intersubjetividade e construÇÃo discursiva: a ... · recai-se naturalmente na questão da...

15
VI JORNADA DO GRUPO DE PESQUISA DISCURSOS NA MÍDIA ESCRITA INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A INSEPARABILIDADE DA TRILOGIA RETÓRICA Lineide Salvador Mosca Universidade de São Paulo Foi-nos solicitado que falássemos sobre o Ethos na mídia impressa. Pretendemos, entretanto, mostrar um quadro mais amplo, em que os constituintes se entrelaçam e se tornam inseparáveis. Assim, é impossível tratar de Ethos, sem considerar a sua íntima relação com a sensibilidade do outro e, ao mesmo tempo, com o que se tramita na relação interlocutiva, o logos, o próprio ad rem: a coisa em questão. É preciso, ao se construir e se projetar no discurso, ter o que dizer e, sobretudo, para quem fazê-lo e em que circunstâncias. O fato de esses três aspectos ocorrerem juntos mostra que não se pode separar o objeto de referência, o saber, da imagem daqueles que o produzem e que envolve aquele que enuncia e aquele a quem a mensagem é dirigida. Assim, compreendem-se nesse ato as formações culturais, a memória discursiva, as representações e estereótipos que circulam em determinada comunidade e que fazem parte de seu acervo. Igualmente, o

Upload: lenhi

Post on 01-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

VI JORNADA DO GRUPO DE PESQUISA DISCURSOS NA MÍDIA ESCRITA

INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A INSEPARABILIDADE DA TRILOGIA RETÓRICA

Lineide Salvador Mosca

Universidade de São Paulo

Foi-nos solicitado que falássemos sobre o Ethos na mídia impressa.

Pretendemos, entretanto, mostrar um quadro mais amplo, em que os

constituintes se entrelaçam e se tornam inseparáveis. Assim, é impossível

tratar de Ethos, sem considerar a sua íntima relação com a sensibilidade do

outro e, ao mesmo tempo, com o que se tramita na relação interlocutiva, o

logos, o próprio ad rem: a coisa em questão. É preciso, ao se construir e se

projetar no discurso, ter o que dizer e, sobretudo, para quem fazê-lo e em

que circunstâncias.

O fato de esses três aspectos ocorrerem juntos mostra que não se

pode separar o objeto de referência, o saber, da imagem daqueles que o

produzem e que envolve aquele que enuncia e aquele a quem a mensagem

é dirigida. Assim, compreendem-se nesse ato as formações culturais, a

memória discursiva, as representações e estereótipos que circulam em

determinada comunidade e que fazem parte de seu acervo. Igualmente, o

Page 2: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

que se projeta, isto é, as expectativas, as aspirações e desejo têm como

pano de fundo essas ideias e sentimentos comuns, a doxa partilhada

naquelas condições. Cabe acrescentar ainda que todos esses elementos

adquirem um valor simbólico, de voz de grupo, de entidades, num conjunto

de ressonância de vozes, de onde emana a autoridade que possam assumir.

Quando as instituições que elas representam estão em crise, todo esse

processo se vê abalado e, mesmo, desacreditado. A mídia é a que primeiro

sofre as consequências disso, uma vez que a credibilidade é o ponto-chave

na questão do processo comunicativo.

Situaremos esta apresentação, portanto, no domínio da

intersubjetividade e da consideração da alteridade, que é constitutiva do

próprio ethos, que se constitui, representando-se a si próprio com os dados

que lhe são fornecidos pelo Outro, havendo assim uma circularidade

produzida na interação. Plantin afirma que a regra do discurso de um está no

discurso do outro, isto é, um pauta o outro. Concebemos, pois, uma

argumentação de caráter interativo, em que se deve examinar cada caso em

questão, tal como propunha Aristóteles ao tratar da conveniência e da

oportunidade, o que se tornou conhecido como Kairós, muito importante

para o êxito comunicativo, tema principal deste encontro do grupo DIME.

Sob este enfoque, a questão da aproximação e do afastamento se

torna fundamental: um movimento busca a afinidade, o elo comum, as ideias

partilhadas; o outro, a exclusão e a diferenciação.

Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se

forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação também

entra na produção do sentido. Sabe-se que hoje é impossível isolar os meios

e que, na realidade, estes se conjugam e formam uma trama quase

indissolúvel, daí a metáfora da “rede”, em que nos enredamos e nos

enredam, no sentido ativo e passivo do termo.

Em recente artigo, “Ciência enredada” (Folha de São Paulo, C12,

23/09/13, vide Anexo I), Marcelo Leite, conhecido cientista brasileiro, mostra

em sua coluna como o jornalismo científico tem sido beneficiado pelos meios

eletrônicos de comunicação, os chamados Journals, nos quais uma

Page 3: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

publicação ganha notoriedade, gerando citações que dão o grau de

repercussão do trabalho, respondendo pelo seu valor e voz de autoridade.

Marcelo alerta, entretanto, para o fato de que o quadro de usuários atuantes

pode estar enviesado e não ser muito representativo da sociedade, dado a

ausência dos que se furtam à tal participação. Finaliza a sua matéria

encorajando aqueles que se valem das redes a não perdê-las de vista.

Pode-se ver o jogo dessas relações nas seguintes colunas:

JOGO DAS RELAÇÕES

Identidade Diferença

Aproximação Distanciamento

Associação Dissociação

Comunidade Exterioridade

Atração Repulsão

Nesta apresentação, irei me fixar neste último aspecto, enfatizando a

questão do grupo, em que no jogo de relações sociais anulam-se diferenças

para criar identidades e anulam-se identidades para criar diferenças. A

criação do consenso ou a promoção do dissenso se vale desses

mecanismos. Diante da força da mídia, que Alberto Dines tratou como o 4º

Poder, cabe inspirar a discordância e a divergência, muito salutares para a

leitura crítica da realidade.

Page 4: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

Enfatizar as diferenças é criar identidades, uma vez que quando se

afirma uma identidade, o outro fica excluído ou implícito. Estas posições

levam a uma lógica da sedução e a uma lógica predadora, para utilizarmos o

termo de Michel Meyer, em Questões de Retórica: Linguagem, Razão,

Sedução (Lisboa,1998, orig. 1993). Vejam-se as seguintes oposições:

LÓGICA SEDUTORA LÓGICA PREDADORA

Similidaridade Diferença

"Nós" "Os outros"

Dentro Fora

Inclusividade Afastamento, alijamento

O Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio traz os seguintes

significados para alijamento, “ato de desembaraçar-se de, livrar-se de,

desobrigar-se de”. O sentido original seria o de “deitar fora do navio, da

embarcação”. Observe-se como a língua conforma a realidade na busca da

forma adequada para expressá-la.

Dentro da lógica do predador, pode-se incluir vários tipos de

discurso:

1. Discursos intolerantes (racistas, classistas, sexistas etc).

2. Discursos colonizadores (manutenção do poder, do stablishment).

3. Discursos separatistas (de natureza cultural, político-econômica etc)

4. Discurso confessional (proselitismo, hierarquia etc)

Page 5: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

Da lógica da sedução, tivemos, recentemente, em matéria

jornalística acerca da situação política do Egito, um exemplo comovente

quando o povo, reunido na praça Tahir, símbolo de toda uma situação de

luta, tinha como lema, apesar de todas as divergências de natureza religiosa

e política, as seguintes palavras de ordem: “Todos somos um”. Tinha-se aí a

diversidade unida por pontos comuns.

Importante se faz, nesse contexto, a noção de auditório, que na

teoria de Perelman constitui, “o conjunto daqueles que se quer

convencer/persuadir” (Tratado da Argumentação, Perelman & Tyteca), a

adesão resultando de uma ação sobre as mentes, numa relação que envolve

os locutores e os seus destinatários e a que os autores se referem como

“comunhão dos espíritos”. A comunidade cultural, de que fala Benjamin, em

sua visão crítica da sociedade.

Trata-se, evidentemente, de uma representação que o orador,

aquele que tem a palavra, faz de seu auditório ou público e que este faz

daquele que tem diante de si. Não só o auditório é uma construção do

orador, como este próprio constrói a sua imagem baseando-se nos valores

aceitos por aquela sociedade. Portanto, o saber prévio de ambos entra

nessa construção mútua de imagens, que, entretanto, pode ser confirmada

Page 6: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

ou desacreditada. Quantas vezes, apreciamos mais um autor ao lê-lo que ao

ouvi-lo presencialmente.

É, pois, central, a percepção de si e do outro no jogo de valores

que se estabelece. A autoridade e a força das palavras é que vão determinar

a sua eficácia e esta força verbal se dá num quadro de forças externas,

provenientes tanto das instituições em que se concretizam, quanto dos ritos

e protocolos sociais em que estão inseridas e, até certo ponto,

comprometidas numa cadeia de elos. Na verdade, há todo um processo de

legitimação, envolvendo a autoridade daquele que fala e daquele a quem

esta fala se dirige, numa situação reconhecida por ambos, num acordo

prévio, de que trata o Tratado da Argumentação. Hoje, tenta-se integrar

essas dimensões, por meio de uma visão atualizada de ethos, tal como a

que propomos aqui, ficando clara a razão de termos ampliado o tema

proposto para esta ocasião. É o contrato entre as partes envolvidas,

explícito ou implícito, que nos coloca numa perspectiva interacional,

portanto, de troca, em que importa considerar os papéis dos atores sociais,

dos agentes desse processo. Essa perspectiva é que nos faz colocar a

preocupação social no cerne dessas questões e de darmos ênfase à

perspectiva de grupo. Há sempre um modo de pensar o real por meio de

uma representação cultural, que produz os parâmetros e os modelos, dentro

dos quais as coletividades se situam, com suas categorias e classificações

aceitas ou contestadas. O domínio da opinião, do preferível, da hierarquia e

da escolha admite sempre o diferente, que está na natureza do próprio ato

argumentativo.

É considerando tudo isto que o discurso persuasivo se constrói e

ganha uma força maior.

Vejamos duas charges: uma, em que o sentimento de grupo está

presente por pressuposição, e outra em que se apresenta de forma

dominante:

Page 7: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

Sorria, você está em um clichê (cartunista João Montanaro)

Os traços esquemáticos já povoam a nossa mente e foram

cristalizados como tais: ilha, coqueiro, um náufrago, com a introdução na

natureza de um elemento de civilização, o cartaz de ordem, também clichê,

portanto, um clichê dentro de outro clichê. Diversas vozes aí confluem e o

interdiscurso é trazido à memória coletiva: “Nenhum homem é uma ilha”, que

remonta ao séc. XVII, na afirmação de John Donne, retomada na

contemporaneidade por Saramago através de seu oposto “Todo homem é

uma ilha”, afirmando ele próprio “Eu sou uma ilha desconhecida, perdida

algures neste oceano. Não me conheço...” A dialética das ideias fica aqui

bem evidente no contradiscurso. A esse choque de discursos, de colisão,

Hermágoras denominou Stasis, processo que foi recuperado por Cícero,

Quintiliano e outros.

Page 8: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

Juízes: não perca a temporada (cartunista Angeli)

O título apresenta-se como uma chamada ao espetáculo

(temporada) com o imperativo dirigido ao leitor/população (não perca) e

também remete ao que se tem visto como a sociedade do espetáculo, de

Guy Debord. A visão crítica do cartunista se dá em meio ao julgamento do

STF no caso do Mensalão (set.2013), numa de suas fases mais agudas. A

padronização dos olhares fixos no leitor e as roupas signos do grupo

retratam o clima de investigação e o caráter inquiridor desses atores sociais.

Na vida pública sempre se está desempenhando algo. No caso mencionado,

a exposição televisiva mostrou um lado performático, com os holofotes da

TV Justiça recaindo seus atores, o que altera bastante a relação como o

outro, o auditório, conforme veremos adiante.

Interessa ao nosso tema, que aponta a alteridade como

constitutiva de todo e qualquer discurso, a presença governamental na

mídia através de seus pronunciamentos, slogans e delegações de voz.

Tomemos a afirmação da Presidente Dilma de que

“Campanha é problema dos outros” (vide anexo II), que constitui refutação

àquilo que lhe estava sendo impugnado, isto é, o fato de que as suas

atitudes já eram fatos eleitorais. O argumento por ela utilizado foi o de que

“não tem por que antecipar a discussão eleitoral”. E ainda postula a sua

identidade ao afirmar “Sou presidente da República. As outras pessoas

Page 9: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

querem ser presidente” e esclarece as suas intenções: “Quero exercer meu

mandato, não quero ficar discutindo eleição.

O slogan governamental: País rico é país sem pobreza traz

implícitas as definições de riqueza e pobreza e as várias concepções

econômicas, políticas e sociais que lhe são atribuídas. Parece afirmar o

óbvio e ser tautológico quando, na realidade, é bastante polêmico,

reforçando a visão governamental subjacente e remetendo a outras posições

divergentes, em que o outro está sempre presente neste balizamento. A

propósito, indicamos aqui o trabalho de Neyla Pardo Abril, da Universidade

Nacional da Colômbia, que tem analisado o apagamento da miséria pela

mídia ou, então, a sua glamurização.

Como parte das instâncias do Estado, o Judiciário,

independente do Legislativo, colocamos a fala do ministro Celso de Mello a

quem, em setembro do corrente ano, coube desempatar a votação que

aprovou a revisão das penas de acusados do mensalão, com a possibilidade

aberta pela consideração embargos infringentes:

"[O STF] não pode se expor a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e da pressão das multidões".

Page 10: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

Tem-se aqui a expressão clara da consideração/não-

consideração do outro que, de modo bastante contundente, se faz presente

na fala do Ministro, cuja expressão fisionômica, parte da actio, já é

reveladora de sua apreensão e do dilema em que é colocado: pressões

externas, clamor popular, pressão das multidões. "Nós não julgamos para a

multidão" (12/09/13) foi dito por um outro dos ministros, ao rever os seus

próprios papéis sociais.

O dizer que não vai dizer, já é dizer. Esta é a figura da

preterição, bastante conhecida dos oradores e dos negociadores, de que

trataremos a seguir. É praticamente impossível ficar alheio e insensível às

outras vozes presentes no cenário do país.

Enfeixando tudo o que disse aqui nesta exposição, volto ao tema a

que me propus sobre a questão da Intersubjetividade e de como ela é

construída retoricamente, deixando a afirmação da necessidade de uma

leitura retórica do mundo, já que ele é construído retoricamente através de

representações, de opiniões que se cruzam e se debatem, de

posicionamentos e de decisões, em que nem todos os dados estão

evidentes, ficando implícitos, recalcados ou disfarçados. Pode-se voltar aqui

ao campo próprio da argumentação, que é o domínio da incerteza, do

provável, do plural das perspectivas, enfim, daquilo que a Nova Retórica

trata como sendo a razoabilidade, que se há de discutir, de provar, de

considerar em meio a tantas outras possibilidades. Entram aqui as

experiências pessoais e de grupo, sujeitas a questões psíquicas,

emocionais, políticas e sociais, ligadas a interesses e posições de toda

ordem.

Por último, a intersubjetividade se manifesta de modo bem nítido

quando se trata de negociação e mediação, tarefas em que a atividade

retórico-argumentativa se torna imprescindível.

A fundamentação que tomamos como ponto de partida provém de

Michel Meyer, discípulo de Perelman e, igualmente, Professor da

Universidade Livre de Bruxelas, segundo o qual “a retórica é a negociação

das distâncias entre sujeitos, a propósito de uma determinada questão”.

Page 11: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

Entra nesse procedimento a mediação, através da argumentação,

comportando avanços e recuos, concessões e habilidades no trato das

questões. Ela é necessária para o bom entendimento, numa situação

conflitiva, pelos interesses em jogo, pela diversidade de pontos de vista e

para chegar a uma troca eficaz e salutar, em que perdas e ganhos sejam

partilhados, não se estigmatizando a situação em perdedores e ganhadores.

Tivemos nesta semana (18 a 22/11/13) um bom exemplo de

negociação eficaz, numa situação bastante problemática, como é o caso das

relações das principais potências mundiais com o Irã, num jogo de forças,

que se viu amainado com a suspensão de muitas restrições comerciais

impostas àquele país e, por sua vez, o comprometimento do não-uso do

enriquecimento do urânio para fins bélicos. Resta ver se os compromissos

assumidos serão respeitados por ambas as partes. A predisposição ao

diálogo já é meio caminho andado, sobretudo com a mudança de governo

naquele país, que o coloca numa situação de maior abertura.

Fala-se, em nossos dias, de uma aproximação entre culturas

diferentes, bem como em articulação de saberes, cada uma das partes

envolvidas guardando as suas especificidades. Tratar de identidade é

apontar diferenças e deslindar os Ethe envolvidos na negociação. O jogo

entre identidade e diferença é próprio da relação retórica, como

apresentamos ao longo de nossa exposição. O eu é sempre retórico na

sociedade, uma vez que ele se mostra, representando-se, dentro do

componente básico do social. O corpo representa a diferença em nós,

apesar dos modelos que nos são impostos e pelos quais a mídia tem grande

responsabilidade. Caberia falar numa ética da responsabilidade.

Por que falamos em intersubjetividade e interação? É nessa

interação que se delineiam as identidades, configuram-se os grupos e suas

relações, mesclam-se valores, o que requer uma constante acomodação e

ajustamento e, portanto, um trabalho de convencimento e de persuasão, já

que partimos da linguagem como ação sobre o outro. Tudo isto implica a

imagem do locutor e do interlocutor (o seu ethos), a apropriação do objeto de

discussão (o logos), a comoção do outro para que se sensibilize e reaja às

Page 12: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

propostas, produzindo mudanças no cenário e, possivelmente, um

entendimento mais solidário.

BIBLIOGRAFIA

ARISTÓTELES. Retórica. Introd. e comentários Manuel Alexandre Júnior.

Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1998.

CONLEY, Thomas. Toward a Rhetoric of Insult. Chicago: The University of

Chicago Press, 2010.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro; Contraponto,

1997.

FOLHA DE SÃO PAULO. Campanha é 'problema dos outros', diz

presidente. São Paulo, 14 ago. 2013. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/123929-campanha-e-problema-

dos-outros-diz-presidente.shtml>. Acesso em: 30 mar. 2014.

GRÁCIO, Rui. A Interacção Argumentativa. Coimbra: Grácio Editor/Centro

de Estudos de Comunicação e Sociedade, 2010.

LEITE, Marcelo. Ciência enredada. Folha de São Paulo, São Paulo, 22 set.

2013. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marceloleite/2013/09/1345434-

ciencia-enredada.shtml>. Acesso em: 30 mar. 2014.

MEYER, Michel. Questões de Retórica: linguagem, Razão, Sedução. Lisboa;

ED. 70, 1998;

____________A Retórica. Introd. e rev. Técnica Lineide Salvador Mosca.

São Paulo: Ed. ÁTICA, 2007.

MOSCA, Lineide. Retóricas de Ontem e de Hoje. 3ª ed. São Paulo:

Humanitas, 2004.

Page 13: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

_____________O espaço tensivo da controvérsia: uma abordagem

discursivo-argumentativa. Revista de Filologia e Linguística Portuguesa,

n.09, 2007, p.293-310.

PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. São Paulo; Martins Fontes, 2000.

PERELMAN, Chaim & Tyteca, Lucie O. Tratado da Argumentação. São

Paulo: Martins Fontes, 1996.

PLANTIN, Christian. A Argumentação. São Paulo: Ed. Parábola, 2008.

_______________Les bonnes raisons des émotions. Berne; Peter Lang,

2011.

Page 14: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

ANEXO I

Page 15: INTERSUBJETIVIDADE E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA: A ... · Recai-se naturalmente na questão da identidade e de como ela se forma, se reforça e se propaga, uma vez que o modo de circulação

ANEXO II