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Estudos de Psicologia 2000, 5(1), 149-180 Invertendo o caminho tradicional do atendimento psicológico numa clínica-escola brasileira Edwiges Ferreira de Mattos Silvares Universidade de São Paulo Palavras-chave: Psicologia Comunitária preventiva, terapia comportamental infantil, treino de solução de problemas. Resumo Uma proposta de atendimento psicológico comportamental, invertendo-se o fluxo do cliente até à clínica-escola (em vez de este ir até ela, esta é que vai até ele), foi testada. Trinta clien- tes, antes e depois da intervenção, foram avaliados por meio de: (a) CBCLs, (b) TRFs, (c) DOFs e (d) índices de atenção à tarefa e interação com o professor, obtidos em vídeos das crianças em atividades acadêmicas numa sucursal da clínica- escola (uma escola pública, assim chamada por permitir os programas preventivos desta). No ver dos professores e ob- servadores, as crianças do grupo de intervenção (n=10), do ponto de vista estatístico (p£.05), diferem significativamente das de espera (n=20), quanto ao aumento de competência social, diminuição do distúrbio total, maior tempo de atenção à tarefa e de interação com o professor, o que mostrou ser a proposta exeqüível. Mais elementos devem ser incorporados à proposta objetivando-se o envolvimento familiar e a pre- venção do mau desempenho acadêmico das crianças encami- nhadas.

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149Clínicas-escolas: invertendo o fluxo do atendimentoEstudos de Psicologia 2000, 5(1), 149-180

Invertendo o caminho tradicional doatendimento psicológico numa

clínica-escola brasileira

Edwiges Ferreira de Mattos SilvaresUniversidade de São Paulo

Palavras-chave:PsicologiaComunitáriapreventiva,terapiacomportamentalinfantil, treinode solução deproblemas.

ResumoUma proposta de atendimento psicológico comportamental,invertendo-se o fluxo do cliente até à clínica-escola (em vez deeste ir até ela, esta é que vai até ele), foi testada. Trinta clien-tes, antes e depois da intervenção, foram avaliados por meiode: (a) CBCLs, (b) TRFs, (c) DOFs e (d) índices de atenção àtarefa e interação com o professor, obtidos em vídeos dascrianças em atividades acadêmicas numa sucursal da clínica-escola (uma escola pública, assim chamada por permitir osprogramas preventivos desta). No ver dos professores e ob-servadores, as crianças do grupo de intervenção (n=10), doponto de vista estatístico (p£.05), diferem significativamentedas de espera (n=20), quanto ao aumento de competênciasocial, diminuição do distúrbio total, maior tempo de atençãoà tarefa e de interação com o professor, o que mostrou ser aproposta exeqüível. Mais elementos devem ser incorporadosà proposta objetivando-se o envolvimento familiar e a pre-venção do mau desempenho acadêmico das crianças encami-nhadas.

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O atendimento psicológico infantil, especialmente nas camadas populacionais de menor poder aquisitivo, tem tradicio-nalmente seguido um mesmo caminho, qual seja, a escola, ou

seus agentes sociais (professores, assistentes sociais, diretores eoutros) percebem nas crianças da sua instituição dificuldades (decaráter acadêmico ou outro qualquer) e encaminham-nas para psicó-logos ou para as clínicas-escola de Psicologia (centros universitários,criados para estágio do aluno de graduação que atende a clientela,supervisionado pelos professores supervisores). O costumeiro cami-nho trilhado pela criança com dificuldades comportamentais (acadê-micas ou não), da escola até o psicólogo clínico, destaca o importante

Key words:Communitypreventive

psychology;behavioral child

therapy;problemsolutiontraining.

AbstractInverting the traditional route of one Brazilian universitypsychological serviceA new clinical intervention to change the client’s natural routeto an university psychological service was tested. Instead ofthe community going to the psychological service it is theservice that goes to people in the community. It was developedin a psychological service branch (a school that allowspsychological prevention programs from university) with 30children (clients) assessed, before and after the interventionby CBCLs, TRFs and DOFs plus on indexes of attention totask and interaction with teacher, obtained from children’svideos on academic activities. According to teachers andobservers, all children that went through the intervention(n=10), were statistically different (p£.05) from wait control(n=20) considering: higher social competence, lower totalbehavioral disturbance, higher task attention and higherchildren-teacher interaction, showing that the proposal isfeasible. New strategies shall be added to the proposal aimingto increase familiar involvement and preventing academicfailure of referred children.

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papel atribuído pela instituição à própria criança, na etiologia, desen-volvimento e manutenção de seus problemas pessoais. Em outraspalavras, a rota do encaminhamento da criança para psicoterapia in-fantil põe em evidência o quanto a escola - principal instituiçãoencaminhadora de clientes infantis para as clínicas-escola (Lopez, 1983)- parece não querer atribuir a si própria papel significativo na produ-ção ou na alteração das dificuldades infantis, por ela detectadas. Cris-talizando um caminho tradicional, a instituição parece querer eximir-sede qualquer responsabilidade em relação aos problemas infantis; pa-rece agir como se o comportamento da criança fosse o únicodeterminante do encaminhamento psicológico.

Diversos autores (por exemplo Patto, 1988) já tiveram a oportuni-dade de mostrar esses pontos e de chamar a atenção para o fato deque o professor, o currículo, as modalidades didáticas, as práticasinstitucionais, as diferenças culturais, entre outros aspectos, além docomportamento da criança, podem contribuir para o aparecimento emanutenção das dificuldades experimentadas por ela na escola. Nes-se sentido, o caminho tradicional de saída da criança das instituiçõesde ensino e chegada até o psicólogo clínico, especialmente se fordeterminada por dificuldades de aprendizagem, deveria ser revisto ealterações nesse caminho deveriam ser propostas por meio de, porexemplo, práticas educacionais preventivas.

Os resultados obtidos por diversos estudos brasileiros de caracte-rização da clientela infantil, desenvolvidos em clínicas-escola de Psico-logia brasileiras (por exemplo: Lopez, 1983; Santos, 1990), têm corrobo-rado esses pontos e evidenciam, na maioria dos casos, a inadequaçãodesse caminho tradicional da criança até a clínica-escola.

Diversos aspectos desses estudos de caracterização devem me-recer nossa atenção por sua evidência continuada, a qual nos permite,inclusive, traçar o perfil da criança típica das clínicas-escola de Psico-logia brasileiras. Trata-se de aluno de escola pública, predominante-mente entre 6-10 anos, em sua maioria oriundo de família de baixarenda, que não dispõe, portanto, de recursos financeiros para arcarcom despesas de pagamento a psicólogos privados. Nessa medida, ocostumeiro procedimento de encaminhamento psicológico para tera-

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pia infantil tem inflado o número de crianças que vêm das escolaspúblicas para as clínicas-escola de Psicologia com queixas psicológi-cas, em geral, e com queixas de dificuldade de aprendizagem, em espe-cial (Lopez, 1983).

Outro item que não pode ser esquecido quanto ao grande contin-gente de crianças encaminhadas para as clínicas-escola de Psicolo-gia, evidenciado pelos estudos de caracterização das clínicas-escolade Psicologia brasileiras, é a alta taxa de desistência desse contingen-te populacional que busca o atendimento psicológico. Essa desistên-cia é fruto de diversas variáveis, entre elas, as dificuldades derivadasdo próprio caminho seguido no encaminhamento. As clínicas-escolabrasileiras estão localizadas, em geral, em pontos distantes das mora-dias de sua clientela predominante, isto é, situam-se nos centros uni-versitários e são procuradas por uma clientela de nível sócio-econô-mico baixo, que precisa muitas vezes de duas conduções para se trans-portar até elas.

Como fruto dessas evidências e dos fatores que fizeram com queesse caminho se tenha cristalizado, diferentes autores (por exemplo,Macedo, 1984) apontaram a necessidade de mudanças nas práticas ins-titucionais e psicológicas de nossas clínicas-escola brasileiras; poucos,porém, foram os trabalhos realizados para alterar esse caminho, a despei-to dos muitos estudos que mostram a necessidade de mudanças.

Dentro desse contexto de mudança nas clínicas-escola brasileirasinsere-se este trabalho, cujo objetivo geral foi o de testar uma propos-ta de atendimento infantil psicológico comportamental, que invertes-se o fluxo cliente/clínica-escola (em vez de este ir até ela, esta é que vaiaté ele). A autora evidenciou, em trabalhos anteriores, a necessidadede buscar novas formas de atendimento em clínica-escola; propôs ediscutiu vários novos modelos hipotéticos de atendimento comporta-mental, entre eles, orientação preventiva de pais de crianças com dificul-dades de interação com seus pais e grupo recreativo de crianças queaguardam o atendimento psicológico. O presente estudo teve portan-to como seu objetivo especifico a avaliação de um desses modelos.

Em outras palavras, a principal meta do presente trabalho residiuna apreciação da eficácia de um programa de intervenção comporta-

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mental que ocorreu em uma sucursal de uma clínica-escola ou numabase de apoio à clínica-escola do Departamento de Psicologia Clínicado Instituto de Psicologia da USP (CEIPUSP), uma escola de bairro naperiferia de São Paulo (Osasco). Essa escola foi escolhida como sucur-sal em função de ser uma das escolas que mais freqüentemente encami-nhava crianças por diferentes problemas à clínica-escola em questão(apesar de se situar num bairro distante dela) e, principalmente, pelofato da sucursal ter aceitado ceder espaço para quaisquer programaspreventivos (como os acima apontados) que a clínica-escola lhe propu-sesse, entre eles o que será aqui descrito. No presente caso, o progra-ma voltou-se às dificuldades das crianças encaminhadas pelos profes-sores da escola, desde o primeiro semestre de 1994 até o primeirosemestre de 1996. Embora a intenção do programa fosse abranger como atendimento psicológico outras crianças da comunidade onde aescola se inseria (e isso tivesse sido aceito pela sucursal), as limita-ções do projeto de pesquisa da autora permitiu apenas que nesseprimeiro momento a atuação psicológica ficasse restrita às crianças daescola na qual havia um local destinado ao trabalho dos estagiários comas crianças da instituição, para posteriormente ampliá-lo às demais crian-ças da comunidade (em um projeto de pesquisa mais abrangente).

Método

Uma vez esclarecidos os objetivos do estudo é desejável passar àdescrição dos procedimentos para alcançá-los. O primeiro passo foisolicitar à base de apoio da clínica-escola de Osasco que indicassepara o atendimento psicológico as crianças que, do ponto de vistados professores, dele necessitasse, fosse essa necessidade assenta-da em problemas de hiperatividade/agitação ou em problemas de iso-lamento social. As crianças indicadas pelos professores para essegrupo compuseram o grupo das crianças indicadas (CI). Foi solicitadoainda pelo projeto, a indicação de crianças como “sem problemas” napercepção de seus professores, que compuseram um segundo grupo(CNI). Assim, foram compostos dois grupos de crianças, o dasindicadas para atendimento psicológico (CI) de um lado, e o das nãoindicadas para tal atendimento (CNI), de outro, grupos esses que

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tiveram seus integrantes avaliados através de medidas diversificadas,obtidas por intermédio dos agentes sociais do ambiente infantil (paise professores das crianças, além de observadores bolsistas).

Essa atitude em avaliação psicológica se assenta em dados recen-tes da literatura relativa a avaliação de resultados de terapia (outcomestudies), tais como o presente trabalho, por exemplo: Guerra, Hengelller,Schoenwald e Pichrel (1995), Kazdin e Mazurick (1994), Kendall e Morris(1991), Weisz, Donenberg, Hann e Weiss (1995) Weiss e Weisz (1995)e Yutrzenka (1995). Os dados de tais trabalhos apontam para a neces-sidade de múltiplas medidas pré e pós-intervenção para, não só con-trolar a validade interna, mas também a validade externa (Kazdin, 1982),ou seja para se assegurar de que as mudanças observadas nos com-portamentos pós-intervenção podem ser atribuídos a esta e não afatores iatrogênicos.

Participantes

Participaram deste estudo, de 1994 a 1996, 30 criança indicadas(CI), com 7-10 anos de idade, de uma escola estadual no Município deOsasco, encaminhados pela própria base de apoio à clínica-escola(CEIPUSP) para receberem atendimento psicológico.

A base apontou também 77 crianças (18, em 1994; 31, em 1995; 28,em 1996, ou seja, 25,6 crianças em média por ano, DP=5,5), como nãoindicadas (CNI), isto é, do ponto de vista dos seus professores, livresde distúrbios de comportamento, portanto dispensadas de qualqueratenção psicológica (grupo de validação social).

É importante ressaltar que as crianças consideradas como nãoindicadas, em 1994, não são as mesmas que compõem o grupo dascrianças assim também denominadas, de 1995 ou 1996. Uma vez queas crianças em atendimento mudavam de professores a cada ano eeram estes quem indicavam as crianças sem problemas (ou seja, apon-tavam uma não-clínica para cada criança encaminhada para atendi-mento-clínica) não havia possibilidade de se manter estático esse gru-po de crianças, CNI.

Das 30 crianças indicadas (CI) encaminhadas para o projeto paraatendimento, 20 (CI) permaneceram na fila de espera (grupo - controle,

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de espera - E), em 1995, para possibilitar a avaliação da eficácia daintervenção desenvolvida de 1994 a 1996, com 10 crianças, em Osasco.

Dois pontos importantes devem ser considerados, com relação àsvinte crianças (E) encaminhadas ao projeto para receberem o atendi-mento e que ficaram aguardando por ele. As crianças do grupo deespera receberam atendimento apenas a partir do 2º semestre de 1996e os resultados desse trabalho não serão aqui analisados. Essas cri-anças foram avaliadas somente a partir de 1995 por questões de ordemprática (o programa não dispunha de estagiários em número suficien-te para criar o grupo - controle antes e fazer sua avaliação).

A Tabela 1 mostra a distribuição dessas crianças (N=107) porgrupo (CI- criança indicada X CNI- criança não indicada), status (ematendimento - A -, em espera -E- e sem necessidade de atendimento -S-) e sexo (masculino X feminino).

Avaliação

Todas as 30 crianças indicadas (CI) e as 77 não indicadas (CNI)foram submetidas ao processo de avaliação com a aplicação de diver-sos instrumentos - questionários comportamentais (Achenbach, 1991),a saber: a) CBCLs (child behavior checklist) - relatórios dos pais, b)TRFs (teacher report form) - relatórios dos professores, c) DOFs (direct

Tabela 1. Distribuição das crianças participantes do programa de inversão do fluxo de atendimento psicológico numa clínica- escola por grupo (CI= crianças indicadas x CNI= crianças não indicadas), status (A= atendimento, E= espera e S= sem necessidade de atendimento) e sexo (M= masculino, F= feminino)

status grupo A E S

total global

F M total F M total F M

CI 4 6 10 8 12 20 0 0 30 CNI 0 0 0 0 0 0 44 33 77

total global

4 6 10 8 12 20 44 33 107

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observation form) - relatórios dos observadores - formas de observa-ção direta, extraídas dos vídeos das crianças, em atividades escolares.Tanto o CBCL quanto os dois outros questionários (TRF e DOF -variantes do primeiro) têm sido bastante referidos na literatura sobreavaliação de distúrbios comportamentais infantis, tendo sido o pri-meiro deles validado no Brasil por Bordin, Mari e Carero (1995). Ascrianças também foram avaliadas, a partir da observação de vídeosdas crianças em interação em classe , quanto aos índices de atençãoàs atividades escolares e ao de interação com o professor. O conteúdodos questionários e dos vídeos, bem como o procedimento para quedeles fossem extraídos índices quantitativos, merecerão maior aten-ção nesta mesma seção, na parte relativa aos índices comportamentaisavaliados. As análises de vídeo passavam por checagem sistemáticade fidedignidade entre observadores.

Intervenção

Com a criança: O trabalho de intervenção terapêutica realizadocom as crianças encaminhadas, isto é, as sessões clínicas, grupais,infantis, que ocorreram fora da clínica-escola, na sua base de apoio,foram acompanhadas, pós-anuência dos clientes, por um registro deobservação, feito com filmadora de vídeo, in loco. O atendimento,voltado para as dificuldades de atenção e organização das crianças,foi feito por uma estagiária do projeto que recebeu a supervisão dapesquisadora - clínica responsável por ele e autora deste. Como noTreino de Resolução de Problemas (Webster-Stratton, 1994), em pe-quenos grupos, três a quatro crianças, em sala destinada ao projeto,desenvolviam, semanalmente, durante uma hora, primeiro atividadesacadêmicas e depois lúdicas, seguindo uma mesma estratégia, orien-tada pela estagiária. Assim, independente do tipo de atividade, pri-meiro, a tarefa a ser desenvolvida pela criança devia ser analisada ecompreendida por ela. Depois, várias formas de resolver a mesmaquestão deviam ser, por ela, pensadas. Por fim, a forma mais apropria-da de resolução era escolhida e implementada. Todas as dificuldadesque por ventura acontecessem no desenrolar desse processo eramtutoradas pela estagiária numa atitude de busca de solução da dificul-dade e não de domínio da resposta pronta. O objetivo deste tipo de

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intervenção foi o de favorecer o desenvolvimento de atitude de buscade resolução de tarefas acadêmicas e sociais e o aumento do tempo deatenção à tarefa acadêmica, necessárias às crianças encaminhadas.Nessa medida, a intervenção clínica promovida objetivava alcançarmelhor interação em classe pelas crianças encaminhadas, visto que aobservação dos vídeos havia mostrado que as dificuldades infantisestavam, principalmente aí, situadas.

Com o professor: Foram realizadas quatro reuniões semestraiscom os professores dessas crianças (2, em 1994 e 2, em 1995). Nessasreuniões, pequenos intervalos de vídeos das crianças indicadas paraatendimento psicológico (CI), em atividades de classe, eram apresen-tados a eles e era discutida a proposta do projeto, bem como erasolicitado o apoio a ele. Com base na visão dos vídeos das criançasencaminhadas (CI), eram discutidas as percepções dos professoressobre o comportamento das crianças e sobre o comportamento delespróprios, com relação ao comportamento dessas crianças. O objetivodessas reuniões, com apresentação dos vídeos, era o de fazer comque os professores mudassem seu padrão de interação com as crian-ças a partir dos confrontos entre suas percepções naturais sobre ascrianças encaminhadas com as derivadas da visão dos vídeos. Isso,deveria ocorrer tão logo eles chegassem às conclusões que favore-cessem a tese de que muitas das dificuldades das crianças derivavamdo déficit de interação adequada dos professores com elas, em classe.

Delineamento Experimental

Os resultados quantitativos, do primeiro semestre de 1994 (antesda intervenção), do primeiro semestre de 1995 (depois de breve inter-venção) e em 1996 (depois da intervenção comportamental mais lon-ga), em termos de escores grupais médios de distúrbio comportamentale de competência social, extraídos dos TRFs (preenchidos por profes-sores), dos CBCLs (preenchidos pelos pais) e dos DOFs (preenchi-dos pelos observadores) das 30 crianças encaminhadas (grupo CI)foram comparados entre si (antes, durante e após a intervenção). Tam-bém foram comparados os índices comportamentais criados a partirda observação dos vídeos.

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Os escores pré-intervenção, obtidos em questionários ou foradeles, também foram comparados aos escores de crianças não enca-minhadas (CNI - ou seja, crianças que não apresentavam distúrbioscomportamentais na avaliação dos professores), e com os das 20 cri-anças encaminhadas que aguardavam atendimento (grupo - controle,de espera- E). Os dados das crianças desses dois grupos foram preen-chidos, pelos pais, professores e observadores em 1995 e 1996 en-quanto os das crianças de atendimento (CI), em 1994, 1995 e 1996,pelos professores e observadores.

Índices comportamentais

Dos questionários distribuídos para os professores, pais e obser-vadores foram extraídos os índices de distúrbio total (DT), distúrbioexternalizante (DE), internalizante (DI) e competência social (CS). Osprofessores e pais que tinham maior contato com a criança deviamresponder aos questionários com base nesse contato natural. Para osobservadores responderem ao questionário, as crianças que partici-param do projeto foram filmadas em três períodos de dez minutoscada, em três dias diferentes, em situação de sala de aula, num total de30 minutos para cada criança. Os vídeos foram feitos e analisados porobservadores do projeto que, após assistirem às filmagens, preenchi-am os questionários e destes extraíam apenas três dos quatro índicesantes mencionados: distúrbio total (DT), distúrbio externalizante (DE)e internalizante (DI). Todos os índices utilizados nesse estudo sãodefinidos e têm os procedimentos para sua obtenção a partir dosquestionários, esclarecidos, imediatamente abaixo.

Distúrbio externalizante (DE)

Este distúrbio diz respeito àqueles comportamentos “problemáti-cos” que se expressam diretamente sobre o ambiente, como brigar egritar, entre outros. Eles foram obtidos da seguinte forma: o responsá-vel por responder ao questionário (pai, professor ou observador), aoencontrar diversas afirmações sobre o comportamento infantil (emsua maior parte, similares, entre questionários), devia avaliar se elasse aplicavam à criança em questão e com que freqüência o comporta-mento, por elas descritos, ocorria. Assim, por exemplo, o questionário

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afirmava: “Mete-se em brigas” ou “Não consegue parar sentado”. Àfrente dessa afirmação, havia os números 0, 1 e 2, para que um fosseselecionado entre os três, isto é, aquele que melhor identificasse afreqüência com que a afirmação fosse verídica para a criança em ques-tão. Quem estivesse respondendo o questionário, fosse o professor,pai ou observador, deveria julgar se a criança brigava ou não e se elaconseguia se concentrar ou não. Em seguida deveria assinalar (2) seum desses comportamentos ocorresse muitas vezes. Se o comporta-mento ocorresse algumas vezes, o responsável deveria marcar (1) e,se nunca ocorresse, zero (0). A soma das respostas relacionadas acomportamentos deste tipo de distúrbio fornecia o índice quantitati-vo- DE.

Distúrbio internalizante (DI)

Este índice é relacionado com os comportamentos consideradosproblemáticos pelos agentes sociais consultados, no caso, pais, pro-fessores e observadores do projeto, mas que não se exercem direta-mente sobre o ambiente, restringindo-se ao âmbito privado da crian-ça. Foram exemplos desses comportamentos, no questionário, afirma-ções como: “isola-se”, “perde-se em seus próprios pensamentos” etc.O procedimento seguido para quantificar o DI foi idêntico ao utilizadopara obter o índice anterior; a diferença entre os dois índices portantoreside no tipo de afirmativas que compõem um e não o outro índice.

Desvio total de comportamento (DT)

É um índice que engloba tanto o índice de distúrbios internalizantesquanto o de distúrbios externalizantes e, pretende ser um índice maisgeral, que se refira a todos comportamentos desviantes da criança. Oprocedimento para sua obtenção foi igual ao desenvolvido com osdois primeiros

Competência social (CS)

É um parâmetro para que se possa ter idéia acerca dos comporta-mentos “positivos” da criança com relação ao seu meio social, como,por exemplo, de que forma ela participa de grupos extra-escolares,como pratica esporte, qual o número de seus amigos etc. Embora este

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índice, diferentemente dos três primeiros, forneça idéia positiva acer-ca do comportamento da criança, o procedimento para sua obtençãopossibilita também sua quantificação. O agente social que respondeao questionário deve informar, na parte relativa a CS, se a criança emquestão, se comporta igual, melhor ou pior que outras crianças damesma faixa etária que a sua, em três áreas (familiar, escolar e esporti-va). Assim, o informante devia indicar se a criança ao atuar naquelaárea, por exemplo ao praticar esporte, ao brincar com colegas etc., sesituava, em termos de desempenho, aquém, além ou igual a maioriados colegas. Este tipo de informação permite que seja atribuído 1, 2 ou3 àquele aspecto relativo a criança que está sendo avaliada. A somade todas informações leva ao escore- CS. Esse índice era fornecidoapenas pelos pais e professores mas não pelos observadores que porterem pouco conhecimento da criança não poderiam fazê-lo.

Desempenho acadêmico

Além desses índices anteriores, foi usado um outro (um subíndice), retirado da parte do questionário que possibilita chegar ao índice decompetência social (área escolar) e que se refere ao desempenho aca-dêmico dos alunos, na opinião dos professores. A opção, por se ana-lisar este aspecto do perfil do aluno isoladamente é justificado pelasua importância quanto ao encaminhamento psicológico da criançapara terapia infantil. Mesmo estando incluso no cômputo da compe-tência social, este subíndice poderia estar diretamente relacionado aoencaminhamento de crianças para atendimento psicológico e porissosua análise, separadamente parecia ser importante.

Índices de atenção à tarefa (IA) e de interação com o professor(IP)

O índice de atenção da criança (IA) e o índice de interação com oprofessor (IP), índices específicos de comportamento, não foram obti-dos através de questionários. Eles foram criados à parte e sugeridoscomo uma forma de ampliação de dados coletados sobre as crianças,pois havia sido formulada pela equipe de pesquisa a hipótese de queesses novos índices pudessem ter relação com o encaminhamentoinfantil pelas professores. Esses dois últimos índices, se restringiram

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exclusivamente à situação de sala de aula, não se encontram portanto,nas formas originais dos instrumentos utilizados na avaliaçãocomportamental das crianças e foram fornecidos apenas pelos obser-vadores do projeto.

O procedimento adotado para se chegar aos índices IA (índice deatenção) e IP (índice de interação com o professor) foi o de observar ovídeo e, a cada intervalo determinado de tempo, anotar se a criançaatendia ou não aos critérios previamente definidos para o comporta-mento em questão. No caso do índice de atenção à aula, por exemplo,no intervalo entre 15º segundo e o 30º segundo de cada minuto filma-do, os observadores concentravam-se neste aspecto do comporta-mento da criança e emitiam sua opinião a respeito (isto é, se ela estavafazendo a tarefa que lhe fora atribuída, ou não). Para tanto, previamen-te as categorias comportamentais (atenção à tarefa e interação com oprofessor) foram especificadas de forma operacional, isto é tiveramdefinidos todos os comportamentos que constituíam a categoriacomportamental de, por exemplo, estar atenta à atividade acadêmica (atitulo de exemplo, podem ser citados, estar sentado em sua carteira declasse, estar voltado para o local onde o professor ensinava, não estarconversando com o colega etc.) A cada minuto, portanto, a criançatinha um parecer do observador a respeito de se ela dispensava ounão atenção à aula. Esse parecer só admitia duas formas: ou o obser-vador opinava que a criança estava realmente prestando atenção àaula ou então que a criança não estava prestando atenção à aula. Oque se obteve com esse procedimento, por fim, foi um índice da fre-qüência relativa média de tempo que uma criança passava prestandoatenção à aula, a partir de uma amostra de comportamento que sesupõe aleatória. Para que se pudesse adotar tal procedimento de pes-quisa, a filmagem contava com um sistema de cronometragem quemostrava o tempo decorrido de observação em minutos e segundos.

O mesmo procedimento foi adotado para o outro índice, o deinteração com o professor. No caso do índice de interação, também foideterminado um intervalo de dez segundos a cada minuto, no qual osobservadores se detinham a observar especificamente se havia ounão interação entre professor e aluno naquele momento, sendo, en-

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tão, contabilizado um ponto para todas aquelas situações que sugeri-am interação entre o aluno e o professor. Como no caso de atenção àtarefa os comportamentos que deviam ser considerados como deinteração com o professor foram previamente definidos como foi tam-bém obtida uma estimativa da freqüência relativa média de tempo comque uma criança interagia com o professor em situação de sala de aula.

Resultados e Discussão

Resultados relativos às percepções dos professores nos checklists

A Figura 1 mostra, na percepção dos professores, (índices obti-dos nos TRFs), de 1994 para 1996, os escores médios grupais dascrianças em atendimento (n=10), em espera (n=20) e das crianças nãoindicadas (18, em 1994; 31, em 1995; 28, em 1996; num total de 77

Figura 1. Médias grupais de distúrbio de comportamento (DT) das crianças em atendimento (CI), das não indicadas (CNI) e das em espera (E) de Osasco, na percepção dos professores, em 1994,1995 e 1996.

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crianças nos três anos, ou seja 25,6 crianças, em média, por ano, DP=5,5). Pode ser observado que em 1995 e 1996 há, na percepção dosprofessores, um gradual decréscimo dos escores médios grupais dosdistúrbios comportamentais das crianças encaminhadas ao projeto eque receberam atendimento. As crianças encaminhadas por professo-res, portanto na concepção de outros professores (colegas dos queas haviam encaminhado ao projeto) , apresentam-se em 1995 de formaum pouco mais positiva do que a forma com que haviam sido percebi-das em 1994 mas não em nível estatisticamente significativo de 5%. (Afim de facilitar a exposição, daqui para frente, ao falarmos emsignificância estatística, o leitor deve subentender um nível de erro de5%. O leitor interessado nos valores de t observado e t crítico paracada um dos testes de média desenvolvidos para este trabalho poderásolicitar diretamente à autora). Em 1996, os escores médios grupais detais crianças, em comparação com os de 1994, apresentaram uma dife-rença estatisticamente significativa (valor de p=0, 003) e, portanto,pode ser afirmado que foram vistas muito mais positivamente ao finaldo que no início do atendimento.

Pode também ser verificado que apesar dessa alteração positiva,segundo os professores, as crianças encaminhadas ainda não haviamchegado ao nível das crianças por eles consideradas sem necessida-de de atendimento . A diferença entre os grupos CI e CNI foi estatis-ticamente significativa, em 1994 (valor de p=0, 000), em 1995 (valor dep=0, 000) e em 1996 (valor de p=0, 000).

Como seria de se prever, o grupo de espera, que só começou a seratendido no segundo semestre de 1996, não mostrou em relação a1995, diferença significativa do ponto de vista estatístico no primeirosemestre desse ano de 1996 (valor de p= 0, 219). O que não era espe-rado e foi obtido foi a diferença não significativa do ponto de vistaestatístico entre esses dois grupos, em 1995 e 1996, em termos de DT.Parece então, que as crianças do grupo de espera, ao entrarem para oprojeto, na percepção dos professores não se encontravam em condi-ções idênticas às das do grupo de atendimento no início deste. Esse éum ponto importante pois sistematicamente é repetido nos demaisresultados e não será repetido para não tornar monótona a exposição.

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A Figura 2 mostra, na percepção dos professores (índices extraí-dos dos TRFs), as médias grupais de competência social das criançasdos três grupos de crianças envolvidas no projeto, a saber: em atendi-mento, não indicadas e grupo de espera.

Comparando-se o escore médio do grupo das crianças em atendi-mento, em termos de CS, em 1994 com o escore do grupo dessasmesmas crianças, em 1995, verifica-se que a diferença obtida não ésignificativa do ponto de vista estatístico (valor de p=0, 178). Poroutro lado a diferença entre os escores médios do grupo de atendi-mento, de 1994 para 1996, é significativa do ponto de vista estatístico(valor de p= 0,013). Em outras palavras, os professores de 1994 para1996, mas não de 1994 para 1995 julgaram de forma mais positiva acompetência social dos alunos que haviam sido atendidos pelo pro-grama.

Como seria de se prever, o grupo de espera que não havia recebi-do orientação, apesar de ter um pequeno acréscimo em termos de CS,

Figura 2. Médias grupais de competência social (CS) das crianças em atendimento (CI), das não indicadas (CNI) e das em espera (E) de Osasco, na percepção dos professores, em 1994,1995 e 1996.

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em 1996, não difere significativamente do escore médio que apresen-tava em 1995 (valor de p=0, 498).

Pode ser notado ainda que, no 1ºsemestre de 1994, o índice decompetência social das crianças não indicadas é maior que o índice dogrupo de atendimento (diferença significativa do ponto de vista esta-tístico, valor de p= 0, 000). Em 1995, há um decréscimo no escoremédio das crianças não indicadas, em termos de CS, na percepção dasprofessores (diferença significativa do ponto de vista estatístico, va-lor de p= 0, 039). Apesar disso entretanto, as crianças do grupo deespera e do grupo de atendimento não alcançam o escore médio dascrianças não indicadas (diferença significativa do ponto de vista esta-tístico, valor de p= 0, 000). Do 1º semestre de 1995 ao 1º semestre de1996, apesar de haver um pequeno acréscimo no escore médio dogrupo de crianças em atendimento e não haver alteração para o escoredas crianças não indicadas, a diferença entre os dois grupos não deixade se manter significativa do ponto de vista estatístico (valor de p=0,006). As crianças do grupo de atendimento são vistas pelos professo-res como menos competentes do que as crianças do grupo que napercepção dos colegas deles dispensavam atendimento. Complemen-tando o que foi dito, pode ser concluído que as alterações observadasem termos de CS no escore médio do grupo de atendimento só foramsuficientemente grandes de 1994 para 1996, possivelmente em funçãoda continuidade do atendimento de 1995 para 1996.

Os dados apresentados até agora (nas Figuras 1 e 2) parecemmostrar uma coerência grande na percepção dos professores acercadas crianças envolvidas com o programa, especialmente no que dizrespeito aos índices DT e CS, antes e depois da intervenção. Não forao CS, em 1994, das crianças não indicadas para atendimento e o DT,das criança do grupo de espera, em 1996, escores que mostram umadispersão grande, em geral há pouca dispersividade nos escores mé-dios grupais. Os dados obtidos nos questionários dos professoressugerem até uma certa forma de complementação deles entre si. Ouseja, as crianças que haviam sido encaminhadas e haviam sido atendi-das mostravam índices menores de DT e índices maiores em CS, gan-hos entretanto que ainda não colocavam as crianças atendidas nas

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mesmas condições das não indicadas. É especialmente curiosa entre-tanto a dispersividade obtida em relação ao grupo de espera, em 1996,quanto a DT, sugerindo que os professores, na ocasião em que avalia-ram as crianças do grupo, tinham uma percepção mais positiva de al-gumas das crianças desse grupo a despeito de elas não haverem re-cebido atenção psicológica específica. Esse ponto será retomado à fren-te pois tem grande significado em relação aos resultados do programa.

A Figura 3 mostra, na percepção dos professores, escores médiosde desempenho acadêmico das crianças dos três grupos: em atendi-mento, das não indicadas e do grupo de espera, no 1ºsemestre de1994, 1995 e 1996.

Na percepção dos professores, há uma estabilidade nos escoresmédios de desempenho acadêmico para o grupo de atendimento do 1ºsemestre de 1994 para o de 1995 (diferença não significativa do pontode vista estatístico, valor de p=0, 936) e um decréscimo nos valores,

Figura 3. Médias grupais de desempenho acadêmico(DA) das crianças em atendimento (CI),das não indicadas (CNI) e das em espera (E) de Osasco, na percepção dos professores, em 1994,1995 e 1996.

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para o grupo de não indicadas (significativo do ponto de vista estatís-tico, valor de p=0, 039), nesse mesmo período).

Em 1996, entretanto, houve um acréscimo geral nos índices dedesempenho acadêmico (significativo apenas para o grupo das crian-ças do primeiro grupo, ou seja, de atendimento (valor de p=0, 0323).Em outras palavras, na percepção dos professores, as crianças quehaviam recebido intervenção estavam, em termos de DA, positiva-mente diferentes das que não a haviam recebido.

A grande dispersividade nos escores de DA é especialmente sig-nificativa para o grupo das crianças não indicadas para atendimentopsicológico e diminui no primeiro semestre de 1996. Parece que osprofessores associam mau desempenho escolar com encaminhamen-to para o projeto pois a despeito da dispersividade em DA do grupodas crianças não indicadas, os escores do grupo das indicadas ficasempre abaixo, a não ser ao final do trabalho.

Neste ponto, é importante chamar atenção do leitor para o fato deque os dados que serão apresentados a seguir, diferentemente dosanteriores, são derivados da observação direta do comportamento.Tais dados foram obtidos por estagiários treinados para isso, cujonível de fidedignidade na observação era avaliada de forma esporádi-ca, especialmente a cada início de semestre de trabalho, não alcançan-do nunca, nessas ocasiões, níveis inferiores aos apontados na litera-tura como desejáveis (de 80 a 90%). Como tal, esses dados supõemuma neutralidade maior por parte dos que os fornecem econsequentemente maior segurança do que os dados fornecidos pe-los checklists, preenchidos pelos agentes sociais. Os dados de per-cepção dos agentes sociais que não treinados para buscarem isençãona informação fornecida não tem a possibilidade de passar pelo testede fidedignidade, daí a menor segurança na sua informação.

Resultados da observação dos vídeos na escola

Na Figura 4 são mostrados os escores médios grupais de distúr-bio de comportamento das crianças (DT) do grupo das crianças quereceberam atendimento, das não indicadas e das do grupo de espera,na percepção dos observadores, nos primeiros semestres de 1994,1995 e 1996.

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Pode ser visualizado, em termos de Distúrbio Total (DT), que no1º semestre de 1994, os observadores, a partir da análise dos vídeos,consideraram que havia uma diferença muito pequena entre o grupode atendimento e o grupo de não indicadas (não significativa do pon-to de vista estatístico, valor de p= 0,906). Embora ambos escores mé-dios sejam considerados como clínicos, pelos observadores, adispersividade nos escores é muito grande. Em outras palavras, era,ao início do atendimento psicológico difícil para os observadores dis-criminar, quanto a DT, os dois grupos compostos de crianças indicadase não indicadas para atendimento psicológico. Há, de acordo com osobservadores, tanto num grupo como no outro, crianças cujos esco-res permitiriam que ela fosse colocada no outro grupo. Já no 1º semes-tre de 1995, há um decréscimo geral nos escores (diferença significati-va do ponto de vista estatístico, valor de p= 0, 020), mas insuficientepara fazer o grupo de atendimento igualar o nível do grupo das crian-ças não encaminhadas (diferença estatisticamente significativa, valorde p= 0, 031). Chega a igualá-lo, em 1996 (diferença não significativado ponto de vista estatístico, valor de p= 0, 062). Deve ser notado queo grupo das crianças encaminhadas, em 1995, não se diferenciavasignificativamente do ponto de vista estatístico (valor de p= 0, 641),do das crianças do grupo de atendimento as quais já haviam tido umdecréscimo em termos de DT.

Figura 4. Médias grupais de distúrbio de comportamento (DT) das crianças em atendimento (CI),das não indicadas (CNI) e das em espera (E) de Osasco, na percepção dos observadores, em 1994,1995 e 1996.

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Em síntese, e ignorando-se a dispersividade dos escores, pode-se dizer que (em termos grupais) os observadores (que eram sempreos mesmos de ano para ano) concordavam com os professores (quevariavam de um ano para o outro) sobre o fato de que as criançasindicadas para atendimento, só a partir de 1995, igualavam-se às deespera e distinguiam-se das não indicadas, em termos de DT, o quejustificava a intervenção para as primeiras e não para as últimas. Alémdisso, ao final do trabalho de intervenção, havia também acordo entreobservadores e professores de que as crianças- do grupo controle,distinguiam-se das indicadas que haviam recebido atendimento e,portanto, a atenção psicológica dada era responsável pelas mudan-ças operadas sobre elas

O fato de os professores que avaliavam as crianças não seremsempre os mesmos ao longo do tempo dificulta a interpretação dosdecréscimos dos escores grupais de distúrbios de comportamento eacréscimos dos escores grupais de competência social como formasde melhorias comportamentais das mesmas. Por outro lado, o fato deos estagiários que observavam os vídeos serem sempre os mesmos equantificarem os escores de DT (não há correspondente de CS noschecklists - forma dos observadores) na mesma direção dos professo-res corrobora a visão de tais alterações como melhorias. É mister en-tretanto ser notada a grande dispersividade nos escores fornecidospelos observadores, desde o início do trabalho. Deve-se ainda cha-mar a atenção para o fato de que esta constatação independe doestágio em que houve a observação mas parece ao final de 1996 que-rer indicar que apesar do grupo como um todo poder ser consideradomelhor ao final do atendimento, em termos DT, isto não quer dizer quetodas as crianças assim pudessem ser consideradas, na percepçãodos observadores.

Até agora foram mostrados dados de percepção global de agen-tes sociais e não dados específicos de observação direta do compor-tamento, os quais serão analisados a seguir.

A Figura 5 mostra, segundo os observadores, os escores médiosde atenção das crianças do grupo de atendimento, das não indicadase grupo de espera, no 1ºsemestre de 1994, 1995 e 1996.

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Pode ser notado que nos três momentos da avaliação, o grupo decrianças não indicadas não é visto como mais atento que o grupo decrianças em atendimento. Pode também ser notado que o primeirogrupo (CNI) é visto pelos observadores como mais atento que o gru-po de espera, a partir do 1º semestre de 1995. Tal como no caso dapercepção mais global da criança em termos de DT, os escores apre-sentam grande dispersividade, o que sugere que muitas crianças deum grupo apresentam-se do ponto de vista de comportamento emcondições idênticas às das crianças do outro grupo. Do 1º semestrede 1994 ao 1º semestre de 1996 há um acréscimo geral nos índicesmédios de atenção, mas as crianças que haviam recebido atendimentodiferenciam-se estatisticamente das do grupo de espera (estavam emcondições mais favoráveis). Em outras palavras, as crianças que havi-am sido atendidas eram vistas como mais atentas às atividades esco-lares (chegando a igualar as não indicadas). Grande parte dos aspec-tos relativos aos dados de atenção das crianças do projeto em ativida-des acadêmicas aqui sinalizados parecem ser replicados com relação àinteração delas com os professores, como poderá ser visto a seguir.

A Figura 6 mostra, na percepção dos observadores, os escoresmédios de interação com professor das crianças do grupo de atendi-mento, das não indicadas e do grupo de espera no 1ºsemestre de 1994,1995 e 1996.

Figura 5. Médias grupais de atenção à tarefa (IA) das crianças em atendimento (CI),das não indicadas (CNI) e das em espera (E) de Osasco, na percepção dos observadores, em 1994,1995 e 1996.

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Pode ser observada uma diferença significativa no índice deinteração entre o grupo de crianças que receberam atendimento e ogrupo de não indicadas no 1º semestre de 1994, dado que não perma-nece estável nas demais datas de avaliação, pois há um aumento sig-nificativo na interação das crianças do grupo de atendimento e deespera, de 1994 a 1996. Isso mostra que o padrão de interação dosprofessores com as crianças foi aumentado consideravelmente de for-ma que permitia que as crianças pudessem também ter melhorias nopróprio desempenho.

A principal diferença entre as Figuras 6 e 5 parece residir nosescores médios obtidos pelo grupo das crianças não indicadas asquais não tem acréscimo em termos de escore grupal de IP e sim de IA,em 1996. O projeto parece ter feito o professor reconhecer a necessi-dade de despender mais tempo interagindo com todas crianças quehaviam sido indicadas para atendimento a despeito de estarem estasrecebendo atendimento ou não. Não é absurdo supor que o efeitoparece ter se refletido especialmente sobre as crianças que estavamrecebendo atendimento pelo fato de este ir na mesma direção da orien-tação dada aos professores. Nessa medida era mesmo esperado queas crianças que estavam sendo atendidas passassem a prestar maisatenção às atividades de classe chegando a se igualar (nesse aspec-to) as que não eram indicadas para atendimento, como parecem terfeito.

Figura 6. Médias grupais de interação com o professor (IP) das crianças em atendimento (CI),das não indicadas (CNI) e das em espera (E) de Osasco, na percepção dos observadores, em 1994, 1995 e 1996.

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Não deve ser ignorado entretanto que dispersividade dos esco-res em ambos os casos (Figuras 5 e 6) é grande, sendo válido portantoestender o comentário feito para os escores médios grupais de DTtambém para os escores médios grupais de IA e IP. Ou seja, enquantogrupo, as crianças que recebiam atendimento haviam aumentado seutempo de atenção às atividades acadêmicas e de interação com osprofessores, mas isto não era verdadeiro para todos componentes dogrupo pois algumas dessas crianças mais do que outras estavam,depois do atendimento tal como ao seu início, mais atentas às ativida-des acadêmicas e interagiam mais com os professores .

O que mais chama a atenção nos dados até aqui apresentadosentretanto, não é a semelhança entre essas duas últimas figuras mas ocontraste entre os dados de observação específica do comportamen-to (Figura 5 e 6) com os globais de percepção (Figuras 1, 2, 3 e 4). Éinegável, como dado médio grupal, o aumento do tempo de atenção àsatividades de classe e de interação com o professor de todas criançasencaminhadas para atendimento psicológico, independente de esta-rem ou não recebendo tal atendimento). É igualmente inegável que amudança na percepção global das crianças pelos professores não étão intensa quanto a intensidade das alterações comportamentais es-pecíficas de um semestre para outro e alcança apenas as crianças quereceberam o atendimento psicológico. Não fora a dispersividade dosescores em termos de DA para o grupo de espera em 1996, fornecidospelos professores e já sinalizada, assim como a dispersividade emtodos os escores fornecidos pelos observadores, em todos os mo-mentos de avaliação, a interpretação de tais dados deveria ser maissimples e direta do que de fato pode ser.

Sem dúvida, tudo leva a crer que os professores viam as criançasindicadas para atendimento de forma mais positiva, depois da inter-venção mais prolongada, assim como viam tais alterações como frutodo trabalho realizado pelos estagiários com as crianças. Adispersividade dos escores globais de percepção (especialmente porparte dos observadores antes da intervenção) associada a dados es-pecíficos de comportamento fornecidos pelos observadores, entre-tanto, sugerem que outros fatores alem de unicamente a intervenção

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desenvolvida (tais como, expectativas do professor, alteração no seucomportamento, a presença dos observadores em classe e filmagemdas atividades acadêmicas) devem ser considerados na interpretaçãodos resultados. Esses pontos serão retomados nas conclusões de-pois de que os dados obtidos nos checklists dos pais forem apresen-tados.

Resultados relativos à percepção dos pais nos checklists

Uma vez que os resultados obtidos por meio da percepção dosprofessores e observadores eram positivos, foi julgado de interesseapresentar a percepção dos pais acerca do trabalho realizado, para oqual eles haviam dado apenas o consentimento.

A Figura 7 mostra os escores médios grupais de DT na percepçãodos pais de crianças encaminhadas, em espera e não encaminhadas.Pode ser observado que houve um decréscimo (não significativo, doponto de vista estatístico) em níveis de DT do grupo das criançasencaminhadas e em atendimento, na visão dos pais, de 1994 para 1995(valor de p=0, 349). Em 1996, o grupo das crianças em atendimentoapresentou um pequeno acréscimo, também não significativo do pon-to de vista estatístico, em termos de DT. Como pode ser visto nafigura, o DT médio do grupo destas crianças se apresenta na percep-

Figura 7. Médias grupais de distúrbio de comportamento (DT) das crianças em atendimento (CI),das não indicadas (CNI) e das em espera (E) de Osasco, na percepção dos pais, em 1994, 1995 e 1996.

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ção dos pais, em nível superior ao do grupo das crianças do grupo deespera, embora essa diferença também seja não significativa do pontode vista estatístico. Este último grupo apresentou um decréscimo noDT médio no período de 1995 para 1996, também não significativo doponto de vista estatístico. A única comparação cuja diferença obtidaalcançou nível de significância estatística foi entre o grupo das crian-ças não encaminhadas - CNI - e as de atendimento - CI -, em 1996. Emoutras palavras, em termos de DT, na percepção dos pais, as criançasencaminhadas não apresentavam melhoras em 1995 ou 1996, mas sediferenciavam das não encaminhadas em 1996. O mesmo pode serafirmado em termos de CS como se verá a seguir.

A Figura 8 mostra as médias grupais de competência social dascrianças do grupo em atendimento das não indicadas e de espera, napercepção dos pais. Pode ser observado que, do 1º semestre de 1994ao 1º semestre de 1995, há um pequeno aumento nos valores de com-petência social do grupo de atendimento. De 1995 para 1996, há umdecréscimo nos escores médios grupais de competência social paraas crianças do grupo de espera e do grupo de atendimento. Já, para ogrupo de não indicadas há uma estabilidade nos valores. Digna denota é a diferença entre o escore médio grupal das crianças do grupode espera e atendimento e o das não indicadas e de essas últimas

Figura 8. Médias grupais de competência social (CS) das crianças em atendimento (CI),das não indicadas (CNI) e das em espera (E) de Osasco, na percepção dos pais, em 1994, 1995 e 1996.

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serem consideradas clínicas pelos pais. Em outras palavras, em ter-mos de CS, na percepção dos pais, as crianças encaminhadas nãoapresentavam melhoras em 1995 ou 1996, mas se diferenciavam dasnão encaminhadas em 1996.

Conclusões

Em termos de escores médios grupais, foi constada uma quaseausência de divergência de opinião entre observadores e professoresem relação aos resultados da presente proposta. Em geral, noschecklists, observadores e professores consideraram as crianças, aofinal do trabalho de intervenção, de forma mais positiva, fosse nosescores de competência social, fosse nos de distúrbio de comporta-mento. Os professores, entretanto, ao final como no início do progra-ma, tinham uma opinião “mais fechada” acerca das crianças (encami-nhadas e não encaminhadas) do que as dos observadores. Em resu-mo, a análise comparativa, com dez das crianças que foram clientes noprojeto parece indicar melhorias comportamentais (aumento no esco-re de competência social e diminuição de escore global de distúrbiocomportamental) em relação ao grupo de crianças encaminhadas quereceberam atendimento, na base de apoio ou sucursal da CEIPUSP, napercepção de dois diferentes agentes sociais: os professores e obser-vadores.

No que se refere à atenção e interação das crianças com os pro-fessores (desconsiderando-se a dispersividade dos escores) pode-sedizer que os observadores verificaram uma melhora significativa emgeral mas especialmente do grupo que passou pela intervenção psi-cológica, o que implica que as crianças em atendimento passaram aprestar mais atenção às atividades escolares e que seus professores,por sua vez, passaram a interagir mais com elas, fazendo com queestas superassem, em atenção à tarefa e em interação com os profes-sores, as crianças não indicadas, anteriormente consideradas melho-res nessas mesmas medidas.

Todos esses pontos parecem permitir dizer que foi bem sucedidaa proposta de inversão do caminho tradicional de saída das institui-ções de ensino e chegada do cliente infantil até o psicólogo clínico.

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Embora não seja possível dizer que essa inversão se assentou naprodução de práticas educacionais preventivas podemos afirmar queculminou na produção de novas práticas institucionais na clínica-escola de Psicologia do IPUSP. Esta instituição, com base no presentetrabalho, deveria instituir programas que alcançassem as crianças eos seus professores (os agentes que com mais freqüência as encami-nham), antes mesmo que estas crianças cheguem até ela. Tais progra-mas, acoplados a disciplinas de graduação, deveriam ser aplicados nacomunidade em que vive a clientela dominante das clínicas-escolapermitindo que o aluno estagiário conheça uma nova forma de atua-ção psicológica, a de caráter preventivo.

A presente proposta, apesar de inovadora em termos de mudan-ças nas clínicas-escola, é de alcance limitado, como toda proposta demesmo cunho, em termos de mudanças em práticas educacionais, massua limitação decorre também, e principalmente, do modo inusitadopelo qual essa proposta foi instituída. Ao se propor a inversão dofluxo do atendimento psicológico não foi antecipado o dado empíricodiscutido por Berbert, Barbosa e Silvares (1995), isto é, o do predomí-nio dos distúrbios de aprendizagem entre as crianças encaminhadaspara o atendimento pelo projeto. Este dado parece demonstrar que opresente trabalho este reproduziu, inadvertidamente e em menor esca-la, um fenômeno conhecido, qual seja, o do grande contingente decrianças com dificuldades escolares que se encontram nas clínicas-escola brasileiras de Psicologia. Mais importante que este é o fato deque foi alcançado, pelo menos em parte, uma das principais finalida-des do estudo, qual seja a de prevenir de forma satisfatória a evasãodo atendimento psicológico. (As dez crianças com as quais iniciamoso trabalho de intervenção, finalizaram-no, isto é, a evasão ao atendi-mento iniciado em 1994 pelo projeto foi nula).

Hoje, houve a oportunidade de demonstrar ainda que a interven-ção, levada a efeito na sucursal ou base da apoio da CEIPUSP, foitambém efetiva por operar mudanças comportamentais positivas nascrianças e também nos professores que participaram dela. Essas mu-danças porém, estão longe de serem suficientes para permitir auxiliarcompletamente as crianças encaminhadas para o atendimento psico-

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lógico. Os resultados aqui apresentados reafirmam em si este últimoponto, pois os progressos feitos pelas crianças encaminhadas para oprojeto e pelos seus professores, foram parciais e indicam haver ou-tras alterações necessárias, nesse novo caminho. Apesar das mudan-ças comportamentais observadas nas crianças atendidas (estavammais atentas às aulas e os seus professores interagiam mais com elascrianças) e os controles metodológicos do estudo (até certo ponto)terem permitido atribuí-las à intervenção, tais mudanças não coloca-ram as crianças encaminhadas nas mesmas condições acadêmicasdas que não haviam sido encaminhadas. A manutenção dessa dife-rença com certeza decorreu de o foco da intervenção não ter se volta-do para os déficits escolares específicos e individuais que acarreta-vam a defasagem acadêmica entre elas e as crianças não encaminha-das. Além disso, os pais das crianças encaminhadas não as conside-ravam, ou não as perceberam, ao final do trabalho de intervenção,comportamentalmente melhores do que no seu início, possivelmentepelo fato de a intervenção ter se restringido à ação psicológica apenasna escola e por terem sido insuficientes para fazer as crianças encami-nhadas superarem o nível de defasagem acadêmica em relação a seuscolegas.

O enfoque dado à intervenção, voltando-a prioritariamente à cri-ança, ainda que fosse realizado um trabalho breve com os professores(apenas duas reuniões semestrais por ano), foi insuficiente para levartais crianças a um ainda melhor desempenho acadêmico do que o quechegaram a alcançar. E, pode ser acrescentado, que não foi suficienteaté mesmo para (como é antevisto mas não mensurado) alterar deforma duradoura o padrão interacional dos professores com seus alu-nos de modo a que todos pudessem progredir continuamente masindica um caminho para novas mudanças. É também possível que aação limitada da intervenção psicológica levada a efeito, somada aofato da presença constante dos estagiários na escola e da continuida-de dos vídeos das crianças em classe, tenham sido os fatores quecontribuíram para esses professores tivessem alteradas suas percep-ções sobre as crianças encaminhadas bem como seu padrão deinteração com elas melhorado enquanto o projeto se desenvolvia.

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Esses fatos não devem obscurecer outro, qual seja o de que a altera-ção comportamental dos professores parece ter sido essencial namelhoria apresentada pelas crianças atendidas, ao menos de modoparcial, academicamente. Se o padrão de interação professor alunonão tivesse sido alterado, o trabalho clínico com as crianças, por si só,não poderia ter sido frutífero. É bastante improvável que se tivessechegado aos resultados obtidos, se as mudanças alcançadas tives-sem se restringido apenas às crianças encaminhadas visto que osproblemas destas, como os vídeos de suas atividades em classe de-monstravam, não se restringiam apenas ao comportamento das crian-ças que foram encaminhadas para atendimento psicológico pelo pro-grama.

A estratégia de intervenção deste estudo com crianças e professo-res foi derivada de atenta análise dos vídeos das crianças em ativida-des de classe, mas também derivada dos limitados recursos (humanose materiais) de que o projeto dispunha para intervenção. Estes recur-sos, terão de ser necessariamente ampliados, ou seja, novas estratégi-as, especialmente pedagógicas e/ou práticas educacionais preventi-vas, precisarão ser acopladas ao programa que foi levado a efeito paraque possa ser mais efetivo. Algumas dessas estratégias, a título deilustração, podem ser pensadas: avaliação e intervenção precoce so-bre os déficits acadêmicos específicos e individuais das crianças comproblemas escolares, mudanças nas práticas didáticas, alterações noambiente escolar de modo a torná-lo mais estimulante, maiorenvolvimento das famílias nas atividades escolares das crianças etc.

Com o presente trabalho, ao levar a clínica-escola ao encontro docliente, foi possível diminuir a evasão do atendimento psicológico, oque parece ser de grande valia, além de necessário para o alcancecompleto dos objetivos de auxiliar as crianças encaminhadas paraatendimento psicológico na comunidade onde residem. É possívelainda, por fim, admitir, que os esforços presentes representam apenasuma proposta clínica voltada para comunidade, o que, por si só, nãoeliminará o fracasso escolar pois este é um fenômeno de cunho socialcuja alteração implica uma mudança de base em políticas educacio-nais vigentes. Certamente à mudança em tais políticas educacionais

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179Clínicas-escolas: invertendo o fluxo do atendimento

poderiam ser acopladas outras propostas, tais como as que aqui apre-sentadas, que, se ampliadas, poderiam auxiliar por completo, tanto ascrianças encaminhadas para atendimento psicológico com dificulda-des escolares bem como os professores que as encaminharam, e, con-seqüentemente, auxiliariam a alcançar inteiramente os objetivos quesubjazem à proposta que levou a realização do presente estudo.

Agradecimentos

Nossos agradecimentos à FAPESP e ao CNPq pelo apoio finan-ceiro à pesquisa e pelas bolsas concedidas para: Fernanda Santos,Gabriela Casselato, Gustavo Massola, Márcia Amêndola, RicardoBarreto, Vera Lúcia Barbosa e Sênia Berbert, estagiários dedicados,sem os quais o presente trabalho não teria sido realizado.

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Edwiges Ferreira de MattosSilvares, doutora em Psicologia Ex-perimental pela Universidade de SãoPaulo, é professora do Departamen-to de Psicologia Clínica do Institu-to de Psicologia da Universidade deSão Paulo. Endereço para corres-pondência: Av. Prof. Lúcio MartinsRodrigues, trav.5, bl.21, CidadeUniversitária, 05508-900, São Pau-lo, SP. E-mail: [email protected].

Sobre o autor

Recebido em 13.09.99Revisado em 28.02.00Aceito em 03.04.00