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INTERACIONALIDADES MIDIÁTICAS:DAS TECNOLOGIAS DE COMPARTILHAMENTO

À SUPREMACIA DOS FÃS

Marcos Nicolau

(orgaNizador)

ideia

João Pessoa 2015

LIVRO PRODUZIDO PELO PROJETOPara Ler o Digital: reconfiguração do livro na Cibercultura – PIBIC/UFPB

Departamento de Mídias Digitais – DEMID / Núcleo de Artes Midiáticas – NAMIDGrupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas – Gmid/PPGC/UFPB

Coordenador do ProjetoMarcos Nicolau

CapaBruno Gomes

Editoração DigitalBruno Gomes

Alunos IntegrantesBruno GomesGabriel Jardim

ateNção: as iMageNs usadas Neste trabalho o são Para efeito de estudo,de acordo coM o artigo 46 da lei 9610, seNdo garaNtida a ProPriedade

das MesMas aos seus criadores ou deteNtores de direitos autorais.

I61 Interacionalidades midiáticas: das tecnologias de compartilhamento à supremacia dos fãs [recurso eletrônico] / Organizador: Marcos Nicolau.-- João Pessoa: Ideia, 2015.

1CD-ROM; 43/4pol.(6.36mb) ISBN: 978-85-463-0048-8 1. Sociologia da comunicação (influência da mídia). 2. Influência da mídia.

3. Videoclipes (produção). 4. Redes sociais. I. Nicolau, Marcos.

CDU: 316.77

EDITORA

av. Nossa seNhora de fátiMa, 1357, bairro torre ceP.58.040-380 - João Pessoa, Pb

www.ideiaeditora.coM.br

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Sumário

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SUMÁRIO

Apresentação..................................................................................05

Parte I

No emaranhado das redes: do “individualismo conectado” à interacionalidade transversal pelo celularMarcos Nicolau.................................................................................08

Flipboard “multitela”: A Interação midiatizada em tempos de aplicativos e novos displaysNatan Pedroza...................................................................................38

Parte II

Fanmades music videos:autonomia do fã, apropriação e a produção de videoclipesFabrícia Guedes.................................................................................59

The Blue Island: cultura da participação e práticas interacionais dos fãs de iamamiwhoamiMiriam Barros....................................................................................77

Sob o domínio dos fãs: o uso das redes sociais de vídeos em torno da série Game of ThronesNathália Rezende...........................................................................105

Os memes como micronarrativas da cultura pop: interação, criatividade e reapropriação pelos fãs de Game of Thrones no FacebookLuana Inocêncio.............................................................................133

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APRESENTAÇÃO

Esta obra é resultado do Projeto de Pesquisa iniciado há um ano, sobre interacionalidade ubiqua e colaborativa, e os desafios da era pós-digital, en-volvendo os pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Processos e Lingua-gens Midiáticas (Gmid/PPGC/UFPB). Alguns desses textos foram apresen-tados em congressos da área de Comunicação e outros foram elaborados durante a pesquisa, exclusivamente para compor esta edição.

Os artigos aqui constituídos compõem duas vertentes de uma mesma pesquisa sobre interacionalidades, em seu caráter ubíquo e colaborativo. Desse modo, a primeira parte do livro aborda os aspectos tecnológicos e operacionais das interações via celular e Flipboard, baseados em aplicativos e displays cada vez mais dinâmicos à disposição dos usuários e interagentes. Na segunda parte desse conjunto de textos, a abordagem trata dos proces-sos interativos envolvendo os fãs e seus objetos de admiração, tais como os fanmades de videoclipes, as práticas interacionais dos fãs da banda iama-miwhoami e da série Game of Thrones.

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São, ao todo, seis artigos que demonstram aspectos dos avanços per-mitidos pela midiatização, como um processo social que se instaurou na sociedade contemporânea. Todos esses estudos enfatizam e confirmam os três princípios que regem a cibercultura, devidamente identificados pelos autores da área, como sendo a descentralização do pólo de emissão, a co-nectividade em rede e a reconfiguração de práticas midiáticas. Portanto, trata-se de importante contribuição aos demais pesquisadores da Comu-nicação, que buscam o entendimento sobre as interacionalidades consti-tutivas de nossa era.

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PARTE I

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NO EMARANHADO DAS REDES: DO “INDIVIDUALISMO CONECTADO”À INTERACIONALIDADE TRANSVERSAL

PELO CELULAR1

Marcos NICOLAU2

Resumo

Na sociedade globalizada, a comunicação tornou-nos “hiper-conectados” pelas for-mas de interação proporcionada por uma crescente rede de telefonia, gadgets e sis-temas de compartilhamentos disponíveis. Nos enredamos nas malhas das redes que o mercado global vai construindo pari passu com nossas necessidades. Nesse artigo, o objetivo é demonstrar que, por entre essas redes, conseguimos ampliar nossas in-terligações pelo entrecruzamento de interações via celular, para além das estruturas pré-direcionadas. A essa prática demos o nome de interacionalidade transversal, que

1 Artigo originalmente apresentado no 24 Encontro Nacional Compós - Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, na UnB, Brasília, em junho de 2015 - GT Práticas interacionais e Linguagens na Comunicação.2 Pós-Doutor em Comunicação pela UFRJ. Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Curso de Comunicação em Mídias Digitais, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas – Gmid. E-mail: [email protected].

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nos permite utilizar modos de comunicação próprios. Partimos do conceito de “indi-vidualismo conectado”, em Rainie e Wellman (2012) e analisamos a interacionalidade transversal pelo celular em experiências cotidianas, viagens, movimentos sociais e protestos urbanos dentro e fora do Brasil.

Palavras-chave: “Individualismo conectado”. Interacionalidade transversal. Celular.

Introdução

A previsão de alcançar o número de 7 bilhões de unidades em todo o mundo, até o final de 20143, mostra a consolidação do celular como um po-deroso sistema interacional de comunicação jamais desenvolvido pela hu-manidade. Presente nas mãos dos usuários, indistintamente, está permitindo que estes governem ou desgovernem as suas vidas, enredados no emara-nhado das redes eletrônicas e digitais de comunicação que cobre o planeta.

A potencialidade interacional do celular, entretanto, vai além dos aspec-tos comunicacionais mais imediatos, uma vez que se instaura nas sociedades contemporâneas, não mais de lugar para lugar, mas de pessoa a pessoa, ora mobilizando campanhas solidárias, ora servindo à disrupção social e revol-tas; em tarefas corriqueiras ou organizando atividades complexas, influen-

3 Dados divulgados pela União Internacional das Telecomunicações (UIT), em maio de 2014. Informação disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,numero-de-celulares-se-igualara-a-numero-de-habitantes-da--terra-este-ano,183736e. Acesso em: 04/02/2015.

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ciando consideravelmente nosso modus vivendis.O celular já incorpora todas as propriedades comunicacionais do com-

putador e mostra-se mais versátil do que o tablet em sua capacidade intera-cional, integrando-se de forma intrínseca aos fatores determinantes da mi-diatização no contexto da cibercultura, como o processo social de mediação tecnológica das relações humanas. Nesse caso, serve-nos de base a percep-ção de Sodré (2006), referente à midiatização e sobre o que este chamou de tecnomediações: trata-se de um tipo particular de interação que se mostra como uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da nossa reali-dade sensível.

Nascido como desdobramento do telefone que Graham Bell criou em 1876, o celular surgiu no período de desenvolvimento inicial da internet, no começo dos anos de 1970, mas se consolidou comercialmente na década de 1980. Sua origem na forma digital como o conhecemos deu-se no início dos anos de 1990, chegando a ser tornar um smartphone em 2000: com tela touchscreen, múltiplas funções e computadorizado digitalmente passou a categoria de artefato interacional de amplo espectro em diferentes contex-tos culturais.

Isso porque sua interacionalidade, como principal característica de comu-nicação, mostra-se transversal. Ou seja, não se limita ao trânsito por apenas um sistema comunicacional, mas entrecruza-se por entre sistemas diversos

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e de múltiplas conexões, discernidos e articulados pelos usuários: interliga--se via rede telefônica com outros celulares, integra programas e aplicativos para conversação na internet, e consegue transitar informações de interes-ses pessoais por entre sistemas de comunicação oficiais, tornando-se, por conseguinte, um “dispositivo híbrido móvel de conexão multirredes”, como o definiu André Lemos (2007).

E como dispositivo eletrônico portátil, com funções utilitárias específi-cas, o celular é reconhecidamente um dos gadgets mais reconfigurados pela indústria, no sentido de tornar sua tecnologia digital de comunicação im-prescindível às nossas necessidades interacionais. Para Lanier (2011), a coisa mais importante sobre uma tecnologia é como esta muda as pessoas e até mesmo pequenas inovações são capazes de provocar imprevisíveis altera-ções no padrão de comportamento delas.

A partir desses aspectos sobre a capacidade interacional do celular e de perceber sua relação com as redes sociais, foi oportuno verificar a constru-ção do conceito de “individualismo conectado”, em Barry Wellman (2002), referente à conectividade direta entre indivíduos que se relacionam por re-des e grupos, sem precisar estabelecer vínculos mais fortes com os demais. Cada um desses indivíduos tem suas próprias necessidades, mas procuram atendê-las nesse processo coletivo de interações, mesmo que efêmeras.

Em uma definição posterior, Rainie e Wellman (2012) afirmam que a ex-

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pressão “individualismo conectado” surgiu da percepção de que as novas tecnologias comunicacionais têm diversos potenciais, mas, que é o modo como as pessoas as utilizam que permite compreender a sua dimensão. O “sistema operacional social” do “individualismo conectado” representa a li-bertação das restrições de grupos coesos, obrigando as pessoas a desenvol-verem habilidades de relacionamentos e estratégias, como parte do esforço para manter laços que se articulam em várias redes sobrepostas.

Levando em conta a ideia de “individualismo conectado” e aplicando a análise prática da interacionalidade transversal do celular a eventos cotidia-nos simples, como viagens internacionais a países globalizados e, principal-mente, importantes movimentos sociais e de protestos ocorridos na última década, na Espanha, em países árabes e no Brasil, foi possível verificar os recursos interacionais desse artefato digital e estabelecer os objetivos do presente artigo: demonstrar a liberdade e a autonomia das pessoas, nas prá-ticas interacionais operacionalizáveis pelo celular, projetadas por entre os sistemas oficiais de mercado, regimes políticos e imprensa, mantenedores e dominantes das redes de comunicação consolidadas. Até que ponto somos capazes de construir uma interacionalidade transversal contínua, que vai do pessoal ao coletivo, embora cerceados por esses poderosos sistemas comu-nicacionais?

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A consolidação interacional do celular

Do simples aparelho que recebia e enviava voz humana, o telefone cria-do por Graham Bell no final do século XIX, manteve-se assim até o ano de 1973, quando foi criado o primeiro celular. Mas, tido aparentemente como um meio apenas de interligar duas pessoas em ambientes distantes, o tele-fone participou efetivamente do desenvolvimento das mídias ao estabelecer um sistema de rede fundamental para a interligação de outros sistemas. É o que confirma Parry (2012, p. 203):

Em seus primórdios, outras mídias, como os jornais, viam-no como uma sin-gela conveniência comercial para seus funcionários; a nova invenção nada tinha de importante. A partir do seu desenvolvimento, porém, o telefone nos proporcionou a estrutura de rede e a tecnologia com base nas quais se estruturariam as redes de rádio e televisão. E, sem a rede de telefonia, não haveria internet.

Por sua vez, segundo Thomas Friedman (apud KEEN, 2015), colunista do New York Times, a tendência mais importante do mundo na atualidade é o fato da globalização e da revolução da tecnologia da informação terem nos levado a um patamar inteiramente novo; diversas inovações, entre elas o

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smartphone4, habilitados para uma internet barata, está levando o mundo, de conectado à “hiper-conectado”. E essa tendência é reforçada pela opor-tuna informação de Keen (2015, p. 13): “O número de dispositivos celulares máquina-a-máquina ativos crescerá 3 a 4 vezes entre 2014 e 2019”.5

O surgimento do celular em 1973, criado por Martin Cooper, para a Mo-torola, até a sua comercialização em 19846, foi um período que coincidiu com o desenvolvimento da internet e das novas linguagens computacionais, por isso, a estrutura de funcionamento desse aparelho é mais dinâmica do que as analógicas redes tradicionais7.

Nessa trajetória ao longo da década de 2000, Lemos (2007) demonstrou que o celular tornou-se mais que um telefone, uma vez que integrou fun-ções de conversação, convergência, portabilidade, personalização, conexão através de múltiplas redes, produção de informação com textos, imagens e sons, localização e novas formas de produção imagética, incluindo fotos e

4 O nome smartphone foi designado pela Ericsson em 1997, mas foi a Nokia, nessa época, quem lançou o smartpho-ne com acesso aos textos da Web. Informação disponível em: http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2013/03/qual-e-diferenca-entre-smartphone-e-celular-entenda.html. Acesso em: 02/02/2015.5 Tradução livre de: “The number of active cellular machine-to-machine devices will grow 3 to 4 times between 2014 and 2019”.6 Informação disponível em: http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2012/06/historia-dos-telefones-celulares.html. Acesso em: 02/02/2015.7 De acordo com Parry (2012), a tecnologia principal do celular é baseada no conceito de célula local, uma vez que o aparelho conecta-se a uma estação de terra. Esta corresponde a uma célula a partir de ligação sem fio, que leva a conexão para a rede pública de telefonia convencional.

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vídeos. E na tentativa de melhor defini-lo, chamou-o de “Dispositivo Híbrido Móvel de Conexão Multirredes - DHMCM”:

O que chamamos de telefone celular é um Dispositivo (um artefato, uma tecnologia de comunicação); Híbrido, já que congrega funções de telefone, computador, máquina fotográfica, câmera de vídeo, processador de texto, GPS, entre outras; Móvel, isto é, portátil e conectado em mobilidade funcio-nando por redes sem fio digitais, ou seja, de Conexão; e Multirredes, já que pode empregar diversas redes, como: Bluetooth e infravermelho, para co-nexões de curto alcance entre outros dispositivos; celular, para as diversas possibilidades de troca de informações; internet (Wi-Fi ou Wi-Max) e redes de satélites para uso como dispositivo GPS. (LEMOS, 2007, p. 25)

Hoje, o celular parece exemplificar de forma evidente os estudos de Do-minique Carré, publicado em 19978 e devidamente mencionado por Weiss-berg (2013), sobre as tecnologias móveis que se sustentam em uma carac-terística básica, a mobilidade, desdobrada em duas principais qualidades: a ubiquidade e a onipresença:

8 Conforme referência de Weissberg: Dominique Carré, “Les technologies mobiles, quels enjeux?”, AFETT/EUROCA-DRES, Lab. SIC Universidade Paris-Norte, fevereiro de 1997, p. 9.

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Enquanto a ubiquidade destaca a coincidência entre deslocamento e comu-nicação (o usuário comunica-se durante seu deslocamento, precisão adi-cionada), a onipresença, ao contrário, oculta o deslocamento e permite ao telecomunicador continuar suas atividades de comunicação quando está em outros lugares que não seu trabalho habitual. (CARRÉ apud WEISSBERG, 2013, p. 121)

Podemos inferir a dinâmica do uso do celular no atual contexto das so-ciedades globalizadas, pelas considerações feitas por Santaella (2010)9, que, à luz das importantes figuras da conectividade, mobilidade e onipresença, consideradas por Weissberg (2013), situou as práticas e os processos comu-nicacionais em espaços ubíquos, assim designados:

Estes são espaços hiperconectados, espaços de hiperlugares, múltiplos es-paços em um mesmo espaço, que desafiam os sentidos de localização, per-manência e duração. São espaços povoados por mentes multiconectadas e, por conseqüência, coletivas, compondo inteligências fluídas. (SANTAELLA, 2010, p. 18)

Portanto, a particularidade e característica fundamental do celular, a interacionalidade, está associada à capacidade de realizar todas as atividades 9 Para esclarecimento sobre as datas das obras: Santaella (2010) utilizou a versão do artigo de Weissberg publicada em 2004, na primeira edição do livro Tramas da rede (PARENTE, 2004), mas recorremos aqui, a uma edição de se-gunda reimpressão, publicada em 2013, o que permitiu a adequação de algumas citações. Ver obras nas Referências.

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dos demais dispositivos tecnológicos fixos e móveis (PCs e tablets), participando ativamente da vida cotidiana de bilhões de pessoas no mundo inteiro, quer seja em seus redutos de comunidades ou perímetros urbanos, quer seja de maneira globalizada, mas, cada vez mais, de forma ubíqua e onipresente.

O “individualismo conectado” em Rainie e Wellman

Na concepção de Wellman (2002), a passagem para uma realidade de conexão sem fio e personalizada permitiu o “individualismo conectado”. O indivíduo não se enraíza nos lugares como a casa ou o trabalho, manten-do-se interligado com outros e operando separadamente suas redes sociais para obter colaboração, apoio e sociabilidade.

Na mais recente pesquisa, publicada conjuntamente, Rainie e Wellman (2014) demonstraram que as pessoas usam o “individualismo conectado” para ampliar seus relacionamentos a partir de suas necessidades pessoais. São tais necessidades que impulsionam as pessoas a procurarem contatos além dos familiares e dos amigos em casos, por exemplo, de não encontra-rem apoio e orientação médica próximos de si, como foi o foco de suas pes-quisas. Através de conhecidos dos conhecidos, elas chegam às pessoas que podem, de fato, ajudar, dentro de uma estrutura em rede de grande propor-

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ção: “A sociedade não é a soma de indivíduos ou de duas pessoas interliga-das. Em vez disso, todo mundo está imerso nas estruturas das relações que proporcionam oportunidades, limitações, alianças e soluções alternativas”10. (RAINIE e WELLMAN, 2012, p. 21).

O conceito de “individualismo conectado” apresentado por Weillman, no qual o indivíduo tem de ser um centro em sua própria rede, sem necessaria-mente passar pela mediação de um grupo, foi devidamente explicada pelo acompanhamento do caso de um casal norte-americano que sofreu um re-vés na vida (RAINIE e WELLMAN, 2012). A esposa sofreu um traumatismo craniano que a colocou em coma e algum tempo depois o marido sofreu um derrame que o deixou também convalescente.

Iniciando com uma simples divulgação, pelo celular, da foto da esposa com a cabeça enfaixada e tubos de respiração artificial, junto a alguns ami-gos, o marido, inesperadamente e em um dia e meio, recebeu retorno de cerca de 150 pessoas, em sua maioria, desconhecidos de várias partes da América do Norte, com uma intensa mobilização de conforto e apoio. A rede de ajuda logo se ampliou, tornando-se efetiva e presencial. Após a hospita-lização do marido, mais tarde, esses relacionamentos criados em redes apa-rentemente instáveis, tanto por celulares, quanto por e-mails, redes sociais

10 Tradução livre de: “Society is not the sum of individuals or of two-person ties. Rather, everyone is embedded in structures of relationships that provide opportunities, constraints, coalitions, and work-arounds”.

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e sites, contribuíram novamente para resolver os novos problemas do casal.O “individualismo conectado” parece contrariar os arranjos sociais anti-

gos, criados em torno de burocracias hierárquicas e pequenos grupos, como famílias, comunidades e grupos de trabalho - essa é uma das observações retiradas da pesquisa, por Rainie e Wellman (2014), cujos desdobramentos envolvem vários aspectos. Entre eles está o fato de que as pessoas, ao incor-porarem a internet, bem como os celulares em suas rotinas, transformam o modo de interagir uns com os outros, aprendendo novas habilidades sociais e atuando na rede, primeiramente, como indivíduos.

De acordo com as observações de Martino (2014, p. 140), “A possibilidade que cada indivíduo tem de ser um centro em sua própria rede, sem necessa-riamente passar pela mediação de um grupo, é uma das bases da teoria do individualismo conectado de Wellman”. Isso porque, com o acesso à inter-net sendo feito de modo pessoal, os indivíduos tornam-se, potencialmente, nós dentro de suas próprias redes, como pontos de intersecção e acesso de informações. Para Martino (2014), isso significa um crescente isolamento acompanhado, “paradoxalmente”, de um grande número de conexões com outras pessoas, cujas ligações resultam na formação de outros pequenos grupos, que trabalham pela manutenção dos seus laços, mesmo que frágeis.

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As bases da interacionalidade transversal na prática

O celular, na condição atual de produto mercadológico, caracteriza-se comercialmente, como um aparelho cuja principal qualidade é proporcionar acesso ao mundo digital e compartilhado da internet. Através de sistemas operacionais cada vez mais eficientes, permite ligação e interação com blogs, e-mails, sites, aplicativos e redes sociais os mais diversos, realizando contatos, também com outros celulares, por mensagens textuais, imagens estáticas e de voz com vídeo. E já não se percebe a sua elementar peculiaridade: ligar diretamente para outro celular via rede telefônica. Esse modelo operacional mais simples pode ser visualizado no Gráfico 1, abaixo.

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Gráfico 1 – Processo básico da interacionalidade transversal próprio do celular

Fonte: O autor

Como o celular tem a possibilidade de conexão que independe da inter-net, seu sistema interacional é mais direto, sem as intermediações dos hubs11 que loteiam a Web. Mas, um modelo visual sempre é um recorte delimitado da realidade, cujos padrões interacionais que se entrecruzam no ciberespa-ço, são mais dinâmicos na prática.

11 De acordo com Barabási (2009), a topologia da Web é dominada por hubs, uma pequena quantidade de nós altamente conectados pelo trânsito frequente dos usuários. Exemplos de hubs são grandes sites de busca ou de compras, como: Yahoo!, Google, Amazon.com, pelos quais passam todos os links não populares ou pouco percebidos.

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A pesquisa de Rainie e Wellman (2012) contemplou essa dinâmica em uma situação na qual estavam envolvidos aspectos de solidariedade e co-moção, diante de fatalidades que acometeram um casal norte-americano. Entretanto, a potencialidade do “sistema operacional em rede” envolve tam-bém diversas outras situações de necessidades e estratégias interacionais diferentes.

Uma prática desenvolvida por adolescentes quando as gerações mais jo-vens começaram a ter acesso aos celulares no Brasil demonstra um exemplo de transversalidade, para além do simples uso do aparelho, mas atravessan-do o próprio sistema mercadológico da telefonia móvel: quando as opera-doras começaram a oferecer planos pré-pagos com o sistema de inclusão de créditos nos celulares, os jovens descobriram que podiam falar de graça se discassem e falassem rapidamente nos primeiros segundo da ligação, desligando em seguida o aparelho. Repetindo sucessivamente esse proce-dimento, eles transmitiam suas mensagem e não gastavam nada dos seus créditos, exigindo que as empresas adotassem medidas para impedir essa prática.

Nesse sentido, verificamos que o Gráfico pode ser o mesmo, mudando o processo de interacionalidade que atravessa o sistema, na forma de uma prática descoberta pelas usuários, que se mostra transversal, como demons-tra o Gráfico 2:

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Gráfico 2 – Exemplo de processo de interacionalidade transversal criado pelos usuários

Fonte: O autor

Mediante a possibilidade de várias práticas interacionais que podem ser desenvolvidas pelos usuários, procuramos estabelecer parâmetros metodo-lógicos passíveis de comprovação, abrangendo importantes eventos sociais cotidianos, nos quais foi possível verificar, para além do “individualismo co-nectado”, a interacionalidade transversal pelo uso do celular: 1) uma viagem ao exterior, realizada por cinco pessoas, atravessando diferentes países, so-

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bre a qual fazemos apanhados como pesquisador participante, mas apoia-dos em depoimentos de outros grupos, que complementaram e confirma-ram o estudo - nesse caso, interessa-nos menos as peculiaridades turísticas visitadas e mais precisamente, os processos interacionais realizados pelo ce-lular; 2) os movimentos sociais e protestos urbanos em vários lugares como, Espanha, países árabes e Brasil, cuja cobertura midiática e análise de pesqui-sadores forneceram as informações necessárias.

As situações escolhidas têm peculiaridades e motivações diferenciadas – uma de caráter turístico e outra, político/ideológica. As viagens internacionais envolveram pessoas de classe média que comumente mapeiam a internet o ano inteiro em busca de promoções de passagens; procuram os passeios fora dos caros circuitos turísticos das agências; pesquisam estadias, eventos e alimentação que sejam acessíveis e seguras entre outras alternativas. Os movimentos e protestos sociais, por sua vez, contaram com o envolvimento de cidadãos, estudantes ou trabalhadores, que se utilizaram de recursos in-teracionais transversais para criarem redes de divulgação e mobilização que sobrepujaram as redes oficiais de informação e evitaram de ser impedidos ou rastreados pelos órgãos governamentais de controle e policiamento.

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Relato de viagens e das práticas interacionais via celular

Apesar das viagens turísticas, individuais ou em grupos, não terem a re-percussão midiática de um evento social como os protestos, tornaram-se, na atualidade, uma das atividades de grande crescimento com o advento das sociedades globalizadas, responsáveis pela incrementação financeira em pa-íses de todos os continentes. Segundo a Organização Mundial do Turismo12, em 2014 registrou-se cerca de 1,38 milhões de viajantes, correspondente a um acrescimo de 4,7% a mais de turistas em viagens ao exterior.

A viagem internacional, realizada por turistas é, portanto, uma atividade relevante e requer um processo interacional cada vez mais dinâmico, uma vez que exige muitos procedimentos operacionais que vão, desde o reco-nhecimento da cultura e das peculiaridades do destino, passando pela com-pra de passagens, escolha de hotéis apropriados, alimentação, transporte, segurança, até passeios e visitas a locais pitorescos.

Não apenas participando de uma dessas viagens a países da Oceania (Austrália e Nova Zelândia), com um grupo de cinco pessoas, durante 20 dias, mas também, consultando pessoas que entre 2013 e 2015 participaram de viagens para outros países dos territórios norte-americano, europeu e

12 Informação disponível em: http://media.unwto.org/es/press-release/2015-01-27/mas-de-1100-millones-de-turistas-viajaron--al-extranjero-en-2014. Acesso em: 06/02/2015.

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asiático, conseguimos alguns detalhes dos processos interacionais realiza-dos via celular, para atendimento de necessidades e soluções de problemas diversos. Estratégias que vão além daquelas proporcionadas pelos sistemas do mercado devidamente instalados na internet, manipulativo e restrito ao modelo de negócios turísticos que impulsiona as sociedades globalizadas.

Em princípio, existe toda uma estrutura de rede interacional em sites e aplicativos comerciais, a partir da qual podemos realizar as operações ne-cessárias a uma viagem internacional, inclusive pelo celular: fazemos consul-tas sobre promoção de passagens, verificamos hotéis e passeios ofertados, utilizamos mapas e GPS para geolocalização, sites de busca e enciclopédias, para saber sobre lugares, comidas e fatos históricos, bem como, encontra-mos, em sites compartilhados como o TripAdvisor, as opiniões e críticas de pessoas que estiveram pernoitando e visitando os lugares. Em muitos paí-ses, inclusive, existem aplicativos locais que ajudam o viajante a localizar e mapear ambientes das cidades por onde passa.

Mas, um aspecto importante foram as dicas de conhecidos, a partir de redes sociais, sobre como ter acesso fácil à internet em países diferentes: aquisição de chips para celulares, de operadoras locais, com créditos somen-te para o período da estadia; utilização de redes Wi-fi gratuitas nos hotéis, restaurantes e espaços públicos dos centros das cidades. O relato de viajan-tes que estiveram no Japão foi o de que, lá é possível alugar um roteador

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portátil de Wi-fi, que serve para o grupo, a partir de uma senha: as pessoas têm acesso constante à internet e em todos os lugares por onde transitam.

Por outro lado, as necessidades turísticas dos viajantes sempre vão além desse traçado convencional quando se trata de ter melhores opções fora do circuito comercial, informações sobre segurança e sobre atividades, de cus-tos mais justos e apropriados à condição financeira. E, nesse caso, o celular é fundamental, porque permite fazer ligações diretamente para os atenden-tes dos locais que oferecem serviços e passeios, conseguindo obter dicas e informações sobre dias e horários promocionais, que não poderiam constar nos folhetos impressos ou nos sites oficiais. Nessas consultas, a partir de um domínio básico de conversação em inglês - a língua da globalização - sem-pre se consegue ter conhecimento sobre rotas e atividades alternativas, ser-viços de transportes públicos gratuitos e sistemas de apoio a turistas.

A partir dos próprios sistemas de e-mails e através de redes sociais di-versas, nas quais o celular permite acesso à rede de amigos e conhecidos, compartilha-se um vasto ambiente de painéis de fotos, vídeos e textos de dupla utilidade: tanto os viajantes têm uma ideia de lugares visitados pelas pessoas, cujas fotos e vídeos mostram ângulos pessoais e inusitados - di-ferente das imagens do tipo “cartão postal” dos folhetos - quanto, passam a alimentar esses painéis também com novas imagens captadas e disponi-bilizadas quase que simultaneamente. Em alguns trajetos de um lugar para

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outro é possível fazer ligações via Facetime e mostrar aos interlocutores, as paisagens e os eventos em tempo real, ao mesmo tempo em que se explica com viva voz os detalhes dos ambientes e dos fatos. São situações captadas por pessoas comuns, que alimentam uma nova rede transversal de compar-tilhamentos com outros viajantes.

Movimentos sociais no mundo e protestos urbanos de junho de 2013 no Brasil

O massivo uso das redes sociais na internet foi devidamente documen-tado em protestos realizados em várias partes do mundo, pela cobertura da imprensa internacional, antes das passeatas de junho de 2013 em nos-so país. Percebemos, pelos relatos, que o celular foi peça fundamental para troca de mensagens através das quais as pessoas se conclamavam para a mobilização nas ruas.

Cardoso (2010) faz menção a um artigo publicado na imprensa italiana (L’Expresso), por Umberto Eco, falando sobre a mobilização popular ocorrida na Espanha, no qual retrata as apropriações individualizadas das mídias so-cialmente compartilhadas. Para Eco, os ataques terroristas de 2004 à estação de trens de Atocha, em Madri, aconteceram num momento em que não era

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apenas a televisão e o rádio que dominavam, mas outras mídias das quais a população se apropriava, através do celular e da internet.

As táticas de guerrilha semiótica contemporânea (Eco, 2004), exemplifica-das pela apropriação social das mídias nos dias que se seguiram ao 11 de março de 2004 em toda a Espanha, foram desenvolvidas num processo em rede, um processo de criação de nós espontâneos que ecoavam em men-sagens originadas através da comunicação interpessoal. O celular, sobre-tudo através do uso do SMS, foi usado com o fim de divulgar a mensagem de que o “governo estava mentindo sobre o envolvimento do ETA, porque tratava-se da Al-Qaeda”, e convidar pessoas “a reunirem-se nas sedes do partido do governo, o Partido Popular, ou edifícios públicos em protesto” (CARDOSO, 2010, p. 37)

Por seu turno, nas revoluções da chamada “Primavera Árabe”, ocorrida a partir de dezembro de 2010 na Tunísia, espalhando-se pela Líbia, Síria e Egito, mesmo com a censura e a opressão dos regimes autoritários contra a imprensa e contra o uso da internet, os celulares permitiram que as ações de violência contra a população fossem compartilhadas pelo mundo intei-ro. Conforme matéria publicada pelo jornal Estadão, em 17 de dezembro de 201113, de autoria de João Coscelli, “Na Síria, a imprensa estrangeira não 13 Informação disponível em: http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,a-revolucao-sera-twittada,812020. Acesso em: 07/02/2015.

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tem liberdade de atuação. Na Líbia, havia repórteres, mas o regime de Kadafi mantinha a atividade sob estrito controle. As imagens dos confrontos nesses países chegaram ao resto do mundo graças aos próprios opositores, que usa-ram dispositivos móveis, como câmeras e celulares”.

No Egito, em 2011, o massivo movimento, que recebeu nomes como “Dias de Fúria” e “Revolução do Nilo”, foi analisado por Castells (2013), que constatou que as convocações para as manifestações de 25 de janeiro em diante foram realizadas por jovens, para quem as redes sociais e os telefo-nes celulares passaram a ser parte importante de seus modos de vida. Os manifestantes registravam os acontecimentos com seus telefones celulares, compartilhando os vídeos, quase sempre ao vivo, pelo Youtube e pelo Face-book, com pessoas do país e do restante do mundo, apesar das tentativas do governo egípcio em bloquear a internet e o sistema de telefonia.

Baseado em pesquisa do Instituto Ovum14, Castells (2013) diz que, em fins de 2010, pouco antes dos protestos, cerca de 80 por cento da popula-ção do Egito já tinha telefone celular e esclarece que, embora a tecnologia não seja determinante para a deflagração de tais movimentos - uma vez que são motivados por conjunturas sociais -, as redes da internet e de telefonia celular, mais do que ferramentas, tornaram-se formas organizacionais, assim

14 Ovum é uma empresa de pesquisa, consultoria e análise, baseada em Londres, na Inglaterra, que presta serviços sobre tecno-logias de informação e mídias.

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como, expressões culturais e, ainda, plataformas específicas para a autono-mia política.

No Brasil, os protestos puderam ser acompanhados de perto, dado o acesso direto às redes sociais utilizadas para divulgação dos fatos ocorridos. Apesar da constante divulgação nas várias redes sociais disponíveis na inter-net, foi possível perceber que, para além do uso dos computadores e tablets, havia uma utilização muito mais recorrente de aparelhos celulares.

Em uma mobilização nacional que, em um dia, como a quinta-feira de 20 de junho de 2013, reuniu mais de 1 milhão de pessoas, com passeatas em 388 cidades brasileiras, incluídas, 22 capitais15, o celular foi um instrumento fundamental para mobilizar os participantes, registrar os fatos e divulgá-los para além do que a mídia tradicional era capaz de fazer. Os integrantes dos movimentos urbanos constituíram sua rede interacional a partir da orga-nização de grupos via conversas telefônicas, em redes sociais diversas, por e-mails entre outros caminhos.

De acordo com Peruzzo (2013, p. 82) , o uso da internet, mídias, redes sociais virtuais e celulares constituiu-se em importante diferencial do movi-mento que sacudiu o país: “Os manifestantes usaram meios próprios para se comunicar: simples celulares ou smartphones, redes virtuais e o audiovisual

15 Informação disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/20/em-dia-de-maior--mobilizacao-protestos-levam-centenas-de-milhares-as-ruas-no-brasil.htm. Acesso em: 07/02/2015.

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alternativo municiaram a sociedade com a informação em tempo real do que ocorria nas ruas pelo ângulo de novas fontes”. Isso porque, cada pessoa que tinha um celular conectado à internet pode gravar, interpretar e difundir em tempo real, o que acontecia nas praças públicas.

Estas se tornaram, inclusive, fontes para a grande mídia que se viu atônita e perdida, sem saber bem o que fazer, pois os acontecimentos fugiam ao seu tradicional esquema de pautas e coberturas. Estes favoreceram o exercício da liberdade de expressão, sem gatekeepers, e numa proporção imensurá-vel devido ao efeito de replicação das redes virtuais. Tanto que o contraste se evidenciou entre as transmissões autônomas de pessoas e de grupos ativistas – por celulares conectados à internet e câmeras de fácil manuseio em meio às multidões. (PERUZZO, 2013, p. 82)

A repercussão dessa rede interacional, portanto, acabou por atravessar os sistemas tradicionais usados pela imprensa, que até então se considerava a legítima retransmissora dos eventos, de acordo com seus filtros de coleta e tratamento das notícias, bem como seu modelo de informação e negócio já consolidado.

As pessoas passaram a buscar informações junto às fontes das redes sociais, blogs e sites pessoais, que conseguiam entrecruzar-se pela rede de notícias. A veracidade das informações podia ser conferida, não mais pela

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emissora, empresa jornalística ou sites oficiais, mas pela quantidade de fon-tes que permitiam confirmar ou desmentir os fatos e boatos divulgados, mostrar fotos e vídeos, apresentar depoimentos e avaliações dos próprios participantes, em grande quantidade.

Havia uma necessidade flagrante de brasileiros e estrangeiros, não só em compreender o que de fato acontecia, mas também de divulgar e compar-tilhar, de todas as formas, o que a própria imprensa não publicava ou não conseguia entender. Para tanto, eram usados os sistemas de hashtags, como #vemprarua e #OGiganteAcordou, que serviam de trilhas facilmente trans-mitidas, identificadas e seguidas pelas pessoas, tendo o celular como ponto de conexão e compartilhamento.

Considerações finais

Esse breve panorama de usos e práticas interacionais pelo celular de-monstra que, no contexto da cibercultura, estamos imersos em várias redes comunicacionais que se entrelaçam: as redes físicas, de sistemas eletrônicos e digitais; as redes de sistemas operacionais e de softwares estruturadores da internet; e a rede de sites, blogs, e-mails e aplicativos, pessoais, empresa-riais e governamentais que se cruzam na Web.

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É nesse universo complexo do entrelaçamento das redes que vislumbra-mos a interacionalidade transversal em movimento. Tanto as interligações de celular para celular via rede telefônica, quanto os acessos deste à internet pe-los sistemas operacionais com seus programas diversos e o entrecruzamento compartilhado de informações para além das fontes oficiais e empresariais demonstram as possibilidades de autonomia dos usuários em discernir um modus faciendi diante do modus operandi da indústria da comunicação.

Mas, não podemos esquecer que, na esteira dos sistemas sociais e polí-ticos, do capitalismo, está o constante movimento estratégicos dos gover-nos e das empresas globalizadas no sentido de reconfigurar seus poderosos sistemas comunicacionais, levando em conta o movimento comportamental das populações integradas às redes de informação. Afinal, as nossas práticas interacionais são expostas no próprio ambiente virtual ao qual todos eles têm acesso, possibilitando que sejam incorporadas, pari passu, aos proces-sos de controle político e adequação mercadológica

Essa ameaça é tanto maior quanto o estado de conformação que costu-ma nos assolar quando encontramos, nos gadgets e nas redes, os serviços que atendem basicamente as nossas necessidades. Por isso, devemos con-siderar o alerta de Wu (2012), diante do histórico domínio da informação gerido pelos impérios da comunicação, acerca daquilo que cria essa aco-modação: as conveniências formadas pelas redes de comunicação. Para este

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autor, quando aceitamos as opções mais convenientes, concordamos cole-tivamente com o controle dos grandes impérios, baseados em pequenas e atraentes escolhas, cujas consequências não levamos em conta.

A questão importante que se coloca nesse momento crucial da nossa jornada tecnológica comunicacional é: como continuar interagindo nessa grandiosa “aldeia global” macluhiana, criada pela globalização política e mercadológica, com a liberdade e a autonomia de descobrir estratégias co-municacionais efetivas para nossos interesses e necessidades, com direito a transitar pelos caminhos inusitados de interação que o nosso discernimento nos proporciona?

Talvez se aproveitando da variedade de sistemas operacionais ofertados, cujas tecnologias móveis são dispersas entre si; da infinidade de aplicativos e das características intrínsecas do celular que está em nossas mãos, como um artefato pessoal que permite combinar mensagens de voz, texto e imagem, para continuar criando operacionalidades novas no emaranhado das redes, por entre as quais os regimes políticos, o mercado e a própria indústria da tecnologia digital também se enredou.

A interacionalidade transversal parece despontar, por enquanto, como um procedimento transgressor e “revolucionário” no sentido de não se con-formar com os padrões políticos e mercadológicos, que procuram moldar a vida coletiva nas sociedades globalizadas. Afinal, a comunicação, como

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compartilhamento de ideias e construção de significados, sempre arranja um jeito de criar redes livres, mesmo onde elas parecem não existir.

Referências

BARABÁSI, Albert-László. Linked: a nova ciência dos networks. São Paulo: Leopardo Edi-tora, 2009.CARDOSO, Gustavo. Da comunicação em massa à comunicação em rede: modelos co-municacionais e a sociedade de informação. MORAES, Dênis de (Org.). Mutações do visível: da comunicação de massa à comunicação em rede. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2010.CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013KEEN, Andrew. The internet is not the answer. London: Atlantic Books, 2015.LEMOS, André. Comunicação e práticas sociais no espaço urbano: as características dos Dispositivos Híbridos Móveis de Conexão Multirredes (DHMCM). In: Comunicação Mí-dia e Consumo. V. 4, n. 10, jul., p. 23-40, São Paulo: 2007.MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das mídias digitais: linguagens, ambientes e redes. Petrópolis: Vozes, 2014.LANIER, Jaron. Você não é um gadget: um manifesto. Lisboa: Arcádia/Babel, 2011.

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PARRY, Roger. A ascensão da mídia: história dos meios de comunicação de Gilgamesh ao Google. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.PERUZZO, Cecília M. Krohling. Movimentos sociais, redes virtuais e mídia alternativa no junho em que “o gigante acordou”(?). In: Revista Matrizes, ano 7, n. 2, jul./dez./2013. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/matrizes/article/viewFile/69407/71976. Aces-sado em: 18/fev/2015.RAINIE, Lee; WELLMAN, Barry. Networked: the new social operating system. Cambridge/Massachusetts: The MIT Press, 2012.SANTAELLA, Lúcia. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus, 2010.WEISSBERG, Jean-Louis. Paradoxos da teleinformática. In: PARENTE, André (Org.). Tra-mas da rede: novas dimensões filosóficas, estéticas e políticas da comunicação. 2a. reimpressão. Porto Alegre: Sulina, 2013.WELLMAN, Barry. Physical place and cyber-place: the rise of networked individualism. In: International Journal for Urban and Regional Research, V. 25.2, p. 227-252, June/2001.______. Little boxes, glocalization, and networked individualism. NetLab, Universi-ty of Toronto. 2002. Disponível em: http://calchong.tripod.com/sitebuildercontent/site-builderfiles/LittleBoxes.pdf. Acessado em 01/fev/2015.

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FLIPBOARD “MULTITELA”: A INTERAÇÃO MIDIATIZADA EM TEMPOS DE

APLICATIVOS E NOVOS DISPLAYS

Natan PEDROZA1

Resumo

O presente artigo volta-se para a análise de processos relativos à interação midiatizada, ilustrada a partir do aplicativo de rede social Flipboard. Esta ferramenta traz duas características importantes: um aplicativo criado para tablet que migrou seu conteúdo e processos interacionais para outras telas e displays, assim como a criação de produtos digitais (revistas), de potencial colaborativo, a partir de um app. Nosso objetivo é demonstrar que a onipresença dos aplicativos mobile, de possibilidades multitela, potencializam processos típicos da midiatização, tais como o “individualismo conectado” e a formação de grupos em rede, constituindo-se como vetores imprescindíveis da interacionalidade midiática moderna. Enquanto constante da era digital, as telas e seus conteúdos

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação - PPGC/UFPB. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas - Gmid/UFPB. E-mail: [email protected].

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convergentes dinamizam práticas interacionais ininterruptas, através de sistemas integrados e semelhantes.

Palavras-chave: Mídias digitais. Telas. Aplicativos. Flipboard. Interação midiatizada.

Introdução

A internet pode ser considerada o motor dos processos interacionais ressaltados a partir do digital. De ligações entre computadores e entre no-vas mídias, suas conexões fundamentais ocorrem mesmo entre pessoas. Vivemos uma época em que a palavra “compartilhamento” tornou-se uma constante e mídias como o smartphone e o tablet, são telas indispensáveis à interação que pode partir de um aplicativo, por exemplo. Redefinidos pelo advento do smartphone e uma vez aliado à popularização de novas redes sociais e serviços, ao desenvolvimento da internet móvel e à integra-ção entre outras telas, os aplicativos potencializam as formas de interação ocorridas no âmbito da midiatização. Como exemplo dessa estruturação: o Flipboard.

Os conhecidos apps estão disponíveis nas lojas virtuais em quantidades expressivas. Suas funcionalidades são cada vez mais indispensáveis em nos-so dia a dia e ao passo que os utilizamos e atualizamos, notamos que seus conceitos voltam-se para a realização de tarefas sempre mais específicas,

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podendo utilizar-se de redes diferentes em meio à dinâmica de suas interfa-ces. Também, suas funções podem ir além das que constam em suas descri-ções, ao passo que os usuários frequentemente estabelecem novas práticas, apropriações e funcionalidades a partir do seu uso.

Hoje, muitos aplicativos destinam-se à elaboração de produtos digitais. O Flipboard, por exemplo, com características de rede social, traz uma dinâmica centrada na produção de revistas digitais, com possibilidades colaborativas a partir da junção e profusão de “histórias”. Esse serviço saiu exclusivamente do tablet (iPad) e agora, num conjunto de outros suportes, possibilita “flipar” ou adicionar/compartilhar conteúdos, hiperlinks, numa rede de curadoria colaborativa. Ou seja, a interação midiatizada ressalta-se pelo uso de aplica-tivos multiplataformas.

Dentre sua gama de possibilidades, o Flipboard pode exemplificar não só a inserção de um sistema de mídia móvel em outros displays de interação, mas também pela tendência de não haver uma quebra de interacionalidade de uma mídia para outra. Nossa intenção não é descrever de forma detalha-da (ou técnica) sobre as funções do app mencionado e sim, explanar acerca do seu potencial comunicacional mediante as interações midiatizadas que as telas conectadas em rede tem nos proporcionado. Ainda, perceber as im-plicações do uso contínuo de ferramentas digitais, independente de onde (lugar, plataforma) estejamos conectados.

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Conexões em rede

Pensar em comunicação pelo terreno virtual da cibercultura é pensar nas amplas possibilidades interacionais que a internet pode nos ofertar, através da propagação de telas. “[...] A internet, uma tecnologia obscura sem muita aplicação além dos mundos isolados dos cientistas computacionais, dos ha-ckers e das comunidades contraculturais, tornou-se a alavanca na transição para uma nova forma de sociedade”, lembra Castells (2003, p. 8) ao delimitar a sociedade de rede, num ambiente de nova economia e do qual “a rede é a mensagem”. Podendo ser considerada uma mídia – ou supermídia, como diz Parry (2012) – a internet é fundamental aos processos comunicacionais e interacionais contemporâneos.

Nesse ambiente, do qual podemos visualizar a analogia de uma arquite-tura de conexões em rede, em movimentos constantes de formação, a infor-mação circula a partir das conexões estabelecidas pelas mídias digitais em geral, das quais ocasionam a formação de grupos. Com base em Clay Shirky, Martino (2014, p. 146) explica que “boa parte do conteúdo da internet não é dirigido a todas as pessoas, mas a grupos específicos, maiores ou menores em tamanho, que selecionaram previamente, por suas próprias característi-cas de grupo, receber estas ou aquelas informações”.

Estes grupos podem ser visualizados e melhor exemplificados a partir

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das redes sociais. Como uma das camadas culturais que moldaram a inter-net, Castells (2003, p. 53) diz que “a apropriação da capacidade de interco-nexão por redes sociais de todos os tipos levou à formação de comunidades on-line que reinventaram a sociedade e, nesse processo, expandiram espe-tacularmente a interconexão de computadores [...]”.

Como um importante vetor de consumo informacional da internet e da sua pluralidade de informações, pensando para além do computador, des-taca-se como ambiente ou interface de visualização a tela do celular. Este, ao tornar-se conectado em rede e ao ganhar novas estruturas interacionais, passa a delimitar-se como uma mídia fundamental à comunicação que se estabelece em mobilidade. “[...] Seu poder de interação vai ao encontro do desejo primordial do ser humano de estar interligado e fazer parte do mun-do [...]”, ressalta Nicolau (2015, p. 2).

O uso frequente de serviços digitais, como os ofertados por aplicativos de rede social em celulares (diga-se smartphones) e outros dispositivos, de-manda atualizações constantemente. A chamada “era das notificações”2 pas-sa a refletir o intenso fluxo de informações e de dados a que nos é disposto a partir da internet, cotidianamente, minuto a minuto. Enquanto possibilida-de de exemplificar uma fuga ou alternativa a tal condição, citamos, a título 2 Pensada no âmbito da tecnologia móvel e que pode acentuar-se a partir de dispositivos vestíveis. Está relacionada à distração, por exemplo, causada pelas constantes informações das telas que acessamos. Disponível em: <http://motherboard.vice.com/pt_br/read/como-manter-a-sanidade-na-era-das-notificacoes>. Acesso em 24/10/15.

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de curiosidade e reflexão, o Light Phone3. Pensar nesse dispositivo é pensar na completa exclusão da conectividade e do conceito de smartphone. Seria uma ideia nostálgica de comunicação. Um reflexo do quanto a tecnologia pode nos tornar agentes de um processo interacional sem fim.

Entre aplicativos e displays

Com o desenvolvimento dos smartphones, os aplicativos dos sistemas operacionais móveis dos antigos celulares tornaram-se mais versáteis, per-sonalizáveis e onipresentes, em plataformas de funcionalidades mais espe-cíficas e segmentadas. Além disto, associando-se ao desenvolvimento das interfaces, das formas de interacionalidade em rede, do desenvolvimento de novas aplicações, como os tablets e agora falando do conceito Wearable4, os apps podem sair exclusivamente de um contexto já estabelecido, sendo desenvolvidos ou adequados mediante outras telas e displays.

De acordo com Tellaroli e Squirra (2012, p. 388), “a palavra display significa em português mostrador ou painel que apresenta em uma tela algum objeto

3 Proposta de celular lançada no site de financiamento coletivo Kickstarter. Traz por principais características: realizar e receber chamadas, através de uma interface simples e intuitiva. Disponível em: <http://targethd.net/light-phone--o-celular-para-quem-so-quer-um-celular/>. Acesso em 24/10/15.4 Dispositivos classificados pela tecnologia/computação vestível.

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audiovisual sensível ao toque ou não”. Este dispositivo retrataria as possibilida-des tecnológicas do conceito de convergência e seus aspectos híbridos, possi-bilitando conteúdos digitais através dos processos de produção, transmissão e armazenamento, como argumentam os autores. Seria uma evolução dos meios de comunicação, com a difusão de novas mídias. Nesse processo, explicam:

Fruto da amigabilidade dos atracamentos tecnológicos, as facilidades di-gitais tiveram processos tecnológicos unificados e hoje permitem que a partir de um aparelho seja possível se comunicar com outras pessoas (com imagens dos dialogantes), ler notícias (em tempo real), tirar fotos (e enviá--las imediatamente), fazer filmagens (e expô-las nos sites de compartilha-mento), trocar informações (individualmente ou nas redes sociais), assistir a conteúdos televisivos (das emissoras ou dos anônimos produtores de documentários) [...]. (TELLAROLI; SQUIRRA, 2012, p. 381)

Assim, a terminologia “displays digitais” é sugerida pelos autores supra-citados para designar às telas de hoje, enquanto se pensa em suas formas de representação através de pixels e também pelas ideias da interatividade, multiplataforma, conexão em rede e portabilidade. Ou seja, “[...] o display di-gital e interativo se configura como a principal base de acesso aos processos informativos da modernidade”, esclarecem Tellaroli e Squirra (2012, p. 391). Pensando pelo viés mercadológico, os autores apontam uma tendência para

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“tecnologias que deem ao usuário a comunicação plena contida na expres-são inglesa anyway, anywhere, anytime5” (p. 389).

A fim de buscar uma base quantitativa sobre a expansão da conectivi-dade e dos displays móveis mais difundidos hoje (smartphones e tablets), tem-se que nos anos 2000 o número de conectados à internet no mundo era de 400 milhões (6,5% da população). Em 2015, esse índice saltou consi-deravelmente, estando na casa dos 3,2 bilhões (43%), com destaque para o número de assinaturas de conexão móvel: 7 bilhões.6 Assim, sabe-se que os smartphones ainda são hegemonia quando se pensa em conexão móvel, uso de aplicativos mobile e possíveis formas de interacionalidade.

No Brasil, por exemplo, 68 milhões usam a internet pelo smartphone, dado referente ao primeiro trimestre de 20157. Somente em fevereiro do mesmo ano, estes dispositivos representaram 95% das vendas de aparelhos celulares no país8. Ainda, 57% das pessoas que possuíam smartphones no mês de maio, afirmaram ter também um tablet. Este último foi pesquisado em 10 categorias de principais atividades, que em ordem crescente foram 5 De qualquer forma, em qualquer lugar, em qualquer tempo.6 Dados da União Internacional das Telecomunicações (UIT/ONU). Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/05/mundo-tem-32-bilhoes-de-pessoas-conectadas-internet-diz-uit.html>. Acesso em 24/10/15.7 Disponível em: <http://www.nielsen.com/br/pt/insights/news/2015/68-milhoes-usam-a-internet-pelo-smartpho-ne-no-Brasil.html>. Acesso em 24/10/15.8 Disponível em: <http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=39420&sid=17#.Vi-vhaH6rSCi>. Acesso em: 24/10/15.

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listadas: games, redes sociais, vídeos/TV, e-mail, livros, educação, música/rádio, fotografia, notícias/revistas e trabalho9.

Flipboard “multitela”

“Flipboard é a sua revista personalizada, na sua mesa, em seu bolso ou em seu pulso”. Essa é a frase inicial da descrição do aplicativo na App Store10 e que já expressa a proposta do serviço em variados displays interacionais. Isso porque no ano de seu lançamento, em 2010, só estava disponível para o iPad11 (iOS)12. Depois de também ser disponibilizado em dispositivos com Android13, por exemplo, em 2015 reformulou sua ferramenta de edição para web, readequando-se às telas do computador14 – aplicativo em formato de site –, a partir dos navegadores15 (browsers) e migrou para o recém-lançado 9 Disponível em: <http://www.nielsen.com/br/pt/insights/news/2015/Para-que-voce-usa-o-tablet.html>. Acesso em 24/10/15.10 Loja de aplicativos da Apple.11 Tablet da Apple lançado também em 2010.12 Sistema operacional da Apple para seus dispositivos móveis.13 Sistema operacional do Google para dispositivos móveis.14 O gerenciamento ocorre no site flipboard.com. Disponível em: <https://pt-br.about.flipboard.com/inside-flipbo-ard-brasil/flipdicas-gerencie-suas-revistas-no-site-flipboard-com/>. Acesso em 24/10/15.15 A inserção de informações via computador ocorre através do bookmarklet “Flip It”, que é adicionado ao navega-dor. Disponível em: <https://about.flipboard.com/tools/>. Acesso em 24/10/15.

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gadget, do novo e ascendente segmento de mídias vestíveis: Apple Watch16. Logo, nota-se uma necessidade de se fazer presente em telas diferentes daquela proposta inicialmente, num movimento que só tende a aumentar, dado as reconfigurações híbridas em novos conceitos de sistemas/platafor-mas de conteúdo midiático.

“A interface do Flipboard é uma característica importante do aplicativo, pois permite visualizar a informação de maneira diferente das tradicionais listas e feeds, aproveitando características da web 2.0 [...]”, diz Goss (2012, p. 40), elencando atributos como: personalização, compartilhamento e multi-mídia. Ao analisar as características da interface do Flipboard para o iPad, a autora estabelece uma relação entre o consumo da informação ao “conceito do composto informacional midiático”, de Primo (2008), quando se pensa na busca individual por notícias em mídias variadas.

O Flipboard é gratuito e está delimitado nas lojas virtuais através da ca-tegoria “Notícias”. Na App Store, por exemplo, enquadra-se na subcategoria “Notícias breves”, da qual figura em primeiro lugar quando a lista é ordena-da pela classificação de Best-sellers. Na Play Store17, o número de downloads 16 “O relógio reimaginado”, diz a Apple. “Ele mostra informações importantes onde e quando você precisa. Ajuda a realizar as tarefas do dia a dia em segundos. Conecta você com as pessoas e coisas que mais gosta. E ainda mos-tra as horas com extrema precisão. Sim, o Apple Watch é um relógio. Mas é diferente de qualquer um que você já imaginou”, descreve a empresa. Disponível em: <http://www.apple.com/br/watch/watch-reimagined/>. Acesso em 23/10/15.17 Loja de aplicativos do Google.

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já ultrapassou a marca dos 100 milhões, no momento de análise desta pes-quisa. Dentre suas principais especificações, ilustradas por seus desenvolve-dores na página de apresentação, constam:

1. “Veja tudo o que você curte em um único lugar”. O serviço reúne no-tícias, textos, fotografia, vídeo etc. de sites diversos e de redes sociais. Seu conteúdo é disposto no formato de revista, diagramada de acor-do com o dispositivo de exibição e que pode ser considerada como uma espécie de atalho para as informações provenientes da web.

2. “Salve e compartilhe histórias num grupo fechado de revistas”. As re-vistas podem ser criadas de forma individual ou colaborativa, com con-teúdos próprios ou não e também disponibilizadas publicamente ou em particular (quando surge um cadeado em sua capa).

3. “Siga todos os assuntos e pessoas de seu interesse”. O usuário pode seguir temas específicos (oriundos dos sites) e também visualizar os feeds de outras redes sociais (Twitter, Facebook, Intagram, Google+ e YouTube figuram entre as principais). Nesse aspecto podemos ver que o Flipboard é uma rede para outras redes. Cada tema, tópico ou rede social seguida configuram-se como uma revista na página ini-

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cial do aplicativo, com atualizações a todo instante.

4. “Acompanhe as histórias que lhe interessam”. Essas histórias são os links daqueles que sigo, os conteúdos que salvei em minhas próprias revistas ou as atualizações de amigos em outras redes sociais. Todos são referenciados.

5. “Colecione tudo o que você ama e expresse o que você pensa”. Trata--se da inserção das informações de interesse (contidas dentro do apli-cativo ou internet de forma geral) nas suas revistas ou naquelas das quais participa como colaborador. Ao adicionar ou “flipar” o conteúdo, o usuário pode fazer inferências em texto, por exemplo, sobre o que coleta e passa a manter armazenado. Podemos comparar tais revis-tas às pastas de favoritos que criamos diretamente do navegador web, mas que agora podem ter um novo aspecto, numa reconfiguração de armazenamento, leitura, busca e principalmente, compartilhamento, a partir do uso do aplicativo exemplificado.

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Para tratar da veiculação do Flipboard numa nova tela, destacamos como plataforma o conceito do Apple Watch. As 10 principais histórias do dia são exibidas e atualizadas no dispositivo. O conteúdo é mostrado em fragmen-tos e é preciso direcioná-lo ao smartphone para a leitura na íntegra. “[...] Fun-ciona como um companheiro para o aplicativo em seu iPhone [...]”18. Logo, podemos verificar que um movimento claro da cultura digital perpassa entre a disponibilidade de mídias que se diferenciam em suas estruturas, mas que ofertam possibilidades semelhantes no quesito sistemas, apps e informa-ções. Movimento esse característico da convergência.

Como lembram Tellaroli e Squirra (2012, p. 384), “[...] não há mais o muro que separa uma mídia da outra, uma vez que nas bases digitais convergentes, amigáveis e dialogantes do presente, os conteúdos fluem aberta e facilmente entre todas as mídias [...]”. Mais do que veicular conteúdo, o Flipboard convida o usuário para a construção de um produto digital – uma revista personaliza-da – que acentua sua essencialidade comunicacional com a característica da idealização colaborativa. Esse é um atributo do qual destacamos neste estudo. Trata-se de um tipo de interacionalidade entre usuários ou consumidores, lei-tores que ganham o status de curadores e também de produtores digitais, com amplas possibilidades de compartilhamento e difusão informacional.

18 Disponível em: <https://pt-br.about.flipboard.com/inside-flipboard-brasil/flipboard-para-o-apple-watch/>. Aces-so em 24/10/15.

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O que podemos pensar é num movimento que faz a informação partir de todos para todos – lembrando a ideia figurativa de um rizoma, como escla-rece Lemos (2015) –, característica que é comum à cibercultura, ao mundo conectado em rede, as suas formas de consumo/produção comunicacionais e sobre a qual toma abrangência pela amplitude interacional dos aplicativos. Ainda, notar a relação entre emissor e leitor, descrita por Martino (2014, p. 146). Segundo o autor, os dois termos “referem-se apenas a momentos no ato de comunicação, uma vez que as duas posições se alternam constante-mente no compartilhamento em rede de informações”.

Interações e midiatização

O que sugerimos com esta pesquisa é discorrer sobre a interação de for-ma ampla, mais precisamente no campo da midiatização. Com esta, dentre suas possíveis interpretações, refletindo as interações humanas tecnome-diadas – como diz Sodré (2006) – ressaltamos que os aplicativos (de carac-terísticas como as do Flipboard) potencializam o conceito. Seja pensando na diversidade de mídias novas ou “obsoletas”, das quais se presentificam, seja pensando no âmbito da mobilidade comunicacional a que podem propor através de suas telas hipermidiáticas.

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Abordamos a interação midiatizada (IM) de acordo com a perspecti-va de Mattos e Villaça (2012), autores que buscam delimitar uma melhor precisão do conceito aos debates comunicacionais. De acordo com eles, a expressão diz respeito às “[...] interações contemporâneas permeadas por uma lógica própria da cultura midiática que se espraia para as demais instâncias da vida social, chegando a se tornar um processo de referência para as interações sociais que extrapolam o campo da mídia” p. (30-31).

Com o intuito de demonstrar as especificidades de uma IM, os auto-res recorrem à Braga (2000) e a algumas diferenciações propostas por este. Num primeiro momento: “[...] a sociedade contemporânea dispõe de uma produção objetivada e durável, que viabiliza uma comunicação diferida no tempo e no espaço, permitindo a ampliação numérica e a diversificação dos interlocutores”, explicam Mattos e Villaça (2012, p. 33). Algo que pode ser pensado de acordo com a lógica da internet e suas possibilidades de disse-minação de conteúdo e/ou informações.

Uma segunda perspectiva, segundo os autores, vincula-se à observa-ção dessa interatividade no campo das interações sociais e sua grande abrangência. Deve-se pensar, por exemplo, nas associações que envolvam “produtor/produto” e “receptor/produto” em diversos contextos e media-ções destes, lembram. Acentua-se a importância de “‘pessoas e grupos’ interagindo em torno de ‘produtos’ que possam ser percebidos como dis-

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ponibilidades sociais”. (BRAGA apud MATTOS; VILLAÇA, 2012, p. 34)Essa perspectiva de interação pode ser vinculada aos usos de um apli-

cativo, a título de assimilação. Tal qual associação de Nicolau (2015, p. 3) – tratando das interações do celular relacionadas às redes sociais – faz-se necessário delimitar um conceito imprescindível desse processo: “individua-lismo conectado” (WELLMAN, 2002). Aquele autor resume que a ideia cen-tral dessa expressão, pelo viés de “[...] uma realidade de conexão sem fio e personalizada [...]” (p. 6), refere-se:

[...] à conectividade direta entre indivíduos que se relacionam por redes e grupos, sem precisar estabelecer vínculos mais fortes com os demais. Cada um desses indivíduos tem suas próprias necessidades, mas procuram aten-dê-las nesse processo coletivo de interações, mesmo que efêmeras. (NICO-LAU, 2015, p. 3)

Explicando sobre os vínculos individuais da proposição de Wellman, Martino (2014, p. 140) diz que “na medida em que o acesso à internet é fei-to de maneira praticamente pessoal, todos os indivíduos se tornam poten-ciais nós em suas próprias redes, isto é, tornam-se pontos de intersecção e acesso a informações”. Deste modo, o “individualismo conectado” pode ser notado de forma clara quando se relaciona o uso massivo das mídias

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digitais às possibilidades interativas de seus aplicativos.

Considerações finais

O Flipboard demonstra a integração de aplicativos mobile em telas distin-tas e também a interação na construção de produtos digitais colaborativos. Ao que parece, os apps surgem para potencializar as interações decorren-tes da midiatização, tornando-se meios fundamentais desse processo hoje. Suas ascendentes possibilidades de veiculação num misto de telas híbridas indicam que a sua interacionalidade só tende a amplificar ideias como a for-mação de grupos ou o “individualismo conectado”. O aplicativo em análise, dentre muitos outros e as redes sociais são indicadores significativos das interações midiatizadas.

Os softwares do computador migraram para o mundo mobile através dos aplicativos e hoje se percebe um movimento contrário: dos aplicativos ao computador e também ao ambiente digital de novas plataformas, como os dispositivos do conceito Wearable. Assim, as interações digitais caminham para um processo rico em ambiências e interfaces, comunicáveis entre si e capazes de proporcionar uma informação que reconfigura-se tal qual a de-limitação de seus displays, responsáveis por nos conectar ao mundo e ao

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outro. Uma conexão que pode ser estabelecida pelo simples toque na tela (Touchscreen), por comandos de voz, de gestos etc.

Por fim, cabe uma reflexão sobre o pré-direcionamento de informa-ções e relacionamentos nas redes de um aplicativo. Trata-se de uma con-sequência que nos conduz para nichos, para dentro de grupos sobre os quais seus desenvolvedores têm acesso às informações (e interações) para uso comercial. Pensando pelo lado positivo desse excessivo volu-me informacional, de oferecer facilidades e novas operações, é preciso observar o que é verdadeiramente útil e prático ou o que deve ter suas notificações silenciadas.

Referências

BRAGA, José Luiz. Interação e Recepção. In: Encontro da Associação Nacional de Progra-mas de Pós-Graduação em Comunicação, 9. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000. Anais. Brasília: Compós, 2000.CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade; tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. – Rio de Janeiro: Zahar, 2003.GOSS, Bruna Marcon. Características da interface do aplicativo Flipboard para iPad. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Biblioteconomia e Comuni-

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cação. Curso de Comunicação Social: Habilitação em Jornalismo. Porto Alegre, 2012. Disponível em <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/54340>. Acesso em 13/11/15.LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. 7. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015.MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das Mídias Digitais: linguagens, ambientes, redes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.MATTOS, Maria Ângelo; VILLAÇA, Ricardo Costa. Interações midiatizadas: desafios e perspectivas para a construção de um capital teórico. In: Revista Comunicação Midiá-tica, v.7, n.1, p.22-39, jan./abr. 2012.NICOLAU, Marcos. No emaranhado das redes: do “individualismo conectado” à inte-racionalidade transversal pelo celular. In: Anais do 24 Encontro Nacional Compós - Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação. Brasília: UnB, 2015. Disponível em: <http://www.compos.org.br/biblioteca/comp%C3%B3s2015arti-gocomautoria_2898.pdf> Acesso em 24/11/15.PARRY, Roger. A ascensão da mídia: a história dos meios de comunicação de Gilga-mesh ao Google. Tradução: Cristiana Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.PRIMO, Alex. A cobertura e o debate público sobre os casos Madeleine e Isabella: encadeamento midiático de blogs, Twitter e mídia massiva. Galáxia, v. 16, 2008. No prelo.SODRÉ, Muniz. Eticidade, campo comunicacional e midiatização. In: MORAES, Dênis de (Org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.

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TELLAROLI, Taís Marina; SQUIRRA, Sebastião Carlos. Os displays digitais como ferra-menta comunicacional supramidiática. In: Revista Interamericana de Comunicação Midiática, v. 11, n. 22, 2012. Disponível em: <http://cascavel.cpd.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/animus/article/view/6727/pdf_1>. Acesso em 26/10/15.WELLMAN, Barry. Little boxes, globalization, and networked individualism. NetLab, University of Toronto, 2002.

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PARTE II

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FANMADES MUSIC VIDEOS:AUTONOMIA DO FÃ, APROPRIAÇÃO

E A PRODUÇÃO DE VIDEOCLIPES

Fabrícia GUEDES1

Resumo

O presente artigo tem como objetivo discutir a cultura do fã no ciberespaço, os chamados fandoms, que a partir da construção de espaços de conhecimento colaborativos, ressignificam produtos culturais. Buscamos compreender as práticas, apropriações e interações que circundam as produção desses objetos. Nos concentramos nos fanmades music videos - videoclipes produzidos por fãs - que, na maioria das vezes, são versões de clipes já existentes. Trazemos alguns exemplos desses produtos analisando e procurando entender como se dá o processo de produção desses conteúdos.

1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba – PPGC/UFPB. In-tegrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas - Gmid/PPGC, e-mail: [email protected]

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Palavras-chaves: Fanvideo. Fandom. Videoclipe. Interação.

Introdução

As instâncias de produção e consumo de produtos culturais quebram as barreiras antes tão delimitadas e “respeitadas” por seus agentes. A internet e as mídias digitais potencializam novas práticas socioculturais, bem como novas formas de produção na indústria de entretenimento, delineando os atuais processos de convergência midiática. Os fãs, sendo grande parte ou a parte mais engajada dessa indústria, encontram-se dotados de ferramentas onde podem interagir, criar, recriar, compartilhar e opinar, enfim, o ciberes-paço definitivamente fortalece as práticas desses indivíduos.

A cultura do fã na internet, os chamados fandoms, utilizam os instrumen-tos que encontram no ciberespaço criando, assim, comunidades de conhe-cimento e produções colaborativas, partindo do princípio de inteligência co-letiva (Lévy, 2011) . Esses grupos vem rendendo cada vez mais pesquisas na Academia nos últimos anos, principalmente nos estudos de Comunicação, com interesses em compreender os processos que envolvem o consumo, as práticas e as produções desses grupos.

O fã não é meramente um adorador de algum produto cultural ou artis-ta, não é apenas um consumidor, ele é um indivíduo que deseja fazer parte

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do universo do seu alvo de adoração. Sendo assim, os fandoms vão além de espaços onde os fãs trocam experiências, informações e dialogam acerca de um conteúdo cultural ou artista, essas comunidades são espaços de grande interação entre esses indivíduos, de uma intensa produção, invenção e rein-venção desses produtos. Esse fã consumidor e produtor que ressignifica os objetos culturais ganha incontáveis possibilidades de melhorar, modernizar e estender suas práticas de apropriação, além do alcance que esses produ-tos podem atingir. Os conteúdos criados por fãs são de diversos tipos, que vão desde produtos literários, musicais, audiovisuais, imagens, pinturas etc, existe uma vasta produção desses grupos disponíveis em rede.

Esse artigo concentra-se nos fanmades music videos - os videoclipes pro-duzidos por fãs, destcamos que a a maioria desses produtos estão disponíveis no Youtube, que é o mais site de compartilhamento de vídeos. Colocamos, ao longo do estudo, que cada fã dentro de um fandom possui características próprias, objetivos particulares, dito isto, essas produções também são regi-das por essa lógica, existem fanmades music videos que tem como propósito homenagear um banda ou artista, outras em que o fã quer apenas divulgar sua versão da música, produções onde um grupo de fãs deseja chamar aten-ção de um artista/banda para uma causa específica, muitas são as variações e os objetivos dessas produções. Percebemos ainda artistas que, perceben-do esse potencial e “espontaneidade” das práticas dos fãs, apropriam-se e

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“tiram proveito” dos trabalhos desses fãs. Temos como objetivo compreender as práticas, apropriações e intera-

ções que circundam as produção desses objetos, especificamente os fanma-des music videos, feito pelos fãs. Trazemos um rápido panorama da cultura fandom na internet, em seguida destacamos o potencial de apropriação e produção dos fãs, por fim apresentamos alguns produtos fanmades music videos, analisando como se dá o processo de produção desses conteúdos.

A cultura do fã na internet

A comunicação em rede é uma agente modificadora da audiência, a pro-dução e o consumo de produtos culturais são reconfigurados perante essa matriz. Os fãs, que obviamente existem desde muito antes da cibercultura, também têm suas práticas impactadas pela comunicação em rede. O conceito de fã pode destoar de acordo com o autor, ou com a fonte de pesquisa, mas o que podemos afirmar, que é praticamente senso comum entre os pesqui-sadores da área, é que esses indivíduos não podem ser considerados apenas como a audiência de um produto, um artista ou qualquer bem cultural. Os fãs são indivíduos engajados, dedicados e envolvidos emocionalmente com determinado produto cultural ou artista, a audiência, ou espectadores, são

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consumidores desses bens culturais que não necessariamente desenvolvem engajamento, relação emocional com esses bens.

Sobre a relação desses grupos de fãs na internet, Janet Murray coloca que :

O culto dos fãs cresceu nas últimas décadas por meio da organização de convenções, das revistas undergrounds e do comércio de vídeo caseiros. A internet acelerou esse crescimento ao fornecer um meio no qual os fãs podem conversar - trocando mensagens escritas - uns com os outros e, e muitas vezes, como os produtores escritores e astros das séries em exibição (MURRAY, 2003, p. 52).

Sendo a internet potencializadora das práticas dos fãs, esses grupos in-serem-se no ciberespaço a partir do fenômeno fandom:

Os fandoms são ambientes de afinidade caracterizados pelas muitas formas de interação que se estabelecem entre fãs de determinado objeto cultural a partir de seu interesse compartilhado por este mesmo objeto. Por meio de fóruns, blogs, e principalmente, nos sites de relacionamentos, esses fãs criam, com base em sua similaridade, verdadeiros centros globais de inte-ração. (REZENDE e NICOLAU, 2014, p. 2).

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Lévy (2011) pontua que todas as informações compartilhadas em rede por cada indivíduo propiciam a construção colaborativa do conhecimento ancoradas no que o autor chama de inteligência coletiva - onde cada indi-víduo possui sua inteligência individual que compartilhada no ciberespaço amplia o campo do conhecimento. Seguindo os pensamentos de Lévy, Shirky (2011) coloca que a internet proporciona a construção de círculos colaborativos possibilitando oportunidades de criar novas culturas de com-partilhamento de ideias e conhecimento dos indivíduos. “Essa ampliação de nossa capacidade de criar coisas juntos, de doar nosso tempo livre e nossos talentos particulares a algo útil, é uma das novas grandes oportunidades atuais, e que muda o comportamento daqueles que dela tiram proveito” (SHIRKY, 2011, p. 109).

Apresentando esses conceitos podemos compreender que a estrutura dos fandoms funcionam a partir da lógica da inteligência coletiva, tendo o ciberespaço, a convergência midiática e as mídia digitais, como potencializa-dores dessa construção de práticas coletivas. Jenkins (2009) destaca que as comunidades de fãs foram as primeiras a adotar e usar de maneira criativa as tecnologias, o autor ainda coloca que “os fãs são o segmento mais ativo do público das mídias, aquele que se recusa a simplesmente aceitar o que recebe, insistindo no direito de se tornar um participante pleno” (JENKINS, 2009, p.188).

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Autonomia, apropriação e produções dos fãs

Compreendemos que, de maneira geral, os fandoms funcionam pela ló-gica da inteligência coletiva, ou seja, onde cada indivíduo contribui para a construção de um conhecimento colaborativo. Porém, como salienta Rezen-de e Nicolau (2014), não podemos pensar esse segmento como um bloco homogêneo, visto que, cada fã possui características distintas, níveis de par-ticipação, objetivos entre outras peculiaridades.

Sendo assim, esses grupos, dotados de autonomia comunicacional que a rede proporciona, apropriam-se de produções culturais, das quais são fãs, para recriá-las ou criar novas produções a partir dos “produtos originais”, criando fanmades. Fanmades são quaisquer produções criadas por fãs de-rivadas de um produto cultural preexistente, ou até mesmo produção re-ferente a artistas, personagens ou pessoa pública. Os conteúdos criados e recriados pelos fandoms são: fansites2, fanfics3, fanarts4, fanvideos5, filking6, 2 Site ou blog sobre algum artista, banda, pessoa pública ou qualquer produto cultural, alimentado por fãs com no-tícias, fotos, vídeos, entrevistas etc, sobre a pessoa ou produto a que se refere. 3 Narrativa ficcional, oriunda de um produto cultual, ou pessoa pública, preexistente, escrita e divulgada por fãs em blogs, sites e/ou outras plataformas. 4 Artes, desenhos, ilustrações, imagens, pinturas, criadas por fãs baseadas em um personagem, uma história ou qual-quer produto cultural. 5 Vídeos de diversos gêneros criados por fãs a partir de um produto cultural preexistente. 6 Composições musicais feitas por fãs a partir de melodias já existentes ou não.

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entre outros conteúdos espalhados pela rede. Todos esses produtos produ-zidos pelos fãs, podem parecer novidades que emergem com o ciberespaço com as tecnologias da informação e comunicação (TICs), porém em meados dos anos de 1930 os fãs já apropriavam-se de conteúdos culturais criando as fanzines - revistas em quadrinhos editas pelos fãs.

Além das fanzines, que são consideradas as primeiras produções culturais dos fãs, esses indivíduos sempre produziram outros bens culturais, porém que circulavam em grupos menores e com algumas limitações referentes as plataformas e tecnologias de cada época. Assim, podemos perceber que a internet e as TICs, como coloca André Lemos (2005), propiciam a reconfigu-ração das práticas socioculturais, neste caso, das práticas dos fãs.

Os fandoms apropriam-se da autonomia comunicacional que a rede pos-sibilita e da convergência midiática para, a partir de interações entre os ato-res sociais desses grupos, ressignificar os produtos culturais. A interação entre os fãs é um dos principais motores para construção das práticas desses fandoms. Apesar de cada agente desses grupos ter especificidades próprias, todos tem um grande objetivo em comum: expandir as fronteiras daquele produto cultural do qual são fãs. Consumir não é o bastante, eles desejam ampliar o universo de determinado bem cultural, os fãs querem fazer parte dessa produção, compartilhar com outros fãs, querem apoderar-se e fazer parte do universo desses produtos.

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Fanmade music videos - os videoclipes produzidos pelos fãs

Primeiro precisamos esclarecer que não existe um termo específico que conceitue “as produção videoclípticas feitas por fãs”, algumas produções denominam-se, ou são denominadas, de fanvídeos outras de fanmades mu-sic videos. Neste estudo optamos por chamar essas produções de fanmades music videos. Nossa escolha tem uma razão consideravelmente simples e ló-gica, os fanvideos são quaisquer tipos vídeos produzidos por fãs de determi-nado produto cultural, artista ou banda, esses vídeos podem ser recriações de um conteúdo a partir de animações, paródias, remixagens, filmes fictícios, videoclipes, entre outras categorias que surgem no universo dos fandoms. Ou seja, o conceito de fanvideo é bastante abrangente, e teríamos que, a quase todo momento, explicar que nosso objeto de estudo são os fanvideos de videoclipes. Sendo assim, entendemos que a expressão fanmade music video é mais clara, objetiva e específica em relação a nossa pesquisa. Porém, precisamos ressaltar que a terminologia dessas produções assume essa du-plicidade de nomenclaturas de acordo com cada grupo de fãs, contudo essa variação não afeta nossa pesquisa, visto que, ambas denominações referem--se ao mesmo produto cultural.

Após a explanação acerca da denominação dos fanmade music video, destacamos que existem inúmeras dessas produções compartilhadas na in-

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ternet, a maioria delas são versões de clipes já existentes ou até mesmo pro-duções videoclípticas de músicas que não possuem um clipe oficial divul-gado pelo artista/banda. Neste estudo buscamos compreender a produção desses fanmades music videos construídos a partir da interação entre os fãs.

O Youtube, indiscutivelmente, é o maior site de compartilhamento de ví-deos online, tendo mais de um bilhão de usuários, quase um terço dos usuá-rios da internet7. Sendo assim, a maioria dos fanvideos circulam no Youtube. Lamerichs (2008, p. 53) destaca que:

Fan videos have been an important part of fan conventions for many years now, but the internet has increased their distribution and creation immen-sely. Since the nineties fans have displayed their movies on various sites ranging from their personal homepage, to fan pages and larger databases. [...] Since 2005 fans use YouTube as well, a well-known platform for amateur videos which conveniently enables one to link content to external sites as well8.

7 Disponível em: https://www.youtube.com/yt/press/pt-BR/statistics.html8 Tradução livre: Os videos de fãs têm sido importantes em convenções de fãs por muitos anos, mas agora a internet tem aumentado bastante a distribuição e criação desses produtos. Desde a década de 90 os fãs têm divulgado esses vídeos em vários sites, que vão desde sites pessoais a páginas de fãs e outros bancos de dados maiores. [...] Desde 2005 os fãs vem usando o Youtube (nessa divulgação), uma conhecida plataforma de vídeos amadores que permite vincular o conteúdo a sites externos.

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Em seu estudo sobre fanvideos no Youtube, Lamerichs (2008) ressalta que esse tipo de produção não surge na internet, porém ela se populariza a partir da rede, sendo o Youtube um dos grandes responsável por isso. A autora defende que o site é uma importante ferramenta para conectar usu-ários/fãs, e que o Youtube além de ser um espaço que concentra comunida-des ele também é uma comunidade por si só que promove interação entre os usuários/fãs.

Ao buscarmos fanvideos no Youtube encontramos aproximadamente 1.860.000 resultados, apesar do termo não referir-se apenas a clipes, a maioria das produções encontradas são produções de videoclipes. O ter-mo fanmade music videos tem aproximadamente 4.830.000 resultados no site.

Como destacamos no início do texto, em um fandom cada indivíduo pos-sui objetivos distintos e especificidades, dito isto percebemos que as pro-duções desses fãs, obviamente, espelham essas características. Observamos fanmades music videos feitos para homenagear determinada banda ou ar-tista, produções em que o fã quer apenas mostrar sua paixão pela música, produções onde os fãs criam um clipe para um música que não possui um clipe oficial, produções que são feitas para “chamar atenção” de um artista/banda, enfim, existem diversas variações e motivações para a realização des-ses produtos

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Uma parcela interessante dos fanmades music videos são as produções onde os fãs fazem vídeos individuais cantando ou encenando uma música e alguns, ou um, desses fãs reúne esse conteúdo fazendo uma edição com esse material e construindo assim uma nova versão de um clipe já exis-tente. Essas produções são realizadas a partir da interação entre esses fãs, que normalmente fazem parte do fandom de um artista/banda, que tem a iniciativa espontânea, em sua maioria, de criar clipes para homenagear seu artista/banda, o desejo desses fãs é que seu ídolo veja a homenagem que eles fizeram.

Em julho de 2015, um vídeo com cerca de mil pessoas tocando e can-tando a música Learn to Fly, da banda americana Foo Fighters, viralizou no Youtube. O vídeo foi o resultado do projeto Rockin’ 1000, o idealizador do projeto, um fã da banda, Fabio Zaffagnini, conta que o mesmo foi pensando e preparado cerca de um ano antes de sua divulgação, como o objetivo de pedir que a banda Foo Fighters fizesse um show na cidade onde a maioria daquelas pessoas vivem, Cesana na Itália9. O projeto contou com uma equi-pe de músicos, produção, pós-produção, mais de 30 câmeras para captar as imagens e arrecadou dinheiro para as despesas através do crowdfunding10.

9 http://rollingstone.uol.com.br/noticia/atingimos-o-nosso-objetivo-diz-fabio-zaffagnini-o-responsavel-pela-ho-menagem-ao-foo-fighters-que-reuniu-mil-fas/10 Financiamento coletivo que consiste na obtenção de capital para iniciativas de interesse coletivo através da agre-gação de múltiplas fontes de financiamento, em geral pessoas físicas interessadas na iniciativa.

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O vídeo foi postado no Youtube no dia 30 de julho de 2015, no dia seguinte, 31, obteve uma resposta positiva da banda Foo Fighters.

O vídeo gerado pelo projeto Rockin’ 1000 caracteriza-se como um fanma-de music videos, visto que é uma produção videoclíptica feita por fãs. Mas não podemos deixar de observar que o projeto cria uma rede de interação altamente articulada dentro de um grupo de fãs. O vídeo foge a estética amadora da maioria dos fanmade music videos, ele tem um objetivo claro, que é convidar e banda para fazer um show na cidade, foi organizado por cerca de um ano e financiado por esses fãs, ou seja, temos aqui uma super produção cultural feita por fãs.

Destacamos ainda os fanmade music videos que são iniciativas dos artistas/bandas. O cantor Ed Sheeran pediu para que seus fãs enviassem vídeos catando ou representando a música Thinking Out Loud, apesar da música possuir um videoclipe oficial e profissional, em fevereiro de 2015 o cantor lançou o videoclipe Thinking Out Loud [Official Fan Video] em seu canal oficial no Youtube. Esse é o terceiro fanmade music videos di-vulgado pelo cantor em seu canal oficial. A estratégia do cantor, que é feita por outros artistas, além de uma tentativa de criar pontes de inte-ração e participação com os fãs, mostra-se como uma apropriação, por parte do cantor, das iniciativas espontâneas dos fãs. Como Jenkins, Ford e Green (2014, p. 219) colocam ”o trabalho dos fãs pode ser explorado

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para proveito dos “proprietários”, ainda que os fãs também se beneficiem do que criam”.

Esse tipo de estratégia tem se tornado comum entre muitos artistas e bandas, assim como em novelas, séries, programas de TV, e entendemos que isso é uma sintomática das práticas socioculurais no ciberespaço, como Jenkins ressalta (2009, p.46) “A convergência, como podemos ver, é tanto um processo corporativo, de cima para baixo, quanto um processo de con-sumidor, de baixo para cima. A convergência corporativa coexiste com a convergência alternativa”. Ou seja, as interações, apropriações e práticas dos fãs na rede são processos espontâneos que vem sendo incorporados pelas estratégias mercadológicas, Nicolau (2015, p. 14) salienta que “as nossas práticas interacionais são expostas no próprio ambiente virtual ao qual to-dos eles têm acesso, possibilitando que sejam incorporadas, pari passu, aos processos de controle político e adequação mercadológica”.

Jenkins (2009) e Nicolau (2015) entendem que as ações mercadológi-cas estão sempre buscando uma concomitância com as práticas do público em rede, ou seja, apoderar-se dessas práticas que seriam espontâneas por parte dos indivíduos. Mas esse processo também acontece em contramão, os próprios fãs já incorporam essas lógicas mercadológicas, como é o caso do projeto Rockin’ 1000, apropriando-se não apenas dos produtos culturais, como também das próprias estratégias do mercado.

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Os fanmades music videos são umas das maiores produções de fãs en-contradas na internet, encontramos várias versões de uma mesma música, produções mais profissionais outras mais amadoras (a grande maioria), pro-duções com um grupo de fãs em um mesmo espaço, outras com montagens de vídeos de fãs de diferentes lugares do mundo. Verificamos, assim, que esses videoclipes tem suas particularidades tanto em sua produção quanto na interação entre seus agentes.

Considerações finais

As inúmeras fanmades - quaisquer produções criadas por fãs derivadas de um produto cultural preexistente - encontradas na internet são sintomas de um público altamente engajado e comprometido com seus interesses culturais e da apropriação tecnológica e intelectual desses indivíduos. Os fandoms ressignificam tanto os produtos culturais quanto os arranjos merca-dológicos que circundam esses produtos. As práticas desses grupos não são mais encaradas como piratarias ou como ameaça aos direitos e propriedade intelectual dos autores, pelo menos na maioria dos casos, elas vem sendo incorporadas pelo mercado, assim como apropriam-se de lógicas mercado-lógicas, estabelecendo assim um sistema de retroalimentação, muito mais eficaz do que antes da internet, entre essas instâncias.

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Ao fazer uma busca de qualquer videoclipe no Youtube, notadamente de artistas que tem um número de fãs considerável, iremos encontrar algum fanmade music vídeo, algum remix ou alguma paródia desses conteúdos, encontramos cerca de 45 mil resultados de fanmades da música Thinking Out Loud do cantor Ed Sheeran, por exemplo. A cultura fanvideo está ligada a todos os produtos audiovisuais de entretenimento, mas podermos perce-ber que na maoria das produções que recriam videoclipes os fãs “estão pre-sentes fisicamente” nos vídeos. Os fanvideos de séries novelas ou filmes por exemplo, também têm produções onde os fãs refilmam, recriam, reprodu-zem e inventam novos vídeos, porém a maioria desses vídeos são produções de remixagem, colagem e edição com imagens originais desses produtos, ou seja o indivíduo não está presente fisicamente o vídeo.

Observamos que as práticas dos fãs na internet são cada vez mais poten-cializadas pelo aparecimento de tecnologias, pela apropriação intelectual e pelas redes de interações que esse grupos criam. Os fanmades music vide-os são umas das produções de fãs mais encontradas na internet, podemos dizer que a grande maioria dos artistas/bandas, que possuem um número considerável de fãs, possuem algum fanmade music video, cada um com sua particularidade tanto em sua produção quanto em seus objetivos. As práti-cas, apropriações e as interações estabelecidas pelos fandoms nos mostram que esses grupos vem reconfigurando e ressignificando não apenas os pro-

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dutos culturais, como também toda uma lógica de produção, circulação e consumo que os circundam.

Referências

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2 ed. São Paulo: Aleph, 2009.JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da conexão: criando valor e sig-nificado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014. LAMERICHIS, Nicolle. It’s a small word after all: metafictional fan videos on YouTube. In: Cultures of arts, science and technology. Vol. 01 Nº 01 - May, 2008. LEMOS, André. Ciber-cultura-remix. São Paulo: Itaú Cultural, 2005. Disponível em: <http://www.hrenatoh.net/curso/textos/andrelemos_remix.pdf>. Acesso: 06 de novem-bro de 2015.LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3 ed. São Paulo: Editora 34, 2011.MURRAY, Janet H. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Pau-lo: Itaú Cultural: Unesp, 2003. NICOLAU, Marcos. No emaranhado das redes: do “individualismo conectado” à inte-racionalidade transversal pelo celular. Compós, 2015. Disponível em: <http://www.com-pos.org.br/biblioteca/comp%C3%B3s2015artigocomautoria_2898.pdf>. Acesso em: 07 de novembro de 2015.

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REZENDE, Nathalia; NICOLAU, Marcos. Fã e Fandom: estudo de caso sobre as estra-tégias mercadológicas da série Game of Thrones. VIII Simpósio Nacional da ABCiber, 2014. Acesso em 06 de novembro de 2015. Disponível em: <http://www.abciber.org.br/simposio2014/anais/GTs/nathalia_michelle_grisi_rezende_60.pdf>.SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conec-tado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

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THE BLUE ISLAND: CULTURA DA PARTICIPAÇÃO E PRÁTICAS INTERACIONAIS

DOS FÃS DE IAMAMIWHOAMI1

Miriam BARROS2

Resumo

O surgimento de novas oportunidades através do advento da internet facilitou o encontro de atores sociais que partilham de interesses comuns. Atualmente, indivíduos produzem e compartilham informações através de redes de interação, enriquecendo o universo de seu objeto de adoração. Neste artigo, apresentamos o projeto audiovisual independente iamamiwhoami e analisamos as diferentes práticas interacionais e de participação dentro de seu fandom, com foco na BLUE island, ambiente digital criado pelo projeto e disponibilizado na versão digital de seu terceiro álbum. Para isso, fizemos revisão bibliográfica reunindo conceitos de cultura da participação e

1 Trabalho apresentado ao DT 6 (Interfaces Comunicacionais) do XVII Congresso de Ciências da Comunicação da Re-gião Nordeste realizado de 2 a 4 de julho em Natal (RN). 2 Mestranda em Comunicação pela UFPB. Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas (Gmid/UFPB). E-mail: [email protected]

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interacionalidade em rede, analisamos entrevistas dadas por membros da banda, para contextualizar seu foco e preferência pelo mundo digital. Nesse estudo, verificamos as oportunidades de interação em rede que se abrem através de um cenário midiatizado, que ainda é pouco explorado na arena musical - quando as ambições vão além de apenas compartilhar sua música para quem possa interessar.

Palavras-chave: iamamiwhoami. Fandom. Fãs. Participação. Interação.

Introdução

Mesmo com previsões incertas a respeito do que todas as evoluções relacionadas às novas tecnologias de comunicação guardam para o futuro próximo, estamos diante de uma realidade na qual é perfeitamente possível fazer-se ouvir por pessoas do mundo inteiro através da internet.

Artistas que anteriormente necessitavam de contatos com grandes gra-vadoras para que seu conteúdo fosse distribuído de forma eficaz não en-frentariam a mesma dificuldade nos dias de hoje – a depender do objetivo a ser alcançado. Muitos artistas que buscam independência criativa e op-tam por manterem-se afastados da grande indústria fonográfica, exploram o mundo digital como forma de compartilhar seu trabalho. Já foram vistos casos como o de Justin Bieber – que de forma autônoma publicou vídeos no

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Youtube, posteriormente levando-o ao topo da Billboard(RAINIE; WELLMAN, 2012) – assim como existem também casos de artistas que atingem apenas seus “15 minutos de fama”, reiterando a efemeridade como uma caracterís-tica notável da internet. Em meio a essa turbulência derivada de novas cria-ções, alguns artistas buscam um solo firme no ambiente digital a partir de suas possibilidades de uso e interação. De algo estamos certos: os fãs são elementos cruciais para a consolidação da glória de qualquer artista.

É voltando os olhos às novas nuances da indústria do entretenimento, mais especificamente a musical, que este trabalho analisa e compreende o projeto audiovisual iamamiwhoami como um exemplo de tentativa de al-cance dos fãs através das possibilidades trazidas pela internet.

Como início do desenvolvimento do artigo, procuramos apresentar ao leitor o que é o iamamiwhoami enquanto projeto musical que surge com ca-racterísticas do processo de midiatização. Cruzamos informações essenciais (como surgimento, diálogo entre os produtores e fãs do projeto e estrutura do objeto) com os estudos recentes sobre midiatização, em uma tentativa de compreender os novos rumos que este processo, como novo paradigma social, traz para a cena musical e seu público criador-receptor.

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Em seguida, analisamos a BLUE3Island, ambiente digital resultado da parceria dos criadores junto à maior comunidade de fãs do projeto, atrela-do à versão digital oficial de seu terceiro disco. A análise se dá através de observação participante, em que o pesquisador se insere na comunidade a ser estudada, assumindo o papel de participante ativo e observador do fe-nômeno analisado.

Tanto Shirky (2011) quanto Recuero (2009) propõem que, para compre-ender um fenômeno, não devemos apenas nos debruçar diante de sua for-matação e características. Devemos, também, compreender os fatores exis-tentes entre os atores que interagem em torno desse fenômeno, tratando-os como parte essencial da pesquisa.

Para isso, faremos um breve estudo sobre participação e fandom, ao pas-so que introduziremos o leitor a este ambiente digital de interações pensada pelo projeto como uma alternativa de unir o público que, no contexto da banda, assume o papel crucial para o direcionamento dos rumos narrativos adotados por ela.

Além do recurso netnográfico de imersão na BLUE island, desenvolvere-mos o estudo com base em entrevistas concedidas pela banda a diversos

3 O nome BLUE será escrito em caixa alta durante todo o texto por ser originalmente representado dessa forma por seus produtores, como afirma Jonna Lee em entrevista para a revista Dazed: “It’s more clear and direct as an album. It’s more of a shou tfrom the mountains”. (Tradução livre: “É um álbum mais claro e direto. É como se fosse um grito vindo das montanhas”)

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sites e revistas do cenário musical. Com base nos autores estudados para esta pesquisa, buscaremos refletir sobre o processo de formação de redes interacionais no mundo digital.

A internet como o terreno das interações

Na década de 1960, McLuhan foi capaz de prever as redes sociais e o fenômeno das convergências sócio tecnológicas que surgiram no decor-rer do século XXI. Encarando as criações dos homens como extensões de seus membros, McLuhan decifrou os circuitos elétricos como sendo um prolongamento do sistema nervoso central. Esses prolongamentos, por alterarem nossos sentidos, são capazes também de moldarem nossa for-ma de pensar e agir, resultando na mudança do homem em si (PEREIRA apud PAIVA, 2012).

O processo de convergência de tecnologias de informação e comuni-cação resultaram na ampliação de possibilidades de interação e comunica-ção da sociedade contemporânea. A partir da revolução da internet, sendo parte do fenômeno que Rainie e Wellman (2012) chamam de “Revolução Tripla”, o conceito de redes sociais previsto por McLuhan começou a ga-nhar forma no mundo digital, afastando-se do conceito de redes sociais

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locais: surge um novo sistema operacional social, o qual os autores chama-ram de “individualismo conectado”.

O individualismo conectado é chamado de sistema operacional porque ele define a forma como as pessoas se conectam, comunicam e trocam in-formações, seguindo estruturas de rede que possuem regras e que geram oportunidades de interação, sendo esta última, o foco desse artigo.

As práticas interacionais dos atores conectados fazem parte da natureza humana a partir do momento em que se encontra um espaço (este sendo providenciado pela internet) em que seja possível construí-las e moldá-las de diversas formas.

Ao acompanharmos os avanços tecnológicos das mais diversas instâncias comunicacionais, percebe-se que a internet provou ser um terreno propício para a interação entre seres humanos, possibilitando o compartilhamento de informações e opiniões, além de gerar caminhos comunicacionais alter-nativos capazes de desbancar a predominância dos meios de comunicação de massa nas sociedades contemporâneas (NICOLAU, 2014).

A comunicação em rede mediada pela tecnologia e principalmente pela internet, resulta em formações de redes que funcionam como uma virtualiza-ção das relações humanas. As tecnologias midiáticas passam a ser mídias pro-priamente, configurando-se como necessárias para a construção das relações

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sociais, abandonando o conceito de se resumirem apenas a suportes técnicos para a comunicação. Para alguns, essa virtualização causa desgraças sociais: indivíduos adotando vidas diferentes e distintas das que possuem no “mundo real”, desumanização de relações, limitação de formas de interação etc.

Em contrapartida, Rainie e Wellman (2012) defendem que a internet pro-move maneiras positivas de sociabilidade, permitindo uma cooperação hu-mana e grupal ao tornar possível a interação entre pessoas que vivem em pontos opostos do planeta. Dessa forma, a internet não gera alienação e isolamento, mas permite um crescimento de relações distantes e mais inte-rações entre membros da rede social de cada indivíduo.

Essa noção de diminuição do contato físico é também abordada por Shirky (2011), quando ele afirma que “ferramentas digitais foram essenciais para coordenar contato humano e atividades do mundo real”. Na sociedade conectada, na qual cada ator é livre para criar e distribuir, nossas ferramen-tas de mídia social não são uma alternativa para a vida real, são parte dela (SHIRKY, 2011).

É através dessa liberdade e facilidade de criação e compartilhamento que a internet provou ser um terreno promissor a ser explorado como forma de distribuição de conteúdo a fim de criar-se, utilizando-a como ferramenta cru-cial de interação, redes sociais voltadas para produtos específicos. Os usuá-rios estão dispostos a participar e interagir dentro da rede, o que resulta na

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criação de pequenas comunidades que partilham de interesses em comum e possuem meios e oportunidades para não se resumirem apenas à receptores.

Essas comunidades formam laços que, graças à internet, podem ser man-tidos a distância. A partir do desenvolvimento tecnológico, a flexibilidade para criar e gerenciar laços sociais agora permite que possamos nos rela-cionar acima de barreiras geográficas, graças a ferramentas como o Skype, e-mails, messengers e chats, resultando, dessa forma, em novos espaços de interação (RECUERO, 2009).

Esse cenário torna-se ideal para os que buscam encontrar e compreender seu público, tendo em vista que as mídias sociais aproximam indivíduos de todo o mundo, transformando a relação entre consumidores e produtores no universo cibernético, em que todos possuem a liberdade para se expres-sar, consumir, criar e disseminar seus ideais.

iamamiwhoami4 e a midiatização da experiência musical

No final de 2009, os teasers6 publicados no Youtube foram enviados para

4 A descrição e os comentários sobre o projeto, são fruto de pesquisa netnográfica da autora, que é fã e participa ativamente do fandom do projeto. A observação foi feita a partir da recuperação de fatos passados, assim como pela vivência e participação de Miriam como uma curiosa que se tornou fã. 6 Recurso utilizado para a divulgação de novos produtos, com o intuito de despertar a curiosidade do público, omitindo a identificação do produto em si.

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blogueiros de sites de música, consequentemente, formadores de opinião dentro da cena. Os vídeos eram intrigantes por não possuírem um título compreensível à primeira vista: todos eram formados de sequencias numéri-cas e seu conteúdo eram cenas de vídeo ainda mais confusas5, em que ficava clara a presença de alguma artista por trás do que estava sendo distribuído, embora não fosse possível identificar quem era a pessoa em questão.

As discussões nos comentários dos vídeos publicados no YouTube e em fóruns musicais foram surgindo em busca de quem estaria por trás das pro-duções. Nomes como “Björk” ou “Christina Aguilera” foram levantados como possíveis autoras, devido à falta de uma imagem associada. Posteriormente, após muitas especulações, foi descoberto que Jonna Lee, cantora e compo-sitora sueca, era o rosto por trás das produções compartilhadas.8

Em março de 2010 o primeiro clipe musical foi lançado por iamamiwho-ami, distribuído diretamente no YouTube6. O nome do capítulo se chama “b” e a partir daí, em média uma vez por mês o projeto lançava um novo vídeo, sendo então construído o seu primeiro álbum.

Mesmo sem possuir site oficial ou buscar divulgar seu trabalho de forma 5 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=oPFM3DUVT-8. Acesso em 16 de maio de 2015. 8 Discussão bas-tante explorada em “Oh No TheyDidn’t!”, do site Live Journal. Informação encontrada no relato do jornalista da MTV James Montgomery, um dos primeiros blogueiros a discutir abertamente sobre o viral “iamamiwhoami”. Disponível em: http://www.mtv.com/news/1633956/iamamiwhoami-isswedish-singer-jonna-lee-behind-viral-campaign/. Aces-so em 16 de maio de 2015. 6 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=M2WDbAFvt6A. Acesso em 16 de maio de 2015.

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convencional, o número de visualizações para “y” (sétimo clipe divulgado pelo projeto) foi de grande notabilidade: 17 milhões de acessos atualmente. Apesar do grande número de visualizações para “y”, poucos7 foram os ví-deos compartilhados pelo projeto que chegaram a 1 milhão de views até o momento.

Tratando-se de um cenário de midiatização, no qual a globalização ala-vancou o processo de convergência de tecnologias da informação e co-municação, o cenário redimensionado da atuação de atores sociais está, atualmente, estritamente associado ao uso da internet. É explorando as tec-nologias midiáticas e tornando-as elemento essencial presente em sua roti-na que os atores sociais transformam suas redes e relações adaptando-as a lógicas midiáticas, denominada como “processo de midiatização”.

Esse processo é o que gerará novas práticas de interação no âmbito so-cial, adaptando a sociedade a um novo modelo de relacionamento sendo potencializadas principalmente por, segundo Sodré (2002), a difusão das tecnologias digitais ligadas à internet.

Segundo Anderson (2006), através de novas tecnologias e da migração ou surgimento de artistas focados no mundo digital, o custo de se produzir conteúdo e produtos físicos foi basicamente reduzido. Como resultado des-sa mudança de paradigma, criou-se a oportunidade para se produzir música 7 Apenas “b”, “o”, “t” e “n” atingiram essa marca além de “y”. Todos os vídeos citados fazem parte do álbum “bounty”.

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de nicho, já que as estantes físicas em lojas de disco estão sendo substituídas pelas digitais disponibilizadas na internet, de forma gratuita (em determina-das redes). Esses produtos de nicho estão surgindo cada vez mais, devido às novas oportunidades de mercado e consequentemente, transformando a demanda do público presente nas redes digitais.

Com a possibilidade de streaming e download através de compartilha-mentos de arquivos em rede, o modo como consumimos e experimenta-mos a música foi alterado. Buscar um novo meio de desenvolver e distribuir música tornou-se crucial para despertar nos ouvintes a vontade de investir dinheiro em produtos digitais, sendo essa a forma de possibilitar o com-partilhamento de sua visão criativa (JOHANSSON, 2014). Em contrapartida, muitos consumidores ainda estão presos ao modelo clássico de consumo: eles possuem a necessidade de tocar, sentir em suas mãos o produto físico, que desperta em cada um, associações pessoais ligadas ao objeto adquirido.

É dentro do processo de midiatização da indústria musical que iama-miwhoami busca inovar o processo criativo e de distribuição de conteúdo, abraçando a internet como o mundo onde sua arte vive e pode ser compar-tilhada entre seus seguidores:

Lee declares thats he definitely believes that the digital information and networking will be a larger part of life in the future. And for the music in-

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dustry Lee believes it would be a huge step back trying to reintroduce the classical sale-and-purchase way of thinking, which belongs to the earlier re-cord business model. Artists needs to learn more about their audience, and with that their own network as well. (JOHANSSON, 2014, p. 30)8

As práticas interacionais fazem parte da configuração humana e é a partir

da necessidade de interação que surgem redes no ambiente virtual. Segun-do Nicolau (2014, p. 11), o que pode ser evidenciado atualmente são redes de interação objetivas. Uma rede objetiva está:

Articulada com sistemas mercadológicos de comércio eletrônico; mecanis-mos de busca de informação e conhecimento que selecionam e manipulam seus resultados; redes sociais que se integram aos serviços de e-mail para direcionar relacionamentos e catalogar dados de milhões de usuários.

Apesar disso, Nicolau (2014) comenta que é possível existir redes de in-teração subjetivas que, diferente da formatação definida anteriormente, são capazes de criar interações com diversos usuários, possibilitando-os migra-rem em tempo real entre diferentes aplicativos, atuar em mais de uma rede

8 Lee declara que ela definitivamente acredita que a informação digital e redes sociais vão representar uma parte grande da vida no futuro. E para a indústria musical, Lee acredita que seria um grande passo para trás se tentássemos reintroduzir o modelo clássico de pensamento de compra-e-venda, que pertence a um modelo de produção antigo. Os artistas precisam aprender mais sobre sua audiência e, consequentemente, suas redes sociais. (Tradução livre)

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social, além de moldar suas diferentes formas de se comunicar entre mem-bros da mesma rede.

É através das redes sociais e de interação que abordamos o conceito de midiatização que a sociedade contemporânea contempla. A internet propor-ciona a interação em tempo real mediada por suportes tecnológicos, alteran-do, dessa forma, os modos de sociabilidade dos indivíduos, transformando a comunicação no centro dos processos sociais (STASIAK; BARICHELO, 2007). Sendo a internet sua base física, fãs de música exploram a web em busca de seus iguais, com o intuito de compartilhar, trocar informações e interagir com atores interessados e engajados na mesma cena. É percebendo essa necessidade de interação e reconhecendo a indispensabilidade da audiência na continuidade do projeto que iamamiwhoami busca não apenas propor-cionar uma experiência diferenciada de troca de informações para seu públi-co, como também valoriza a posição de fãs autores dentro de seu universo, procurando diminuir a distância entre instância produtora e receptora: “For Lee it is important that the distance between her and the audience digital lyis as short as possible”9 (JOHANSSON, 2014, p. 30).

9 Para Lee, é importante que a distância entre ela e sua audiência digitalmente seja a menor possível. (Tradução livre)

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BLUE: fandom, participação e oportunidades no mundo digital

Seguindo a “Teoria Geral dos Sistemas” proposta por Ludwig Von Berta-lanffy, Recuero (2009, p. 17) defende que, para entender um fenômeno, pre-cisa-se observar não apenas suas partes, mas a interação existente nessas partes, indo de encontro com o paradigma chamado “analítico-cartesiano”10, explorado nos séculos anteriores ao século XX. Shirky (2011) comenta que ao falarmos da web ou até mesmo de mensagens de texto, é fácil cometer o erro milk-shake, que resulta na concentração das próprias ferramentas e não em suas partes:

Os usos sociais de nossos novos mecanismos de mídia estão sendo uma grande surpresa, em parte porque a possibilidade desses usos não estava implícita nos próprios mecanismos. Uma geração inteira cresceu com tec-nologia pessoal, do rádio portátil ao PC, portanto era de se esperar que eles também colocassem na nova mídia mecanismos para uso pessoal. (SHIRKY, 2011, p. 18)

Dessa forma, torna-se necessária a análise de fãs e definição de fandom14

10 Recuero explica esse paradigma como a preocupação dos cientistas em dissecar fenômenos debruçando-se de-talhadamente em suas partes com o intuito de tentar compreendê-lo como um todo. 14 Entendido aqui como comu-nidade de fãs.

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para que seja possível compreender as facetas adotadas pelos admiradores de iamamiwhoami na tentativa de aumentar sua capacidade de interação social mediada pela internet.

De acordo com Sandvoss (2013), um fã corresponde a um indivíduo emocionalmente envolvido, que se engaja com um objeto ou produto cul-tural, destinando tempo próprio para o consumo desse universo, buscando interação, informações, reprodução de conteúdo, dentre outras atividades proporcionadas pelo objeto que admira. Esse tempo doado por atores so-ciais é analisado por Shirky (2011) como uma mudança no modo de agirmos e criarmos novos conteúdos:

Algo que torna a era atual notável é que podemos agora tratar o tempo livre como um bem social geral que pode ser aplicado a grandes projetos criados coletivamente, em vez de um conjunto de minutos individuais a se-rem aproveitados por uma pessoa de cada vez. (SHIRKY, 2011, p. 15)

É possível categorizar os fãs em dois grupos, segundo Tulloch e Jenkins (1995): os apreciadores e os fãs propriamente ditos. Barros e Cunha (2014) afirmam que:

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Os primeiros são aqueles que são interessados, engajados, mas não se en-volvem tanto com o objeto de afeição. Já os fãs, propriamente ditos, são engajados de maneira a produzir conteúdo relacionado, gerenciar fóruns e grupos de discussão. Muitos dos fãs são pessoas influentes e suas opiniões são extremamente relevantes para toda a comunidade de fãs, ou fandom. O fato é que ser fã vai além do consumo ativo, ancorado diretamente na cultura participativa. (BARROS; CUNHA, 2014)

Ao tratarmos de iamamiwhoami, nos voltamos para um fandomespecí-fico que se diferencia dos demais: seu público não possui números espan-tosos (66.412 curtidas na fanpage oficial do projeto no Facebook11 e 73.463 inscritos no canal oficial do Youtube12 até o momento) e, mesmo sendo res-trito, não ilustram o nível de engajamento dos fãs com o projeto.

Após o lançamento do primeiro single pós-hiato em 26 de janeiro de 2014, uma maneira de garantir a independência criativa do projeto foi aberta aos usuários: GENERATE caracterizou-se como uma estratégia de crowdfun-ding13, na qual os fãs poderiam doar qualquer quantia que desejassem, sen-do todo o dinheiro arrecadado investido em processo criativo. Através das doações, foram produzidos mais dois singles e, no dia 8 de julho de 2014,

11 Disponível em: http://www.facebook.com/iamamiwhoamiofficial/likes. Acesso em 17 de maio de 2015. 12 Disponível em: http://www.youtube.com/channel/UC_1oLG8GJockwf4ye34lh-w. Acesso em 17 de maio de 2015. 13 Financiamento coletivo de projetos

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foi anunciado seu novo álbum audiovisual BLUE, com data de lançamento marcada para 10 de novembro de 2014, trazendo dessa vez uma novidade: ele estaria disponível nas versões física e digital14.

Em entrevista para a London in Stereo, Jonna Lee explicou o conceito de água, bastante utilizado em seu mais recente álbum, como uma analogia para o mundo digital, em busca de descobrir as novas oportunidades de in-teração que podem ser oferecidas pela internet:

Wateris a symbol for the online world thatwelive in. I feellike I started in the physical era and my head in this new world is like being stuck in water. Wanting to grasp these new opportunities of being a digital artist. (LEE, Jon-na. London in Stereo, 2014)15

De acordo com publicações oficiais na fanpage do projeto, os próprios produtores alegam que o foco de seu terceiro álbum foi digital através da criação da BLUE island:

14 Foi a primeira vez que iamamiwhoami produziu a versão digital de seus álbums, apesar de o próprio produto se caracterizar como inteiramente digital. 15 A água é o símbolo para o mundo online em que vivemos. Eu sinto que comecei na era física e o fato de minha cabeça estar presente nesse novo mundo, é como estar preso na água. Desejando agarrar essas novas oportunidades por ser uma artista digital. (Tradução livre)

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A site where digital tools are provided, for the user to choose to stream, download and/or share the album’s content with other users. The aim is to use the digital format’s strengths in a way that supports iamamiwhoamis audiovisual releases and present a new way to consume an album.1617

A BLUE island, antes de um ambiente de interação e compartilhamento, serviu como forma de se perceber a aproximação do projeto com sua audi-ência: o site foi construído pela comunidade de maior destaque do fandom, o iambountyfan18, em colaboração com os criadores do projeto. O endereço da comunidade é citado na descrição da fanpage oficial de iamamiwhoami, comprovando que o trabalho dos fãs, nesse caso, não é visto como concor-rência e sim como um fator agregador do universo do projeto.

O reconhecimento da importância do fandom foi diversas vezes reitera-do por Jonna Lee, como pode ser percebido durante sua entrevista cedida para a revista Dazed:

“They’ve influenced the direction of all of it, and who I am right now”19. 16 Um site onde são fornecidas ferramentas digitais para o usuário escolher transmitir, baixar e/ou compartilhar o con-teúdo do álbum com outros usuários. O foco é utilizar as forças do formato digital como uma maneira de suporte os lan-çamentos audiovisuais de iamamiwhoami e apresentem uma nova forma de se consumir álbum. (Tradução livre). Dispo-nível em: http://www.facebook.com/iamamiwhoamiofficial/photos/a.288952554335.140186.270417754335/10152617 /?type=1&permPage=118 Criado desde 2010, o iambountyfan é tido como uma das fontes principais, e por alguns a fonte principal, de in-formações do fandom nesse segmento quando as informações oficiais eram escassas. (BARROS; CUNHA. 2014)19 Eles (os fãs) influenciaram a direção de tudo isso e quem eu sou agora. (Tradução livre). Disponível em: <http://

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Redes de interação subjetiva na BLUE island.

Nicolau (2014) aborda em seu estudo sobre redes subjetivas na internet a noção de laços fortes e laços fracos voltada para o âmbito social. Nicolau explica, através de conceitos levantados por Granovetter que as redes so-ciais formadas por laços fracos são as mais apropriadas para a disseminação de novidades, devido ao fato de serem compostas por indivíduos que mes-mo com experiências e áreas de conhecimento diversas, possuem um fator comum entre seus integrantes.

Ainda explorando a pesquisa de Nicolau (2014), compreende-se que as redes subjetivas são formadas a partir da subjetividade intrínseca de cada indivíduo em interação com os outros ao seu redor:

A ideia de subjetividade, embora guarde um sentido histórico demarcado, é comumente usada para caracterizar o mundo interno do ser humano, composto por emoções, sentimentos e pensamentos em relação com a realidade exterior. Nas redes sociais digitais ela encontrou um ambiente propício às manifestações pessoais peculiares. (NICOLAU, 2014, p. 21)

www.dazeddigital.com/music/article/21898/1/iamamiwhoami-force-of-nature> Acesso em: 16/05/2015.

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É levando em consideração o conceito de redes subjetivas que se torna possível adentrar no ambiente proporcionado para os fãs de iamamiwhoa-mi que, por fazerem parte de um número restrito de admiradores, possuem características subjetivas compartilhadas entre si.

Ao ser questionada sobre a BLUE island em entrevista para o site da re-vista Bullet, Jonna Lee foi bastante clara em relação ao que se busca promo-ver através de seu ambiente digital:

My label Tow hom it may concern. has built the BLUE island together with our independent fan site iambountyfan to create a home for followers through out this release and beyond. The island is a way to experience our releas-es as we intended for them to be experienced, where you get all parts we create and not just one or the other. […] BLUE evolves around the fact that the digital world’s greatest value in my opinion holds a value that can not be materialised and owned according to old traditional standards. The val-ue in the digital world is the audience sharing. (LEE, Jonna.Bullet Magazine, 2014)20

20 Meu selo Tow hom it may concern. construiu a BLUE island junto ao nosso site de fãs independente, iambountyfan, com o intuito de criar um lar para os seguidores durante esse lançamento e adiante. A ilha é uma maneira de expe-rimentar nossos lançamentos da maneira como desejamos que sejam experimentados, onde você desfruta de todas as partes de nossas criações, e não apenas uma ou outra. BLUE evolui em torno do que torna o mundo digital mais valioso em minha opinião, por promover um valor que não pode ser materializado ou possuído de acordo com os padrões tradicionais antigos. O valor no mundo digital é o compartilhamento feito pela audiência. (Tradução livre)

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Ao logar-se na BLUE island, o usuário depara-se com sessões que guar-dam acesso direto ao shop da To Whom It May Concern., downloads de todos os elementos do álbum BLUE, uma espécie de apresentação de cada single separadamente do álbum junto às letras e vídeo para streaming e uma ses-são voltada para interações entre fãs, contendo chat, fórum, postagens pre-sentes na nuvem utilizando tags do projeto e um incentivo para o usuário “espalhar sua mensagem” com hashtags21 pelo Twitter.

Lançado no dia 10 de novembro de 2014, as interações entre fãs acon-teceram através do chat da BLUE island. Em períodos de novos comparti-lhamentos (durante o BLUE, foram lançados em média um vídeo por mês), o número de usuários online no chat atingia cerca de 50, mas logo nos dias seguintes, decaía para uma média de 10 por dia.

Algumas práticas interacionais criadas pela própria comunidade de fãs foram identificadas no ambiente. Para facilitar a comunicação entre os mem-bros, que estava sendo prejudicada por reunir fãs de diversos países diferen-tes e consequentemente enfrentarem dificuldades para estabelecer um ho-rário de encontro virtual que favorecesse a todos, foi criado pelos próprios fãs o grupo no Facebook chamado “Blue Island Community”.

Voltando ao conceito de rede de interação subjetiva, este é reforçado pelo objeto que reúne o grupo em questão: utilizando-se de canais diferentes de 21 Hyperlinks indexáveis sugeridas pelos membros como #diveintotheblue, #tapyourglass e #outoftheblue

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emissão e recepção de mensagens, o conteúdo disseminado tem um significa-do particular na vida de cada ator social, o que resulta em um impacto emocio-nal singular. Por estarmos, neste artigo, tratando de um objeto acompanhado em tempo real por seus admiradores, é possível afirmar que essas redes:

[...] demonstram um grau de instabilidade permanente, porque envolvem fatores como: a inconstância dos fluxos de comunicação, uma vez que os usuários não mantêm uma frequência para enviar suas mensagens; a diver-sidade de tipos de conteúdos imagéticos, verbais e sonoros; e a variedade de opções de canais proporcionada por muitos aplicativos de relaciona-mento. (NICOLAU, 2014, p. 24-25)

O grupo estava migrando de seu ambiente de origem para explorar no-vas formas de interação entre eles, a fim de organizar de forma efetiva sua comunicação, enfrentando as dificuldades impostas por barreiras geográfi-cas. Por se tratar de um público restrito, é na internet que muitos admirado-res de produtos fora do meio mainstream encontram pessoas para partilhar emoções e conhecimento. É possível que esse seja o motivo para que, mui-tas vezes em números pequenos, os fãs serem os responsáveis pela conti-nuidade das práticas interacionais criadas na internet:

Trata-se de uma dimensão da percepção humana que está além dos inte-

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resses da comunicação informacional, pois representam, em sua essência, sentimentos mais abstratos e mais sutis junto ao espírito humano de comu-nhão, congraçamento, da vontade de rir ou perceber juntos, aquilo que não se diz racionalmente. (NICOLAU, 2014, p. 25)

No grupo do Facebook, os fãs buscaram formas de criar interação e man-ter proximidade entre si, criando eventos como encontros no TinyChat22, no qual os usuários ligavam suas webcams ou microfones e conversavam sobre assuntos diversos (em inglês, mesmo não sendo a língua nativa de muitos, o que acaba gerando prática e conhecimento que vão além do mundo da música).

Durante todo o período de observação da comunidade, foi possível notar que, quando o projeto anunciava algum acontecimento futuro, os fãs bus-cavam se reunir um dia antes da data prevista de lançamentos com o intuito de se “prepararem” para os eventos que viriam a acontecer. Nesse momen-to, percebeu-se que outra rede se mostrou de valor para os usuários da ilha, que estavam partindo para práticas organizacionais de interação com data marcada: o plug.dj23.

22 Chat online que permite os usuários se comunicarem por mensagem instantânea, chat de voz e de vídeo. Permite a criação de salas individuais de forma gratuita. 23 Um website de interação social online voltado para o streaming de músicas, dedicado para comunidades que de-sejam compartilhar e descobrir novas músicas. O serviço é gratuito e possui mais de 3 milhões de contas registradas. Dado obtido em: https://angel.co/plug-dj. Acesso em 18 de maio de 2015.

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Dois eventos ganharam destaque na comunidade criada no Facebook: no dia 16 de fevereiro e no dia 28 de abril de 2015, um dia antes da data marcada para o lançamento do BLUE film24 e do Concert in BLUE25, respecti-vamente.

O plug.dj tornou-se uma rede utilizada com frequência pelos integrantes da BLUE island. Ao se criarem laços de companheirismo no ambiente pro-porcionado pela banda, os fãs buscaram meios de vivenciar experiências em grupo, marcando encontros regulares no plug.dj, em que os integrantes passavam horas ouvindo música e assistindo vídeos, enquanto comentavam sobre assuntos diversos, normalmente ligados à cultura pop.

Atualmente, enfrentando um novo momento de hiato dos produtores, alguns fãs ainda buscam se reunir na BLUE island, atingindo uma média de 5 a 8 usuários por dia.

O grupo, cada vez mais restrito, busca se manter unido e dissertam sobre assuntos variados, muitas vezes não relacionados à iamamiwhoami.

24 Adaptação de todos os clipes do BLUE com interlúdios entre eles e um clipe inédito, formando o conteúdo ex-clusivo do filme. Disponível apenas para assinantes da BLUE island e para os interessados em pagar pelo streaming no site de vídeos Vimeo. 25 Performance feita pela banda e compartilhada pelo seu site oficial, disponível via streaming para fãs do mundo inteiro, de forma gratuita.

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Considerações finais

Inseridos no novo contexto de práticas interacionais mediadas pela inter-net, iamamiwhoami configura-se como mais um dos produtos que buscam se adaptar a essa nova sociedade midiatizada.

A consciência de que o diálogo a ser feito e as experiências a serem vivi-das no mundo digital se diferenciam muito do que vimos até hoje antes de nos depararmos com a revolução das redes é de importância vital para que um produto inteiramente digital e independente consiga se manter vivo em meio ao grande fluxo de informações que temos acesso atualmente.

O ator social tornou-se autônomo. As grandes mídias tradicionais já não são mais capazes de guiar o nosso conhecimento: somos desenhistas de nosso próprio trajeto e temos um mundo inteiro a ser explorado, o mundo digital.

Nele, os amadores podem se tornar experts. Muitos indivíduos podem se fazer ouvir diante da grande gama de possibilidades que temos de nos expressar, compartilhar e disseminar informações. Mas mesmo diante de uma aparente democratização de mídias, é importante termos consciência de que existe uma batalha sendo travada entre os interesses econômicos e políticos que buscam, como Nicolau (2014) afirma, “direcionar as produções

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e os usos dos recursos da internet para fins mercadológicos lucrativos e de controle ideológico”.

É nesse cenário que as redes de interação subjetiva se mostram impres-cindíveis para a busca da autonomia digital, por serem construídas de forma organizacional por atores sociais que buscam apenas se expressar, trocar informações e contribuir com o vasto universo a ser explorado, unindo uma pluralidade de cultura que só enriquece a interação criada por cada um den-tro da rede.

Cabe, então, aos artistas que buscam sua independência criativa e seu público fiel explorar as grandes possibilidades que a internet guarda para a construção de seu público, sendo o “mundo real” apenas uma extensão de sua raiz, que busca criar novas ilhas de interação no grande oceano em que está inserido: a rede mundial de computadores.

Referências

ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Trad. Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. BARROS, Miriam; CUNHA, Marcela. Iamamiwhoami: música, transmedia e fandom en-gajado. Trabalho apresentado no seminário temático Produção de fãs e cultura parti-

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cipativa da I Jornada Internacional GEMInIS. Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, 2014. JOHANSSON, Beatrice. Consumervalues in digital musicdistribution. 2014. 58 f Dis-sertação (Mestrado em Computer Science and Communication) – Stockholm University, KTH Royal Instituteof Technology, 2014. LEE, Jonna. Iamamiwhoamionher new visual albumandthestruggle for creativefreedom. Bullet, 2014. Disponível em: <http://bullettmedia.com/article/iamamiwhoami-on-her--newvisual-album-and-the-struggle-for-creative-freedom/> Acesso em: 16/05/2015. LEE, Jonna. Iamamiwhoami. London in Stereo, Londres, n. 21, p. 24-27, nov. 2014. Dis-ponível em: <http://www.londoninstereo.com/latest-issue-november-2014/>. Acesso em 16/05/2015. NICOLAU, Marcos. Redes de interação subjetiva na internet. In: NICOLAU, Marcos (Org.). Compartilhamento em rede: práticas interacionais no ciberespaço. João Pessoa: Ideia, 2014. Disponível em: <http://www.insite.pro.br/elivre/compartilha_pc_tablet.pdf>. Acesso em: 16/05/2015 PAIVA, Cláudio. Sob o signo de Hermes, o espírito mediador: midiatização, interação e comunicação compartilhada. In: Mediação e Midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012. Dis-ponível em: <http://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/6187/1/MIDIATIZACAO_reposi-torio.pdf>. Acesso em: 19/05/2015.RAINIE, Lee; WELLMAN, Barry. Networked: The New Social Operating System.Cambrid-ge:The MIT Press,2012.

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RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.SANDVOSS, Cornel. Quando a estrutura e a agência se encontram: os fãs e o poder. trad. Simone do Vale. In: Ciberlegenda: Revista Eletrônica do Programa de Pós-gradua-ção em Comunicação – PPGCOM/UFF, N°28, 2013. SHIRKY, Clay. Cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conec-tado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. STASIAK, Daiana; BARICHELLO, Eugenia. Midiatização, identidades e cultura na contem-poraneidade. Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p.107-117, jul. 2007. Disponível em: <http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_09/contemporanea_n9_107_stasiak_barichello.pdf>. Acesso em: 16/05/2015.TULLOCH, John; JENKINS, Henry (Org.). Science fictionaudiences:watchingDoctor Who and Star Trek. Londres: Routledge, 1995.

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SOB O DOMÍNIO DOS FÃS: O USO DAS REDES SOCIAIS DE VÍDEOS

EM TORNO DA SÉRIE GAME OF THRONES1

Nathalia REZENDE2

Resumo

A cultura do fã traz consigo matizes próprias de um novo fenômeno comunicacional em torno das séries televisivas. A proposta desse trabalho é apresentar um estudo sobre práticas, interações e apropriações online dos fãs da série de televisão Game Of Thrones a partir de recursos, conteúdos e plataformas de vídeo (Vine, Youtube e Pe-riscope). Este determinado grupo de fãs figura práticas peculiares que deram origem a fênomenos que serviram à finalidade de refletir sobre relação do fã de produtos culturais com o vídeo e as redes sociais nos dias atuais, observando os agentes envol-vidos no processo, as relações presentes e as implicações desta realidade.

1 Trabalho apresentado no GP 6 – Comunicação e Culturas Urbanas, XV Encontro dos Grupos de Pesquisas em Co-municação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.2 Mestranda do Programa de Pós- Graduação em Comunicação – PPGC/UFPB e Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas - Gmid/PPGC)

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Palavras-chave: Cultura do Fã. Vídeo. Game Of Thrones. Interação. Produção de Conteúdo.

Introdução

Décadas depois do surgimento da internet, a sociedade ainda passa por transformações profundas. A internet e suas múltiplas possibilidades, in-trinsecamente arraigadas pelas leis da cibercultura: liberação, conexão e li-berdade (LEMOS, 2004) semearam a ideia de que as pessoas não precisam prender-se a nenhuma proposta técnica, ou seja, por mais que os aplicati-vos, redes sociais, plataformas e ferramentas sejam criadas com objetivos específicos e limitados, os indivíduos entendem que nada os impede de atri-buir outros usos e criar novas possibilidades. É exatamente isso que os fãs tem feito, criado a partir de possibilidades técnicas, a palavra-chave deste segmento é apropriação. Fãs de todos os tipos e diversos lugares do mundo têm transformado espaços, criado conexões, reconfigurado conceitos e sis-temas a partir de suas práticas nas redes sociais online, a cultura do fã.

Muitos são os mecanismos, habilidades, normas, condutas e capacidades dos fãs nos dias atuais. Considerar tudo isso dentro de um único embrulho é limitativo, é preciso perceber que existe um sistema complexo em funcio-namento, que deve ser analisado com minucia, respeitando cada ponto es-pecífico em característica e agência. Ou melhor, trata-se de vários sistemas

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funcionando isoladamente e ao mesmo tempo fazendo parte harmoniosa-mente de um sistema maior, a cultura do fã, responsável por grande parte do conteúdo presente no ciberespaço. Por isso, este trabalho propõe-se a olhar mais atenciosamente para uma dessas estruturas que compõe o plano maior, as redes sociais de vídeo, um espaço já dominado fortemente pelos fãs de produtos culturais.

Para avançar nos estudos da mobilização social (BENNET, 2012), capital social (PUTNAM, 2000), internacionalidade transversal (NICOLAU, 2015), inte-ligência coletiva (LÉVY, 1999), cultura da convergência (JENKINS,2008) e ou-tros estudos em andamento relacionados a sociedade em rede é necessário reconhecer tal complexidade e partir para um aprofundamento nos agentes envolvidos no fenômeno. No caso das redes sociais de vídeo, objeto central deste texto, o objetivo é identificar e elucidar as práticas dos fãs dentro des-sa plataforma, perceber suas apropriações, seus usos, as interações, os tipos de produção do conteúdo, suas implicações sociais e mercadológicas.

A partir de três redes sociais de vídeo, com propostas de uso distintas, Vine, Youtube e Periscope, escolhidas por serem as mais representativas em suas categorias, analisamos a ação dos fãs de Game Of Thrones. Este grupo de fãs foi preferido para a pesquisa pelo histórico de participação online, responsável por promover fenômenos como o #redwedding3 e outros que 3 Hashtag utilizada pelos fãs em posts relacionados a um dos episódios mais polêmicos da quarta temporada, intitu-

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vão ser apresentados ao longo do artigo. Para isso, foi realizada uma pes-quisa exploratória, acompanhando canais/perfis, fazendo pesquisas através de mecanismos de busca, combinando palavras chaves, catalogando os ti-pos de conteúdo produzidos, buscando as relações estabelecidas e fazendo anotações que pudessem guiar o texto deste trabalho. Com base em tudo o que foi conhecido, refletimos através dos conceitos acima citados e propo-mos o esboço de um guia para as práticas dos fãs de Game Of Thrones nas redes sociais de vídeo e suas implicações na nova configuração midiática social.

Força de dominação: a cultura do fã

Assim como em todos os campos sociais na Cibercultura, o fã também teve suas práticas modificadas. A criação de grupos, a força das conexões, a colaboração espontânea, as relações, as motivações e a capacidade de criar, publicar e disseminar conteúdos fez dos fandoms personagens valorosos para entender a complexa reconfiguração midiática.

Como Nicolau e Rezende (2014) ressaltam, os fandoms são ambientes de afinidade caracterizados pelas muitas formas de interação que se esta-lado “O casamento vermelho”, foram postados vários vídeos associados a essa tag, principalmente reações as mortes surpreendentes do episódio.

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belecem entre fãs de determinado objeto cultural a partir de seu interesse compartilhado por este mesmo objeto. Por meio de fóruns, blogs, e princi-palmente, nos sites de relacionamentos, esses fãs criam, com base em sua similaridade, verdadeiros centros globais de interação

De acordo com Jenkins (2008, p.181) “os fãs são o segmento mais ativo do público das mídias, aquele que se recusa a simplesmente aceitar o que se recebe, insistindo no direito de se tornar um participante pleno”. Esta moti-vação é responsável por boa parte da inundação de vídeos de uma mesma temática espalhados pela internet. Uma colaboração incessante, inteligente, coordenada e organizada, um cenário característico da inteligência coletiva descrita por Lévy (2007).

A inspiração unificadora: Game of Thrones

Game Of Thrones é uma série televisiva norte-americana produzida pela HBO, uma adaptação da série de livros de fantasia épica “As crônicas de gelo e fogo” (Song of Ice and Fire), escritos por George R. R. Martin, publicado pela primeira vez em 1996 nos EUA. Sua primeira temporada estreou em 17 de abril de 2011, desde então foram lançadas 5 temporadas, uma ao ano.

A série bateu diversos recordes de audiência. Game of Thrones é oficial-

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mente a série mais assistida de todos os tempos, na HBO. Além disso, a série também bateu recordes de pirataria, com mais de um milhão de downloads em menos de um dia, segundo o site especializado TorrentFreak4 .

Como dito, a série foi escolhida para esta reflexão, pois seus fãs possuem grande representatividade na internet, sendo um dos grupos de fãs que mais produzem conteúdo online de todos os tipos, inclusive vídeos, objeto central deste artigo.

A força dos vídeos online

Como Clay Shirky ressalta (2011, p.127), “a internet está reduzindo o cus-to de transmitir não só palavras, como também imagens, vídeos, voz, dados brutos e tudo mais que possa ser digitalizado”. É neste contexto, que os ví-deos assumem o seu papel de importância na nova configuração midiática.

Desde os primórdios da internet, o vídeo esteve dialogando com este ca-nal, como diz Carreiro (2003, p. 130), “o cinema tem sido, desde os primeiros anos de existência da internet, um dos temas mais discutidos pelos inter-

4 TorrentFreak é um site que documenta as novidades e tendências do BitTorrent - protocolo e compartilhamento de arquivos por download - o site foi iniciado em Novembro de 2005 e entre os seus colaboradores regulares está o fundador do Pirate Bay. Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/game-of-thrones-da-hbo--maior-audiencia-desde-final-de-familia-soprano-12124339#ixzz3ABXuouLF

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nautas”. Porém, tal presença não se restringe ao cinema, a própria televisão aberta muitas vezes apontada como rival da internet, tem dialogado com ela. Uma prova disso são as hashtags entre os assuntos mais comentados do Twitter, frequentemente relacionados a programação televisiva, configuran-do a segunda tela5.

Aqui, a proposta é refletir sobre a relação da série Game Of Thrones, os fãs e as práticas de produção e compartilhamento de vídeo no ciberspaço. O produto série de TV têm demonstrado uma relação muito forte de coe-xistência com a internet, reconfigurando ambas e por que não dizer, com-plementando-se, já que esta ligação tem transformado o modo como os fãs consumem as séries e também o seu comportamento online, hibridizando os seus recursos em uma nova forma de participar deste processo.

Quando se fala da relação do vídeo com a internet, não se pode deixar de lado a questão da técnica e o acesso aos meios de produção, em muito faci-litado atualmente. A possibilidade de, com pouco investimento monetário e quase nenhuma habilidade técnica, qualquer pessoa ser capaz de produzir um vídeo é um fator determinante para a existência deste fênomeno no seu de-senho atual. Outro fator importante é a centralização de ferramentas em um único dispositivo, como o próprio Lemos (2007) afirma, que o celular é mais

5 A segunda tela é um segundo dispositivo que é consumido simultaneamente a TV, como por exemplo a utilização do smartphones, tablets, notebooks com acesso a internet.

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que um aparelho para ligaçações telefônicas, pois ele reúne funções e possi-bilidades, dentre as quais estão a produção e compartilhamento de vídeos.

É neste contexto que nascem as ferramentas online para compartilha-mento de vídeos. Sejam as redes sociais próprias para o compartilhamento de vídeos (Youtube e Vine) ou recursos de vídeo que podem ser agrega-dos a redes sociais pré-existentes e que possuem finalidades mais amplas (Periscope). A relação entre o fã e o produto cultural nos dias atuais, passa pelo vídeo. Hoje ele assiste muito mais do que a série favorita, ele assiste o comentário, a paródia, o clipe, os melhores momentos e produz seus pró-prios vídeos para participar desse processo, remontando toda a lógica de produção, consumo e distribuição da série, atribuindo espaço, audiência e representatividade a um universo do qual ele também faz parte: o universo de vídeos amadores produzidos por fãs.

Controle nada remoto: redes sociais de vídeo e a decisão do que assistir

O termo em inglês significa “você tubo” e “tubo” pode ser usado de modo informal nos inglês como uma gíria que se refere a televisão, portan-to, desde sua nomenclatura o Youtube sugere a criação da “Sua televisão”, uma TV produzida por internautas de todo o mundo, onde cada pessoa

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disponibiliza o seu próprio canal para que outros possam acessar e assistir vídeos de temáticas diversas. A plataforma foi lançada em 2005 e não é a única representante desta categoria, porém, é sem dúvidas a mais popular. O sistema do Youtube permite a vinculação dos vídeos disponibilizados na rede social a outras plataformas como blogs, portais, emails e outras redes sociais, facilitando dessa forma a disseminação do seu conteúdo por toda a rede, sem limitar-se ao acesso do site.

Depois de 10 anos de existência o Youtube é apontado como um dos responsavéis pela nova relação das pessoas com o vídeo. O público passou consumir vídeos de modo diferente do tradicional, escolhendo a que horas quer quer ver e aonde quer ver ( gadget, lugar físico). Assistir vídeos ama-dores tornou-se muito natural, a estética de filmes caseiros, com áudios rui-dosos passou a não ser um problema para consumir algum conteúdo, mui-to pelo contrário, a desconstrução de elementos formais do vídeo atribuiu novo sentido a produção, além de motivar as pessoas a produzir seu próprio conteúdo e disponibilizar nas redes sociais, passou a empregar a acepção de credibilidade a vídeos de estética amadadora.

Toda essa conjuntura associada a cultura do fã e a necessidade expandir a experiência com o produto idolatrado, criar laços com aqueles que parti-lham do mesmo objeto de adoração, configuraram um cenário perfeito para a proliferação dos novos fãs no Youtube, produtores e consumidores de ví-

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deo, ansiosos por contribuir com um repertório colaborativo de qualidade, uma programação inteira sobre Game Of Thrones em diversos gêneros dis-ponivél para todos.

Alguns anos depois, em 2013, seguindo uma lógica parecida, nasceu o Vine, um aplicativo para a produção de microvídeos de no máximo 6 segun-dos que podem ser compartilhados na própria rede social do aplicativo ou em outra rede social, através de vinculação, assim como o Youtube. Além disso, o usuário do Vine pode navegar entre os vídeos a partir de temáticas e vídeos têndência que são aqueles que vem ganhando popularidade rapidamente.

Em poucos meses, o Vine tornou-se o aplicativo gratuito mais baixado da AppStore e por isso também foi importante para a pesquisa nesta pro-posta, pois, apesar de suas diferenças técnicas, trata-se de uma rede social de vídeo muito popular e ainda traz consigo caracteristicas emergentes, a da apficação6 e do mobile, elementos essenciais quando nos propomos a refletir sobre a nova configuração midiática.

No Youtube, percebemos que as publicações em sua maioria tendem a ser mais elaboradas, observa-se a utilização de camêras de vídeo profissio-nais ou não, web-cam e celular, a maioria passa por edição e em alguns ca-sos são acrescentados elementos gráficos. Enquanto no Vine, as gravações

6 Uma tendência mundial que os usuários passem mais tempo usando aplicativos do que acessando a web e que a maior parte dos serviços migrem para este tipo de plataforma.

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são feitas através da camêra do próprio celular e a edição é feita com os próprios recursos oferecidos pelo aplicativo que são poucos, limitam-se a cortes, filtros de iluminação e caracteres simples.

Nas duas redes sociais, a ideia central é de que o usuário possa tor-nar-se produtor audiovisual, sem necessidade de profissionalismo, aguça-da habilidade técnica, aprovação editorial ou qualquer um dos embustes presentes na lógica de produção de conteúdo tradicional. Espera-se que através de recursos simples, qualquer um seja capaz de fazer um conteúdo e publicá-lo em rede, mas, os fãs foram muito além dessa simples tarefa transformando comportamentos e criando uma nova realidade social, en-volvendo fãs e vídeos.

Tanto no Youtube como no Vine, é possivél encontrar canais/perfis dedi-cados a produtos culturais específicos, com altos graus de profissionalismo do ponto de vista técnico e elaboração de conteúdo de qualidade. Através dos comentários os fãs se comunicam e criam relações que ultrapassam as barreiras da determinada rede social, perfis pessoais tem a oportunidade demonstrar em vídeo o quanto gostam de algo e darem sua opinião sobre o enredo, sobre os rumos da história, a atuação dos personagens ou sim-plesmente fazer piada, resignificar. As possibilidades são muitas e para os fãs parece ser inesgotavél.

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O novo ao vivo: compartilhamento de Vídeo Streamming

“Veja o mundo através dos olhos de outra pessoa” é o slogan da apli-cação lançada em 2015 associada ao Twitter, o Periscope, que permite que qualquer pessoa possa fazer uma transmissão audiovisual ao vivo, via stre-amming. O vídeo feito fica disponivél por no máximo 24horas e nas trans-missões em tempo real, os espectadores podem interagir enviando corações que demonstram aprovação ao vídeo disponibilizado.

Apesar de bem recente, o Periscope já faz parte do cotidiano dos inter-nautas, que atribuíram a ele diversas funções, mostrar shows, pôr do sol em Frankfurt, festividades típicas asiáticas, um trem bala em movimento, um tour pela floresta, a opinião de alguém sobre algum tema, transmissão de alguma premiere ou evento e muitas outras possibilidades.

Os fãs, são uma parcela importante dos usuários do aplicativo e desen-volveram seu próprio modo de usá-lo, além de deslocar muitas das práticas do Youtbe, do Vine com algumas adaptações, no Periscope os fãs podem interagir e participar de momentos dos seus ídolos ou produtos idolatrados, através da interação em tempo real oferecida pelo aplicativo. Tudo acontece no celular e a impressão que se tem é que o fã está tendo uma videocha-mada privada com seu ídolo ou que está deslocando-se em sua companhia através das transmissões.

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Porém, a mais famosa ação dos fãs no uso deste aplicativo se deu por outro viés, o da pirataria. Na estréia e exibição da quinta temporada de Game Of Thrones em 2015, os fãs transmitiram os episódios ao vivo, via streamming por meio do Periscope. A série que era conhecida por sua re-lação com a pirataria pelos recordes de dowloads ilegais via uTorrent es-trelou mais uma vez as manchetes que questionavam os rumos da relação dos direitos autorais e da internet, só que desta vez, em um fenômeno completamente novo.

Dominadores: características, práticas e o poder dos fãsnas redes sociais de vídeo.

Apesar da série de livros, foi com a adaptação para a TV em 2011 que as histórias de George R. R. Martin conquistaram uma verdadeira legião de fãs. Atualmente, a quantidade de fãs está estimada na casa dos milhões – em março de 2013 o SocialBakers Analytics7 , baseado nas redes sociais (Twitter e Facebook), calculou que existem 5.493.248 fãs da série na rede.

Observando a grande quantidade de vídeos relacionados à série Game Of Thrones, pudemos identificar a configuração de um fenômeno comuni-7 Socialbakers é uma empresa que fornece análise de estatísticas de rede sociais: Facebook, Twitter, Google+ , Linke-dIn e YouTube, ajudando as empresas a monitorar a eficácia de suas campanhas de mídia social.

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cacional latente. Se for efetuada uma busca apenas com as palavras “Game Of Thrones” no Youtube, serão encontrado mais de 926.000 resultados, no Vine são 12.600 postagem relacionada e 2.951 perfis nomeados com o título da série ou parte dele. São números representativos de um fenômeno, prin-cipalmente se forem consideradas a infinidade de possibilidades de palavras chaves que poderiam ser combinadas para diversos outros resultados.

O observado é que os fãs da série extremamente motivados, através do Vine, o Youtube e Periscope desenvolveram um modo próprio de articular recursos e ferramentas, criando interações e relações produtivas comple-tamente afora a lógica tradicional capazes de criar conteúdos diversos que conseguem se retroalimentar em uma cadeia sustentável de produção e consumo, capaz de resistir ao intervalo de um ano entre cada uma das tem-poradas.

Mesmo com tanta informação e diversidade, após um trabalho detalha-do, apoiado por muitas anotações, foi possível identificar alguns padrões entres os conteúdos e práticas dos fãs nas redes analisadas, traços que po-dem ajudar a clarificar o entendimento do fenômeno. A ideia não é limitar, e sim elucidar semelhanças e diferenças dos vídeos que foram analisados até a presente data da pesquisa, categorizando em grupos de afinidade, para facilitar a identificação de certos padrões de comportamento, tendências e implicações sociais.

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Os Produtores

O primeiro ponto a ser destacado diz respeito ao produtor do conteúdo, no caso do Youtube nomeado como canal e perfil no caso do Vine e do Periscope, nas três redes sociais foram identificados produtores de 3 tipos: Produtor Oficial, Produtor fã, Produtor Webcelebridade.

a) Produtor Oficial

A HBO possui canais oficiais nas três redes sociais. As contas são gerenciadas pela HBO ou algum representante autorizado, em inglês, são verificadas pelas pró-prias redes sociais, essa autenticação é indicada através de um símbolo em cada um dos perfis/canais. Apesar da autonomia dos fãs, os canais de produções oficiais con-tam com uma enorme quantidade de seguidores do mundo inteiro.

b) Produtor Fã

Muitos dos vídeos são compartilhados a partir de contas/perfis de fãs. Alguns desses usuários tem em Game Of Thrones a principal temática de

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todos os conteúdos compartilhados, a maioria desse tipo de perfil é identifi-cado com nomes de personagens, autointitulados fã-clubes ou fazem algum tipo de referência direta a série ainda no nome, indicando que todo conte-údo produzido para o tal refere-se à série admirada.

Porém, existe outro tipo de Emissor fã, são aqueles indivíduos que pos-suem uma conta pessoal, ou seja, utilizam o próprio nome ou apelido, pos-tam vídeos de temáticas diversas e apenas alguns, ou muitos, entre eles são dedicados às tramas de Westeros, ou seja, são contas comuns e postam regularmente, periodicamente ou de vez em quando algum conteúdo rela-cionado a série.

c) Emissor Webcelebridade

Já não é nenhuma novidade que a internet deu a oportunidade de pes-soas antes anônimas tornarem-se verdadeiras celebridades online, são as chamadas webcelebridades. No caso das redes sociais de vídeo pesquisadas este fenômeno é muito claro. Alguns usuários ganham notoriedade pelos ví-deos que produzem e ganham seguidores aos milhares, porém para manter a popularidade precisam estar atualizados com as tendências e hits da in-ternet. Sendo Game Of Thrones uma temática notadamente popular, muitos

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dos famosos da internet utilizam-se desse assunto para produzir vídeos para seus canais multitemáticos.

Tanto no Youtube, como no Vine e no Periscope, essas webcelebridades postam vídeos condizentes com o gênero do seu canal só que com a temá-tica Game Of Thrones, esse tipo de produtor é conhecido respectivamente como Youtuber, Viner e Periscoper.

Tipos de Vídeo

Além do Produtor, outro ponto essencial do fenômeno das redes sociais de vídeo, são os próprios vídeos, a produção de conteúdo é vasta e diversa, porém, existem alguns pontos de semelhança e divergência que julgamos capazes de agrupar em categorias os vídeos produzidos pelos fãs de Game Of Thrones.

a) Vídeo Extra

Este tipo de conteúdo não é novo, mas ainda não deixou de exercer cer-to fascínio nos fãs, sempre ávidos em ver cenas extras das gravações, erros, making off, detalhes da locação, entrevistas com atores, produtores e dire-

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tores. A maior parte desse tipo de vídeo é compartilhado por perfis/canais oficiais.

b) Vídeo BestScenes

Neste tipo de vídeo chamado de BestScenes como o próprio nome anun-cia, são reunidas as melhores cenas segundo o produtor do vídeo. As me-lhores cenas de guerra, as melhores cenas de determinado personagem, momentos marcantes de uma temporada, melhores cenas de uma família, muitas são as temáticas utilizadas para reunir cenas em vídeos e disponibi-lizar nas redes sociais, porém, os personagens principais, as cenas de sexo e as batalhas são as mais populares entre este tipo de vídeo produzidos e compartilhados na maioria das vezes por canais/perfis de fãs dedicados ex-clusivamente a série.

c) Vídeo Pirataria

Apesar de muitos episódios serem postados no Youtube logo após sua exibição na TV, não demora até que as ferramentas da rede social prepara-das para proteger as leis de direitos autorais identifique-os e retire-os do ar,

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portanto, no Youtube a pirataria se resume aos trechos utilizados em outros tipos de vídeos. No Vine, devido a sua limitação temporal de apenas 6 se-gundos, este tipo de vídeo não é representativo.

Já no Periscope, este tipo de vídeo se destaca pois além de todos os ou-tros tipos citados aqui, os usuários deste aplicativo transmitiram todos os episódios da quinta temporada em tempo real, simultaneamente a exibição mundial da HBO para todos os seus seguidores, que inclusive podiam co-mentar entre si utilizando o chat disponível no aplicativo, assustada a HBO solicitou publicamente que a empresa Periscope tomasse medidas para con-trolar este tipo de ação realizada por meio do aplicativo, o Periscope por sua vez manifestou em nota que seus termos de uso protegiam os direitos au-torais e previam a suspensão e penalidades em caso de violação, porém, a temporada foi finalizada, todos os episódios foram transmitidos e nenhuma medida foi tomada até a presente data.

d) Vídeo Opinião

O tipo de vídeo mais comum, produzido e compartilhado por todos os tipos de produtores, nas três redes sociais, presente desde a primeira tem-porada da série. Neste tipo de vídeo as pessoas comentam sobre o episódio/

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temporada/acontecimento/personagem, falam sua opinião, contam o que aconteceu, fazem retrospectiva, o que é possível identificar é que cria-se um grande diálogo a partir dos vídeos pelos quais o internauta vai navegando, existe uma espécie de fio condutor, como se houvesse uma grande roda de conversa entre todos que postam vídeos deste tipo sobre a mesma temáti-ca. Não é necessário nenhum apelo de autoridade, basta ter assistido/lido o produto para ter direito de comentar e participar da conversa.

e) Vídeo Explicativos

Talvez pela natureza do enredo de Game Of Thrones, uma série fantástica com muitos personagens, muitos cenários, muitas espécies, muitos núcle-os temáticos esta seja uma série propícia para este tipo de vídeo. Os vídeos aqui nomeados como “Explicativos” são vídeos produzidos com o objetivo de deixar mais claro todo o complexo universo da série. São muitos víde-os nesta categoria, nas três redes sociais, predominantemente no Youtube, compartilhados por todos os produtores citados.

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f) Vídeo Humor Assim como quase tudo na internet, a produção e compartilhamento de

vídeos também passa pelo viés do humor. São muitas as amostras de vídeo que estão representadas nesta categoria de tipo de vídeo. Videomemes, pa-ródias, stand-ups, remix, musicais e outros.

g) Vídeo Reações

O tipo de vídeo mais peculiar produzido pelos fãs de Game Of Thrones são os vídeos de reações. Por se tratar de uma série de TV advinda dos livros, muitos dos fãs já conhecem boa parte da história, por isso, alguns aconte-cimentos marcantes puderam ser esperados por aqueles que já haviam lido os livros da série. Esses fãs que já esperavam determinados acontecimentos, especialmente os ligados as mortes de personagens queridos fizeram víde-os dos fãs que apenas acompanhavam a série na TV e compartilharam esses vídeos em várias redes sociais, inclusive no Vine, Youtube e Periscope. Os episódios que mais geraram repercussão em torno desse tipo de vídeo fo-ram #redwedding #casamentovermelho #mortedeoberyn #purplewedding.

A repercussão foi tanta em torno desse tipo de vídeo que um Talk Show

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americano no canal TBS fez uma matéria onde o telespectador assistiria a reação de George Martin, autor dos livros, assistindo a reação das pessoas ao casamento vermelho8. Não foi encontrado nenhum registro desse tipo de vídeo referente a outro produto cultural.

h) Vídeo DIY

Apesar de surpreendente, os fãs de Game Of Thrones também produ-zem vídeos Do It Yourself para que cada um possa fazer em sua própria casa objetos com a temática da série. Entre os tutoriais são encontrados objetos de decoração, camisetas, bonés, pintura de parede e os próprios objetos do universo da série como, por exemplo, ovos de dragão.

i) Vídeo Fanfic

Utilizando teatro, remix, mashup, redublagem, relegendagem ou audio-descrição os fãs também produzem vídeos de novas histórias utilizando o universo e os personagens da série Game Of Thrones, não são tão comuns, até porque requerem um certo grau de habilidade técnica, mas são um tipo 8 https://youtu.be/azr99OfKLxk

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de vídeo produzido por um tipo de fã altamente engajado, outro ponto inte-ressante é que o emissor que produz esse tipo de conteúdo parece também consumir esse mesmo tipo de conteúdo, é possível observar este compor-tamento a partir do monitoramento dos comentários feito por estes fãs nos próprios vídeos.

J) Vídeo Machinima

Pelo enredo com uma temática épica, adornada por batalhas e cavaleiros a série tem uma tendência a produção desse tipo de vídeo, que é chama-do de machinima pelos próprios produtores. São pequenos filmes feito por amadores a partir da tela de jogos, ou seja, o usuário controla os persona-gens e cenário de determinado jogo, captura a cena, faz edições de achar necessário e transforma em filme.

No caso de Game Of Thrones, a maioria das machinima são reproduções de batalhas, geralmente curtos, alguns utilizam recursos de humor, seus emissores comumente tem outros vídeos deste tipo no canal/perfil porém com temas diversos.

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Considerações finais

Dentre, aproximadamente, 30.700.000 resultados obtidos em 0,21 segun-dos de pesquisa na seção de vídeos do Google utilizando as palavras Game Of Thrones, boa parte deles é fruto de uma produção amadora, produzida, compartilhada e consumida por fãs. O que fica claro a partir desta pesquisa é que essa prática já tem seu próprio contorno, já que independe do mode-lo de possibilidades oferecido pelo mercado. Os fãs a partir de suas práticas dão novos usos aos recursos e ferramentas oferecidas pelo mercado, apro-priando-se delas, preservando o que consideram útil aos seus interesses. Juntos são capazes de produzir uma quantidade de vídeos que jamais cabe-ria em qualquer rede de televisão.

Porém, mais que reconhecer a grandiosidade desse fenômeno, o trabalho faz perceber a existência de mais de um sistema e suas peculiaridades, co-existindo dentro da cultura de fã. Concentrado no recorte das redes sociais de vídeo Youtube, Vine e Periscope, ele oferece um vislumbre das nuances e complexidades que cada um dos sistemas apresenta, já que se trata apenas de parte de um sistema maior.

Em um cenário propício à liberdade, com possibilidades técnicas facili-tadas e uma grande motivação de participar ativamente daquilo que admi-ram, os fãs não mediram esforços para criar vídeos. Outros fãs passaram a

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consumir esses vídeos e foram encorajados a fazer o mesmo somando a sua própria criatividade a cada novo vídeo produzido e compartilhado. Esses fãs criaram entre si um novo modo de consumir vídeo, que vai além de assistir, eles comentam, compartilham, dão opinião, fazem remix, reeditam e cada um desses indivíduos tem sua importância para a comunidade que gera uma audiência independente entre os próprios produtores.

Contudo, não existe apenas este tipo de produtor nas redes sociais de vídeo, como apontado neste texto, visando o potencial comercial destas re-des sociais. A empresa produtora e detentora dos direitos autorais da série Game Of Thrones mantém canais/perfis nas redes sociais, onde posta víde-os oficiais relacionados ao seriado. Curiosamente, apesar de ser detentora dos direitos legais da série, a HBO não realiza ações de combate a violação de direitos autorais, salvo algumas raras exceções como o evento do Peris-cope9. Essa omissão da HBO demonstra o reconhecimento de um potencial mercadológico. Pois, em vez de ver os fãs como violadores de direitos auto-rais, ela os vê como produtores de conteúdo gratuitos muitas vezes de alta qualidade, geradores de publicidade e engajamento.

Já os famosos da internet, se adaptam a qualquer temática potencial-mente popular ao gênero do seu canal/perfil que se adeque a sua audiência

9 Episódio em que HBO pediu publicamente que a empresa Periscope tomasse medidas para proteger os direitos da série que estava sendo transmitida ilegalmente através do aplicativo.

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e que seja capaz de lhe trazer views. Os vídeos gerados sobre a série são su-perficiais, notadamente forçados e figuram lado a lado com outros hits em seus canais.

A partir desses três tipos de produtores, vários são os tipos de vídeos compartilhados, gêneros, linguagens, estética, modos de produção, são al-guns dos muitos fatores que diferenciam o tipo de conteúdo presente nessas redes. Baseado nisso, analisamos os vídeos das três redes sociais pesquisa-das categorizando-os em: Extra, BestScenes, Pirataria, Opinião, Explicativos, Humor, Reações, DIY, Fanfic, Machinima, na tentativa de fazer um esboço do tipo de vídeo que está sendo produzido, compartilhado e consumido pelos fãs atualmente, sem cair na incorreção de limitar a prática.

O maior préstimo desta pesquisa foi perceber a atividade dos fãs nas redes sociais de vídeo como um fenômeno independente, complexo e significativo, parte da nova configuração midiática. Olhar para o produto cultural, o seria-do de TV Game Of Thrones, as grandes produtoras audiovisuais, os fãs e suas relações com as redes sociais de vídeo faz perceber a existência de um nova lógica de produção de vídeo e de consumo sem moldes ainda definidos.

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Referências

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PUTNAM, Robert David. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moder-na. FGV Editora, 2000.REZENDE, Nathália; NICOLAU, Marcos. Fã e Fandom: Estudo de Caso Sobre as Estra-tégias Mercadológicas da Série Game Of Thrones. In: Anais do VIII Simpósio Nacional da ABCiber. São Paulo: 2014.SHIRKY, Clay. A Cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo co-nectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

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OS MEMES COMO MICRONARRATIVAS DA CULTURA POP: INTERAÇÃO, CRIATIVIDADE E REAPROPRIAÇÃO

PELOS FÃS DE GAME OF THRONES NO FACEBOOK

Luana INOCENCIO1

Resumo

Como uma espécie de folclore pós-moderno, os memes de internet são artefatos culturais, elaborados por usuários que ressignificam assuntos cotidianos, conteúdos midiáticos e discursos sociopolíticos. Investigando como esse processo interacional se realiza nas comunidades de fãs online, este artigo analisa as imagens meméticas em comentários da página Game of Thrones da Depressão, que se utilizam do duplo sentido, humor negro e ironia para estruturar coletivamente uma experiência lúdica de consumo e interpretação dos produtos culturais. A partir de um conjunto de termos e metáforas que são frequentemente referenciados nesses memes, um imaginário específico é reconhecido e intensamente vivenciado pelos interagentes, constituindo uma rica

1 Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas da Universidade Federal da Paraíba (PPGC/UFPB) e Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas (Gmid/UFPB). E-mail: [email protected].

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amostra da intimidade dos fãs com seu universo diegético a partir da interação.

Palavras-chave: Meme. Game of Thrones. Interação. Facebook. Cultura dos fãs.

Introdução

Em junho de 2013, o Facebook passou a permitir a inserção de imagens em comentários nas postagens e nova funcionalidade foi recebida com grande empolgação pelos usuários, que já passaram a dar um contexto “memético” aos seus comentários, adicionando uma série de imagens com a conhecida linguagem humorística e divertida. O novo hábito tornou-se presente tanto em perfis pessoais, quanto em fanpages. Com a popularidade desse novo uso possível, diversos blogs passaram a ensinar e disponibilizar fotos com frases engraçadas para postar nos comentários, dentre eles o YouPix.

Em uma postagem com dezenas de comentários, a predominância ima-gética nos comentários com fotos em comparação com aqueles em que há só texto, parece de fato atrair o olhar dos interagentes. Uma imagem pode potencializar a relevância de um comentário, que ganha várias “curtidas”, e também a vontade do “comentador com imagens” de emplacar outras inter-ferências de sucesso como esta. Além de trazer maior liberdade para as in-terações no site, essa novidade realçou a presença da ironia e do humor que

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os usuários brasileiros têm demonstrado que adoram produzir e consumir na internet. Agora que o Facebook conta também com o recurso de adição de imagens aos seus comentários e um público cada vez mais participativo e engajado para disseminar suas ideias dentro de seu círculo de amigos ou mesmo para desconhecidos, é possível identificar um grande potencial cada vez mais interativo.

Essa rede social abarca inúmeras páginas dedicadas a admiradores de uma personalidade e/ou produto, que estrategicamente são denominadas fanpages (páginas de fãs) e os usuários que a curtem, automaticamente são classificados como seus “fãs”, mesmo que a curtida seja fruto de uma curio-sidade passageira e não de uma intensa busca de aproximação do usuário/fã pelo artista/produto/assunto, como parece sugerir o Facebook. Dentro dessas páginas, os usuários podem movimentar as publicações através de curtidas, comentários, compartilhamentos, recomendações, etc.

De acordo com Jenkins (2008, p.181) “os fãs são o segmento mais ativo do público das mídias, aquele que se recusa a simplesmente aceitar o que se recebe, insistindo no direito de se tornar um participante pleno”. O ato de ser fã ultrapassa a simples tietagem, a atuação desses grupos altera o agir e refletir de parcela da sociedade. Esses grupos enfatizados pelo autor são conhecidos como fandoms, lugares aproveitados pelos usuários para o compartilhamento de material associado a determinado produto cultural.

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Armados pelas correntes de compartilhamento, em homenagem ao mesmo produto, os fãs, por meio de fóruns e sites de relacionamento, reforçados pela similaridade que os rejunta, compõem conexões interativas globais.

A participação é vista como uma parte normal da operação de mídia, e os debates atuais giram em torno das condições dessa participação. Assim como o estudo da cultura dos fãs nos ajudou a compreender as inovações que ocorrem às margens da indústria midiática, podemos também inter-pretar as estruturas das comunidades de fãs como a indicação de um novo modo de pensar sobre a cidadania e colaboração (JENKINS, 2008, p. 314).

Devido ao distanciamento físico desses sujeitos, a assimilação da perso-nalidade é possível graças ao conteúdo compartilhado na rede social, que no caso pode ser uma imagem relacionada a um artista, a postagem de um link para uma música, as comunidades que o perfil “curte” como fã, dentre outros. Discutindo essa relação do gosto e suas manifestações nos sites de redes sociais, Amaral e Monteiro (2013) identificam a noção da performance de gosto como uma relação experiencial entre sujeitos e as materialidades das tecnologias, que perpassam as questões de identidade e seus modos de estetização do eu.

Orientadas pela cultura midiática, essas práticas em busca de um senso de pertencimento estão diretamente relacionadas à construção de sentido, tro-

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cas de capitais simbólicos e distinções sociais de que trata Bourdieu (2007). O autor afirma que o gosto é um fator determinante para a identidade de classe e, vice-versa, uma vez que o gosto classifica o próprio classificador. Nessas relações, há uma determinação socioeconômica circunstancial refle-tida em diferentes níveis econômicos e no capital cultural nos quais residem relações sociais de pertencimento e exclusão embutidas no ato de classificar um gosto como inferior ou superior.

Nesse contexto, frequentemente ocorre a larga apropriação de objetos de entretenimento norteados pela lógica midiática da cultura pop, como a música, cinema, televisão, editorial, entre outras. Esse imaginário “estabele-ce formas de fruição e consumo que permeiam um certo senso de comuni-dade, pertencimento ou compartilhamento de afinidades que situam indi-víduos dentro de um sentido transnacional e globalizante” (SOARES, 2013, p. 2). Compreensões que relacionam o consumo midiático à definição de identidades e estilos de vida no atual contexto social sinalizam um processo remediado pela interação e vinculação da vida cotidiana a padrões culturais, nos quais os interagentes se estruturam e classificam em diferentes nichos.

Assim, segundo Primo (2007, p.07),

A interação é uma ação entre os participantes do encontro. (...) Logo, a co-municação não é apenas um conjunto de ações para com outra pessoa,

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mas sim a interação criada entre os participantes. Isto é, um indivíduo não comunica, ele se integra na ou passa a fazer parte da comunicação; a inte-ração é caracterizada não apenas pelas mensagens trocadas (o conteúdo) e pelos interagentes2 que se encontram em um dado contexto (geográfico, social, político, temporal), mas também pelo relacionamento que existe en-tre eles.

O autor apresenta ainda o conceito de interação mútua, que como ob-servaremos no objeto de nossa análise, é o cerne das relações de sociabi-lidade que são tecidas com maior entrosamento entre os indivíduos nos comentários em fanpages do Facebook. Segundo o autor, nesse processo, a interação vai além da ação de um usuário e da reação de outro, possibilitan-do as relações que ocorrem entre os interagentes (onde os comportamentos de um afeta os do outro), levando em conta uma complexidade global de comportamentos, contextos sociais, físicos, culturais, temporais, etc. Com participação ativa e recíproca, os interagentes podem participar da constru-ção do processo, inclusive o ressignificando e contextualizando. No entanto, “a interação não deve ser vista como uma característica do meio, mas um processo que é construído pelos interagentes” (PRIMO, 2007, p.39).

2 Termo utilizado por Primo (2007) para substituição tanto das denominações “receptor”, quanto “usuário”. O autor entende que estes últimos transmitem a ideia de subordinação, no primeiro, limitando o sujeito à mera recepção de mensagem transmitida; no segundo, como agente manipulador de dados disponibilizados no sistema, ambos sem participação ativa.

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Um exemplo disso é a relação que Jenkins, Ford e Green (2013) apresen-tam com o conceito de spreadability, algo que pode ser traduzido como o potencial de “espalhabilidade” de determinado conteúdo. Os autores vincu-lam o termo ao modo técnico e cultural de como as audiências comparti-lham conteúdos da indústria do entretenimento por sua livre e espontânea vontade, com ou sem a autorização dos detentores dos direitos autorais desse material. Esse espalhamento é realizado pela própria audiência, mas não quando fruto de sua suscetibilidade às estratégias de divulgação e pro-moção dos produtos culturais, mas sim porque se interessa pelo conteúdo e com ele se identifica.

Portanto, pode-se dizer que existem algumas dimensões técnicas que po-dem ser trabalhadas para buscar uma maior efetividade de circulação e espalhabilidade. Alguns desses critérios são: (1) o fato de o conteúdo estar disponível quando e onde as audiências o querem; (2) o material precisa ter portabilidade, para transitar e fluir entre diferentes plataformas – membros da audiência não querem ficar presos em um só lugar; (3) permitir uma abertura para uma variedade de apropriações e reutilizações; (4) ser rele-vante para múltiplas audiências (JENKINS; FORD; GREEN, 2013 apud AMA-RAL, 2014).

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Dessa forma, a espalhabilidade denomina também um grupo de caracte-rísticas determinantes para que alguns tipos de conteúdo possuam um nível de interação mais rápido e eficiente que outros, dentre elas estão o humor e a polêmica, que nas redes sociais tornaram-se grandes condutores por meio dos quais os interagentes vinculam e legitimam suas relações. Um exemplo desse tipo de fenômeno são os memes, dos quais trataremos mais adiante. Uma vez que determinado conteúdo desperta certa comicidade ou contro-vérsia entre grandes quantidades de usuários, a possibilidade de ser passa-do adiante é maior. Através do espalhamento, esse material “deixa espaços abertos para a participação da audiência, fornece recursos para expressão compartilhada, e motiva trocas através de conteúdo surpreendente e intri-gante” (JENKINS; FORD; GREEN, 2013. p.227).

Tais compreensões nos direcionam para a busca de traços característicos que fundamentem um sentido norteador nas relações interacionais tecidas pelos fãs em torno de seus produtos culturais favoritos, o que frequente-mente é observável nos memes digitais.

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Memes digitais e suas relações com a cultura pop: breves aproximações teóricas3

Ao percebermos as plataformas das comunidades online como artefatos (CANCLINI, 2008) demarcados por fenômenos culturais e potencializadores da interação, observamos também que são elas o repositório das marcações comportamentais de determinados grupos e populações no ciberespaço, nos quais é possível, também, mapear determinados traços sociais. Esses ambientes digitais, em seus mais variados formatos e gêneros, têm sido uma ferramenta rica para os estudos empíricos da cibercultura.

Seguindo esse raciocínio, Campanelli (2010) elucida que em uma comuni-dade (offline ou online), a imitação é a raiz de sua identidade cultural. Quando um comportamento é aceito, passa a ser repetido por seus membros, por meio de uma propagação contagiosa. Tal processo de seleção memética, aninhada na mente dos indivíduos, influencia decisões e direciona condutas, tornando--se parte de seus costumes por meio de multiplicações da sua herança social.

Essa alteração nas dinâmicas da memória cultural, por meio da migra-ção dos padrões, é pautada no contágio, repetição e hereditariedade social,

3 Debates mais aprofundados sobre a teoria dos memes digitais são desenvolvidos em outros trabalhos da presen-te autora (INOCENCIO, 2015; 2014), listados ao final deste artigo e relacionados aos estudos do entretenimento, da cultura dos fãs, da propaganda e da política.

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premissas fundamentais que conectam a teoria dos memes às reflexões es-téticas. Em Leis da Imitação, Tarde (1903) já refletia sobre o modo como os indivíduos imitam determinados repertórios uns dos outros, como compor-tamentos, costumes, modas e valores, uma vez que aprendemos por meio da imitação e reproduzimos determinadas posturas devido às relações so-ciais e aos afetos que nos cercam.

Nesse sentido, um dos seus primeiros conceitos de meme surgiu em estudos na área da genética, utilizado por Dawkins (1976) para descrever pequenas unidades de cultura, como comportamentos, valores e ideologias, que se espalham de pessoa para pessoa através da cópia ou imitação. Em contraponto, no discurso vernacular dos usuários da web, o termo meme é frequentemente usado para descrever a propagação de piadas, boatos, ví-deos e sites que se propagam de forma viral na internet.

Como afirma Blackmore (2000), memes são ideias e comportamentos que um indivíduo aprende com o outro através da imitação, sendo cada in-divíduo então uma “máquina de memes”. E a internet é o terreno ideal para essa proliferação. A autora indica ainda três elementos essenciais para a evolução de um meme: a mutação, referente à capacidade do meme de se modificar, gerando variações que aumentam a chance da ideia permanecer viva, mesmo que modificada; retenção, característica referente à capacidade de um meme de permanecer no ambiente cultural; e a seleção natural, ele-

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mento que faz alguns memes sejam mais atraentes e retransmitidos porque são mais capazes de aproveitar o ambiente cultural em que se inserem, en-quanto outros falham.

Assim, os memes de internet são unidades de conteúdo digital com ca-racterísticas comuns de conteúdo, forma e/ou postura. De conteúdo, relacio-nado ao assunto que o vídeo explora; forma: a estrutura estética a que ele obedece; e postura: o posicionamento ideológico que ele assume com re-lação ao assunto central que é abordado, de acordo com a tríade proposta por Shifman (2013). Cada variação de um meme é elaborada de acordo com o repertório criativo e a discernimento de cada usuário, sendo algumas das três dimensões citadas acima imitadas com bastante similaridade, e outras são alteradas, sendo que a dimensão preservada parece ser o cerne mais bem sucedido deste meme em específico, no competitivo processo de sele-ção memética. Eles são, assim, nada mais que uma evolução digital de lon-gas tradições de brincadeiras, humor subversivo, piadas internas e bordões que sempre permearam o imaginário popular.

Observando o atual estado da arte do fenômeno sobre o qual esta pes-quisa se debruça, pode-se constatar, ainda, o surgimento de gêneros que se organizam em torno dos regimes audiovisuais, fórmulas e categorias de me-mes. Nas comunidades online de maior circulação desse tipo de conteúdo, verifica-se o uso dos memes como uma forma de capital social, separando

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aqueles que estão em maior contato com os diferentes formatos de meme dos menos familiarizados. Diferentes gêneros de meme envolvem diferentes níveis de habilidades cognitivas, uma vez que alguns podem ser entendidos (e criados) pela maioria das pessoas, enquanto outros exigem conhecimento detalhado sobre uma subcultura memética específica, havendo a diferencia-ção entre aqueles que estão “por dentro” e são, portanto, parte da comuni-dade e aqueles que são outsiders, como propõe Shifman (2013).

Com o potencial de desdobramento narrativo que marca os memes (FE-LINTO, 2013), a interpretação de uma única amostra pode exigir referências contínuas a um universo próprio para que o seu conteúdo possa fazer senti-do, sendo possível, assim, também constatar o surgimento de gêneros entre os memes. Encontramos aí indícios de que os memes estariam criando seu próprio universo autorreferente de conteúdo, estabelecendo entre si rela-ções intertextuais que desestabilizam a concepção de autoria, e talvez por isso a forte associação da memesfera com plataformas que privilegiam o anonimato, em uma estética que une o tosco, o irônico e o paródico.

Um atributo central dos memes digitais é a produção de diferentes ver-sões a partir de um objeto inicial, que são criadas pelos usuários e articula-das como paródias, remixes ou mashups. Estruturadas com interfaces cog-nitivas flexíveis, plásticas e adaptáveis, algumas plataformas multimidiáticas específicas contribuem para o processo criativo pautado na instantaneidade

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e característico da cultura participativa, revelando novas possibilidades de produção de sentido e memória coletiva na rede. Conforme lembra Shifman (2013), os memes são mais do que apenas um passatempo divertido ou piadas simples, mas fazem parte de um folclore pós-moderno, uma cultura compartilhada de participação online.

Nesse fecundo terreno, ao se estabelecer como um fenômeno digital emergente, pela inovação no formato, pela articulação dos signos, com alto poder de síntese (densos no conteúdo e simples no formato) e pelo exercí-cio da transposição da comicidade, um meme de internet é criado a partir de desvios, recortes, releituras, apropriações e criações livres de textos e obras audiovisuais. Nessa apropriação, as imagens, textos e sujeitos que trazem em sua genética as entranhas das indústrias do entretenimento – que, no caso, é a matéria-prima dos memes -, são reconhecidos por Goodwin (1992) como objetos culturais atravessados por um “semblante pop”, circunscre-vendo o meme, assim, como um artefato da cultura pop.

Esse conjunto de elementos aproxima-se à noção de Wodak e Reisigl (2001) dos “símbolos coletivos”, que são metáforas discursivamente cons-truídas, podendo ser instantaneamente compreendidas por membros que façam parte de uma mesma comunidade linguística e a partir disso, am-plamente ressignificadas de acordo com os repertórios individual de cada sujeito, para então ser novamente recoletivizadas e sujeitas a novas apro-

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priações. Tomando emprestado esse conceito, os símbolos coletivos seriam a base dos memes, como uma matéria-prima que forma o tecido conjuntivo social, a qual os processos de interação, imitação e transformação ocorrem.

Como os memes são artefatos da cultura pop, eles podem fornecer indí-cios acerca de como assuntos midiáticos cotidianos podem se entrelaçar com discursos públicos e mobilizar milhões de pessoas, funcionando como micro-narrativas colaborativas, carregando, assim, tanto o DNA dos produtos midi-áticos dos quais se originaram quanto as identidades sociais dos indivíduos e/ou grupos que os compartilham, posto que são pedaços de um discurso público comentando eventos/produtos/tensões da cultura pop midiática.

Serazio (2008) afirma que as colagens digitais que se assemelham aos memes operam dentro da sua chamada “santíssima trindade” da cultura pop: hibridização, reciclagem e ironia. Ao nos debruçarmos sobre a relação entre os memes e o conjunto de produtos, experiências e práticas origina-dos de modos de produção da indústria do entretenimento - que formam o que tratamos ao longo de todo o trabalho como cultura pop - iluminamos empiricamente algumas das práticas que definem a participação coletiva nas ambiências digitais.

Como o popular é parte da vida cotidiana e da identidade cultural das pessoas, usá-lo para falar sobre quaisquer outros temas torna esses assuntos trabalhados mais fáceis de ser digeridos. A cultura pop, assim, serve como

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uma linguagem através da qual as pessoas podem se comunicar umas com as outras de uma forma lúdica e envolvente. Ao apropriar-se de ícones dela que fazem parte do cotidiano e de certa memória afetiva compartilhada, os interagentes se utilizam desse universo representativo para ironizar um acontecimento ou situação específica da atualidade.

Nesse contexto, os memes digitais, quando apropriados pelos intera-gentes, circunscrevem-se como grandes comentadores da cultura pop, ain-da que intensamente povoados por esta. Em tal processo, os interagentes ressignificam suas experiências de consumo através do pop, o que permite a estruturação coletiva de uma experiência estética do consumo e interpre-tação dos produtos culturais por meio da interação, como observaremos no estudo de caso a seguir.

Um breve olhar sobre Westeros

Game of Thrones é um seriado televisivo estadunidense criado por David Benioff e D. B. Weiss e lançado em abril de 2011 pelo o canal de TV a cabo HBO. Baseada na saga de livros intitulada A Song of Ice and Fire (As Crônicas de Gelo e Fogo), do escritor George R.R. Martin, a série que relata disputas pelo poder dos sete reinos de Westeros, um universo medieval e com seres

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fantásticos. Além dos longos diálogos e dos planos abertos e cinematográ-ficos, Game of Thrones traz um enredo complexo e estruturado de maneira multiplot, uma forma de narrativa que comporta múltiplas tramas entrecru-zadas, com núcleos e personagens igualmente importantes dentro de uma mesma história. Assim como a saga de livros, a série, que está em sua quinta temporada, é carregada de elementos-surpresa que incitam nos fãs - tanto os espectadores do seriado quando os leitores dos livros – variadas expec-tativas a respeito de quais serão as reviravoltas que ocorrerão ao longo de cada temporada, oscilando entre momentos de drama, violência, suspense, horror, aventura e romance.

Inicialmente considerada pela crítica como uma espécie de seriado vol-tado para um nicho específico, sua audiência média sazonal a cada ano. Na première mundial de sua quinta temporada, em 2015, Game of Thrones bateu novo recorde de audiência, alcançando cerca de 8 milhões de teles-pectadores apenas nos Estados Unidos4. Isso sem contar os outros países e outras diferentes formas de apresentação da série: reprise, HBO GO, On demand, reprodução em DVD e streaming, que na quarta temporada tota-lizavam uma audiência média de 20 milhões de espectadores por semana5, sendo considerada a série mais assistida de todos os tempos na HBO.

4 Disponível em: <http://goo.gl/OU4aep>. Acesso em: 20 out. 2015.5 Disponível em: <http://goo.gl/QVpI8W>. Acesso em: 20 out. 2015.

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Notadamente, esse pico de audiência ocorreu mesmo após uma série de vazamentos ocorridos na véspera da estreia, nos quais os quatro primeiros episódios surgiram para download, preocupando muitos fãs e críticos so-bre o futuro da série, uma vez que os episódios somam quase metade dos capítulos da temporada e que a superprodução é uma das mais caras atu-almente, tendo a audiência como sua principal forma de capital. Já o sexto episódio, intitulado “Unbowed, Unbent, Unbroken”, bateu recordes mundiais de pirataria, sendo realizados mais de 3,5 milhões de downloads6 individuais em um período de 24 horas apenas em sites de compartilhamento peer-to--peer (conhecidos como torrents).

Atualmente, a página oficial do seriado no Facebook conta com mais de 15 milhões e duzentos mil fãs, e segundo os dados divulgado pelo Social-Bakers Analytics7, apenas um terço destes fãs reside nos EUA (34%) e sua segunda maior parcela de fãs localiza-se no Brasil (7%), sendo também o segundo país onde mais se fala da série no Twitter.

Analisando as reapropriações meméticas emGame of Thrones da Depressão

6 Disponível em: <http://goo.gl/AUluyD>. Acesso em: 20 out. 2015.7 Disponível em: <http://goo.gl/Leili>. Acesso em: 20 out. 2015.

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Nessa etapa, realizaremos uma análise descritiva de amostras de ima-gens postadas como comentários, que foram coletadas na página do Face-book Game of Thrones da Depressão, criada em 2013 e que atualmente pos-sui pouco mais de 150 mil fãs. O codinome da página, “Depressão” refere-se a um gênero específico de páginas que se proliferou a partir de 2012 e se originou do meme Cão da Depressão (Depression Dog), que traz a expressão triste de um cão e simula um comportamento pessimista e melodramático, relatando pequenos momentos de irônica “depressão” da vida cotidiana.

Um fator que explica a popularidade desse tipo de página é a sua seg-mentação em diversos nichos, como os profissionais e acadêmicos (Jorna-lismo da Depressão, Medicina da Depressão, Engenharia da Depressão, Gra-duação da Depressão, etc.), comentando sobre os infortúnios nas rotinas do dia a dia e gerando assim grande identificação, além de outros contextos como o das páginas Diva Depressão, Artes da Depressão, Fitness Depres-são, Classe Média da Depressão, além de diversos outros sobre programas televisivos como The Walking Dead da Depressão, American Horror Story da Depressão e Sherlock da Depressão, que ironizam pequenos momentos de decepção experienciados pelos fãs com seus seriados.

As publicações da página Game of Thrones da Depressão (ou GOT da Depressão) no Facebook comentam sobre cenas dos episódios mais re-centes, sobre personagens, e novidades do elenco através de postagens

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em textos e montagens imagéticas peculiarmente carregadas de humor negro e spoilers, satirizando as previsibilidades, as adaptações e diver-gências entre livro-série e as quebras de expectativa dos fãs. Uma carac-terística interessante é que a página sempre traz uma intensa quantidade de referências à trama por meio de duplo sentido e ironia, em sua maio-ria a apreensão e interpretação só são possíveis para quem realmente é fã da saga literária e televisiva e está atualizado com o conteúdo.

Figura 1 – Comentários com imagem em uma postagem da página Game of Thrones da Depressão.

Fonte: Fb.com/GOTdaDepressaoII.

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Nesse contexto, o repertório interpretativo (POTTER; WETHERELL, 1987 apud FONTANELLA, 2012) figura como um conjunto de termos e metáforas que são frequentemente referenciados por membros de uma comunidade para definir e analisar ações ou eventos. Quando aplicada em comunidades digitais, essa sintaxe de metáforas compartilhadas através da “apropriação criativa pela edição e replicação de textos, imagens e vídeos na forma de mashups, remixagens e memes torna-se uma prática importante para fazer referência ao imaginário compartilhado” (FONTANELLA, 2012, p.5), aproxi-mando os fãs em um processo identitário.

A página GOT Depressão é, assim, uma rica amostra da intimidade desses fãs de GOT com o seriado: eles conhecem o universo ficcional, seus persona-gens, históricos, cenas e através da interação e do humor remontam diálo-gos, se reapropriando de fotos de cenas e inserindo legendas para aplicá-las a outro contexto, respondendo frequentemente com comentários em forma de piada ou imagens meméticas que também são piadas. As versões desses memes dependem da ação criativa e consciente dos usuários, frente a um amplo leque de possibilidades oferecidas pela piada original e o material simbólico e audiovisual da série.

Por exemplo, as imagens abaixo são um meme em específico que circula bastante nos comentários das páginas, tendo algo em comum: todas estão simulando um “like” (ou botão “curtir” do Facebook) de diversos persona-

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gens, como o primeiro deles, que traz algumas cores do movimento GLBT e a legenda “Renly Baratheon achou fabulous”, referindo-se a um personagem que desenvolve relações homoafetivas e estereotipando seu comportamento como afeminado, através do vinculo a um ícone visual e um termo (fabulous) reconhecidamente gays. Já os demais exemplos do like, fazem referência às mortes e mutilações sofridas por alguns personagens: a segunda e terceira imagens dizem respeito a Jaime Lannister, que teve a mão direita cortada e depois substituída por uma mão de ouro puro.

Figura 2 – Memes do botão “curtir” na página Game of Thrones da Depressão.

Fonte: Fb.com/GOTdaDepressaoII.

Na segunda imagem, a mão do ícone like está ausente, adicionada da le-genda “Jaime gostaria de curtir isso” (ironizando que ele não pode, pois não tem mais mão). No terceiro like, a mão está amarela e a legenda é “Jaime Lannister agora pode curtir isso” ou seja, após ganhar substituir a original

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pela mão dourada. O quarto like refere-se ao personagem Montanha, que durante um combate, esmagou o crânio de seu oponente Oberyn Martell com os dois polegares. Por fim, a última imagem refere-se a Sir Davos, per-sonagem que teve a ponta dos dedos da mão esquerda cortados como pu-nição pelos crimes cometidos no passado como contrabandista e por isso o ícone do like aparenta não ter dedos. Como visto, esses likes são uma maneira de incorporar esse universo ficcional de modo irônico e memético à plataforma específica do Facebook, em seus mecanismos de interação (o curtir) e seus ícones (a mão com polegar).

Nos comentários tecidos pelos usuários na amostra da figura 2 e tam-bém da figura 3 a seguir, podemos observar uma extensão com a lingua-gem hipertextual em diferentes sentidos da piada inicial. Mas para compre-endê-las, primeiro é necessário saber quem são os personagens ilustrados. Secundariamente, é preciso lembrar-se do histórico dos personagens, nesse caso em específico, de suas mortes e mutilações trágicas. Ainda, há que se construir a relação entre esses fatos para então entender seu humor, assi-milação geralmente feita quase que instantaneamente pelos seguidores da página, acostumados com seu universo cultural referente, seu tom afinado de ironia e humor negro.

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Figura 3 – Memes que satirizam mortes/mutilações dos personagens com duplo sentido.

Fonte: Fb.com/GOTdaDepressaoII.

Para compreender o potencial irônico da postagem acima e o respectivo diálogo tecido através das imagens meméticas nos comentários, é necessá-rio que o usuário recorra a seu conhecimento de mundo e à sua capacidade de interpretação e de organização das ideias; ou seja, são fundamentais a intertextualidade e o interdiscurso. Por meio de diversos trocadilhos com duplo sentido, a imagem traz algumas montagens agrupadas e o título: GOT começa amanhã, e eu... Eu não vejo a hora de assistir (legenda sobre a ima-

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gem de Aemon Targaryen, que é cego); Tô contando nos dedos (imagem de Sir Davos, que não tem as pontas dos dedos); Com a cabeça explodindo de tanta expectativa (imagem de Oberyn Martell que teve o crânio esmagado); e sem saco pra esperar (imagem de Theon Greyjoy, que foi castrado).

A partir destes exemplos iniciais, desenvolvemos o raciocínio de que um imaginário específico é reconhecido e intensamente vivenciado pelos in-teragentes que produzem, consomem e circulam memes na página GOT da Depressão, servindo tal imaginário, assim, de substrato para vários me-mes. A apropriação criativa de produtos culturais transformados em memes como estes, ressignificando os acontecimentos e cenas da trama, demonstra que os interagentes – fãs ou não – que produzem os memes utilizam-se da ironia para estruturar coletivamente uma experiência lúdica de consumo e interpretação dos produtos cultural.

As imagens abaixo se configuram como metamemes, ou seja, memes que fazem referência a outros memes, uma ideia repetida que representa outra do mesmo gênero. Em um contexto de auto referência, as imagens tomam o enredo de alguns protagonistas da série para personalizar memes já existentes. O primeiro, faz relação ao guerreiro Khal Drogo, morto devido a uma infecção no peitoral, lugar em que o personagem do meme original pousa a mão. O segundo meme, “isso só pode ser obra do cão”, substitui a imagem do animal fantasiado de pedreiro pela do personagem Sandor Cle-

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gane, apelidado de Cão de Caça na série, com um capacete de segurança usado em obras e o que parece ser um projeto arquitetônico.

Figura 4 – Metamemes e suas referências na página Game of Thrones da Depressão.

Fonte: Fb.com/GOTdaDepressaoII.

O meme “vai chora?” (sic) é originado de uma cena da série The Walking Dead em que o ex-xerife Rick Grames está chorando desolado ao saber da morte de sua esposa ao dar a luz e seu filho Carl, que a matou para evitar que esta se tornasse zumbi, permanece contido. No meme, a cabeça de Rick soa provocativa questionando Carl se ele vai chorar. Na mesma lógica, o

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personagem Petyr Baelish é famoso por arquitetar grandes intrigas duran-te a série e seu meme em comparação ao original questiona “vai confiar?”. Outros memes que se baseiam em outro meme mostram uma montagem do meme “amiga, assim não tem como te defender”, originado do reality show A Fazenda, mas nesse caso, com o rosto do escudeiro de Daenerys Tar-garyen, Jorah Mormont, que foi postado em resposta a uma postagem que comentava sobre alguns deslizes que a rainha estaria cometendo ao gover-nar na trama. Por fim, um meme que traz a própria Daenerys com expressão semelhante a do conhecido felino Grumpy Cat, que ganhou popularidade na internet devido a sua expressão facial aparentemente sempre irritada.

Já o vídeomeme Deal With It (lide com isso) consiste em pegar alguma cena ou momento em que personagens ou celebridades tenham sido des-moralizados publicamente, por meio do famoso “fora”. Quando o protago-nista que desmoraliza o outro(a) está realizando o ato, um par de óculos escuros aparece em quadro, vai descendo e para sobre o rosto do protago-nista. Logo que isso acontece, a cena é cortada para a imagem de um vídeo em que diversos rapazes estão comemorando ao redor de um deles ao som da música “Turn Down For What”, do DJ Snake feat. Lil Jon. Geralmente o rosto de um ou mais desses rapazes é substituído pelo do personagem que deu o fora e dos que estavam presenciando. Essa cena final origina-se de um vídeo que registra uma batalha de rimas entre MCs, em que dois rappers

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estão se desafiando e o que perde é vaiado desdenhosamente por todos os presentes.

Uma versão Deal With It compartilhada em de Game of Thrones da De-pressão traz uma cena do quarto episódio da terceira temporada do seriado, em que a personagem Daenerys Targaryen (também chamada de Khaleesi) negocia com um mercador o exército de escravos conhecido por “Imacula-dos” em troca de um dos dragões que possui8. Por estar em terras de outra cultura, ao longo de todo o episódio, uma das seguidoras de Khaleesi esteve traduzindo o diálogo entre ela e o mercador, que esteve xingando-a e refe-rindo-se a Daenerys de forma desrespeitosa. Na cena, após realizar a troca, o mercador pede agressivamente para a intérprete dizer a Khaleesi que o dra-gão não lhe obedece. Ao que a própria Daenerys responde no idioma dele “um dragão não é um escravo”. Ao surpreendê-lo por dominar o idioma, ela o informa que se trata da sua língua materna (portanto ela sempre a conhe-cera, mas fingira que não e o tempo inteiro pôde ouvi-lo desrespeitando-a). Em seguida, a Targaryen ordena ao exército recém-adquirido que mate to-dos os mestres que os aprisionavam, ao que o mercador tenta ordená-los a matá-la. Então a protagonista pronuncia “dracarys”, um comando para o seu dragão cuspir fogo no mercador, queimando-o vivo.

8 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=gvGd5hq5ghw>. Acesso em: 20 out. 2015.

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Figura 5 – Frames do vídeomeme Daenerys Deal With It.

Fonte: https://goo.gl/icbZ1f.

Então a cena corta para os rappers comemorando, um deles com o rosto de Daenerys, outro pelo de seu escudeiro Jorah Mormont e outro pelo do personagem Ned Stark - que foi decapitado ainda na primeira temporada – sorrindo e acompanhado da legenda “kkkk’ morri”, uma maneira irônica e ambígua de referenciar sua morte com a tradicional expressão para indicar grande surpresa, choque ou crise de risos. Por fim, surge ainda uma última cena em que Daenerys aparece com o óculos escuro característico do meme

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Deal With It e a legenda “Like a boss” - um meme verbal bastante popular que indica alguém que realizou uma grande façanha, “como um chefe” - em primeiro plano e ao fundo surgem as chamas da cidade sendo queimada por seus dragões. Outras versões do meme Deal With It com cenas de Game Of Thrones podem ser encontradas, como uma interpretada pela Rainha Mãe Cersei e seu irmão Tyrion Lannister 9 e outra montagem também com Cersei e o Lorde Petyr Baelish10.

Considerações finais

Inicialmente, tornou-se claro nesta pesquisa que, na atual cultura parti-cipativa, os usuários realizam uma curadoria coletiva de conteúdo midiático dos mais diversos tipos de linguagem estética, remisturando-os, ressignifi-cando-os e disponibilizando-os para os outros. Desse modo, a criatividade dos interagentes em seus processos de sociabilidade em rede, somada aos sistemas intuitivos dos aparatos tecnológicos de produção e ainda à facili-dade de disseminação na web, são elementos-chave para se pensar o inten-so fluxo de produções amadoras na world wide web.

9 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=amj_uA98S2U>. Acesso em: 20 out. 2015.10 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OFIOCZ-bMsI>. Acesso em: 20 out. 2015.

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Conforme analisamos neste estudo, o processo interacional entre os fãs nas redes sociais é uma característica fundamentalmente intrínseca aos me-mes digitais, posto que os memes só podem ser considerados como tais após a criação e compartilhamento massivo de diversas versões derivadas a partir de um mesmo objeto original. Nesse processo interacional nas redes digitais intensamente colaborativas, os usuários são vistos cada vez menos como um conjunto de consumidores de conteúdos padronizados, e cada vez mais como indivíduos que estão compartilhando, personalizando e res-significando conteúdos midiáticos dentro das comunidades online por meio dos processos interacionais. “Quando o material se espalha, ele se refaz: seja literalmente, através de várias formas de sampling ou remixagem, ou figura-tivamente, com sua inserção em conversações através de várias plataformas” (JENKINS; FORD; GREEN, 2013. p.27).

Na análise, foi possível observar que os fãs da página GOT da Depressão frequentemente interagem através do acréscimo de imagens meméticas em comentários, nos quais alimentam as piadas. Recriando-as a partir de um novo ponto de vista, expressam suas opiniões em relação a personagens ou acontecimentos, suas expectativas sobre o desenrolar da narrativa e a for-mulação de teorias sobre os mistérios da trama, sendo tal interação - através da troca de imagens meméticas nos comentários - fundamental para o des-dobramento de novas produções de sentido e alimentação desse mesmo

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imaginário referencial compartilhado e, consequentemente, para a criação de novos memes.

Esse processo de síntese memética, ressignificação da imagem e sua subversão de contexto sob a ótica da cultura participativa, podem ser con-siderados como formas de produção de capital simbólico em busca de re-putação e popularidade dos atores sociais na rede. Na base dessa relação de proximidade e representação social na cibercultura, implícitas na ordem da estética emitida pelos assuntos frequentemente satirizados nos memes, estão ainda o amadorismo e o deslocamento da preocupação quanto à per-feição estética para suas capacidades de simbiose e conexão a temas do co-tidiano.

Assim, o imaginário produzido pelo universo diegético da série pode ser identificado de modo latente no conjunto de referências e metáforas que foi analisado. Através do processo interacional, o repertório da experiência individual de assistir TV, quando debatido coletivamente por meio dos me-mes, serve como substrato para ressignificar as cenas da obra, utilizando trechos do próprio seriado como referência para as montagens que envol-vem a apropriação de um repertório conhecido pelo grupo.

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