introdução a biologia do cancer cap 01

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“O protoplasma, simples ou nucleado, é a base formal de toda a vida... Portanto, fica claro que todas as forças viventes são cognatas, e que todas as formas de vida são fundamentalmente de um único tipo. As pesquisas dos químicos têm revelado uma uniformidade não menos impressionante na composição material da matéria viva.” Thomas Henry Huxley, biólogo evolutivo, 1868 “Qualquer coisa verdadeira em E. coli deve também ser verdadeira nos elefantes.” Jacques Monod, biólogo molecular pioneiro, 1954 A revolução biológica do século XX remodelou completamente todas as áreas dos estu- dos biomédicos, sendo a pesquisa do câncer apenas uma delas. Os frutos dessa revolu- ção foram revelações tanto das linhas gerais como de detalhes profundos de genética e hereditariedade, de como as células se multiplicam e dividem, de como elas se associam para formar tecidos e de como os tecidos se desenvolvem sob o controle de genes especí- ficos. Tudo no texto a seguir provém direta ou indiretamente desse novo conhecimento. Essa revolução, que começou no meio do século e foi provocada pela descoberta da dupla hélice de DNA por Watson e Crick, continua até hoje. Na verdade, ainda estamos muito próximos desse avanço significativo para compreender precisamente sua real importância e suas ramificações a longo prazo. A disciplina de biologia molecular, que se desenvolveu em seguida a essa descoberta, trouxe soluções ao problema mais profundo da biologia do século XX – como a constituição genética de uma célula e de um organismo determinam sua forma e função? CAPÍTULO 1 Biologia e Genética de Células e Organismos

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Page 1: Introdução a Biologia do cancer   cap 01

“O protoplasma, simples ou nucleado, é a base formal de toda a vida...Portanto, fica claro que todas as forças viventes são cognatas, e que todasas formas de vida são fundamentalmente de um único tipo. As pesquisasdos químicos têm revelado uma uniformidade não menos impressionantena composição material da matéria viva.”

Thomas Henry Huxley, biólogo evolutivo, 1868

“Qualquer coisa verdadeira em E. coli deve também ser verdadeira nos elefantes.”Jacques Monod, biólogo molecular pioneiro, 1954

Arevolução biológica do século XX remodelou completamente todas as áreas dos estu-dos biomédicos, sendo a pesquisa do câncer apenas uma delas. Os frutos dessa revolu-

ção foram revelações tanto das linhas gerais como de detalhes profundos de genética ehereditariedade, de como as células se multiplicam e dividem, de como elas se associampara formar tecidos e de como os tecidos se desenvolvem sob o controle de genes especí-ficos. Tudo no texto a seguir provém direta ou indiretamente desse novo conhecimento.

Essa revolução, que começou no meio do século e foi provocada pela descoberta da duplahélice de DNA por Watson e Crick, continua até hoje. Na verdade, ainda estamos muitopróximos desse avanço significativo para compreender precisamente sua real importância esuas ramificações a longo prazo. A disciplina de biologia molecular, que se desenvolveu emseguida a essa descoberta, trouxe soluções ao problema mais profundo da biologia do séculoXX – como a constituição genética de uma célula e de um organismo determinam sua formae função?

CAPÍTULO 1

Biologia e Genéticade Células e Organismos

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2 / CAPÍTULO 1 BIOLOGIA E GENÉTICA DE CÉLULAS E ORGANISMOS

(A) (B)

Sem essa base molecular, a moderna pesquisa do câncer, assim como outras disciplinas bioló-gicas, teriam permanecido uma ciência descritiva limitada a catalogar diversos fenômenosbiológicos, sem saber explicar a mecânica de como ocorrem. Hoje, nossa compreensão decomo os cânceres se originam está sendo continuamente melhorada por descobertas em di-versos campos da pesquisa biológica, a maioria das quais realizada nas ciências da biologiamolecular e genética. Talvez de forma inesperada, muitos dos conhecimentos acerca da ori-gem das doenças malignas não estão vindo das bancadas de laboratório de pesquisadores docâncer. Em vez disso, o estudo de diversos organismos, desde leveduras a vermes e moscas,abastece-nos do capital intelectual que alimenta a próxima idéia fundamental na rápida emovimentada área de pesquisa do câncer.

Os que inspiraram essa revolução biológica se apoiaram sobre os ombros de gigantes doséculo XIX, especificamente, Darwin e Mendel (Figura 1.1). Sem os conceitos estabelecidospor ambos, que influenciaram todos os aspectos do moderno pensamento biológico, a biolo-gia molecular e a pesquisa contemporânea do câncer seriam inconcebíveis. Dessa forma, aolongo deste capítulo, faremos freqüente referência a processos evolutivos, como propostospor Charles Darwin, e a sistemas genéticos, como concebidos por Gregor Mendel.

1.1 Mendel estabelece as leis básicas da genética

Muitas das leis básicas da genética, que regem a forma como os genes são passados de umorganismo complexo ao outro, foram descobertas no século XIX e chegaram até nós basica-mente inalteradas. Trabalhando na década de 1860, Gregor Mendel expôs essas leis e descre-veu como elas afetam a forma e o comportamento de organismos individuais. O trabalho deMendel enfocava principalmente a genética de plantas de ervilha. Seus resultados e suasconclusões foram logo esquecidos, sendo redescobertos independentemente por três pesqui-sadores somente em 1900. Durante a década seguinte, ficou claro que essas leis – agorachamadas de genética mendeliana – se aplicam a virtualmente todos os organismos sexuados,inclusive metazoários (animais multicelulares) e metáfitos (plantas multicelulares).

A argúcia fundamental de Mendel veio de sua percepção de que a informação genética épassada em forma de partícula de um organismo para sua descendência. Isso implicava que orepertório completo da informação genética transportado por um organismo, agora chama-do de seu “genoma”, está organizado como uma coleção de pacotes distintos e separáveis deinformação, os quais viriam a ser chamados de genes. Apenas recentemente passamos a saber,com precisão, como muitos genes diferentes estão presentes nos genomas de mamíferos; asatuais análises do genoma humano – o melhor estudado entre esses – sugerem o número na

Figura 1.1 Darwin e Mendel (A) A publica-ção de On The Origin of Species by Me-ans of Natural Selection por CharlesDarwin, em 1859, exerceu um efeito pro-fundo no pensamento sobre a origem davida, a evolução da complexidade dos or-ganismos e o parentesco das espécies.(B) A teoria da evolução de Darwin não ti-nha uma fundamentação genética até otrabalho de Gregor Mendel. A síntese en-tre evolução darwiniana e genética men-deliana é a base de muito do modernopensamento biológico. (A, da ColeçãoGrace K. Babson de Obras de Sir IsaacNewton, em exposição permanente noDibner Institute e Burndy Library, Cambrid-ge, MA; B, cortesia do Mendelianum Mu-seum Moraviae, Brno, República Checa.)

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faixa de 22.000, um pouco mais que os 19.000 genes identificados no genoma da mosca-das-frutas Drosophila melanogaster.

O trabalho de Mendel também implicava que a constituição de um organismo, inclusive suaestrutura física e química, poderia ser dividida em uma série de entidades distintas, separáveis. (Éclaro que essa separabilidade está implícita na forma com que usamos a linguagem para descreverformas anatômicas e funções – palavras diferentes para descrever nariz, braço e estômago.) Mendelfoi além, ao mostrar que diferentes partes anatômicas são controladas por genes diferentes. Eledescobriu que o material herdável que controla a lisura das ervilhas agia independentemente domaterial que controla a altura da planta ou a cor da flor. Na realidade, cada característica observá-vel de um indivíduo podia ser atribuída a um gene separado, que servia como seu anteprojeto.Assim, a pesquisa de Mendel implicava que a constituição genética de um organismo (seu genó-tipo) poderia ser dividida em centenas ou, talvez, milhares de pacotes distintos de informação;paralelamente, sua forma observável, externa (seu fenótipo) poderia ser subdividida em um gran-de número de características físicas ou químicas distintas (Figura 1.2).

O modo de pensar de Mendel iniciou projetos de pesquisa que duraram um século entre osgeneticistas, que aplicaram seus princípios ao estudo de milhares de caracteres em váriosanimais experimentais, como moscas (D. melanogaster), vermes (Caenorhabditis elegans) ecamundongos (Mus musculus). Na metade do século XX, os geneticistas também começarama aplicar os princípios mendelianos ao estudo do comportamento genético de organismosunicelulares, como a bactéria Escherichia coli e a levedura do pão Saccharomyces cerevisiae. Oprincípio do genótipo controlando o fenótipo foi diretamente transferido a esses organismosmais simples e seus sistemas genéticos.

Embora a genética mendeliana represente o fundamento da genética contemporânea, ela foiadaptada e expandida em inúmeras formas desde sua concepção, em 1865 e 1900. Por exem-plo, o fato de que os organismos unicelulares em geral se reproduzem assexuadamente, isto é,sem cruzamento, criou uma necessidade de adaptação das leis originais de Mendel. Alémdisso, percebeu-se que a noção de que cada atributo de um organismo poderia ser devido a

Primeira forma

do caráter

(dominante)

Segunda forma

do caráter

(recessivo)

altaverdeinfladaaxialvioleta-vermelhaamarelaredonda

baixaamarelaconstritaterminalbrancaverderugosa

Forma

da semente Cor da flor Posição da flor

Forma

da vagem

Cor

da vagem Altura da planta

Cor da

semente

Figura 1.2 A informação genética éorganizada em pacotes distintos Uma dasrevelações fundamentais de Gregor Mendelfoi que o conteúdo genético de umorganismo consiste em pacotes distintosde informação, cada um responsável poruma diferente característica observável doorganismo. Aqui estão mostrados setecaracteres da planta de ervilha, cujocomportamento Mendel estudou por meiode experimentos de cruzamento. Em cadacaso, um dado caráter poderia ter duasmanifestações fenotípicas alternativas, quehoje sabemos ser especificadas porversões alternativas de genes, as quaisdenominamos alelos. Quando os doisalelos alternativos coexistiam em umamesma planta, um desses caracteres (quehoje denominamos “dominante”) erasempre observado, enquanto o outro (ocaráter “recessivo”) não era observado.(Cortesia de J. Postlethwait.)

MENDEL ESTABELECE AS LEIS BÁSICAS DA GENÉTICA / 3

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4 / CAPÍTULO 1 BIOLOGIA E GENÉTICA DE CÉLULAS E ORGANISMOS

instruções transportadas por um único gene era simplista. A grande maioria dos caracteresobserváveis de um organismo pode ser atribuída a interações cooperativas entre muitos ge-nes. Inversamente, quase todos os genes transportados no genoma de um organismo comple-xo desempenham funções no desenvolvimento e na manutenção de múltiplos órgãos, tecidose processos fisiológicos.

A genética mendeliana revelou, pela primeira vez, que a informação genética é transportada deforma redundante nos genomas de plantas e animais complexos. Mendel deduziu que existiamduas cópias de um gene para cor da flor e duas para forma da ervilha. Hoje sabemos que essa duplaredundância se aplica a todo o genoma, com exceção dos genes transportados nos cromossomossexuais. Portanto, os genomas dos organismos superiores são denominados diplóides.

As observações de Mendel também indicavam que as duas cópias de um gene poderiam carregarinformações diferentes e potencialmente conflitantes. Assim, uma cópia do gene poderia especifi-car ervilhas com a superfície rugosa, e a outra, ervilhas com a superfície lisa. No século XX, essasversões diferentes de um gene viriam a ser chamadas de alelos. Um organismo pode transportardois alelos idênticos de um gene, situação em que, com respeito a esse gene, é chamado de homo-zigoto. Inversamente, a presença de dois alelos diferentes de um gene no genoma de um organis-mo faz deste um heterozigoto com respeito a esse gene.

Como os dois alelos de um gene podem carregar instruções conflitantes, nossa visão de comoo genótipo determina o fenótipo se tornou mais complicada. Mendel descobriu que, emmuitos casos, a expressão de um alelo pode prevalecer sobre a do outro, determinando aforma final de uma característica. Por exemplo, um genoma de ervilha pode ser heterozigotopara o gene que determina a forma das ervilhas, transportando um alelo liso e um rugoso.Contudo, a planta de ervilha transportando esse par de alelos produzirá, invariavelmente,ervilhas lisas. Isso indica que o alelo liso é dominante, e que ele invariavelmente anulará seualelo complementar recessivo (rugoso) na determinação do fenótipo (veja a Figura 1.2). (Arigor, usando a terminologia genética correta, diríamos que um fenótipo codificado por umgene é dominante em relação ao outro, sendo este último recessivo.)

A pesquisa genética do século XX revelou outras sutilezas relativas ao modo como osalelos de um gene interagem entre si. Freqüentemente as “expressões” de dois alelos con-flitantes se misturam na determinação do resultado – elas procuram um meio-termoentre suas mensagens discrepantes. Por exemplo, um par coexistente de alelos vermelhose brancos no gene que determina a cor das flores em bocas-de-leão produzirá um fenóti-po rosa (Figura 1.3). Isso representa um exemplo de dominância incompleta. Em outrassituações, as expressões de ambos os alelos são claramente detectadas – o fenômeno daco-dominância. Assim, indivíduos que são heterozigotos para o loco genético que deter-mina o tipo sangüíneo (p. ex., alelos A e B) possuirão hemácias que expressam tanto osantígenos A como B.

1.2 A genética mendeliana ajuda a explicar a evoluçãodarwiniana

No início do século XX, não era evidente como as diferentes versões alélicas de um genesurgiam. Em princípio, essa variabilidade no conteúdo da informação parecia estar presenteno reservatório coletivo de genes de uma espécie desde seus remotos primórdios evolutivos.Essa percepção mudou apenas mais tarde, inicialmente nas décadas de 1920 e 1930, quandoficou evidente que a informação genética é corrompível; o conteúdo da informação nos tex-tos genéticos, como em todos os textos, pode ser alterado. Descobriu-se que as mutaçõeseram responsáveis pela mudança do conteúdo da informação de um gene, desse modo con-vertendo um alelo em outro ou criando um novo alelo a partir de um previamente difundidoem uma espécie. Um alelo presente na grande maioria dos indivíduos de uma espécie é geral-mente denominado tipo selvagem, implicando o termo que tal alelo, naturalmente presenteem um grande número de organismos aparentemente saudáveis, é compatível com a estrutu-ra e a função normais.

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As mutações alteram continuamente os genomas ao longo da expectativa de vida evolutiva deuma espécie, que geralmente se estende por milhões de anos. Elas atacam aleatoriamente ogenoma e os genes que o constituem. As mutações fornecem a uma espécie um método decontinuamente mexer com seu genoma, de experimentar novas versões de genes que ofere-cem a perspectiva de fenótipos novos e potencialmente melhorados. O resultado da contínuachuva de mutações sobre o genoma é o progressivo aumento, durante a história evolutiva deuma espécie, da diversidade genética de seus membros. Assim, o conjunto de alelos presentenos genomas de todos os membros de uma espécie – o reservatório de genes dessa espécie –se torna progressivamente mais heterogêneo à medida que a espécie envelhece.

Isso significa que espécies mais antigas transportam mais alelos diferentes em seus genomasdo que as mais jovens. Os humanos, que pertencem a uma espécie relativamente jovem(< 150.000 anos), possuem metade dos alelos e da diversidade genética dos chimpanzés, osquais, portanto, existem como espécie o dobro do tempo que nós.

A contínua diversificação de alelos no genoma de uma espécie, que ocorre por milhõesde anos, é contrabalançada, até certo ponto, pelas forças da seleção natural originalmen-te descritas por Charles Darwin. Alguns alelos de um gene podem conferir fenótiposmais vantajosos do que outros, de forma que os organismos individuais que carregamesses alelos vantajosos têm uma maior probabilidade de deixar descendentes, em maiornúmero, do que outros membros da mesma espécie que, por acaso, não carregam essesalelos. Conseqüentemente, a seleção natural resulta em um contínuo descarte de muitosalelos que foram gerados por mutações aleatórias. A longo prazo, sendo as condiçõesiguais, os alelos desvantajosos se perdem do reservatório de alelos transportados pelos

Figura 1.3 Alelos incompletamentedominantes Embora Mendel tenhaestudado uma série de genes quetransportam somente alelos dominantes erecessivos, muitos genes funcionam deforma mais complexa, de modo que ambosos alelos contribuem para o fenótipo – ofenômeno da dominância incompleta.Como aqui indicado, se bocas-de-leão quepossuem flores vermelhas e brancas foremcruzadas entre si, a descendência inicial nageração F1 desenvolverá flores rosas.Essas bocas-de-leão rosas sãogeneticamente heterozigotas, e se, comoaqui indicado, forem cruzadas entre si, nasegunda geração aparecerão homozigotosque, novamente, portarão flores vermelhasou brancas. (Adaptada de N. Campbell,Biology, 4th ed. San Francisco, CA: BenjaminCummings, 1996.)

GERAÇÃO P

GERAÇÃO F1

GERAÇÃO F2

gametas

gametas

vermelha

CRCR

CR

CR

CW

CW

branca

CWCW

rosa

CRCW

1/2

1/2 1/2

1/2 1/2

1/2

óvulos espermatozóides

CR

CR

CR

CR

CR

CR

CW

CW

CW

CW

CW

CW

A GENÉTICA MENDELIANA AJUDA A EXPLICAR A EVOLUÇÃO DARWINIANA / 5

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6 / CAPÍTULO 1 BIOLOGIA E GENÉTICA DE CÉLULAS E ORGANISMOS

MUTAÇÃO

fenótipo defeituoso

perda do alelo do reservatório de genes

incapacidade de competição do

organismo carregando o alelo mutante

DNA “lixo” seqüência

codificante

alelo defeituoso

mutação selecionada

MUTAÇÃO

nenhum efeito sobre o fenótipo

retenção no reservatório de genes

nenhuma redução da

capacidade de competição

DNA “lixo” seqüência

codificante

mutação neutra

(A)

(B)

112.92 Mb 112.93 Mb 112.94 Mb 112.95 Mb 112.96 Mb 112.97 Mb 112.98 Mb 112.99 Mb 113.00 Mb 113.100.00 Kbextensão

cDNAs humanos

membros de uma espécie, os alelos vantajosos aumentam seu número e a aptidão globalda espécie melhora substancialmente.

Hoje, um século depois da redescoberta de Mendel e que a genética mendeliana foi restaura-da, chegamos à percepção de que a grande massa da informação genética em nosso própriogenoma – na verdade, nos genomas de todos os mamíferos – não parece especificar o fenóti-po e, muitas vezes, não se associa a genes específicos. Considerando a descoberta, em 1944,de que a informação genética é codificada por moléculas de DNA, esses trechos “não-codifi-cantes” no genoma são geralmente chamados de DNA “lixo” (Figura 1.4). Somente cerca de1,5% do DNA genômico de um mamífero transporta informação de seqüência que codificaas estruturas das proteínas. Recentes comparações de seqüência dos genomas humano, decamundongo e de cachorro sugerem que outros ~2% codificam informações importantesque regulam a expressão gênica e que medeiam outras funções ainda pouco entendidas.

Como as mutações agem ao acaso sobre um genoma, alterando genes verdadeiros e o DNA “lixo”indiscriminadamente, a grande maioria das mutações altera a informação genética – seqüências de

Figura 1.4 Seqüências biologicamenteimportantes no genoma humano Ogenoma humano pode ser representadocomo um conjunto de ilhas relativamentepequenas de seqüências biologicamenteimportantes (~3,5% do genoma total;vermelho) que flutuam em meio a um marde DNA “lixo” (amarelo). A proporção deseqüências que carregam a informaçãobiológica foi bastante exagerada nestailustração.

Figura 1.5 Mutações neutras e evolução (A) As seqüências codificantes(vermelho) da maioria dos genes já foram otimizadas ao longo deextensos períodos do tempo evolutivo. Portanto, muitas mutações queafetam a seqüência de aminoácidos e, desse modo, a estruturaprotéica (esquerda) criam alelos que comprometem a capacidade desobrevivência do organismo. Por isso, esses alelos mutantes são maispropensos à eliminação do reservatório de genes da espécie. Emcontraste, mutações que atacam o DNA “lixo” (amarelo) não terão efeitosobre o fenótipo e são, portanto, em geral preservadas no reservatóriode genes da espécie. Isso explica por que, ao longo de extensosperíodos do tempo evolutivo, as seqüências de DNA codificantemudam lentamente, ao passo que as seqüências de DNA não-

codificante mudam muito mais rapidamente. (B) É representado omapa físico de um segmento de 0,1 megabase, aleatoriamenteescolhido, do Cromossomo 1 humano, do par de bases 112.912.286 aopar de bases 113.012.285. Quatro genes diferentes foram aquiencontrados. Cada um está separado em um pequeno número de ilhas(retângulos cheios pequenos), que especificam ou provavelmenteespecificam segmentos de moléculas de mRNA (i.e., éxons), e grandestrechos de seqüências intervenientes (i.e., íntrons), que não parecemespecificar informação biológica (veja a Figura 1.17). Como ficaevidente, grandes trechos da seqüência de DNA entre os genes não seencontram associados a nenhuma função biológica específica. (B,cortesia de The Wellcome Trust Sanger Institute.)

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DNA – que não tem efeito sobre o fenótipo celular ou do organismo. Essas mutações permane-cem fenotipicamente silenciosas e são consideradas, do ponto de vista da seleção natural, muta-ções neutras, não sendo nem vantajosas nem desvantajosas (Figura 1.5). Uma vez que os aleloscriados por essas mutações são silenciosos, sua existência não pôde ser reconhecida pelos primeirosgeneticistas, cujo trabalho dependia de fenótipos aferíveis. Contudo, com o advento das técnicasde seqüenciamento de DNA, ficou evidente que centenas de milhares, se não milhões, de muta-ções funcionalmente silenciosas se encontram espalhadas ao longo de todo o genoma de organis-mos como o homem. O genoma de cada ser humano carrega seu próprio arranjo único dessasalterações genéticas funcionalmente silenciosas. O termo polimorfismo foi originalmente usadopara descrever variações no aspecto e na forma que distinguem indivíduos normais de uma espécieentre si. Atualmente, os geneticistas usam o termo polimorfismos genéticos para descrever asdiferenças interindividuais e funcionalmente silenciosas na seqüência de DNA que tornam únicoo genoma de cada ser humano (Figura 1.6).

Durante o curso da evolução, os cerca de 3,5% do genoma que realmente codificam infor-mação biológica se comportam de forma muito diferente do DNA “lixo”. As seqüências deDNA “lixo” sofrem mutações que não têm efeito sobre a viabilidade de um organismo. Con-seqüentemente, inúmeras mutações nas seqüências não-codificantes do genoma de uma es-pécie sobrevivem em seu reservatório de genes e se acumulam progressivamente durante suahistória evolutiva. As mutações que afetam as seqüências codificantes, ao contrário, em gerallevam à perda de função e, como conseqüência, à perda da viabilidade do organismo; portan-to, tais mutações são eliminadas do reservatório de genes pela mão da seleção natural, expli-cando por que as seqüências genéticas que efetivamente especificam fenômenos biológicosem geral mudam muito lentamente durante longos períodos do tempo evolutivo (veja aBarra lateral 1.1).

1.3 A genética mendeliana rege o modo comoos genes e os cromossomos se comportam

Na primeira década do século XX, descobriu-se que as leis de Mendel da genética tinham umparalelo impressionante com o comportamento dos cromossomos, que estavam nessa épocasendo visualizados sob o microscópio óptico. Descobriu-se que tanto os genes de Mendelcomo os cromossomos estavam presentes aos pares. Logo ficou claro que um conjunto idên-tico de cromossomos está presente em quase todas as células de um organismo complexo.Descobriu-se que esse arranjo cromossômico, geralmente denominado cariótipo, se duplica-va toda vez que uma célula passava por um ciclo de multiplicação e divisão.

Os paralelos entre os comportamentos de genes e cromossomos levaram à especulação, logovalidada em centenas de diferentes formas, de que os misteriosos pacotes de informaçõesdenominados genes eram transportados pelos cromossomos. Percebeu-se que cada cromos-somo transporta seu próprio conjunto único de genes, em um arranjo linear. Hoje, sabemosque vários milhares de genes podem ser arranjados ao longo de um cromossomo mamífero.

Figura 1.6 Diversidade polimórfica no reservatório de genes humanos Como agrande maioria do DNA genômico humano não codifica informaçãobiologicamente importante (amarelo), ele tem evoluído relativamente rápido eacumulado muitas diferenças sutis nas seqüências – polimorfismos –, as quaissão fenotipicamente silenciosas (veja a Figura 1.5). Tais polimorfismos sãotransmitidos como alelos mendelianos, mas sua presença em um genomapode ser averiguada somente por meio de técnicas moleculares, comoseqüenciamento de DNA. Os pontos (verde) indicam onde a seqüência nessecromossomo difere da seqüência mais comum no reservatório de geneshumanos. Por exemplo, a seqüência predominante em um trecho de DNAcromossômico pode ser TAACTGG, enquanto a seqüência variante TTACTGGpode ser carregada por uma minoria de seres humanos, constituindo umpolimorfismo. A presença de um polimorfismo em um cromossomo, mas nãono outro, representa uma região de heterozigosidade, mesmo que um genevizinho (vermelho) esteja presente em versão alélica idêntica em ambos oscromossomos e esteja, portanto, em uma configuração homozigótica.

cromossomomaterno

cromossomo paterno

A GENÉTICA MENDELIANA REGE O MODO COMO OS CROMOSSOMOS SE COMPORTAM / 7

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8 / CAPÍTULO 1 BIOLOGIA E GENÉTICA DE CÉLULAS E ORGANISMOS

(Estimava-se, em certo estágio do seqüenciamento do genoma humano, que o Cromossomo1 humano – o maior do conjunto – continha 3.041 genes diferentes.) Na verdade, o tama-nho de um cromossomo, visto sob o microscópio, é aproximadamente proporcional ao nú-mero de genes que ele transporta.

Descobriu-se que cada gene se localiza em um sítio específico ao longo da extensão de umcromossomo específico. Esse sítio é freqüentemente denominado loco genético. Os geneti-cistas despenderam muitos esforços durante todo o século vinte para mapear os sítios dosgenes – locos genéticos – ao longo dos cromossomos de uma espécie (Figura 1.8).

Barra lateral 1.1 As forças evolutivas ditam que certos genes se-jam altamente conservados Muitos genes codificam característi-cas celulares essenciais à contínua viabilidade dacélula. Esses genes, como todos os outros no geno-ma, são suscetíveis à mão sempre ativa da muta-ção, que continuamente cria novas seqüências gê-nicas, ao mutar as que já existem. A seleção naturaltesta essas novas seqüências e determina se elas es-pecificam fenótipos mais vantajosos do que os pre-existentes. Quase invariavelmente, as seqüências degenes necessários à célula e, portanto, à viabilidadedo organismo, já foram otimizadas há centenas demilhões de anos. Por conseqüência, quase todas asmudanças que ocorrem subseqüentemente na in-formação da seqüência desses genes seriam deleté-rias e comprometeriam a viabilidade da célula e,por sua vez, do organismo. Esses alelos mutantesforam logo perdidos, porque os organismos mu-tantes que os continham não deixaram descenden-tes. Tal dinâmica explica por que as seqüências demuitos genes foram altamente conservadas ao lon-go de gigantescos períodos do tempo evolutivo.Dito mais corretamente, as estruturas de suas pro-teínas codificadas foram muito conservadas.

Na verdade, a grande maioria das proteínas pre-sentes em nossas próprias células e necessárias à viabi-lidade celular foi primeiramente desenvolvida duran-te a evolução dos eucariotos (células nucleadas) uni-celulares. Isso é comprovado por inúmeras observa-ções que mostram que nossas proteínas possuem equi-valentes claramente reconhecíveis em eucariotos uni-celulares, como a levedura do pão. Outro grande con-junto de genes e proteínas bastante conservadas podeser relacionado ao aparecimento dos primeiros ani-mais multicelulares (metazoários); esses genes possi-bilitaram o desenvolvimento de diferentes órgãos eda fisiologia dos organismos. Portanto, outro grandegrupo de nossos próprios genes e proteínas está pre-sente de forma equivalente em vermes e moscas (Fi-gura 1.7).

Na época em que o ancestral de todos os mamífe-ros apareceu pela primeira vez, há mais de 150 mi-lhões de anos, virtualmente todas as características bio-químicas e moleculares presentes nos mamíferos con-temporâneos já tinham se desenvolvido. O fato deelas terem mudado pouco no tempo intervenienteindica que sua otimização ocorreu muito antes do apa-recimento das várias ordens de mamíferos. Isso expli-ca por que a embriogênese, a fisiologia e a bioquími-ca de todos os mamíferos são muito semelhantes, tãosemelhantes a ponto de as lições aprendidas com o

Figura 1.7 A extraordinária conservação da função gênica O último ancestral comum amoscas e mamíferos viveu há mais de 600 milhões de anos. Além disso, os olhos damosca (i.e., um artrópode) e os olhos de um mamífero exibem arquiteturas totalmentediferentes. Entretanto, os genes que orquestram o desenvolvimento de olhos (eyeless,na mosca, Pax-6/small eye, no camundongo) são intercambiáveis. (A) Assim, oscomponentes das cascatas de transdução de sinal que operam downstream a essesreguladores mestres, para dar início ao desenvolvimento de olhos (preto para moscas,rosa para camundongos), também são altamente conservados e intercambiáveis. (B) Aexpressão do gene de camundongo Pax-6/small eye, como o gene eyeless deDrosophila, em um local inadequado (ectópico) em um embrião de mosca resulta nodesenvolvimento de um olho na perna da mosca, demonstrando a intercambialidadedos dois genes. (C) A conservação da função genética ao longo de enormesdistâncias evolutivas muitas vezes se manifesta nas seqüências de aminoácidos deproteínas homólogas. Aqui é apresentada a seqüência de aminoácidos de umaproteína humana, junto com as seqüências das proteínas correspondentes de duasespécies de leveduras, S. pombe e S. cerevisiae. (A, cortesia de I. Rebay; B, cortesiade Walter Gehring; C, de B. Alberts et al., Essential Cell Biology, 2nd ed. New York:Garland Science, 2004.)

(B)(A)

(C)

F G L A R A F G I P I R V Y T H E V V T L W Y R S P E V L L G SF G L A R S F G V P L R N Y T H E I V T L W Y R A P E V L L G SF G L A R A F G V P L R A Y T H E I V T L W Y R A P E V L L G G

humanoS. pombeS.cerevisiae

humanoS. pombeS.cerevisiae

humanoS. pombeS.cerevisiae

A R Y S T P V D I W S I G T I F A E L A T K L P L F H G D S E IR H Y S T G V D I W S V G C I F A E N I R R S P L F P G D S E IK Q Y S T G V D T W S I G C I F A E H C N R L P I F S G D S E I

D Q L F R I P R A L G T P N N E V W P E V E S L Q D Y K N T F PD E I F K I P Q V L G T P N E E V W P G V T L L Q D Y K S T F PD Q I F K I P R V L G T P N E A I W P D I V Y L P D F K P S F P

Twin of Eyeless/Pax-6

eyeless/Pax-6

dachshund/dach

sine oculis/sixeyes absent/eya 1-4

estudo de camundongos de laboratório serem quase sempre transferí-veis à compreensão da biologia humana.

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Page 9: Introdução a Biologia do cancer   cap 01

Descobriu-se que o estado genético diplóide que prevalece na maioria das células de todo ocorpo era infringido em um importante tipo de células – as células germinativas, o espermato-zóide e o óvulo. Essas células contêm uma única cópia de cada cromossomo e gene e são,portanto, chamadas de haplóides. Durante a formação das células germinativas nos testícu-los e ovários, cada par de cromossomos é separado, e um dos dois cromossomos (e assim osgenes associados) é escolhido ao acaso para ser incorporado no espermatozóide ou óvulo.Quando o espermatozóide e o óvulo subseqüentemente se combinam durante o processo defertilização, os dois genomas haplóides se fundem para produzir o novo genoma diplóide doóvulo fertilizado. Todas as células do organismo descendem diretamente de uma célula di-plóide e, se tudo der certo, herdam réplicas precisas de seu genoma diplóide. Em um organis-mo multicelular grande como o ser humano, isso significa que uma cópia completa do geno-ma está presente em quase todas as cerca de 3 × 103 células de todo o corpo!

A partir da compreensão de que os genes se situam nos cromossomos, e que um conjuntocompleto de cromossomos está presente em quase todos os tipos de células do corpo, veioainda outra conclusão que fora raramente observada: os genes agem de forma a criar osfenótipos de um organismo por meio de sua capacidade de agir localmente, ao influenciar ocomportamento de suas células individuais. A alternativa – de que um único conjunto degenes, situado em um sítio anatômico único no organismo, controla o desenvolvimento e afisiologia de todo o organismo – é hoje desacreditada.

Descobriu-se que a regra de cromossomos pareados e similares era infringida por algunscromossomos sexuais. Nas células das fêmeas dos mamíferos placentários (em que o desen-volvimento do embrião é mantido primariamente pela placenta), existem dois cromossomosX similares, os quais se comportam como os demais cromossomos das células das fêmeas – oscromossomos não-sexuais, freqüentemente chamados de autossomos. Porém, nos machos,um cromossomo X forma par com um cromossomo Y, o qual é menor e transporta umconjunto muito menor de genes. Em humanos, acredita-se que o cromossomo X carrega cercade 900 genes, em comparação com os 78 diferentes genes no cromossomo Y, os quais, devido àredundância, especificam somente 27 proteínas diferentes (Figura 1.9).

Essa assimetria na configuração dos cromossomos sexuais coloca os machos em desvantagembiológica. Muitos dos cerca de 900 genes no cromossomo X são vitais ao desenvolvimento eà função normal do organismo. A dupla redundância criada pelos cromossomos X pareados

Figura 1.8 Localização dos genes ao longodos cromossomos (A) A estrutura física doscromossomos de Drosophila pôde sermapeada tirando proveito dos cromossomosdas glândulas salivares da mosca, queexibem padrões de bandas resultantes daalternação de regiões cromossômicas claras(esparsas) e escuras (condensadas) (abaixo).Independentemente, cruzamentos genéticosindicaram as localizações cromossômicasrelativas de centenas de diferentes locosgenéticos ao longo de mapas genéticoslineares (acima). As localizações desseslocos foram depois alinhadas com mapasfísicos de bandas, como o aqui mostradopara o início do braço esquerdo doCromossomo 1 de Drosophila. (B) Adisponibilidade de sondas de DNA quehibridizam especificamente a vários genestorna hoje possível a localização de genes aolongo de um cromossomo pela marcação decada sonda com um corante fluorescenteespecífico ou uma combinação de corantes.Aqui, usando a técnica de hibridização in situpor fluorescência (FISH), em cromossomosem metáfase, seis diferentes genes foramlocalizados em vários sítios ao longo doCromossomo 5 humano. (Há dois pontospara cada gene porque os cromossomosestão presentes em forma duplicada durantea metáfase na mitose.) (A, cortesia de M.Singer e P. Berg, Genes and Genomes, MillValley, CA: University Science Books, 1991,como tirado de C. B. Bridges, J. Heredity26:60, 1935; B, cortesia de David C. Ward.)(A)

(B)

A GENÉTICA MENDELIANA REGE O MODO COMO OS CROMOSSOMOS SE COMPORTAM / 9

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10 / CAPÍTULO 1 BIOLOGIA E GENÉTICA DE CÉLULAS E ORGANISMOS

assegura uma biologia mais robusta. Se a cópia de um gene em um dos cromossomos X édefeituosa (i.e., um alelo mutante não-funcional), existem chances de que a segunda cópia dogene no outro cromossomo X continue a realizar a tarefa do gene, assegurando uma funçãobiológica normal. Os machos não possuem esse sistema genético a prova de falhas em seuscromossomos sexuais. Uma das conseqüências mais benignas desse fato é o daltonismo, que afetamachos freqüentemente e fêmeas com pouca freqüência, devido à localização, no cromossomo X,dos genes que codificam as proteínas que detectam as cores na retina. Contudo, essa disparidadeentre os gêneros é abrandada em certa extensão pela natureza (Barra lateral 1.2).

O daltonismo revela a vantagem de ter duas cópias gênicas redundantes a fim de assegurarque a função biológica seja mantida. Se uma cópia for perdida devido à inativação por muta-ção, a cópia gênica sobrevivente é muitas vezes capaz de especificar um fenótipo tipo selva-gem. Tal redundância funcional opera na grande maioria dos genes carregados pelos autosso-mos. Como veremos posteriormente, essa dinâmica executa um importante papel no desen-volvimento do câncer, uma vez que virtualmente todos os genes que operam na prevenção daproliferação fora de controle das células estão presentes em duas cópias redundantes em nos-sas células, as quais devem ser perdidas para que suas funções supressoras de crescimentosejam perdidas e ocorra a proliferação de células malignas.

1.4 Os cromossomos estão alterados na maioria dos tiposde células cancerosas

Os genes individuais são pequenos demais para serem vistos em um microscópio óptico, emutações sutis em um gene são ainda menores. Conseqüentemente, a maioria das mutações

p22.33

p22.31

p22.2

p22.12p22.11p21.3

p21.1

p11.4

p11.3

p11.22

q11.2

q13.1

q21.1

q21.31

q21.33

q22.1

q22.3

q23

q24

q25

q26.2q26.3

q27.3

q28

q12

p11.32p11.31

p11.2

q11.21

q11.221

q11.222

q11.223

q11.23

q12

cromossomoX

cromossomoX

cromossomoY

cromossomoY

genesconhecidos

genesconhecidos

(A)

(B) número de genes

Figura 1.9 Mapas físicos dos cromossomossexuais humanos (A) Os cromossomos X e Yhumanos, aqui mostrados em umamicrografia eletrônica de varredura, assimcomo os 22 autossomos (cromossomos não-sexuais) restantes, foram submetidos aseqüenciamento no Projeto do GenomaHumano. (B) Isso permitiu que os mapascitológicos destes cromossomos(determinados pelo exame microscópico decromossomos corados na metáfase) fossemcombinados com a seqüência detalhada doDNA. Observe que o braço curto de umcromossomo humano é o braço “p”,enquanto o braço longo é o braço “q”. Cadacromossomo foi dividido em regiões combase no padrão de bandas observado, ediferentes genes foram atribuídos a cadaregião cromossômica com base nas análisesde seqüências (histogramas à direita de cadacromossomo). Genes identificados sãobarras cheias (vermelho), enquantoseqüências que parecem codificar genesainda a ser identificados são barras abertas.O cromossomo Y humano tem ~57megabases (Mb) de extensão, ao passo queo cromossomo X tem ~155 Mb. (A, cortesiade Indigo® Instruments; B, cortesia de TheWellcome Trust Sanger Institute.)

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que desempenha um papel no câncer não pode ser visualizada por meio de um microscópio.Contudo, o exame dos cromossomos pelo microscópio óptico pode fornecer evidências dealterações em grande escala no genoma da célula. Na verdade, tais alterações foram observa-das já em 1914, especialmente nas células cancerosas.

Hoje sabemos que as células cancerosas freqüentemente apresentam cromossomos comestruturas aberrantes de vários tipos, perda de cromossomos inteiros, presença de cópiasextra de outros cromossomos e fusão do braço de um cromossomo com parte de outro.Essas mudanças na configuração cromossômica em geral ampliam nossa concepção decomo as mutações podem afetar o genoma: uma vez que alterações na estrutura cromos-sômica geral e no número também constituem tipos de mudanças genéticas, tais mudan-ças devem ser consideradas conseqüências das mutações (veja a Barra lateral 1.3). E, omais importante, os cromossomos aberrantes inicialmente vistos nas células cancerosasforneceram o primeiro indício de que essas células poderiam ser geneticamente aberran-tes, ou seja, de que eram mutantes.

A configuração normal dos cromossomos é geralmente denominada estado cariotípicoeuplóide. A euploidia implica que cada um dos autossomos está presente em pares nor-malmente estruturados, e que os cromossomos X e Y estão presentes em número apro-priado para o sexo do indivíduo que os carrega. Como mencionado anteriormente, adivergência do cariótipo euplóide – estado denominado aneuploidia – é observada emmuitas células cancerosas. Com freqüência, essa aneuploidia é uma mera conseqüênciado caos geral que prevalece em uma célula cancerosa. Porém, essa conexão entre aneu-ploidia e proliferação de células malignas também faz alusão a um tema ao qual retorna-remos repetidamente neste livro: a aquisição de cópias extra de um cromossomo ou aperda de outro pode criar uma configuração genética que de alguma maneira beneficia acélula cancerosa e seu programa de proliferação fora de controle.

1.5 As mutações que causam câncer ocorrem tantona linhagem germinativa como na somática

Como as mutações alteram o conteúdo da informação dos genes, os alelos mutantes de umgene podem ser passados do progenitor à descendência. Diz-se que essa transmissão de uma

Barra lateral 1.2 As células femininas podem obter informações apenas de cromossomos Xúnicos Na representação mais simples do comportamento dos cromossomos sexuais, cada célulamasculina depende da informação transportada por seu cromossomo X único, enquanto cadacélula feminina é capaz de consultar seus dois cromossomos X. Devido ao grande número degenes existente no cromossomo X, essa disparidade criaria diferenças fisiológicas substanciaisentre células masculinas e femininas, visto que as fêmeas expressariam geralmente em dobrocada um dos produtos especificados pelos genes em seus cromossomos X. Esse problema é resol-vido pelo mecanismo de inativação do X. Cedo na embriogênese, um dos dois cromossomos Xé inativado ao acaso em cada uma das células de um embrião feminino. Essa inativação ocasionao silenciamento funcional de quase todos os genes nesse cromossomo e a condensação dessecromossomo em uma pequena partícula denominada corpúsculo de Barr (Figura 1.10). Subse-qüentemente, todos os descendentes de uma célula que escolheu inativar um cromossomo Xespecífico herdarão tal padrão de inativação cromossômica e continuarão, portanto, a carregar omesmo cromossomo X inativado. Dessa maneira, a vantagem feminina de carregar cópias re-dundantes de genes associados ao cromossomo X é apenas parcial.

Figura 1.10 Cromossomos X como corpúsculos de Barr Um dos doiscromossomos X em cada célula é inativado ao acaso nas células de embriõesfemininos precoces, e permanece inativado em todos os descendentes lineares.Ele é visível nos núcleos interfásicos, nos quais permanece condensado eassociado à membrana nuclear (seta branca). (De B. P. Chadwick et al., Semin. CellDev. Biol. 14:359-367, 2003.)

AS MUTAÇÕES QUE CAUSAM CÂNCER AFETAM A LINHAGEM GERMINATIVA E SOMÁTICA / 11

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12 / CAPÍTULO 1 BIOLOGIA E GENÉTICA DE CÉLULAS E ORGANISMOS

1

2

34

56

78

9 10 1112

1314 15

16 1718

19 2021

22

x

y

50 milhões de

pares de

nucleotídeos1 µm

(B)

(C)

(D)

(A)

Barra lateral 1.3 As células cancerosas são geralmente aneuplóidesA presença de cromossomos com estruturas anormais e mudanças nonúmero cromossômico forneceram o primeiro indício, no início doséculo XX, de que mudanças no genótipo celular geralmente acom-

panham e talvez causem a proliferação descontrolada de células ma-lignas. Essas divergências do cariótipo euplóide normal podem serclassificadas em uma série de categorias. Cromossomos que parecemser estruturalmente normais podem se acumular em cópias extra, che-

Figura 1.11 Complementos cromossômicos normais e anormais(A) A coloração de cromossomos em metáfase revela um padrãocaracterístico de bandas claras e escuras para cada cromossomo.O arranjo completo dos cromossomos humanos é aqui indicadoesquematicamente. (B) As técnicas de análise espectral docariótipo (SKY) e hibridização in situ por fluorescência da banda M(mFISH) permitem a um especialista “pintar” individualmente cadacromossomo humano em metáfase com uma cor diferente (pelahibridização de sondas de DNA cromossomo-específicasmarcadas com vários corantes fluorescentes para oscromossomos). As cores reais, de imagens como essas, sãogeradas por computador. É apresentado o cariótipo diplóide deuma célula humana normal. (C) Cariótipo aneuplóide de uma célula

de câncer de mama humano, em que alguns cromossomos estãopresentes em número inadequado e em que translocações (trocasde segmentos entre cromossomos) são visíveis. (D) Aqui, usou-se atécnica de mFISH para marcar sub-regiões intracromossômicascom corantes fluorescentes específicos, mostrando que umagrande porção de um braço do Cromossomo 5 humano normal(direita) foi invertida (esquerda); estas são de uma célula de umoperário que havia sido exposto a plutônio na indústria de armasnucleares da antiga União Soviética. (A, adaptada de U. Francke,Cytogenet. Cell Genet. 31:24-32, 1981; B, de E. Schröck et al.,Science 273:494-497, 1996. © AAAS; C, cortesia de J. M. Davidsone P. A. W. Edwards; D, de M. P. Hande et al., Am. J. Hum. Genet.72:1162-1170, 2003.)

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(A)

(B)

(C)

(D)

1 2 3 4 5

6 7 8

13

19 20 21 22 Xmarcadores

14 15 16 17 18

9 10 11 12

hsr

Figura 1.12 Aumentos e decréscimos no número de cópias de segmentos cromossômicos (A)A coloração de Giemsa pode revelar mudanças no padrão normal de bandas das regiõescromossômicas. Uma região homogeneamente corada (HSR) ocorre devido a repetidos ciclosde reduplicação de um segmento cromossômico, produzindo muitas cópias enfileiradas dessesegmento e a concomitante amplificação (aumento) do número de cópias de seus genes. Vê-se, aqui, uma HSR observada em uma linhagem celular de carcinoma hepatocelular. (B)Cromossomos minutos duplos (DMs) derivam de segmentos cromossômicos que sequebraram de seus sítios originais e sofreram repetidas replicações como elementosextracromossômicos; assim como as cromátides de cromossomos normais, essas estruturassão duplicadas durante a metáfase da mitose. São mostradas células de câncer de mama decamundongo que apresentam cópias amplificadas do oncogene HER2/Neu localizadas emDMs (manchas amarelas) que não estão associados aos cromossomos (vermelho) nessascélulas. Os DMs foram detectados usando a técnica de FISH com uma sonda reativa contraesse oncogene. (C) Ocasionalmente, pode-se encontrar um gene amplificado tanto em umaregião homogeneamente corada (dentro de um cromossomo) como em minutos duplos. Aqui,a análise de células COLO320, uma linhagem de células de tumores neuroendócrinoshumanos, revela múltiplas cópias do oncogene myc (amarelo), que estudaremos no Capítulo 8,em meio aos cromossomos (vermelho). A seta indica uma HSR, enquanto muitas dúzias deDMs são evidentes. (D) O uso da técnica de mFISH revelou que um segmento dentro doCromossomo 5 humano normal (direita) foi deletado (uma deleção intersticial) após freqüenteexposição à radiação vinda de plutônio (setas emparelhadas, esquerda). (A, de J-M. Wen et al.,Cancer Genet. Cytogenet. 135:91-95, 2002; B, de C. Montagna et al., Oncogene 21:890-898,2002; C, de N. Shimizu et al., J. Cell Biol. 140:1307-1320, 1998; D, de M. P. Hande et al., Am. J.Hum. Genet. 72:1162-1170, 2003.)

gando a três, quatro ou mesmo mais cópias de cada cromossomo pornúcleo de célula cancerosa (Figura 1.11); tais divergências do númerocromossômico normal são manifestações de aneuploidia.Alternativamente, os cromossomos podem sofrer mudanças em suaestrutura. Um segmento pode ser separado de um braço cromossômi-co e se fusionar ao braço de outro cromossomo, resultando em umatranslocação cromossômica (Figura 1.11C). Alternativamente, seg-mentos cromossômicos podem ser trocados entre cromossomos dediferentes pares de cromossomos, resultando em translocações recí-procas. Um segmento cromossômico pode também se inverter, o quepode afetar a regulação de genes localizados perto de pontos de que-bra-e-fusão (Figura 1.11D).Um segmento de um cromossomo pode ser copiado muitas e muitasvezes, e as cópias extra resultantes podem se fusionar no sentido cabe-ça-cauda em longos arranjos dentro de um segmento cromossômico,o qual é denominado HSR (região homogeneamente corada; Figura

1.12A). Um segmento também pode ser clivado de um cromossomo,se replicar como uma entidade extracromossômica autônoma e au-mentar seu número de cópias por núcleo, resultando no aparecimen-to de fragmentos subcromossômicos denominados DMs (minutos du-plos; Figura 1.12B). Essas duas últimas alterações provocam o au-mento do número de cópias de genes existentes em tais segmentos,resultando em amplificação gênica. Às vezes, ambos os tipos de am-plificação coexistem na mesma célula (Figura 1.12C). As amplifi-cações gênicas podem favorecer a multiplicação das células cance-rosas pelo aumento do número de cópias de genes promotores decrescimento.Em alguns casos, certos genes inibidores de crescimento podem serdescartados pelas células cancerosas durante seu desenvolvimento. Porexemplo, quando um segmento no meio de um braço cromossômicoé descartado e as regiões cromossômicas flanqueadoras se unem, issoresulta em uma deleção intersticial (Figura 1.12D).

AS MUTAÇÕES QUE CAUSAM CÂNCER AFETAM A LINHAGEM GERMINATIVA E SOMÁTICA / 13

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14 / CAPÍTULO 1 BIOLOGIA E GENÉTICA DE CÉLULAS E ORGANISMOS

geração à seguinte, possível graças às células germinativas (espermatozóide e óvulo), ocorrevia linhagem germinativa. Significativamente, a transmissão, via linhagem germinativa, deum alelo mutante recentemente criado em um organismo à sua descendência pode ocorrersomente se uma pré-condição for obedecida: a mutação correspondente deve afetar um genecarregado no genoma de um espermatozóide ou óvulo ou no genoma de um dos tipos celu-lares que são precursores imediatos do espermatozóide ou óvulo dentro das gônadas. Asmutações que afetam os genomas de células em todas as outras partes do corpo – que consti-tuem o soma – podem muito bem afetar as células específicas nas quais tais mutações ocor-rem, mas não terão qualquer chance de transmissão à descendência do organismo. Tais mu-tações somáticas não podem ser incorporadas aos veículos da transmissão genética de gera-ção a geração – os cromossomos de espermatozóides e óvulos.

As mutações somáticas são de importância vital para o processo de formação do câncer.Como descrito repetidamente ao longo deste livro, uma mutação somática pode afetar ocomportamento da célula em que ocorre e pode, por meio de repetidos ciclos de multiplica-ção e divisão celular, ser passada a todas as células descendentes dentro de um tecido. Diz-seque esses descendentes diretos de uma única célula progenitora, os quais podem em últimaanálise ser em número de milhões ou mesmo bilhões, constituem um clone de células, emque a ancestralidade de todos os membros deste grupo de células remonta diretamente àcélula única em que a mutação originalmente ocorreu.

“Mãe” de Dolly

células preparadasda glândula mamária

núcleohaplóideremovidoóvulo

não-fertilizadode ovelha

óvuloanucleado

célula única preparada

ovoinduzido ase dividir

embriãotransferidoa útero desegundaovelha

embriãoprecoce nasce

Dolly

células fusionadaspor choque elétrico

Barra lateral 1.4 A clonagem reprodutiva demonstra a extraordinária eficiência da ma-quinaria de reparo A eficiência da complexa maquinaria que repara o DNA (veja o Capí-tulo 12), a resultante supressão de mutações somáticas e a conseqüente integridade dosgenomas das células somáticas foram demonstradas, de forma dramática, pelo sucesso daclonagem animal nos últimos anos. No caso bastante celebrado da ovelha Dolly, foramretiradas células do tecido mamário de sua “mãe”, removeram-se os núcleos dessas células,e esses núcleos foram, então, implantados em células-ovo (ovócitos) cujos núcleos haviamsido previamente eliminados. As células resultantes, que continham núcleos do doador ecitoplasma do óvulo do receptor, foram então induzidas à proliferação, para a formaçãode embriões (Figura 1.13). O fato de que uma ovelha (Dolly) essencialmente normalnasceu muitos meses depois, tendo se desenvolvido a partir de um desses embriões, de-monstrou que o genoma de uma das células da glândula mamária de sua mãe não carrega-va mutações que comprometessem o desenvolvimento embrionário normal.

A integridade implícita no genoma das células mamárias da mãe de Dolly chama a aten-ção para a vida da mãe, especificamente como ela se desenvolveu a partir de um embrião.Durante este desenvolvimento, o genoma do óvulo fertilizado destinado a se desenvolver den-tro da mãe de Dolly foi copiado e recopiado dezenas de vezes durante os ciclos de multiplica-ção e divisão celular que intervieram entre a formação inicial do óvulo fertilizado e a forma-ção, muitos meses depois, do tecido mamário materno. Esse processo de recópia, envolvendoa replicação de DNA e uma maquinaria de reparo que operaram para eliminar as seqüênciasde DNA mutante, foi altamente eficiente na preservação de um genoma intacto de célulasomática, o qual foi capaz de programar o desenvolvimento normal do organismo.

Figura 1.13 Clonagem e integridadegenômica No procedimento de clonagemreprodutiva, remove-se o núcleo de um óvulonão-fertilizado e, em seu lugar, é introduzido onúcleo de uma célula somática. Após, acélula diplóide resultante, formalmenteequivalente a um óvulo fertilizado, é induzidaà divisão, gerando um embrião que podeentão ser implantado no útero de uma mãeadotiva e pode se desenvolver em um recém-nascido. A geração bem-sucedida de umrecém-nascido saudável demonstra que acélula somática doadora carregava ogenoma da espécie em forma funcional eessencialmente intacta.

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Uma elaborada maquinaria de reparo celular dentro de cada célula continuamente monitorao genoma da célula e, com grande eficiência, remove e elimina seqüências mutantes, substi-tuindo-as por seqüências tipo selvagens adequadas (veja a Barra lateral 1.4; no Capítulo 12,examinaremos essa maquinaria de reparo em profundidade). Essa maquinaria mantém a in-tegridade genômica ao minimizar o número de mutações que atacam o genoma e são assimperpetuadas pela transmissão às células descendentes. Contudo, nenhum sistema de detecçãode danos e reparo é infalível. Alguns erros na seqüência genética escapam a seu exame minu-cioso, acabam se fixando no genoma da célula, são copiados em novas moléculas de DNA esão, dessa forma, transmitidos como mutações às células da progênie. Nesse sentido, muitasmutações que se acumulam no genoma representam conseqüências de omissões ocasionaisfeitas pela maquinaria de reparo. Todavia, outras são o resultado de danos catastróficos aogenoma, excedendo a capacidade da maquinaria de reparo.

1.6 O genótipo incorporado nas seqüências de DNAcria o fenótipo por meio das proteínas

Os genes estudados na genética mendeliana são essencialmente abstrações matemáticas. Agenética mendeliana explica sua transmissão, mas não esclarece como os genes criam os fenó-tipos celulares e do organismo. As características fenotípicas podem variar de traços compor-tamentais complexos e geneticamente moldados, à morfologia (aspecto, forma) de células eorganelas subcelulares e à bioquímica do metabolismo celular. Essa incógnita de como ogenótipo cria o fenótipo representou o principal problema da biologia do século XX. Naverdade, tentativas de estabelecer uma conexão entre os dois se transformaram na obsessão demuitos biólogos moleculares durante a segunda metade do século XX e assim continuam noséculo XXI, pois ainda possuímos um entendimento incompleto de como o genótipo in-fluencia o fenótipo.

A biologia molecular forneceu o arcabouço conceitual básico para o entendimento dessaconexão. Em 1944, provou-se que o DNA era a entidade química na qual a informaçãogenética das células é transportada. Nove anos depois, Watson e Crick elucidaram a estruturaem dupla hélice do DNA. Doze anos após isso, em 1965, ficou claro que as seqüências nasbases da dupla hélice do DNA determinam exatamente a seqüência de aminoácidos nasproteínas. A estrutura única e a função de cada tipo de proteína na célula são determinadaspor sua seqüência de aminoácidos. Portanto, a especificação da seqüência de aminoácidos,que é realizada pelas seqüências de bases no DNA, provê quase toda a informação necessáriaà construção de uma proteína.

Uma vez sintetizadas nas células, as proteínas continuam a criar o fenótipo, e o fazem devárias formas. Elas podem se agrupar dentro da célula e criar estruturas complexas, as quaissão, com freqüência, denominadas componentes da citoarquitetura celular ou, mais especi-ficamente, do citoesqueleto (Figura 1.14A, B). Quando secretada no espaço entre as células,a estrutura complexa é freqüentemente denominada matriz extracelular (ECM); ela liga ascélulas, permitindo-lhes formar tecidos complexos (Figura 1.14C, D). Como veremos poste-riormente, a estrutura da ECM é muitas vezes perturbada pelas células cancerosas malignas,permitindo-lhes migrar para locais dentro de um tecido e do organismo que são normalmen-te proibidos a elas.

Muitas proteínas funcionam como enzimas que catalisam as milhares de reações bioquímicas que,juntas, são denominadas metabolismo intermediário; sem a intervenção ativa das enzimas, pou-cas dessas reações ocorreriam espontaneamente. As proteínas também são capazes de se contrair ecriar movimentos celulares (mobilidade; Figura 1.15), bem como contração muscular. A mobili-dade celular também parece exercer um papel no desenvolvimento do câncer, ao permitir que ascélulas cancerosas se espalhem pelos tecidos e migrem para órgãos distantes.

E, o mais importante para o processo de formação do câncer, as proteínas podem levar sinaisentre as células, de modo a possibilitar que tecidos complexos mantenham os números ade-quados dos tipos celulares constituintes. No interior de células individuais, certas proteínas

AS SEQÜÊNCIAS DE DNA CRIAM O FENÓTIPO POR MEIO DAS PROTEÍNAS / 15

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16 / CAPÍTULO 1 BIOLOGIA E GENÉTICA DE CÉLULAS E ORGANISMOS

recebem sinais de uma fonte, processam esses sinais e passam-nos para outra proteína dentroda célula; tais funções de processamento de sinal, freqüentemente denominadas transduçãode sinal intracelular, também são essenciais à criação dos cânceres, uma vez que muitos fenó-tipos de multiplicação anormal das células cancerosas resultam do funcionamento aberrantede moléculas transdutoras de sinal intracelular.

A versatilidade funcional das proteínas torna evidente que quase todos os aspectos do fenóti-po da célula e do organismo podem ser criados pelas ações das proteínas. Uma vez percebidoisso, podemos descrever o genótipo e o fenótipo em termos moleculares mais simples: ogenótipo reside nas seqüências de bases no DNA, enquanto o fenótipo deriva das ações dasproteínas. (Na verdade, essa descrição é simplista, pois ignora o importante papel das molé-culas de RNA como intermediários entre as seqüências de DNA e a estrutura de proteínas, eas capacidades recentemente descobertas de certas moléculas de RNA de funcionar comoenzimas e como reguladores da expressão de certos genes.)

Nas complexas células eucarióticas dos animais, tal como nas células procarióticas mais sim-ples das bactérias, as seqüências de DNA são copiadas em moléculas de RNA no processodenominado transcrição; diz-se que um gene que está sendo transcrito é ativamente expres-so, ao passo que um gene que não está sendo transcrito é freqüentemente considerado repri-mido. Na versão mais simples da transcrição, a transcrição de um gene produz uma moléculade RNA de extensão comparável ao próprio gene. Uma vez sintetizadas, as seqüências debases na molécula de RNA são traduzidas pelas fábricas que sintetizam proteínas na célula,os ribossomos, em uma seqüência de aminoácidos. A macromolécula resultante, que podeter centenas ou mesmo milhares de aminoácidos de extensão, dobra-se em uma configuraçãotridimensional única e torna-se uma proteína funcional (Figura 1.16).

Figura 1.14 Estrutura intracelular eextracelular (A) O citoesqueleto é montadoa partir de complexas redes de filamentosintermediários, actina e microtúbulos.Juntos, eles geram o formato da célula epossibilitam seu movimento. (B) Aqui, umimportante filamento intermediário dascélulas epiteliais – queratina – é detectadousando um anticorpo antiqueratina-específico (verde). Os limites das célulassão marcados com um segundo anticorpo,que reage com uma proteína de membranaplasmática (azul). (C) As células secretamum conjunto diverso de proteínas, as quaisse agrupam na matriz extracelular (ECM).Uma micrografia eletrônica de varredurarevela a complexa malha de fibras decolágeno, glicoproteínas, hialuronano eproteoglicanos, em que estão incrustadosos fibroblastos (células do tecidoconjuntivo). (D) Célula da linhagem celularNIH 3T3, extensivamente usada na biologiade células cancerosas, em meio a umarede de fibras de fibronectina (verde) daECM. Os pontos de ligação celular àfibronectina são mediados por receptoresde integrina na superfície celular (laranja,amarelo). (A, cortesia de Colin Smith; B,cortesia de Kathleen Green e EvangelineAmargo; C, de T. Nishida et al., Invest.Ophthalmol. Vis. Sci. 29:1887-1890, 1988.© Association for Research in Vision andOphthalmology; D, de E. Cukierman et al.,Curr. Opin. Cell Biol. 14:633-639, 2002.)

(A)

(C) (D)

(B)

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A modificação pós-traducional da proteína inicialmente sintetizada pode resultar na ligaçãocovalente de certos grupos químicos a resíduos específicos de aminoácidos na cadeia protéi-ca; entre essas modificações estão, notavelmente, fosfatos, cadeias laterais de açúcares com-plexos e grupos acetato (veja a Barra lateral 1.5). Uma igualmente importante modificaçãopós-traducional envolve a clivagem de uma proteína por uma segunda proteína denominadaprotease, que tem a capacidade de cortar cadeias de aminoácidos em certos sítios. Portanto,a forma final e madura de uma cadeia protéica pode conter muito menos resíduos de aminoá-cidos do que os presentes na proteína inicialmente sintetizada. Em seguida à sua síntese,muitas proteínas são enviadas a locais específicos dentro da célula ou são exportadas da célulavia processo de secreção.

Figura 1.15 Motilidade da célula (A) Omovimento de células individuais pode serobservado em uma placa de cultura, emque suas localizações são traçadas emintervalos e eletronicamente marcadas.Essa imagem traça o movimento de umacélula endotelial vascular humana (o tipocelular que forma o revestimento dos vasossangüíneos) em direção a dois compostosatrativos localizados na parte de baixo –fator de crescimento endotelial vascular(VEGF) e esfingosina-1-fosfato (S1P).Supõe-se que tal locomoção seja crítica àformação de novos vasos sangüíneosdentro de um tumor. Cada ponto representauma posição registrada em intervalos de 10min. Essa motilidade é possível graças acomplexas redes de proteínas que formamos citoesqueletos das células. (B) Aqui vê-se a rede de filamentos de actina agrupadana extremidade líder de uma célula móvel.(C) A célula avançando é um queratócito depeixe; sua extremidade líder (verde) éempurrada para a frente pela rede defilamentos de actina. (A, cortesia de C.Furman e F. Gertler; B e C, de T. Svitkina eG. Borisy, J. Cell Biol. 145:1009-1026, 1999.© The Rockefeller University Press.)

Figura 1.16 Estruturas de proteínas egrupos multiprotéicos (A) A estruturatridimensional de parte da fibronectina, umaimportante proteína de matriz extracelular(veja a Figura 1.14), pode ser representadacomo um diagrama de fitas (esquerda), queilustra o caminho tomado pela cadeia deaminoácidos que compõe essa proteína;alternativamente, em um modelo de espaçopreenchido (direita), são indicadas asposições dos átomos individuais. Umdomínio de fibronectina é composto dequatro diferentes domínios, similarmenteestruturados, os quais são mostrados emcores diferentes. (B) As fibras de actina(esquerda), que constituem um importantecomponente do citoesqueleto (veja asFiguras 1.14 e 1.15), são compostas degrupos de moléculas protéicas individuais,cada qual ilustrado como um diferentecorpo de dois lóbulos (direita). (A, adaptadode D. J. Leahy, I. Aukhil e H. P. Erickson, Cell84:155-164, 1996; B, (esquerda) cortesia deRoger Craig, (direita) de B. Alberts et al.,Molecular Biology of the Cell, 4th ed. NewYork: Garland Science, 2002.)

(C)

(A)

(B)

(A) (B)

37 nm

moléculas de actina

50 nm

AS SEQÜÊNCIAS DE DNA CRIAM O FENÓTIPO POR MEIO DAS PROTEÍNAS / 17

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Nas células eucarióticas – o principal assunto deste livro – a síntese de RNA é um processocomplexo por si só. Uma molécula de RNA transcrita a partir de seu gene parental podeinicialmente ser tão extensa quanto o gene. Contudo, logo após sua síntese, segmentos damolécula de RNA, alguns muito pequenos e outros imensos, serão clivados da moléculainicialmente sintetizada. Esses segmentos, denominados íntrons, são logo desprezados e, con-seqüentemente, não têm impacto sobre a subseqüente capacidade codificante da molécula de

Figura 1.17 Processamento de pré-mRNA(A) Ao sintetizar uma cópia de RNAcomplementar a uma das duas fitas deDNA de um gene, a RNA polimerase II criauma molécula de RNA nuclear heterogêneo(hnRNA) (vermelho e azul). As moléculas dehnRNA que são processadas em mRNAssão denominadas pré-mRNA. A remoçãoprogressiva dos íntrons (vermelho) leva aum mRNA processado contendo apenaséxons (azul). (B) Uma dada molécula depré-mRNA pode ser processada de váriasformas alternativas, gerando diferentesmRNAs, que podem codificar diferentesmoléculas protéicas. Estão aqui ilustradosos padrões de splicing alternativo tecido-específico da molécula de pré-mRNA da α-tropomiosina, cujos produtos de mRNAespecificam importantes componentes dacontratilidade (e, portanto, dos músculos)celular. Neste caso, os íntrons sãoindicados como sinais de interpolaçãopretos, enquanto os éxons são indicadoscomo retângulos azuis. (B, adaptado de B.Alberts et al., Molecular Biology of the Cell,4th ed. New York: Garland Science, 2002.)

RNA polimerase II

processo detranscrição

RNA crescente(nascente)

DNA

extremidade5’

extremidade3’

éxon

éxon

éxon éxon éxon

éxon éxon

éxon éxoníntron

íntron

íntron

transcrito de hnRNA

PRIMEIROPROCESSAMENTO

íntrondesprezado

íntrondesprezado

SEGUNDOPROCESSAMENTO

EXPORTAÇÃOAO CITOPLASMA

ASSOCIAÇÃO ARIBOSSOMOSPARA TRADUÇÃO

mRNA

mRNA

Fase de leitura

proteína recém-sintetizada liberadano citoplasma

5´ 3´

5´ 3´

5´ 3´

5´ 3´

mRNA de músculo liso

5´ 3´ mRNA de cérebro

mRNA de músculo estriado

(A)

(B)

mRNA de fibroblasto

mRNA de fibroblasto

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RNA (Figura 1.17). (Na verdade, essa edição das seqüências de uma molécula de RNA podeocorrer enquanto ela ainda está sendo sintetizada em seu molde de DNA.)

Existem, flanqueando cada íntron, duas seqüências retidas, os éxons, os quais são fusionadosdurante esse evento de splicing. A molécula de RNA inicialmente sintetizada e seus derivadosencontrados em vários estágios do splicing, juntamente com transcritos de RNA nuclear sen-do processados de outros genes, constituem, coletivamente, o hnRNA (RNA nuclear hetero-gêneo). O produto final dessas modificações pós-transcricionais pode ser uma molécula deRNA que é somente uma pequena fração da extensão de seu precursor de hnRNA inicial-mente sintetizado. É provável que essa molécula final de RNA maduro seja exportada aocitoplasma, no qual, como uma molécula de mRNA (RNA mensageiro), serve de molde aosribossomos que reúnem os aminoácidos que formam as proteínas. (O termo pré-mRNAs émuitas vezes usado para designar aqueles hnRNAs que, sabe-se, são precursores de RNAscitoplasmáticos.) Alguns mRNAs maduros podem ter menos de 1% da extensão de seu pre-cursor de pré-mRNA. A complexidade da modificação pós-transcricional do RNA e da mo-dificação pós-traducional das proteínas gera um enorme conjunto de diferentes espécies pro-téicas dentro da célula (Barra lateral 1.5).

1.7 Os padrões de expressão gênica também controlamo fenótipo

Os cerca de 22.000 genes no genoma mamífero, atuando de forma combinatória nas célulasindividuais, podem criar os extraordinariamente complexos fenótipos do corpo de um mamífero.Um objetivo central da biologia do século XXI é relacionar o funcionamento desse grande reper-tório de genes com a fisiologia do organismo, a biologia do desenvolvimento e o desenvolvimentodas doenças. A complexidade desse problema é ilustrada pelo fato de que existem pelo menosvárias centenas de diferentes tipos celulares dentro do corpo de um mamífero, cada um com seupróprio comportamento, seu próprio metabolismo distinto e sua própria fisiologia.

Essa complexidade é adquirida durante o processo de desenvolvimento do organismo, e seu estu-do é o campo de ação dos biólogos do desenvolvimento. Eles se debatem com um problema que

Barra lateral 1.5 Quantas proteínas diferentes podem ser encontra-das no corpo humano? Embora alguns tenham se arriscado a estabe-lecer estimativas do número total de genes humanos (um pouco maisde 22.000), é difícil extrapolar desse número para o número total dediferentes proteínas codificadas no genoma humano. A estimativa maissimples parte da premissa de que cada gene codifica a estrutura deuma única proteína. Mas essa é uma suposição ingênua, pois ignora ofato de que o transcrito de pré-mRNA derivado de um único genepode ser submetido a vários padrões de splicing alternativo, gerandomRNAs múltiplos e diferentemente estruturados, muitos dos quaispodem, por sua vez, codificar proteínas distintas (veja a Figura 1.17).Assim, em algumas células, o splicing pode incluir certos éxons namolécula de mRNA final a partir de um gene, enquanto em outrascélulas esses éxons podem estar ausentes. Tais padrões de splicing al-ternativo podem gerar mRNAs que possuem estruturas e seqüênciascodificadoras de proteínas muito diferentes. Em um caso admitida-mente extremo, descobriu-se que um único gene de Drosophila é ca-paz de gerar 38.016 diferentes mRNAs, e, portanto, proteínas, pormeio de vários splices alternativos de seu pré-mRNA; é provável quegenes que possuem padrões de splicing alternativo similarmente com-plexos também existam em nosso próprio genoma.

Uma outra dimensão da complexidade deriva das modificaçõespós-traducionais das proteínas. As proteínas exportadas à superfície

celular ou liberadas em forma solúvel no espaço extracelular são ge-ralmente modificadas pela ligação de complexos ramos de moléculasde açúcar durante o processo de glicosilação. As proteínas intracelu-lares freqüentemente sofrem outros tipos de modificações químicas.As proteínas envolvidas na transdução dos sinais que regem a prolife-ração celular com freqüência sofrem fosforilação pela ligação cova-lente de grupos fosfato a resíduos dos aminoácidos serina, treoninaou tirosina. Similarmente, as histonas que enrolam o DNA e contro-lam seu acesso às RNA polimerases (que sintetizam hnRNA) estãosujeitas à acetilação, bem como a modificações pós-traducionais maiscomplexas.

As cadeias polipeptídicas que formam as proteínas também po-dem sofrer clivagem em sítios específicos logo após seu agrupamentoinicial, muitas vezes gerando pequenas proteínas com funções nãoaparentes nas proteínas precursoras não-clivadas. Posteriormente, des-creveremos como certos sinais podem ser transmitidos através da cé-lula via uma cascata de enzimas que clivam proteínas denominadasproteases. Nesses casos, a proteína A pode clivar a proteína B, ativan-do sua atividade de protease previamente latente; uma vez ativada, aproteína B pode clivar a proteína C, e assim por diante. Em conjunto,o splicing alternativo e as modificações pós-traducionais das proteínasgeram muito mais diferentes moléculas de proteínas do que o núme-ro aparente de genes no genoma humano.

AS SEQÜÊNCIAS DE DNA CRIAM O FENÓTIPO POR MEIO DAS PROTEÍNAS / 19

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é inerente à organização de todos os organismos multicelulares. Todas as células no corpo de umanimal são descendentes lineares de um óvulo fertilizado. Além disso, quase todas as células carre-gam genomas que são cópias razoavelmente precisas do genoma inicialmente presente nesse óvulofertilizado (veja a Barra lateral 1.4). O fato de que as células de todo o corpo são fenotipicamentebastante distintas umas das outras (p. ex., uma célula de pele versus uma célula de cérebro), embo-ra sejam geneticamente idênticas, cria esse problema central à biologia do desenvolvimento: comoesses vários tipos celulares adquirem diferentes fenótipos, se eles carregam matrizes genéticas idên-ticas? A resposta, documentada em milhares de formas durante as três décadas passadas, está naleitura seletiva do genoma por diferentes tipos celulares (Figura 1.18).

À medida que as células no embrião precoce passam por repetidos ciclos de crescimento edivisão, células localizadas em diferentes partes do embrião começam a assumir fenótiposdistintos, sendo esse o processo de diferenciação. As células em diferenciação se tornamcomprometidas a formar um tipo de tecido em vez de outro – por exemplo, intestino emoposição a sistema nervoso. Ao mesmo tempo, elas mantêm o mesmo conjunto de genes. Taldiscrepância leva a uma conclusão simples: mais cedo ou mais tarde, a diferenciação deve serentendida no sentido dos conjuntos de genes que são expressos (i.e., transcritos) em algumascélulas, mas não em outras.

Ao ser expresso em um tipo celular particular, um conjunto de genes dita a síntese de umacorte de proteínas que colaboram para criar um fenótipo celular específico. Conseqüente-

Figura 1.18 Exame global de arranjos deexpressão gênica O desenvolvimento dosmicroarranjos de expressão gênica tornoupossível o exame dos níveis de expressãode centenas, e mesmo milhares, de genesdentro de um dado tipo de célula. Nestaimagem, níveis de expressão acima damédia são indicados como pequenasbarras vermelhas, enquanto níveis abaixoda média são indicados como pequenasbarras verdes. Os mRNAs de 142 diferentestumores humanos (arranjados da esquerdapara a direita) foram analisados. Em cadacaso, mediram-se os níveis de expressãode 1.800 genes humanos selecionados (decima para baixo). Cada classe de tumorestem seu espectro característico de genesexpressos. Neste caso, um tumor de tipodesconhecido (marca amarela) foiconsiderado um câncer de pulmão, poisseu padrão de expressão gênica era similaraos de uma série de cânceres de pulmãoidentificados. (Cortesia de P. O. Brown, D.Botstein e The Stanford ExpressionCollaboration.)

próstata pulmão cérebro renal ovariano mama fígado

estômagoleucemia

tipo de câncer

gen

es

desconhecido

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mente, o fenótipo de cada tipo de célula diferenciada no corpo deve, em princípio, ser com-preensível em termos do subconjunto específico de genes expresso naquele tipo celular.

Os genes nas células mamíferas podem ser agrupados em duas classes gerais – os genes hou-sekeeping e os tecido-específicos. Muitos genes codificam proteínas universalmente requeri-das para manter a viabilidade de todos os tipos celulares em todo o corpo ou para desempe-nhar certas funções biológicas comuns a todos os tipos celulares. Esses genes expressos emcomum são classificados como genes housekeeping. Em um dado tipo celular diferenciado, osgenes housekeeping representam a grande maioria dos genes expressos.

Uma minoria de genes dentro de uma célula diferenciada – os genes tecido-específicos –se dedica à produção de proteínas e, portanto, fenótipos especificamente associados aessa célula diferenciada. É possível, por exemplo, que dentro de um dado tipo celulardiferenciado, 10.000 a 15.000 genes housekeeping sejam expressos, ao passo que menosde 1.000 genes tecido-específicos sejam responsáveis pelas características distintas e dife-renciadas da célula. Por dedução, em cada tipo de célula diferenciada, uma proporçãosignificativa dos cerca de 20.000 genes no genoma não é expressa, uma vez que eles nãosão necessários nem ao programa específico de diferenciação da célula nem para propó-sitos de sua manutenção geral.

1.8 Os fatores de transcrição controlam a expressão gênica

A descrição anterior da diferenciação torna claro que grandes grupos de genes devem sercoordenadamente expressos, enquanto outros genes devem ser reprimidos, a fim de que ascélulas exibam fenótipos complexos e tecido-específicos. Essa coordenação da expressão étarefa dos fatores de transcrição (TFs). Essas proteínas se ligam a seqüências específicas deDNA presentes na região de controle de cada gene e determinam se o gene será ou nãotranscrito. O trecho específico de seqüência de nucleotídeos ao qual os TFs se ligam, freqüen-temente chamado de motivo de seqüência, costuma ser bastante curto, tendo tipicamente 5a 10 nucleotídeos de extensão. De forma ainda não completamente compreendida no nívelmolecular, alguns TFs dão à enzima RNA polimerase, responsável pela execução da transcri-ção, acesso a um gene. Porém, outros TFs podem bloquear tal acesso e, assim, garantir queum gene seja transcricionalmente reprimido.

A região de controle dentro de um gene contém uma série de seqüências curtas de nucleotí-deos de DNA reconhecidas por alguns fatores de transcrição especializados, que passam a seligar a elas e, então, a exercer controle sobre o processo de transcrição (Figura 1.19). Portan-to, a presença ou ausência dessas seqüências curtas de DNA (muitas vezes denominadasestimuladoras) determina se um fator de transcrição pode ou não se ligar à região de controlede um gene e impor controle. Em geral, as seqüências de controle se situam imediatamenteupstream ao sítio, dentro do gene, em que começa a transcrição. Além disso, uma regiãodefinida próxima ao sítio de início da transcrição, denominada promotor, está ligada à RNApolimerase e é um agrupamento de fatores de transcrição gerais. Por conseguinte, um genepode ser separado em duas regiões funcionalmente significativas – as seqüências de controlenão-transcritas e as seqüências transcritas, representadas pelas moléculas de pré-mRNA emRNA. Em muitos genes, contudo, seqüências estimuladoras também podem estar espalha-das dentro da região transcrita do gene, com freqüência em íntrons.

Os fatores de transcrição podem exercer muito poder, visto que um único TF pode si-multaneamente afetar a expressão de um grande conjunto de genes responsivos downs-tream, cada um carregando, em seu promotor, as seqüências de reconhecimento (umestimulador) para o fator em questão. A capacidade de um único TF (ou de um únicogene que especifica esse TF) de produzir mudanças múltiplas dentro de uma célula ouum organismo é geralmente denominada pleiotropia. No caso das células cancerosas,um TF que atua pleiotropicamente e esteja funcionando mal pode orquestrar, de formasimultânea, a expressão de um grande conjunto de genes responsivos que, juntos, pas-sam a criar o fenótipo da célula cancerosa.

OS FATORES DE TRANSCRIÇÃO CONTROLAM A EXPRESSÃO GÊNICA / 21

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A transcrição da maioria dos genes depende das ações de vários TFs distintos, que devem seacomodar juntos, cada um em seu sítio de seqüência apropriado (i.e., estimulador) ou próxi-mo do promotor do gene, e colaborar para ativar a expressão gênica. Essas interações injetamoutro elemento em nosso modo de pensar – que a expressão de um gene é, na maioria dasvezes, resultado das ações combinatórias de vários TFs. Portanto, a expressão coordenada demúltiplos genes dentro de uma célula, muitas vezes chamada de seu programa de expressãogênica, depende das ações de múltiplos TFs atuando de forma combinada sobre um grandenúmero de promotores gênicos.

1.9 Os metazoários são formados por componentes conservadosdurante imensos períodos do tempo evolutivo

Essas descrições da biologia celular, da genética e da evolução são em parte informadas pornosso conhecimento da história da vida na Terra. Os metazoários provavelmente surgiramsomente uma vez durante a evolução da vida nesse planeta, talvez há 700 milhões de anos.Uma vez desenvolvidos os principais mecanismos que governam sua genética, bioquímica edesenvolvimento embrionário, esses mecanismos permaneceram predominantemente inalte-rados nos organismos descendentes até o presente. Esse compartilhamento de característicasconservadas entre vários filos animais tem profundas conseqüências para a pesquisa do cân-cer, visto que se provou que muitas lições aprendidas a partir do estudo de organismos maisprimitivos, mas geneticamente maleáveis, como moscas e vermes, são diretamente transferí-veis à nossa compreensão de como os tecidos mamíferos, incluindo os de humanos, se desen-volvem e funcionam.

Após examinar os diversos organismos agrupados dentro da classe dos mamíferos, descobre-se que as diferenças na bioquímica e biologia celular são mínimas. Por essa razão, ao longodeste livro, nos moveremos sem esforço, de lá para cá, entre a biologia de camundongos e abiologia de humanos, tratando-as como se fossem essencialmente idênticas. Ocasionalmen-te, quando diferenças espécie-específicas forem importantes, essas serão ressaltadas.

Os complexos circuitos de sinalização que operam dentro das células parecem estar organiza-dos de modo virtualmente idêntico nas células de todos os tipos de mamíferos. Ainda maisespetacular é a intercambialidade das partes componentes. É raro que uma proteína humananão funcione no lugar de sua proteína ortóloga equivalente (veja a Barra lateral 1.6) em célu-las de camundongo. No caso de muitos tipos de proteínas, essa conservação tanto de estrutu-ra como de função é tão profunda que as proteínas podem ser trocadas entre organismosseparados por distâncias evolutivas ainda maiores. Um exemplo impressionante disso, ante-riormente mencionado (veja a Figura 1.7), é dado pelo gene e, portanto, pela proteína queespecifica a formação de olhos em mamíferos e em moscas.

fatores de

transcrição gerais

RNA polimerase II

direção 5’ a 3’

da transcrição

região de controle

do gene

região transcrita do gene

transcrito de RNA

TATA

fatores de transcrição

especializados proteínas

reguladoras gênicassítio de início

da transcrição

DNA espaçador

gene X

estimuladorestimuladorestimulador

Figura 1.19 Regulação da expressãogênica A região de controle de um geneinclui segmentos específicos de DNA(verde-claro), aos quais se ligam proteínasreguladoras gênicas conhecidas comofatores de transcrição (TFs), geralmentecomo complexos multiprotéicos. Alémdisso, o promotor do gene (verde-escuro,amarelo) contém seqüências às quais aRNA polimerase II (pol II) pode se ligar comfatores de transcrição gerais associados.Os fatores de transcrição ligados podeminfluenciar a estrutura da cromatina(notavelmente as histonas, que empacotamo DNA cromossômico), criando umambiente localizado que permite à pol IIiniciar e estender um transcrito de RNA(seta azul). (Os fatores de transcriçãogerais estão envolvidos na inicialização datranscrição de muitos genes ao longo dogenoma, enquanto os fatores detranscrição especializados estão envolvidosna regulação da expressão de pequenossubconjuntos de genes.) Algumasseqüências reguladoras (às vezesdenominadas estimuladoras) podem estarlocalizadas dentro da região transcrita deum gene. (De B. Alberts et al., MolecularBiology of the Cell, 4th ed. New York:Garland Science, 2002.)

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1.10 As técnicas de clonagem gênica revolucionaram o estudo dascélulas normais e malignas

Até a metade da década de 1970, a análise molecular dos genes de mamíferos estava emgrande parte confinada aos genomas de vírus de tumor de DNA, vírus descritos posterior-mente, no Capítulo 3. Esses vírus possuem genomas relativamente simples, que se acumulamem alto número de cópias (i.e., número de moléculas) por célula. Isso possibilitou que osbiólogos prontamente purificassem e estudassem a estrutura detalhada e o funcionamentodos genes virais, que operam de forma muito semelhante aos genes das células hospedeirasem que tais vírus se multiplicavam. Em contraste, a análise molecular dos genes celulares eraessencialmente impossível, uma vez que há muitos deles (dezenas de milhares por genomahaplóide) e eles estão incrustados em um genoma de complexidade intimidante (~3,2 bilhõesde pares de bases de DNA por genoma celular haplóide).

Tudo isso mudou com o advento da clonagem gênica. Daí em diante, os genomas celularespuderam ser fragmentados e usados para criar coleções de fragmentos de DNA conhecidascomo bibliotecas genômicas. Várias técnicas de hibridização de DNA puderam então serusadas para identificar os fragmentos genômicos dentro dessas bibliotecas, que eram de espe-cial interesse ao experimentador, em particular o fragmento de DNA que carregava parte deou todo um gene em estudo. A recuperação de tal fragmento da biblioteca e a amplificaçãodesse fragmento recuperado em milhões de cópias idênticas gerava um fragmento de DNApurificado e clonado, e, assim, um gene clonado (Figura 1.21).

Barra lateral 1.6 Ortólogos e homólogos Todos os vertebrados supe-riores (aves e mamíferos) parecem ter números comparáveis de genes– na faixa de 25.000. Além disso, quase todo gene presente no geno-ma de aves parecer ter um equivalente intimamente relacionado nogenoma humano. A correspondência entre os genes de camundongoe humanos é ainda maior, devido ao parentesco evolutivo mais próxi-mo dessas duas espécies de mamíferos.

Dentro do genoma de qualquer espécie única, existem genes cla-ramente relacionados um ao outro quanto a seu conteúdo de infor-mação e às estruturas relacionadas das proteínas que especificam. Taisgenes formam uma família gênica. Por exemplo, o grupo de genes nogenoma humano que codifica as globinas constitui um grupo dessetipo. É evidente que esses genes relacionados surgiram em algum pontodo passado evolutivo através de ciclos repetidos do processo em queum gene existente é duplicado, seguido pela divergência, uma da ou-tra, das duas seqüências de nucleotídeos duplicadas (Figura 1.20).Diz-se que genes relacionados um ao outro dentro do genoma deuma mesma espécie ou genes relacionados um ao outro nos genomas

de duas espécies distintas são homólogos um ao outro. Muitas vezes,o equivalente preciso de um gene no homem pode ser encontrado nogenoma de outra espécie. Diz-se que esses dois genes intimamenterelacionados são ortólogos um do outro. Assim, o equivalente preciso– o ortólogo – do gene c-myc em humanos é o gene c-myc em gali-nhas. Na medida em que existem outros genes semelhantes a myctransportados pelo genoma humano (p. ex., N-myc e L-myc), os últi-mos são membros da mesma família gênica, como c-myc, mas não sãoortólogos um do outro ou do gene c-myc de galinhas.

Ao longo deste livro, iremos freqüentemente nos referir a genessem fazer referência à espécie da qual foram isolados. Faz-se isso cons-cientemente, uma vez que, na grande maioria dos casos, o funciona-mento de um gene de camundongo (e da proteína codificada) é indis-tinguível daquele de seu ortólogo humano ou de galinhas.

Figura 1.20 Desenvolvimento evolutivo de famílias gênicas A evoluçãoda complexidade dos organismos foi possível, em parte, pelodesenvolvimento de proteínas crescentemente especializadas. Novasproteínas são “inventadas” em grande parte por um processo deduplicação gênica, seguido pelas evoluções separadas e divergentesdos dois genes resultantes. Repetidos ciclos de tais duplicaçõesgênicas seguidos de divergência levaram ao desenvolvimento de umgrande número de famílias multigênicas. Durante a evolução dosvertebrados, um gene ancestral de globina, aqui mostrado, quecodificava a proteína componente da hemoglobina, foi repetidamenteduplicado, levando a um grande número de diferentes genes deglobina no moderno genoma dos mamíferos, os quais estão presentesem dois cromossomos humanos. Como essas globinas possuemdiferentes seqüências de aminoácidos, cada uma pode servir a umafunção fisiológica específica. (De B. Alberts et al., Essential CellBiology, 2nd ed. New York: Garland Science, 2004.)

cromossomo16

cromossomo11

váriosgenes α ε γG γA δ β

100

300

500

700

fetalβ

adultoβ

α β

evento de quebracromossômicaseparando osgenes α e β

globina decadeia única

milh

ões d

e a

no

s a

trá

s

OS COMPONENTES DOS METAZOÁRIOS SÃO ALTAMENTE CONSERVADOS / 23

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Page 24: Introdução a Biologia do cancer   cap 01

24 / CAPÍTULO 1 BIOLOGIA E GENÉTICA DE CÉLULAS E ORGANISMOS

Contudo, outras técnicas foram usadas para gerar cópias de DNA dos mRNAs que são sinte-tizados no núcleo e exportados ao citoplasma, no qual servem de moldes para a síntese deproteínas. A descoberta da enzima transcriptase reversa (RT, veja a Barra lateral 3.1) foi deimportância central nisso. O uso dessa enzima possibilitou sintetizar in vitro (i.e., em tubode ensaio) cópias de DNA complementares às moléculas de mRNA. Essas moléculas de DNA,denominadas cDNAs, transportam a informação de seqüência presente em uma molécula demRNA após o evento de splicing que removeu todos os íntrons. Apesar de que iremos nosreferir com freqüência, ao longo deste livro, a clones de DNA das versões genômicas (i.e.,cromossômicas) de genes e a cDNAs gerados dos transcritos de mRNA de tais genes, limita-ções de espaço impedem a descrição detalhada dos procedimentos de clonagem per se.

Para os pesquisadores do câncer, a clonagem gênica chegou exatamente na hora certa. Comoveremos nos próximos capítulos, a pesquisa, na década de 1970, diminuiu a candidatura dosvírus de tumor como causa da maioria dos cânceres humanos. À medida que esses vírussaíram do centro do palco, os genes celulares tomaram seu lugar como os mais importantesagentes responsáveis pela formação dos tumores humanos. O estudo desses genes teria sidoimpossível sem a nova tecnologia de clonagem gênica desenvolvida, que se tornou ampla-mente disponível no final da década de 1970, exatamente quando foi necessária ao propósitoda comunidade científica de descobrir as causas basais do câncer.

Figura 1.21 Clonagem molecular de genesMuitas versões do procedimento declonagem gênica foram desenvolvidasapós essa tecnologia ter sidoprimeiramente inventada no início e nametade da década de 1970. A figuramostra um esquema de uma versão desseprocesso, em que um segmento específicode DNA (p. ex., contendo um gene deinteresse) é isolado de um genomacomplexo, como o humano. O genoma éfragmentado em segmentos relativamentepequenos, em geral com várias dezenas dequilobases de extensão (parte superior);cada segmento de DNA é individualmenteinserido em um vetor (braços cinzas) pelaligação ao DNA do vetor, gerando um vetorrecombinante; cada um dos DNAsresultantes vetor + inserto é entãoindependentemente inserido em umabactéria. Cada bactéria carregando umvetor + segmento de gene inserido éexpandida em uma colônia bacterianacontendo muitos milhares de bactérias, acolônia bacteriana transportando o gene deinteresse é identificada e o vetortransportando o gene de interesse érecuperado, gerando milhões de cópiasdesse fragmento genômico (parte inferiordireita).

fragmentar o genoma

introduzir fragmentos separadamente no vetor

amplificar cada fragmento separadamente em uma colônia bacteriana

braços do vetor

identificar e amplificaro fragmento inseridode interesse

o segmento do genoma(carregando o gene de interesse)

foi clonado

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