introdução práticas à apresentação expositiva de o · tablets em atividades práticas na sala...

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8 Física na Escola, v. 14, n. 1, 2016 Mecânica com o acelerômetro de smartphones e tablets Introdução O s smartphones e tablets são computadores extremamente portáteis com aplicações que vão muito além da comunicação telefônica ou acesso à internet. Por exemplo, esses dispositivos podem ser muito úteis ao ensino de física, por trazerem de fábrica uma variedade de sensores que medem grandezas físicas de interesse: acelerô- metro (mede aceleração), giroscópio (mede velocidade angular), magnetômetro (cam- po magnético), luxí- metro (intensidade luminosa), barôme- tro (pressão atmos- férica), higrômetro (umidade do ar), GPS (posição) e sensor de proximidade, além dos facilmente reconhecíveis microfone e câmera fotográfica e de vídeo. Todos esses sensores têm programas que leem as medidas efetuadas, mostram o resultado na forma de gráficos e arma- zenam os dados coletados em aquivos. Se necessário, os arquivos de dados podem ser enviados por e-mail (ou forma equi- valente) a um computador maior para posterior análise. Muitos desses progra- mas são gratuitos e podem ser obtidos facilmente via internet. A diversidade de sensores encontrados nos smartphones e tablets torna possível realizar um grande número de experimen- tos e observações sem a utilização de apa- relhos de medida dispendiosos e difíceis de encontrar em uma escola. Mais ainda, a portabilidade dos aparelhos facilita a montagem de experimentos em salas de aula regulares, dispensando em muitos casos o deslocamento dos alunos a um laboratório (que pode nem existir na escola). A realização de experimentos em sala de aula permite associar atividades Descrevemos experimentos de mecânica baseados no acelerômetro encontrado em tab- lets e smartphones . Os experimentos são apropriados a cursos introdutórios de física, em particular (mas não exclusivamente) do Ensino Médio. Leonardo P. Vieira Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Itaguaí, RJ, Brasil E-mail: [email protected] Carlos Eduardo Aguiar Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: [email protected] práticas à apresentação expositiva de conceitos físicos, auxiliando o aluno a compreender melhor aquilo que ele está estudando naquele momento. Para os docentes que acreditam que a experiência prática de observar e intervir no mundo é essencial à construção do conhecimento - “é agindo sobre o mundo que nossas ideias sobre ele se desenvolvem” [1] - o uso de smartphones e tablets em experi- mentos em sala de aula pode vir a ser muito útil. Em um dos poucos estudos sobre como estudantes respondem à introdu- ção desses aparelhos em atividades escola- res, Van Dusen e Otero observaram que “ao facilitar a coleta de da- dos, análise e colabo- ração, os tablets per- mitiram que os estu- dantes tirassem suas próprias conclusões baseados em evidências, ao invés de depender do livro ou professor para chegar a soluções” e que “ao contrário de anos anteriores, os alunos começaram a ir regularmente à sala de aula fora do horá- rio de classe para trabalhar em projetos de física” [2]. A facilidade de uso dos smartphones e tablets em atividades práticas na sala de aula é reforçada pela possibilidade de apresentação gráfica em tempo real dos resultados das medidas, uma caracterís- tica da maioria dos programas de leitura dos sensores. Isso torna mais simples avaliar rapidamente o que está sendo obti- do num experimento, mostrando, por exemplo, que novas tomadas de dados devem ser realizadas ou que ajustes são necessários para melhorar a qualidade dos resultados. Ainda mais importante, ao ganhar acesso imediato a gráficos e análises estatísticas os estudantes podem avaliar melhor o significado e implicações dos resultados experimentais, comparan- A diversidade de sensores encontrados nos smartphones e tablets torna possível realizar um grande número de experi- mentos e observações sem a utilização de aparelhos de medida dispendiosos e difíceis de encontrar em uma escola

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8 Física na Escola, v. 14, n. 1, 2016Mecânica com o acelerômetro de smartphones e tablets

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Introdução

Os smartphones e tablets sãocomputadores extremamenteportáteis com aplicações que vão

muito além da comunicação telefônica ouacesso à internet. Por exemplo, essesdispositivos podem ser muito úteis aoensino de física, por trazerem de fábricauma variedade de sensores que medemgrandezas físicas de interesse: acelerô-metro (mede aceleração), giroscópio (medevelocidade angular),magnetômetro (cam-po magnético), luxí-metro (intensidadeluminosa), barôme-tro (pressão atmos-férica), higrômetro(umidade do ar), GPS(posição) e sensor deproximidade, alémdos facilmente reconhecíveis microfone ecâmera fotográfica e de vídeo.

Todos esses sensores têm programasque leem as medidas efetuadas, mostramo resultado na forma de gráficos e arma-zenam os dados coletados em aquivos. Senecessário, os arquivos de dados podemser enviados por e-mail (ou forma equi-valente) a um computador maior paraposterior análise. Muitos desses progra-mas são gratuitos e podem ser obtidosfacilmente via internet.

A diversidade de sensores encontradosnos smartphones e tablets torna possívelrealizar um grande número de experimen-tos e observações sem a utilização de apa-relhos de medida dispendiosos e difíceisde encontrar em uma escola. Mais ainda,a portabilidade dos aparelhos facilita amontagem de experimentos em salas deaula regulares, dispensando em muitoscasos o deslocamento dos alunos a umlaboratório (que pode nem existir naescola). A realização de experimentos emsala de aula permite associar atividades

Descrevemos experimentos de mecânicabaseados no acelerômetro encontrado em tab-lets e smartphones. Os experimentos sãoapropriados a cursos introdutórios de física,em particular (mas não exclusivamente) doEnsino Médio.

Leonardo P. VieiraCentro Federal de EducaçãoTecnológica Celso Suckow da Fonseca,Itaguaí, RJ, BrasilE-mail: [email protected]

Carlos Eduardo AguiarInstituto de Física, UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, Rio deJaneiro, RJ, BrasilE-mail: [email protected]

práticas à apresentação expositiva deconceitos físicos, auxiliando o aluno acompreender melhor aquilo que ele estáestudando naquele momento. Para osdocentes que acreditam que a experiênciaprática de observar e intervir no mundoé essencial à construção do conhecimento- “é agindo sobre o mundo que nossasideias sobre ele se desenvolvem” [1] - ouso de smartphones e tablets em experi-mentos em sala de aula pode vir a sermuito útil. Em um dos poucos estudos

sobre como estudantesrespondem à introdu-ção desses aparelhosem atividades escola-res, Van Dusen e Oteroobservaram que “aofacilitar a coleta de da-dos, análise e colabo-ração, os tablets per-mitiram que os estu-

dantes tirassem suas próprias conclusõesbaseados em evidências, ao invés dedepender do livro ou professor para chegara soluções” e que “ao contrário de anosanteriores, os alunos começaram a irregularmente à sala de aula fora do horá-rio de classe para trabalhar em projetosde física” [2].

A facilidade de uso dos smartphones etablets em atividades práticas na sala deaula é reforçada pela possibilidade deapresentação gráfica em tempo real dosresultados das medidas, uma caracterís-tica da maioria dos programas de leiturados sensores. Isso torna mais simplesavaliar rapidamente o que está sendo obti-do num experimento, mostrando, porexemplo, que novas tomadas de dadosdevem ser realizadas ou que ajustes sãonecessários para melhorar a qualidade dosresultados. Ainda mais importante, aoganhar acesso imediato a gráficos eanálises estatísticas os estudantes podemavaliar melhor o significado e implicaçõesdos resultados experimentais, comparan-

A diversidade de sensoresencontrados nos smartphones etablets torna possível realizarum grande número de experi-mentos e observações sem autilização de aparelhos de

medida dispendiosos e difíceisde encontrar em uma escola

9Física na Escola, v. 14, n. 1, 2016 Mecânica com o acelerômetro de smartphones e tablets

do-os com suas expectativas ou previsões.Dúvidas e questões levantadas duranteesse processo podem, inclusive, levar àrealização de novos experimentos queestendam a investigação original.

Os tablets e smartphones são atraentescomo instrumentos de laboratório pormotivos que vão além de sua utilidade co-mo ferramenta de medida. Esses aparelhossão bastante difundidos entre os jovensna idade escolar, sendo muito utilizadosem sala de aula, geralmente de formaimprópria e clandestina (troca de mensa-gens, redes sociais, etc.), gerando frequen-tes problemas disciplinares e levando algu-mas escolas a proibir seu uso. Eles fazemparte da vida e cultura dos estudantes, queestão acostumados a utilizá-los e encaramcom interesse novas possibilidades de apli-cação. O uso de um aparelho que faz partedo cotidiano fornece aos alunos uma refe-rência familiar, capaz de mediar sua par-ticipação em experimentos didáticos. Essamediação facilita não apenas a realizaçãodas atividades propostas pelo professor;ela também favorece o desenvolvimentode novas ações investigativas por partedos alunos, como a proposta de experi-mentos que estendam a atividade práticaoriginal. Nada impede que essas açõessejam, inclusive, realizadas fora da salade aula ou da escola. Como boa parte dosestudantes carrega um smartphone em seubolso, eles podem utilizar os recursos doaparelho para analisar fenômenos do seudia-a-dia, estabelecendo a relação essencialentre a física estudada na sala de aula e aexperiência cotidiana.

Neste artigo apresentaremos experi-mentos de mecânica baseados no acelerô-metro encontrado nos tablets e smart-phones e relataremos atividades práticasrealizadas em sala de aula, descrevendoem alguns casos a reação dos alunos. Umadiscussão mais extensa, incluindo exem-plos da utilização de outros sensores, podeser encontrada na Ref. [3].

Mecânica com o acelerômetro

A maioria dos tablets e smartphonestem um acelerômetro, utilizado paraorganizar as telas desses dispositivos,mantendo textos e figuras orientados aolongo da direção de leitura mais confor-tável ao usuário.

O típico acelerômetro de um tablet ousmartphone é capaz de medir aceleraçõesno intervalo ±2 g (g é a aceleração da gra-vidade), em relação a um referencialinercial. A resolução pode chegar a0,002 g, mas na prática é frequentementelimitada pelo ruido gerado por vibraçõesmecânicas do aparelho. O acelerômetro éum sistema eletromecânico baseado em

minúsculos capacitores cujas placas têmuma certa elasticidade, o que faz com quea distância entre elas varie quando odispositivo sofre uma aceleração. Issoaltera as capacitâncias, que uma vezmedidas permitem a inferência da acele-ração. Diferentes conjuntos de capacitoressão dispostos de maneira a determinar aaceleração em três eixos distintos (X, Y eZ). Na maioria dos dispositivos os eixosestão dispostos como na Fig. 1.

Há muitos programas que registramas medidas do acelerômetro (as três com-ponentes da aceleração) como função dotempo, apresentando o resultado em tem-po real na forma de gráficos e armaze-nando os valores numéricos em tabelasque podem ser enviadas para outroscomputadores. Exemplos de programasgratuitos para os sistemas Android e iOSestão nas Refs. [4, 5].

Na verdade, o acelerômetro não medepropriamente a aceleração aaaaa, mas agrandeza

aaaaa’ = ggggg - aaaaa,

onde ggggg é o vetor aceleração da gravidade.Por exemplo, o acelerômetro de umsmartphone colocado sobre uma mesacom a tela para cima indicará a’x = a’y = 0e a’z = -9,8 m/s2. Em queda livre (semrotação) ele registraráa ’ x = a ’ y = a ’ z = 0.Em alguns progra-mas é possível “zerar”o acelerômetro, sub-traindo das medidas ovalor de aaaaa’ registradono momento da cali-bração, a qual, supos-tamente, ocorre numinstante em que aaaaa =0.Isso fará com que umaparelho em repouso (num referencialinercial) indique aceleração nula. Éimportante notar que essa calibração éfeita componente a componente e, por-

tanto, só será útil se o aparelho não sofrerrotações.

Queda livre

O experimento mais simples que podeser feito com o acelerômetro é, provavel-mente, a “queda livre”. Para realizá-lo emsala de aula basta subir em uma cadeira,iniciar a gravação dos dados do acelerô-metro e deixar o tablet/smartphone cair,não sem antes pedir que um par de alunosestique um pano para aparar o dispositivosem danificá-lo. A Fig. 2 mostra a acele-

ração medida em umdesses experimentos.Note que o resultadoé apresentado em uni-dades de g. Pode-se verque a aceleração dotablet/smartphonemanteve-se constantee igual a g durante aqueda. A “calibração”disponível no progra-ma foi usada; sem ela,

como já mencionamos, encontraríamosaceleração zero durante a queda livre.

O experimento põe a teste, de maneiraparticularmente simples, uma das ideias

Figura 1. Orientação dos eixos quedefinem as componentes da aceleração deum tablet ou smartphone típico.

Figura 2. Aceleração em função do tempo no experimento de queda livre.

Os tablets e smartphones sãoatraentes como instrumentos de

laboratório por motivos quevão além de sua utilidade como

ferramenta de medida, poiseles fazem parte da vida ecultura dos estudantes, que

estão acostumados a utilizá-lose encaram com interesse novas

possibilidades de aplicação

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mais discutidas no Ensino Médio, a de quecorpos em queda livre têm aceleraçãoconstante. Apesar da importância dessetema e do tempo dedicado a ele nos cursosintrodutórios de física, poucos experimen-tos sobre a queda livre costumam ser rea-lizados em sala de aula.

O experimento foi realizado pelos alu-nos de uma turma do segundo ano doEnsino Médio, que no momento estuda-vam cinemática. O gráfico mostrado naFig. 2 foi obtido por um dos grupos quefizeram o experimento. Após fazer asmedidas os alunos responderam a ques-tões como:

(i) Quanto tempo o tablet/smartphoneficou no ar?

(ii) A aceleração do dispositivo per-maneceu constante durante todo a queda?

(iii) Se deixarmos cair um tablet e umsmartphone, qual registrará maior valorpara a aceleração?

A última pergunta é uma releitura daquestão clássica conhecida por todos osprofessores de física, e o resultado encon-trado após o experimento não foi muitodiferente do esperado. Dos 38 alunos daturma, 29 responderam que o tablet teriaque registrar maior aceleração. A justifi-cativa dada pelos alunos para essa respos-ta foi que o tablet é mais pesado que osmartphone. Com um experimento reali-zado logo em seguida foi possível observarem sala de aula que dois corpos de massasbem distintas - o tablet com 600 g e osmartphone com 100 g - caem com igualaceleração. Resultados experimentaiscomo esse são importantes como estraté-gia de convencimento dos alunos, quemuitas vezes interpretam impressõespuramente visuais de acordo com suasconcepções prévias, afirmando notar queo corpo mais pesado alcança o solo antesdo mais leve mesmo quando isso nãoocorre. Entretanto, como veremos mais àfrente, nem mesmo uma confirmaçãoexperimental consegue convencer a maiorpare alunos, mostrando que a descons-trução de um conceito arraigado levatempo e exige múltiplas intervenções denaturezas distintas.

O paraquedas

Um desenvolvimento natural doexperimento de queda livre é o estudo dosefeitos de resistência do ar e o conceito develocidade limite.

Para tanto, pedimos que os alunosdescrevessem em um texto como seria aaceleração sentida por um paraquedistadesde o salto do avião até a estabilizaçãoda velocidade com o paraquedas aberto.Dos 38 alunos da turma, 34 fizeram otrabalho e todos, sem exceção, disseram

que o paraquedista sentiria 9,8 m/s2 atéabrir o paraquedas. Desses 34, 19 disse-ram que após essa ação a aceleração dimi-nuiria até se estabilizar. Alguns alunosesboçaram gráficos de como seria a acele-ração em função do tempo; um exemploestá mostrado na Fig. 3.

Para por a teste a perspectiva apre-sentada pelos alunos, prendemos umpequeno paraquedas ao smartphone(Fig. 4), fomos até a uma janela do 2° an-dar da escola e deixamos o smartphone cair.O paraquedas estava inicialmente fechadoe se abriu inflado pela passagem do ar. Aaceleração medida pelo acelerômetro estámostrada na Fig. 5.

As regiões a, b e c no gráfico da Fig. 5representam, respectivamente, o aparatoantes de ser solto (seguro pelo professor àjanela), o período em que o paraquedasestá se abrindo e, finalmente, o paraque-das totalmente aberto.

Note que nessa ultima região temosuma aceleração negativa, o que indica quea força resultante está para cima, freandoo conjunto. Isso mostra que quando oparaquedas se abre o smartphone está auma velocidade maior que a limite, e por-tanto a resistência do ar será maior que aforça peso, diminuindo a velocidade doconjunto até que ambas as forças se

igualem gerando uma situação de equilí-brio. A grande aceleração para cima (ne-gativa) que surge quando o paraquedasse abre completamente é bem conhecidados paraquedistas, que a chamam de tran-co. O plateau em -1g visto na região c dográfico da Fig. 5 reflete a limitação doacelerômetro ao intervalo ±2g . Ao “ze-rarmos” o sensor somamos g à aceleraçãomedida, o que produz um intervalo de lei-tura de -g a 3g.

É importante ressaltar como o resul-tado do experimento confronta a ideiaoriginal da maioria dos alunos de quenuma queda a aceleração aponta semprepara baixo (ver a Fig. 3, por exemplo).Outro aspecto importante do experimentoé que ele foge ao escopo tradicional do En-sino Médio, onde apenas situações envol-vendo aceleração constante costumam sertratadas. Os alunos, de maneira geral,relataram que gostaram muito dessaatividade; frases como “eu nem imaginavaque poderia fazer tanta coisa com meucelular...” foram ouvidas.

O iCar

Muitos experimentos interessantespodem ser realizados colocando-se o tab-let/smartphone sobre um carrinho.Construímos esse carrinho prendendoquatro rodas de skate sob uma plataforma

Figura 3. Esboço de um aluno do segundoano do Ensino Médio, sobre como deveriaser a aceleração de um paraquedista desdeo salto até depois da abertura do para-quedas.

Figura 4. O smartphone acoplado a umparaquedas caseiro.

Figura 5. A aceleração em função do tempo do smartphone em queda com paraquedas.

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desenhada para receber e proteger um tab-let. O resultado da montagem foi chama-do de iCar pelos alunos e está mostradona Fig. 6.

Como primeira aplicação do iCarestudamos um simples empurrão sobreo carrinho, em uma turma do segundoano do Ensino Médio. O tablet estavaconectado por wifi a um computador demesa, que por sua vez estava ligado a umdatashow. Com isso a tela do tablet eraprojetada no quadro, de modo que osalunos podiam ver e analisar o gráfico daaceleração do iCar. O resultado de umadessas medidas está na Fig. 7, que mostraa aceleração durante o empurrão que pôso carrinho em movimento (região a dográfico) e o deslocamento posterior (regiãob). Após um tempo o iCar foi freado (pelopé de um aluno); essa desaceleraçãocorresponde à região c.

Foi discutido com os alunos o porquê

da aceleração do iCar durante o empurrãoter sinal oposto à aceleração na frenagem.A relação entre a variação da velocidade ea área sob o gráfico da aceleração tambémfoi discutida, e o fato das áreas das regiõesa e c serem aproximadamente iguais (amenos do sinal) foi associado ao carrinhoestar em repouso no início e final do movi-mento.

Para fazer uma experiência como essanão é necessário montar um carrinho“sofisticado” como o iCar. A mesma ideiapode ser implementada com o skate de umaluno, por exemplo, ao qual o tablet épreso com uma fita adesiva.

F = m a

Qualitativamente, a segunda lei deNewton diz que forças causam acelerações(e não velocidades, como pensava Aristó-teles). Isso foi observado no experimentoda seção anterior, em que o iCar era acele-

rado por “empurrões”. Mas como mostrarque a relação quantitativa entre força eaceleração é linear? Fizemos isso comauxílio de um dinamômetro de mola, como qual estudamos a aceleração impelidaao iCar por uma força dada. O experimen-to é muito simples e está esquematizadona Fig. 8: fixamos uma das extremidadesdo dinamômetro na mesa do professor ea outra no iCar, distendemos o dinamô-metro até atingir determinado valor daforça e em seguida soltamos o carro,registrando a aceleração com o acelerô-metro.

Repetindo esse procedimento paravários valores distintos da força, obtive-mos gráficos da aceleração em função dotempo como os mostrados na Fig. 9.Como era de se esperar, em cada casotemos uma aceleração que varia com otempo, pois a força exercida pelo dinamô-metro diminui à medida que sua molavolta à posição de equilíbrio. A aceleraçãoinicial do carrinho, relacionada à forçaregistrada pelo dinamômetro, é dadaaproximadamente pelo valor máximo daaceleração em cada curva. O resultadodessas medidas - força vs. aceleração má-xima - está mostrado na Fig. 10. Os pon-tos são os resultados das medidas e a linharepresenta o ajuste de uma reta a essesdados. A qualidade do ajuste mostra quea força é linearmente proporcional à ace-leração. Mais ainda, o coeficiente angularda reta ajustada é 1,63 kg, muito seme-lhante à massa do conjunto iCar+smart-phone, que era de 1,54 kg (uma diferençade 5,8%).

Após realizar o experimento e encon-trar a relação entre a força e a aceleração,foi perguntado aos alunos o que ocorreriase mudássemos a massa do conjunto,acelerando-o sempre com a mesma forçainicial? A maioria dos alunos afirmou quea aceleração deveria diminuir com o au-mento da massa. Alguns estudantesfizeram esboços de gráficos para auxiliá-los na resposta. Um desses gráficos podeser visto na Fig. 11, tendo o autor sugeridoque o experimento ficaria mais completose também alterássemos a massa, umaproposta interessante já que vários dosgráficos apresentados pelos alunosdescreviam uma diminuição linear daaceleração com a massa.

O iCar no plano inclinado

O plano inclinado é um dos temasprediletos no ensino de mecânica. Geral-mente ele é abordado de maneira pura-mente teórica (e chata, segundo muitosalunos), sem apoio de experimentosquantitativos. Com o iCar - ou qualquercarrinho capaz de carregar um tablet ou

Mecânica com o acelerômetro de smartphones e tablets

Figura 6. O iCar, carrinho de brinquedo que transporta um tablet.

Figura 7. Aceleração durante o empurrão (a), deslocamento (b) e frenagem (c) do iCar.

Figura 8. O iCar preso a um dinamômetro.

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smartphone - é possível realizar experi-mentos sobre o movimento em planosinclinados, colocando os resultados teó-ricos a teste.

Os experimentos foram realizados emsala de aula e o plano inclinado foi cons-truído apoiando a mesa do professor sobreuma cadeira, como esquematizado naFig. 12.

O ângulo de inclinação φ foi determi-nado com o próprio acelerômetro, umavez que vários programas de leitura dessesensor são capazes de indicar a inclinação

Mecânica com o acelerômetro de smartphones e tablets

do aparelho em relação à direção vertical,funcionando como medidores de “nível”.

Após inclinar a mesa, o iCar foi colo-cado sobre ela e seguro por um obstáculo.A tela do tablet foi projetada por umdatashow, via wifi e um segundo compu-tador. A inclinação foi medida com o pro-grama de “nível”, resultando em φ = 14,5°.

Foi então pedido aos alunos quecalculassem a aceleração com que ocarrinho desceria esse plano inclinado,fazendo um diagrama de forças e aplican-do a segunda lei de Newton. Muitos alu-

Figura 9. Acelerações impelidas ao iCar por diferentes forças.

Figura 10. Força registrada no dinamômetro em função da aceleração máxima docarrinho. Os pontos são as medidas efetuadas e a linha é um ajuste linear aos dados.

nos disseram que não seriam capazes derealizar a tarefa por não saberem o valorda força de atrito. Pedimos a eles que des-considerassem o atrito, dizendo que maisà frente seríamos capazes de verificar seessa hipótese fora razoável. Na lousa dasala de aula estavam escritos o ângulomedido, a massa do conjunto iCar + tab-let, a aceleração da gravidade e o compri-mento do tampo da mesa. Boa parte dosalunos chegou ao resultado esperado, ouseja, que desprezando o atrito a aceleraçãodo carrinho seria

a = g sen(14.5°) = 2,4 m/s2.

O passo seguinte foi realizar o expe-rimento. Retiramos o obstáculo que se-gurava o carro e medimos a aceleraçãodo movimento. O resultado encontradoestá na Fig. 13. Do gráfico vemos que ace-leração do iCar foi de aproximadamente2,3 m/s2. O valor calculado (2,4 m/s2)está muito próximo do medido; a pequenadiscrepância provavelmente deve-se aefeitos desprezados no cálculo (atrito, mo-mento de inércia das rodas, etc.)

É interessante notar que a grandemaioria dos alunos utilizou o valor damassa do carrinho em seus cálculos daaceleração, sem perceber que isso era des-necessário. Até os que erraram o cálculo(em geral por não dominarem decompo-sição de vetores) incluíram o valor damassa em suas considerações. Então, apóso término do experimento, fizemos aseguinte pergunta: “Se aumentarmos amassa carregada pelo iCar e o deixarmosdescer o plano inclinado, o que ocorrerácom a aceleração?”. As alternativas eram:

(i) A aceleração diminui.(ii) A aceleração mantém-se a mesma.(iii) A aceleração aumenta.Dos 32 alunos participantes, apenas

9 escolheram a alternativa correta (ii). Aalternativa (iii), que reflete a noção usualde que “o mais pesado desce mais rápido”,foi a escolhida por 18 alunos, mais dametade do total. A opção (i) foi escolhidapor 7 alunos. Assim, constatamos que

Figura 11. Gráfico de aceleração pormassa, esboçado por um aluno dosegundo ano do Ensino Médio. Figura 12. O plano inclinado com o iCar.

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apesar de terem discutido a queda livrecorpos de massas diferentes em um expe-rimento anterior, os alunos não foramcapazes de fazer a conexão entre um expe-rimento e outro. Dos 9 alunos que respon-deram corretamente, 4 o fizeram por quedecidiram fazer as contas com a massadiferente e perceberam que ela não eranecessária; os demais não deram umajustificativa plausível para suas escolhas.

Ainda em sala de aula, realizamos umavariação simples e instrutiva do expe-rimento: empurramos o iCar ladeira aci-ma e o aparamos de volta (ver a Fig. 14).

Essa versão do experimento permitea releitura de uma questão clássica, querevela quão grandes são as dificuldadesenfrentadas pelos alunos na aprendizagemde mecânica. A questão é: quando joga-mos uma bolinha para cima, o que acon-tece com a sua aceleração no ponto maisalto da trajetória? É bem sabido pelos pro-fessores de cursos introdutórios de física(e confirmado pela literatura, verRefs. [6,7], por exemplo) que grande partedos alunos diz que a aceleração do corpoé zero no alto da trajetória. Concepçõesintuitivas e um entendimento precário de

conceitos de cinemática e da segunda leide Newton levam esses alunos a nãoadmitir que um corpo com velocidade zeropossa ter aceleração não nula.

Após realizar o experimento como

Figura 13. Aceleração do iCar deslisando sobre a mesa inclinada.

Figura 14. Subida e descida do iCar em uma mesa inclinada.

esquematizado na Fig. 14 pedimos que osalunos se dividissem em grupos e discu-tissem o movimento a partir do gráficoda aceleração gerado na tela do tablet, visí-vel a todos via o datashow (Fig. 15). Noteque o gráfico também mostrava a veloci-dade e a posição do carrinho, calculadaspelo programa de leitura do acelerômetro[5]. Apenas uma pergunta foi feita: o queacontece com a aceleração do iCar quandoele está no ponto máximo de sua trajetó-ria? Sem exceção, todos os grupos respon-deram que a aceleração caía a zero! Issotendo à sua frente um gráfico que diziaoutra coisa! Em seguida os alunos foramsolicitados a apontar no gráfico (quecontinuava projetado à vista de todos) oinstante de tempo em que o valor a acele-ração assumia o valor zero. Os alunos res-ponderam que não havia esse instante.Perguntados sobre por que, então, haviamafirmado que a aceleração era zero quandoo carrinho chegava no ponto mais alto,os alunos disseram, em grande maioria,que “isso era óbvio e que não precisavamdo gráfico para responder à questão”.

Conclusões

A experimentação tem papel funda-mental no processo de ensino e aprendi-zagem da física. Sua importância vaimuito além daquela sugerida por um cer-to empirismo ingênuo, mas muito difun-dido, segundo o qual a fonte de todoconhecimento científico seria a observaçãoda natureza [8]. Na aprendizagem dafísica o experimento atua como mediadoressencial entre o mundo real e as ideias econceitos que os alunos tentam construir(ou substituir) em seus estudos.

Nos exemplos mostrados neste traba-

Figura 15. Aceleração, velocidade e posição do iCar durante a subida e descida em umamesa inclinada. A velocidade e posição são calculadas a partir da aceleração pelo programade leitura do acelerômetro [5].

Mecânica com o acelerômetro de smartphones e tablets

14 Física na Escola, v. 14, n. 1, 2016

Referências

[1] R. Millar, The Role of Practical Work in the Teaching and Learning of Science. Committee on High School Science Laboratories: Role and Vision (NationalAcademy of Sciences, Washington, 2004).

[2] B. Van Dusen and V. Otero, in: 2012 Physics Education Research Conference, editado por P.V. Engelhardt, A.D. Churukian e N.S. Rebello (AIPPublishing, Melville, 2013), p. 410-413.

[3] L.P. Vieira, Experimentos de Física com Tablets e Smartphones. Dissertação de Mestrado Profissional em Ensino de Física, Universidade Federal do Riode Janeiro (2013).

[4] Physics Toolbox Accelerometer (para Android), Vieyra Software, disponível em https://play.google.com.[5] Mobile Science - Acceleration (para iOS), Indiana University, disponível em https://itunes.apple.com.[6] D.E. Trowbridge e L.C. McDermott, American Journal of Physics 49, 242 (1981).[7] A.B. Arons, Teaching Introductory Physics (Wiley, Nova Iorque, 1997).[8] A.T. Borges, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 19, 291 (2002).

lho, vimos que tablets e smartphonespodem viabilizar o desenvolvimento deexperimentos didáticos em que a coleta eapresentação dos dados é realizada comextrema rapidez e simplicidade, abrindoespaço para a discussão e interpretaçãoimediatas dos resultados encontrados efacilitando a integração de atividade prá-ticas a aulas que de outro modo seriampuramente expositivas.

Todos os experimentos que apresen-tamos foram baseados no acelerômetro.

É interessante notar que, embora sejauma grandeza fundamental para oestudo da mecânica, a aceleração rara-mente é medida diretamente em labo-ratórios didáticos convencionais, poisacelerômetros costumam ser sensorescaros e difíceis de operar. Como vimos,essa situação mudou radicalmente como surgimento dos tablets e smartphones,e é razoável prever que algo semelhantedeverá ocorrer com outros sensores des-ses aparelhos.

Finalmente, deve ser ressaltado queas atividades que descrevemos tiveramresultados muito promissores no que dizrespeito ao engajamento dos estudantesàs práticas realizadas e às discussões queas acompanharam. Se bem explorada, apossibilidade do aluno utilizar seu próprioaparelho celular na investigação defenômenos físicos abre muitas possibili-dades de atuação, inclusive fora da escola,aproximando situações cotidianas aos te-mas abordados em sala de aula.

Mecânica com o acelerômetro de smartphones e tablets

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Autores: Marcel Novaes e Nelson StudartInstituição: Universidade Federal de Uberlândia e Universidade Federal

do ABC PaulistaO livro é destinado a docentes professores de física do Ensino Médio, em

especial, aqueles alunos do Mestrado Profissional de Ensino de Física (MNPEF)com vistas à aprendizagem de conteúdos específicos e atualização deconhecimentos de física contemporânea. A obra propõe uma abordagemdiferente da apresentada nos livros didáticos tradicionais ao descartar aintrodução usual de aspectos históricos, ao omitir qualquer referência amodelos clássicos (como o de Bohr) e analogias a sistemas e experimentosclássicos. Abrange conceitos modernos como emaranhamento, descoerênciae informação quântica. A obra reconhece a complexidade do ensino damecânica quântica, mas considera que o conhecimento da física clássica sejaum pré-requisito indispensável para a compreensão da mecânica quântica.Esta trata de objetos quânticos (fótons, elétrons, prótons, etc.) descritos porestados quânticos dentro de uma estrutura formal única. A matemáticaexigida é somente a necessária para a compreensão conceitual. Sugere-se ouso intensivo de tecnologia digital: animações, applets e simulações, leiturase consultas a web e deve manter um sistema interativo para comunicaçãocom o professor por meio de redes sociais.