introdução aos estudos literários ii
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Introdução aos Estudos Literários II
Gênero Épico
“História”, Teoria e “Prática”
Começo de conversa –3 causos
• O tempo • A peste
• O leitor
Apresentação do Programa
• Livros Teóricos
• Obras literárias
• Percurso, temas
Teoria dos Gêneros Literários
seguindo Anatol Rosenfeld, inicialmente
PLATÃO
Platão, República, livro III
Sócrates: Acaso tudo quanto dizem os prosadores e poetas não é uma narrativa de acontecimentos passados, presentes ou futuros? ...
Porventura eles não a
executam por meio de
simples narrativa, através
da imitação, ou por meio
de ambas?
No começo da Ilíada, quando o poeta diz - “E [Crises] dirigiu súplicas a todos os Aqueus, especialmente aos dois Atridas, comandantes dos povos” – é o próprio poeta que fala e não tenta voltar o nosso
pensamento para outro lado, como se fosse outra pessoa, e não ele.
Mas depois fala como se fosse Crises e tenta o mais possível fazer-nos supor que não é Homero que fala, mas o sacerdote.
Ilíada, canto I, 17-22
• “Filhos de Atreu, e vós outros, Aquivos de grevas bem feitas, dêem-vos os deuses do Olimpo poderes de destruir as muralhas da alta cidade de Príamo, e, após, retornardes a casa. A minha filha cedei-me, aceitando resgate condigno, e a Febo Apolo, nascido de Zeus, reverentes mostrai-vos”.
Platão, República, livro III
Sócrates: Ora, tornar-se semelhante a alguém na voz e na aparência é imitar com quem queremos parecer-nos... Assim parece-me que este e outros poetas fazem a sua narrativa por meio da imitação.
Se o poeta não se ocultasse em ocasião alguma, toda a sua poesia e narrativa seria criada sem imitação.
Há, porém, o contrário disso, que é quando se tiram as palavras do poeta do meio das falas, e fica só o diálogo.
Em poesia e em prosa há uma espécie que é toda imitação, a tragédia e a comédia; outra, de narração pelo próprio poeta, os ditirambos; e outra constituída por ambas, que se usa na composição da epopéia e de muitos outros gêneros”.
• Em relação à diegesis ou narrativa, Platão distingue 3 modos, segundo a presença ou ausência de discurso direto
• Modo simples: narrativa feita em discurso indireto
• Modo imitativo: quando tudo está em discurso direto
• Modo misto: quando a narrativa dá também a palavra aos personagens. Mix direto e indireto
República, livro X
• A mímesis (imitação) dá a ilusão de que a narrativa é conduzida por um outro que não o autor, como no teatro.
• No livro X da República, Platão condena a arte mimética, pois ela é “imitação da imitação, distante dois graus daquilo que é”.
• Este tipo de arte faz passar a cópia por original. Os poetas que não praticam a diegésis simples são expulsos da República de Platão.
Mimesis como espelho
ARISTÓTELES
Aristóteles, Poética, cap. III
• ... É possível mimetizar ou pela via de narrações
...
ou pela via do conjunto das personagens que atuam e agem mimetizando
Ou seja
• Aristóteles se refere a 2 possibilidades:
à narração
&
à dramatização
Mímesis em Aristóteles
• Para Aristóteles a diegésis mais ou menos mimética não define mais a arte poética.
• Para Aristóteles texto dramático e épico não se opõem como mais ou menos miméticos, no interior da diegésis.
• A mimesis se externalisa, se torna a noção mais geral.
• Fora do modelo especular, os objetos da mímesis são as ações humanas.
• A mimesis na Tragédia e na Epopéia se refere ao mito, à história, à ação
• A ênfase está na narração, nos modos de representação, e não na descrição (que seria o caso do modelo especular)
• O que interessa no texto poético é a sua composição, sua poiésis
• Aristóteles não se refere à poesia lírica na Poética, pois lhe falta a ficção, assim como falta ficção à História de Heródoto.
• A mímese aristotélica não visaria o estudo da relação entre realidade e literatura, mas a produção da ficção poética verossímil.
verossimilhança
• Poética, cap IX
• “o papel do poeta não é dizer o que ocorreu realmente, mas o que poderia ter ocorrido na ordem o verossímil ou do necessário.
• verossímil – provável
• necessário - natural
• Verossímil tem a ver com o que é suscetível de persuadir
• “é preciso preferir o que é impossível mas verossímil, ao que é possível mas não é persuasivo (1460ª 27)”
Primeiras Teorias dos Gêneros
Platão
• 3 tipos de obras poéticas
• Imitação (tragédia, comédia)
• Simples relato (ditirambos)
• Imitação + simples relato (Homero)
Aristóteles
• 2 tipos de obras poéticas
• Épicas
• Tornando-se outro• Permanecendo em si mesmo
• Dramáticas
Arquiformas Literárias
Tradicionalmente a forma é preestabelecida
• A forma exige matéria específica
• Por exemplo:
• Outro exemplo
• “O poeta deve lembrar-se de não dar forma épica à sua tragédia. Por épico eu entendo... Um conteúdo de muitas ações, como se alguém quisesse dramatizar a matéria da Ilíada”
Poética, Aristóteles
Teoria dos Gêneros
• Épica • Lírica• Dramática
Obras Literárias e seus gêneros
• Épica
• Poema longo ou texto em prosa
• Lírica
• Poema curto
• Dramática
• Obra dialogada
Obras Literárias e seus gêneros
• Épica
• Poema longo ou texto em prosa
• Narrador apresenta personagens e seus feitos
• Lírica
• Poema curto
• Eu expressa estado de alma
• Dramática
• Obra dialogada
• Os próprios personagens atuam
Obras Literárias e seus gêneros
• Épica
• Sujeito e objeto
• Lírica
sujeito
• Dramática
• objeto
Obras Literárias e seus gêneros
• Épica
• Exemplos
• Lírica
• Exemplos
• Dramática
• Exemplos
Obras Literárias e seus gêneros
• Épica
• Epopéia
• Conto
• Novela
• Crônica
• Romance
• etc
• Lírica
• Canto: ode, hino
• elegia
• etc
• Dramática
• Tragédia
• Comédia
• Farsa
• Drama
• etc
Formas Narrativas
• Épica
• Epopéia
• Conto
• Novela
• Romance
• etc
• Dramática
• Tragédia
• Comédia
• Farsa
• Drama
• etc
Elementos da Narrativa, I
• Introdução
• Tempo e memória
• Estória e Discurso Narrativo
• Enredo
Memória e Narrativa Tempo e Narrativa
Etimologia: 2 aspectos
• Narrativa
• Sânscrito: GNA
• Conhecer/Know
• Latim:
• GNARUS
• NARRO
Estória ≠ Discurso Narrativo
• Estória (fábula, mithos)
• Evento ou sequência de eventos (ação) + entidades (personagens)
• Discurso Narrativo
• Representação dos eventos: modo como a estória é comunicada
eventos = ação das entidades
Tentativas de definir Narrativa
• Gerard Genette
• Pode-se definir narrativa sem dificuldades como sendo a representação de um evento ou de uma sequência de eventos
• H. Porter Abbott
• Narrativa é a representação de eventos, consistindo de estória e discurso narrativo
• estória é um evento ou sequência de eventos e discurso narrativo são estes eventos representados
Ênfase no Evento
• Paul Ricouer
• Considero temporalidade como sendo a estrutura da existência que a linguagem alcança na narratividade, e narratividade como a estrutura de linguagem que tem a temporalidade como sua última referência
• Miecke Bal
• É a transição de um estado para outro estado, causado ou experimentado por atores
Ênfase na transformação
Davi Arrigucci
• A narrativa é um movimento do desejo em função de um objeto esquivo. Toda narrativa é uma busca de alguém ou alguma coisa.
• Quando a narrativa se depara com um impasse tão extremado de como narrar, ela se transforma na busca de si mesma
Ênfase no movimento
Enredo 1
• Coincide com o que estamos chamando de discurso narrativo, ou seja, o rearranjo dos eventos da estória quando comunicados
Enredo 2
• Sequência teleológica de eventos ligadas por algum princípio de causalidade. Os eventos seguem uma trajetória até uma resolução ou convergência.
Enredo 3• as diversas roupagens
narrativas de uma estrutura, fabricada universal ou culturalmente
• Ex: Propp, Frye, Campbell
• Desenvolveram anatomias de tipos de enredo, os quais apresentam um numero limitado de estruturas subjacentes à variedade infinita das narrativas
O Gênero Épico
Anatol Rosenfeld
• Como não exprime o próprio estado de alma, mas narra estórias que aconteceram a outrem, [...] descreverá objetivamente as circunstâncias objetivas. A história já aconteceu – a voz é do pretérito; e aconteceu a outrem – o pronome é “ele”. Isso cria certa distância entre o narrador e o mundo narrado. Mesmo que use o pronome “eu”, narra-se estória pretérita.
Walter Benjamin
• A memória é a mais épica de todas as faculdades.
• Mnemosyne, a deusa da reminiscência, mãe das outras musas, era a musa da poesia épica.
[a palavra que narra salva o passado do silêncio e do esquecimento]
Épica
Romance Moderno
Conto Moderno
Origens
• Mitos
• Contos e Fábulas
Mito e Realidade – Mircea Eliade
2 sentidos da palavra mito
ficção ou ilusão
tradição sagrada, modelo exemplar
Definição de Mito
• Conta história sagrada
• Acontecimento ocorrido em tempo primordial
• Narra como uma realidade passou a existir: total (cosmo) ou fragamento (ilha, comportamento)
• ... como realidade passou a existir graças a entes sobrenaturais
• Narrativa de uma criação
• Narra o que realmente ocorreu
Mito
• Função do mito: revelar os modelos exemplares de todos os ritos e atividades humanas significativas
• O mito, porque sagrado, é verdadeiro, pois se refere a realidades.
• O mito cosmogônico é verdadeiro, porque o mundo e o cosmos estão aí, por ex.
Mito x Fábula ou conto
• Histórias verdadeiras
• Só podem ser recitadas durante um tempo sagrado
• Referem-se a deuses, entes sobrenaturais
• Histórias falsas
• Podem ser contadas a qualquer momento
• Referem-se a acontecimentos que não modificam a condição humana
O mito é uma questão da mais alta importância, ao passo que
os contos e fábulas não são
Mito x História
Sociedade arcaica
• Obrigada a rememorar história mítica de sua tribo
• Não só, mas as pessoas das sociedades arcaicas precisam reatualizar esta história
• Conhecer o mito é saber o segredo da origem das coisas e poder dominá-las
Sociedade moderna
• Não está obrigado a conhecer a história universal, ainda que se considere resultado dela
Grandes Mitologias do Politeísmo Euro-Asiático
• Interesse maior pelo que veio depois da Criação da terra, e pelo que veio depois da criação do ser humano
• Sobretudo há interesse sobre o que aconteceu aos deuses
Narram a Gesta dos Deuses:
Homero
Hesíodo
Bardos do Mahabharata
Contadores do Egito
Narradores Mesopotâmios
Movimento Histórico Comum
• Grécia dos pré-socráticos, Índia dos Upanishads:
• desmitificação
• Elites não acreditam mais nos mitos, mas em deuses
• Estoicos entenderam Homero alegoricamente
Hoje• O romance na sociedade
moderna tomou o lugar da recitação de mitos e contos das sociedades tradicionais e populares.
• Para Mircea Eliade ainda se pode encontrar estruturas míticas em certos romances contemporâneos.
A Escrita Profana, Northrop Frye
• Interessado em demonstrar que as convenções do
Romance
popular
não foram totalmente alteradas no curso dos séculos
• [O Romance é um gênero diferente da Epopéia, por um lado, e do Romance Realista,por outro]
• Romance é o centro estrutural de toda a ficção
• Romance se origina dos contos folclóricos, fábulas
• Se a Bíblia é a obra épica de Deus, o Romance é a obra épica da criatura
Duas Experiências Verbais
• Mítica : histórias mais importantes, estruturam a sociedade
• Fabulosa: entretenimento, cumpre necessidade imaginativa da comunidade
Duas ManifestaçõesLiterárias Gregas
• Mítica: épicos homéricos, poetas trágicos; enraizamento em determinada cultura
• Fabulosa: Comédia Nova; existência nômade
Observação 1
Diferença entre mito e fábula
é de autoridade e função social,
mas
NÃO DIFEREM EM ESTRUTURA
Observação 2
• Romance antigo é popular, status proletário
• Elemento central é história de amor, aventuras emocionantes que levam a união sexual
Romance Romanesco, exemplos
EPOPÉIA ≠ R. Romanesco
R. Rom. ≠ R. Realista
• Não mítico (FABULOSO)
• Romances naive e sentimentais
• Romance aventuresco de costumes
• Romance medieval
• etc
Surgimento do Romance (Novel)
• O romance moderno traz para o centro da literatura a experiência do cotidiano
• A ficção realista torna-se muitas vezes uma espécie de paródiado romance antigo: há tensão entre forma e conteúdo
• Ex: Jane Austen
• Personagens mais realistas e complexos, devem se amalgamar a finais tradicionais como casamentos, ainda que durante a trama a impossibilidade deste final seja a tônica
Romance Realista (Novel)
• Ação horizontal movida por causalidade: Assim...
• Personagens mais importantes que enredo
• Ro Re transforma os “e depois” em “portanto”.
Romance Antigo
• Episódios descontínuos: E depois...
• Acontecimentos mais importantes que personagens
Quando nascem os contos, 2º Mircea Eliade• Mais fácil localizar as sagas e epopéias historicamente do que os
contos. Sagas derivam de mitos ligados a uma cultura específica, contos misturam vários estilos culturais
• Os contos dizem de um mundo mais simples, de uma vida que ainda não foi sentida como catastrófica, e talvez por isso tenham nascido na era de Homero, quando os homens começavam a afastar-se dos deuses sem ainda cair nas religiões dos mistérios.
Conto Maravilhoso
• Mircea Eliade considera difícil datar a passagem do conto antigo para a simples história maravilhosa.
• Para Walter Benjamin o verdadeiro narrador é o narrador de contos de fadas
Nadia Battella Gotlib
• As personagens do conto maravilhoso não são determinadas historicamente.
• CM narra como as coisas deveriam acontecer, satisfazendo uma expectativa do leitor e contradizendo o universo real
• Formas simples. Permanece no tempo, pode ser contada por qualquer um sem perder sua forma
• Ética do acontecimento, e não da ação (baseada nos personagens)
Conto Maravilhoso
Estruturalismo
• Vladmir Propp: analisou os elementos básicos estruturais do conto maravilhoso russo para identificar unidades estruturais irredutíveis
Psicologia
• Freud, Jung - Bettelheim, vonFranz, Campbell
• O conto repetiria em outro plano e por outros meio, o enredo iniciatório exemplar das sociedades arcaicas, prolongando a iniciação em um nível imaginário.
• Mensagem, transformação
Vladimir Propp
• estruturalista
• buscou estabelecer uma gramática da literatura
• ou seja: regras que sustentam a prática literária
• a sintaxe (regras de construção de
sentenças) é o modelo das regras narrativas
• divisão sintática:
sujeito/predicado
exemplo:
“Ele (sujeito) depõe a valise e vai pegar uma maçã (predicado)”
se substituimos Ele por Silvia e valise por caixa, a estrutura da oração é a mesma
foi esta analogia entre oração e narrativa que Propp usou em “Morfologia do Conto”, no qual desenvolveu sua teoria dos contos populares russos
A ABORDAGEM DE PROPP
PODE SER ENTENDIDA
QUANDO SUBSTITUÍMOS
O SUJEITO DA ORAÇÃO PELOS
PERSONAGENS (O HERÓI, O VILÃO)
E O PREDICADO PELAS AÇÕES
Os contos russos seriam construídos como o conjunto de 31 funções – ou unidades narrativas mínimas
1. ausência
2. proibição
3. proibição é violada
4. o agressor tenta conseguir um esclarecimento
5. o agressor recebe uma informação
6. o agressor procura enganar a vítima com a mentira
7. a vítima deixa-se enganar
8. a falta do agressor
9. a falta é divulgada e o herói fica sabendo
10. o herói consente em agir
11. início da ação na qual o herói parte
12. primeira função de um doador
13. reação do herói
14. um objeto mágico é dado ao herói
15. o herói se desloca e se aproxima do objeto da busca
16 o herói e o agressor se enfrentam
17. o herói se distingue no combate
18. o agressor é vencido
19. a má ação inicial é reparada
20. volta do herói
21. o herói é perseguido
22. o herói é socorrido
23. o herói chega incógnito
24. um falso herói se apresenta
25. é dada ao herói uma tarefa difícil
26. o herói cumpre a tarefa
27. o herói é reconhecido
28. o falso herói é desmascarado
29. o herói tem nova aparência
30. o falso herói é punido
31. o herói casa e ascende ao trono
EXEMPLO
• ao final da Odisséia, aplicam-se as funções 20-31: volta de Ulisses a sua casa incógnito; encontro com os pretendentes de Penélope; competição com o arco e flecha; desfecho vitorioso; morte dos príncipes; reencontro do casal.
as funções de Propp podem ser aplicadas em outros fenômenos literários, além dos contos populares russos.
Propp acrescenta ainda7 esferas de ação ou papéis
às 31 funções:
vilãodoador
ajudanteobjeto da procura
mandatárioherói
falso herói
O CONTO TRADICIONAL• Conto antigo, exemplos
• Papiro de Westcar• Bíblia• Heródoto• Parábolas (FILHO PRODIGO)
• Decameron• As mil e uma noites• Novelas Exemplares
• CONTO FILOSÓFICO
• Perrault• La Fontaine• Grimms• Andersen
Papiro de Westcar – sec XVI a.C.
CONTOS 4500 anos