inverno negro - stefano sant' anna

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Confira o primeiro capítulo da nossa grande aposta da literatura fantástica. Inverno Negro do autor Stefano Sant' Anna.

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Page 1: Inverno Negro - Stefano Sant' Anna

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Sant’Anna, StefanoInverno negro / Stefano Sant’Anna. -- São Paulo : Empíreo, 2016.ISBN 978-85-67191-19-5

1. Ficção brasileira I. Título.

16-01807 CDD-869.3

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.3

TexTo de acordo com as normas do novo acordo orTográfico da Língua PorTuguesa (decreTo LegisLaTivo nº 54, de 1995)

2016TODOS OS DIREITOS DESTA EDIÇÃO RESERVADOS À

EDITORA EMPÍREORUA CAJAÍBA, 451

VILA POMPEIA05025-000 – SÃO PAULO – SP

TELEFONE (11) 2309 2358WWW.EDITORAEMPIREO.COM.BR

[email protected]

Todos os direitos reservados.Copyright © 2016 Stefano Sant’AnnaCopyright © 2016 Editora Empíreo

EditorFilipe Nassar Larêdo

Assistente editorialBruno Godoi

Ilustrações de capa e miolo Marcus Pallas

Projeto gráfico & diagramação Project Nine

PreparaçãoMatheus Perez

Revisão Ana Claudia de Mauro

Todo livro deve ser mantido ao alcance dequalquer pessoa e em contato com os olhos.

Conservar na temperatura do seu ambiente.

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“Qual chance alguém como eu poderia algum dia ter de ser

chamado filho do rei?” – Salzband

“Portanto, para vocês, os que crêem, esta pedra é preciosa; mas

para os que não crêem, a pedra que os construtores rejeitaram

tornou-se a pedra angular” – 1 Pedro 2:7

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Para tia Cida, uma das primeiras pessoas a acreditar

declaradamente em meu potencial literário.

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Tiago Lopes

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Não consigo me lembrar muito bem do momento em que acor-dei. Nem mesmo de escovar os dentes, de me arrumar pra ir à escola; de sofrer um ataque epiléptico durante a aula... É tudo muito vago. E todas as vezes em que penso sobre o meu último dia na Terra me vem à mente a pergunta para a qual eu nunca tive a resposta:

– Você tem certeza de que é normal? – insistiu a madre superior mantendo os olhos azuis bem próximos aos meus. – Porque senão teremos que tomar mais providências e… Olha, Calça Jeans, eu não quero a minha escola envolvida num caso como o seu.

Devolvi o meu olhar mais apático para ela. Aquela freira velha mumificada... Ela não tinha o direito de zombar de mim como a maioria dos alunos fazia. Era possível sentir na pele a aversão que ela tinha a calouros, ou pelo menos era o que diziam sobre ela. E, mesmo repulsiva, a velha me encarava de perto, me mirando como se eu fosse desmaiar novamente a qualquer instante.

– Já disse que estou bem, senhora. Isso acontecia direto comigo… é bem normal.

– Normal? – retrucou ela, erguendo as sobrancelhas cheia de altivez. – Isso pra mim é uma doença. E das sérias. Nunca vi um ataque epiléptico desse nível em todo meu tempo neste colégio!

Pisquei e suspirei de forma irritada, me ajeitando melhor na

maca. Ao me mexer, logo constatei a fraqueza que me assolava.

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A luz natural da janela ao lado enchia o quartinho e expulsava

aos poucos a preguiça de dentro de mim.

– Foi só um ataque epiléptico nível alto, como a senhora

disse. E o resto vocês já sabem – então repeti as desconfortá-

veis palavras das freiras. – Aí eu comecei a gritar e depois…

me tremi no chão, fiquei com os olhos vermelhos e… enrolei a

língua… – fui repetindo sem querer acreditar.

Não me lembrava de nada daquilo. As três freiras que cui-

davam da enfermaria fizeram questão de me contar, quando eu

acordei, tim-tim por tim-tim, tudo o que se passou nos últimos

minutos; até que foram expulsas da sala pela madre superior e

coordenadora do Colégio São Martinho.

– Tá, e isso acontece sempre?... Menino, você tem rezado?

– Não é questão de rezar. Eu sofria disso quando era criança.

A propósito, fazia tempo que não acontecia... – expliquei refle-

tindo sobre aquilo. Por que motivo o ataque tinha voltado? Tinha

que ser logo agora, em plena aula? – Bom, já posso voltar pra sala?

Ela balançou a cabeça mantendo o olhar pensativo.

– Nem pensar. Você vai pra casa. Vai se cuidar. – A maca ran-

geu de leve quando ela se levantou. – Tem um bando de gente lá

fora querendo saber o que aconteceu. Se a história se multiplicar

por aí, o colégio terá que cuidar de pais insatisfeitos pedindo

que seus filhos sejam afastados dos bolsistas doentes.

Franzi o cenho, indeciso. Ficar uns dias em casa e perder

aulas me prejudicaria mais do que gastar o dia rodeado daquele

tanto de gente desinteressante que havia no colégio?

– E não me olhe com essa cara de calça jeans. Não quero saber

de escândalo, nem de pais insatisfeitos, nem de nada que man-

che a reputação do meu colégio. Você já deu muito trabalho pra

um par de dias, ouviu, Calça Jeans? Então, se me der licença…

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– Meu nome é Leonan – murmurei. Leonan... que nome ridí-

culo. Como se todos os meus problemas não bastassem. Por que

meu nome não poderia ser Leonardo? Talvez Leandro. Agora,

Leonan? Esse nome é só mais um pretexto pra todo mundo me

encher a paciência. Pior ainda era Calça Jeans. Como é que aquela

droga de apelido tinha se espalhado a ponto de ser repetido até pela

madre superior?

A freira fingiu não ouvir meus murmúrios. Apanhou a pilha

de papéis que tinha deixado sobre a mesinha e os envolveu com

os dois braços sem nem mais olhar pra mim; aquilo pareceu

peso demais para uma senhora.

Por fim, mesmo sem gostar de me enturmar, pedi pra ficar.

Era melhor na escola do que em casa.

– Eu não preciso ir me cuidar. É melhor eu voltar pra aula…

– Desapareça por uma semana, calouro. Depois você dá seu jeito

de repor a matéria. – Ela me deu uma última olhadela, inclinando

o rosto como quem dá um conselho. – Acredite, precisa descansar

e procurar um médico. Do jeito que encontramos você no chão…

bem, as crianças não vão te esquecer. Ah! Não se preocupe, sua mãe

ligou e já tá vindo. E saia pelos fundos, bem escondidinho, hein?

Dito isto, ela conseguiu abrir a porta com a ponta dos dedos e,

desengonçada por causa do peso da papelada, a bateu com os pés.

Acho que fiquei olhando para o mesmo lugar por mais de

cinco minutos depois que a madre, adoradora de veteranos, saiu.

Só podia ser brincadeira. Minha mãe vindo pro colégio? Eu

não conseguia nem me lembrar da última vez em que ela havia

se envolvido em qualquer problema meu. Certificar-se de que

eu não tivesse nenhum convívio social era o normal por parte

dela; agora, ligar pra escola e vir ao meu encontro era algo abso-

lutamente anormal.

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Problemas. Agora eu tinha vários deles, todos recém-adqui-

ridos. Para começar, as crianças que a madre havia mencionado

eram verdadeiros marmanjos. Um bando de idiotas, dessa gente

com vida fácil, sem um pingo de respeito pelos outros. Aqueles

últimos seis meses haviam sido de puro tédio no novo colégio

– desde a minha chegada ao Ensino Médio, no famoso Colégio

São Martinho. Foi o meu primeiro contato com um ensino de

qualidade, graças a uma bolsa de estudos que cobriria do pri-

meiro ano até o período vestibular. Só que junto com os profes-

sores exigentes, e com as apostilas que me preparariam para o

ingresso em alguma universidade pública, vieram uns caras que

zoavam tudo sobre mim. Zombavam do local onde eu morava,

riam da minha única calça jeans, apontavam para os meus tênis

cheios de lama e repetiam meu nome pelos cantos.

Pensando bem, essa situação não me era nova. Desde

criança, descobri que as pessoas te desprezam por não conse-

guirem te atingir. Então começam a fazer de tudo para chamar

a sua atenção, como inventar apelidos ofensivos, falar mal pelas

costas, fazer você de alvo de bolinhas de papel (às vezes com

cuspe). E quando o máximo que conseguem arrancar de você é

o silêncio, aí elas passam a te detestar ainda mais.

Essa era a minha vida no colégio e no mundo. O compor-

tamento das pessoas me desinteressava ao extremo. Eu não

conseguia entender o porquê de elas se comportarem como se

tivessem sido criadas sem cérebro. Eu nunca consegui me sentir

bem recebido. E talvez por causa disso me isolei entre barreiras

tão fortes que, na maioria das vezes, eu ficava tão imerso em

mim mesmo que alguém poderia dar piruetas na minha frente

e sequer perceberia. Eu não tinha disposição para o mundo

comum ao meu redor, mesmo sabendo que isso era ser egoísta e

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orgulhoso. Tentava ser diferente, mas não tinha muito sucesso

com socialização. Enfim, minha vida era um saco.

No Colégio São Martinho, eu não conseguia falar com quase

ninguém além dos professores e da monitora de português, o que

era bem tosco para um garoto de dezesseis anos. Ou, pensando

melhor, talvez nem tanto considerando os azuis dos olhos e o

aroma adocicado que parecia emanar dela.

Para piorar, agora eu tinha dado uma de maluco na aula, como

se estivesse sendo possuído. Eu tinha inclusive falado palavras

sem sentido, conversado com alguém aos berros enquanto agar-

rava a cabeça e me esperneava fora de controle no chão.

Esses ataques aconteciam muito quando eu era mais novo.

A diferença era que eles começavam de manhã cedo, quando

minha mãe me acordava. Eu não distinguia muito bem o que

sentia na hora da agitação, mas uma coisa eu soube: nunca tinha

sentido tanta dor de cabeça e no corpo quanto senti naquele

último ataque. Foi a primeira vez que aconteceu de forma tão

intensa e em público. Curioso era que eu nunca havia sido

examinado por um médico. Na época dos ataques constantes,

minha mãe dizia ser problema genético e nada mais.

E, naquele momento, por incrível que pareceu, eu estava

mais intrigado com o comportamento estranho da minha mãe

do que o fato de ser a chacota do dia no colégio, por isso decidi

sumir dali o mais rápido possível.

Levantei, apanhei a mochila que estava nos pés da maca,

selecionei uma das inúmeras coletâneas do Bon Jovi no meu

celular ultrapassado (que também era alvo de chacota) e enfiei

os fones no ouvido. Passei no espelho para checar se minha

cabeleira, meio cacheada meio lisa, refletia o status juba, e deixei

a enfermaria pela porta dos fundos.

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A luz do dia encheu meus olhos e me fez piscar. O cheiro de

soro e medicamentos foi trocado pelo aroma que se desprendia

do gramado adiante. A enfermaria era quase uma capela. Ficava

à parte do prédio escolar. Do lado oposto dela, um caminho pavi-

mentado cruzava o jardim até o pátio. Da extremidade onde eu

estava era possível ver o fundo da escola, o espaço mais deserto

do Colégio São Martinho, coberto pelo gramado tratado e guar-

dado por alguns vigias que controlavam o fluxo de carros pelo

portão traseiro, além de fazerem a ronda próximo aos muros.

Sim, a nova escola, além de tudo, era murada e parecia um forte.

Atravessei todo o espaço sem dar a mínima para a letra de

Livin’ On a Prayer que ressoava em meus ouvidos; não conse-

guia parar de imaginar o que as pessoas estariam comentando a

meu respeito. Talvez fossem mudar meu apelido para Epiléptico,

Maluco do Primeiro Ano ou qualquer outro nome que ressal-

tasse o meu dia mais terrível até então.

Atualmente, eu era o Calça Jeans pois só tinha uma calça

que, digamos assim, era bem mais frouxa do que o normal,

parecia um balão. Quando ela estava sendo lavada, era dia de

vestir a calça de moletom cinza. Aí trocavam meu apelido pra

algo supercriativo como Moletom Cinza.

Fui tirado dos devaneios com o som de uma moto possante

vinda da estrada que se juntou à música nos meus fones e ao

murmúrio distante dos alunos em pleno intervalo. Apertei o

passo e desci o pequeno declive debaixo do sol quente e cami-

nhei até a saída dos fundos. Assim que alcancei a cabine, onde

um dos funcionários trabalhava, junto aos portões, uma moto-

queira numa Hayabusa estacionou próxima de mim.

– Bom dia – saudei o funcionário que não despregava os

olhos de um exemplar do O Globo que apresentava a presidenta

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com uma cara apática. – A madre superior me dispensou. Estou

esperando minha mãe…

O olhar do homem reprovou minha capacidade de falar sem

descolar os fones do ouvido.

– Por acaso é aquela ali? – perguntou ele, apontando o queixo

para a motoqueira.

– Não, não – respondi achando graça. Mas, então, franzi as

sobrancelhas reconhecendo a calça e a blusa florida da mulher…

Uma motoqueira deveria estar vestida de forma adequada, não?

Esperei ela tirar o capacete e então parei de respirar, estupe-

fato. Era a minha mãe!

– Leonan, não temos muito tempo. Venha! – ela chamou,

com a voz irritada, me oferecendo o capacete.

Meus pés estavam grudados no chão, meu queixo caído.

Desde quando minha mãe sabia dirigir e… tinha uma dessas

motos gigantes de última geração?

– Algum problema, aluno? – quis saber o vigia.

O tom de voz do funcionário denotando incômodo me res-

gatou do furacão de dúvidas que tomou a minha mente. Abri a

boca, mas não consegui dizer nada.

Minha mãe desceu da moto e se encaminhou à cabine.

Apresentou os documentos que a identificavam como Lydia

Albuquerque, e, durante todo tempo, eu não conseguia parar de

olhar para ela e para a motocicleta.

O funcionário esperou que eu atravessasse o portão para

fechar a janela da cabine, cheio de agressividade.

– A educação reina nessa escola, não?… – murmurei baixi-

nho. – Lydia, não sei nem o que perguntar primeiro… Onde

foi que aprendeu a pilotar isto? – indaguei, me aproximando do

veículo.

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Ela detestava ser chamada de mãe. Nas poucas vezes em que trocávamos alguma palavra no dia eu só a chamava pelo nome. Ela enfiou a carteira com os documentos no bolso e andou para perto de mim. Depois, atravessou uma perna sobre a moto e se sentou, me oferecendo o capacete novamente.

– Coloca isso. Anda logo.– Mas de quem é essa moto?– Leonan, quer colocar isso logo?– Eu não vou andar nisso – afirmei olhando para o único

capacete. – Você vai levar uma multa se for pega andando sem proteção. Aliás… desde quando você tem carteira de motorista?

Lydia respirou fundo do jeito que eu já conhecia bem. Mas, daquela vez, ela não iria me convencer com facilidade. Eram muitas coisas sem sentido. Para começar, a gente não tinha onde cair morto. Minha mãe mal saía de casa. Nunca tinha telefonado para nenhuma escola onde eu estudei. Nosso tra-tamento um com o outro era frio e indiferente; apesar disso, depois que completei quinze anos, ela passou a confiar plena-mente em mim, mas agora nada fazia sentido.

Fiquei parado enquanto ela tornou a descer e caminhou em minha direção empurrando o capacete no meu peito.

– Você está correndo perigo, Leonan. Alguém tentou matar você hoje – explicou ela. As palavras saíram como se pudessem me golpear. A expressão dela era dura e os olhos perfuravam os meus. – Se você guardar as perguntas e vier comigo agora, talvez consigamos escapar.

Engoli em seco sem saber o que pensar. O ataque que eu tinha sofrido minutos atrás veio à minha mente. A dor que eu tinha sentido. Será que havia conexão entre uma coisa e outra?

– Para onde vamos?– Só existe um lugar seguro para você, Leonan. Nossa casa.

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