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INTELIGÊNCIA NÃO VERBAL APLICADA À SEGURANÇA PATRIMONIAL PÚBLICA Francisco Leonardo dos Santos Cavalcante 1 É quase um mantra no setor de segurança a ideia de que “segurança se faz com Inteligência”; é verdade! Esta por sua vez, deve primar pela prospecção, isto é, pela capacidade de antever acontecimentos com a maior probabilidade de acerto possível por intermédio da análise de informações, que podem estar à disposição nos diferentes tipos de mídias (redes sociais, imprensa, etc.) ou obtidas através de agentes especialmente preparados para esse fim. Em todos os casos, aqueles que se dedicam a esta área (Inteligência), desenvolvem acuradas habilidades para analisar a linguagem escrita, falada e a interpretação de imagens impressas, relegando às vezes a segundo plano, a atenção que deve ser dada à percepção da linguagem não verbal corporal , ou seja, à linguagem disponível sempre que duas ou mais pessoas estejam reunidas, independente do ambiente em que elas se encontrem e do assunto que estejam tratando. Tal fato, talvez, seja decorrente da ideia pré-concebida de que analisar o outro, sobretudo seu comportamento corporal, é uma tarefa para especialista. Não é! Realizamos a leitura das expressões de nossos interlocutores quase automaticamente, porém, o objetivo como a realizamos é que difere dos que a realizam com o foco em tirar proveito estratégico da mensagem veladamente emitida. Interpretar, portanto, a mensagem não falada, a intenção não revelada por intermédio da análise dos movimentos, dos gestos e do comportamento estético do outro, parece ser mais uma questão de alinhar a capacidade de observação ao propósito para o qual se observa; no limite, é perguntar: Por que se observa, como se deve observar e para quê a observação se destina? Deste modo, acreditamos que o desenvolvimento da habilidade de ler os silenciosos sinais emitidos pela linguagem não verbal deve ser urgentemente incorporado à formação básica do Agente de Segurança, servindo como mais uma, dentre as ferramentas que corroboram à sua práxis diária. Todavia, é importante ressaltar que não só percebemos a linguagem não verbal do outro, mas também, emitimos nossa própria linguagem não verbal para os outros e com os outros; é como se 1 Chefe de Segurança Institucional Pedagogo. Especialista em Gestão da Segurança da Informação e Comunicações pela UnB.

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  • INTELIGNCIA NO VERBAL APLICADA SEGURANA PATRIMONIAL

    PBLICA

    Francisco Leonardo dos Santos Cavalcante1

    quase um mantra no setor de segurana a ideia de que segurana se

    faz com Inteligncia; verdade! Esta por sua vez, deve primar pela prospeco, isto ,

    pela capacidade de antever acontecimentos com a maior probabilidade de acerto

    possvel por intermdio da anlise de informaes, que podem estar disposio nos

    diferentes tipos de mdias (redes sociais, imprensa, etc.) ou obtidas atravs de agentes

    especialmente preparados para esse fim.

    Em todos os casos, aqueles que se dedicam a esta rea (Inteligncia),

    desenvolvem acuradas habilidades para analisar a linguagem escrita, falada e a

    interpretao de imagens impressas, relegando s vezes a segundo plano, a ateno que

    deve ser dada percepo da linguagem no verbal corporal , ou seja, linguagem

    disponvel sempre que duas ou mais pessoas estejam reunidas, independente do

    ambiente em que elas se encontrem e do assunto que estejam tratando. Tal fato, talvez,

    seja decorrente da ideia pr-concebida de que analisar o outro, sobretudo seu

    comportamento corporal, uma tarefa para especialista.

    No ! Realizamos a leitura das expresses de nossos interlocutores

    quase automaticamente, porm, o objetivo como a realizamos que difere dos que a

    realizam com o foco em tirar proveito estratgico da mensagem veladamente emitida.

    Interpretar, portanto, a mensagem no falada, a inteno no revelada por intermdio da

    anlise dos movimentos, dos gestos e do comportamento esttico do outro, parece ser

    mais uma questo de alinhar a capacidade de observao ao propsito para o qual se

    observa; no limite, perguntar: Por que se observa, como se deve observar e para qu a

    observao se destina?

    Deste modo, acreditamos que o desenvolvimento da habilidade de ler os

    silenciosos sinais emitidos pela linguagem no verbal deve ser urgentemente

    incorporado formao bsica do Agente de Segurana, servindo como mais uma,

    dentre as ferramentas que corroboram sua prxis diria. Todavia, importante

    ressaltar que no s percebemos a linguagem no verbal do outro, mas tambm,

    emitimos nossa prpria linguagem no verbal para os outros e com os outros; como se

    1 Chefe de Segurana Institucional Pedagogo. Especialista em Gesto da Segurana da Informao e

    Comunicaes pela UnB.

  • a concepo genrica de segurana estabelecesse uma dicotomia entre Inteligncia e

    Contrainteligncia.

    Tudo bem! Falariam os cticos; mas como treinar Agentes de Segurana

    Patrimonial de modo a realizarem a leitura dos sinais emitidos pela linguagem no

    verbal? Como desenvolver nesses profissionais, as habilidades necessrias leitura

    rpida das intenes alheias nem sempre expressas na fala? possvel aguar o filtro de

    um dos sentidos viso mais do que os outros que esto recebendo informao ao

    mesmo tempo audio e olfato por exemplo, a fim de proporcionar inferncias

    eficazes de um cenrio ainda incerto, mas que poder de fato ocorrer? E mais, como

    preparar esses profissionais para controlar suas prprias demonstraes no verbais,

    evitando desta forma, que seus interlocutores tambm percebam suas reais intenes?

    impossvel ter apenas uma resposta para tantas perguntas! Mas existem

    pistas que podem ser seguidas para se chegar a algumas dessas respostas; uma delas, por

    exemplo, o exerccio para desenvolver a acuidade de observao multifocal, ou seja,

    interpretar o outro, conjugando a fala emitida e o timbre de voz, a respirao e os gestos

    dos braos e das pernas, atravs do esquadrinhamento do seu corpo em trs zonas

    principais: cabea, membros superiores e membros inferiores. Este exerccio, que pode

    ser considerado sistmico, muito mais profcuo quando realizado em dupla, pois,

    medida que um dos Agentes de Segurana estimula o dilogo com o interlocutor, o

    outro, observa e descreve a percepo que est tendo dos sinais no verbais emitidos por

    ambos, desvelando as intenes subliminares que esto sendo construdas.

    Mais adiante, uma nova fase ou estgio deve ser incorporado ao

    desenvolvimento dessa habilidade de observao multifocal/sistmica; chamo essa fase

    de escaneamento pontual. Agora, o Agente de Segurana estar mais concentrado em

    ler apenas uma parte especfica do corpo do interlocutor sem esquecer, contudo, do

    todo e essa leitura deve ser refinada ao ponto de buscar a compreenso dos detalhes

    expressos no momento da fala do outro. Aqui, vai-se requerendo a juno de outras

    habilidades que no a viso to somente, mas a capacidade mesma de se colocar no

    lugar do outro, de sentir o que ele est sentindo, de entender sua necessidade real; essa

    habilidade comumente conhecida como empatia.

    A empatia, conforme descrita nos diversos lxicos se refere capacidade

    que temos de nos colocar em sintonia com o outro, isto , de sentir o que ele est

    sentindo, desejando ou negando. A rigor, luz da psicanlise, a empatia vista como o

    estado de esprito no qual uma pessoa se identifica com a outra, presumindo sentir o que

    ela est sentindo. primeira vista, pode parecer difcil ou impossvel exercitar a

  • empatia diante de uma pessoa que se acabou de conhecer, at por qu, existe a sua

    manifestao contrria que a antipatia.

    Todavia, a empatia, pressupe o exerccio contnuo de buscarmos ir alm

    do pensamento linear-mecanicista, vale dizer, aquele tipo de pensamento que privilegia

    o binmio causa-efeito e para o qual fomos treinados desde a infncia. A contrapartida

    disso a necessidade de incorporar o pensamento sistmico prxis diria do Agente de

    Segurana. No sentido que queremos dar compreenso da linguagem no verbal do

    outro neste paper, pensar sistemicamente, significa v-lo em toda a sua extenso,

    enquanto sujeito envolvido na ao.

    Em A Vantagem no Verbal, livro de Carol Kinsey Goman, a autora

    oferece uma viso bem ampliada dos benefcios que a leitura no verbal pode trazer

    para os que desenvolvem essa capacidade perceptiva. Nele, Carol, elenca o que chamou

    de 5 cs da linguagem corporal: contexto, conjunto, congruncia, consistncia e cultura,

    imprescindveis anlise da cena que se passa. Indo mais adiante, a Presidente da

    Kinsey Consulting Services, sediada em Berkeley Califrnia, discorre sobre as 6

    expresses universalmente conhecidas e compreendidas (alegria, tristeza, medo,

    averso/desprezo e raiva).

    De modo semelhante, o Psiclogo Paul Ekman, em A Linguagem das

    Emoes, dedicou-se ao estudo das expresses faciais mediante a percepo das reaes

    emocionais de diversas pessoas de lugares diferentes, chegando tambm indicao de

    que essas expresses podem realmente ser universais. No brilhante estudo, Ekman,

    declarou ter descoberto mais de dez mil expresses que uma face pode fazer, o que

    conduziria os leitores a suporem o quo difcil seria enveredar pelo caminho da

    compreenso da linguagem no verbal.

    bvio que no estamos querendo com este pequeno ensaio firmar

    convices, mas mostrar que possvel sim, com bastante exerccio, chegarmos a

    antever situaes por intermdio da leitura da linguagem no verbal. Nossa inteno

    despertar os responsveis pelo servio de segurana para o desenvolvimento de uma

    vertente interpretativa que pouco utilizada, visto que nos preocupamos muito com a

    fala do outro, porm, no com o aquilo que seu corpo est sinalizando. Nossos Agentes

    so preparados em escolas de formao a fazerem varredura visual do ambiente e a

    darem ou negarem informao a seus interlocutores, contudo, poucos so os que tm

    instruo a respeito da linguagem no verbal.

    Precisamos urgentemente inserir a cinesiologia como modalidade de

    leitura corporal nos currculos de formao desses profissionais, bem como incit-los

  • cada vez mais buscar os benefcios proporcionados pela viso sistmica. Este sem

    dvida o grande desafio!

    Na sequncia, exploraremos algumas dessas expresses apontadas pelos

    autores retromencionados, tendo por finalidade estimular ainda mais a curiosidade dos

    que lidam com a Segurana Patrimonial Pblica, notadamente, com o processo ensino-

    aprendizagem dos Agentes de Segurana. Assim, abordaremos os sinas no verbais que

    julgamos mais importantes para os profissionais da segurana, notadamente, os que

    podem ser detectados na raiva, surpresa e no medo.

    Raiva:

    Certamente, essa a expresso no verbal mais importante a

    ser detectada previamente por um Agente de Segurana Patrimonial.

    Quando identificada com preciso, pode evitar desdobramentos

    indesejveis, tais como: agresso verbal, agresso fsica, etc. Alm

    disso, a percepo facial da raiva d a vantagem ao Agente de

    preparar-se antecipadamente para a anlise do gradiente de fora

    empregada, se necessria.

    Comparando as duas figuras possvel relacionar as

    expresses no verbais de raiva que acomete as personagens. A

    anlise cinesiolgica apresenta em ambas as faces (da mulher e do

    homem) os dentes cerrados, os punhos fechados e o movimento dos

    braos agarrando o opositor.

    Tpica linguagem no verbal da raiva.

    Ao analisar as expresses no verbais acima preciso lembrar sempre

    dos 5 cs (contexto, conjunto, congruncia, consistncia e cultura) a fim de nos

    F(3) - Fonte: A Vantagem No Verbal

    F(2) - Fonte: A Linguagem das Emoes

    F(1) - Fonte: A Linguagem das Emoes

    Sobrancelhas unidas com cantos internos descendo na

    Direo do nariz.

    Olhos fixos e arregalados.

    Lbios cerrados.

  • assegurar de que o comportamento do outro representa uma ameaa proveniente de um

    sentimento de raiva. Ademais, caso detectemos realmente que se trata de demonstrao

    de raiva, faz sentido o Agente de Segurana refletir se ele o alvo dessa raiva ou no,

    pois, pode ser que a raiva tenha sido provocada por outra pessoa. De acordo com o Dr.

    EKMAN, a raiva difere de todas as outras emoes, sendo a mais perigosa por seu

    potencial violento.

    De qualquer modo, o eminente Doutor, chama a ateno para a conduo

    do dilogo que deve ser estabelecido aps ser observado que o sentimento demonstrado

    pelo interlocutor rene a linguagem no verbal da raiva. Diz ele:

    Nem sempre o caso de confrontar algum com raiva dizendo,

    por exemplo: Por que voc est com raiva de mim? ou mesmo um: Voc est com raiva? Essas perguntas so um convite para a pessoa responder algo ruim ou agir de modo

    raivoso, e isso nem sempre de seu interesse ou da pessoa.

    (Pg.157)2.

    Contrariamente a esta maneira de agir, ou seja, de incitar o interlocutor com esses

    tipos de questionamentos, a ao dialgica mais eficaz tentar estabelecer a empatia,

    numa clara demonstrao de que se reconhece o sentimento de raiva ao qual o

    interlocutor est sendo acometido no momento, exercitando outra ferramenta de

    abordagem muito apropriada para esses casos, a linguagem no violenta, assunto que

    ser nosso objeto de apreciao em outra oportunidade.

    Surpresa:

    Em relao surpresa, tanto o Dr. EKMAN quanto a Dra. GOMAN so

    categricos em afirmar ser esta demonstrao cinesiolgica muito rpida, em torno de 1

    a 2 segundos. Para a Doutora GOMAN, os sinais faciais que representam a surpresa

    so: as sobrancelhas erguidas, olhos arregalados e o maxilar inferior com frequncia

    cado, deixando que os lbios se separem. Todavia, o Dr. EKMAN ressalta o quo fugaz

    a expresso da surpresa, chegando mesmo a ser rara uma fotografia de tal expresso;

    para ele, no entanto, a surpresa s pode ocorrer diante de um evento sbito, inesperado.

    Assim, o que importa para o Agente de Segurana identificar esse tipo de

    comportamento, j que ele no se d a perceber facilmente (menos de 2 segundos)? Ora!

    Sabemos que o profissional da segurana, notadamente, o operacional, obrigado de

    vez em quando, a realizar abordagens em pessoas que demonstrem atitudes suspeitas.

    Nesses casos, razovel supor que uma pessoa sem segundas intenes, quando

    abordada pela segurana, tende a reagir com as caractersticas dos traos da surpresa,

    como se tivesse a fazer a pergunta: como assim?, contudo, o contrrio no

    2 EKMAN, Paul. A Linguagem das Emoes: Revolucione sua comunicao e seus relacionamentos

    reconhecendo todas as expresses das pessoas ao redor. So Paulo: Lua de Papel. 2011.

  • verdadeiro, isto , uma pessoa mal intencionada j espera sofrer algum tipo de

    abordagem, no se surpreendendo, portanto.

    Medo:

    O medo pode ser considerado uma reao sui generis. Alguns especialistas

    afirmam que a linguagem no verbal produzida pelo medo tributria de nossa

    ancestralidade, o que nos leva a inferir ser a reao do medo inata. Deste modo,

    qualquer ameaa fsica ou psicolgica pode disparar o gatilho do medo. O Dr. EKMAN

    denomina gatilho desaprendido para o medo quelas situaes em que pressentimos a

    possibilidade de sofrermos danos, quer sejam fsicos ou psicolgicos, via de regra,

    complementa, a evoluo desse sentimento pode ser esconder-se ou fugir. Ressaltamos,

    todavia, ser comum a existncia do medo associado raiva.

    Mas qual a importncia para o Agente de Segurana, o reconhecimento da

    linguagem no verbal do medo expressa em seu interlocutor?

    Bem! Em primeiro lugar importante ressaltar que o comportamento

    daquela pessoa que est acometida do sentimento de medo, pode assumir dois modelos

    de aes fundamentais, vale dizer, empreender fuga ou partir para o ataque. Esta ltima

    Sobrancelhas erguidas

    Tpica linguagem no verbal da surpresa

    Olhos arregalados

    Maxilar inferior cado

    F(4) Fonte: A Vantagem No Verbal

    F(5) Fonte: A Vantagem No Verbal

    Tpica linguagem no verbal do medo

    Sobrancelhas erguidas

    Olhos arregalados com as plpebras retesadas

    Lbios esticados para trs

  • atitude interessa ao Agente de Segurana, haja vista ter de estar preparado para

    responder rapidamente a qualquer tipo de ameaa, mais do que reconhecer a ameaa, a

    percepo do medo estampado na face de um oponente, torna-se para o profissional da

    segurana, uma questo de sobrevivncia.

    De acordo com o Dr. EKMAN, as pesquisas demonstraram trs

    diferenciaes possveis do medo, dependendo se a ameaa imediata ou iminente. Sob

    ameaa imediata, somos conduzidos a tomar decises paralisia, fuga ou ataque

    dependendo das circunstncias. Da a importncia de memorizarmos os 5 cs que

    devem ser avaliados medida em que a cena se desenrola. Lembra-nos ele, a

    interpretao que fazemos da linguagem no verbal apresentada pelo outro, requer

    cautela, porque, supondo que sabemos a causa de uma emoo, podemos cair na cilada

    de desconsiderar todas as outras possibilidades.

    Por fim, apresentamos a seguir um case, ocorrido no interior de um

    prdio da Administrao Pblica Federal em Braslia-DF, onde a aplicao dos

    pressupostos da inteligncia no verbal foram aplicados de maneira satisfatria,

    evitando, desta maneira, desdobramentos negativos para a imagem da Instituio.

    Relato de Caso:

    1) Contextualizao da Cena: Anlise do primeiro C

    Um senhor de aproximadamente 60 anos de idade, bem trajado,

    apresentou-se ao servio de recepo da Instituio necessitando falar com a maior

    autoridade do rgo, no caso, um Ministro de Estado. Aps receber a informao da

    recepcionista, que no seria possvel atender o seu pleito naquele momento, questionou-

    a sobre quem poderia resolver isso, j visivelmente irritado com a impossibilidade de

    ver atendida sua reivindicao. Normalmente nesses casos, a recepcionista encaminha a

    demanda para o Agente de Segurana, notadamente, quando percebe que o demandante

    est demonstrando alterao emocional, o que de resto foi feito.

    O Agente de Segurana por sua vez, embora tenha percebido a alterao

    de comportamento demonstrada pelo demandante alterao no tom de voz,

    gesticulao excessiva, dedo em riste, etc. reforou ao visitante a ideia de no poder

    satisfazer a sua vontade, porm, no lhe dando nenhuma alternativa, o que corroborou

    ainda mais para a exaltao do seu nimo de insatisfao, desencadeando naquele

    senhor o sentimento aparentemente de raiva por ter visto frustrado em seu objetivo. A

    partir da passou a proferir em alto e bom tom palavras depreciativas em relao

    Instituio e ao servio prestado.

  • Neste instante, percebendo que a situao estava saindo do controle e que

    as demais pessoas que visitavam a Instituio comeavam a dar ateno ao caso,

    aglomerando-se em volta da recepo e do prprio Agente de Segurana, fomos

    solicitados a intervir na cena, atravs de um chamado telefnico. Normalmente, nesses

    casos, desenvolvemos a prtica de escolher a Ttica de Ao Imediata (TAI) mais

    apropriada para contornarmos o problema, antes mesmo de chegar ao local da cena. Tal

    conduta auxilia a preparar, mentalmente e com brevidade, as aes que devero ser

    desencadeadas, tanto no plano estratgico-ttico quanto no operacional.

    Assim, no pequeno dilogo ao telefone, devem ser levantadas

    informaes genricas a respeito do que est ocorrendo, por exemplo, utilizando os

    seguintes questionamentos: Por que? Onde? e Como?. Esta atitude nos prepara para

    entender o que chamamos de Circuito Sistmico da Ao (CSA). Logo, quando se faz o

    questionamento por que, a inteno , preliminarmente, interessar-se pela demanda

    que est sendo colocada pelo interlocutor, isto , o que o levou instabilidade

    emocional; o onde, permite saber exatamente o local da cena, facilitando a melhor via

    de abordagem, e, finalmente, o como, revela a condio emocional e,

    consequentemente, o comportamento demonstrado pelo interlocutor se est calmo,

    agitado, agressivo, raivoso, etc.

    muito importante que toda a equipe de segurana tenha protocolos

    estabelecidos e treinados para determinadas aes; deste modo, sabedores do que fazer

    fica mais fcil sincronizar a sequncia que ser adotada. No caso em apreo, o protocolo

    : o Agente de Segurana no anuncia ao demandante a presena daquele que chegou

    para dar o suporte, apenas aguarda o momento oportuno deste se apresentar. Isso

    possibilita ao apoiador analisar a cena sem ser denunciado, pois, normalmente,

    quando h a anunciao de algum que, na imaginao do demandante, poder

    solucionar o seu problema, naturalmente, este passa a direcionar o foco para essa

    pessoa, no lhe dando a oportunidade de avaliar seu comportamento, estando ainda

    fora da cena.

    2) Verificao do Conjunto: Checagem do segundo C

    Neste caso, agimos segundo o protocolo. Na aproximao, procuramos

    checar os sinais no verbais emitidos pelo visitante, j que a voz estava bastante alterada

    chamando a ateno de todos os presentes na recepo. Temos notado ao longo de

    alguns incidentes semelhantes a este caso que, normalmente, uma pessoa descontrolada

    emocionalmente, gosta de chamar para si a ateno daquelas que esto ao seu redor, e,

    quanto mais a platia se interessa pela cena, mais ainda ela refora o comportamento do

  • ator. Se algum dessa platia toma partido e apia a sua causa, a atitude

    comportamental ganha fora e a situao tende a piorar. Realizamos a observao

    multifocal a fim de detectarmos as emisses da face, dos membros superiores e

    inferiores.

    Descartada, em princpio, a possibilidade de agresso fsica em funo do

    descontentamento do visitante, visto que as mos no estavam cerradas nem os braos

    retesados; porm, as pernas estavam afastadas em relao ao Agente de Segurana, o

    que poderia ser um sinal claro de resistncia. Passamos leitura focal, ou seja,

    concentramos nossa ateno aos sinais faciais. Os cantos internos das sobrancelhas

    estavam levemente unidos e dirigidos para o centro do nariz; os olhos permaneciam

    fixos no Agente de Segurana, no desviando nem mesmo quando fizemos,

    propositadamente, um barulho batendo com a palma da mo em uma mesa prxima

    cena. A rigor, a anlise preliminar do conjunto, levava a crer que se tratava de uma

    tpica demonstrao de raiva.

    3) Buscando a Congruncia: Prosseguindo para o terceiro C

    Levando em considerao o contexto e o conjunto, isto , a compreenso

    do por que e do como o problema comeou, bem como a tonalidade da voz e as

    expresses faciais; poderamos assumir que havamos detectado 97%3 da mensagem

    no verbal que o visitante estava passando. Ao mesmo tempo, a anlise de congruncia

    mostrava-nos a divergncia existente entre a fala e os gestos que o visitante repetia com

    a cabea, ou seja, enquanto fazia afirmaes depreciativas em alto tom sobre a

    Instituio, balanava a cabea para a direita e para a esquerda num tpico gesto de

    negao daquilo que estava afirmando. (SIC) Isso aqui uma baguna... No existe

    respeito pelas pessoas... Onde j se viu um Ministro no receber um cidado que paga

    seus impostos... Um ex-servidor pblico como ele!... Vocs no sabem prestar servio

    pblico ao cidado... Eu que pago o salrio de vocs! At aqui, o resumo da pera

    era: o visitante est raivoso, porm, ele no est seguro de que tenha razo plena do

    motivo dessa raiva.

    4) O maior desafio: Detectar o quarto C Consistncia

    Certamente, a maior dificuldade para a anlise da linguagem no verbal

    a deteco da consistncia de algum que acabamos de conhecer; isto porque, no a

    vimos em situao normal, portanto, no sabemos nada do seu comportamento usual,

    3 MEHRABIAN apud GOMAN, Carol Kinsey. A Vantagem No Verbal. Traduo de Denise Jardim Duarte. Petrpolis, RJ: Vozes, 2010. Um clssico estudo do Dr. Albert Mehrabian na Universidade da Califrnia, em Los Angeles, concluiu que o impacto total de uma mensagem baseia-se em 7% nas palavras usadas, 38% no tom de voz e 55% nas expresses faciais, gestos manuais, posies do corpo e outras formas de comunicao no verbal.

  • dos gestos que costuma fazer, de sua postura corporal em determinada situao; enfim,

    ficamos limitados cena que estamos presenciando to-somente. bastante plausvel o

    questionamento mas no estamos analisando gestos universais? Logo, podemos inferir

    que, a linguagem no verbal emitida por qualquer pessoa, mesmo aquelas que nos so

    desconhecidas deve ser semelhante! A resposta sim e no. Uma coisa convivermos

    com as pessoas durante um bom tempo e observarmos suas atitudes em diversos

    momentos dessa convivncia sob presso, relaxada, estressada, etc. assim, ao longo

    desse contato prolongado passamos a perceber as sutis mudanas comportamentais

    dessas pessoas, em outras palavras, entramos em sintonia com ela. Ento, sabemos o

    que as incomodam, o modo como ficam instabilizadas ou inseguras. Outra coisa

    termos o primeiro, e talvez nico, contato com uma pessoa e a partir disso tentarmos

    estabelecer com acerto se h ou no coerncia em suas atitudes.

    No caso apresentado, a anlise da consistncia ficaria prejudicada at que

    o ltimo C fosse alcanado, o que foi feito a seguir.

    5) Fechando o ciclo sistmico: compreendendo a cultura o ltimo C

    Em qualquer circunstncia, a compreenso da cultura do outro

    fundamental. No momento em que buscamos apreender os aspectos culturais do nosso

    interlocutor abrimos a possibilidade de entrar em empatia com ele, evitando, deste

    modo, que nossos sentimentos contemplem falsos julgamentos. A cultura o

    instrumento que afina a sintonia entre o emissor e o ouvinte. Apesar de os gestos

    universais revelarem comportamentos similares nos seres humanos, nada mais

    significativo do que conhecer a cultura que refora ou afasta esses gestos.

    Foi justamente essa atitude que tomamos ao abordar o nosso visitante.

    Segue o dilogo estabelecido:

    Ch Seg Bom dia! Posso ajud-lo? (tom de voz bem abaixo do tom de

    voz do visitante para for-lo a tambm baixar o seu tom, a fim de nos ouvir).

    Visitante Quem o senhor? (observem que a resposta no foi a

    contrapartida do bom dia, mas a necessidade de saber qual era o nosso cargo e se, em

    funo da posio ocupada dentro da estrutura, poderamos resolver o problema).

    Pressentindo o modelo de discurso positivista, prprio de determinada

    cultura, prosseguimos:

    Ch Seg Declinei o nome, sem falar a funo.

    Visitante Sim, mas o senhor faz o que aqui?

    Ch Seg Sou o Chefe da Segurana, e o Senhor?

  • Visitante Sou Capito reformado da Fora Armada e quero falar com o

    senhor Ministro ou a mais alta autoridade abaixo dele... me disseram que o Ministro no

    recebe ningum, isso um absurdo!

    Atentem para o detalhe de que o visitante alm de no se interessar pelo

    meu nome, seno pela funo exercida, no proferiu o seu nome tambm, mas o Posto

    militar em que foi reformado, numa demonstrao clara de reforo de autoridade

    reconhecida em sua cultura. que os militares, por questes culturais, normalmente

    proferem a graduao ou o posto que ocupam ou ocuparam quando na atividade, antes

    de pronunciarem o seu nome.

    Outra caracterstica da cultura militar o falar com o timbre de voz mais

    acentuado, no no intuito de intimidao ou desrespeito ao interlocutor, mas por ser

    prprio daqueles que precisam comandar tropas com mais de cinqenta homens e

    necessitam se fazerem ouvir. De certa forma, o tom de voz do visitante havia ganhado

    um reforo por conta da situao vivenciada naquele momento.

    Entendendo um pouco da cultura do interlocutor, fizemos a seguinte

    proposta:

    Ch Seg O senhor pode me acompanhar por favor?

    Visitante Sim!

    O objetivo principal era tirar o visitante do centro das atenes e, ao

    mesmo tempo, liberar o Agente de Segurana. A prxima meta era faz-lo reduzir ainda

    mais o timbre da voz e tentar acalm-lo, para que ele pudesse compreender a inteno

    do dilogo que se deseja estabelecer. No momento em que o visitante se disps a nos

    acompanhar, solicitamos:

    Ch Seg Estou passando por um problema no ouvido direito, o senhor

    poderia falar um pouco mais baixo?

    Visitante Desculpe-me, que fiquei um pouco nervoso com a mocinha

    e o rapaz, o segurana!

    Ch Seg Claro, eu entendo. muito desagradvel quando temos uma

    necessidade e no conseguimos v-la satisfeita, mas estou aqui para ajud-lo, pode

    acreditar!

    A empatia estava estabelecida. O interesse demonstrado pela necessidade

    do visitante, e mais, ao construirmos o discurso calcado na ideia de que sentimos a

    mesma frustrao quando somos impedidos, por algum motivo, de realizar nossas

    intenes, foi o suficiente para traz-lo de volta tranqilidade emocional.

    Ch Seg Fale-me, o que o senhor precisa?

  • Visitante Sou militar reformado e preciso solicitar um documento

    referente poca em que estava servindo e me informaram que somente o Ministro

    pode me dar esse documento, ento, preciso falar com ele ou com alguma autoridade

    que responda por ele para conseguir esse documento.

    Ch Seg Mas de qual documento especificamente o senhor necessita?

    Visitante uma certido do tempo de servio.

    Ch Seg Entendo. Mas receio que tenham prestado a informao errada

    ao senhor; normalmente, esse tipo de documento expedido pela Fora qual o senhor

    pertence. Se o senhor me permitir, vou orient-lo para o setor que trata desse assunto na

    Fora qual o senhor esteve vinculado. Pode ser?

    Visitante Eu lhe agradeo muito. Inclusive, gostaria de pedir desculpas

    ao rapaz e a menina que me atenderam. Acho que fiquei nervoso com eles.

    Ch Seg Fique tranqilo. Eles esto preparados para essas situaes!

    Aps isso, o visitante foi encaminhado para o local exato onde deveria

    sanar o seu pleito.

    Este apenas um dos diversos cases que tivemos a oportunidades de

    intervir e conseguir solucionar o problema. No h dvidas que o conhecimento da

    Inteligncia no Verbal emprestou bastante auxlio ao desfecho positivo da questo,

    preservando a imagem da Instituio e dom bom servio prestado pela Segurana

    Patrimonial Pblica.

    Resta, pois, lembrar que os pressupostos aqui explorados no se destinam

    apenas ao ramo da atividade de segurana, pblica ou privada, mas podem e devem ser

    treinados dentro da empresa, no escritrio, em casa ou em qualquer outro lugar onde

    haja interao humana.

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    EKMAN, Paul. A Linguagem das Emoes. Revolucione sua comunicao e seus

    relacionamentos reconhecendo todas as expresses das pessoas ao redor. So Paulo: Lua

    de Papel, 2011.

    GOMAN, Carol Kinsey. A Vantagem No Verbal Segredos e cincia da linguagem

    corporal no trabalho. Petrpolis, RJ: Vozes, 2010.