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Hidrologia Aplicada – CIV 226 Introdução Prof. Antenor R. Barbosa Jr. 1 INTRODUÇÃO 1. HIDROLOGIA, ENGENHARIA DE RECURSOS HÍDRICOS E APLICAÇÕES A Hidrologia é uma ciência interdisciplinar que tem se desenvolvido significativamente nos últimos tempos, notadamente em face do aumento do uso da água e em função dos crescentes problemas decorrentes da ação antrópica nas bacias hidrográficas e dos impactos sobre o meio ambiente. O U. S. Federal Council for Science and Technology, citado por Vilella & Mattos (1975), dá uma definição da Hidrologia como ciência que é amplamente aceita. Por esta definição, a Hidrologia é a ciência que trata da água na Terra, estudando a sua ocorrência, circulação e distribuição, as suas propriedades físicas e químicas e as suas reações com o meio ambiente, incluindo suas relações com a vida. A ciência hidrológica é bastante abrangente e pode ser subdividida em diferentes áreas de conhecimento associadas, a saber: Hidrometeorologia, que cuida do estudo da água na atmosfera; Limnologia, que é voltada para o estudo dos lagos e reservatórios; Potamologia, que estuda os rios; Glaciologia, que é o ramo de estudo da água superficial, particularmente quando esta se apresenta sob a forma de gelo; Hidrogeologia, que é especificamente voltada para o estudo das águas na crosta terrestre, com ocorrência subterrânea. Considerado o alcance da definição apresentada para a ciência hidrológica, bem como a abrangência das sub-áreas do conhecimento acima enunciadas, é fácil prever-se a variedade de profissionais que potencialmente podem atuar nos diversos campos da Hidrologia. De fato, atuando nas mais diversas atividades relacionadas à Hidrologia encontram-se, freqüentemente, engenheiros, agrônomos, geólogos, geógrafos, biólogos, químicos, matemáticos e estatísticos, entre outros. Um pouco mais específica é a utilização da Hidrologia na Engenharia de Recursos Hídricos, às vezes também denominada Engenharia Hidrológica. Neste caso, conforme TUCCI (1993), a Hidrologia pode ser entendida como a área do conhecimento que estuda o comportamento físico da ocorrência e o aproveitamento da água na bacia hidrográfica, quantificando os recursos hídricos no tempo e no espaço e avaliando o impacto da modificação da bacia hidrográfica sobre o comportamento dos processos hidrológicos. Dessa visão, surge uma nova subdivisão da Hidrologia, representada pelas especializações nas seguintes sub-áreas da Engenharia de Recursos Hídricos: Hidrometeorologia: (já definida anteriormente); Geomorfologia de bacias hidrográficas: estuda as características do relevo da bacia hidrográfica para melhor interpretar os seus efeitos sobre o escoamento; Escoamento Superficial: estuda o movimento da água sobre a superfície do terreno da bacia hidrográfica; Interceptação: avalia a interceptação da água de chuva pela cobertura vegetal e outros obstáculos na bacia hidrográfica rural ou urbana; Infiltração e escoamento em meio não-saturado: cuida da observação e previsão da infiltração da água no solo e do escoamento no meio não-saturado; Escoamento em meio saturado: envolve o estudo do comportamento do fluxo em aqüíferos; Evaporação e evapotranspiração: estuda e avalia as perdas de água por evaporação de superfícies livres, como lagos e reservatórios, e pela transpiração das árvores e outros vegetais;

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Hidrologia Aplicada – CIV 226 IntroduçãoProf. Antenor R. Barbosa Jr.

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INTRODUÇÃO

1. HIDROLOGIA, ENGENHARIA DE RECURSOS HÍDRICOS E APLICAÇÕES

A Hidrologia é uma ciência interdisciplinar que tem se desenvolvido significativamentenos últimos tempos, notadamente em face do aumento do uso da água e em função doscrescentes problemas decorrentes da ação antrópica nas bacias hidrográficas e dos impactossobre o meio ambiente.

O U. S. Federal Council for Science and Technology, citado por Vilella & Mattos (1975),dá uma definição da Hidrologia como ciência que é amplamente aceita. Por esta definição, aHidrologia é a ciência que trata da água na Terra, estudando a sua ocorrência, circulação edistribuição, as suas propriedades físicas e químicas e as suas reações com o meio ambiente,incluindo suas relações com a vida.

A ciência hidrológica é bastante abrangente e pode ser subdividida em diferentes áreas deconhecimento associadas, a saber:• Hidrometeorologia, que cuida do estudo da água na atmosfera;• Limnologia, que é voltada para o estudo dos lagos e reservatórios;• Potamologia, que estuda os rios;• Glaciologia, que é o ramo de estudo da água superficial, particularmente quando esta se

apresenta sob a forma de gelo;• Hidrogeologia, que é especificamente voltada para o estudo das águas na crosta terrestre,

com ocorrência subterrânea.

Considerado o alcance da definição apresentada para a ciência hidrológica, bem como aabrangência das sub-áreas do conhecimento acima enunciadas, é fácil prever-se a variedade deprofissionais que potencialmente podem atuar nos diversos campos da Hidrologia. De fato,atuando nas mais diversas atividades relacionadas à Hidrologia encontram-se, freqüentemente,engenheiros, agrônomos, geólogos, geógrafos, biólogos, químicos, matemáticos e estatísticos,entre outros.

Um pouco mais específica é a utilização da Hidrologia na Engenharia de RecursosHídricos, às vezes também denominada Engenharia Hidrológica. Neste caso, conforme TUCCI(1993), a Hidrologia pode ser entendida como a área do conhecimento que estuda ocomportamento físico da ocorrência e o aproveitamento da água na bacia hidrográfica,quantificando os recursos hídricos no tempo e no espaço e avaliando o impacto da modificaçãoda bacia hidrográfica sobre o comportamento dos processos hidrológicos. Dessa visão, surgeuma nova subdivisão da Hidrologia, representada pelas especializações nas seguintes sub-áreasda Engenharia de Recursos Hídricos:• Hidrometeorologia: (já definida anteriormente);• Geomorfologia de bacias hidrográficas: estuda as características do relevo da bacia

hidrográfica para melhor interpretar os seus efeitos sobre o escoamento;• Escoamento Superficial: estuda o movimento da água sobre a superfície do terreno da bacia

hidrográfica;• Interceptação: avalia a interceptação da água de chuva pela cobertura vegetal e outros

obstáculos na bacia hidrográfica rural ou urbana;• Infiltração e escoamento em meio não-saturado: cuida da observação e previsão da

infiltração da água no solo e do escoamento no meio não-saturado;• Escoamento em meio saturado: envolve o estudo do comportamento do fluxo em aqüíferos;• Evaporação e evapotranspiração: estuda e avalia as perdas de água por evaporação de

superfícies livres, como lagos e reservatórios, e pela transpiração das árvores e outrosvegetais;

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• Escoamento em rios e canais: envolve a análise do escoamento em rios e canais,normalmente tratados como escoamento unidimensionais;

• Fluxo dinâmico em reservatórios, lagos e estuários: estuda o escoamento turbulento emmeios de características multidimensionais;

• Produção e transporte de sedimentos: envolve a quantificação da erosão do solo e dotransporte do sedimento na superfície da bacia e nos rios, decorrentes de condições naturais edo uso do solo na bacia hidrográfica;

• Qualidade da água e meio ambiente: nesta área, faz-se a quantificação de parâmetros físicos,químicos e biológicos da água, visando a interação dos diversos usos e a avaliação dosimpactos sobre o meio ambiente aquático.

Assim, considerada a amplitude das aplicações da Hidrologia na Engenharia de RecursosHídricos, pode-se dizer que este ramo da ciência está voltado para a solução dos problemas queenvolvem a utilização dos recursos hídricos e a ocupação da bacia, bem como a preservação domeio ambiente.

Na utilização dos recursos hídricos são relevantes os aspectos relacionados àdisponibilidade hídrica, à necessidade de regularização de vazão, etc., dentro de um contexto querequer ações de planejamento, operação e gerenciamento dos recursos hídricos.

Já os problemas decorrentes da ocupação da bacia pelo homem são vistos sob doisângulos: de um lado, em decorrência da urbanização, analisa-se o impacto do meio sobre apopulação (enchentes, por exemplo); de outro, analisa-se o impacto sobre o meio ambienteprovocado pelo uso do solo pelo homem. Neste último caso, as ações devem ser planejadas demodo a compatibilizar o desenvolvimento com a preservação do meio ambiente, visando aodesenvolvimento sustentado.

A título de ilustração, enumeram-se, a seguir, um conjunto de exemplos de campos deatuação na engenharia, com os problemas a eles correlacionados, segundo VILELLA &MATTOS (1975), onde a Hidrologia tem influência direta tanto nos projetos, quanto noplanejamento do uso dos recursos hídricos.i) Abastecimento de água:

- escolha das fontes para uso doméstico ou industrial.ii) Projeto e construção de obras hidráulicas:

- fixação das dimensões hidráulicas de obras de arte: pontes, bueiros, etc.;- barragens: localização e escolha do tipo de barragem, da fundação e do extravasor e

dimensionamento da barragem;- estabelecimento do método construtivo.

iii) Drenagem:- estudo das características do lençol freático;- exame das condições de alimentação e de escoamento natural do lençol:

precipitações, bacia de contribuição e nível d’água dos cursos d’água.iv) Irrigação:

- problema da escolha do manancial;- estudo de evaporação e infiltração.

v) Regularização de cursos d’água e controle de inundações:- estudo das variações de vazão;- previsão de vazões máximas;- exame das oscilações de nível e das áreas de inundação.

vi) Controle da poluição:- análise da capacidade de autodepuração dos corpos d’água receptores de efluentes de

sistemas de esgotos: vazões mínimas dos cursos d’água; capacidade de reaeração evelocidade do escoamento.

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vii) Controle de erosão:- análise da intensidade e freqüência das precipitações máximas;- determinação do coeficiente de escoamento superficial;- estudo da ação erosiva das águas e da proteção por meio de vegetação e outros

recursos.viii) Navegação:

- obtenção de dados e estudos sobre construção e manutenção de canais navegáveis.ix) Geração de energia (aproveitamento hidrelétrico):

- previsão das vazões máximas, mínimas e médias dos cursos d’água para o estudoeconômico e o dimensionamento das instalações de aproveitamento;

- verificação da necessidade de reservatório de acumulação;- determinação dos elementos necessários ao projeto e construção do reservatório de

acumulação: bacias hidrográficas, volumes armazenáveis, perdas por evaporação einfiltração.

x) Operação de sistemas hidráulicos complexos.xi) Recreação e preservação do meio ambiente.xii) Preservação e desenvolvimento da vida aquática.

2. O CICLO HIDROLÓGICO

Na natureza, a água se encontra em permanente movimento, em um ciclo interior às trêsunidades principais que compõem o nosso Planeta, que são a atmosfera (camada gasosa quecircunda a Terra), a hidrosfera (águas oceânicas e continentais) e a litosfera (crosta terrestre). Adinâmica das transformações e a circulação nas referidas unidades formam um grande, complexoe intrínseco ciclo chamado ciclo hidrológico.

O ciclo representa o caminho percorrido pela água nos seus três estados físicos (sólido,líquido e gasoso), conforme ilustra a Figura 1. Por conveniência e para facilitar a apresentação,introduz-se a consideração de que o ciclo hidrológico tem origem na evaporação da água dosoceanos, lagos e rios e das superfícies úmidas expostas à atmosfera.

Dependendo das condições climáticas e da combinação de outros fatores físicos, o vapord’água se concentra nas camadas mais altas, formando as nuvens que se modelam e semovimentam em função do deslocamento das massas de ar (vento).

Sob determinadas condições físicas, surgem gotículas de água que, sob a ação da força dagravidade, se precipitam das nuvens. Essa precipitação pode ocorrer sob variadas formas,incluindo-se a chuva, a neve, o granizo, o nevoeiro, o orvalho e a geada. Pela sua importância emagnitude frente às outras ocorrências, somente a precipitação sob a forma de chuva seráconsiderada aqui. Caindo em um dados local, as águas da chuva se distribuirão como segue:i) Uma porção, conhecida como interceptação, é retida pelas construções, pelas copas das

árvores, arbustos e outras plantas e obstáculos, de onde, eventualmente, evapora. O excesso,isto é, o que supera a capacidade de interceptação, soma-se à parcela da chuva que atingediretamente o solo;

ii) Parte da precipitação que atinge o solo retorna à atmosfera na forma de evaporação. Outrasparcelas infiltram-se no terreno ou escoam-se superficialmente.

iii) Da parcela da água de infiltração, parte vai ocupar a zona das raízes e é utilizada pelasplantas e, finalmente, retorna à atmosfera pelo processo conhecido como transpiração;

iv) A água de infiltração que percola (escoa através dos espaços intergranulares) para ascamadas mais profundas do solo vai constituir a água ou escoamento subterrâneo.

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v) Além da interceptação, evaporação e infiltração, o restante da água precipitada formará,inicialmente, poças ou pequenos armazenamentos nas depressões do terreno. Novaevaporação ocorrerá destes armazenamentos;

vi) Após ser excedida a capacidade de armazenamento nas depressões do terreno, a água passa aescoar superficialmente e, sob a ação da gravidade, termina por se juntar aos cursos d’águanaturais. Relativamente ao total precipitado, esta parcela da precipitação que se escoa pelasuperfície do terreno é chamada precipitação efetiva ou precipitação excedente. Sob o pontode vista do escoamento superficial, é também conhecida como escoamento superficial diretoou runoff. Alguma evaporação também ocorre desse escoamento superficial.

vii) Para ocorrer o runoff, a água deve-se acumular antes de seguir o seu percurso. Essa camadaacumulada constitui um tipo de armazenagem, conhecido como detenção, retenção ouarmazenamento superficial, e também está sujeita à evaporação.

viii) O destino final de todos os cursos d’água naturais são os lagos, mares e oceanos que, commais intensidade, estão sujeitos à evaporação.

ix) A evaporação de todas as fontes acima, juntamente com a transpiração, leva a umidade(vapor d’água) de volta à atmosfera e resulta na formação das nuvens. Em condiçõesfavoráveis terá origem nova precipitação, e o ciclo descrito pelos passos (i) a (ix) se repete.

Figura 1 – O ciclo hidrológico

A fonte de energia de todo esse processo é, fundamentalmente, o Sol, enquanto que aprincipal força atuante é a gravidade. Importa, ainda, destacar que o ciclo hidrológico só pode servisto como fechado em nível global, o que significa que o total evapotranspirado em uma regiãonão necessariamente corresponderá ao total precipitado num dado período de tempo.

É importante esclarecer que, como resultado das ocorrências das chuvas, as águasinfiltradas, que constituem os armazenamentos nos reservatórios subterrâneos e que fluemcontínua e lentamente sob a ação da gravidade, terminam por aflorarem por pontos de descargasubterrânea, tais como fontes de encosta, ou vão abastecer os corpos d’água superficiais (rios,

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lagos, lagunas, reservatórios), constituindo o que se denomina descarga ou escoamento de base.É exatamente devido a esse escoamento de base, ou básico, que se garante a perenização dosrios.

Ainda, de todo exposto pode-se concluir que quanto maiores a retenção na coberturavegetal, o armazenamento superficial e a infiltração das águas de chuva, menores serão osvolumes excedentes disponíveis para o escoamento superficial. Assim, em conseqüência,menores serão as chances de ocorrência de enchentes e inundações. Portanto, tudo dependerá daquantidade de chuva, dos limites das capacidades de retenção superficial, das taxas de infiltraçãocaracterísticas do solo e das chuvas antecedentes (teor de umidade pré-existente no solo).

Complementarmente, quanto maiores as oportunidades das águas de chuva se infiltrarem,maior será a recarga dos reservatórios subterrâneos, que fortalecerá a capacidade deabastecimento dos corpos de água durante os períodos de estiagem.

O conceito do ciclo hidrológico tem-se se mostrado importante também nodesenvolvimento de estratégias de gerenciamento da qualidade da água. Sob o aspecto daqualidade, tem-se que os contaminantes podem ser introduzidos na água em várias fases do ciclohidrológico, quando surgem diluídos ou concentrados, ou são carreados pela água.

Todos estes conceitos serão novamente abordados ao longo do curso mas, certamente,uma boa compreensão do ciclo hidrológico facilitará a assimilação dos modelos e formulaçõesempregados na hidrologia e desenvolvidos nos capítulos seguintes.

3. AVALIAÇÃO QUANTITATIVA DAS COMPOMENTES DO CICLO HIDROLÓGICO: AEQUAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO

Os projetos em recursos hídricos são, essencialmente, exercícios que envolvem aquantificação das componentes do ciclo hidrológico visando, principalmente, conhecer a relaçãodemanda-disponibilidade de água. Nestes projetos consideram-se como fontes de suprimento,fundamentalmente, as águas superficiais e subterrâneas.

As técnicas de medir e avaliar dados quantitativos em recursos hídricos constituem oselementos básicos da hidrologia, que serão tratados ao longo deste curso. No presente capítulo,foi fornecido um resumo dos processos fundamentais que contribuem para a formação dosescoamentos superficial e subterrâneo. Para o engenheiro, um bom entendimento dessesprocessos facilitará a análise e o planejamento dos recursos hídricos.

Em termos quantitativos o ciclo hidrológico pode ser representado por uma equação queexpressa o princípio da conservação da massa, normalmente chamada na Hidráulica de equaçãoda continuidade.

A equação do balanço hídrico, dependendo dos propósitos para o qual ela vai ser escrita,pode admitir a sub-divisão, a consolidação, ou a eliminação de um ou outro termo. Em geral, aequação do balanço hídrico é empregada:a) para um determinado intervalo de tempo, que pode ser alguns minutos ou horas, ou um longo

intervalo, como um ano;b) para uma área de drenagem natural (bacia hidrográfica), ou para uma área artificialmente

limitada, ou para um corpo d’água, como um lago ou reservatório, ou ainda para um lençolsubterrâneo;

c) para a fase vapor acima da superfície terrestre.

São comuns três aplicações da equação do balanço hídrico:1) equação do balanço hídrico para bacias hidrográficas de grandes áreas de drenagem;2) equação do balanço hídrico para corpos d’água, como lagos e reservatórios;

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3) equação do balanço hídrico para o escoamento superficial direto (runoff).Nos primeiros dois casos, são consideradas as quantidades acima e abaixo da superfície

da terra. Em sua forma geral, a equação pode ser escrita para um determinado volume decontrole, num dado intervalo de tempo, como:

[ ] [ ][ ]controle de vol.dointerior no acumulada quantidade da variação

controle de vol.do sai que Quantidadecontrole de vol.no entra que Quantidade=

=−

ou

[ ] [ ] SGRTEGRP outoutinin ∆=+++−++ , (1)

tendo as componentes a dimensão de volume [L3], ou de vazão [L3T-1], ou de comprimento [L],onde P = precipitação; R = escoamento superficial; G = escoamento subterrâneo; E =evaporação; T = transpiração; e S = armazenamento, e os índices in e out referindo-se àsquantidades que entram e saem, respectivamente, do volume de controle.

3.1. EQUAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO PARA GRANDES BACIAS

Em bacia de grande área de drenagem, a equação do balanço é usada na avaliaçãoquantitativa dos recursos hídricos na bacia para a concretização de projetos de determinados usose para os propósitos de avaliações das demandas e/ou disponibilidades hídricas.

No caso de grandes bacias, o estudo do balanço hídrico é normalmente realizado para umlongo intervalo de tempo (como num ciclo anual) e os valores das componentes envolvidasgeralmente referem-se a um ano médio. Em termos médios e para um longo intervalo de tempo,as variações positivas e negativas do armazenamento tendem a se balancear, isto é, a variaçãomédia do armazenamento ∆S pode ser desprezada. Em grandes bacias, as trocas de águasubterrânea com as bacias vizinhas (“fugas”) são ignoradas, isto é, Gin – Gout = 0. Além disso, oúnico input na bacia é a precipitação (não pode haver escoamento superficial através da linha decontorno da bacia: Rin = 0). Com todas essas considerações, a Eq. (1) reduz-se a:

outRTEP =−− , [L3, L3T-1, ou L] (2)

ou

QETP =− (3)

onde, na Eq. (3), ET representa a evapotranspiração (soma dos processos de evaporação etranspiração) e Q é o volume, vazão ou altura de lâmina d’água correspondente na seção de saídada bacia.

3.2 EQUAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO PARA CORPOS D’ÁGUA EM CURTOSINTERVALOS DE TEMPO

No caso de reservatórios, lagos, rios e armazenamento subterrâneo a equação do balançohídrico é usada para prever as conseqüências das condições hidrológicas atuais sobre a estrutura.A equação mostra-se importante nas análises que envolvem a operação diária da estrutura.

O curto intervalo de tempo empregado na análise exige que o termo de variação doarmazenamento, ∆S, seja necessariamente considerado. Contudo, em intervalos curtos de tempoo termo de evaporação geralmente é muito pequeno e pode ser desprezado. Se não ocorrer umachuva no período de análise, a equação pode ser representada, em termos de taxas volumétricas,como:

tSQQ outin ∆

∆=− (4)

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onde Qin e Qout = vazão de entrada e saída, respectivamente (representam todos os termos in eout, respectivamente), e ∆S/∆t = variação do armazenamento no intervalo ∆t.

EXEMPLO 1Num dado instante, o armazenamento num trecho de rio é de 68.200m3. Naquele instante,

a vazão de entrada no trecho é de 10,6m3/s e a vazão de saída é de 15,9 m3/s. Transcorridas duashoras, as vazões de entrada e saída são, respectivamente, 17,0m3/s e 19,1 m3/s. Determine:a) A variação do armazenamento na calha do rio durante nessas 2 horas;b) O volume armazenado ao final das duas horas.Sugestão: Admitir variação linear das vazões de entrada e saída no trecho.Soluçãoa) Em termos de volumes, a equação do balanço hídrico (Eq. 4) se escreve: StQtQ outin ∆=∆−∆ .

( ) 3in m3609936002

2610017tQ .,, =××+=∆⋅ , que é numericamente igual à área sob a linha de

variação da vazão de entrada no trecho (área do trapézio), conforme representado na figuraabaixo.

Da maneira análoga, a área sob a linha de variação da vazão de saída do trecho será:( ) 3

out m000126360022

915019tQ .,, =××+=∆⋅ .

3m64026S00012636099S ... −=∆→−=∆∴

b) Como 02inicialfinal SS SSS −=−=∆ , então3

202final m56041S 6402620068SSSS ... =⇒−=∆+== .

3.3 EQUAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO PARA O ESCOAMENTO SUPERFICIALDIRETO DURANTE UMA CHUVA INTENSA

Para determinar o runoff devido a uma tempestade deve-se considerar a equação dobalanço hídrico acima da superfície do solo. A equação, escrita para um curto intervalo de tempoem termos de alturas médias, é da forma:

0SIREIntP D =−−−−− (5)

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onde P = altura da lâmina d’água precipitada; Int = interceptação; E = evaporação; R =escoamento superficial direto ou runoff; I = infiltração e SD = armazenamento em depressões doterreno.

Durante a chuva, em curtos intervalos de tempo pode-se desprezar a evaporação. Se nãose exige uma determinação exata, a interceptação e o armazenamento nas depressões do terrenotambém podem ser ignorados, o que permite reescrever a Eq. (5) na forma reduzida:

IPR −= . (6)

3.4 FONTES DE ERRO NAS COMPONENTES DO BALANÇO HÍDRICO

A quantificação das componentes do balanço hídrico sempre envolve erros de medida einterpretação. As únicas componentes extensivamente observadas através de redes de estaçõessão a precipitação e a vazão. A evaporação é raramente mensurada e os dados de infiltraçãolimitam-se a bacias experimentais. As variações de armazenamento normalmente são obtidas deobservações do nível d’água e da umidade do solo. Além disso, fórmulas empíricas sãofreqüentemente utilizadas no cálculo da evaporação, da infiltração e do armazenamento.Também o tempo de análise é importante: erros na média diminuem com o aumento do tempoconsiderado.

A Tabela 1 traz as estimativas dos erros associados às determinações mensais e anuaisdas diferentes componentes do ciclo hidrológico, baseadas em metodologias comumenteadotadas.

Tabela 1 – Erros nas componentes do ciclo hidrológico segundo metodologias usuais, segundo Ram S. Gupta

Erro PercentualComponente tipo ou fonte de erro Estimativa

MensalEstimativa

Anual1. Precipitação

equipamento de observação 2 2altura de colocação do medidor 5 5média na área 15 10densidade de medidores 20 13

2. Vazãomolinete hidrométrico 5 5curva-chave 30 20alteração da seção fluviométrica 5 5regionalização de vazão --- 70

3. Evaporaçãobalanço de energia --- 10tanque classe A 10 10tanque para o coeficiente do lago 50 15média na área 15 15

Em decorrência dos erros de medida e de estimativa das componentes do ciclohidrológico, a equação do balanço hídrico não é equilibrada e poderia conter um termo deincerteza ou resíduo. Quando uma componente é estimada de uma fórmula empírica, o erro deprevisão da fórmula é adicionado ao termo de resíduo da equação do balanço hídrico.

EXERCÍCIOS

1o) Estima-se que 60% da precipitação anual numa bacia hidrográfica de 24,67km2 sejamevapotranspirados. Se a vazão média anual na desembocadura do rio principal é de 70,8l/s, quala precipitação anual na bacia?

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2o) Num trecho de rio, a vazão de entrada num dado instante é de 9,91m3/s e a vazão de saída éde 8,07m3/s. Decorridos 90min, as vazões de entrada e saída no trecho são de 7,08m3/s e5,66m3/s, respectivamente. Calcular a variação do armazenamento em 90min.

3o) As perdas por evaporação de um reservatório são de 185 mil metros cúbicos de água por dia.Se o reservatório tem área de superfície constante de 2,02km2, e se a diferença entre as vazões desaída e entrada do reservatório é de 1,41m3/s, qual a variação do nível d’água do reservatório emum dia?

4o) No problema anterior, se, devido a uma chuva, 76mm de água são admitidos no reservatórioem um dia, qual a variação na profundidade do reservatório?

5o) O reservatório da figura foi construído emuma região onde a precipitação anual média é de610mm e a evaporação normal anual é de1.524mm. A área média da superfície de água noreservatório é de 12km2 e a área da baciahidrográfica é de 242km2. Como informaçãoadicional tem-se que apenas 20% do totalprecipitado escoam-se superficialmente. Istoposto, pede-se:a) calcular a vazão média de saída doreservatório, em m3/s; b) quantificar o aumentoou redução da vazão, em conseqüência daconstrução do reservatório.

6o) O sistema de abastecimento de água de uma cidade deve utilizar como manancial um cursod’água natural cuja área de drenagem, relativa à seção de captação, é igual a 100km2. Aprecipitação média anual na região é de 1.200mm e as perdas por evapotranspiração sãoestimadas em 800mm. Sabendo-se que o consumo médio previsto é de 50.000m3/dia, verifiquese esse manancial tem capacidade para abastecer a cidade.

7o) A evaporação anual de um lago com superfície (área do espelho d’água) de 15km2 é de1500mm. Determinar a variação do nível do lago durante um ano se, nesse período, aprecipitação foi de 950mm e a contribuição dos tributários foi de 10m3/s. Sabe-se, também, quenaquele ano foi retirada do lago uma descarga média de 5m3/s para a irrigação de culturas e amanutenção da vazão ecológica, além de uma captação de 165x106m3 para refrigeração de umaunidade industrial. (Desprezar a variação da área do espelho d’água).

8o) O total anual precipitado em uma bacia hidrográfica de 1.010km2 de área de drenagem é de1.725mm, em média. Sabendo-se que a evapotranspiração média anual é de 600mm, qual avazão média anual, em m3/s, na foz do curso d’água principal desta bacia? E qual o deflúvioanual, em mm?

9o) Uma barragem é construída na parte média da bacia hidrográfica da questão anterior,formando um espelho d’água de aproximadamente 60km2. Sabendo-se que a área de drenagemrelativa à seção da barragem é de 600km2 e que a evaporação média direta no lago é de 5mm/dia,qual a redução percentual esperada da vazão na foz do curso d’água principal?

10o) Numa bacia hidrográfica de área A= 360 km2 o total anual precipitado é 1420 mm e a vazãomédia anual na seção exutória é de 11,35 m3/s.a) Com base nas informações disponíveis e fazendo claramente as considerações que julgarnecessárias, estimar a evapotranspiração anual na bacia.

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b) Se for construído um reservatório no curso d’água principal da bacia e se este inundar 10% daárea total da bacia, qual será a variação percentual da vazão média na seção exutória, sabendo-seque a evaporação da superfície da água no local é de 1240 mm/ano?

BIBLIOGRAFIA

GUPTA, R.S. (1989). Hydrology and Hydraulic Systems. Prentice Hall, Englewood Cliffs, NewJersey.

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