insuficiência adrenal primária na infância revisão · ciente de aldosterona, manifestando-se...

7
739 Arq Bras Endocrinol Metab vol 48 nº 5 Outubro 2004 RESUMO A insuficiência adrenal primária manifesta-se raramente na infância, podendo apresentar-se de forma insidiosa ou aguda, especialmente na vigência de um estresse desencadeante. Os sinais clínicos são inespecíficos e incluem fraqueza, inapetência, náuseas e vômitos, dor abdominal e diarréia, hipotensão, hipoglicemia e desidratação. As causas podem ser adquiridas (hiperplasia adrenal congênita, doença de Addison, hipoplasia adrenal, adrenoleucodistrofia, doenças de depósito etc). A presença de história familial, consangüinidade, doenças de base e fatores desencadeantes deve ser valorizada para a elucidação diagnóstica. A investigação laboratorial inclui a determi- nação do cortisol, ACTH, bem como de precursores da esteroidogê- nese. O teste de estímulo com ACTH é reservado para os quadros inter- mediários. A quantificação dos auto-anticorpos anti-adrenal e os estu- dos moleculares estão indicados na confirmação diagnóstica de quadros específicos. O tratamento substitutivo com glicocorticóide, e se necessário a associação com mineralocorticóide, deve ser instituído de forma precoce e utilizando-se a menor dose que controle os sin- tomas e restabeleça um crescimento estatural e desenvolvimento puberal adequados. (Arq Bras Endocrinol Metab 2004;48/5:739-745) Descritores: Insuficiência adrenal; Infância ABSTRACT Primary Adrenal Insufficiency in Children. Primary adrenal insufficiency is a rare pediatric condition, which can be presented as chronic or acute forms, especially during stress. The clini- cal features are unspecific and include weakness, nausea and vomit- ing, abdominal pain and diarrhea, arterial hypotension, hypoglycemia and dehydration. The etiology can be acquired such as infectious, hem- orrhagic and drug-induced disorders, or be dependent on a genetic origin, such as congenital adrenal hyperplasia, Addison’s disease, congenital adrenal hypoplasia, adrenoleucodystrophy, or deposit dis- orders of the adrenal gland. The familial history, presence of consan- guinity, adjacent diseases and associate factors, should be considered to confirm the diagnosis. Laboratory investigation includes cortisol, ACTH and the determination of the steroidogenic precursors. The ACTH stimu- lation test is performed in intermediate conditions. Adrenal auto-anti- bodies quantitation and molecular studies can be helpful to confirm specific diseases. A substitutive glucocorticoid and mineralocorticoid therapy should be started as soon as the diagnosis is confirmed. The treatment aimed to control the symptoms with the smaller dose that can allow an adequate growth and pubertal development. (Arq Bras Endocrinol Metab 2004;48/5:739-745) Keywords: Adrenal insufficiency; Childhood revisão Insuficiência Adrenal Primária na Infância Carlos Alberto Longui Unidade de Endocrinologia Pediátrica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP. Recebido em 14/06/04 Aceito em 18/06/04

Upload: lamtuong

Post on 10-Oct-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Insuficiência Adrenal Primária na Infância revisão · ciente de aldosterona, manifestando-se desde o perío-do neonatal, ou aparecer posteriormente durante a infância, ou até

739Arq Bras Endocrinol Metab vol 48 nº 5 Outubro 2004

RESUMO

A insuficiência adrenal primária manifesta-se raramente na infância,podendo apresentar-se de forma insidiosa ou aguda, especialmentena vigência de um estresse desencadeante. Os sinais clínicos sãoinespecíficos e incluem fraqueza, inapetência, náuseas e vômitos, dorabdominal e diarréia, hipotensão, hipoglicemia e desidratação. Ascausas podem ser adquiridas (hiperplasia adrenal congênita, doençade Addison, hipoplasia adrenal, adrenoleucodistrofia, doenças dedepósito etc). A presença de história familial, consangüinidade,doenças de base e fatores desencadeantes deve ser valorizada paraa elucidação diagnóstica. A investigação laboratorial inclui a determi-nação do cortisol, ACTH, bem como de precursores da esteroidogê-nese. O teste de estímulo com ACTH é reservado para os quadros inter-mediários. A quantificação dos auto-anticorpos anti-adrenal e os estu-dos moleculares estão indicados na confirmação diagnóstica dequadros específicos. O tratamento substitutivo com glicocorticóide, ese necessário a associação com mineralocorticóide, deve ser instituídode forma precoce e utilizando-se a menor dose que controle os sin-tomas e restabeleça um crescimento estatural e desenvolvimentopuberal adequados. (Arq Bras Endocrinol Metab 2004;48/5:739-745)

Descritores: Insuficiência adrenal; Infância

ABSTRACT

Primary Adrenal Insufficiency in Children.Primary adrenal insufficiency is a rare pediatric condition, which can bepresented as chronic or acute forms, especially during stress. The clini-cal features are unspecific and include weakness, nausea and vomit-ing, abdominal pain and diarrhea, arterial hypotension, hypoglycemiaand dehydration. The etiology can be acquired such as infectious, hem-orrhagic and drug-induced disorders, or be dependent on a geneticorigin, such as congenital adrenal hyperplasia, Addison’s disease,congenital adrenal hypoplasia, adrenoleucodystrophy, or deposit dis-orders of the adrenal gland. The familial history, presence of consan-guinity, adjacent diseases and associate factors, should be consideredto confirm the diagnosis. Laboratory investigation includes cortisol, ACTHand the determination of the steroidogenic precursors. The ACTH stimu-lation test is performed in intermediate conditions. Adrenal auto-anti-bodies quantitation and molecular studies can be helpful to confirmspecific diseases. A substitutive glucocorticoid and mineralocorticoidtherapy should be started as soon as the diagnosis is confirmed. Thetreatment aimed to control the symptoms with the smaller dose that canallow an adequate growth and pubertal development. (Arq BrasEndocrinol Metab 2004;48/5:739-745)

Keywords: Adrenal insufficiency; Childhood

revisãoInsuficiência Adrenal Primáriana Infância

Carlos Alberto Longui

Unidade de EndocrinologiaPediátrica da Irmandade da

Santa Casa de Misericórdia deSão Paulo, São Paulo, SP.

Recebido em 14/06/04Aceito em 18/06/04

Page 2: Insuficiência Adrenal Primária na Infância revisão · ciente de aldosterona, manifestando-se desde o perío-do neonatal, ou aparecer posteriormente durante a infância, ou até

Insuficiência Adrenal Primária na InfânciaLongui

740 Arq Bras Endocrinol Metab vol 48 nº 5 Outubro 2004

AP R O D U Ç Ã O I N S U F I C I E N T E D E C O R T I S O L, por vezesacompanhada de deficiência concomitante de aldos-

terona, é uma situação relativamente rara na infância. Oquadro clínico é caracterizado por sintomas e sinaisinespecíficos, exigindo que o pediatra esteja atento aossinais clínicos que, em conjunto, devem fazer suspeitar dainsuficiência adrenal. Os sintomas podem ser manifestosde forma aguda ou insidiosa, por vezes apenas aparentesna vigência de um estresse desencadeante.

O quadro clínico inclui falha do crescimento,fraqueza, anorexia, mal estar, tonturas, náuseas, vômi-tos, diarréia e dor abdominal, sinais sugestivos dehipoglicemia, hipotensão, coma, sinais de desidratação,até choque hipovolêmico (1).

A prevalência em adultos é estimada em cercade 120 casos/milhão, não havendo estimativa segurana infância (2).

A insuficiência adrenal primária (origem adre-nal) cursa com redução da síntese do cortisol e conse-qüente diminuição do f e e d b a c k negativo sobre oACTH, resultando em hiperpigmentação cutânea, aqual pode ser generalizada ou predominar nas superfí-cies extensoras, pregas palmares e bordas gengivais.

A deficiência de cortisol determina ainda leu-copenia com eosinofilia, hipercalcemia leve a moderadae hipoglicemia. A deficiência de aldosterona induz ahiponatremia, hiperpotassemia e aumento da atividadeplasmática de renina.

MECANISMOS ETIOPATOGÊNICOS DAINSUFICIÊNCIA ADRENAL PRIMÁRIA

Independente da forma de apresentação clínica agudaou insidiosa, a insuficiência adrenal primária pode serclassificada, quanto à sua causa, em adquirida ougenética (tabela 1). As causas adquiridas incluem

doenças infecciosas como a tuberculose, histoplasmosee infecção pelo vírus HIV, doenças bacterianas agudascomo a meningococcemia, além de doenças que deter-minam quadros hemorrágicos incluindo as adrenais,como as observadas nas diáteses hemorrágicas. Podemser, ainda, precipitados pela combinação de anóxia esepsis em recém-nascidos grandes ou pequenos para aidade gestacional com quadros infecciosos associados arabdomiólise e insuficiência renal (1-4).

Dentre as causas genéticas (tabela 2), destaca-sea hiperplasia adrenal congênita (HAC), determinadapor expressão deficiente das enzimas e proteínasenvolvidas na síntese adrenal do cortisol: 21 hidroxi-lase, 11-ß hidroxilase, 3-ß hidroxiesteróide desidroge-nase, 17 hidroxilase e da proteína StAR (steroidogenicacute regulatory protein). Dependendo da forma daHAC, a síntese do cortisol pode estar comprometidaem grau variável, associada ou não à produção defi-ciente de aldosterona, manifestando-se desde o perío-do neonatal, ou aparecer posteriormente durante ainfância, ou até mesmo no adulto jovem. As demaiscausas genéticas de insuficiência adrenal são descritas aseguir, sendo classificadas de acordo com o tipo decomprometimento adrenal.

Doenças Determinantes de DestruiçãoAdrenal (5-8)

Doença de Addison AutoimuneNa infância, a doença de Addison se manifesta numcomplexo autoimune (Síndrome Autoimune Poliglan-dular tipo 1, também conhecida como APECED –autoimmune polyendocrinopathy-candidiasis-ectoder -mal dystrophy syndrome) que associa a insuficiênciaadrenal primária, candidíase mucocutânea, ohipoparatireoidismo, hipogonadismo, ceratopatia,vitiligo, alopécia, anemia perniciosa, distrofia de unhas

Tabela 1. Classificação etiológica da insuficiência adrenal primária.

ADQUIRIDASInfecciosas: tuberculoses, blastomicose, histoplasmose, HIV, Sepsis por infecção bacteriana aguda; (meningo-coco, pseudomonas, vasculite da Síndrome de Waterhouse-Friderichsen)

Hemorrágicas: recém nascido grande para idade gestacional; Diáteses hemorrágicasMedicamentos: Bloqueio síntese cortisol: aminoglutetemida, etomidato, ketoconazol, metirapona, suramin;Acelera degradação cortisol: rifampicina, fenitoína, barbitúricos

GENÉTICASHiperplasia adrenal congênitaDoença de Addison autoimuneHipoplasia adrenal Congênita: SF1 ou DAX1AdrenoleucodistofiaSíndrome do Triplo ADoença de WolmanSíndrome de resistência ao ACTHSíndrome Smith-Lemli-OpitzDoença mitocondrialDoenças de Depósito: Amiloidose, hemocromatose

Page 3: Insuficiência Adrenal Primária na Infância revisão · ciente de aldosterona, manifestando-se desde o perío-do neonatal, ou aparecer posteriormente durante a infância, ou até

Insuficiência Adrenal Primária na InfânciaLongui

741Arq Bras Endocrinol Metab vol 48 nº 5 Outubro 2004

e esmalte dentário e hepatite crônica ativa (tabela 3).Estas anormalidades têm herança autossômica recessi-va e se devem a mutações do gene AIRES-1 (OMIM240300), um gene supressor autoimune que codificaum fator de transcrição.

Na síndrome autoimune poliglandular tipo 2(SAP-2), ocorre a associação da doença de Addisoncom tireoidite autoimune e/ou diabetes mellitus tipo1, manifestando-se habitualmente em criançasmaiores, adolescentes ou no adulto. A ausência decandidíase mucocutânea e de hipoparatireoidismo sãocritérios essenciais para a caracterização da SAP-2. Nadécada de 20, Schmidt descreveu a associação entre adoença de Addison e a tireoidite crônica. Mais tarde,na década de 60, estas doenças foram correlacionadaspor Carpenter e colaboradores ao diabetes mellitus.Segundo classificação proposta por Neufeld na décadade 80, a disfunção tireoideana autoimune, associada aqualquer outra doença glandular autoimune (excetoadrenalite), caracterizaria uma terceira síndromedenominada SAP-3, representando a combinaçãomais freqüente de distúrbios autoimunes endócrinos.A maior parte dos autores não diferencia os subtipos2 e 3, considerando que não há diferenças signifi-cantes para o diagnóstico e prognóstico evolutivoentre os quadros, além de freqüente o v e r l a p entre asmanifestações. A síndrome autoimune poliglandularligada ao X é bem mais rara, tem apresentação geral-mente neonatal com extensa e severa autoimunidade,diabetes mellitus neonatal e síndrome de mal-absorção, e parece estar relacionada à mutação dogene FOXP3.

Outras doenças mais raras podem cursar comdoença adrenal autoimune, como a síndrome POEMS(polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, M-proteína, anormalidade da pele, associada à plasmoci-tose); a síndrome de Hirata (hipoglicemia induzidapor anticorpos anti-insulina, desencadeada pelo uso demetimazol); a resistência à insulina tipo B (anticorposanti-receptor insulina, associado Lupus eritematososistêmico); a síndrome de Wolfran (DIDMOAD: dia-betes insípidus, diabetes mellitus, atrofia óptica, sur-dez); a síndrome de Kearns-Sayre (oftalmoplegia,retinite pigmentosa, diabetes mellitus, tireoidite ehipoparatireoidismo autoimune).

O grande espectro sintomático das síndromesautoimunes poliglandulares se deve à produção deanticorpos contra um grande número de auto-antígenos (tabela 4).

Adrenoleucodistrofia (OMIM 300100) (2)Doença ligada ao cromossomo X (Xq28) com incidên-cia de 1:20000, caracterizada pelo acúmulo de ácidosgraxos de cadeia muito longa (VLCFAs) no plasma eadrenais, representando a causa mais freqüente deinsuficiência adrenal em homens. O cone ß-oxidaçãoanormal de ácidos graxos com 24 ou mais carbonos,causando desmielinização progressiva no SNC. Oaumento das VLCFAs já pode ser observado no plas-ma desde o nascimento, mas o quadro neurológicohabitualmente se manifesta após os 3 anos de idade.

O gene mutado codifica uma proteína de mem-brana do peroxissoma (ALDP) pertencente a umafamília de transportadores dependentes ATP, respon-sável pela entrada de VLCFA ativados pela acil-coenzi-ma A/ nos peroxissomos, onde serão posteriormenteencurtados por beta-oxidação. Formas (VLCFA-CoA)mais brandas da doença podem ser observadas, comoa adrenomieloneuropatia ou a insuficiência adrenal iso-lada (15% casos). Portanto, a quantificação plasmáticados VLCFAs deve ser realizada em todo menino cominsuficiência adrenal, e anticorpos anti-adrenais nega-tivos. Mulheres heterozigotos raramente manifestamsintomas. A avaliação pré-natal pode incluir a quantifi-cação dos VLCFAs em vilo corial e líquido amnióticoou avaliação molecular nas células fetais. Efeito tera-pêutico discutível é apontado para o óleo de Lorenzo(gliceril-troleato: gliceril-trierucato, em proporção4:1). Efeito também controverso é apontado para alovastatina. Em fases precoces da doença, o transplantede medula óssea parece determinar benefícios clínicos.Terapia gênica dirigida à expressão do gene ALD emcélulas-tronco tem sido testada recentemente. Existeum potencial terapêutico ainda não estudado ade-

Tabela 2. Causas genéticas da insuficiência adrenal

Doença Gene LocalizaçãoCromossômica

SAP1 (APECED) AIRE1 21q22SAP2 HLA 6p21

CTLA4 2q33Adrenoleucodistrofia ALD Xq28Hipoplasia adrenal:Ligada ao X DAX-1 Xp21Autossômica SF1 9q33Resistência ao ACTHDeficiência FamilialGlicocorticóide Receptor ACTH 18p11Síndrome Triplo-A 12q13Kearns-Sayre DNA mitocondrialSmith-Lemli-Opitz DHCR7 11q12-13Hiperplasia AdrenalCongênita:21-hidroxilase CYP21 6p213ß-HSD tipo 2 3 ß HSD2 1p1311ß-hidroxilase CYP11 ß1 8q2217 -hidroxilase CYP17 10q24-25Lipóide Star 8p11SAP= síndrome autoimune poliglandular.

Page 4: Insuficiência Adrenal Primária na Infância revisão · ciente de aldosterona, manifestando-se desde o perío-do neonatal, ou aparecer posteriormente durante a infância, ou até

Insuficiência Adrenal Primária na InfânciaLongui

742 Arq Bras Endocrinol Metab vol 48 nº 5 Outubro 2004

Doença SAP-1 (%) SAP-2 (%) SAP-3 (%)Insuficiência Adrenal 86 100 0Hipoparatireoidismo 77 # #Insuficiência Ovariana 60 7 #Insuficiência Testicular 14 # #DM-1 8 41 5Doença Tireoideana Autoimune 8 69 100Adeno-hipofisite 1 # #Diabetes Insípidus # # #Candidíase 87Hipoplasia Esmalte Dentário 77Distrofia Ungueal 52Ceratopatia 35Calcificação timpânica 33Alopécia 29 1 1Branqueamento capilar precoce 2 10 2Vitiligo 30 5 5Má absorção intestinal 20Anemia perniciosa/Gastrite atrófica 13 30 25Hepatite crônica ativa 12 2 3Doença Celíaca #Doença de Crohn #Miopatia Progressiva #Aplasia Eritrocitária #S. Sjögren #Miastenia gravis # #Púrpura trombocitopênica # #* Maior parte dos autores considera SAP-II em conjunto, não diferenciando entre SAP- 2 e 3# Associado, mas com freqüência desconhecidaAdaptado de Brosnan & Riley, in: Pediatric Endocrinology, capítulo 18, pg. 512, 1997.

Tabela 4. Principais alvos auto-antigênicos associados à síndromeautoimune poliglandular.

Doença Auto-antígenoAddison P450C21 e P450scc,C17Acloridria Fator intrínsecoHepatite autoimune Enzimas do citocromo P450 hepáticasDoença celíaca Transglutaminase, endomísio, gliadinaDiabetes Mellitus Insulina e proinsulina

Descarboxilase do ácido glutâmicoIA2, IA2bCarboxipeptidase HICA 69Glima 3B

Doença Graves Receptor TSHTireoidite Hashimoto Tireoglobulina

TireoperoxidaseMiastenia Gravis Receptor de acetilcolinaAnemia Perniciosa ATPase H+/K+

Insuficiência gonadal P450C17 (17OHase); P450 sccVitiligo Tirosinase

Proteína relacionada tirosinaseAlopécia Areata Tirosina hidroxilaseHipoparatireoidismo Receptor-sensor de cálcioMalabsorção Triptofano hidroxilase

quadamente, com o uso de análogos do ácido butírico(4-fenilbutirato) capazes de aumentar a expressão daALDRP e conseqüente oxidação dos VLCFAs.

Doença de Wolman (OMIM 27800)Secundária à deficiência de lipase ácida lisossomal(LIPA), caracterizada por deficiente ação da hidrolase

sobre o colesterol, que cursa com depósito de lipídeosmanifestando-se por hepato-esplenomegalia, síndromede malabsorção e calcificação adrenais. O gene quecodifica a LIPA foi mapeado no cromossomo 10(10q24-25). O quadro clínico pode estar presente naprimeira infância ou mais tardiamente numa formaparcial do defeito. Os xantomas podem se desenvolver

Tabela 3. Freqüência de associação das doenças autoimunes nas SAP*.

Page 5: Insuficiência Adrenal Primária na Infância revisão · ciente de aldosterona, manifestando-se desde o perío-do neonatal, ou aparecer posteriormente durante a infância, ou até

Insuficiência Adrenal Primária na InfânciaLongui

743Arq Bras Endocrinol Metab vol 48 nº 5 Outubro 2004

no fígado, adrenais, baço, gânglios, medula óssea,intestino delgado, pulmões, timo, e em menor gravi-dade na pele, retina e SNC. A calcificação das adrenaistem aspecto puntiforme difuso.

Doenças Determinantes de DisgenesiaAdrenal (2,4)

Hipoplasia Adrenal Congênita PrimáriaDesenvolvimento insuficiente ou atrofia adrenal,camada por expressão anormal de genes envolvidos nadiferenciação adrenal, que habitualmente codificamfatores de transcrição como o SF1 (Steroidogenic factor1), ou receptores nucleares órfãos como o DAX1(dosage-sensitive sex reversal; adrenal hypoplasia gene 1in the X-chromosome).

Mutação da Proteína SF1: Codificada pelo geneNR5A1 localizado no cromossomo 9p33 (OMIM184757). Apresenta formas com herança autossômico-dominante ou autossômico-recessiva e cursa com insu-ficiência adrenal em pacientes com cariótipo XY, sexoreverso e presença de útero. Formas mais brandas, comcariótipo XX e insuficiência adrenal de caráterautossômico-dominante, também foram descritas.Uma forma recessiva também foi descrita em indivídu-os com rearranjo cromossômico (5p duplic; 11g-) por-tadores da Síndrome denominada IMAGE (retardointra-uterino, displasia metafisária, hipoplasia adrenal,malformação genito-urinárias).

Mutação da Proteína DAX1: Codificada pelogene NR0B1 (AHC; OMIM 300200) localizado nocromossomo Xp21. Expresso nas adrenais, gônadas,hipotálamo e gonadotrofos hipofisários, cursa cominsuficiência adrenal e perda de sal desde as primeirassemanas de vida, ou mais tardias durante a infância.Quadro combinado de insuficiência gonadal e hipogo-nadismo hipogonadotrófico é observado com o passarda idade. As mutações da proteína DAX1 podem ocor-rer em associação à mutação do gene da gliceroquinase(hipoglicemia associada à elevação glicerol e pseudo-trigliceridemia) e da distrofia muscular de Duchene.

Hipoplasia Adrenal Congênita Secundária àResistência Adrenal ao ACTHMutação no Receptor ACTH (MC2R): Codificadopelo gene MC2R localizado no cromossomo 18p11-2(OMIM:607397). O receptor do ACTH é uma pro-teína de superfície celular pertencente à superfamíliados receptores ligados à proteína G. Determina umadeficiência familial de glicocorticóides (FGD1), decaráter autossômico-recessivo, e que cursa com defi-ciência isolada de cortisol, hipoglicemia e alta estatura.

Síndrome do Triplo A (Síndrome de Allgrove;OMIM: 605378): Manifesta-se por acalásia do cárdiaesofágico, alacrimia e insuficiência adrenal primária. Ogene responsável pelo quadro é o AAAS localizado nocromossomo 12q13 e que codifica a proteínaALADIN, uma molécula sinalizadora na carioteca, quepossui seqüências de consenso tipo repetições WD.

Doenças Determinantes de Defeitos daEsteroidogêneseComo descrito previamente, a expressão insufi-ciente de enzimas e proteínas de transporte envolvi-das na esteroidogênese adrenal pode determinar asecreção insuficiente do cortisol, elevação do ACTHe conseqüente hiperplasia adrenal. Outros defeitosrelacionados à esteroidogênese podem cursar cominsuficiência adrenal.

MitocondriopatiasComo na Síndrome de Kearns-Sayre. Cursam comacidose lática crônica, miopatia, catarata, surdez neu-rossensorial e disfunções endócrinas caracterizadaspor baixa estatura, hipogonadismo, diabetes mellitus,hipoparatireoidismo, hipotireoidismo e insuficiênciaadrenal. O quadro se deve a grandes deleções doDNA presente nas mitocôndrias.

Metabolismo inadequado do ColesterolO colesterol é transportado até as adrenais pelas lipopro-teínas LDL e HDL. Na abetalipoproteinemia e na defi-ciência congênita de receptores da LDL (hipercoles-terolemia familial homozigótica) existe uma reduçãomoderada da resposta ao ACTH, mas que não costumamanifestar-se clinicamente de forma significante.

Síndrome de Smith-Lemli OpitzSecundária à mutação do gene DHCR7 presente nocromossomo 11q12-13 e que codifica a enzimaesterol-17-redutase, que catalisa a passagem final dabiossíntese do colesterol. Manifesta-se com retardometal, microcefalias, fácies característico, anormali-dades cardíacas congênitas, sindactilia 2º e 3º dedos,hipospádia e fotossensibilidade.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA INSUFI-CIÊNCIA ADRENAL PRIMÁRIA (6,9)

A capacidade de realizar o diagnóstico da insuficiênciaadrenal de forma rápida e precisa depende da adequa-da valorização de sinais e sintomas isoladamenteinespecíficos. Tais aspectos clínicos, diante de um

Page 6: Insuficiência Adrenal Primária na Infância revisão · ciente de aldosterona, manifestando-se desde o perío-do neonatal, ou aparecer posteriormente durante a infância, ou até

Insuficiência Adrenal Primária na InfânciaLongui

744 Arq Bras Endocrinol Metab vol 48 nº 5 Outubro 2004

profissional experiente e atento às peculiares caracterís-ticas de apresentação da insuficiência adrenal, devemser suficientes para incluir a insuficiência adrenal nalista de diagnósticos diferenciais.

A apresentação de sinais e sintomas, bem comoas principais alterações laboratoriais, relacionados àdeficiência de cortisol e/ou aldosterona (tabela 5)podem ter manifestação aguda, crônica ou como umacrise aguda em pacientes com anormalidades crônicasnão reconhecidas previamente.

Em quadros de manifestação clínica aguda, apósa observação de exames laboratoriais gerais sugestivos eobtenção de uma amostra de soro e de plasma (“amostracrítica”) para a realização de exames hormonais basais(cortisol, ACTH, aldosterona, atividade plasmática derenina), o paciente deve ser tratado com substituição deglicocorticóides em doses compatíveis com o grau deestresse vigente. Colhida a “amostra crítica”, o trata-mento não deve esperar os resultados dos exames hor-monais para seu início. O paciente deve receberesteróide com atividade glico e mineralocorticóide(hidrocortisona), por via endovenosa. As doses deestresse moderado e severo correspondem a valoresentre 50 e 100mg/m2, oferecidas em bolo endovenoso,seguidas da mesma quantidade fracionada em 4 a 6tomadas endovenosas nas 24 horas. Esta ofertaendovenosa deve ser mantida até que o paciente estejahidratado, normotenso e a via oral possa ser utilizada.

Com o quadro clínico estável e os resultadoshormonais basais, pode ser estabelecida a decisão sobrea continuidade de uso crônico de glico e mineralocor-ticóides, bem como a escolha dos exames úteis nodiagnóstico etiológico do quadro. Nos casos em queos exames basais não permitem a confirmação da insu-ficiência adrenal, os esteróides devem ser gradual-

mente reduzidos até sua retirada programada, parapermitir a investigação e confirmação do estado fun-cional do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal. Umteste clássico como o ITT (teste de tolerância à insuli-na endovenosa – realizado com 0,1 ou 0,05 unidadesde insulina regular/quilo de peso corporal) pode serútil no diagnóstico da insuficiência adrenal, deve serrealizado com extrema cautela pelo risco dehipoglicemia severa, mas não é útil para diferenciar for-mas centrais de insuficiência adrenal (deficiência deCRH ou ACTH) das formas primárias adrenais, vistoque em ambas as situações a resposta do cortisol éreduzida. Nas formas parciais de insuficiência adrenalprimária, o estímulo com ACTH (Synacthen) permiteobservar a resposta adrenal aguda. Doses habituais de250 microgramas de ACTH são excessivas e podemdeterminar respostas falsamente normais de cortisol. Oemprego de doses baixas como 1 micrograma/m2 desuperfície corporal tem se mostrado útil no diagnosti-co dessas formais parciais.

O diagnóstico etiológico inclui uma rigorosahistória clínica descrevendo o uso de fármacos envolvidosna síntese, metabolização ou ação do cortisol, ou ainda apresença de um padrão familial de apresentação doquadro. Deve-se proceder à investigação de agentes infec-ciosos e exames que determinem o estado funcional dacoagulação. Exames de imagem do abdome, como a radi-ografia, ultra-sonografia, tomografia e ressonância mag-nética, permitem avaliar a presença de calcificações ouhemorragia adrenal, suspeitar de doenças de depósito ouinfiltrativas. Exames mais específicos como a quantifi-cação de anticorpos anti-adrenais ou demais glândulas-alvo, quantificação dos VLCFAs, ou métodos molecu-lares para detecção de mutações específicas, devem serdirigidos de acordo com a suspeita clínica.

Tabela 5. Características clínicas e laboratoriais relevantes para a suspeita clínica da presençade insuficiência adrenal na infância.

SINTOMASNáusea, vômito, diarréia, dor abdominal, anorexia, perda de peso, tonturas, fraqueza, confusãomental, avidez por sal*.SINAISAbdome doloroso e distendido, sinais de desidratação moderada ou grave, hipotensão (ortostáti-ca em crianças maiores), sinais neurológicos que variam de agitação ao coma, hiperpigmen-tação cutânea* (generalizada ou de predomínio focal como faces extensoras, pregas palmares,bordas gengivais e cicatrizes)ACHADOS LABORATORIAISLeucopenia com eosinofilia, hipercalcemia, hiponatremia, hipoglicemia, redução do cortisol séri-co, aumento da atividade plasmática da renina, hiperpotassemia*, redução da aldosterona*,elevação do ACTH*.* presentes nos casos de insuficiência adrenal primária.

Page 7: Insuficiência Adrenal Primária na Infância revisão · ciente de aldosterona, manifestando-se desde o perío-do neonatal, ou aparecer posteriormente durante a infância, ou até

Insuficiência Adrenal Primária na InfânciaLongui

745Arq Bras Endocrinol Metab vol 48 nº 5 Outubro 2004

REFERÊNCIAS

1. Wilson T. Adrenal insufficiency in childhood. In: Manualof endocrinology and metabolism, 3r d e d i t i o n .Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2002.p.188-95.

2. Ten S, New M, MacLaren N. Addison’s disease 2001. JClin Endocrinol Metab 2001;86:2909-22.

3. Falorni A, Laureti S Bellis A, Zanchetta R, Tiberti C, Arnal-di G, et al. Italian Addison network study: update ofdiagnostic criteria for the etiological classification of pri-mary adrenal insufficiency. J Clin Endocrinol Metab2004;89:1598-604.

4. Lin L, Achermann JC. Inherited adrenal hypoplasia: notjust for kids! Clin Endocrinol 2004;60:529-37.

5. Gottlieb PA, Fain PR. Genetic basis of autoimmuneadrenal deficiency. Curr Opin Endocrinol Diab2002;9:237-43.

6. Longui CA, Calliari LEP, Monte O. Síndromes autoimunespoliglandulares. In: Endocrinología del niño y el ado-

l e s c e n t e, 2a edición. Santiago:Mediterraneo,2 0 0 2. p . 3 2 2 - 3 3 .

7. Dahia PLM. Endocrinopatias autoimunes e neoplasiasendócrinas múltiplas. In: Endocrinologia para op e d i a t r a, 2a edição, Rio de Janeiro: Atheneu,1998.p.463-70.

8. Eisenbarth GS, Gottlieb PA. Medical progress: autoim-mune polyendocrine syndromes. N Engl J Med2004;350:2068-79.

9. Aron DC, Findling JW, Tyrrel JB. Glucocorticoids & adre-nal androgens. In: Basic & clinical endocrinology, 7t h

edition. San Francisco:Lange/McGraw-Hill, 2 0 0 4. p . 3 6 2 -4 1 3 .

Endereço para correspondência:

Carlos Alberto LonguiRua Pimenta 65, apto. 10203060-000 São Paulo, SP