intercom sociedade brasileira de estudos...
TRANSCRIPT
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
1
As Redes Socias: entre a Informação Compartilhada, o Ativismo Político e a
Crise da Visibilidade1
Sara Lemes Perenti Vitor2
Universidade Estadual Paulista, Bauru, SP
Resumo
O artigo apresenta observações sobre o comportamento dos internautas nas redes sociais
virtuais, como recebem as informações e as compartilham, destacando os temas relacionados
a política. A proposta surge ao observar o papel das redes online em 2013 na organização das
Manifestações, e a reação dos internautas após as eleições de 2014, quando as redes sociais
deixam de ser um local de diálogo político para disseminar aversão a opiniões diferentes,
evitando assim reais discussões políticas. Tal situação ocorre em meio a uma avalanche de
informações que chegam a todo instante, tornando possível observar uma crise da
visibilidade, onde se compartilha, mas não se averigua ou reflete sobre o conteúdo antes de
ser repassado.
Palavras-chave
Redes Sociais Virtuais; Compartilhamento; Política Cultural; Crise da Visibilidade.
Introdução
A internet passou a fazer parte da vida de muitas pessoas, tendo como destaque as
redes sociais virtuais, que dão opções de entretenimento desde relacionamentos online e
expressão de opiniões, a compras de diversos tipos de produtos; além de ser uma grande fonte
de comunicação. Propaganda, exposição pessoal, momentos cotidianos e vários tipos de
informações chegam a todo instante nas redes, seja pelo facebook, o twitter, os blogs ou tantas
outras, por meio de computadores e também pelos aparelhos celulares. Essa cultura digital se
expande e passa a ter grande importância e destaque na sociedade, inclusive na discussão de
assuntos veiculados na mídia, no entanto a velocidade das informações é maior do que a que
precisamos para assimilar todo conteúdo recebido.
Das trivialidades dos dia a dia e bate-papo entre amigos, começam a surgir
assuntos relacionados a política no Brasil, principalmente a partir de 2013 com o Movimento
Passe Livre, onde milhares de pessoas passaram a falar da revolta de se viver em uma nação
1 Trabalho apresentado no GP Mídia, Culturas e Tecnologias Digitais na America Latina, no XV Encontro dos Grupos
de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2 Mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Estadual Paulista, email: [email protected]
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
2
com serviços públicos precários, pouco investimento na infraestrutura básica, corrupção na
política, aumento das tarifas de transportes públicos e gastos excessivos no governo, surgindo
ativistas políticos digitais. Com a liberdade de expor sua opinião e reproduzir o conteúdo
observado, surge um processo de “conscientização política”, em que algumas pessoas
publicam em suas páginas3 críticas ao governo, se organizam e dão início às Manifestações de
2013 por todo o país, quando foi possível perceber o poder das redes sociais no cenário
político atual, ao organizarem online os atos públicos que levaram cerca de 1,5 milhão de
manifestantes às ruas em aproximadamente 120 cidades brasileiras.
Porém nem sempre os receptores querem discutir realmente sobre o assunto
exposto, nem adquirir mais conhecimento sobre o tema, mas apenas mostrar sua insatisfação.
Após as eleições presidenciais de 2014, ocorreram ainda novas manifestações pedindo
inclusive o impeachment da recém reeleita presidente Dilma Roussef; esses movimentos
iniciaram-se nas redes sociais, porém, sem uma discussão política sobre o momento,
apresentando apenas uma revolta contra o Partido dos Trabalhadores por um determinado
grupo. Nesse momento, a internet começou a ser usada como instrumento de divulgação e
militância, dando mais visibilidade a uma onda de “ódio4”, pois se observa que não se quer
realmente discutir política, nem analisar e refletir sobre o processo político como um todo, e
ainda, não há aceitação de uma opinião diferente da que é compartilhada.
As redes sociais não são exclusividade da internet, os seres humanos se
relacionam e participam de determinados grupos desde os primórdios. No entanto, na análise
proposta, o termo ‘rede social’ é utilizado especificamente ligado à internet e às redes virtuais,
devido a seu destaque na vida social atual e a recepção de informação a todo o momento,
independente de onde o receptor esteja. A proposta é observar qual é a reflexão sobre a
mensagem recebida e o compartilhamento das mesmas, em muitos casos, sem averiguação
alguma, além da não aceitação de opiniões diferentes a respeito de determinados assuntos
ligados à política, notando o surgimento de uma crise da visibilidade em que se olha mas não
se vê além da mensagem superficial, não se reflete sobre a informação recebida.
3 Entenda-se aqui páginas online nas redes sociais, como o local onde se expõe a opinião, no facebook por
exemplo, no caso a publicação de ideias na rede.
4 Ódio aqui exposto no sentido dos ataques a quem discordava da opinião apresentada.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
3
Política das redes sociais
Os organismos sociais se manifestam de acordo com o ambiente em que vivem,
acompanhando suas modificações; o que ocorre nos sistemas culturais, com as formas de
expressão da linguagem. Assim, quando as informações são repassadas na mídia, esta pode
construir um imaginário social após os receptores receberem as notícias e refletirem sobre
elas, formando uma opinião pública e uma visão dos fatos de acordo com o que é apresentado.
É, portanto, nesse quadro que florescem interpretações da vida cotidiana voltadas para a
valorização do “saber prático” das “pessoas simples”, que costumam ter grande receptividade
(MORETZSOHN, 2007, p.39). Com a expectativa de interatividade entre as pessoas e
democratização do conhecimento, a cultura passa a ser baseada em uma série de ilusões; pois
a troca de informações permite ver, mas não compreender o outro.
No atual cenário das redes sociais, em que a política torna-se tema constante,
nota-se a construção de uma Cultura Politica, que em sentido amplo, é verificada através do
conjunto de ideias, crenças e práticas que organizam o relacionamento entre as pessoas no
interior de um grupo; o que gera uma representação ou imaginário político formado por
imagens (dinâmicas, simbólicas e afetivas) e por versões dessas imagens com o objetivo de
promover o equilíbrio social do grupo, compreendendo o modo pelos quais tais grupos
relacionam-se com o governo e com os concidadãos (COELHO, 2012, P.137).
A internet proporciona uma liberdade de expressão jamais vista em nenhum
outro meio de comunicação de massa. As pessoas se relacionam, trocam
experiências e valiosas informações sobre os mais variados assuntos. Essa
junção de vários ao redor de um tema ou interesse é o que forma uma rede
social (FERNANDES; ROSENO, 2013, P.15).
O espaço de discussão de temas de caráter político pode ser tratado como esfera
pública, onde são expostas as ideias formadoras de opinião a respeito de determinados temas,
especialmente ligados à política, surgindo uma opinião pública. Na internet há uma avalanche
de ideias sobre diversos assuntos e temas, mas nem todas as interações políticas se
caracterizam pela democracia, “discussões sobre temas de interesse público muitas vezes
perdem seu foco, tornando-se espaços de disputas e intrigas pessoais” (MARTINO, 2015,
p.90). É necessário ressaltar que uma discussão não é uma briga, mas um debate de pontos de
vista diferentes com objetivo de algum entendimento, sendo que quando a discussão desvia o
assunto e passa a ter ataques pessoais, deixa de existir nos moldes da esfera pública, que seria
a busca pelo entendimento, não pela “vitória” do debate.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
4
Ao observar as redes sociais, nota-se uma tentativa de discutir determinados temas
de caráter político e interesse público, no entanto, em diversos casos, não há esse
entendimento sobre a discussão em si ou aceitação da opinião do outro, o mais comum é a
disputa de opiniões em busca de impor o que pensa sobre determinado assunto, muitas vezes
sem nenhum argumento fundamentado. Opiniões comuns a um determinado grupo de pessoas
surgem, mas sem buscar aprofundar o assunto ou ouvir propostas diferentes; tais opiniões são
compartilhadas na rede conforme são recebidas. “Intermediadas por telas digitais, a relação
das pessoas com a realidade se torna, de alguma maneira, um vínculo com imagens e
aparências” (MARTINO, 2015, p.248). O que é postado é uma imagem de si que se pretende
mostrar, uma construção própria.
Compartilhar significa “participar de algo”, “tomar parte em alguma coisa”,
e também partilhar, dividir com outros. Indiretamente, nos remete às
práticas instauradas pelas redes sociais na Internet de socialização de
conteúdos on-line e amplamente difundidas na rede (ZANETTI, 2011,
p.62).
Nas redes sociais, a cultura do compartilhamento é amplamente utilizada,
produzindo mais conteúdo. Segundo Jenkins (2009), a cultura da convergência ocorre nas
redes pelo fato do indivíduo compartilhar seus comentários a respeito do que vê, das
informações que recebe seja por meio da televisão ou outras mídias. Ao compartilharem
ideias, valores e mensagens, acrescentam suas contribuições, deixando de ser um ato de
apenas “ver televisão”, mas passando a discutir e reimaginar a informação, que será recriada e
compartilhada com outras pessoas. “Uma das premissas mais importantes do conceito de
Cultura da Convergência diz respeito à possibilidade de cada indivíduo ser potencialmente um
produtor de mensagens” (MARTINO, 2015, p. 37).
Por outro lado, esse compartilhamento desenfreado, junto à grande torrente de
informações que chega nas redes sociais a todo momento leva a uma hipertrofia da visão, a
uma crise da visibilidade devido a rarefação de sua capacidade de apelo necessitando de cada
vez mais imagens5 para alcançar o efeito desejado. “O ideal de visibilidade estaria
perfeitamente justificado, caso não derivasse para a superexposição que substitui a cegueira
pela treva à cegueira pelo excesso de luz” (MORETZSOHN, 2007, p.29). É necessária a
oferta de informações confiáveis para que o público tire suas próprias conclusões, mas a
5 Entenda-se a ideia de Imagem como a construção imagética na memória a partir da informação apresentada.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
5
considerada “falta de tempo para pensar” e esse excesso de informação faz com que os
receptores não questionem as mensagens recebidas.
O termo imagem aqui utilizado está ligado à memória, considerando que ao ver ou
ler determinada notícia, o receptor resgata em sua memória uma relação ao assunto e reflete
sobre o mesmo a partir de sua vivência ou conhecimento; quando há um conjunto de imagens
acumuladas e transmitidas por meio de diversas manifestações em um determinado grupo é
denominado cultura. Para Baitello (2005), os meios de comunicação que dependem de
aparelhos para existir e repassar suas mensagens são chamados de imagens técnicas, os quais
transmitem a informação pronta, o fato sem necessitar refletir além do que é apresentado,
tornando indispensável as explicações científicas e técnicas, a visão superficial é a desejada e
comumente utilizada.
A produção ilimitada, o excesso de imagens e a distribuição irrestrita das mesmas
tem levado a comunicação a essa hipertrofia da visão, provocando a escassez através da
abundância, pela overdose de informação. Com a popularização da mídia, onde a maioria das
pessoas tem acesso à internet e pode produzir conteúdo e repassá-lo a diversas outras pessoas
sem nenhum tipo de filtro da informação, surge uma descontrolada reprodutibilidade, mas na
maioria das vezes sem nenhuma reflexão sobre o que está sendo passado, um processo onde
se recebe muito conteúdo, mas não o vê realmente, apenas o “olha” rapidamente.
Máquinas lidam com informações; seres humanos, com o significado dessas
informações. No entanto, na medida em que a torrente de dados é cada vez
maior, o resultado é um predomínio da informação sobre o significado – boa
parte das informações que as pessoas recebem todos os dias, em aplicativos,
e-mails e redes sociais não significam absolutamente nada. Não vão além da
superfície da informação (MARTINO, 2015, P.42).
O potencial democrático da internet vem do fato de mais pessoas terem a
possibilidade de expressarem suas opiniões. Pensando a política como um processo social,
desenvolvido a partir de conflitos e tensões entre seres humanos, não há tecnologia que
garanta maior ou menor participação das pessoas; pois quem garante que o engajamento
político seja maior ou melhor na rede? “Essa postura decorre de uma perspectiva que coloca
na mídia, e não no ser humano, a responsabilidade pelos processos sociais e históricos da sua
vida” (MARTINO, 2015, p.270). Torna-se necessário criar pontes e vínculos entre as
diferenças, construir a comunicação entre seres humanos dispostos tanto a falar como a ouvir,
buscando a compreensão do outro.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
6
Os aparelhos tem o propósito de criar, preservar e transmitir informação e
imagens, Flusser apresenta as imagens criadas pelos aparelhos como a serem imaginadas pelo
receptor, onde “o termo ‘imaginar’ significa a capacidade de concretizar o abstrato” (2008,
p.55). Para ele, as imagens técnicas são produzidas por imaginadores que não tem uma visão
profunda do que fazem e constroem as imagens de forma superficial, de forma que não
necessitem que o receptor busque novas interpretações para as mesmas, tendo-as como
verdadeiras.
Imaginar é fazer com que aparelhos munidos de teclas computem os
elementos pontuais do universo para formarem imagens e destarte,
permitirem que vivamos e ajamos concretamente em um mundo tornado
impalpável, inconcebível e inimaginável por abstração desvairada. A
definição visa captar a situação na qual estamos; captar o clima espectral do
nosso mundo; mostrar como tendemos atualmente a desprezar toda
“explicação profunda” e a preferir “superficialidade empolgante”
(FLUSSER, 2008, p. 60).
As imagens técnicas apontam o significado que querem apresentar, querem
provocar determinadas vivências, conhecimentos, valores e comportamentos, querem
programar seus receptores, já trazem pronto o sentido a ser dado à informação, dispensando
interpretações de quem as recebe; que, por outro lado, necessita de conhecimento mais amplo
para compreenderem seu real significado e sair da superficialidade apresentada.
Para alcançar essa compreensão mais ampla da informação passada, é necessária
uma leitura mais atenta da mensagem, no entanto, a capacidade de concentração da leitura
diminui na medida em que aumentam as informações. Assim, como é baixa a procura por
mais informações complementares sobre o tema apresentado superficialmente, o
conhecimento torna-se superficial também e sem condições para uma análise mais ampla
sobre o que é recebido. Ainda é possível observar que o aumento indiscriminado de vozes não
leva ao debate, mas à cacofonia, uma situação na qual todos falam e ninguém escuta
(MARTINO, 2015, p. 114).
O Brasil conectado
As informações se propagam com a possibilidade de ser totalmente alteradas, não
havendo a possibilidade de controle sobre ela e sobre a produção e distribuição dos usuários
das redes online. Em 2013, as redes sociais fizeram o papel de articular e difundir o
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
7
descontentamento do povo, abrindo um canal para ecoar as insatisfações e, sobretudo,
organizar as manifestações sem ligação a nenhum partido político.
Assim que se conectava a internet, era possível acompanhar, minuto a minuto, a
movimentação dos usuários nas mídias sociais logo nas primeiras horas do dia.
Mensagens vinham de todos os lados, falando de protestos que se multiplicavam
em outros protestos, posts era publicados e fóruns se formavam para discutir o
cenário da política brasileira (FERNANDES; ROSENO, 2013, p. 15)
A partir desse momento, os internautas passam a expor sua opinião política com
mais assiduidade nas redes sociais, principalmente em momentos como a Copa do Mundo no
Brasil e nas eleições presidenciais em outubro de 2014. Observando o período após as
eleições de 2014, nota-se a falta de diálogo nas redes, onde ocorre um ataque aos eleitores que
votaram a favor do PT ou que questionam os outros candidatos, momento em que a internet
começou a ser usada como instrumento de divulgação e militância, dando mais visibilidade a
uma onda de “ódio6” onde se observa que não se quer realmente discutir política
7, nem
analisar e refletir sobre o processo político como um todo, apenas atacar quem tem uma
opinião diferente de um determinado grupo.
A falta de informação e reprodução
instantânea do que era dito pode ser observado
em situações como o de uma mulher segurando
uma faixa a favor do feminicídio8 na
manifestação de 15 de março de 2015 (ao lado)
e ainda outras pessoas pedindo intervenção
militar. Nesse período, ao levantar questões
sobre outros problemas governamentais, como
o poder legislativo ou o problema da água e
educação no governo do estado de São Paulo, a
reação era ser apontado como “petista”, apesar
do PT nem ser citado em diversos momentos,
6 Ódio aqui exposto no sentido dos ataques a quem discordava da opinião apresentada.
7 Conclusão feita a partir do levantamento de pesquisadores da USP e Unifesp, com o apoio da Fundação Ford,
demonstram desinformação e analfabetismo político dos manifestantes. Demonstra que as redes sociais são os
meios mais utilizados para adquirir informação, sendo na maioria dos casos boatos multiplicados por perfis
falsos para disseminar o ódio.
8 Disponível em < http://partiurua.tumblr.com/post/113803222165/inteligencia-nao-ignorancia-sim>
Fonte: Site #PartiuRua
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
8
mas por tentar uma discussão política com um olhar diferente do que estava sendo
apresentado pela maioria; demonstrando a falta de reflexão e diálogo na rede.
Surge o questionamento sobre a construção de uma mentalidade social, externada
pelo sentimento de ódio, onde se fala de política mas não interessa saber nem como ela
funciona, não se aceita ouvir opinião diferente e não há uma busca de reflexão sobre o
assunto9, mas apenas um compartilhamento de uma opinião da “maioria” sem reflexão nem
aceitação de ouvir uma opinião diferente, devido a essa crise da visibilidade. “A tendência do
universo rumo à desinformação pode ser calculada com probabilidade tão grande que tal
desinformação definitiva pode ser tida por informação “verdadeira”” (FLUSSER, 2008, p.30).
Segundo reportagem veiculada no Diário da Manhã em 18 de abril de 2015,
boatos são disseminados nas redes sociais por meio de perfis falsos. De acordo com pesquisa
da USP e Unifesp feita na manifestação de 12 de abril de 2015, foi levantado que 64% dos
manifestantes acham que o PT quer implantar um regime comunista no Brasil; 71,3% creem
que o filho de Lula (Fábio Luis) é sócio da JBS/Friboi; outros 53,20% acreditam que o PCC é
braço armado do PT; 70,90% dizem que as cotas contra o racismo geram mais racismo nas
universidades e 42,60% acreditam que o PT trouxe 50 mil haitianos para o Brasil para
votarem em Dilma. A pesquisa entrevistou 571 manifestantes na Avenida Paulista e, na
reportagem, Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Unifesp e uma das
coordenadoras da pesquisa, afirma estar surpresa por, apesar da maioria dos manifestantes ter
nível superior, demonstrarem um grau de desinformação altíssimo.10
A concepção das relações entre política, mídias digitais e ciberespaço varia
conforme o foco, podendo ser ligada aos Estados, partidos e governo; à
administração pública, ao acompanhamento das ações governamentais com novas
formas de engajamento político onde as discussões tornam-se mais fáceis; ou em
um sentido mais amplo, relacionada às diversas manifestações e afirmações de
identidade, chamando a atenção de outras pessoas para diversos problemas sociais
(MARTINO, 2015, p.85-86).
Jamais se houve tanta “história” como atualmente. As imagens veiculadas nas
redes mostram acontecimentos políticos a todo instante conforme cada partido apresenta, os
quais querem que escolhamos entre eles e nós queremos escolher e também queremos essas
imagens veiculadas; essa circulação de imagens é alimentada pelo discurso da política, que
9 Vide pesquisa divulgada em < http://www.dm.com.br/politica/2015/04/odio-na-internet-criminaliza-a-
politica.html>
10
Disponível em < http://www.dm.com.br/politica/2015/04/odio-na-internet-criminaliza-a-politica.html>
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
9
acumula enorme quantidade de informação que é produzida de forma acelerada, com
discursos cada vez mais precipitados e eventos políticos que alteram cotidianamente toda a
cena, como apresenta Flusser (2008, p. 84-85).
No entanto, as redes permitem a informação circular por outros caminhos,
possibilita às pessoas interessadas em receber mais informação de qualidade a buscarem essa
informação além do que lhe é oferecido instantaneamente, também através da internet e
outros meios de comunicação. “Dependendo da importância da questão, o grau de
engajamento online pode ser alto o suficiente para se opor às decisões políticas e econômicas”
(MARTINO, 2015, p.114). A possibilidade de participação política abre caminhos para se
pensar a noção de democracia e sua relação com a circulação de informações e produção de
conhecimentos.
Ao assumir o ponto de vista do outro não significa abandonar seu próprio ponto
de vista, mas a possibilidade de julgar a partir do ponto de vista do outro, diferente do seu,
podendo levar a uma terceira perspectiva que melhoraria a anterior; essa tentativa de assumir
o ponto de vista do outro não implica o abandono do próprio ponto de vista, como afirma
Moretzsohn (2007, p. 212-213). Mas em relação a política nas redes sociais, não nota-se na
maioria dos casos, uma abertura em relação a ouvir pontos de vista diferentes, mas sim um
ataque às opiniões diferentes, muitas vezes sem nenhum embasamento.
Desde o início do período eleitoral, acirraram-se discussões entre pessoas
que repetem ideias sem refletir o que elas realmente significam. Que acham
normal falar dessa forma porque na internet (onde ninguém se machuca
fisicamente), é assim que funciona. Porque, para eles, a democracia não é a
vontade da maioria com proteção das minorias, mas o regime em que, quem
grita e xinga mais, leva (SAKAMOTO, 201411
).
Se por um lado tem-se a impressão de que atualmente há uma maior
conscientização e interesse político através das redes sociais, por outro, esse
compartilhamento sem reflexão e a não aceitação de opiniões diferentes, resulta em uma
superficialidade do assunto apresentado. Torna-se necessária uma “cultura democrática” em
vez de “cultura de massa”, onde o núcleo da sociedade não seria mais a circulação entre
imagem e homem, mas sim a troca de informação entre homens por intermédio de imagens.
11
Disponível em http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/10/04/eleicoes-entao-as-manifestacoes-nao-
serviram-para-nada/).
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
10
Algumas considerações
As redes sociais virtuais tornaram-se um forte veículo de comunicação e,
inclusive, de organização das massas, basta observar a rapidez e força das manifestações em
2013 apresentando um descontentamento geral e levando milhares de pessoas às ruas. No
entanto, apesar da grande quantidade de informação que chega a todo instante, ainda falta às
pessoas um interesse além da mensagem inicial, que normalmente é superficial e incompleta,
é necessária uma busca por informações complementares, confirmando a veracidade do que
leem ou complementando o conteúdo veiculado.
Além dessa necessidade de averiguação, é extremamente necessário saber ouvir o
outro, aceitar opiniões diferentes, refletir sobre elas e, assim, construir sua ideia sobre os fatos
apresentados, com embasamento, construindo assim uma cultura democrática. É preciso ainda
conhecer todo o processo político para dar base a essa discussão online, buscar entender a
ação do poder legislativo e executivo, pois não é apenas o presidente que governa o país mas
os deputados e senadores também tem grande importância em todo o processo, além de
diferenciar a ação dos governos estaduais e municipais.
Enfim, para que a política disseminada nas redes sociais tenha efetivamente
importância, é preciso primeiro alterar a mentalidade dos internautas em relação a
superficialidade das informações recebidas, de forma que entendam a importância de
conhecer a fonte da informação, busquem além da mensagem passada ou aceitem ouvir outras
opiniões, além de conhecerem todo processo, assim que saibam dialogar além da informação
superficial que lhes é passada, pois assim esse “poder” social nas redes virtuais possa ser
aproveitado efetivamente para melhorar o quadro político do país.
Referências bibliográficas
BAITELLO Jr., Norval. A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo:
Hacker Editores, 2005.
COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. São Paulo:
Iluminuras, 2012.
FERNANDES, Edson; ROSENO, Ricardo de Freitas. Protesta Brasil: das redes sociais às
manifestações de rua. São Paulo: Prata Editora, 2013.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Rio de Janeiro, RJ – 4 a 7/9/2015
11
FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo:
Annablume, 2008.
MARTINO, Luis Mauro Sá. Teoria das Mídias Digitais: linguagens, ambientes, redes. 2ª ed. –
Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
MORETZSOHN, Sylvia. Pensando contra os fatos: Jornalismo e cotidiano: do senso
comum ao senso crítico. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
VELHO, Ana Paula Machado. A semiótica da cultura: apontamentos para uma metodologia
de análise da comunicação. Revista: Estud. Comum., Curitiba, v.10, n.23, p.249-257,
setembro/dezembro 2009.
Internet:
#Partiu Rua. Disponível em < http://partiurua.tumblr.com/post/113803222165/inteligencia-
nao-ignorancia-sim>. Acesso abril 2015.
Ódio na Internet criminaliza a política. Disponível em
<http://www.dm.com.br/politica/2015/04/odio-na-internet-criminaliza-a-politica.html>.
Acesso: abril 2015
SAKAMOTO, Leonardo. Eleições: Então as manifestações não serviram para nada?
Disponível em <http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/10/04/eleicoes-entao-as-
manifestacoes-nao-serviram-para-nada/>