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Variedades Diferenciáveis Notas de aula em construção Fernando Manfio ICMC – USP

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Variedades DiferenciáveisNotas de aula em construção

Fernando Manfio

ICMC – USP

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Sumário

1 Variedades diferenciáveis 11.1 Superfícies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2 Variedades diferenciáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.3 A topologia de uma variedade diferenciável . . . . . . . . . . 141.4 Aplicações diferenciáveis entre variedades . . . . . . . . . . . 181.5 O espaço tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221.6 A diferencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

2 Subvariedades 322.1 As formas locais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322.2 Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 412.3 Partição da unidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 492.4 Extensões de aplicações diferenciáveis . . . . . . . . . . . . . 562.5 O teorema de mergulho de Whitney . . . . . . . . . . . . . . 59

3 Distribuições 613.1 O fibrado tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 613.2 Campos de vetores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 663.3 Derivações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 723.4 Curvas integrais e o fluxo local . . . . . . . . . . . . . . . . . 823.5 Campos f -relacionados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 903.6 O teorema de Frobenius . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

4 Variedades quocientes 1064.1 Variedades quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1064.2 Grupos propriamente descontínuos . . . . . . . . . . . . . . . 1104.3 Orientação em espaços vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . 1204.4 Orientação em variedades diferenciáveis . . . . . . . . . . . . 1214.5 Orientação via ação de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126

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5 Integração em superfícies 1295.1 Álgebra Multilinear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1295.2 Formas diferenciais em variedades . . . . . . . . . . . . . . . . 1355.3 Integrais de formas diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . 1425.4 Cohomologia de de Rham . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1535.5 Operadores lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1545.6 O operador Laplaciano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1585.7 O Teorema da Decomposição de Hodge . . . . . . . . . . . . . 162

6 Grupos de Lie 1666.1 Grupos de Lie e homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . 1666.2 Álgebras de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1706.3 Exemplos clássicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1756.4 Uma aplicação do teorema de Frobenius . . . . . . . . . . . . 179

Referências Bibliográficas 183

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Capítulo 1

Variedades diferenciáveis

1.1 Superfícies

Nesta seção estudaremos as superfícies Euclidianas, as quais são gene-ralizações naturais dos objetos estudados na Geometria Diferencial. Alémdisso, tais superfícies servirão como modelos concretos para as variedadesdiferenciáveis abstratas, introduzidas na seção seguinte.

Definição 1.1.1. Um subconjunto M ⊂ Rn é uma superfície de dimensãom e classe Ck se, para todo ponto p ∈M , existem um aberto V ⊂ Rn, comp ∈ V , e uma aplicação ϕ : U → M ∩ V , onde U é um aberto de Rm, taisque

(a) ϕ : U →M ∩ V é um homeomorfismo;

(b) ϕ é uma imersão de classe Ck.

A aplicação ϕ chama-se uma parametrização de classe Ck de M . Onúmero n−m chama-se a codimensão de M em Rn. Nos casos particularesem que m = 1 e n − m = 1, M é chamada de curva e hipersuperfície,respectivamente, de Rn.

Observação 1.1.2. Na definição 1.1.1 estamos considerandoM com a topo-logia induzida de Rn. Além disso, a condição (a) implica que toda superfíciede classe Ck e dimensão m é uma variedade topológica de dimensão m (emrelação à topologia induzida de Rn), i.e., para todo p ∈M , existe um abertoV ⊂ Rn contendo p, tal que M ∩ V é homeomorfo a um aberto de Rm.

Observação 1.1.3. A condição de ϕ ser uma imersão é equivalente a qual-quer das condições a seguir:

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(a) dϕ(p) : Rm → Rn é injetora;

(b) O conjunto de vetores dϕ(p) · ei : 1 ≤ i ≤ m é linearmente indepen-dente, onde e1, . . . , em é a base canônica de Rm;

(c) A matriz jacobiana de ordem n×m,

Jϕ(p) =

(∂ϕi∂xj

(p)

)tem posto m, onde 1 ≤ i ≤ n, 1 ≤ j ≤ m e ϕ = (ϕ1, . . . , ϕn), ou seja,algum de seus determinantes menores m×m é diferente de zero.

Exemplo 1.1.4. Qualquer subespaço vetorialm-dimensional E ⊂ Rn é umasuperfície de dimensão m e classe C∞ de Rn. De fato, seja T : Rm → E umisomorfismo linear. Munindo E com a topologia induzida de Rn, T torna-seum homeomorfismo. Além disso, como toda transformação linear é de classeC∞, segue que T é um difeomorfismo de classe C∞.

Exemplo 1.1.5. A esfera Sn = x ∈ Rn+1 : |x| = 1 é uma superfície dedimensão n e classe C∞ de Rn+1. De fato, denotando por N = (0, . . . , 0, 1) ∈Sn seu polo norte, considere a projeção estereográfica ϕN : Sn−N → Rn.ϕN é um difeomorfismo entre Sn − N e Rn. Geometricamente, ϕN (x) éo ponto em que a semi-reta Nx ⊂ Rn+1 intercepta o hiperplano xn+1 = 0.Note que os pontos da semi-reta Nx são da forma

N + t(x−N), t ≥ 0.

Este ponto pertence ao hiperplano xn+1 = 0 se, e somente se, 1+t(xn+1−1) =0, onde x = (x1, . . . , xn+1). Assim, t = 1

1−xn+1e, portanto,

ϕN (x) =1

1− xn+1(x1, . . . , xn, 0).

Analogamente defini-se ϕS : Sn − S → Rn, onde S = (1, 0, . . . , 0) ∈ Sn éo seu polo sul.

Exemplo 1.1.6. Todo aberto U ⊂ Rn é uma superfície de dimensão n eclasse C∞ de Rn, imagem de uma única parametrização ϕ, sendo ϕ : U → Ua aplicação identidade. Reciprocamente, seja M ⊂ Rn uma superfície dedimensão n e classe Ck. Assim, para todo p ∈ M , existem um abertoV ⊂ Rn, com p ∈ V , e um homeomorfismo ϕ : U → M ∩ V , onde U é um

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aberto de Rn. Usando o Teorema da Invariância do Domínio1, segue que avizinhança coordenada M ∩ V é aberta em Rn. Portanto, o conjunto M ,reunião das vizinhanças coordendas M ∩ V , é aberto em Rn.

Exemplo 1.1.7. Um subconjunto M ⊂ Rn é uma superfície de dimensão 0se, e somente se, para todo p ∈M , existem um aberto V de Rn, com p ∈ V ,e uma parametrização ϕ : U → M ∩ V , onde U é um aberto de R0 = 0.Assim, devemos ter U = 0 e V = p. Portanto, M ⊂ Rn é uma superfíciede dimensão 0 se, e somente se, M é um conjunto discreto.

O teorema a seguir nos dá caracterizações equivalentes da Definição 1.1.1.

Teorema 1.1.8. Seja M um subconjunto de Rn. As seguintes afirmaçõessão equivalentes:

(a) M é uma superfície de dimensão m e classe Ck de Rn.

(b) Para todo p ∈ M , existem abertos U ⊂ Rm e V ⊂ Rn, com p ∈ V , euma aplicação de classe Ck g : U → Rn−m tal que M ∩ V = Gr(g).

(c) Para todo p ∈ M , existem um aberto V de Rn, com p ∈ V , e umasubmersão de classe Ck f : V → Rn−m tal que M ∩ V = f−1(0).

(d) Para todo p ∈ M , existem um aberto V de Rn, com p ∈ V , e umdifeomorfismo de classe Ck ϕ : V → ϕ(V ) que satisfaz ϕ(M ∩ V ) =ϕ(V ) ∩ Rm.

Antes de apresentarmos sua prova, vejamos como usá-lo a fim de produzirexemplos de superfícies em Rn. Lembre que, dado uma aplicação diferenciá-vel f : U ⊂ Rn → Rn−m, dizemos que c ∈ Rn−m é valor regular de f se adiferencial df(p) é sobrejetora para todo p ∈ f−1(c).

Corolário 1.1.9. Seja f : U ⊂ Rn → Rn−m uma aplicação de classe Ck.Se c ∈ Rn−m é valor regular de f então M = f−1(c) é uma superfície dedimensão m e classe Ck de Rn.

Exemplo 1.1.10. A esfera Sn = x ∈ Rn+1 : |x| = 1 pode ser descritacomo a imagem inversa f−1(1) da função f : Rn+1 → R definida por f(x) =〈x, x〉, para todo x ∈ Rn+1. Note que f é diferenciável e, dados x, v,∈ Rn+1,tem-se

df(x) · v = 2〈x, v〉.Isso implica que 0 ∈ Rn+1 é o único ponto crítico de f . Como f(0) = 0 6= 1,concluimos que 1 é um valor regular de f , logo Sn = f−1(1) é, como jásabíamos, uma superfície de dimensão n e classe C∞ de Rn+1.

1cf. [16], Theorem 36.5.

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Exemplo 1.1.11. Seja M ⊂ R3 o cone de uma folha, i.e.,

M = (x, y, z) : x2 + y2 = z2, z ≥ 0.

Note que M é homeomorfo a R2. De fato, denotando por π a projeçãoπ(x, y, z) = (x, y), a restrição de π a M é um homeomorfismo. No entanto,M não é uma superfície regular. De fato, caso fosse, existiriam abertosU ⊂ R2 e V ⊂ R3, com 0 ∈ V , e uma função diferenciável g : U → Rtal que M ∩ V = Gr(g). Observe que M ∩ V não pode ser um gráfico emrelação a uma decomposição da forma R3 = R2⊕R, no qual o segundo fatorseja o eixo-x ou o eixo-y. Assim, tem-se necessariamente g = f |U , ondef(x, y) =

√x2 + y2. Como f não é diferenciável em (0, 0), obtemos uma

contradição. Portanto, M é uma superfície de classe C0 mas não é de classeCk, k ≥ 1.

Seja M(m × n) o espaço vetorial das matrizes reais m × n. Dado umamatriz X ∈ M(m × n), com X = (xij), a transposta de X, denotada porXt, é a matriz Xt = (xji), que se obtém de X trocando-se ordenadamentesuas linhas por suas colunas. Assim, Xt ∈ M(n ×m). Se detX 6= 0, entãodetXt 6= 0 e vale (Xt)−1 = (X−1)t.

Uma matriz quadrada X ∈M(n) chama-se simétrica se Xt = X e anti-simétrica se Xt = −X. As matrizes simétricas e anti-simétricas formamsubespaços vetoriais, S(n) e A(n), de M(n), de dimensão n(n+1)

2 e n(n−1)2 ,

respectivamente. Dado uma matriz X ∈M(n), tem-se

X +Xt ∈ S(n) e X −Xt ∈ A(n).

Assim,

X =1

2(X +Xt) +

1

2(X −Xt),

ou seja,M(n) = S(n)⊕A(n).

Exemplo 1.1.12. O grupo ortogonal

O(n) = X ∈M(n) : XXt = I

é uma superfície compacta de dimensão n(n−1)2 e classe C∞ de M(n) ' Rn2 .

De fato, considere a aplicação f : M(n)→ S(n) definida por

f(X) = XXt,

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para toda matriz X ∈ M(n). Note que O(n) = f−1(I). Resta provar queI ∈ S(n) é valor regular de f . Seja X ∈ O(n) = f−1(I). Temos:

f(X +H)− f(X) = (X +H)(X +H)t −XXt = XHt +HXt +HHt.

Como limH→0

|r(H)||H|

= 0, segue que f é diferenciável em X e df(X) · H =

XHt + HXt. Finalmente, dada S ∈ S(n), tome V = 12SX. Assim, tem-se

df(X) ·V = S, ou seja, df(X) é sobrejetora para toda X ∈ O(n), logo O(n)

é uma superfície de dimensão n(n−1)2 e classe C∞ deM(n). Além disso, como

f é contínua, segue que O(n) = f−1(I) é fechado em Rn2 . Como cada vetorlinha de X ∈ O(n) é unitário tem-se |X| =

√n, logo O(n) está contido na

esfera centrada na origem e de raio√n. Portanto, O(n) é fechado e limitado

em Rn2 .

Observação 1.1.13. A imagem inversa f−1(c) pode ser uma superfície semque c seja valor regular de f . Por exemplo, seja f : R2 → R dada porf(x, y) = y2. Note que

f−1(0) = eixo− x,que é uma curva de classe C∞ de R2. No entanto, 0 ∈ R não é valor regularde f , pois df(x, 0) = 0, para todo (x, 0) ∈ f−1(0).

A fim de provarmos o Teorema 1.1.8, faremos uso do seguinte Lema deÁlgebra Linear.

Lema 1.1.14. Seja E ⊂ Rn um subespaço vetorial m-dimensional. Entãoexiste uma decomposição em soma direta Rn = Rm⊕Rn−m tal que a primeiraprojeção π : Rn → Rm, π(x, y) = x, transforma E isomorficamente sobreRm.

Demonstração. Dado uma base v1, . . . , vm de E, sejam ej1 , . . . , ejn−m ve-tores da base canônica de Rn tais que v1, . . . , vm, ej1 , . . . , ejn−m seja umabase de Rn. Sejam Rn−m = spanej1 , . . . , ejn−m e Rm gerado pelos vetorescanônicos restantes. Temos, então, duas decomposições em soma direta:

Rn = Rm ⊕ Rn−m = E ⊕ Rn−m.

Seja π : Rm ⊕ Rn−m → Rm, π(x, y) = x. Dado x ∈ Rm, seja x = x1 + y,onde x1 ∈ E e y ∈ Rn−m. Temos:

x = π(x) = π(x1) + π(y) = π(x1).

Isso implica que π|E : E → Rm é sobrejetora. Como E tem dimensão m,segue que π|E é um isomorfismo linear.

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Demonstração do Teorema 1.1.8. (a)⇒(b) Dado p ∈M , seja ϕ : U → ϕ(U)uma parametrização de classe Ck, com p = ϕ(q). Como E = dϕ(q)(Rm) éum subespaço vetorial m-dimensional de Rn existe, pelo Lema 1.1.14, umadecomposição em soma direta Rn = Rm⊕Rn−m tal que π|E é um isomorfismolinear entre E e Rm. Defina a aplicação

η = π ϕ : U → Rm.

Como dη(q) = π dϕ(q) é um isomorfismo linear, segue do Teorema daAplicação Inversa que existe um aberto W ⊂ Rm, com q ∈ W ⊂ U , tal queη|W : W → η(W ) = Z é um difeomorfismo de classe Ck. Defina

ξ = (η|W )−1 : Z →W e ψ = ϕ ξ.

ψ é uma parametrização de classe Ck de M e

π ψ = π (ϕ ξ) = η ξ = Id.

Da igualdade acima segue que a primeira coordenada de ψ(x), em relação àdecomposição Rn = Rm⊕Rn−m, é x. Denote por g(x) a segunda coordenada.Assim,

ψ(Z) = ϕ(W ) = (x, g(x)) : x ∈Wpara alguma aplicação de classe Ck g : W → Rn−m. Como ϕ é aberta,tem-se

ϕ(W ) = M ∩ V = Gr(g),

para algum aberto V ⊂ Rn, com p ∈ V .(b)⇒(c) Defina a aplicação f : V → Rn−m pondo

f(x, y) = y − g(x),

onde V ⊂ Rn = Rm ⊕ Rn−m é o aberto dado por hipótese. Temos:

M ∩ V = Gr(g)

= (x, y) ∈ Rn : y = g(x)= (x, y) ∈ Rn : f(x, y) = 0= f−1(0).

Resta provar que df(x, y) é sobrejetora, para todo (x, y) ∈ V . De fato, dados(x, y) ∈ V e (u, v) ∈ Rn, temos:

df(x, y) · (u, v) = df(x, y) · (u, 0) + df(x, y) · (0, v)

= Id(0)− dg(x) · u+ Id(v)− dg(x) · 0= v − dg(x) · u.

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Portanto, dado v ∈ Rn−m, tem-se

df(x, y) · (0, v) = v,

ou seja, df(x, y) : Rn → Rn−m é sobrejetora. Portanto, f é uma submersãode classe Ck, com M ∩ V = f−1(0).(c)⇒(d) Dado p ∈ M , seja f : V → Rn−m a submersão de classe Ck talque M ∩ V = f−1(0). Como df(p) : Rn → Rn−m é sobrejetora, o con-junto df(p) · e1, . . . ,df(p) · en gera Rn−m. Assim, podemos escolher ve-tores ei1 , . . . , ein−m tais que df(p) · ei1 , . . . ,df(p) · ein−m seja uma base deRn−m. Considere a decomposição em soma direta Rn = Rm ⊕Rn−m tal queRn−m = spanei1 , . . . , ein−m e Rm gerado pelos demais vetores canônicos.Assim, df(p)|Rn−m é um isomorfismo linear. Defina

ϕ : V → Rn = Rm ⊕ Rn−m

pondoϕ(x, y) = (x, f(x, y)),

para todo (x, y) ∈ V . ϕ é uma aplicação de classe Ck e dϕ(p) é um isomor-fismo. Assim, pelo Teorema da Aplicação Inversa, existe um aberto V ⊂ Rn,com p ∈ V ⊂ V , tal que ϕ|

V: V → ϕ(V ) é um difeomorfismo de classe

Ck. Podemos, supor, sem perda de generalidade, que ϕ(V ) = Z × W ⊂Rm ⊕ Rn−m, onde W é um aberto contendo 0 ∈ Rn−m. Assim,

(x, y) ∈M ∩ V ⇔ ϕ(x, y) = (x, f(x, y))

⇔ ϕ(x, y) = (x, 0).

Portanto, ϕ(M ∩ V ) = ϕ(V ) ∩ Rm.(d)⇒(a) Dado p ∈M , considere o difeomorfismo de classe Ck ϕ : V → ϕ(V )tal que ϕ(M ∩ V ) = ϕ(V ) ∩ Rm, onde V é um aberto de Rn, com p ∈ V .Como ϕ(V ) é aberto em Rn, U = ϕ(V )∩Rm é aberto em Rm. Defina, então,ψ : U → Rn pondo ψ = ϕ|−1

U . Assim, ψ é uma parametrização de classe Ck

de M , com ψ(U) = M ∩ V .

Corolário 1.1.15. Sejam ϕ1 : U1 →M ∩V1 e ϕ2 : U2 →M ∩V2 parametri-zações de classe Ck de uma superfície M , com V1 ∩ V2 6= ∅. Então, ϕ−1

2 ϕ1

e ϕ−11 ϕ2 são de classe Ck.

Demonstração. Dado p ∈M ∩V1∩V2, seja f : V → f(V ) um difeomorfismode classe Ck tal que f(M ∩ V ) = f(V ) ∩ Rm. Como ϕ1(U1) = M ∩ V1 eV é aberto em Rn, existe um aberto U1 ⊂ Rm, com ϕ−1

1 (p) ∈ U1 ⊂ U1, tal

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que ϕ1(U1) ⊂M ∩ V . Assim, (f ϕ1)(U1) ⊂ Rm. Analogamente, existe umaberto U2 ⊂ Rm, com ϕ−1

2 (p) ∈ U2 ⊂ U2, tal que (f ϕ2)(U2) ⊂ Rm. Assim,no aberto ϕ−1

1 (W ), onde W = ϕ1(U1) ∩ ϕ2(U2), temos:

ϕ−12 ϕ1 = ϕ−1

2 f−1 f ϕ1 = (f ϕ2)−1 (f ϕ1).

A composta f ϕ1 é de classe Ck. Como d(f ϕ2)(x) é um isomorfismo linear,segue do Teorema da Aplicação Inversa que f ϕ2 é, possivelmente numaberto menor, de classe Ck. Assim, ϕ−1

2 ϕ1 é de classe Ck. Analogamentese prova que ϕ−1

1 ϕ2 também o é.

Exercícios

1. Verifique se os seguintes conjuntos são superfícies de dimensão 1 (curvas)de R2. Caso sejam, determine a classe de diferenciabilidade.

1. M = (t, t2) : t ∈ R ∪ (t,−t2) : t ∈ R

2. M = (t, t2) : t ∈ R− ∪ (t,−t2) : t ∈ R+

3. M = (t2, t3) : t ∈ R

2. Sejam M1 ⊂ Rn1 e M2 ⊂ Rn2 superfícies de classe Ck e dimensão m1 em2, respectivamente. Prove que o produto cartesiano M1 ×M2 ⊂ Rn1+n2 éuma superfície de classe Ck e dimensão m1 + m2. Conclua, daí, que o torobidimensional T 2 = S1 × S1 é uma superfície de dimensão 2 e classe C∞ deR4.

3. Denote por M(m × n; k) o subconjunto de M(m × n) formado pelasmatrizes reais m × n de posto k. Prove que M(m × n; k) é uma superfíciede dimensão k(m+ n− k) e classe C∞ de M(m× n) ' Rmn.

4. O grupo linear GL(n) é o subconjunto aberto de M(n) formado pelasmatrizes invertíveis. O grupo linear especial,

SL(n) = X ∈ GL(n) : detX = 1,

é um subgrupo de GL(n). Prove que SL(n) é uma hipersuperfície de classeC∞ deM(n), i.e., uma superfície de dimensão n2−1 e classe C∞ deM(n) 'Rn2 .

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1.2 Variedades diferenciáveis

Nesta seção introduzimos a noção de variedade diferenciável de classeCk, onde estaremos fixando um valor para k, 0 ≤ k ≤ ∞.

Definição 1.2.1. SejaM um conjunto. Uma carta local emM é uma bijeçãoϕ : U → ϕ(U), onde U é um subconjunto deM e ϕ(U) é um aberto de algumespaço Euclidiano Rn.

Definição 1.2.2. Duas cartas locais em M , ϕ : U → ϕ(U) e ψ : V → ψ(V ),são Ck-compatíveis (0 ≤ k ≤ ∞) se ϕ(U ∩V ) e ψ(U ∩V ) são abertos em Rne a aplicação de transição ψ ϕ−1 é um difeomorfismo de classe Ck.

Note que a condição de ψϕ−1 ser um difeomorfismo de classe Ck implicaque ϕ ψ−1 também é um difeomorfismo de classe Ck.

Observação 1.2.3. Se U ∩V = ∅, então a aplicação de transição ψϕ−1 é aaplicação vazia. Convencionaremos que a aplicação vazia é um difeomorfismode classe Ck, para qualquer k ≥ 0. Assim, ϕ e ψ são sempre Ck-compatíveisquando U ∩ V = ∅.

Observação 1.2.4. A noção de Ck-compatibilidade para cartas locaisϕ : U → ϕ(U) e ψ : V → ψ(V ) faria sentido também na situação maisgeral em que ϕ(U) é um aberto de Rm e ψ(V ) é um aberto de Rn onde,a princípio, m não precisa ser igual a n. Mas se U ∩ V 6= ∅, tal compati-bilidade implicaria na existência de um difeomorfismo de classe Ck de umaberto não-vazio de Rm sobre um aberto de Rn, o que implicaria m = n(no caso k ≥ 1, isso segue do fato que a diferencial de tal difeomorfismo emqualquer ponto fornece um isomorfismo de Rm sobre Rn; para o caso k = 0,cf. Exercício 2.)

Definição 1.2.5. Um atlas A de classe Ck e dimensão n em um conjuntoM é um conjunto de cartas locais em M ,

A = (Uα, ϕα) : α ∈ I,

onde cada ϕα(Uα) é aberto em Rn, duas a duas Ck-compatíveis, e tal queM =

⋃α∈I Uα.

Exemplo 1.2.6. Um atlas de classe C∞ em Rn é o conjunto A = (Rn, Id).

Exemplo 1.2.7. Na esfera Sn, um atlas de classe C∞ é o conjunto

A = (Sn − N, ϕN ), (Sn − S, ϕS),

onde ϕN e ϕS são as projeções estereográficas relativas ao polos norte e sul,respectivamente.

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Definição 1.2.8. Uma carta local ϕ em M é dita Ck-compatível com umatlas A de classe Ck em M se ϕ é Ck-compatível com tada carta ψ ∈ A.

A noção de Ck-compatibilidade é reflexiva e simétrica, mas não é tran-sitiva. De fato, se (U,ϕ), (V, ψ), (W, ξ) são cartas locais em M , com ϕCk-compatível com ψ e ψ Ck-compatível com ξ, então só podemos garantirque a aplicação de transição ξ ϕ−1 seja de classe Ck em ϕ(U ∩ V ∩W ).É bem possível, por exemplo, que U ∩ V = ∅, V ∩W = ∅ (o que torna aCk-compatibilidade entre ϕ, ψ e ψ, ξ triviais), mas U ∩W 6= ∅ e que ϕ e ξnão sejam Ck-compatíveis. No entanto, temos o seguinte:

Lema 1.2.9. Seja A um atlas de classe Ck em M . Se (U,ϕ) e (V, ψ) sãocartas locais em M , ambas Ck-compatíveis com A, então ϕ e ψ são Ck-compatíveis.

Demonstração. Suponha U∩V 6= ∅. Devemos provar que ϕ(U∩V ) e ψ(U∩V )são abertos em Rn e que ψ ϕ−1 : ϕ(U ∩V )→ ψ(U ∩V ) é um difeomorfismode classe Ck. Como U =

⋃α∈I(U ∩ Uα), segue que

ϕ(U ∩ V ) =⋃α∈I

ϕ(U ∩ V ∩ Uα).

Assim, basta provar que, para cada α ∈ I, ϕ(U ∩ V ∩ Uα) é aberto em Rn eque ψ ϕ−1|ϕ(U∩V ∩Uα) é de classe Ck. De fato, como (U,ϕ) e (V, ψ) são Ck-compatíveis com (Uα, ϕα), segue que ϕα(Uα ∩ U) e ϕα(Uα ∩ V ) são abertosem Rn e ϕ ϕ−1

α é um difeomorfismo de classe Ck. Assim,

ϕ(U ∩ V ∩ Uα) = (ϕ ϕ−1α )(ϕα(U ∩ V ∩ Uα))

= (ϕ ϕ−1α )(ϕα(Uα ∩ U) ∩ ϕα(Uα ∩ V ))

é aberto em Rn. Finalmente,

ψ ϕ−1|ϕ(U∩V ∩Uα) = (ψ ϕ−1α ) (ϕα ϕ−1)|ϕ(U∩V ∩Uα),

que é de classe Ck.

Definição 1.2.10. Um atlas A de classe Ck em M é dito maximal se nãoestá propriamente contido em nenhum outro atlas de classe Ck em M .

Lema 1.2.11. Seja A um atlas de classe Ck em M . Então existe um únicoatlas maximal de classe Ck em M contendo A.

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Demonstração. Seja Amax o conjunto formado por todas as cartas locais deM que são Ck-compatíveis com A. Disso decorre que A ⊂ Amax. Além disso,o Lema 1.2.9 implica que Amax é de fato um atlas de classe Ck. Quanto àmaximalidade, considere um atlas B de classe Ck em M , contendo A. Dissodecorre que todo elemento de B é Ck-compatível com A, logo, B ⊂ Amax.Finalmente, quanto à unicidade, suponha que exista um atlas maximal Bde classe Ck em M , com A ⊂ B. Disso decorre que todo elemento deB é Ck-compatível com A, logo B ⊂ Amax. Como B é maximal tem-se,necessariamente, que B = Amax.

Lema 1.2.12. Seja A = (Uα, ϕα) : α ∈ I um atlas de classe Ck em umconjunto M . Então, existe uma única topologia em M tal que cada Uα éaberto em M e cada ϕα é um homeomorfismo.

Demonstração. Defina

τA = V ⊂M : ϕα(Uα ∩ V ) é aberto em Rn, ∀α ∈ I.

O fato de que τA é uma topologia segue das igualdades

ϕα(Uα ∩ ∅) = ∅, ϕα(Uα ∩M) = ϕα(Uα),

ϕα(Uα ∩ V1 ∩ V2) = ϕα(Uα ∩ V1) ∩ ϕα(Uα ∩ V2),

ϕα

(Uα ∩

(⋃λ∈J

))=⋃λ∈J

ϕα(Uα ∩ Vλ).

Para provar que cada Uα é um aberto emM e cada ϕα é um homeomorfismo,é suficiente provar a seguinte afirmação: dados α ∈ I e V ⊂ Uα, entãoV ∈ τA se, e somente se, ϕα(V ) é aberto em Rn. De fato, se V ∈ τA entãoϕα(V ) = ϕα(Uα ∩ V ) é aberto em Rn. Reciprocamente, suponha ϕα(V )aberto em Rn. Para provar que V ∈ τA, devemos provar que ϕβ(Uβ ∩ V ) éaberto em Rn, para todo β ∈ I. Mas isso segue da igualdade

ϕβ(Uβ ∩ V ) = ϕβ(Uβ ∩ V ∩ Uα)

= (ϕβ ϕ−1α )(ϕα(V ) ∩ ϕα(Uα ∩ Uβ))

e do fato que ϕβϕ−1α : ϕα(Uα∩Uβ)→ ϕβ(Uα∩Uβ) é um homeomorfismo ente

abertos de Rn. Quanto à unicidade, seja τ uma topologia em M que tornacada Uα aberto em M e cada ϕα um homeomorfismo. Dado V ∈ τ , tem-seV ∩Uα ∈ τ , para todo α ∈ I, logo ϕα(Uα∩V ) é aberto em Rn. Isso mostra queV ∈ τA, logo τ ⊂ τA. Por outro lado, dado V ∈ τA, tem-se que ϕα(Uα∩V ) éaberto em Rn, para todo α ∈ I. Assim, V ∩Uα = ϕ−1

α (ϕα(Uα∩V )) é abertoem (M, τ), para todo α ∈ I. Logo, V =

⋃α∈I V ∩ Uα é aberto em (M, τ).

Isso prova que τA ⊂ τ .

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Definição 1.2.13. Dado um atlas A = (Uα, ϕα) : α ∈ I em um conjuntoM , a única topologia τA que torna cada Uα aberto em M e cada ϕα umhomeomorfismo é chamada a topologia induzida pelo atlas A em M .

Observação 1.2.14. Se dois atlas A1 e A2 de classe Ck em M são tais queA1∪A2 é um atlas de classe Ck em M , então as topologias induzidas em Mpor A1 e A2 coincidem (cf. Exercício 3). Disso decorre, em particular, quea topologia induzida por um atlas A coincide com a topologia induzida peloatlas maximal que o contém.

Definição 1.2.15. Uma variedade diferenciável de classe Ck e dimensão n éum par (M,A), ondeM é um conjunto e A é um atlas maximal de classe Ck

e dimensão n em M , tal que a topologia induzida em M por A é Hausdorffe satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade.

Exemplo 1.2.16. O conjunto unitário A = (Rn, Id) é um atlas de classeC∞ em Rn. De fato, como a aplicação identidade Id é um homeomorfismo,com domínio aberto em relação à topologia usual de Rn, segue que a topologiainduzida porA em Rn coincide com a topologia usual. O atlas maximalAmaxque contém A consiste de todos os difeomorfismos de classe C∞ ϕ : U →ϕ(U), com U e ϕ(U) abertos em Rn.

Exemplo 1.2.17. Sejam (M,A) uma variedade diferenciável de classe Ck

e U um aberto de (M, τA). Para cada (Uα, ϕα) ∈ A, considere Uα = U ∩Uαe ϕα = ϕα|Uα . Considere o conjunto

A = (Uα, ϕα) : (Uα, ϕα) ∈ A.

Claramente A é um atlas de classe Ck em U . Denotemos por τ a topologiainduzida por τA em U , e por τA a topologia induzida por A em U . Mostremosque τA = τ . De fato, dado V ∈ τ , tem-se V = U ∩W , onde W ∈ τA. Assim,

ϕα(Uα ∩ V ) = ϕα(U ∩ Uα ∩ V ) = ϕα(U ∩ Uα ∩W ),

que é aberto em Rn, logo V ∈ τA. Por outro lado, dado V ∈ τA, segueque ϕα(Uα ∩ V ) = ϕα(U ∩ Uα ∩ V ) é aberto em Rn. Disso decorre queU ∩V ∈ τA. Assim, V = U ∩ (U ∩V ) ∈ τ , logo V ∈ τ . Portanto, a topologiaτA é Hausdorff e tem base enumerável, logo (U, A) torna-se uma variedadediferenciável de classe Ck.

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Exercícios

1. Seja V um espaço vetorial real n-dimensional. Prove que o conjunto Aconstituído de todos os isomorfismos lineares ϕ : V → Rn é um atlas declasse C∞ em V . Prove também que a topologia induzida em V por Acoincide com a topologia usual (definida por qualquer norma). Portanto, oespaço vetorial V , munido do atlas maximal que contém A, é uma variedadediferenciável de classe C∞.

2. Usando o Teorema da Invariância do Domínio, prove que se um abertonão-vazio de Rm é homeomorfo a um aberto de Rn, então m = n.

3. Sejam A1 e A2 atlas de classe Ck num conjunto M .

(a) Prove que A1 ∪ A2 é um atlas de classe Ck em M se, e somente se,todo ϕ ∈ A1 é Ck-compatível com A2.

(b) Prove que A1 ∪A2 é um atlas de classe Ck em M se, e somente se, A1

e A2 estão contidos no mesmo atlas maximal de classe Ck em M .

(c) Se A1 ∪ A2 é um atlas de classe Ck em M , prove que as topologiasinduzidas em M por A1 e A2 coincidem.

4. Sejam A um atlas maximal de classe Ck num conjunto M e (U,ϕ) ∈ A.Se W é um aberto de Rn, com W ⊂ ϕ(U), e se V = ϕ−1(W ), então arestrição ϕ|V : V →W também pertence a A.

5. Considere a esfera Sn, n ≥ 1.

(a) Prove que Sn tem a mesma cardinalidade que R, i.e., existe uma bijeçãoϕ : Sn → R.

(b) Se A é o único atlas maximal de classe Ck que contém ϕ, então (Sn,A)é uma variedade diferenciável de classe Ck e dimensão 1. Verifique queϕ não é um homeomorfismo, se considerarmos Sn com a topologia in-duzida de Rn+1. Segue, portanto, que a topologia da variedade (Sn,A)não coincide com a topologia usual da esfera.

Observação 1.2.18. Em geral, quando considerarmos a esfera Sn comouma variedade, estaremos pensando no atlas que contém as projeções este-reográficas.

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1.3 A topologia de uma variedade diferenciável

Nesta seção discutiremos algumas propriedades da topologia induzidaem M por um atlas A. O lema seguinte é útil para determinar se umdada topologia em uma variedade diferenciável coincide com sua topologiainduzida.

Lema 1.3.1. Sejam (Mn,A) uma variedade diferenciável de classe Ck e τuma topologia em M . As seguintes afirmações são equivalentes:

(a) τ = τA;

(b) Para toda carta (Uα, ϕα) ∈ A, tem-se Uα ∈ τ e ϕα é um homeomor-fismo, em relação à topologia induzida em Uα por τ ;

(c) Existe um atlas A ⊂ A tal que vale (b) para toda carta (Uα, ϕα) ∈ A.

Demonstração. (a)⇒(b) Segue do fato que ϕα : Uα → ϕα(Uα) é homeomor-fismo segundo a topologia τA.(b)⇒(c) Basta tomar A = A.(c)⇒(a) Basta provar que a aplicação identidade Id : (M, τ) → (M, τA) éum homeomorfismo. De fato, para todo (Uα, ϕα) ∈ A segue por hipóteseque Uα ∈ τA, Uα ∈ τ , ϕα : (Uα, τA)→ ϕα(Uα) e ϕα : (Uα, τ)→ ϕα(Uα) sãohomeomorfismos. Como o diagrama

(Uα, τ)

ϕα ''

Id // (Uα, τα)

ϕαwwϕα(Uα)

comuta, segue que Id : (Uα, τ) → (Uα, τα) é um homeomorfismo. ComoM =

⋃α∈I Uα, segue que Id : (M, τ)→ (M, τA) é um homeomorfismo.

Exemplo 1.3.2. Seja Mm ⊂ Rn uma superfície de classe Ck. Para cadaparametrização ψα : Vα →M ∩Wα = Uα de M , denote por ϕα a inversa deψα. Seja

A = (Uα, ϕα) : ϕα = ψ−1α .

Segue do Corolário 1.1.15 que ϕβ ϕ−1α = ψ−1

β ψα é de classe Ck, logoA é um atlas de classe Ck em M . Além disso, como cada ϕα : Uα → Vαé um homeomorfismo em relação à topologia induzida em M de Rn segue,do Lema 1.3.1, que a topologia τA coincide com a topologia usual de M .Portanto, (M,A) torna-se uma variedade diferenciável de classe Ck.

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Exemplo 1.3.3. Em M = Rn+1−0, definimos uma relação de equivalên-cia ∼ pondo:

x ∼ y ⇔ y = tx, para algum t 6= 0.

O espaço quociente RPn = M/∼ chama-se o espaço projetivo real. Provemosque RPn é uma variedade diferenciável de classe C∞ e dimensão n. Geo-metricamente, cada classe [x] ∈ RPn pode ser identificada com a reta emRn+1 que passa pela origem, cuja direção é dada pelo vetor x. Provemos,inicialmente, que a topologia quociente τ em RPn é Hausdorff e tem baseenumerável. De fato, sejam π : M → RPn a aplicação quociente e A ⊂ Mum aberto. Temos:

π−1(π(A)) = x ∈M : x ∼ a, para algum a ∈ A=

⋃t6=0

tA,

onde tA = tx : x ∈ A. Como cada tA é aberto emM , segue que π−1(π(A))é aberto. Logo, por definição de topologia quociente, π(A) é aberto, logoπ é aberta. Assim, como M tem base enumerável, M/∼ também o tem(cf. Exercício 1). A fim de provar que τ é Hausdorff, considere a funçãof : M ×M → R definida por

f(x, y) =∑i 6=j

(xiyj − xjyi)2,

para quaisquer x, y ∈M . Note que

f(x, y) = 0 ⇔ xiyj − xjyi = 0, i 6= j

⇔ yi = txi, para algum t 6= 0, 1 ≤ i ≤ n+ 1

⇔ x ∼ y.

Ou seja,R = (x, y) ∈M ×M : x ∼ y = f−1(0).

Como f é contínua, R é fechado em M ×M , logo (RPn, τ) é Hausdorff (cf.Exercício 1). A fim de construir um atlas em RPn considere, para cada1 ≤ i ≤ n+ 1, o aberto Ui em M definido por

Ui = x ∈M : xi 6= 0.

Defina uma aplicação ϕi : Ui → Rn pondo

ϕi(x1, . . . , xn+1) =1

xi(x1, . . . , xi, . . . , xn+1).

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ϕi é contínua, pois suas funções coordenadas são contínuas, e ϕi é sobrejetora.De fato, dado x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn, tome x = (x1, . . . , xi−1, 1, xi, . . . , xn) ∈Ui. Assim, tem-se ϕi(x) = x. Além disso, como

x ∼ y ⇔ ϕi(x) = ϕi(y),

segue do Lema de passagem ao quociente que, para cada 1 ≤ i ≤ n + 1,existe uma bijeção contínua ϕi : RPn → Rn tal que o diagrama

Ui

π

ϕi // Rn

RPnϕi

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comuta. Seja Ui = π(Ui). Provemos que o conjunto

A = (Ui, ϕi) : 1 ≤ i ≤ n+ 1

é um atlas de classe C∞ em RPn. Note que

ϕ−1i (x, . . . , xn) = π(x1, . . . , xi−1, 1, xi, . . . , xn),

para todo 1 ≤ i ≤ n + 1. Assim, dados (Ui, ϕi), (Uj , ϕj) ∈ A, com i < j,temos:

(ϕj ϕ−1i )(x) = ϕj(π(x1, . . . , xi−1, 1, xi, . . . , xn))

= ϕj(x1, . . . , xi−1, 1, xi, . . . , xn)

=1

xj(x1, . . . , xi−1, 1, xi, . . . , xj , . . . , xn),

logo ϕj ϕ−1i é de classe C∞. Finalmente, resta provar que τA = τ . De

fato, como π−1(Ui) = Ui é aberto emM , segue que Ui é aberto em (RPn, τ).Além disso, da igualdade

ϕ−1i (x, . . . , xn) = π(x1, . . . , xi−1, 1, xi, . . . , xn),

segue que ϕ−1i é contínua. Logo, ϕi : Ui → ϕi(Ui) é um homeomorfismo

relativo à topologia τ . Portanto, pelo Lema 1.3.1, segue que τA = τ .

Exemplo 1.3.4 (Variedade não-Hausdorff). Em R2, considere os subcon-juntos

A = (x, 1) ∈ R2 : x ≤ 0,B = (x, 0) ∈ R2 : x > 0,C = (x,−1) ∈ R2 : x ≤ 0.

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Sejam U1 = A ∪ B e U2 = B ∪ C, e defina as aplicações ϕ1 : U1 → R eϕ2 : U2 → R pondo

ϕ1(x, y) = x e ϕ2(x, y) = x.

O conjunto A = ϕ1, ϕ2 é um atlas de classe C∞ em M = A ∪B ∪ C. Noentanto, a topologia τA não é Hausdorff, pois qualquer vizinhança em tornodos pontos (0, 1) e (0,−1) têm pontos em comum.

A proposição seguinte reune as principais propriedades da topologia in-duzida em M por um atlas A.Proposição 1.3.5. Seja (Mn,A) uma variedade diferenciável de classe Ck.As seguintes afirmações são válidas:

(a) Existe atlas A ⊂ A tal que A tem um número enumerável de elementos.

(b) A topologia τA é metrizável.

(c) (M, τA) é localmente compacto e localmente conexo.

(d) (M, τA) é conexo se, e somente se, é conexo por caminhos.

Exercícios

1 (Topologia quociente). Dados um espaço topológixo X e uma relação deequivalência ∼ em X, denotemos por X/∼ o espaço quociente. Assim, oselementos de X/∼ são as classes de equivalências

[x] = y ∈ X : x ∼ y.

A topologia quociente emX/∼ é a topologia τ que torna a aplicação quocienteπ : X → X/∼ contínua. Mais precisamente, um subconjunto U ⊂ X/∼ éaberto se π−1(U) é aberto em X. Uma relação de equivalência ∼ em X édita ser aberta se, para todo aberto A ⊂ X, o subconjunto [A] é aberto emX/∼, onde [A] =

⋃a∈A

[a].

(a) Prove que uma relação de equivalência ∼ em X é aberta se, e somentese, π é uma aplicação aberta. Quando ∼ é aberta e X tem uma baseenumerável de abertos, então X/∼ também tem base enumerável.

(b) Seja ∼ uma relação de equivalência aberta em X. Então, o conjunto

R = (x, y) ∈ X ×X : x ∼ y

é um subconjunto fechado de X×X se, e somente se, X/∼ é Hausdorff.

2. Prove as afirmações da Proposição 1.3.5.

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1.4 Aplicações diferenciáveis entre variedades

Nesta seção discutiremos a noção de diferenciabilidade de aplicações,transferindo algumas noções básicas do cálculo no Rn para o contexto devariedades diferenciáveis.

Definição 1.4.1. Sejam Mm, Nn variedades diferenciáveis de classe Ck.Dizemos que uma aplicação f : M → N é de classe Cr, 1 ≤ r ≤ k, separa todo ponto p ∈ M , existem cartas locais ϕ : U → ϕ(U) em M eψ : V → ψ(V ) em N tais que p ∈ U , f(U) ⊂ V e ψ f ϕ−1 seja de classeCr.

A composta ψ f ϕ−1 é a aplicação que representa f em relação àscartas ϕ e ψ.

Observação 1.4.2. A definição acima independe da escolha das cartas. Defato, sejam ϕ′ : U ′ → ϕ′(U ′) e ψ′ : V ′ → ψ′(V ′) cartas locais em M e N ,respectivamente, com p ∈ U ′ e f(U ′) ⊂ V ′. Então, no aberto ϕ′(U ′ ∩ U),temos:

ψ′ f ϕ′−1 = (ψ′ ψ−1) (ψ f ϕ−1) (ϕ ϕ′−1).

Como ϕ e ϕ′, ψ e ψ′ são Ck-compatíveis e ψ f ϕ−1 é de classe Cr, segueque ψ′ f ϕ′−1 é de classe Cr.

Definição 1.4.3. Uma aplicação f : M → N é um difeomorfismo de classeCk se f é uma bijeção de classe Ck, cuja inversa f−1 : N → M também éde classe Ck. Uma aplicação f : M → N chama-se um difeomorfismo localde classe Ck se todo ponto p ∈M possui uma vizinhança aberta U ⊂M talque f(U) ⊂ N é aberto e f |U : U → f(U) seja um difeomorfismo de classeCk.

Exemplo 1.4.4. Se U é um aberto de Rn, então U é uma variedade dife-renciável de classe C∞ e dimensão n, e a aplicação identidade Id : U → U éuma carta em U . Assim, dado uma variedade diferenciávelMm de classe Ck,uma aplicação f : U →M é de classe Cr se, e somente se, para todo p ∈ U ,existem um aberto W ⊂ U , com p ∈ W , e uma carta local ψ : V → ψ(V )em M , com f(W ) ⊂ V , tal que ψ f |W é de classe Cr. Disso decorre, emparticular (no caso em que M = Rm), que f é diferenciável no sentido devariedades se, e somente se, é diferenciável no sentido do Cálculo.

A proposição seguinte mostra que as cartas locais de uma variedade Msão nada mais que difeomorfismos entre abertos de M e abertos do espaçoEuclidiano.

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Proposição 1.4.5. Seja (Mn,A) uma variedade diferenciável de classe Ck.Dados um subconjunto U ⊂ M e um aberto W ⊂ Rn, então uma bijeçãoϕ : U → W pertence ao atlas A se, e somente se, U é aberto em M e ϕ éum difeomorfismo de classe Ck.

Demonstração. Suponha ϕ : U → W uma carta local de M . Assim, U éaberto em M . Considere as representações de ϕ e ϕ−1 em relação às cartasϕ na variedade U e Id na variedade W .

U

ϕ

ϕ //W

Id

WIdϕϕ−1

//W

Ambas essas representações são iguais a aplicação identidade de W , que éde classe Ck. Logo, ϕ é um difeomorfismo de classe Ck. Reciprocamente,suponha que U é aberto em M e que ϕ : U → W seja um difeomorfismode classe Ck. Devemos provar que ϕ é Ck-compatível com o atlas A. Dado(V, ψ) ∈ A, como ϕ e ψ são homeomorfismos entre abertos, segue que ϕ(U ∩V ) e ψ(U∩V ) são abertos de Rn. A aplicação de transição ψϕ−1 é de classeCk pois ela é a representação da aplicação ϕ−1 : W → U de classe Ck, emrelação às cartas locais Id : ϕ(U∩V )→ ψ(U∩V ) e ψ|U∩V : U∩V → ψ(U∩V ).Analogamente se prova que ϕ ψ−1 é de classe Ck.

O corolário seguinte é útil quando queremos provar resultados sobre uni-cidade de estruturas diferenciáveis satisfazendo certas condições.

Corolário 1.4.6. Sejam A1, A2 atlas maximais de classe Ck num conjuntoM . Então A1 = A2 se, e somente se, a aplicação identidade Id : (M,A1)→(M,A2) é um difeomorfismo de classe Ck.

Demonstração. Suponha que Id seja um difeomorfismo de classe Ck. Assim,Id é, em particular, um homeomorfismo, logo A1 e A2 induzem a mesmatopologia em M . Dado um aberto U ⊂ M , denotemos por A1|U , A2|U osatlas induzidos em U por A1 e A2, respectivamente. Assim, Id : (U,A1|U )→(U,A2|U ) é um difeomorfismo de classe Ck. Sejam V ⊂ Rn um aberto eϕ : U → V uma bijeção. Temos, assim, um diagrama comutativo:

(U,A1|U )

ϕ1

&&

Id // (U,A2|U )

ϕ2

xxV

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A flecha 1 no diagrama é um difeomorfismo de classe Ck se, e somente se,a flecha 2 o for. Segue da Proposição 1.4.5 que ϕ ∈ A1 se, e somente se,ϕ ∈ A2.

Exemplo 1.4.7. A função f : R→ R, dada por f(t) = t3, é um homeomor-fismo, cuja inversa é f−1(t) = t1/3, que não é diferenciável em t = 0. Logo,f não é um difeomorfismo. Sejam (R,A) e (R,B) estruturas de variedadesdiferenciáveis de classe Ck em R, determinadas pelos atlas

(R, Id) e (R, f),

respectivamente. Note que Id : R→ R e f : R→ R não são Ck-compatíveispara nenhum k ≥ 1, pois (Id f−1)(t) = t1/3 não é diferenciável em t =0. Assim (R,A) 6= (R,B). Por outro lado, (R,A) e (R,B) são variedadesdifeomorfas, pois a aplicação φ : (R,A) → (R,B), dada por φ(t) = t1/3, éum difeomorfismo de classe Ck. De fato, a representação de φ é a aplicaçãoidentidade Id : R→ R, que é de classe Ck.

Observação 1.4.8. Em virtude do Exercício 1, segue que todo difeomor-fismo é um homeomorfismo. Este fato reporta à questão natural de saberse, reciprocamente, duas variedades homeomorfas são necessariamente di-feomorfas. Em R, é ralativamente simples provar que qualquer estruturadiferenciável é difeomorfa a estrutura canônica (R,A), onde A é o únicoatlas maximal que contém a aplicação identidade (cf. [18], Problem 9.24, ou[10], Problem 12.5). Em R2 e R3 a afirmação também é verdadeira. De fato,segue do trabalho de J. Munkres [17] (cf. também [15]) que toda variedadetopológica de dimensão menor ou igual a 3 tem uma estrutura diferenciá-vel que é única a menos de difeomorfismos. Em R4 existem exemplos deestruturas diferenciáveis que não são difeomorfas à estrutura diferenciávelusual (R4,A). A existência de estruturas diferenciáveis, distintas da usual,em R4 foram apresentadas por S. Donaldson e M. Freedman em 1984, comoconsequência de seus estudos em geometria e topologia das variedades com-pactas de dimensão 4. Os resultados podem ser encontrados em [4] e [5].Na esfera Sn, para n ≤ 6, quaisquer duas estruturas diferenciáveis são di-feomorfas. Porém, na esfera S7, J. Milnor [14] apresentou a existência deestruturas diferenciáveis que não são difeomorfas. Existem também espaçoslocalmente Euclidianos que não possuem nenhuma estrutura diferenciável.M. Kervaire [9] exibiu exemplos em dimensão 10, e também exemplo de umespaço topológico homeomorfo à esfera S9, mas que não são difeomorfos.

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Exercícios

1. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck. Prove que todaaplicação f : M → N de classe Cr, 0 ≤ r ≤ k, é contínua.

2. Sejam M , N , P variedades diferenciáveis de classe Ck e f : M → N ,g : N → P aplicações de classe Cr, 0 ≤ r ≤ k. Prove que g f : M → Ntambém é de classe Cr.

3. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck e f : M → N umaaplicação. Prove que:

(a) Se N1 é um aberto em N e f(M) ⊂ N1, então f : M → N é de classeCr se, e somente se, f : M → N1 é de classe Cr, 0 ≤ r ≤ k.

(b) A aplicação identidade Id : M →M é de classe Ck. Mais geralmente,se M1 é um aberto de M então a aplicação inclusão i : M1 → M é declasse Ck.

(c) Se f : M → N é de classe Cr, 0 ≤ r ≤ k, então, para todo abertoM1 ⊂M , a restrição f |M1 : M1 → N é de classe Cr.

4. SejamM1, M2 variedades diferenciáveis de classe Ck eM = M1×M2 seuproduto cartesiano. Prove que existe um único atlas maximal A de classe Ck

emM tal que (M,A) é uma variedade diferenciável de classe Ck satisfazendoas seguintes propriedades:

(a) As projeções πi : M →Mi são de classe Ck, i = 1, 2.

(b) Se N é uma variedade diferenciável de classe Ck então uma aplicaçãof : N →M é de classe Ck se, e somente se, as aplicações coordenadasπi f : N →Mi são de classe Ck, i = 1, 2.

(c) A topologia induzida em M por A coincide com a topologia produto.

5. Seja Mn uma variedade diferenciável de classe Ck compacta. Prove quenão existe um difeomorfismo local de classe Ck f : M → Rn.

6. Sejam M , N conjuntos, f : M → N uma aplicação bijetora e B um atlasmaximal de classe Ck em N . Prove que existe um único atlas maximal Ade classe Ck em M tal que f : (M,A) → (N,B) seja um difeomorfismo declasse Ck.

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1.5 O espaço tangente

Nesta seção estudaremos o espaço tangente a uma variedade diferenciávelM . Começaremos com o caso dos modelos concretos, ou seja, o caso em queM é uma superfície de Rn.

Dado uma superfície Mm ⊂ Rn de classe Ck, dizemos que v ∈ Rn é umvetor tangente a M no ponto p ∈ M se existe uma curva λ : I → Rn, ondeI é um intervalo aberto de R contendo 0, diferenciável em t = 0, tal queλ(I) ⊂M , λ(0) = p e λ′(0) = v. O conjunto de todos os vetores tangentes aM em p é chamado de espaço tangente a M em p, e será denotado por TpM .

Observação 1.5.1. Decorre diretamente da definição que se U é um abertode uma superfície Mm ⊂ Rn, então TpU = TpM , para todo p ∈ U . Emparticular, se U é um aberto de Rn, então TpU = TpRn = Rn, para todop ∈ U .

Lema 1.5.2. Sejam f : U → Rn uma aplicação de classe Ck, onde U éum aberto de Rm, e M r ⊂ U , N s ⊂ Rn superfícies de classe Ck tais quef(M) ⊂ N . Então, df(p)(TpM) ⊂ Tf(p)N , para todo p ∈M . Em particular,se f : U → f(U) é um difeomorfismo de classe Ck e f(M) = N , entãodf(p)(TpM) = Tf(p)N , para todo p ∈M .

Demonstração. Dados p ∈ M e v ∈ TpM , seja λ : I → M uma curvadiferenciável em t = 0 tal que λ(0) = p e λ′(0) = v. Seja α = f λ. Tem-seα(0) = f(p) e α(I) ⊂ N . Além disso,

df(p) · v = df(λ(0)) · λ′(0) = (f λ)′(0) = α′(0) ∈ Tf(p)N.

Logo, df(p)(TpM) ⊂ Tf(p)N , para todo p ∈ M . A última afirmação segueda parte já provada aplicada a f−1.

Proposição 1.5.3. Seja Mm ⊂ Rn uma superfície de classe Ck. Dadop ∈M , temos:

(a) TpM é um subespaço vetorial m-dimensional de Rn.

(b) Seja f : U → Rn−m uma aplicação de classe Ck, onde U é uma vi-zinhança de p em Rn, e 0 ∈ Rn−m um valor regular de f tais queM ∩ U = f−1(0). Então, TpM = ker df(p).

(c) Se ϕ : U →M ∩ V é uma parametrização de M , com p = ϕ(q), entãoTpM = dϕ(q)(Rm).

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Demonstração. (a) Pelo Teorema 1.1.8, existem um aberto V de Rn, com p ∈V , e um difeomorfismo de classe Ck ϕ : V → ϕ(V ) tal queϕ(M ∩ V ) = ϕ(V ) ∩ Rm. Assim, pelo Lema 1.5.2, temos:

dϕ(p)(TpM) = dϕ(p)(Tp(M ∩ V )) = Tϕ(p)(ϕ(V ) ∩ Rm)

= Tϕ(p)Rm = Rm.

Portanto, TpM = dϕ(p)−1(Rm), i.e., TpM é um subespaço vetorial m-dimensional de Rn.(b) Dado v ∈ TpM , seja λ : I → M uma curva diferenciavel em t = 0 talque λ(0) = p e λ′(0) = v. Seja ε > 0 tal que λ(−ε, ε) ⊂ M ∩ U . Assim,f(λ(t)) = 0, para todo t ∈ (−ε, ε). Portanto,

df(p) · v = df(λ(0)) · λ′(0) = (f λ)′(0) = 0,

i.e., v ∈ ker df(p). Isso implica que TpM ⊂ ker df(p). Como ambos sãosubespaços vetoriais m-dimensionais de Rn, segue a igualdade.(c) Pelo Lema 1.5.2, temos dϕ(q)(Rm) ⊂ TpM . Como ambos são subespaçosvetoriais m-dimensionais de Rn, segue a igualdade.

Exemplo 1.5.4. Considere a esfera Sn = x ∈ Rn+1 : |x| = 1. Dado umponto p ∈ Sn, considere o subconjunto

Cp = v ∈ Rn+1 : 〈v, p〉 = 0.

Note que Cp é um subespaço vetorial n-dimensional de Rn+1. Dadov ∈ TpS

n, seja λ : I → Sn uma curva diferenciável em t = 0 tal queλ(0) = p e λ′(0) = v. Derivando a identidade 〈λ(t), λ(t)〉 = 1, obtemos

2〈λ′(t), λ(t) = 0,

para todo t ∈ I. Assim, para t = 0, obtemos 〈v, p〉 = 0, i.e., v ∈ Cp. Logo,TpM ⊂ Cp. Como ambos são subespaços vetoriais m-dimensionais de Rn,segue que

TpSn = v ∈ Rn+1 : 〈v, p〉 = 0.

Exemplo 1.5.5. Considere o grupo ortogonal O(n). Vimos no Exemplo1.1.12 que a matriz indentidade I ∈M(n) é valor regular da aplicação dife-renciável f : M(n)→ S(n) definida por

f(X) = XXt,

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para todo X ∈M(n). Além disso, tem-se que O(n) = f−1(I) e df(X) ·H =XHt+HXt, para toda matriz H ∈M(n). Disso decorre, em particular, que

df(I) ·H = Ht +H.

Logo, df(I) ·H = 0 se, e somente se, H é anti-simétrica. Portanto,

TIO(n) = ker df(I) = A(n).

Passaremos agora à noção de espaço tangente a uma variedade diferen-ciável M . Dados uma variedade diferenciável Mn de classe Ck e um pontop ∈M , denotemos por Cp o conjunto de todas as curvas λ : I →M de classeCk, com λ(0) = p, onde I ⊂ R é um intervalo aberto contendo a origem.Dizemos que duas curvas λ, µ ∈ Cp são equivalentes, e escreveremos λ ∼ µ,se existe uma carta local (U,ϕ) em M , com p ∈ U , tal que

(ϕ λ)′(0) = (ϕ µ)′(0). (1.1)

Note que, como λ e µ são contínuas e U ⊂ M é aberto, temos que ascompostas ϕ λ e ϕ µ estão definidas numa vizinhança da origem em R.

Observação 1.5.6. A definição dada em (1.1) independe da escolha dacarta. De fato, se (V, ψ) é outra carta local em M , com p ∈ V , segue daregra da cadeia que:

(ψ λ)′(0) = (ψ ϕ−1 ϕ λ)′(0)

= d(ψ ϕ−1)(ϕ(p)) · (ϕ λ)′(0)

= d(ψ ϕ−1)(ϕ(p)) · (ϕ µ)′(0)

= (ψ µ)′(0).

Além disso, é fácil ver que a relação ∼ em Cp, definida em (1.1), é umarelação de equivalência em Cp.

Definição 1.5.7. O espaço tangente a M no ponto p, denotado por TpM , édefinido por TpM = Cp/∼.

Dados um ponto p ∈ M e uma carta local (U,ϕ) em M , com p ∈ U ,definimos uma aplicação ϕ : TpM → Rn pondo

ϕ([λ]) = (ϕ λ)′(0),

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para toda classe [λ] ∈ TpM . Da Observação 1.5.6 segue que ϕ está bemdefinida. Dados [λ], [µ] ∈ TpM , temos:

ϕ([λ]) = ϕ([µ]) ⇔ (ϕ λ)′(0) = (ϕ µ)′(0)

⇔ λ ∼ µ⇔ [λ] = [µ],

ou seja, ϕ é injetora. Além disso, dado v ∈ Rn, considere a curvaα : I → ϕ(U) definida por α(t) = ϕ(p) + tv. Pondo λ = ϕ−1 α, temos:

ϕ([λ]) = (ϕ λ)′(0) = (ϕ ϕ−1 α)′(0) = α′(0) = v,

ou seja, ϕ é sobrejetora. Assim, ϕ induz uma estrutura de espaço vetorialem TpM :

[λ] + [µ] = ϕ−1 (ϕ([λ]) + ϕ([µ])) ,

c · [λ] = ϕ−1 (c · ϕ([λ])) .(1.2)

Observação 1.5.8. A estrutura de espaço vetorial induzida em TpM , por(1.2), independe da escolha da carta local. De fato, se (V, ψ) é outra cartalocal de M , com p ∈ V , temos:

ψ([λ]) = (ψ λ)′(0)

= (ψ ϕ−1 ϕ λ)′(0)

= d(ψ ϕ−1)(ϕ(p)) · ϕ([λ]),

ou seja,ψ = T ϕ,

onde T é o isomorfismo linear T = d(ψ ϕ−1)(ϕ(p)). Portanto

ψ−1

(ψ([λ]) + ψ([µ])) = (ϕ−1 T−1)(T ϕ([λ]) + T ϕ([µ]))

= ϕ−1(ϕ([λ]) + ϕ([µ])).

Analogamente tem-se

ψ−1

(c · ψ([λ])) = ϕ−1(c · ϕ([λ])),

para qualquer c ∈ R. Portanto, quaisquer duas cartas locais em M induzema mesma estrutura de espaço vetorial em TpM .

Exercícios

1. Prove as afirmações feitas na Observação 1.5.1.

2. Prove que o espaço tangente a SL(n), na matriz identidade, é o subespaçodas matrizes de traço nulo.

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1.6 A diferencial

Sejam Mm, Nn variedades diferenciáveis de classe Ck e f : M → N umaaplicação de classe Cr, 1 ≤ r ≤ k. Dado um ponto p ∈ M , definimos umaaplicação df(p) : TpM → Tf(p)N , chamada a diferencial de f no ponto p,pondo

df(p) · [λ] = [f λ], (1.3)

para todo [λ] ∈ TpM . Verifiquemos que df(p) é uma transformação linearbem definida. De fato, considere cartas locais (U,ϕ) em M e (V, ψ) em N ,com p ∈ U e f(U) ⊂ V . Dado [λ] ∈ TpM , temos:

ψ([f λ]) = (ψ f λ)′(0)

= (ψ f ϕ−1 ϕ λ)′(0)

= d(ψ f ϕ−1)(ϕ(p)) · ϕ([λ]),

ou seja,

df(p) · [λ] = ψ−1 (

d(ψ f ϕ−1)(ϕ(p)) · ϕ([λ])). (1.4)

A igualdade em (1.4) mostra que a classe [f λ] ∈ Tf(p)N depende apenasda classe [λ], logo (1.3) está bem definido. Além disso, segue de (1.4) que odiagrama

TpM

ϕ

df(p) // Tf(p)N

ψ

Rmd(ψfϕ−1)(ϕ(p))

// Rn(1.5)

é comutativo. Portanto, df(p) : TpM → Tf(p)N é uma transformação linear.

Dados uma carta local (U,ϕ) em Mn e um ponto p ∈ U , denotemos por∂

∂x1(p), . . . ,

∂xn(p)

a base de TpM , induzida naturalmente pelo isomorfismo ϕ : TpM → Rn. Ouseja,

∂xi(p) = ϕ−1(ei),

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para todo 1 ≤ i ≤ n, onde e1, . . . , en denota a base canônica de Rn. Assim,

∂xi(p) = [λi],

onde λi = ϕ−1 αi e αi : I → ϕ(U) é uma curva de classe Ck tal queαi(0) = ϕ(p) e α′i(0) = ei, para todo 1 ≤ i ≤ n.

Proposição 1.6.1. Sejam f : Mm → Nn uma aplicação de classe Ck

e (U,ϕ), (V, ψ) cartas locais em M e N , respectivamente, com f(U) ⊂V . Então, a matriz da diferencial de f em p ∈ U , em relação às bases

∂∂xi

(p) : 1 ≤ i ≤ m,

∂∂yj

(f(p)) : 1 ≤ j ≤ ndeterminadas por ϕ e ψ, res-

pectivamente, é a matriz jacobiana de ψ f ϕ−1 no ponto ϕ(p).

Demonstração. Da comutatividade do diagrama (1.5), temos:

df(p) · ∂∂xi

(p) =

n∑j=1

aij∂

∂yj(f(p)) ⇔ df(p) · ϕ−1(ei) =

n∑j=1

aijψ−1

(ej)

⇔ ψ(df(p) · ϕ−1(ei)

)=

n∑j=1

aijej

⇔ d(ψ f ϕ−1)(ϕ(p)) · ei =n∑j=1

aijej ,

para todo 1 ≤ i ≤ m.

Teorema 1.6.2 (Regra da cadeia). Sejam M , N , P variedades diferenciá-veis de classe Ck, 1 ≤ k ≤ ∞, e f : M → N , g : N → P aplicações de classeck. Então, g f é de classe Ck e, para todo p ∈M , tem-se:

d(g f)(p) = dg(f(p)) df(p). (1.6)

Demonstração. A primeira afirmação é o conteúdo do Exercício 2. Para asegunda, seja [λ] ∈ TpM . Assim,

d(g f)(p) · [λ] = [g f λ]

= [g (f λ)]

= dg(f(p)) · [f λ]

= dg(f(p)) · df(p) · [λ].

Como [λ] é arbitrário, a igualdade (1.6) está provada.

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Corolário 1.6.3. Se f : Mm → Nn é um difeomorfismo de classe Ck então,para todo p ∈ M , a diferencial df(p) : TpM → Tf(p)N é um isomorfismolinear e

df(p)−1 = d(f−1)(f(p)).

Demonstração. Basta aplicar o Teorema 1.6.2 à igualdade f−1 f = Id noponto p e à igualdade f f−1 = Id no ponto f(p) (cf. Exercício 1).

Exemplo 1.6.4. Sejam V um espaço vetorial real n-dimensional e ϕ : V →Rn um isomorfismo linear (então (V, ϕ) é uma carta em V ). Dado um vetorp ∈ V , afirmamos que o isomorfismo ϕ−1 ϕ : TpV → V não depende de ϕ.De fato, dado outro isomorfismo ψ : V → Rn, temos:

ψ([λ]) = (ψ λ)′(0)

= (ψ ϕ−1 ϕ λ)′(0)

= d(ψ ϕ−1)(ϕ(p)) · ϕ([λ]),

para todo [λ] ∈ TpM . Como ψ ϕ−1 é linear, temos d(ψ ϕ−1)(ϕ(p)) =ψ ϕ−1. Assim,

ψ = ψ ϕ−1 ϕ,

logo ψ−1 ψ = ϕ−1 ϕ.

Observação 1.6.5. O Exemplo 1.6.4 permite-nos realizar a seguinte con-venção: se V é um espaço vetorial real n-dimensional então, para todo p ∈ V ,identificamos o espaço tangente TpV com o próprio espaço vetorial V atravésdo isomorfismo

ϕ−1 ϕ : TpV → V,

onde ϕ : V → Rn é um isomorfismo arbitrário. No caso particular emque V = Rn, identificamos TpRn com Rn, para qualquer p ∈ Rn, atra-vés do isomorfismo Id : TpRn → Rn induzido pela carta (Rn, Id) em Rn.Trabalharemos, então, como se TpRn = Rn, para todo p ∈ Rn, e como seId : TpRn → Rn fosse a aplicação identidade de Rn, para todo p ∈ Rn.

Lema 1.6.6. SejamMn uma variedade diferenciável de classe Ck e W ⊂Mum aberto. Então, para todo p ∈ W , a diferencial da aplicação inclusãoi : W →M é um isomorfismo linear de TpW sobre TpM .

Demonstração. Seja (U,ϕ) uma carta local em W . Como W é aberto emM , (U,ϕ) é também uma carta em M . A representação de i em relaçãoàs cartas ϕ e ϕ é a aplicação identidade do aberto ϕ(U) de Rn. Logo,d(ϕ i ϕ−1)(ϕ(p)) é a aplicação identidade de Rn. Sejam ϕW , ϕM os

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isomorfismos induzidos pela carta ϕ nas variedadesW eM , respectivamente.Assim,

di(p) = (ϕM )−1 Id ϕW = (ϕM )−1 ϕW

Como ϕW e ϕM são isomorfismos, segue que di(p) também é um isomorfismo.

W

ϕ

i //M

ϕ

ϕ(U)

Id// ϕ(U)

TpW

ϕW

di(p) // Ti(p)M

ϕM

Rn

Id// Rn

Observação 1.6.7. O Lema 1.6.6 permite-nos adotar a seguinte convenção:se W é um aberto de uma variedade diferenciável M , identificamos o espaçotangente TpW com o espaço tangente TpM , através do isomorfismo di(p) :TpW → Ti(p)M .

Em virtude da identificação acima, temos também o seguinte resultadosobre a diferencial da restrição de uma aplicação a um aberto.

Lema 1.6.8. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck, M1 ⊂M ,N1 ⊂ N subconjuntos abertos e f : M → N uma aplicação de classe Ck talque f(M1) ⊂ N1. Se f1 : M1 → N1 denota a restrição de f a M1, entãodf1(p) = df(p), para todo p ∈M1.

Demonstração. Denotando por i : M1 → M e j : N1 → N as aplicaçõesde inclusão, temos que j f1 = f i. A conclusão segue então da regra dacadeia, observando que, em virtude da identificação acima, di(p) é a aplicaçãoidentidade de TpM e dj(f(p)) é a aplicação identidade de Tf(p)N .

Lema 1.6.9. Seja (U,ϕ) uma carta local em uma variedade diferenciávelMn de classe Ck. Então, para todo p ∈ U , a diferencial dϕ(p) coincide como isomorfismo induzido ϕp : TpM → Rn.Demonstração. Para calcular a diferencial dϕ(p), podemos considerar ϕ co-mo uma aplicação com contra-domínio Rn, em vez de ϕ(U) (cf. Lema 1.6.8).Em relação às cartas ϕ em U e Id em Rn, a representação da aplicação ϕ é aaplicação de inclusão i do aberto ϕ(U) em Rn. Assim, di(ϕ(p)) é a aplicaçãoidentidade de Rn.

U

ϕ

ϕ // Rn

Id

ϕ(U)i

// Rn

TpU

ϕU

dϕ(p) // Tϕ(p)Rn

Id

RnId

// Rn

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A diferencial de ϕ no ponto p é dada então por

dϕ(p) = Id−1 Id ϕU = Id ϕU .

Como identificamos TpU = TpM e Tϕ(p)Rn = Rn, então ϕU = ϕ e Id = Id,logo dϕ(p) = ϕp.

Observação 1.6.10. A partir de agora abandonaremos a notação ϕ parao isomorfismo induzido pela carta ϕ. Em virtude do Lema 1.6.9, usaremosdϕ(p) em vez de ϕp.

Teorema 1.6.11 (Aplicação inversa). Seja f : Mm → Nn uma aplicaçãode classe Ck, 1 ≤ k ≤ ∞. Se p ∈ M é tal que df(p) : TpM → Tf(p)N é umisomorfismo, então existe um aberto W ⊂ M , com p ∈ W , tal que f(W ) éaberto em N e f |W : W → f(W ) é um difeomorfismo de classe Ck.

Demonstração. Sejam (U,ϕ), (V, ψ) cartas locais em M e N , respectiva-mente, com p ∈ U e f(U) ⊂ V . A representação de f , f = ψ f ϕ−1, é declasse Ck e, pela regra da cadeia, temos:

df(ϕ(p)) = dψ(f(p)) df(p) dϕ(p)−1.

Como dψ(f(p)) e dϕ(p) são isomorfismos, segue que df(ϕ(p)) é um iso-morfismo de Rn. Assim, pelo Teorema da Aplicação Inversa em espaçosEuclidianos, existe um aberto W ⊂ Rm, com ϕ(p) ∈ W ⊂ ϕ(U), tal quef(W ) ⊂ ψ(V ) é aberto em Rn e f |

W: W → f(W ) é um difeomorfismo

de classe Ck. Tome W = ϕ−1(W ). Segue então que W é aberto em M ,p ∈ W , f(W ) = ψ−1

(f(W )

)é aberto em N e f |W : W → f(W ) é um

difeomorfismo de classe Ck, pois

f |W =(ψ−1|

f(W )

)(f |W

) (ϕ|W )

é uma composição de difeomorfismos de classe Ck.

Corolário 1.6.12. Seja f : M → N uma aplicação de classe Ck. Se df(p) :TpM → Tf(p)N é um isomorfismo linear, para todo p ∈ M , então f é umdifeomorfismo local de classe Ck. Em particular, se f é injetora, então f éum difeomorfismo de classe Ck sobre f(M), que é um aberto de N .

Demonstração. Segue diretamente do Teorema 1.6.11.

Corolário 1.6.13. Seja f : M → N uma aplicação de classe Ck. O conjuntodos pontos p ∈M tais que df(p) é um isomorfismo é aberto em M .

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Demonstração. Se df(p) é um isomorfismo e se W é a vizinhança abertade p dada pelo Teorema 1.6.11, então df(q) é um isomorfismo, para todoq ∈W .

Exercícios

1. Dado uma variedade diferenciávelM de classe Ck, prove que a diferencialda aplicação identidade Id : M → M , em qualquer ponto p ∈ M , é aaplicação identidade em TpM .

2. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck, 0 ≤ k ≤ ∞. Proveque uma aplicação constante f : M → N é de classe Ck. Se k ≥ 1, proveque df(p) = 0, para todo p ∈M .

3. Seja f : M → N uma aplicação de classe Ck. Prove que se df(p) = 0,para todo p ∈M e se M é conexa, então f é constante.

4. Seja f : M → R uma função de classe Ck. Prove que se p ∈ M é umponto de máximo ou de mínimo local de f , então p é um ponto crítico de f .

5. Se M é uma variedade diferenciável compacta de classe Ck, prove quetoda função f : M → R de classe Ck tem, pelo menos, dois pontos críticos.

6. Se Mn é uma variedade diferenciável compacta de classe Ck, k ≥ 1,prove que toda aplicação f : M → Rn de classe Ck tem, pelo menos, umponto crítico, i.e., existe pelo menos um ponto p ∈ M tal que df(p) não ésobrejetora.

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Capítulo 2

Subvariedades

2.1 As formas locais

Nesta seção demonstraremos a versão para variedades diferenciáveis dealguns resultados básicos do Cálculo, que descrevem a estrutura local dasaplicações diferenciáveis de posto máximo entre variedades diferenciáveis.

Definição 2.1.1. Sejam Mm, Nn variedades diferenciáveis de classe Ck,1 ≤ k ≤ ∞, e f : M → N uma aplicação de classe Cr, 1 ≤ r ≤ k. Dizemosque f é uma imersão no ponto p ∈M se a diferencial df(p) : TpM → Tf(p)Mé injetora. Se f é uma imersão em todo ponto p ∈M , diremos simplesmenteque f é uma imersão.

Note que se f é uma imersão em p ∈M tem-se, necessariamente, m ≤ n.

Exemplo 2.1.2. Um exemplo simples de imersão é a aplicação inclusãof : Rm → Rm × Rn dada por

f(p) = (p, 0),

para todo p ∈ Rm. Como f é linear, tem-se df(p) = f , para todo p ∈ Rm,logo f é uma imersão de classe C∞.

Exemplo 2.1.3. Um exemplo de imersão de classe C∞ que não é injetoraé a curva f : R → R2 definida por f(t) = (t3 − t, t2), para todo t ∈ R. Defato, tem-se f ′(t) 6= (0, 0), para todo t ∈ R, e f(1) = f(−1). Um exemplode uma aplicação de classe C∞, injetora, que não é imersão é a ciclóideg : R → R2 dada por g(t) = (t − sin t, 1 − cos t), para todo t ∈ R. Observeque g′(t) = (0, 0) para todo t = 2kπ, k ∈ Z.

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O teorema seguinte mostra que toda imersão de classe Ck se comporta,localmente, como a inclusão do Exemplo 2.1.2.

Teorema 2.1.4 (Forma local das imersões). Seja f : Mm → Nn uma aplica-ção de classe Ck que é uma imersão num ponto p ∈M . Então, existem umacarta local (U,ϕ) em M , com p ∈ U , e um difeomorfismo ξ : V → ϕ(U)×Wde classe Ck, onde V ⊂ N é um aberto contendo f(U) e W ⊂ Rn−m é umaberto contendo 0, tais que

(ξ f ϕ−1)(x) = (x, 0) ∈ Rm × Rn−m,

para todo x ∈ ϕ(U).

Demonstração. Sejam (U,ϕ), (V, ψ) cartas locais em M e N , respectiva-mente, com p ∈ U e f(U) ⊂ V . Como df(p) é injetora, segue da Proposição1.6.1 que d(ψf ϕ−1)(ϕ(p)) também é injetora. Pela Forma local das imer-sões em espaços Euclidianos, restringindo os domínios, se necessário, existeum difeomorfismo η : ψ(V ) → ϕ(U) ×W de classe Ck, onde W ⊂ Rn−m éum aberto contendo 0, tal que

η (ψ f ϕ−1) : ϕ(U)→ ϕ(U)×W

é a aplicação de inclusão, i.e.,

x ∈ ϕ(U) 7→ (x, 0) ∈ Rm × Rn−m.

Agora, basta definir ξ = η ψ.

Observação 2.1.5. O difeomorfismo ξ = η ψ no Teorema 2.1.4 será umacarta local em N se a classe de diferenciabilidade de N for exatamente iguala k.

Corolário 2.1.6. Seja f : M → N uma aplicação de classe Ck. Então, oconjunto dos pontos p ∈M tais que f é uma imersão em p é aberto em M .

Demonstração. Com a notação do enunciado do Teorema 2.1.4, temos que sef é uma imersão em p então f é uma imersão em q, para todo q ∈ U , pois ξ f ϕ−1 é uma imersão em ϕ(q), e as aplicações ϕ e ξ são difeomorfismos.

Corolário 2.1.7. Seja f : Mm → Nn uma imersão de classe Ck. Então,uma aplicação g : P r →Mm é de classe Ck se, e somente se, g é contínua ea composta f g é de classe Ck.

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Demonstração. Dado um ponto p ∈ P , segue do Teorema 2.1.4 que exis-tem uma carta local (U,ϕ) em M , com g(p) ∈ U , e um difeomorfismoξ : V → ξ(V ) de classe Ck, com f(U) ⊂ V , tais que ξ f ϕ−1 é dadapor

(ξ f ϕ−1)(x) = (x, 0),

para todo x ∈ ϕ(U). Como g é contínua, existe um aberto W ⊂ P contendop tal que g(W ) ⊂ U . Além disso, como f g é de classe Ck, para toda cartalocal (Z,ψ) em P , com p ∈ Z ⊂W , tem-se que ξ(f g)ψ−1 : ψ(Z)→ ξ(V )é de classe Ck. No entanto, como(

ξ (f g) ψ−1)

(x) = (ξ f ϕ−1) (ϕ g ψ−1)(x)

=((ϕ g ψ−1)(x), 0

),

segue que ϕg ψ−1 é de classe Ck, logo g é de classe Ck. A recíproca seguediretamente da regra da cadeia (cf. Exercício 2).

Corolário 2.1.8. Sejam N uma variedade diferenciável de classe Ck, (M, τ)um espaço topológico e f : M → N uma aplicação contínua. Então existe,no máximo, uma estrutura de variedade diferenciável de classe Ck em Mque torna f uma imersão de classe Ck tal que τA = τ .

Demonstração. Suponha que existam dois atlas maximais de classe Ck emM , A e B, tais que f : (M,A) → N e f : (M,B) → N sejam imersões declasse Ck. Como τA = τB, a aplicação identidade Id : (M,A) → (M,B) écontínua. Como f Id = f , segue do Corolário 2.1.7 que Id é de classe Ck.Analogamente tem-se que Id : (M,B) → (M,A) é de classe Ck. Portanto,Id : (M,A) → (M,B) é um difeomorfismo de classe Ck e, pelo Corolário1.4.6, segue que A = B.

Definição 2.1.9. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck,1 ≤ k ≤ ∞. Dizemos que uma aplicação f : M → N é um mergulho declasse Cr, 1 ≤ r ≤ k, se f é uma imersão de classe Cr e se a aplicaçãof : M → f(M) é um homeomorfismo, onde f(M) é munido da topologiainduzida de N .

Nem toda imersão injetora é um mergulho (cf. Exercício 1). No entanto,temos um resultado local.

Proposição 2.1.10. Seja f : Mm → Nn uma imersão de classe Ck. En-tão, todo ponto p ∈ M possui uma vizinhança aberta U ⊂ M tal quef |U : U → N é um mergulho de classe Ck.

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Demonstração. Basta observar que a inclusão

Rm ' Rm × 0n−m → Rn,

assim como qualquer restrição dessa inclusão a abertos de Rm e Rn, é ummergulho e que, pelo Teorema 2.1.4, toda imersão é localmente representadaem cartas apropriadas por uma inclusão como essa.

Definição 2.1.11. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck,1 ≤ k ≤ ∞, e f : M → N uma aplicação de classe Cr, 1 ≤ r ≤ k. Dizemosque f é uma submersão no ponto p ∈ M se a diferencialdf(p) : TpM → Tf(p)M é sobrejetora. Se f é uma submersão em todoponto p ∈M , diremos simplesmente que f é uma submersão.

Exemplo 2.1.12. Uma função f : M → R de classe Ck é uma submersãode classe Ck em p ∈ M se, e somente se, df(p) 6= 0. De fato, isso segue dofato de que um funcional linear é sobrejetor ou é nulo.

Exemplo 2.1.13. Dado uma decomposição em soma direta do tipoRm+n = Rm ⊕ Rn, seja π : Rm+n → Rm a projeção sobre o primeiro fa-tor, i.e., π(x, y) = x. Como π é linear, tem-se dπ(x, y) = π, para todo(x, y) ∈ Rm+n, logo π é uma submersão de classe C∞.

O teorema seguinte mostra que o Exemplo 2.1.13 é, em cartas locaisapropriadas, o caso mais geral de uma submersão.

Teorema 2.1.14 (Forma local das submersões). Seja f : Mm → Nn umaaplicação de classe Ck que é uma submersão num ponto p ∈ M . Então,dado uma carta local (V, ψ) em N , com f(p) ∈ V , existe um difeomorfismoξ : U → ψ(V )×W de classe Ck, onde U ⊂M é um aberto contendo p, comf(U) ⊂ V , e W ⊂ Rm−n é um aberto, tais que

(ψ f ξ−1)(x, y) = x ∈ Rn,

para todo (x, y) ∈ ψ(V )×W ⊂ Rn × Rm−n.

Demonstração. Sejam (U,ϕ), (V, ψ) cartas locais em M e N , respectiva-mente, com p ∈ U e f(U) ⊂ V . Como df(p) é sobrejetora, segue da Propo-sição 1.6.1 que d(ψ f ϕ−1)(ϕ(p)) também o é. Assim, pela Forma localdas submersões em espaços Euclidianos, restringindo os domínios, se neces-sário, existe um difeomorfismo η : ϕ(U) → ψ(V ) ×W de classe Ck, ondeW ⊂ Rm−n é um aberto, tal que (ψ f ϕ−1) η−1 : ψ(V )×W → ψ(V ) éa aplicação projeção sobre o primeiro fator, i.e.,(

(ψ f ϕ−1) η−1)

(x, y) = x,

para todo (x, y) ∈ ψ(V )×W . Assim, basta considerar ξ = η ϕ.

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Corolário 2.1.15. Seja f : M → N uma aplicação de classe Ck. Então, oconjunto dos pontos p ∈M tais que f é submersão em p é aberto em M .

Demonstração. Com a notação do enunciado do Teorema 2.1.14, temos quese f é uma submersão em p então f é uma submersão em q, para todoq ∈ U , pois ψ f ξ−1 é submersão em ξ(q), e as aplicações ξ e ψ sãodifeomorfismos.

Corolário 2.1.16. Seja π : Mm → Nn uma submersão sobrejetora de classeCk. Então, uma aplicação f : Nn → P r é de classe Ck se, e somente se,f π é de classe Ck.

Demonstração. Dado um ponto q ∈ N , seja p ∈M tal que π(p) = q. Comoπ é uma submersão, segue do Teorema 2.1.14 que existem uma carta local(V, ψ) em N e um difeomorfismo ξ : U → ψ(V ) × W de classe Ck, comπ(U) ⊂ V , tais que

(ψ π ξ−1)(x, y) = x,

para todo (x, y) ∈ ψ(V ) × W . Além disso, como f π é de classe Ck,dado uma carta local (Z,ϕ) em P , com f(q) ∈ Z, restringindo U e V , senecessário, temos que f(V ) ⊂ Z e

ϕ (f π) ξ−1 : ψ(V )×W → ψ(Z)

é de classe Ck. No entanto, como(ϕ (f π) ξ−1

)(x, y) = (ϕ f ψ−1) (ψ π ξ−1)(x, y)

= (ϕ f ψ−1)(x),

segue que ϕf ψ−1 é de classe Ck, logo f é de classe Ck. A recíproca seguediretamente da regra da cadeia.

Definição 2.1.17. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck,1 ≤ k ≤ ∞, e f : M → N uma aplicação de classe Cr, 1 ≤ r ≤ k. Oposto de f num ponto p ∈M , denotado por rankf(p), é definido como sendoo posto da transformação linear df(p), i.e., a dimensão da imagem de df(p).

Assim, o posto de uma aplicação f : Mm → Nn de classe Cr não podeser maior do que m nem maior do que n. Se f é uma imersão, então f temposto igual a m em todos os pontos p ∈ M . Por outro lado, se f é umasubmersão, então f tem posto igual a n em qualquer ponto p ∈M . Por essemotivo é que imersões e submersões são chamadas de aplicações de postomáximo.

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Observação 2.1.18. Se f : Mm → Nn é uma aplicação de classe Ck, entãoo posto de f é uma função semi-contínua inferiormente. Ou seja, se f temposto r num ponto p ∈ M , existe uma vizinhança aberta U de p em M talque em todo ponto de U o posto de f é maior ou igual a r. De fato, existeum determinante menor r×r da matriz jacobiana df(p) que é diferente de 0.Por continuidade, este mesmo determinante menor é não-nulo em todos ospontos de uma vizinhança U de p. Nestes pontos, o posto de f é, portanto,pelo menos igual a r.

No teorema seguinte admitiremos, por simplicidade, que a classe de di-ferenciabilidade das variedades M e N seja a mesma da aplicação f .

Teorema 2.1.19 (Teorema do posto). Sejam M , N variedades diferenciá-veis de classe Ck e f : Mm → Nn uma aplicação de classe Ck. Suponhaque f tenha posto igual a r ≤ minm,n em todos os pontos de M . En-tão, dado um ponto p ∈ M , existem cartas locais (U,ϕ), (V, ψ) em M e N ,respectivamente, com p ∈ U e f(U) ⊂ V , tais que

(ψ f ϕ−1)(x) = (xr, 0) ∈ Rr × Rn−r,

para todo x = (xr, xm−r) ∈ ϕ(U).

Demonstração. Sejam (U1, ϕ1), (V1, ψ1) cartas locais em M e N , respecti-vamente, com p ∈ U1 e f(U1) ⊂ V1. Disso decorre que a representação def , ψ1 f ϕ−1

1 , tem posto r em todos os pontos do aberto ϕ1(U1). PeloTeorema do posto em espaços Euclidianos, existem abertos W,W ′ ⊂ Rm,Z,Z ′ ⊂ Rn e difeomorfismos α : W → W ′, β : Z → Z ′ de classe Ck, comϕ1(p) ∈W ⊂ ϕ1(U1) e (ψ1 f ϕ−1

1 )(W ) ⊂ Z, tais que(β (ψ1 f ϕ−1

1 ) α−1)

(x) = (xr, 0) ∈ Rr × Rn−r,

para todo x ∈ W ′. Para completar a prova, basta tomar U = ϕ−11 (W ),

ϕ = α ϕ1|U , V = ψ−11 (ψ1(V1) ∩ Z), ψ = β ψ1|V e observar que

(ψ f ϕ−1)(x) =(β (ψ1 f ϕ−1

1 ) α−1)

(x),

para todo x ∈W ′ = ϕ(U).

Proposição 2.1.20. Seja f : Mm → Nn uma aplicação de classe Ck. Paracada r = 0, 1, . . . , s = minm,n, denotemos por Ar o interior do subcon-junto de M no qual f tem posto igual a r. Então, o conjunto

A = A0 ∪ . . . ∪As

é aberto e denso em M .

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Demonstração. Dado um aberto V ⊂ M , denotemos por s o valor máximodo posto de f em V . Como

p 7→ rankf(p)

é uma função semi-contínua inferiormente, se p ∈ V é tal que rankf(p) = s,então existe um aberto U ⊂ V contendo p tal que rankf(q) = s, para todoq ∈ U . Assim, U ⊂ V ∩As ⊂ V ∩A, logo A é denso em M .

Exercícios

1. Considere a curva f : (−1,+∞)→ R2 dada por f(t) = (t3 − t, t2). Veri-fique que f é uma imersão de classe C∞, injetora, mas não é um mergulho.

2. Encontrar uma imersão f : R→ R2 de classe C∞, e uma função descon-tínua g : R→ R tais que f g seja de classe C∞.

3. Seja f : M → N uma imersão de classe Ck injetora. Prove que se M écompacta então f é um mergulho de classe Ck.

4. Seja f : Mm → Nn uma aplicação de classe Ck, 1 ≤ k ≤ ∞. Prove que:

(a) Se f é injetora, então m ≤ n e o conjunto dos pontos nos quais f temposto m é aberto e denso em M .

(b) Se f é aberta, então m ≥ n e o conjunto dos pontos nos quais f temposto n é aberto e denso em M .

5. Seja f : M → N uma imersão de classe Ck. Prove que, para todo p ∈M ,existem abertos U ⊂ M e V ⊂ N , com p ∈ U e f(U) ⊂ V , de modo que aaplicação f |U : U → V admite uma inversa à esquerda g : V → U de classeCk.

6. Sejam M , N , P variedades diferenciáveis de classe Ck, π : M → N umasubmersão sobrejetora de classe Ck, f : M → P uma aplicação de classe Ck

e f : N → P uma aplicação tal que f π = f . Prove que f é de classe Ck.

7. Prove que uma submersão de classe Ck f : M → N , com M compacta eN conexa, é sobrejetora.

8. Prove que a aplicação quociente π : Rn+1\0 → RPn é uma submersãode classe C∞.

9. Seja Mn uma variedade diferenciável de classe Ck compacta. Prove quenão existe uma submersão f : M → Rk, para qualquer k ≥ 1.

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10. Sejam X um espaço topológico, Y um conjunto e π : X → Y umaaplicação.

(a) Prove que a coleção τ = U ⊂ Y : π−1(U) é aberto em X é umatopologia1 em Y .

(b) Prove que se Y é munido da topologia co-induzida por π entãoπ : X → Y é contínua.

(c) Assuma que Y é munido da topologia co-induzida por π. Sejam Zum espaço topológico e f : X → Z, f : Y → Z aplicações tais que odiagrama

X

π

f

$$Y

f

// Z

comuta. Prove que f é contínua se, e somente se, f é contínua.

11. Sejam X, Y espaço topológicos e π : X → Y uma aplicação. Prove que:

(a) Se π é contínua, aberta e sobrejetora então π é uma aplicação quociente.

(b) Se π é contínua, fechada e sobrejetora então π é uma aplicação quoci-ente.

(c) Se X é compacto, Y é Hausdorff e π é contínua e sobrejetora então πé uma aplicação quociente.

12. O objetivo deste exercício é provar que toda submersão é uma aplicaçãoaberta.

(a) Sejam X, X, Y , Y espaços topológicos, ϕ : X → X, ψ : Y → Yhomeomorfismos e f : X → Y uma aplicação. Prove que se ψ f ϕ−1

é uma aplicação aberta então f também é uma aplicação aberta.

(b) Seja X, Y espaços topológicos e f : X → Y uma aplicação. Suponhaque para todo x ∈ X existem abertos U ⊂ X e V ⊂ Y , com x ∈ Ue f(U) ⊂ V , de modo que f |U : U → V seja uma aplicação aberta.Prove que f é uma aplicação aberta.

1A topologia τ é chamada a topologia co-induzida por π em Y ; quando Y é munido datopologia co-induzida por π diz-se também que π é uma aplicação quociente.

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(c) Prove que a projeção (x1, . . . , xm) ∈ Rm 7→ (x1, . . . , xn) ∈ Rn é umaaplicação aberta.

(d) Use o Teorema 2.1.14 e os itens anteriores para concluir que toda sub-mersão é uma aplicação aberta.

13. Prove que toda submersão sobrejetora é uma aplicação quociente.

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2.2 Subvariedades

Nesta seção introduziremos o conceito de subvariedade. Em linhas gerais,uma subvariedade m-dimensional de uma variedade diferenciável Nn é umsubconjunto M de N tal que, em cartas locais apropriadas, a inclusão de Mem N é representada pela inclusão de Rm em Rn,

(x1, . . . , xm) ∈ Rm 7→ (x1, . . . , xm, 0, . . . , 0) ∈ Rm ⊕ Rn−m,

ou seja, a relação entre Rm e Rn serve como um modelo para a relaçãoexistente entre uma subvariedade e uma variedade.

Definição 2.2.1. SejaNn uma variedade diferenciáve de classe Ck. Dizemosque um subconjunto M ⊂ N é uma subvariedade de classe Ck e dimensãom de N , com 0 ≤ m ≤ n, se para todo p ∈M , existe uma carta local (U,ϕ)em N , com p ∈ U , tal que

ϕ(U ∩M) = ϕ(U) ∩ Rm. (2.1)

Exemplo 2.2.2. Toda superfície Mm de classe Ck de Rn, no sentido daSeção 1.1, é também uma subvariedade de classe Ck no sentido da Definição2.2.1. Isso decorre diretamente do Teorema 1.1.8, item (d).

É de se esperar que uma subvariedadeMm de uma variedade diferenciávelNn de classe Ck seja também em si uma variedade diferenciável. De fato,dado um ponto p ∈M , seja (U,ϕ) uma carta em N , com p ∈ U , satisfazendo(2.1). Definimos uma aplicação

ϕ : U ∩M → ϕ(U) ∩ Rm (2.2)

pondo ϕ = ϕ|U∩M . Com a notação acima, podemos enunciar o seguinte

Teorema 2.2.3. O conjunto A formado por todas as aplicações ϕ dadas em(2.2) é um atlas de classe Ck em M , cuja topologia induzida em M coincidecom a topologia induzida pela variedade N . Além disso, a aplicação inclusãoi : M → N é um mergulho de classe Ck.

Demonstração. Observe inicialmente que ϕ é bijetora e seu contra-domínioϕ(U) ∩ Rm é aberto em Rm, logo (U ∩M,ϕ) é uma carta local em M . Se(U,ϕ), (V, ψ) são cartas em N , com p ∈ U ∩ V , satisfazendo (2.1), então osconjuntos

ϕ ((U ∩M) ∩ (V ∩M)) = ϕ ((U ∩ V ) ∩ (V ∩M))

= ϕ(U ∩ V ) ∩ Rm

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e

ψ ((U ∩M) ∩ (V ∩M)) = ψ ((U ∩ V ) ∩ (U ∩M))

= ψ(U ∩ V ) ∩ Rm

são abertos em Rm, pois ϕ(U ∩ V ) e ψ(U ∩ V ) são abertos em Rn. Alémdisso, a aplicação de transição

ψ ϕ−1 : ϕ(U ∩ V ) ∩ Rm → ψ(U ∩ V ) ∩ Rm

é uma restrição da aplicação de transição ψ ϕ−1 e é, portanto, um dife-omorfismo de classe Ck. Portanto, o conjunto A, formado por todas taisaplicações ϕ, é um atlas de classe Ck em M . Afirmamos que a topologia τA,induzida em M pelo atlas A, coincide com a topologia τ , induzida em Mpela variedade N . De fato, dado uma carta (U,ϕ) em N , satisfazendo (2.1)então, relativamente a τ , o conjunto U ∩M é aberto em M e a carta ϕ éum homeomorfismo, pois é restrição de um homeomorfismo. Logo a topo-logia τ faz com que os elementos de A sejam homeomorfismos definidos emabertos de M , o que mostra que as topologias τ e τA coincidem. Em relaçãoà aplicação inclusão i : M → N , se (U,ϕ) é uma carta em N satisfazendo(2.1), temos que i(U ∩M) ⊂ U e a representação i : ϕ(U) ∩ Rm → ϕ(U) dei em relação às cartas ϕ e ϕ é simplesmente a inclusão do aberto ϕ(U)∩Rmde Rm no aberto ϕ(U) de Rn. Logo, i é uma imersão de classe Ck e, por-tanto, i|U∩M = ϕ−1 i ϕ é uma imersão de classe Ck, já que ϕ e ϕ sãodifeomorfismos de classe Ck. Como U ∩M é uma vizinhança aberta de pem M e p é um ponto arbitrário de M , segue que i é uma imersão de classeCk. Finalmente, para mostrar que i é um homeomorfismo sobre sua imagem,basta provar que a aplicação identidade Id : M →M é um homeomorfismo,onde o domínio de Id é munido da topologia τA e o contra-domínio de Id émunido da topologia τ . Como ambas as topologias coincidem, segue que Idé de fato um homeomorfismo.

O corolário seguinte é conhecido como o Teorema da mudança de contra-domínio.

Corolário 2.2.4. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck,f : M → N uma aplicação e P ⊂ N uma subvariedade de classe Ck talque f(M) ⊂ P . Seja f : M → P a aplicação que difere de f apenas nocontra-domínio. Então, f é de classe Ck se, e somente se, f é de classe Ck.

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Demonstração. Denotando por i : P → N a aplicação inclusão, temos quef = i f , i.e., o diagrama abaixo

N

M

f::

f // P

i

OO

comuta. Suponha que f seja de classe Ck. Como i : P → N é um mergulhosegue, em particular, que i : P → i(P ) é um homeomorfismo. Logo, comof = i f e f é contínua, segue que f é contínua. Portanto, pelo Corolário2.1.7, segue que f é de classe Ck. A recíproca segue diretamente da regrada cadeia.

Exemplo 2.2.5. Seja W um aberto de uma variedade diferenciável Mn declasse Ck. Se (U,ϕ) é uma carta local em M , com U ⊂W , temos:

ϕ(U ∩W ) = ϕ(U) = ϕ(U) ∩ Rn.

Isso mostra que W é uma subvariedade de M , de classe Ck e dimensão n.A carta ϕ em W , correspondente à carta (U,ϕ) de M , é igual a ϕ. Logo,a estrutura diferenciável induzida por M na subvariedade W , no sentido doTeorema 2.2.3, é constituída pelas cartas de M com domínio contido em W ,ou seja, coincide com a estrutura diferenciável que M induz no subconjuntoaberto W .

Exemplo 2.2.6. Seja W um subespaço de um espaço vetorial real V n-dimensional. Seja ϕ : V → Rn um isomorfismo tal que ϕ(W ) = Rm, ondem = dim(W ). Então (V, ϕ) é uma carta local em V que satisfaz (2.1), logoW é uma subvariedade de V . A carta ϕ = ϕ|W : W → Rm em W , associadaa ϕ, é um isomorfismo e, portanto, a estrutura diferenciável induzida em Wpor V coincide com a estrutura diferenciável usual do espaço vetorial W .

O teorema seguinte fornece uma condição necessária e suficiente paraque a imagem de uma variedade M por uma imersão f : M → N seja umasubvariedade em N .

Teorema 2.2.7. Seja f : Mm → Nn uma imersão de classe Ck. Então,f(M) é uma subvariedade de classe Ck de N se, e somente se,f : M → f(M) é uma aplicação aberta em relação à topologia induzidaem f(M).

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Demonstração. Se f(M) é uma subvariedade de classe Ck de N então, peloCorolário 2.2.4, f : M → f(M) é uma imersão de classe Ck e, portanto,um difeomorfismo local de classe Ck. Em particular, f : M → f(M) é umaaplicação aberta. Reciprocamente, pelo Teorema 2.1.4, para cada p ∈ M ,existem uma carta local (U,ϕ) em M , com p ∈ U , e um difeomorfismo declasse Ck ψ : V → ϕ(U)×W tal que

(ψ f ϕ−1)(x) = (x, 0),

para todo x ∈ ϕ(U). Segue então que

ψ(f(U)) = ϕ(U) ⊂ Rm ⊂ Rn.

Como f : M → f(M) é aberta, temos que f(U) é um aberto relativo a f(M)e, portanto, existe um aberto V em N tal que f(U) = V ∩ f(M). Podemossupor então, sem perda de generalidade, que V = V . Assim,

ψ(V ∩ f(M)) = ψ(f(U))

= (ψ f ϕ−1)(ϕ(U))

= ψ(V ) ∩ Rm.

Portanto, f(M) é uma subvariedade de classe Ck de N .

Corolário 2.2.8. Se f : Mm → Nn é um mergulho de classe Ck, então f(M)é uma subvariedade de classe Ck de N e f : M → f(M) é um difeomorfismode classe Ck.

Demonstração. Do Teorema 2.2.7, temos que f(M) é uma subvariedade declasse Ck de N e f : M → f(M) é um homeomorfismo de classe Ck. Restaprovar que f−1 é de classe Ck. Dado p ∈M , seja ψ : V ∩f(M)→ ψ(V )∩Rma carta em f(M) correspondente à carta (V, ψ) em N , como no Teorema2.2.7. Como

f(U) = V ∩ f(M),

faz sentido considerar a representação de f−1 : f(M) → M em relação àscartas ψ e ϕ. Essa representação é igual à aplicação identidade do abertoϕ(U). Assim, f−1 é de classe Ck na vizinhança aberta V ∩ f(M) de f(p)em f(M). Como p ∈M é arbitrário, segue que f−1 : f(M)→M é de classeCk.

Corolário 2.2.9. Seja N uma variedade diferenciável de classe Ck. Umsubconjunto M ⊂ N é uma subvariedade de classe Ck se, e somente se, forimagem de um mergulho de classe Ck.

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Demonstração. Pelo Corolário 2.2.8, a imagem de um mergulho de classeCk é uma subvariedade de classe Ck. Reciprocamente, toda subvariedade declasse Ck é imagem de sua própria inclusão que, pelo Teorema 2.2.3, é ummergulho de classe Ck.

Corolário 2.2.10. Seja f : M → N uma aplicação de classe Ck. Então ográfico de f é uma subvariedade de classe Ck de M ×N .

Demonstração. Seja φ : M → M × N a aplicação definida por φ(p) =(p, f(p)), para todo p ∈ M . Então, φ é de classe Ck pois suas coordenadassão de classe Ck. Além disso, a primeira projeção π : M × N → M é umainversa à esquerda de classe Ck para φ. Assim, em virtude do Exercício 1, φé um mergulho de classe Ck. Portanto, pelo Corolário 2.2.9, Im(φ) = Gr(f)é uma subvariedade de classe Ck de M ×N .

Relacionaremos agora o espaço tangente a uma subvariedade com o es-paço tangente da variedade ambiente. Sejam N uma variedade diferenciávelde classe Ck e M ⊂ N uma subvariedade de classe Ck. Denotando pori : M → N a aplicação inclusão então, para todo p ∈ M , identificamos oespaço tangente TpM com a imagem da diferencial di(p) através do isomor-fismo di(p) : TpM → Im(di(p)). Note que, como i é um mergulho e, emparticular, uma imersão, temos que di(p) é injetora e é, portanto, um iso-morfismo sobre sua imagem. Trabalharemos então como se TpM fosse umsubespaço de TpN e como se di(p) : TpM → TpN fosse a aplicação inclusãode TpM em TpN .

Exemplo 2.2.11. Sejam V um espaço vetorial real n-dimensional e W ⊂ Vum subespaço. Então, como vimos no Exemplo 2.2.6,W é uma subvariedadede V . A aplicação inclusão i : W → V é linear e, portanto, para todo p ∈W ,temos di(p) = i. Assim,

TpW = di(p)(TpW ) = W ⊂ TpV = V.

Proposição 2.2.12. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck,f : M → N uma aplicação de classe Ck, P ⊂ M e Q ⊂ N subvariedadesde classe Ck tais que f(P ) ⊂ Q. Denote por f : P → Q a restrição de f àssubvariedades. Então f é de classe Ck e df(p) : TpP → Tf(p)Q é a restriçãode df(p) : TpM → Tf(p)N a TpP , para todo p ∈ P .

Demonstração. Denotando por i : P → M e j : Q → N as aplicações deinclusão, temos f i = j f . Como f e i são de classe Ck, segue que f i éde classe Ck. Além disso, como f i e f diferem apenas pelo contra-domínio,

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segue do Corolário 2.2.4 que f é de classe Ck. A relação entre as diferenciaisdf(p) e df(p) é obtida diferenciando a igualdade f i = j f num pontop ∈ P usando a regra da cadeia e observando que, em relação à identificaçãoacima, di(p) e dj(f(p)) são aplicações de inclusão.

Corolário 2.2.13. Seja f : M → N um mergulho de classe Ck. Então,

Tf(p)f(M) = Im(df(p)),

para todo p ∈M .

Demonstração. Seja f : M → f(M) a aplicação que difere de f apenaspelo contra-domínio. Então, f é um difeomorfismo de classe Ck e, portanto,df(p) é um isomorfismo. Em particular, a imagem de df(p) coincide comTf(p)f(M). Como df(p) e df(p) só diferem pelo contra-domínio, temos quedf(p) e df(p) possuem a mesma imagem.

O teorema seguinte nos dá um método de obter subvariedades que sãoimagens inversas de valores regulares.

Teorema 2.2.14. Sejam f : Mm → Nn uma aplicação de classe Ck e c ∈ Num valor regular de f . Então, f−1(c) é uma subvariedade de classe Ck deM , com dimensão igual a m− n. Além disso, para todo p ∈ f−1(c), tem-se:

Tpf−1(c) = ker(df(p)).

Demonstração. Dado p ∈ f−1(c), seja (V, ψ) uma carta em N , com c ∈ V eψ(c) = 0. Pelo Teorema 2.1.14, existe uma carta (U,ϕ) em M , com p ∈ U ef(U) ⊂ V , tal que

(ψ f ϕ−1)(x1, . . . , xm) = (x1, . . . , xn), (2.3)

para todo (x1, . . . , xm) ∈ ϕ(U). Temos:

ϕ(U ∩ f−1(c)) = (ψ f ϕ−1)−1(0) = ϕ(U) ∩(0n × Rm−n

).

Seja T : Rm → Rm um isomorfismo qualquer que transforma o subespaço0n × Rm−n sobre Rm−n ⊂ Rm. Então, T ϕ : U → T (ϕ(U)) é uma cartaem M e

(T ϕ)(U ∩ f−1(c)) = T(ϕ(U) ∩ (0n × Rm−n)

)= T (ϕ(U)) ∩ Rm−n,

46

Page 50: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

ou seja, T ϕ é uma carta em M satisfazendo (2.1). Além disso, como ϕ éum difeomorfismo que transforma U ∩ f−1(c) sobre ϕ(U) ∩ (0n × Rm−n),temos que dϕ(p) transforma o espaço tangente a U ∩ f−1(c) no ponto p, queé igual a Tpf−1(c), sobre o espaço tangente a ϕ(U)∩(0n×Rm−n) no pontoϕ(p), que é igual a 0n × Rm−n. Ou seja,

dϕ(p)(Tpf

−1(c))

= 0n × Rm−n. (2.4)

Diferenciando (2.3) no ponto ϕ(p), obtemos:(dψ(f(p)) df(p) dϕ(p)−1

)(v1, . . . , vm) = (v1, . . . , vn),

para todo (v1, . . . , vm) ∈ Rm. Assim,

ker(dψ(f(p)) df(p) dϕ(p)−1

)= 0n × Rm−n. (2.5)

Como dψ(f(p)) e dϕ(p) são isomorfismos, temos:

ker(dψ(f(p)) df(p) dϕ(p)−1

)= ker

(df(p) dϕ(p)−1

)= dϕ(p) (ker(df(p))) .

(2.6)

De (2.5) e (2.6), obtemos

dϕ(p) (ker(df(p))) = 0n × Rm−n.

Comparando com (2.4), obtemos então

dϕ(p)(Tpf

−1(c))

= dϕ(p) (ker(df(p))) ,

o que implica que Tpf−1(c) = ker(df(p)).

O teorema seguinte é uma aplicação do teorema do posto, e é um métodoútil para encontrar exemplos de subvariedades.

Teorema 2.2.15. Sejam Mm, Nn variedades diferenciáveis de classe Ck

e f : M → N uma aplicação de classe Ck com posto constante e igual ar ≤ minm,n em todos os pontos de M . Então, para cada q ∈ f(M),tem-se que f−1(q) é uma subvariedade fechada de M de dimensão m− r.

Demonstração. O conjunto f−1(q) é fechado em M pois é a imagem inversado fechado q emN por uma aplicação contínua. Dado p ∈ f−1(q), segue doTeorema 2.1.19 que existem cartas (U,ϕ), (V, ψ) emM eN , respectivamente,com p ∈ U , ϕ(p) = 0, f(U) ⊂ V e ψ(q) = 0, tais que

(ψ f ϕ−1)(x) = (xr, 0) ∈ Rr × Rn−r,

47

Page 51: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

para todo x = (xr, xm−r) ∈ ϕ(U). Disso decorre que os únicos pontos de Uque são transformados em q por f são aqueles cujas r primeiras coordenadassão zero, i.e.,

f−1(q) ∩ U = ϕ−1((ψ f ϕ−1)−1(0)

)= ϕ−1

(x ∈ ϕ(U) : x1 = . . . = xr = 0

).

Ou seja,ϕ(U ∩ f−1(q)) = ϕ(U) ∩ Rm−r.

Portanto, f−1(q) é uma subvariedade de M de dimensão m− r.

Corolário 2.2.16. Se n ≤ m e se o posto de f é constante e igual a n emtodo ponto de f−1(q), então f−1(q) é uma subvariedade fechada de M .

Exercícios

1. Seja f : M → N uma aplicação de classe Ck. Se f possui uma inversa àesquerda, de classe C1, prove que f é um mergulho de classe Ck.

2. Sejam f : M → N um difeomorfismo de classe Ck e P ⊂M uma subvari-edade de classe Ck. Prove que f(P ) é uma subvariedade de classe Ck de N ,f |P : P → f(P ) é um difeomorfismo de classe Ck e Tf(p)f(P ) = df(p)(TpP ),para todo p ∈ P .

3. Dado uma aplicação de classe Ck f : M → N , prove que, para todop ∈M , o espaço tangente ao gráfico de f no ponto (p, f(p)) coincide com ográfico de df(p).

4. Sejam N uma variedade diferenciável de classe Ck e M ⊂ N um subcon-junto discreto, i.e., a topologia induzida em M por N é discreta. Prove queM é uma subvariedade de N de classe Ck e dimensão zero.

5. Prove que o conjunto

M = (x, y) ∈ R2 : x4 = y3

é uma subvariedade de classe C1 e dimensão 1 de R2, mas não é de classeC2.

6. A aplicação f : R→ R2 definida por

f(t) = (2 cos t+ t, sin t),

é um mergulho?

48

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2.3 Partição da unidade

Todos os resultados sobre variedades diferenciáveis apresentados no Capí-tulo 1 foram de natureza local e suas provas reduziram-se, através de escolhasde cartas locais apropriadas, a um problema de cálculo no espaço Euclidi-ano. Neste capítulo apresentaremos a primeira ferramenta para o estudo depropriedades globais de variedades diferenciáveis, a partição da unidade.

Seja M uma variedade diferenciável de classe Ck. O suporte de umafunção f : M → R de classe Cr, 0 ≤ r ≤ k, denotado por suppf , é o fechodo conjunto dos pontos de M onde f não se anula, i.e.,

suppf = p ∈M : f(p) 6= 0.

Isso significa que se p ∈ M é um ponto fora do suporte de f então f é nulanuma vizinhança de p.

Exemplo 2.3.1. A função f : R→ R definida por

f(x) =

e−1/(1−x2) se |x| < 1

0 se |x| ≥ 1,

é diferenciável e tem suporte compacto; de fato, tem-se suppf ⊂ [−1, 1].

Definição 2.3.2. Seja p ∈M . Uma função f : M → R de classe Ck é umafunção auxiliar em p se existe um aberto U ⊂ M contendo p tal que f éconstante e igual a 1 numa vizinhança de p com suppf ⊂ U .

O resultado principal desta seção é a existência de funções auxiliares.Consideremos, inicialmente, o seguinte lema auxiliar.

Lema 2.3.3. Existe uma função λ : R → R de classe C∞ tal queλ(R) ⊂ [0, 1], λ(t) = 0 para todo |t| ≥ 2 e λ(t) = 1 para todo |t| ≤ 1.

Demonstração. Considere a função α : R→ R definida por

α(t) =

e−1/t se t > 0

0 se t ≤ 0.

Temos que α é de classe C∞ e α(t) > 0, para todo t > 0. Defina α1 : R→ Rpondo

α1(t) = α((1− t)(t− 2)),

para todo t ∈ R. Tem-se que α1 é de classe C∞, α1(t) > 0 se t ∈ (1, 2) eα1(t) = 0 para t 6∈ (1, 2). A função α2 : R→ R definida por

α2(t) = α1(−t)− α1(t),

49

Page 53: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

para todo t ∈ R, é uma função ímpar de classe C∞, que coincide com −α1

no intervalo (0,+∞). A função procurada λ : R→ R é definida por

λ(t) =1

k

∫ t

−∞α2(s)ds,

para todo t ∈ R, onde k =∫ +∞−∞ α1(s)ds =

∫ 21 α1(s)ds. Note que a in-

tegral que define λ é sempre finita, pois α2(t) = 0 para todo t 6∈ [−2, 2].Então, λ é de classe C∞ e λ′(t) = 1

kα2(t). Temos que λ é constante nosintervalos (−∞,−2], [−1, 1] e [2,+∞), pois α2 é nula nestes intervalos. Te-mos também que λ é estritamente crescente nos intervalos [−2,−1] e [1, 2].Tem-se também λ(t) = 0 para todo t ≤ −2, pois α2(t) = 0 para t ≤ −2;também λ(t) = 0 para t ≥ 2, pois α2 é uma função ímpar e, portanto,∫ +∞−∞ α2(s)ds = 0. Para completar a prova, basta verificar que λ(−1) = 1.Temos:

λ(−1) =1

k

∫ −1

−2α2(s)ds =

1

k

∫ 2

1α2(−s)ds =

1

k

∫ 2

1α1(s)ds = 1,

como queríamos.

Corolário 2.3.4. Existe uma função φ : Rn → R de classe C∞ tal queφ(Rn) ⊂ [0, 1], φ(x) = 0 para todo ‖x‖ ≥ 2 e φ(x) = 1 para todo ‖x‖ ≤ 1.

Demonstração. Basta considerar φ(x) = λ(‖x‖), onde λ é uma função dadapelo Lema 2.3.3. Temos que φ é de classe C∞ em Rn\0. Como φ éconstante numa vizinhança da origem, segue que φ é de fato de classe C∞

em Rn.

Teorema 2.3.5. Seja Mn uma variedade diferenciável de classe Ck. Dadosum ponto p ∈M e um aberto V ⊂M contendo p, existe uma função auxiliarf : M → R em p de classe Ck, tal que f(M) ⊂ [0, 1] e suppf ⊂ V .

Demonstração. Seja (U,ϕ) uma carta local em M , com p ∈ U . Comoϕ(U ∩ V ) é aberto em Rn, contendo ϕ(p), existe r > 0 tal que B[ϕ(p); r] ⊂ϕ(U ∩ V ). Considere o difeomorfismo ξ : Rn → Rn de classe C∞ definidopor

ξ(x) =2

r(x− ϕ(p)) ,

para todo x ∈ Rn. Assim, ψ = ξ ϕ : U → ξ(ϕ(U)) é uma carta em M talque ψ(p) = 0. Além disso, ξ transforma B[ϕ(p); r] sobre a bola fechada comcentro na origem e raio igual a 2, portanto,

B[0; 2] ⊂ ξ(ϕ(U ∩ V )) = ψ(U ∩ V ).

50

Page 54: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Seja φ uma função auxiliar dada pelo Corolário 2.3.4. Definimos f : M → Rpondo:

f(q) =

φ(ψ(q)) se q ∈ U

0 se q 6∈ U .

Como B[0; 2] ⊂ ψ(U ∩ V ), a bola aberta B(0; 1) é uma vizinhança abertade ψ(p) = 0 contida em ψ(U ∩ V ). Como ψ|U∩V : U ∩ V → ψ(U ∩ V ) éum homeomorfismo entre abertos, segue que ψ−1(B(0; 1)) é uma vizinhançaaberta de p contida em U∩V . Temos que a função f é constante e igual a 1 emψ−1(B(0; 1)) e, claramente, f(M) ⊂ [0, 1]. Resta prova que suppf ⊂ V e quef é de classe Ck. Temos que B[0; 2] é um subconjunto compacto de ψ(U∩V )e, portanto, ψ−1(B[0; 2]) é um subconjunto compacto de U ∩ V . Como fé identicamente nula fora de ψ−1(B[0; 2]) e M é Hausdorff, o compactoψ−1(B[0; 2]) é fechado e, portanto,

suppf ⊂ ψ−1(B[0; 2]) ⊂ U ∩ V ⊂ V.

Finalmente, observe que os conjuntos U e M\ψ−1(B[0; 2]) constituem umacobertura aberta deM . A restrição de f a U é de classe Ck, pois tal restriçãocoincide com φ ψ. A restrição de f a M\ψ−1(B[0; 2]) também é de classeCk, pois tal restrição é identicamente nula.

Apresentaremos agora o conceito de partição da unidade, fazendo usodas funções auxiliares. Lembremos, inicialmente, que uma família de abertosUα : α ∈ I de uma variedade diferenciável M é localmente finita se todoponto p ∈ M possui uma vizinhança aberta U ⊂ M que intercepta nomáximo um número finito de abertos Uα.

Definição 2.3.6. Sejam M uma variedade diferenciável de classe Ck eM =

⋃α∈I Uα uma cobertura aberta de M . Uma partição da unidade de

classe Ck subordinada à coberturaM =⋃α∈I Uα é uma família ξα : α ∈ I

de funções ξα : M → R de classe Ck tal que:

(a) ξα(M) ⊂ [0, 1], para todo α ∈ I.

(b) suppξα ⊂ Uα, para todo α ∈ I.

(c) A família suppξα : α ∈ I é localmente finita em M .

(c)∑

α∈I ξα(p) = 1, para todo p ∈M .

Partições da unidade são usadas, por exemplo, para o estudo de integra-ção em variedades. De fato, usando uma partição da unidade apropriada,

51

Page 55: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

podemos escrever a integral de uma função f : M → R como uma soma deintegrais de funções fα que têm suporte contido no domínio de uma cartalocal. A integral de uma tal função reduz-se, essencialmente, ao cálculo daintegral da representação dessa função na carta local em questão. Nas seçõesseguintes veremos algumas aplicações da partição da unidade.

Observe que se fα : α ∈ I é uma família de funções fα : M → R e se afamília suppfα : α ∈ I é pontualmente finita, então a soma

f =∑α∈I

fα (2.7)

nos dá uma função f : M → R bem definida. De fato, para todo p ∈ M ,temos que fα(p) = 0, exceto para um número finito de índices α ∈ I e,portanto, faz sentido considerar a soma f(p) =

∑α∈I fα(p).

A motivação para a condição (c) da Definição 2.3.6 é dada pelo seguitelema.

Lema 2.3.7. Sejam M uma variedade diferenciável de classe Ck efα : α ∈ I uma família de funções fα : M → R de classe Ck. Se afamília suppfα : α ∈ I é localmente finita em M , então a função em (2.7)é de classe Ck.

Demonstração. Dado p ∈ M , podemos encontrar um aberto U ⊂ M con-tendo p tal que U ∩ suppfα 6= ∅ apenas para um número finito de índicesα ∈ I, digamos α1, . . . , αr. Assim, a restrição de f a U é igual à restriçãode∑r

j=1 fαj a U , que é uma função de classe Ck. Portanto, todo ponto deM possui uma vizinhança aberta tal que a restrição de f a tal vizinhança éde classe Ck.

O lema seguinte constitui o passo principal da prova da existência deuma partição da unidade subordinada a uma dada cobertura aberta.

Lema 2.3.8. Sejam M uma variedade diferenciável de classe Ck eM =

⋃i∈I Ui uma cobertura aberta de M . Então existe uma família

fj : j ∈ J de funções fj : M → R de classe Ck satisfazendo as seguintespropriedades:

(a) fj(p) ≥ 0, para quaisquer p ∈M e j ∈ J .

(b) Para todo j ∈ J , existe i ∈ I tal que suppfj ⊂ Ui.

(c) A família suppfj : j ∈ J é localmente finita em M .

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Page 56: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

(d)∑

j∈J fj(p) > 0, para todo p ∈M .

Demonstração. ComoM é localmente compacta e satisfaz o segundo axiomada enumerabilidade, M admite uma exaustão por compactos M = ∪∞n=1Kn,i.e., cada Kn é compacto e Kn ⊂ int(Kn+1), para todo n ≥ 1 (cf. [12],Proposição 7.23). Defina Kn = ∅ para n ≤ 0. Para todo n ∈ Z, o conjuntoCn = Kn\int(Kn−1) é compacto. Como M é Hausdorrf, cada compacto Cné fechado e, além disso, temos:

M =∞⋃n=1

(Kn\Kn−1) =∞⋃n=1

Cn.

De fato, dado p ∈ M , se n ≥ 1 é o menor inteiro tal que p ∈ Kn entãop ∈ Kn\Kn−1 ⊂ Cn. Sejam dados n ≥ 1 e p ∈ Cn. Como M =

⋃i∈I Ui é

uma cobertura, existe i ∈ I tal que p ∈ Ui. Assim, o conjunto int(Kn+1) ∩Kcn−2 ∩ Ui é uma vizinhança aberta de p e, portanto, o Teorema 2.3.5 nos

fornece uma função f(n,p) : M → R de classe Ck tal que f(n,p)(M) ⊂ [0, 1],

suppf(n,p) ⊂ int(Kn+1) ∩Kcn−2 ∩ Ui

e tal que f(n,p) é igual a 1 em uma vizinhança aberta V(n,p) de p. Obtemosdessa forma, para cada n ≥ 1, uma cobertura aberta Cn ⊂

⋃p∈Cn V(n,p) do

compacto Cn; essa cobertura possui uma subcobertura finita, i.e., existe umsubconjunto finito Fn de Cn tal que:

Cn ⊂⋃p∈Fn

V(n,p).

Obtivemos então uma família fj : j ∈ J de funções fj : M → R de classeCk, onde

J = (n, p) : n ≥ 1, p ∈ Fn.Por construção temos fj(M) ⊂ [0, 1], para todo j ∈ J . Além disso, paratodo j ∈ J , existe i ∈ I tal que suppfj ⊂ Ui. Assim, os itens (a) e (b) estãoprovados. Provemos agora que a família suppfj : j ∈ J é localmente finitaem M . Sejam p ∈ M e n ≥ 1, com p ∈ Kn\Kn−1. Assim, p ∈ int(Kn+1) ep 6∈ Kn−1, logo int(Kn+1)\Kn−1 é uma vizinhança aberta de p. Afirmamosque int(Kn+1)\Kn−1 intercepta suppfj apenas para um número finito deíndices j ∈ J . Seja então j ∈ J tal que suppfj intercepta int(Kn+1)\Kn−1.Escrevemos j = (m, q) ∈ J , com m ≥ 1 e q ∈ Fm. Temos que suppfj estácontido em int(Km+1) ∩Kc

m−2 e, portanto:

(int(Kn+1)\Kn−1) ∩(int(Km+1) ∩Kc

m−2

)= int(Kn+1) ∩Kc

n−1 ∩ int(Km+1) ∩Kcm−2 6= ∅.

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Page 57: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

O fato que Kn+1 ∩ Kcm−2 6= ∅ implica n + 1 > m − 2. Analogamente

Km+1 ∩ Kcn−1 6= ∅ implica m + 1 > n − 1. Assim, n − 1 ≤ m ≤ n + 2.

Provamos então que:

j ∈ J : (int(Kn+1)\Kn−1) ∩ suppfj 6= ∅

n+2⋃m=n−1

m × Fm.

Isso prova o item (c). Como cada função fj é não negativa, é suficientemostrar que para todo p ∈ M existe j ∈ J com fj(p) > 0. Seja n ≥ 1 talque p ∈ Cn. Temos p ∈ V(n,q) para algum q ∈ Fn. Portanto, (n, q) = j ∈ Je fj(p) = 1.

O teorema seguinte garante a existência de uma partição da unidade.

Teorema 2.3.9. Seja M uma variedade diferenciável de classe Ck. À todacobertura aberta M =

⋃i∈I Ui de M podemos subordinar uma partição da

unidade de classe Ck.

Demonstração. Seja fj : j ∈ J uma família de funções fj : M → R dadapelo Lema 2.3.8. Para cada j ∈ J , escolha i = σ(j) ∈ I tal que suppfj ⊂ Ui.Obtemos, então, uma função σ : J → I. Para cada i ∈ I, definimos umafunção ξ : M → R pondo

ξi =∑

j∈σ−1(i)

fj ,

onde entendemos que ξ = 0 se σ−1(i) = ∅. Como a família suppfj : j ∈ Jé localmente finita, segue do Lema 2.3.7 que ξi é bem definida e de classeCk. Note também que ξ ≥ 0, já que fj ≥ 0. Para todo i ∈ I, temos:

p ∈M : ξi(p) 6= 0 ⊂⋃

j∈σ−1(i)

suppfj .

Usando novamente o fato que a família suppfj : j ∈ σ−1(i) é local-mente finita e levando em consideração que a união de uma família local-mente finita de conjuntos fechados é um conjunto fechado, concluimos que⋃j∈σ−1(i) suppfj é um conjunto fechado. Logo,

suppξi ⊂⋃

j∈σ−1(i)

suppfj ⊂ Ui.

Provemos que a família suppξi : i ∈ I é localmente finita. Seja p ∈M . Como suppfj : j ∈ J é localmente finita, existe um aberto U ⊂ M

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Page 58: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

contendo p que intercepta suppfj apenas para um número finito de índicesj ∈ J . Se i ∈ I é tal que U ∩ suppξi 6= ∅ então U ∩ suppfj 6= ∅, para algumj ∈ σ−1(i). Ou seja

i ∈ I : U ∩ suppξi 6= ∅ ⊂ σ(j ∈ J : U ∩ suppfj 6= ∅

).

Isso prova que i ∈ I : U ∩ suppξi 6= ∅ é finito e, portanto, a famíliasuppξi : i ∈ I é localmente finita. Segue então do Lema 2.3.7 que a função

ξ =∑i∈I

ξi

é bem definida e de classe Ck. Afirmamos que ξ é uma função positiva. Defato, como cada função ξi é não negativa, é suficiente provar que, para todop ∈ M , existe i ∈ I tal que ξi(p) > 0. Sabemos que existe j ∈ J tal quefj(p) > 0 e, portanto, ξi(p) > 0 se i = σ(j). Definimos agora

ξi = ξi/ξ,

para todo i ∈ I. Segue que ξi : M → R é uma função não negativa de classeCk, para todo i ∈ I e suppξi = suppξi. Logo a família suppξi : i ∈ Ié localmente finita e suppξi ⊂ Ui, para todo i ∈ I. Além disso, tem-se∑

i∈I ξi = 1 e como cada ξi é não negativa temos ξi(M) ⊂ [0, 1], para todoi ∈ I. Portanto, ξi : i ∈ I é uma partição da unidade subordinada àcobertura aberta M =

⋃i∈I Ui.

Exercícios

1. Sejam N uma variedade diferenciável de classe Ck eM uma subvariedadefechada de N . Prove que se g : M → R é uma função de classe Ck entãoexiste uma função f : N → R de classe Ck tal que f |M = g.

2. Seja f : M → R uma função de classe Ck. Se N é outra variedadediferenciável e π : M × N → M é a projeção sobre o primeiro fator, proveque

supp(f π) = (suppf)×N.

3. Seja Mm uma variedade diferenciável de classe Ck. Dado p ∈ M , proveque existe uma carta local (U,ϕ) em M , com p ∈ U , tal que ϕ é a restriçãoa U de uma aplicação f : M → Rm de classe Ck.

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2.4 Extensões de aplicações diferenciáveis

Nesta seção demonstraremos um teorema sobre extensão de aplicaçõesde classe Ck numa variedade diferenciável. Mais precisamente, provaremosuma versão diferenciável do Teorema da Extensão de Tietze, que afirmaser possível estender toda função real contínua, definida num subconjuntofechado de um espaço normal, a uma função real contínua em todo o espaço(cf. Seção 10.2 de [12]).

Apresentaremos, inicialmente, uma versão diferenciável do Lema deUrysohn (cf. [12], Proposição 8.12).

Lema 2.4.1 (Urysohn). Sejam M uma variedade diferenciável de classe Ck

e F,G ⊂ M subconjuntos fechados e disjuntos. Então existe uma funçãoξ : M → R de classe Ck, com ξ(M) ⊂ [0, 1], tal que ξ(p) = 1, para todop ∈ F , e ξ(p) = 0, para todo p ∈ G.

Demonstração. Os conjuntos U1 = M\F e U2 = M\G constituem umacobertura aberta de M . Assim, pelo Teorema 2.3.9, existe uma parti-ção da unidade de classe Ck ξ1, ξ2, subordinada a esta cobertura, i.e.,ξi(M) ⊂ [0, 1] e suppξi ⊂ Ui, i = 1, 2. Disso decorre que suppξ1 é dis-junto de F e suppξ2 é disjunto de G. Assim, ξ2(p) = 0 para todo p ∈ G eξ1(p) = 0, para todo p ∈ F . Como ξ1 + ξ2 = 1, a hipótese ξ1(p) = 0 implicaξ2(p) = 1, para todo p ∈ F . Portanto, a função ξ = ξ2 satisfaz as condiçõesdesejadas.

Teorema 2.4.2 (Tietze). Sejam Mm uma variedade diferenciável de classeCk e f : U → Rn uma aplicação de classe Ck definida num abertoU ⊂M . Então, para todo fechado F ⊂M , com F ⊂ U , existe uma aplicaçãof : M → Rn de classe Ck tal que f |F = f |F .

Demonstração. ComoM é normal (cf. Exercício 1), existe um aberto V ⊂Mtal que F ⊂ V e V ⊂ U (cf. Exercício 2). A partir dos fechados disjuntos Fe M\V obtemos, pelo Lema 2.4.1, uma função ξ : M → R tal que ξ(p) = 1,para todo p ∈ F , e ξ(p) = 0 para todo p 6∈ V . Defina f : M → Rn pondo

f(p) =

ξ(p)f(p) se p ∈ U

0 se p ∈M\U .

Temos que a restrição de f aos abertos U e M\V é de classe Ck. De fato,a restrição de f a U coincide com o produto (ξ|U )f e a restrição de f aM\V é nula. Como M = U ∪ (M\V ), temos que f é de classe Ck em M .Finalmente, como ξ|F ≡ 1, segue que f |F = f |F .

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Observação 2.4.3. O Teorema 2.4.2 não é válido para aplicações que to-mam valores numa variedade arbitrária. Por exemplo, a aplicação identidadeId : S1 → S1 não pode ser estendida a uma aplicação F : R2 → S1, de classeC2. De fato, suponha que exista uma aplicação F : R2 → S1 de classe, pelomenos C2, tal que F |S1 = Id. Escrevendo

F (x, y) = (f(x, y), g(x, y)),

tem-se que

f(cos t, sin t) = cos t e g(cos t, sin t) = sin t,

para todo t ∈ R. Assim, se escrevermos

df =∂f

∂xdx+

∂f

∂ydy e dg =

∂g

∂xdx+

∂g

∂ydy,

a integral curvilínea de fdg − gdf sobre S1 é dada por∫S1

(fdg − gdf) =

∫S1

(cos t · d(sin t)− sin t · d(cos t))

=

∫ 2π

0(cos2 t+ sin2 t)dt = 2π.

Por outro lado, como S1 = ∂D2, o Teorema de Green fornece:∫S1

(fdg − gdf) =

∫S1

[(f∂g

∂x− g∂f

∂x

)dx+

(f∂g

∂y− g∂f

∂y

)dy

]= 2

∫∫D2

(∂f

∂x

∂g

∂y− ∂f

∂y

∂g

∂x

)dxdy.

Como a expressão dentro dos parênteses na integral dupla acima é identica-mente nula, pois é o determinante cujas colunas são os vetores dF (x, y) · e1

e dF (x, y) · e2, os quais são colineares por serem tangentes a S1 no mesmoponto F (x, y), obtemos ∫

S1

(fdg − gdf) = 0,

o que é uma contradição.

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Exercícios

1. Prove que toda variedade diferenciável é regular e normal.

2. Prove que as seguintes afirmações sobre um espaço topológico X sãoequivalentes:

(a) X é normal.

(b) Dados um fechado F ⊂ X e um aberto U ⊂ X, com F ⊂ U , existe umaberto V ⊂ X com F ⊂ V ⊂ V ⊂ U .

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2.5 O teorema de mergulho de Whitney

Nesta seção discutiremos o problema de saber se toda variedade diferen-ciável pode ser vista como subvariedade de algum espaço Euclidiano. Maisprecisamente, dado uma variedade diferenciável Mm de classe Ck, queremosexibir um mergulho f : Mm → Rn de classe Ck, para algum n suficiente-mente grande. A resposta é positiva e foi provado por Whitney [20] em 1936em um artigo que se tornou uma das referências no estudo das variedadesdiferenciáveis.

Teorema 2.5.1 (Whitney). Qualquer variedade diferenciável Mm de classeCk pode ser mergulhada como uma subvariedade fechada de R2m+1.

A prova do Teorema 2.5.1 tem sido simplificada e ganhado diferentesabordagens da prova original de Whitney. Dentre os textos clássicos daliteratura Guillemin [6], Hirsch [8] e Lee [11], uma abordagem mais completado assunto pode ser encontrada em [1], onde a prova do Teorema 2.5.1 éapresentada com detalhes.

O teorema seguinte é uma versão parcial do Teorema de Whitney, válidaapenas para variedades compactas e sem a estimativa sobre a dimensão doespaço Euclidiano onde mergulhamos a variedade M .

Teorema 2.5.2. Qualquer variedade diferenciável compacta Mm de classeCk pode ser mergulhada em algum espaço Euclidiano.

Demonstração. Para cada ponto p ∈ M , escolha uma carta local (Up, ϕp)em M , com p ∈ Up. Como M é regular, todo ponto de M possui um sis-tema fundamental de vizinhanças fechadas (cf. Exercício 1). Assim, existemabertos Wp, Vp ⊂M tais que

p ∈Wp ⊂W p ⊂ Vp ⊂ V p ⊂ Up.

Pelo Teorema 2.4.2, existe uma aplicação φp : M → Rm de classe Ck

que coincide com ϕp no fechado V p. Pelo Lema 2.4.1, existe uma funçãoξp : M → R de classe Ck que é igual a 1 no fechado W p e é igual a zerono fechado M\Vp. Como M é compacta, a cobertura aberta M =

⋃p∈M Wp

possui uma subcobertura finita M =⋃ri=1Wpi . Definimos uma aplicação

f : M → Rn pondo:

f(p) =(φp1(p), . . . , φpr(p), ξp1(p), . . . , ξpr(p)

),

para todo p ∈M , onde n = rm+ r. Tem-se que f é uma aplicação de classeCk. Provemos que f é um mergulho. De fato, dados p ∈ M e v ∈ TpM ,

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temos:

df(p) · v =(dφp1(p) · v, . . . ,dφpr(p) · v,dξp1(p) · v, . . . , dξpr(p) · v

).

Assuma que df(p) · v = 0. Seja s ∈ 1, . . . , r tal que p ∈ Wps . Comoas aplicações φps e ϕps coincidem no aberto Wps , temos que dϕps(p) · v =dφps(p) · v = 0. Como ϕps é um difeomorfismo, temos que dϕps(p) é umisomorfismo, donde concluimos que v = 0. Isso prova que f é uma imersão.Como M é compacta, para estabalecer que f é um mergulho é suficienteprovar que f é injetora (cf. Exercício 2). Sejam p, q ∈ M com f(p) = f(q).Disso decorre que

φpi(p) = φpi(q) e ξpi(p) = ξpi(q),

para todo 1 ≤ i ≤ r. Seja s ∈ 1, . . . , r tal que p ∈ Wps . Temos queξps(p) = 1 e, portanto, ξps(q) = 1. Como ξps ≡ 0 em M\Vps , segue queq ∈ Vps . Como φps coincide com a carta ϕps em Vps , a restrição de φps a Vpsé injetora. Assim, as condições φps(p) = φps(q) e p, q ∈ Vps implicam quep = q.

Exercícios

1. Prove que um espaço topológico X é regular se, e somente se, todo pontode X possui um sistema fundamental de vizinhanças fechadas, i.e., se, esomente se, para todo p ∈ X e para todo aberto U ⊂ X contendo p existeum subconjunto fechado contido em U que contém p em seu interior.

2. Seja f : X → Y uma aplicação contínua e bijetora, onde X é um espaçotopológico compacto e Y é um espaço topológico de Hausdorff. Prove que fé um homeomorfismo.

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Capítulo 3

Distribuições

3.1 O fibrado tangente

Nesta seção estudaremos o fibrado tangente de uma variedade diferenciá-vel, o espaço natural de se trabalhar quando estamos tratando de questõesque envolvem posição e velocidade.

Seja Mm uma variedade diferenciável de classe Ck. A cada pontop ∈ M , associamos o espaço tangente TpM , que é um espaço vetorial realde dimensão m. Denotemos por TM a união disjunta de todos os espaçostangentes a M . Mais precisamente, definimos:

TM =⋃p∈M

(p × TpM

).

O conjunto TM é chamado o fibrado tangente de M . Um dos objetivosdesta seção é provar que TM pode ser visto de maneira natural como umavariedade diferenciável. Antes disso, definimos uma aplicação π : TM →Mda maneira natural:

π(p, v) = p,

para quaisquer p ∈ M e v ∈ TpM . A aplicação π é a projeção canônica deTM sobre M . Além disso, π é uma aplicação sobrejetora.

Muitas vezes indentificaremos o espaço tangente TpM com o subconjuntop × TpM de TM através da bijeção natural v 7→ (p, v).

Teorema 3.1.1. Seja Mm uma variedade diferenciável de classe Ck. En-tão o fibrado tangente TM é uma variedade diferenciável de classe Ck−1 edimensão 2m.

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Demonstração. Dado uma carta local (U,ϕ) emM , definimos uma aplicaçãoϕ : π−1(U)→ ϕ(U)× Rm pondo

ϕ(p, v) = (ϕ(p),dϕ(p) · v),

para quaisquer p ∈ U e v ∈ TpM . Como ϕ é bijetora e dϕ(p) é um isomor-fismo linear para todo p ∈ U , a aplicação ϕ é bijetora. Como ϕ(U) × Rm éum aberto de R2m, segue que ϕ é uma carta local em TM . Provaremos que

A = ϕ : (U,ϕ) é carta de M

é um atlas de classe Ck−1 em TM . Em primeiro lugar, é fácil ver que osdomínios das aplicações de A cobrem TM . Sejam então (U,ϕ), (V, ψ) cartasem M . Temos:

ϕ(π−1(U) ∩ π−1(V )

)= ϕ

(π−1(U ∩ V )

)= ϕ(U ∩ V )× Rm

eψ(π−1(U) ∩ π−1(V )

)= ψ

(π−1(U ∩ V )

)= ψ(U ∩ V )× Rm.

Como ϕ(U∩V ) e ψ(U∩V ) são abertos em Rm, segue que ϕ(π−1(U)∩π−1(V )

)e ψ(π−1(U)∩π−1(V )

)são abertos de R2m. Dado (x, h) ∈ ϕ(U)×Rm, tem-se

que ϕ−1(x, h) = (p, v), onde p = ϕ−1(x) e v = dϕ(p)−1 · h. Além disso, sep ∈ V então ψ(p, v) = (ψ(p),dψ(p) · v). Temos:

dψ(p) · v =(dψ(ϕ−1(x)) dϕ(ϕ−1(x))−1

)· h = d(ψ ϕ−1)(x) · h.

Assim, a aplicação de transição ψ ϕ−1 : ϕ(U ∩V )×Rm → ψ(U ∩V )×Rm,de ϕ para ψ, é dada por(

ψ ϕ−1)(x, h) =

((ψ ϕ−1)(x), d(ψ ϕ−1)(x) · h

).

Como ψ ϕ−1 é de classe Ck, segue que ψ ϕ−1 é de classe Ck−1 (cf. Exercí-cio 3). Analogamente, a aplicação inversa de ψ ϕ−1, que é igual a ϕ ψ−1,é também de classe Ck−1. Isso prova que A é um atlas de classe Ck−1 emTM . Resta provar que a topologia induzida por A em TM é Hausdorff esatisfaz o segundo axioma da enumerabilidade. Antes disso, provemos que aprojeção π é contínua, onde TM é munido da topologia induzida por A. Defato, se U ⊂ M é o domínio de uma carta ϕ em M , então π−1(U) é abertoem TM , pois π−1(U) é o domínio da carta ϕ. Em geral, se U ⊂ M é umaberto arbitrário, então U =

⋃α∈I Uα, onde Uα é o domínio de uma carta

em M , para todo α ∈ I. Assim, π−1(U) =⋃α∈I π

−1(Uα) é aberto em TM .

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Provemos então que a topologia τA é Hausdorff. Sejam (p, v), (q, w) pontosdistintos em TM . Se p 6= q então, como M é Hausdorff, existem abertos dis-juntos U, V ⊂M , com p ∈ U e q ∈ V . Assim, π−1(U) e π−1(V ) são abertosdisjuntos em TM contendo (p, v) e (q, w), respectivamente. Se p = q, seja(U,ϕ) uma carta em M , com p ∈ U . Como dϕ(p) · v 6= dϕ(p) · w, existemabertos disjuntos A,B ⊂ Rm contendo dϕ(p) ·v e dϕ(p) ·w, respectivamente.Assim, ϕ−1

(ϕ(U)×A

)e ϕ−1

(ϕ(U)×B

)são abertos disjuntos em TM con-

tendo (p, v) e (q, w), respectivamente. Provemos agora que a topologia τAsatisfaz o segundo axioma da enumerabilidade. Como M satisfaz o segundoaxioma da enumerabilidade, temos que o atlas maximal que define a estru-tura diferenciável de M contém um atlas enumerável ϕi : i ∈ N. Assim,ϕi : i ∈ N é um atlas enumerável para TM e, portanto, TM satisfaz osegundo axioma da enumerabilidade (cf. Exercícios 4 e 5).

Veremos agora algumas propriedades básicas do fibrado tangente.

Lema 3.1.2. Seja Mm uma variedade diferenciável de classe Ck. Então aprojeção π : TM → M é uma aplicação de classe Ck−1. Além disso, sek ≥ 2, então π é uma submersão.

Demonstração. Seja (U,ϕ) uma carta local em M e considere a carta cor-respondente ϕ em TM . Como π(π−1(U)) ⊂ U , a representação de π emrelação às cartas locais ϕ e ϕ é dada por

(x, h) ∈ ϕ(U)× Rm 7→ x ∈ ϕ(U).

Como a projeção (x, h) 7→ x é uma submersão de classe C∞ e ϕ,ϕ sãodifeomorfismos de classe Ck e Ck−1, respectivamente, segue que a restriçãode π a π−1(U) é de classe Ck−1 e é uma submersão se k ≥ 2. Como ϕ é umacarta arbitrária, segue a conclusão.

Lema 3.1.3. Sejam M uma variedade diferenciável de classe Ck e W ⊂Mum subconjunto aberto. Então TW é um aberto de TM tal que a estru-tura diferenciável usual do fibrado tangente da variedade W coincide com aestrutura diferenciável que TM induz no aberto TW .

Demonstração. Como TpW = TpM , para todo p ∈ W , temos queTW = π−1(W ). Como π é contínua, segue que TW é aberto em TM .A estrutura diferenciável usual do fibrado tangente de W é o atlas maximalde classe Ck−1 que contém as cartas locais da forma ϕ, onde (U,ϕ) é umacarta de W . Mas se (U,ϕ) é uma carta de W então (U,ϕ) também é umacarta de M e, portanto, ϕ é uma carta de TM com domínio contido em

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TW . Logo, ϕ pertence à estrutura diferenciável induzida por TM no abertoTW .

Lema 3.1.4. Se V é um espaço vetorial real de dimensão n entãoTV = V × V . Além disso, a estrutura diferenciável usual de TV coin-cide com a estrutura diferenciável usual do espaço vetorial real V × V , i.e.,a estrutura diferenciável que contém os isomorfismos lineares entre V × V eo espaço Euclidiano R2n.

Demonstração. Para todo p ∈ V , temos TpV = V e, assim:⋃p∈V

(p × TpV

)= V × V.

Seja agora ϕ : V → Rn um isomorfismo linear. Assim, ϕ é uma carta para avariedade V e a carta correspondente ϕ : V × V → Rn × Rn é dada por

ϕ(p, v) = (ϕ(p), ϕ(v)).

Logo, ϕ : V ×V → R2n é um isomorfismo linear. Portanto, tanto a estruturadiferenciável usual do fibrado tangente de V quanto a estrutura diferenciávelusual do espaço vetorial real V ×V contém o atlas A = ϕ : ϕ é carta de V .Isso prova que tais estruturas diferenciáveis em TV = V ×V coincidem.

Corolário 3.1.5. Se W é um aberto de Rn então TW = W ×Rn, e a estru-tura diferenciável usual do fibrado tangente de W coincide com a estruturadiferenciável induzida por R2n no aberto W × Rn.

Demonstração. Segue diretamente dos Lemas 3.1.3 e 3.1.4.

Proposição 3.1.6. SejaMm uma variedade diferenciável de classe Ck, comk ≥ 2. Para todo p ∈ M , o espaço tangente TpM é uma subvariedade declasse Ck−1 do fibrado tangente TM . Além disso, a estrutura diferenciávelusual do espaço vetorial TpM coincide com a estrutura diferenciável induzidapor TM em TpM .

Demonstração. Como TpM = π−1(p) e π é uma submersão de classe Ck−1

(cf. Lema 3.1.2), segue que TpM é uma subvariedade de classe Ck−1 de TM .Dado uma carta (U,ϕ) em M , considere a carta correspondente ϕ em TM .Temos:

ϕ(π−1(U) ∩ TpM

)= ϕ(TpM) = ϕ(p) × Rm.

Considere o difeomorfismo φ : R2m → R2m de classe C∞ definido por

φ(x, h) = (h, x− ϕ(p)).

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Segue que φ ϕ : π−1(U)→ φ(ϕ(U)× Rm) é uma carta em TM e:

(φ ϕ)(π−1(U) ∩ TpM

)= Rm = φ

(ϕ(U) ∩ Rm

)∩ Rm,

i.e., φ ϕ é uma carta de TM que satisfaz a relação (2.1). A restrição deφ ϕ a TpM nos fornece uma carta local em TpM pertencente à estruturadiferenciável induzida por TM em TpM . Tal restrição é dada por

v ∈ TpM 7→ (φ ϕ)(p, v) = dϕ(p) · v ∈ Rm.

Mas dϕ(p) : TpM → Rm é um isomorfismo linear e, portanto, é também umacarta local pertencente à estrutura diferenciável usual do espaço vetorial realTpM . Concluimos então que o atlas dϕ(p) em TpM está contido tantona estrutura diferenciável induzida por TM em TpM como na estruturadiferenciável usual do espaço vetorial real TpM .

Exercícios

1. Prove que o fibrado tangente do círculo S1, TS1, é difeomorfo ao cilindroS1 × R.

2. Seja Mm ⊂ Rn uma superfície de classe Ck. Considere o conjunto

S(M) = (p, v) ∈ Rn × Rn : p ∈M,v ∈ TpM, ‖v‖ = 1.

Prove que S(M) é uma superfície de classe Ck−1 e dimensão 2m− 1, conhe-cida como o fibrado tangente unitário de M . Prove que S(M) é compactose, e somente se, M é compacta.

3. Seja f : U → Rn uma aplicação de classe Ck definida num aberto U ⊂ Rm.Prove que a aplicação φ : U × Rm → Rn, definida por φ(p, v) = df(p) · v, éde classe Ck−1.

4. Um espaço topológico X é chamado um espaço de Lindelöf se toda co-bertura aberta de X admite uma subcobertura enumerável. Prove que seX satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade então X é um espaço deLindelöf.

5. Sejam M um conjunto e A um atlas em M . Prove que se A contém umatlas enumerável para M então a topologia induzida por A em M satisfaz osegundo axioma da enumerabilidade.

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3.2 Campos de vetores

Nesta seção discutiremos o conceito de campo vetorial, uma das motiva-ções para o estudo do fibrado tangente de uma variedade diferenciável.

Definição 3.2.1. Seja M uma variedade diferenciável de classe Ck. Umcampo vetorial em M é uma aplicação X : M → TM tal que o diagrama

MX //

Id %%

TM

πM

comuta.

Em outras palavras, X : M → TM é um campo vetorial se, e somentese, X é uma inversa à direita da projeção canônica π. Um campo vetorialemM é também chamado de uma seção do fibrado tangente TM , no sentidode que

X(p) ∈ TpM,

para todo p ∈ M . Observe que, se M é de classe Ck, um campo vetorialX : M → TM é, no máximo, uma aplicação de classe Ck−1, pois TM é umavariedade de classe Ck−1. O conjunto de todos os campos vetoriais de classeCk−1 de uma variedade diferenciável de classe Ck será denotado por X(M).Com as operações naturais

(X + Y )(p) = X(p) + Y (p),

(cX)p) = cX(p),

para quaisquer X,Y ∈ X(M), p ∈M e c ∈ R, o conjunto X(M) torna-se umespaço vetorial real (cf. Exercício 5).

Dados um campo vetorial X : M → TM e uma carta local (U,ϕ) em M ,podemos escrever

X(p) =

m∑i=1

ai(p)∂

∂xi(p),

para todo p ∈ U , onde cada ai : U → R é uma função no aberto U e∂∂x1

(p), . . . , ∂∂xm

(p)é a base de TpM associada à carta ϕ. Considerando a

carta ϕ : π−1(U)→ ϕ(U)× Rm em TM , associada a ϕ, temos:

ϕ(p,X(p)) = (ϕ(p), a1(p), . . . , am(p)),

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para todo p ∈ U . Assim,(ϕ X ϕ−1

)(x) =

(x, (a1 ϕ−1)(x), . . . , (am ϕ−1)(x)

),

para todo x ∈ ϕ(U). Portanto, X é de classe Ck−1 se, e somente se, asfunções ai são de classe Ck−1, para todo 1 ≤ i ≤ m.

Lema 3.2.2. Sejam M uma variedade diferenciável de classe Ck eX ∈ X(M). Então, X : M → TM é um mergulho de classe Ck−1

Demonstração. Decorre diretamente do Exercício 3, observando que a pro-jeção π : TM →M é uma inversão à esquerda de classe Ck−1 para X.

Corolário 3.2.3. Sejam M uma variedade diferenciável de classe Ck eX ∈ X(M). Então a imagem de X é uma subvariedade de TM de classeCk−1 e a restrição da projeção π : TM → M a X(M) é um difeomorfismode classe Ck−1 da imagem de X sobre M .

Demonstração. Pelo Lema 3.2.2, X é um mergulho de classe Ck−1 e, por-tanto, X(M) é uma subvariedade de classe Ck−1 de TM e X : M → X(M)é um difeomorfismo de classe Ck−1. Para concluir a prova, basta observarque π|X(M) : X(M)→M é a aplicação inversa de X : M → X(M).

Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck. Dado uma aplicaçãof : M → N de classe Ck, definimos uma aplicação df : TM → TN , chamadaa diferencial de f , pondo

df(p, v) = (f(p),df(p) · v), (3.1)

para quaisquer p ∈M e v ∈ TpM . Temos a seguinte

Proposição 3.2.4. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck ef : M → N uma aplicação de classe Ck. Então a diferencial df : TM → TNé de classe Ck−1.

Demonstração. Sejam (U,ϕ), (V, ψ) cartas locais em M e N , respectiva-mente, com f(U) ⊂ V . Considere as cartas correspondentes ϕ em TM e ψem TN . Temos que df(π−1(U)) ⊂ π−1(V ). Como ϕ e ψ podem ser esco-lhidas de modo que π−1(U) contenha um ponto arbitrário dado em TM , aprova estará completa se verificarmos que a representação de df em relaçãoàs cartas ϕ e ψ é de classe Ck−1. Seja então (x, h) ∈ ϕ(U) × Rm e defina(p, v) = ϕ−1(x, h), de modo que p = ϕ−1(x) e v = dϕ(p)−1 · h. Assim,

(ψ df)(p, v) =(ψ(f(p)), (dψ(f(p)) df(p)) · v

).

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Porém, como(dψ(f(p)) df(p)

)· v =

(dψ(f(p)) df(p) dϕ(p)−1

)· h,

segue que a representação de df em relação às cartas ϕ e ψ é dada por(ψ df ϕ−1

)(x, h) =

((ψ f ϕ−1)(x),d(ψ f ϕ−1)(x) · h

).

Como ψ f ϕ−1 é de classe Ck, segue que ψ df ϕ−1 é de fato umaaplicação de classe Ck−1.

Corolário 3.2.5. Sejam M , N variedades diferenciáveis de clase Ck ef : M → N um difeomorfismo de classe Ck. Então a diferencialdf : TM → TN é um difeomorfismo de classe Ck−1.

Demonstração. Basta observar que (df)−1 = d(f−1) e usar a Proposição3.2.4.

Teorema 3.2.6. Sejam Nn uma variedade diferenciável de classe Ck, comk ≥ 2, e M ⊂ N uma subvariedade de classe Ck e dimensão m. Então TMé uma subvariedade de TN de classe Ck−1. Além disso, a estrutura diferen-ciável usual do fibrado tangente de M coincide com a estrutura diferenciávelinduzida por TN em TM .

Demonstração. Seja (U,ϕ) uma carta em N satisfazendo a relação (2.1),i.e., ϕ(U ∩M) = ϕ(U)∩Rm. Como ϕ é um difeomorfismo que transforma asubvariedade U ∩M de U sobre a subvariedade ϕ(U) ∩ Rm de ϕ(U), temosque, para todo p ∈ U ∩M , a diferencial dϕ(p) transforma o espaço tangentea U ∩M no ponto p no espaço tangente a ϕ(U)∩Rm no ponto ϕ(p). Temos,então:

dϕ(p)(TpM) = Rm,

para todo p ∈ U ∩M . Assim,

ϕ(π−1(U) ∩ TM) = ϕ(U ∩M)× Rn = (ϕ(U) ∩ Rm)× Rn

= (ϕ(U)× Rn) ∩ (Rm × Rm),

onde identificamos Rm × Rm com o seguinte subespaço de R2n:

Rm × Rm = (x1, . . . , xm, 0, . . . , 0, h1, . . . , hm, 0, . . . , 0) ∈ R2n : xi, hi ∈ R.

Seja φ : R2n → R2n o isomorfismo linear definido por

φ(x1, ..., xm, 0, ..., 0, h1, ..., hm, 0, ..., 0) = (x1, ..., xm, h1, ..., xm, 0, ..., 0).

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Temos que φ transforma o subespaço Rm × Rm de R2n sobre o subespaçoR2m de R2n e, portanto, a carta φ ϕ : π−1(U) → φ(ϕ(U) × Rn) de TNsatisfaz

(φ ϕ)(π−1(U) ∩ TM) = φ(ϕ(U) ∩ Rn) ∩ R2m,

i.e., φ ϕ é uma carta de TN que satisfaz a relação (2.1). Como ϕ pode serescolhida de modo que π−1(U) contenha um ponto arbitrário dado de TM ,segue que TM é uma subvariedade de TN de classe Ck−1. Provemos agoraque a estrutura diferenciável usual do fibrado tangente de M coincide coma estrutura diferenciável induzida por TN em TM . Para cada carta (U,ϕ)de N satisfazendo (2.1), denotemos por ϕ0 = ϕ|U∩M : U ∩M → ϕ(U) ∩Rma carta correspondente a ϕ em M . Quando ϕ percorre o conjunto de todasas cartas de N satisfazendo (2.1), temos que as cartas correspondentes ϕ0

em M constituem um atlas para M , e as correspondentes cartas ϕ0 em TMconstituem um atlas para TM contido na estrutura diferenciável usual dofibrado tangente de M . Vimos acima que a cada carta ϕ de N satisfazendo(2.1) está também associada uma carta φ ϕ satisfazendo (2.1) para TM .Tal carta restringe-se a uma carta

φ ϕ|π−1(U)∩TM : π−1(U) ∩ TM → φ(ϕ(U)× Rn) ∩ R2m (3.2)

em TM e quando ϕ percorre o conjunto de todas as cartas de N satisfazendo(2.1), temos que as correspondentes cartas em (3.2) de TM constituem umatlas contido na estrutura diferenciável induzida por TN em TM . Paraprovar que a estrutura diferenciável usual do fibrado tangente deM coincidecom a estrutura diferenciável induzida por TN em TM , basta provar que acarta em (3.2) coincide com a carta ϕ0. Sejam então p ∈ U ∩M , v ∈ TpMe escreva ϕ0(p) = (x1, . . . , xm) e dϕ0(p) · v = (h1, . . . , hm). Temos:

ϕ(p) = (x1, . . . , xm, 0, . . . , 0), dϕ(p) · v = (h1, . . . , hm, 0, . . . , 0)

e, portanto, a carta em (3.2) de fato coincide com ϕ0.

Observação 3.2.7. Se N é uma variedade diferenciável de classe C1 e seM ⊂ N é uma subvariedade de classe C1 então não podemos dizer queTM é uma subvariedade de TN de classe C0, pois a noção de subvariedadeintroduzida foi apenas para variedades diferenciáveis de classe Ck, com k ≥ 1.No entanto, o argumento apresentado na prova do Teorema 3.2.6 implicaque a estrutura diferenciável de classe C0 usual do fibrado tangente de Mcontém um atlas formado por restrições de cartas de TN . Isso implica que atopologia de TM , induzida pelo seu atlas, coincide com a topologia induzidapor TN .

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Corolário 3.2.8. Sejam N uma variedade diferenciável de clase Ck,M ⊂ Numa subvariedade de classe Ck e X ∈ X(N) tal que X(p) ∈ TpM , para todop ∈M . Então, X|M : M → TM é um campo vetorial de classe Ck−1 em M .

Demonstração. A condição X(p) ∈ TpM , para todo p ∈ M , significa queX(M) ⊂ TM . O fato que X|M : M → TM é de classe Ck−1 segue entãodiretamente do Teorema 3.2.6 e da Observação 3.2.7.

Corolário 3.2.9. Sejam M , N variedades diferenciáveis de clase Ck, comk ≥ 2, e f : M → N um mergulho de classe Ck. Então, df : TM → TN éum mergulho de classe Ck−1.

Demonstração. Como f é um mergulho de classe Ck, temos que f(M) é umasubvariedade de N de classe Ck e a aplicação f : M → f(M), que diferede f apenas pelo contra-domínio, é um difeomorfismo de classe Ck. Assim,pelo Teorema 3.2.6, Tf(M) é uma subvariedade de classe Ck−1 de TN e,portanto, a aplicação inclusão de Tf(M) em TN é um mergulho de classeCk−1, sendo Tf(M) munido da estrutura diferenciável induzida por TN .Como f é um difeomorfismo de classe Ck, temos que df : TM → Tf(M) éum difeomorfismo de classe Ck−1, sendo Tf(M) munido da estrutura diferen-ciável usual do fibrado tangente de f(M). Como a estrutura diferenciávelusual do fibrado tangente de f(M) coincide com a estrutura diferenciávelinduzida por TN em Tf(M) e como df : TM → TN é igual a composiçãode df com a inclusão de Tf(M) em TN , segue que df é um mergulho declasse Ck−1.

Observação 3.2.10. Dado uma aplicação f : U → Rn de classe Ck, definidanum subconjunto aberto U ⊂ Rm, a diferencial de f é definida como aaplicação df : U → Lin(Rm;Rn) tal que, para cada x ∈ U , df associa adiferencial de f no ponto x, denotada por df(x). Tal aplicação é diferenteda diferencial df : TU → TRn considerada em (3.1). Para evitar essaambiguidade, muitas vezes a diferencial df : TM → TN de uma aplicaçãof : M → N é denotada por f∗ e é chamada a aplicação tangente a f .Preferimos, no entanto, escrever df ao invés de f∗, reservando a notação f∗para o que iremos chamar de pull-back de uma aplicação.

Exercícios

1. Dados um ponto p ∈M e um vetor v ∈ TpM , prove que existe um campovetorial X ∈ X(M) tal que X(p) = v.

70

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2. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck, k ≥ 2, e f : M → Numa aplicação de classe Ck. Prove que:

(a) Se f é um difeomorfismo local então df : TM → TN é um difeomor-fismo local.

(b) Se f é uma imersão então df : TM → TN é uma imersão.

(c) Se f é uma submersão então df : TM → TN é uma submersão.

3. Seja f : M → N uma aplicação de classe Ck. Se f possui uma inversa àesquerda de classe C1 então f é um mergulho.

4. Sejam M uma variedade diferenciável de classe Ck, 1 ≤ k ≤ ∞, e X :M → TM o campo vetorial nulo, i.e., X(p) é o vetor nulo de TpM , paratodo p ∈M . Prove que X ∈ X(M).

5. Seja M uma variedade diferenciável de classe Ck. Prove que o conjuntoΓ de todos os campos vetoriais em M , munido das operações:

(X + Y )(p) = X(p) + Y (p)

(cX)(p) = cX(p),

para quaisquer X,Y ∈ Γ, p ∈ M e c ∈ R, é um espaço vetorial real. Provetambém que X(M) é um subespaço vetorial de Γ.

71

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3.3 Derivações

Nesta seção discutiremos o conceito de derivações em variedades dife-renciáveis obtendo, em particular, uma nova interpretação para o espaçotangente. A partir de agora, por questão de simplicidade, assumiremos quetodas as variedades envolvidas são de classe C∞ e iremos nos referir a umavariedade diferenciável M de classe C∞ simplesmente por uma variedadediferenciável M .

Dado uma variedade diferenciável M , denotemos por C∞(M) o espaçovetorial real das funções f : M → R de classe C∞.

Definição 3.3.1. Sejam M uma variedade diferenciável e p ∈ M . Umaderivação em p é um funcional linearD : C∞(M)→ R que satisfaz a seguinterelação:

D(fg) = D(f)g(p) + f(p)D(g), (3.3)

para quaisquer f, g ∈ C∞(M).

A relação (3.3) é usualmente conhecida como a regra de Leibniz. Segueda Definição 3.3.1 que qualquer derivação se anula nas funções constantes.De fato, seja D : C∞(M)→ R uma derivação em p ∈M . Dados f ∈ C∞(M)e c ∈ R, temos

D(fc) = D(f)c+ f(p)D(c).

Como D(cf) = cD(f), segue que f(p)D(c) = 0. Assim, se f é tal quef(p) 6= 0, segue que D(c) = 0.

Exemplo 3.3.2. Sejam M uma variedade diferenciável e p ∈M . Dado umvetor v ∈ TpM , definimos uma função v : C∞(M)→ R pondo

v(f) = (f λ)′(0), (3.4)

onde λ : I → M é uma curva de classe C∞ tal que λ(0) = p e λ′(0) = v.Afirmamos que v é uma derivação em p. De fato, é fácil ver que v está bemdefinida e a linearidade de v segue da linearidade da derivada. Além disso,dados f, g ∈ C∞(M), temos:

v(fg) = (fg λ)′(0)

=((f λ) · (g λ)

)′(0)

= (f λ)′(0) · (g λ)(0) + (f λ)(0) · (g λ)′(0)

= v(f)g(p) + f(p)v(g).

72

Page 76: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Exemplo 3.3.3. Dado um ponto p ∈Mm, seja (U,ϕ) uma carta emM , comp ∈ U . Como caso particular do Exemplo 3.3.2 temos, para cada 1 ≤ i ≤ m,as derivações

∂xi(p) : C∞(M)→ R,

onde

∂∂x1

(p), . . . , ∂∂xm

(p)

denota a base de TpM associada a ϕ. Assim,dado f ∈ C∞(M), temos:

∂xi(p)(f) = (f λ)′(0)

= (f ϕ−1 ϕ λ)′(0)

= d(f ϕ−1)(ϕ(p)) d(ϕ λ)(0)

= d(f ϕ−1)(ϕ(p)) · dϕ(p) · ∂∂xi

(p)

= d(f ϕ−1)(ϕ(p)) · ei

=∂(f ϕ−1)

∂xi(ϕ(p)),

onde λ : I → U é uma curva diferenciável tal que λ(0) = p e λ′(0) = ∂∂xi

(p).

Denotemos por Derp(M) o conjunto de todas as derivações em p de umavariedade diferenciávelM . O lema seguinte caracteriza a estrutura algébricade Derp(M).

Lema 3.3.4. O conjunto Derp(M), munido das operações

(D + T )(f) = D(f) + T (f)

(cD)(f) = cD(f),(3.5)

para quaisquer D,T ∈ Derp(M), f ∈ C∞(M) e c ∈ R, é um espaço vetorialreal.

Demonstração. Provemos, inicialmente, que Derp(M) é fechado em relaçãoàs operações em (3.5). De fato, sejam D,T ∈ Derp(M), f, g ∈ C∞(M) ec ∈ R. Temos:

(D + T )(fg) = D(fg) + T (fg)

= D(f)g(p) + f(p)D(g) + T (f)g(p) + f(p)T (g)

=(D(f) + T (f)

)g(p) + f(p)

(D(g) + T (g)

)= (D + T )(f)g(p) + f(p)(D + T )(g)

73

Page 77: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

e

(cD)(fg) = cD(fg)

= cD(f)g(p) + cf(p)D(g)

= (cD)(f)g(p) + f(p)(cD)(g).

Os axiomas que caracterizam um espaço vetorial são deixados a critério doleitor.

O Lema 3.3.4 não nos diz qual é a dimensão do espaço vetorial Derp(M).O teorema seguinte, além de responder a essa questão, nos garante que asderivações do Exemplo 3.3.2 são, essencialmente, as únicas derivações emp ∈M . Para isso, usaremos o seguinte lema auxiliar.

Lema 3.3.5. Seja f : U → R uma função de classe C∞, onde U ⊂ Rm éum aberto convexo contendo 0 ∈ Rm. Então, existem funções gi : U → R declasse C∞, 1 ≤ i ≤ m, tais que:

f(x) = f(0) +m∑i=1

xigi(x),

para todo x = (x1, . . . , xm) ∈ U .

Demonstração. Dado x ∈ U , defina uma função hx : [0, 1] → R pondohx(t) = f(tx), para todo t ∈ [0, 1]. Temos:∫ 1

0

m∑i=1

∂f

∂xi(tx)xidt =

∫ 1

0h′x(t)dt = hx(1)− hx(0) = f(x)− f(0),

ou seja,

f(x) = f(0) +m∑i=1

∫ 1

0

∂f

∂xi(tx)xidt.

Assim, basta definir:

gi(x) =

∫ 1

0

∂f

∂xi(tx)xidt,

para todo 1 ≤ i ≤ m.

De acordo com a notação do Exemplo 3.3.2, temos o seguinte:

74

Page 78: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Teorema 3.3.6. Sejam M uma variedade diferenciável e p ∈M . A aplica-ção φ : TpM → Derp(M), definida por

φ(v) = v,

para todo v ∈ TpM , é um isomorfismo linear.

Demonstração. A linearidade de φ segue da linearidade de (3.4). Dado umaderivação D ∈ Derp(M), escolha uma carta (U,ϕ) em M , com U convexo,p ∈ U e ϕ(p) = 0. Dado f ∈ C∞(M), defina h = f ϕ−1 : ϕ(U)→ R. Comoϕ(U) é conexo, segue do Lema 3.3.5 que existem funções gi : ϕ(U) → R declasse C∞, 1 ≤ i ≤ m, tais que

h(x) = h(0) +m∑i=1

xigi(x),

para todo x = (x1, . . . , xm) ∈ ϕ(U). Como x = ϕ(q), para algum q ∈ U ,temos:

f(q) = h(ϕ(q))

= h(0) +m∑i=1

πi(ϕ(q))gi(ϕ(q))

= h(0) +m∑i=1

ϕi(q)gi(q),

onde ϕi(q) = πi(ϕ(q)) e gi(q) = (gi ϕ)(q), para todo q ∈ U . Assim,

D(f) =m∑i=1

D(ϕigi) =m∑i=1

(D(ϕi)gi(p) + ϕi(p)D(gi)

)=

m∑i=1

D(ϕi)gi(p).

(3.6)

Observe que

∂h

∂xi(0) = lim

t→0

h(tei)− h(0)

t

= limt→0

h(0) + tgi(tei)− h(0)

t= lim

t→0gi(tei) = gi(0).

75

Page 79: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Disso decorre, juntamente com o Exemplo 3.3.3, que:

∂xi(p)(f) =

∂(f ϕ−1)

∂xi(ϕ(p)) =

∂h

∂xi(0) = gi(0) = gi(p).

Fazendo ai = D(ϕi), segue que (3.6) que

D(f) =m∑i=1

ai∂

∂xi(p)(f) =

(m∑i=1

ai∂

∂xi(p)

)(f),

ou seja,

φ

(m∑i=1

ai∂

∂xi(p)

)(f) = D(f).

Como f ∈ C∞(M) é arbitrária, provamos que φ é sobrejetora. Além disso,dado v ∈ TpM , com

v =

m∑i=1

ai∂

∂xi(p),

temos:

v(ϕi) =m∑j=1

aj∂

∂xj(p)(ϕi) =

m∑j=1

aj∂(ϕi ϕ−1)

∂xj(ϕ(p))

=

m∑j=1

aj∂πi∂xj

(ϕ(p)) = ai,

para todo 1 ≤ i ≤ m. Assim, se v = 0 então v(ϕi) = 0, para todo 1 ≤ i ≤ m,logo ai = 0, para todo 1 ≤ i ≤ m. Portanto, v = 0 e, assim, φ é injetora.

Do Teorema 3.3.6 obtemos que os vetores tangentes em TpM podemser identificados como derivações em p. Essa noção de derivação pode serglobalizada, como veremos na definição seguinte.

Definição 3.3.7. Seja M uma variedade diferenciável. Uma derivação emM é um operador linear D : C∞(M)→ C∞(M) tal que

D(fg) = D(f)g + fD(g),

para quaisquer f, g ∈ C∞(M).

76

Page 80: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Exemplo 3.3.8. Dado um campo vetorial X ∈ X(M), definimos uma apli-cação X : C∞(M) → C∞(M) tal que, para cada função f ∈ C∞(M), afunção X(f) é definida pondo

X(f)(p) = df(p) ·X(p), (3.7)

para todo p ∈ M . Afirmamos que X é uma derivação em M . De fato,devemos provar, inicialmente, que X(f) ∈ C∞(M), para toda f ∈ C∞(M).Para isso, seja (U,ϕ) uma carta local em M . Assim, para todo p ∈ U ,podemos escrever

X(p) =

m∑i=1

ai(p)∂

∂xi(p), (3.8)

onde as funções ai : U → R são de classe C∞, para todo 1 ≤ i ≤ m.Portanto,

X(f)(p) = df(p) ·X(p) =m∑i=1

ai(p)df(p) · ∂∂xi

(p),

para todo p ∈ U . Isso prova que X(f) é uma função de classe C∞ noaberto U . Como U foi escolhido arbitrariamente, tem-se X(f) ∈ C∞(M). Alinearidade de X segue diretamente da linearidade da derivada em funções.Além disso, segue de (3.7) que

X(f)(p) = X(p)(f),

para todo p ∈M . Assim, dados f, g ∈ C∞(M) e p ∈M , temos:

X(fg)(p) = X(p)(fg) = X(p)(f)g(p) + f(p)X(p)(g)

= X(f)(p) · g(p) + f(p)X(g)(p)

=(X(f)g + fX(g)

)(p).

Como p ∈M é arbitrário, segue a afirmação.

Seguindo a notação do Exemplo 3.3.8, temos a seguinte:

Proposição 3.3.9. Sejam M uma variedade diferenciável e X : M → TMum campo vetorial. As seguintes afirmações são equivalentes:

(a) X ∈ X(M).

(b) X(f) ∈ C∞(M), para toda f ∈ C∞(M).

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Page 81: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Demonstração. Do Exemplo 3.3.8, resta provar que (b) ⇒ (a). Suponhaentão que X(f) ∈ C∞(M), para toda f ∈ C∞(M). Dado p ∈ M , considereuma carta local (U,ϕ) em M , com p ∈ U , e seja ϕ : π−1(U) → ϕ(U) × Rma carta correspondente a ϕ em TM . Temos:

(ϕ X ϕ−1)(ϕ(p)) =(ϕ(p), a1(p), . . . , am(p)

),

para todo p ∈ U , onde as funções ai são dadas como em (3.8). Definindoϕi = πi ϕ, para todo 1 ≤ i ≤ m, temos:

ai(p) =∂ϕ

∂xi(p) ·X(p) = dϕi(p) ·X(p) = X(ϕi)(p),

para quaisquer p ∈ U e 1 ≤ i ≤ m. Como X(ϕi) é de classe C∞ em U , segueque ai ∈ C∞(U), para todo 1 ≤ i ≤ m. Isso prova que a representação de Xnas cartas ϕ e ϕ é de classe C∞. Portanto, X ∈ X(M).

Denotemos por Der(M) o conjunto de todas as derivações em M . Deforma análoga ao Lema 3.3.4, temos que Der(M) é um espaço vetorial real.O teorema seguinte é a versão global do Teorema 3.3.6.

Teorema 3.3.10. A aplicação φ : X(M)→ Der(M), definida por

φ(X) = X,

para todo X ∈ X(M), é um isomorfismo linear.

Demonstração. A linearidade de φ segue diretamente da linearidade da de-rivada (3.7). Seja D ∈ Der(M). Dado p ∈ M , a função Dp : C∞(M) → R,definida por

Dp(f) = D(f)(p),

para toda f ∈ C∞(M), é uma derivação em p, ou seja, Dp ∈ Derp(M).Assim, do Teorema 3.3.6, existe v ∈ TpM tal que v = Dp. Isso define umaaplicação X : M → TM tal que π X = Id e X(f) = D(f), para todaf ∈ C∞(M), pois

X(f)(p) = X(p)(f) = Dp(f) = D(f)(p),

para todo p ∈ M . Como D(f) ∈ C∞(M), temos que X(f) ∈ C∞(M).Assim, pela Proposição 3.3.9, segue que X é de classe C∞, i.e., X ∈ X(M).Isso prova que φ é sobrejetora. Finalmente, seja X,Y ∈ X(M) tais queφ(X) = φ(Y ). Disso decorre que

X(f)(p) = Y (f)(p),

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Page 82: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

para quaisquer f ∈ C∞(M) e p ∈ M . Ou seja, X(p)(f) = Y (p)(f), paraquaisquer f ∈ C∞(M) e p ∈ M . Isso implica que X(p) = Y (p), para todop ∈ M . Assim, pelo Teorema 3.3.6, temos que X(p) = Y (p), para todop ∈M , i.e., X = Y . Portanto, φ é injetora.

Em virtude do Teorema 3.3.10, identificaremos naturalmente cada campoX ∈ X(M) como uma derivação em M e, para cada função f ∈ C∞(M),denotaremos simplesmente por X(f) a função associada.

Proposição 3.3.11. Considere duas derivações D1,D2 ∈ Der(M). Então,a aplicação [D1,D2] : C∞(M)→ C∞(M), definida por

[D1,D2] = D1 D2 −D2 D1,

é uma derivação em M .

Demonstração. Dados f, g ∈ C∞(M), temos:

D1(D2(fg)) = D1

(D2(f)g + fD2(g)

)= D1(D2(f))g +D2(f)D1(g) +D1(f)D2(g) + fD1(D2(g))

e

D2(D1(fg)) = D2

(D1(f)g + fD1(g)

)= D2(D1(f))g +D1(f)D2(g) +D2(f)D1(g) + fD2(D1(g)).

Cancelando os termos semelhantes, obtemos:

[D1,D2](fg) = D1(D2(f))g + fD1(D2(g))−D2(D1(f))g − fD2(D1(g))

= [D1,D2](f)g + f [D1,D2](g).

Isso prova que [D1,D2] ∈ Der(M).

Corolário 3.3.12. Dados X,Y ∈ X(M), existe um único campo [X,Y ] ∈X(M) tal que [X,Y ](f) = X(Y (f))− Y (X(f)), para toda f ∈ C∞(M).

O campo vetorial [X,Y ] ∈ X(M), dado pelo Corolário 3.3.12, é chamadoo colchete de Lie dos campos X e Y e é, usualmente, denotado por

[X,Y ] = XY − Y X.

Proposição 3.3.13. O colchete de Lie satisfaz as seguintes propriedades:

(a) [X,Y ] = −[Y,X],

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Page 83: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

(b) [X, [Y,Z]] + [Y, [Z,X]] + [Z, [X,Y ]] = 0,

(c) [fX, gY ] = fg[X,Y ] + f(X(g))Y − g(Y (f))X,

para quaisquer X,Y, Z ∈ X(M) e f, g ∈ C∞(M).

Demonstração. Basta identificar os campos acima como derivações e avaliarnas funções de C∞(M).

O item (b) da Proposição 3.3.13 é chamado a identidade de Jacobi. Noteque a aplicação

(X,Y ) ∈ X(M)× X(M) 7→ [X,Y ] ∈ X(M)

é bilinear sobre R porém, pelo item (c), não é bilinear sobre C∞(M). Alémdisso, pelo item (b), segue que X, Y , Z são permutados ciclicamente.

Observação 3.3.14. Dado uma carta local (U,ϕ) emMm, temos os camposcoordenados

∂x1, . . . ,

∂xm

associados a ϕ, ou seja, para cada p ∈ U , os vetores

∂x1(p), . . . ,

∂xm(p)

formam uma base para TpM . Assim, dados X,Y ∈ X(M), podemos repre-sentá-los, localmente, como

X|U =

m∑i=1

Xi∂

∂xie Y |U =

m∑i=1

Yi∂

∂xi.

Obtemos, então, a fórmula local para o colchete de X e Y no aberto U :

[X,Y ] =m∑

i,j=1

(Xj

∂Yi∂xj− Yj

∂Xi

∂xj

)∂

∂xi. (3.9)

80

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Exemplo 3.3.15. No plano R2, com coordenadas (x, y), considere os cam-pos vetoriais X = y ∂

∂y e Y = x ∂∂y . Dado uma função f ∈ C∞(R2), temos:

[X,Y ](f) =

[y∂

∂y, x

∂y

](f)

= y∂

∂y

(x∂

∂y(f)

)− x ∂

∂y

(y∂

∂y(f)

)= yx

∂2f

∂y2− x∂f

∂y− xy∂

2f

∂y2

= −x ∂∂y

(f) = −Y (f).

Portanto, neste caso, tem-se [X,Y ] = −Y .

Exercícios

1. Sejam D : C∞(M) → R uma derivação em p ∈ M e f, g ∈ C∞(M) taisque f ≡ g em um aberto U ⊂M contendo p. Prove que D(f) = D(g).

2. Prove que [X,X] = 0, para todo X ∈ X(M).

3. Dado uma carta local (U,ϕ) em uma variedade diferenciável Mm, con-sidere os campos coordenados ∂

∂xi, 1 ≤ i ≤ m, associados a ϕ. Prove que[

∂∂xi, ∂∂xj

]= 0, para quaisquer 1 ≤ i, j ≤ m.

4. Dado uma variedade diferenciável M , considere um subconjunto abertoU ⊂M e um campo X ∈ X(M). Se X(f) = 0, para toda função f ∈ C∞(U),prove que X|U = 0.

81

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3.4 Curvas integrais e o fluxo local

Nesta seção faremos um estudo mais detalhado do fibrado tangente ede suas seções, os campos vetoriais. Mais precisamente, veremos que umcampo vetorial em uma variedade diferenciável pode ser interpretado comouma equação diferencial, no sentido que passaremos a descrever.

Definição 3.4.1. Sejam M uma variedade diferenciável e X ∈ X(M). Umacurva diferenciável α : I → M é chamada uma curva integral de X seα′(t) = X(α(t)), para todo t ∈ I.

Dado uma carta local (U,ϕ) em M , escrevamos

X(p) =m∑i=1

ai(p)∂

∂xi(p),

para todo p ∈ U . Assim, se α : I → M é uma curva integral de X, comα(I) ⊂ U , temos:

α′(t) = X(α(t)) ⇔ dϕ(α(t)) · α′(t) = dϕ(α(t)) ·X(α(t))

⇔ d

dt(ϕ α)(t) =

m∑i=1

(ai α)(t)ei.

Assim, a condição α′(t) = X(α(t)), para todo t ∈ I, dá a expressão local

d

dt(ϕi α) = ai α,

para todo 1 ≤ i ≤ m, que constitui um sistema de equações diferenciaisordinárias de 1a ordem.

O teorema fundamental de existência e unicidade para as soluções de taissistemas tem a seguinte consequência neste contexto:

Teorema 3.4.2. Sejam M uma variedade diferenciável e X ∈ X(M). En-tão, para cada p ∈M , existe um intervalo aberto I = (a, b) contendo 0 ondeestá definida a única curva integral α : I →M de X tal que α(0) = p.

Uma consequência do Teorema 3.4.2 é o seguinte corolário.

Corolário 3.4.3. Sejam α1 : I1 →M e α2 : I2 →M curvas integrais de umcampo X ∈ X(M) tais que α1(c) = α2(c), para algum c ∈ I1 ∩ I2. Então,α1(t) = α2(t), para todo t ∈ I1 ∩ I2.

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Demonstração. Defina o conjunto I = t ∈ I1 ∩ I2 : α1(t) = α2(t). Temosque I 6= ∅, pois c ∈ I. Um argumento simples de continuidade nos dá que Ié aberto e fechado em I1 ∩ I2. Como estamos supondo que os intervalos I1

e I2 são conexos, segue que I = I1 ∩ I2.

A proposição seguinte é conhecida como a invariância por translação doparâmetro.

Proposição 3.4.4. Seja α : I → M uma curva integral de um campoX ∈ X(M). Dado uma constante c ∈ R, considere os subconjuntos

Lc(I) = t− c : t ∈ I e Rc(I) = t+ c : t ∈ I,

e defina as curvas γ : Lc(I)→M e β : Rc(I)→M , pondo

γ(t) = α(t+ c) e β(t) = α(t− c).

Então, γ e β são curvas integrais de X.

Demonstração. De fato, temos:

γ′(t) = α′(t+ c) = X(α(t+ c)) = X(γ(t))

eβ′(t) = α′(t− c) = X(α(t− c)) = X(β(t)),

provando a afirmação.

Definição 3.4.5. Sejam M uma variedade diferenciável e X ∈ X(M). Umfluxo local para o campo X em torno de um ponto q ∈ M é uma aplicaçãoϕ : (−ε, ε) × U → M de classe C∞, onde U ⊂ M é um aberto contendo q,que satisfaz as seguintes propriedades:

(a) Para cada p ∈ U , a curva λp : (−ε, ε) → M , dada por λp(t) = ϕ(t, p),é uma curva integral de X, com λp(0) = p.

(b) Para cada t ∈ (−ε, ε), a aplicação ϕt : U → M , dada porϕt(p) = ϕ(t, p), é um difeomorfismo sobre sua imagem.

Seja ϕ : (−ε, ε) × U → M um fluxo local para X. Dado p ∈ U , ascurvas λ1(t) = ϕt+s(p) e λ2(t) = ϕt(ϕs(p)) são curvas integrais de X, comλ1(0) = λ2(0) = ϕs(p). Assim, pelo Corolário 3.4.3, temos que

ϕt(ϕx(p)) = ϕt+s(p),

83

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desde que ambos os lados estejam definidos. Disso também decorre que

ϕs ϕt = ϕt+s = ϕt ϕs,

quando definidas. Esta é a chamada propriedade local de grupo, pois se ϕtestivesse definida para todo t ∈ R, então

t ∈ R 7→ ϕt ∈ Dif(M)

seria um homomorfismo de grupos. Veremos a seguir algumas condições paraque isso ocorra.

O teorema seguinte nos assegura a existência do fluxo local.

Teorema 3.4.6. Sejam M uma variedade diferenciável e X ∈ X(M). Dadoum ponto q ∈ M , existe um fluxo local ϕ : (−ε, ε) × U → M para X emtorno de q tal que, para cada p ∈ U , a curva λp : (−ε, ε) → M , dada porλp(t) = ϕ(t, p), é a única curva integral de X, com ϕ(0, p) = p.

A unicidade no Teorema 3.4.6 significa que se (a, b) é um intervalo aberto,com (a, b) ⊂ (−ε, ε), e se α : (a, b) → U é uma curva integral de X, comα(0) = p ∈ U , então α(t) = ϕ(t, p)|(a,b).

Proposição 3.4.7. Seja α : (a, b) → M uma curva integral de X ∈ X(M).Suponha que exista uma sequência (tn) de pontos em (a, b) tal que tn → b e(α(tn)) possui uma subsequência que converge para p0 ∈ M . Então, existeδ > 0 e uma curva integral α : (a, b+ δ)→M de X tal que α|(a,b) = α.

Demonstração. Seja ϕ : (−ε, ε)×U →M o fluxo local de X em torno de p0.Assim, para todo p ∈ U , a curva λp : (−ε, ε)→M , dada por λp(t) = ϕ(t, p),é a única curva integral de X, com λp(0) = p. Seja n0 ∈ N tal que tn ≥ 0,tn ∈ (b− ε/2, b+ ε/2) e α(tn) ∈ U , para todo n ≥ n0. Assim, dado n ≥ n0,defina uma curva β : Rtn(−ε, ε)→M pondo

β(t) = λpn(t− tn),

onde pn = α(tn) ∈ U . Então, pela Proposição 3.4.4, β é uma curva integralde X tal que

β(tn) = λpn(0) = pn = α(tn).

Assim, pelo Corolário 3.4.3, segue que β(t) = α(t), para todo t ∈ (a, b) ∩Rtn(−ε, ε). Defina, então,

α(t) =

α(t), t ∈ (a, b)β(t), t ∈ Rtn(−ε, ε) .

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Temos que α está bem definida, e está definida no intervalo (a, tn + ε) ⊃(a, b+ ε/2), pois

Rtn(−ε, ε) = tn + (−ε, ε).

Além disso, tem-se α|(a,b) = α. Portanto, basta tomar δ = ε/2.

Sejam M uma variedade diferenciável e X ∈ X(M). Dado um pontop ∈M , considere a família αi : i ∈ I formada por todas as curvas integraisαi : (−εi, εi) → M de X, com αi(0) = p, para todo i ∈ I. O conjuntoIp =

⋃i∈I(−εi, εi) é um intervalo aberto de R contendo 0. Defina uma curva

αp : Ip →M pondoαp(t) = αi(t),

se t ∈ (−εi, εi). Pelo Corolário 3.4.3, αp está bem definida e é uma curvaintegral de X, com αp(0) = p, chamada a curva integral maximal de Xpassando pelo ponto p.

Exemplo 3.4.8. Em R2, considere o campo X = x ∂∂x − y ∂

∂y . Então,α(t) = (x(t), y(t)) é uma curva integral de X se, e somente se,

dx

dt= x e

dy

dt= −y.

Assim, devemos ter x(t) = Aet e y(t) = Be−t, com A,B ∈ R. Portanto, acurva integral maximal de X, passando pelo ponto p = (p1, p2), é dada por

αp(t) = (p1et, p2e

−t),

para todo t ∈ R.

As curvas integrais maximais de um campo X têm a seguinte caracteri-zação:

Proposição 3.4.9. Seja αp : Ip → M a curva integral maximal deX ∈ X(M), com αp(0) = p. Se α : (a, b) → M é uma curva integralde X e existe t0 ∈ (a, b) ∩ Ip tal que α(t0) = αp(t0), então (a, b) ⊂ Ip eα = αp|(a,b).

Demonstração. Defina uma curva β : Ip ∪ (a, b)→M pondo

β(t) =

αp(t), t ∈ Ipα(t), t ∈ (a, b)

.

O Corolário 3.4.3 mostra que β está bem definida e é uma curva integral deX. Como β(0) = αp(0) = p, concluimos que Ip ∪ (a, b) ⊂ Ip, logo (a, b) ⊂ Ipe α(t) = β(t) = αp(t), para todo t ∈ (a, b).

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Proposição 3.4.10. Sejam M uma variedade diferenciável e X ∈ X(M).Dado um ponto p ∈ M , seja αp : Ip → M a curva integral maximal de Xpassando por p. Então:

(a) Se existe um subconjunto compacto K ⊂M tal que αp(Ip) ⊂ K, entãoIp = R.

(b) Se existe t0 ∈ Ip tal que X(αp(t0)) = 0 então Ip = R e αp(t) = p, paratodo t ∈ R.

Demonstração. (a) Suponha que Ip ( R. Assim, existe b = sup Ip (oua = inf Ip). Seja (tn) uma sequência em Ip, com tn → b. Como K ⊂ M écompacto e (αp(tn)) é uma sequência em K, existe uma subsequência (tnk)de (tn) tal que αp(tnk)→ p0 ∈M . Assim, pela Proposição 3.4.7, existe δ > 0e uma curva integral α : Ip ∪ (b, b + δ) → M de X tal que αp|Ip = αp. Masisso contradiz o fato de αp ser maximal.(b) Defina uma curva β : R → M pondo β(t) = αp(t0), para todo t ∈ R.Temos que

β′(t) = 0 = X(αp(t0)) = X(β(t)),

i.e., β é uma curva integral de X com β(t0) = αp(t0). Assim, pelo Corolário3.4.3, temos que β(t) = αp(t), para todo t ∈ Ip ∩ R = Ip. Disso decorre queβ(0) = p e, portanto, β é uma curva integral de X passando por p. Logo,pela Proposição 3.4.9, temos que R ⊂ Ip. Portanto, Ip = R e αp(t) = p, paratodo t ∈ R.

Corolário 3.4.11. Seja X ∈ X(M) com suporte compacto. Se αp : Ip →Mé a curva integral maximal de X passando por p então Ip = R.

Demonstração. SejaK = suppX. Temos duas possibilidades: se αp(Ip) ⊂ Kentão, pelo item (a) da Proposição 3.4.10, tem-se que Ip = R; se existe t0 ∈ Iptal que αp(t0) 6∈ K então X(αp(t0)) = 0. Assim, pelo item (b) da Proposição3.4.10 tem-se que Ip = R.

Motivados pelo Corolário 3.4.11, temos a seguinte:

Definição 3.4.12. Um campo vetorial X ∈ X(M) é dito ser completo se,para todo p ∈ M , o domínio da curva integral maximal de X passando porp é todo R.

Segue então diretamente do Corolário 3.4.11 que todo campo X ∈ X(M)com suporte compacto é completo.

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Dado um campo vetorial X ∈ X(M), definimos

D = (t, p) : t ∈ Ip,

onde Ip é o domínio da curva integral maximal αp de X passando por p.Definimos também uma aplicação ϕ : D →M pondo

ϕ(t, p) = αp(t), (3.10)

para todo (t, p) ∈ D. Pelo Teorema 3.4.6, D contém uma vizinhança de0×M no qual ϕ é diferenciável. Este resultado pode ser melhorado, comomostra a proposição seguinte.

Proposição 3.4.13. A aplicação ϕ : D →M , definida em (3.10), é diferen-ciável.

Demonstração. Dado p ∈ M , seja C o conjunto formado pelos reais t ∈ Iptais que (t, p) é um ponto interior de D e ϕ é diferenciável em uma vizinhançade (t, p). Temos que C é aberto em Ip e, pelo Teorema 3.4.6, temos que 0 ∈ C,logo C 6= ∅. Provemos que C também é fechado em Ip. De fato, seja b ∈ Ipum ponto aderente a C. Pelo Teorema 3.4.6, existem δ > 0 e um abertoV ⊂ M contendo αp(b) tais que (−δ, δ) × V ⊂ D e ϕ : (−δ, δ) × V → Mé diferenciável. Escolhendo c ∈ C tal que |b − c| < δ e αp(c) ∈ V , existeε > 0 e um aberto W ⊂M contendo p tal que (c− ε, c+ ε)×W ⊂ D é outrosubconjunto no qual ϕ é diferenciável. Em particular, a aplicação ϕc = ϕ(c, ·)é contínua em W . Assim, existe um aberto U ⊂ M , com p ∈ U ⊂ W , talque ϕc(U) ⊂ V . Então, se q ∈ U temos que λ(t) = ϕ(t − c, ϕ(c, q)) é umacurva integral de X definida para t− c ∈ (−δ, δ), com λ(c) = ϕ(c, q). Logo,ϕ(t, q) = ϕ(t − c, ϕ(c, q)), para quaisquer (t, q) ∈ (c − δ, c + δ) × U , o quemostra que (c− δ, c+ δ)× U ⊂ D e ϕ é diferenciável neste conjunto. Como|b − c| < δ, concluimos que b ∈ C, ou seja, C é fechado em Ip. Portanto,C = Ip, e a prova está concluida.

A aplicação ϕ : D →M , definida em (3.10), é chamada o fluxo maximaldo campo X. Observe que X é completo se, e somente se, D = R×M .

Seja ϕ : D → M o fluxo maximal de um campo vetorial X ∈ X(M).Para cada t ∈ I, defina Dt = p ∈ M : t ∈ Ip e considere a aplicaçãoϕt : Dt →M definida por

ϕt(p) = ϕ(t, p).

Note que, em geral, o domínio de ϕt depende de t. Como Ip 6= ∅, para todop ∈M , segue que M =

⋃t>0Dt.

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Teorema 3.4.14. Dado s ∈ I, seja t ∈ I tal que t ∈ Iαp(s), para todo p ∈ Ds.Então, t+ s ∈ Ip, para todo p ∈ Ds, e vale:

(ϕt ϕs)(p) = ϕs+t(p), (3.11)

para todo p ∈ Ds. Decorre, em particular, que ϕt ϕ−t = Id, logo ϕt é umdifeomorfismo sobre D−t, cujo inverso é ϕ−t.

Demonstração. Dado p ∈ Ds, seja ααp(s) : Iαp(s) → M a curva integral deX, com ααp(s)(0) = αp(s). Defina uma curva β : Rs

(Iαp(s)

)→M pondo

β(t) = ααp(s)(t− s).

Temos que β é uma curva integral de X tal que β(s) = αp(s). Definimosagora uma curva α : Ip ∪Rs

(Iαp(s)

)→M pondo

α(t) =

αp(t), t ∈ Ipβ(t), t ∈ Rs

(Iαp(s)

) .

A curva α está bem definida e é uma curva integral de X, com α(p) = 0.Segue então da unicidade que

Rs(Iαp(s)

)⊂ Ip e α = αp|Rs(Iαp(s)).

Assim, se t ∈ Iαp(s) então t+ s ∈ Rs(Iαp(s)

)⊂ Ip. Além disso, temos:

ϕt+s(p) = αp(t+ s) = β(t+ s) = ααp(s)(t)

= ϕt(αp(s)) = ϕt(ϕs(p)),

para todo p ∈ Ds. Portanto, ϕt+s = ϕt ϕs.

No caso em que X ∈ X(M) é completo, as aplicações ϕt formam umgrupo de difeomorfismos de M parametrizados pelos números reais, e é cha-mado o grupo a 1-parâmetro de X. Se X não é completo, os difeomorfismosϕt não formam um grupo, pois seus domínios dependem de t. Neste caso,dizemos que a coleção dos difeomorfismos ϕt é um grupo local a 1-parâmetrode X.

Vimos no Teorema 3.4.14 que todo campo vetorial completo X ∈ X(M)determina um grupo a 1-parâmetro. Reciprocamente, dado um grupo a 1-parâmetro ϕt : t ∈ R de difeomorfismos de uma variedade diferenciávelM , definimos uma aplicação X : M → TM pondo

X(p) =d

dt(ϕt(p)) (0), (3.12)

para todo p ∈ M . Isso define um campo X ∈ X(M), que tem ϕt : t ∈ Rcomo grupo a 1-parâmetro associado.

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Exercícios

1. Verifique que X ∈ X(M), onde X é o campo dado em (3.12).

2. Dados um campo X ∈ X(M) e um ponto p ∈ M , considere a curvaintegral maximal αp : Ip →M de X passando por p. Se Ip é limitado, provaque αp é um mergulho.

3. Considere um campo X ∈ X(Rn) tal que ‖X(p)‖ ≤ c, para todo p ∈ Rn,onde c > 0. Prove que X é completo.

4. Prove que se M é compacta, qualquer campo X ∈ X(M) é completo.

5. Determine as curvas integrais em R2 do campo vetorial X = e−x ∂∂y + ∂

∂xe verifique se o campo é completo.

6. Quais curvas integrais do campo X = x2 ∂∂x +y ∂

∂y estão definidas em todoR?

7. Determine as curvas integrais em R2 do campo vetorial X = x2 ∂∂x +xy ∂

∂y .

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3.5 Campos f-relacionados

Dado uma variedade diferenciável M identificaremos, para cada pontop ∈ M , a fibra p × TpM do fibrado tangente TM de M com o próprioespaço tangente TpM , através da bijeção natural

v ∈ TpM 7→ (p, v) ∈ p × TpM. (3.13)

Assim, se f : M → N é uma aplicação diferenciável, a diferencialdf : TM → TN de f , definida em (3.1), será dada por

df(v) = df(p) · v, (3.14)

para todo v ∈ TpM . Com a identificação (3.13), é usual expressar o valordf(v), dado em (3.14), pondo

df(v) = df(πM (v)) · v,

onde πM : TM →M é a projeção canônica. Preferimos, no entanto, escrevero valor df(v) como dado em (3.14); na prática esta notação não causaráconfusão.

Definição 3.5.1. Seja f : M → N uma aplicação diferenciável. Dizemosque dois campos vetoriais X ∈ X(M) e Y ∈ X(N) são f -relacionados se odiagrama

Mf //

X

N

Y

TMdf

// TN

comuta, i.e., df X = Y f . Isso significa que df(p) ·X(p) = Y (f(p)), paratodo p ∈M .

Com a identificação estabelecida no Teorema 3.3.10, entre campos veto-riais e derivações, temos o seguinte:

Lema 3.5.2. Dois campos X ∈ X(M) e Y ∈ X(N) são f -relacionados se, esomente se, X(g f) = Y (g) f , para toda g ∈ C∞(N).

Demonstração. Dados p ∈M e g ∈ C∞(N), temos:

X(g f)(p) = X(p)(g f) = df(p) ·X(p)(g)

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Page 94: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

e(Y (g) f)(p) = Y (g)(f(p)) = Y (f(p))(g).

Assim, X(g f)(p) = (Y (g) f)(p) para quaisquer p ∈ M e g ∈ C∞(N) se,e somente se, df(p) ·X(p)(g) = Y (f(p))(g). Ou seja, X(g f) = Y (g) f ,para toda g ∈ C∞(N) se, e somente se, X e Y são f -relacionados.

Dado uma aplicação diferenciável f : M → N , nem sempre um campovetorial Y ∈ X(N) é f -relacionado com algum campo X ∈ X(M). A propo-sição seguinte nos dá uma condição para que isso ocorra.

Proposição 3.5.3. Seja f : M → N uma imersão diferenciável. Dado umcampo vetorial Y ∈ X(N), com

Y (f(p)) ∈ df(p)(TpM),

para todo p ∈ M , existe um único campo X ∈ X(M) tal que X e Y sãof -relacionados.

Demonstração. Definimos uma aplicação X : M → TM pondo X(p) comosendo o único elemento de TpM tal que

df(p) ·X(p) = Y (f(p)).

Provemos agora que X é diferenciável. Como f é uma imersão, segue doTeorema 2.1.4 que, para todo p ∈ M , existem cartas locais (U,ϕ) e (V, ψ)em M e N , respectivamente, com p ∈ U e f(U) ⊂ V , tais que

(ψ f ϕ−1)(x) = (x, 0),

para todo x ∈ ϕ(U). Fazendo x = ϕ(p), temos (ψ f)(p) = (ϕ(p), 0), paratodo p ∈ U . Disso decorre que

df(p) = dψ(f(p))−1 dϕ(p),

para todo p ∈ U . Assim,

df(p) · ∂∂xi

(p) =∂

∂yi(f(p)),

para quaisquer p ∈ U e 1 ≤ i ≤ m. Em relação à base associada a ψ,podemos escrever

Y (f(p)) =m∑i=1

bi(f(p))∂

∂yi(f(p)), (3.15)

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para todo p ∈ U . Escrevendo

X(p) =m∑i=1

ai(p)∂

∂xi(p),

temos:

Y (f(p)) = df(p) ·X(p) =

m∑i=1

ai(p)df(p) · ∂∂xi

(p)

=

m∑i=1

ai(p)∂

∂yi(f(p)).

(3.16)

De (3.15) e (3.16), obtemos ai = bif . Como as funções bi são diferenciáveis,segue que ai é diferenciável, para todo 1 ≤ i ≤ m. Isso mostra que X ∈X(M).

No caso em que f : M → N é um difeomorfismo, para cada campoY ∈ X(N), existe um único campo X ∈ X(M) que é f -relacionado com Y ,a saber

X = df−1 Y f. (3.17)

O campo em (3.17) é usualmente denotado por f∗Y , e é chamado o pull-backde Y por f . Analogamente, dado um campo X ∈ X(M), existe um únicocampo Y ∈ X(N) que é f -relacionado com X, a saber

Y = df X f−1. (3.18)

O campo dado em (3.18) é usualmente denotado por f∗X, e é chamado opush-forward de X por f .

No espaço das funções, o pull-back é definido pondo f∗g = g f , paratoda g ∈ C∞(N). O push-forward é definido pondo f∗h = (f−1)∗h = hf−1,para toda h ∈ C∞(M).

A proposição seguinte é uma das principais propriedades dos camposf -relacionados.

Proposição 3.5.4. Sejam f : M → N uma aplicação diferenciável e camposX1, X2 ∈ X(M) e Y1, Y2 ∈ X(N). SeXi e Yi são f -relacionados, para i = 1, 2,então [X1, X2] e [Y1, Y2] são f -relacionados.

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Demonstração. Como Xi e Yi são f -relacionados, para i = 1, 2, segue doLema 3.5.2 que

Xi(g f) = Yi(g) f,

para toda g ∈ C∞(N) e i = 1, 2. Assim,

[Y1, Y2](g) f = Y1(Y2(g)) f − Y2(Y1(g)) f= X1(Y2(g) f)−X2(Y1(g) f)

= X1(X2(g f))−X2(X1(g f))

= [X1, X2](g f).

Como g ∈ C∞(N) é arbitrária, segue do Lema 3.5.2 que [X1, X2] e [Y1, Y2]são f -relacionados.

Corolário 3.5.5. Se f : M → N é um difeomorfismo, então

[f∗X1, f∗X2] = f∗[X1, X2],

para quaisquer X1, X2 ∈ X(M).

Nosso objetivo agora é relacionar o colchete de Lie de dois campos veto-riais com seus fluxos. Para isso, consideremos o seguinte lema auxiliar.

Lema 3.5.6. Seja F : I ×M → R uma função diferenciável, onde I é umintervalo aberto contendo 0 ∈ R. Então, existe uma função diferenciávelh : I ×M → R tal que

F (t, p) = F (0, p) + th(t, p),

para quaisquer t ∈ I e p ∈M .

Demonstração. Defina

h(t, p) =

∫ 1

0

∂F

∂s(st, p)ds,

para quaisquer t ∈ I e p ∈M .

Teorema 3.5.7. Para quaisquer dois campos X,Y ∈ X(M), tem-se

[X,Y ] = limt→0

1

t

(ϕ∗tY − Y

),

onde ϕt é o grupo local a 1-parâmetro de X.

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Demonstração. Dado uma função f ∈ C∞(M), temos:

ϕ∗tY (f) = (dϕ−1t Y ϕt)(f) = (dϕ−t Y ϕt)(f)

= df (dϕ−t Y ϕt) = d(f ϕ−t) (Y ϕt)= (Y ϕt)(f ϕ−t).

Considere a função F : I ×M → R definida por

F (t, p) = (f ϕ−t)(p),

para quaisquer t ∈ I e p ∈M . Segue do Lema 3.5.6 que

F (t, p) = F (0, p) + th(t, p), (3.19)

onde h : I ×M → R é uma função diferenciável, com

h(0, p) =∂F

∂t(0, p). (3.20)

Note que, para cada t ∈ I fixado, temos uma função ht : M → R dada porht(p) = h(t, p), para todo p ∈M . Segue, então, de (3.19) que

ϕ∗tY (f) = (Y ϕt)(f + tht)

= (Y ϕt)(f) + t(Y ϕt)(ht).

Dado p ∈M , temos:∂F

∂t(0, p) =

d

dt(f(ϕ−t(p)))(0) = df(p) · (−X(p)) = −X(f)(p). (3.21)

Assim, segue de (3.20) e (3.21) que

limt→0

(Y ϕt)(ht)(p) = limt→0

(Y ϕt)(p)(ht)

= limt→0

Y (ϕt(p))(ht) = Y (p)(h0)

= Y (p)(−X(f)) = −Y (X(f))(p).

(3.22)

Por outro lado,

limt→0

1

t

((Y ϕt)(f)(p)− Y (f)(p)

)= lim

t→0

1

t

(Y (ϕt(p))(f)− Y (p)(f)

)= lim

t→0

1

t

(Y (f)(ϕt(p))− Y (f)(p)

)=

d

dt

(Y (f)(ϕt(p))

)(0)

= d(Y (f))(p) ·X(p)

= X(p)(Y (f))

= X(Y (f))(p).

(3.23)

94

Page 98: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Portanto, segue de (3.22) e (3.23) que

limt→0

1

t

((ϕ∗tY )(f)(p)− Y (f)(p)

)= X(Y (f))(p)− Y (X(f))(p)

= (XY − Y X)(f)(p).

Como f ∈ C∞(M) e p ∈M são arbitrários, o teorema está provado.

Observação 3.5.8. Se X ∈ X(M) é um campo completo então, para cadat ∈ R, a aplicação ϕt é um difeomorfismo de M sobre M e

ϕ∗tY = dϕ−t Y ϕt,

para todo Y ∈ X(M). No entanto, se X não é completo, ϕt está definidosomente no aberto Dt. Assim, ϕ∗t : X(D−t) → X(Dt). Se Y ∈ X(M) inter-pretaremos, então, o campo ϕ∗tY como

ϕ∗t (Y |D−t) ∈ X(Dt).

Agora, comoM ⊂⋃t6=0Dt, ambos os valores ϕt(p) e (ϕ∗tY )(p) fazem sentido

para qualquer p ∈M , desde que t seja suficientemente pequeno e

(ϕ∗tY )(p) = dϕ−t(Y (ϕt(p))).

Tendo isso em mente, manteremos a notação

[X,Y ] =d

dt

(ϕ∗tY

)(0)

também para os campos que não são completos, desde que interpretamos,corretamente, o campo pull-back ϕ∗tY .

Observação 3.5.9. Considere um campo X ∈ X(M) e seu grupo local a1-parâmetro ϕt. Dado um ponto p ∈M , o vetor X(p) é tangente à curvaα(t) = ϕt(p) em t = 0. Isso pode ser interpretado em termos da ação deX(p) sobre as funções g ∈ C∞(M). De fato, como

α′(t)(g) = (g α)′(t),

dizer que X(p) é tangente à curva α(t) em t = 0 significa que

X(p)(g) = α′(0)(g) = (g α)′(0)

= limt→0

1

t

(g(ϕt(p))− g(p)

).

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A fim de obtermos uma interpretação para o colchete [X,Y ], provaremosos dois seguintes lemas.

Lema 3.5.10. Sejam f : M → N um difeomorfismo diferenciável e X ∈X(M). Se ϕt é o grupo local a 1-parâmetro de X então f ϕt f−1 é ogrupo local a 1-parâmetro de f∗X.

Demonstração. Dados g ∈ C∞(N) e q ∈ N , temos:

(f∗X)(q)(g) = (df X f−1)(q)(g)

= (df X)(f−1(q))(g)

= X(f−1(q))(g f)

= limt→0

1

t

((g f)(ϕt(f

−1(q)))− (g f)(f−1(q)))

= limt→0

1

t

[g((f ϕt f−1)(q)

)− g(q)

].

Assim, pela Observação 3.5.9, segue que f ϕt f−1 é o grupo local a1-parâmetro de f∗X.

Corolário 3.5.11. Se f : M → M é um difeomorfismo diferenciável entãof∗X = X se, e somente se, ϕt f = f ϕt, para todo t ∈ I.

Demonstração. Suponha f∗X = X. Assim, para cada t ∈ I, temos

ϕt(p) = (f ϕt f−1)(p),

para todo p ∈ Dt, ou seja,

(ϕt f)(p) = (f ϕt)(p),

para todo p ∈ Dt. Reciprocamente, suponha ϕt f = f ϕt, para todo t ∈ I.Disso decorre que ϕt(p) = (f ϕtf−1)(p), para todo p ∈ Dt. Fixado p ∈M ,defina

α(t) = ϕt(p),

para t suficientemente pequeno. Temos α′(0) = X(p). Por outro lado, tem-seα′(0) = (f∗X)(p). Como p ∈M é arbitrário, segue que f∗X = X.

Lema 3.5.12. Dados X,Y ∈ X(M), sejam ϕt e ψs os grupos locais a1-parâmetro de X e Y , respectivamente. Então, [X,Y ] = 0 se, e somente se,ϕt ψs = ψs ϕt, para quaisquer s, t.

96

Page 100: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Demonstração. Suponha ϕt ψs = ψs ϕt, para quaisquer s, t. Fixado t,segue do Corolário 3.5.11 que

ϕ∗tY = Y. (3.24)

Dado p ∈M , considere uma curva α : Ip → TpM dada por

α(t) = (ϕ∗tY )(p). (3.25)

Do Teorema 3.5.7, temos que α′(0) = [X,Y ](p). Porém, segue de (3.24) queα(t) = (ϕ∗tY )(p) = Y (p), i.e., α é constante. Logo, α′(0) = [X,Y ](p) = 0.Como p ∈ M é arbitrário, segue que [X,Y ] = 0. Reciprocamente, suponha[X,Y ] = 0. Assim,

limh→0

1

h

(ϕ∗hY − Y

)= 0.

Fixado p ∈M , considere a curva α(t) dada em (3.25). Então:

α′(t) = limh→0

1

h

(α(t+ h)− α(t)

)= lim

h→0

1

h

((ϕ∗t+hY )(p)− (ϕ∗tY )(p)

)= lim

h→0

1

h

(ϕ∗t (ϕ

∗hY )(p)− (ϕ∗tY )(p)

)= ϕ∗t

(limh→0

1

h

((ϕ∗hY )(p)− Y (p)

))= ϕ∗t (0) = 0.

Disso decorre que α é constante. Em particular, α(t) = α(0), logo ϕ∗tY = Y .Assim, do Corolário 3.5.11, segue que ϕt ψs = ψs ϕt, para quaisquers, t.

A comutatividade dos fluxos, dada pelo Lema 3.5.12, pode ser interpre-tada da seguinte forma. Sejam X,Y ∈ X(M). Dado p ∈ M , para todo tsuficientemente pequeno, façamos:

α(t) = (ψ−t ϕ−t ψt ϕt)(p).

Assim, α(t) = p se, e somente se, [X,Y ](p) = 0. O colchete [X,Y ] mede oquanto o paralelogramo da Figura 3.1 é fechado.

Pelo Exercício 3 temos que, se (U,ϕ) é uma carta local em M , então[∂

∂xi,∂

∂xj

]= 0,

97

Page 101: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

pY

X

Y

X

[ ]X,Y

Figura 3.1: Variação da comutatividade dos fluxos.

para quaisquer 1 ≤ i, j ≤ m. Veremos a seguir que a condição [X,Y ] = 0 étambém suficiente para a existência de uma carta local (U,ϕ) em M tal queX = ∂

∂x1e Y = ∂

∂x2.

Definição 3.5.13. Dizemos que dois campos vetoriais X,Y ∈ X(M) sãolinearmente independentes se X(p) e Y (p) são vetores linearmente indepen-dentes em TpM , para todo p ∈M .

Teorema 3.5.14. Sejam X1, . . . , Xk ∈ X(M) campos linearmente indepen-dentes. Se [Xi, Xj ] = 0, para quaisquer 1 ≤ i, j ≤ k então, para todo p ∈M ,existe uma carta local (U,ϕ) em M , com p ∈ U , tal que

Xi(q) =∂

∂xi(q),

para quaisquer q ∈ U e 1 ≤ i, j ≤ k.

Demonstração. Dado um ponto p ∈ M , considere uma carta (U,ϕ) em Mcom as seguintes propriedades:

(a) ϕ(p) = 0 ∈ Rm;

(b) ϕ(U) = (−ε, ε)m;

(c) X1(p), . . . , Xk(p),∂

∂xk+1(p), . . . , ∂

∂xm(p) são vetores linearmente inde-

pendentes em TpM .

Defina uma aplicação ψ : (−ε, ε)k × (−ε, ε)m−k →M pondo

ψ(x, y) = ψ(x1, . . . , xk, y) =(ϕkxk . . . ϕ

1x1

)(ϕ−1(0, y)),

onde ϕit é o grupo local a 1-parâmetro do campo Xi, para 1 ≤ i ≤ k.Temos:

ψ(x+ tei, y) =(ϕkxk . . . ϕ

ixi+t . . . ϕ

1x1

)(ϕ−1(0, y))

= ϕit(ψ(x, y)),

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Page 102: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

pois ϕis ϕjt = ϕjt ϕis. Assim, para todo 1 ≤ i ≤ k, temos:

dψ(x, y) · ei =d

dt(ψ(x+ tei, y))(0) = Xi(ψ(x, y)).

Decorre, em particular, que

dψ(0, 0) · ei = Xi(p),

para todo 1 ≤ i ≤ k. Além disso, para k + 1 ≤ i ≤ m, temos:

dψ(0, 0) · ei =d

dt(ψ(0, tei))(0) =

d

dt(ϕ−1(0, tei))(0)

=∂

∂xi(p).

Decorre, então, da hipótese (c) que dψ(0, 0) : Rm → TpM é um isomorfismo,Assim, pelo Teorema 1.6.11, existe um aberto W ⊂ Rm, com (0, 0) ∈ W ⊂(−ε, ε)m, tal que ψ|W : W → ψ(W ) é um difeomorfismo. Assim, a cartalocal procurada é ϕ = ψ−1.

Concluimos então do Teorema 3.5.14 que o colchete [X,Y ] pode ser usadopara comparar a diferença entre as curvas integrais de X e Y e as curvascoordenadas de uma dada carta local.

Exercícios

1. Sejam f : M → N uma aplicação diferenciável e X ∈ X(M), Y ∈ X(N)campos vetoriais f -relacionados. Prove que qualquer curva integral de X étransformada por f numa curva integral de Y .

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3.6 O teorema de Frobenius

A teoria das distribuições pode ser vista como uma formulação geométricada teoria clássica de certos sistemas de equações diferenciais parciais. Assoluções são subvariedades da variedade em questão, chamadas de subva-riedades integrais. O teorema de Frobenius nos dá condições necessáriase suficientes para a existência de tais subvariedades integrais. Veremos nocapítulo seguinte uma aplicação deste teorema, que consiste em mostrar queuma subálgebra da álgebra de Lie de um grupo de Lie corresponde a umsubgrupo de Lie.

Definição 3.6.1. Uma distribuição de posto k em uma variedade diferen-ciável M é uma correspondência D que associa a cada ponto p ∈ M umsubespaço vetorial D(p) ⊂ TpM de dimensão k.

Decorre da Definição 3.6.1 que para qualquer ponto p ∈ M existe umaberto U ⊂ M contendo p e k campos vetoriais X1, . . . , Xk, possivelmentedefinidos em U , tais que

D(q) = spanX1(q), . . . , Xk(q), (3.26)

para todo q ∈ U . Diremos que uma distribuição D é diferenciável se épossível escolher campos vetoriais X1, . . . , Xk ∈ X(U) com a propriedade(3.26), em uma vizinhança U de cada ponto p ∈M .

Exemplo 3.6.2. SejaM uma variedade diferenciável que admite um campovetorial X ∈ X(M) não-nulo em todo ponto. Assim, o campo X gera umadistribuição diferenciável D de posto 1, dada por

D(p) = spanX(p),

para todo p ∈M .

Exemplo 3.6.3. No espaço Euclidiano Rn, os campos vetoriais ∂∂x1

, . . . , ∂∂xk

,1 ≤ k ≤ n, geram uma distribuição diferenciável de posto k.

Exemplo 3.6.4. Em M = Rn\0, definimos uma distribuição D pondo,para cada p ∈ M , D(p) como sendo o subespaço de TpM = Rn ortogonalao vetor posição vp = −→p . Estendendo o vetor vp a um campo vetorialX1 ∈ X(U), onde U ⊂ M é um aberto contendo p, e aplicando o algoritmode Gram-Schmidt, obtemos n campos vetoriais X1, . . . , Xn ∈ X(U) tais que,para cada q ∈ U , os vetores X1(1), . . . , Xn(q) formam uma base ortonormalde Rn. Disso decorre que D é localmente gerada pelos campos X2, . . . , Xn ∈X(U). Portanto, D é uma distribuição diferenciável em M de posto n− 1.

100

Page 104: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Exemplo 3.6.5. No espaço Euclidiano R3, considere a distribuição D defi-nida do seguinte modo. Para cada ponto p = (a, b, c), defina D(p) como oplano gerado pelos vetores

∂x(p) + b

∂z(p) e

∂y(p).

Assim,D(p) = (r, s, br)p : r, s ∈ R,

e a equação deste plano é dada por

z − c = b(x− a),

para cada ponto p = (a, b, c) ∈ R3.

Definição 3.6.6. Uma distribuição D de posto k em uma variedade diferen-ciável M é dita ser involutiva se para quaisquer campos vetoriaisX,Y ∈ X(M), com X(p), Y (p) ∈ D(p), para todo p ∈ M , tem-se que[X,Y ](p) ∈ D(p), para todo p ∈M .

Exemplo 3.6.7. No espaço Euclidiano Rm+n, considere a distribuição Dgerada pelos campos coordenados ∂

∂xi, 1 ≤ i ≤ m. Dados campos vetoriais

X,Y ∈ X(Rm+n), com X(p), Y (p) ∈ D(p), para todo p ∈ Rm+n, podemosescrever

X =

m∑i=1

Xi∂

∂xie Y =

m∑i=1

Yi∂

∂xi.

Assim, da fórmula (3.9), obtemos que [X,Y ](p) ∈ D(p), para todo p ∈ Rm+n,i.e., D é involutiva.

Exemplo 3.6.8. A distribuição D em R3 gerada pelos vetores

X =∂

∂x1e Y =

∂x2+ ex1

∂x3

não é involutiva, pois

[X,Y ] = ex1∂

∂x3,

que não é uma combinação linear de X e Y .

Definição 3.6.9. Seja D uma distribuição de posto k em uma variedadediferenciável M . Uma subvariedade Nk ⊂ M é chamada uma subvariedadeintegral para a distribuição D se

D(i(x)) = di(x)(TxN),

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Page 105: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

para todo x ∈ N , onde i : N →M é a aplicação inclusão. A distribuição Dé chamada integrável se cada ponto de M está contido em uma subvariedadeintegral da distribuição.

Exemplo 3.6.10. No Exemplo 3.6.2, a imagem de qualquer curva integralde X é uma subvariedade integral de D. No Exemplo 3.6.4, por cada pontop ∈ Rn\0, a esfera de raio ‖p‖ centrada na origem é uma subvariedadeintegral da distribuição D.

Proposição 3.6.11. Toda distribuição integrável é involutiva.

Demonstração. Seja D uma distribuição integrável de posto k em uma va-riedade diferenciável M . Considere dois campos X,Y ∈ X(M) tais queX(p), Y (p) ∈ D(p), para todo p ∈M . Como D é integrável segue que, paracada p ∈M , existe uma subvariedade Nk ⊂M , contendo p, tal que

D(i(x)) = di(x)(TxN),

para todo x ∈ N . Assim, como a inclusão i : N →M é, em particular, umaimersão, segue da Proposição 3.5.3, existem campos X, Y ∈ X(N) tais queX é i-relacionado com X e Y é i-relacionado com Y . Pela Proposição 3.5.4,obtemos que [X, Y ] e [X,Y ] são i-relacionados, i.e.,

[X,Y ] i = di [X, Y ].

Portanto,

[X,Y ](q) = [X,Y ](i(x)) = di(x) · [X, Y ](x) ∈ D(q).

Como p ∈M foi escolhido de forma arbitrária, a proposição está provada.

O lema seguinte afirma que toda distribuição involutiva é diferenciável.

Lema 3.6.12. Seja D uma distribuição involutiva de posto k em uma va-riedade diferenciável Mm. Então, para cada ponto p ∈ M , existem umaberto V ⊂ M contendo p e campos vetoriais X1, . . . , Xk ∈ X(V ) tais queX1(q), . . . , Xk(q) geram D(q), para todo q ∈ V , e [Xi, Xj ] = 0, para quais-quer 1 ≤ i, j,≤ k.

Demonstração. Dado um ponto p ∈ M , seja (U,ϕ) uma carta local em M ,com p ∈ U e ϕ(p) = 0. Seja Rm = Rk ⊕ Rm−k uma decomposição em somadireta tal que dϕ(p)(D(p)) = Rk. Se π : Rm → Rk denota a projeção sobreo primeiro fator, temos que (π ϕ)(p) = 0 e d(π ϕ)(p) transforma D(p)

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Page 106: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

isomorficamente sobre Rk. Segue então, por continuidade, que d(π ϕ)(q)transforma D(q) isomorficamente sobre Rk para todo q pertencente a umavizinhança V ⊂ U de p. Assim, para cada q ∈ V , existe um único vetorXi(q) ∈ TqM tal que

d(π ϕ)(q) ·Xi(q) = ei ∈ Rk, (3.27)

para cada 1 ≤ i ≤ k; basta escolher Xi(q) = d(π ϕ)−1(q) · ei. Disso decorreque Xi ∈ X(V ). Como d(π ϕ)(q) é isomorfismo, segue que

D(q) = spanX1(q), . . . , Xk(q),

para todo q ∈ V . Além disso, segue de (3.27) que Xi é (π ϕ)-relacionadocom ei, para todo 1 ≤ i ≤ k. Assim, pela Proposição 3.5.4, [Xi, Xj ] é(π ϕ)-relacionado com [ei, ej ] = 0, logo

d(π ϕ)(q) · [Xi, Xj ](q) = 0,

para todo q ∈ V . Como D é involutiva, temos que [Xi, Xj ](q) ∈ D(q),para todo q ∈ V , logo [Xi, Xj ](q) = 0, para todo q ∈ V , pois d(π ϕ)(q) éisomorfismo.

Estamos agora em condições de provar o principal resultado deste capí-tulo estabelecendo, essencialmente, a recíproca da Proposição 3.6.11.

Teorema 3.6.13 (Frobenius). Toda distribuição involutiva D de posto k emuma variedade diferenciável M é integrável. Mais precisamente, para cadaponto p ∈ M , existe uma carta local (U,ϕ) em M , com p ∈ U , tal que paracada b ∈ Rm−k, os subconjuntos

Sb = (π ϕ)−1(b) ∩ U = q ∈ U : ϕi(q) = bi, k + 1 ≤ i ≤ m

são subvariedades de D, onde π : Rk×Rm−k → Rm−k é a projeção canônicae ϕi = πi ϕ. Além disso, se Nk é uma subvariedade integral de D, com Nconexa, então N ⊂ Sb, para algum b ∈ Rm−k.

Demonstração. Dado p ∈ M , segue do Lema 3.6.12 que existem um abertoV ⊂M contendo p e campos X1, . . . , Xk ∈ X(V ) tais que

D(q) = spanX1(q), . . . , Xk(q)

e [Xi, Xj ](q) = 0, para todo q ∈ V . Como os campos X1, . . . , Xk são linear-mente independentes em V , segue do Teorema 3.5.14 que existe uma carta(U,ϕ) em M , com p ∈ U ⊂ V , tal que

Xi(q) =∂

∂xi(q),

103

Page 107: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

para quaisquer q ∈ U e 1 ≤ i ≤ k. Assim,

D(q) = span

∂x1(q), . . . ,

∂xk(q)

,

para todo q ∈ U . Dado b ∈ Rm−k, defina Sb = (π ϕ)−1(b) ∩ U , comono enunciado. Como b é valor regular de π ϕ, segue que (π ϕ)−1(b) ésubvariedade de M , logo Sb é subvariedade de M . Além disso, temos

TqSb = ker d(π ϕ)(q), (3.28)

para todo q ∈ Sb. Mostremos que TqSb = D(q). Como ker d(π ϕ)(q) temdimensão k, basta provar que D(q) ⊂ ker d(π ϕ)(q). Temos:

d(π ϕ)(q) · ∂∂xi

(q) = π

(dϕ(q) · ∂

∂xi(q)

)= π(ei) = 0,

para todo 1 ≤ i ≤ k. Isso mostra que D(q) ⊂ ker d(π ϕ)(q), para todoq ∈ Sb. Segue então de (3.28) que D(q) = TqS

b, para todo q ∈ Sb. Portanto,provamos que, para cada p ∈ M , existe um aberto Sb ⊂ M contendo p euma imersão i : Sb → Sb tal que

di(q)(TqSb) = TqS

b = D(q),

para todo q ∈ Sb, ou seja, D é uma distribuição integrável. Finalmente, sejaNk uma subvariedade integral de D, com N conexa. Então, como

di(x)(TxN) = D(i(x)),

para todo x ∈ N , temos:

d(π ϕ i)(x)(TxN) = π(dϕ(i(x)) · di(x)(TxN)

)= π

(dϕ(i(x))(D(i(x)))

)= d(π ϕ)(i(x))(D(i(x)))

= 0,

para todo x ∈ N . Como N é conexa, segue que (π ϕ i)(x) = b ∈ Rm−k,para todo x ∈ N e para algum b ∈ Rm−k, logo N ⊂ Sb.

Definição 3.6.14. Uma subvariedade integral maximal N de uma distribui-ção D em uma variedade diferenciávelM é uma subvariedade integral conexade D que não é um subconjunto próprio de qualquer outra subvariedade in-tegral conexa de D.

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O teorema seguinte, cuja prova será omitida, é uma versão do Teorema3.6.13 no contexto maximal. O leitor interessado pode conferir [19, Theorem1.64].

Teorema 3.6.15. Seja D uma distribuição involutiva de posto k em umavariedade diferenciável M . Então, por cada ponto p ∈ M , passa uma únicasubvariedade integral maximal de D, e qualquer outra subvariedade integralconexa de D, contendo p, está contida nesta maximal.

Exercícios

1. Prove que os seguintes campos vetoriais definem uma distribuição de posto2 em R3 que não é involutiva:

X =∂

∂x+ y

∂z, Y =

∂y.

2. Verifique se a distribuição em R3, dada pelos campos vetoriais

X = x31

∂x1+

∂x3, Y =

∂x2+

∂x3

é involutiva.

3. Prove que a distribuição em R4 dada pelos campos vetoriais

X =∂

∂y+ x

∂z, Y =

∂x+ y

∂w,

onde (x, y, z, w) são as coordenadas canônicas de R4, não admitem subvarie-dades integrais.

4. Sejam D1, . . . , Dr distribuições integráveis de posto k1, . . . , kr, respecti-vamente, em uma variedade diferenciável M . Suponha que, para cada pontop ∈M ,

TpM = D1(p)⊕ . . .⊕Dr(p).

Prove que existe uma carta local (U,ϕ) em M , em torno de cada ponto deM , tal que D1 é gerada por ∂

∂x1, . . . , ∂

∂xk1, etc.

5. Seja f : Mm → Nn uma submersão diferenciável. Prove que a aplicaçãoD dada por

p ∈M 7→ D(p) = ker df(p),

é uma distribuição integrável de posto m− n em M .

6. Sejam M ⊂ N uma subvariedade e X,Y ∈ X(N) tais que X(p), Y (p) ∈TpM , para todo p ∈M . Prove que [X,Y ](p) ∈ TpM , para todo p ∈M .

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Capítulo 4

Variedades quocientes

4.1 Variedades quocientes

Nesta seção veremos algumas condições necessárias para a existência deuma estrutura diferenciável quociente em M/∼, indicando que na maioriados casos tal estrutura, de fato, não existe. Em geral, é difícil exibir condi-ções suficientes gerais para a existência da estrutura diferenciável quociente.Veremos alguns exemplos onde tal estrutura existe e, na seção seguinte, apre-sentaremos uma condição suficiente para a existência da estrutura diferen-ciável quociente num caso bem específico.

Dados uma variedade diferenciável M de classe Ck, 1 ≤ k ≤ ∞, e umarelação de equivalência ∼ em M , denotemos por M/∼ o espaço quociente epor π : M →M/∼ a aplicação quociente.

Definição 4.1.1. Dizemos que um atlas A de classe Ck em M/∼ é umaestrutura diferenciável quociente de classe Ck em M/∼ se (M/∼,A) é umavariedade diferenciável de classe Ck tal que π : M → (M/∼,A) seja umasubmersão de classe Ck.

Observação 4.1.2. Se A é uma estrutura diferenciável quociente de classeCk em M/∼ então a topologia induzida por A em M/∼ coincide com atopologia quociente, i.e., a topologia co-induzida pela aplicação quociente π.De fato, isso segue do fato que uma submersão é uma aplicação aberta edo fato que toda aplicação contínua, aberta e sobrejetora é uma aplicaçãoquociente (cf. Exercício 13).

Observação 4.1.3. Se f : X → Y é uma aplicação contínua, aberta esobrejetora, e se X satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade então

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Page 110: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

também Y satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade (cf. Exercício 1).Assim, se A é uma estrutura diferenciável em M/∼ que torna a aplicaçãoquociente uma submersão, segue automaticamente que a topologia induzidapor A em M/∼ satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade.

O teorema seguinte exprime a propriedade fundamental da estrutura di-ferenciável quociente.

Teorema 4.1.4. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck,f : M → N uma aplicação de classe Ck e ∼ uma relação de equivalên-cia em M . Se existe uma aplicação f : M/∼→ N tal que f π = f ese A é uma estrutura diferenciável quociente de classe Ck em M/∼, entãof : (M/∼,A)→ N é de classe Ck.

Demonstração. Isso segue do Exercício 6 e do fato que π é uma submersãosobrejetora.

Corolário 4.1.5. Existe no máximo uma estrutura diferenciável quocientede classe Ck em M/∼.

Demonstração. Sejam A1, A2 estruturas diferenciáveis quociente de classeCk em M/∼. Temos, então, um diagrama comutativo:

Mπ1

ww

π2

''(M/∼,A1)

Id// (M/∼,A2)

onde π1 e π2 denotam as aplicações quociente. Como π2 é de classe Ck,segue do Teorema 4.1.4 que Id é de classe Ck e, como π1 é de classe Ck,segue que Id−1 é de classe Ck. Logo, Id é um difeomorfismo de classe Ck e,pelo Corolário 1.4.6, concluimos que A1 = A2.

Exemplo 4.1.6. Sejam M , N variedades diferenciáveis de classe Ck ef : M → N uma submersão de classe Ck. Denotemos por ∼ a relaçãode equivalência em M determinada por f , i.e.,

x ∼ y ⇔ f(x) = f(y).

Afirmamos que M/∼ admite uma estrutura diferenciável quociente de classeCk. De fato, pelo Lema de passagem ao quociente, existe uma única aplica-

107

Page 111: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

ção f : M/∼→ f(M) tal que o diagrama

M

π

f

&&M/∼

f

// f(M)

comuta. Além disso, f é bijetora. Como f é aberta, segue que f(M) éaberto em N . Em particular, f(M) é uma variedade diferenciável de classeCk, logo existe uma única estrutura diferenciável de classe Ck em M/∼ quetorna M/∼ uma variedade diferenciável de classe Ck e f um difeomorfismode classe Ck (cf. Exercício 6). Assim, como f : M → f(M) é uma submersãode classe Ck, segue que π : M → M/∼ também é uma submersão de classeCk. Portanto, temos uma estrutura diferenciável quociente de classe Ck emM/∼, a qual é difeomorfa ao aberto f(M) de N .

Exemplo 4.1.7. Considere a função f : Rn − 0 → R definida por f(x) =||x||2, onde || · || é a norma Euclidiana em Rn. Temos que f é uma submersãode classe C∞. Seja ∼ a relação de equivalência em Rn − 0 determinadapor f , i.e.,

x ∼ y ⇔ ||x|| = ||y||.

Segue do Exemplo 4.1.6 que o quociente (Rn−0)/∼ admite uma estruturadiferenciável quociente de classe C∞ e que (Rn − 0)/∼ é difeomorfo aointervalo aberto (0,∞), que é a imagem de f .

O teorema seguinte nos dá uma condição necessária para que um quoci-ente M/∼ admita uma estrutura diferenciável quociente.

Teorema 4.1.8. Sejam Mn uma variedade diferenciável de classe Ck e ∼uma relação de equivalência em M . Se existe uma estrutura diferenciávelquociente de classe Ck em M/∼ então todas as classes de equivalência cor-respondentes a ∼ são subvariedades de M e todas elas possuem a mesmadimensão.

Demonstração. Para todo p ∈ M , a classe de equivalência de p é igual aπ−1(π(p)). Como π é uma submersão, temos que π(p) é um valor regularde π e, portanto, π−1(π(p)) é uma subvariedade de M com dimensão iguala n− dim(M/∼).

Exemplo 4.1.9. Considere a relação de equivalência ∼ em R2 definida por:

(x, y) ∼ (x′, y′)⇔ |x|+ |y| = |x′|+ |y′|.

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A classe de equivalência de um ponto (x, y) 6= (0, 0) é um quadrado de centrona origem e diagonais paralelas aos eixos coordenados. Logo, as classes deequivalência determinadas por ∼ não são subvariedades de R2 e, portanto,o quociente R2/∼ não admite estrutura diferenciável quociente.

Exercícios

1. Sejam X, Y espaços topológicos e f : X → Y uma aplicação contínua,aberta e sobrejetora. Prove que:

(a) Se B é uma base de abertos para X então f(B) : B ∈ B é uma basede abertos para Y .

(b) Se X satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade então Y tambémsatisfaz o segundo axioma da enumerabilidade.

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4.2 Grupos propriamente descontínuos

Nesta seção descreveremos uma situação particular de variedade quoci-ente, onde esta admite uma estrutura diferenciável quociente. Tal quocienteé descrito em termos de ações de grupos.

Definição 4.2.1. Sejam G um grupo e M um conjunto. Uma ação de Gem M é uma aplicação θ : G×M →M tal que:

(a) θ(e, p)=p,

(b) θ(g1, θ(g2, p)) = θ(g1g2, p),

para quaisquer g1, g2 ∈ G e p ∈M , onde e ∈ G denota o elemento neutro.

Neste caso, dizemos também que o grupo G age no conjunto M .

Exemplo 4.2.2. Um exemplo simples é a ação natural do grupo GL(n) emRn. Neste caso, definimos uma ação θ : GL(n)× Rn → Rn pondo

θ(A, v) = A · v.

Nesta ação, identificamos o vetor v ∈ Rn com a matriz v de ordem n × 1.Assim, esta ação é a multiplicação da matriz A de ordem n× n pela matrizv de ordem n× 1.

Observação 4.2.3. Uma ação de grupo no sentido da Definição 4.2.1 éusualmente chamada de uma ação à esquerda. Uma ação à direita de umgrupo G num conjunto M é uma aplicação ρ : G×M →M tal que

(a) ρ(e, p) = p,

(b) ρ(g1, ρ(g2, p)) = ρ(g2g1, p),

para quaisquer g1, g2 ∈ G e p ∈ M . A motivação para os nomes ação àesquerda e ação à direita é a seguinte: se denotarmos θ(g, p) por g · p eρ(g, p) por p · g, então as condições satisfeitas por θ e ρ são descritas daseguinte maneira:

e · p = p, g1 · (g2 · p) = (g1g2) · p,

ep · e = p, (p · g2) · g1 = p · (g2g1),

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respectivamente. Note que se G é abeliano então θ = ρ. Além disso, seρ : G×M →M é uma ação à direita, então

θ(g, p) = ρ(g−1, p)

é uma ação à esquerda de G em M . Por esse motivo, nos restringiremos àsações à esquerda.

Dados uma ação θ : G ×M → M e um ponto p ∈ M , o subgrupo deisotropia de p, denotado por Gp, é definido por

Gp = g ∈ G : g · p = p.

É simples verificar que Gp é de fato um subgrupo de G. Quando Gp = epara todo p ∈ M , dizemos que a ação de G em M é livre ou sem pontosfixos. A órbita de p pela ação de G, denotada por G(p), é definida por

G(p) = g · p : g ∈ G.

Quando a ação θ possui uma única órbita, i.e., para quaisquer p, q ∈ Mexiste g ∈ G com q = g · p, dizemos que θ é uma ação transitiva.

Exemplo 4.2.4. Em relação à ação natural de GL(n) em Rn, temos que0 ∈ Rn é um ponto fixo de GL(n), pois

GL(n)0 = A ∈ GL(n) : A · 0 = 0 = GL(n).

Além disso, a ação de GL(n) em Rn − 0 é transitiva. De fato, dadox = (x1, . . . , xn) ∈ Rn, x 6= 0, existe uma base f1, . . . , fn de Rn, comf1 = x. Assim, se e1, . . . , en denota a base canônica de Rn, temos:

fi =n∑j=1

aijej ,

para todo 1 ≤ i ≤ n, logox = A · e1,

com A = (aij) ∈ GL(n). Em particular, tem-se x ∈ G(e1).

Exemplo 4.2.5. Em relação à ação natural do grupo ortogonal O(n) emRn, as órbitas são esferas concêntricas, centradas na origem. De fato, dadox ∈ Rn, para todo A ∈ O(n), temos

‖A(x)‖ = ‖x‖.

Portanto, a órbita de x ∈ Rn é a esfera centrada na origem de raio ‖x‖.

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Quando M é um espaço topológico ou uma variedade diferenciável, émais natural estudar ações de grupos em M que sejam compatíveis com aestrutura topológica ou com a estrutura diferenciável de M . Antes, porém,de particularizarmos nosso estudo, façamos algumas considerações.

Dado um conjunto M , denotemos por Bij(M) o grupo das bijeçõesφ : M →M , munido da operação de composição. Seja θ : G×M →M umaação em M . Note que, para todo g ∈ G, a aplicação

θg : M →M,

definida por θg(p) = θ(g, p), é bijetora e sua inversa é igual a θg−1 . Obtemos,então, uma aplicação

θ : G→ Bij(M)

dada por θ(g) = θg, para todo g ∈ G. É fácil ver que θ é um homomorfismode grupos. Reciprocamente, dado um homomorfismo θ : G → Bij(M), aaplicação

θ(g, p) = θ(g)(p)

define uma ação de G em M .

Definição 4.2.6. Sejam G um grupo e M um espaço topológico. Uma açãopor transformações contínuas deG emM é uma ação θ : G×M →M tal que,para todo g ∈ G, a bijeção θg : M → M é contínua. Se M é uma variedadediferenciável de classe Ck, dizemos que θ é uma ação por transformações declasse Ck se a bijeção θg : M →M é de classe Ck, para todo g ∈ G.

Como θ−1g = θg−1 , temos que se θ é uma ação por transformações contí-

nuas então θg é um homeomorfismo de M , para todo g ∈ G. Analogamente,se θ é uma ação por transformações de classe Ck então θg é um difeomorfismode classe Ck de M , para todo g ∈ G.

Observação 4.2.7. Se M é um espaço topológico então o conjuntoHomeo(M) dos homeomorfismos de M é um subgrupo de Bij(M). Assim, θé uma ação por transformações contínuas se, e somente se, o homomorfismoassociado θ toma valores em Homeo(M). SeM é uma variedade diferenciávelde classe Ck então o conjunto Difk(M) dos difeomorfismos de classe Ck deM é um subgrupo de Homeo(M). Assim, θ é uma ação por transformaçõesde classe Ck se, e somente se, θ toma valores em Difk(M).

Associado a uma ação θ : G×M →M temos uma relação de equivalênciaem M definida por:

p ∼ q ⇔ existe g ∈ G, com q = g · p. (4.1)

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É fácil ver que ∼ é de fato uma relação de equivalência em M . Além disso,se [p] denota a classe de equivalência de p ∈M , então [p] = G(p).

Lema 4.2.8. Sejam G um grupo, M um espaço topológico e suponha queseja dada uma ação deG emM por transformações contínuas. Se o quocienteM/G, em relação a (4.1), é munido da topologia quociente então a aplicaçãoquociente π : M →M/G é aberta.

Demonstração. Seja U ⊂M um aberto. Para provar que π(U) é aberto emM/G, devemos mostrar que π−1(π(U)) é aberto em M . Temos que

π−1(π(U)) = p ∈M : p ∼ q, para algum q ∈ U.

Assim,π−1(π(U)) =

⋃g∈G

gU,

onde gU = g · p : p ∈ U = θg(U). Como cada gU é aberto em M , segueque π−1(π(U)) = é também aberto em M .

De agora em diante, se M é um espaço topológico e se G é um grupoagindo em M por transformações contínuas, assumiremos que M/G estámunido da topologia quociente.

Definição 4.2.9. Sejam G um grupo e M um espaço topológico. Umaação de G em M por transformações contínuas é chamada propriamentedescontínua se valem as seguintes propriedades:

(a) Para todo p ∈ M , existe um aberto U ⊂ M contendo p tal quegU ∩ U = ∅, para todo g ∈ G, g 6= e.

(b) Para quaisquer p, q ∈ M , com q 6∈ G(p), existem abertos U, V ⊂ M ,com p ∈ U e q ∈ V , tais que gU ∩ V = ∅, para todo g ∈ G.

Dizemos também neste caso que G age de modo propriamente descontí-nuo em M . O aberto U dado em (a) chama-se uma vizinhança distinguidade p ∈M .

Observação 4.2.10. Segue da condição (a) da Definição 4.2.9 que os abertosgU , g ∈ G, são dois a dois disjuntos. De fato, dados g, h ∈ G, com g 6= h,temos:

gU ∩ hU = h((h−1g)U ∩ U

)= h∅ = ∅,

pois h−1g 6= e. Analogamente, a condição (b) implica que gU ∩ hV = ∅,para quaisquer g, h ∈ G. De fato,

gU ∩ hV = h((h−1g)U ∩ V

)= h∅ = ∅.

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Page 117: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

O lema seguinte caracteriza a condição (b) da Definição 4.2.9.

Lema 4.2.11. Seja G um grupo agindo por transformações contínuas emum espaço topológico M . Então a condição (b) é satisfeita se, e somente se,o espaço topológico M/G é Hausdorff.

Demonstração. Suponha que M/G é Hausdorff. Dados p, q ∈ M , com q 6∈G(p), então π(p) e π(q) são pontos distintos em M/G, onde π : M →M/Gdenota a aplicação quociente. Assim, existem abertos disjuntosU , V ⊂ M/G, com π(p) ∈ U e π(q) ∈ V . Portanto, U = π−1(U) eV = π−1(V ) são abertos emM , com p ∈ U e q ∈ V , tais que gU∩V = ∅, paratodo g ∈ G. Isso prova a condição (b) da Definição 4.2.9. Reciprocamente,suponha que a condição (b) é satisfeita. Sejam p, q ∈M/G pontos distintose p, q ∈ M tais que π(p) = p e π(q) = q. Tem-se que q 6∈ G(p) e, portanto,existem abertos U, V ⊂ M , com p ∈ U e q ∈ V , tais que gU ∩ V = ∅,para todo g ∈ G. Como π é uma aplicação aberta, segue que U = π(U) eV = π(V ) são abertos em M/G. Além disso, tem-se p ∈ U , q ∈ V e U , Vsão disjuntos. Logo, M/G é Hausdorff.

O lema seguinte resume algumas propriedades básicas das ações propria-mente descontínuas.

Lema 4.2.12. Toda ação propriamente descontínua de um grupo G numespaço topológico M é livre e possui órbitas discretas e fechadas. Alémdisso, para que exista uma ação propriamente descontínua de algum grupoG num dado espaço topológico M é necessário que M seja Hausdorff.

Demonstração. A condição (a) da Definição 4.2.9 implica que a ação de G emM é livre e que as órbitas dessa ação são discretas (cf. Observação 4.2.10).O fato de que as órbitas são fechadas segue diretamente da condição (b).Finalmente, suponha que exista uma ação propriamente descontínua de GemM . Sejam p, q ∈M pontos distintos. Se q ∈ G(p), a condição (a) forneceabertos que separam p de q; se q = g · p, g 6= e, e se U é uma vizinhançadistinguida de p, então q ∈ gU e U ∩ gU = ∅. Se q 6∈ G(p), a condição (b)fornece abertos disjuntos U, V ⊂ M , com p ∈ U e q ∈ V . Isso prova que Mé Hausdorff.

O lema seguinte nos dá condições suficientes para que uma ação sejapropriamente descontínua.

Lema 4.2.13. SejaM um espaço topológico de Hausdorff. Então, toda açãolivre por transformações contínuas de um grupo finito G em M é propria-mente descontínua.

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Demonstração. Seja dado p ∈ M . Como a ação é livre, os elementos dafamília g · p : g ∈ G são dois a dois distintos. Como M é Hausdorff,podemos obter uma família Ug : g ∈ G de abertos de M , dois a doisdisjuntos, tal que g · p ∈ Ug, para todo g ∈ G. Como a ação é contínua e Gé finito, podemos escolher o aberto U = Ue, com e · p ∈ U , suficientementepequeno de modo que gU ⊂ Ug, para todo g ∈ G. Assim, gU ∩ U = ∅, paratodo g ∈ G. Isso prova a condição (a) da Definição 4.2.9. Para provar acondição (b), sejam dados p, q ∈ M , com q 6∈ G(p). Para todo g ∈ G, comq 6= g · p, existem abertos disjuntos Ug, Vg ⊂ M , com g · p ∈ Ug e q ∈ Vg.Definindo

U =⋂g∈G

g−1Ug e V =⋂g∈G

Vg,

segue que U e V são vizinhanças abertas de p e q, respectivamente e, paratodo g ∈ G, tem-se gU ⊂ Ug e V ⊂ Vg, logo gU ∩ V = ∅.

O teorema seguinte nos proporciona uma rica fonte de exemplos de va-riedades diferenciáis.

Teorema 4.2.14. Seja G um grupo propriamente descontínuo agindo emuma variedade diferenciável Mn de classe Ck. Então, o quociente M/Gadmite uma única estrutura diferenciável quociente de classe Ck. Além disso,a aplicação quociente π : M →M/G é um difeomorfismo local de classe Ck.

Demonstração. Seja (U,ϕ) uma carta local em M tal que gU ∩ U = ∅,para todo g ∈ G, g 6= e. Então, π(U) é aberto em M/G e a aplicaçãoπ|U : U → π(U) é contínua, aberta e bijetora, logo π|U : U → π(U) é umhomeomorfismo. Assim, a aplicação

ϕ : π(U)→ ϕ(U) ⊂ Rn

definida por ϕ = ϕ π|−1U é um homeomorfismo de um aberto de M/G sobre

um aberto de Rn; em particular, ϕ é uma carta local em M/G. Provemosque a coleção A de todas as cartas ϕ em M/G, definidas dessa forma, é umatlas de classe Ck em M/G. De fato, dado p ∈ M/G, seja p ∈ M comp = π(p). O ponto p pertence a um aberto U ′ em M tal que gU ′ ∩ U ′ = ∅,para todo g ∈ G, g 6= e. Escolha então um aberto U ⊂ U ′ contendo p queseja domínio de uma carta ϕ. Assim, a carta correspondente ϕ conterá pem seu domínio. Isso mostra que os domínios das cartas pertencentes a Acobrem M/G. Quanto à Ck-compatibilidade, sejam (U,ϕ), (V, ψ) cartas emM , com gU ∩ U = ∅ e gV ∩ V = ∅, para todo g ∈ G, g 6= e. Sejam ϕ, ψ as

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correspondentes cartas em M/G. O domínio de ψ ϕ−1 é igual a

ϕ (π(U) ∩ π(V )) = ϕ(π|−1U (π(U) ∩ π(V ))

)= ϕ

(U ∩ π−1(π(V ))

)= ϕ

U ∩⋃g∈G

gV

=

⋃g∈G

ϕ(U ∩ gV ).

Como ϕ(U ∩ gV ) é aberto em Rn, para todo g ∈ G, é suficiente provar quea restrição de ψ ϕ−1 a ϕ(U ∩ gV ) é de classe Ck, para todo g ∈ G. Sejax ∈ ϕ(U∩gV ). Assim, x = ϕ(p), com p ∈ U∩gV e, portanto, ϕ−1(x) = π(p).Temos π(p) = π(g−1 · p) e g−1 · p ∈ V , logo ψ(π(p)) = ψ(g−1 · p). Assim,(

ψ ϕ−1)

(x) = ψ(π(p)) = ψ(g−1 · p) = ψ(g−1 · ϕ−1(x)),

para todo x ∈ ϕ(U ∩ gV ). Como ϕ, ψ e a bijeção de M correspondente àação de g são difeomorfismos de classe Ck, segue que ψ ϕ−1 é de classe Ck.Portanto, provamos que A é um atlas de classe Ck em M/G. Segue entãoque a topologia induzida por A emM/G coincide com a topologia quociente(cf. Observação 4.1.2). Do Lema 4.2.11 obtemos que a topologia quocienteem M/G é Hausdorff. Além disso, como a aplicação quociente π é contínua,aberta e sobrejetora, segue do Exercício 1 que a topologia quociente emM/Gsatisfaz o segundo axioma da enumerabilidade. Portanto, M/G munido doatlas maximal de classe Ck que contém A é uma variedade diferenciável declasse Ck. Finalmente, relativamente à essa estrutura diferenciável, temosque cada carta ϕ é um difeomorfismo de classe Ck; como

π|U = ϕ−1 ϕ,

segue que π|U também é um difeomorfismo de classe Ck e, portanto, π éum difeomorfismo local de classe Ck. Em particular, π é uma submersãode classe Ck e, portanto, a estrutura diferenciável em M/G é uma estruturadiferenciável quociente de classe Ck.

Exemplo 4.2.15. Na esfera Sn, considere a aplicação antípodaA : Sn → Sn dada por A(x) = −x, para todo x ∈ Sn. O conjuntoG = Id, A, munido da operação de composição, é um subgrupo de Dif(Sn).Como G é finito e a ação de G em Sn é livre, pois A não tem pontos fixos,segue do Lema 4.2.13 que a ação de G em Sn é propriamente descontínua e,

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Page 120: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

pelo Teorema 4.2.14, Sn/G admite uma única estrutura diferenciável quoci-ente de classe C∞ que torna a aplicação quociente π : Sn → Sn/G um dife-omorfismo local de classe C∞. Afirmamos que Sn/G é difeomorfo ao espaçoprojetivo RPn. De fato, considere a aplicação inclusão i : Sn → Rn+1\0.Se p : Rn+1\0 → RPn denota a aplicação quociente, defina ϕ = p i. Te-mos que ϕ é sobrejetora. Além disso, a relação de equivalência determinadapor ϕ em Sn coincide com a relação de equivalência em Sn cujas classes deequivalência são as órbitas de G, ou seja,

y ∈ G(x) ⇔ y = x ou y = −x⇔ ϕ(x) = ϕ(y),

para quaisquer x, y ∈ Sn. Assim, ϕ : Sn → RPn é bijetora e, portanto,induz uma bijeção φ : Sn/G→ RPn tal que o diagrama

Sn

π

i //

ϕ

''

Rn+1\0

p

Sn/G

φ// RPn

comuta. Dado x ∈ Sn/G, tem-se x = π(x), com x ∈ Sn. Como ϕ é de classeC∞, π é uma submersão sobrejetora de classe C∞ e ϕ = φ π, segue doCorolário 2.1.16 que φ é de classe C∞. Além disso, temos:

dϕ(x) = dφ(x) dπ(x).

Como dϕ(x) e dπ(x) são isomorfismos, segue que dφ(x) também é um iso-morfismo. Assim, pelo Teorema da Aplicação Inversa, φ é um difeomorfismolocal de classe C∞ e, portanto, um difeomorfismo de classe C∞, uma vezque é bijetora.

Exemplo 4.2.16. Seja Z2 o subgrupo aditivo de R2 formado pelos ve-tores cujas coordenadas são números inteiros. Temos, então, uma açãoθ : Z2 × R2 → R2 dada por

(m,n) · (x, y) = (x+m, y + n),

para quaisquer m,n ∈ Z e x, y ∈ R. A bijeção θg : R2 → R2, correspondenteao elemento g = (m,n) ∈ Z2, é uma translação e, portanto, temos uma açãopor isometrias. Afirmamos que Z2 é um grupo propriamente descontínuo. Defato, qualquer vizinhança de diâmetro menor do que um é uma vizinhança

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distinguida. Quanto à condição (b) da Definição 4.2.9, dados x, y ∈ R2, comx 6∼ y, seja ε > 0 a distância de x à órbita de y. Assim, U = B(x; ε/2) eV = B(y; ε/2) satisfazem a condição (b). Portanto, pelo Teorema 4.2.14,existe uma única estrutura diferenciável quociente de classe C∞ em R2/Z2,que torna π : R2 → R2/Z2 um difeomorfismo local de classe c∞. Afirmamosque R2/Z2 é difeomormo ao toro S1 × S1. De fato, considere a aplicaçãof : R2 → S1 × S1 definida por

f(x, y) = (ei2πx, ei2πy) = (cos(2πx), sin(2πx), cos(2πy), sin(2πy)) .

Temos que f é uma submersão de classe C∞, pois a aplicação

t ∈ R 7→ (cos(2πt), sin(2πt)) ∈ S1

é uma submersão de classe C∞. Além disso, a relação de equivalência de-terminada por f em R2 coincide com a relação de equivalência em R2 cujasclasses são as órbitas de Z2, ou seja,

f(x, y) = f(x′, y′) ⇔ x− x′ ∈ Z e y − y′ ∈ Z⇔ (x′, y′) ∈ Z2(x, y).

Portanto, f induz uma bijeção φ : R2/Z2 → S1×S1 de modo que o diagrama

R2

π

f // S1 × S1

R2/Z2

φ

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comuta. Dado p ∈ R2/Z2, seja p ∈ R2 com p = π(p). Como f = φπ, pode-mos argumentar como no Exemplo 4.2.15 para concluir que φ é diferenciável.Assim,

df(p) = dφ(x) dπ(p).

Como dπ(p) é um isomorfismo e df(p) é sobrejetora, segue que dφ(p) é umisomorfismo. Logo, pelo Teorema da Aplicação Inversa, φ é um difeomor-fismo local de classe C∞ e, portanto, um difeomorfismo de classe C∞, umavez que é bijetora.

Exercícios

1. Prove que o grupo ortogonal O(n) age transitivamente na esfera Sn−1 edetermine os subgrupos de isotropia.

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2. Prove que a variedade R/Z é difeomorfa ao círculo S1.

3. Prove que o plano projetivo R2/Z2 é difeomorfo ao toro de rotação T 2,obtido pela rotação de um círculo em torno de um eixo que não o intercepta.Sugestão: por simplicidade, suponha que tal eixo seja o eixo-z e que o círculotenha raio r e centro no ponto (1, 0, 0). Assim, uma parametrização local deT 2 é dada por

ϕ(s, t) =((1 + r cos s) cos t, (1 + r cos s) sin t, r sin s

),

com 0 < s, t < 2π. Considere a aplicação f : R2 → R3 definida por

f(s, t) =((1 + r cos(2πs)) cos(2πt), (1 + r cos(2πs)) sin(2πt), r sin(2πs)

).

Prove que f induz um difeomorfismo de classe C∞ de R2/Z2 sobre T 2.

4. Considere a aplicação f : S2 → R3 dada por f(x, y, z) = (yz, xz, xy).Prove que f induz uma aplicação de classe C∞ de RP 2 em R3, a qual deixade ser uma imersão em 6 pontos, cujas imagens são os pontos dos eixoscoordenados a uma distância 1/2 da origem.

5. Considere a aplicação f : S2 → R6 dada por

f(x, y, z) = (x2, y2, z2,√

2yz,√

2xz,√

2xy).

Prove que f induz um mergulho de classe C∞ de RP 2 em R4, chamado omergulho de Veronese.

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4.3 Orientação em espaços vetoriais

Seja E um espaço vetorial real de dimensão n. Dados duas basesE = e1, . . . , en e F = f1, . . . , fn em E, denotemos por A = (aij) aúnica matriz real n× n invertível tal que

fj =

n∑i=1

aijei,

para todo 1 ≤ j ≤ n. A matriz A chama-se a matriz de passagem da base Epara a base F .

Definição 4.3.1. Dizemos que as bases E e F definem a mesma orientaçãoem E se detA > 0 e, neste caso, escrevemos E ≡ F .

Esta propriedade define uma relação de equivalência no conjunto de todasas bases de E. Cada classe de equivalência, segundo esta relação, chama-seuma orientação no espaço vetorial E.

Seja O uma orientação em E. O é um conjunto de bases de E com asseguintes propriedades. Duas bases quaisquer em O são igualmente orien-tadas. Além disso, se E pertence a O e F ≡ E , então F também pertencea O. Assim, a orientação O fica determinada por qualquer um de seus e-lementos E . Se as matrizes de passagem de E para as bases F e G são Ae B, respectivamente, então a matriz de passagem de F para G é BA−1.Se detA < 0 e detB < 0 então det(BA−1) > 0. Ou seja, se F e G nãopertencem à orientação O, então F ≡ G. Isso mostra que a relação ≡ possuiduas classes de equivalência. Em outras palavras, o espaço vetorial E admiteduas orientações.

Definição 4.3.2. Um espaço vetorial orientado é um par (E,O), onde O éuma orientação em E.

Fixada uma orientação O em E, a outra orientação de E será chamadaa orientação oposta e a denotaremos por −O. No espaço vetorial orientadoE, as bases pertencentes a O serão chamadas positivas, enquanto as outrasde negativas.

Definição 4.3.3. Sejam E, F espaços vetoriais orientados, com mesma di-mensão. Dizemos que um isomorfismo linear T : E → F preserva orientaçãose transforma bases positivas de E em bases positivas de F . Caso contrário,dizemos que T inverte orientação.

120

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Observe que, para que um isomorfismo T : E → F preserve orientaçãobasta que T transforme uma base positiva de E numa base positiva de F .Se T : E → F preserva orientação, então T−1 : F → E também preserva.Além disso, se T : E → F e S : F → G preservam orientação, o mesmoocorre com S T : E → G.

Exemplo 4.3.4. O espaço Euclidiano Rn será considerado orientado pelaexigência de que sua base canônica seja positiva. Assim, um isomorfismolinear T : Rn → Rn preserva orientação se, e somente se, sua matriz, emrelação à base canônica de Rn, tem determinante positivo.

Se apenas um dos espaços vetoriais E, F é orientado, a exigência de queum isomorifismo T : E → F preserve orientação determina, univocamente,uma orientação no outro espaço.

4.4 Orientação em variedades diferenciáveis

Seja M uma variedade diferenciável. Dizemos que duas cartas locais(U,ϕ), (V, ψ) em M são coerentes quando U ∩ V = ∅, ou então quandoU ∩ V 6= ∅, a aplicação de transição ψ ϕ−1 satisfaz

det(d(ψ ϕ−1)(x)

)> 0,

para todo x ∈ ϕ(U ∩V ). Um atlas A na variedade M é chamado coerente sequaisquer duas cartas locais em A são coerentes. Diremos que a variedadeMé orientável se M possui um atlas coerente. Observe que todo atlas coerenteA na variedade M está contido em um único atlas coerente maximal. Defato, basta considerar o atlas constituído de todas as cartas de M que sãocoerentes com todas as cartas de A.

Definição 4.4.1. Uma variedade orientada é um par (M,A), ondeM é umavariedade diferenciável e A é um atlas coerente maximal. O atlas A, nestecaso, é chamado uma orientação para M .

Exemplo 4.4.2. O espaço Euclidiano Rn é uma variedade orientável, pois oatlas em Rn determinado pela aplicação identidade é coerente. A orientaçãodefinida por este atlas é chamada a orientação canônica de Rn.

Exemplo 4.4.3. Todo subconjunto aberto U de uma variedade orientávelM também é orientável. De fato, fixado um atlas coerente A em M , oatlas em U definido pelas restrições a U das cartas deM também é um atlascoerente, logo define uma orientação em U , chamada de orientação induzida.

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Observação 4.4.4. Uma orientação A em uma variedade diferenciável Mdetermina uma orientação em cada espaço tangente TpM , no sentido daSeção 4.3: v1, . . . , vm é base positiva de TpM se dϕ(p) ·v1, . . . ,dϕ(p) ·vmé uma base positiva de Rm, onde (U,ϕ) é uma carta local em A, com p ∈ U .Além disso, esta orientação independe da escolha da carta. De fato, seja(V, ψ) outra carta em A, com p ∈ U ∩ V . Então,

dψ(p) = d(ψ ϕ−1 ϕ)(p) = d(ψ ϕ−1)(ϕ(p)) dϕ(p).

Como ϕ e ψ são coerentes, o isomorfismo d(ψ ϕ−1)(ϕ(p)) preserva ori-entação, logo dψ(p) · v1, . . . ,dψ(p) · vm também é uma base positiva deRm.

Observação 4.4.5. Reciprocamente, suponha que seja dada uma orientaçãoOp em cada espaço tangente TpM de uma variedade diferenciável M de talmodo que, para cada p ∈M , exista uma carta local (U,ϕ) emM , com p ∈ U ,tal que dϕ(q) : TqM → Rm preserva orientação, para todo q ∈ U . Então, oatlas A formado por tais cartas é um atlas coerente em M e, portanto, M éorientável. De fato, se (U,ϕ), (V, ψ) são cartas em M , com p ∈ U ∩V , então

det(d(ψ ϕ−1)(x)

)= det

(dψ(q) dϕ−1(x)

)> 0,

para todo x ∈ ϕ(U), com q = ϕ−1(x), pois dψ(q) dϕ−1(x) é a composta dedois isomorfismos que preservam orientação.

Proposição 4.4.6. Seja f : M → N um difeomorfismo local entre duasvariedades orientadas, M e N . Então, o conjunto

A = p ∈M : df(p) preserva orientação

é um aberto em M .

Demonstração. Sejam A, B os atlas que definem as orientações em M eN , respectivamente. Dado p ∈ A, sejam (U,ϕ) ∈ A e (V, ψ) ∈ B, comp ∈ U e f(U) ⊂ V . Como df(p) preserva orientação, o mesmo ocorre com oisomorfismo d(ψ f ϕ−1)(ϕ(p)). Por continuidade da função determinante,existe um aberto W ⊂ Rm, com ϕ(p) ∈W ⊂ ϕ(U), tal que d(ψ f ϕ−1)(x)preserva orientação, para todo x ∈W . Portanto, df(q) preserva orientação,para todo q ∈ ϕ−1(W ) ⊂ U . Isso mostra que ϕ−1(W ) é um aberto em Mtal que p ∈ ϕ−1(W ) ⊂ A, i.e., A é aberto.

Observação 4.4.7. Segue de forma inteiramente análoga que o conjunto

B = p ∈M : df(p) inverte orientação

também é um aberto em M .

122

Page 126: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Corolário 4.4.8. Seja f : M → N um difeomorfismo local entre varieda-des orientadas. Se M é conexa, então ou f preserva orientação ou inverteorientação.

Corolário 4.4.9. Em uma variedade orientável conexa M existem, exata-mente, duas possíveis orientações.

Demonstração. Sejam A, B orientações em M . A aplicação identidade

Id : (M,A)→ (M,B)

é um difeomorfismo. Assim, como M é conexa, segue do Corolário 4.4.8 queou bem Id preserva orientação, e neste caso tem-se A = B, ou Id inverteorientação, e neste caso tem-se A = −B.

Corolário 4.4.10. Suponhamos que em uma variedade diferenciávelM exis-tam cartas locais (U,ϕ), (V, ψ) tais que em dois pontos distintos de ϕ(U ∩V )a mudança de coordenadas ψ ϕ−1 tenha determinante, nestes dois pontos,com sinais contrários. Então, M não é orientável.

Observe que, nas condições do Corolário 4.4.10, a interseção U ∩ V énecessariamente desconexa.

Proposição 4.4.11. Seja Mm ⊂ Rn uma superfície e suponha que existemn−m campos normais contínuos η1, . . . , ηn−m : M → Rn que são linearmenteindependentes. Então, M é orientável.

Demonstração. Para cada ponto p ∈M , definimos uma orientação em TpMdo seguinte modo: uma base v1, . . . , vm de TpM é positiva se, e somentese,

v1, . . . , vm, η1(p), . . . , ηn−m(p)

é uma base positiva de Rn. Dado uma carta local (U,ϕ) em M , com p ∈ Ue U conexo, compondo ϕ com um isomorfismo de Rn que inverte orientação,se necessário, podemos supor que a base

∂x1(q), . . . ,

∂xm(q), η1(q), . . . , ηn−m(q)

de Rn seja positiva, para todo q ∈ U . Portanto, para cada p ∈M , podemosescolher uma carta local (U,ϕ) emM , com p ∈ U , tal que dϕ(q) : TqM → Rmseja um isomorfismo que preserva orientação, para todo q ∈ U . Logo, pelaObservação 4.4.5, segue que M é orientável.

123

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Quando a codimensão de M é igual a 1, i.e., n−m = 1, vale a recíprocada Proposição 4.4.11 (cf. Exercício 2). Mais precisamente, temos o seguinte:

Teorema 4.4.12. Uma hipersuperfície M ⊂ Rn+1 é orientável se, e so-mente se, existe um campo contínuo de vetores normais η : M → Rn+1, comη(p) 6= 0 para todo p ∈M .

Uma aplicação simples do Teorema 4.4.12 é analisar a orientabilidade daesfera através da aplicação antípoda.

Exemplo 4.4.13. Consideremos a aplicação antípoda A : Sn → Sn, dadapor A(p) = −p, para todo p ∈ Sn, e examinemos se A preserva ou in-verte a orientação de Sn. A orientação de Sn, definida pelo campo posiçãoη(p) = p, em conformidade com o Teorema 4.4.12, faz com que uma basev1, . . . , vn de TpSn seja positiva se, e somente se, det(v1, . . . , vn, p) > 0,onde (v1, . . . , vn, p) é a matriz (n+1)×(n+1) cujas colunas estão aí indicadas.Portanto, escolhida uma base positiva v1, . . . , vn de TpSn, o isomorfismodA(p) = −Id preserva orientação se, e somente se,

det(−v1, . . . ,−vn,−p) = (−1)n+1 det(v1, . . . , vn, p) > 0,

ou seja, se, e somente se, n é ímpar. Portanto, a aplicação antípoda Apreserva a orientação de Sn quando n é ímpar e inverte quando n é par.

Proposição 4.4.14. Seja f : M → N um difeomorfismo local. Se N éorientável então o mesmo vale para M .

Demonstração. Seja B uma orientação em N . Dado p ∈ M , sejam (V, ψ) ∈B, com f(p) ∈ V , e U ⊂ M um aberto contendo p, com f(U) ⊂ V , taisque f |U : U → f(U) seja um difeomorfismo. Então, ϕ = ψ f |U é umacarta local em M . Além disso, a coleção A formada por tais cartas locais éum atlas coerente em M . De fato, sejam ϕ1, ϕ2 ∈ A e ψ1, ψ2 ∈ B tais queϕ1 = ψ1 f e ϕ2 = ψ2 f . Então,

ϕ2 ϕ−11 = (ψ2 f) (ψ1 f)−1 = ψ2 ψ−1

1 .

Como ψ1 e ψ2 preservam orientação, o determinante jacobiano de ϕ2 ϕ−11

é positivo, logo A é coerente.

Exemplo 4.4.15. Seja Sn a esfera unitária. Definimos uma aplicaçãof : Sn × R → Rn+1 pondo f(x, t) = etx. Temos que f é um difeomor-fismo do cilindro Sn×R sobre o aberto Rn+1\0 de Rn+1. Como Rn+1\0é orientável, segue da Proposição 4.4.14 que Sn × R é orientável. Assim,usando o Exercício 1, concluimos que Sn é orientável.

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Dado uma função diferenciável f : U → R, onde U ⊂ Rn é um subcon-junto aberto, lembremos que o gradiente de f num ponto x ∈ U , denotadopor gradf(x), é o vetor em Rn definido por

〈gradf(x), v〉 = df(x) · v,

para todo v ∈ Rn. Em particular, para v = ei, temos 〈gradf(x), ei〉 = ∂f∂xi

(x),logo

gradf(x) =

(∂f

∂x1(x), . . . ,

∂f

∂xn(x)

),

para todo x ∈ U . Seja c ∈ R um valor regular para f . Assim, M = f−1(c)é uma superfície em Rn. Dados x ∈ M e v ∈ TxM , seja λ : (−ε, ε) → Uuma curva diferenciável tal que λ(0) = x, λ′(0) = v e λ(t) ∈ M , para todot ∈ (−ε, ε). Assim, como f(λ(t)) = c, para todo t, temos:

0 = (f λ)′(0) = df(x) · v =n∑i=1

∂f

∂xi(x) · v = 〈gradf(x), v〉,

ou seja, o gradiente de f no ponto x é ortogonal ao espaço tangente TxM .

Esta observação pode ser usada, neste contexto, da seguinte forma:

Proposição 4.4.16. Sejam f : Rn → Rm uma aplicação diferenciável ec ∈ Rm um valor regular para f . Então, M = f−1(c) é uma superfícieorientável.

Demonstração. A superfície M = f−1(c) tem em cada um de seus pontos po espaço vetorial normal gerado pelos m vetores linearmente independentes

gradf1(p), . . . , gradfm(p),

onde f1, . . . , fm : Rn → R são as funções coordenadas de f . Assim, segue daProposição 4.4.11 que M é orientável.

Exercícios

1. Sejam M , N variedades diferenciáveis. Prove que a variedade produtoM × N é orientável se, e somente se, cada uma das variedades M e N éorientável.

2. Prove o Teorema 4.4.12.

3. Prove que todo grupo de Lie G é orientável.

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4.5 Orientação via ação de grupos

Nesta seção apresentaremos alguns exemplos de variedades não-orientá-veis. Mais precisamente, daremos uma condição necessária e suficiente paraque uma variedade quociente seja orientável. Comecemos com o seguintelema auxiliar, que é a recíproca da Proposição 4.4.14.

Lema 4.5.1. Seja f : M → N um difeomorfismo local sobrejetor. Se Mé orientável e conexa, então N é orientável se, e somente se, para quais-quer p, q ∈ M , com f(p) = f(q), o isomorfismo df(p) df(q)−1 preservaorientação.

Demonstração. Suponha que, para quaisquer p, q ∈ M , com f(p) = f(q), oisomorfismo df(q)−1 df(p) preserva orientação. Dado x ∈ N , defina umaorientação Ox em TxN exigindo que o isomorfismo df(p) : TpM → TxNpreserva orientação, onde p ∈ f−1(x). A hipótese de que df(q)−1 df(p)preserva orientação, para quaisquer p, q ∈M , com f(p) = f(q), implica quea orientação Ox assim definida independe da escolha do ponto p ∈ f−1(x).Além disso, se (U,ϕ) é uma carta pertencente a orientação deM , com p ∈ Ue tal que f |U : U → f(U) seja um difeomorfismo, então ψ = ϕ f |−1

U é umacarta en N , com x ∈ f(U), tal que dψ(y) preserva orientação, para todoy ∈ f(U). Logo, pela Observação 4.4.5, N é orientável. Reciprocamente,suponha N orientável. Como M é conexa, segue do Corolário 4.4.8 que ouf preserva orientação ou inverte orientação. Em qualquer caso, obtemosque df(q)−1 df(p) preserva orientação, para quaisquer p, q ∈ M tais quef(p) = f(q).

Teorema 4.5.2. Sejam M uma variedade orientável conexa e G um grupopropriamente descontínuo de difeomorfismos de M . Então, M/G é orientá-vel se, e somente se, todo difeomorfismo g ∈ G preserva orientação.

Demonstração. A aplicação quociente π : M → M/G é um difeomorfismolocal sobrejetor. Observe que π(p) = π(q) se, e somente se, q = g(p), paraalgum g ∈ G. Como π g = π, para todo g ∈ G, temos que dπ(q) dg(p) = dπ(p), ou seja, dπ(q)−1 dπ(p) = dg(p). Portanto, segue do Lema4.5.1 que M/G é orientável se, e somente se, todo elemento g ∈ G preservaorientação.

Exemplo 4.5.3. A variedade quociente R2/Z2, por ser difeomorfa ao toroS1 × S1, é orientável. Podemos ver também a orientabilidade de R2/Z2

através do Teorema 4.5.2. De fato, a ação de Z2 em R2 é por translação e,

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Page 130: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

portanto, é uma ação por isometrias. Como cada translação é um difeomor-fismo de R2 que preserva orientação, segue do Teorema 4.5.2 que R2/Z2 éorientável. De forma inteiramente análoga se prova que Rn/Zn é orientável.

Exemplo 4.5.4. O espaço projetivo RPn é orientável se, e somente se, n éímpar. De fato, do Exemplo 4.2.15, RPn é difeomorfo ao quociente Sn/G,caracterizado pela ação propriamente descontínua do grupo G = Id, Aem Sn. Como a aplicação antípoda A : Sn → Sn preserva orientação se,e somente se, n é ímpar (cf. Exemplo 4.4.13), a conclusão segue então doTeorema 4.5.2.

Exemplo 4.5.5. O cilindro M = S1 × R é uma variedade orientável, comoproduto de duas variedades orientáveis. Considere a aplicação g : M → Mdada por

g(x, y, z) = (x,−y, z + 1).

Temos que g é um difeomorfismo, cujo inverso é dado por g−1(x, y, z) =(x,−y, z − 1). Além disso, g tem as seguintes propriedades:

(a) transforma cada círculo horizontal de S1 × R no círculo situado umaunidade acima, refletindo-o em torno de um diâmetro.

(b) gera um grupo cíclico G = gn : n ∈ Z de difeomorfismos de M .

Afirmamos que G age em M de forma propriamente descontínua. De fato,dado p = (x, y, z) ∈M , considere a vizinhança Vp de p dada por

Vp = S1 × (z − ε, z + ε),

onde 0 < ε < 1/2. Da propriedade (a) segue que

g(Vp) ∩ Vp = ∅,

para todo g ∈ G, g 6= e. Sejam agora p1 = (x1, y1, z1) e p2 = (x2, y2, z2)pontos de M que estão em órbitas distintas. Assim, não existe n ∈ Z talque z1 = nz2. Podemos supor, sem perda de generalidade, que z1 e z2 estãoentre dois inteiros consecutivos, n e n + 1. Considere vizinhanças abertasVz1 , Vz2 centradas em z1 e z2, respectivamente, tais que

Vz1 , Vz2 ⊂ [n, n+ 1] e Vz1 ∩ Vz2 = ∅.

Assim, pondoUp1 = S1 × Vz1 e Up2 = S1 × Vz2 ,

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Page 131: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

segue que Up1 e Up2 são vizinhanças de p1 e p2, respectivamente, tais queg(Up1) ∩ Up2 = ∅, para todo g ∈ G. Isso mostra que G é propriamentedescontínuo. Portanto, M/G admite uma estrutura de variedade quociente,chamada a garrafa de Klein. Finalizamos mostrando que M/G é não-orien-tável. De fato, o n-ésimo iterado gn é dado por

gn(x, y, z) = (x, (−1)ny, z + n).

Assim,

dgn(x, y, z) =

1 0 00 (−1)n 00 0 1

,

cujo determinante jacobiano é igual a (−1)n. Portanto, gn preserva orien-tação de M se n é par e inverte se n é ímpar. Portanto, segue do Teorema4.5.2 que a garrafa de Klein é não-orientável.

Exercícios

4. Seja M a faixa do cilindro circular reto dada por

M = (x, y, z) ∈ R3 : x2 + y2 = 1, −1 < z < 1.

Verifique que o grupo G = Id, A, onde A denota a aplicação antípoda,age em M de forma propriamente descontínua e, portanto, M/G admiteuma estrutura de variedade quociente, chamada a faixa de Möbius. Provetambém que M/G é não-orientável.

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Capítulo 5

Integração em superfícies

5.1 Álgebra Multilinear

Dados dois espaços vetoriais reais de dimensão finita, E e F , denotemospor Lr(E,F ) o espaço vetorial real de todas as aplicações r-lineares ϕ :E × . . .× E → F . Quando F = R, denotaremos Lr(E,F ) = Lr(E).

Definição 5.1.1. Dizemos que ϕ ∈ Lr(E,F ) é alternada se ϕ(v1, . . . , vr) =0 sempre que a sequência (v1, . . . , vr) possuir repetições, ou seja, existiremi 6= j tais que vi = vj. Dizemos que ϕ é anti-simétrica se

ϕ(v1, . . . , vi, . . . , vj , . . . , vr) = −ϕ(v1, . . . , vj , . . . , vi, . . . , vr),

para quaisquer v1, . . . , vr ∈ E.

Proposição 5.1.2. ϕ ∈ Lr(E,F ) é alternada se, e somente se, ϕ é anti-simétrica.

Demonstração. Se ϕ é alternada, temos:

0 = ϕ(v1, . . . , vi + vj , . . . , vi + vj , . . . , vr)

= ϕ(v1, . . . , vi, . . . , vj , . . . , vr) + ϕ(v1, . . . , vj , . . . , vi, . . . , vr),

logo ϕ(v1, . . . , vi, . . . , vj , . . . , vr) = −ϕ(v1, . . . , vj , . . . , vi, . . . , vr), ou seja, ϕ éanti-simétrica. Reciprocamente, se ϕ é anti-simétrica, então

ϕ(v1, . . . , vi, . . . , vi, . . . , vr) = −ϕ(v1, . . . , vi, . . . , vi, . . . , vr),

logo ϕ(v1, . . . , vi, . . . , vi, . . . , vr) = 0.

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Page 133: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

O conjunto das aplicações r-lineares alternadas (anti-simétricas) de E emF será denotado por Λr(E,F ). Quando F = R, denotaremos Λr(E,F ) =Λr(E). Note que Λr(E,F ) é um subespaço vetorial de Lr(E,F ). Um ele-mento α de Λr(E) será chamado forma linear de grau r, ou r-forma linear.Convencionamos aqui que Λ0(E) = R.

Exemplo 5.1.3. Dados f1, . . . , fr ∈ E∗, definimos f1∧. . .∧fr : E×. . .×E →R por

(f1 ∧ . . . ∧ fr)(v1, . . . , vr) = det(fi(vj)

),

onde(fi(vj)

)é a matriz r× r cuja i-ésima linha é

(fi(v1), . . . , fi(vr)

)e cuja

j-ésima coluna é(f1(vj), . . . , fr(vj)

). Da linearidade dos funcionais fi e das

propriedades do determinante tem-se f1∧ . . .∧fr ∈ Λr(E). A r-forma linearf1 ∧ . . . ∧ fr é chamada produto exterior dos funcionais lineares f1, . . . , fr.

Proposição 5.1.4. Seja ϕ ∈ Λr(E,F ). Se v1, . . . , vr ∈ E são linearmentedependentes então ϕ(v1, . . . , vr) = 0.

Demonstração. Um dos vetores v1, . . . , vr é combinação linear dos demais,digamos v1 = α2v2 + . . .+ αrvr. Então,

ϕ(v1, . . . , vr) =r∑i=2

αiϕ(vi, v2, . . . , vr) = 0,

pois ϕ(v2, v2, . . . , vr) = ϕ(v3, v2, v3, . . . , vr) = . . . = ϕ(vr, v2, . . . , vr) = 0, jáque ϕ é alternada.

Corolário 5.1.5. O produto exterior f1 ∧ . . . ∧ fr é uma r-forma lineardiferente de zero se, e somente se, f1, . . . , fr são linearmente independentesem E∗.

Demonstração. Note que a aplicação r-linear

(f1, . . . , fr) 7→ f1 ∧ . . . ∧ fr

é alternada. Segue-se da Proposição 5.1.4 que, se f1 ∧ . . . ∧ fr 6= 0 entãof1, . . . , fr são linearmente independentes em E∗. Reciprocamente, sejamf1, . . . , fr linearmente independentes. Então, podemos estendê-los a umabase de E∗. Seja v1, . . . , vn ⊂ E a base dual. Então, para 1 ≤ i, j ≤ r,temos fi(vj) = δij . Logo,

(fi(vj)

)é a matriz identidade r × r e daí segue

que (f1, . . . , fr)(v1, . . . , vrt) = 1. Em particular, f1 ∧ . . . ∧ fr 6= 0.

Corolário 5.1.6. Se r > dim(E) então Λr(E) = 0.

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Page 134: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Demonstração. Neste caso, r vetores em E são linearmente dependentes.Logo, pela Proposição 5.1.4, segue a afirmação.

Dado uma base f1, . . . , fn de E∗, denotemos por I = i1 < . . . < iro subconjunto com r elementos de 1, 2, . . . , n, cujos membros estão nume-rados em ordem crescente. O conjunto I é chamado uma r-lista. Existem

n!r!(n−r)! desses conjuntos I = i1 < . . . < ir. Para cada um deles, escreve-mos:

fI = fi1 ∧ . . . ∧ fir .

Se e1, . . . , en ⊂ E denota a base dual de f1, . . . , fn e, I = i1 < . . . < ire J = j1 < . . . < jr são r-listas, temos:

fI(ej1 , . . . , ejr) =

1, se I = J0, se I 6= J

.

De fato, se I 6= J , existe ik ∈ I tal que ik /∈ J . Assim, fik(ej) = 0, para todoj ∈ J . Logo,

fI(ej1 , . . . , ejr) = (fi1 ∧ . . . ∧ fir)(ej1 , . . . , ejr) = 0,

pois o determinante de uma matriz, cuja k-ésima linha é nula, é zero. SeI = J , temos

fI(ej1 , . . . , ejr) = (fi1 ∧ . . . ∧ fir)(ej1 , . . . , ejr) = 1,

pois o determinante da matriz identidade é 1.

Teorema 5.1.7. Se f1, . . . , fn é uma base de E∗, então as r-formas fI =fi1 ∧ . . . ∧ fir constituem uma base de Λr(E).

Demonstração. Seja α ∈ Λr (E). Para cada I = i1 < ... < ir, escremos:

αI = α(ei1 , . . . , eir),

onde e1, . . . , en ⊂ E é a base dual de f1, . . . , fn. A r-forma ϕ =∑

I αIfIé tal que, para toda r-lista J = j1 < . . . < jr, tem-se

ϕ(ej1 , . . . , ejr) =∑I

αIfI(ej1 , . . . , ejr) = αI = α(ej1 , . . . , ejr).

Assim, ϕ = α, ou seja, α =∑

I αIfI . Isso mostra que as r-formas fI geramΛr(E). Além disso, estas r-formas são linearmente independentes. De fato,seja

ϕ =∑I

αIfI = 0

131

Page 135: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

uma combinação linear nula. Assim, para todo J = j1 < . . . < jr, temos

0 = ϕ(ej1 , . . . , ejr) = αI ,

provando o Teorema.

Corolário 5.1.8. dim(Λr(E)

)= n!

r!(n−r)! .

Quando r = n, tem-se dim(Λr(E)

)= 1. Isso significa que, a menos de

um fator constante, há apenas uma n-forma linear sobre um espaço vetorialde dimensão n.

Toda aplicação linear T : E → F possui uma transposta T ∗ : F ∗ → E∗,definida por

(T ∗f)(v) = f(T (v)),

para quaisquer f ∈ F ∗ e v ∈ E. Essa noção se generaliza.

Definição 5.1.9. Para todo r, a aplicação linear T : E → F determina umanova aplicação linear T ∗ : Λr(F )→ Λr(E), definida por

(T ∗α)(v1, . . . , vr) = α(T (v1), . . . , T (vr)

),

para quaisquer α ∈ Λr(F ) e v1, . . . , vr ∈ E. A r-forma linear T ∗α chama-seo pull-back de α para o espaço E relativo a T .

Determinemos a matriz de T ∗ : Λr(F ) → Λr(E) relativamente à basesfixadas em E e F . Sejam e1, . . . , em ⊂ E∗ e f1, . . . , fn ⊂ F ∗ basesduais, respectivamente, das bases e1, . . . , em ⊂ E e f1, . . . , fn ⊂ F . Sea = (aij) é a matriz n×m de T em relação a essas bases, temos

T ∗fI =∑J

αIJeJ ,

onde

αIJ = (T ∗fI)(ej1 , . . . , ejr) = fI(T (ej1), . . . , T (ejr)

)= det

(fiλ(T (ejµ))

)= det(aiλjµ)

e I, J são r-listas. Indicando com aIJ a submatriz r × r que consiste emselecionar da matriz a cada elemento aij tal que i ∈ I e j ∈ J , temosαIJ = det(aIJ). A matriz de T ∗ : Λr(F ) → Λr(E) possui m!

r!(m−r)! linhas en!

r!(n−r)! colunas. Em particular, se r = m = n, então T ∗ : Λr(F )→ Λr(E) étal que

T ∗(f1 ∧ . . . ∧ fn) = det(a)(e1 ∧ . . . ∧ en),

132

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onde a = (aij) é a matriz de T : E → F acima considerada.

Dado ω ∈ Λr(E), vejamos como mudam suas coordenadas quando se fazuma mudança de bases em E. Se e1, . . . , em e f1, . . . , fm são bases emE, relacionadas por

ej =

m∑i=1

aijf i, 1 ≤ j ≤ m,

suas bases duais e1, . . . , em e f1, . . . , fm, em E∗, cumprem as relações

fi =

m∑j=1

aijej , 1 ≤ i ≤ m.

Assim, pelo visto acima, temos fI =∑

J det(aIJ)eJ . Assim, se ω admiteexpressões

ω =∑J

αJeJ =∑I

βIfI ,

relativamente às bases eJ e fI, temos

ω =∑I

βIfI =∑I

βI∑J

det(aIJ)eJ

=∑J

(∑I

det(aIJ)βI)eJ .

Comparando os coeficientes de eJ , obtemos

αJ =∑I

det(aIJ)βI . (5.1)

Observação 5.1.10. Convém observar o caso particular em que r = n =dim(E). Neste caso, se e1, . . . , en e f1, . . . , fn são bases em E∗, seguede (5.1) que

f1 ∧ . . . ∧ fn = det(a)e1 ∧ . . . ∧ en,

onde a = (aij) é a matriz de passagem, ou seja, fi =∑n

j=1 aijej .

Definiremos agora o produto exterior de uma r-forma linear por uma s-forma linear, obtendo como resultado uma (r+s)-forma linear, com r+s ≤ n.Mais precisamente, queremos obter uma aplicação bilinear

T : Λr(E)× Λs(E)→ Λr+s(E).

133

Page 137: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Então, dados α ∈ Λr(E) e β ∈ Λs(E), definimos

(α ∧ β)(v1, . . . , vr+s) =1

r!s!

∑σ

ε(σ)α(vσ1 , . . . , vσr)β(vσ(r+1), . . . , vσ(r+s)),(5.2)

onde a soma é realizada sobre todas as permutações σ de (1, . . . , r + s), eε(σ) é 1 se a permutação é par ou −1 se a permutação for ímpar.

Definição 5.1.11. A (r+s)-forma linear α∧β, definida em (5.2), é chamadao produto exterior das formas α e β.

Em relação ao produto exterior e ao pull-back de formas lineares, temosa seguinte:

Proposição 5.1.12. Dados α ∈ Λr(E), β ∈ Λs(E), ω ∈ Λk(E) e T ∈L(F,E), temos:(a) (α ∧ β) ∧ ω = α ∧ (β ∧ ω),(b) α ∧ β = (−1)rsβ ∧ α,(c) ω ∧ (α+ β) = ω ∧ α+ ω ∧ β, se r = s,(d) T ∗(α+ β) = T ∗α+ T ∗β,(e) T ∗(α ∧ β) = T ∗α ∧ T ∗β.

Demonstração. Todas as relações acima são evidentes quando α, β e ω sãoelementos da base, ou seja, são da forma fi1 ∧ . . . ∧ fir , com fi ∈ V ∗, ∀1 ≤i ≤ n. O caso geral se reduz a este por linearidade.

Observação 5.1.13. Segue por indução que se α1, . . . , αm são formas line-ares de grau r1, . . . , rm, respectivamente, e r = r1 + . . .+ rm, então

(α1 ∧ . . . ∧ αm)(v1, . . . , vr) =1

r1! · · · rm!

∑σ

α1(vσ(1), . . . , vσ(r1))

· · ·αm(vσ(r−rm+1), . . . , vσ(r)),

onde a soma é realizada sobre todas as permutações de (1, . . . , r).

134

Page 138: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

5.2 Formas diferenciais em variedades

Definição 5.2.1. Uma r-forma diferencial α em uma variedade diferenciávelMn é uma aplicação que associa a cada ponto p ∈ M um elemento αp ∈Λr(TpM).

Denotemos por Ωr(M) o conjunto formado por todas as r-formas dife-renciais em M . Ωr(M) admite uma estrutura de espaço vetorial real: dadosα, β ∈ Ωr(M) e c ∈ R, definimos:

(α+ β)(p) = αp + βp, ∀ p ∈M,

(c β)(p) = c βp, ∀ p ∈M.

Ω0(M) será identificado com o espaço vetorial C∞(M).

Dado p ∈ M , seja (U,ϕ) um sistema de coordenadas em M , com p ∈ Ue ϕ ∼ (x1, . . . , xn), tal que dx1(p), . . . ,dxn(p) é base de (TpM)∗, ∀p ∈ U .Sabemos que as r-formas lineares

dxI(p) = dxi1(p) ∧ . . . ∧ dxir(p)

formam uma base do espaço vetorial Λr(TpM), ∀p ∈ U . Assim, dado α ∈Ωr(M), podemos escrever

αp =∑

i1<...<ir

ai1···ir(p)dxi1(p) ∧ . . . ∧ dxir(p), ∀p ∈ U, (5.3)

onde aI são funções definidas em U , chamadas funções coordenadas de α. Aigualdade em (5.3) será as vezes escrita como

α|U =∑I

aIdxI . (5.4)

Definição 5.2.2. Dizemos que α ∈ Ωr(M) é de classe C∞ se as funçõescoordenadas aI , dadas em (5.4), são de classe C∞, para toda r-lista I.

A definição acima independe da escolha do sistema de coordenadas. Defato, seja (V, ψ) outro sistema de coordenadas em M , com U ∩ V 6= φ eψ ∼ (y1, . . . , yn). Assim, temos

αp =∑I

bJ(p)dyJ(p), ∀p ∈ V.

135

Page 139: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Denotando por c = (cij) a matriz de d(ψ ϕ−1)(ϕ(p)), segue de (5.1) que

bJ(p) =∑I

det(cIJ)aI(p),

logo as funções bJ também são de classe C∞.

De agora em diante, todas as r-formas diferenciais consideradas serão declasse C∞.

Proposição 5.2.3. Uma variedade diferenciável Mn é orientável se, e so-mente se, existe ω ∈ Ωn(M) que nunca se anula.

Demonstração. Se M é orientável, denotemos por A = (Uα, ϕα)/ α ∈ I oatlas maximal que define a orientação O de M . Seja fαα∈I uma partiçãoda unidade subordinada a A. Para cada (Uα, ϕα) ∈ A, seja ωα uma n-formadiferencial em M tal que, para v1, . . . , vn ∈ TpM , p ∈ Uα, tem-se

ωα(p)(v1, . . . , vn) > 0⇔ [v1, . . . , vn] = Op.

Definimos, então,ω =

∑α

fαωα.

ω é uma n-forma diferencial emM . Além disso, ∀p ∈M , se v1, . . . , vn ∈ TpMsatisfazem [v1, . . . , vn] = Op, então

(fαωα)(p)(v1, . . . , vn) ≥ 0,

e é estritamente maior do que zero em, pelo menos, um aberto Uα. Logo,ωp 6= 0, ∀p ∈M . Reciprocamente, suponha que exista uma n-forma diferen-cial ω em M que nunca se anula. Dado p ∈ M , definimos uma orientaçãoOp em TpM como sendo: v1, . . . , vn ∈ TpM são tais que

[v1, . . . , vn] = Op ⇔ ωp(v1, . . . , vn) > 0.

Como ωp 6= 0 ∀p ∈ M , isso define diferenciavelmente, em cada TpM , umaorientação Op. Logo, M é orientável.

Definição 5.2.4. Dados α ∈ Ωr(M) e β ∈ Ωs(M), definimos uma (r + s)-forma diferencial em M , denotada por α ∧ β, como sendo

(α ∧ β)(p) = αp ∧ βp, ∀ p ∈M,

onde αp ∧ βp é dado como na Definição 5.1.11.

136

Page 140: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

A (r + s)-forma diferencial α ∧ β é chamada produto wedge das formasdiferenciais α e β. O produto wedge satisfaz as seguintes propriedades:

Proposição 5.2.5. Dados α ∈ Ωr(M), β ∈ Ωs(M) e ω ∈ Ωk(M), temos:(a) (α ∧ β) ∧ ω = α ∧ (β ∧ ω),(b) α ∧ β = (−1)rsβ ∧ α,(c) fα ∧ gβ = fgα ∧ β, ∀ f, g ∈ C∞(M),(d) ω ∧ (α+ β) = ω ∧ α+ ω ∧ β, se r = s.

Demonstração. A verificação de tais propriedades é consequência do fato deque toda r-forma diferencial α é, pontualmente, uma r-forma linear. Comoneste caso as propriedades são válidas, segue o resultado.

Definição 5.2.6. Dados uma aplicação diferenciável f : M → N entre asvariedades M e N , e α ∈ Ωr(N), definimos uma r-forma diferencial em M ,denotada por f∗α, como sendo

(f∗α)(p)(v1, . . . , vr) = αf(p)(df(p) · v1, . . . ,df(p) · vr),

para quaisquer p ∈M e v1, . . . , vr ∈ TpM .

A r-forma diferencial f∗α é chamada o pull-back de α por f . Se g ∈C∞(N), definimos f∗g ∈ C∞(M) como sendo a função

g f : M → R.

O pull-back de formas diferenciais satisfaz as seguintes propriedades:

Proposição 5.2.7. Sejam f : M → N uma aplicação diferenciável, α ∈Ωr(N) e β ∈ Ωs(N). Então:(a) f∗(α+ β) = f∗α+ f∗β, se r = s,(b) f∗(α ∧ β) = f∗α ∧ f∗β,(c) f∗(g α) = f∗(g)f∗α, ∀ g ∈ C∞(Nt),(d) Se ψ1, . . . , ψr ∈ Ω1(N) então f∗(ψ1 ∧ . . . ∧ ψr) = f∗ψ1 ∧ . . . ∧ f∗ψr,(e) (f g)∗α = g∗(f∗α), onde g : P →M é uma aplicação diferenciável.

Demonstração. A verificação de tais propriedades segue a mesma idéia daProposição 5.2.5.

O pull-back tem a seguinte interpretação em termos de sistemas de coor-denadas. Dado p ∈M , sejam (U,ϕ) e (V, ψ) sistemas de coordenadas em M

137

Page 141: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

e N , respectivamente, tais que p ∈ U e f(U) ⊂ V . Assim, dado α ∈ Ωr(N),podemos escrever α|V =

∑I aIdyI . Assim,

f∗α|U = f∗(∑

I

aIdyI)

=∑I

f∗(aIdyI

)=

∑I

f∗(aI)f∗(dyi1 ∧ . . . ∧ dyir)

=∑I

(aI f)f∗(dyi1 ∧ . . . ∧ dyir).

Definição 5.2.8. Dado α ∈ Ωr(M), escrita em coordenadas locais comoα|U =

∑I aIdxI , definimos uma (r + 1)-forma diferencial em M , denotada

por dα, dada, localmente, por

dα|U =∑I

daI ∧ dxI

=∑I

n∑i=1

∂aI∂xi

dxi ∧ dxI .

A (r+1)-forma diferencial dα é chamada derivada exterior de α ou, sim-plesmente, derivada de α. Devemos mostrar que tal definição não dependeda escolha do sistema de coordenadas. Para isso, comecemos estudandoalgumas propriedades de dα.

Proposição 5.2.9. A derivada exterior satisfaz as seguintes propriedades:(1) d(α+ β) = dα+ dβ, ∀ α, β ∈ Ωr(M),(2) d(α ∧ β) = dα ∧ β + (−1)rα ∧ dβ, ∀ α ∈ Ωr(M), ∀ β ∈ Ωs(M),(3) d2 = 0, ou seja, d(dα) = 0, ∀ α ∈ Ωr(M)

Demonstração. (1) Sejam α|U =∑

I aIdxI e β|U =∑

I bIdxI . Então,

d(α+ β) = d(∑

I

(aI + bI)dxI)

=∑I

d(aI + bI) ∧ dxI

=∑I

n∑i=1

∂xi(aI + bI)dxi ∧ dxI

=∑I

n∑i=1

∂aI∂xi

dxi ∧ dxI +∑I

n∑i=1

∂bI∂xi

dxi ∧ dxI

= dα+ dβ.

Para provar (2) é suficiente, em virtude de (1), considerar o caso em que

α|U = fdxI e β|U = gdxJ .

138

Page 142: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Assim,α ∧ β|U = fgdxI ∧ dxJ

logo,

d(α ∧ β) = d(fg) ∧ dxI ∧ dxJ

= gdf ∧ dxI ∧ dxJ + fdg ∧ dxI ∧ dxJ

= df ∧ dxI ∧ gdxJ + (−1)rfdxI ∧ dg ∧ dxJ

= dα ∧ β + (−1)rα ∧ dβ.

Da mesma forma, para provar (3), é suficiente considerar α da forma α|U =fdxI . Então,

dα|U =

n∑i=1

∂f

∂xidxi ∧ dxI ,

de modo que

d(dα)|U =n∑i=1

( n∑j=1

∂2f

∂xj∂xidxj ∧ dxi ∧ dxI

).

Nesta soma, os termos

∂2f

∂xj∂xidxj ∧ dxi ∧ dxI e

∂2f

∂xi∂xjdxi ∧ dxj ∧ dxI

cancelam-se aos pares, logo d(dα) = 0.

Proposição 5.2.10. Suponha que d′ transforma r-formas diferenciais, defi-nidas em U , em (r + 1)-formas diferenciais, definidas em U , e satisfaz:(1) d′(α+ β) = d′α+ d′β,(2) d′(α ∧ β) = d′α ∧ β + (−1)rα ∧ d′β,(3) d′(d′α) = 0,(4) d′f = df , ∀ f ∈ C∞(M).Então, d′ = d em U .

Demonstração. É suficiente provar que d′α = dα quando α é da forma α|U =fdxI . Por (2) e (4), temos:

d′α|U = d′(fdxI) = d′f ∧ dxI + f ∧ d′(dxI)

= df ∧ dxI + fd′(dxI).

Resta mostrar que d′(dxI) = 0, onde

dxI = dxi1 ∧ . . . ∧ dxir = d′xi1 ∧ . . . ∧ d′xir ,

139

Page 143: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

por (4). Mostremos por indução em r. Supondo verdadeiro para r−1, temos:

d′(dxI) = d′(d′xi1 ∧ . . . ∧ d′xir)

= d′(d′xi1) ∧ d′xi2 ∧ . . . ∧ d′xir − d′xi1 ∧ d′(d′xi2 ∧ . . . ∧ d′xir)

= 0− 0,

usando (2), (3) e a hipótese indutiva.

A Proposição 5.2.10 mostra que as propriedades (1), (2), (3) e (4) carac-terizam d em U .

Corolário 5.2.11. Existe um único operador d que transforma r-formasdiferenciais em M , em (r + 1-formas diferenciais em M , satisfazendo:(1) d(α+ β) = dα+ dβ,(2) d(α ∧ β) = dα ∧ β + (−1)rα ∧ dβ,(3) d2 = 0,(4) df = diferencial de f , ∀ f ∈ C∞(M).

Demonstração. Para cada sistema de coordenadas (U,ϕ), temos definido umúnico operador d|U . Dados α ∈ Ωr(M) e p ∈M , escolhemos qualquer (U,ϕ),com p ∈ U , e definimos (dα)(p) = (d|Uα|U )(p).

Proposição 5.2.12. Dado ω ∈ Ω1(M), te-se:

dω(X,Y ) = X(ω(Y ))− Y (ω(X))− ω([X,Y ]),

para quaisquer X,Y ∈ X(M).

Demonstração. Dado um sistema de coordenadas (U,ϕ) emM , temos ω|U =∑ni=1 aidxi. Assim, por linearidade, podemos supor que ω é da forma ω =

fdg, onde f, g ∈ C∞(U). Então, dados X,Y ∈ X(U), temos:

dω(X,Y ) = d(fdg)(X,Y ) = (df ∧ dg)(X,Y )

= df(X)dg(Y )− dg(X)df(Y )

= X(f)Y (g)−X(g)Y (f). (5.5)

Por outro lado,

Xω(Y )− Y ω(X)− ω([X,Y ]) = X(fdg(Y ))− Y (fdg(X))− fdg([X,Y ])

= X(f)Y (g)− Y (f)X(g). (5.6)

Logo, de (5.5) e (5.6), segue o resultado.

140

Page 144: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Proposição 5.2.13. Sejam f : M → N uma aplicação diferenciável e ω ∈Ωr(N). Então,

f∗dω = df∗ω.

Demonstração. Dado p ∈M , seja (V, ψ) um sistema de coordenadas em N ,com f(p) ∈ V . Por linearidade, podemos assumir que ω|V = gdxi1∧. . .∧dxir .Usaremos indução sobre r. Quando r = 0, temos:

f∗(dg)(p)(v) = dg(f(p))(df(p) · v) = d(g f)(p) · v= d(f∗g)(p)(v).

Supondo válido para r − 1, temos:

d (f∗ω) = d (f∗ (gdxi1 ∧ ... ∧ dxir))

= d(f∗(gdxi1 ∧ ... ∧ dxir−1

)∧ f∗dxir

)= d

(f∗(gdxi1 ∧ ... ∧ dxir−1

))∧ f∗dxir

= f∗(d(gdxi1 ∧ ... ∧ dxir−1

))∧ f∗dxir

= f∗(dg ∧ dxi1 ∧ ... ∧ dxir−1 ∧ dxir

)= f∗ (dω) .

141

Page 145: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

5.3 Integrais de formas diferenciais

De agora em diante, estaremos supondo que Mn é uma variedade dife-renciável fechada e orientada. Seja ω ∈ Ωn (M) tal que K = supp (ω) ⊂ U ,onde (U,ϕ) é um sistema de coordenadas positivo de M . Se

ω = fdu1 ∧ ... ∧ dun

é a representação local de ω em U ⊂ M , onde f ∈ C∞ (U), a n-formadiferencial

(ϕ−1

)∗ω ∈ Ωn (Rn) é dada por(

ϕ−1)∗ω =

(f ϕ−1

)det(dϕ−1

)dx1 ∧ ... ∧ dxn.

Definimos, então,∫Kfdu1 ∧ ... ∧ dun =

∫ϕ(K)

(f ϕ−1

)det(dϕ−1

)dx1 ∧ ... ∧ dxn, (5.7)

ou seja, ∫Mω =

∫ϕ(U)

(ϕ−1

)∗ω. (5.8)

Observação 5.3.1. A definição dada em (5.8) independe da escolha dosistema de coordenadas. De fato, seja (V, ψ) outro sistema de coordenadaspositivo de M , com K ⊂ U ∩ V . Queremos mostrar que∫

ϕ(U)

(ϕ−1

)∗ω =

∫ψ(V )

(ψ−1

)∗ω.

Para isso, consideremos o difeomorfismo h = ψϕ−1 : ϕ (U ∩ V )→ ψ (U ∩ V ).Temos:(ϕ−1

)∗ω =

(ψ−1 ψ ϕ−1

)∗ω =

(ψ ϕ−1

)∗ (ψ−1)∗ω = h∗

((ψ−1

)∗ω).(5.9)

Como(ψ−1

)∗ω ∈ Ωn (Rn), podemos escrever(

ψ−1)∗ω = fdy1 ∧ ... ∧ dyn,

para alguma função f ∈ C∞ (ψ (V )). Assim,(h∗((ψ−1

)∗ω))

(x) = f (h (x)) det (dh (x)) dx1 ∧ ... ∧ dxn.

142

Page 146: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Pelo Teorema de Mudança de Variáveis em Rn, temos∫ψ(V )

(ψ−1

)∗ω =

∫h(ϕ(K))

f =

∫ϕ(K)

(f h) |det (dh)| . (5.10)

Como det (dh (x)) > 0, ∀ x ∈ ϕ (U ∩ V ), temos∫ϕ(K)

(f h) |det (dh)| =∫ϕ(K)

(f h) det (dh) =

∫ϕ(U)

h∗((ψ−1

)∗ω).(5.11)

Logo, segue de (5.9), (5.10) e (5.11) que∫ϕ(U)

(ϕ−1

)∗ω =

∫ϕ(U)

h∗((ψ−1

)∗ω)

=

∫ψ(V )

(ψ−1

)∗ω,

como queríamos mostrar.

Note que a escolha de uma orientação paraM fixa um sinal para a integralde ω, o qual muda com a mudança da orientação.

Seja agora ω uma n-forma diferencial em M de modo que K = supp (ω)não está contido em um domínio de um sistema de coordenadas deM . Nestecaso, seja U1, ..., Um uma cobertura para M , formada por domínios desistema de coordenadas positivos de M . Considere f1, ..., fn uma partiçãoda unidade estritamente subordinada à cobertura U1, ..., Um.

Dado 1 ≤ i ≤ m, consideremos a n-forma diferencial em M , fiω. Temos

supp (fiω) ⊂ Ui, ∀ 1 ≤ i ≤ m,

em∑i=1

fiω = ω.

Neste caso, temos a seguinte

Definição 5.3.2. A integral de ω sobre M é definida por∫Mω =

m∑i=1

∫Mfiω. (5.12)

Observação 5.3.3. A definição dada em (5.12) independe da coberturaU1, ..., Um e da partição da unidade escolhida. De fato, seja V1, ..., Vkoutra cobertura de M por domínios de sistema de coordenadas positivos de

143

Page 147: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

M , e seja g1, ..., gk uma partição da unidade estritamente subordinada à estacobertura. Queremos mostrar que

k∑j=1

∫Mgjω =

m∑i=1

∫Mfiω.

Para isso, defina ωij = figjω. Temos

m∑i=1

ωij = gjω ek∑j=1

ωij = fiω.

Além disso, supp (ωij) ⊂ Ui ∩ Vj . Assim,

k∑j=1

∫Mgjω =

k∑j=1

∫M

m∑i=1

ωij =k∑j=1

m∑i=1

∫Mωij =

m∑i=1

k∑j=1

∫Mωij

=m∑i=1

∫M

k∑j=1

ωij =

m∑i=1

∫Mfiω,

como queríamos.

Proposição 5.3.4. Seja f : M → N um difeomorfismo positivo entre asvariedades diferenciáveis fechadas e orientadas M e N , e seja ω ∈ Ωn (N).Então ∫

Nω =

∫Mf∗ω.

Demonstração. Suponhamos inicialmente que supp (ω) ⊂ V , para algumsistema de coordenadas positivo (V, ψ) de N . Seja U = f1 (V ) e definaϕ = ψ f . Então, (U,ϕ) é um sistema de coordenadas positivo de M e

supp (f∗ω) = f−1 (supp (ω)) ⊂ f−1 (V ) = U.

Temos ∫Mf∗ω =

∫ϕ(U)

(ϕ−1

)∗(f∗ω) (5.13)

e ∫Nω =

∫ψ(V )

(ψ−1

)∗ω. (5.14)

144

Page 148: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Porém, como ϕ (U) = ψ (V ) e(ϕ−1

)∗(f∗ω) =

(f ϕ−1

)∗ω =

(ψ−1

)∗ω,

segue de (5.13) e (5.14) que ∫Mf∗ω =

∫Nω.

Para o caso geral, considere V1, ..., Vm uma cobertura de N , formada pordomínios de sistema de coordenadas positivos (Vi, ψi) de N . Seja g1, ..., gmuma partição da unidade estritamente subordinada à esta cobertura. Então,como supp (giω) ⊂ Vi, ∀ 1 ≤ i ≤ m, segue do caso anterior que∫

Ngiω =

∫Mf∗ (giω) , ∀ 1 ≤ i ≤ m.

Defina fi = gif , 1 ≤ i ≤ m. Então, f1, ..., fm é uma partição da unidade es-tritamente subordinada à cobertura U1, ..., Um de M , onde Ui = f−1 (Vi),1 ≤ i ≤ m, são os domínios dos sistemas de coordenadas positivos de Mdados por ϕi = ψ f . Temos

f∗ (giω) = (gi f) f∗ω = fif∗ω, forall 1 ≤ i ≤ m.

Assim,∫Nω =

m∑i=1

∫Ngiω =

m∑i=1

∫Mf∗ (giω) =

m∑i=1

∫Mfif∗ω =

∫Mf∗ω.

Lembremos que se Mn é uma variedade diferenciável com bordo, então∂M é uma variedade diferenciável de dimensão n − 1. Além disso, umaorientação em M induz uma orientação em ∂M . Temos, então, o seguinte

Teorema 5.3.5 (Stokes). Sejam Mn uma variedade diferenciável compacta,orientada e com bordo, e ω ∈ Ωn−1 (M). Se i : ∂M → M é a aplicação deinclusão, então ∫

∂Mi∗ω =

∫Mdω.

Demonstração. Suponhamos inicialmente que supp (ω) ⊂ U , onde (U,ϕ) éum sistema de coordenadas positivo de M , com ϕ (U) aberto num semi-espaço H ⊂ Rn. Analisemos, então, os seguintes casos:Caso 1: U ∩ ∂M = φ. Neste caso, ω = 0 em ∂M , logo i∗ω = 0. Assim,∫

∂Mi∗ω = 0.

145

Page 149: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Queremos mostrar que∫M dω = 0. Como

(ϕ−1

)∗ω ∈ Ωn−1 (Rn), podemos

escrever (ϕ−1

)∗ω =

n∑i=1

aidx1 ∧ ... ∧ dxi ∧ ... ∧ dxn,

onde ai ∈ C∞ (ϕ (U)). Assim,

d(ϕ−1

)∗ω =

n∑i=1

(−1)i−1 ∂ai∂xi

dx1 ∧ ... ∧ dxn.

Estendemos as funções ai ao semi-espaço H, pondo

ai (x1, ..., xn) =

ai (x1, ..., xn) , se (x1, ..., xn) ∈ ϕ (U)

0 , se (x1, ..., xn) ∈ H − ϕ (U).

Como ϕ (supp (ω)) ⊂ ϕ (U), as funções ai assim definidas são diferenciáveisem H. Seja agora

Q =n∏i=1

[cidi]

um bloco n-dimensional tal que ϕ (U) ⊂ Q. Então,∫Mdω =

∫ϕ(U)

(ϕ−1

)∗dω =

∫ϕ(U)

d(ϕ−1

)∗ω =

∫ϕ(U)

(n∑i=1

(−1)i−1 ∂ai∂xi

)dx1 ∧ ... ∧ dxn

=

n∑i=1

(−1)i−1∫Q

∂ai∂xi

dx1 ∧ ... ∧ dxn

=

n∑i=1

(−1)i−1∫Qi

(∫ di

ci

∂ai∂xi

dxi

)dx1 ∧ ... ∧ dxi ∧ ... ∧ dxn

=

n∑i=1

(−1)i−1∫Qi

[ai (x1, ..., di, ..., xn)− ai (x1, ..., ci, ..., xn)] dx1 ∧ ... ∧ dxi ∧ ... ∧ dxn

= 0,

pois ai (x1, ..., di, ..., xn) = ai (x1, ..., ci, ..., xn) = 0, ∀ 1 ≤ i ≤ n.Caso 2: U ∩∂M 6= φ. Pela definição de orientação induzida, a restrição de ϕa ∂M é um sistema de coordenadas positivo em ∂M . Dado x ∈ ϕ (U)∩ ∂H,x = (0, x2, ..., xn), temos(

ϕ−1|ϕ(U)∩∂H)∗i∗ω = a1 (0, x2, ..., xn) dx2 ∧ ... ∧ dxn.

146

Page 150: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Como no Caso 1, estendemos as funções ai a H e consideremos o blocon-dimensional Q =

∏ni=1 [ci, di], com d1 = 0, tal que ϕ (U) ⊂ Q. Então,∫

Mdω =

n∑i=1

(−1)i−1∫Q

∂ai∂xi

dx1 ∧ ... ∧ dxn

=

∫Q1

[a1 (0, x2, ..., xn)− a1 (c1, x2, ..., xn)] dx2 ∧ ... ∧ dxn +

+

n∑i=2

(−1)i−1∫Qi

[ai (x1, ..., di, ..., xn)− ai (x1, ..., ci, ..., xn)] dx1 ∧ ... ∧ dxi ∧ ... ∧ dxn.

Como a1 (c1, x2, ..., xn) = 0 e ai (x1, ..., di, ..., xn) = ai (x1, ..., ci, ..., xn) = 0,2 ≤ i ≤ n, obtemos∫

Mdω =

∫Q1

a1 (0, x2, ..., xn) dx2 ∧ ... ∧ dxn =

∫∂M

i∗ω.

Finalmente, para o caso em que supp (ω) não está contido em nenhum sis-tema de coordenadas deM , seja U1, ..., Um uma cobertura deM formadaspor domínios de sistemas de coordenadas positivos de M , e seja f1, ..., fmuma partição da unidade estritamente subordinada a esta cobertura. As(n− 1)-formas ωi = fiω, 1 ≤ i ≤ n, satisfazem as condições dos casos ante-riores. Além disso,

m∑i=1

ωi = ω,

assim

dω =

m∑i=1

dωi.

Portanto, ∫Mdω =

∫M

m∑i=1

dωi =m∑i=1

∫Mdωi =

m∑i=1

∫∂M

i∗ωi

=

∫∂M

i∗

(m∑i=1

ωi

)=

∫∂M

i∗ω.

Corolário 5.3.6. Seja ω ∈ Ωn−1 (M) tal que supp (ω) ∩ ∂M = φ. Então,∫Mdω = 0.

147

Page 151: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Demonstração. De fato, como supp (ω) ∩ ∂M = φ segue que ω = 0 em ∂M .Assim, i∗ω = 0. Portanto, pelo Teorema de Stokes, temos∫

Mdω =

∫∂M

i∗ω = 0.

Corolário 5.3.7. Se M é fechada então para toda ω ∈ Ωn−1 (M) tem-se∫Mdω = 0.

Definição 5.3.8. Seja ω ∈ Ωr (M). Dizemos que ω é fechada se dω = 0, eé exata se existe α ∈ Ωr−1 (M) tal que dα = ω.

Se ω ∈ Ωr (M) é exata então ω é fechada, pois se ω = dα, para algumaα ∈ Ωr−1 (M), então

dω = d (dα) = d2α = 0.

A recíproca não é verdadeira, como mostra o seguinte

Exemplo 5.3.9. Seja ω ∈ Ωn (Sn) a forma volume de Sn. Assim, dω = 0.Considerando a projeção radial f : Rn+1 − 0 → Sn, dada por f (x) = x

‖x‖ ,definimos α = f∗ω. Temos

α (x) (v1, ..., vn) = ω (f (x)) (df (x) · v1, ..., df (x) · vn)

= det(

x

‖x‖,v1 − c1x

‖x‖, ...,

vn − cnx‖x‖

), ci ∈ R

=1

‖x‖n+1det (x, v1, ..., vn)

=1

‖x‖n+1

n+1∑i=1

(−1)i+1 xidx1 ∧ ... ∧ dxi ∧ ... ∧ dxn+1.

Como dω = 0, tem-sedα = df∗ω = f∗dω = 0,

ou seja, α é fechada. No entanto, α não é exata. De fato, se α = dβ, paraalguma β ∈ Ωn−1

(Rn+1 − 0

), segue do Teorema de Stokes que∫

Mα =

∫Mdβ =

∫∂M

i∗β = 0,

148

Page 152: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

para qualquer hipersuperfície Mn ⊂ Rn+1 − 0 fechada. Porém,∫Mα > 0

pois α|Sn é a forma volume de Sn, logo α é positiva e sua integral também.Portanto, α não é exata.

Observação 5.3.10. Dados f : M → N uma aplicação diferenciável eω ∈ Ωr (N), a igualdade f∗dω = df∗ω mostra que se ω é fechada (resp.exata) em N então f∗ω é fechada (resp. exata) em M . De fato,

ω fechada em N ⇒ dω = 0⇒ df∗ω = f∗dω = 0

⇒ f∗ω fechada em M.

ω exata em N ⇒ ω = dα, α ∈ Ωr−1 (N)

⇒ f∗ω = f∗dα = df∗α

⇒ f∗ω é exata em M.

Teorema 5.3.11. Sejam ω ∈ Ω1 (M), p, q ∈M e γ1, γ2 curvas diferenciáveishomotópicas, ligando p e q. Então∫

γ1

ω =

∫γ2

ω.

Em particular, se γ é homotópica a um ponto então∫γ ω = 0.

Para uma prova deste teorema, o leitor pode consultar []. Estamos inte-ressados aqui no seguinte

Corolário 5.3.12. SejamMn uma variedade diferenciável simplesmente co-nexa e ω ∈ Ω1 (M) fechada. Então, ω é exata.

Demonstração. Fixemos um ponto base q ∈M e definimos f : M → R por

f (p) =

∫γω,

onde γ é uma curva diferenciável ligando p e q. Segue do Teorema 5.3.11 quef está bem definida. Mostremos que ω = df . De fato, se q0 é outro pontobase, obtemos uma nova função f0 : M → R dada por

f0 (p) =

∫γ0

ω,

149

Page 153: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

onde γ0 é uma curva diferenciável ligando p e q0. Denotando por c = f0 (q)e usando o fato que M é simplesmente conexa, temos

f = f0 + c.

Assim, df = df0, logo é suficiente provar que df = ω no ponto base q fixado.Seja (U,ϕ) um sistema de coordenadas de M , com q ∈ U e ϕ (q) = 0. Se

∂∂x1

(q) , ..., ∂∂xn

(q)

é a base de TqM associada a (U,ϕ), denotemos pordx1 (q) , ..., dxn (q) sua base dual. Temos

ω (q) =n∑i=1

ai (q) dxi (q) .

Escrevendo f em coordenadas locais como F = f ϕ−1, temos

F (x) = f(ϕ−1 (x)

)=

∫α

n∑i=1

ai(ϕ−1 (x)

)dxi, x = ϕ (p) , p ∈ U,

onde α é uma curva diferenciável ligando x e 0 em Rn. Então,

∂F

∂xi(0) = lim

h→0

1

h(F (0, ..., h, ..., 0)− F (0, ..., 0))

= limh→0

1

h

∫ h

0ai(ϕ−1 (0, ..., xi, ..., 0)

)dxi = ai

(ϕ−1 (0, ..., 0)

),

para todo 0 ≤ i ≤ n. Isso mostra que dF (0) =(ϕ−1

)∗ω (0), logo df (q) =

ω (q), como queríamos.

Nosso objetivo agora é provar o Lema de Poincaré, que afirma que toda r-forma fechada em uma variedade contrátil é exata. Para isso, necessitaremosde dois lemas auxiliares.

Lema 5.3.13. Toda r-forma ω em M × R pode ser escrita de modo únicocomo

ω = ω1 + dt ∧ α, (5.15)

onde ω1 satisfaz ω1 (v1, ..., vr) = 0 se algum vi pertencer a ker (dπ), ondeπ : M × R → M é a projeção canônica, e α ∈ Ωr−1 (M × R) com umapropriedade análoga.

150

Page 154: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Demonstração. Dado p ∈M , seja (U,ϕ) um sistema de coordenadas em M ,com p ∈ U . Se ϕ = (ϕ1, ..., ϕn) e t : M×R→ R é a projeção sobre o segundofator, então (ϕ1 π, ..., ϕn π, t) é um sistema de coordenadas em M × R.Denotando xi = ϕi π, podemos escrever

ω =∑

i1<...<ir

ai1...irdxi1 ∧ ... ∧ dxir +∑

j1<...<jr−1

bj1...jr−1dxj1 ∧ ... ∧ dxjr−1 ∧ dt

=∑

i1<...<ir

ai1...irdxi1 ∧ ... ∧ dxir + dt ∧∑

j1<...<jr−1

bj1...jr−1dxj1 ∧ ... ∧ dxjr−1(5.16)

= ω1 = dt ∧ α.

Como xi = ϕi π, 1 ≤ i ≤ n, temos dxi = dϕi dπ. Assim, se v ∈ ker (dπ)então dxi (v) = 0, ∀ 1 ≤ i ≤ n. Logo, ω1 e α, acima definidas, satisfazem aspropriedades exigidas. Além disso, se a decomposição em (5.15) vale em todavariedade M , localmente ela é da forma (5.16), logo é única. Para provar aexistência, definimos ω1 e α em cada vizinhança coordenada por (5.16). Nainterseção de duas tais vizinhanças, elas coincidem pela unicidade, assim ω1

e α podem ser definidas a toda variedade M , verificando (5.15).

Dado t ∈ R, seja it : M →M ×R a aplicação de inclusão, it (p) = (p, t).Definimos uma aplicação I : Ωr (M × R)→ Ωr−1 (M) por

Iω (p) (v1, ..., vr−1) =

∫ 1

0α (p, t) (dit (p) · v1, ..., dit (p) · vr) dt,

onde α é dada na decomposição (5.15). Temos, então, o seguinte

Lema 5.3.14. Para qualquer r-forma ω em M × R, temos

i∗1ω − i∗0ω = d (Iω) + I (dω) .

Demonstração. Dado p ∈M , seja (x1, ..., xn, t) o sistema de coordenadas emM×R, como no Lema 5.3.13. Como I é linear, temos dois casos a considerar:(a) Se ω = fdxi1 ∧ ...∧dxir então dω = ∂f

∂t ∧dxi1 ∧ ...∧dxir +termos sem dt.Então

I (dω) (p) =

(∫ 1

0

∂f

∂tdt

)dxi1 ∧ ... ∧ dxir = (f (p, 1)− f (p, 0)) dxi1 ∧ ... ∧ dxir

= (i∗1ω) (p)− (i∗0ω) (p) .

Como Iω = 0, vale o Lema neste caso.(b) Se ω = fdt ∧ dxi1 ∧ ... ∧ dxir então i∗0ω = 0 = i∗1ω. Por outro lado,

dω =n∑j=1

∂f

∂xjdxj ∧ dt ∧ dxi1 ∧ ... ∧ dxir−1 .

151

Page 155: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Assim,

I (dω) (p) = −n∑j=1

(∫ 1

0

∂f

∂xjdt

)dxj ∧ dxi1 ∧ ... ∧ dxir−1

e

d (Iω) (p) = d

[(∫ 1

0fdt

)dxi1 ∧ ... ∧ dxir−1

]=

n∑j=1

(∫ 1

0

∂f

∂xjdt

)dxj ∧ dxi1 ∧ ... ∧ dxir−1 ,

o que mostra o caso (b), e a prova do Lema.

Teorema 5.3.15 (Lema de Poincaré). Sejam Mn uma variedade diferen-ciável contrátil e ω ∈ Ωr (M) fechada. Então, ω é exata.

Demonstração. Como M é contrátil, existe uma aplicação H : M ×R→Mtal que

H (p, 1) = p, ∀ p ∈MH (p, 0) = p0, ∀ p ∈M.

Assim,

H i1 : M →M é a identidade,H i0 : M →M é a aplicação constante p0,

logo

ω = (H i1)∗ = i∗1 (H∗ω) = i∗1ω,

0 = (H i0)∗ = i∗0 (H∗ω) = i∗0ω.

Porém, como d (H∗ω) = H∗ (dω) = 0, segue do Lema 5.3.14 que

ω − 0 = i∗1 (H∗ω)− i∗0 (H∗ω)

= d (I (H∗ω)) .

152

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5.4 Cohomologia de de Rham

Denotemos por Zr (M) e Br (M) os subespaços vetoriais de Ωr (M) for-mados pelas r-formas fechadas e pelas r-formas exatas, respectivamente.Como Br (M) é um subespaço vetorial de Zr (M), definimos

HrR (M) = Zr (M) /Br (M) .

HrR (M) é chamado a cohomologia de de Rham r-dimensional da variedade

M .Um elemento de Hr

R (M) é uma classe de equivalência [ω], onde ω é umar-forma fechada de M , sendo duas r-formas fechadas, ω1 e ω2, equivalentesse a diferença entre elas é exata, ou seja,

ω1 ∼ ω2 ⇔ ω1 − ω2 = dα, α ∈ Ωr−1 (M) .

Assim, dado [ω] ∈ HrR (M), podemos escrever

[ω] =ω + dα/ α ∈ Ωr−1 (M)

.

Em HrR (M), definimos as operações de soma e multiplicação por escalar

como sendo: dados [ω] , [α] ∈ HrR (M) e t ∈ R, definimos

[ω] + [α] = [ω + α] ,

t · [ω] = [tω] .

Tais operações tornam HrR (M) um espaço vetorial. O elemento neutro de

HrR (M) é a classe [dα] das r-formas exatas em M . De fato, dado [ω] ∈

HrR (M), temos

[ω] + [dα] = [ω + dα] = [ω] .

Exemplo 5.4.1. Seja M uma variedade diferenciável conexa. Então

H0R (M) ' R.

De fato, temos B0 (M) ' 0, pois não existem 0-formas exatas. Alémdisso, como Ω0 (M) = C∞ (M) e M é conexa tem-se f = constante paratoda f ∈ Z0 (M). Logo, H0

R (M) ' R.

Exemplo 5.4.2. Se M é uma variedade diferenciável contrátil, então

HrR (M) ' 0 , ∀ r > 0.

De fato, do Lema de Poincaré, temos que Zr (M) = Br (M), r > 0.

153

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5.5 Operadores lineares

Fixemos um espaço vetorial real, V , n-dimensional, orientado, com umproduto interno g. Como g é não-degenerado, a aplicação

v ∈ V 7→ g (v, ·) ∈ V ∗. (5.17)

é um isomorfismo. Assim, podemos definir um produto interno, g∗, em V ∗

como sendo

g∗ (f, h) = g (vf , vh) , ∀ f, h ∈ V ∗, (5.18)

onde f = g (vf , ·) e h = g (vh, ·), com vf , vh ∈ V . Exigindo que o isomorfismoem (5.17) seja positivo, determinamos univocamente uma orientação em V ∗.

O produto interno de V ∗, descrito em (5.18), induz, por sua vez, umproduto interno gr em Λr (V ). Mais precisamente, se f1, ..., fn é uma basede V ∗, definimos

gr (fi1 ∧ ... ∧ fir , fj1 ∧ ... ∧ fjr) = det (g∗ (fik , fjl)) (5.19)

e estendemos bilinearmente a todo espaço Λr (V ). Note que se f1, ..., fn éuma base ortonormal de V ∗, temos

gr (fi1 ∧ ... ∧ fir , fj1 ∧ ... ∧ fjr) = det (g∗ (fik , fjl)) =

1, se I = J0, se I 6= J

,

onde I = i1 < ... < ir e J = j1 < ... < jr são r-listas. Assim, o produtointerno dado em (5.19) torna o conjunto fi1 ∧ ... ∧ fir/ i1 < ... < ir umabase ortonormal de Λr (V ), no caso em que f1, ..., fn é uma base ortonormalde V ∗.

Definição 5.5.1. A forma volume de V é a n-forma linear volg (V ), definidapor

volg (V ) = θ1 ∧ ... ∧ θn,

onde θ1, ..., θn é uma base ortonormal positiva de V ∗.

A forma volume está bem definida, ou seja, não depende da escolha dabase ortonormal positiva θ1, ..., θn. De fato, se f1, ..., fn é outra base deV ∗, segue de (??) que

θ1 ∧ ... ∧ θn = det (A) f1 ∧ ... ∧ fn, (5.20)

154

Page 158: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

onde A = (aij) é a matriz mudança de base, ou seja, θi =∑n

j=1 aijfj .Em particular, se f1, ..., fn é base ortonormal positiva de V ∗, tem-se A ∈SO (n), ou seja, det (A) = 1. Portanto, volg (V ) está bem definido.

Dada uma base arbitrária f1, ..., fn de V ∗, seja e1, ..., en sua basedual. Denotando por g = (gij) a matriz que representa o produto interno gna base e1, ..., en, ou seja,

gij = g (ei, ej) ,

descrevemos volg (V ) em termos da base f1, ..., fn e da matriz g. A matriz(gij) é a matriz que representa o isomorfismo dado em (5.17). De fato, seg (ei, ·) =

∑nj=1 aijfj , então

gij = g (ei, ej) =

(n∑k=1

aikfk

)(ej) =

n∑k=1

aikfk (ej) = aij .

Denotemos por(gij)a matriz inversa de (gij), isto é,

(gij)é a matriz que

representa o isomorfismo inverso do isomorfismo dado em (5.17). Ela é tam-bém a matriz que representa o produto interno g∗ na base f1, ..., fn. Defato,

g∗ (fi, fj) = g

(n∑k=1

gikek,n∑l=1

gjlel

)=

n∑k,l=1

g(gikek, g

jlel

)=

n∑k,l=1

gikgjlgkl = gij .

Finalmente, seA = (aij) é a matriz mudança de base, ou seja, θi =∑n

j=1 aijfj ,temos:

fi =

n∑j=1

g∗ (fi, θj) θj =

n∑j=1

g∗

(fi,

n∑k=1

ajkfk

)(n∑l=1

ajlfl

)(5.21)

=n∑l=1

n∑j,k=1

g∗ (fi, fk) ajkajlfl =n∑l=1

n∑j,k=1

gikajkajl

fl.

Isso implica quen∑

j,k=1

gikajkajl = δil,

155

Page 159: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

logo g−1AtA = I e, portanto, |det (A)| =√

det (g). Assim,

vol (V ) = ±√

det (g)f1 ∧ ... ∧ fn, (5.22)

onde o sinal é “+” (resp. “−") se a base f1, ..., fn é positiva (resp. nega-tiva).

Definição 5.5.2. O operador de Hodge Riemanniano ∗g : Λr (V )→ Λn−r (V )é o operador linear definido pela relação

α ∧ ∗gβ = gr (α, β) vol (V ) , ∀ α, β ∈ Λr (V ) . (5.23)

Dado f1, ..., fn uma base de V ∗, denotemos por α = fi1 ∧ ... ∧ fir . De(5.20), temos

α ∧ ∗gα = gr (α, α) vol (V ) = gr (α, α) det (A) f1 ∧ ... ∧ fn.

Assim,

∗g (fi1 ∧ ... ∧ fir) = (−1)σ gr (α, α) det (A) fj1 ∧ ... ∧ fjn−r , (5.24)

onde (i1, ..., ir, j1, ..., jn−r) é uma permutação de (1, ..., n), e σ é 0 ou 1 de-pendendo se a permutação for par ou ímpar, respectivamente. Segue, emparticular, que se f1, ..., fn é uma base ortonormal positiva de V ∗, então

∗g (fi1 ∧ ... ∧ fir) = (−1)σ fj1 ∧ ... ∧ fjn−r ,

ou seja,fi1 ∧ ... ∧ fir ∧ ∗g (fi1 ∧ ... ∧ fir) = vol (V ) .

Além disso,∗g (vol (V )) = 1 e ∗g (1) = vol (V ) .

Proposição 5.5.3. O operador de Hodge satisfaz ainda as seguintes pro-priedades:(a) ∗g (∗gα) = (−1)r(n−r) α, ∀ α ∈ Λr (V ).(b) gn−r (∗gα, ∗gβ) = g (α, β), ∀ α, β ∈ Λr (V ).

Demonstração. Para provar o item (a), basta verificar nos elementos da basede Λr (V ). Seja f1, ..., fn uma base ortonormal positiva de V ∗. Como

fi1 ∧ ... ∧ fir ∧ ∗g (fi1 ∧ ... ∧ fir) = vol (V )

e∗g (fi1 ∧ ... ∧ fir) ∧ ∗g (∗g (fi1 ∧ ... ∧ fir)) = vol (V )

156

Page 160: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

segue que

fi1 ∧ ...∧ fir ∧ ∗g (fi1 ∧ ... ∧ fir) = ∗g (fi1 ∧ ... ∧ fir)∧ ∗g (∗g (fi1 ∧ ... ∧ fir)) ,

logo∗g (∗g (fi1 ∧ ... ∧ fir)) = (−1)r(n−r) fi1 ∧ ... ∧ fir .

A propriedade (b) segue diretamente de (a) e da definição de ∗g. De fato,dados α, β ∈ Λr (V ), temos:

gn−r (∗gα, ∗gβ) vol (V ) = ∗gα ∧ ∗g ∗g β = (−1)r(n−r) ∗g α ∧ β= (−1)r(n−r) (−1)r(n−r) β ∧ ∗gα = g (β, α) vol (V )

= g (α, β) vol (V ) ,

logo gn−r (∗gα, ∗gβ) = g (α, β).

Lema 5.5.4. Sejam f1, ..., fn uma base positiva de V ∗ e e1, ..., en suabase dual1. Então,

∗g (fi) =√

det (g)

n∑k=1

(−1)k gikf1 ∧ ... ∧ fk ∧ ... ∧ fn.

Demonstração. Usando (5.22) e a definição do operador ∗g, temos:

fk ∧ ∗g (fi) = g∗ (fk, fi) vol (V ) = gik√

det (g)f1 ∧ ... ∧ fn=

√det (g)gikf1 ∧ ... ∧ fn,

logo

∗g (fi) =√

det (g)n∑k=1

(−1)k gikf1 ∧ ... ∧ fk ∧ ... ∧ fn.

1Aqui, estamos identificando V ∗∗ com V .

157

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5.6 O operador Laplaciano

Seja (M, g) uma variedade Riemanniana n-dimensional, fechada2 e orien-tada. Temos, portanto, o operador ∗ definido em cada fibra Λr (TpM), paracada p ∈M , em relação a g e sua forma volume vol (M). Mais precisamente,dado p ∈M , temos o operador estrela de Hodge ∗ : Λr (TpM)→ Λn−r (TpM)dado por

α ∧ ∗β = gp (α, β) vol (TpM) , ∀ α, β ∈ Λr (TpM) , (5.25)

onde gp é o produto interno em Λr (TpM) induzido por g.O operador ∗ transforma r-formas diferenciais em (n− r)-formas dife-

renciais em M . De fato, dado α ∈ Ωr (M), podemos escrevê-la, localmente,como α|U =

∑I aIdxI . Sem perda de generalidade, podemos supor que o

sistema de coordenadas (U,ϕ) é positivo, e por linearidade podemos suporα = aIdxi1 ∧ ... ∧ dxir . Assim,

∗α = (−1)σ aIdxj1 ∧ ... ∧ dxjn−r ,

onde (i1, ..., ir, j1, ..., jn−r) é uma permutação de (1, 2, ..., n), e σ é 0 ou 1 deacordo se a permutação é par ou ímpar, respectivamente.

Assim, temos um operador linear

∗ : Ωr (M)→ Ωn−r (M) ,

tal que para quaisquer α ∈ Ωr (M) e p ∈ M , (∗α) (p) é dado pela relação(5.25). Além disso, de acordo com a Proposição 5.5.3, o operador ∗ satisfaz

∗ (∗α) = (−1)r(n−r) α, ∀ α ∈ Ωr (M) .

Como M é fechada, definimos um produto interno 〈,〉 em Ωr (M) porintegrando o produto interno pontual em relação a forma volume vol (M).Mais precisamente, definimos

〈α, β〉 =

∫Mgp (α (p) , β (p)) vol (M) . (5.26)

ComoM é orientada, podemos escrever o produto interno dado em (5.26)em termos de integração de n-formas e o operador ∗, ou seja,

〈α, β〉 =

∫Mα ∧ ∗β, ∀ α, β ∈ Ωr (M) . (5.27)

2Isso significa que M é compacta e ∂M = φ.

158

Page 162: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Podemos estender o produto interno em (5.27) a um produto interno 〈,〉definido na soma direta

Ω (M) =

n∑r=0

Ωr (M) ,

simplesmente por exigindo que os espaços Ωr (M) sejam mutuamente orto-gonais.

Definição 5.6.1. O operador codiferencial é o operador linear δ : Ωr (M)→Ωr−1 (M), definido por

δα = (−1)n(r+1)+1 ∗ d ∗ α, ∀ α ∈ Ωr (M) .

No espaço Ω0 (M) = C∞ (M), o operador δ é definido simplesmentecomo sendo o funcional linear nulo. Além disso, é imediato verificar que

δ2 = 0, (5.28)∗δ = (−1)r d∗, (5.29)δ∗ = (−1)r+1 ∗ d. (5.30)

A definição do operador co-diferencial independe da variedade M estarorientada ou não. Isso porque o operador ∗ surge duas vezes, logo a definiçãoindepende da escolha da orientação de cada fibra TpM .

Dizemos que α ∈ Ωr (M) é co-fechada se δα = 0.

Proposição 5.6.2. O operador δ é o adjunto do operador diferencial d emΩ (M), ou seja,

〈dα, β〉 = 〈α, δβ〉 .

Demonstração. Da bilinearidade de 〈,〉 e da ortogonalidade dos espaços Ωr (M),é suficiente considerar os casos em que α ∈ Ωr−1 (M) e β ∈ Ωr (M). Nestecaso,

d (α ∧ ∗β) = dα ∧ ∗β + (−1)r−1 α ∧ d ∗ β= dα ∧ ∗β − α ∧ ∗δβ.

Integrando e usando o Teorema de Stokes, temos:

0 =

∫Md (α ∧ ∗β) =

∫Mdα ∧ ∗β −

∫Mα ∧ ∗δβ

= 〈dα, β〉 − 〈α, δβ〉 .

159

Page 163: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Definição 5.6.3. O operador Laplaciano ∆ : Ωr (M)→ Ωr (M) é o opera-dor linear definido por

∆ = dδ + δd.

Segue da definição que no espaço C∞ (Rn), o Laplaciano satisfaz

∆f = −n∑i=1

∂2f

∂x2i

.

Dizemos que α ∈ Ωr (M) é harmônica se ∆α = 0.

Corolário 5.6.4. ∆ é auto-adjunto, ou seja,

〈∆α, β〉 = 〈α,∆β〉 , ∀ α, β ∈ Ωr (M) . (5.31)

Demonstração. Segue diretamente da Proposição 5.6.2. De fato,

〈∆α, β〉 = 〈(dδ + δd)α, β〉 = 〈dδα, β〉+ 〈δdα, β〉= 〈δα, δβ〉+ 〈dα, dβ〉 = 〈α, dδβ〉+ 〈α, δdβ〉= 〈α, (dδ + δd)β〉 = 〈α,∆β〉 .

Corolário 5.6.5. α ∈ Ωr (M) é harmônica se, e somente se, α é fechada eco-fechada.

Demonstração. É claro da definição de ∆ que se dα = 0 e δα = 0 então∆α = 0. Reciprocamente, se ∆α = 0, segue da Proposição 5.6.2 que

0 = 〈∆α, α〉 = 〈dδα, α〉+ 〈δdα, α〉 = 〈δα, δα〉+ 〈dα, dα〉 ,

logo δα = 0 e dα = 0.

Observação 5.6.6. SeM não é compacta, uma r-forma fechada e co-fechadaé ainda uma r-forma harmônica. No entanto, uma r-forma harmônica não é,necessariamente, fechada e co-fechada. Por exemplo, a 0-forma f : R → R,dada por f (x) = x, é harmônica, como se verifica facilmente, mas não éfechada, pois df = 1.

Corolário 5.6.7. Se, além disso, M é conexa e f ∈ C∞ (M) é harmônicaentão f é constante.

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Page 164: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Demonstração. Seja (U,ϕ) um sistema de coordendas em M , com ϕ (U) =B1 (0). Como f é harmônica segue do Corolário 5.6.5 que df = 0. Assim,definindo ψ = f ϕ−1, temos dψ = 0. Como ϕ (U) é conexo em Rn, ψé constante em ϕ (U), logo f é constante em U . Assim, f é constante emqualquer domínio de sistema de coordenadas U ⊂ M . Como M é conexa,segue que f é constante.

161

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5.7 O Teorema da Decomposição de Hodge

Dado 0 ≤ r ≤ n, denotemos por

Hr (M) = ker (∆) = α ∈ Ωr (M) /∆α = 0

o espaço vetorial das r-formas harmônicas.Se α, β ∈ Ωr (M), e ∆β = 0, segue da equação (5.31) que

〈∆α, β〉 = 〈α,∆β〉 = 0.

Assim, o espaço vetorial Hr (M) é ortogonal à imagem de ∆. O resultadofundamental sobre formas harmônicas estabelece que esses dois subespaçosortogonais de r-formas geram o espaço todo das r-formas:

Teorema 5.7.1 (Hodge, 1935). Para cada inteiro r, com 0 ≤ r ≤ n, oespaço vetorial Hr (M) das r-formas harmônicas tem dimensão finita e oespaço vetorial Ωr (M) de todas as r-formas diferenciais em M pode serescrito como uma decomposição em soma direta ortogonal

Ωr (M) = ∆ (Ωr (M))⊕Hr (M) . (5.32)

Para uma prova deste resultado, que é de natureza completamente analí-tica, o leitor pode consultar []. Estudaremos a seguir algumas consequênciasdo teorema.

A decomposição ortogonal de Ωr (M), dada em (5.32), nos dá duas apli-cações projeções Hr e hr, como mostra o diagrama abaixo.

Hr (M)

Ωr (M)

Hr88

hr &&∆ (Ωr (M)) .

Para qualquer α ∈ Ωr (M), a forma hr (α) = α −Hr (α) é unicamente ∆βpara alguma β ∈ Ωr (M). Escrevemos, então,

G (α) = única β tal que ∆β = α−Hr (α) .

Mais precisamente, temos a seguinte

162

Page 166: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Definição 5.7.2. O operador de Green G : Ωr (M)→ ∆ (Ωr (M)) é opera-dor linear definido por G (α) sendo igual a única solução da equação

∆β = α−Hr (α) .

Proposição 5.7.3. O operador de Green comuta com d, δ e ∆.

Demonstração. Seja T : Ωr (M)→ Ωs (M) um operador linear tal que T∆ =∆T . Mostremos que GT = TG. De fato, por definição de G, temos G =(∆|∆(Ωr(M))

)−1 hr. O fato que T∆ = ∆T implica que T (Hr (M)) ⊂Hs (M), logo T (∆ (Ωr (M))) ⊂ ∆ (Ωs (M)). Segue, então, que

T hr = hr T, (5.33)

e em ∆ (Ωr (M)),

T ∆|∆(Ωr(M)) = ∆|∆(Ωs(M)) T, (5.34)

e assim, em ∆ (Ωr (M)),

T (∆|∆(Ωr(M))

)−1=(∆|∆(Ωs(M))

)−1 T. (5.35)

Segue de (5.33), (5.34) e (5.35) que G comuta com T . Assim, G comuta com∆. Como ∆ comuta com d e δ, segue o resultado.

Teorema 5.7.4. Cada classe de cohomologia de de Rahm em uma variedadeRiemanniana fechada e orientada contém um único representante harmônico.

Demonstração. Dado ω ∈ Ωr (M), segue do Teorema 5.7.1 e da definição dooperador de Green que

ω = dδGω + δdGω +Hrω.

Como G comuta com d, temos

ω = dδGω + δGdω +Hrω.

Se ω é fechada, a expressão acima fica

ω = dδGω +Hrω.

Assim, obtemos uma r-forma Hrω = ω − dδGω tal que Hrω ∈ [ω] e que éharmônica. Para provar a unicidade, sejam ω1, ω2 ∈ Ωr (M) harmônicas taisque ω1 − ω2 = dα, com α ∈ Ωr−1 (M). Assim,

dα+ (ω1 − ω2) = 0.

163

Page 167: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Além disso, como

〈dα, ω1 − ω2〉 = 〈α, δω1 − δω2〉 = 〈α, 0〉 = 0,

concluímos que dα = 0 e ω1 − ω2 = 0, logo ω1 = ω2.

Corolário 5.7.5. Para cada 0 ≤ r ≤ n, tem-se dim (HrR (M)) < +∞.

Demonstração. Segue do Teorema 5.7.4 que cada classe [ω] ∈ HrR (M) con-

tém um representante harmônico, ω. Logo ω ∈ Hr (M). Assim, se a di-mensão de Hr

R (M) é infinita, isso implicaria que a dimensão de Hr (M) éinfinita, contradizando o fato de que dim (Hr (M)) < +∞.

Dada uma variedade diferenciável Mn fechada e orientada, definimosuma função bilinear

HrR (M)×Hn−r

R (M)→ R (5.36)

por

([ω] , [ψ]) 7→∫Mω ∧ ψ, (5.37)

onde ω e ψ são formas fechadas, representantes das classes [ω] ∈ HrR (M)

e [ψ] ∈ Hn−rR (M), respectivamente. A função bilinear dada em (5.36) está

bem definida. De fato, se ω1 é outro representante da classe [ω], entãoω1 = ω+ dα, para alguma α ∈ Ωr−1 (M). Do Teorema de Stokes, segue que∫

Mω1 ∧ ψ =

∫Mω ∧ ψ +

∫Mdα ∧ ψ

=

∫Mω ∧+

∫Md (α ∧ ψ) =

∫Mω ∧ ψ.

Analogamente se ψ1 é outro representante da classe [ψ] ∈ Hn−rR (M). Note

que a definição da função bilinear em (5.36) depende da orientação de M .

Teorema 5.7.6 (Dualidade de Poincaré). Seja Mn uma variedade Rieman-niana fechada e orientada. Então,

Hn−rR (M) ∼= (Hr

R (M))∗ .

Demonstração. É suficiente provar que a função bilinear dada em (5.36)é não-singular. Dado 0 6= [ω] ∈ Hr

R (M), devemos encontrar uma classe[ψ] ∈ Hn−r

R (M), [ψ] 6= 0, tal que ([ω] , [ψ]) 6= 0. Podemos assumir, de

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Page 168: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

acordo com o Teorema 5.7.4, que ω é o representante harmônico de [ω].Como [ω] 6= 0, segue que ω 6= 0. Como ∗∆ = ∆∗, segue que ∗ω também éharmônica e, portanto, fechada pelo Corolário 5.6.5. Assim, ∗ω representa aclasse [∗ω] ∈ Hn−r

R (M). Além disso,

([ω] , [∗ω]) =

∫Mω ∧ ∗ω = ‖ω‖2 > 0.

Logo, (5.36) é uma função bilinear não-singular e, portanto, segue o resul-tado.

Corolário 5.7.7. Se Mn é uma variedade diferenciável compacta, conexa eorietável, então

HnR∼= R.

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Capítulo 6

Grupos de Lie

6.1 Grupos de Lie e homomorfismos

A teoria dos grupos de Lie foi inicialmente desenvolvida por Sophus Lieno final do século XIX, e hoje é uma das classes mais importantes de varieda-des diferenciáveis. Grupos de Lie são variedades diferenciáveis que tambémsão grupos no qual as operações de grupo são diferenciáveis. Nesta seçãoapresentaremos as definições básicas ilustrando com alguns exemplos conhe-cidos.

Definição 6.1.1. Um grupo de Lie é uma variedade diferenciável G, munidade uma estrutura de grupo, tal que a multiplicação

(g, h) ∈ G×G 7→ gh ∈ G (6.1)

e a inversão

g ∈ G 7→ g−1 ∈ G (6.2)

são aplicações diferenciáveis.

Decorre da definição que, para cada g ∈ G, as translações Lg : G→ G eRg : G→ G, dadas por

Lg(h) = gh e Rg(h) = hg,

para todo h ∈ G, são difeomorfismos. De fato, sabemos que tais aplicaçõessão bijeções, cujas inversas são dadas por

(Lg)−1 = Lg−1 e (Rg)

−1 = Rg−1 .

166

Page 170: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Resta provar que tais aplicações são diferenciáveis. Considerando em G×G aestrutura de variedade produto (cf. Exemplo 4) segue que, para cada g ∈ G,as aplicações ig : G→ G×G e jg : G→ G×G, dadas por

ig(h) = (g, h) e jg(h) = (h, g), (6.3)

são mergulhos diferenciáveis. Como a translação à esquerda Lg é a compostada multiplicação (6.1) com ig, segue que Lg é diferenciável. Analogamente,Rg é diferenciável, pois é a composta da multiplicação (6.1) com o mergulhojg. Note que a inversão (6.2) também é um difeomorfismo.

Exemplo 6.1.2. Um exemplo simples de grupo de Lie é o espaço EuclidianoRn, onde a operação de grupo é a adição usual em Rn. De forma análoga,qualquer espaço vetorial real é um grupo de Lie sob a operação de soma devetores.

Exemplo 6.1.3. O conjunto C\0, sob a operação de multiplicação denúmeros complexos, é um grupo de Lie. De fato, C\0 é uma variedadediferenciável, parametrizada por uma única carta (C\0, ϕ), dada por

ϕ(z) = (x, y),

onde z = x+ iy. Usando essas coordenadas, o produto é dado por

(z, z′) 7→ (xx′ − yy′, xy′ + yx′),

e a inversão é dada por

z 7→ z−1 =

(x

x2 + y2,−y

x2 + y2

).

Exemplo 6.1.4. O círculo S1 = z ∈ C : ‖z‖ = 1 é um grupo de Lieabeliano sob a operação de multiplicação de números complexos.

Exemplo 6.1.5. Consideremos o grupo linear GL(n) formado pelas matrizesreais invertíveis n × n. Observe inicialmente que GL(n) é um subconjuntoaberto de M(n), logo é uma variedade diferenciável. Além disso, em relaçãoà multiplicação de matrizes, GL(n) é um grupo. Seja ϕ : M(n) → Rn2

a carta em M(n) que associa a cada matriz sua ij-ésima coordenada, i.e.,para cada matriz A ∈ M(n), tem-se ϕij(A) = aij . Assim, se A,B ∈ GL(n)então ϕij(AB−1) é uma função racional de ϕij(A) e ϕij(B) com denominadornão-nulo, o que prova que a aplicação

(A,B) ∈ GL(n)×GL(n)→ AB−1 ∈ GL(n)

é diferenciável. Portanto, GL(n) é um grupo de Lie.

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Page 171: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Exemplo 6.1.6. Se G e H são grupos de Lie, então a variedade produtoG×H, munida da operação produto

(g1, h1) · (g2, h2) = (g1g2, h1h2),

também é um grupo de Lie, usualmente chamada de grupo de Lie produto.Segue então do Exemplo 6.1.4 que o toro T 2 = S1 × S1 é um grupo de Lieproduto.

Lema 6.1.7. Sejam G um grupo de Lie e H ⊂ G um subgrupo abstrato quetambém é uma subvariedade de G. Então, com sua estrutura diferenciávelde subvariedade, H também é um grupo de Lie.

Demonstração. Como H é subvariedade de G, segue que H × H é subva-riedade de G × G, logo a aplicação inclusão i : H × H → G × G é ummergulho diferenciável. Se m : G × G → G é a multiplicação em G, entãoa composta φ = m i : H × H → G é uma aplicação diferenciável, comφ(H×H) ⊂ H. Novamente, comoH é subvariedade deG, segue do Corolário2.2.4 que a aplicação φ, com contra-domínio H, é diferenciável. Isso provaque a multiplicação em H é diferenciável. Analogamente se prova que ainversão em H também é diferenciável.

Exemplo 6.1.8. O grupo ortogonal O(n) é um subgrupo de GL(n). Alémdisso, pelo Exemplo 1.1.12, O(n) é subvariedade de GL(n). Assim, peloLema 6.1.7, segue que O(n) é um grupo de Lie.

Exemplo 6.1.9. Considere a restrição da função det ao grupo ortogonalO(n). Analogamente ao caso de GL(n), obtemos que det : O(n) → R éuma submersão diferenciável. Ou seja, todo real não-nulo é valor regular dedet |O(n). Disso decorre que o conjunto

SO(n) = X ∈ O(n) : detX = 1

é uma subvariedade de O(n), pois SO(n) = (det)−1(1). Além disso, SO(n) éum subgrupo de O(n). Portanto, pelo Lema 6.1.7, decorre que SO(n) é umgrupo de Lie, chamado o grupo ortogonal especial.

Definição 6.1.10. Seja φ : G → H um homomorfismo algébrico entre osgrupos de Lie G e H. Dizemos que φ é um homomorfismo de grupos de Liese φ é uma aplicação diferenciável1.

1Poderíamos supor, sem perda de generalidade, que φ fosse apenas contínuo pois todohomomorfismo algébrico entre grupos de Lie que é contínuo é automaticamente diferen-ciável (cf. [19, Teorema 3.39]).

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Page 172: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

No caso em que φ tem uma inversa que também é um homomorfismode grupos de Lie, dizemos que φ é um isomorfismo de grupos de Lie. Seφ : G→ H é um homomorfismo de grupos de Lie segue, por definição, que

φ(gh) = φ(g)φ(h),

para quaisquer g, h ∈ G. Assim, φ(e) = e e φ(g−1) = φ(g)−1, para todog ∈ G.

Exemplo 6.1.11. A aplicação de inclusão i : SO(n)→ GL(n) é um homo-morfismo de grupos de Lie.

Exemplo 6.1.12. A aplicação

eiθ ∈ S1 7→

cos θ sin θ 0− sin θ cos θ 0

0 0 In−2

∈ SO(n)

é um homomorfismo de grupos de Lie, de S1 sobre SO(n).

Exemplo 6.1.13. A aplicação φ : R → S1, dada por φ(t) = eit, é umhomomorfismo de grupos de Lie.

Proposição 6.1.14. Se φ : G → H é um homomorfismo de grupos de Lie,então φ tem posto constante. Em particular, ker(φ) é uma subvariedadefechada de G, que também é um grupo de Lie.

Demonstração. Dado um elemento g ∈ G, temos:

φ(g) = φ(hh−1g) = φ(h)φ(h−1g)

= Lφ(h)(φ(h−1g))

=(Lφ(h)φ

)(h−1g).

Assim,dφ(g) = dLφ(h)(φ(h−1g)) dφ(h−1g).

Como Lφ(h) é um difeomorfismo, sua matriz jacobiana tem posto máximoem todo ponto, logo o posto de φ é o mesmo nos pontos g e h−1g, paraqualquer h ∈ G. Portanto, φ tem posto constante. Pelo Teorema 2.2.15,ker(φ) = φ−1(e) é uma subvariedade fechada de G, com dimensão igual adimG − rank(φ). Do Lema 6.1.7, concluimos que ker(φ) é um grupo deLie.

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Page 173: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

Exemplo 6.1.15. O grupo linear especial SL(n) é um grupo de Lie. Defato, considere a aplicação φ : GL(n)→ R\0 definida por

φ(A) = det(A),

para toda matriz A ∈ GL(n). Temos que φ é um homomorfismo de gruposde Lie tal que SL(n) = φ−1(1). Logo, pela Proposição 6.1.14, segue queSL(n) é um grupo de Lie.

Exercícios

5. Prove que SO(2) é um grupo de Lie compacto, conexo e unidimensional.Mais precisamente, SO(2) é difeomorfo a S1.

6. Verifique que a esfera tridimensional S3 é um grupo de Lie. Mais preci-samente, S3 é o grupo de Lie dos quatérnios de norma unitária (S1 e S3 sãoas únicas esferas que admitem estrutura de grupo de Lie).

7. Dados um grupo de Lie G e um elemento g ∈ G, prove que a aplicaçãode conjugação Cg : G → G, dada por Cg(h) = ghg−1, para todo h ∈ G, éum isomorfismo de grupos de Lie, que satisfaz Cg = Lg R−1

g .

8. Sejam G um grupo de Lie conexo e U ⊂ G um aberto contendo o elementoidentidade e ∈ G. Prove que U gera G, i.e., todo elemento de G é um produtode elementos de U .

9. Sejam φ, ψ : G → H homomorfismos de grupos de Lie que coincidemnuma vizinhança da identidade. Se G é conexo prove que φ = ψ.

6.2 Álgebras de Lie

O ponto central da teoria desenvolvida por Lie é a relação existente entreum grupo de Lie e sua álgebra de Lie dos campos vetoriais invariantes àesquerda. A importância do conceito de álgebra de Lie (abstratamente) éque existe uma álgebra de Lie especial de dimensão finita associada comcada grupo de Lie, e as propriedades do grupo de Lie são refletidas empropriedades de sua álgebra de Lie..

Dado uma variedade diferenciável M , temos o espaço vetorial real X(M)formado por todos os campos vetoriais diferenciáveis X : M → TM . Ocolchete de Lie de dois campos X,Y ∈ X(M), denotado por [X,Y ], é ocampo vetorial tal que [X,Y ] = −[Y,X] e que satisfaz a identidade de Jacobi

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Page 174: Introdução à Variedades Diferenciáveis -ICMC.pdf

(cf. Proposição 3.3.13). Na realidade, o espaço vetorial real X(M), munidoda aplicação R-bilinear

(X,Y ) ∈ X(M)× X(M) 7→ [X,Y ] ∈ X(M),

é apenas um exemplo de uma estrutura algébrica abstrata extremamenteimportante, como veremos a seguir.

Definição 6.2.1. Uma álgebra de Lie é um espaço vetorial a (sobre um corpoK), munido de uma aplicação K-bilinear a × a → a, denotada usualmentepor (v, w) 7→ [v, w], tal que

[v, w] = −[w, v]

e que satisfaz a identidade de Jacobi

[u, [v, w]] + [v, [w, u]] + [w, [u, v]] = 0,

para quaisquer u, v, w ∈ a.

Uma álgebra de Lie a é chamada abeliana se [v, w] = 0, para quaisquerv, w ∈ a. Um subespaço b ⊂ a é chamado uma subálgebra de Lie se b éfechado sob a operação do colchete, i.e., [u, v] ∈ b, para quaisquer u, v ∈ b.

Exemplo 6.2.2. Como vimos na introdução desta seção, o espaço vetorialX(M), associado a uma variedade diferenciável M , é uma álgebra de Lie soba operação do colchete de Lie em campos vetoriais.

Exemplo 6.2.3. Qualquer espaço vetorial torna-se uma álgebra de Lie setodos os colchetes são definidos sendo iguais a zero. Neste caso, obtemosuma álgebra de Lie abeliana.

Exemplo 6.2.4. O espaço vetorial M(n) de todas as matrizes reais n × ntorna-se uma álgebra de Lie pondo

[A,B] = AB −BA,

para quaisquer A,B ∈M(n).

Exemplo 6.2.5. O espaço Euclidiano R3, com a operação bilinear

[v, w] = v × w,

onde × denota o produto vetorial de R3, é uma álgebra de Lie.

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Definição 6.2.6. Sejam a, b álgebras de Lie sobre um corpo K. Uma apli-cação K-linear σ : a→ b é um homomorfismo de álgebras de Lie se

σ([v, w]) = [σ(v), σ(w)], (6.4)

para quaisquer v, w ∈ a. Um isomorfismo de álgebras de Lie é um isomor-fismo linear σ : a→ b que satisfaz (6.4).

A álgebra de Lie X(M) tem dimensão infinita, a menos que M tenhadimensão igual a zero. Estamos interessados agora em certas álgebras de Liede dimensão finita que são subálgebras de X(M).

Definição 6.2.7. Dado um grupo de Lie G, dizemos que um campo vetorialX (não necessariamente diferenciável) em G é invariante à esquerda se, paracada g ∈ G, X é Lg-relacionado com X, i.e., dLg X = X Lg. Isso significaque dLg(h) ·X(h) = X(gh), para quaisquer g, h ∈ G.

De forma análoga temos a noção de invariância à direita. Mais preci-samente, um campo vetorial X em G é invariante à direita se, para cadag ∈ G, X é Rg-relacionado com X, i.e., dRg X = X Rg. O conjunto detodos os campos vetoriais invariantes à esquerda em um grupo de Lie G serádenotado por g.

Para que um campo vetorial X em G seja invariante à esquerda, bastaque dLg(e) ·X(e) = X(g), para todo g ∈ G. De fato, dado h ∈ G, temos:

dLg(h) ·X(h) = dLg(h) · dLh(e) ·X(e)

= d(Lg Lh)(e) ·X(e) = dLgh(e) ·X(e)

= X(gh).

(6.5)

Proposição 6.2.8. Dado um grupo de Lie G, o conjunto g dos camposvetoriais invariantes à esquerda de G é um espaço vetorial, e a aplicaçãoφ : g→ TeG definida por

φ(X) = X(e), (6.6)

é um isomorfismo linear. Consequentemente, dim g = dimTeG = dimG.

Demonstração. A prova que g é um espaço vetorial é simples e deixada àcritério do leitor. Para ver que φ é injetora, sejam X,Y ∈ g tais que φ(X) =φ(Y ). Assim, dado g ∈ G, temos:

X(g) = dLg(e) ·X(e) = dLg(e) · Y (e) = Y (g).

Como g ∈ G é arbitrário, temos que X = Y . Além disso, φ é sobrejetora. Defato, dado v ∈ TeG, considere o campo vetorial X em G dado por X(g) =dLg(e)·v, para todo g ∈ G. Segue de (6.5) queX é invariante à esquerda.

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Observe que na Definição 6.2.7 não exigimos que X seja diferenciável.Isso se justifica pela seguinte:

Proposição 6.2.9. Todo campo vetorial invariante à esquerda em um grupode Lie G é diferenciável.

Demonstração. Seja X ∈ g. A fim de provar que X ∈ X(G), basta mostrarque X(f) ∈ C∞(G), para qualquer f ∈ C∞(G). Como

X(f)(g) = X(g)(f) = dLg(e) ·X(e)(f) = X(e)(f Lg),

para qualquer g ∈ G, basta mostrar que g ∈ G 7→ X(e)(f Lg) é uma funçãodiferenciável. Denote por m : G×G→ G a multiplicação em G e, para cadag ∈ G, considere os mergulhos ig e jg definidos em (6.3). Seja Y ∈ X(G)tal que Y (e) = X(e). Então, (0, Y ) é um campo vetorial diferenciável emG×G, e

((0, Y )(f m)

) je é uma função diferenciável em G que satisfaz:(

(0, Y )(f m)) je(g) = (0, Y )(g, e)(f m)

= 0(g)(f m je) + Y (e)(f m ig)= X(e)(f m ig) = X(e)(f Lg).

Assim, g ∈ G 7→ X(e)(f Lg) é uma função diferenciável em G, provando aproposição.

Proposição 6.2.10. O espaço vetorial g é fechado sob a operação do colchetede Lie e, portanto, g torna-se uma álgebra de Lie.

Demonstração. Segue da Proposição 6.2.9 que todo campo vetorial invari-ante à esquerda é diferenciável, logo o colchete de Lie de tais campos estádefinido. Assim, se X,Y ∈ g, segue da Proposição 3.5.4 que [X,Y ] é Lg-relacionado com [X,Y ], para todo g ∈ G, logo [X,Y ] ∈ g. O fato de que g éuma álgebra de Lie segue então da Proposição 3.3.13.

Definição 6.2.11. A álgebra de Lie de um grupo de Lie G é definida comoa álgebra de Lie g dos campos vetoriais invariantes à esquerda em G.

Alternativamente, poderíamos definir a álgebra de Lie de G como o es-paço tangente TeG, exigindo que o isomorfismo φ, definido em (6.6), seja umisomorfismo de álgebras de Lie.

Seja φ : G→ H um homomorfismo de grupos de Lie. Como φ transformaa identidade de G no elemento identidade de H, a diferencial dφ(e) é umatransformação linear de TeG sobre TeH. Através da identificação natural do

173

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espaço tangente à identidade com a álgebra de Lie, esta transformação lineardφ(e) induz uma transformação linear de g sobre h, que também denotaremospor dφ. Assim,

dφ : g→ h,

onde se X ∈ g, então dφ(X) é o único campo vetorial invariante à esquerdaem H tal que

dφ(X)(e) = dφ(X(e)). (6.7)

Com esta identificação, temos a seguinte:

Proposição 6.2.12. Sejam G, H grupos de Lie com respectivas álgebras deLie g e h, e φ : G→ H um homomorfismo de grupos de Lie. Então

(a) X e dφ(X) são φ-relacionados, para cada X ∈ g.

(b) dφ : g→ h é um homomorfismo de álgebras de Lie.

Demonstração. (a) Como dφ(X) ∈ h, temos dLφ(g)dφ(X) = dφ(X)Lφ(g),para todo g ∈ G. Além disso, como φ é um homomorfismo, temos φ(gh) =φ(g)φ(h), para quaisquer g, h ∈ G, i.e., φ Lg = Lφ(g) φ, para todo g ∈ G.Assim,

dφ(X)(φ(g)) =(dφ(X) Lφ(g)

)(e) =

(dLφ(g) dφ(X)

)(e)

= d(Lφ(g) φ)(e) ·X(e) = d(φ Lg)(e) ·X(e)

= dφ(g) ·X(g).

Como g ∈ G é arbitrário, segue que dφ(X) φ = dφ X, i.e., X e dφ(X) sãoφ-relacionados.(b) Dados X,Y ∈ g, queremos provar que

dφ([X,Y ]) = [dφ(X), dφ(Y )]. (6.8)

Pela Proposição 3.5.4, temos que [X,Y ] é φ-relacionado com [dφ(X), dφ(Y )].Em particular, temos que

[dφ(X),dφ(Y )](e) = dφ([X,Y ](e)).

Porém, pela definição em (6.7), dφ([X,Y ]) é o único campo vetorial inva-riante à esquerda em H cujo valor no elemento identidade é dφ([X,Y ](e)).Assim, vale a igualdade (6.8) e a proposição está provada.

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Exercícios

10. Prove que se G e H são grupos de Lie, então a álgebra de Lie g× h é, amenos de identificações, a álgebra de Lie de G×H.

11. Sejam G um grupo de Lie e X ∈ g.

(a) Prove que X é completo.

(b) Prove que o fluxo maximal ϕ : R×G→ G de X é dado por

ϕ(t, g) = Rαe(t)(g),

onde αe(t) é a curva integral maximal de X passando por e.

(c) Denotemos por Adg : g→ g a diferencial da conjução Cg no elementoidentidade (cf. Exercício 7). Prove que, se X,Y ∈ g, então

[X,Y ](e) =d

dtAdαe(t)(Y (e)).

(d) Conclua que seG é abeliano então [X,Y ] = 0, para quaisquerX,Y ∈ g.

6.3 Exemplos clássicos

Nesta seção apresentaremos alguns grupos de Lie clássicos e suas respec-tivas álgebras de Lie. Tais grupos e álgebras serão constituídos por matrizesreais (ou por operadores lineares sobre R). Os espaços vetoriais consideradosserão sempre de dimensão finita.

Exemplo 6.3.1. A reta real R é um grupo de Lie com a operação de soma denúmeros reais. Os campos vetoriais invariantes à esquerda são simplesmenteos campos vetoriais constantes λ

(ddt

), λ ∈ R, onde o símbolo d

dt representa ovetor constante igual a 1 em R. O colchete de quaisquer dois de tais camposvetoriais é nulo.

Exemplo 6.3.2. Consideremos o grupo linear GL(n). Observe, inicial-mente, que como M(n) ' Rn2 , temos que TeM(n) ' M(n). Denotemospor α : TeM(n) → M(n) o isomorfismo linear que identifica tais espaçosvetoriais. Como GL(n) é aberto em M(n), segue que TeGL(n) = TeM(n).Denotando por gl(n) a álgebra de Lie de GL(n), definimos uma aplicaçãoβ : gl(n)→M(n) pondo

β(X) = α(X(e)),

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para todo X ∈ gl(n). O leitor pode verificar facilmente que β é um iso-morfismo de álgebras de Lie. Portanto, podemos considerar M(n) como aálgebra de Lie de GL(n).

Exemplo 6.3.3. Consideremos o grupo linear especial SL(n). O espaço tan-gente a SL(n) no elemento identidade coincide com o subespaço deM(n) dasmatrizes de traço nulo (cf. Exercício 2). Assim, a álgebra de Lie de SL(n),denotada por sl(n), pode ser identificada com o subespaço das matrizes reaisn× n de traço nulo.

Exemplo 6.3.4. Dado um espaço vetorial real V de dimensão n, denote-mos por Lin(V ) o espaço vetorial de todos os operadores lineares em V .Denotemos também por Aut(V ) o conjunto dos automorfismos de V , i.e.,o subespaço de Lin(V ) constituido pelos operadores lineares não-singularesde V . O espaço vetorial Lin(V ) torna-se uma álgebra de Lie definindo umcolchete pondo

[T1, T2] = T1 T2 − T2 T1, (6.9)

para quaisquer T1, T2 ∈ Lin(V ). Uma base fixada no espaço V determina umdifeomorfismo φ : Lin(V ) → M(n) tal que φ(Aut(V )) = GL(n). Disso de-corre que Lin(V ) induz uma estrutura de variedade diferenciável em Aut(V ),como subconjunto aberto, que é um grupo de Lie sob a operação de composi-ção. Através da identificação natural de Lin(V ) com TeLin(V ) = TeAut(V ),a estrutura de álgebra de Lie de Aut(V ) induz uma estrutura de álgebra deLie em Lin(V ), que coincide com aquela descrita em (6.9).

Exemplo 6.3.5. O grupo de Heisenberg tridimensional, denotado por Nil3,é o subgrupo de M(3) definido por

Nil3 =

1 x z

0 1 y0 0 1

: x, y, z ∈ R

, (6.10)

com a multiplicação usual de matrizes. Assim, identificando a matriz (6.10)com a terna (x, y, z) ∈ R3, temos:

(x, y, z) · (x′, y′, z′) = (x+ x′, y + y′, z + z′ + xy′).

O elemento identidade de Nil3 é 0 = (0, 0, 0) e o elemento inverso de (x, y, z)é (x, y, z)−1 = (−x,−y, xy − z). Dados a, b ∈ Nil3, com a = (x, y, z) eb = (x′, y′, z′), o comutador [a, b] dos elementos a e b é igual a

[a, b] = aba−1b−1 = (0, 0, xy′ − yx′),

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onde xy′ − yx′ 6= 0, em geral. Por exemplo, se a = (1, 0, 0) e b = (0, 1, 0),temos [a, b] = (0, 0, 1) 6= 0. Isso mostra que Nil3 não é abeliano. Por outrolado, dados a, b, c ∈ Nil3, o duplo comutador de a, b, c é igual a

[[a, b], c] = (0, 0, 0),

ou seja, Nil3 é um grupo de Lie nilpotente com índice de nilpotência igual a 2.Cada ponto (x, y, z) ∈ Nil3 pode ser visto como uma translação (à esquerda)da identidade a esse ponto como sendo:

(x, y, z) · (0, 0, 0) = (x, y, z),

ou seja, L(x,y,z)(0) = (x, y, z). Então, as direções coordenadas Euclidianassão transladadas para:

(x, y, z) · (s, 0, 0) = (x+ s, y, z),

(x, y, z) · (0, s, 0) = (x, y + s, z + xs),

(x, y, z) · (0, 0, s) = (x, y, z + s).

Diferenciando (em relação a s), obtemos os campos vetoriais:

E1 =∂

∂x,

E2 =∂

∂y+ x

∂z,

E3 =∂

∂z,

(6.11)

que são campos vetoriais invariantes à esquerda, por construção. Portanto,a álgebra de Lie de Nil3, denotada por nil3, é gerada pelos campos vetoriaisE1, E2, E3, dados em (6.11), cujos colchetes de Lie são dados por:

[E1, E2] = E3 e [E3, E2] = [E3, E1] = 0.

Exemplo 6.3.6. O grupo de Lie Sol3 é o produto semi-direto RnR2, ondez ∈ R age em R2 através da aplicação ρz definida por

ρz(x, y) = (ezx, e−zy), (6.12)

para quaisquer x, y ∈ R. Para cada z ∈ R, ρz é um isomorfismo linear de R2.Identificando Sol3 com R3, de modo que o plano-xy corresponda ao subgruponormal R2, a multiplicação do grupo Sol3, induzida por (6.12), é dada por

(x, y, z) · (x′, y′, z′) = (x+ ezx′, y + e−zy′, z + z′), (6.13)

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para quaisquer (x, y, z), (x′, y′, z′) ∈ R3. Claramente, (0, 0, 0) é o elementoidentidade de Sol3, e o elemento inverso é

(x, y, z)−1 = (−e−zx,−ezy,−z).

A ação à esquerda do grupo Sol3 nas direções coordendas Euclidianas produz:

(x, y, z) · (s, 0, 0) = (x+ ezs, y, z),

(x, y, z) · (0, s, 0) = (x, y + e−zs, z),

(x, y, z) · (0, 0, s) = (x, y, z + s).

Diferenciando em relação a s, obtemos os campos vetoriais:

E1 = ez∂

∂x,

E2 = e−z∂

∂y,

E3 =∂

∂z,

(6.14)

que são campos invariantes à esquerda, por construção. Portanto, a álgebrade Lie do grupo de Lie Sol3, denotada por sol3, é gerada pelos camposvetoriais E1, E2, E3 dados em (6.14), cujos colchetes de Lie são dados por

[E3, E1] = E1, [E3, E2] = −E2, [E1, E2] = 0. (6.15)

O grupo Sol3 é um grupo de Lie solúvel. De fato, de (6.15), a álgebra derivadaDsol3 é dada por

Dsol3 = [sol3, sol3] = spanE1, E2.

Novamente, usando (6.15), a álgebra derivada D2sol3 é igual a

D2sol3 = span[E1, E2] = 0.

Portanto, Sol3 é um grupo de Lie solúvel, com índice de solubilidade igual a2.

Exercícios

12. Prove que a álgebra de Lie do grupo ortogonal O(n) coincide com osubespaço de M(n) formado pelas matrizes anti-simétricas.

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6.4 Uma aplicação do teorema de Frobenius

Nesta seção usaremos o teorema de Frobenius para estabelecer uma cor-respondência entre subgrupos de Lie de um dado grupo de Lie e subálgebrasde sua álgebra de Lie.

Definição 6.4.1. Seja H um subgrupo abstrato de um grupo de Lie G. SeH é um grupo de Lie tal que a aplicação inclusão i : H → G é uma imersão,diremos que H é um subgrupo de Lie de G.

Proposição 6.4.2. Se H é um subgrupo abstrato de um grupo de Lie G,que também é uma subvariedade de G, então H é um subgrupo de Lie de G.

Demonstração. As aplicações de multiplicação e inversão, H × H → H eH → H, são as restrições das aplicações de multiplicação e inversão, respec-tivamente, de G. Como H é subvariedade de G, tais aplicações de restriçãosão diferenciáveis.

Nas condições da Proposição 6.4.2, pode-se provar, além disso, que H éum subconjunto fechado de G (cf. Exercício 13). Pode-se provar também,porém este é um fato não-trivial, que um subgrupo abstrato H de um grupode Lie G é uma subvariedade se, e somente se, H é um subconjunto fechadode G (cf. [19, Theorem 5.81]).

Exemplo 6.4.3. O círculo S1, mergulhado no toro T 2 = S1 × S1 comoS1 × 1, é um subgrupo fechado de T 2.

O lema seguinte diz essencialmente que qualquer vizinhança do elementoidentidade gera um grupo de Lie conexo.

Lema 6.4.4. Sejam G um grupo de Lie conexo e U uma vizinhança de e.Então,

G =∞⋃n=1

Un,

onde Un consiste de todos os n-produtos de elementos de U .

Demonstração. Seja V ⊂ U um subconjunto aberto contendo e tal queV = V −1; por exemplo, considere V = U ∩ U−1. Seja

H =

∞⋃n=1

V n ⊂∞⋃n=1

Un.

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H é um subgrupo abstrato de G. De fato, por construção, temos que e ∈ H.Além disso, dados g, h ∈ H, tem-se g = an e h = bm, com a, b ∈ V , paraalguns m,n ∈ N. Assim,

gh = anbm ∈ anV m ⊂ V nV m ⊂ H.

H também é um subconjunto aberto de G pois se h ∈ H então hV ⊂ H é umaberto contendo h. Finalmente, para cada g ∈ G, a classe lateral à esquerdagH é um aberto em G, pois H é aberto em G. Assim, como

G\H =⋃g 6∈H

gH

é um aberto em G, sendo união de abertos, segue que H é fechado em G.Como G é conexo e H 6= ∅, H deve ser todo o grupo G, provando o lema.

Teorema 6.4.5. Sejam G um grupo de Lie, com álgebra de Lie g, e h umasubálgebra de Lie de g. Então, existe um único subgrupo de Lie conexo H deG, cuja álgebra de Lie coincide com h.

Demonstração. Dado g ∈ G, denotemos por D(g) o subespaço de TgG for-mado por todos os vetores da forma X(g), onde X é um campo vetorialinvariante à esquerda, com X(e) ∈ h. Assim, vg ∈ D(g) se, e somente se,vg = dLg(e) · v, para algum v ∈ h. Como h é uma subálgebra de Lie de g,temos:

[vg, wg] = [dLg(e) · v,dLg(e) · w] = dLg(e) · [v, w] ∈ D(g),

para quaisquer vg, wg ∈ D(g), onde v, w ∈ h. Assim,

g ∈ G 7→ D(g) ⊂ TgG

é uma distribuição involutiva e, pelo Teorema 3.6.13, é integrável. Seja H asubvariedade integral maximal conexa contendo o elemento identidade e (cf.Teorema 3.6.15). Observe que, para cada h ∈ G, temos

dLg(h)(D(h)) = D(gh),

i.e., D é invariante por translações à esquerda. Assim, Lg transforma avariedade integral maximal pelo ponto h difeomorficamente sobre aquelaque passa pelo ponto gh. Em particular, se g ∈ H, então Lg−1 transforma Hsobre a variedade integral maximal contendo o ponto Lg−1(g) = e. Assim,pela maximalidade, concluimos que Lg−1(H) = H. Portanto, se g, h ∈ H,

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então também g−1h ∈ H. Disso segue que H é um subgrupo abstrato deG. De forma inteiramente análoga à prova do Lema 6.1.7, podemos concluirque a multiplicação m : H × H → H é diferenciável, provando assim queH é um subgrupo de Lie de G. Além disso, se h denota a álgebra de Liede H, então di(h) = h, onde i : H → G é o homomorfismo inclusão, poisTeH = D(e) = h. Quanto à unicidade, seja K outro subgrupo de Lieconexo de G com dj(k) = h, onde j : K → G é a inclusão. Assim, K deveser uma variedade integral de D contendo o elemento identidade e e, pelamaximalidade de H, tem-se que K ⊂ H. Seja φ : K → H a aplicaçãoinclusão. Note que, como i é injetora, φ é a única aplicação diferenciável talque j = i φ. Assim, φ é um homomorfismo de grupos de Lie injetor. Comodφ(g) é injetora, para todo g ∈ K, segue que φ é um difeomorfismo em umavizinhança de e, logo φ é sobrejetora, pelo Lema 6.4.4. Portanto, φ é umisomorfismo de grupos de Lie, e os subgrupos K e H são equivalentes. Issoprova a unicidade.

Corolário 6.4.6. Existe uma correspondência injetora entre subgrupos deLie conexos de um grupo de Lie e subálgebras de sua álgebra de Lie.

Corolário 6.4.7. Sejam G, H grupos de Lie com respectivas álgebras de Lieg e h. Se φ : g→ h é um homomorfismo de álgebras de Lie, então existe umavizinhança U do elemento identidade e ∈ G e uma aplicação diferencávelF : U → H tal que

G(gh) = F (g)F (h),

para quaisquer g, h ∈ U , com gh ∈ U , e tal que

dF (e) · v = φ(v),

para todo v ∈ g.

Demonstração. Seja k ⊂ g× h definida por

k = (v, φ(v)) : v ∈ g.

O fato que φ é um homomorfismo implica que k é uma subálgebra de Lie deg × h. Assim, pelo Teorema 6.4.5, existe um subrupo de Lie conexo K deG×H com álgebra de Lie k. Considere a aplicação inclusão i : K → G×He defina um homomorfismo ρ : K → G pondo ρ = πG i, onde πG e φHdenotam as projeções sobre G e H, respectivamente. Dado v ∈ g, temos

dρ(v, φ(v)) = v,

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ou seja, dρ(e, e) : T(e,e)K → TeG é um isomorfismo linear. Assim, peloTeorema da Aplicação Inversa, existe uma vizinhança V de (e, e) ∈ K talque ρ|V é um difeomorfismo sobre uma vizinhança U de e ∈ G. Defina umhomomorfismo ψ : K → H pondo ψ = πHi. Temos que dψ(e, e)·(v, φ(v)) =φ(v), para todo v ∈ g. Seja então

F = ψ ρ|−1V .

Como F está definida unicamente em termos da inclusão e das projeções,segue que F (gh) = F (g)F (h), para quaisquer g, h ∈ U , com gh ∈ U . Sev ∈ g, então dρ(v, φ(v)) = v implica que d(ρ|−1

V ) · v = (v, φ(v)), logo

dF (e) · v = dψ(e, e) d(ρ|−1V )(e) · v = dψ(e, e)(v, φ(v))

= φ(v),

como queríamos.

Exercícios

13. Seja H um subgrupo abstrato de um grupo de Lie G, que também éuma subvariedade de G. Prove que H é um subconjunto fechado de G.

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