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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE INTENSIVISTAS: VISÕES, SENTIMENTOS E DEMANDAS DE PRIVILEGIADAS TESTEMUNHAS DO COMPLEXO MORRER HUMANO. Doutoranda: Luana Ferreira de Almeida Orientadora: Eliane Brígida Morais Falcão Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE

INTENSIVISTAS: VISÕES, SENTIMENTOS E DEMANDAS

DE PRIVILEGIADAS TESTEMUNHAS DO

COMPLEXO MORRER HUMANO.

Doutoranda: Luana Ferreira de Almeida

Orientadora: Eliane Brígida Morais Falcão

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE

INTENSIVISTAS: VISÕES, SENTIMENTOS E DEMANDAS

DE PRIVILEGIADAS TESTEMUNHAS DO

COMPLEXO MORRER HUMANO.

Relatório Final de Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Educação em

Ciências e Saúde.

Rio de Janeiro

2011

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Almeida, Luana Ferreira de.

Intensivistas: visões, sentimentos e demandas de privilegiadas testemunhas do complexo morrer humano / Luana Ferreira de Almeida. – Rio de Janeiro: UFRJ / NUTES, 2011.

131 f ; 31 cm. Orientador: Eliane Brígida Morais Falcão.

Tese (doutorado) -- UFRJ, NUTES, Programa de Pós-

graduação em Educação em Ciênc ias e Saúde, 2011. Referências bibliográficas: f. 119-128

1. EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE. 2. Médicos - Formação.

3. Enfermeiros - Formação. 4. Morte. 5. Morte – Aspectos religiosos. 6. Morte – Aspectos sociais. 7. Unidade de tratamento intensivo. 8. Atitude frente à morte. 9. Tecnologia Educacional em Saúde - Tese. I.

Falcão, Eliane Brígida Morais. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, NUTES, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde. III. Título.

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Luana Ferreira de Almeida

INTENSIVISTAS: visões, sentimentos e demandas de privilegiadas testemunhas do

complexo morrer humano

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação

em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como requisito parcial à obtenção do Título de Doutor em Educação em

Ciências e Saúde.

Aprovado em __________________________________

______________________________________________________

Profa. Dra. Eliane Brigida Morais Falcão - UFRJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Rosimere Ferreira Santana - UFF

______________________________________________________

Prof. Dr. Sérgio da Cunha - UERJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Maria Tavares Cavalcanti - UFRJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Isabela Cabral Félix de Sousa - UFRJ

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Eliane Brígida Morais Falcão, incentivadora,

capaz e facilitadora incansável em todas as etapas a serem vencidas na execução

desta Tese. Obrigada pela preciosa orientação, pelo seu apoio, palavras de

incentivo e disponibilidade em orientar este estudo.

Aos meus pais, amigos e conselheiros Paulo Roberto e Nádia. Obrigada pelo

seu exemplo de vida, pelas lições de coragem, perseverança, constante apoio e

entusiasmo que me foram tão úteis na construção deste percurso. Sem vocês, não

teria superado meus limites.

Ao meu namorado Wilson Silveira, por sua extensa paciência, pelo seu amor,

por sempre estar disposto a me ajudar em qualquer situação e principalmente pelo

seu apoio que me conforta e me deixa mais forte para superar meus desafios.

Às minhas irmãs Laila, Lívia e ao meu cunhado Maurício que sempre se

preocuparam e torceram por mim.

À Profª e amiga Sonia Regina de Oliveira e Silva de Souza, pela sua amizade,

competência, incentivo e pelo exemplo do que é ser enfermeira intensivista. Saiba

que eu a admiro muito.

Aos enfermeiros Augusto César Costa Ferreira, Rogério Marques de Souza e

Ilma Fernandes Marques, pela compreensão da necessidade em não poder, em

alguns momentos, estar mais perto.

À equipe de enfermagem da UCIPG/HUPE/UERJ, em especial aos

enfermeiros Loiva Ceci Sebastião e Fernando Lemes dos Santos, que entenderam

quando eu precisava me ausentar, e seguiam os meus conselhos de longe. Saibam

que eu aprendi muito com vocês.

Ao Bruno, pela imensa disponibilidade e profícuas sugestões, muito

importantes nesta Tese.

Aos amigos Rozânia Bicego Xavier, Janaína Ribeiro Lopes, Jaqueline Alves

Torres e Fernando Augusto Dias e Sanches, por sempre torcerem por mim e

estarem comigo em todos os momentos da minha vida profissional e pessoal.

Obrigada por fazerem parte do meu cotidiano.

Aos colegas do LEC/NUTES/UFRJ, com os quais convivi durante esse tempo,

Alessandra Guida, Mara Ferreti, Paulo Roberto Porto, Carolina Belo, Isadora Ramos

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e Cristiana Valença, pela alegre convivência, ajuda e sugestões em vários

momentos desta pesquisa.

À Prof.ª Dr.ª Ivone Evangelista Cabral e ao Prof. Dr. Mário Fritz Toro Neves

pelas contribuições dadas na qualificação deste estudo.

Aos professores Isabella Cabral Félix de Sousa, Maria Tavares Cavalcanti,

Rosimere Ferreira Santana, Sérgio da Cunha, Benedita Maria Rêgo Deusdará

Rodrigues e Ivone Evangelista Cabral, por aceitarem em avaliar esta Tese.

Aos funcionários do NUTES/UFRJ Lúcia e Ricardo, pela ajuda em momentos

difíceis.

Aos médicos residentes, médicos e enfermeiros intensivistas que

concordaram em participar do estudo.

A todos os profissionais que despenderam o seu tempo para me auxiliar na

execução deste estudo.

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“Os intensivistas conduzem doentes que estão no fio da navalha, e qualquer deslize, o menor infortúnio, o mais

insignificante capricho da natureza pode significar o final de tudo, num instante. A tensão resultante da natureza desse

trabalho afeta a vida pessoal de todos. Não há quem fique imune”. (Escritor e médico Drauzio Varella)

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RESUMO

Almeida, Luana Ferreira. Intensivistas: visões, sentimentos e demandas de privilegiadas testemunhas do complexo morrer humano. Rio de Janeiro, 2011.

Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia

Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

Esta pesquisa foi realizada em uma instituição hospitalar pública federal universitária

com o objetivo de melhor conhecer visões, valores e atitudes de médicos,

enfermeiros e médicos residentes intensivistas em relação à morte. Trabalhou-se

com o conceito de Representação Social (Moscovici) e a metodologia

qualiquantitativa do discurso do sujeito coletivo (DSC) (Lefèvre e Lefèvre). Os

resultados revelaram a influência significativa da realidade social da UTI na

construção das representações dos intensivistas em relação à morte. As

peculiaridades relacionadas às mortes vividas e experimentadas no contexto da UTI

podem ser melhor entendidas se compararmos os resultados da presente pesquisa

com os de outras realizadas acerca das representações sociais em relação à morte

construídas por médicos e enfermeiros atuantes em espaços distintos da UTI como

enfermarias, ambulatórios e/ou consultórios. Os discursos comuns referem-se ao

sofrimento vivido diante da morte humana, à percepção de um despreparo em lidar

com questões relacionadas à morte e ao morrer e ao esforço de atribuir à morte um

sentido natural. Todavia, mais particularmente em relação à naturalidade da morte,

esse discurso apresenta-se com conteúdos mais densos e maior adesão pelo grupo

dos intensivistas. Os discursos de distinção com outros grupos incluem a busca dos

intensivistas em categorizar as situações vivenciadas na UTI e a maior empatia

destes com o sofrimento dos familiares dos pacientes. Na tentativa de lidar com

essa complexibilidade, foram expressos o sentido religioso da morte e também a

necessidade de ajuda de profissionais de outras áreas do conhecimento para melhor

enfrentar as situações vivenciadas no cotidiano da UTI. Conclui-se que é necessário

visualizar com mais objetividade a premência de uma melhor formação de médicos e

enfermeiros para lidar com a morte, nas diversas circunstâncias em que se

encontrarão esses profissionais. Nesse ponto, pode-se pensar na UTI como um

espaço privilegiado para o desenvolvimento de ações de formação específica e de

reflexão sobre o morrer humano, a partir da especificidade encontrada neste

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contexto, no qual a assistência à saúde está cercada de tecnologias avançadas para

a manutenção da vida e, possivelmente, com mais realidade, testemunha-se as

possibilidades humanas de conquistar êxitos, mas, também, fracassos em relação

aos controles dos processos da vida humana. Nesse ambiente, a constatação dos

limites de atuação de médicos e enfermeiros, as dificuldades em lidar tanto com os

pacientes em processo de morte como com suas famílias, as angústias causadas

pela busca de explicações ou sentidos para a terminalidade humana podem ser

matéria de sistemática reflexão coletiva entre médicos, enfermeiros, professores e

estudantes, envolvidos no atendimento, favorecendo a elaboração de atitudes

pessoais e profissionais em relação à morte que poderão propalar-se para outros

espaços das instituições hospitalares e acadêmicas.

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ABSTRACT

Almeida, Luana Ferreira. Intensive care physicians: views, feelings and requests of privileged witnesses of the complex human dying. Rio de Janeiro, 2011.

Thesis (Ph.D. in Sciences and Health Education) – Educational Technology Center

for Health, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

This research was carried out in a federal public university hospital with the purpose

of better understanding views, values and attitudes of physicians, nurses and

intensive care resident physicians in front of death. It comprises the concept of social

representation (Moscovici) and the discourse of the collective subject (DCS) quali-

quantitative methodology (Lefèvre and Lefèvre). Results have shown the relevant

influence of ICU’s social reality in intensive care physicians’ construction of

representations in relation to death. Specificities related to deaths lived and

experienced in the ICU context can be better understood by comparing the results

hereof with those from other researches regarding death-related social

representations built by physicians and nurses working in separate areas of the ICU,

such as wards, outpatient and/or medical clinics. Regular discourses mention the

suffering experienced before human death, the perception of a lack of preparation in

dealing with issues regarding death and dying, and the effort to give a natural

meaning to death. Nevertheless, particularly in terms of death’s natural sense, such

discourse is presented with deeper significance and greater support from the group

of intensive care physicians. Speeches differing from other groups’ comprise the

pursuit of intensive care physicians in classifying situations experienced in ICUs and

their greater empathy towards patients' relatives suffering. Attempting to deal with

such complexity, the religious sense of death was mentioned together with the need

of help from professionals from other fields of knowledge in order to better address

situations experienced in ICU’s daily basis. Therefore, it is assumed the need to

approach more objectively the urgency in better training physicians and nurses to

deal with death in several situations which they will come to face. In such matter, one

can consider the ICU as a privileged space for developing specific qualification

actions and thoughts on the human dying, based on the specificity found in such

context, in which health care assistance is surrounded by advanced technologies to

maintain life and possibly, and more realistically, where one can witness men

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likelihood to succeed as well as to fail to control human life processes. In this

environment, finding limits to physicians and nurses actions, the difficulties in dealing

both with patients in the process of dying and with their families, the anguish caused

by searching explanations or a sense for human life terminality may be subjects for

systematic collective consideration among physicians, nurses, teachers and students

involved in such assistance, fostering the development of personal and professional

attitudes before death that might reach other hospital and academic spaces.

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RESUMEN

Almeida, Luana Ferreira. Intensivistas: visiones, sentimientos y demandas de

privilegiados testigos del complejo morir humano. Rio de Janeiro, 2011. Tesis

(Doctorado en Educación en Ciencias y Salud) – Núcleo de Tecnología Educacional

para la Salud, Universidad Federal de Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

Esta investigación se llevó a cabo en una institución hospitalaria pública federal

universitaria con el objetivo de conocer mejor las visiones, valores y actitudes de

médicos, enfermeros y médicos residentes intensivistas en relación a la muerte. Se

ha trabajado el concepto de Representación Social (Moscovici) y la metodología

cualitativa y cuantitativa del discurso del sujeto colectivo (DSC) (Lefèvre y Lefèvre).

Los resultados han revelado la influencia significativa de la realidad social de la UTI

en la construcción de las representaciones de los intensivistas en relación a la

muerte. Las peculiaridades relacionadas a las muertes vividas y experimentadas en

el contexto de la UTI pueden comprenderse mejor si comparamos los resultados de

esta investigación con los de otras realizadas en lo que atañe a las representaciones

sociales en relación a la muerte construidas por médicos y enfermeros que actúan

en sitios distintos de la UTI como enfermerías, dispensarios y/o consultorios. Los

discursos comunes se relacionan al sufrimiento vivido hacia la muerte humana, a la

percepción de la dificultad en lidiar con cuestiones relacionadas a la muerte y al

morir, y al esfuerzo de atribuir a la muerte un sentido natural. Sin embargo, en

particular en lo que atañe a la naturalidad de la muerte, dicho discurso se presenta

con contenidos más densos y mayor adhesión por el grupo de los intensivistas. Los

discursos de distinción con otros grupos incluyen la búsqueda de los intensivistas en

categorizar las situaciones vividas en la UTI y su empatía con el sufrimiento de las

familias de los pacientes. En el intento de lidiar con esta complejidad, se han

expresado el sentimiento religioso de la muerte además de la necesidad de ayuda

de profesionales de otras áreas del conocimiento para enfrentar mejor las

situaciones vividas en el cotidiano de la UTI. Se concluye que es necesario visualizar

con más objetividad la urgencia de una graduación más consistente de médicos y

enfermeros para lidiar con la muerte, en las diversas circunstancias en que se

encontrarán esos profesionales. En ese sentido, se puede pensar en la UTI como un

espacio privilegiado para el desarrollo de acciones de especialización y de reflexión

sobre el morir humano, a partir de la especificidad encontrada en este contexto, en

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lo cual la asistencia a la salud está envuelta por tecnologías avanzadas para la

manutención de la vida y, posiblemente, con más realidad, se verifica las

posibilidades humanas de lograr éxitos, pero, también, fracasos en lo que se refiere

a los controles de los procesos de vida humana. En ese ambiente, la constatación

de los límites de actuación de médicos y enfermeros, las dificultades en lidiar tanto

con los pacientes en proceso de muerte como con sus familias, las angustias

causadas por la búsqueda de explicaciones o sentidos para la finitud humana

pueden ser tema de sistemática reflexión colectiva entre médicos, enfermeros,

profesores y estudiantes, involucrados en el atendimiento, en favor de la elaboración

de actitudes personales y profesionales en relación a la muerte que podrán

propagarse para otros sitios de las instituciones hospitalarias y académicas.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Perfil dos profissionais investigados .................................................. 69

Tabela 2: Distribuição dos profissionais investigados em relação à titulação..71

Tabela 3: Distribuição dos profissionais investigados em relação à sua

formação ..................................................................................................................74

Tabela 4: Distribuição dos profissionais investigados em relação aos aspectos

religiosos ..................................................................................................................76

Tabela 5: Ideias centrais dos profissionais investigados em relação à morte..77

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................15

1.1 Aproximação com o tema ...........................................................................................15

1.2 Delimitando o problema ..............................................................................................19

2. MARCO TEÓRICO ...........................................................................................................29

2.1A dinâmica de trabalho no contexto da UTI............................................................29

2.2 O atendimento ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte.......38

2.3 A morte e o morrer na UTI ..........................................................................................41

2.4 A formação de médicos e enfermeiros ...................................................................47

2.5 Representações sociais ..............................................................................................54

3. METODOLOGIA................................................................................................................59

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO......................................................................................64

4.1 Características do contexto investigado ................................................................64

4.2 Perfil dos profissionais investigados ......................................................................69

4.3 Aspectos religiosos dos profissionais investigados ..........................................75

4.4 Representações sociais da morte humana: os discursos do sujeito coletivo

(DSC)...................................................................................................................................76

4.4.1 Discussão dos DSCs do grupo dos médicos ....................................................81

4.4.2 Discussão dos DSCs do grupo dos enfermeiros..............................................93

4.4.3 Discussão dos DSCs do grupo dos médicos residentes ............................ 100

4.4.4 Discussão final ........................................................................................................ 105

5. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 115

REFERÊNCIAS................................................................................................................... 121

APÊNDICE ..............................................................................................................131

Apêndice 1.......................................................................................................... 132

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INTRODUÇÃO

1.1 Aproximação com o tema

A Unidade de Terapia Intensiva1 (UTI) é o local que eu escolhi para a minha

realização profissional: atuar como enfermeira diante de pessoas envolvidas em

processos de grave comprometimento do estado de saúde. Enquanto para outros a

UTI representa um ambiente de dor e sofrimento, para mim corresponde a um local

de satisfação profissional, pois posso colocar à disposição de tantos, que sofrem as

ameaças da integridade de suas vidas, todo um conjunto de conhecimentos que

venho acumulando com dedicação. É nesse contexto que há aproximadamente onze

anos atuo como enfermeira, tanto na função assistencial quanto administrativa.

Minha vivência proveniente do exercício profissional em UTIs me permitiu

vislumbrar experiências, que tanto podem ser vistas como interfaces de uma mesma

situação, como também podem, para processos de análise, ser divididas em dois

conjuntos: aquele das práticas que atuam predominantemente nos processos

biológicos do organismo de um paciente2 e aquele das práticas que atuam no que

poderíamos chamar de integridade da pessoa ou do paciente, isto é, a consciência

de estar com a vida ameaçada, de estar próximo à morte. Posicionamentos entre

esses dois conjuntos têm capturado minhas reflexões de profissional da saúde que

atua em unidades de tratamento intensivo. Seria possível atuar articulando ambos?

Sei hoje, com maior clareza, que a trama de relações, nas práticas sociais de

trabalho, influi significativamente na forma de ser das pessoas e nos seus

posicionamentos frente ao atendimento do paciente com risco de vida e/ou iminência

de morte e, portanto, nas dimensões subjetivas de médicos e enfermeiros atuantes

nesse cenário.

Médicos e enfermeiros, além de enfrentarem no seu dia a dia situações limite

e, em especial, a morte e o seu suposto controle, convivem em um ambiente com

características peculiares, tais como a especialização e a alta tecnologia disponível

para assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte. Foi a partir

de vivências em ambientes de UTI que incluem cuidados com pacientes e relações 1 Neste estudo são consideradas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), a Unidade de Terapia

Intensiva (UTI Geral), a Unidade Coronariana (UC) e a Unidade de Pós-operatório de Cirurgia

Cardíaca (UPO).

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com médicos e também outros profissionais, como fisioterapeutas, nutricionistas e

psicólogos que me vi envolvida em reflexões sobre as possibilidades de atuar

articulando aqueles dois conjuntos de conhecimentos e preocupações. Desta forma,

concentrei meu interesse nos impactos que a proximidade da morte de seres

humanos e também o testemunhar frequente desse fenômeno trariam aos

enfermeiros e médicos que trabalham em UTI. Decidi estabelecer como objeto de

investigação as percepções, valores e sentimentos de médicos e enfermeiros

atuantes em UTI em relação à morte humana. Interessei-me, também, por buscar e

aprofundar a compreensão de como tais percepções, valores e sentimentos seriam

consequências do cotidiano profissional, de processos mais familiares de educação,

inclusive as religiosas e mesmo de tradições culturais mais amplas em relação à

morte.

Para uma melhor compreensão dos motivos que me impulsionaram à

realização deste estudo, faz-se necessário uma síntese das minhas atividades

profissionais de enfermagem desde a colação de grau, em agosto de 2000, pela

Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

O curso de graduação me ofereceu uma visão geral da assistência de

enfermagem. Porém, aprofundei-me nas questões relativas ao paciente em estado

grave quando, por dois anos, prestei assistência direta ao paciente crítico, durante a

Residência2 de Enfermagem, no período de 2001 a 2003, em um hospital

universitário do Estado do Rio de Janeiro, o qual me concedeu a qualidade de

especialista em terapia intensiva em 2003.

Nesse período adquiri um grande aprendizado e aperfeiçoamento nas

questões relacionadas à prática assistencial intensiva. Como se trata de um hospital

universitário estadual que tem como objetivo a assistência, o ensino e a pesquisa, o

primeiro campo de atuação após a graduação me proporcionou o contato com várias

categorias e especialidades profissionais. Pude conviver e observar acadêmicos e

novos residentes de enfermagem e de medicina, e percebia atitudes variadas entre

os profissionais durante a assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência

de morte. Nesse cenário com profissionais altamente qualificados, especializados,

2 A Residência de Enfermagem constitui uma modalidade de ensino de pós-graduação destinada à

formação de enfermeiros, sob a forma de curso de especialização, funcionando em Instituições de Saúde, sob a orientação de profissionais enfermeiros de elevada qualificação ética e profissional, sendo considerada de alto padrão na modalidade de especialização na área da saúde.

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pós-graduados, incluindo professores das faculdades de medicina e de enfermagem

da universidade em questão, as visões e valores de médicos e enfermeiros

influenciavam a dinâmica de trabalho. A decisão, por exemplo, de transportar um

paciente grave para a realização de algum exame necessário ao tratamento, era

discutida considerando as opiniões, algumas vezes divergentes, desses

profissionais.

A partir de 2001, mediante aprovação em concurso público, também comecei

a trabalhar em uma UTI pós-operatória de cirurgia cardíaca, de uma instituição

pública do Estado do Rio de Janeiro referência na área. Apesar das dificuldades

materiais, a assistência prestada por médicos e enfermeiros era de qualidade e

havia um entrosamento entre as equipes. No momento da cirurgia cardíaca, a

instabilidade das funções vitais do paciente é grande, visto que corresponde a uma

cirurgia de grande porte. Porém, o sucesso desse procedimento, a crença na

recuperação do paciente e a possibilidade de mantê-lo pouco tempo internado na

UTI sem maiores riscos motivavam os profissionais a acreditarem que a morte já não

estava tão próxima. E quando a mesma ocorria, pairava um sentimento de

frustração e tristeza diante do investimento humano e tecnológico disponibilizado

para esse paciente. Eram nítidas as expressões de consternação das equipes

(cirúrgica e intensivista) diante da ocorrência da morte. Todos acreditavam na

recuperação do paciente, e, quando a mesma não acontecia, era como se toda a

equipe, incluindo médicos e enfermeiros, tivesse falhado.

Em 2003, após o término do curso de Residência em Enfermagem, iniciei

minha atuação em uma Unidade Intermediária (UI) de uma instituição pública

hospitalar do município do Rio de Janeiro. Na UI internam-se pacientes com grau de

instabilidade e gravidade menores que os pacientes internados na UTI, mas que

ainda não estão totalmente aptos a receberem alta hospitalar ou serem transferidos

para as enfermarias clínicas, daí o setor ser denominado como Unidade

Intermediária. A saída do paciente da UTI mediante sua transferência para a UI

caracteriza um afastamento da possibilidade de morte, já que o mesmo teve um

melhor prognóstico. Porém, como o estado de saúde não está totalmente

recuperado, em algum momento, pode ocorrer uma instabilidade hemodinâmica3, e

3 “Instabilidade hemodinâmica” refere-se a um termo que se reporta comumente, na área médica, a

uma pressão arterial persistentemente anormal ou instável, especialmente hipotensão. Todavia, esta

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o paciente pode ter seu quadro clínico agravado, tendo que ser readmitido na UTI. A

morte, tão próxima na UTI, se distancia em outros locais do hospital, frente ao

quadro de saúde dos pacientes internados.

Atualmente, encontro-me trabalhando em uma unidade de cuidados

intensivos em um hospital universitário localizado no município do Rio de Janeiro,

desenvolvendo atividades gerenciais. Esse setor tem como finalidade admitir

pacientes instáveis, porém não tão graves. Contudo, frente ao pequeno número de

leitos de terapia intensiva nessa instituição hospitalar, esse setor também admite

pacientes graves, os quais necessitam de suporte ventilatório e monitorização dos

seus sinais vitais. Dessa maneira, mais uma vez, vivo a experiência de atuar

próximo ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte. Neste momento,

observo médicos e enfermeiros jovens que iniciam suas atividades laborais na área

hospitalar, em especial em uma unidade de cuidados intensivos. Observo a tentativa

de neutralidade na assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência de

morte, talvez por influência da academia, mas, em alguns momentos, percebo que a

subjetividade desses profissionais, nesse contexto, pode interferir nas ações

realizadas. Podem ocorrer opiniões e pontos de vista diferentes em relação ao

cuidado referente a um paciente. Nesse contexto, as cenas de reanimação

cardíaca, em especial, passaram a inquietar-me, particularmente no que tange a

médicos e enfermeiros intensivistas que atuam em situações de luta contra a morte.

Assim, pude perceber que deveria prosseguir realizando um estudo que focalizasse

estes profissionais, de forma a compreendê-los em seu lidar cotidianamente com a

morte, numa intenção tão explícita de tentar revertê-la.

Além da minha atuação como enfermeira, sempre estive ligada à formação de

outros enfermeiros. Primeiro, como residente, atuei como preceptora dos

acadêmicos de enfermagem de uma instituição formadora de enfermeiros, vinculada

a um hospital universitário. Depois, passei a lecionar em um curso de enfermagem

de uma instituição particular de ensino superior, localizada no estado do Rio de

Janeiro.

A disciplina que eu lecionei, no período de 2004 a 2008, tinha ligação com a

área de terapia intensiva, já que aproximava conteúdos de enfermagem à

assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte, tanto na UTI

pode ser definida de um modo mais lato, como uma perfusão global ou regional inadequada,

insuficiente para o normal funcionamento dos órgãos.

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quanto na emergência e no atendimento pré-hospitalar. Tratava-se de uma

disciplina teórico-prática na qual as atividades fora da sala de aula se davam no

laboratório de semiologia4, com simulações de atendimento a pacientes graves, os

quais necessitavam de cuidados intensivos e específicos. Nessa instituição de

ensino, o contato direto com o paciente na UTI se dava no último período da

graduação, durante o estágio supervisionado obrigatório no currículo. Também pude

acompanhar o acadêmico de enfermagem, no referido estágio, durante quatro anos

consecutivos. Frente aos conteúdos descritos na ementa de curso desta disciplina,

não havia uma aula específica que abordasse a situação da morte, tampouco o

trabalho entre médicos e enfermeiros frente às necessidades desse paciente, como

também não há na maioria dos cursos de medicina e enfermagem. Ocorrem

discussões superficiais acerca da finitude humana, em geral em disciplinas eletivas

(Kovács, 2003; Bretãs e cols, 2006; Clemente e Santos, 2007; Lima e Buys, 2008;

Silva e Ayres, 2010).

Assim, diante da minha vivência profissional em diferentes contextos, pude

observar vários comportamentos das equipes médicas e de enfermagem frente ao

paciente em processo de morte e à morte. Senti a necessidade de revelar alguns

aspectos da minha trajetória, principalmente no que se refere às atividades na

terapia intensiva, para que o leitor deste estudo possa refletir sobre minha própria

inquietação frente aos comportamentos de médicos e enfermeiros diante do

atendimento ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte e o trabalho em

conjunto nessa situação.

Inúmeras outras situações vividas, nesse contexto laboral, solidificaram meu

desejo de investigar essa temática, merecendo destaque a dinâmica de trabalho de

médicos e enfermeiros na UTI.

1.2 Delimitando o problema

A morte é um assunto amplamente estudado por diferentes pensadores

especializados em diversas áreas do conhecimento (historiadores, filósofos,

sociólogos, antropólogos, psicólogos, entre outros). Morin (1997), Elias (2001), Ariès

(2003), Gadamer (2006) e Becker (2007) são alguns autores de obras que se

4 Termo utilizado na área médica relacionado ao estudo dos sinais e sintomas das doenças humanas,

sendo muito importante para o diagnóstico da maioria das enfermidades.

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tornaram clássicas. A partir de seus estudos, observa-se que as percepções, ideias

e sentimentos em relação à morte estão diretamente ligadas ao contexto

sociocultural e histórico das diferentes civi lizações.

Apontado como um dos principais pensadores da atualidade, o sociólogo e

filósofo Edgar Morin (1997) investigou a complexa relação entre o homem e a morte.

Morin afirma que o homem é a única espécie que acredita na sobrevivência após a

morte e que esta ideia de infinitude estrutura a vida humana. A recusa da morte,

para ele, caracteriza o homem que, assim, cria os mitos da ressurreição e da

imortalidade, atenuantes do trauma da terminalidade humana. O fato de se aderir às

atividades do dia a dia, tende a eliminar qualquer pensamento da finitude humana. A

vida cotidiana, segundo Morin, é pouco marcada pela morte: é uma vida de hábitos,

de trabalho, de atividades corriqueiras. A ideia da morte como destruição é a todo

tempo reprimida e transferida.

Morin (1997) observa que nas últimas décadas da civilização ocidental a

morte se tornou cada vez mais impensável, inconfessável e fonte geradora de fortes

emoções humanas, que se manifestam através de comportamentos distintos. Para

ele, a perda gerada pela morte é traumática para os seres humanos, que buscam

sustentações psicológicas para seu enfrentamento na ideia de imortalidade e na

esperança de continuar a viver em outra dimensão.

... sua individualidade é dilacerada entre a afirmação de sua singularidade que aspira a renascer além da morte e o desejo de sua generalidade que aspira a reencontrar a harmonia cósmica da morte, e porque estes

dilaceramentos se envolvem de esperança, angústia, medo e felicidade, é que o ciclo da morte, .... Nela se estabelece a aspiração dialética da humanidade, da própria vida, que se traduz ingenuamente na ideia de

retorno e de eterno recomeço (MORIN, 1997, p. 131).

O historiador francês Philippe Ariès (2003) pesquisou as atitudes diante da

morte do homem ocidental, desde a Idade Média até os nossos dias. Ariès

demonstra, através de seus estudos, que essas atitudes se manifestam de modos

muito diferentes. O grande valor dessa abordagem é tornar bastante claro que os

assuntos humanos precisam sempre ser vistos dentro de seu contexto histórico-

cultural e que ideias, atitudes e comportamentos, hoje tidos como naturais, nem

sempre foram vistos e vividos da mesma forma que o difundido na

contemporaneidade.

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A abordagem de Ariès (2003) é fundamentada na concepção de uma

degradação progressiva da relação com a morte estabelecida pelos indivíduos e

sociedades. Sua visão é particularmente crítica quanto ao período moderno, que

afastou a morte do cotidiano, transformando-a em tabu. Os modelos anteriores à

morte moderna, referidos à sociedade tradicional, passam a ser designados em

conjunto como “morte tradicional”.

Segundo o historiador, durante séculos, a morte foi percebida como um

evento natural da vida. Na Idade Média, a morte não era um evento socialmente

oculto. Era esperada no leito do lar, sendo denominada pelo historiador como “morte

domada”. A aceitação social e a familiaridade com a morte representavam

comportamentos de aceitação da ordem da natureza. O homem não empenhava

esforços para combatê-la ou negá-la, simplesmente aceitava-a.

Atualmente, a morte passa a representar o momento da vida em que o

homem melhor toma consciência de si mesmo, ganhando novas denotações sociais.

A morte, agora, passa a representar um evento apavorante, gerador de maiores

cargas de sofrimento, combatida, negada e ocultada socialmente.

Em um mundo sujeito à mudança, a atitude tradicional diante da morte aparece como massa de inércia e continuidade. A antiga atitude segundo a qual a morte é ao mesmo tempo familiar e próxima, por um lado, e atenuada

e indiferente, por outro, opõe-se acentuadamente à nossa, segundo a qual a morte amedronta a ponto de não mais ousarmos dizer seu nome (ARIÈS, 2003, p.35).

O filósofo Hans-Georg Gadamer (2006) explica que a experiência da morte é

algo que atravessa transversalmente todas as posturas filosóficas e religiosas. O

primeiro sinal verdadeiramente distintivo do humano e que antecede, inclusive, o

próprio aparecimento da linguagem. De acordo com Gadamer, a experiência da

morte suscita o recolhimento e a tensão como inerentes à vida. O seu caráter

irrevogável e incontornável tem levado a sociedade a processos de silenciamento,

de repressão, de recalcamento, numa tentativa de retirar da consciência algo que

não se pode deixar de ter em mente. Segundo o filósofo, a "irracionalidade" do

comportamento de médicos e outros profissionais de saúde, perante a situação de

morte é semelhante, não fugindo aos padrões de distanciamento. Gadamer (2006)

sustenta que, embora a hora da morte alheia se afaste, através de biombos e/ou de

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tecnologias avançadas a favor da manutenção da vida, surge sempre o momento

em que esse esquecimento se faz lembrança.

O final feliz é constituído pela alta do paciente e o seu reingresso no círculo

habitual da sua vida. Quando se trata de doenças crônicas ou de casos desesperados, que não permitem aguardar cura alguma, resta sempre o recurso de aliviar o sofrimento... Problemas terríveis pesam sobre o médico,

sobretudo no tocante à chamada preparação para a morte... Percebe, então, que o âmbito de seu saber não é uma ampla especialidade da ciência e das artes médicas, cuja crescente potência admiramos. Compreende então, que o

limite, aparentemente inerente à especialização, na realidade não existe (GADAMER, 1993, p. 160-161).

O antropólogo Ernest Becker (2007) analisa a morte a partir de uma

abordagem multidisciplinar fincada na psicanálise. Para Becker (2007), o problema

da morte na vida humana e a questão que se configura entre o homem e esta

realidade são tão aterradores quanto inescapáveis, possuindo o indivíduo uma

angustiada consciência dessa imbricada relação. O autor reuniu e sistematizou um

conjunto de conhecimentos sobre o fenômeno da morte, produzido pelas diferentes

áreas do saber ao longo da história, das ciências humanas, passando da filosofia à

religião.

... a ideia da morte e o medo que ela inspira perseguem o animal humano

como nenhuma outra coisa, representando, em realidade, uma proposição universal da condição humana (BECKER, 2007, p. 11).

Nesta perspectiva, para Becker (2007), as diferentes culturas constituem

sistemas simbólicos complexos, que têm por função negar a realidade da morte,

permitindo, assim, que as pessoas vivam com a ilusão de estarem imunes ao

inevitável, sem o fardo de sua constante e penosa consciência. Assume a tese de

que o ser humano recebe do exterior ideias, crenças, valores e significados,

incluindo aspectos relacionados à morte. Assim, apesar do ser humano possuir

peculiaridades universais, é improvável que se possa definir um indivíduo como um

ser desprovido das características impostas por sua cultura, necessárias, até

mesmo, para situá-lo como membro de uma determinada sociedade.

O sociólogo Nobert Elias (2001) afirma que a aversão dos adultos

contemporâneos a tudo aquilo que lembre a ideia da morte é uma característica da

homogeneidade do padrão dominante do atual estágio da civilização. Ele esclarece

porque as sociedades contemporâneas têm cada vez mais dificuldades em pensar a

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questão da morte e do morrer. Descreve as mudanças das relações entre os

indivíduos com relação à finitude humana durante o “processo civi lizador”, atestando

haver, atualmente, uma maior identificação e sensibilidade com relação à morte e ao

morrer, assim como um maior constrangimento e embaraço social para lidar com

esses eventos da vida. Segundo Elias, a sociedade lança mão de diferentes

estratégias para enfrentar essas questões. Chama a atenção para a medicalização

da vida, sobretudo graças à crescente incorporação tecnológica no campo da

medicina, fato este que permitiu praticamente estabilizar muitas doenças terminais,

como no caso de indivíduos que podem ser mantidos artificialmente em vida durante

longos períodos.

O conhecimento da implacabilidade dos processos naturais é aliviado pelo conhecimento de que, dentro de certos limites, eles são controláveis. Mais

do que nunca, podemos hoje esperar – com a habilidade dos médicos, a dieta e os remédios – o adiamento da morte. Nunca antes na história da humanidade os métodos mais ou menos científicos de prolongar a vida

foram discutidos de maneira tão incessante em toda sociedade como em nossos dias (ELIAS, 2001, p.56).

O levantamento teórico descrito nos aponta para as mudanças de ideias,

atitudes e comportamentos do homem ocidental diante da morte ao longo dos

tempos e para o entendimento de que essas representações se relacionam ao

contexto histórico-cultural. Atualmente a morte ganha novos significados sociais. O

hospital, como espaço terapêutico, tornou-se referência central no que diz respeito à

manutenção da vida e enfrentamento da morte ao longo das últimas décadas. Se em

épocas anteriores o morrer era encarado como algo familiar e natural, como

consequência da vida, hoje a situação é outra. O que se vê é o doente terminal,

internado na UTI, cercado de tecnologias responsáveis para a manutenção da vida.

De fato, como refere Ariès (2003), a morte hoje é medicalizada. A sociedade

moderna, segundo Elias (2001), a colocou nas mãos dos especialistas.

Se a morte é um assunto amplamente estudado em diversas áreas do

conhecimento, contemporaneamente, no âmbito da formação médica e de

enfermeiros, o estudo dos sentidos dado à morte humana tem sido estimulado por

vários autores (Viana e Picelli, 1998; Kovács, 2003; Falcão e Lino, 2004; Bellato e

Carvalho, 2005; Bretãs e cols, 2006; Bernieri e Hirde, 2007; Falcão e Mendonça,

2009; Marta e cols, 2009; Souza e cols, 2009; Silva e Ayres, 2010; Azeredo e cols,

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2011). Tais estudos buscaram compreender posicionamentos e sentimentos de

médicos, de enfermeiros e de estudantes de medicina e de enfermagem, de

instituições superiores públicas e privadas, diante da morte. Os resultados mostram

que os estudantes de tais cursos se apresentam com dúvidas em relação à conduta

pessoal e profissional diante da morte e que médicos e enfermeiros mostram-se

bastante próximos a esse quadro, por vezes, sequer se veem como modelos de

atuação para os estudantes. Estes resultados chamam tanto a atenção para o

sofrimento e dificuldade dos médicos, enfermeiros e estudantes em lidar com

situações que envolvam a morte, como também para os enormes entraves em

estabelecer processos de formação específicos ao longo da graduação médica e de

enfermagem.

Outros estudos investigaram a questão da morte no contexto da UTI (Moritz e

Nassar, 2004; Moreira e Biehl, 2004; Machado e cols, 2007; Combinato e Queiroz,

2008; Gaudencio e Messeder, 2011). Objetivaram avaliar e verificar a conduta e

decisões de médicos e enfermeiros intensivistas diante da morte de pacientes

terminais enfocando, sobretudo, os aspectos relacionados aos dilemas suscitados

pela possibilidade de controle da vida humana por meio das biotecnologias

presentes no contexto da UTI. Os resultados demonstram que a presença marcante

da tecnologia para a manutenção da vida modifica a relação médico/enfermeiro-

paciente, distanciando esses profissionais de uma visão integrada do indivíduo e

reconfigurando a experiência de lidar com a morte.

Se confrontarmos aspectos da atuação de médicos e de enfermeiros no

ambiente da UTI com a que ocorre em outros espaços, como consultórios e/ou

ambulatórios, podemos dizer que, diante das características deste cenário, os

profissionais atuantes na UTI experimentam e vivenciam questões peculiares

relacionadas à morte e ao morrer. Isto se deve à gravidade dos pacientes ali

internados e, principalmente, ao uso intenso e contínuo dos meios artificiais de

suporte a órgãos vitais, que também coloca os intensivistas diante da possibilidade

de esgotamento de tais recursos. Dever-se-ia dizer que em um lugar onde estão

concentradas as mais avançadas tecnologias para a manutenção da vida, poderia a

morte ser vista como um fenômeno natural? Que sentidos os médicos e enfermeiros

intensivistas dariam à morte?

Esses questionamentos motivaram a realização desta Tese de Doutorado que

buscou dar continuidade a outras pesquisas sobre o tema da morte já realizadas

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pelo LEC/ NUTES/ UFRJ5. Dessa forma, o presente estudo faz parte de um projeto

de pesquisa intitulado Representações Sociais e Ensino da Morte na área da

Saúde e no Ensino Médio, que busca investigar pensamentos, visões e atitudes em

relação à morte entre profissionais e professores da área da saúde e estudantes

tanto universitários quanto do ensino médio. Esse projeto é coordenado pela Prof.a

Dr.ª Eliane Brígida Morais Falcão (NUTES/UFRJ) e financiada pelo CNPq/CAPES.

Esse projeto também faz parte das produções da linha de pesquisa de mesmo nome

que integra o Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde do Núcleo de

Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES/UFRJ). Nesse sentido, já conta com

resultados de trabalhos desse programa que inclui artigos correlatos. Essa Tese de

Doutorado se integra, portanto, a esse conjunto de atividades de pós- graduação e

se concentra na perspectiva da formação médica e de enfermagem. E para melhor

compreensão da delimitação de seu objeto farei um breve resumo de pesquisas

associadas já realizadas no âmbito do mencionado projeto.

Uma das pesquisas realizadas nesse projeto (Freitas, 2005) investigou os

estudantes do início e do final do curso de medicina de uma importante instituição

pública de ensino superior do Brasil. Buscou-se compreender a evolução de suas

percepções a respeito do papel do médico diante dos pacientes à morte, assim

como identificar as expectativas e avaliações quanto à forma de abordagem do

assunto durante o curso. Os resultados mostraram um conjunto de papéis

identificados pelos estudantes como atribuições do médico no acompanhamento ao

paciente, relacionados à importância de dar a este uma morte digna e aos aspectos

legais do óbito. Concluiu-se que não houve mudanças qualitativas na percepção dos

estudantes entre o início e o final do curso de medicina. No entanto, no início, os

estudantes apresentaram uma expectativa de que a faculdade os capacitasse a

desempenhar os papéis mencionados e, no final do curso de medicina, admitiram

que a abordagem do tema não fora satisfatória e que, portanto, não se

consideravam capazes de acompanhar tais pacientes. Nas falas dos estudantes

investigados:

(...) Não me sinto segura emocionalmente para conviver com os medos e as dores da morte. Acho que vou acabar sofrendo junto. (...) Apesar de ter tido discussões teóricas sobre isso, nunca passei por essa situação na prática.

(...) Tive poucas experiências com este tipo de situação. (FREITAS, 2005, p. 76)

5 Laboratório de Estudos da Ciência do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES) da

Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Esses resultados foram semelhantes aos obtidos na pesquisa realizada, por

Falcão e Lino (2004), em outra faculdade de medicina. Ainda que existam largas

diferenças entre as instituições como o fato dessa faculdade não ser caracterizada

como instituição de pesquisa, ao contrário da investigada por Freitas (2005),

percebeu-se que as dificuldades em relação à morte são as mesmas.

Na mesma instituição pública já citada, outra pesquisa realizada por Falcão e

Mendonça (2009) buscou investigar as concepções, visões e valores de médicos

docentes da clínica médica em relação ao processo de morrer. Os resultados

mostraram que os médicos investigados perceberam sofrimentos em si próprios e

nos estudante e mostraram, também, que tais sofrimentos estavam associados tanto

à influência de determinadas formas de uso de tecnologias das biociências, como à

ausência de espaços institucionais para reflexões a respeito. Os autores chamam a

atenção para a perspectiva da biomedicina que, se por um lado é desejável em seus

efeitos como reguladora da manutenção da vida, por outro, tem reforçado certas

limitações acerca da compreensão dos diferentes aspectos relacionados ao paciente

à morte. Contudo, a percepção geral dos médicos da clínica médica aproxima-se da

convicção de que as representações em torno do tema morte são formadas

previamente ao curso de medicina, não sendo influenciadas pela formação médica.

Um exemplo disso pode ser encontrado em uma das falas dos médicos

investigados:

(...) A morte é horrível, se pudéssemos pular essa parte da medicina seria melhor. A morte costuma trazer cargas emotivas pesadas, e o médico, para se proteger, se afasta do doente morrendo. (...) É difícil você manter um

estado de equilíbrio ideal e tomar as decisões acertadas. (...). (FALCÃO E MENDONÇA, 2009, p. 369)

O conjunto de tais resultados remeteu meu interesse a outro cenário do

exercício médico e de enfermagem: a UTI. Trata-se de um local dentro da instituição

hospitalar que concentra todos os recursos em favor da manutenção da vida

humana. Enquanto outras especialidades direcionam o foco de conhecimento e

interesse para um particular tipo de terapia, ou um determinado grupo de faixa

etária, a assistência intensiva é dirigida a pacientes com ampla variedade de

patologias, cujo denominador comum é a extrema gravidade da doença ou o

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potencial para o desenvolvimento de grandes complicações, envolvendo o risco de

vida e/ou iminência de morte.

Os referidos estudos sinalizam para o paradoxo do uso das biotecnologias, ou

seja, ao mesmo tempo em que permitem uma melhora nas condições de vida dos

indivíduos e promovem um retardamento da morte, ocasionam questionamentos

acerca da manutenção da vida e aceitação da terminalidade humana.

Frente às peculiaridades do contexto da UTI, outros questionamentos

poderiam ser suscitados: estariam os intensivistas preparados para lidar com a

morte? O convívio intenso e contínuo no contexto da UTI implicaria em menor

sofrimento para esses profissionais? As situações vividas na UTI levariam a

comportamentos distintos na interação com outros elementos também envolvidos

nesse ambiente – pacientes, familiares, profissionais? Haveria algum aprendizado a

registrar a partir das relações construídas entre esses médicos e enfermeiros e seu

contexto de trabalho, sendo consideradas as situações extremas, os limites de seus

esforços e a inexorabilidade da finitude humana? Nesse contexto, a vivência intensa

de médicos, enfermeiros e médicos residentes traria à tona percepções distintas das

dos demais profissionais?

Dando continuidade aos estudos citados, que claramente mostram carências

na formação médica no que diz respeito ao lidar com a morte nos seus cotidianos

profissionais, e considerando as características de uma UTI, empreendemos a

pesquisa aqui relatada, a fim de obter respostas às questões levantadas. Dessa

forma, realizamos um estudo buscando novas informações e experiências que

permitissem obter uma melhor compreensão das relações humanas e das relações

de médicos, enfermeiros e médicos residentes com a morte.

Compreendendo as representações que ganham a morte ao longo dos

tempos e em diferentes contextos, e considerando as especificidades da UTI, na

qual a assistência à saúde está cercada de tecnologias e recursos humanos

especializados importantes para a manutenção da vida e capazes de assegurar um

processo de morte assistida, acreditamos que médicos, enfermeiros e médicos

residentes intensivistas possam trazer representações de morte delineadas por esse

contexto. Dessa forma, procuramos estudar os valores, sentimentos e crenças

diante da morte, sob a leitura de médicos, enfermeiros e médicos residentes

atuantes nas UTIs de um hospital universitário ligado a uma instituição de ensino

superior do Brasil, onde se busca assegurar a formação de médicos e de

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enfermeiros, a produção científica e a assistência aos pacientes. Neste contexto, a

frequência nos laboratórios, abrangendo grande parte dos docentes e estudantes,

remete à produção científica. Cartazes afixados em quadros divulgam a realização

de congressos, seminários e cursos. O programa de pós-graduação assegura a

formação de mestres e doutores. Procedimentos de alto alcance técnico, como o

transplante de fígado e a pesquisa com células-tronco, mostram os avanços da

medicina aí também desenvolvidos.

A partir dessas colocações, buscamos alcançar os seguintes objetivos com o

estudo:

Identificar as representações sociais de morte construídas por médicos,

enfermeiros e médicos residentes intensivistas.

Caracterizar a dinâmica de trabalho de médicos, enfermeiros e médicos

residentes intensivistas durante o atendimento ao paciente com risco de

vida/iminência de morte.

Investigar possíveis relações entre as representações sociais de morte

construídas por médicos, enfermeiros e médicos residentes intensivistas e o

contexto da UTI.

Apontar possíveis contribuições educacionais, trazidas pela vivência de médicos,

enfermeiros e médicos residentes na UTI, para a formação desses profissionais no

preparo para lidar com a morte.

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1. MARCO TEÓRICO

2.1 A dinâmica de trabalho no contexto da UTI

O ambiente da UTI é muito claro, iluminado artificialmente por luz

fluorescente, com as janelas sempre fechadas e cobertas por um filtro, de modo

que, muitas vezes, não é possível ver a luz do dia. A luz na UTI quase não se

apaga. Reina nesse espaço uma claridade fixa, imutável. A abertura das janelas é

proibida para evitar a entrada de insetos. A temperatura é geralmente fria e mantida

constante por ar condicionado central, com vistas à prevenção de infecção. Ao lado

de pias há cartazes fixados nas paredes que alertam e orientam para os cuidados de

assepsia com vistas ao controle de infecção hospitalar nesse espaço. Impactos

sensoriais ocasionados pelo cheiro vindo de produtos diversos (tanto remédios e

desinfetantes como secreções corporais dos pacientes) completam o cenário de

uma UTI.

A unidade funciona continuamente, contando com o trabalho de médicos,

enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos e técnicos de

enfermagem. Entretanto, os profissionais com formação superior de presença

permanente são os médicos e enfermeiros. Eles permanecem impreterivelmente na

UTI até seu colega de profissão chegar para substituí-los.

O movimento é contínuo: médicos, enfermeiros e outros profissionais circulam

sem parar, examinando, manipulando os pacientes, sempre em estado grave. Esse

contexto inclui muitos ruídos, que vão desde as vozes dos profissionais até os sons

da aparelhagem em funcionamento e com seus vários alarmes, além das

campainhas dos telefones do serviço e dos inúmeros celulares dos profissionais.

Sim, há sempre celulares ligados durante o trabalho na UTI e frequentemente se

ouvem pedidos de limites ao uso dos mesmos. Isto reflete o cotidiano dos

profissionais envolvidos em múltiplas ocupações. Vê-se que o suposto isolamento

de uma UTI em relação ao mundo exterior é relativo. Esse isolamento, necessário às

práticas nesse setor e que poderia fazer com que a UTI fosse um local onde há

abolição do tempo, não parece ser hoje possível em função das modernas

tecnologias de comunicação. É importante registrar que essas tecnologias têm

avançado nas UTI sob outras formas: televisões, rádios e celulares para pacientes

podem compor hoje esse cenário. Certamente há controvérsias sobre benefícios e

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prejuízos dos mesmos ao estado dos pacientes.

A maior parte dos pacientes respira com a ajuda de aparelhos e assemelha-

se, por vezes, a corpos inanimados. Em geral, têm seus corpos cobertos, exceto

quando examinados ou no banho no leito, efetuado pela equipe de enfermagem. A

exposição da nudez é cercada de cuidados. Para evitá-la são colocados biombos na

frente dos leitos durante o banho e determinados procedimentos.

O sistema organizacional da assistência na UTI é constituído por atores

sociais: os médicos, os enfermeiros, outros profissionais e os pacientes. São

indivíduos que agem, reagem, interagem, partilham, interdependem, ajudam-se,

trocam experiências, diferenciam-se e integram-se, aproximam-se e distanciam-se,

articulam-se, envolvem-se e negociam. Médicos e enfermeiros intensivistas ocupam

um mesmo espaço físico no atendimento a pacientes com risco de vida e/ou

iminência de morte e convivem com fatores diversos, tais como: a gravidade do

pacientes e proximidade da morte, a escassez de leitos e de recursos humanos para

atender a uma demanda cada vez maior de pacientes que dependem de cuidados

intensivos e a tomada de decisões relacionadas à seleção de pacientes que serão

admitidos no serviço. Essas são algumas das situações vivenciadas cotidianamente

por médicos e enfermeiros que atuam em UTI.

Para trabalhar na UTI, os profissionais, sobretudo os médicos, devem possuir

o título de especialista em terapia intensiva. O médico obtém a titulação em curso de

especialização ou em prova teórica da Sociedade de Medicina Intensiva Brasileira

(AMIB). Além disso, deve, preferencialmente, ter um tempo de experiência prática

em UTI, adquirido em estágios ou em residência. O enfermeiro deve ter titulação de

curso de especialização ou residência na área. No entanto, esses critérios nem

sempre são observados na prática. Nos seus 30 anos de atuação, a AMIB tem

defendido que toda UTI deva ter pelo menos um médico especializado em Medicina

Intensiva. Segundo esse órgão, uma UTI sem profissionais capacitados tende a

apresentar gastos maiores e menor resolutividade, acarretando taxas mais baixas de

sobrevida. No Brasil, os dados são desanimadores. Cerca de 53% das UTIs não têm

sequer um médico intensivista titulado (Amib, 2009). Nesse sentido, é fundamental a

valorização desse profissional e o incentivo para que cada vez mais médicos,

atuantes nas UTIs brasileiras, procurem especializar-se.

Completando o quadro preocupante das condições estruturais das UTIs

brasileiras, soma-se o fato de que trabalhar na UTI, muitas vezes, é uma das

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primeiras opções do médico recém-formado que, em geral, possui apenas um

estágio nesse local. Observa-se a contradição: se por um lado a UTI corresponde a

um setor no qual são admitidos e tratados pacientes graves com risco de

vida/iminência de morte, por outro, presencia-se, em muitos locais, jovens médicos e

enfermeiros trabalhando nesse cenário, sem muita ou nenhuma experiência no

atendimento ao paciente grave, ou sequer com o título de especialista.

Segundo Japiassú (2010), há pelo menos dez anos, a Medicina Intensiva vem

ruindo nos Estados Unidos. O motivo é a falta de formação e disponibilidade de

intensivistas, principalmente fora dos grandes centros, como Nova Iorque, Los

Angeles e Boston. Segundo o autor, estudos demonstram que apenas 37% das UTIs

nos Estados Unidos possuem profissionais intensivistas titulados e que a falta deles

não é somente de médicos, mas também de enfermeiros. Estima-se que haja

carência crítica de profissionais intensivistas em 2020, já que a demanda por leitos

de UTI deve aumentar cerca de 40% nesta data.

Ainda de acordo com Japiassú (2010), no Brasil, a situação não é diferente

dos Estados Unidos ou de muitos países europeus. Não há dados exatos, mas o

número de leitos de UTI cresceu muito mais rápido que a formação de novos

profissionais. Muitos órgãos públicos criaram vagas hospitalares de UTI, mas têm

dificuldade de encontrar um grupo de intensivistas para administrá-las. Isso faz com

que, de acordo com norma governamental, se procure com frequência cada vez

maior o profissional titulado para abrir e chefiar uma UTI. No entanto, não só há

dificuldade de encontrar o chefe da UTI, como também médicos plantonistas,

enfermeiros e fisioterapeutas com mínima experiência para assistir pacientes graves.

A pouca procura pela especialização na área se deve às características do trabalho

na UTI, com longos plantões, incluindo finais de semana e feriados, o estresse

provocado pela responsabilidade de assistir pacientes graves e a falta de

valorização desses profissionais na assistência intensiva.

Os pacientes internados nesse contexto apresentam condições críticas de

saúde e por isso precisam de cuidados específicos e acompanhamento constante. A

capacitação em interpretar precocemente sinais clínicos de gravidade, nesses

casos, é crucial, devido à extrema instabilidade dos pacientes que impele a rápida

tomada de decisão. A UTI, nesse sentido, agrega fatores que tornam possível a

detecção de gravidade: os monitores, ventiladores e outros equipamentos que

dispõem de alarmes visuais e sonoros que evocam as ações de médicos e

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enfermeiros. Esses profissionais permanecem em constante estado de alerta pela

responsabilidade sobre a vida das pessoas. Somados a isso, o trabalho em contato

contínuo com o sofrimento e a morte e o uso de tecnologias sofisticadas, nem

sempre completamente eficazes nos tratamentos, parece gerar nesses profissionais

alterações e desgastes emocionais mais contundentes.

No desempenhar do seu papel em salvar vidas, médicos e enfermeiros,

vivenciam, na UTI, possibilidades de sucesso ou fracasso, pautando suas ações em

complexas decisões potencializadas pelas características desse contexto. Além da

presença de suporte a órgãos vitais e possibilidades de manutenção da vida,

médicos e enfermeiros convivem mais diretamente com os pacientes graves e seus

familiares, sendo também frequentemente questionados pelos últimos sobre a

evolução da doença, perspectivas de tratamento e expectativas de vida dos

pacientes. Essas situações podem criar conflitos íntimos que angustiam os

profissionais envolvidos com a proximidade da finitude humana e a impossibilidade

de dominá-la. Assim, as manifestações presentes nos profissionais se relacionam às

exigências ligadas à sua função e às maneiras pelas quais essas mesmas

exigências são sentidas por cada um deles. São comuns os sentimentos de culpa

relacionados à incapacidade de evitar a morte e ao alto grau de exigência de suas

próprias funções (Bretãs e cols, 2006).

O médico, na UTI, é o principal responsável por fornecer informações sobre a

real situação do paciente, seu prognóstico e perspectivas de cura para o restante da

equipe de saúde e para o próprio paciente e os seus familiares. O contato dos

médicos com os familiares dos pacientes internados, em muitas UTIs, é pequeno,

realizado no momento ou imediatamente após a internação nesse ambiente, ou

ainda pontualmente no horário de visita. Nesse momento, as informações dadas aos

familiares sobre o estado clínico do paciente nem sempre são claras, pois

comumente os médicos utilizam termos técnicos em seus boletins. O contato do

enfermeiro com os familiares, em geral, é mais prolongado e realizado,

principalmente, no momento da visita.

Essa relação com a família do paciente internado na UTI não parece ser fácil,

tanto para médicos e enfermeiros, quanto para os próprios familiares. Pode-se dizer

que lidar com o paciente em processo de morrer e sua família se constitui, para

médicos e enfermeiros, em uma tarefa árdua e penosa, agravando-se quando os

familiares não recebem os devidos esclarecimentos sobre o estado de saúde dos

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pacientes e seus respectivos prognósticos. Além disso, nem sempre a opinião dos

familiares sobre os cuidados dados ao paciente é bem aceita por esses

profissionais.

Não há dúvida de que as UTIs são espaços naturalmente mobilizadores de

emoções e sentimentos que, frequentemente, se expressam de forma muito intensa.

O estresse atinge a todos, ou seja, pacientes, família, médicos e enfermeiros. Esses

elementos vivem um clima de constante tensão, resultante do contato com a

iminência de algum risco e/ou desequilíbrio no estado dos pacientes, das demandas

e solicitações que devem ser respondidas com presteza, da realização de grande

número de procedimentos complexos e do ritmo intenso de trabalho. Trata-se de

uma vivência simultânea de onipotência e impotência que pode gerar nos médicos e

enfermeiros sentimentos complexos e ambíguos de segurança e insegurança,

certeza e incerteza, frente à tarefa de salvar vidas.

Observa-se que o trabalho em uma UTI abarca uma série de características

peculiares. Médicos e enfermeiros se encontram cercados de tecnologia e de

pacientes graves. O dia a dia na UTI se mostra polarizado por situações antagônicas

onde, às vezes, é possível salvar ou curar, e em outras, prorroga-se o sofrimento e

confronta-se a presença da morte. Esses profissionais são submetidos às pressões

e dilemas éticos quanto à tomada de decisões em momentos críticos, como a

questão sobre o prolongamento ou não da vida em casos sem prognóstico.

Nesse contexto, os intensivistas podem experimentar uma variedade de

situações relacionadas ao estado crítico dos pacientes, às mudanças abruptas do

estado geral dos mesmos e à responsabilidade de estar interpretando-as, ao

constante contato com a morte, às possíveis condições de trabalho inadequadas, ao

relacionamento por vezes difícil com os demais elementos da equipe de saúde, às

reações emocionais da família do paciente e ao seu desempenho profissional junto à

mesma, entre outros fatores.

Diversos pontos relacionados à organização e ao processo de trabalho na UTI

afligem médicos e enfermeiros. A convivência dentro desse ambiente, sob efeitos de

fatores desgastantes, como rotina acelerada e atuação em espaço restrito, favorece

a iminência de tensões e conflitos entre os profissionais nas relações de trabalho.

Outros fatores como o déficit de pessoal nas equipes médica e de enfermagem, a

decorrente sobrecarga de trabalho e os constantes desgastes provenientes desse

processo de sucateamento, muitas vezes conferem ao trabalho nesse contexto um

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traço desmotivante e extenuante. Além disso, médicos e enfermeiros, por vezes à

custa de embates, buscam assegurar que medicações, dietas e exames sejam

realizados, conforme o prescrito e a necessidade do paciente. Essa luta é

desgastante para quem trabalha na UTI.

Pode-se dizer que muitos profissionais que trabalham nessa unidade

iniciaram sua prática ali mesmo, como estagiários, passando a residentes e, após

concurso, sendo efetivados. As UTIs são concorridas e bem cotadas pelos

estudantes da área da saúde, pois apresentam avanços da biomedicina, da ciência

e da tecnologia, para tratar de pessoas com risco de vida e/ou iminência de morte.

Esse espaço proporciona uma boa oportunidade de aprendizado e treinamento em

procedimentos considerados “invasivos” e arriscados, como intubação orotraqueal e

punção venosa, cateterismos vesical e enteral, além da possibilidade de manuseio e

controle da tecnologia a favor da vida. Assim, rotineiramente, existem acadêmicos

de medicina e de enfermagem, mesmo em plantões noturnos na UTI, ávidos em

aprender o trabalho nesse espaço.

Atualmente, a UTI tem muito prestígio dentro e fora da instituição hospitalar. É

na UTI que está concentrada toda a tecnologia a favor da vida, possibilitando o

suporte a órgãos humanos e funções vitais. Em qualquer UTI estão presentes os

ventiladores mecânicos e os monitores cardíacos. Cada vez mais são realizadas

iniciativas para melhorar os equipamentos. Tal progresso, paralelo à medicina, aos

exames laboratoriais e àquele advindo da medicina nuclear, deu, aos profissionais

de suas respectivas áreas, condições muito mais precisas e objetivas no diagnóstico

das doenças. A possibilidade de procedimentos diagnósticos e terapêuticos a partir

do desenvolvimento tecnológico contribui para a melhoria da assistência, com

ênfase nas unidades críticas, particularmente nos serviços de terapia intensiva onde

estão internados os pacientes com risco de vida e/ou iminência de morte.

Cercam essas ações especializadas, muitas vezes emergenciais e de alta

tensão, um conjunto de outras ações de caráter rotineiro. O médico possui

conhecimento clínico e cirúrgico amplo, sendo capaz de diagnosticar e realizar

procedimentos complexos emergenciais. Cabe a este profissional monitorar, evoluir

e medicar diariamente os pacientes internados nos aspectos nutricionais,

cardiológicos, pulmonares, neurológicos, entre outros. Responde integralmente na

condução e responsabilidade da unidade como um todo. O enfermeiro realiza o

atendimento de pacientes dependentes e de alta complexidade. Supervisiona a ação

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do grupo de técnicos de enfermagem, como a higienização, controle das

medicações e prescrições, tendo papel assistencial fundamental. Os fisioterapeutas,

fonoaudiólogos, nutricionistas e psicólogos realizam ações específicas sempre que

solicitados.

Cabe ressaltar que médicos e enfermeiros concebem a assistência realizada

na UTI como uma prática imbuída de uma multiplicidade de fatores. Para prestar

uma assistência ao paciente com risco de vida/iminência de morte, cada profissional

com competências específicas e conhecimentos, segue os padrões de um modelo

de assistência que defende uma produção baseada no paradigma biomédico.

Os enfermeiros são responsáveis pelo gerenciamento dos recursos humanos,

do material e das instalações necessários ao atendimento dos pacientes

hospitalizados em sua unidade. Além disso, as funções administrativas básicas de

responsabilidade do corpo de enfermagem são: implementação das prescrições

médicas, orientação quanto às normas e rotinas hospitalares (lavagem das mãos,

manutenção de silêncio, controle de entrada de pessoas estranhas ao serviço da

UTI, entre outras) e verificação de prontuários, exames e escalas de cirurgias.

No que se refere à organização do trabalho na UTI, este já se encontra

determinado, prescrito. O trabalho médico e de enfermagem, nesse contexto, tem

uma característica de continuidade e se organizam na forma de plantões distribuídos

pelos dias da semana, com carga horária distinta dependendo da categoria e função

profissional.

A rotina diária na UTI se inicia às sete horas da manhã com a chegada da

nova equipe de enfermagem que “recebe” o plantão da equipe anterior, sob a forma

de informes detalhados sobre o estado de saúde de cada paciente. Os médicos

fazem o mesmo tipo de “passagem de plantão” com informações aos colegas de sua

área. A partir de então, já com um número consideravelmente maior de profissionais

do que à noite, o setor começa suas atividades. Tais atividades movimentam

intensamente todos os espaços, e, muitas vezes, mal há lugar para a circulação das

pessoas.

Após as atividades matinais, médicos e enfermeiros se dividem para o

almoço. Um, tanto da mesma categoria quanto de outra, só se ausenta quando seu

colega de profissão está presente. No período da tarde, os leitos são preparados

para a visita de familiares dos pacientes. Após a visita, as atividades das equipes

voltam a ser realizadas até o término do turno diurno. Às dezenove horas, há nova

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troca da equipe de enfermagem e passagem de plantão. Durante o período noturno

a equipe de enfermagem permanece doze horas no posto de enfermagem

atendendo às necessidades dos pacientes, revezando um período de três horas de

descanso a partir de meia-noite. Os médicos do mesmo turno realizam suas

atividades e, em geral, após isso, são solicitados pela enfermagem quando

necessário, ou seja, quando é identificada uma alteração no quadro clínico do

paciente.

O que se manifesta ou acontece repentinamente em relação aos pacientes

mobiliza médicos e enfermeiros. O que representa ou assinala uma ameaça à vida

exige uma intervenção imediata desses profissionais, como é o caso, por exemplo,

de uma diminuição nos batimentos cardíacos e outros sinais clínicos, como um

sangramento evidente. A noção de prioridade é estabelecida por esses profissionais

e costuma ser formada a partir de uma apreciação baseada em protocolos

ensinados nos manuais de rotina que descrevem as etapas dos procedimentos

terapêuticos a serem seguidos para os problemas de saúde mais comuns no

atendimento ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte.

Pitta (1994) assinala a variedade de situações extremas às quais médicos e

enfermeiros intensivistas estão intermitentemente submetidos:

... a solicitação constante de decisões rápidas e precisas; a necessidade de um grande número de informações serem processadas num curto espaço de tempo; a imensa responsabilidade em ter “uma vida nas mãos”; a tarefa

desumana de “selecionar” quem usa este ou aquele equipamento; as situações de intercorrências inesperadas no quadro clínico dos pacientes, proporcionando um estado de alerta permanente; e o contato com a morte

em tarefa diária (PITTA, 1994, p.4).

Como se vê, no meio deste complexo conjunto de ações, rotina e urgência se

alternam. Notam-se momentos nos quais a tensão cresce ou o grupo profissional

que ali atua entra em dinâmicas muito especiais e características profissionais e

pessoais se manifestam: A chegada de um paciente em estado crucial que exige

decisões e ações de alta importância; O conflito de interpretação de uma situação:

“deve ser feito isto ou aquilo?”; A interferência da família que quer ver o paciente e

sofre impactos pelo seu estado de saúde; O paciente grave e consciente que não

aceita a sua situação; Os agravamentos do quadro clínico e a percepção de que

algo vai muito mal a despeito de todos os cuidados e a iminência da morte ou morte

efetiva.

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Nesse ambiente, o paciente pode recuperar-se totalmente e ser transferido

para a enfermaria e ali permanecer durante um curto período de tempo; pode

recuperar-se parcialmente e permanecer na enfermaria após sua transferência da

UTI por um tempo maior; pode morrer antes de sair da UTI ou pode morrer após a

alta da UTI. Há certas complicações de urgência que podem ser resolvidas ou não,

levando um paciente à morte. Esse tipo de situação faz com que diversos

profissionais se mobilizem em torno de um paciente. Aparentemente o trabalho deve

ser articulado, mas nem sempre isso é possível devido a inúmeros fatores que

podem interferir na dinâmica de trabalho de um grupo, como as distintas percepções

que os indivíduos podem vir a ter em relação à manutenção da vida.

Na UTI, o emprego da tecnologia para a manutenção da vida, particularmente

a utilização do respirador artificial, conduz a profundas alterações, tanto no processo

de morrer, quanto no próprio conceito de morte. Nesse espaço, a morte deixa de ser

um fenômeno pontual, caracterizado pela parada cardiorrespiratória, e emerge um

novo critério: a morte encefálica e os princípios éticos que regem a ação de médicos

e enfermeiros. Graças às possibilidades de reanimação, de alimentação e

respiração artificiais, as fronteiras de morte e do morrer, na UTI, são alteradas.

Conjugadas à manutenção da vida surgem novas questões: quando podem ou

devem ser desligados os aparelhos de manutenção da vida? Quais os critérios na

tomada de decisões? Quais os atores envolvidos e os papéis desempenhados no

processo decisório? Dessa forma, a definição da morte se revela circular, ligada à

ação do médico que pode decidir interromper os cuidados, assim como empreender

esforços de reanimação. É nesse momento, portanto, que conflitos também podem

surgir entre médicos e enfermeiros.

Em resumo, a UTI possui uma organização voltada para o atendimento da

rotina e o enfrentamento de situações especiais, que surgem quase que

cotidianamente. No entanto, como em qualquer ambiente profissional, conflitos

também ocorrem, tanto entre as diferentes categorias, como dentro de cada uma

delas. Trata-se de uma organização altamente especializada e complexa, com

recursos tecnológicos e humanos específicos para reversão de quadros clínicos

graves e que também exige atenção e responsabilidade constantes, além da

necessidade de ação conjunta e integrada dos diversos profissionais para obter o

êxito esperado.

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A UTI nos mostra, também, o repertório do distanciamento e da repetição de

rotinas que caracterizam os processos de trabalho na contemporaneidade. Ou seja,

processos relacionados à lógica, sustentada pelos saberes e conhecimentos

tecnocientíficos da biomedicina, realizados no espaço hospitalar. Sua dinâmica de

trabalho se apresenta complexa, multidisciplinar, na qual cada profissional tem suas

funções e competências bem estabelecidas e com forte presença de tecnologia

avançada, criando situações para médicos e enfermeiros de tomada de decisões

vitais para os pacientes com risco de vida e/ou iminência de morte.

2.2 O atendimento ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte

O processo de tomada de decisões médicas relativas à vida e morte dos

pacientes de UTI se revela de extrema complexidade na avaliação prática do

intensivista sobre o paciente. Consegue-se hoje postergar, prorrogar a vida, através

da tecnologia. A medicina atingiu um patamar de desenvolvimento tecnológico que

permite certo domínio e regulação da morte, em outras palavras, uma

"domesticação" da morte (Ariès, 2003).

Assim, a noção de prioridade no atendimento/cuidado, que seria mais

contundente no subsistema da assistência intensiva, está ligada ao risco de vida

e/ou iminência de morte no qual a incerteza parece surgir. Esse atendimento é

constituído pela multiplicidade de fatores pessoais e profissionais de médicos e

enfermeiros, estabelecendo o doente reversível, curável e os critérios de

irreversibilidade, ou seja, de morte. Esse atendimento é sustentado nas crenças e

valores desses profissionais acerca da vida humana, da saúde e da cura, fruto de

suas experiências e observações.

A competência de médicos e enfermeiros se manifesta nos elementos do

conhecimento e nas técnicas das quais dispõem para conferir ou afirmar um

diagnóstico. No entanto, apesar de ser guiada por elementos do conhecimento

médico técnico, a avaliação que decide o caráter e o grau de gravidade de um

estado de saúde também se baseia em elementos subjetivos. Assim, até examinar

melhor o paciente e estabelecer um diagnóstico e prognóstico mais esclarecedor, os

próprios médicos e enfermeiros partem de uma primeira apreciação clínica que pode

vir a ser, ou não, confirmada pelo exame clínico mais aprofundado.

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No conjunto das definições de prioridade, há certas imprecisões quanto às

variadas situações e aos vários estados de saúde que podem ser conceituados

como graves, mais ou menos graves ou não graves. Ao invés de atribuir um

conteúdo unívoco às noções e distinções que procuram precisar, as definições de

médicos e enfermeiros abrem a possibilidade de interpretações múltiplas.

Na prática de médicos e enfermeiros, a apreciação que leva a considerar um

estado ou uma situação de saúde como sendo grave é o resultado de uma

combinação plurifatorial complexa, na qual não entram somente elementos do

conhecimento técnico. Essa combinatória pode abranger fatores de natureza

variada, tanto sociais quanto psicológicos, tanto coletivos quanto individuais, tais

como: a idade do paciente, seu sexo, sua aparência, sua condição social, o tipo de

doença que o está acometendo, seu comportamento, a doença, o grau de angústia e

incerteza, a formação do profissional, a eventual relação terapêutica existente entre

ele e o doente (se este é ou não “seu” paciente) e também pelo próprio valor

atribuído a um estado de saúde por parte de quem a define.

No domínio da biomedicina, gravidade não é noção, ainda menos um conceito

técnico ou teórico médico. Não existe “a gravidade”, mas as gravidades, na

apreciação das quais se inclui uma série de elementos, que não são apenas de

natureza biológica, fisiológica, mas que pertencem a várias esferas da realidade. O

valor agregado a um estado de saúde, bem como ao grau de gravidade de um

paciente, traduz o reconhecimento do risco de vida/iminência de morte e justifica a

prioridade dada no atendimento. No que tange a essa apreciação, as motivações

para o diagnóstico não escapam do social e de suas várias expressões e

determinações.

As manifestações dessas apreciações podem resultar em tensões que se

pode observar, especialmente, nas interações entre médicos e enfermeiros e na

maneira como a gravidade do estado de saúde dos pacientes é encarada, como eles

são triados e tratados até a internação na UTI. A seleção do paciente a ser admitido,

nesse contexto, revela comportamentos e reações de médicos e enfermeiros que

enfrentam um grande fluxo de pedidos que chega sob formas heterogêneas e que

dizem respeito a problemas de naturezas diversas.

Os pacientes que são admitidos na UTI provêm do centro cirúrgico, de outras

unidades do hospital (enfermarias, ambulatórios, setor de hemodinâmica) e de

outras instituições de saúde. Têm em comum o fato do risco de vida e/ou iminência

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de morte. O motivo e urgência de sua internação na UTI são apreciados no

momento da solicitação da vaga, no qual o médico solicitante descreve o caso e

justifica seu pedido ao médico da UTI.

O enfermeiro não está encarregado oficialmente de liberar a vaga da UTI.

Compete a esse profissional controlar o número de pessoas que circulam na UTI e

instruir as mesmas quanto às rotinas do setor. A ele também cabe prover o material

necessário à assistência dos pacientes e supervisionar o andamento das ações de

enfermagem como higiene, alimentação, conforto e cuidados com medicações.

Cabe ao enfermeiro manter a ordem dentro da UTI. Em termos de seleção do

paciente a uma vaga na UTI, o papel do enfermeiro corresponde a emitir opiniões

em relação à admissão frente ao estado de saúde do paciente e declarar a

disponibilidade de recursos humanos e materiais, nem sempre tão acessíveis em

instituições públicas. Quanto ao médico, em função de sua apreciação do estado de

saúde do paciente, a partir das informações que consegue oralmente e, sobretudo,

visualmente, sempre que possível, libera a vaga na UTI para admitir um paciente

mais instável.

Para ter a vaga na UTI, o paciente tem de estar em um estado considerado

como urgente pelo médico da UTI e que nem sempre concorda com a avaliação do

médico que solicita a vaga. Em geral, somente quando é admitido na UTI é que

médicos e enfermeiros terão uma maior clareza do seu estado de saúde. A

mobilização da equipe intensivista diante de um paciente na UTI é percebido tanto

nas atitudes e comentários, quanto nos comportamentos de médicos e enfermeiros

na UTI. Antes de o paciente chegar, médicos e enfermeiros procuram sinais de

gravidade de seu estado, colhendo informações. Seus comentários e perguntas são:

1- Como está respirando?; 2- Está monitorizado?; 3- Já tem acesso venoso para

infusão de drogas?; 4- Quais as medicações que já foram e estão sendo

administradas? Dessa forma, os médicos e os enfermeiros ainda não têm controle

da situação, até então desconhecida por esses profissionais, visto que ainda não

tiveram contato com o paciente.

Como se pode observar, na UTI, médicos e enfermeiros, ocupando lugar e

papéis distintos, participam do atendimento ao paciente com risco de vida e/ou

iminência de morte. A interdependência e a interligação de suas apreciações e

avaliações desenham uma corrente dinâmica de decisões e ações que, afinal,

determina a qualidade dos cuidados prestados em termos de rapidez e eficácia.

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Embora esse trabalho se manifeste no comportamento individual, pode caracterizar-

se como produto da equipe multiprofissional no contexto social da UTI. Ou seja,

nesse ambiente, cheio de diversidades, o trabalho de médicos e enfermeiros é

concebido pelos indivíduos ou pelo grupo como extensão do seu comportamento,

das suas atitudes e de normas.

O trabalho de médicos e enfermeiros na UTI é determinado, assim, por uma

relação de simultaneidade entre a objetividade inerente ao seu fazer profissional e a

subjetividade de cada indivíduo inserido nesse grupo. Esse trabalho consiste em um

fenômeno social, visto que depende da condição individual dos que o executam e

pode ser influenciado por situações internas e externas inerentes às relações

estabelecidas no grupo. A decisão profissional é fortemente influenciada pelas

representações que médicos e enfermeiros constroem ao longo de suas vidas,

através de experiências pessoais, profissionais, influências sociais e econômicas.

Na UTI, a máquina/tecnologia passa a representar a própria morte do

paciente. A eficiência técnica da máquina é colocada à disposição do paciente,

significando a decisão de que esta acabou de penetrar nos limites biológicos da

morte. A morte deixa de ser pontual, definitiva e privada, passando a se integrar nas

políticas de intervenção sobre a vida. Mostrar a relação de médicos, enfermeiros e

médicos residentes intensivistas com a morte se faz relevante, pois essa interação,

constituída pelo desenvolvimento da tecnologia, nascida em parte da ação moderna

do homem sobre os limites fisiológicos do corpo, permite a emergência e

consolidação das práticas do atendimento ao paciente com risco de vida e/ou

iminência de morte.

2.3 A morte e o morrer na UTI

O hospital, como espaço terapêutico, surgiu no final do século XVIII,

juntamente com a mudança de paradigma que instituiu a racionalidade anátomo-

clínica como fundamento da medicina. A partir da consolidação da instituição

hospitalar, medicamente administrada e controlada, a medicina, seu saber e sua

instituição se tornaram referências centrais no que se refere à saúde, vida,

sofrimento e morte.

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Nos últimos tempos, a sociedade ocidental construiu equipamentos e

tecnologias mais eficientes e sofisticadas para a interpretação do mundo,

especialmente no que diz respeito aos males do corpo. Cada vez mais, os saberes

sobre o corpo são marcados por uma crescente influência do olhar científico.

Na UTI, fios e tubos em profusão entram e saem de vários orifícios, cavidades

e pontos da pele do paciente. Bombas de injeção automática de medicamentos,

respiradores mecânicos, controles de temperatura, marcapassos cardíacos,

trabalham continuamente, envolvendo o paciente em um ruído contínuo, em uma

dança de traços coloridos em telas de monitores, em bipes sonoros sincronizados

com a batida do coração que ecoam de forma sintética os ritmos da vida. O

paciente, nesse contexto, é constantemente monitorizado. Não é mais um ser

humano autônomo, as máquinas fazem parte dele. Sem elas, em alguns momentos,

ele não seria capaz de viver. O objetivo é colocar o paciente com alto risco de vida

e/ou iminência de morte em um ambiente onde suas funções vitais são

continuamente monitoradas, e onde a intervenção salvadora possa ser feita

rapidamente, de forma concentrada e intensa, em um único lugar. Esse progresso

da medicina intensiva se deve ao avanço da tecnologia biomédica.

De fato, o desenvolvimento técnico das últimas décadas possibilitou suporte a

órgãos humanos e funções vitais. Cada vez mais, realizam-se pesquisas voltadas

para a obtenção de aparelhos que possibilitem manter vivos os homens. Na UTI, a

morte pode acontecer fora do tempo real do acontecimento, projetada para o futuro,

com aparelhos que conseguem prolongar a vida, com a ilusão de dar crédito à

imortalidade.

Nas UTIs, assim como em outros setores do hospital, o objetivo é suplantar a

morte. Há regras e funções estipuladas, predeterminadas para o alcance da vitória

sobre o pretenso inimigo. Os atarefados profissionais envolvidos na luta contra a

morte, muitas vezes, se assustam com seus limites e impotência.

Nesse espaço, a partir dos avanços da biomedicina, a morte passa a ser

encefálica, biológica e celular. A morte é dividida, parcelada numa série de

pequenas etapas, como afirma Airès (2003), entre as quais, definitivamente, não se

sabe qual é verdadeiramente a morte, aquela em que se perde a consciência ou

aquela em que se perde a respiração. Essa subdivisão, como refere Kovács (2003),

torna-se relevante quando envolve a polêmica dos transplantes, em que pacientes

com morte cerebral são mantidos vivos para que os órgãos possam ser retirados e

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utilizados em uma nova vida. Os aparelhos são destinados a medir e a prolongar a

vida. O momento da morte ou a interrupção da vida, nesses casos, passa a ser

acordado entre os médicos.

Através do emprego da tecnologia médica para a sustentação do viver, com a

criação e utilização do respirador artificial, ocorreram profundas alterações, tanto no

processo de morrer, quanto no próprio conceito de morte. O conceito de morte

cerebral, como descrito anteriormente, é articulado ao transplante de órgãos (Lock,

2000). A morte de distintas partes do corpo de um indivíduo é possível através da

tecnologia médica. Assim, a imagem da morte com o tradicional esqueleto com foice

foi substituída, no século XX, pela imagem de um paciente internado na UTI,

conectado a tubos e cercado de aparelhos que mantêm a vida. Esse modelo de

morte é denominado “morte moderna”, medicalizada (Airès, 2003).

Com tantos desequilíbrios, incertezas e paradoxos, na UTI, facilmente se

passa da luta pela vida à morte resignada; do desafio que se impõe ao risco de

continuar vivo, ao medo de morrer. Nada é permanente nesse contexto. Trata-se de

um espaço ambíguo, onde se procura controlar, através mesmo da negação e

isolamento, o imprevisível.

Os avanços alcançados pelo desenvolvimento científico e tecnológico nos

campos da biologia, da saúde e da vida, de um modo geral, principalmente nos

últimos trinta anos, têm colocado a humanidade frente a situações até pouco tempo

inimagináveis. São diárias as notícias, provenientes das mais diferentes partes do

mundo, relatando a uti lização de novos métodos investigativos ou de técnicas

desconhecidas, a descoberta de medicamentos mais eficazes, o controle de

doenças tidas como fora de controle. Se, por um lado, todas estas conquistas

trazem renovadas esperanças de melhoria da qualidade de vida para as sociedades

humanas, por outro, criam uma série de contradições que necessitam ser

analisadas.

Os problemas éticos começaram a existir com os pacientes que não têm

chance de se recuperar facilmente e ficam muito tempo na UTI, com suas funções

vitais mantidas artificialmente. Esse fato não havia sido previsto na ideia

fundamental da UTI, cuja filosofia é cuidar muito intensamente, por pouco tempo.

Para esses pacientes, imersos em contradições e dilemas da tecnologia e da ética, a

vida é discutível. Os custos explodem. Uma estadia em uma UTI pode custar até

cinco mil reais por dia, e não resulta necessariamente em cura ou alta.

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A Bioética, então, surge na UTI como forma de reflexão para os profissionais

intensivistas, associada à ação integrada da tecnologia do saber. A decisão de quem

ocupa um leito, de quem vive e quem morre corresponde, certamente, a uma

realidade a ser tratada. A morte passa a ser discutida. Surgem debates acerca dos

termos eutanásia, ortotanásia e distanásia. Como indica Torres (2003), a morte

correta (ortotanásia), em seu tempo certo, nem abreviada (eutanásia), nem

prolongada (distanásia) no tempo, confronta médicos e enfermeiros num imperativo

ético de reflexão sistemática sobre as posições assumidas por estes quanto aos

tempos de morte dos pacientes na UTI.

Observa-se que a morte na UTI se encaixa no que refere Airès (2003), ou

seja, a morte, no contexto hospitalar, consiste em fenômeno técnico, causado pela

parada dos cuidados, mais ou menos declarada, por decisão do médico e da equipe

de saúde. São eles os donos da morte, do seu momento e de suas circunstâncias. A

variabilidade da duração da morte é estabelecida pelos progressos da biomedicina.

Dentro de certos limites, pode-se abreviá-la ou estendê-la, dependendo da decisão

do médico e dos equipamentos disponíveis.

Tanto a discussão sobre os “limites” ou o “controle” acerca da manipulação da

vida, quanto à defesa de uma ética da responsabilidade e a busca da equidade no

tratamento dos sujeitos sociais, são fundamentais para o bem-estar futuro da

humanidade na discussão sobre a descoberta e utilização de novas técnicas e

medicamentos no campo médico-biológico.

Kovács (2003), psicóloga, estudiosa nos assuntos da morte e do morrer,

menciona que ao priorizar-se no hospital, em especial na UTI, o salvar o paciente a

qualquer custo, a ocorrência de morte pode fazer com que o trabalho de médicos e

enfermeiros, nesse contexto, seja percebido como frustrante, desmotivador e sem

significado. A psicóloga acrescenta que esta percepção pode ser agravada quando

os procedimentos médicos a serem realizados, fora de possibilidade de cura, não

são compartilhados com toda a equipe. Por outro lado, não conseguir evitar ou adiar

a morte pode trazer ao profissional a vivência de seus limites, o que, em algumas

vezes, pode ser extremamente doloroso.

Situações geradoras de grandes dilemas éticos podem levar pacientes (se

conscientes), familiares e profissionais, a se depararem com a necessidade de

tomada de decisão, no que concerne ao prolongamento ou interrupção das medidas

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terapêuticas. Delimitar o tratamento e definir ações correspondem a difíceis

decisões, nem sempre concordantes e uniformes.

No contexto das UTIs, tal como ocorre nos diversos sistemas institucionais de

atendimento à saúde, as decisões bioéticas são, em geral, assumidas pelo médico,

principalmente por sua atuação chave em questões decisórias acerca do tratamento.

Já a participação dos enfermeiros no processo de tomada de decisão de dilemas

éticos, apesar de importante, muitas vezes, tem se mostrado tímida, aquém do que

seria desejável e possível (Richer e Eisemann, 2000).

Observa-se, também, que alguns enfermeiros tendem a manter

distanciamento dessas situações, por vezes de forma consciente, em razão do

sofrimento emocional que o enfrentamento dessas situações acarreta, nem sempre

fácil de ser vivenciado. O comportamento passivo dos enfermeiros frente a situações

complexas que exigem tomadas de decisão pode, ainda, funcionar como mecanismo

de defesa ou indicar desconhecimento acerca dos problemas éticos relativos à vida

e à morte (Germano e cols, 1998). Vale ressaltar que o médico intensivista pode ser

tão despreparado quanto os enfermeiros para o enfrentamento dos dilemas éticos.

Estudiosos do assunto, tanto na literatura nacional como internacional,

concordam sobre a necessidade de se discutir amplamente todas as alternativas

terapêuticas possíveis para a solução dos dilemas éticos inerentes ao tratamento

intensivo. Recomenda-se que a discussão seja interdisciplinar, agregando tantos

profissionais quanto possível (Orlando, 2001; Baggs, 1993).

Na prática, no entanto, tal procedimento ainda é pouco observado e, na

maioria das vezes, o médico é levado a decidir isolada e unilateralmente, não

compartilhando opiniões devido à falta de comunicação entre os profissionais.

Percebe-se, também, que a decisão de se interromper ou prolongar determinado

tratamento nem sempre é consensual e sustentada pelos diferentes intensivistas da

mesma instituição. Dessa forma, não é incomum que em plantões diferentes, um

outro médico retome o tratamento anterior, motivado por suas convicções pessoais,

criando um círculo vicioso de difícil solução e que reflete a falta de diálogo entre a

própria equipe médica. Tais condutas, indesejáveis e contraditórias, não só

confundem profissionais e familiares, como podem aumentar ou trazer falsas

expectativas em relação à evolução clínica do paciente.

Diante disso, surgem algumas questões: Como comunicar aos pacientes e

aos seus familiares o agravamento da doença e a proximidade da morte?; Como

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lidar com pacientes que estejam apresentando intensa expressão de sentimentos

(medo, raiva e tristeza)?; Como desenvolver o tratamento de pacientes sem

possibilidade de cura (aprofundando a diferença entre curar e cuidar)?; Como

abordar a família quando há aproximação da morte e como acolher os sentimentos

presentes nesta situação?; Como lidar com a expressão do desejo de morrer por

parte do paciente ou da família, que não suporta ver tanto sofrimento?; Como

explicar para os familiares uma mudança de conduta radicalmente oposta?; O que o

intensivista pode falar ou não a respeito de uma decisão da qual ele não participou?;

O que seria eticamente correto?

Percebe-se que a discussão dos temas relacionados à vida, à morte e ao

processo de morrer, dentro das UTIs, é de fundamental importância. Assim, pode-se

explicar como profissionais da psicologia e da saúde mental começam a fazer parte

das equipes nas UTIs, não só abrindo espaço para a discussão da morte e do

processo de morrer com os membros da equipe de saúde, que frequentemente

lidam com sentimentos de perda, sofrimento, dor e fracasso, mas também com os

pacientes e seus familiares. Enfim, a morte medicalizada, com a maior assepsia

possível, ocorre nas UTIs. No extremo da técnica, é nesse ambiente que se

encontram mortos-vivos. Pacientes sedados, comatosos ou lúcidos estão

completamente dependentes das decisões e práticas de médicos e enfermeiros.

Nesse panorama é possível perceber a importância das situações vividas por

médicos, enfermeiros e pacientes no contexto de uma UTI. E não é difícil

argumentar sobre a necessidade de mais investigação em torno das nuances,

questões e desafios à capacidade humana de vivenciar complexos momentos de

envolvimento com a situação da proximidade do morrer humano. É indispensável a

busca da ampliação da compreensão dos processos pessoais, emocionais,

existenciais, profissionais e institucionais aí envolvidos.

O caminho estabelecido pela pesquisa em processo, aqui relatada, foi

baseado nos pressupostos da teoria das representações sociais. Conforme

Moscovici (2003) argumenta, as representações sociais revelam mundos simbólicos

que, estruturados na dinâmica das relações sociais cotidianas, sustentam valores,

atitudes e comportamentos. O que a presente pesquisa pretendeu foi justamente

compreender as visões de médicos e enfermeiros quanto ao atendimento ao

paciente com risco de vida e/ou iminência de morte, construídos no dia a dia de

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trabalho e de convivência com os mais modernos e especializados recursos

tecnológicos no campo da preservação de vidas humanas.

2.4 A formação de médicos e enfermeiros

Em qualquer profissão, o processo de aprendizagem representa um momento

fundamental, pois é nele que são produzidos tanto o conhecimento teórico, quanto

as práticas associadas. Na medicina e na enfermagem, o processo de

aprendizagem tem uma característica diferencial, que é a passagem pela instituição

hospitalar.

É nessa ocasião, no hospital, uma instituição rica de saber médico, que os

jovens estudantes irão aprender as rotinas práticas para saber atuar nas profissões

de saúde. Isso é fundamental, pois representa não só o momento em que

aprenderão a atuar na prática, mas também, no caso da residência6, pela primeira

vez serão responsáveis pela assistência de um ou mais pacientes.

A formação universitária de médicos e enfermeiros prima pela prática

individual e está centrada no hospital como locus de atuação privilegiada para estes

profissionais. É no hospital que estes buscam legitimar um corpo de conhecimentos

e uma especialidade. Nessa construção, os profissionais almejam novas formas de

pensar, capazes de um novo exercício profissional, com conhecimentos e princípios

éticos específicos. É nesse espaço especializado, com rotinas institucionalizadas, no

qual, segundo Elias (2001), não há lugar para emoções, sejam as dos médicos,

enfermeiros, pacientes e/ou familiares, que esses futuros profissionais têm o

primeiro contato com o paciente. De acordo com o sociólogo, o paradigma formador

desses profissionais, em geral, distancia o objetivo da formação em saúde das

práticas médicas.

6 A Residência Médica foi instituída no Brasil pelo Decreto nº 80.281, de 5 de Setembro de 1977 e,

segundo o Ministério da Educação, se constitui uma modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização, funcionando em Instituições de Saúde, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional, sendo considerada de alto padrão na modalidade de especialização médica.

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Um dos grandes problemas da formação e na prática médicas do século

XX é a distância entre o cuidado ao doente e atenção aos seus órgãos e funções. A medicina do mundo moderno é caracterizada pela fragmentação e objetivação da pessoa do paciente (ELIAS, 2001, p. 103).

É importante tecer questionamentos sobre a posição da ciência e da

racionalidade médica. Esse processo não envolve abandonar o conhecimento

científico, mas prima pela compreensão de que esse conhecimento é de grande

importância. Envolve também a ideia de que esse conhecimento, para ser útil na

perspectiva do cuidado integral, precisa ser traduzido e confrontado com outras

formas de saber, a começar por aquelas formas não científicas de conhecimento,

decorrentes da própria experiência de vida, visando à produção de uma fusão de

horizontes quanto a uma nova prática que melhor se alinhe às dimensões

socioculturais dos indivíduos.

A humanização do atendimento com uma visão global do homem na plenitude

de seus direitos de cidadão foi referendada em 1986, através da resolução da VIII

Conferência Nacional de Saúde que propõe um atendimento integral no que diz

respeito à promoção, proteção e recuperação da saúde.

Dessa forma, a formação de médicos e enfermeiros, no Brasil, deve estar

vinculada à premissa acima referida e deve assegurar aos futuros profissionais uma

alta competência na assistência ao indivíduo, no âmbito técnico-científico,

administrativo e político. O objeto de trabalho de médicos e enfermeiros passa,

nessa direção, pela assistência aos pacientes no processo saúde-doença e se

estende à organização do processo de trabalho, incluindo uma assistência de

qualidade, além de uma ação conjunta com os outros profissionais da área da

saúde.

A formação de médicos e enfermeiros sempre esteve muito voltada para o

domínio do conhecimento técnico-científico. De acordo com as Diretrizes

Curriculares Nacionais (2001), o corpo de conhecimento que conduz à competência

técnico-científica desses profissionais deve levar em consideração todas as fases de

desenvolvimento do homem, do nascimento à morte, na promoção, proteção e

recuperação de sua saúde. Assim, o ensino deve preparar médicos e enfermeiros,

tanto para atuarem no nível primário da atenção à saúde, ambulatórios e centros de

saúde, como para os níveis mais complexos de assistência, o hospitalar, com

tecnologias mais especializadas, levando em consideração, também, o homem

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brasileiro em sua realidade concreta e histórica, considerando este como um ser

biológico, cultural e social.

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (2001), o perfil do formando

egresso/profissional do curso de enfermagem é:

Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva.

Profissional qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no rigor científico e intelectual e pautado em princ ípios éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes

no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões bio-psico-sociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso

com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano ... (BRASIL, 2001)

Quanto às competências e habilidades gerais, os enfermeiros, ao final de sua

formação universitária, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção,

promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto

coletivo. Devem assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e

contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, com os mais altos padrões

de qualidade e dos princípios da ética/bioética. Serem capazes de tomar decisões

importantes, visando ao uso apropriado, eficácia e custo-efetividade da força de

trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas,

avaliando, sistematizando e decidindo a conduta mais apropriada. Devem ter

responsabilidade e compromisso com a educação e o treinamento/estágios das

futuras gerações de profissionais, não apenas transmitindo conhecimentos, mas

proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros

profissionais e os profissionais dos serviços.

Quanto às suas competências e habilidades específicas, devem atuar

profissionalmente compreendendo a natureza humana em suas dimensões, em suas

expressões e fases evolutivas; incorporar a ciência/arte do cuidar como instrumento

de interpretação profissional; desenvolver formação técnico-científica que confira

qualidade ao exercício profissional; compreender a política de saúde no contexto

das políticas sociais, reconhecendo os perfis epidemiológicos das populações;

reconhecer a saúde como direito e condições dignas de vida e atuar de forma a

garantir a integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e

contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,

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exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

reconhecer-se como coordenador do trabalho da equipe de enfermagem; assumir o

compromisso ético, humanístico e social com o trabalho multiprofissional em saúde.

A formação do enfermeiro deve atender às necessidades sociais da saúde,

com ênfase no Sistema Único de Saúde (SUS), e assegurar a integralidade da

atenção e a qualidade e humanização do atendimento. Para tanto, os conteúdos

essenciais para o curso de graduação em enfermagem relacionam todo o processo

saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade

epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar

em enfermagem. Tais conteúdos teóricos e práticos contemplam as seguintes áreas

temáticas: Bases Biológicas e Sociais da Enfermagem.

Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Enfermagem

devem estar relacionados com o processo saúde-doença do cidadão, da família e da

comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a

integralidade das ações do cuidar em enfermagem. Contemplam os conteúdos de

base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e

função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos, aplicados às situações

decorrentes do processo saúde-doença no desenvolvimento da prática assistencial

de Enfermagem; conteúdos referentes às diversas dimensões da relação

indivíduo/sociedade, contribuindo para a compreensão dos determinantes sociais,

culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis

individual e coletivo, do processo saúde-doença; conteúdos que compõem a

assistência de Enfermagem em nível individual e coletivo prestada à criança, ao

adolescente, ao adulto, à mulher e ao idoso, considerando os determinantes socio-

culturais, econômicos e ecológicos do processo saúde-doença, bem como os

princípios éticos, legais e humanísticos inerentes ao cuidado de enfermagem; e

conteúdos pertinentes à capacitação pedagógica do enfermeiro.

Vale ressaltar que os conteúdos curriculares, as competências e as

habilidades, a serem assimilados e adquiridos no nível de graduação do enfermeiro,

devem conferir-lhe capacidade acadêmica e/ou profissional, considerando as

demandas e necessidades prevalentes e prioritárias da população, conforme o

quadro epidemiológico do país/região.

Quanto ao médico, as Diretrizes Curriculares Nacionais (2001) propõem:

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Médico, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Capacitado a atuar, pautado em princ ípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção,

prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser

humano (BRASIL, 2001).

Em relação ao conhecimento, competências e habilidades específicas, as

Diretrizes Curriculares Nacionais (2001) preconizam que os futuros médicos devam

promover estilos de vida saudáveis, conciliando as necessidades tanto dos seus

clientes/pacientes quanto as de sua comunidade, atuando como agente de

transformação social; comunicar-se adequadamente com os colegas de trabalho, os

pacientes e seus familiares; dominar os conhecimentos científicos básicos da

natureza biopsicossocioambiental subjacentes à prática médica e ter raciocínio

crítico na interpretação dos dados, na identificação da natureza dos problemas da

prática médica e na sua resolução; diagnosticar e tratar corretamente as principais

doenças do ser humano em todas as fases do ciclo biológico, tendo como critérios a

prevalência e o potencial mórbido das doenças, bem como a eficácia da ação

médica; reconhecer suas limitações e encaminhar, adequadamente, pacientes

portadores de problemas que fujam ao alcance da sua formação geral; atuar na

proteção e na promoção da saúde e na prevenção de doenças, bem como no

tratamento e reabilitação dos problemas de saúde e acompanhamento do processo

de morte; ter visão do papel social do médico e disposição para atuar em atividades

de política e de planejamento em saúde; atuar em equipe multiprofissional e manter-

se atualizado com a legislação pertinente à saúde.

Os conteúdos essenciais do Curso de Graduação em Medicina guardam

estreita relação com as necessidades de saúde mais frequentes referidas pela

comunidade e identificadas pelo setor saúde. Contemplam o conhecimento das

bases moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e

função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos, aplicados aos problemas de sua

prática e na forma como o médico o utiliza; compreensão dos determinantes sociais,

culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis

individual e coletivo, do processo saúde-doença; abordagem do processo saúde-

doença do indivíduo e da população, em seus múltiplos aspectos de determinação,

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ocorrência e intervenção; compreensão e domínio da propedêutica médica –

capacidade de realizar história clínica, exame físico, conhecimento fisiopatológico

dos sinais e sintomas; capacidade reflexiva e compreensão ética, psicológica e

humanística da relação médico-paciente; diagnóstico, prognóstico e conduta

terapêutica nas doenças que acometem o ser humano em todas as fases do ciclo

biológico, considerando-se os critérios da prevalência, letalidade, potencial de

prevenção e importância pedagógica; promoção da saúde e compreensão dos

processos fisiológicos dos seres humanos – gestação, nascimento, crescimento e

desenvolvimento, envelhecimento, atividades físicas, desportivas e as relacionadas

ao meio social e ambiental.

Pode-se dizer que no seio da universidade, a concepção pedagógica que

vigora na maioria dos referidos cursos e que alicerçará os futuros médicos e

enfermeiros se mantém centrada na visão reducionista da saúde e da doença.

Apesar de contraditória ao novo enfoque de tendência humanística para a formação

desses profissionais de saúde, ainda é a perspectiva predominante entre docentes

formadores dos futuros médicos e enfermeiros.

A formação universitária desses profissionais (médicos e enfermeiros)

ainda mantém-se distante do enfoque totalizador de ser humano, permanecendo centrada no modelo de ensino das técnicas e no desenvolvimento restrito de competências, sem legar, ao futuro

profissional, raciocínio crítico reflexivo, para uma ação junto ao paciente e no contexto social, modulador e modulado pela sociedade em que e com a qual está vivendo (CAPRARA e FRANCO, 2003).

Essa desarticulação entre o preconizado e o vivenciado, no que diz respeito à

formação universitária, denuncia a premência de formação para a atenção integral e

holística durante a construção profissional em saúde, articulada com a realidade, o

que é amplamente defendido em estudos relacionados à formação em saúde

(Pierantoni e Machado, 1994).

Apesar de ampla literatura que aponta a premente necessidade de formar

profissionais de saúde em outro enfoque, há ausência de discussão sobre como

seria este modelo em termos teóricos e operacionais. Há lacunas sobre como formar

o médico e o enfermeiro, de forma a possibilitar a integração das profissões numa

equipe multiprofissional em saúde, com maior coerência.

A formação de médicos e enfermeiros se estende também à pós-graduação

fazendo com que os mesmos, e mais especificamente aqueles que exercem a

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docência, ampliem suas atividades, passando a dedicar-se à pesquisa e à produção

científica. Observa-se, assim, um movimento de cientificidade das práticas

especializadas, levando os pós-graduados, algumas vezes, a um distanciamento de

outros profissionais bem como dos serviços de assistência direta ao paciente.

É importante ressaltar que são necessários estudos no campo da formação

do profissional de saúde, em particular do médico e do enfermeiro. Não

simplesmente indicando as deficiências, haja vista o amplo número de trabalhos

publicados, mas sim o estabelecimento de estudos que realizem análise das duas

profissões conjuntamente, uma vez que se articularão em vários contextos de

trabalho, incluindo a UTI. Tal articulação, que envolve a morte e o morrer, não será

solucionada facilmente. Entretanto, estudos sugerem que a educação biomédica

pode tornar profissionais de saúde mais aptos a lidar com essa questão (Falcão e

Lino, 2004; Falcão e Mendonça, 2009; Marta e cols, 2009; Silva e Ayres, 2010; Nára

e cols, 2010).

O conjunto dessas representações e práticas que atribuem sentidos aos

processos de saúde e doença, enfocados na formação desses profissionais

configuram-se, na cultura ocidental moderna, pela priorização da ordem biológica

possibilitando, dessa forma, a formatação do que se conhece como modelo

biomédico. Esse modelo se impôs como um saber sobre a doença e, manejado por

um corpo de especialistas, ocasionou o desenvolvimento da ciência médica.

Com a formação acadêmica atual, médicos e enfermeiros são impulsionados

a acreditar que somente a vida, a cura e o restabelecimento são características de

um bom cuidado. A morte é abordada de forma superficial e o despreparo de

médicos e enfermeiros para lidar com esta questão chega a ser preocupante. Os

hospitais e a sua tecnologia, a dinâmica da luta incessante pela vida não permitem

nem abrem espaços para questionar, conversar e pensar na morte.

Sem saber como lidar com as questões referentes à morte, os profissionais

acabam por comentarem os êxitos, as curas e os cuidados com bons resultados.

Evita-se falar dos erros, das falhas, da morte. Para eles, frutos de uma formação que

ressalta a onipotência e a eficiência, encarar a morte é aceitar o fracasso. Torna-se,

então, necessário identificar e abordar os aspectos educacionais relativos à finitude

humana, a fim de que possam discutir em cada situação as suas ações.

Por isso, apontar contribuições educacionais para a formação de médicos e

enfermeiros, no que concerne ao atendimento ao paciente com risco de vida e/ou

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iminência de morte, torna-se relevante a partir das falas de médicos, enfermeiros e

médicos residentes intensivistas e de suas representações acerca da morte.

Considerando as pesquisas realizadas sobre o tema do presente estudo,

optei por trabalhar com o conceito de Representação Social, que possibilita um

caminho para investigar os objetivos estabelecidos, através do contato com os

profissionais envolvidos na assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência

de morte, na busca de suas próprias construções a respeito do tema central. O

conceito de Representação Social valoriza a experiência do cotidiano dos grupos

investigados, suas produções, construções e conhecimentos elaborados a respeito

de um dado objeto. É o que veremos a seguir.

2.5 Representações sociais

Representação Social consiste em um conjunto de explicações e afirmações

que se originam no cotidiano, através de comunicações interindividuais, e que

contribui para a formação de condutas e a orientação das comunicações sociais

(Moscovici, 2003). Para Moscovici, as representações sociais são caracterizadas

como fenômenos complexos que dizem respeito ao processo pelo qual o sentido de

um dado objeto é estruturado pelo sujeito, no contexto de suas relações.

Considerando que o saber popular é a base para a construção do

conhecimento em qualquer área, uma vez que cada indivíduo, grupo ou comunidade

possui uma definição/conceito preestabelecida acerca de um objeto, Moscovici

avança, com tal sistematização, afirmando que esta é uma reabilitação do senso

comum, do saber popular, do conhecimento do cotidiano, do conhecimento "pré-

teórico".

Para o sociólogo, as representações interiorizadas pelo indivíduo possuem

um significado compartilhado socialmente por pessoas pertencentes a uma mesma

cultura. Porém, essas representações se transformam à medida que se articulam

com o “sentido” pessoal que o indivíduo atribui aos conteúdos socialmente

veiculados. Dessa forma, o processo de interiorização é permeado por uma

ressignificação individual.

Jodelet (2001), estudiosa da Teoria das Representações Sociais, na linha de

Moscovici, destaca que, nesse processo, informações de diferentes ordens são

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continuamente elaboradas, transformadas e recriadas, articulando instâncias, níveis

e dimensões numa síntese que permite ao sujeito agir e interagir, situar-se e

redefinir-se, negociar a aceitação, estabelecendo proximidades e diferenças.

As sociedades modernas são caracterizadas por seu pluralismo e pela

rapidez com que as mudanças econômicas, políticas e culturais ocorrem. Assim,

segundo Jodelet (2001), o campo de estudo das representações sociais reúne dois

debates importantes. No primeiro, as representações emergem como uma

modalidade de conhecimento prático, orientado para a compreensão do mundo e

para a comunicação. No segundo, emergem como construções com caráter

expressivo, elaborações de sujeitos sociais sobre objetos socialmente valorizados.

Como formas de conhecimento, as representações sociais devem ser

entendidas a partir do contexto que as produzem e a partir de sua funcionalidade

nas interações sociais do cotidiano. Inserem-se entre as correntes que estudam o

conhecimento do senso comum, entre elas a Teoria das Representações Sociais

(Moscovici, 2003).

Para operacionalizar essa teorização, Moscovici se dirige ao conceito de

representações coletivas de Durkheim (1970) que apresentam razoável estabilidade

no tocante às representações individuais. Elas consistem em um grande guarda-

chuva que abriga crenças, mitos, imagens, e também o idioma, o direito, a religião,

as tradições. Essa abrangência torna o conceito pouco operacional.

A necessidade de atualizar o conceito e trazê-lo para as condições das

sociedades contemporâneas imersas na intensa divisão do trabalho, nas quais a

dimensão da especialização, bem como a da informação, motivou Moscovici (1961)

a redefinir o conceito de representação social. Para tanto, Moscovici (1961) recorre a

dois processos: objetivação e ancoragem. A objetivação esclarece como se

estrutura o conhecimento do objeto: o indivíduo seleciona e descontextualiza

elementos do que vai representar, operando assim um enxugamento do excesso de

informação, uma vez que não é possível lidar com o conjunto da informação

transmitida. Esta sofre cortes baseados em sua informação prévia, experiência e nos

seus valores. Uma vez feitos os recortes, juntam-se os fragmentos num esquema

que se torna o núcleo figurativo da representação, o qual tende a apresentar um

aspecto imagético. Tal aspecto constitui o essencial da representação. Procedendo

assim, aquele objeto que era desconhecido foi devidamente destrinchado,

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recomposto e, agora, se torna algo efetivamente objetivo, palpável, passa a nos

parecer natural.

Ancoragem, por sua vez, é o processo que dá sentido ao objeto que se

apresenta à nossa compreensão. Trata-se da maneira pela qual o conhecimento se

enraíza no social e volta a ele ao converter-se em categoria e integrar-se à grade de

leitura do mundo do sujeito, instrumentalizando o novo objeto. O sujeito procede

recorrendo ao que é familiar para fazer uma espécie de conversão da novidade, ou

seja, trazê-la ao território conhecido da nossa bagagem nocional, ancorar aí o novo,

o desconhecido, o não familiar.

Moscovici considera que:

O processo social no conjunto é um processo de familiarização pelo qual os objetos e os indivíduos vêm a ser compreendidos e distinguidos na base

de modelos ou encontros anteriores. A predominância do passado sobre o presente, da resposta sobre o estímulo, da imagem sobre a " realidade" têm como única razão fazer com que ninguém ache nada de novo sob o sol. A

familiaridade constitui, ao mesmo tempo, um estado das relações no grupo e uma norma de julgamento de tudo o que acontece (MOSCOVICI,1961, p.26).

Isso não significa, contudo, um conservadorismo rígido. A Representação

Social, na verdade, opera uma transformação do sujeito e do objeto, na medida em

que ambos são modificados no processo de elaborar o objeto. O sujeito amplia sua

categorização e o objeto se acomoda ao repertório do sujeito, o qual, por sua vez,

também se modifica ao receber mais um habitante. A representação, portanto, não é

cópia da realidade, nem uma instância intermediária que transporta o objeto para

perto/dentro do nosso espaço cognitivo. Ela é um processo que torna conceito e

percepção intercambiáveis, uma vez que se engendram mutuamente.

É exatamente aí que a Teoria das Representações Sociais nos apresenta

novas possibilidades, pois centra seu olhar sobre a relação entre sujeito e objeto. Tal

teoria estabelece uma síntese teórica entre fenômenos que, em nível da realidade,

estão profundamente ligados. As dimensões cognitiva, afetiva e social estão

presentes na própria noção de representações sociais. O fenômeno das

representações sociais e a teoria que se ergue para explicá-lo diz respeito à

construção de saberes sociais e, nessa medida, envolve a cognição. O caráter

simbólico e imaginativo desses saberes traz à tona a dimensão dos afetos porque,

quando sujeitos sociais empenham-se em entender e dar sentido ao mundo, eles

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também o fazem com emoções e sentimentos. A construção da significação

simbólica é, simultaneamente, um ato de conhecimento e um ato afetivo. Tanto a

cognição como os afetos que estão presentes nas representações sociais

encontram a sua base na realidade social. Do mesmo modo, a sua produção se

encontra nas instituições, nas ruas, nos meios de comunicação de massa, nos

canais informais de comunicação social, nos movimentos sociais e em uma série de

lugares sociais, quando as pessoas se encontram para falar, argumentar, discutir o

cotidiano, ou quando elas estão expostas às instituições, aos meios de

comunicação, aos mitos e à herança histórico-cultural de suas sociedades.

O estudo de Moscovici avançou para a compreensão do conceito de

representação social desenhado pela teoria. Porém, a definição mais consensual

para as representações sociais entre os pesquisadores do campo é a de Jodelet

(2001, p. 22):

As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.

A autora lembra, ainda, que a representação social deve ser estudada

articulando elementos afetivos, mentais e sociais, e integrando, ao lado da cognição,

da linguagem e da comunicação, as relações sociais que afetam as representações

e a realidade material, social e das ideias sobre a qual elas vão intervir. Ela sugere

que, para abarcar o conjunto de componentes e relações contidos na representação

social vista como saber prático, é preciso responder a três perguntas fundamentais:

Quem sabe e a partir de onde sabe? O que e como se sabe? Sobre o que se sabe e

com que efeito?

O estudo das representações sociais se complementa com a busca do

princípio que estrutura esse campo como um sistema, seus organizadores

socioculturais, atitudes, modelos normativos ou esquemas cognitivos.

Voltando aos planos do estudo da representação delineados por Jodelet

(2001), tomemos o que ainda nos falta mencionar, que poderia ser considerado o

chão da representação: as condições da sua produção, ou seja, as grandes

responsáveis pela possibilidade de explicação, de interpretação do sentido que os

grupos atribuem ao objeto representado. A autora sintetiza a ideia: toda

representação é representação de alguém e de alguma coisa. Toda representação

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se refere a um objeto e tem um conteúdo. E o "alguém" que a formula é um sujeito

social, imerso em condições específicas de seu espaço e tempo. Para tanto, três

grandes fatores devem ser levados em conta como condições de produção das

representações: a cultura, tomada no sentido amplo e no mais restrito, a

comunicação e a linguagem (intragrupo, entre grupos e de massas), e a inserção

socioeconômica, institucional, educacional e ideológica.

As condições de produção da representação afirmam com veemência a

marca social das representações, assim como seu estatuto epistemológico marca a

sua função simbólica, e os processos e estados, o seu caráter prático. Vemos dessa

forma como a representação social encadeia ação, pensamento e linguagem nas

suas funções primordiais de tornar o não familiar conhecido, ao possibilitar a

comunicação e obter controle sobre o meio em que se vive, e compreender o mundo

e as relações que nele se estabelecem. Moscovici afirma:

...a representação social é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam a realidade física e social inteligível, se inserem num grupo ou numa relação cotidiana

de trocas, liberam o poder da sua imaginação. (MOSCOVICI, 1961, p. 27-28)

Em resumo, ao ser uma produção simbólica destinada a compreender e

distinguir o mundo, a representação social provém de um sujeito ativo e criativo, tem

um caráter cognitivo e autônomo e configura a construção social da realidade. A

ação e a comunicação são suas bases: delas provêm e a elas retorna a

representação social.

Assim, os sentidos que médicos e enfermeiros intensivistas dão à morte

dependerão da realidade construída por eles no contexto de suas práticas

profissionais. Através das comunicações diárias entre esses profissionais, suas

representações de morte se constroem e se reconstroem permanentemente, através

das falas, dos gestos, das práticas e da importância de um evento num dado

momento, constituindo símbolos que permitem a elaboração mental dos fatos e a

prática social do dia a dia. Nessa perspectiva, médicos e enfermeiros intensivistas

incorporam novos sentidos, não apenas articulados diretamente ao

pensamento/linguagem, mas tomados, também, como conjunto de ideias ou

concepções a que médicos e enfermeiros podem ter em relação à morte no universo

cultural da UTI.

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2. METODOLOGIA

Para a leitura dessa realidade, optamos pela Teoria das Representações

Sociais (Moscovici, 2003) como base teórica, por acreditarmos que esse referencial

permite olhar o fenômeno na perspectiva do sujeito que o vivencia. Segundo

Moscovici (2003), as representações sociais designam uma forma específica de

conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam uma forma

de pensamento social, referentes às condições e aos contextos nos quais emergem

e circulam. Essa teoria se baseia nas interações sociais do cotidiano, permite

compreender e explicar a construção da realidade, guia ou orienta as práticas

sociais e sustenta a especificidade dos grupos, permitindo a justificativa das

tomadas de posição. Enfim, busca compreender como comunidades diferentes, em

diferentes contextos e com diferentes padrões culturais, constroem o saber sobre os

objetos sociais.

A identificação das representações sociais dos sujeitos da pesquisa, acerca

do tema em questão, foi realizada a partir da metodologia de análise

qualiquantitativa, proposta por Lefèvre et al (2001, 2005), o Discurso do Sujeito

Coletivo (DSC) que tem por finalidade a identificação da representação social de um

determinado tema ou objeto de um grupo, a partir das expressões orais ou escritas,

expressas individualmente em entrevistas ou questionários. Para os autores, o que

as pessoas pensam ou emitem como respostas a uma indagação reflete o

compartilhamento de um imaginário social comum, coletivo, existente num

determinado momento. Dessa forma, os pensamentos contidos em expressões

individuais representam mais do que um indivíduo pensa sobre um dado tema. Eles

revelam elementos do imaginário coletivo de um grupo. A análise do DSC busca, a

partir das expressões individuais, chegar às representações de um grupo social num

dado momento.

Utilizamos como técnica o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), pois este

busca dar conta da discursividade, característica própria e indissociável do

pensamento coletivo, buscando preservá-la em todos os momentos da pesquisa,

desde a elaboração das perguntas, passando pela coleta e pelo processamento dos

dados até culminar com a apresentação dos resultados.

Optou-se pela pesquisa qualiquantitativa pelo fato de tanto privilegiar a ação

dos sujeitos e apoiar-se na relevância dos aspectos subjetivos da ação social,

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quanto pelos aspectos quantitativos que serão descritos sob a forma de percentuais

acerca da participação dos sujeitos. Dessa forma, pontos de vista e práticas devem

ser relacionados às variadas perspectivas subjetivas e contextos a eles

relacionados. Apreender os significados atribuídos à morte humana por médicos,

enfermeiros e residentes intensivistas passa pelo entendimento da subjetividade da

ação, expressa por meio da linguagem, que foi construída por determinações

socioculturais e ideológicas. Os aspectos quantitativos se referem aos dados que

possibilitam oferecer informações de conteúdos discursivos compartilhados pelos

indivíduos pesquisados em disposição numérica.

Para organizar os depoimentos dos participantes foram tomadas três figuras

metodológicas: Expressões Chave (ECH); Ideia Central (IC); e Discurso do Sujeito

Coletivo (DSC). Num primeiro momento, foram utilizadas duas delas, as Expressões

Chave e as Ideias Centrais; na sequência, construímos o Discurso do Sujeito

Coletivo, que é então a terceira figura metodológica da proposta.

O DSC é produzido a partir de trechos de falas dos indivíduos de uma

coletividade. Sua construção é possível mediante definição e identificação de ideias

centrais e expressões chave nas respostas individuais do grupo analisado. As

expressões chave revelam o que há de mais substancial no que foi respondido. As

que forem semelhantes são reunidas, designando uma ideia central. Essa reflete de

forma mais fidedigna possível o sentido de cada um dos discursos analisados e de

cada conjunto homogêneo de expressões chave. Ressalta-se que cada ideia central

constitui-se em uma expressão linguística atribuída pelo pesquisador a cada grupo

de expressões chave. Cada DSC é formulado a partir da união das expressões

chave de uma determinada ideia central. Daí, o conjunto dos DSCs expressar as

representações sociais de um grupo de indivíduos, em relação a um determinado

fenômeno ou situação.

A proposta do DSC como forma de conhecimento busca resgatar o discurso

como signo de conhecimento dos próprios discursos. Assim, com o DSC, os

discursos dos depoimentos não se anulam ou se reduzem a uma categoria

unificadora já que o que se busca fazer “é reconstituir, com pedaços de discursos

individuais, como em um quebra-cabeça, tantos discursos síntese quantos se julgue

necessários para expressar uma dada figura” (Lefévre e Lefévere, 2005), ou seja,

um dado pensar ou representação social sobre um fenômeno.

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O DSC é, assim, uma estratégia metodológica que, utilizando uma estratégia

discursiva, visa tornar mais clara uma dada representação social, bem como o

conjunto das representações que conforma um dado imaginário. Através do modo

discursivo, é possível visualizar melhor a representação social na medida em que

ela aparece sob uma forma de um discurso, que corresponde ao modo como os

indivíduos pensam.

Para a realização desta pesquisa, primeiramente, realizou-se uma

aproximação com os campos de investigação através de reuniões com as chefias

das UTIs de uma instituição hospitalar federal de ensino superior do Brasil,

compreendendo a UTI Pós-operatória de Cirurgia Cardíaca e a Unidade

Coronariana que fazem parte da Unidade Cardiointensiva, e a UTI Geral. Essas

reuniões procuraram expor as intenções e objetivos da pesquisa, bem como coletar

informações sobre as principais características desses ambientes e suas

organizações de trabalho. Posteriormente, foram feitos contatos com essas chefias

para apresentação e esclarecimentos metodológicos do estudo. Desde os primeiros

contatos, as chefias médica e de enfermagem das unidades em questão se

mostraram receptivas e interessadas em cooperar com o estudo.

Em atendimento aos aspectos éticos legais de pesquisa envolvendo seres

humanos, o projeto foi encaminhado inicialmente ao Comitê de Ética e Pesquisa

(CEP) para apreciação e aprovação. De posse da autorização do CEP, procedeu–

se à coleta de dados na instituição de pesquisa, utilizando o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (apêndice 1).

Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com

questões relacionadas ao tema abordado nos objetivos desta pesquisa, as quais

foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra. A entrevista semiestruturada

está focalizada em um assunto sobre o qual é confeccionado um roteiro com

perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às

circunstâncias momentâneas à entrevista. Esse tipo de entrevista pode fazer emergir

informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma

padronização de alternativas (Manzini, 2003).

Para Triviños (1987), a entrevista semiestruturada tem como característica

questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se

relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos dariam frutos a novas

hipóteses surgidas, a partir das respostas dos informantes. O foco principal é

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colocado pelo investigador-entrevistador. Complementa o autor, afirmando que a

entrevista semiestruturada:

... favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua

explicação e a compreensão de sua totalidade ... além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações (TRIVIÑOS, 1987, p. 152).

Um ponto semelhante para ambos os autores se refere à necessidade de

perguntas básicas e principais para atingir o objetivo da pesquisa. Manzini (2003)

salienta que é possível um planejamento da coleta de informações por meio da

elaboração de um roteiro com perguntas que atinjam os objetivos pretendidos. O

roteiro serve, então, além de coletar as informações básicas, como um meio para o

pesquisador se organizar para o processo de interação com o informante.

Os sujeitos da pesquisa foram os médicos, enfermeiros e médicos residentes

atuantes na UTI Geral, na UTI Pós-operatória de Cirurgia Cardíaca e na Unidade

Coronariana, no período da coleta de dados, e que concordaram em participar do

estudo. Foram excluídos os que estavam ausentes por licenças e/ou férias. Não

foram investigados residentes de enfermagem, pois não havia, na instituição

hospitalar, na qual esta pesquisa foi realizada, um programa de pós-graduação nos

moldes de residência durante o período da coleta de dados.

Foram oferecidas aos entrevistados informações quanto aos objetivos da

pesquisa, bem como instruções quanto à forma de utilização do instrumento de

investigação. Foi ressaltado e assegurado o sigilo quanto ao uso do material, sem

qualquer identificação dos participantes.

A coleta de dados foi realizada obedecendo aos requisitos estabelecidos pela

Resolução 196/96, que trata das normas de pesquisa envolvendo seres humanos.

As entrevistas ocorreram no período de janeiro a setembro do ano de 2010, no local

de trabalho dos sujeitos, previamente agendadas e após a concordância dos

mesmos em participar do estudo, nos períodos diurno e noturno, incluindo finais de

semana e feriados, acontecendo de acordo com a disponibilidade dos sujeitos

entrevistados.

Também foi realizada observação dos grupos, nas referidas unidades, com

vistas a captar a dinâmica e o cotidiano de trabalho na UTI. A técnica de observação

foi um recurso escolhido para que pudéssemos acompanhar de perto as

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especificidades da organização de trabalho na UTI e compreendermos melhor seu

funcionamento e as funções exercidas, em especial a rotina de médicos e

enfermeiros intensivistas. Optando-se pela técnica de observação, este estudo

também vem corroborar a importância do efetivo engajamento entre pesquisador,

sujeitos e campo de pesquisa para o sucesso da investigação. Buscou-se, assim,

conhecer o contexto de trabalho do grupo, permitindo uma melhor compreensão dos

significados dos seus discursos.

A observação dos sujeitos, no contexto investigado, se deu através do diário

de campo, no qual foram registrados os aspectos objetivos e subjetivos envolvidos

na assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte.

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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados desta pesquisa serão, aqui, apresentados da seguinte forma:

características do contexto analisado; perfil dos sujeitos investigados; aspectos

religiosos dos profissionais investigados; Representação Social da morte humana:

os Discursos do Sujeito Coletivo (DSC).

4.1 Características do contexto investigado

As UTIs escolhidas para a investigação possuem algumas características

peculiares que merecem ser mencionadas. A UTI Geral se localiza no décimo

terceiro andar do hospital universitário e possui doze leitos, sendo seis destinados

aos pacientes com diagnóstico clínico e seis aos pacientes em pós-operatório. Os

pacientes, em geral, estão na faixa etária entre os quarenta e oitenta anos e

procedem, na maioria das vezes, de outras unidades do hospital, ou seja, da

emergência, das enfermarias clínicas e cirúrgicas, bem como do centro cirúrgico.

Raramente se admitem, nesta unidade, pacientes de outros hospitais. Os pacientes

são graves com diagnósticos diversos, tais como: acidentes vasculares cerebrais,

deficiências pulmonares obstrutivas crônicas, insuficiências respiratórias,

transplantes renais, hepáticos e pulmonares, entre outros. A unidade conta com

vinte médicos: um chefe, seis “rotinas”7, dois professores, dez plantonistas e um

residente. Em relação aos enfermeiros, existem, nessa unidade, vinte e sete

profissionais: um chefe geral, um “rotina” dos leitos clínicos, um “rotina” dos leitos

cirúrgicos e vinte e quatro plantonistas. Também há, nesse espaço, uma assistente

social e alguns fisioterapeutas.

Quanto ao espaço físico, pode-se dizer que as salas das chefias médica e de

enfermagem são individuais, porém próximas uma das outras. Logo na entrada da

UTI Geral, na sala de espera, além de banheiros para os familiares visitantes, há

7 “Rotina” corresponde ao nome dado a médicos e enfermeiras responsáveis pela supervisão médica

e de enfermagem, respectivamente, e pela uniformização das condutas dentro das unidades. Por estarem todos os dias nas respectivas unidades, estabelecem maior controle sobre as informações do quadro clínico e a evolução no t ratamento dos pacientes, sendo responsáveis em definir e

direcionar tratamentos.

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uma televisão, constantemente ligada, com cadeiras. Existe, também, a solicitação

para os visitantes manterem seus aparelhos celulares desligados quando entrarem

no setor e o aviso de que não é permitida a entrada de alimentos e/ou bebidas para

os pacientes. Há orientações, também, dadas pela equipe de enfermagem aos

familiares em relação aos materiais de higiene pessoal necessários aos pacientes,

durante o período de sua internação. Na UTI Geral, também há um espaço para

reuniões multidisciplinares que conta com computadores e acesso à internet,

impressoras, impressos próprios utilizados pelo serviço, quadros com as

informações sobre os pacientes, tais como: nome, data de internação, idade,

patologia clínica, diagnóstico e tratamento realizado.

Nesse setor, as discussões acerca do estado de saúde dos pacientes

ocorrem pela manhã, com a participação facultativa do enfermeiro, após o exame e

o relato escrito do estado de saúde daqueles pelos médicos e médicos residentes

responsáveis pelos casos naquele dia. Participam da reunião a assistente social, os

fisioterapeutas e seus estagiários, os médicos (plantonista e rotina), o residente de

medicina da UTI e os residentes de outras clínicas como, por exemplo: da clínica

médica, anestesiologia e obstetrícia, que estejam cumprindo carga horária nesse

setor por motivos curriculares. Todos os profissionais e estudantes se reunem em

torno de uma mesa, em uma sala, nem sempre com portas fechadas. Nesse

momento, são discutidos os estado de saúde de cada paciente, de forma

supervisionada pelos médicos da UTI Geral. Medicamentos, prescrições médicas,

exames e condutas terapêuticas são analisados conjuntamente. Durante a reunião,

os profissionais são interrompidos de acordo com a necessidade da equipe de

enfermagem, dos pacientes e de outros serviços como, por exemplo, o serviço de

controle de infecção hospitalar. Em outras ocasiões, surgem interrupções que, em

geral, não se referem ao assunto em questão, tais como política e lazer. Alimentos e

bebidas estão presentes nessas reuniões. O clima é de descontração, amizade e

ensino. Minha presença não foi estranha e aparentemente não incomodou o grupo.

Os residentes e médicos responsáveis relatam, de forma detalhada ou não, cada

caso, conforme julguem necessário. As opiniões são expostas, mas o parecer final

da conduta é do médico da rotina. O tempo de duração desses encontros é variado,

dependendo dos casos relatados e das interrupções ocorridas. Com o passar das

horas, os casos finais têm seus relatos realizados de forma mais rápida e sucinta,

tendo em vista as outras atividades dos profissionais durante o dia como, por

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exemplo, a ida dos residentes de outras clínicas para o ambulatório no período da

tarde. Os profissionais da UTI Geral permanecem no setor exercendo outras ações

pertinentes ao serviço. Se o término da reunião não ocorre, os profissionais que

precisam se ausentar assim o fazem após relatarem os casos pelos quais ficaram

responsáveis. Dessa forma, a ordem de discussão de cada caso nem sempre é

seguida, devido à complexidade de cada caso, às outras atribuições dos

profissionais envolvidos e à disponibilidade de tempo desses.

Semanalmente, na UTI Geral, após a reunião multidisciplinar, acontece uma

reunião dos profissionais do serviço com os familiares dos pacientes internados.

Participam da reunião a assistente social, o médico da rotina e o residente de

medicina da UTI Geral. Também podem participar outros profissionais do serviço

como enfermeiros, mas que, na maioria das vezes, não estão presentes, devido à

demanda de serviço, segundo os mesmos. A assistente social sempre sinaliza para

a importância dessa reunião, valorizando a presença de algum médico da UTI Geral,

nem sempre disponível para estar presente. Observa-se em alguns momentos que,

apesar de há poucos minutos atrás terem discutido cada caso, os profissionais, em

especial os médicos, parecem não confortáveis em atender às demandas das

famílias ali presentes.

Em outra sala dentro da UTI Geral, todos os presentes na reunião com os

familiares sentam-se em círculo, orientados, assim, pela assistente social. Os

profissionais de saúde permanecem de jaleco branco e sentados próximos uns aos

outros. Os familiares de níveis sociais diversos, por sua vez, também ficam próximos

uns dos outros, demonstrando uma clara divisão entre os dois grupos. A reunião

começa com uma apresentação de cada membro. Primeiro os familiares, depois os

profissionais fechando o círculo. Essa apresentação consta do nome do membro do

grupo e do interesse e objetivo em estar participando da reunião. Após essa

apresentação, cada familiar relata sua dúvida ou questionamento, que é respondida

pelos profissionais. Em uma das reuniões, uma familiar iniciou o seu relato: “Eu

tenho dúvidas e medos”, mostrando-se bastante angustiada. Era nítida a

complementação de informações, dada aos familiares, pelos profissionais. E

também era surpreendente o conhecimento e detalhamento de informações que

alguns familiares tinham por se reportarem a outros meios, como a internet, para

saber mais sobre a doença que acomete seu familiar e o que é necessário fazer

para tratá-lo. Alguns familiares se apresentavam bem mobilizados pelo estado de

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saúde do paciente; outros não. Alguns mais questionadores; outros menos. Os

questionamentos eram feitos em relação aos tratamentos, resultados e realização de

exames, prognóstico e tempo de permanência do paciente na UTI e o não

funcionamento de alguns aparelhos, tais como ar condicionado e tecnologias

necessárias ao diagnóstico e ao conforto dos pacientes.

Todos os familiares se mostravam muito satisfeitos com a assistência médica

e de enfermagem nesse contexto, inclusive, fazendo comparações com ouros

setores do hospital. Apesar de acharem qualificado o atendimento, em alguns

momentos, as opiniões dos familiares divergiam quanto à permanência do paciente

na UTI. Um familiar disse: “Quando minha esposa vai sair daqui?”. No seu ponto de

vista, a saída da UTI, significa melhora. Já outra familiar, cujo esposo tinha indicação

de sair da UTI, disse: “Minha família e eu achamos que ele deve ficar aqui

recebendo os cuidados necessários. Na enfermaria não há todo esse cuidado.”

Ressalta-se que a opinião dos médicos era contrária a dos dois familiares, e que os

mesmos divergiam em suas opiniões quanto à permanência do paciente na UTI

Geral. Sem dúvida, essa reunião representa um momento de interação entre os

profissionais de saúde e os familiares dos pacientes, com trocas de experiências.

A UTI Pós-operatória de Cirurgia Cardíaca e a Unidade Coronariana fazem

parte da Unidade Cardiointensiva do hospital universitário e estão localizadas no

oitavo andar. A UTI Pós-operatória de Cirurgia Cardíaca é composta de quatro

leitos, sendo todos ativos. E a Unidade Coronariana é composta de nove leitos,

sendo oito ativos. Não trabalhar com a capacidade máxima de leitos se deve à

conjuntura política e financeira da universidade, que reflete a falta de recursos

humanos e materiais para o atendimento ao paciente cardiopata, com risco de vida.

Essas unidades estão situadas em um único e amplo espaço físico amplo. Nesse

local estão, também, as salas das chefias médica e de enfermagem, recepção e sala

de reuniões. As unidades funcionam com diferentes equipes em sistema de plantão

e rotina. No entanto, nas salas das chefias é possível perceber a interação de

médicos e enfermeiros dos dois setores. Além de dividirem o mesmo espaço físico

nas salas das chefias, é possível observar fotos de interações sociais entre o grupo

de médicos e enfermeiros dentro e fora do contexto hospitalar. Vestiário, espaço

para o descanso de enfermeiros e médicos, copa, sala de espera para visitantes são

compartilhadas pelos dois setores. Não há, nessas unidades, a presença da

assistente social de forma permanente. Existe, nesse espaço, tanto informações de

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reuniões científicas, como reuniões regulares de grupos religiosos abertas aos

pacientes, familiares e profissionais. Essas reuniões acontecem no nono andar, de

segunda à sexta-feira, em horários programados, de acordo com cada religião. Um

maior número de horas é oferecido pela religião católica, seguido da evangélica e do

kardecismo.

A UTI Pós-operatória de Cirurgia Cardíaca conta com onze médicos: um

chefe, um rotina e nove plantonistas. Também conta com oito enfermeiras, sendo

uma chefe e sete plantonistas. Os pacientes apresentam faixa etária variada, sendo

todos adultos e/ou idosos, em pós-operatório de cirurgia cardíaca, seja transplante

cardíaco, revascularização do miocárdio, trocas e correções de válvulas cardíacas.

Portanto, os pacientes procedem, em geral, do centro cirúrgico. Não ocorre nesse

espaço a reunião multidisciplinar, muito valorizada pelos enfermeiros atuantes no

serviço. Segundo os mesmos, como o serviço não conta com residentes e sim com

um médico rotina e um plantonista, esses conversam entre si sobre o estado de

saúde dos pacientes e, quando surge alguma dúvida, recorrem à equipe de

enfermagem, de modo informal, sempre que necessário. Nesse setor também não

há reuniões com os familiares.

A Unidade Coronariana é composta por vinte e dois médicos: um chefe, um

rotina, doze plantonistas e oito residentes. Essa unidade também conta com doze

enfermeiros, sendo uma chefe, uma “rotina” e dez plantonistas. Os pacientes são

adultos e/ou idosos com diagnóstico de insuficiência cardíaca, pré-operatório de

cirurgia cardíaca, arritmias, pós-angioplastia e cateterismo cardíaco. Estes pacientes

procedem de outras unidades do hospital, como enfermarias, emergência e o setor

de hemodinâmica.

Nesse espaço, há a reunião multidisciplinar com a discussão dos casos dos

pacientes, inclusive com a presença da equipe de enfermagem. As reuniões

ocorrem pela manhã, após as atividades de rotina. Os médicos e os médicos

residentes se organizam para dar início à mesma, e, em geral, chamam os

enfermeiros. Os casos são relatados e discutidos individualmente pelos médicos e

médicos residentes. Os enfermeiros pouco opinam. Somente quando são indagados

sobre alguma situação, na qual os médicos não têm domínio, tais como contato com

a família ou algo relacionado aos hábitos dos pacientes, como alimentação,

eliminações e sono. Em muitos momentos, os enfermeiros não participam

efetivamente; segundo eles mesmos, devido aos afazeres do período da manhã. Os

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casos são discutidos detalhadamente pelos médicos e a opinião dos residentes é

respeitada. São valorizados aspectos sociais dos pacientes, tais como: emprego,

família e lazer. A definição da conduta a ser tomada é negociada por todos do grupo.

Pode-se dizer que todas as UTIs mencionadas possuem um amplo e bem

estruturado espaço físico, conforme preconizado para as UTIs no Brasil. Também

possuem recepção para controlar a entrada de pessoas e uma antessala para a

acomodação dos familiares que vão visitar os pacientes e receber informações dos

médicos acerca do estado de saúde dos mesmos. Além disso, nos três cenários

supracitados também se encontram, em menor número, médicos e enfermeiros

terceirizados, cuja posição profissional é sempre instável nessa instituição

hospitalar. Dessa forma, tensões podem percorrer as relações entre os servidores,

estimuladas por diferenças salariais, regime de trabalho e planos de carreira.

Circulam, também, nas diferentes unidades, profissionais das seguintes

categorias: fisioterapia, nutrição, psicologia, apoio (secretárias, recepcionistas e

pessoal de limpeza) e profissionais externos à unidade, como médicos assistentes

e/ou os profissionais que vêm responder a pedidos de pareceres.

4.2 Perfil dos profissionais investigados

Identificamos quarenta e sete enfermeiros, quarenta e quatro médicos e nove

médicos residentes que atuavam regularmente nas unidades de terapia intensiva do

hospital universitário. Desse total, foi possível entrevistar trinta e cinco enfermeiros,

vinte e sete médicos e oito médicos residentes, os quais preenchiam os critérios de

inclusão no estudo, totalizando setenta sujeitos investigados. O perfil dos

profissionais entrevistados está apresentado na Tabela 1.

Tabela 1: Perfil dos profissionais investigados.

Perfil dos sujeitos Residentes de medicina

Médicos Enfermeiros

Setor de trabalho

UTI GERAL 01 09 19 UTI PO ------ 08 06

UC 07 10 10 Turno de trabalho

Diurno 08 19 22

Noturno ------ 08 13

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Idade

< 25 anos ------ ------ 02

26 - 35 anos 08 05 17 36 - 45 anos ------ 13 08

46 - 55 anos ------ 08 08 56 - 65 anos ----- ----- ------

> 65 anos ----- 01 ----- Sexo Feminino 04 09 32

Masculino 04 18 03

Estado civil

Solteiro 06 07 12

Casado 02 20 21 Divorciado ----- ------ 01

Outros ------ ------ 01 Tem filhos Sim ------ 15 21

Não 08 12 14

Tempo de formado

< 1ano ---- ---- 02

1 – 5 anos 08 ---- 04

6 – 10 anos ---- 06 10 11 – 15 anos ---- 07 09

16 – 20 anos ---- 04 02 21 – 25 anos ---- 05 05

> 25 anos ---- 05 03

Tempo de atuação no setor

de trabalho

< 1ano 05 02 06

1 – 5 anos 03 04 10

6 – 10 anos ----- 07 11 11 – 15 anos ----- 07 04

16 – 20 anos ----- 02 01 21 – 25 anos ----- 04 03

> 25 anos ----- 01 -----

Tempo de atuação na

terapia intensiva

< 1ano ----- ----- 06

1 – 5 anos 06 05 02 6 – 10 anos 02 04 12

11 – 15 anos ----- 06 05 16 – 20 anos ----- 04 04

21 – 25 anos ----- 04 04 > 25 anos ----- 04 02

Todos os médicos residentes (100%) e dezessete enfermeiros (49%) eram

adultos jovens no momento da pesquisa, encontrando-se na faixa etária entre vinte e

seis a trinta e cinco anos. Já a maioria dos médicos intensivistas (48%) estava na

faixa etária ente trinta e seis a quarenta e cinco anos.

Pode-se observar a predominância do sexo masculino entre os médicos

(67%) e do sexo feminino entre os enfermeiros investigados (91%). Em relação aos

médicos residentes, o grupo teve proporções igualitárias, ou seja, quatro homens e

quatro mulheres.

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71

Em relação ao estado civil, seis médicos residentes (75%) estavam solteiros,

enquanto vinte médicos (74%) e vinte e um enfermeiros (60%) estavam casados.

Nenhum residente de medicina tinha filhos até o momento da pesquisa, ao contrário

de quinze médicos (56%) e de vinte e um enfermeiros (60%).

Quanto ao tempo de formação, treze médicos (48%) e dezenove enfermeiros

(55%) investigados tinham de seis a quinze anos de formados, enquanto todos os

médicos residentes eram recém-formados, como o esperado. Quanto ao tempo de

atuação nos setores investigados, cinco médicos residentes (63%) atuavam de um a

cinco anos, enquanto quatorze médicos (52%) de seis a quinze anos e onze

enfermeiros (31%) de seis a onze anos, mostrando grande experiência nos setores.

Em relação ao tempo de atuação em UTI, seis médicos residentes (75%)

atuavam de um a cinco anos, levando-se em consideração períodos relacionados a

estágios. Seis médicos (22%) atuavam de onze a quinze anos e doze enfermeiros

(35%) de seis a dez anos.

Tabela 2: Distribuição dos profissionais investigados em relação à titulação.

Titulação/ Instituição Médicos residentes

Médicos Enfermeiros

Titulação

Somente graduação

------ ------ 03

Residência completa

08 31 07

Especialização completa

01 15 29

Especialização em andamento

------ ------ 01

Mestrado ------ 14 05

Mestrado em andamento

------ 04 02

Doutorado ------ 04 ------ Doutorado em

andamento ------ 01 ------

Pós-doutorado ------ 01 ------

Graduação

UFRJ 05 15 20

UERJ 02 ------ 06

UFF 01 02 01 UNIRIO ------ 02 ------

Universidade Souza Marques

------ 02 01

UNIGRANRIO ------ 01 02

UGF 01 01 Universidade de

Petrópolis ------ 02 ------

UFMG ------ 01 ------

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72

UF do Paraná ------ 01 ------

UNISUAM ------ ------ 02 Universidade

Bezerra de Araújo ------ ------ 01

Universidade Celso Lisboa

------ ------ 01

Residência

UFRJ 05 14 ------ UERJ 01 04 01

UFF ------ 01 ------

UNIRIO ------ ------ 04 Hospital da Força Aérea do Galeão

01 ------ ------

Hospital Central da Polícia Militar

01 ------ ------

Hospital do Andaraí

------ 01 ------

Hospital de Ipanema

------ 01 ------

Hospital da Lagoa ------ 01 ------ Hospital dos Servidores do Estado

------

01

------

Hospital Estadual Carlos Chagas

------

01 ------

Hospital Pró-Cardíaco

------ 01 ------

Instituto Estadual de Cardiologia/RJ

------

01 ------

Instituto Nacional de Cardiologia de

Laranjeiras

------ 01

------

Instituto do Coração/SP

------ 01 ------

Santa Casa de Misericórdia

------ 03 ------

INCA ------ ------ 02 Especialização

UFRJ ------ 02 12

UERJ ------ ------ 07 UFF ------ ------ 03

UNIRIO ------ 01 01 UGF 01 ------ 01

Hospital dos Servidores do Estado

------ 01 ------

Hospital Estadual Carlos Chagas

------ 01 ------

Instituto Nacional de Cardiologia de

Laranjeiras

------ 02 ------

Santa Casa de Misericórdia

------ 01 ------

Sociedade Brasileira de

Terapia Intensiva

------

02

------

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73

Especialização

UF de Santa Maria/RS

------ ------ 01

Fiocruz ------ ------ 02

UNISUAM ------ ------ 02

Universidade Celso Lisboa

------ ------ 02

Universidade Cândido Mendes

------ ------ 02

Faculdades São Camilo

------ ------ 02

Universidade Souza Marques

------ ------ 01

Unigranrio ------ ------ 01

Instituto Brasileiro de Medicina de

Reabilitação

------ ------ 01

Associação Brasileira de

Acunputura do RJ

------ ------ 01

Sociedade Brasileira de

Enfermagem em Dermatologia (SOBENDE)

------

------

01

Mestrado

UFRJ ------ 13 ------

UERJ ------ ----- 01 UFF ------ 01 02

UNIRIO ------ ------ 03 Mestrado em andamento

UFRJ ------ 04 ------

Universidade Plínio Leite

------ ----- 01

Doutorado UFRJ ------ 04 ------

Doutorado em andamento

ENSP/FIOCRUZ ------ 01 ------

Pós-doutorado

Universidade de Massachusetts/

EUA

------

01

------

A qualificação profissional dos entrevistados é perceptível e relaciona-se com

a instituição onde foi realizada a pesquisa, que mantém cursos de pós-graduação

lato e stricto sensu (Tabela 2).

Cruzando os dados da Tabela 2 com os da Tabela 3, podemos observar que

todos os médicos residentes fizeram residência em clínica médica anteriormente,

como o esperado, já que esta especialidade é pré-requisito para outras áreas de

conhecimentos, tais como terapia intensiva e cardiologia. Quatorze médicos (52%)

eram mestres, principalmente nas áreas de cardiologia (58%) e clínica médica

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(29%). Quatro médicos possuíam doutorado (15%) e um médico pós-doutorado

(04%), principalmente na área de cardiologia.

Em relação aos enfermeiros, vinte e nove destes (83%) eram especialistas,

buscando aprimoramento do conhecimento, principalmente na área de terapia

intensiva (46%). Seis enfermeiros (17%) possuíam mestrado e nenhum enfermeiro

investigado possuía o título de doutor no momento das entrevistas.

Tabela 3: Distribuição dos profissionais investigados em relação à área de conhecimento de sua formação.

Titulação/Área de conhecimento

Médicos residentes

Médicos Enfermeiros

Residência

Clínica médica 08 13 ------

Terapia intensiva ------ 02 01

Cardiologia ------ 11 ------

Nefrologia ------ 01 ------

Médico-cirúrgica ------ ------ 03

Oncologia ------ ------ 02

Centro cirúrgico e CME

------ ------ 01

Cirurgia vascular ------ 01 ------

Anestesiologia ------ 01 ------

Pneumologia ------ 01 ------

Especialização

Terapia intensiva ------ 05 16

Cardiologia ------ 05 04

Clínica médica ------ 04 ------

Medicina do esporte ------ 01 ------

Saúde do trabalhador ------ ------ 04

Médico-cirúrgica ------ ------ 03

Docência do Ensino

Superior ------ ------ 03

Obstetrícia ------ ------ 02

Pediatria ------ ------ 01

Acunputura ------ ------ 01

Dermatologia ------ ------ 01

Home care ------ ------ 01

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Neonatologia ------ ------ 01

DST ------ ------ 01

Anatomia ------ ------ 01

Saúde da Família ------ ------ 01

Gestão hospitalar ------ ------ 01

Saúde Pública ------ ------ 01

Mestrado

Cardiologia ------ 08 ------

Clínica médica ------ 04 ------

Terapia intensiva ------ 01 ------

Biofísica ------ 01 ------

Médico-cirúrgica ------ ------ 02

Saúde do trabalhador ------ ------ 01

Neonatologia ------ ------ 01

Patologia ------ ------ 01

Mestrado em andamento

Cardiologia ------ 03 ------

Terapia Intensiva ------ 01 ------

Educação ------ ------ 01

Médico-cirúrgica ------ ------ 01

Doutorado

Cardiologia ------ 03 ------

Clínica Médica ------ 01 ------

Biofísica ------ 01 ------

Doutorado em andamento

Bioética ------ 01 ------

Pós-doutorado Cardiologia ------ 01 ------

4.3 Aspectos religiosos dos profissionais investigados

Com relação aos aspectos religiosos, demonstrados na Tabela 4, sete

médicos residentes (88%), dezenove médicos (70%) e trinta e quatro enfermeiros

(97%) creem em Deus, no contexto ou não de uma religião. Um residente de

medicina (12%), oito médicos (30%) e um enfermeiro (03%) declaram não crer em

Deus. Tendo em vista os dados do IBGE (2000), os quais revelaram que cerca de

93% da população brasileira declara crer em Deus (no contexto ou não de uma

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religião), pode-se dizer que, no grupo investigado, os médicos residentes e médicos

são menos religiosos que a população brasileira, ao contrário dos enfermeiros.

O perfil das crenças religiosas demonstrou a predominância das religiões

cristãs entre os sujeitos pesquisados. A maioria dos médicos religiosos é católica

(88%), enquanto grande parte dos enfermeiros (44%) é evangélica. Pode-se dizer

que os médicos residentes religiosos se dividem, basicamente, em católicos (33%) e

evangélicos (33%)

Quinze médicos religiosos (88%) não frequentam sua religião regularmente,

ao contrário da maioria dos enfermeiros (76%) e dos médicos residentes (66%), que

participam de atividades religiosas com determinada frequência.

Tabela 4: Distribuição dos profissionais investigados em relação aos aspectos religiosos.

Aspectos religiosos Médicos residentes

Médicos Enfermeiros

Crença em Deus e tem religião 06 17 34 Crença em Deus e não tem

religião 01 02 ----

Não crê em Deus 01 08 01

Religiões declaradas

Católica 02 15 03

Evangélica 02 ---- 15

Judaísmo 01 ---- ----

Kardecismo 01 02 10

Umbanda

----- ---- 01

Frequência sua religião

Sim 04 02 22

Não 02 15 12

4.4 Representações sociais da morte humana: os discursos do sujeito coletivo

(DSC)

A seguir, são apresentadas as ideias centrais mencionadas e relacionadas a

cada pergunta que fez parte deste estudo. Na primeira coluna está citada cada ideia

central. Ao lado, encontra-se o número absoluto (N) de sujeitos que apresentaram

expressões chave dessas ideias centrais e, logo após, está a porcentagem

aproximada em relação ao conjunto de todos os sujeitos investigados.

A partir da análise das respostas à pergunta: “Morte e morte na UTI: o que

isso significa para você?”, foram identificadas as expressões chave e

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estabelecidas seis ideias centrais comuns aos três grupos (médicos, enfermeiros e

médicos residentes). São elas: “A morte é um processo natural”; “A morte é

diferente, dependendo do tipo de paciente”; “A morte é triste e frustrante para

os profissionais de saúde”; “A morte causa sofrimento para as famílias”; “A

morte é a passagem da vida material para a vida espiritual” e “A morte é difícil

de explicar” (Tabela 5).

Tabela 5: Ideias centrais dos profissionais investigados em relação à morte.

Ideias centrais

Médicos residentes

Médicos Enfermeiros

N % N % N %

1 – A morte é um processo natural 07 88 21 77 25 71 2 – A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente

07 88 15 56 10 29

3 – A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde

06 75 10 37 21 60

4 – A morte causa sofrimento para as famílias

06 75 07 26 16 46

5 – A morte é a passagem da vida material para a vida espiritual

04 50 09 33 20 57

6 – A morte é difícil de explicar 03 38 08 30 05 14

Abaixo, são apresentados os discursos do sujeito coletivo de cada ideia

central, construídos no processo de análise metodológica para a questão da morte e

morte na UTI (Quadro 1).

Quadro 1: Discursos do Sujeito Coletivo dos profissionais investigados em relação à morte.

DSC 1 – A morte é um processo natural

Médicos residentes

É um processo natural, final de vida, término de um ciclo. Algo que a gente sabe que vai acontecer. Faz parte da vida, não tem como evitar. É inevitável e esperada para todo mundo.

Médicos

É o fim, cessação, um evento terminal. Um processo natural de todo ser vivo. Uma hora vai ter que acontecer. Não há mais nada o que fazer. Eu aceito. Faz parte da vida, da jornada da gente. A gente nasce, cresce e morre. As pessoas vão morrer e ponto final. Muitas vezes, na UTI, a gente já encara como morte antes disso ocorrer. Um fato que a gente convive diariamente. É mais simples. Estou vendo e vivendo dia a dia. Na terapia intensiva, a morte é cotidiana, mais presente, freqüente, previsível e completamente comum. Faz parte do dia a dia, já estamos esperando. A gente sabe que o paciente está muito grave, então, a morte já é um pouco anunciada. Não choca tanto a gente, é diferente. Você vai ficando mais experiente com isso. Raríssimas vezes me deixo abalar. Para mim, a morte é uma evolução natural de uma doença que já vinha há muito

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tempo. Não tenho nenhum problema. Tenho isso muito bem resolvido. Todos nós vamos morrer. Todo mundo morre. Então, quem está na UTI, eventualmente, também vai morrer. A gente faz tudo o que poderia ser feito, então eu aceito a morte com mais naturalidade.

Enfermeiros

Na UTI é mais esperada do que em outros setores do hospital pela gravidade do paciente. Faz parte do cotidiano, da nossa rotina. A gente espera. Raramente não tem uma parada programada. É uma coisa muito presente. É a ausência, fim da vida, final de tudo. Uma coisa natural, uma fase da vida como o nascer. Encerra um ciclo. Esse momento vai ter que acontecer de qualquer jeito. Faz parte da existência. Tem o início, o meio e o fim. Ela não me choca. Eu lido bem, naturalmente, sem problema algum. A gente está sempre em contato com pacientes muito graves, em fase terminal que eu vejo com certa naturalidade. É uma coisa que a gente vê todo dia, há anos e relaciona-se com uma complicação biológica do ser humano, gerando toda uma falência quando se chega ao limite máximo da vida e acabam as chances. Esgotam-se as possibilidades de vida de um corpo. Parte fisiológica falida, falência de múltiplos órgãos, não tem mais condição de vida. É não ter mais o pulsar, o respirar, o bater do coração e nem o cérebro a funcionar. O corpo não responde mais. Parou. Cientificamente cessou a vida do corpo.

DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente

Médicos residentes

Depende de vários fatores. Se a doença é aguda ou crônica. Uma morte é prevista quando o paciente já está adoentado. Acaba sendo o estágio evolutivo de uma doença onde você esperava esse desfecho. A outra é a morte não esperada, uma coisa súbita, de repente: uma pessoa jovem que não tinha nenhuma doença e morre.

Médicos

Tem morte e morte. Cada caso é um caso. Vai depender da relação que irá se estabelecer entre o médico e o paciente, do estado de saúde do paciente e do momento que essa morte situa no indivíduo, seja ele paciente ou não. Tem dois aspectos diferentes: o doente agudo e o doente crônico. Os casos mais agudos me mobilizam mais: aqueles pacientes politraumatizados ou em pós-operatório de uma cirurgia de urgência ou que estão iniciando o curso da internação dele de um tratamento de uma doença naquele momento. Mas tem muitos que vem já de várias internações prévias e de doenças que já se alongam por muito tempo. São pessoas com disfunções crônicas múltiplas. Se sobreviverem vão ficar completamente sequelados. Com a doença grave, que a gente está fazendo tudo o que poderia ser feito, eu aceito a morte com mais naturalidade. Há alguns doentes que você considera o óbito como uma evolução, que você já previa: um doente mais idoso, terminal. Você consegue aceitar a morte quando ela vem associada a uma doença muito grave, incurável, intratável ou que está deixando uma sequela muito séria que comprometa a qualidade de vida. Nossa clientela é de pacientes mais idosos, com doenças mais graves, onde a morte é uma coisa mais aceita, mais esperada. Então, ela fica mais natural. Eu lido com mais facilidade. Se a doença é grave, mas está sendo tratada, é mais fácil da gente aceitar. Alguns pacientes que não têm possibilidades de cura. São doenças mais avançadas ou com terapêuticas nem sempre ideais a esse tipo de paciente. A gente tem que dar um tipo de suporte e mais conforto do que medidas maiores. O problema mais angustiante da morte é quando a gente tem a sensação, a percepção de que ela está acontecendo fora do

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prazo previsto. Existe uma dificuldade em aceitar a morte de pessoas mais jovens. Tem mortes na UTI que ocorrem em pacientes que vinham melhorando, pacientes muito jovens, acidentados de moto, baleados e aí chocante mesmo. Normalmente são jovens com doenças muito agudas. Eu sempre tive a preocupação da morte nos jovens. É diferente a morte de um paciente idoso, cheio de comorbidades da morte de um rapaz jovem vítima de trauma. É sempre mais sofrido, ver uma morte em pacientes mais jovens. Com o paciente de 70, 80 anos de idade, eu acho que o indivíduo já fez alguma coisa. O sentimento em relação a uma idade mais baixa é um pouquinho maior. Acho que é a coisa mais difícil que eu tenho que lidar. Por exemplo, uma menina de 17 anos que conversou comigo de manhã, piorou de tarde e morreu de noite. Me deu uma dor danada. Paciente que tinha toda uma vida para frente, dependendo do tipo da doença te mobiliza mais do que a de um paciente idoso com mais comorbidades. O contato com a morte de forma mais inesperada choca mais. Quando ela é súbita, pega o indivíduo de surpresa, diferente de quando é esperada. Quanto mais súbita, pior para a família e para nós, médicos. É sempre mais traumática. A morte em pessoas que eu tenho uma relação afetiva maior, para mim, é mais significativa. É bem separado na minha cabeça, morte de pacientes e morte de familiares. Se há ligação afetiva, é pior. A morte mais rápida, a morte que você não consegue diagnosticar é muito dura, porque não dá tempo. Tem gente que morre e você não descobre porque morreu. Mas tem doentes que você lida com mais naturalidade porque você já sabe qual é a doença e já está em processo de morte. Aqui a gente tem um certo domínio, a gente pega paciente que não foge o nosso padrão. É aquele paciente mais idoso, que já viveu, já amou, já casou, já teve filhos, já sofreu. Você tem aquela sensação de que aquela pessoa já passou pelo que ela tinha que passar. Na terapia intensiva de adulto é mais fácil, pois não admite pessoas novinhas. Pode ser até que a gente admita alguns mais jovens, mas a maioria dos pacientes é mais idosa. Isso facilita um pouco para mim. Na verdade, às vezes, a gente vê pacientes que já estão em processo de morte interna. A gente vê isso na UTI.

Enfermeiros

Cada caso é um caso. Depende do paciente e do momento. Uma coisa é a morte repentina, inesperada o que na UTI não acontece muito. Essas me chocam mais. Eu vejo de forma agressiva. Na UTI, o paciente já está com sinais e sintomas que sinalizam para uma complicação, para um prognóstico mais sombrio. O paciente está muito grave e, muitas vezes, você já espera a morte. Tem um risco maior. Frequentemente é um paciente idoso, todo complicado. Às vezes, está numa condição tão ruim, com sofrimento tão grande, que a morte é um alívio para amenizar aquela dor. Vai do envolvimento que você tem com a pessoa. Quando a gente tem envolvimento com o paciente, a gente sente mais. Acho mais difícil quando é jovem.

DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde

Médicos

residentes É ruim, me afeta. Me sinto desafiado e derrotado: “O que eu fiz de errado?” Começo a me questionar. Me cobro. Não me sinto confortável.

Na UTI, a morte mobiliza as pessoas. Significa perda, sofrimento. Sentimentos ruins no nosso dia a dia. É uma coisa triste. Mexe com a equipe, não só com o médico, mas com toda equipe. A equipe fica mais

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Médicos

frustrada, mais sofrida. Lidar com isso é complicado, difícil, balança qualquer um. Quando um paciente que está internado aqui vem a falecer eu choro, é quase um reflexo. Não tem como você não acabar limpando lágrimas aqui. Por mais que você esteja acostumado a esse dia a dia, a morte sempre mexe com você um pouco. Uma sensação de fracasso, de frustração em não poder e não conseguir ajudar o paciente. De não alcançar o nosso objetivo: recuperar a saúde e manter a vida do paciente. A gente não consegue salvá-lo, melhorá-lo, fazer a terapêutica correta para ter alta, ir para enfermaria e seguir a sua vida. Você sempre fica achando que tem alguma culpa, que tem alguma coisa que poderia ter feito. “Será que eu errei em alguma coisa? Será que eu falhei nisso ou naquilo? Fiz tudo que estava ao seu alcance? Era isso mesmo? Era esse o caminho? Será que se a gente tivesse tomado outro caminho teria mudado o prognóstico? Ou eu, os médicos da rotina, os enfermeiros, poderíamos ter mudado algo? Será que se a gente tivesse trocado o antibiótico, feito a tomografia? Será que valia à pena? Onde foi que eu errei? Será que havia mais alguma coisa que eu poderia ter feito para evitar a morte? Será que o meu trabalho foi suficiente? Será que eu esqueci de alguma coisa?” Acho dramático lidar com essa finitude tão tênue. É um paradoxo você conviver com dez a quinze pacientes sob sua responsabilidade e fazer disso uma rotina e tentar ficar tranqüilo no plantão, sabendo que isso pode acontecer. Continuo lamentando. Deveríamos ter um apoio da psicologia, da psiquiatria ou terapia para poder encarar melhor a morte. Eu não tenho formação suficiente para lidar com essa questão da perda. Esses profissionais poderiam estar atuando junto conosco. Seriam muito bem vindos. Sinto que isso é necessário para trabalhar a aceitação da morte.

Enfermeiros

É um momento muito desagradável, doloroso, difícil para a equipe. A gente fica abalado, triste, chateado, sentida, com sentimento de culpa. Não queremos que a pessoa morra. É muito ruim, frustrante, complicado, pesado. Eu sofro e choro. “Poderia ter feito algo a mais por aquele paciente?” Não tem mais o que fazer, além de se conformar. Uma decepção de você ter tentado e não conseguir chegar num objetivo.

DSC 4 – A morte causa sofrimento para as famílias

Médicos

residentes É muito triste para os familiares. Fica um vazio pela perda de uma pessoa.

Médicos

Continua sendo difícil dar apoio à família. Fico pensando na tristeza dos familiares. De como a pessoa é percebida e da ausência que essa pessoa vai causar para a família. Até por experiências que eu passei, pela tristeza que eu senti. Quando o meu avô morreu foi doído. Hoje eu tenho saudades. Até hoje eu sinto falta dele. Para os familiares, a morte traz sofrimento, nunca é esperada. Sempre é um choque. Para mim, a morte depende de como a família vai estar naquele momento. A parte mais difícil é conversar com a família e expor a situação. A família tem muita dificuldade de entender que a gente não tem mais o que dispor. Quando é uma família que está mais preparada, você tem uma facilidade maior em lidar com isso. Quando é uma família que não está preparada, é mais difícil você lidar.

Um momento muito desagradável para a equipe na hora que tem que lidar com o familiar. A gente conhece a família e cria um laço. Nos envolvemos

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Enfermeiros

emocionalmente com os seus sentimentos. A gente comenta: “Como a família vai receber essa morte?”. Muitas vezes, a família não aceita a morte e fica desestruturada. Ficam com muita tristeza, sofrem. É muito ruim para a família.

DSC 5 – A morte é a passagem da vida material para a vida espiritual

Médicos

residentes É uma passagem, uma transição.

Médicos

É uma passagem de uma vida para outra atividade, para outro lugar mais importante que esse, para outro plano. Desencarnação, fim da vida terrena. A pessoa deixa o corpo, mas o espírito continua vivo. A alma da gente evolui. A gente escreve aqui e vai usufruir dessa história em outro lugar que deve ser melhor do que aqui. Um cumprimento de metas nessa vida. Quando as metas não são cumpridas, as pessoas vêm reencarnar para cumprir.

Enfermeiros

É uma passagem para outra dimensão, outra vida, para o plano espiritual. Fim da vida material, terrena. Penso na morte como continuação de uma vida, um recomeço, início de outra vida. Um resgate das seqüelas passadas durante a vida na Terra. A pessoa vai passar por um tratamento. Acabou uma etapa aqui, mas tem a vida eterna. Uma vida que continua. Na verdade, morre aqui. Significa uma continuidade com Deus. Desencarno do corpo material para o espiritual. Descanso para a alma da pessoa.

DSC 6 - A morte é difícil de explicar

Médicos

residentes

A gente não entende muito o porquê. Não sei o que acontece. Deixa um vazio nas relações.

Médicos

É uma pergunta muito ampla, você me pegou de surpresa. Morte não é um tema genérico a meu ver. Definir morte? A definição de morte é difícil para mim. Não sei. Nunca parei para pensar sobre isso. Preciso pensar... Eu acredito que as pessoas, de um modo geral, ainda tenham muito pudor para tratar desse tema. Eu não tenho uma opinião formada a respeito. É uma questão muito delicada. Isso é algo que não fica muito claro.

Enfermeiros

Há divergências. Eu acho que cabe até um debate sobre isso. É difícil falar sobre morte, ninguém gosta. A gente até lida com a morte, mas falar o quê? Eu não sei o que falar.

4.1.1 Discussão dos DSCs do grupo dos médicos

Dois discursos tiveram maior adesão por parte dos médicos intensivistas: “A

morte é um processo natural” e “A morte é diferente, dependendo do tipo de

paciente”. Vivendo um cotidiano de pacientes graves, esses médicos constatam que

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a morte acontece e não está estritamente no seu controle. São tantas as mortes que

os esforços de assimilação são requeridos diante de tal realidade.

(...) Um fato que a gente convive diariamente. É mais simples. (...) Na terapia intensiva, a morte é cotidiana, mais presente, freqüente, previsível e completamente comum. Faz parte do dia a dia, já estamos esperando. A gente sabe que o paciente está muito grave, então, a morte já é um pouco anunciada. Não choca tanto a gente, é diferente (...) Você vai ficando mais experiente com isso. (...) (DSC 1 – A morte é um processo natural – Médicos) (...) Há alguns doentes que você considera o óbito como uma evolução, que você já previa: um doente mais idoso, terminal. Você consegue aceitar a morte quando ela vem associada a uma doença muito grave, incurável, intratável ou que está deixando uma sequela muito séria que comprometa a qualidade de vida. (...) É diferente a morte de um paciente idoso, cheio de comorbidades da morte de um rapaz jovem vítima de trauma. (...) (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente)

Ambos os discursos representam os esforços dos médicos intensivistas em

construírem sentidos para a morte, estimulados e exigidos diante de suas vivências

na UTI. Esses médicos se empenham em compreender a morte como algo natural,

baseando-se, sobretudo, nas particularidades dos pacientes internados na UTI.

Mesmo diante de tantas mortes, suas percepções ainda se distinguem: um é mais

jovem, outro bem velho; um não tem mais chance de vida com um mínimo de

qualidade, outro sofre muito.

Na tentativa de elaborar os sentidos para a terminalidade humana, os

médicos intensivistas constroem gradações para o sentido natural da morte. Dessa

maneira, a morte para esses médicos pode ser considerada “mais ou menos

natural”, expressões incorporadas no seu discurso chamando atenção para o

esforço exigido pela sua vivência na UTI.

(...) eu aceito a morte com mais naturalidade. (...) Então, ela fica mais natural. Eu lido com mais facilidade. (...) é mais fácil da gente aceitar. (...) você lida com mais naturalidade. (DSC 2- A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)

Diante dos limites da medicina frente à terminalidade humana nesse contexto,

a percepção da morte como algo natural é reforçada pelo sentido a ela atribuído

como o ápice de um processo fisiopatológico irreversível e inevitável no decurso de

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muitas doenças. No próprio documento formal que deve ser preenchido pelos

médicos quando ocorre a morte – atestato de óbito - observa-se entre os vários itens

de causa da morte, o item “falência múltipla dos órgãos”, direcionando o significado

da morte dado por esses médicos a uma morte biológica. Nessa direção, a morte

como evento biológico natural e necessário à manutenção da vida situa-se num

ciclo, na ordem da sucessão dos seres vivos.

É o fim, cessação, um evento terminal. (...) Uma hora vai ter que acontecer. Não há mais nada o que fazer. (...) Faz parte da vida, da jornada da gente. A gente nasce, cresce e morre. As pessoas vão morrer e ponto final. (...) (DSC 1 – A morte é um processo natural – Médicos)

A percepção da morte como um processo evolutivo permite, a partir de

comparações, a compreensão de categorias que tornam a morte mais aceitável.

Nesse sentido, a morte que se enquadra como finalização do percurso ou do ciclo

da vida é melhor assimilada por esses médicos. Assim, a morte de um idoso ou de

um paciente que esteja em estado terminal em razão do processo evolutivo de uma

doença grave, ou ainda daquele que cumpriu as expectativas sociais sobre a vida, é

mais aceita do que a morte que parece uma interrupção abrupta e/ou adiantada no

percurso da vida, de nascer, crescer e morrer.

Tem morte e morte (...) Tem mortes na UTI que ocorrem em pacientes que vinham melhorando, pacientes muito jovens, acidentados de moto, baleados e aí chocante mesmo. (...) Com o paciente de 70, 80 anos de idade, eu acho que o indivíduo já fez alguma coisa. (...) É aquele paciente mais idoso, que já viveu, já amou, já casou, já teve filhos, já sofreu. (...). (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)

Mais do que uma compreensão da vida como um processo amplo, composto

por estágios de evolução, o sentido da morte como algo natural aponta para a

realidade social dos médicos intensivistas. No contexto investigado, há uma relativa

uniformidade do perfil dos pacientes internados, sendo a maioria composta por

pacientes idosos, vindos de internações prévias, com quadros de gravidade da

doença, o que torna mais fácil a aceitação da morte como algo natural.

(...) Muitos já vem de várias internações prévias e de doenças que já se alongam por muito tempo. São pessoas com disfunções crônicas múltiplas. (...) Nossa clientela é de pacientes mais idosos, com

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doenças mais graves, onde a morte é uma coisa mais aceita, mais esperada. Então, ela fica mais natural. Eu lido com mais facilidade. (...) Alguns pacientes que não têm possibilidades de cura. (...) Aqui a gente tem um certo domínio, a gente pega paciente que não foge ao nosso padrão. (...) Na terapia intensiva de adulto é mais fácil, pois não admite pessoas novinhas. (...) Isso facilita um pouco para mim. (...) (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)

A morte de pacientes que fogem ao padrão daqueles mais frequentemente

internados na UTI gera nos médicos intensivistas uma maior dificuldade em lidar

com a morte. O menor contato desses médicos com pacientes mais jovens, com

menos comorbidades e/ou vítimas de traumas, resulta em estranhamento das

mortes ocorridas nestes casos. Essas situações, fora do padrão cotidiano dos

médicos intensivistas, confrontam diretamente a noção de finalização de um

percurso, reduzindo a possibilidade de compreensão da morte como algo natural.

(...) Os casos mais agudos me mobilizam mais: aqueles pacientes politraumatizados ou em pós-operatório de uma cirurgia de urgência ou que estão iniciando o curso da internação dele de um tratamento de uma doença naquele momento. (...) O problema mais angustiante da morte é quando a gente tem a sensação, a percepção de que ela está acontecendo fora do prazo previsto. (...) Paciente que tinha toda uma vida para frente, dependendo do tipo da doença te mobiliza mais do que a de um paciente idoso com mais comorbidades. (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)

Diante da percepção de morte como algo natural e do discurso de que a

morte é diferente dependendo do tipo de paciente, surge uma questão: se o perfil

dos pacientes internados na UTI compreende, mais comumente, os pacientes idosos

e se os médicos intensivistas percebem mais a morte como algo natural naquelas

ocorridas com esse tipo de paciente, por que esses médicos apresentam dificuldade

em lidar com a morte? Seria uma contradição?

Outro confronto à idéia da morte como algo natural, relacionado ao contexto

da UTI, envolve a previsibilidade da morte nesse ambiente. A visualização dos sinais

de morte pelos médicos intensivistas, facilitada pela constante monitorização dos

pacientes, permite a elaboração gradual dos sentidos dados à morte por esses

profissionais. Nos casos em que não é possível prever a morte, percebe-se uma

maior dificuldade dos médicos em aceitá-la como algo natural.

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(...) O contato com a morte de forma mais inesperada choca mais. Quando ela é súbita, pega o indivíduo de surpresa, diferente de quando é esperada. Quanto mais súbita, pior (...) É sempre mais traumática. (...) A morte mais rápida, a morte que você não consegue diagnosticar é muito dura, porque não dá tempo. Tem gente que morre e você não descobre porque morreu. (...) Tem doentes que você lida com mais naturalidade porque você já sabe qual é a doença e já está em processo de morte. (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)

Mais um aspecto que interfere na aceitação da morte como algo natural

envolve a relação afetiva dos médicos intensivistas com os pacientes. Atuando no

contexto da UTI, caracterizado por avançados recursos da biociência para a

manutenção da vida através de suporte a órgãos vitais, poderia se pensar que esses

médicos mostrar-se-iam distantes dos pacientes, numa relação de impessoalidade e

frieza, reduzindo os pacientes a órgãos ou funções. Entretanto, observa-se o

envolvimento da subjetividade dos médicos no trabalho na UTI, demonstrado pela

maior dificuldade em lidar com a morte de pacientes com os quais há uma relação

afetiva.

(...) Cada caso é um caso. Vai depender da relação que irá se estabelecer entre o médico e o paciente (...). A morte em pessoas que eu tenho uma relação afetiva maior, para mim, é mais significativa. (...) Se há ligação afetiva, é pior. (...) (DSC 2- A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)

O envolvimento da subjetividade dos médicos intensivistas não se restringe

apenas à relação afetiva destes com os pacientes, ampliando-se para a percepção

do sofrimento dos familiares e para experiência de se colocar no lugar do outro.

Compartilham com as famílias a dor da perda de um ente querido. Reconhecem que

as famílias apresentam menos recursos para compreenderem a morte como algo

natural, diferentemente deles que lidam diretamente com pacientes em situações de

morte e que podem prever a evolução de uma doença.

Continua sendo difícil dar apoio à família. Fico pensando na tristeza dos familiares. De como a pessoa é percebida e da ausência que essa pessoa vai causar para família. Até por experiências que eu passei, pela tristeza que eu senti. Quando o meu avô morreu foi doído. Hoje eu tenho saudades. Até hoje eu sinto falta dele. Para os familiares, a morte traz sofrimento, nunca é esperada. Sempre é um choque. (...) (DSC 4 – A morte causa sofrimento para as famílias – Médicos)

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Os médicos intensivistas demonstram empatia pelas famílias a partir de

experiências de perder entes queridos, olhando para essas e sentindo pelo seu

sofrimento. A morte, natural para eles, não é natural para as famílias que sofrem.

Expressam preocupações com as reações das famílias diante da morte dos

pacientes e reconhecem que tais reações interferem no modo como eles lidam com

a morte. São esses profissionais que comunicam à família e tratam dos aspectos

legais do óbito – atestado de óbito. Nesse momento, mesmo que difícil, é inevitável

a interação com as famílias, sendo complexo para esses médicos lhes oferecer

apoio. Esse discurso relaciona a aceitação da morte por parte dos médicos

intensivistas à aceitação de morte por parte das famílias. Os médicos intensivistas

realizam o atestado de óbito e reconhecem que a morte é natural. Essa perspectiva

provoca um “silêncio” relativo, dada a convivência que tem de ter com as famílias. O

discurso sobre o óbito “dele para ele” é possível em silêncio. Ele pode colocar-se

diante de suas dificuldades, mas é pressionado a produzir uma fala adequada ou

que “faça sentido” para os familiares. No entanto, os médicos intensivistas não

encontram espaços ou caminhos que promovam ou favoreçam uma elaboração

equilibrada desses complexos aspectos.

Para mim, a morte depende de como a família vai estar naquele momento. A parte mais difícil é conversar com a família e expor a situação. A família tem muita dificuldade de entender que a gente não tem mais o que dispor. Quando é uma família que está mais preparada, você tem uma facilidade maior em lidar com isso. Quando é uma família que não está preparada, é mais difícil você lidar. (DSC 4 – A morte causa sofrimento para as famílias – Médicos)

Como se observa, o esforço de elaboração do sentido da morte como algo

natural tem relação com a expectativa desses médicos em reduzir suas dificuldades

em lidar com a morte. Apesar desse esforço, em alguns momentos, os médicos

intensivistas reconhecem que a morte mobiliza emoções. Mesmo ao apresentarem

expressões como “não choca tanto a gente” e “raríssimas vezes me deixo abalar”

(DSC 1 – A morte é um processo natural – Médicos), os médicos deixam

transparecer o sofrimento vivido por eles diante da terminalidade da vida de seus

pacientes.

Na UTI, a morte mobiliza as pessoas. Significa perda, sofrimento. Sentimentos ruins no nosso dia a dia. É uma coisa triste. Mexe com a

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equipe, não só com o médico, mas com toda equipe. (...) Lidar com isso é complicado, difícil, balança qualquer um. Quando um paciente que está internado aqui vem a falecer eu choro, é quase um reflexo. Não tem como você não acabar limpando lágrimas aqui. Por mais que você esteja acostumado a esse dia a dia, a morte sempre mexe com você um pouco. (...) (DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos)

Apesar da finalização da vida humana compor o contexto social da UTI, os

médicos intensivistas identificam, na equipe como um todo, dificuldades em lidar

com a morte dos pacientes. Ainda que vivenciem cotidianamente situações de

morte, reconhecem seus limites pessoais e profissionais diante da terminalidade da

vida dos pacientes que estão sob os seus cuidados. Essa dificuldade em lidar com a

morte é acentuada frente ao objetivo médico: salvar a vida e possibilitar a

continuação do seu curso.

(...) Uma sensação de fracasso, de frustração em não poder e não conseguir ajudar o paciente. De não alcançar o nosso objetivo: recuperar a saúde e manter a vida do paciente. A gente não consegue salvá-lo, melhorá-lo, fazer a terapêutica correta para ter alta, ir para enfermaria e seguir a sua vida. (...) (DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos)

A partir da expectativa social em relação à profissão médica e das

dificuldades dos médicos intensivistas em aceitarem a inexorabilidade da morte, o

que faz com que se sintam frustrados ao não salvarem um paciente, esses médicos

fazem intensos questionamentos acerca de suas condutas diagnósticas e

terapêuticas e das condutas de outros profissionais. Ainda que estejam mais

centrados no fazer médico, esses questionamentos também reforçam a noção de

que há um grupo atuante na UTI, com objetivos comuns. É interessante observar

que, na busca de socorro, eles também são levados a olhar os colegas ao lado, a

integrar seus colegas médicos ou não. É como se na hora da morte o trabalho dos

médicos intensivistas se tornasse “interdisciplinar”, seja para buscar reforços de

solução, seja para compartilhar responsabilidades. O ver morrer é muito impactante.

O discurso desses médicos faz pressentir a necessidade de apoio mútuo diante de

tão imponente fenômeno: a morte de alguém que viu em mim uma “salvação” ou

cura.

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(...) “Será que eu errei em alguma coisa? Será que eu falhei nisso ou naquilo? Fiz tudo que estava ao seu alcance? Era isso mesmo? Era esse o caminho? Será que se a gente tivesse tomado outro caminho teria mudado o prognóstico? Ou eu, os médicos da rotina, os enfermeiros, poderíamos ter mudado algo? Será que se a gente tivesse trocado o antibiótico, feito a tomografia? Será que valia à pena? Onde foi que eu errei? Será que tinha mais alguma coisa que eu poderia ter feito para evitar a morte? Será que o meu trabalho foi suficiente? Será que eu esqueci de alguma coisa?” (...) (DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos)

O trabalho na UTI, caracterizado pelo atendimento contínuo e especializado

ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte, é expresso pelos médicos

intensivistas como uma atividade difíci l de ser experienciada. Os médicos

intensivistas, dessa forma, sinalizam para a ajuda de outros profissionais para

melhor lidarem com as situações de terminalidade, rotineiras na UTI.

(...) Acho dramático lidar com essa finitude tão tênue. É um paradoxo você conviver com dez a quinze pacientes sob sua responsabilidade e fazer disso uma rotina e tentar ficar tranqüilo no plantão, sabendo que isso pode acontecer. Continuo lamentando. Deveríamos ter um apoio da psicologia, da psiquiatria ou terapia para poder encarar melhor a morte. Eu não tenho formação suficiente para lidar com essa questão da perda. Esses profissionais poderiam estar atuando junto conosco. Seriam muito bem vindos. Sinto que isso é necessário para trabalhar a aceitação da morte. (DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos)

Na busca de sentidos que esclareçam as questões que a terminalidade

humana suscita no contexto da UTI, os médicos intensivistas também recorrem ao

sentido religioso para a morte. Embora em menor adesão, esse discurso caracteriza-

se pela noção de continuidade da vida. Trata-se de um discurso kardecista que

compreende a morte com uma ideia de evolução espiritual, permitindo que a

terminalidade humana seja encarada como mais uma etapa dessa evolução,

amenizando o caráter de cessação da vida. É pela via das religiões que diferentes

culturas têm achado um percurso de apoio ou de conforto diante da morte.

Diferentes religiões oferecem respostas diante do sofrimento ou do que parece

incontornável. Embora os processos de secularização tenham enfraquecido as

influências religiosas, ainda percebem-se, em diferentes grupos, lembranças de tais

influências. O direito, inclusive, a receber atenção religiosa é reconhecido

constitucionalmente para contextos hospitalares.

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É uma passagem de uma vida para outra atividade, (...) Desencarnação, fim da vida terrena. A pessoa deixa o corpo, mas o espírito continua vivo. A alma da gente evolui. (...) (DSC 5 – A morte é a passagem da vida material para vida espiritual – Médicos)

A necessidade de melhor elaboração dos sentidos que envolvem a questão

da terminalidade humana é reforçada pelo discurso “A morte é difícil de explicar”.

Ainda que se esforcem em construir sentidos para a morte a partir da realidade

social que vivem na UTI - a inexorabilidade da morte diante dos limites das

biotecnologias -, os médicos intensivistas buscam outros significados para melhor

compreenderem a terminalidade humana. Admitem ser imperativo pensar a morte.

Nesse discurso, chama atenção a patente dificuldade demonstrada em relação à

terminalidade humana pela própria hesitação dos médicos diante do tema,

demonstrada em alguns momentos.

É uma pergunta muito ampla, você me pegou de surpresa. (...)

Definir morte? A definição de morte é difícil para mim. Não sei. (...) Preciso pensar... Eu acredito que as pessoas, de um modo geral, ainda tenham muito pudor para tratar desse tema. Eu não tenho uma

opinião formada a respeito. É uma questão muito delicada. (...). (DSC 6 - A morte é difícil de explicar - Médicos)

As dificuldades impostas para se pensar a morte incluem a dificuldade de

pensar e admitir sua própria finitude. O contato com a terminalidade humana na UTI

remete os médicos intensivistas à sua condição de ser mortal. Dessa forma, não é

apenas diante das relações com os pacientes e com os familiares que surge a

necessidade de melhor elaboração de sentidos para a morte, mas também na

relação com a própria morte. Esse traço vem à tona quando os médicos se incluem

no discurso “A morte é algo natural”.

(...) Todos nós vamos morrer. Todo mundo morre. Então, quem está na UTI, eventualmente, também vai morrer. (...) (DSC 1 – A morte é um processo natural – Médicos)

As implicações das atribuições profissionais dos médicos intensivistas são

perceptíveis nos discursos expressos por esse grupo, em relação à morte. Assim,

para melhor compreensão dos significados sociais da terminalidade humana,

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expressos pelo grupo dos médicos intensivistas, é necessário descrever as

atividades desenvolvidas por esses profissionais no contexto da UTI.

As atividades dos médicos intensivistas consistem na seleção do paciente a

ser internado na UTI, avaliação da gravidade do quadro, admissão, monitorização e

acompanhamento do paciente. Também, são esses profissionais os responsáveis

pela escuta da queixa principal e coleta de dados relativos à história da doença

(atual, pregressa e familiar), bem como pela realização do exame físico e

identificação do prognóstico da doença. Além de interpretarem sinais clínicos

apresentados pelos pacientes, os médicos intensivistas decifram os dados emitidos

pelas biotecnologias, presentes e disponíveis na UTI – monitores cardíacos,

ventiladores mecânicos, oxímetros de pulso – objetivando correlacioná-los ao

quadro geral dos pacientes, na tentativa de traçar um diagnóstico mais preciso e,

desta forma, implementar a terapêutica adequada. Assim sendo, estabelecem o

tratamento, selecionam os medicamentos necessários ao controle ou reversão do

processo patológico, realizam as prescrições médicas e tratam as intercorrências,

buscando a cura da doença.

Os médicos intensivistas realizam, ainda, procedimentos como a intubação

traqueal e a punção de veia profunda para a administração de soluções e

medicamentos necessários ao tratamento da doença. Esclarecer as famílias dos

pacientes acerca do diagnóstico e prognóstico do quadro clínico também

corresponde a uma atribuição médica, assim como a comunicação do óbito.

Como pode ser observado no Quadro 1, algumas dessas atribuições estão

presentes em trechos dos discursos expressos pelos médicos como: “A gente sabe

que o paciente está muito grave, então, a morte já é um pouco anunciada”; “Tem

muitos que vêm já de várias internações prévias e de doenças que já se alongam

por muito tempo”; “Se sobreviverem vão ficar completamente sequelados”; “São

doenças mais avançadas ou com terapêuticas nem sempre ideais a esse tipo de

paciente”; “A morte que você não consegue diagnosticar é muito dura”; “De não

alcançar o nosso objetivo: recuperar a saúde e manter a vida do paciente”; “A gente

não consegue salvá-lo, melhorá-lo, fazer a terapêutica correta para ter alta”; “A parte

mais difícil é conversar com a família e expor a situação”.

Os discursos expressos por esse grupo de médicos acerca do significado da

morte não foram excludentes e dessa forma, mais claramente, se mostram como o

pensamento coletivo de todos. Esses médicos, com experiências específicas e

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comuns no espaço da UTI, que os leva a diferentes interações e compartilhamentos,

apresentam pensamentos, com ideias e sentimentos semelhantes.

Seus discursos sobre a morte resultam do processamento coletivo de busca

de sentidos para a finitude humana, que, embora envolvendo conhecimentos de

naturezas diversas, crenças, hábitos, valores e sentimentos pessoais, são

condicionados ou recondicionados à luz de suas vivências profissionais, as quais

exigem pensar a morte como algo contornável. Se por um lado, nessa perspectiva,

o compromisso profissional pressiona esses médicos para que a morte seja

dominada, por outro lado, é esse grupo de profissionais que tanto experimenta os

alcances das tecnologias médicas, como são os que vivenciam mais intensamente

os frustrantes limites de tais recursos. Não é sem motivo que o nome que os unifica

é “intensivistas”. No contexto da UTI, poderes constatados e frustrados fluem

dinamicamente e se mesclam, buscando articular significados compreensíveis a um

objeto subjetivo e socialmente incompreensível – a morte.

Segundo Rodrigues (1983), pode-se encarar a morte como algo inscrito

necessariamente no destino dos homens em geral, como membros da classe dos

seres vivos. E, nesse sentido, parece algo a ser pensado de forma objetiva, sem

desencadear processos emocionais. No entanto, quando a morte passa a ser

encarada no sentido individual, a partir da consciência da sua própria finitude, pode

desencadear processos emocionais nos indivíduos que nem sempre são bem

resolvidos.

O comportamento dos médicos intensivistas, que se encontra influenciado por

determinados padrões sociais, faz com que eles pensem a morte a partir das suas

experiências. Conforme Elias (2001), o determinante na relação das pessoas com a

morte não é simplesmente o processo biológico desta, mas a ideia que se tem dela

e a atitude associada a isso, demonstrando mais claramente os contornos

sociológicos desse problema. Dessa forma, as características específicas,

associadas ao contexto da UTI e às atribuições profissionais dos médicos

intensivistas são responsáveis pela peculiaridade dos sentidos produzidos por esse

grupo em relação à terminalidade humana.

O conjunto de discursos dos médicos intensivistas expõe, mais que

contradições ou incongruências, posicionamentos que se superpõem diante de uma

realidade vivida de uma forma tão impactante quanto instigante: o que fazer diante

do morrer humano. Se esse fenômeno é natural, no sentido de expressar um

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fenômeno ao qual se submetem todos os seres vivos, é também cultural porque

consiste na experiência humana de sofrimento, de perda, fracasso e até de

possíveis esperanças em outros mundos, como é o caso dos religiosos. Por isso, os

discursos são diversos e retratam um contexto social específico: a UTI.

Os médicos intensivistas expressaram uma representação social produzida

num ambiente de vivência dramática: a morte que sempre chega, seja por motivo de

decadência da idade, seja pelo transtorno biológico incontornável, seja contra todo o

desejo e expectativa da equipe de saúde. A finitude envolve a todos, há limites sob

diferentes pontos de vista pessoais, profissionais e das tecnologias.

A experiência frequente de testemunhar diferentes casos de morte levou os

médicos intensivistas a uma elaboração para a produção de sentidos em relação à

especificidade desses casos: o paciente mais velho ou o mais jovem, o que tem

maior sofrimento ou menor sofrimento, o mais grave ou o menos grave, a morte

súbita ou esperada. Seguindo essas categorias, a morte pode ser diferenciada, e

assim ser mais ou menos aceita por esse grupo. Trata-se de evidente esforço de

lidar com a morte, organizando sentimentos, valores e responsabilidades

profissionais.

O esforço em compreender a terminalidade humana como algo natural não

neutraliza, contudo, o sofrimento desses médicos diante da morte de seus pacientes

e também diante do sofrimento dos familiares, no momento em que necessitam

elaborar e fornecer uma resposta objetiva para essa questão. Essa necessária

objetividade para o sentido da morte indica um percurso de esclarecimento sobre a

sua própria atuação profissional diante dessa finitude tão tênue, realizado por meio

de extensas interrogações: “Fiz tudo que estava ao meu alcance?”, “Será que tinha

mais alguma coisa que eu poderia ter feito para evitar a morte?”.

Cumpre ressaltar que o papel médico de salvar vidas não oblitera o discurso

religioso sobre a morte, expresso pelos médicos intensivistas. Embora de mais fraca

adesão, o discurso religioso não é de menor importância, pois os dados mostram

que o perfil religioso desse grupo é bem definido – quase todos creem em Deus. Tal

discurso marca a presença da influência, ainda presente, de uma visão cristã da

morte. A fraca adesão ao discurso religioso pode ser vista como coerente com seu

papel de salvar vida, como, também, pode mostrar a tendência geral da sociedade,

mergulhada nos processos de secularização. Vale acrescentar que o cristianismo

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católico, que marca o perfil religioso do grupo, não tem em sua atuação institucional

uma militância doutrinária.

Como revelando o conjunto de dificuldades de lidar com o tema e/ou

fenômeno da finitude humana houve o discurso da dificuldade de falar sobre a

morte. Esta, que para esses médicos é ameaçadora e inimiga de seu papel de

salvar vidas, frustra seus planos de atuação, interrompe, por vezes precocemente, o

ciclo biológico da vida e a expectativa social dos indivíduos, mostrando na UTI uma

cultura que se encontra confusa e inquieta sobre a natureza da vida e sobre o

sentido das existências individuais. Ainda que os médicos intensivistas apresentem

um repertório mais amplo de sentidos dados à morte, esse discurso os coloca no

contexto histórico de sua época: sim, é difícil para todos falar sobre a morte.

4.1.2 Discussão dos DSCs do grupo dos enfermeiros

Para melhor compreensão da representação social de morte, expressa pelo

grupo dos enfermeiros intensivistas, é necessário, como no grupo dos médicos,

descrever as atividades desenvolvidas pelos enfermeiros no contexto da UTI. Ao

contrário do que pensam muitas pessoas, que relacionam o trabalho do enfermeiro a

uma extensão do trabalho médico, a atuação daquele apresenta peculiaridades,

assim como a do médico, complementando-se mutuamente. São atribuições

específicas e distintas que se interrelacionam em razão do objetivo compartilhado

pelos profissionais da UTI – a recuperação dos processos naturais da vida, através

da intervenção da biotecnologia.

Em termos gerais, a atuação do enfermeiro está relacionada ao cuidado direto

ao paciente. Esse traço de sua profissão ganha destaque no contexto da UTI, haja

vista a total dependência dos pacientes em relação aos cuidados básicos, como

higiene e alimentação, que devem ser prestados ou supervisionados pelos

enfermeiros. Os cuidados diretos também compreendem a observação do padrão de

sono e repouso, aferição de sinais vitais, realização de curativos diversos, preparo e

administração de medicamentos.

São esses profissionais que arrumam os pacientes e organizam seus leitos,

preparando-os para o momento da visita. Do mesmo modo, são, muitas vezes, os

responsáveis por autorizar a entrada dos familiares na UTI, bem como por orientá-

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los em relação às normas e regulamentos existentes nesse ambiente – circulação

restrita de pessoas, manutenção do silêncio, orientação quanto à lavagem das mãos

no momento de contato com o paciente, uso do equipamento de proteção individual

como luvas e máscaras sempre que necessário, entre outros.

É com referência a esse conjunto de atividades que se deve compreender a

representação dos enfermeiros intensivistas em relação à morte e contextualizá-la

no conjunto do trabalho junto aos médicos. O Quadro 1 permite observar que os

discursos de ambos os grupos são os mesmos: uma dinâmica que articula a morte

como fenômeno natural, mas, também como inconformidade e sofrimento. Contudo,

há detalhes no grupo dos enfermeiros que os faz distinguir dos médicos: a adesão

mais intensa ao discurso da morte como sofrimento e também ao discurso religioso.

Tal distinção encontra explicações no enquadre tanto das atividades que de fato

exercem os enfermeiros, como na ideologia do cuidar que os caracteriza. Alguns

comentários sobre as semelhanças são necessários antes da análise das

diferenças.

A similaridade dos conteúdos expressos por ambos os grupos é

compreensível, diante do fato desses dois grupos compartilharem o mesmo espaço

onde atuam cotidianamente em direção aos mesmos objetivos: manutenção e

recuperação dos processos naturais dos pacientes internados na UTI, através do

uso dos mesmos recursos (monitores cardíacos, ventiladores artificiais,

desfibriladores, marcapassos cardíacos artificiais, bombas de infusão de

medicamentos). A assistência ao paciente na UTI permite as interações entre

médicos e enfermeiros e, consequentemente, a permanente construção e

reconstrução das representações de morte de ambos os grupos através da

comunicação, da linguagem, das condutas, e das experiências comuns nesse

contexto, constituindo esforços de elaboração de sentidos para a morte e a prática

social do dia a dia.

O espaço da UTI, conforme já descrito, é fisicamente bem delimitado e inclui

basicamente os pacientes, médicos e enfermeiros. O cenário das tecnologias das

biociências envolve os dois grupos. Ainda que tenham atividades distintas, ambos

precisam articular suas ações em torno do controle dos sinais vitais, alívio dos

sintomas e tratamento das doenças. Tudo isso os chama para a visão dos controles

biológicos da vida e, consequentemente, para os fenômenos da vida como

processos naturais. Nesse ponto, os grupos de médicos e enfermeiros encontram

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um discurso muito semelhante e de forte adesão: “A morte é um processo natural”,

onde os discursos de ambos praticamente se superpõem.

Os grupos dos médicos e dos enfermeiros intensivistas fazem uso de

expressões bastante próximas, senão iguais. Ambos os grupos referem-se à morte

como algo esperado no ambiente da UTI, presente e cotidiana no campo de suas

atuações profissionais, e conferem à morte a ideia de término de um ciclo biológico;

para os médicos: “nasce, cresce e morre”, para os enfermeiros: “início, meio e fim”.

A ideia da morte como finalização do ciclo biológico tem imediata relação com

a percepção do avanço de uma doença para a condição terminal, definida pela

evolução inevitável para a morte, independente das medidas terapêuticas adotadas.

Os médicos, nesse caso, compreendem a morte como a “evolução natural de uma

doença”, e os enfermeiros como esgotamento “das possibilidades de vida de um

corpo”. Essa percepção da morte como algo natural é a mesma que se apresenta

em um dos itens da declaração de óbito, em contraposição com a morte “não

natural”, aquela causada por fatores externos ao paciente (homicídio, suicídios,

acidentes) que, pelos discursos expressos pelos grupos, é menos aceita do que a

natural.

Mesmo não sendo os responsáveis pela declaração formal do óbito, que

segundo a OMS é de responsabilidade do médico, o discurso dos enfermeiros revela

uma especificidade do contexto da UTI. Nesse ambiente hospitalar, a maioria dos

pacientes não morre em decorrência da falência de apenas um órgão, mas sim, de

dois ou mais órgãos vitais, haja vista a disponibilidade das biotecnologias

necessárias para o controle dos processos naturais e das complicações orgânicas.

Assim, a probabilidade de ocorrência de morte, na UTI, tem relação com os casos

mais complexos, que envolvem a complicação de vários órgãos vitais, os quais não

respondem mais aos recursos disponíveis (ventilador mecânico, máquina de

hemodiálise, drogas vasoativas, desfibriladores e outros).

(...) Parte fisiológica falida, falência de múltiplos órgãos, não tem mais condição de vida. É não ter mais o pulsar, o respirar, o bater do coração (...). O corpo não responde mais. Parou. Cientificamente cessou a vida do corpo. (DSC 1 – A morte é um processo natural – Enfermeiros)

O discurso dos enfermeiros intensivistas acerca da morte como processo

natural reflete as suas atribuições profissionais na UTI. São eles que observam e

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registram, a cada duas horas, ou em menor intervalo, conforme a necessidade do

paciente, os sinais vitais – frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura

e pressão arterial. Dessa forma, esses enfermeiros podem averiguar mais

pontuadamente a evolução dos sinais de complicação, relacionados à falência dos

órgãos vitais.

A constatação da irreversibilidade dos processos naturais provoca, como nos

médicos, sentimentos de sofrimentos nos enfermeiros intensivistas. No entanto,

houve maior adesão a esse discurso por parte dos enfermeiros, chamando atenção

para a ideologia da enfermagem e para sua atribuição profissional, caracterizada

pelo cuidado direto ao paciente.

Historicamente, a profissão de enfermagem tem sua atuação baseada no

cuidar. Esse cuidado humano para outro humano corresponde à base da formação

preconizada pelas diretrizes curriculares dos cursos de graduação em enfermagem

e envolve não apenas a competência técnico-científica para a realização de

procedimentos necessários no processo saúde-doença, mas constitui-se, também,

como um cuidado específico.

O caráter do cuidado oferecido pelo enfermeiro tem relação com o cuidado

afetivo e feminino, expresso cultural e historicamente. Como se pode observar pelo

percurso histórico da profissão, o cuidado oferecido por esses profissionais liga-se

ao papel social, no qual, tacitamente, se estabelece para a mulher a função de

cuidadora dedicada aos diferentes membros da família.

Para Coelho (2001), historicamente, desde os tempos primitivos, a mulher era

a responsável por atender à necessidade da família e transmitir a cultura, sendo a

provedora das questões afetivas e emocionais, dedicando-se a cuidar dos enfermos

como um gesto de caridade. Segundo o autor, a enfermagem ainda tem o caráter

materno proveniente dos tempos primitivos, permanecendo, portanto, traços de afeto

e caridade nessa profissão.

A afetividade na percepção e na elaboração de sentidos para a morte é

comum aos grupos dos enfermeiros e dos médicos intensivistas, marcando o

discurso do sofrimento desses profissionais diante da terminalidade humana. No

entanto, as características peculiares do cuidado oferecido pelo enfermeiro e das

relações que daí se estabelecem apontam para a maior adesão ao discurso de

sofrimento por parte dos enfermeiros intensivistas.

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Ainda que o aspecto afetivo e histórico possa elucidar, em parte, a grande

adesão dos enfermeiros intensivistas ao discurso de sofrimento, outras

peculiaridades em relação a esse discurso merecem reflexão: a menor

especificidade das suas atribuições profissionais e o menor detalhamento dos tipos

de morte, quando comparado ao grupo dos médicos.

O discurso expresso pelos médicos intensivistas em relação ao sofrimento é

permeado por maiores questionamentos relativos às suas atribuições profissionais:

“Será que se a gente tivesse tomado outro caminho teria mudado o prognóstico?”;

“Será que se a gente tivesse trocado o antibiótico, feito a tomografia?”; “Será que

havia mais alguma coisa que eu poderia ter feito para evitar a morte?”.

Já no discurso dos enfermeiros intensivistas o questionamento é muito mais

genérico - “Poderia ter feito algo a mais por aquele paciente?” do que o conjunto de

interrogações expresso pelos médicos intensivistas. Embora apresentem em seu

discurso expressões como: “Não queremos que a pessoa morra”; “sentimento de

culpa”; “Uma decepção de você ter tentado e não conseguir chegar a um objetivo”,

os enfermeiros intensivistas não realizam questionamentos específicos acerca das

suas atribuições profissionais, como ocorre no grupo dos médicos. No discurso

relativo ao sofrimento profissional, esses enfermeiros não apresentaram dúvidas

quanto às suas condutas, mas sim conformidade diante da morte.

(...) A gente fica abalado, triste, chateado, sentida (...) Não tem mais o que fazer, além de se conformar (...) (DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Enfermeiros)

As condições de morte, também, são determinantes para os médicos com

relação ao maior ou menor sofrimento diante da finitude humana, como podemos

observar nos trechos: “Tem dois aspectos diferentes: o doente agudo e o doente

crônico”; “Tem mortes na UTI que ocorrem em pacientes que vinham melhorando,

pacientes muito jovens”; “Tem doentes que você lida com mais naturalidade porque

você já sabe qual é a doença e já está em processo de morte”.

Em se tratando dos enfermeiros intensivistas no discurso “A morte é diferente,

dependendo do tipo de paciente”, esse grupo não faz uma distinção detalhada

acerca dos tipos de morte, como fazem os médicos. Ainda que expressem

diferenças dos tipos de morte (inesperada/esperada; jovem/idoso; o paciente menos

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grave/ o paciente mais grave; o paciente que está melhor condição física/ o paciente

que está sofrendo), esses enfermeiros não categorizam as situações de morte e os

tipos de pacientes com tantas especificidades quanto o grupo dos médicos, em cujo

discurso aparecem expressões como: “pacientes politraumatizados”; “pós-operatório

de uma cirurgia de urgência”; “disfunções crônicas múltiplas”; “incurável”; “intratável”;

“sequela muito séria”; “acidentados de moto”; “baleados”, entre outras.

(...) Uma coisa é a morte repentina, inesperada o que na UTI não acontece muito. Essas me chocam mais. (...) O paciente está muito grave e, muitas vezes, você já espera a morte. (...) Frequentemente é um paciente idoso, todo complicado. Às vezes, está numa condição tão ruim, com sofrimento tão grande, que a morte é um alívio para amenizar aquela dor. (...) Quando a gente tem envolvimento com o paciente, a gente sente mais. Acho mais difícil quando é jovem. (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Enfermeiros)

Esses pontos de distinção entre os discursos relativos ao sofrimento

profissional, expresso pelos dois grupos, podem ser compreendidos se observarmos

a caracterização do cotidiano profissional dos mesmos, sobretudo na UTI. Parte da

rotina dos médicos consiste em reuniões diárias para discussões de casos, nas

quais se busca esclarecer o quadro clínico dos pacientes, propondo investigar as

causas da doença, as formas de apresentação e a intensidade dos sintomas. O

objetivo é eliminar a sintomatologia da doença, buscando aproximar o paciente da

normalidade. Trata-se de momentos importantes, nos quais o compromisso médico

se revela na tentativa de nortear a assistência, principalmente nos aspectos

biológicos da doença. Também, nas discussões de caso, a questão da objetividade

é um critério importante para os médicos reconhecerem e tratarem a doença. Os

médicos discorrem, principalmente, sobre o funcionamento dos órgãos, sobre a ação

dos medicamentos e os procedimentos terapêuticos e diagnósticos necessários para

a reversão das doenças, tais como: intervenções cirúrgicas, instalação de sondas e

drenos, além de exames como eletrocardiograma, ecocardiograma, tomografia,

ressonância magnética, entre outros.

Já o grupo dos enfermeiros não apresenta essa atividade – reuniões de

equipe -, principalmente por não serem os responsáveis pela definição das condutas

diagnósticas e terapêuticas a serem estabelecidas para cara tipo de paciente. A sua

função está ligada, na maioria das vezes, às prescrições médicas: administração de

medicamentos, observação da resposta do paciente à terapêutica, preparo e

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acompanhamento de pacientes a exames, entre outros. Assim, as ações dos

enfermeiros são, principalmente, determinadas pelos médicos e, por isso, os

enfermeiros apresentam menos questionamentos em relação às suas atribuições

profissionais.

Diante de todas as ações de enfermagem realizadas com o paciente e que

possuem objetivos comuns às dos médicos no sentido de recuperar a saúde e

manter a vida, poder-se-ia dizer que a não expressão por parte dos enfermeiros de

questionamentos relativos às suas atribuições profissionais indicaria que eles não se

percebem responsáveis pelo atendimento ao paciente na UTI, como ocorre com os

médicos intensivistas? Seria uma postura paradoxal?

Trata-se de uma questão que merece reflexão. Levando em consideração

que: os enfermeiros correspondem ao maior grupo de profissionais de nível superior

na UTI, o que evidencia a necessidade de sua ostensiva presença para a

observação e o cuidado direto ao paciente com risco de vida e/ou iminência de

morte, determinantes, portanto, para o restabelecimento da saúde do paciente e;

que o enfermeiro é o profissional que permanece mais tempo à beira do leito, o que

o faz ciente dos detalhes sobre a evolução ou complicação do quadro dos pacientes,

sendo um forte elemento mediador de informações para outros profissionais na UTI

ficando patente, assim, a sua importância nesse contexto; então, por que as

atribuições profissionais dos enfermeiros não foram tão especificadas em seu

discurso?

Nas reuniões diárias da equipe os enfermeiros poderiam discutir condutas

relativas às suas atribuições, tais como: avaliação da integridade da pele, evolução

do curativo, aprazamentos e interações de medicações, registro de enfermagem,

checagem dos materiais e medicações necessários ao atendimento de parada

cardiorespiratória, checagem do funcionamento dos equipamentos necessários ao

atendimento do paciente grave (desfibriladores, monitores cardíacos, ventiladores

mecânicos, oxímetros de pulso, bombas infusoras de medicações), entre outros.

Essa discussão do grupo de enfermeiros poderia estimular reflexões acerca de suas

atuações e responsabilidades no atendimento ao paciente grave, diminuir a

possibilidade de erros, padronizar as ações de enfermagem e esclarecer melhor o

quadro de complicação ou evolução do paciente. Dessa forma, o grupo dos

enfermeiros poderia melhor reconhecer a importância de suas atribuições na UTI,

como também elaborar melhor as dificuldades em relação à questão da morte

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Outra peculiaridade do grupo dos enfermeiros refere-se ao sentido religioso

para morte. A alta adesão a esse discurso se justifica pelo perfil religioso do grupo,

sendo composto por 97% de enfermeiros que declararam crer em Deus, no contexto

ou não de uma religião. Considerando a religião evangélica a mais declarada pelo

grupo e que esta possui, tradicionalmente, uma militância doutrinária, pode-se

compreender a expressão do discurso religioso por parte do grupo dos enfermeiros

no qual o sentido para a morte é produzido a partir de uma visão cristã.

Esse discurso religioso, no entanto, não elimina o sofrimento causado pelo

confronto com a terminalidade humana. As representações sociais dos enfermeiros

intensivistas deixam claro que as atitudes que hoje prevalecem em relação à morte

não são inalteráveis e nem acidentais. São peculiaridades de uma sociedade num

estágio particular de desenvolvimento, na qual a conciliação promovida pelo

pensamento religioso entre o homem e suas angústias tem perdido força. Diante das

situações de terminalidade, os enfermeiros intensivistas admitem: “Eu sofro e choro”.

O momento da morte para eles é “complicado, pesado”, mostrando que tal

problema, conforme testemunhado e representado pelos enfermeiros na UTI, ainda

precisa de elaborações.

4.1.3 Discussão dos DSCs do grupo dos médicos residentes

O ponto de maior destaque nos discursos expressos pelos médicos

residentes é a falta de experiência e o pouco amadurecimento profissional desse

grupo. No contexto de suas práticas profissionais, as peculiaridades desses

residentes são importantes para uma melhor interpretação dos discursos por eles

expressos. Assim, como nos grupos dos médicos e dos enfermeiros, torna-se

necessária a descrição das atividades dos médicos residentes na UTI.

A residência médica intensiva caracteriza-se como treinamento em serviço,

durante o período de dois anos, possibilitando ao médico recém-graduado a

obtenção do título de especialista na área intensiva. A carga horária desses

profissionais é consideravelmente maior do que a dos médicos e dos enfermeiros

intensivistas, correspondendo a sessenta horas semanais com atividades diárias,

incluindo plantões nos finais de semana e feriados.

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Os residentes médicos desenvolvem suas atividades de modo a aprimorar

suas habilidades técnicas e o raciocínio clínico com supervisão permanente de um

médico plantonista, habituando-se ao contato direto com os pacientes. Como os

médicos intensivistas, os médicos residentes realizam o exame físico, colhem a

história do paciente, solicitam exames. A partir disso, sugerem o diagnóstico e

propõem condutas médicas – prescrição de medicamentos e realização de exames

complementares para o diagnóstico - que são analisadas conjuntamente com a

equipe médica, devendo ser aprovadas ou não.

Outras atividades relativas aos residentes consistem na participação em aulas

teóricas com conteúdos inerentes à medicina intensiva, apresentação de seminários

sobre assuntos pertinentes à área, discussão de casos relativos ao quadro dos

pacientes internados na UTI e debates acerca de temas abordados em artigos

científicos recentes relacionados à atuação médica intensiva. Todas essas

atividades, tais como as atividades práticas dos médicos residentes, são

supervisionadas por médicos mais experientes, que direcionam as atuações

profissionais dos residentes na UTI.

A leitura do Quadro 1 permite observar que os discursos dos médicos

residentes em relação à morte são os mesmos expressos pelos grupos dos médicos

e dos enfermeiros: percebem a morte como algo natural, mas também sofrem diante

das situações de terminalidade humana na UTI. No entanto, um ponto chama a

atenção na interpretação dos dados no grupo dos médicos residentes: o índice de

adesão é alto e quase o mesmo entre todos os discursos expressos, demonstrando

que esses profissionais, ainda em formação, não estabelecem tantos critérios, como

os médicos e enfermeiros intensivistas, os quais, tendo maior experiência, podem

perceber, analisar e diferenciar mais as situações de terminalidade humana na UTI.

Os discursos expressos pelos médicos residentes estão mais relacionados

aos estudos desses profissionais do que à experiência na UTI. Quando relacionam a

morte a um processo natural evidencia-se, em seu discurso, apenas a percepção de

morte como finalização de um ciclo biológico, evento comum a todo ser vivo, ao

contrário dos médicos e enfermeiros que expressam suas vivências no contexto

investigado e apresentam em seus discursos expressões como: “Um fato que a

gente convive diariamente”; “Estou vendo e vivendo dia a dia”; “Faz parte do

cotidiano, da nossa rotina” e “A gente está sempre em contato com pacientes muito

graves”.

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É um processo natural, final de vida, término de um ciclo. Algo que a gente sabe que vai acontecer. Faz parte da vida, não tem como evitar. É inevitável e esperada para todo mundo. (DSC 1 – A morte é um processo natural – Médicos residentes)

No contexto da UTI, as relações, situações e ambiente são novos para esses

residentes. Nesse espaço, aprendem a ser médicos, como também aprendem a lidar

com o exercício da medicina intensiva, em todas as suas peculiaridades. A grande

responsabilidade que envolve a assistência médica intensiva é vivida profundamente

pelos médicos residentes. Esse profissional, até bem pouco tempo aluno do sexto

ano de medicina, patamar mais alto na hierarquia do corpo discente, passa agora a

ocupar o mais baixo na hierarquia da profissão dentro do hospital, o de residente. O

iniciar da residência traz uma excitação antecipatória que é substituída, aos poucos,

por períodos de insegurança e depressão e pelo grande medo de não cometer erros

(Martins, 1994).

Como já dito a respeito dos médicos e dos enfermeiros, as experiências

profissionais no contexto da UTI e a vivência ampla de situações de terminalidade,

proporcionaram a esses profissionais uma diferenciação maior entre os casos dos

pacientes, permitindo a produção de significados em um esforço de lidar com a

morte, organizando sentimentos, valores e responsabilidades profissionais. No caso

dos médicos residentes, a pouca experiência no contato com a diversidade dos

casos que se apresentam na UTI impossibilita maiores elaborações de

diferenciações dos tipos de morte, dependendo do paciente. Nos discursos

expressos pelos médicos e pelos enfermeiros intensivistas, além de haver um maior

detalhamento dos casos, criando-se categorias mais ou menos estáveis - aspecto

mais forte no grupo dos médicos -, há, também, a expressão da relação com o

paciente como fator determinante para a aceitação da morte. No grupo dos médicos,

destaca-se o trecho: “Vai depender da relação que irá estabelecer-se entre o médico

e o paciente”; e no grupo dos enfermeiros: “Vai do envolvimento que você tem com a

pessoa. Quando a gente tem envolvimento com o paciente, a gente sente mais”.

Observa-se que no discurso abaixo, expresso pelo grupo dos médicos residentes,

não há detalhamento específico dos casos, como também não há menções a

interações com o paciente.

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Depende de vários fatores. Se a doença é aguda ou crônica. Uma morte é prevista quando o paciente já está adoentado. Acaba sendo o estágio evolutivo de uma doença onde você esperava esse desfecho. A outra é a morte não esperada, uma coisa súbita, de repente: uma pessoa jovem que não tinha nenhuma doença e morre. (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos residentes)

A menor elaboração sobre a morte implica a pouca organização por parte dos

médicos residentes em relação aos seus sentimentos, valores e responsabilidades

profissionais, resultando em grande adesão, também, ao discurso relativo ao

sofrimento profissional. Como no grupo dos médicos, o discurso relativo ao

sofrimento dos residentes investigados está ligado às suas atribuições profissionais,

como se percebe no trecho em que há o seguinte questionamento: “O que eu fiz de

errado?”. Nota-se, desse modo, o caráter relacionado à responsabilidade que o seu

compromisso profissional acarreta, no sentido de salvar vidas, bem como a grande

cobrança e responsabilidade que pesam sobre esses médicos recém-formados.

Por estar ainda em um limiar entre estudante e profissional médico, o

residente de medicina passa por processos de avaliação que o deixam mais

sensível às mudanças no quadro clínico do paciente, já que é avaliado a respeito

dessas ocorrências. Nesse sentido, surgem em seu discurso relacionado ao

sofrimento diante da morte expressões como: “Me sinto desafiado e derrotado” e

“Me cobro”. O médico recém-formado pode falar sobre a doença com certa propriedade, mas

para dizer-se resolutivo para o doente, urge aumentar a capacitação para interagir,

simultaneamente, com as necessidades do paciente de um lado e o acervo da literatura médica

de outro.

Assim, com pouca experiência no atendimento direto ao paciente grave e, sentindo-se

ainda muito avaliado e cobrado em relação às suas condutas, o residente de medicina expressa

seu grande sofrimento diante da inevitabilidade da morte: “É ruim, me afeta”; “Não me

sinto confortável”, não cabendo em momento algum de seus discursos expressões

como as encontradas nos discursos dos médicos e enfermeiros como: “Não me

choca”; “Eu lido bem”; “Raríssimas vezes me deixo abalar”.

Em relação ao sofrimento que a morte dos pacientes causa nas famílias, fica

claro, mais uma vez, o pouco amadurecimento profissional dos médicos residentes.

Assim, ao falar do sofrimento pelo qual passam os familiares, não aparece no

discurso desses residentes nenhuma referência às suas atribuições profissionais. No

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caso dos médicos, é demonstrada uma preocupação em relação à comunicação, ao

apoio à família diante da morte de um ente querido e à falta de possibilidades

profissionais para interferir na situação de terminalidade, como pode ser observado

nos seguintes trechos: “Continua sendo difícil dar apoio à família”; “A parte mais

difícil é conversar com a família e expor a situação”; “A família tem muita dificuldade

de entender que a gente não tem mais do que dispor”. No entanto, as preocupações

demonstradas pelo grupo dos médicos intensivistas não se encontram no discurso

relativo ao sofrimento das famílias expresso pelo grupo dos médicos residentes.

É muito triste para os familiares. Fica um vazio pela perda de uma pessoa. (DSC 4 – A morte causa sofrimento para as famílias – Médicos residentes)

Chama a atenção, no discurso relativo ao sofrimento dos familiares, o

surgimento da expressão “vazio” em relação à morte dos pacientes, que também se

repete no discurso que se refere à dificuldade em dar sentidos para a morte, no

trecho “Deixa um vazio nas relações”. A morte, nesse sentido, é percebida não

apenas como biológica, mas também como social. Morre o indivíduo e as suas

relações, revelando o sentido da morte sob o ângulo humano.

As percepções do grupo dos médicos residentes sobre a morte abarcam,

também, o sentido religioso da terminalidade humana, mostrando que o papel dos

médicos em salvar vidas não implica deixar de lado as perspectivas advindas do seu

contexto social e cultural. A alta adesão a esse discurso se deve ao perfil religioso

do grupo dos residentes composto, em sua grande maioria, por indivíduos que

declararam crer em Deus (88%). Como a experiência no cotidiano da UTI é um forte

aspecto de distinção entre os grupos investigados, é possível que uma maior

vivência das situações de terminalidade na UTI, evidenciando a inexorabilidade da

morte, resulte em um afastamento da perspectiva religiosa da finitude humana,

similar ao dos médicos intensivistas.

A partir da comparação entre os discursos expressos pelos grupos dos

médicos intensivistas e dos médicos residentes pode-se inferir que, durante o

período em que estiverem desenvolvendo as atividades inerentes à residência

médica em terapia intensiva, esses residentes obterão um aperfeiçoamento teórico

prático na área intensiva, como também terão maiores possibilidades de melhor

elaboração de atitudes pessoais e profissionais diante da terminalidade humana. Ao

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vivenciarem situações de morte na UTI, os médicos residentes produzem e

continuarão a produzir uma variedade de representações em torno da sua morte e

da dos outros, podendo suscitar novas reflexões sobre os problemas da morte na

UTI e na sociedade contemporânea.

4.1.4 Discussão final

As representações sociais dos intensivistas investigados (médicos,

enfermeiros e médicos residentes) a respeito da morte mostram diferentes facetas

das experiências desse grupo com tal fenômeno. Os discursos expressos

mostraram-se detalhados com expressões que revelam especificidades encontradas

no contexto da UTI. São exemplos: “falência de múltiplos órgãos” (DSC 1 – A morte

é um processo natural - Enfermeiros); “limite máximo da vida” (DSC 1 – A morte é

um processo natural - Enfermeiros); “disfunções crônicas múltiplas” (DSC 2 – A

morte diferente dependendo do tipo de paciente - Enfermeiros). Outros exemplos

permitem reconhecer traços mais amplos que extrapolam a condição profissional:

“envolvimento que você tem com a pessoa” (DSC 2 – A morte é diferente

dependendo do tipo de paciente – Enfermeiros); “relação afetiva” (DSC 2 – A morte

é diferente dependendo do tipo de paciente – Médicos); “o espírito continua vivo”

(DSC 5 – A morte é a passagem da vida material para vida espiritual – Médicos);

“descanso para a alma” (DSC 5 – A morte é a passagem da vida material para vida

espiritual – Médicos); “vazio nas relações” (DSC 6 – A morte é difícil de explicar –

Médicos residentes). As expressões encontradas nos discursos dos grupos

investigados apontam para as influências do contexto da UTI, demonstrando que se

trata de um grupo profissional com peculiaridades próprias, como também apontam

para características culturais de uma sociedade.

Como afirmam Hudak e Gallo (2007), a essência dos cuidados intensivos está

no processo de tomada de decisão, baseado na sólida compreensão das condições

fisiológicas dos pacientes. A percepção da morte como algo natural pressupõe a

capacidade dos intensivistas de intervenção sobre os processos naturais, sendo

coerente com a formação dos profissionais investigados: manter a vida e recuperar a

saúde. Se a morte decorre de causas pelas quais os pacientes estão submetidos,

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como parte da natureza, ela deriva, então, de causas que os intensivistas podem

senão abolir, ao menos controlar. Nessa direção, a morte como um processo natural

tem relação com um evento fisiológico, cientificamente compreendido e sobre o qual

a perspectiva biomédica fornece a certeza de que “Esgotam-se as possibilidades de

vida de um corpo” (DSC 1 – A morte é um processo natural – Enfermeiros).

A observação e vigilância constante do doente e de seus sinais vitais

fundamentam a atuação de médicos, enfermeiros e médicos residentes no ambiente

da UTI, caracterizado pela atenção e cuidado direto ao paciente, permitindo aos

intensivistas a percepção de todo o processo de morte - os primeiros sinais, o

agravamento e a morte propriamente dita. As máquinas fornecem dados que

confirmam que a morte vai acontecer, “sinalizam para uma complicação” (DSC 2 – A

morte é diferente dependendo do tipo de paciente). Assim, os prelúdios da morte

são visualizados. A morte, para os intensivistas, é sempre anunciada,

acompanhada, assistida, como se pode observar nos trechos: “algo que a gente

sabe que vai acontecer” (DSC 1 – A morte é um processo natural - Médicos

residentes), “a gente já encara a morte antes disso ocorrer” (DSC 1 – A morte é um

processo natural - Médicos), “Raramente não tem uma parada (cardíaca) não

programada” (DSC 1 – A morte é um processo natural - Enfermeiros). Essa clara

visualização do processo de morte fornece aos intensivistas a possibilidade de

identificação dos limites da vida – “O corpo não responde mais” (DSC 1 – A morte é

um processo natural - Enfermeiros) - e a certeza da inevitabilidade dos processos

naturais – “Não há mais nada o que fazer” (DSC 1 – A morte é um processo natural -

Médicos), colaborando para a visão da morte como um processo natural – “Eu

aceito, faz parte da vida” (DSC 1 – A morte é um processo natural - Médicos).

De modo geral, foi possível observar nos discursos dos intensivistas a

recorrência a termos usualmente utilizados no meio biomédico: “órgãos”, “doença”,

“sintomas”, “fisiológica”, “cirurgia”, “urgência”, “politraumatizados”, “incurável”,

“tratamento”, “antibiótico”, “comorbidades”, “tomografia”. O predomínio de

expressões científicas nos discursos desses profissionais pode ser entendido como

uma expressão do aspecto objetivo que caracteriza suas representações, reforçando

a percepção da morte como um processo natural.

Dessa forma, compreende-se como o discurso “A morte é diferente

dependendo do tipo de paciente” também teve grande adesão por parte dos

intensivistas. Percebe-se, nesse discurso, o empenho desses profissionais em

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compreender a morte como algo natural, baseando-se, sobretudo, nas

particularidades dos pacientes que atendem na UTI. São os critérios objetivos, e, por

conseguinte, científicos que tornam possíveis as discriminações de mortes. Diante

das situações que vivenciam em seus contextos de trabalho, os intensivistas

organizam as experiências vividas, categorizam as circunstâncias e constroem

gradações para o sentido natural da morte. Assim, a morte para os intensivistas

pode ser considerada mais ou menos natural de acordo com critérios por eles

estabelecidos, chamando atenção para sua vivência na UTI, como pode ser

observado nos fragmentos: “A morte é prevista quando o paciente já está

adoentado” (DSC 2 – A morte é diferente dependendo do tipo de paciente - Médicos

residentes); “Os casos agudos me mobilizam mais” (DSC 2 – A morte é diferente

dependendo do tipo de paciente - Médicos); “O paciente está muito grave e, muitas

vezes, você já espera a morte” (DSC 2 – A morte é diferente dependendo do tipo

de paciente - Enfermeiros).

De acordo com Rodrigues (1983, p. 26),

(...) inserir a morte em um sistema de classificação, para compreender as mortes-eventos, dialogar com elas e at ribuir-lhes sentido, para ser um

trabalho que toda cultura realiza e cujos resultados exibe, seja em estado prático, seja at ravés de um sistema de teorias, ideias e dogmas conscientemente formulados (...).

Esse sistema de classificação pelos intensivistas tende a categorizar a morte

diferentemente, como previsível e natural (ninguém escapa à morte) ou imprevisível

e não natural. Na UTI, a morte não natural é vista como uma probabilidade que

tende a diminuir, pois a intervenção rápida e precisa dos intensivistas, a partir da

monitorização de cada paciente, permite cada vez menos que a morte seja vista

como uma fatalidade. No caso dos grupos investigados, a expressão do discurso

que diferencia a morte, dependendo do tipo de paciente, reforça a percepção de

morte como algo natural, pelo sentido a ela atribuído, como o ápice de um processo

fisiopatológico irreversível e inevitável no decurso de muitas doenças.

Frente ao esforço dos intensivistas em perceber a morte com naturalidade,

um ponto chama a atenção. Ao contrário do que se poderia esperar, devido à grande

adesão dos intensivistas ao discurso da morte como algo natural, o discurso

religioso está também presente nas representações sociais de morte dos

intensivistas. A expressão de tal discurso pode ser compreendida se observamos o

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perfil religioso dos grupos investigados, mostrando que a maioria dos médicos,

enfermeiros e médicos residentes investigados creem em Deus, no contexto ou não

de uma religião. Sabe-se que a busca de explicações religiosas para a morte é uma

realidade na cultura ocidental. Esta pesquisa revela que cada grupo investigado

recorre às crenças religiosas, com maior ou menor intensidade, para entender e

enfrentar seu cotidiano profissional.

A menor adesão ao discurso religioso em relação ao discurso da morte como

algo natural relaciona-se à ideia de antagonismo entre ciência e religião sustentada,

em grande parte, no pressuposto de que a aceitação do conhecimento científico

seria incompatível com a crença religiosa. Dito de outra forma, a convivência em

ambientes, caracterizados pela familiaridade com as práticas da ciência, conduziria

ao afastamento das crenças religiosas. Há uma questão cultural mais ampla, que

mostra que a ciência sempre foi caracterizada por um afastamento do campo

religioso, demonstrando o processo de secularização na contemporaneidade.

Para Bruce (1995), a secularização levaria a uma perda gradual e irreversível

da crença religiosa. Para ele, ciência e tecnologia contribuíram para essa perda da

religiosidade, no sentido de que alteraram, substancialmente, os modos de viver e,

como consequência, relegaram as crenças e os rituais religiosos a um segundo

plano. O motivo não seria necessariamente a substituição da doutrina religiosa pelas

ideias da ciência, mas o fato do mundo moderno limitar as práticas comunitárias de

convivência e não reservar sequer tempo para as práticas religiosas.

Berger (1999) reconhece que as instituições religiosas perderam seu poder e

influência em várias sociedades, mas reconhece, também, que tanto as antigas

quanto as novas práticas religiosas fazem parte da vida dos indivíduos, estando

presentes em suas relações com o mundo moderno. Assim, mesmo em um mundo

envolvido com os processos de secularização, a expressão do discurso religioso

pelos intensivistas reforça a interpretação de que a crença religiosa ainda é um

componente cultural do mundo moderno, presente em diferentes sociedades, e com

tal referência é possível a expressão do discurso religioso pelos profissionais

atuantes em um contexto como a UTI, marcado pela atividade científica.

Os discursos “A morte é um processo natural”, “A morte é diferente

dependendo do tipo de paciente” e “A morte é uma passagem da vida material para

a vida espiritual” que, em primeira análise, parecem ser contraditórios, foram

expressos pelos intensivistas a partir do impacto causado pela morte na UTI, que os

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levam à busca de explicações para o fenômeno com o qual se confrontam em seus

cotidianos de trabalho.

Como visto na revisão bibliográfica desta pesquisa, há na cultura ocidental

contemporânea um si lenciamento da morte. O afastamento da morte do cotidiano,

um maior constrangimento e embaraço social com situações envolvidas com a

terminalidade humana e o esforço desempenhado pelo homem em combatê-la e

negá-la, passando a não mais percebê-la como evento natural da vida, são

características da modernidade (Becker, 2007; Gadamer, 2006; Ariès, 2003; Elias,

2001; Morin, 1997).

No contexto em que se encontram os intensivistas, a morte acontece mesmo

com todo o suporte das biotecnologias. A frustração que ela comporta e a ameaça

de que está imbuída a partir da tomada de consciência da própria finitude, a

transformam em um momento difícil com o qual esses profissionais se defrontam.

Dessa forma, compreende-se, também, a expressão dos discursos “A morte é triste

de frustrante para os profissionais de saúde” e “A morte causa sofrimento para os

familiares” pelos intensivistas. Tais discursos expõem os vínculos emocionais que os

grupos investigados desenvolvem com seus pacientes e que geram até dúvidas. Os

seguintes fragmentos são exemplos: “Será que eu errei em alguma coisa?” (DSC 3 –

A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos); “Será que eu

esqueci de alguma coisa?” (DSC 3 – A morte é triste e frustrante para os

profissionais de saúde – Médicos); “Continua sendo difíci l dar apoio à família” (DSC

4 – A morte causa sofrimento para os familiares – Médicos).

Em contato com a morte, os intensivistas vivem conflitos sobre como se

posicionar frente à morte de seus pacientes, aos familiares dos pacientes e aos

colegas de profissão. Essas mortes são vividas como perdas, o que se torna mais

penoso quando morrem pacientes com os quais foram estabelecidos vínculos mais

próximos. Tais vivências trazem aos intensivistas a percepção de suas fragilidades

pessoais, vulnerabilidades, medos e incertezas. Os discursos mostram que os

intensivistas não têm procedimentos sistematizados por eles mesmos valorizados.

Suas falas revelam dúvidas, desconforto afetivo, perplexidade onde sobressaem

esforços de aceitação, mas não parecem refletir segurança de conduta. Nesse

contexto, o discurso religioso pode ser interpretado como um esforço de aceitação,

sobretudo pelo fato de que o perfil dos três grupos investigados inclui crenças

religiosas.

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Diante dos sofrimentos diversos expressos pelos intensivistas em relação a si

mesmos, aos pacientes e aos familiares, a expressão do discurso religioso

corresponde à busca de sentido para a morte. Trata-se de um discurso religioso

cristão que crê na vida após a morte. Essa ideia demonstra que ainda está presente

o papel social da religião sob as diferentes formas possíveis de lidar com

sofrimentos, sentidos da vida e da morte, questões éticas, entre outras.

As representações sociais dos intensivistas revelam como é complexo para

esses profissionais lidar com todas as demandas que emergem em seus cotidianos

de trabalho. Ter que encarar a morte, dar a má notícia, tomar consciência da própria

finitude. Ou seja, admitir os limites de sua atuação “balança qualquer um” (DSC 3 –

A morte é triste para os profissionais de saúde – Médicos) e põe em questão o

preparo desses profissionais para enfrentar as situações que surgem na UTI, como

aparece na expressão: “Eu não tenho formação suficiente para lidar com essa

questão da perda” (DSC 3 – A morte é triste para os profissionais de saúde –

Médicos). Sem meios ou espaços que fomentem debates, discussões e trocas de

experiências para reflexões acerca das situações que vivenciam em seu contexto de

trabalho, compreende-se a expressão do seguinte trecho:

(...) Deveríamos ter um apoio da psicologia, da psiquiatria ou terapia para poder encarar melhor a morte. Esses profissionais poderiam estar atuando junto conosco. Seriam muito bem vindos. Sinto que isso é necessário (...) (DSC 3 – A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde - Médicos)

De fato, no processo de formação de médicos e de enfermeiros, a morte não

é tema de ação pedagógica para que se desenvolvam comportamentos adequados

em relação à situação da morte de um paciente ou de um paciente com diagnóstico

grave. Os programas de formação desses profissionais, no âmbito da graduação e

residência, são voltados predominantemente para o aspecto técnico do manejo das

doenças, não prevendo uma reflexão articulada e sistemática sobre a morte.

Observa-se, nesse processo de formação, a ausência de qualquer abordagem nas

diferentes disciplinas que discutam aspectos cognitivos e afetivos relacionados ao

processo da morte e do morrer.

Ainda que a reflexão sobre os diferentes aspectos envolvidos no ensino da

morte seja estimulada por diversos autores, é inegável que as escolas de formação

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em saúde ainda enfrentam dificuldades para assumir o compromisso educacional

com essa temática. Poucas oferecem disciplinas que tratem do tema da morte e,

quando o fazem, geralmente são disciplinas eletivas ou de carga horária restrita

(Viana e Picelli, 1998; Kovács, 2003; Souza e cols, 2009; Silva e Ayres, 2010;

Azeredo e cols, 2011).

Dessa forma, é possível compreender a expressão do discurso “A morte é

difícil de explicar”. Mesmo com todo o tempo de formação acadêmica e com a

experiência profissional que põe os profissionais de saúde, em especial os

intensivistas, em contato direto com questões que envolvem a morte e a vida, esse

discurso demonstra a falta de clareza a respeito do lidar com a morte, reforçando a

relevância de uma reflexão sistemática sobre o tema durante a graduação. A

necessidade de médicos e enfermeiros melhor refletirem e elaborarem atitudes

pessoais e profissionais em relação à morte é demonstrada através dos fragmentos:

“Não sei o que acontece” (DSC 6 – A morte é difícil de explicar – Médicos

residentes); “Nunca parei para pensar sobre isso” (DSC 6 – A morte é difícil de

explicar – Médicos); “Eu não sei o que falar” (DSC 6 – A morte é difícil de explicar –

Enfermeiros).

Nesta pesquisa, evidenciou-se claramente a ação de fatores sociais que

influenciam significativamente na construção das representações de médicos,

enfermeiros e médicos residentes. Por isso, entende-se que, mais do que

“conhecimentos prévios”, os intensivistas mostram, através de seus discursos, toda

uma realidade social. Faz sentido a afirmação de Moscovici (2003) ao defender que

a representação social consiste em um conjunto de explicações e afirmações

originadas no cotidiano e que contribui para a formação de condutas. Suas posturas

são sustentadas pela vivência no contexto onde acontece toda a rede de reações

estruturantes de seu trabalho cotidiano.

As representações de morte identificadas nesta pesquisa expressam o quanto

os intensivistas compartilham ideias, sentimentos e visões acerca do morrer

humano. Esses profissionais estão inseridos no mesmo espaço institucional,

vivenciam as mesmas situações cotidianas e possuem formações semelhantes, que

repercutem na construção de suas visões de morte.

A análise do conjunto de discursos expressos por cada grupo investigado

permite inferir que os discursos dos médicos, enfermeiros e médicos residentes

intensivistas acerca da morte praticamente se superpõem. As expressões

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identificadas nos discursos desses profissionais são semelhantes ou iguais. Essa

dinâmica pode ser observada a partir de recortes dos discursos expressos pelos três

grupos investigados, que visam deixar clara a aproximação entre suas falas:

DSC 1 – A morte é um processo natural.

É um processo natural (Médicos residentes) de todo ser vivo (Médicos), uma

coisa natural (Enfermeiros).

Término de um ciclo (Médicos residentes), evento terminal (Médicos), encerra um

ciclo (Enfermeiros).

Faz parte da vida (Médicos residentes). Faz parte da vida (Médicos), faz parte da

existência (Enfermeiros).

É inevitável (Médicos residentes), as pessoas vão morrer e ponto final (Médicos).

Vai ter que acontecer de qualquer jeito (Enfermeiros).

DSC 2 – A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente.

Depende de vários fatores (Médicos residentes). Cada caso é um caso (Médicos).

Cada caso é um caso (Enfermeiros).

Tem dois aspectos diferentes: o doente agudo e o doente crônico (Médicos). Uma

coisa é a morte repentina, inesperada (Enfermeiros). Uma morte é prevista quando o

paciente já está adoentado (Médicos residentes).

DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde

É ruim, me afeta (Médicos residentes), significa perda, sofrimento (Médicos).

Momento muito desagradável, doloroso, difíci l (Enfermeiros).

Me sinto desafiado e derrotado (Médicos residentes). Uma sensação de fracasso,

de frustração em não poder e não conseguir ajudar o paciente (Médicos). Uma

decepção de você ter tentado e não conseguir chegar num objetivo (Enfermeiros)

O que eu fiz de errado? (Médicos residentes) Será que eu errei em alguma coisa?

(Médicos) Poderia ter feito algo a mais por aquele paciente? (Enfermeiros).

Me cobro (Médicos residentes), choro (Médicos), sofro (Enfermeiros).

DSC 4 – A morte causa sofrimento para as famílias

É muito triste para os familiares (Médicos residentes). Fico pensando na tristeza

dos familiares (Médicos). É muito ruim para família (Enfermeiros).

DSC 5 – A morte é a passagem da vida material para vida espiritual

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É uma passagem (Médicos residentes), de uma vida para outra atividade

(Médicos), para outra dimensão (Enfermeiros).

DSC 6 - A morte é difícil de explicar

Não sei o que acontece (Médicos residentes), é algo que não fica muito claro

(Médicos). Eu não sei o que falar (Enfermeiros).

A marca das peculiaridades, relacionadas à morte, vividas e experimentadas,

no contexto da UTI, encontrada nas representações sociais dos intensivistas pode

ser melhor entendida se compararmos aspectos da atuação de médicos,

enfermeiros e médicos residentes intensivistas com a que ocorre em outros espaços

como enfermarias, ambulatórios e/ou consultórios, onde atuam, por exemplo, os

médicos de clínica médica investigados por Falcão e Mendonça (2009), na mesma

instituição onde foi realizada esta pesquisa. Esses autores buscaram investigar as

concepções, visões e valores de médicos da clínica médica em relação ao processo

de morrer.

Comparativamente, é possível dizer que as representações sociais de morte

dos intensivistas investigados tanto incluem discursos que se igualam àqueles dos

médicos da clínica médica, quanto revelam especificidades do exercício profissional

em uma UTI. Os pontos comuns correspondem ao sofrimento vivido diante da

inexorabilidade da morte humana, a um despreparo em lidar com questões

relacionadas à morte e ao morrer, e ao sentido natural para a morte. Todavia, mais

particularmente em relação aos intensivistas, a naturalidade apresenta-se com

conteúdos mais densos e maior adesão do grupo dos intensivistas.

Os pontos de distinção entre os grupos investigados pelas duas pesquisas

incluem a busca dos intensivistas em categorizar as situações vivenciadas na UTI.

Com a expressão do discurso “A morte é diferente dependendo do tipo de paciente”,

não expresso pelo grupo de médicos da clínica médica, fica demonstrado o esforço

dos intensivistas em pensar a morte como algo natural. Além desse ponto, no dia a

dia da UTI, emergem, rotineiramente, situações nas quais são provados os limites

das possibilidades de intervenção por parte das biotecnologias, bem como os da

atuação de médicos, de enfermeiros e de médicos residentes, tornando complexos

os sentimentos de sofrimento, apresentando inclusive outra faceta: a empatia com o

sofrimento dos familiares dos pacientes, também não expresso pelo grupo

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investigado por Falcão e Mendonça (2009). Na tentativa de lidar com essa

complexibilidade, os intensivistas buscam sentidos religiosos e indicam a

necessidade de ajuda de profissionais de outras áreas do conhecimento para melhor

encarar as situações vivenciadas no cotidiano da UTI.

A relação das representações dos intensivistas acerca da morte com o

contexto da UTI também pode ser evidenciada claramente no grupo dos médicos

residentes. Apesar de terem menor tempo de atuação no contexto investigado, esse

grupo já apresenta as mesmas representações que os médicos e enfermeiros que

atuam há mais tempo na UTI. Mas existe uma diferença: os residentes mostram

maior adesão às ideias centrais identificadas nos discursos dos três grupos

investigados. Ao iniciar suas atividades na UTI, os médicos residentes são

confrontados pela realidade de cada morte que presenciam e são levados a tomar

consciência de sua própria finitude. Pelo pouco tempo de experiência na UTI, ainda

não fazem tantas diferenciações da morte, como também não organizam, tanto

quanto os médicos e enfermeiros intensivistas, seus sentimentos e valores, mas já

demonstram uma variedade de posicionamentos frente à morte. A certeza da

irreversibilidade começa a aparecer, ainda que gerenciada pelas biotecnologias. A

morte, para esses residentes, passa a não ser apenas o fim de um estado físico e

biológico, mas também a de um ser em relação, de um ser que interage, reforçando

a perspectiva de que a UTI mostra-se como um ambiente peculiar na construção de

representações de médicos e enfermeiros a respeito da morte.

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5. CONCLUSÃO

Na presente pesquisa, as representações sociais de três grupos (médicos,

enfermeiros e médicos residentes) em relação à morte foram identificadas e

analisadas, considerando o fato de todos serem profissionais intensivistas. Os

resultados mostram que as suas representações trazem à tona conhecimentos

diversos, implícitos na realidade social em que se encontram esses profissionais,

revelando as múltiplas dimensões que envolvem esse fenômeno.

As representações dos intensivistas refletem as demandas de quem

testemunha e enfrenta a morte cotidianamente, fazendo emergir nos discursos

conteúdos que, inicialmente, poderiam ser interpretados como incoerências.

Entretanto, o conjunto de discursos expressos por esses profissionais revela uma

dinâmica de esforços coletivos em ordenar, categorizar ou dar sentidos a um

fenômeno incontestavelmente impactante: a morte humana. O empenho em

organizar valores, sentimentos e percepções, a partir das experiências pessoais e

profissionais, abre espaço para a diversidade de posicionamentos diante da morte.

O discurso “A morte é um processo natural” foi o de maior adesão entre os

três grupos investigados. A percepção da morte como um evento fisiológico, no qual

a ciência pode intervir, expressa o grande esforço dos intensivistas em qualificar a

morte como um evento aceitável. Essa percepção condiz com a formação desses

profissionais e com o objetivo de médicos e enfermeiros para com seus pacientes,

sobretudo os intensivistas que lidam com o forte aparato das biotecnologias: “fazer a

terapêutica correta para ter alta, ir para a enfermaria e seguir sua vida”, como o

discurso que fala de seus sentimentos parece complementar (DSC 3 – A morte é

triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos). Esse discurso parece

querer dizer que este é o primeiro compromisso dos intensivistas, o da morte como

processo natural: atuar no que é mais visível, mais controlável ou onde é possível

fazer chegar os recursos biotecnológicos já conquistados. Para além disso,

encontra-se a possibilidade de cura ou a rendição ao inalcançável, o domínio

completo da morte. As representações dos intensivistas partem do discurso da

“naturalidade” da morte para desdobrar e expressar toda a dinâmica de ações

exitosas, frustrantes ou sofridas que são vividas no dia a dia da UTI.

Nesse ambiente, o cuidado direto do paciente e a visualização contínua dos

seus sinais vitais orientam as ações e a tomada de decisão de médicos, enfermeiros

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e médicos residentes, como também podem mostrar a evolução de um quadro

clínico para a morte. Dessa forma, a morte na UTI assume, em certos casos, o

estatuto de algo já esperado, previsto. O discurso “A morte é diferente, dependendo

do tipo de paciente” demonstra que a caracterização dos casos graves, com uma

evolução esperada para a morte, relaciona-se com o perfil dos pacientes admitidos

no contexto investigado. A partir dessa padronização dos pacientes é possível, aos

intensivistas, uma categorização dos casos e das mortes por eles presenciadas,

reforçando a percepção da morte tanto como algo natural – quando é prevista e se

encaixando à ideia de finalização da vida -, quanto desencadeando sofrimento –

quando é inesperada e marcada pela ideia de interrupção abrupta ou adiantada do

percurso da vida. Esse discurso também poderia ser entendido como resultado do

esforço de preparação pessoal para assimilar o impacto da morte, no sentido de

produzir um sentido que organize os próprios sentimentos.

Na UTI, mesmo com os esforços de compreensão e aceitação da morte,

encontra-se a constatação dos limites pessoais e profissionais, que faz emergir nos

intensivistas sentimentos de sofrimentos e dúvidas relacionadas à conduta

profissional, semelhantes àqueles encontrados em médicos, enfermeiros e

estudantes investigados por outros autores (Falcão e Lino, 2004; Bellato e Carvalho,

2005; Bretãs e cols, 2006; Falcão e Mendonça, 2009; Azeredo e cols, 2011). O

discurso “A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde” é

compreensível frente ao confronto entre as vivências dos limites da vida na UTI e a

ideia presente nos avançados contextos médicos, acadêmicos, assistenciais e

técnico-científicos, de onipotência sobre os processos naturais e da possibilidade de

impedir a morte independente da condição clínica dos pacientes. Essa onipotência

frustrada transborda para além do espaço tecnológico da UTI e encontra

personagens adicionais que, de meros espectadores, incluem-se no cenário vivido

pelos intensivistas: eles reconhecem os familiares como pares do sofrimento.

De fato, os conflitos vividos pelos intensivistas não se restringem a eles

próprios. O discurso “A morte causa sofrimento para os familiares” mostra que esses

profissionais, a partir da empatia com as famílias dos seus pacientes, vivenciam

situações complexas, nas quais percebem a dor dos familiares e se sensibilizam

diante da desestruturação emocional e social causada pela morte de um ente

querido. Esse discurso demonstra que, ao contrário do que alguns estudos (Barnard

e Sandelowski, 2001; Bastos, 2002; Meyer, 2002; Vila e Rossi, 2002) referem, a UTI

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não se apresenta, nesta pesquisa, como um ambiente impessoal e hostil, onde os

procedimentos técnicos prevalecem frente às relações humanas. Ao mesmo tempo

em que percebem o sofrimento dos familiares e são afetados por ele, os

intensivistas reconhecem a necessidade de posicionarem-se diante dos mesmos,

oferecendo-lhes respostas frente à morte dos pacientes, embora encontrem

dificuldades em fazê-lo.

Confirmando a dificuldade dos intensivistas em lidar com a morte, a

expressão do discurso “A morte é difícil de explicar” demonstra o que Elias (2001)

sustenta ao afirmar que, junto com a maior exclusão possível da morte da vida

social, há um desconforto peculiar sentido pelos indivíduos em situações que

envolvam a terminalidade humana. Segundo o sociólogo, os indivíduos, muitas

vezes, não sabem o que dizer, demonstrando que a gama de palavras disponíveis

para uso nas ocasiões nas quais a morte está presente é relativamente escassa. As

representações sociais dos intensivistas confirmam o padrão que a bibliografia

(Becker, 2007; Gadamer, 2006; Ariès, 2003; Elias, 2001; Morin, 1997) caracteriza

como tabu da morte, demonstrando que a experiência cotidiana, em um ambiente

onde a morte está clara e objetivamente presente, não exclui a dificuldade e o

embaraço de médicos, enfermeiros e médicos residentes em lidar com situações

que envolvam esse fenômeno.

Mediante o desconforto causado pela constatação de seus limites pessoais e

profissionais e do reconhecimento da dor dos familiares, aparece no âmbito das

representações dos intensivistas o discurso religioso. De qualquer forma, isso não é

surpreendente se consideramos pelo menos duas razões: o perfil de crenças

religiosas dos grupos pesquisados e o fato de que as religiões oferecem sentidos

para a morte. O discurso “A morte é uma passagem da vida material para a vida

espiritual” corresponde a um dos caminhos buscados entre os intensivistas ao

perceberem o esgotamento das possibilidades oferecidas pela ciência para

contornar a morte, recorrendo, deste modo, à ideia de morte como continuação da

vida. Nesse sentido e de acordo com Rodrigues (1983), a ruptura causada pela

finalização da vida é compensada, de certo modo, por um movimento contrário de

reinserção do indivíduo, de renascimento em nova vida, em um outro mundo. Nesse

contexto, as crenças religiosas dos intensivistas parecem funcionar como um fator

tranquilizante diante da recusa da morte, tornando-a um fato, de certa maneira, mais

aceitável.

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Finalmente, foi também possível perceber a demanda clara e objetiva no

sentido de um melhor preparo dos médicos, enfermeiros e residentes para viver as

situações impactantes relacionadas ao morrer. Os discursos mostram que a

aceitação da morte é mais fácil em determinados casos, deixando transparecer as

várias situações nas quais os intensivistas não estão preparados para lidar com

esse fenômeno. As próprias categorizações de morte realizadas por esses

profissionais demonstram que os mesmos apresentam dificuldades para encarar

todas as demandas que a morte suscita. Isso fica claro quando nos seus discursos

relacionados ao sofrimento diante da morte dos seus pacientes dizem “eu não tenho

formação suficiente para lidar com essa questão da perda” (DSC 3 – A morte é triste

e frustrante para os profissionais de saúde - Médicos).

A necessidade de um maior preparo dos médicos, enfermeiros e residentes

para lidar com todas as situações relacionadas à morte em seus cotidianos

profissionais reforça os resultados encontrados em outras pesquisas relacionadas

ao tema da morte e à formação médica e de enfermagem (Falcão e Lino, 2004;

Bretãs e cols, 2006; Falcão e Mendonça, 2009; Marta e cols, 2009; Souza e cols,

2009; Silva e Ayres, 2010; Azeredo e cols, 2011). Ainda que existam diferenças

entre a UTI e os contextos investigados por esses autores, percebeu-se, na presente

pesquisa, que as dificuldades dos médicos, enfermeiros, médicos residentes e

estudantes em relação à morte são semelhantes, demonstrando que esse

embaraço, como refere Elias (2001), é uma característica do padrão dominante do

atual estágio da civilização.

Entretanto, os resultados da presente pesquisa não são apenas semelhantes

aos estudos realizados por outros autores. Eles imprimem outra qualidade ao

conjunto das pesquisas. Em primeiro lugar poder-se-ia esperar que a morte vivida

com mais frequência pudesse torná-la um evento mais aceitável entre os

profissionais. Além disso, o fato de conviver com as sofisticadas biotecnologias

poderia também trazer algum conformismo para a aceitação da morte, afinal “tudo

foi feito”. Contudo, não é o que parece acontecer. Mesmo com a maior proximidade

em relação a situações que envolvem a terminalidade humana, a perplexidade e o

sofrimento são perceptíveis no conjunto dos discursos expresso pelos intensivistas.

É possível visualizar com mais objetividade a premência de uma melhor formação de

médicos e enfermeiros para lidar com a morte, nas diversas circunstâncias em que

se encontrarão esses profissionais.

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Nesse ponto, é quase lógico pensar no espaço da UTI, ou no contexto de

toda a dinâmica que envolve o exercício profissional, como um espaço privilegiado

para o desenvolvimento de ações de formação específica. A UTI pode ser valorizada

nesse aspecto. Pode ser também vista como um polo de irradiação de um processo

de reflexão sobre o morrer humano, a partir da especificidade encontrada neste

contexto, no qual a assistência à saúde está cercada de tecnologias avançadas para

a manutenção da vida e possivelmente, com mais realidade, testemunha-se as

possibilidades humanas de conquistar êxitos, mas também fracassos em relação

aos controles dos processos da vida humana. Nesse ambiente, a constatação dos

limites de atuação de médicos e enfermeiros, as dificuldades em lidar tanto com os

pacientes em processo de morte como com suas famílias, as angústias causadas

pela busca de explicações ou sentidos para a terminalidade humana, podem ser

matéria de sistemática reflexão coletiva entre médicos, enfermeiros, professores e

estudantes envolvidos no atendimento, favorecendo a elaboração de atitudes

pessoais e profissionais em relação à morte que poderão propalar para outros

espaços das instituições hospitalares e acadêmicas.

Sob esse ponto de vista e considerando a diversidade de posicionamentos

dos intensivistas frente à morte, pode-se dizer que os aspectos identificados nas

representações desses profissionais correspondem a conteúdos possíveis de serem

trabalhados na formação dos médicos e enfermeiros. Os discursos desse grupo

mostram conteúdos com os quais os intensivistas defrontam-se em suas vidas

pessoais e profissionais. A constatação dos seus limites, as dificuldades em lidar

tanto com os pacientes em processo de morte como com as suas famílias, as

angústias causadas pela busca de explicações ou sentidos para a terminalidade

humana podem ser discutidas entre professores e estudantes, a partir de

referenciais encontrados nas representações dos intensivistas.

A criação de espaços onde diferentes aspectos das representações da morte

e do atendimento aos pacientes e seus familiares possam ser, sistematicamente,

articulados entre professores e estudantes é importante e urgente, frente às

dificuldades encontradas por médicos e enfermeiros em seus vários contextos de

trabalho. Ainda que as modificações na formação desses profissionais acerca da

sistematização do tema da morte pareçam um empreendimento difícil, as

representações dos intensivistas reforçam a necessidade de mudanças no modo de

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lidar com o sofrimento vivido por médicos e enfermeiros em seus cotidianos de

trabalho.

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APÊNDICE

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Apêndice 1

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado a participar da pesquisa intitulada

“Representações sociais de médicos e enfermeiros acerca da morte: implicações

para o atendimento do paciente com risco de vida.” Este estudo busca: 1) Identificar

as representações sociais de morte construídas por médicos, enfermeiros e médicos

residentes intensivistas; 2) Caracterizar a dinâmica de trabalho de médicos,

enfermeiros e médicos residentes intensivistas durante o atendimento ao paciente

com risco de vida; 3) Investigar possíveis relações entre as representações sociais

de morte construídas por médicos, enfermeiros e médicos residentes intensivistas e

o contexto da UTI; 4) Apontar possíveis contribuições educacionais, trazidas pela

vivência de médicos, enfermeiros e médicos residentes na UTI, para a formação

desses profissionais no preparo para lidar com a morte. Trata-se de uma pesquisa

qualitativa, com a Teoria das Representações Sociais como base teórica. Essa

teoria estuda a forma como as pessoas se comunicam e se relacionam em seu dia a

dia. O estudo será realizado nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), ou seja, na

Unidade de Terapia Intensiva (UTI Geral), na Unidade Coronariana (UC) e na

Unidade de Pós-Operatório de Cirurgia Cardíaca (UPO) do Hospital Universitário

Clementino Fraga Filho/UFRJ. Os sujeitos da pesquisa serão médicos e enfermeiros

que atuam nestes setores, nos diferentes turnos de trabalho e que concordarem em

participar do estudo. Serão realizadas entrevistas semiestruturadas relacionadas ao

tema abordado nos objetivos desta pesquisa, as quais serão gravadas e

posteriormente transcritas na íntegra. A entrevista semiestruturada baseia-se tanto

em perguntas principais, com alternativas definidas, como em outras, mais

espontâneas, que podem surgir no momento da entrevista. Também será realizada

observação no cenário onde trabalha o grupo estudado, durante três meses, e duas

vezes por semana, com vistas a captar a dinâmica do trabalho e o cotidiano de

trabalho na UTI. É garantida a liberdade de não participação nesta pesquisa por

parte dos sujeitos da pesquisa. Assim como a solicitação, por parte desses sujeitos,

da retirada de seu consentimento, em qualquer momento de sua evolução, sem

qualquer tipo de prejuízo para os mesmos. Assumo o compromisso de publicar os

resultados finais dessa pesquisa, seguindo as normas científicas que resguardam o

anonimato pleno de seus participantes. E me coloco à disposição de todos os

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sujeitos participantes desta pesquisa para quaisquer novos esclarecimentos que se

façam necessários, em qualquer momento da realização desta pesquisa, através

dos seguintes contatos pessoais com a pesquisadora responsável por esse projeto:

Luana Ferreira de Almeida – Enfermeira e aluna doutoranda do NUTES/UFRJ:

[email protected], (021) 7833-3570, (021) 9525-1219, (021) 2447-5465, ou

através de contato com a minha orientadora: a Profa Drª Eliane Brígida Morais

Falcão, Coordenadora do Laboratório de Estudos da Ciência no NUTES/UFRJ. SE

você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em

contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) – Sala 01D - 46ª – 1º andar,

telefone: 2562-2480 – e-mail: [email protected]. A participação dos sujeitos nesta

pesquisa deverá acontecer por livre e espontânea vontade. Vale ressaltar que não

há despesas pessoais para o participante em qualquer fase do estudo, bem como

compensação financeira relacionada à sua participação.

Consentimento Informado

Eu, _____________________________________, acredito ter sido

adequadamente informado(a), e esclarecido(a) a respeito desta pesquisa. Eu discuti

com a pesquisadora responsável: Luana Ferreira de Almeida – Enfermeira e aluna

doutoranda do NUTES/UFRJ, sobre todos os aspectos da pesquisa e sobre minha

decisão espontânea em participar da mesma. Ficam claros para mim os objetivos da

pesquisa, os procedimentos metodológicos a serem realizados, a garantia de

anonimato das informações registradas, a possibilidade de acesso aos resultados

desta pesquisa, de esclarecimentos permanentes e o de retirada desse

consentimento, em qualquer momento do desenvolvimento dessa pesquisa, sem

nenhum tipo de ônus para minha pessoa. Assim, concordo voluntariamente em

participar dessa pesquisa.

Rio de Janeiro, _________ de _______________________ de 20 ___.

___________________________ ___________________________

Nome do entrevistado Assinatura do entrevistado

_____________________________ _____________________________

Nome do entrevistador/pesquisador Assinatura do entrevistador/pesquisado

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