que afirma:

Diferentemente da finalidade da maioria dos tributos, que são utilizados como instrumento de arrecadação fiscal, o IPI, face ao disposto no artigo 153, § 3º, inciso I, da Constituição Federal, que determina que esse imposto será seletivo em função da essencialidade do produto, apresenta-se como instrumento de extrafiscalidade294.

José Eduardo Soares de Melo afirma que “A finalidade do princípio é suavizar

a injustiça do imposto, determinando o impacto tributário, que deve ser suportado pelas

classes mais protegidas, e onerando os bens consumidos em padrões sociais mais altos”295.

Já Regiane Binhara Esturilio afirma que a “a seletividade é uma norma porque

prevista na Constituição Federal e portanto deve ser observada e aplicada, mas como regra

(BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 out.

1988). 292 BALEEIRO, Aliomar apud SOUZA, Jorge Henrique de Oliveira. Tributação e Meio Ambiente. Belo

Horizonte: Del Rey, 2009, p. 144. 293 VIEIRA, José Roberto. A Regra-Matriz de Incidência do IPI: Texto e Contexto. Curitiba: Juruá, 1993,

p. 126. v 294 TOLEDO, José Eduardo Tellini. IPI – Incidência Tributária e Princípios Constitucionais. São Paulo:

Quartier Latin, 2006, p. 138. 295 MELO, José Eduardo Soares. IPI Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 211.

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e não na condição de princípio tributário”, já que, segundo ela, não se aplicaria a todos os

princípios, mas apenas ao ICMS e IPI296.

De todo modo, certo é que a Constituição Federal impõe que o legislador

ordinário, ao instituir o IPI, e o Poder Executivo, ao alterar as alíquotas dentro dos

parâmetros legais, devam estabelecer alíquotas seletivas para o IPI, devendo fazê-lo em

razão da essencialidade dos produtos.

Desse modo, identificados os produtos essenciais para os indivíduos e para a

sociedade, necessariamente o agente político deve implementar a política fiscal da

seletividade, que, no caso, se realiza pela essencialidade. Os produtos tidos por essenciais

devem ter dimensionada sua carga tributária pela escolha de alíquotas que devem ser

inversamente proporcionais à sua necessidade e utilidade.

O IPI, portanto, tem política fiscal própria e definida constitucionalmente

quando se tratar de produtos industrializados essenciais, sendo impositiva a eleição de

alíquotas diferenciadas e submetidas a uma graduação que tem no valor “essencialidade” o

seu fundamento.

Verificou-se da dicção constitucional a imposição da observância da

essencialidade dos produtos industrializados, que será realizada pela seletividade das

alíquotas, constatando-se, pelas transcrições feitas, que quanto à conceituação da

seletividade, no mais das vezes, é tida como um princípio pela doutrina.

6.4 A seletividade como técnica

Como vimos, a seletividade é tida por alguns autores como princípio; contudo,

entrevemos a seletividade como uma técnica de tributação, que pode se efetivar a partir de

diferentes procedimentos.

Roque Antonio Carrazza afirma que a seletividade “poderá ser alcançada com

o emprego de quaisquer técnicas de alteração quantitativa da carga tributária: sistema de

296 ESTURILIO, Regiane Binhara. A seletividade no IPI e no ICMS. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.

103.

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alíquotas diferenciadas, variação de bases de cálculo, criação de incentivos fiscais etc.”297;

embora mencionando o ICMS, temos que se aplica também ao IPI.

O professor Roque Antonio Carrazza assevera, ainda, que é por meio do

mecanismo da variação de alíquotas que a seletividade se torna mais facilmente alcançável.

Nesse sentido, Luiza Nagib também destaca: “Assim, regra geral, utiliza-se a alteração de

alíquotas para representar a seletividade; no entanto, outros mecanismos podem ser

adotados para a técnica da seletividade.”298

Nada obstante outros mecanismos possam ser utilizados para que a seletividade

se realize, certo é que a variação das alíquotas possibilita melhor efetivação dessa técnica,

na medida em que permite a oneração ou desoneração de um produto, conforme o critério

a ser adotado, e que orientará a seleção.

Aires Barreto, procedendo à classificação, discorre sobre as alíquotas seletivas

mencionando a aplicação de alíquotas diferenciadas, destacando que “O meio adequado

para satisfazer esse princípio está na diferenciação da alíquota, de acordo com prudente

arbítrio na conceituação da essencialidade dos produtos.”299

As alíquotas seletivas são marcadas por haver uma seleção, e não há meios de

selecionar que não seja por escolhas com fundamento em critérios e objetivos previamente

definidos, como bem demarca Hugo de Brito Machado, que ensina:

Seletivo é o mesmo que selecionador, aquilo que seleciona. Imposto seletivo é aquele que seleciona, ou discrimina, onerando diferentemente os objetos sobre os quais incide. Seleciona os bens tributáveis, em razão de certos critérios. Dizer que um imposto é seletivo é apenas dizer que ele incide de forma diferente sobre os objetos tributados. A razão dessa incidência diferenciada é o que denominamos critérios da seletividade300. (grifo nosso).

Adotando-se para a seletividade o mecanismo da variação de alíquotas, com a

eleição de critérios próprios, teremos a aplicação de alíquotas distintas e variadas para cada

297 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 491. 298 NAGIB, Luiza. A seletividade de alíquotas do IPI e a proteção do meio ambiente. In: PEIXOTO, Marcelo

Magalhães; MELO, Fábio Soares (Coords.). IPI questões fundamentais. São Paulo: MP, 2008, p. 299. 299 BARRETO, Aires Fernandino. Base de Cálculo, Alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: Max

Limonad, 1998, p. 69. 300 MACHADO, Hugo de Brito. Princípios jurídicos da Tributação na Constituição Federal de 1988. 4.

ed. São Paulo: Dialética, 2001, p. 111.

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produto, o que resultará em tributação diferenciada. O objetivo de uma tributação

diferenciada tem o condão de atender fins específicos.

Como técnica, a aplicação da seletividade para o IPI pode se dar de modos

diferentes; contudo, é técnica obrigatória para os produtos industrializados essenciais e

técnica optativa quando da utilização do IPI com funções extrafiscais, que pode ser usada

com outros critérios que não a essencialidade.

A imposição constitucional é que o IPI seja seletivo em função da

essencialidade dos produtos, de modo que impôs uma obrigação quanto aos produtos

essenciais. A seletividade que melhor atende as características do IPI é a aplicação de

alíquotas diferenciadas, já que a graduação de alíquotas a partir do critério da

essencialidade permite desonerar a carga tributária sobre os produtos que são

imprescindíveis aos indivíduos e à sociedade.

Ressalta-se que, para a faixa dos produtos tidos por essenciais, é imperativo

constitucional a seletividade pela essencialidade com variação das alíquotas, e não há

liberdade de escolha de implementá-la ou não, ou seja, não é questão que está ao talante

deliberativo do Estado escolher implantar ou não tal diretriz constitucional, sendo uma

obrigação que deve ser observada com base na seletividade pela essencialidade.

Embora Paulo de Barros Carvalho releve a seletividade a princípio, não deixa

de ver na essencialidade o valor maior a ser salvaguardado, afirmando que o conteúdo

semântico do princípio da seletividade aponta para um processo que é a seleção e para um

valor que é a essencialidade. Ao realizar suas conclusões sobre a classificação dos

produtos na Tabela do IPI, destaca a presença de valores na compreensão do tema,

impondo que se observem os diversos princípios gerais e os específicos do IPI, “dentre

eles, o princípio da essencialidade, apurado pelo mecanismo da seletividade”301.

Entendemos que a seletividade é uma técnica aplicada ao IPI, que tem no

mecanismo da variação das alíquotas a forma que mais facilmente se efetiva, realizando-

se, portanto, pela seleção de alíquotas, consubstanciada num processo de escolha a partir

301 CARVALHO, Paulo de Barros. IPI - Comentários sobre as regras gerais de interpretação da tabela

NBM/SH (TIPI/TAB). Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 2, n. 12, 1996, p. 60.

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de critérios pré-definidos, que propicia a aplicação de alíquotas distintas e,

consequentemente, gera uma tributação diferenciada.

6.5 A seletividade como instrumento de viabilização da extrafiscalidade e da

essencialidade

Em sendo técnica, a seletividade pode ser utilizada como instrumento para

realizar tanto a extrafiscalidade quanto a essencialidade. Assim, embora a seletividade

esteja estritamente relacionada ao conteúdo da essencialidade, sendo o modo por

excelência de sua realização, certo é que pode ser usada para estimular atividades

industriais por meio de variação das alíquotas, a partir de critérios outros, com intuito de

incentivar o desenvolvimento.

O IPI como tributo de competência da União é utilizado para implementar

políticas públicas. Fabiana Del Padre Tomé nos ensina que

Denominam-se “políticas públicas” os programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado, objetivando assegurar direitos aos cidadãos, quer no âmbito social, cultural, econômico, dentre outros. São decisões de um específico agir estatal.

A autora citada afirma que, quando analisamos o que seriam as políticas

públicas, poderíamos tomá-las por diversas perspectivas, como a política, a sociológica e a

econômica, devendo, entretanto, sobrepor-se à normatização das mesmas e os meios

disponibilizados pelo sistema positivo para implementá-las.

Pois bem, para implementar as referidas políticas, o Estado tem a tributação

como instrumento à sua disposição e, especialmente, o IPI, objeto deste trabalho, que se

apresenta com forte característica extrafiscal e que possui, quanto aos produtos essenciais,

uma outra política pública previamente definida. Nesse quadro, conforma-se o IPI, e, nessa

compostura, permite a aplicação do mecanismo da seletividade ora para realizar a

extrafiscalidade ora para realizar a essencialidade.

As alíquotas diferenciadas por seleção de produtos pode ser aplicada com

efeitos extrafiscais; nesse caso, o efeito extrafiscal foi escolhido e desejado pelo Estado,

diferentemente daquelas postas sobre o critério da essencialidade, que se trata de uma

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imposição constitucional quanto ao IPI, não havendo um “querer” a dispor tal ou qual

forma, mas um dever, em que se tem diretriz constitucional com intento finalístico de não

onerar a carga tributária sobre os produtos imprescindíveis.

Podemos concluir, portanto, que a extrafiscalidade pode ser atingida por meio

de alíquotas seletivas, já que a seletividade é uma técnica que seleciona alíquotas a partir

de um processo de escolha com critérios previamente eleitos.

Contudo, a seleção pela essencialidade apresenta-se com uma diferença

fundamental e que a separa radicalmente da seletividade com função extrafiscal.

A seleção pela essencialidade tem por escopo realizar a política constitucional

definida pelo constituinte, de pôr ao largo da tributação os produtos essenciais,

constituindo-se em modo impositivo de atuar, sendo norma imposta, obrigatória para

Estado que não tem escolha para implantar ou não.

Já com a seleção na extrafiscalidade, os produtos podem ter alíquotas

diferenciadas por um processo de escolha que visa a outros fins que não à essencialidade,

tendo, por isso, outros critérios a disposição para, em sendo eleitos, poder o Estado

escolher livremente a política pública a ser implantada, bem como a variação da carga

tributária que pretende aplicar.

Eis a diferença na aplicação da seletividade. O ser seletivo pela essencialidade

tem por escopo realizar uma política já pré-definida pelo constituinte, qual seja,

salvaguardar aos cidadãos e à coletividade que os produtos considerados essenciais sejam

tributados de modo menos oneroso ou até mesmo desonerá-los. O ser seletivo na

extrafiscalidade dependerá da liberalidade do agente político, numa tomada de decisão de

escolha de proceder pela seleção das alíquotas diferenciadas, devendo também determinar

os critérios sobre os quais essa diferenciação será realizada.

Temos, então, no que tange aos produtos essenciais, que a Constituição já

definiu a política pública a ser observada e estabeleceu a política fiscal a ser aplicada.

Entretanto, para realizar todas as demais políticas públicas que o Estado tem sob sua

responsabilidade, pode vir a se utilizar da seletividade pela seleção de alíquotas

diferenciadas, devendo, para tanto, estabelecer os critérios de escolha, bem como poderá

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usar outras medidas colhidas do próprio sistema jurídico, como isenção, imunidades,

créditos presumidos, benefícios específicos como prêmios fiscais.

Importa destacar que a seleção de alíquotas com intento extrafiscal faz com

que reste atenuada a observância do princípio da capacidade contributiva. Tomemos como

exemplo o fumo e as bebidas alcoólicas que possuem alíquotas altíssimas e atingem

igualmente os consumidores com maior ou menor poder aquisitivo, mais ricos e mais

pobres; nesses casos, a tributação exacerbada busca obstaculizar seu consumo porque

provocam danos à saúde dos indivíduos, são nocivos e, por consequência, gerarão mais

despesas ao Estado, que deverá estar aparelhado para tratar as doenças advindas desse

consumo.

Não se tem no caso, como parâmetro, o ser essencial ou não; podemos até

analisar sob tal ângulo com outro enfoque, mas não sob o conteúdo da seletividade pela

essencialidade posta no texto constitucional, pois a elevação da carga tributária tem o

intento de induzir o não consumo de tais produtos sem que se paute na capacidade

contributiva dos possíveis consumidores.

A extrafiscalidade caracteriza-se, portanto, pela utilização dos instrumentos

jurídico-tributários para estimular ou desestimular comportamentos, por meio da indução

desses. O Estado, com liberdade de escolha, para implantar os diversos valores postos no

texto constitucional, pode vir a utilizar a seletividade com outros critérios que não seja a

“essencialidade”, já que nela não há liberdade, mas imposição da Constituição que seja

realizada por meio da seletividade.

Nessa visão de quadramento distinto quanto aos temas fiscalidade,

extrafiscalidade, seletividade e essencialidade, parece-nos, salvo melhor juízo, possibilitar

uma visão mais delineada dos institutos e consequente atenção às políticas governamentais

que devem subsumir-se ao referido delineamento para aplicação do regime próprio.

Roque Antonio Carrazza afirma que o IPI deve ser necessariamente

instrumento de extrafiscalidade para, em seguida, abordar a seletividade302 ; Paulo de

Barros Carvalho, que a manipulação das alíquotas realiza os objetivos extrafiscais, 302 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 105.

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mencionando a seletividade no IPI303; Eduardo Domingos Bottallo, que a seletividade é

meio de implementar a extrafiscalidade no IPI.304

Não se olvida que, de um modo ou de outro, os tributos venham a ser utilizados

com efeitos extrafiscais; entretanto, o fato de o legislador constituinte originário pré-

estabelecer uma política fiscal própria ao IPI com escopo na essencialidade dos produtos

industrializados, não havendo margem de liberdade no que tange a essa política, nos faz

crer que existe, para essa categoria de produtos, uma normatização própria

(essencialidade), que não se confunde com a extrafiscalidade, o que a coloca numa

categoria de tratamento diferenciado e específico.

Utilizemo-nos do exemplo de Marcos Aurélio Pereira Valadão, que também

não vê no inciso I do art. 153, § 3º da Constituição uma desejada extrafiscalidade,

afirmando que nem todo efeito secundário da cobrança de um tributo é caracterizador da

extrafiscalidade:

O efeito extrafiscal há de ser desejado, buscado pelo Estado. Veja-se, por exemplo, a diferença das alíquota do IPI nos alimentos básicos (alíquota zero) e dos refrigerantes (alíquota de 40%) Não é extrafiscalidade, decorre de um comando constitucional que impõe ao IPI ser um imposto cujas alíquotas sejam seletivas em função da seletividade, e como alimento básico é mais essencial que refrigerante, sua alíquota deve ser necessariamente menor, devendo ser considerado também, com relação ao refrigerante, o relevante aspecto fiscal-arrecadatório. Por outro lado, no caso do IPI sobre cigarros, em que a alíquota é extremamente elevada (alíquota ad valorem da TIPI=360%), percebe-se intenções extrafiscais, qual seja, a desestimular o consumo do produto pela elevação do seu preço, já que se trata de produto notoriamente prejudicial à saúde da população. (grifo nosso).

O mesmo autor acrescenta:

Assim, no exemplo acima, se em determinada situação a União reduzisse a zero a alíquota do refrigerante, como forma de incentivar sua produção, posto que seria reduzido seu preço no mercado com a desoneração do imposto, implicando aumento no consumo do produto, e, consequentemente, as empresas produtoras não fechariam, evitando todas as consequências daí decorrentes (desemprego etc.), ter-se-ia um efeito extrafiscal nesta ação do governo, que se utiliza da política tributária para

303 CARVALHO, Paulo de Barros. IPI - Comentários sobre as regras gerais de interpretação da tabela

NBM/SH (TIPI/TAB). Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 2, n. 12, 1996, p. 52.

304 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 53.

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ser consentâneo com os princípios do art. 170 da Constituição de 1988 (em especial, no caso, o inciso VII do citado artigo)305.

Reforçam os exemplos transcritos que a utilização de alíquotas seletivas pode

ser usada para realizar o valor essencialidade, como também outros valores prestigiados

pela ordem jurídica no âmbito da extrafiscalidade com outros critérios que não a

essencialidade, mas que, de modo algum, se confundem.

A oneração diferenciada imposta pela essencialidade decorre de uma

imposição constitucional do poder constituinte originário de tratar diferentemente os

produtos considerados essenciais, impondo ao Estado que efetive essa política fiscal, não

havendo atitude estatal com a vontade dirigida a orientar condutas ou a escolher políticas

públicas.

O fato de o Estado, quanto aos produtos essenciais, agir nos exatos termos

fixados pela Constituição imprime a essa categoria de produtos a necessidade de um

tratamento diferenciado, que não se coaduna com a feição extrafiscal, nada obstante a

tributação graduada consoante a essencialidade apresentar efeitos secundários.

Podemos constatar que, para a compra de um bem imprescindível, de regra,

não se tem liberdade de escolha ou liberdade de consumo; o que efetivamente há é uma

“necessidade”, já que ninguém pode, dentre outros, prescindir de remédios, pão, transporte

coletivo, próteses para uma vida normal, dentre outros.

Essa falta de liberdade de escolha, segundo Fábio Fanucchi, citado por Marcos

Aurélio Pereira Valadão, seria uma das formas de se verificar a existência da

extrafiscalidade em determinada incidência, ou seja, quando o elemento “escolha” se fizer

presente, haverá a possibilidade de o contribuinte optar entre a maior ou menor tributação,

ou nenhuma306.

Assim, há produtos industrializados na faixa dos tidos por essenciais com

graduação das alíquotas e há outros que, não essenciais, simplesmente se apresentam com

305 VALADÃO, Marcus Aurélio Pereira. Aspectos Extrafiscais do IPI e os Direitos Fundamentais: In:

BRANCO, Paulo Gonet; MEIRA, Liziane Angelotti; CORREIA NETO, Celso de Barros (Coords.). Tributação e Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 264-265.

306 Ibid., p. 264.

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variação das alíquotas. Os primeiros denotariam a essencialidade (sem liberdade de

escolha); os segundos, a extrafiscalidade (com liberdade de escolha). A possibilidade de

escolha do produto pelo contribuinte seria um elemento identificador da presença da

extrafiscalidade.

Recentemente, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, analisando

controvérsia sobre o enquadramento das rações para cães e gatos em embalagens com mais

de dez quilos, com supedâneo na essencialidade ou não do produto, decidiu pela alíquota

de 10% (IPI) e não alíquota 0%, como pleiteava o contribuinte. O enquadramento nos

pareceu acertado, a despeito do equivocado fundamento utilizado.

O ministro Benedito Gonçalves destacou que a seletividade no caso se

evidencia, já que os alimentos para cães e gatos são destinados a público com alto poder

aquisitivo, que opta pelo fornecimento de tais alimentos, em vez de utilizar formas mais

básicas de nutrição. Entendemos que a diferenciação de alíquotas, no caso, considera

simplesmente a capacidade contributiva dos consumidores para fazer incidir alíquotas

diferenciadas, mas não condiz com a seleção pela essencialidade enquanto necessidade e

utilidade do produto nos termos do art. 153, § 3º, I, da Constituição Federal307.

Diferentemente quanto às rações destinadas para outros animais, como bovinos

e aves, cujo intento por certo é desonerar a carga para essa atividade produtiva, já que seu

produto serve à alimentação da população, caso em que a utilidade desses produtos para a

atividade reflete diretamente para o consumidor.

Ainda no mesmo julgado, o Ministro Benedito Gonçalves asseverou:

Nesse sentido, entendo que a tabela de incidência do IPI, ao estabelecer um item específico aos alimentos para cães e gatos e ao dirigir-lhe uma alíquota de 10%, o fez em razão da dispensabilidade do produto. Ora, o sustento de tais animais domésticos de estimação reserva-se, em geral, ao mero deleite de seus donos. Além disso, quem os mantém possui, presumivelmente, razoáveis condições financeiras, distintas da maior parte da coletividade, haja vista que podem dedicar parcela de sua renda para a compra de uma alimentação diferenciada para seus animais, não se utilizando de formas mais comuns de suprimento alimentar. Tal circunstância inevitavelmente reflete na possibilidade de tal parcela populacional - que, ao fim, é quem suporta o encargo financeiro da

307 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.121.947/SC. Relator: Ministro Napoleão

Nunes Maia Filho. Julgamento: 02 out. 2012. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: 09 nov. 12.

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exação, na condição de contribuinte de fato - arcar com maior ônus tributário.

Nada obstante coerente à tributação impingida, os argumentos transcritos

reforçam que o fundamento da oneração não se enquadra na essencialidade por nós até

aqui defendida, a partir das premissas expostas.

Os fatores fiscais, essenciais e extrafiscais podem conviver na Tabela de

Incidência do IPI, mas com submissão a regramento próprio e distinto. Assim, pela feição

fiscal do IPI, não há impeditivo que afaste a possibilidade de ser instituído sob tal intento.

Com fundamento na essencialidade, a Constituição Federal estabelece a imposição de dar

tratamento especial para os produtos essenciais à necessidade dos indivíduos e da

coletividade. Por fim, o intento extrafiscal, onde a diferenciação de alíquotas de produtos

fora daquele espaço caracterizado pelos essenciais, realiza-se por outros objetivos que o

Estado pretende ver concretizado.

É possível, portanto, que a Tabela de Incidência do IPI conviva com tais

aspectos da tributação dentro das características peculiares que a Constituição submeteu ao

IPI, mas, fundamentalmente, será a casuística que demonstrará o intento impingido pelo

legislador.

6.6 A essencialidade como categoria distinta da extrafiscalidade e da seletividade

Vimos que a seleção de alíquotas tanto na extrafiscalidade como na

essencialidade resulta em efeitos secundários da tributação, ou seja, sem intuito de

arrecadar. Compreendidas as dimensões da aplicabilidade da extrafiscalidade e da

essencialidade quanto ao IPI, podemos concluir que ambos encontram fundamentações

diversas, apresentando-se como categorias distintas.

Na extrafiscalidade, a instituição de um tributo, seja sobre alguma condição,

seja sobre alguma atividade econômica ou comercial, tem o condão de onerar,

desestimulando o comportamento que provoca a tributação ou, ao contrário, pode se

reduzir o ônus, a fim de estimular a sua realização.

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Outro elemento que nos parece importante na identificação da extrafiscalidade:

os efeitos extrafiscais devem ser buscados pelo Estado, que, dentre as possibilidades de

atuação, escolhe a política pública que deseja implementar e se utiliza dos meios postos

pelos sistema para realizá-la, que, no caso, seria a utilização do tributo com intuito

extrafiscal, adotando uma política fiscal308 específica.

O efeito extrafiscal desejado pelo Estado é peculiar desse instituto, que, dentre

os vários objetivos constitucionalmente fixados com os diferentes meios de atuar, tem

liberdade de escolha, para direcionar comportamentos, para atingir fins que visam a

situações sociais, políticas e econômicas, relevantes dentro do cenário nacional. É a

atividade tributária criando outros efeitos, estimulando ou desestimulando determinada

conduta do particular, para que as metas constitucionais sejam obtidas pelo Estado. O IPI

tem servido fundamentalmente ao Governo Federal nesse sentido.

Mas não é só. A Constituição trouxe ainda outra importante dicção quanto ao

IPI: a essencialidade. O constituinte especificou que o IPI deve ser seletivo em função da

essencialidade, delimitando o modo de agir do agente político quanto às políticas públicas

quando estiver diante dos produtos industriais tidos por essenciais.

Já concluímos que a seletividade que se apresenta nos termos do art. 153, § 3º,

I da Constituição, cujo critério de aplicação é a “essencialidade”, não se trataria de

extrafiscalidade, ainda que o meio utilizado tenha sido alíquotas diferenciadas, pois não

haveria uma vontade deliberada do Estado, mas uma imposição constitucional na sua

aplicação.

Na seletividade pela essencialidade, a intenção não se perfaz em estimular ou

desestimular um comportamento e nem se reflete numa intervenção estatal para atingir fins

econômico-sociais. Diferentemente, temos a contextualização da extrafiscalidade,

construída pela livre vontade e iniciativa do Estado de “querer” modificar determinada

situação, com a liberdade estipulativa de influir condutas para a obtenção de certo fim.

308 Jeferson Teodorovicz citando José Casalta Nabatis afirma que a princípio a Política Fiscal envolve a

instituição de impostos. É, em outros termos, o “[…] conjunto de decisões relativas à instituição, organização e aplicação dos impostos em conformidade com os objetivos fixados pelos poderes públicos”. TEODOROVICZ, Jeferson. A Política Fiscal e a tributação sobre o consumo. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 93, 2010, p. 180.

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200

De sorte que o art. 153, § 3º, I da Constituição traz uma tributação diferenciada

e específica para os produtos industrializados que se encontram na faixa dos denominados

essenciais, que não se apresenta com margem de liberdade para a atuação estatal, mas uma

imposição do legislador constituinte originário na competência impositiva da União.

Vale dizer que, no que tange aos produtos tidos como essenciais, o Estado não

tem liberdade de estipulação, e impõe-se tratamento específico para eles, diferente quando

o intuito é utilizar o IPI com função extrafiscal em que o texto constitucional permite a

eleição de motivação orientativa de uma conduta, possibilitando uma ação governamental

dentro de um contexto deliberativo e de liberdade de escolha.

Nesse quadro, a seletividade se apresenta como técnica a realizar ambas as

situações, mas sob fundamentos que não se confundem: numa, a imposição de obedecer a

uma política fiscal pré-definida pelo legislador constituinte sem margem de liberdade de

escolha quanto a mesma; na outra, resta uma atuação de liberdade a ensejar escolha de

como conduzir as demais políticas fiscais.

Diante disso, não vemos no inciso I, do art. 153, § 3º, uma manifestação da

extrafiscalidade. Temos uma categoria de produtos industrializados, eleita pela

Constituição e denominada de essencial, que deve ter um tratamento diferenciado. Quando

o Estado implementa um tributo com efeitos extrafiscais, há uma prévia e deliberada

tomada de decisão com discricionariedade, tanto na escolha dos objetivos a serem

realizados quanto da política fiscal a ser utilizada, o que não ocorre na seletividade pela

essencialidade.

Por isso, a seletividade é um instrumental que, enquanto aplicada para os

produtos essenciais, tem caráter obrigatório. O produto essencial se põe a salvo da livre

manipulação pelo legislador. Leandro Paulsen, discorrendo sobre a cogência da

seletividade do IPI, destaca:

A Constituição é categórica ao determinar a observância da técnica da seletividade na instituição do IPI. A primeira observância é que se trata de uma imposição, e não de uma faculdade. […] As alíquotas, pois, deverão variar em função da essencialidade do produto, sob pena de inconstitucionalidade. Não é dado ao legislador, nesta matéria, pois, atuar discricionariamente. Inobstante haja julgados no sentido de que se trate de juízo discricionário do Administrador, a única discricionariedade possível estará em onerar mais ou menos os produtos

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como um todo, e não na consideração ou não da relação de essencialidade que se possa estabelecer entre os mesmos309.

Na seletividade imposta no inciso I, do art. 153, § 3º da Constituição, a seleção

por meio da graduação de alíquotas é o mecanismo a ser utilizado na execução de uma

política fiscal estipulada previamente pelo legislador constituinte, em que, sendo

executada, faz implementar uma política pública já também previamente fixada por aquele

mesmo legislador, no sentido de pôr ao largo a oneração dos produtos industrializados

essenciais.

A não aplicação dessa imposição de que as alíquotas variem em função da

essencialidade tem o condão de impingir uma inconstitucionalidade, conforme leciona

Leandro Paulsen, já que o legislador não tem discricionariedade quanto à consideração ou

não de uma relação de essencialidade entre os produtos industrializados.

Queremos dizer, com isso, que a seletividade para os produtos essenciais no

IPI, impõe-se como um dever. Pode até ser utilizada em função de outros critérios, mas

não se consubstanciará na seletividade própria do IPI pela essencialidade, que é norma

cogente, sendo o critério “essencial” reservado a seleção de produtos quanto ao IPI, sem

qualquer margem de liberdade, como pontua Paulo de Barros Carvalho ao discorrer sobre a

Tabela de Incidência do IPI e o Sistema Harmonizado, afirmando que a Tabela do IPI toma

esse Sistema como “proposta de trabalho, passando a injetar-lhe fatores de distinção

fundados no valor essencialidade”310.

E conclui:

Daí a inclusão de itens e subitens, aumento a complexidade dos produtos, mas propiciando ensejo ao reconhecimento da destinação do bem, para aferir seu índice de utilidade social ou pessoal. E o legislador que cria o IPI não procede assim porque deseja. É imperativo constitucional: não pode deixar de fazê-lo. (grifo nosso).

Importa, a partir das lições do autor, relevar a força do imperativo

constitucional que impõe a adoção de uma política fiscal previamente definida e sem 309 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da

jurisprudência. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 304-305. 310 CARVALHO, Paulo de Barros. IPI - Comentários sobre as regras gerais de interpretação da tabela

NBM/SH (TIPI/TAB). Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 2, n. 12, 1996, p. 59.

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margem de liberdade para o legislador, o que nos permite identificar uma categoria

específica e distinta da extrafiscalidade e da seletividade.

Deveras, o mais importante que se julga nessa diferenciação é evitar que a ação

governamental ao escopo de implementar uma política extrafiscal manipule livremente

produto que se encontre na faixa dos tidos como essenciais, deixando-os à mercê de uma

aplicação de alíquotas diferenciadas que não respeite essa essencialidade e que foi posta,

diga-se, pelo legislador constituinte originário, como garantia constitucional fundamental.

Assim, a essencialidade forma uma categoria distinta e autônoma da

extrafiscalidade e da seletividade, de modo que não se confundem. A seletividade pela

essencialidade realiza a garantia constitucional pré-definida pelo legislador constituinte de

pôr ao largo a oneração da carga tributária sobre os produtos industrializados essenciais,

enquanto a utilização do IPI na função extrafiscal permite que o agente político

implemente objetivos diversos daquele salvaguardado pela essencialidade.

Isso possibilita concluirmos que nem todo efeito secundário identificado

quando da cobrança de um tributo pode ser colocado na amplitude da extrafiscalidade,

dentro das premissas que adotamos.

6.7 O Princípio da Essencialidade e a demarcação de sua força normativa para o

sistema

A vida em sociedade exige que os seres humanos desenvolvam atividades

laborais, a fim de que obtenham condições para suprir as suas necessidades; nesse

caminho, o Estado deve se colocar ao lado do cidadão, não onerando demasiadamente a

carga tributária sobre os produtos tidos como essenciais para uma sobrevivência condigna.

Nesse caminho, valiosa é a diretriz de colocar ao largo da tributação os

produtos considerados imprescindíveis ou essenciais. Essencial é o “que constitui o mais

básico ou o mais importante em algo; fundamental; que é necessário, indispensável.”311

311 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 826.

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203

Aquele produto reconhecido como necessário para atender as necessidades biológicas,

sociais e culturais deve ser tratado diferentemente.

Humberto Ávila afirma que essencial “significa que algo é de importância

decisiva”. E pergunta: “Decisiva para quê?” E responde: “A essencialidade só pode ser

vista na perspectiva da garantia e do desenvolvimento das decisões valorativas

constitucionais, isto é, aquilo que for essencial para a dignidade humana, para a vida ou

para a saúde do homem”.312

Há quem defenda até mesmo uma imunidade sobre tais produtos, como o fez

Ricardo Lobo Torres:

Com efeito, quando se tratar de bens necessários à sobrevivência biológica e social do cidadão em condições mínimas de dignidade humana a tributação não encontra justificativa racional. Parece-nos, como já dissemos alhures, que, não obstante seja omissa a CF, é caso de imunidade tributária, a garantir o mínimo existencial, posto que é um predicado dos direitos da liberdade e tem fundamento pré-constitucional.313

Dada a imprescindibilidade de determinados produtos, podemos verificar na

tabela do IPI que muitos efetivamente são postos como não tributados (NT) ou constam

com alíquota zero, sendo que o critério para a apuração da seletividade foi dado pelo

próprio constituinte: grau de essencialidade do produto. A política fiscal sobre os produtos

essenciais deve se dar por meio de alíquotas diferenciadas.

Não há suposta extrafiscalidade pelo fato de o legislador exercer um juízo

próprio ao diferenciar as alíquotas sobre os produtos industrializados. Ainda que se

reconheça uma dificuldade de delimitação para a essencialidade, seu conteúdo pode ser

evidenciado a partir da análise do texto constitucional; mesmo que com variação no tempo

e no espaço, é possível exercer uma compreensão do “ser essencial” a partir das diretrizes

constitucionais.

312 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 394. 313 TORRES, Ricardo Lobo. O IPI e o Princípio da Seletividade. Revista Dialética de Direito Tributário,

São Paulo: Dialética, n. 18, 1997, p. 95.

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204

Os princípios são normas jurídicas que se apresentam com intensa carga

valorativa, ou seja, “introduzem valores relevantes para o sistema, influindo vigorosamente

sobre a orientação de setores da ordem jurídica”.314

Ao voltar os olhos para a dicção “ser seletivo, em função da essencialidade do

produto” e ao contextualizar essa prescrição com outros valores do sistema constitucional

como a igualdade, a dignidade humana e os diversos direitos estabelecidos, concluímos

que tratar diferentemente a tributação sobre os produtos essenciais é política pública

imposta ao Estado.

Nesse contexto, a essencialidade exsurge como postulado a ser atendido por

imposição do constituinte originário.

A força com que a essencialidade se apresenta ao IPI releva-a à condição de

princípio, que tem em si congregado valor altamente relevante, a ponto de ser elevada a

parâmetro obrigatório para a fixação das alíquotas diferenciadas do IPI, quando os

produtos industrializados forem imprescindíveis ao ser humano e à sociedade.

O fato de a essencialidade se circunscrever ao ICMS e ao IPI não a afasta de

sua natureza principiológica, na medida em que seus efeitos irradiam-se sobre diversos

outros princípios constitucionais, mas, essencialmente, por trazer uma política pública que

impõe salvaguardar a própria existência humana. Tal carga axiológica representa para a

essencialidade condição suficiente para lhe impingir o trato de postulado.

Nesse sentido, temos que se atinge o direito fundamental à saúde, reduzindo ou

anulando a carga tributária sobre os remédios, atinge-se a dignidade da pessoa humana

reduzindo ou anulando a carga tributária sobre as próteses substitutivas de membros

ausentes no corpo humano, atinge-se o direito à vida reduzindo ou anulando a tributação

sobre os produtos alimentícios básicos, dentre tantos outros exemplos que poderiam

demonstrar que a essencialidade é um princípio que se apresenta com toda a carga que lhe

é própria a preservar diversas garantias constitucionais.

314 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2009, 257.

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Os produtos essenciais devem ser tratados diferentemente, sem conotação

fiscal e mesmo sem conotação extrafiscal que está sobre a competência de uma

discricionariedade do Estado. Figuram como categoria com tratamento diferenciado pelo

texto constitucional, com imposição de um modelo de tributação próprio.

A dicção constitucional impositiva se consubstancia em garantia do

contribuinte, permitindo a análise pelo Poder Judiciário para averiguar se os critérios

utilizados pelo legislador na graduação de alíquotas foram aplicados de modo racional e

em conformidade com os valores primados pelo texto constitucional.

Eis toda a importância com que a essencialidade se apresenta ao IPI e que nos

habilita a tratá-la como um princípio.

De todo modo, é preciso reconhecer que a caracterização de um produto como

essencial efetivamente nem sempre é uma tarefa fácil; eis que depende de diversos

elementos referentes a uma determinada sociedade, variando no tempo e no espaço,

conforme as necessidades humanas.

Embora algumas delas sejam permanentes, como alimentação, vestuário,

saúde, dentre outras, mesmo assim o produto dentro dessas categorias pode ter seu grau de

essencialidade diferentemente considerado, observando fatores diversos, como a economia

adotada, os valores eleitos a serem salvaguardados ou o momento histórico vivido pela

sociedade e as suas dificuldades econômicas etc.

Paulo de Barros Carvalho, discorrendo sobre o conteúdo da essencialidade,

afirma que “o caráter de utilidade que se atribui aos produtos industrializados é construção

da experiência cultural de cada povo, tomando-se como referência um intervalo de tempo

considerado”.315

De toda sorte, mesmo atentos a possíveis variações locais e específicas, parece-

nos que a Constituição nos dá indicações do que considera como essencial ao ser humano.

O art. 7º da Constituição Federal, por exemplo, ao estabelecer os direitos dos

315 CARVALHO, Paulo de Barros. IPI - Comentários sobre as regras gerais de interpretação da tabela

NBM/SH (TIPI/TAB). Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 2, n. 12, 1996, p. 53.

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trabalhadores, dispõe, em seu inciso IV, que o salário-mínimo deve atender às suas

necessidades vitais básicas, bem como de sua família, com “moradia, alimentação,

educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. 316

Roque Antonio Carrazza ensina:

É tarefa difícil precisar o que vem a ser mínimo vital. É certo, porém que ele gravita em torno dos bens mais preciosos do ser humano: a vida, a saúde, a cultura, quer próprias, quer familiares e dependentes. Minudenciando a asserção, os valores monetários ou operações jurídicas que garantem o direito à vida, à saúde, ao bem-estar, à educação, à moradia, ao lazer etc., do contribuinte ou de seus familiares e dependentes, devem, o mais possível, passar ao largo da tributação.317

O professor citado, embora mencione a legislação do ICMS para se reportar à

seletividade, mas que, entendemos também, se aplica ao IPI, alerta que também a

finalidade do produto importa para demarcar a essencialidade, exemplificando, dentre

outros, a cadeira de rodas, próteses, que são essenciais para aqueles que dependem e

necessitam delas.

Nesse sentido, o professor Paulo de Barros Carvalho também assevera a

importância de se observar a destinação do bem, para se “aferir seu índice de utilidade

social ou pessoal318.

Desse modo, é importante atentar-se à utilidade de certo bem para observar a

sua essencialidade. Qual seria a utilidade das próteses, de um cateter, dos aparelhos de

raios X? A destinação de tais bens é absolutamente útil para aqueles que deles necessitam,

aferindo-se alto índice de utilidade pessoal para os exemplos de próteses e cateter e social

para os aparelhos de raios X, destinados aos hospitais e a atender a todos da sociedade.

316 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua

condição social: […] IV - salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais

básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; […] (BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 out. 1988).

317 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 496. 318 CARVALHO, Paulo de Barros. IPI - Comentários sobre as regras gerais de interpretação da tabela

NBM/SH (TIPI/TAB). Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, v. 2, n. 12, 1996, p. 59.

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207

Nada obstante termos parâmetros para elucidar o que seriam as necessidades

pessoais e sociais, certo é que outras necessidades essenciais podem vir a ser identificadas

no texto constitucional, fazendo necessário confrontar o produto industrializado com a sua

imprescindibilidade ao cidadão ou à sociedade, o que permitirá haver a caracterização

como essencial.

Em linhas gerais, os produtos industrializados que tendem a suprir as

“necessidades básicas, úteis e convenientes à sociedade”319, devem ser menos onerados

pela tributação via IPI. Nesse caminho, considerando que muitos produtos são utilizados

para diferentes finalidades, poderá ainda, além da análise direta da imprescindibilidade do

produto, o legislador utilizar-se da “comparação” entre eles, para, então, alocar conforme o

grau de essencialidade.

Apesar de a imprescindibilidade do produto ser a linha diretiva da

essencialidade, fato é que a comparação dos produtos também surge como meio a se

graduar a necessidade de seu consumo e a sua utilidade. O legislador estipulou diferentes

alíquotas a incidir nos produtos. O formol, por exemplo, quando utilizado na composição

de medicamentos, consta da TIPI 0% e, quando usado na produção de cosméticos, em 20%

da TIPI. O enxofre para fabricação de fósforos está na TIPI com 0% e quando usado para a

fabricação de munição de revólveres, à alíquota de 455% 320 . O uso do produto nos

exemplos citados revela, por comparação, a sua importância.

Do magistério do professor Roque Antonio Carrazza temos que

[...] o princípio da seletividade é atendido adotando-se um processo de comparação de produtos industrializados (no caso do IPI) e de mercadorias ou serviços (no caso do ICMS). Nunca, evidentemente, discriminando-se contribuintes, em função de raça, sexo, ocupação profissional, local em que exercem suas atividades etc., que a isto obstam os arts. 5º., I, e 150, 11, ambos da CF. Evidentemente, o princípio da seletividade tem por escopo favorecer os consumidores finais, que são os que, de fato, suportam a carga econômica do IPl e do ICMS. Daí ser imperioso que sobre produtos, mercadorias e serviços essenciais haja tratamento fiscal mais brando, quando não total exoneração tributária, já

319 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 65. 320 MELO, José Eduardo Soares. IPI Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 214.

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que em relação a eles o adquirente, em rigor, não tem liberdade de escolha.321

Eduardo Domingos Bottallo ensina:

[…] a carga tributária do IPI haverá de ser distribuída diversamente, conforme a utilidade social do produto industrializado que está sendo colocado no mercado, daí emergindo, com naturalidade, a idéia de que operações praticadas com ‘produtos industrializados de alta significação social’ (no plano individual ou coletivo) deverão ser exoneradas da incidência do IPI. Resulta do exposto, que se cumpre o princípio da seletividade, no IPI, comparando-se produtos.”322

Os produtos eleitos como essenciais podem ser assim qualificados a partir do

procedimento de comparação entre produtos.

O professor Paulo de Barros Carvalho, considerando o grau de essencialidade

dos produtos, divide os produtos industrializados em três categorias: “a) os necessários à

subsistência; b) os úteis, mas não necessários; c) os produtos de luxo”, e completa:

Aos primeiros, correspondem alíquotas mais suaves, a fim de não majorar o valor aquisitivo do produto e, com isso, torna-lo acessível às bolsas modestas. Os segundos serão tributados com alíquotas moderadas, atendendo sua utilidade. E, finalmente, os produtos de luxo sofrerão tributação mais rigorosa, dado o caráter de inteira prescindibilidade de que se revestem.323

As categorias propostas pelo citado mestre agrupam apropriadamente

diferentes produtos, possibilitando a identificação e alocação deles, conforme o grau de

essencialidade. Importante destacar também que a característica da essencialidade dos bens

pode mudar no tempo e no espaço, isso pela própria e constante mutabilidade das

necessidades humanas.

Afirma-se que a diferenciação de alíquotas para os produtos essenciais visa

favorecer o consumidor final. Vemos mais do que isso. Parece-nos que a desoneração ou a

baixa oneração dos produtos industrializados essenciais ao cidadão e à sociedade trata-se

321 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo:

Malheiros, 2011, p. 107. 322 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 56. 323 CARVALHO, Paulo de Barros. Introdução ao Estudo do Imposto sobre Produtos Industrializados,

Revista de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 11, 1970, p. 77.

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de uma garantia dos indivíduos posta pelo texto constitucional, na medida em que impõe

que o legislador não onere os produtos imprescindíveis, salvaguardando o seu direito a

uma existência condigna, pois, mais do que simplesmente favorecer, é tornar possível essa

existência.

A professora Elizabeth Nazar Carrazza afirma que, diante das desigualdades

socioeconômicas existentes, o texto constitucional prescreve meios para que sejam

corrigidas, sendo tais dispositivos normas cogentes, não podendo o Estado se omitir, pois

“estes preceitos visam a garantir a todos uma existência digna, afastando a miséria e a

marginalização. Sem tais garantias, que decorrem da igualdade, não há falar em direitos

individuais, tais como a liberdade de pensamento, a segurança jurídica etc.”324

Por isso que Humberto Ávila destaca que ao núcleo do princípio da igualdade

está “a proteção estatal do status humano (sua dignidade, sua vida, etc.)”. E completa que a

igualdade se efetiva “no âmbito do Direito Tributário, por meio da garantia de iguais

condições mínimas de existência.”325

A seletividade pela essencialidade daria, portanto, concretude ao princípio da

igualdade na exata proporção de atender a dignidade da pessoa humana, abrangendo não

somente as necessidades biológicas (moradia, alimentação, tratamento médico), mas

também outras necessidades que conformam a necessidade e a utilidade do produto

industrializado.

A variação das alíquotas para os produtos tidos como essenciais – na exata

imposição da essencialidade – deve conviver com o princípio da capacidade “contributiva

absoluta ou objetiva”, que permite a eleição pela autoridade legislativa apenas de fatos que

venham a ostentar signos de riqueza326.

Micaela Dominguez Dutra afirma que a capacidade de cada cidadão contribuir

para o Estado surge acima do mínimo existencial:

Ou seja, após ter atendido suas necessidades e de sua família (capacidade contributiva em representação) com alimentação, moradia, educação,

324 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade. Curitiba: Juruá, 1992, p. 32. 325 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 395. 326 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 409.

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saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência, pode o cidadão contribuir para o Estado.327

O princípio da essencialidade que se realiza com a seleção dos produtos com

aplicação de alíquotas diferenciadas convive com a diretriz constitucional da capacidade

contributiva objetiva, a fim de que a tributação inicie atingindo apenas os fatos que

expressem signos presuntivos de riquezas.

Os produtos essenciais relacionam-se com o mínimo existencial; eis que

somente acima desse mínimo que o Estado poderia impor sua competência impositiva,

submetendo o cidadão a contribuir com a manutenção do Estado. Esse dever, no entanto,

deve sempre se contrabalancear com a possibilidade do cidadão em contribuir na exata

proporção de suas condições sem afetar aquele mínimo existencial.

É no plano constitucional que encontramos a garantia assegurada aos

contribuintes da observância do princípio da capacidade contributiva328, o qual assegura

que somente podem ser tributados fatos que tenham conteúdo econômico. Considerando o

princípio da capacidade contributiva, constitucionalmente previsto, temos que somente os

fatos signos presuntivos de riqueza podem ser eleitos como hipóteses de incidência, ou

seja, situações que possuem conteúdo econômico, para que, desse modo, atinja-se uma

justa distribuição da carga tributária.

O legislador busca a captação de recursos por meio da retirada de parcelas do

patrimônio dos administrados. Nesse caminho, deve se ater a fatos reveladores de signos

de riqueza possíveis de se dimensionar economicamente; fora desses fatos, extrapola-se a

capacidade de contribuição para o Estado. Por isso, os produtos industrializados que dizem

diretamente com a necessidade dos cidadãos para sua existência digna refogem dos fatos

daquela natureza, impossibilitando que sejam agravados com tributação. Excluir tais

327 DUTRA, Micaela Dominguez. A capacidade contributiva sob o enfoque do Supremo Tribunal Federal.

In: BRANCO, Paulo Gonet; MEIRA, Liziane Angelotti; CORREIA NETO, Celso de Barros (Coords.). Tributação e Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 291.

328 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade

econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

(BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 out. 1988).

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produtos da tributação ou tributar de modo brando significa dar efetividade ao princípio da

capacidade contributiva objetiva.

Assim, a carga axiológica da “essencialidade” é imposição constitucional que

se realiza com a seletividade, que deve respeitar o padrão do mínimo existencial,

importando numa necessária convivência com o princípio da capacidade contributiva

objetiva, com o fim de garantir que o cidadão contribua para com o Estado a partir dos

fatos reveladores de riqueza tributável.

Atentando-se às disposições normativas e procedendo à análise da

imprescindibilidade dos produtos, considerando sua respectiva necessidade e utilidade,

temos ser imperioso que o legislador não se afaste do conteúdo semântico do que seja a

“essencialidade” para o cidadão e toda a sociedade. Nesse contexto específico, é possível

verificar que por meio da seleção implementa-se o valor “essencialidade”.

6.8 A impossibilidade de tributação extrafiscal nas hipóteses submetidas ao regime

da essencialidade

O Poder Executivo pode, por motivações extrafiscais, manipular as alíquotas

do IPI, nos termos da permissão constitucional prevista no art. 153, § 1º da Constituição,

devendo observar os limites da lei.

O Decreto-lei nº 1.199/71 é atualmente observado como limitador para a

graduação das alíquotas, dispondo:

Art. 4º O Poder Executivo, em relação ao Impôsto sôbre Produtos Industrializados, quando se torne necessário atingir os objetivos da política econômica governamental, mantida a seletividade em função da essencialidade do produto, ou, ainda, para corrigir distorções, fica autorizado: I - a reduzir alíquotas até 0 (zero); II - a majorar alíquotas, acrescentando até 30 (trinta) unidades ao percentual de incidência fixado na lei; […] (grifo nosso).

O dispositivo citado ao tempo em que estabelece os parâmetros para o Poder

Executivo realizar a graduação de alíquotas prescreve que no exercício da competência que

lhe permite usar o tributo com função extrafiscal, essa só pode ser válida se respeitar a

essencialidade. Repita-se a prescrição por ser fundamental: “quando se torne necessário

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atingir os objetivos da política econômica governamental, mantida a seletividade em

função da essencialidade do produto” (grifo nosso). Ou seja, quando utilizado o IPI com

efeitos extrafiscais não pode a esse pretexto desrespeitar a essencialidade.

Desse modo, considerando a necessidade que o Poder Executivo tem, na sua

atuação, de atingir objetivos da política econômica governamental, é-lhe facultado graduar

as alíquotas do IPI, desde que mantida a seletividade em função da essencialidade do

produto.

Analisando as disposições normativas a partir das premissas que adotamos,

podemos concluir que há um limite para ações governamentais que objetivam implementar

as políticas públicas, não podendo o legislador e o executivo, a pretexto de uma

necessidade interventiva na ordem econômica, criar um desiquilíbrio sobre os produtos

considerados essenciais.

Ainda que o Poder Executivo possa dispor com liberdade para manipular as

alíquotas com intento extrafiscal, não poderá desprezar o produto industrializado tido

como essencial. Vale dizer, não pode, a pretexto de justificar uma medida interventiva

regulatória, desprezar a característica de essencialidade de um produto.

Parece-nos que foi exatamente o que ocorreu com o caso do açúcar, tendo sido

estabelecida isenção para a produção advinda das áreas da Sudene e Sudam, 18% para o

Sul e Sudeste e 9% para Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em detrimento de uma alegada

política econômica, desconsiderou-se a essencialidade do açúcar, tributando-o

diferentemente, ferindo, dentre outros, o próprio princípio da essencialidade.

Verifica-se, portanto, que a extrafiscalidade encontra limites na própria

essencialidade. Nada impede que o tributo com feições extrafiscais seja utilizado com a

diferenciação de alíquotas – seletividade, portanto –, mas jamais com o critério da

essencialidade, pois os produtos que se encontrarem nessa faixa possuem quadramento

legal próprio.

6.9 A graduação da carga tributária do IPI, consoante a seletividade ambiental

Na linha de raciocínio ora proposta, é interessante analisar a utilização do

termo “seletividade ambiental”; eis que, quando se reporta ao IPI, é vinculado à

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essencialidade. A Constituição estabeleceu que todos temos direito a um meio ambiente

ecologicamente equilibrado, por isso, Eduardo Domingos Bottallo assevera: “Ora, à luz

desta determinação, mostra-se claro tudo quanto, no campo da produção industrial de

bens, estiver relacionado com os seus propósitos, haverá de merecer o beneplácito da regra

da seletividade.”329

Concordamos com o autor no sentido de dar tratamento diferenciado a tais

produtos; eis que não se duvida da necessidade de proteger o meio ambiente, mas não sob

o manto da seletividade pela essencialidade nos termos preconizados pelo art. 153, § 3º, I,

mas sobre a possibilidade de fazê-lo na tributação extrafiscal, com aplicação da

seletividade com supedâneo em outros critérios que não a essencialidade.

O produto essencial a ser tratado diferente é aquele se relaciona a necessidade

de consumo e a sua utilidade, seja para o indivíduo, seja para a coletividade; o foco é a

necessidade ou a utilidade do produto, por haver uma essencialidade a ser preservada.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é diretriz constitucional330 a ser

implementada e deve ser contextualizada com o necessário desenvolvimento econômico e

social. As atividades produtivas, muitas vezes, chocam-se com interesses de proteção

ambiental; nesse contexto, é preciso buscar o equilíbrio entre a necessidade de um meio

ambiente saudável e a necessidade de um desenvolvimento socioeconômico. O Estado,

nesse caminho, precisa realizar aquela diretriz, seja por meio de carga tributária

diferenciada e indutiva de comportamentos, seja estabelecendo políticas diversas para

salvaguardar o meio ambiente.

Dado esse contexto em que o meio ambiente se apresenta, a utilização de

alíquotas seletivas na conformidade da função extrafiscal do IPI tem servido ao Estado

como forma de implementar políticas públicas destinadas à busca do meio ambiente

ecologicamente equilibrado.

329 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 54. 330 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 out. 1988).

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A aplicação de alíquotas diferenciadas sobre produtos com intento de proteção

ambiental, essencialmente demarcada pela indução de consumo de determinado produto

em detrimento de outro que não se deseja ver consumido ou pelo menos que se lhe

diminua o consumo, tem sido comumente utilizada pelo Estado, que, ao nosso entender,

não ocorre em prol da necessidade e utilidade do produto com escopo na proteção direta do

que é essencial para o indivíduo ou a coletividade, mas com escopo específico de proteção

geral ao meio ambiente como uma das diretrizes constitucionais eleitas e de

responsabilidade do Estado.

Flávio de Azambuja Berti exemplifica algumas ações governamentais para a

proteção ao meio ambiente que evidenciam medidas possíveis e a serem desejadas pelo

agente político para que se efetive:

[…] poder-se-ia pensar também numa tributação progressiva de acordo com os danos diretos ou indiretos causados ao meio ambiente como, por exemplo, alíquotas maiores para automóveis responsáveis pela emissão de um maior número de partículas poluidoras por cada quilômetro rodado; ou ainda, alíquotas menores do imposto em relação aos veículos mais econômicos que consumissem menos combustível e, portanto, implicassem menor devastação do solo e de áreas produtoras do combustível, seja álcool, seja gasolina331.

Não se menospreza a importância do meio ambiente para todos, mas não se

configura no caso a essencialidade dos produtos como diretriz vinculada à utilidade e

necessidade própria desse valor e envolta na igualdade com parâmetro na dignidade da

pessoa humana a ser preservada.

A diferenciação de alíquotas sobre produtos industrializados para indução de

comportamentos voltados à preservação ambiental deve se realizar com a adoção de

critérios ambientais específicos, já que a preservação buscada envolve diversos elementos

que formam o meio ambiente; nesse sentido, adéqua-se a utilização do tributo com efeitos

extrafiscais.

Assim, o objetivo pode ser, por exemplo, diminuição da poluição, caso em que

o critério seria específico – critério da não poluição ao meio ambiente –, estabelecendo-se

alíquotas diferenciadas para induzir o consumo de produtos menos poluentes, como os que

331 BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: Extrafiscalidade e Não-confisco. Curitiba: Juruá, 2009, p. 76.

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demoram a se degenerar, ou ainda mobilizar as empresas a adquirirem determinadas

máquinas menos poluentes, poderia haver também o critério do reaproveitamento

induzindo o consumo de produtos reciclados. Veja-se que não há essencialidade direta

sobre os produtos nos referidos intentos, mas políticas públicas que visam manter um meio

ambiente saudável.

Ainda exemplificando. A tributação onerada dos produtos fabricados com

plástico em detrimento dos produtos de madeira. Os produtos podem ter os mesmos

formatos, tendo utilidade igualmente configurada, como caixas de madeira e de plástico.

Entretanto, sob a perspectiva de que o plástico é mais prejudicial do que os de madeira,

supostamente poderia provocar essa tributação diferenciada, de modo que se induzisse o

consumo daquele fabricado de madeira. Deveras, a utilidade é a mesma, mas a feição

extrafiscal permitirá que se faça tal diferenciação, não com escopo numa essencialidade.

Apesar de que esse regramento até mesmo resta duvidoso, já que ao se

incentivar o consumo dos produtos de madeira, teremos, consequentemente, o risco de

haver maiores quantidades de florestadas devastadas, ainda que haja uma política voltada

ao reflorestamento. Logo, na adoção de políticas ambientais, talvez haja uma

preponderância do menos gravoso, que se consubstancia em escolhas deliberativas, o que

também justifica-se falar em medidas a serem executadas com objetivos extrafiscais e não

de cunho essencial.

Nesse contexto, a partir do nosso entendimento, verifica-se que o caso não é de

essencialidade, mas da adoção de medidas extrafiscais desejadas, com o fim de atender a

objetivos diversos a serem implementados pelo Estado, numa deliberada tomada de

decisão com critérios a serem eleitos com liberdade de escolha.

Os produtos industriais com maior ou menor alíquota com indução ou não ao

consumo “ecologicamente correto”, ou a utilização de equipamento que se coaduna com as

políticas governamentais de proteção ao meio ambiente são medidas estatais interventivas,

com nítido caráter intencional de dar efetividade ao direito de se ter um meio ambiente

saudável, dentro de um contexto de atuação que se perfaz com liberdade de escolha,

demarcado para a extrafiscalidade com uma atuação a partir de medidas desejadas.

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A indução de condutas como forma de buscar a preservação do meio ambiente

encontra amparo na extrafiscalidade, na vontade administrativa de adotar medidas que

orientem comportamento que vão ao encontro daquela preservação, podendo o agente

político realizar essa preservação de diferentes modos, havendo uma liberdade na escolha

dos mecanismos.

A partir das premissas que adotamos, entendemos que a seletividade ambiental

se realiza na extrafiscalidade, não se consubstanciando na essencialidade preconizada pelo

art. 153, § 3º, I, da CF. Destarte, a despeito de nosso entendimento, nada impede que o

meio ambiente seja considerado essencial; entretanto, em assim sendo, há de se

reconhecer, conforme nossas premissas, que a seleção pela essencialidade passa a ser

medida obrigatória, devendo impor-se ao agente político.

Nesse sentido, dever-se-á admitir que todas as políticas voltadas ao meio

ambiente que envolverem produtos industrializados necessariamente devem ter sua carga

tributária graduada com relação ao IPI, inclusive, submetendo-se ao controle judicial.

Assim, em se adotando a essencialidade do meio ambiente, será obrigatório

que a tributação do IPI sobre os produtos industrializados tenha variação de alíquotas, se

observado o critério essencial com escopo na preservação do meio ambiente. Logo,

concluiríamos que o regime jurídico a ser observado pela Tabela de Incidência do IPI

deverá ser a seleção pela essencialidade, caso em que todos os produtos industrializados

constantes da referida tabela devem, por imposição constitucional, ter suas alíquotas

revisadas para o atendimento dessa diretriz, sendo medida peremptória para os produtos

essenciais.

6.10 Os limites do controle judicial da extrafiscalidade e da essencialidade

6.10.1 O controle dos critérios adotados para a efetivação da essencialidade

Na esteira do que já abordamos, temos que a essencialidade dos produtos pode

ser por injunção constitucional, identificada por meio da interpretação das disposições

normativas constitucionais, ou seja, aquela em que, analisando os valores postos no texto

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constitucional pelo legislador constituinte, podemos inferir o conteúdo semântico da

essencialidade.

Já vimos também que o art. 153, § 3º, I, estabelece a obrigatoriedade para o

agente político quanto à aplicação da essencialidade. Não trouxe o constituinte mera

recomendação, mas a imposição de que se aplique ao IPI a seletividade em função da

essencialidade, consubstanciando-se numa garantia, para os indivíduos e para a sociedade,

de que a tributação, quanto ao IPI incidente sobre os produtos essenciais, tenha uma

incidência zerada ou amenizada, conforme o grau de essencialidade desses produtos.

Nesse contexto, em sendo possível se ter parâmetros do que seja a

essencialidade, conjugando-se com a obrigatoriedade imposta da seletividade pela

essencialidade, que resulta em garantia aos administrados, imperioso concluir que, sobre a

essencialidade, existe a possibilidade de controle judicial.

Eduardo Domingos Bottallo entende ser possível o controle pelo Judiciário da

seleção pela essencialidade, já que ela se perfaz em uma diretriz de política fiscal imposta

para disciplinar a competência legislativa, representando uma regra de proteção do

contribuinte: “Isto significa que o Judiciário pode – e deve – averiguar se os critérios

adotados pelo Legislativo foram adequados e racionais.”332

Roque Antonio Carrazza afirma que situações duvidosas quanto à

essencialidade certamente existirão, mas que podem ser afastadas com “olhos fitos nos

valores constitucionalmente consagrados”, ensina:

Uma coisa, no entanto, é inafastável: apesar das dificuldades que o assunto encerra, não se pode capitular. Pelo contrário, há gastos e operações jurídicas que, por dizerem de perto com a dignidade da pessoa humana, sua saúde, seu bem-estar, sua condição cidadã, independem da condescendência da lei para serem afastados da tributação.333

Ao nosso entender, quando a utilização de alíquotas seletivas com graduação

na essencialidade do produto ocorrer com supedâneo na imposição constitucional prescrita

no art. 153, § 3º, I, com foco na seleção pela essencialidade, é plenamente possível

332 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 58. 333 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 497.

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submeter ao Poder Judiciário a análise dos critérios adotados para qualificar ou não

determinado produto como essencial.

A professora Lucia Valle Figueiredo também se posicionou nesse sentido:

“Compartilho com o professor Bottallo quando diz que a essencialidade é um conceito que

pode ser totalmente controlado pelo Judiciário. Não é uma decisão política, não.”334

Assim, por ser imperativo constitucional de observância obrigatória, a seleção

pela essencialidade pode ser levada ao controle judicial. Vejamos precedente:

IPI. ALÍQUOTA EXCESSIVA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE EM DECORRÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO PRODUTO. Trata-se de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo, interposto em face de decisão que deixou de apreciar a liminar requerida, sob o fundamento de que os autos careceriam de elementos suficientes para o deferimento da mesma e cujo conteúdo diz respeito ao pedido de suspensão do crédito tributário relativo ao IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), face à alegação de que a Fazenda estaria violando o princípio da seletividade com a imposição da alíquota excessiva de 15% (quinze por cento) sobre produto por ela considerado essencial. A natureza coletiva do serviço prestado – sistema de transporte ferroviário de massa -, e que justifica a elaboração dos bilhetes magnéticos, já é capaz de demonstrar a essencialidade do produto confeccionado, cuja função é a de autorizar a utilização do referido serviço. Sendo assim, a alíquota de 15% (quinze por cento) sobre o produto em tela não pode ser considerada razoável, uma vez que enfraquecido ficaria o interesse público e deveras onerado o cidadão comum, que é verdadeiro contribuinte de fato desta modalidade tributária, dissonando, com isso, de dispositivos constitucionais. Agravo regimental da União Federal prejudicado. Agravo de instrumento provido.335

No julgado citado, a alíquota de 15% incidente sobre os bilhetes magnéticos

para o transporte ferroviário foi julgada excessiva, tendo, assim, concluído ao se observar a

finalidade do produto. Vale dizer, considerando a natureza do serviço prestado – transporte

coletivo, e que o acesso a ele é franqueado pela utilização de cartões magnéticos

suportados pelo consumidor –, teve-se por não razoável a alíquota de 15%.

334 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Tributação, Ecologia e Meio ambiente. Mesa de Debates: Tributação e meio

ambiente. 28 set. 1999. In: XIII Congresso Brasileiro de Direito Tributário, São Paulo, Instituto Geraldo Ataliba, IDEPE, 27-29 set. 1999. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 78, 2000, p. 81.

335 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Agravo de Instrumento 2002.02.01.001050-0. Relator: Desembargador Federal Ricardo Regueira. Julgamento: 27 maio 2002. Órgão Julgador: 1ª Turma. Publicação: DJU 16 jul. 2002, p. 57.

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O Tribunal Regional da Quinta Região, analisando a essencialidade do produto

– recipientes destinados ao acondicionamento de água mineral –, decidiu o enquadramento

na TIPI, ao fundamento de que se trata de embalagem para produtos alimentícios com

escopo na configuração de que a água é produto essencial, vejamos:

TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. TIPI. CLASSIFICAÇÃO DOS PRODUTOS. INDUSTRIALIZAÇÃO DE EMBALAGENS PARA ACONDICIONAMENTO DE ÁGUA MINERAL. PRODUTO ALIMENTÍCIO. ALÍQUOTA ZERO. DIREITO A COMPENSAÇÃO AUTORIZADO PELO ART. 11, DA LEI 9779/99. 1. A Impetrante industrializa embalagens para acondicionamento de água mineral, antes tributadas sob "alíquota zero" por serem consideradas embalagens para alimentos, conforme classificação da Tabela de incidência do IPI (TIPI) anexa ao Decreto 2092/96; 2. Com o advento do Decreto 3777/01, a autoridade apontada como coatora passou a enquadrar os produtos como "garrafões, garrafas, frascos e artigos semelhantes" cuja alíquota passou a ser de 15%; 3. Reclassificação considerada ilegal. Subsistência da classificação anterior. Inteligência do art. 7º, do Decreto 3777/01, que ressalvou expressamente a TIPI anterior; 4. A água mineral é produto obviamente essencial à vida humana; 5. O IPI deve ser seletivo em função da essencialidade do produto. Essencialidade que visa o conteúdo das embalagens e não elas, propriamente; 6. Compensação dos créditos autorizada pelo art. 11, da Lei 9779/99336. (grifo nosso)

O julgado consubstanciou-se na essencialidade do produto para definir o

enquadramento na TIPI, possibilitando o controle judicial sobre o critério utilizado para

motivar a fixação da alíquota. A decisão proferida foi objeto de Recurso Extraordinário, no

qual foi reconhecido haver repercussão geral, aguardando julgamento pela Suprema

Corte337.

Tendo a Constituição Federal imposto a observância do princípio da

essencialidade como diretriz política a ser implementada, caberá ao Poder Judiciário

verificar a sua realização, de modo que pode haver o controle dos critérios adotados para a

efetivação da essencialidade.

336 TRF5. Apelação em Mandado de Segurança nº 80333-PE. Terceira Turma. Relator Desembargador

Geraldo Apoliano. Publ. no D.J.U. Nº 16, p. 792/830, em 23/01/2008. Acesso: 10.03.13. 337 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 606.314/PE.

Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Julgamento: 11 nov. 2011. Órgão Julgador: Plenário. Publicação: DJE n. 29, 10 fev. 2012. “Tema 501 - Alíquota do IPI sobre o processo de industrialização de embalagens para acondicionamento de água mineral”.

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Roque Antonio Carrazza, abordando a possibilidade da tutela jurisdicional

quanto à essencialidade das mercadorias no ICMS, que entendemos aplicáveis ao IPI,

destaca que o controle é de cumprimento e, nesse sentido, não haveria falar-se que o

Judiciário estaria legislando, vejamos suas considerações:

Damo-nos pressa em salientar que não estamos sustentando que o Judiciário deva legislar, no lugar do Legislativo, ou regulamentar as leis, no lugar do Executivo, mas averiguar se os critérios adotados por estes Poderes foram adequados e racionais338.

A incidência do IPI influi no preço final do produto e provoca restrição

patrimonial ao contribuinte, por isso o constituinte original impôs que os produtos

essenciais fossem tratados diferentemente. A eleição do que seja essencial é obrigatória e

apurada, com análise do sistema positivo, sendo garantia para os administrados, e, nesse

contexto, nada impede que o Poder Judiciário venha a verificar se a diretriz política da

seletividade pela essencialidade tenha sido observada, nos termos preconizados pelo

constituinte.

6.10.2 A distinção dos limites do controle jurisdicional da essencialidade e

extrafiscalidade

A necessária atenção aos dois institutos – extrafiscalidade e essencialidade –

faz-se importante para que não se tome um pelo outro, quando se trate de modificação das

alíquotas pelo Executivo quanto ao IPI, para, eventualmente, não se afastar

equivocadamente uma análise pelo Poder Judiciário.

O alerta é de Robson Maia Lins comentando o julgamento pelo STJ do REsp

704.917-RS, em mesa de debates, referindo-se à modificação pelo Executivo da alíquota

do açúcar produzido no Nordeste, reduzindo-a a zero, mas apenas para essa região, com o

fim de fomentar a produção do produto:

Matou toda a controlabilidade que o Poder Judiciário poderia exercer sobre os atos do Poder Executivo que mexem nas alíquotas do IPI. O STJ simplesmente não conseguiu fazer a diferença básica entre o exercício da

338 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 493.

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competência do art. 153, § 1º, onde a competência está mais aberta, onde se dá uma amplitude à discricionariedade do Poder Executivo. […] Mas o STJ, para nossa surpresa, utilizou o art. 153, § 3º, I, dizendo não, ali o Executivo mexeu na alíquota do açúcar, eu sei que o produto, o açúcar, é tido desde 1978 na lista de produtos essenciais na cesta básica, mas ele foi lá e disse: “Olha, ele está mexendo na seletividade, como no Nordeste havia um problema sério na indústria sucro-alcoleira, mexeu na ordem econômica, e eu não posso – examinar a conveniência, a oportunidade”, porque, em relação à seletividade, misturou as duas competências e se esquivou de examinar a última339.

O caso envolve a aplicação da seletividade aos institutos da extrafiscalidade e

essencialidade; assim, importante se faz a análise de dois dispositivos constitucionais:

Art. 153, § 1º: É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos nos inciso I, II, IV e V. Art. 153, § 3º, I: Será seletivo, em função da essencialidade do produto;

Os diversos princípios específicos aplicados ao IPI, somada a permissão

estatuída ao Poder Executivo constante do art. 153, § 1º da CF, dá o fundamento para as

modificações das alíquotas consubstanciadas na função extrafiscal do IPI, que pode atingir

as mais diferentes situações que se almeja alcançar, na área econômica e social. Essa

função extrafiscal pode-se utilizar da seleção de alíquotas com critérios outros que não a

essencialidade.

Por sua vez, o art. 153, § 3º, I, impõe que se aplique ao IPI a seletividade em

função da essencialidade, já não por razões de políticas extrafiscais, mas consubstanciada

na imposição constitucional que prescreve a exigência de uma seleção de produtos em

decorrência de uma essencialidade, para garantir que os necessários e úteis aos indivíduos

e à sociedade tenham baixa tributação e até mesmo nenhuma. Trata-se de uma garantia

constitucional.

339 Posição defendida em Mesa de Debates sobre “Tributos Federais” durante o XXIII Congresso Brasileiro

de Direito Tributário, realizado em São Paulo pelo Instituto Geraldo Ataliba 0 IDEPE, no mês de outubro de 2009. LINS, Robson Maia. IPI. Seletividade. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 111, 2009, p. 161-162.

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As alíquotas podem variar, portanto, tanto em razão da essencialidade quanto

pela extrafiscalidade. Pela essencialidade em que se considera a necessidade e a utilidade

do produto, há uma seleção diferenciada de alíquotas para os produtos imprescindíveis,

que, nas lições Paulo de Barros Carvalho, formam três categorias – necessários à

subsistência, com alíquotas baixas ou ate mesmo zeradas; úteis mas não necessários, com

alíquotas moderadas; e os produtos de luxo, com alíquotas altas –, categorias essas tidas

como parâmetros para se efetivar uma graduação.

Pela faculdade estabelecida no art. 153, § 1º, o Poder Executivo pode variar as

alíquotas com supedâneo em razões de políticas governamentais necessárias ao

desenvolvimento econômico e social, podendo utilizar a seleção com critérios outros que

não a essencialidade.

Buscando exemplificar, citamos a recente redução de alíquotas sobre os

veículos automotores340, pela qual se objetivou fomentar o setor automobilístico que se

mostrava em crise com franca possibilidade de ocasionar um grande número de demissões.

Para amparar esse setor, o Governo reduziu o IPI para que o consumo pudesse aumentar e

resguardar a situação financeira das indústrias.

Veja-se que, no exemplo citado acima, o intuito da modificação das alíquotas

não foi pelo enquadramento da necessidade do consumo, mas por razões socioeconômicas,

franqueado pela natureza do IPI e pela faculdade do disposto no art. 153, § 1º. A intenção

foi atingir o produtor, o industrial, ocorrendo a alteração no meio cadeia produtiva.

Diferentemente ocorre na seletividade pela essencialidade, em que se tem a visão

finalística de salvaguardar ao consumidor final uma tributação mínima ou inexistente sobre

os produtos que lhes são imprescindíveis.

340 “O empurrão dado pelo governo no setor este ano foi fundamental para que as vendas não despencassem.

Prevendo montadoras com pátios lotados, o Planalto traçou um plano de salvamento, que constituiu na retirada do IPI (Imposto sobre produtos Industrializados) dos carros chamados populares, com motor de até mil cilindradas, ou 1.0 (que pagavam 7%), e a redução do imposto para carros entre 1000c e 2000c.

[…] A manutenção dos empregos, uma moeda de troca exigida pelo governo para a redução do IPI, também

foi garantida, conforme informação da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores)”. (LEITE, João. O IPI cai e o Brasil perde R$ 7,6 bilhões. Revista AméricaEconomia, Brasil, n. 417, 20 nov. 2012, p. 56-57).

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223

Posto o enquadramento das situações, é de se analisar sua submissão ao Poder

Judiciário. No que tange ao art. 153, § 3º, I, a seletividade pela essencialidade, concluímos

que compete ao Poder Judiciário exercer um controle de efetividade, ou seja, de verificar

se houve o cumprimento do princípio da essencialidade, examinando se os critérios

adotados observaram a diretriz constitucional da imprescindibilidade dos produtos

essenciais com variação adequada das alíquotas incidentes.

Releva destacar que a pretexto de se furtar do controle judicial, não se pode

tomar algo que é essencial e proceder a manipulações extrafiscais, e assim, sob a assertiva

de se estar sob motivações extrafiscais, afastar o controle pelo Poder Judiciário.

Ressalta-se, nesse sentido, que a ação de tributar de cunho extrafiscal não se

submete ao controle jurisdicional, enquanto tomada de decisão deliberada, com

discricionariedade do agente político para implementar ações governamentais.

Não significa que, uma vez instituída uma tributação extrafiscal, ela não possa

ser apreciada pelo Poder Judiciário; entretanto, essa análise não ocorrerá sobre a situação

eleita sob o manto da discricionariedade e da conveniência, mas se essa tributação

extrafiscal está em confronto ou desrespeito com outras normas do sistema jurídico-

positivo.

Paulo de Barros Carvalho, reportando-se à extrafiscalidade como campo

propício para gerar maiores conflitos pelo próprio caráter de liberdade impregnada na

atuação do Estado, alerta:

Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim os expressos que os implícitos. Não tem cabimento aludir-se a regime especial, visto que o instrumento jurídico utilizado é invariavelmente o mesmo, modificando-se tão somente a finalidade do seu manejo.341

A advertência segue para pontuar que, embora a tributação extrafiscal seja

utilizada para o atingimento de metas específicas, deve necessariamente submeter a tudo

quanto se refere à normatização vigente. Geraldo Ataliba também destacou, nesse sentido:

341 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 291.

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224

“O regime jurídico, entretanto, a que sujeitos os tributos extrafiscais, é rigorosamente o

mesmo que o ordinário da tributação”.342

No uso da competência impositiva, o agente político submete-se às

normatizações do sistema positivo, marcadamente pelos princípios, conforme ensina Tácio

Lacerda Gama, ainda que seja sob o intento da feição extrafiscal do tributo:

Princípios tributários são enunciados prescritivos que delimitam a competência, ampliando ou restringindo as suas possibilidades. Toda e qualquer prescrição veiculada por um princípio servirá para delimitar um ou mais dos critérios da norma de competência343.

Marcos Aurélio Pereira Valadão, abordando os limites da extrafiscalidade,

assenta:

Entende-se não só as limitações ao poder de tributar em sentido amplo (como foi denominado de concepção estrutural acima) são limitadoras da utilização dos tributos com efeitos extrafiscais, mas também as normas condicionantes do sistema constitucional-econômico limitam esta utilização. São os dois sistemas relevantes para matéria da extrafiscalidade, porém a norma tributária indutora de extrafiscalidade há que se conformar com os demais ditames constitucionais, especialmente os relacionados aos direitos fundamentais344.

Humberto Ávila também alerta que “Quando se faz referência às normas

diretivas, o poder de tributar deve ser medido pelos direitos fundamentais345. Os direitos

fundamentais são garantias constitucionais que devem ser respeitadas, de modo que são

norteadoras das medidas extrafiscais, pois estas não têm o condão de afastar aquelas.

A tributação extrafiscal tem em sua essência a discricionariedade, já que o

agente político tem, como expusemos, a liberdade de escolher dentre as diversas políticas

públicas a serem implementadas, bem como o modo como o fará. Destarte, parece-nos que

342 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1968, p. 175. 343 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuições Especiais: Natureza e Regime Jurídico. In: SANTI, Eurico Marcos

Diniz de. Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Forense, 2005, p. 1152.

344 VALADÃO, Marcus Aurélio Pereira. Aspectos Extrafiscais do IPI e os Direitos Fundamentais: In: BRANCO, Paulo Gonet; MEIRA, Liziane Angelotti; CORREIA NETO, Celso de Barros (Coords.). Tributação e Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 268.

345 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 86.

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225

as motivações das medidas são matéria efetivamente na qual o Poder Judiciário não pode

intervir sob pena de violar a separação dos três poderes.

Entretanto, há uma outra margem de análise que entendemos se impor ao Poder

Judiciário, quando for preciso sopesar a atribuição extrafiscal de um tributo que esteja

infringindo outras normas do sistema jurídico-positivo, essencialmente demarcadas pelos

princípios constitucionais, bem como pelos direitos fundamentais.

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CONCLUSÕES

1. O imposto sobre produtos industrializados foi criado pela Constituição

Federal de 1934 com a denominação de imposto sobre consumo e de competência da

União; entretanto, foi sob a égide da Emenda Constitucional nº 18/65 que passou a

denominar-se imposto sobre produtos industrializados.

2. A Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, que instituiu o imposto sobre

consumo, continua sendo a norma geral instituidora e disciplinadora dessa espécie

tributária, ainda que atualmente seja sobre a denominação de imposto sobre produtos

industrializados.

3. A mudança nominativa, contudo, não alterou as materialidades dessa espécie

tributária; na verdade, houve melhor distribuição das competências impositivas, em que se

delinearam as competências do IPI e do ICMS, mas as hipóteses tributárias permaneceram

inalteradas e com todas as suas características então vigentes, o que nos leva a concluir que

estamos diante do mesmo tributo, tendo havido uma adequação nominativa apenas.

4. Compreendemos, nessa nova estruturação de competências, que o imposto

sobre produtos industrializados é um imposto que recai sobre a produção, considerando

que a oneração ocorre sobre o produto industrializado, incidindo no início do ciclo

produtivo, e o responsável dentro do ciclo econômico pelo recolhimento é aquele que põe à

venda o produto imediatamente após o processo de industrialização, isto é, sua incidência

ocorre efetivamente na fase produtiva, tendo como foco o produto da indústria.

5. O imposto sobre produtos industrializado é classificado como indireto, na

medida em que a carga econômica é suportada por terceira pessoa e não pelo contribuinte

que efetivamente realizou o fato jurídico tributário. No entanto, essa classificação divide

opiniões quanto a sua aceitação, já que muitos entendem que o critério adotado seria

econômico; eis que partiria do denominado fenômeno da repercussão econômica.

5.1. Incluímo-nos, quanto a essa questão, dentre aqueles que entendem como

possível a classificação, já que, ao examinar o texto constitucional, concluímos haver uma

repercussão jurídica, pois o IPI é um imposto plurifásico e se lhe aplica o princípio da não

cumulatividade. Logo, positivada se encontra a repercussão jurídica no Direito Brasileiro,

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em norma constitucional, por meio da técnica do princípio da não cumulatividade.

Completa essa possibilidade a prescrição constante no Código Tributário Nacional, art.

166, que considerou para o caso de restituição de tributos a tributação direta e indireta.

Assim, constata-se que temos critério jurídico-normativo para separar os tributos em

diretos e indiretos, qual seja, a repercussão jurídica.

6. Para melhor entendermos a regra-matriz de incidência, definimos o direito,

reconhecendo-o como um corpo de linguagem com função prescritiva, constituindo-se

num conjunto de normas jurídicas válidas no tempo e no espaço, que são as unidades

formadoras da ordem jurídica, tendo estabelecido a diferenciação entre norma jurídica

tributária em sentido amplo que são todas aquelas que não se configuram como as

referentes à incidência fiscal, já que essa é a norma jurídica tributária em sentido estrito,

configurando-se na regra-matriz de incidência ou norma padrão de incidência.

7. A regra-matriz de incidência está organizada internamente como proposição

condicional, em que se tem uma hipótese atrelada a uma consequência, associadas no

modelo deôntico do dever-ser, trazendo a previsão de um acontecimento futuro, que, se

acontecer, imputará uma obrigação respectiva; é a norma geral e abstrata.

8. Ocorrida a previsão hipotética e constituída em linguagem competente com a

verificação concreta do acontecimento do evento, tem-se por instaurada a obrigação

tributária, constituindo-se a norma individual e concreta, surgindo o que se denomina de

fenomenologia da incidência tributária (processo de positivação).

9. A hipótese é formada por três critérios identificadores do fato: critério

material, critério espacial e critério temporal, sendo características selecionadas do evento

e postas pelo legislador no sistema jurídico para fazer irromper a relação jurídica do

tributo. O consequente da norma, por sua vez, é formado por dois critérios: critério pessoal

e critério quantitativo, que possibilitaram identificar o vínculo jurídico que nascerá em

decorrência da previsão contida na hipótese, prescrevendo a relação entre sujeitos em torno

de uma prestação.

10. Nos estudos da materialidade do IPI, com supedâneo no texto

constitucional, no Código Tributário Nacional e na legislação ordinária, foi possível

identificar três materialidades distintas, perfazendo-se em três regras-matrizes diferentes.

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228

Entrementes, o legislador ordinário da União, no uso de sua competência, apenas instituiu

duas hipóteses tributárias: “industrializar produtos” e “importar produto industrializado do

exterior”.

10.1 Para construir as regras-matrizes, buscamos, além das diretrizes

constitucionais, as disposições infraconstitucionais, considerando que o constituinte apenas

menciona que o IPI se dará sobre “produtos industrializados”, não tendo estipulado as

condutas que pudessem estar relacionadas com essa materialidade, de modo que os

comportamentos ensejadores da ocorrência do tributo fossem prontamente identificados.

Assim, o constituinte não estabeleceu o comportamento a ser vinculado a produtos

industrializados, permitindo que o legislador infraconstitucional o fizesse.

10.2. Considerando que o legislador da União instituiu apenas duas hipóteses

tributárias, procedeu-se apenas ao desenvolvimento de suas regras-matrizes de incidência.

11. A materialidade que envolve a incidência do imposto sobre os produtos da

indústria se perfaz no “industrializar produtos”. Esse critério material deve se conjugar

com os demais critérios da regra-matriz, para se concluir que a produção industrial tem que

ser submetida a um negócio jurídico para que efetivamente haja incidência, isto é, que a

saída do produto do estabelecimento do industrial seja representativa de um negócio

jurídico.

11.1. Nessa materialidade, o agente realizador da hipótese de incidência do IPI

é o industrial que coloca à venda um produto cujo comportamento antecedente foi o de

industrialização, devendo existir, portanto, um fazer prévio que se consubstancie na

industrialização de produtos.

11.2. A necessidade de haver uma operação jurídica é colhida do texto

constitucional, que estabelece a regra da compensação entre as operações realizadas, o que

permite concluir pela existência do elemento operação no contexto da incidência e

compostura da norma padrão.

12. A definição de produto industrializado é construída a partir das disposições

normativas. O IPI consiste numa prestação de fazer seguida por uma de dar, que se

configuram como indissociáveis. O CTN, como norma geral, demarca a extensão de

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industrialização como sendo aquela que provocasse a alteração da natureza ou da

finalidade do produto ou, ainda, que houvesse o aperfeiçoamento para o consumo.

12.1. A legislação ordinária e o regulamento ampliaram a definição de produto

industrializado, tendo o regulamento considerado todo aquele que venha a definir como tal,

tendo nominado os seguintes procedimentos: transformação, beneficiamento, montagem,

acondicionamento ou reacondicionamento, renovação ou recondicionamento. Entretanto,

seja qual for a denominação que se dê à operação que incidirá sobre o produto, a busca

para identificar se houve ou não industrialização deve corresponder ao disposto no texto

constitucional e na lei complementar, conceito juridicizado, portanto, pelo qual, o produto

deve resultar na modificação da natureza ou finalidade e ser aperfeiçoado para o consumo.

13. Além da figura do industrial como contribuinte, a lei elegeu também como

contribuinte originário sujeitos que se equiparam ao produtor para fins de fazer surgir a

relação jurídica tributária. Ocorre que a equiparação exige que haja uma igualdade por

semelhança, por aproximação, que, no caso, inexiste; por isso, a figura do

“estabelecimento equiparado a industrial” trata-se de ficção legal, já que os negócios

realizados por esses estabelecimentos jamais darão saída a produtos advindos do processo

de industrialização.

13.1. A ficção legal foi impropriamente criada, destoando da ordem jurídica, já

que não pode ser utilizada para alargar a incidência do tributo, elegendo por ficção jurídica

como contribuinte quem efetivamente, nem por semelhança, realiza a materialidade da

exigência fiscal.

14. A base de cálculo do IPI deve ser representativa da operação realizada com

um produto industrializado, devendo se consubstanciar no valor total da operação de que

decorrer a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial.

14.1. Entretanto, desde as alterações introduzidas pela Lei nº 7.798/89, a União

tem tomado o valor da operação de forma ampla, incluindo diversas despesas que não

guardam relação objetiva com a materialidade, tendo algumas delas sido afastadas pelo

Poder Judiciário, como é o caso do frete.

15. As alíquotas do IPI constam de tabela específica e completam a regra-

matriz de incidência, sendo os produtos distribuídos na tabela pelo procedimento de

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classificação, em que se considera a realidade brasileira em decorrência da imposição de

observar o princípio da essencialidade. Assim, a alíquota deve necessariamente ser

seletiva, conforme a essencialidade do produto, estabelecendo-se uma diferenciação a

partir da imprescindibilidade do produto para os indivíduos e à sociedade.

16. A materialidade importar produtos industrializados de procedência

estrangeira foi prevista na legislação infraconstitucional, formatando regra-matriz de

incidência com materialidade própria e distinta daquela sobre “industrializar produtos”,

consubstanciando-se numa segunda faixa autônoma de incidência do IPI.

17. O sujeito passivo eleito será aquele que realizar a importação de produtos

industrializados que incidirá quando do desembaraço aduaneiro. Nessa materialidade do

IPI na importação, também há os indevidamente equiparados à industrial, como o

importador que, ao dar saída do produto industrializado do seu estabelecimento, estará

sujeito a recolher o IPI, sem que, nesse momento, tenha realizado qualquer ato de

industrializar. Nessa hipótese, alguns julgados já têm afastado a incidência.

17.1. A figura dos estabelecimentos atacadistas ou varejistas que adquirirem

produtos importados por encomenda ou por conta e ordem, também tem sido considerada

sujeito passivo do IPI, sem realizar o ato de industrializar.

18. Questão bastante polêmica envolve a exigência do IPI por pessoa física que

adquire produto industrializado para uso próprio. O STF, no caso de importação de veículo

para uso próprio de pessoa física, decidiu que, em tais casos, não há que se falar em

cobrança de IPI; eis que, em não sendo contribuinte, não terá como repassar o ônus

tributário, de modo que se violaria o princípio da não cumulatividade.

18.1. Nada obstante o posicionamento do STF de afastar a incidência do IPI

para as importações de produtos industrializados por quem não seja contribuinte,

entendemos haver, sim, a possibilidade da incidência, já que, para esses casos, o tributo é

de incidência única e se compatibiliza com o princípio da não cumulatividade, sendo

suportado pelo consumidor final.

19. A análise dos princípios circunscreveu-se aos princípios da legalidade, da

anterioridade e não cumulatividade.

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19.1 O constituinte não excepcionou o princípio da legalidade no IPI, apenas

permitiu a modificação das alíquotas por decreto, mas determinou que a lei estabelecesse

os parâmetros, de modo que a possibilidade de alteração pelo Poder Executivo se dá dentro

de limites impostos pela lei. Já quanto ao princípio da anterioridade, o constituinte não

exige a observância da anterioridade anual, mas impõe que seja respeitada a anterioridade

nonagesimal.

19.2 O princípio da não cumulatividade é diretriz constitucional imposta ao IPI

que prescreve a técnica do imposto-contra-imposto, que se efetiva pelo mecanismo da

compensação, ou seja, compensa-se o que foi pago na operação anterior com a

subsequente. O direito ao crédito não se vincula ao recolhimento do tributo, bastando ter

havido a operação anterior.

19.2.1 O princípio constitucional da não cumulatividade não precisa de outras

normas para produzir efeitos, sendo seu conteúdo constante da própria Constituição, daí

porque não pode sofrer restrições pelo legislador infraconstitucional, por isso que, para sua

efetiva concretização, quando houver isenção, não tributação e submissão à alíquota zero,

que denotam técnicas que pretendem suavizar o impacto da tributação, é preciso que haja a

manutenção do direito ao crédito em cada etapa do ciclo produtivo, mesmo que

desoneradas, permitindo-se a compensação com o regular aproveitamento desse crédito

com o débito advindo da regra-matriz de incidência tributária.

20. A Constituição brasileira fixa direitos e garantias fundamentais

consubstanciados em individuais e coletivos, bem como os sociais, construídos em torno

da essência do Estado Democrático de Direito, que precisam ser realizados; para tanto,

esse mesmo Estado dispõe de meios para dar efetividade a tais metas e objetivos, que

conformam o conjunto de políticas públicas sob responsabilidade estatal, e tem no Direito

instrumento hábil a viabilizar esses intentos, mais precisamente pela utilização da

tributação.

20.1 O tributo se mostra como instrumento fundamental para o Estado não só

para arrecadar, mas para a implementação de políticas públicas, não pela realização própria

de serviços, porém para, por meio dele, intervir em diversos setores da sociedade, a fim de

que, em estimulando ou desestimulando condutas, efetivar as políticas públicas. Nesse

caminho, importa os institutos da extrafiscalidade, seletividade e essencialidade,

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232

conectados ao imposto sobre produtos industrializados e hábeis a concretizar referidas

políticas.

21. A função extrafiscal dos tributos prepondera quando os agentes políticos os

utilizam com intuito regulatório, ou seja, nada obstante a arrecadação, o objetivo é

imprimir no instrumento jurídico-tributário uma função diretiva de comportamento, com o

objetivo de realizar e implementar políticas públicas a partir de diferentes critérios que

estejam vinculados a valores finalísticos constantes do texto constitucional. O IPI é

largamente utilizado com feições extrafiscais, sendo as medidas desejadas pelo Estado,

que, de forma deliberativa, escolhe as políticas a serem implementadas e a forma com as

quais as executarão.

22. Diferentemente ocorre com a tributação por meio do IPI quanto à

essencialidade dos produtos para os indivíduos e para a sociedade. O legislador

constituinte, de modo impositivo, pré-estabeleceu a política pública a ser realizada, qual

seja, a de salvaguardar da carga tributária os produtos essenciais, e pré-definiu a política

fiscal impositiva de selecionar tais produtos pela essencialidade, aplicando-se a

diferenciação de alíquotas.

22.1. O valor existente a ser preservado é a “essencialidade” dos produtos para

os indivíduos e para a sociedade, por isso a seletividade é o mecanismo que visa a dar

concretude ao princípio da essencialidade. Esse, sim, é o valor finalístico eleito pelo

legislador constituinte originário. O agente político não tem discricionariedade na adoção

ou disciplinamento sobre as ações governamentais que envolvem o IPI sobre os produtos

industrializados imprescindíveis. Afora a imposição da observância da essencialidade dos

produtos industrializados que se realiza com a seletividade, ou seja, com a diferenciação de

alíquotas, pode haver a eleição de outros critérios, mas para implementar o uso do IPI com

feição extrafiscal.

22.2. A eleição de outros critérios que não o essencial, para efetivar outras

políticas públicas, pode ocorrer com a função extrafiscal do IPI, já que foi facultado pelo

legislador constituinte ao Poder Executivo a possibilidade de alterar as alíquotas por

Decreto, sem estabelecer restrições materiais específicas, a não ser a observância dos

demais princípios constitucionais.

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23. O legislador ordinário ou o Poder Executivo não podem se furtar a observar

a essencialidade dos produtos a pretexto de estarem amparados no exercício regulatório

permitido pela função extrafiscal. A essencialidade não se confunde com a

extrafiscalidade. Naquela tem-se normatização própria marcadamente por uma imposição

de política fiscal definida pelo constituinte; nessa, uma possibilidade ampla de atuação a

partir dos diferentes objetivos pretendidos pelo agir governamental. Por isso, faz-se

importante a distinção entre as figuras para que lhes seja aplicado o regime jurídico

correspondente.

24. A diferenciação de alíquotas – seletividade – pode ser utilizada tanto para

realizar a essencialidade quanto a extrafiscalidade. Para os produtos imprescindíveis aos

indivíduos e à sociedade, a carga tributária representada pelo IPI deve ser seletiva em

função da essencialidade; o critério essencial é o que habilita essa diferenciação, sendo

medida impositiva. A seleção de alíquotas pode ocorrer na extrafiscalidade a partir de

outros critérios que não o essencial, a fim de alcançar outros valores; trata-se de medida

desejada pelo Estado.

24.1. A seletividade se apresenta como técnica a realizar ambas as situações,

mas sob fundamentos que não se confundem: numa, a imposição de obedecer a uma

política fiscal pré-definida pelo legislador constituinte sem margem de liberdade de

escolha quanto a ela; na outra, resta uma atuação de liberdade a ensejar escolha de como

conduzir as demais políticas fiscais.

25. A essencialidade forma uma categoria distinta e autônoma da

extrafiscalidade e da seletividade, não se confundindo. A seletividade pela essencialidade

realiza a garantia constitucional pré-definida pelo legislador constituinte de pôr ao largo a

carga tributária sobre os produtos industrializados essenciais, enquanto a utilização do IPI,

na função extrafiscal, permite que o agente político implemente objetivos diversos daquele

salvaguardado pela essencialidade. Isso possibilita concluir que nem todo efeito secundário

identificado quando da cobrança de um tributo pode ser colocado na amplitude da

extrafiscalidade.

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