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1 Instituição federal de ciência e tecnologia que é receptora em contrato de licenciamento e fornecimento de tecnologia industrial. Aplicação do art. 7º. da lei de inovação. Aplicação do art. 24, XXV da lei de Licitações. Denis Borges Barbosa (2009) Do objeto do presente estudo .................................................................................................................. 2 Da possibilidade legal de uma Instituição de Ciência e Tecnologia comprar tecnologia ...................... 2 Da entidade pública apoderada ........................................................................................................................... 2 Objeto da norma ................................................................................................................................................. 3 Destinatário da norma......................................................................................................................................... 3 Natureza da norma .............................................................................................................................................. 3 Necessidade da norma ........................................................................................................................................ 3 Aquisição de tecnologia não protegida por exclusiva ......................................................................................... 5 Da dispensabilidade da licitação nesta hipótese .................................................................................... 5 Objeto da norma ................................................................................................................................................. 5 Destinatário da norma......................................................................................................................................... 6 Natureza da norma .............................................................................................................................................. 6 Alteração do regime do contrato público ............................................................................................................ 6 Razões de dispensabilidade ................................................................................................................................ 6 Contratos de Tecnologia e Licitações ................................................................................................................. 7 Quando a Administração contrata tecnologia ............................................................................................... 7 Da inexigibilidade de licitação resultante da patente ............................................................................. 8 Do que já dissemos sobre a questão.................................................................................................................... 9 Das limitações a essa inexigibilidade................................................................................................................ 10 Nula a concessão, inexistente a inexigibilidade ................................................................................................ 11 Os tipos de contratos de propriedade industrial e de tecnologia cobertos pelo art. 24, XXV da Lei 8.666/93................................................................................................................................................. 12 Licenças e cessões de direitos de propriedade industrial .................................................................................. 12 Contratos de tecnologia não patenteada – segredos e know how ..................................................................... 13 Contratos relativos a projetos ........................................................................................................................... 14 Contratos de serviços técnicos .......................................................................................................................... 14 Tipos de contratos............................................................................................................................................. 14 Dos Contratos de Fornecimento de Tecnologia .................................................................................... 15 O objeto do contrato ......................................................................................................................................... 15 Contrato de know how: Natureza Jurídica ........................................................................................................ 16 Contrato de know how: os vários tipos ............................................................................................................. 18 O Contrato de know how e as Licenças ............................................................................................................ 21 O know how e os Contratos de Serviços Técnicos ............................................................................................ 21 Contrato de know how e cooperação tecnológica ............................................................................................. 25 Contrato de know how e pacto incidental de sigilo ........................................................................................... 25 Conteúdo dos contratos de know how .............................................................................................................. 26 Clausulas essenciais.................................................................................................................................... 26 Disposições acidentais ................................................................................................................................ 28 Da Licença de patentes ......................................................................................................................... 31 Modalidades de Licenças de Patentes ............................................................................................................... 33

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Instituição federal de ciência e tecnologia que é receptora em contrato de licenciamento e fornecimento de

tecnologia industrial. Aplicação do art. 7º. da lei de inovação. Aplicação do art. 24, XXV da lei de Licitações.

Denis Borges Barbosa (2009)

Do objeto do presente estudo .................................................................................................................. 2

Da possibilidade legal de uma Instituição de Ciência e Tecnologia comprar tecnologia ...................... 2

Da entidade pública apoderada ........................................................................................................................... 2

Objeto da norma ................................................................................................................................................. 3

Destinatário da norma ......................................................................................................................................... 3

Natureza da norma .............................................................................................................................................. 3

Necessidade da norma ........................................................................................................................................ 3

Aquisição de tecnologia não protegida por exclusiva ......................................................................................... 5

Da dispensabilidade da licitação nesta hipótese .................................................................................... 5

Objeto da norma ................................................................................................................................................. 5

Destinatário da norma ......................................................................................................................................... 6

Natureza da norma .............................................................................................................................................. 6

Alteração do regime do contrato público ............................................................................................................ 6

Razões de dispensabilidade ................................................................................................................................ 6

Contratos de Tecnologia e Licitações ................................................................................................................. 7

Quando a Administração contrata tecnologia ............................................................................................... 7

Da inexigibilidade de licitação resultante da patente ............................................................................. 8

Do que já dissemos sobre a questão.................................................................................................................... 9

Das limitações a essa inexigibilidade................................................................................................................ 10

Nula a concessão, inexistente a inexigibilidade ................................................................................................ 11

Os tipos de contratos de propriedade industrial e de tecnologia cobertos pelo art. 24, XXV da Lei

8.666/93 ................................................................................................................................................. 12

Licenças e cessões de direitos de propriedade industrial .................................................................................. 12

Contratos de tecnologia não patenteada – segredos e know how ..................................................................... 13

Contratos relativos a projetos ........................................................................................................................... 14

Contratos de serviços técnicos .......................................................................................................................... 14

Tipos de contratos............................................................................................................................................. 14

Dos Contratos de Fornecimento de Tecnologia .................................................................................... 15

O objeto do contrato ......................................................................................................................................... 15

Contrato de know how: Natureza Jurídica ........................................................................................................ 16

Contrato de know how: os vários tipos ............................................................................................................. 18

O Contrato de know how e as Licenças ............................................................................................................ 21

O know how e os Contratos de Serviços Técnicos ............................................................................................ 21

Contrato de know how e cooperação tecnológica ............................................................................................. 25

Contrato de know how e pacto incidental de sigilo ........................................................................................... 25

Conteúdo dos contratos de know how .............................................................................................................. 26

Clausulas essenciais.................................................................................................................................... 26

Disposições acidentais ................................................................................................................................ 28

Da Licença de patentes ......................................................................................................................... 31

Modalidades de Licenças de Patentes ............................................................................................................... 33

2

Conteúdo das licenças e direito comum............................................................................................................ 34

Licença e cessão ............................................................................................................................................... 35

Da cumulação de outras prestações em contratos abrangidos pelo art. 24, XXV da Lei 8.666/93 ...... 35

Quando tais disposições não são incidentais .................................................................................................... 36

Conclusão quanto às disposições incidentais.................................................................................................... 40

Do objeto do presente estudo

O presente estudo cuida de quatro questões que afetam a aquisição de tecnologia por parte de Instituições de Ciência e Tecnologia Federais:

(a) a possibilidade legal de aquisição de tecnologia, com ou sem licenciamento de direitos, pelas Instituições de Ciência e Tecnologia, vale dizer, as hipóteses em que elas são tomadoras, e não fornecedoras de tecnologia

(b) as hipóteses em que haverá dispensabilidade de licitação nessa operação de aquisição de tecnologia

(c) as hipóteses em que poderá ser reconhecida inexigibilidade de licitaçãonas ope-rações descritas

(d) a hipótese em que, nas operações descritas, há prestações incidentais, como, por exemplo, a que prevê certos fornecimentos de bens (inclusive insumos), ser-viços e outras utilidades, como instrumento necessário à transfarência de tecno-logia em que consiste o Contrato de Fornecimento de Tecnologia, ou ainda aquelas prestação de transferência de tecnologia que são subjacentes ao licencia-mento de direitos.

Da possibilidade legal de uma Instituição de Ciência e Tecno-logia comprar tecnologia

Diz a Lei de Inovação (Lei 10.973/2004):

Art. 7º A ICT poderá obter o direito de uso ou de exploração de criação protegida

Da entidade pública apoderada

O dispositivo dá poderes formais às Instituições Científicas e Tecnológicas – ICT, que a própria lei define, no seu art. 3º, V , ser o órgão ou entidade da admi-nistração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar ati-vidades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico.

3

Objeto da norma

Este artigo rege a atividade da ICT enquanto tomador de direitos exclusivos sobre cri-ações alheias. O artigo anterior rege a situação das ICTs como titular desse mesmos direitos. O Art. 8º dispõe sobre as mesmas ICTs como prestadora dos serviços no caso de aquisições de tecnologia, serviços de pesquisa, etc. – ou seja, no to-cante a tecnologia não protegida por direitos exclusivos, ou quando esses devem ser atribuídos ao encomendante -, em que o tomador de serviços seja terceiro, pessoa jurídica pública ou privada.

O Art. 9º trata de parceria, ou seja, junções de esforços entre uma ICT e terceiros com fins de desenvolvimento inovativo, sem criação de uma pessoa jurídica pró-pria. No caso de cooperação entre entes públicos e privados que tome a forma de uma pessoa jurídica específica¸ a norma aplicável é a do Art. 5º. No caso de assis-tência prestada pela ICT a terceiros, inclusive empresas privadas, sem objetivo de resultados comuns, aplica-se o Art. 19.

Destinatário da norma

É norma de apoderamento, tendo como destinatária a ICT federal, que passa a ter poderes de direito administrativo para celebrar de licenciamento com tercei-ros, relativos aos direitos exclusivos que esses terceiros detenham em face de suas criações. Não há quaisquer restrições quanto aos concedentes de tais licenças, que poderão ser instituições privadas e públicas, nacionais ou não, assim como pessoas naturais, inclusive os próprios pesquisadores, que forem eventualmente titulares de tais direitos. .

A autorização para adquirir ou tomar em licença é de direito administrativo geral, e deverá constar da lei local, se local for o órgão apodaerado. A Lei nº 10.973, de 2.12.2004, conquanto legitimamente autorize as ICTs federais a tomar em licen-ça, não supre a necessidade de autorização da lei estadual, distrital ou municipal específica.

Natureza da norma

A norma, além de conceder poderes de ação às ICTs federais para haver licenças de direitos. Não dá às ICTs poderes de adquirir as patentes, cultivares, softwares, etc.

Necessidade da norma Na verdade, a norma deste Art. 7º nada acresce à competência das ICTs. As ICTs podem sempre - como qualquer órgão público - comprar os bens, tecnolo-

4

gias ou licenças de que precisam. Tal poder é intrínseco à capacidade jurídico-administrativa de que foram inicialmente dotadas.

Em segundo lugar, uma ICT não necessitaria de nenhuma licença para usar o objeto de qualquer patente ou cultivar para pesquisar desenvolvimentos, mesmo na área protegida pelos respectivos privilégios.

A lei de patentes assegura uma limitação da exclusividade (a chamada exceção bolar) segundo a qual a exclusividade não impedirá a pesquisa futura:

Art. 43. O disposto no artigo anterior não se aplica:

(...) II - aos atos praticados por terceiros não autorizados, com finalidade experimental, relacionados a estudos ou pesquisas científicas ou tecnológicas;

O mesmo se lê na Lei de Proteção aos Cultivares:

Art. 10º Não fere o direito de propriedade sobre a cultivar protegida aquele que:

III - utiliza a cultivar como fonte de variação no melhoramento genético ou na pesquisa científica.

A única licença necessária, talvez, seria a de software. Não há, na legislação perti-nente, uma exceção bolar do mesmo gênero, embora a limitação relativa à inte-gração de sistemas pudesse ser levada ao entendimento que outros aperfeiçoa-mentos igualmente seriam admissíveis 1. Como já tive ocasião de dizer:

Tratando-se de restrições a uma norma excepcional, como é a das patentes, as limitações são interpretadas extensamente, ou melhor, com toda a dimensão necessária para implementar os interesses que pretendem tutelar 2.

Assim, por exemplo, no caso das patentes, a limitação que permite a utilização do objeto do monopólio para fazer pesquisas tecnológicas – inclinando-se a propriedade ao interesse constitucional maior de “desenvolvimento tecnológico do país”, como o quer o inciso XXIX do Art. 5º da Carta. Ou a que estabelece como fronteira dos direitos de marcas, patentes ou direito autoral a primeira operação comercial que promova retorno ao investimento tecnológico do titular, liberando a partir daí a circulação dos bens físicos relevantes – garantindo a mínima interferência com a liberdade de comércio. 3

1 Art. 6º Não constituem ofensa aos direitos do titular de programa de computador (...) IV - a integração de um programa, mantendo-se suas características essenciais, a um sistema aplicativo ou operacional, tecnicamente indispensável às necessidades do usuário, desde que para o uso exclusivo de quem a promoveu.

2 Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2ª. Ed., Lumen Juris, 2003.

3 Idem.

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Aquisição de tecnologia não protegida por exclusiva

A redação do Art. 7º, provavelmente sem intenção, é especialmente restritiva. O dispositivo menciona apenas direito de uso ou de exploração de criação protegida. Ou seja, refere-se a tecnologias, objeto de direitos exclusivos. Quando se obtém tec-nologias não suscetíveis de proteção, ou não protegidas, é o fato do conhecimen-to ou funcionalidade, e não o direito ao uso ou exploração que se adquire.

No entanto, como se anotou acima, a aquisição de tal insumo, se necessário – inclusive para fazer as pesquisas cobertas por esta lei – estará sempre coberta pelos podres gerais da ICT.

No tocante a prestação de serviços, é facultado à ICT prestar a instituições pú-blicas ou privadas serviços compatíveis com os objetivos desta Lei, nas ativida-des voltadas à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produ-tivo, dependendo de aprovação pelo órgão ou autoridade máxima da ICT.

Da dispensabilidade da licitação nesta hipótese

Prescreve o art. 25 da Lei de Inovação:

Art. 25. O Art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:

"Art. 24. ...................................................................

XXV - na contratação realizada por Instituição Científica e Tecnológica - ICT ou por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida...................................................................." (NR)

A modificação introduzida na listagem de casos de dispensabilidade de licitação inclui a hipótese em que uma ICT ou agência de fomento contrata aquisição ou fornecimento de tecnologia (neste caso, Art. 8º da Lei de Inovação), ou ainda toma ou dá em licenciamento (neste caso também sob o mesmo Art. 8.) o direito de uso ou de exploração de criação protegida.

Objeto da norma

Este artigo implementa, através de alteração na legislação nacional, a dispensabili-dade de licitação para certas situações previstas na Lei de Inovação. Outras ques-tões relativas à licitação, contrato público e regime editalício se encontram sob o Art. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e principalmente no Art. 20.

6

Destinatário da norma

A norma modifica o sistema de regras gerais de licitações e contratos públicos da Lei 8.666/93.

Natureza da norma

A norma faculta a dispensa de licitação nas contratações ativas e passivas das ICTs e das agências de fomento para a transferência de tecnologia e licenciamento de direitos essencialmente regulados pelo Art. 8º da Lei de Inovação, mas também pelo art. 7, citado acima.

Alteração do regime do contrato público

Combinando o Art. 3º com o Art. 25 da mesma Lei, vê-se alteração do Art. 24 da Lei 8.666, referente às hipóteses de dispensabilidade de licitação – quando a Administração Pública pode escolher não licitar, embora não esteja obrigada a comprar diretamente – acrescentando o inciso XXV.

Os atores públicos – aí inclusos não somente os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), mas também as outras pessoas de direito público e privado que circulam no seu âmbito – podem ser tomadores e supridores de prestações tecnológicas e de propriedade intelectual.

Eles podem ser licenciados e licenciantes de tecnologia. Como é característico do sistema constitucional e do direito público brasileiros, para cada um desses pa-péis os agentes ou atores públicos são minuciosamente regulados pela legislação, ou pelo menos deveriam ser.

Razões de dispensabilidade

A Lei de Inovação elegeu a aquisição de tecnologia, inclusive amparada por con-tratos de licenciamento pela notória impossibilidade de confrontação e escolha de tecnologias diversas para os fins do desenvolvimento tecnológico das ICTs.

Nota recentíssimo estudo sobre questão estritamente similar 4:

7. A INVIABILIDADE DE UMA LICITAÇÃO JUSTA E COMPETITIVA À LUZ DE UM OBJETO QUE NÃO É HOMOGÊNEO

Como consequência de tudo o que já foi dito, fica muito claro que não há parâmetros que permitam um julgamento objetivo e que coloque as

4 Flávio Amaral Garcia, Marcos Juruena Villela Souto, A modalidade pregão e a sua inadequação para contra-tação de serviços de telecomunicações que comportam soluções tecnológicas distintas, www.governet.com.br, agosto de 2009.

7

propostas dos licitantes em igualdade de condições quando o objeto é equivocadamente definido e comporta mais de uma solução tecnológica.

Com efeito, sem um mínimo de detalhamento acerca de como cada licitante desenvolverá a sua solu ção, não há como tornar as propostas minimamente comparáveis.

É noção elementar e inerente a qualquer procedimento seletivo a necessidade da elaboração da proposta ser orientada com base em itens homogêneos. Em outras palavras, só é possível comparar objetivamente preços que são formados a partir de um mesmo objeto.

Celso Antônio Bandeira de MELLO 5assevera, com propriedade, que "para que possa haver licitação é necessário que os bens a serem licitados sejam equivalentes, intercambiáveis e homogêneos. Não se licitam coisas desiguais".

Há uma impossibilidade de se reduzir a um julgamento objetivo de preço objetos que não são homogêneos. Isso representa evidente violação do princípio da isonomia, já que trata igualmente situações que, além de complexas, são absolutamente distintas.

Viola, também, o princípio da ampla defesa, eis que os licitantes não terão como questionar a solução técnica do concorrente e mesmo os seus custos; afinal, não se saberá com base em quais parâmetros as propostas comerciais foram orientadas.

Contratos de Tecnologia e Licitações

Como é que classicamente tem se tratado esse problema6?

Quando a Administração contrata tecnologia

A Lei 8.666, de 1993 dispõe quanto ao problema específico das entidades da Administração Pública que são tomadoras de tecnologia no parágrafo único do seu Art. 111:

Art. 111. A Administração só poderá contratar, pagar, premiar ou receber projeto ou serviço técnico especializado desde que o autor ceda os direitos patrimoniais a ele relativos e a Administração possa utilizá-los de acordo com o previsto no regulamento de concurso ou no ajuste para sua elaboração.

5 [Nota do original] MELLO, 8:96. Apud DALLARI, ob. cit. p., 47-48. [MELLO, Celso Antônio Bandeira. Licitação – aplicação de normas do Decreto -Lei n. 200, de 1967. Revista de Direito Público, 8:96.]

6 A seção reproduz, com as peculiaridades do discurso oral, palestra do autor Denis Borges Barbosa durante a VII Repict, em junho de 2004.

8

Parágrafo único. Quando o projeto referir-se à obra imaterial de caráter tecnológico, insuscetível de privilégio, a cessão dos direitos incluirá o fornecimento de todos os dados, documentos e elementos de informação pertinentes à tecnologia de concepção, desenvolvimento, fixação e suporte físico de qualquer natureza e aplicação da obra.

Este dispositivo não é, na verdade, oriundo da Lei 8.666, mas foi elaborado para o Decreto-Lei 2.300 que, em 1986, estabeleceu o regime de contratos e licitações públicos para a União e, em boa parte, para os Estados e Municípios e suas enti-dades da administração. Este dispositivo veio intacto do Decreto-Lei 2.300 de 1996, o que torna a questão um pouco mais simples.

O que resulta dessa disposição é que a União, os Estados, os Municípios e suas entidades, em princípio, salvo se houver outro interesse público expresso no edi-tal e no contrato, adquirem a tecnologia com o propósito de assimilá-la e de fa-zer seus os conhecimentos técnicos.

Existe, então, o propósito, em princípio, no caso de um projeto ou de um servi-ço técnico especializado, de cessão dos direitos patrimoniais. A administração só contrata, paga, e assim por diante, se houver essa cessão dos direitos patrimoni-ais.

Portanto, volta-se a dar destaque à redação do parágrafo único do Art. 111 da Lei 8.666, que diz que quando o projeto referir-se à obra imaterial de caráter tec-nológico e insuscetível de privilégio – pode ser know how ou várias outras formas da obra imaterial – a cessão dos direitos incluirá o fornecimento de todos os da-dos, etc.

Em suma, o que se toma como parâmetro aplicado genericamente, salvo as ex-ceções, é de que a aquisição implica em aquisição do conhecimento, e não só da utilidade jurídica ou de simples uso da tecnologia. Foi essa a postura da Lei 8.666 em relação à aquisição de tecnologia ou contratos que incidam em serviços téc-nicos, projetos ou, como diz a lei em seu parágrafo único, obra imaterial de con-teúdo tecnológico.

Da inexigibilidade de licitação resultante da patente

As observações que fazemos abaixo são aplicáveis ceteris paribus a outras razões de exclusividade jurídica ou de fato, por exemplo, a existência de apenas um re-gistro sanitário para a utilidade licitada.

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Do que já dissemos sobre a questão

Da questão desta seção, assim tratamos anteriormente 7:

Contratação Direta necessária

Segundo a definição do Art. 25 da Lei 8.666/93, não se faz a licitação (é inexigível...) quando a concorrência é impossível. Ao contrário do que acontece quando a contratação direta é optativa, as hipóteses de inexigibilidade de licitação estão em aberto: ocorrem quando por qualquer razão 8 a competição é inviável.

Duas são as hipóteses mais óbvias: quando o objeto da oferta ou demanda estatal não for finito (por exemplo, quando todos os interessados podem obter a utilidade estatal, ou todos os suprimentos ofertados serão adquiridos), e quando o objeto da demanda ou a fonte da oferta forem únicas 9.

Vejamos os exemplos previstos em lei.

a) Fornecedor único Quando só haja uma fonte do produto (Art. 25,I) ou do serviço (Art. 7o. § 5o.) . Assim, se há um só titular de uma tecnologia, por razões de fato ou por exclusividade legal, a fonte é única 10. O importante neste contexto é que a análise da oferta única se faça quanto à utilidade oferecida, e não quanto às características técnicas: é preciso comprar manteiga, ou margarina serve? De outro lado, se o intuito não é a utilidade imediata, mas a capacitação ou a potencialidade de desenvolver novos produtos, é este fator que se levará em consideração.

E, em obra posterior 11:

Citemos, primeiramente, a inexigibilidade de licitação. Ela se refere ao Art. 25 da Lei 8.666 - que não é, ao contrário do Art. 24, um rol fechado de situações. Quando é inexigível a licitação? O princípio jurídico é muito simples: é quando não há, de forma alguma, como licitar.

É inexigível a licitação em dois casos, que não estão na lei, mas resultam da razoabilidade. O primeiro deles é - no caso do ente público

7 Em BARBOSA, Denis Borges. Licitações, Subsídios e Patentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997.

8 [Citação no Original] Lúcia Valle Figueiredo e Sérgio Ferraz, op.cit., p. 103 entendem que tanto a impossibilidade de fato, a lógica como a jurídica tornam inexigível a licitação. Sem dúvida, se uma patente torna uma empresa fornecedo-ra exclusiva, aplica-se o dispositivo.

9 [Citação no Original] Vide Figueiredo e Ferraz, op.cit., e especialmente Sundfeld, op.cit., que discorrem excepcional-mente bem sobre o tema.

10 [Citação no Original] No caso dos bens físicos, a lei impõe um requisito formal de certificação da exclusividade, que deve ser feita por entidades de classe.

11 BARBOSA, Denis Borges; BARBOSA, Ana Beatriz Nunes; TÁPIAS, Mariana Loja; SIQUEIRA, Marcelo Gustavo Silva; MACHADO, Ana Paula Buonomo. Direito da Inovação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

10

ser o provedor -, quando as prestações do ente público não são finitas, ou seja, quando não se precisa escolher um ou outro beneficiário. Se todos podem se valer dos bens e serviços da administração pública sem limites, não é necessário realizar a licitação. Tratando-se, por exemplo, de um bem imaterial, em que todos os licenciados podem fazer uso, estamos num caso típico de inexigibilidade de licitação, porque o bem oferecido é infinito. É o caso óbvio das licenças não exclusivas.

Não se precisava da Lei 10.973/2004 para regular um contrato de fornecimento de tecnologia, do qual é fornecedor ou licenciante a administração, quando esta torna pública aquela tecnologia - para quem quiser levar.

O segundo caso de inexigibilidade é quando ocorre ao contrário, ou seja, quando a fonte do que a Administração precisa é só uma. Se existe somente uma alternativa, é inexigível a licitação, porque não há o que trazer à chamada pública, à concorrência, enfim, a qualquer tipo de procedimento em que se leve em conta várias partes. Assim, por exemplo, se a Administração Pública tem que licenciar uma patente, não havendo alternativas, não se imagine que vai se fazer uma licitação para tomar algo que só um pode prover.

Pela aplicação do caput do Art. 25 da Lei 8.666/93 existem outros casos em que é inexigível a licitação; quando, por exemplo, o prestador de serviços e de facilidades tem características tão especiais, subjetivamente especiais, e a própria prestação é tão ligada aos aspectos subjetivos que se torna impossível fazer uma chamada pública de alternativas a essa contratação.

São os casos difíceis (e nos abstemos de detalhá-los neste passo), de notória especialização: a prestação tem um caráter singular, único, que não é uma commodity. Será uma prestação, bem ou serviço de caráter muito singular, e essa singularidade se radica no aspecto rigorosamente pessoal, subjetivo do prestador ou supridor. Somente ele tem aquelas características pessoais que permitem o atendimento das necessidades públicas. Em tais casos, se isenta a administração de realizar licitação.

Das limitações a essa inexigibilidade

A existência dessa inexigibilidade quando há uma exclusividade legal é compro-vada pela jurisprudência do TCU neste sentido 12, mas tal isenção sofre da mais

12 Tribunal de Contas da União, ACÓRDÃO nº 2.094/2004 – “Plenário 9.1 no tocante à aquisição de bens e serviços de informática pelos entes da administração pública federal, firmar entendimento no seguinte sentido: 9.1.2. as justifica-tivas para a inexigibilidade de licitação devem estar circunstancialmente motivadas, com a clara demonstração de ser a opção escolhida, em termos técnicos e econômicos, a mais vantajosa para a administração; 9.1.3. a inexigibilidade de licitação para a prestação de serviços de informática somente é admitida quando guardar relação com os serviços rela-cionados no art. 13 da Lei 8.666/1993 ou quando se referir à manutenção de sistema ou software em que o prestador do serviço detenha os direitos de propriedade intelectual, situação esta que deve estar devidamente comprovada nos termos do inciso I do art. 25 da referida norma legal.”

11

restrita interpretação - como já notou o STJ 13 -, de modo a apenas dar exclusivi-dade em caso de inexistência de qualquer outra alternativa, senão a do produto efetivamente protegido pela exclusiva 14.

Tal entendimento apenas corrobora nosso entendimento publicado em 1996, segundo o qual “O importante neste contexto é que a análise da oferta única se faça quanto à utilidade oferecida, e não quanto às características técnicas: é preci-so comprar manteiga, ou margarina serve?”.

Nula a concessão, inexistente a inexigibilidade

Não é a existência de uma invenção que assegura a exclusividade do uso da res-pectiva tecnologia, inclusive para fins de licitação.

Assim dissemos 15:

13 Superior Tribunal de Justiça, ACÓRDÃO 200200396456, Relator: LUIZ FUX, DJE 01/07/2008: “Outrossim, não se revela razoável alegar que A Carta-Patente concedida à AMP Incorporated de Harrisburg - Pensilvânia - não tenha va-lidade no Brasil. E esta declaração inidônea, contraria a nossa legislação (fl. 2.397), na medida em que o Instituo Na-cional da Propriedade Intelectual - INPI não ostenta a atribuição legal de certificar exclusividade. Nada obstante, a concessão do pedido de registro formulado pela AMP do Brasil junto ao INPI garantiu à referida empresa o direito de fabricar e comercializar o piso conforme as descrições no pedido de privilégio, como anotado no laudo pericial à fls. 2.916. (...) iii) a concessão do pedido de desenho industrial, concedido pelo INPI, garante à empresa citada na denún-cia a exclusividade do direito de fabricar o piso conforme as suas características, mas não proíbe outros fabricantes de serem detentores de outros modelos de piso elevado semelhantes, hábeis a desempenhar a mesma função; (iii) inexis-tência de pedido de depósito de desenho industrial relativo a outros pisos elevados.”

14 Tribunal de Contas da União, Acórdão 620/2000 - Segunda Câmara: “(...) 5.3.2. Análise: pode-se depreender das informações constantes à fl. 878, que a Diretoria DST/AIDS/MS, por meio do Oficio DN-DST/AIDS/n.° 138/91, in-formou à CEME que o produto da Microbiológica deveria seguir os trâmites de avaliação e controle de qualidade, bem como de registros feitos por outros órgãos do governo (que não a DN-DST/AIDS) e, portanto, esse produto ainda não possuía condições legais de comercialização. Mediante pesquisa na rede mundial de computadores - INTERNET (fl. 884), verificamos que em fevereiro de 1989, o FDA aprovou a Pentamidina em aerossol para o Programa de Tra-tamento com Novos Fármacos em Investigação. Esse programa foi estabelecido para permitir o uso de medicamentos que ainda estão em fase experimental, mas que, para pacientes que estão com uma enfermidade grave e com risco de vida, possuem uma relação risco/benefício aceitável, ou seja, o benefício que pode ser atingido pelo uso do medica-mento compensa o risco de usá-lo, apesar de ainda carecer de mais testes científicos para comprovação de seus efeitos, benéficos e maléficos, entre outros testes. Tendo em vista que em 1989 o FDA liberou a Pentamidina e que ela consti-tuía, à época, fármaco em investigação e se considerarmos as leis de Patentes que estabelecem que uma empresa (um laboratório, por exemplo), quando lança um novo produto no mercado (medicamento) e registra a patente desse pro-duto goza de um determinado período de exclusividade na sua produção e comercialização mundial, e como a Rhône Poulenc estava comercializando esse medicamento em 1991, chegamos à dedução que realmente ela detinha a exclu-sividade no comércio. (...) Entendemos que a compra feita no mercado internacional foi adequada à realidade do ano de 1991. Portanto, consideramos o assunto justificado." (...) Cabe observar, entretanto, que discordamos das conclu-sões alcançadas. Aprofundando a pesquisa na Internet, obtivemos referências sobre o medicamento com data de 1966 na página da FDA (fls. 924), o que afasta a possibilidade de persistir em 1991 a prerrogativa de exclusividade devido a leis de patentes. Além disso, encontramos menção à existência de outros fabricantes de pentamidina em datas anteri-ores à da compra em questão conforme Banco de Dados de Medicamentos da Associação de Universidades e Indús-trias Farmacêuticas Francesas - Biam (fls. 915) e registros constantes na FDA (fls. 916/923).”

15 Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2ª. Edição, Lumen Júris, 2003.

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Uma vez concedida a patente na data e através de publicação do respectivo ato de expedição da carta-patente (art. 38 § 3º), uma série de efeitos se produz:

para o titular, nasce o direito exclusivo: a partir de então pode restringir terceiros a deixar de fazer as atividades que lhe são privativas, sob sanção civil e penal (art. 42 e 183), com as limitações pertinentes;

para o titular, nasce o poder de haver indenização pelas violações de seu interesse jurídico protegido anteriormente à concessão, na forma do art. 44.

Assim, se nula for a concessão, desaparece o direito à exclusividade de licitação, consectário da exclusividade patentária 16:

No dizer da Lei 9.279/96, é nula a patente, modelo de utilidade ou certificado de adição concedida contrariando as suas disposições. Assim, não lista as causas de nulidade: a concessão ferindo qualquer dos requisitos legais resulta em desfazimento da concessão. No entanto, a nulidade administrativa presume um número limitado de causas, como veremos abaixo.

Absoluta, a nulidade não será necessariamente total: a nulidade poderá incidir sobre algumas reivindicações, desde que as subsistentes consistam em matéria patenteável por si mesmas. Ou seja, que todos os requisitos da patente estejam satisfeitos quanto às reivindicações subsequentes, inclusive o de unidade de invenção (Art.47).

O efeito da nulidade, uma vez concedida, é obviamente ex tunc: produzirá efeitos partir data do depósito do pedido (art. 48).

Os tipos de contratos de propriedade industrial e de tecnologia cobertos pelo art. 24, XXV da Lei 8.666/93

Licenças e cessões de direitos de propriedade industrial

São vários os objetos do comércio de propriedade industrial e de tecnologia. Primeiro de tudo, os negócios jurídicos que versam sobre interesses protegidos pelos direitos de propriedade intelectual (marcas, patentes, direitos autorais, di-reitos sobre o software).

Mas, a par destes, compram-se e vendem-se prestações diversas: serviços pesso-ais, comunicações, estudos, dados, etc. Uma linha divisória algo precisa poderia ser estabelecida entre os direitos de propriedade industrial e os demais gêneros naquilo que aqueles são direitos absolutos e exclusivos, com um objeto identifi-cável, e o resto não é.

16 Idem, ibidem.

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Tomando como exemplo a patente de invenção, o titular do privilégio tem a ex-clusividade do emprego da tecnologia descrita e caracterizada nos documentos da patente. Ninguém pode fabricar o produto ou empregar o processo resultante de tal tecnologia, senão o titular ou quem por ele for autorizado; em compensa-ção nenhum direito de exclusividade existe fora dos limites da tecnologia descrita e caracterizada na patente. Se o privilégio é de um medidor de corrente contínua, por sensores radioativos, por exemplo, nenhum direito tem o titular contra a fa-bricação, por terceiros, do mesmo medidor, mas que use sensores elétricos.

O direito que tem o titular da patente se exerce contra todos, mesmo contra aqueles que, tendo pesquisado e desenvolvido de forma autônoma, disponham de tecnologia estão impedido de usá-la no campo industrial, e os royalties são devidos pelo direito de exploração da tecnologia em questão. Aliás, pelo menos em teoria, o conhecimento tecnológico que, constitui a matéria do privilégio é geralmente disponível (embora sua exploração industrial seja verdade) como re-sultado da publicação dos documentos da patente.

Contratos de tecnologia não patenteada – segredos e know how

Muito diferente deste caso (que é, mutatis mutandis, também o das marcas) é o que ocorre com os demais objetos do comércio de tecnologia. Nos outros contratos, não se paga pelo direito de usar uma tecnologia mas pela própria tecnologia, ou pelos produtos de sua aplicação.

Paga-se pela tecnologia, obviamente, quando não se a tem; quando, factualmen-te, o empresário que necessita do corpo de conhecimentos tecnológicos não o pode obter senão por aquisição onerosa. A não disponibilidade da tecnologia é uma condição usualmente descrita como “segredo”, se bem que tal expressão seja um tanto vasta e imprecisa. Não importa que todos os empresários de um setor disponham de uma tecnologia; se o novo competidor que entra no merca-do dela não tem controle, e é obrigado a pagar por ela, há segredo (secretus = afastado) em relação a este.

Freqüentemente o que se compra não é uma técnica, um processo ou produto novo, mas os dados da experiência adquirida no uso da técnica em escala indus-trial. Estes dados, muito vinculados à atividade empresarial, tendem a ser secre-tos, na proporção que são íntimos da empresa, derivados da própria estruturação desta para o seu mercado específico. Em última análise, tais dados descrevem a própria estrutura da empresa, tal como está direcionado à produção do bem que importa ao comércio de tecnologia.

Caso extremo deste tipo de contrato, mas com participação relevantíssima dos signos distintivos (marcas, trade dress, padronização visual, etc.) é o da franquia comercial, ou franchising. Quem opera sob franquia, estrutura sua empresa (ou,

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nos casos mais brandos, seu setor de vendas) segundo padrões uniformes, alhei-os, pelos quais passa a alcançar a clientela potencial do franqueador, explorando-a com a máxima eficácia. Na franquia, como o operador se disfarça inteiramente sob a pele do franqueador, a clientela se transforma de potencial em efetiva. Mas fica sempre sendo do dono da franchise, não de quem trabalha a empresa e lhe assume os riscos.

Contratos relativos a projetos

Um terceiro objeto do mesmo comércio é o que consiste no produto - imaterial - da aplicação de uma tecnologia. Um empresário precisa construir uma nova ins-talação industrial; contrata uma firma de engenharia , que projetará a instalação, usando das técnicas, secretas ou públicas, de que dispõe, e aproveitando-se da experiência que adquiriu. O projeto não é o edifício, não é uma coisa tangível; mas também não é uma tecnologia, a ser incorporada pelo empresário encomen-dante, pois basicamente, tal conhecimento não está diretamente vinculado ao objeto da empresa.

Contratos de serviços técnicos

A par dos direitos de propriedade industrial, da tecnologia e dos produtos desta, existe um sem número de serviços pessoais, de reparos, de supervisões, de men-surações, de auditorias, de outros gêneros de aplicação de tecnologia ou das téc-nicas, que não chegam a criar um produto (imaterial) na forma de um projeto de engenharia. Tais serviços também são objeto de contrato, e estão submetidos às regras do mercado de tecnologia.

Tipos de contratos

Assim:

1. contratos de propriedade intelectual (licenças, autorizações, cessões, etc.)

2. contratos de segredo industrial e similares (inclusive franchising)

3. contratos de projeto de engenharia

4. contratos de serviços em geral.

Tal divisão em quatro partes tem razoável base doutrinária 17.

No entanto, há contratos que também envolvem tecnologia, e que não se con-tam entre aqueles considerados como “contratos de transferência de tecnologia”

17 Por exemplo, do trabalho publicado pelo IPEA A Transferência de Tecnologia no Brasil, de autoria de Francisco Biato et allii (IPEA, Brasília, 1973). No entanto, doctores certant acerca da denominação que cada uma figura mereceria; e o maior dissídio se verifica no que toca à expressão “assistência técnica”.

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pela doutrina nacional e estrangeira, e pela prática da propriedade industrial. Por exemplo:

Contrato de pesquisa, pelo qual alguém encomenda a pesquisa e o desen-volvimento de uma nova solução técnica, ainda não existente ou disponível (vide art. 81 e seguintes do CPI/96); no entanto, tratando-se de “serviços técnicos especializados”, poderiam ser subsumidos à quarta variedade da classificação acima.

Contratos de cooperação de várias formas, com natureza associativa e não sinalagmática, como, entre muitos, os de pesquisa e repartição de novas so-luções tecnológicas, de repartição de experiências técnicas (num exemplo interessante, o que existe entre empresas de eletricidade), etc;

Dos Contratos de Fornecimento de Tecnologia

Tratamos aqui de uma modalidade contratual que é, em princípio, classificável sob a norma administrativa do INPI como sendo um acordo que importa em transferência de tecnologia, sob a designação de Contratos de Fornecimento de Tecnologia. Tratando de negócios jurídicos relativos a certos conhecimentos técnicos não livremente acessíveis, tais acordos são designados na prática inter-nacional como contratos de saber fazer, ou, mais usualmente, de know how

A definição e estatuto jurídico do know how foi objeto de análise específica no capítulo relativo aos segredos industriais; remetemos enfaticamente o leitor àque-la seção deste trabalho. Analisaremos neste passo a figura do contrato concer-nente ao know how, em suas várias formas.

O objeto do contrato

Como se verá, o contrato de know how tem por objeto a cessão de posição na concorrência mediante comunicação de experiências empresariais. Assim, presume uma parte que já detém essa experiência, outra parte que dela não dispõe, e o consen-so de vontades na transferência dos meios necessários a obter tal posição na concorrência.

Magnin, em uma formulação mais elaborada do que a que vimos no capítulo so-bre segredos industriais, também define o know how como a “arte de reprodu-ção”; e se entenda: não a reprodução de bens materiais, mas a reprodução das condições, do aviamento empresarial que propicia a produção dos bens materi-ais. Não é despropositado, assim, como já o fizemos em trabalhos anteriores, classificar o contrato de know how como cessão parcial de aviamento, cessão da oportunidade empresarial de exploração de um mercado com o auxílio de uma “arte de fabricação” determinada.

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Não procede, desta feita, o entendimento de Ascarelli, de que, na transferência de know how, há um simples “dare” (plantas, projetos, etc.) e um “facere” (prestar assistência técnica, etc.), sem nenhum traspasse de bem imaterial. Tal enfoque resultaria, comparativamente, em reduzir a cessão de estabelecimento a um con-junto de compra e venda de coisas, cessão de locação, novação subjetiva de con-tratos de trabalho, etc.

A noção de Magnin revela, de outro lado, que o know how não é exatamente um conhecimento, mas uma matriz de configuração do aviamento, uma forma de orga-nizar a produção; sua transmissão, desta feita, consiste em transplante de parcela da organização empresarial diretamente afeta à fabricação, reproduzindo o avia-mento do fornecedor do know how. A organização nova, já pelo fato de seu transplante, traz consigo uma expectativa de reditibilidade, um poder novo sobre o mercado, poder tanto mais efetivo quanto se assemelharem o mercado para o qual o know how foi concebido e para o qual foi transplantado.

O contrato que traspassa o know how, desta forma, é um contrato de comunicação de experiências empresariais, de maneiras de organizar a produção. Mas, enquanto sig-nifica uma renúncia, por parte do fornecedor, de utilizar-se da vantagem que te-ria em produzir, ele próprio, no mercado considerado, ou, pelo menos de produ-zir sozinho, é uma cessão perante a concorrência, e não somente uma criação de poder.

Em outras palavras, a aquisição do bem concorrencial não é originária. Tal racio-cínio terá talvez menos validade no futuro em que se multiplicaram as fábricas de tecnologia, unidades empresariais cujo produto é a própria arte de fabricação; mantém-se, porém, ainda enquanto o know how for parcela do aviamento de uma empresa, que o gera como instrumento de produção.

Contrato de know how: Natureza Jurídica

Quanto à natureza jurídica do contrato, parte considerável da doutrina o consi-dera empreitada mista 18, um pouco desfigurada, sendo análogo ao contrato de ensino. A complexidade das obrigações que o constituem, por outro lado, leva parcela dos autores a renunciar a uma aproximação com qualquer contrato típico 19. Parcela menos autorizada, ancorando-se demasiadamente na natureza de bem

18 Magnin, op. cit. p. 292; Chavanne e Burst, op. cit., p. 177; Calais e Mousseron, Les Biens de l’Entreprise, Libraries Techniques, 1972, p. 84.

19 Orlando Gomes. Contrato. Forense, 1979, p. 575; Fran Martins. Contratos e Obrigações Comerciais. Forense, 1979, p. 605; Carlos Henriques Fróes: “Contrato de Tecnologia” in Revista Forense, 253/123.

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imaterial do segredo transmitido, chega a falar de locação, usufruto, comodato, constituição de renda e - porque não? – servidão 20.

Para classificarmos um contrato de know how, segundo sua natureza jurídica, é preciso tomar em consideração a natureza jurídica do know how, ele mesmo. Pá-ginas atrás, definimos o direito que recai sobre o segredo de empresa como um poder absoluto, embora incidindo de forma não exclusiva sobre o bem que lhe é objeto final; na introdução desta obra, citando Roubier em sua trouvaille de “direi-tos de clientela”, sugeríamos a existência de um “bem-oportunidade”, expresso pela reditibilidade de uma atividade econômica; a seguir, apoiando-nos em Mag-nin, descrevemos o know how como uma conformação de um aviamento; e, por fim, classificamos o efeito econômico-empresarial do contato de know how como de cessão parcial de aviamento.

Ora, já se viu que o know how, e não menos do que ele, a posição do empresário perante um mercado competitivo não tem objeto físico capaz, de por si só, ga-rantir os atributos da exclusividade. Ao classificarmos o know how como confor-mação do aviamento, particularmente apta a ser reproduzida, na verdade não distinguimos entre um e outro, para conceder-lhes um mesmo tratamento: o do bem concorrencial.

Este bem, sobre o qual se recai um poder absoluto, mas não exclusivo, constitui-se numa quase-propriedade, como, de resto, já notaram Tillet e Figueira Barbosa 21. Quase, pois há uma forma de excluir terceiros do uso inautorizado do valor econômico, uma forma de controle econômico sobre a disponibilidade do valor; mas não há um mecanismo jurídico que permita excluir todos os concorrentes do acesso e uso desse valor.

Quase propriedade, também, pois se submete aos princípios de limitação da concor-rência, e deve ser examinada sob a ótica do poder econômico. Estas limitações, aliás, não são estranhas à propriedade física, no seu estágio moderno, constran-gida pelo domínio eminente do Estado, pelas regras do meio-ambiente, pelo di-reito de pesquisa e exploração de jazidas, por todos os ônus da função social a que se destina.

20 Paul Demin apud Newton Silveira: Contratos de Transferência de Tecnologia, in Revista de Direito Mercantil. 26 p. 88, Paulo Roberto Costa Figueiredo. Anuário da Propriedade Industrial, 1978, p. 142.

21 A. D. Tillet. Propriedad y Patentes. In Comercio Exterior (México) vol. 26, nr. 8, p.. 912. A. L. Figueira Barbosa, op. cit. p. 73.

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A natureza jurídica dos contratos de know how resulta, assim, deste seu objeto: uma quase propriedade, com a qual se perfazem negócios jurídicos os mais vari-ados. É o que se verá a seguir.

Contrato de know how: os vários tipos

Os Contratos de know how têm natureza complexa. Como já se notou anterior-mente, há, neles, implicitamente, obrigações de dar (plantas, blue prints, listagens, etc) e obrigações de fazer (comunicar experiências, no que o jargão da área cha-ma o know how). Há bens materiais e bens não materiais como objeto dos direitos ajustados; e, como visto, a obrigação de comunicação de know how tende a ser parte de negócios jurídicos ainda mais complexos.

A prática administrativa vigente no Brasil vinha levando a que os contratos de importação de know how fossem desvinculados de outras avenças complementa-res, como as de compra e venda de bens, ou empreitadas de obras, ou licenças de direitos exclusivos, de forma a que o regime específico daqueles ficasse expli-citado. Assim, os contratos que prevejam obrigações de know how, além de ou-tras, ajustados após 1975 (data de entrada em vigor do revogado Ato Normativo INPI no. 15) até o AN 122 serão raros, e não deverão prever pagamentos em divisas especialmente por tecnologia.

Os contratos de know how de outros países podem prever cláusulas de não comu-nicação a terceiros, e cláusulas de não exploração. Quando disposta a não comu-nicação, durante o prazo prescrito as informações serão indisponíveis - o recep-tor de know how poderá dele usar, extrair dele seus frutos, defender-se das viola-ções de seu segredo empresarial, mas não poderá transmitir a terceiros os conhe-cimentos recebidos. De outro lado, podem tais contratos prever que, após um certo período, as informações não sejam mais utilizadas no processo industrial; os dados, plantas e blue prints devem ser restituídos; a experiência adquirida, igno-rada.

Nestas condições, ter-se-ia uma “locação” de know how, uma “licença” (como é mais denominada mais freqüentemente), por oposição à “cessão”, ajuste em que inexiste a cláusula de não exploração. Está claro que não sendo o know how obje-to de direitos exclusivos, não haverá uma licença, em seu sentido técnico (licere = dar permissão), constituindo-se o dispositivo em um pacto em restrição da concorrência. É intuitivo, após havermos indicado a natureza de “cessão parcial de aviamento” do contrato de know how, que todos os ônus sobre tal transferên-cia irão afetar a capacidade concorrencial do receptor, e de forma direta.

O mesmo se dirá do pacto de não comunicação; embora seja razoável exigir-se do receptor que tome especiais cuidados para não lesar o próprio patrimônio do fornecedor, divulgando o segredo transmitido aos quatro ventos, coisa inteira-

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mente diversa é restringir a comunicação que perfaz sob condições de sigilo - a uma terceira empresa, a uma instituição de pesquisa, de maneira a não aviltar o valor econômico do segredo.

A prática administrativa brasileira tem repudiado a cláusula de não exploração, só sendo admitida a cessão definitiva. No entanto, como se admite a cláusula de não comunicação, por prazo cetro, a cessão não é completa, até o termo do pac-to, constituindo-se, na verdade, em cessão gravada com indisponibilidade.

Dizem os Comentários ao CPI/96 da Dannemann: Tendo em vista que o objeto se refere à tecnologia que não é objeto de proteção patentária, este tipo de contrato recebe um tratamento restritivo do INPI, baseado na concepção molda-da pelo Ato Normativo nº 15/75. Ele é visto pelo INPI como um contrato de fornecimento e aquisição definitiva de tecnologia e não como licença temporária de uso de uma tecnologia.

Dessa forma, cláusulas contratuais que estipulem a devolução das informações tecnológicas ao cedente (titular) bem como obrigações de confidencialidade ad eternum não podem cons-tar dos contratos de fornecimento de tecnologia, pois não aceitas pelo INPI.

Em teoria, conquanto não na prática do INPI, assim, o contrato de know how po-de ser de cessão temporária (licença) assim como de cessão definitiva gravada com incomunicabilidade, e até mesmo de cessão integral, sendo apenas as duas últimas modalidades política, econômica e juridicamente defensáveis. Em parti-cular, a expressão “licença” tem sido expurgada dos contratos celebrados para execução no país, por sua conotação de “autorização de uso de direitos exclusi-vos”, algo de que certamente não se trata 22.

Assim é que se torna possível concordar com a formulação da doutrina francesa, de ser o contrato de know how uma empreiteira mista mesmo se, por vezes, não pressuponha uma obrigação de resultado. O “empreiteiro” reúne os meios mate-riais e imateriais que permitem a reprodução do aviamento, e os transfere ou comunica ao receptor; isto, no caso da cessão definitiva desonerada.

O mesmo não se pode dizer da cessão gravada com a indisponibilidade (no caso, incomunicabilidade, mas em outro sentido que o da lei civil...). Há uma comuni-cação de bens concorrenciais, com pacto acessório de restrição à concorrência, não ignorada a atividade anterior ao repasse, que outra coisa não é senão a em-preitada.

Diversa, ainda, é a cessão temporária, a “licença”, que se aproxima da locação de um bem concorrencial, algo, aliás, também conhecido no direito europeu sob outra forma, a de location-gerence dos fundos de comércio. Essa locação-gerência,

22 Contra a licença de know how, vide “L’incidence du Droit Communautaire de la Concurrence sur les Droits de Propri-eté Industrielle” Lib. Techniques 1977, p. 120; Magnin, op. cit. p. 274. A favor, p. ex., Fran Martins, loc. cit. op. cit.

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proscrita como contrato de tecnologia pela prática administrativa brasileira, é porém aceita como modalidade de contrato de locação de bens materiais, como o comprova a jurisprudência nacional sobre fundos de comércio.

Mas é o vínculo continuado, a cessão reiterada, o fluxo de informações novas que se pode pactuar num único ajuste, que se tem denominado “contrato de co-operação”, - um verdadeiro fornecimento de bens concorrenciais - que se ilustra, mais do que todos os outros, a natureza associativa dos contratos de know how. Nestas figuras contratuais, se põe em contato o aviamento de duas empresas, que, a cada momento (mas seletivamente, muito seletivamente no caso de pesso-as não integrantes do mesmo grupo econômico) reproduzem a conformação tecnológica uma da outra.

Embora, neste caso específico, a associação se torne predominante, na maioria dos demais contratos de know how existe uma figura análoga à da sociedade em conta de participação; algo que Troller intui em relação à “licença” de know how 23. Com efeito, muitas vezes (e na prática administrativa brasileira, quase sempre) a contraprestação do repasse de know how é calculada na forma de percentuais sobre a futura receita, lucro, ou produção. Caso insatisfatório o repasse, ou não reditício o know how no mercado considerado, nenhum rendimento resultará para o supridor, salvo as parcelas de adiantamento (no Brasil, o pagamento pela do-cumentação técnica inicial, em outros países, o “royalty mínimo”).

Na rara hipótese de rendimentos calculados sobre o lucros, a configuração como sociedade é clara; menos, nos casos de cálculo sobre a receita - o produto pode ser reditício, mas não lucrativo; ainda menos, no caso de valores fixos sobre uni-dade produzida; minimamente, quando se vincula o pagamento à capacidade de produção de uma unidade industrial - como ocorre freqüentemente na indústria petroquímica.

Em todos estes casos, porém, embora não se possa asseverar a existência de um contrato de sociedade stricto sensu, tem-se uma comunhão de interesses no que toca à reditibilidade: cabendo-se a oportunidade comercial, na verdade obtém-se um investimento de risco mínimo de perda, com razoáveis possibilidades de lu-cro. A última observação é particularmente pertinente quando se sabe que os investimentos em pesquisas e experiências são dimensionadas quase que sempre, em relação à empresa supridora; os ganhos de know how são usualmente líquidos, apreçando-se pelo valor da opção de, ao invés de transferir as informações, dis-putar diretamente o mercado.

23 Op. cit. p. 161.

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Com isto tudo, pode-se perceber que falar-se de um contrato de know how é tão indefinido quanto o seria referir-se a um contrato de navio. Que contrato? Ven-da, caso nu, time charter, voyage charter, affreightment contract, hipoteca, ou simples contrato de transporte com base em conhecimento? Da mesma maneira, cessão temporária, cessão definitiva com gravame, cessão integral, cooperação, socieda-de em conta de participação, contratos todos que têm em comum um certo caráter associativo, sempre presente, uma informação algo secreta, e uma espe-rança de lucros futuros.

O Contrato de know how e as Licenças

A obrigação de comunicar o know how é, boa parte das vezes, integrante de uma avença complexa, onde se somam licenças de direitos de propriedade industrial, serviços técnicos, exclusividades de distribuição de bens. Vide, na seção relativa às patentes, o que se fala das licenças voluntárias.

Nada impede em teoria que, existindo o vínculo entre as duas partes do negócio jurídico, se especifique o regime individual de cada um deles, direitos exclusivos de um lado, direitos não exclusivos de outro. Para isto é preciso ter em conta os limites do privilégio, quanto à atividade privilegiada, ao ramo tecnológico, aos condicionamentos geográficos e temporais. Nenhum direito exclusivo existe, fora das reivindicações; nenhum além das fronteiras nacionais do país outorgan-te; nenhum, após a extinção do privilégio; e, principalmente, nenhum, além dos limites que a lei nacional preceitua.

Tendo base em direito exclusivos, as licenças podem, via de regra, serem mais limitativas do que os contratos de know how, os quais são sujeitos, em geral, às disposições regulando os simples pactos de restrições à concorrência. Justifica-se, assim, a dissociação entre as disposições de um negócio jurídico concernente às licenças e as que afetam ao know how; o que não quer dizer, obviamente, que haja imposição de contratos autônomos, desde que, num mesmo instrumento, os regimes sejam explicitados.

O know how e os Contratos de Serviços Técnicos

Uma classificação sutil, entre as obrigações de fazer, é a que toma como para-digmas o contrato do médico com seu paciente, de um lado, e os deveres de um professor de medicina, de outro. O médico ouve, sente, vê, com os sentidos que lhe dão o conhecimento e a experiência profissional, alvitra o remédio, e pres-creve; o paciente recebe a prescrição, e, por vezes, o nome da doença, para ma-tar-lhe a curiosidade e alimentar-lhe a hipocondria. A arte médica é aplicada, em seus cânones e virtuosidades, e o doente recebe os resultados de sua aplicação.

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O médico, porém, deixa seu consultório e vai para a sala de aula. Aos seus alu-nos, a medicina não é aplicada, mas descrita; os acadêmicos não sentem, em si, os resultados da aplicação - são, ao contrário, educados na arte, como foram ins-truídos na ciência. Se pudéssemos transplantar para as informações e treinamen-to recebidos pelos estudantes as distinções da economia, o professor de medici-na repassaria bens de produção, enquanto que, como médico, forneceria aos cli-entes dados e informações que seriam consumidas, e em estado de prontas.

Tal distinção é indispensável para se compreender a que existe entre “serviços técnicos” e know how. Incluem-se entre os primeiros, na classificação fiscal, cam-biária e administrativa em vigor, uma massa de contratos de facere, empreitadas mistas, locação de serviços, empreitadas de lavor, empreitadas globais. Não ocorre confusão entre a obrigação de construir uma usina ou reparar uma má-quina hidrelétrica e a de repassar know how; mas existem casos limite, onde uma e outra obrigação se aproximam tanto que é difícil dizer qual é qual.

Em princípio, a obrigação de repassar know how é equiparável a do professor de medicina: estamos perante tal avença quando o resultado visado é a aquisição de informações que, alterando o aviamento, se integrem no processo como se bens de produção fossem. A gama dos “serviços técnicos”, por sua vez, se aproxima dos serviços do médico: a engenharia ou as ciências são utilizadas como instru-mento, e sua aplicação num resultado final é que perfaz a prestação. Uma empre-sa de consultoria se encarrega de um projeto; planeja as instalações, escolhe o local, detalha a localização de cada equipamento, indica as dimensões e calibres dos encanamentos, calcula o peso das máquinas, e a tensão da energia necessária. Todas estas informações, que a consultora transfere ao dono da obra, são pres-crições como a do médico: o dono da obra não precisa saber como a projetista chegou a suas conclusões para operar sua fábrica 24.

Mas o dono da obra põe sua unidade industrial em ação; precisa saber como os insumos e componentes são processados, como serão estocados; a que tempera-tura e pressão deverão ser transformados em produtos finais, e que quantidade de ingredientes e catalisadores é precisa para obter os melhores resultados. A projetista já não lhe fornece tais dados, que virão de uma outra empresa análoga, cuja experiência industrial já haja superado tais questões, e encontrado uma solu-ção reditícia.

24 Figueira Barbosa (op. cit.), nota que, em determinados projetos de engenharia, os conhecimentos técnicos secretos ou patenteados são embutidos nas informações, as quais, do ponto de vista tecnológico informacional e mesmo econômico não se diferenciam das resultantes de um contrato de know how explícito. Mas, do ponto de vista empresarial e jurídico, distinguem-se ambos os contratos.

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Suponhamos mesmo, que a consultora, por jamais ter feito projeto comparável, não se considere capacitada a fazê-lo sozinha. Irá ajustar com outra consultora, já experiente, que lhe informará e treinará a fazer projetos como os de que necessi-ta. Em ambos os casos, o dono da obra, ou a consultora vão a empresas análogas para obter conhecimentos e experiências que vão empregar, e de que precisam dispor para operar: ambos avençaram o repasse de know how.

Evidentemente, e cumpre abrir parênteses, a fornecedora de know how não ajusta-rá seus serviços se não houver maiores vantagens em repassar sua arte de fabri-cação do que fabricar. O interesse, em grande maioria dos casos, resulta de inter-venção do Estado na economia nacional, levantando barreiras alfandegárias, cri-ando subsídios ou, simplesmente, instituindo uma reserva de mercado em favor das empresas localizadas no país; como, no Brasil, ocorre com as consultoras de engenharia. mas também pode resultar de estratégia empresariais, ou da maior lucratividade relativa que resulta dos pagamentos do know how - sendo esta última hipótese compreensivelmente bem limitada.

O revogado AN 15 dava alguns exemplos de serviços técnicos especializados: “6.1.1 (...)

a) elaboração de planos diretores, estudos de pré- viabilidade e de viabilidade t8ecnico-econômica e financeira, estudos organizacionais, gerenciais ou outros, planejamento em ge-ral, inclusive relacionados com serviços de engenharia.

b) elaboração de planejamento, anteprojetos, projetos básicos e executivos, bem como a ela-boração, controle de execução e supervisão t8ecnica de empreendimento de engenharia em seus diversos ramos e em suas diversas etapas.

c) instalação, montagem e colocação em funcionamento da máquina, equipamentos e unida-des industriais.

d) outros serviços técnicos profissionais especializados, de engenharia e/ou consultoria.

e) contratação de técnicos estrangeiros para execução de determinado serviço especializado profissional e a prazo certo.”

Masnatta 25 estabelece a distinção, dando ao contrato de know how as característi-cas de ministração de informações secretas, na forma de uma obrigação de meio, e com o poder de o ministrador fazer cessar o uso das informações ao término da avença ou por ocasião de rescisão; o contrato de serviços, que ele chama de assistência técnica, seria uma obrigação de facere, com vinculação a um resultado determinado.

25 A. Masnatta. apud. Fran martins. Contratos e obrigações Comerciais. Forense, 1977, p. 601.

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Parece-nos descabida a noção de Masnatta, principalmente em face à prática bra-sileira. Em primeiro lugar, ao contrário do que vislumbra o autor, a maior parte das vezes existe uma garantia efetiva quanto ao resultado, se não dos réditos (o que ninguém pode garantir) ao menos da reditibilidade; a obrigação é na prática de resultado, e não de meio, pois via de regra os pagamentos, contraprestação do fornecimento de informações são estipulados como parcela do faturamento, produção, ou lucros (running royalties). Em segundo lugar (como vimos), não é lícito ao fornecedor prescrever o abandono das informações obtidas, ao término do contrato.

Paul Demin 26, de outro lado, distingue o contrato de know how - onde há transfe-rência de um bem imaterial - e a “assistência técnica”, onde há, simplesmente, uma prestação de serviços. José Eduardo Monteiro de Barros 27 situa a distinção em outras características: a “assistência técnica” (agora, significando know how) seria uma relação continuada, relação de aprendizado, enquanto os serviços téc-nicos seriam “tarefas instantâneas, momentâneas”.

Muito embora a noção de continuing flow of technology pressuponha um vínculo mais duradouro entre as partes, o que não haveria, realmente, num contrato para reparação de máquinas, ou numa montagem de equipamentos pesados, a verda-de é que não há uma exigência conceptual neste sentido. Um contrato de cons-trução, em regime turnkey, de uma instalação industrial, pode vincular as partes por uma dezena de anos, enquanto um autêntico contrato de know how pode se resumir numa remessa de documentos pelo correio com o pagamento sendo cal-culado sobre a receita de uns poucos meses.

A distinção, na verdade, em de levar em consideração as condições de transmis-são da informação e os objetivos visados. Lógico está que os serviços de “orga-nização de embarque e despacho” e outros que tais não serão jamais tomados por repasse de know how; o contrato que o encerra consiste, como já frisado, em uma obrigação de comunicação. a dificuldade se situa, pois, naqueles outros con-tratos de comunicação cujo exemplo é a consultoria técnica.

Em primeiro lugar, o know how, tendo, como terá, a natureza similar ao do segre-do de empresa, é transmitido sob reserva de sigilo; não assim os serviços técni-cos, que, não constituindo parte do aviamento da empresa prestadora, não ne-cessitam da obrigação de sigilo (embora, é claro, nada obriga a empresa receptora a divulgar as informações recebidas). Em segundo, o repasse de know how se des-tina a reproduzir a organização de produção existente na mesma empresa forne-

26 Apud Fran Martins, op. cit. p. 602.

27 Regime do Capital Estrangeiro, in Curso de Direito Empresarial. EDUC, 1977, vol III, p. 184.

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cedora, enquanto que os serviços técnicos, mesmo se resultem em completa re-estruturação do aviamento da empresa receptora (como acontece, por vezes, no caso de consultoria administrativa de organização), não importam na reprodução do sistema de produção existente na empresa prestadora.

Já tratamos de tal distinção ao estudar a natureza do contrato de know how. Por agora, é eficiente frisar que a natureza não associativa (no que, entre outros, o pacto de sigilo representa uma associação) e freqüentemente transitória do con-trato de serviços técnicos é menos permeável às práticas abusivas do que o de know how.

Contrato de know how e cooperação tecnológica

Cada vez mais freqüentes, especialmente sob o amparo de leis especiais que san-cionam a cooperação entre concorrentes para o desenvolvimento de tecnologias, mesmo em situações em que o Direito Antitruste condenaria a agregação entre empresas, a cooperação para desenvolvimento comum de tecnologias, ou a troca de experiências mútuas não configuram contrato de know how.

Em primeiro lugar, porque a tecnologia é desenvolvida prospectivamente, e não transferida de quem já a tem para quem dela necessita; em segundo lugar, porque não representa uma transferência de uma posição atual ou potencial na concor-rência, mas sim um nivelamento comum num padrão concorrencial diverso, provavelmente mais evoluído. Ainda que o sigilo possa ser um requisito impor-tante do vínculo entre as partes, o negócio jurídico não se subsume ao tipo do contrato de know how.

Contrato de know how e pacto incidental de sigilo

Inteiramente afins aos contratos de know how são os pactos de sigilo incidentais a contratos de fabricação sob encomenda, e outras avenças similares. Tal ocorre, por exemplo, quando o detentor de uma tecnologia de fabricação comete a um prestador de serviços, dotado de instalações industriais adequadas, a obrigação de fabricar produtos para os fins do encomendante, e sob sua marca.

Assim, para fabricar o que lhe encomenda o titular da marca, o prestador de ser-viço recebe informações de caráter tecnológico; recebe plantas; recebe moldes; conta com treinamento especial, recebe até mesmo autorização para usar paten-tes e marcas do encomendante.

Mas – ao contrário do que ocorre no contrato de know how – tais informações e meios são postos à disposição do fabricante para cumprir fins próprios do for-necedor. Assim, distingue-se o pacto incidental de sigilo 28 do nosso objeto de

28 A idéia de pactos incidentais de sigilo, como parte do tema geral de pactos incidentais de Propriedade Intelectual, foi

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estudos exatamente por uma análise finalística e funcional – o know how importa em transferência dos mesmos meios, mas para os fins do receptor, e não do for-necedor; o receptor não paga, e sim recebe por seus serviços; quem fornece os meios tecnológicos é o tomador, e não o prestador dos serviços; e, conseqüen-temente, a obrigação de sigilo é incondicionada e ilimitada, e pode, em qualquer hipótese, vir acompanhada de uma obrigação de cessar o uso da tecnologia transferida ao fim do contrato.

Este foi sempre, aliás, o entendimento do INPI, não obstante a doutrina de que não existe licença temporária, mas só cessão definitiva de know how. O contrato simplesmente não é de know how.

Conteúdo dos contratos de know how

Clausulas essenciais

A essência 29 dos contratos de know how são três cláusulas:

• a que o fornecedor de tecnologia se compromete a comunicar experiências empresariais ao receptor, para os fins próprios deste, de forma a transmitir os meios necessários e suficientes para transmissão de uma oportunidade empresarial, definida no contrato;

• a que o receptor se compromete a retribuir essa comunicação;

• a que o receptor se compromete a manter a substância econômica do bem, impedindo que as vantagens concorrenciais resultantes do segredo ou escassez relativa das informações comunicadas se tornem de acesso geral.

Quanto à primeira, trata-se da obrigação, cometida ao fornecedor, de comunicar os meios que encerram a oportunidade empresarial visada (para o que propomos a denominação de meios de oportunidade). Aplicam-se a esta obrigação as regras ge-rais de tradição de coisas móveis, em especial, mas não só, quanto às parcelas físicas da comunicação (plantas, etc) 30.

Esta comunicação não se reduz ao envio de dados e informações; comunicar, neste contexto, importa em transmitir os meios necessários e suficientes para a

objeto de um interessante trabalho de mestrado, "Disposições Contratuais Incidentais Relativas à Propriedade Intelectual no Direito Brasileiro" de João Carlos Britez, apresentado à UGF, em 1994.

29 Mazeaud et Mazeaud, Traité Théorique et Pratique de la Responsbilité Civile, p.185 “Elemento essencial ou qualidade essencial é a condição para que as coisas cumpram sua finalidade ou os atos jurídicos produzam seus efeitos: é a condição para que satisfaçam todas as exigências, que se mostrem fundamentais para a segurança de sua existência ou para sua perfeição, segundo as prescrições legais. Nesta razão, a falta de tudo o que é essencial retira da coisa ou do ato toda sua vida legal”

30 Guillermo Cabanellas de las Cuevas, Contratos de Licencia y de Transferencia de Tecnología, Heliasta, Buenos Aires, 1994, p. 395.

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produção específica visada pelo receptor dos conhecimentos, e designada no contrato; assim, caso necessária ao receptor, é parte integral da essência do con-trato a chamada assistência técnica 31, definida como tal o treinamento, a vinda de técnicos, a prestação de serviços pessoais desde que indispensáveis à transferên-cia da oportunidade empresarial 32.

Entendo que há uma obrigação efetiva de transferir as informações de maneira que se adquira efetivamente os meios de usufruir a oportunidade empresarial, o que pode importar em esforços específicos de adequação do supridor aos limites tecnológicos do receptor: daí o treinamento, a adaptação, etc.

De outro lado, todo o balanço de interesses entre as partes (e de direitos, por consequência) resulta da clareza da função do negócio jurídico – a comunicação, que é aparente, é apenas um meio para o objeto do contrato, que é a transferên-cia de uma oportunidade empresarial. O que se deve ou não se deve na relação entre as partes só fica claro sabendo que o supridor de know how podia usá-lo pa-ra competir no mercado a que se propõe o receptor; o supridor opta por renun-ciar a essa oportunidade em favor do receptor; e esse retribui a cessão.

Assim, já se disse, a cessão dos meios de oportunidade é limitada pelo desígnio das partes (e pela contraprestação do receptor...). Se o detentor do know how cede o acesso ao mercado X, com os conhecimentos transferidos, não pactuou nem foi remunerado pelo acesso ao mercado Y. Fala-se aí seja do mercado geográfico (por exemplo, América Latina), do mercado temporal (por dois anos), ou do mercado setorial (só para fabricar porcas, e não parafusos).

Principalmente, tem-se que ver que, na racionalidade de direito privado das par-tes, não é essencial ao contrato a autonomia tecnológica. Não integra – em tese – a obrigação do supridor a garantia de que o receptor passe a voar com suas pró-prias asas. Certo é que, por razões de interesse público, as autoridades governa-mentais podem exigir algum empenho das partes em obter essa autonomia, em troca de acesso à moeda estrangeira detida pelo Governo, ou como condição de situação fiscal favorecida; mas essa exigência, que é lícita e louvável, não integra o tipo contratual.

Aliás, está claro na análise corrente do direito antitruste que existem dois merca-dos a se considerar num processo de licenciamento ou transmissão de tecnologi-as: o mercado primário dos produtos ou serviços gerados com o know how, e o

31 Esta expressão de múltiplos significados (vide nosso A Tributação da propriedade Industrial e do Comércio de Tecno-logia) tem aqui a definição restrita enunciada a seguir.

32 Contrária a esse entendimento, Maria Gabriela de Oliveira Figueiredo Dias, A Assistência Técnica nos Contratos de know how, Coimbra, 1995. A favor, Massaguer, El Contrato de licencia de know how, Barcelona, 1989, p. 171 e de las Cuevas, op. cit. ., p. 396.

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mercado da tecnologia ele mesmo. Transmitindo-se autonomia, cedem-se dois estamentos de mercado diversos, com reflexo necessário na contraprestação.

Quanto à segunda disposição, já se viu que a contraprestação toma a forma de pagamentos fixos, ou variáveis, inclusive sob forma percentual tendo como base o faturamento, receita ou lucro. Também pode tomar a forma de permuta de ações ou de partes beneficiárias, e inúmeras outras modalidades de pagamento.

Quanto à terceira cláusula, atente-se para as várias acepções em que se emprega a regra do sigilo – a que visa proteger o interesse comum, evitando a divulgação dos conhecimentos transmitidos; a que restringe a transmissão dos conhecimen-tos a terceiros, ainda sob compromisso de sigilo; a que impede a cessão a tercei-ros dos valores concorrenciais, privando-se o cedente, por via obrigacional, do direito de continuar a usá-los; a que mantém sigilosos os dados empresariais de qualquer das partes, ainda que não restritos aos valores concorrenciais transmiti-dos. Cada uma dessas formas poderá ser razoável ou não, em face das circuns-tâncias, mas só a primeira delas é essencial para a definição da avença como con-trato de know how.

A substância da obrigação garantida pelo sigilo é o valor econômico concorren-cial sobre o qual versa o contrato; se o receptor vasa o conteúdo das informa-ções, erodindo ou eliminando a escassez de meios que garante a vantagem na concorrência, há um dano injusto ao provedor do know how. A natureza especia-líssima do bem jurídico em questão, comum a ambas partes em sua faceta de in-formação – quem a transmite dela não se desapossa, mas se fragiliza – faz com que essa obrigação de tutela do interesse comum seja cláusula essencial do negócio jurídico, integrante necessário do seu tipo.

Essa obrigação naturalmente cessa uma vez que o material escasso chegue ao acesso comum, sem culpa do receptor.

Disposições acidentais

Quanto às disposições não essenciais ao tipo, mas comuns aos contratos relati-vos ao know how, também se notam:

• Limitações ao uso dos meios comunicados, restringindo assim o mercado pertinente quanto ao local, tempo ou setor; vide, abaixo, o que se fala de cessação de uso, de não repasse, e de exclusividade.

• Cláusula (optativa) de sanção pelo não cumprimento do dever de sigilo;

• Cláusula (optativa) de exclusividade: ou absoluta, excluindo-se o fornece-dor de usar o know how no mercado pertinente; ou relativa, comprome-

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tendo-se ele a não fornecer a mais ninguém o mesmo know how no mer-cado relevante, mas podendo usá-lo ele mesmo.

• Cláusula (optativa) de intransmissibilidade do know how a terceiros. Vide a seção a seguir, dedicada à questão. Há um claro e legítimo interesse do supridor dos meios de que sua vantagem concorrencial não seja diluída, aumentando os competidores que dispõem do mesmo know how; igual-mente tem ele interesse (sempre que seja pago em proporção à produção, receita ou lucro do receptor) de garantir que haja maximização dos ga-nhos do receptor, atribuíveis ao know how; parece assim razoável que se proíba ao receptor retransmitir a terceiros o material comunicado. Um outro interesse aparentemente legítimo seria o de vedar mesmo a cessão do contrato, eis que (diz até uma decisão do STF) haveria um status per-sonalíssimo na eleição do receptor.

• Cláusula (optativa) de cessação do uso do know how, por exemplo, no caso de inadimplemento; já se viu que, no Brasil, o INPI historicamente rejeita essa disposição como limitação temporal ao uso do know how devidamente pago. Vide seção a seguir.

• Cláusula (optativa) de não-concorrência (no que exceda aos limites da efi-cácia pratica do know how); quanto à validade desta, vide o que se diz no capítulo sobre concorrência.

• Cláusulas de garantia. A primeira das garantias é de que o supridor detém legitimamente os conhecimentos e a oportunidade transferida. Quanto à evicção, por exemplo em face de qualquer terceiro que alegue ser seu o material sigiloso, ou no caso de uma patente que impeça o exercício da oportunidade, entendo que se aplique a integralidade do previsto para a hipótese direito privado, tratando-se de contrato oneroso que importa em transferência da utilização de um bem imaterial, ainda que não titulado 33; assim sendo, não seria esta realmente uma cláusula acessória, ainda que não essencial ao tipo do contrato.

• Garantia de que os meios transmitidos são escassos, pelo sigilo, e que em abstrato representam uma oportunidade empresarial. Entendo que, à falta de sigilosidade no momento da celebração da avença, o contrato seja nu-lo, por falta de objeto 34. Mas haverá também um dever de o supridor

33 Vide de las Cuevas, op. cit. ., p. 422. Num outro tema, o que ocorre, se o receptor obtém de boa fé um material sigilo-so, que não tem razão de saber ser de terceiros o que recebi? Boa parte da jurisprudência estrangeira entende que está ele protegido contra as ações de tais terceiros. Vide de las Cuevas, op. cit., p. 404.

34 De las Cuevas, op. Cit., p. 424.

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manter o sigilo, mesmo que já não mais o interesse, durante a vigência do acordo, assim protegendo a vantagem legítima na concorrência, pela qual pagou o receptor 35. Esta garantia se aplica inclusive quando o fornecedor elimine ou dilua o sigilo através da publicação do conteúdo de uma paten-te 36.

• Rara será a cláusula de garantia de resultado econômicos; note-se porém que o pagamento calculado sobre a forma de participação na receita, fatu-ramento, lucro ou produção tem em si uma forma análoga à de garantia de resultados, eis que não haverá remuneração ao supridor se não houver desempenho efetivo dos meios de oportunidade empresarial. No entanto, essa garantia pode resultar da clausulação da avença, como, por exemplo, quando o contrato identifique o efeito da tecnologia em questão no merca-do.

• Mas a doutrina nota a possibilidade (sempre como opção) de uma garan-tia técnica de possibilidade de exploração 37, seja quando a tecnologia seja ignorada pelo receptor, seja quando haja uma descrição contratual da téc-nica, quando se aponte uma relação entre determinados elementos comu-nicados e certos efeitos. Tal deriva necessariamente do fato de que o ad-quirente dos meios de oportunidade (sigilosos por definição) ignore o que está adquirindo; e se funda tanto na imposição de que exista o objeto da obrigação, como na regar geral da boa fé. Veja-se que não há, no caso, ga-rantia de que a oportunidade dê frutos no mercado, mas só de que os efei-tos técnicos resultantes da comunicação sejam como especificado. Final-mente, vale notar que tal responsabilidade se minora quando o receptor teve ocasião de experimentar os meios de oportunidade antes da contra-tação. Mesmo assim, pode-se constatar a falta de diligência do receptor para impedir a operação desta garantia.

35 Cessado o sigilo, sem culpa das partes, cessará o pagamento? Poderá isso ocorrer, ou não. O pagamento, ainda que contínuo, pode representar o contravalor, dilatado no tempo, de uma vantagem concorrencial já adquirida e plena ou parcialmente usufruída. Caso haja uma correspondência temporal e fáctica entre pagamento e fruição da oportunidade, se essa cessar, ou for diluída, os valores fixos ou garantidos (mas não os percentuais...) não se aplicam, por perda de objeto do contrato.

36 De las Cuevas, op. cit. . p. 435. Qual será a solução? Expiração da obrigação de pagamento no tocante à parte revelada, sem a menor dúvida. Indenização dos danos concorrenciais pertinentes. Mas haverá uma obrigação de o supridor licenciar o receptor na proporção que lhe garanta uma oportunidade comparável? Ser-lhe-á possível utilizar-se da exceção do usuá-rio anterior (art. 45 da Lei 9.279/96)? Quanto a esta última indagação, entendo pela afirmativa. O receptor do know how, privado de sua vantagem pela publicação do conteúdo da patente, é “pessoa de boa fé que, antes da data de depósito ou de prioridade de pedido de patente, explorava seu objeto no País” e, conseqüentemente, terá assegurado o direito de continu-ar a exploração, sem ônus, na forma e condição anteriores.

37 De las Cuevas, op. cit. ., p. 436.

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• Cláusula de não contestação. Freqüente essa disposição nos contratos de licença, pela qual o receptor se compromete a não contestar os direitos do supridor da tecnologia 38; no caso de know how, tem-se tal obrigação como irrazoável 39.

• Cláusula (optativa) impondo ao supridor a obrigação de comunicar aper-feiçoamentos. Relevante aqui notar a questão do continuing flow of technology a que nos referimos acima: a obrigação normalmente (pode-se pactuar di-versamente, e o preço refletirá tal convenção) não se resume à entrega de um pacote informações paradas no tempo, mas a um continuum, um enga-jamento de certa duração.

• Cláusula cometendo ao receptor o dever de explorar os meios de oportu-nidade. Tal disposição é particularmente relevante quando a remuneração do supridor resulta da exploração.

• Cláusula (opcional) pelo qual o receptor se obriga a comunicar ao supri-dor os aperfeiçoamentos que tenha introduzido nos meios de oportuni-dade. É o chamado Grant-back, ou retrocessão. Tem-se como irrazoável a disposição, quando preveja a retrocesssão desses aperfeiçoamentos de forma flagrantemente desigual em face das condições da comunicação inicial; por exemplo, quando obrigue a um Grant-back gratuito e a comu-nicação inicial foi remunerada 40.

Da Licença de patentes

O titular de uma patente, como o dono de um apartamento, tem meios legais de impedir o uso do objeto de seu direito por qualquer pessoa não autorizada: nin-guém pode invadir o imóvel, ou explorar uma tecnologia patenteada, sem dar conta de seus atos segundo o que a lei dispõe. Isto é o mesmo que dizer que os direitos decorrentes de uma patente, como os resultantes da propriedade dos bens materiais, se exercem, indistintamente, contra todas as pessoas: e a ninguém é facultado esbulhar apartamentos ou violar patentes 41.

A licença é precisamente uma autorização, dada por quem tem o direito sobre a patente, para que uma pessoa faça uso do objeto do privilégio. Esta autorização tem um aspecto puramente negativo: o titular da patente promete não empregar

38 Como se verá, é uma das disposições que TRIPs reconhece como restritivas.

39 De las Cuevas, op. cit., p. 431.

40 TRIPs, como se verá, também lista esta cláusula como restritiva.

41 Vide La Licencia Contractual de Patente, de Pilar Martín Aresti, Aranzadi Editorial, Pamplona, 1997.

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os seus poderes legais para proibir a pessoa autorizada do uso do objeto da pa-tente. Tem, porém, uma aspecto positivo, qual seja, o titular dá ao licenciado o direito de explorar o objeto da patente, com todos os poderes, instrumentos e meios que disto decorram.

Enfatizando um ou outro aspecto, os vários sistemas jurídicos vêem a licença como um contrato aproximado ao de locação de bens materiais, ou, se tomado o lado negativo, como uma promessa formal de não processar a pessoa autorizada por violação de privilégio. Neste último sentido, o direito americano e determi-nados autores jurídicos 42. A corrente que favorece a aproximação entre licença e a locação 43, por sua vez, exige do licenciador o cumprimento de uma série de obrigações, que configuram o contrato como de natureza substantiva: quem loca tem de dar o apartamento em condições de moradia. A Licença sem royalties, acompanhando o mesmo raciocínio, se assemelharia ao comodato.

Com efeito, os parâmetros legais do Direito Brasileiro quanto à relação jurídica de locação se encontram, em geral, presentes no tocante às licenças. Diz o Códi-go Civil de 1916 (art. 565 do Código de 2001):

Art. 1.188 - Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo de-terminado, ou não, o uso e o gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

Outros autores vão mais além e, não se restringindo ao paralelo com a locação, percebem na licença a natureza complexa que resulta do caráter associativo do licenciamento 44. Ao se comprometer a não disputar um mercado com o seu li-cenciado (ou a permitir que ele o dispute) o licenciador estabelece uma relação de repartição de benefícios que se aproxima da sociedade; a similitude se acentua quando o contrato prevê a transmissão de conhecimentos técnicos complemen-tares, know how ou assistência técnica.

Na verdade, as diferentes perspectivas enfatizam modos diversos de explorar a patente, em contextos empresariais distintos. Num quadro de concorrência tec-

42 Henry V.Dick, 224 U.S. 1. Vide, por exemplo, J.Morel apud Sabatier, Marc, L'exploitation des Brevets, Lib. Techni-ques 1976, pág. 61; M. Planiol, apud Magnin, François, know how e Proprieté Industrielle, Lib. Techiques, 1974, pág. 271; Newton Silveira, Licença de Uso de Marcas, Tese, F. Direito USP, 1982, pág. 91; Cabanellas, Guilherme, Contratos de Licencia y de Transferencia de Tecnologia, Buenos Ayres, Ed. Heliosta, 1980, pág. 20.

43 Chavanne e Burst J., Droit de la Proprieté Industrielle, Dalloz, 1976, pág. 84; Pontes de Miranda, Tratado, Vol. XVI, pág. 351; Gama Cerqueira, Tratado 2a 2a. Ed. 1982, pág. 260; Ramella, Le Nouveau Regime dos Brevets d'Invention Ed. Sirey 1979, pág. 206, pág. 125; Leonardos L. O Contrato de Licença... in Anuario da Propriedade Industrial, 1978, pág. 41; Roubier, Paul, Le Droit de la Proprieté Industrielle, L. Sirey, 1952; Vo. II. pág. 260; Ramella, Agustin, Tratado Vol. I, Madrid, 1913, pág. 225; Contrários: Mathely, Raul, Le Droit Français des brevets d'invention, Paris, 1974, pág. 385; Ascarelli, Tulio, Teoria de la Concurrencia y de los biens imateriales Barcelona, Bosch Ed. 1970, pág, 350; a esta última corrente se tradicionalmente se filiava o Direito da Propriedade Industrial no Brasil (vide AN INPI 17/76, 13 e 15).

44 Troller, Alois, Théorie et pratique du Droit de la Proprieté Immaterielle, Helbing, & Lichtenhahn, Bâle, pág. 162; Sabatier, op. cit. ., pág. 61; W.Ferreira, Tratado, Vol. 3 pág. 544.

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nológica perfeita, com os participantes do mercado aptos a extrair toda tecnolo-gia necessária de sua própria experiência, somada aos documentos publicados da patente, a licença pode funcionar como uma simples promessa de não processar o licenciado em juízo por violação de direitos. No caso de o licenciado e o licen-ciador terem capacitação tecnológica diversa, a licença deve ser substantiva para ser útil. Se licenciado e licenciador repartem, atual ou potencialmente, um mer-cado, a licença se configura como associação ou como um método de concentra-ção industrial 45.

Desvestida de toda complexidade, porém, a licença pressupõe um direito cujo exercício pode privar o licenciado da exploração da tecnologia, mesmo que dela tivesse inteiro conhecimento, e uma autorização para a exploração, dada por quem tem este direito. A natureza do direito, concedido pelo Estado e oponível contra todos indistintamente, é que caracteriza a licença 46

Modalidades de Licenças de Patentes

Uma licença pode ser simples ou exclusiva; aquela é a autorização de exploração, sem que o licenciador assuma o compromisso de não mais explorar direta ou indiretamente o objeto do privilégio. A licença exclusiva, que implica em renún-cia do direito de exploração por parte do licenciador 47, se aproxima economica-mente da venda do direito, embora juridicamente o licenciador continue como titular do privilégio.

Existem, igualmente, licenças parciais, que se limitam a autorizar a exploração de parte do direito (e.g.; só a exclusividade de fabricação na máquina, mas não do uso do processo) as quais, no entanto, dão frequentemente oportunidade para práticas de abuso de poder econômico e de repartições de mercado 48.

É necessário lembrar neste ponto, o princípio da independência das patentes: cada Estado emite suas próprias patentes, que têm validade em seu território 49. Não há ainda patente internacional, e nem tem qualquer valor a patente estran-geira. Assim, a licença tem de se referir a cada uma destas patentes nacionais, sem que uma concessão para um país implique em licença parcial. 50

45 Sabatier, op. cit. . pág. 62; D.Barbosa, Dissertação, pág. 36.

46 A prática de muitos países considera "licença" também certos contratos de know how.

47 Certos autores entendem que a licença exclusiva só implica em renúncia a conceder novas licenças; o licenciador poderia explorar diretamente seu invento. Chavanne e Burst, pág. 86. Esta definição, porém, será dada pelo contrato.

48 Arracama Zorraquin, Ernesto D. Los Derechos del Patentado, in Revista Mericana de la Propriedad Industrial, dez. 1973, pág. 33 e seguintes; D. Barbosa, Diss., pág. 83 e 87.

49 Convenção de Paris (Revisão de Haia) Art. IV bis

50 Nos processos de integração internacional, por exemplo, no Mercado Comum Europeu, a possibilidade de repartir os

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A característica das patentes, de impedirem o uso da tecnologia mesmo por quem dela já disponha, faz da licença um instrumento primordial para a concen-tração e coordenação industrial. A administração em pool das patentes de um de-terminado setor econômico, afirmando o poder de mercado dos participantes do pool, é um meio poderoso de cartelização e de exercício do poder econômico 51, e se perfaz através de uma rede de licenças cruzadas (cross licensing). Aprecia-remos, mais adiante, a utilização das licenças como meios de exercício abusivo de direitos e de poder econômico.

Conteúdo das licenças e direito comum

Com a inexistência de normas substantivas sobre licença de patentes, aplica-se a elas o direito comum, qual seja, a legislação civil 52 referente à locação de coisas. Embora a natureza supletiva de tais normas, no tocante a coisas móveis, vá im-portar em prevalência do que for pactuado entre as partes, certamente muito ha-verá a fruir do padrão básico da legislação civil pertinente.

Por exemplo, a obrigação prevista no Art. 576 do Código Civil de 2002, segundo a qual se a coisa for alienada durante a locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alienação, e não constar de registro. Ou a regra do art. 575, segundo a qual se, notificado o locatário, não restituir a coisa, pagará, enquanto a tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela ve-nha a sofrer, embora proveniente de caso fortuito.

Lógico que a contrapartida da licença de patentes é o pagamento de royalties, e não a de aluguel, ainda que as duas coisas tenham a mesma natureza jurídica. A noção de royalties, ou regalias, é construída na legislação tributária interna pelo art. 22 da Lei 4.506/64. Segundo a lei, são royalties:

“os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição ou exploração de direitos, tais como: a) direitos de colher ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais; b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais; c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio; d)

direitos de acordo com os países pode ser restrita em benefício da União: No caso brasileiro, vide o Artigo 33 § 2o 2o. do CPI 1971, que previa prova de uso de patente em outro país, no caso de acordos de complementação.

51 Murillo Cruz Filho, Contratos de Cartel, Manuscrito, 1984, sobre outro aspecto do uso de patentes no abuso de poder econômico, vide Geraldo Peltier Badu, , Patentes de Invenção Nulas e Dominio de Mercados, Tese, PUC/RJ, 1980.

52 A rigor, seria a locação comercial. No entanto, como nota Wladírio Bulgarelli, Contratos Mercantis, Atlas, 1979, 360, a total similitude das normas pertinentes leva à razoabilidade de aplicação da norma residual de direito privado. Com o novo Código Civil de 2002, obviamente tal discussão perde o sentido.

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exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra” 53.

Licença e cessão

Da licença há que se distinguir a cessão de patentes, contrato em que o titular transfere o direito de exclusividade (ou o direito de pedir patente, ou sobre o pedido de patente), como um todo, e não só seu exercício - como no caso da licença 54. Pela licença, o titular do direito exclusivo autoriza o uso e o gozo do objeto de sua patente e sinal distintivo, ou, como o quer parte da doutrina, com-promete-se a não exercer o seu poder de proibir o uso. Pela cessão, por sua vez, repassa a titularidade do direito, como ato voluntário inter vivos.

Não são, porém, tão claros quanto seria conveniente os limites entre a licença e a cessão. Na prática comercial e na legislação em vigor, licença e cessão são coisas diversas. Licença é a autorização concedida para a exploração do direito (como no caso de locação de bens físicos), enquanto a cessão é negócio jurídico que afeta o direito em si (como a venda de um apartamento) 55.

Da cumulação de outras prestações em contratos abrangidos pelo art. 24, XXV da Lei 8.666/93

A questão aqui suscitada é a existência, em contratos como os acima descritos, de prestações incidentais, como, por exemplo, a que prevê certos fornecimentos de bens (inclusive insumos), serviços e outras utilidades, como instrumento ne-cessário à transfarência de tecnologia em que consiste o Contrato de Forneci-mento de Tecnologia, ou ainda aquelas prestação de transferência de tecnologia que são subjacentes ao licenciamento de direitos.

Quando tais clásusulas são meramente acessórias, desta forma integrando o obje-to principal, e quando elas são autônomas, obedecendo a regime distinto.

53 Os vários acordos internacionais de bitributação, no entanto, têm um entendimento um pouco diverso, caracterizando como royalties figuras que são tratadas aluguel, despesas de assistência técnica ou serviços técnicos especializados. A matriz dos acordos, a Convenção Tipo da OECD, entende, como royalties, as remunerações de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela concessão do uso de direitos de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas (inclusive dos filmes cinematográficos, filmes ou fitas de gravação de programas de televisão ou radiodifusão), de patentes, marcas de indústria ou de comércio, desenhos ou modelos, planos, fórmulas ou processos secretos, bem como pelo uso ou concessão do uso de equipamentos industriais, comerciais ou científicos e por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico (art. 12 da Convenção Modelo).

54 Nem sempre é facil tal distinção. Ramella, pág. 228; Leonardos, pág. 42 a 44.

55 Notamos a decisão do Conselho de Contribuintes do Município do Rio de Janeiro no RV 1.855 (Rev.Tributária do CCMRJ no. 3, p. 172) segundo a qual "para efeito de tributação, a cessão de direitos autorais equipara-se à locação de bens móveis, sendo tributada no ISS à alíquota de 5%." Se se tratasse, no caso, efetivamente de um contrato de transmis-são de direitos, e não de exercício de direitos, locação não haveria.

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Quando tais disposições não são incidentais

Tivemos a oportunidade de orientar dissertação de mestrado sobre tal questão, de João Carlos Britez 56, cujo texto passamos a citar extensamente:

No estudo, foi proposto aplicar a qualificação de "disposições incidentais", com relação as disposições contantes dos negócios jurídicos privados em que se verifica uma conexão fáctica com o objeto do negócio jurídico básico, ao qual aderem sem serem acessórias e que configuram um interesse jurídico distinto, em relação a tal negócio jurídico, ao qual estão ligadas.

Com objetivo de analisar como as disposições contratuais incidentais, referentes aos direitos relativos à Propriedade Intelectual, atuam em relação ao negócio jurídico básico, foram verificados, preliminarmente, os seguintes aspectos:

a) a disposição incidental não é essencial ao objeto do contrato base;

b) a disposição incidental possui uma conexão fáctica com o objeto do contrato base;

c) a disposição incidental configura interesse jurídico distinto do contrato base;

d) a disposição incidental não é acessória do contrato base.

A existência de interesses jurídicos distintos enseja duas hipóteses: a da unicidade econômica e da coligação econômica.

No caso de unicidade econômica de contratos, a extinção do contrato principal acarreta a do contrato acessório, pois, logicamente, não lhe pode sobreviver, por faltar a razão de ser. Pelo mesmo motivo, se o contrato principal for nulo, também o será, por via de consequência, o acessório. A acessoriedade se configura.

A coligação econômica de contratos não acarreta a perda da individualidade dos contratos, os mesmos são autônomos, mas se ajustam. Tal coligação não requer a subordinação de um contrato a outro, na sua existência e validade. A acessoriedade não se configura.

Ao analisarmos as nossas disposições incidentais, verificamos que há que se distinguir se há um caráter unitário da operação econômica. Neste caso a autonomia das normas da propriedade intelectual se abate quando estas se chocarem com o resultado que visam assegurar. A acessoriedade se configura. Mas se a operação econômica não é unitária, ocorre apenas a coligação econômica, com idenpendência de resultados.

56 João Carlos Britez. Disposições Contratuais Incidentais Relativas à Propriedade Intelectual no Direito Privado Brasi-leiro. 1995. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Gama Filho, Orientador: Denis Borges Barbosa.

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Constatamos que, no caso de nossas disposições incidentais, a operação econômica não é unitária, o que ocorre é a coligação econômica de negócios jurídicos distintos, com independência de resultados.

Entre as disposições incidentais citadas e o negócio jurídico básico, ocorre um caso de coligação econômica de negócios jurídicos distintos, no qual não existe a subordinação de um negócio jurídico a outro, na sua existência e validade. Os negócios jurídicos permanecem individualizados e a acessoriedade não se configura.

Quanto as normas legais e contratuais, aplicáveis a cada negócio jurídico em questão, se aplicam as regras peculiares a cada qual, porque eles conservam a individualidade própria.

Portanto, nas disposições incidentais em estudo, se verifica uma conexão fáctica com o objeto do negócio jurídico básico, ao qual aderem sem serem acessórias e que configuram um interesse jurídico distinto, em relação a tal negócio jurídico, ao qual estão ligadas por um vínculo de coligação econômica.

12. DISPOSIÇÕES NÃO ACESSÓRIAS

A noção de disposições contratuais não essenciais e não acessórias vem, em direito brasileiro, de Caio Mario da Silva Pereira 57.

Segundo esse autor deve-se distinguir "clausula acessória" de "obrigação acessória", em que a primeira pressupõe um acréscimo, sem a criação de obrigação diversa. Assim, se num contrato preliminar de compra e venda as partes estipulam a sua irretratabilidade, inserem uma cláusula que é acessória, por não fazer parte da natureza da promessa aquela qualidade, mas não constitui uma obrigação acessória, porque não implica em uma "obligatio" a mais, aderente ao contrato, à qual o devedor esteja sujeito. Ocorre uma qualificação da mesma obrigação do promitente-vendedor e do promitente-comprador.

A distinção aqui feita não é meramente acadêmica, pois que a toma, em outro sentido, Alfredo Colmo, para mostrar que as cláusulas acessórias quando ilícitas carreiam a nulidade do direito principal, o que não é verdade quanto às obrigações acessórias, cuja ineficácia deixa incólume a principal 58.

O fundamento de tal distinção está em Alfredo Colmo:

"La nulidad de la obligación accesoria por virtud de la nulidad de la obligación principal, será admisible en los casos en que la primera sea una mera dependencia, un directo accesorio hoc sensu de la principal.

57 CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, v.2, p.109.

58 CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, op. cit., p.110.

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Lo mismo hay que decir de la obligación accesoria que sea fin (causa, motivo, etc.) de la principal, como es la condicón" 59.

Na verdade, o que distingue Caio Mario da Silva Pereira é a existência não de uma obrigação acessória, mas de uma disposição (não necessariamente obrigação) acedente, ou como proposto, incidental.

A expressão vem da noção latina de "incidens", como corrente, aliás, no direito anglo-saxônico, seguindo a definição do Black's Law Dictionary:

Incident: "... denotes anything which is usually connected with another, or connected for some purposes, though not inseparably..." 60.

No Direito Processual Civil a palavra "incidente" significa superveniente, vocábulo fiel a etimologia latina em que o verbo "incido" provem de "in cado", ou seja, aquilo que recai; na acepção inglesa, juntar-se-á a outra coisa, mas não inseparavelmente.

Assim, o fenômeno indicado por Caio Mario da Silva Pereira, tão frequente no caso em estudo, se caracteriza:

a) pela disposição não ser essencial ao objeto do contrato;

b) por ter uma conexão fáctica com tal objeto;

c) por configurar interesses jurídicos distintos.

Com efeito, a conexão fáctica é necessária, sob pena de simples união externa de disposições desconexas. Mas a existência de interesses jurídicos distintos enseja duas hipóteses:

a) a da unicidade economica;

b) e da coligação econômica.

Tal questão foi finalmente elaborada em aresto do STF:

"Mas não resta dúvida também que ocorre frequentemente, no comércio jurídico, que duas ou mais formas contratuais de possível coexistência separada podem vir a ter, sob a pressão de necessidades ou de conveniências práticas, as suas prestações autônomas, cada uma em sua função típica, reunidas e coordenadas, pela vontade das partes, em um único contrato para realizarem uma só função econômica, que é a sua causa ou o seu fim objetivo.

Com efeito, dita pluralidade de prestações, sendo cada uma típica de um contrato nominado, podem ser fundidas em um só contrato, sob o influxo de uma só causa, de uma única função econômica. É preciso assim que todas elas tendam à mesma finalidade econômica. À unidade de causa, atestada pela unidade econômica das várias prestações, corresponde a unidade do contrato.

59 ALFREDO COLMO, De Las Obligaciones En General, p.214.

60 HENRY CAMPBELL BLACK , Black's Law Dictionary, 5ª ed., St. Paul, Minn., West Publishing CO., 1983, p.388.

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Não tem importância, no entanto, para a elucidação da unidade ou pluralidade do contrato, a unidade ou pluralidade do documento em que foi firmado, pois um só documento pode conter vários contratos, como um só contrato pode ter como fonte, no sentido formal, diversos documentos.

De acordo com a melhor doutrina, o que caracteriza o contrato misto é, a coexistência de obrigações pertinentes a tipos diferentes de contratos enlaçados pelo caráter unitário da operação econômica, cujo resultado elas asseguram.

Ele se distingue da união de contratos, que se caracteriza pela coexistência de um mesmo instrumento, de tais obrigações simplesmente justapostas, sem o amálgama da unidade econômia aludida.

No caso de união de contratos, pode ser anulado ou rescindido um deles, sem prejuízos dos outros; enquanto que, em se tratando de contrato misto, o grau de síntese alcançado torna inseparáveis as partes ou elementos do negócio.

Cumpre advertir que as regras principais a serem observadas, em relação ao contrato misto, são estas:

a) cada contrato se rege pelas normas do seu tipo;

b) mas tais normas deixam de ser incidentes, quando se chocarem com o resultado que elas visam assegurar." 61

As consequências da unicidade econômica, entre outras, são as que descreve Orlando Gomes 62:

"A extinção do contrato principal acarreta a do contrato acessório, pois logicamente, não lhe pode sobreviver, por faltar a razão de ser. Pelo mesmo motivo, se o contrato principal for nulo, também o será, por via de conseqüência, o acessório."

Mas podem-se conceber, como nota o julgado da suprema corte, casos de coligação econômica de contratos.

A coligação dos contratos, que pode ser necesária (legal) ou voluntária, não acarreta a perda da individualidade dos contratos, ao contrário do misto. Na coligação dos contratos, os mesmos são autônomos, mas se ajustam, se unem, em relação de união com dependência, de união alternativa ou união meramente exterior.

A união com dependência é a figura que mais se aproxima do contrato misto. Os contratos coligados são queridos pelas partes contratantes como um todo. Um depende do outro de tal modo que cada qual, isoladamente, seria desinteressante. Mas não se fundem.

61 Revista Trimestral de Jurisprudência do STF, (72): 886 - 887, jun. 1975.

62 ORLANDO GOMES, Contratos, p.91.

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Conservam a individualidade própria. Por isso se distinguem dos contratos mistos. A dependência pode ser recíproca ou não.

A união com dependência unilateral verifica-se quando não há reciprocidade. Um só dos contratos é que depende do outro. Tal coligação requer a subordinação de um contrato a outro, na sua existência e validade. Os contratos permanecem, no entanto, individualizados.

Em qualquer das suas formas, a coligação de contratos não enseja as dificuldades que os contratos mistos provocam quanto ao direito aplicável, porque os contratos coligados não perdem a individualidade, aplicando-se-lhes o conjunto de regras próprias do tipo a que se ajustam.

Nos contratos interdependentes, o condicionamento de um ao outro não constitui obstáculo à aplicação da regras peculiares a cada qual.

Assim, no caso de nossas disposições incidentais, há que se distinguir se há um caráter unitário da operação econômica. Neste caso a autonomia das normas da propriedade intelectual se abate quando estas se chocarem com o resultado que visam assegurar. A acessoriedade se configura.

Mas se a operação econômica não é unitária, ocorre apenas a coligação, com indepedência de resultados.

Conclusão quanto às disposições incidentais

Assim, sempre que a contratação pela ICT de tecnologia ou de licença de paten-tes incluir, por exemplo, disposição que preveja certos fornecimentos de bens (inclusive insumos), serviços e outras utilidades, tais obrigações não desfigurari-am o permissivo do art. 24, XXV da Lei 8.666/93 sempre que tais disposições sirvam necessaraimente ao caráter unitário do ajuste.

Vale dizer, quando tais disposições sejam acessórias e mais, necessárias ao modelo adotado de transferência de tecnologia, a unicidade do ajuste determinará a sub-missão do todo ao regime licitatório de dispennsa de licitação.