informativo fábrica de imagens ed.12

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Os impactos do megaevento na vida das mulheres Páginas 4 e 5 E EU COM ESSA COPA? Página 2 OS AUTORES DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: refletindo sobre a punição e o enfrentamento à violência autora do livro “Ela é o show: perfomances trans na capital cearense” Página 3 CURTA O GÊNERO PREPARA A EDIÇÃO 2013 ARTIGO Página 6 FÁBRICA ENTREVISTA JULIANA JUSTA Página 7 OUTROS OLHARES 2012 conclui processo de formação e prepara seminário INFORMATIVO BIMESTRAL FÁBRICA DE IMAGENS EDIÇÃO Nº 12 AGOSTO-SETEMBRO 2012 FOTO DA CAPA: THYAGO NOGUEIRA

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12ª ediçãod do informativo bimestral da Fábrica de Imagens.

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Page 1: Informativo Fábrica de Imagens Ed.12

Os impactos do megaevento na vida das mulheres

Páginas 4 e 5

E EU COM ESSA COPA?

Página 2

OS AUTORES DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: refletindo sobre a punição e o enfrentamento à violência

autora do livro “Ela é o show: perfomances trans na capital cearense”

Página 3

CURTA O GÊNEROPREPARA A

EDIÇÃO 2013

ARTIGO

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FÁBRICA ENTREVISTA JULIANA JUSTA

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OUTROS OLHARES 2012 conclui processo de formação e

prepara seminário

INFORMATIVO BIMESTRALFÁBRICA DE IMAGENS

EDIÇÃO Nº 12AGOSTO-SETEMBRO 2012

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A partir do anúncio da realização da Copa do Mundo 2014 no Brasil tem-se assistido uma corrida contra o tempo do Estado Brasileiro e suas subestruturas, unidades federativas e municípios para cumprir prazos e metas estabelecidas para a realização do evento. Em épocas de grandes decisões, nas quais a democracia é posta à prova, é comum que os argumentos centrados no conceito de progresso, desenvolvimento e a pressão dos prazos estabelecidos encubram o cerne dos debates. É preciso ter-se em mente que um evento da envergadura da Copa do Mundo traz consigo transformações significativas para as cidades-sede. Os

aportes bilionários de verbas e a aplicação do erário público nas obras de infraestrutura são a face mais visível desta relação.

Do outro lado da moeda, a insistência dos movimentos sociais em destacar o impacto destas obras na vida das pessoas parece por vezes prerrogativas de quem é contra a realização do evento ou implicância baseada em previsões. É preciso olhar a experiência anterior na África do Sul, por exemplo, para compreender qual a correlação de forças que se coloca, para além das propagandas nacionalistas com samba-canção de trilha sonora e das obras astronômicas e suas arquiteturas pomposas.

Nesta edição do Informativo Fábrica de Imagens lançamos olhar sob os impactos do megaevento na vida das mulheres. O recorte não é à toa, mas parte do entendimento de que essa parte da população sofre opressões específicas que permitem compreender os conflitos sociais gerados a partir da Copa do Mundo sob a ótica das relações de gênero.

Ainda nessa edição, você encontra uma conversa com a socióloga Juliana Justa sobre as performances trans em Fortaleza, uma reportagem sobre o encerramento da programação deste ano do Curta O Gênero e o anúncio das atividades do projeto Outros Olhares. Boa leitura!

Editorial

O bojo de elementos oriundos da violência contra mulher é marcado por questões complexas

e intensas que revelam a necessidade de, cada vez mais, problematizar a eficiência dos atuais mecanismos e estratégias de enfrentamento. As capciosas nuances desse fenômeno e a forma de percepção ao longo do tramitar histórico revelam imperativamente que esse é um tema que precisa ser encarado com a real atenção, percebendo como podemos enfrentar tal questão, afirmando as conquistas efetivadas até aqui, fruto das lutas das mulheres, como o avanço no âmbito legal, mas imbricando-se em outros aspectos do enfrentamento às expressões do machismo para além da repressão.

Dentro dessa perspectiva, realizamos um estudo tendo como premissa a seguinte indagação: como e se o espaço prisional oportuniza a ressignificação da violência para os autores dessa prática? No caso da Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor José Jucá Netto (CPPL III), localizada em Itaitinga/Ceará, em pesquisa realizada no período de fevereiro a abril de 2011, através de entrevistas com presos que respondiam por violência contra mulher, o que nos possibilitou verificar que a prisão intimida e assusta, mas está longe de ser o meio e o fim para o enfrentamento da violência, sobretudo, contra mulher.

A violência contra mulher é um fenômeno que atinge a sociedade brasileira ao longo da história. Apesar desta constatação, o Brasil carecia de lei específica que versasse sobre esse tipo de crime, mesmo porque essa expressão da violência era tida como tema eminentemente de cunho privado que só cabia aos cônjuges ou sujeitos envolvidos nas situações de violência resolver seus problemas familiares e afetivos. Apenas em 2006, essa realidade se modifica com a legitimação da Lei 11.340/2006, denominada popularmente de Lei Maria da Penha (LMP), que cria mecanismo de enfrentamento à violência

contra mulher. A partir dessa lei, a pena privativa de liberdade passou a ser aplicada para os autores deste tipo de violência, extinguindo-se o pagamento da pena com cesta básica ou trabalho voluntário. Mesmo com esse mecanismo legal a materialização da violência no seio social ainda é alarmante. Conforme a pesquisa publicada, em agosto de 2010, pela Fundação Perseu Abramo, em Parceria com o SESC, a cada 2 minutos, 5 mulheres são espancadas no Brasil. Em relação ao nosso Estado, o Jornal o Povo divulgou, em 06/08/2012, que por dia chegam 50 denúncias às delegacias da mulher, até 02 de agosto deste ano foram registrados 10.639 boletins de ocorrência, tendo as delegacias instaurado nesse mesmo período 1.599 inquéritos.

É inegável a importância dessa lei no enfrentamento e coibição da violência, visto que esta passou a ser tratada como problemática de cunho público, necessitando da intervenção estatal no seu enfrentamento. Os Estados brasileiros passaram a implementar juizados especiais destinados a executar e acompanhar os processos referentes à violência contra mulher, tendo, dessa maneira, a prisão preventiva e em flagrante dos autores da violência ocorrendo de maneira mais eficaz. Ainda assim, a violência tem alastrado em várias localidades, até mesmo aumentando o número de casos. Isso ocorre por vários fatores, como por exemplo, pelo fato de, ao serem protegidas por uma lei especifica, as mulheres terem mais coragem de denunciar os autores da violência, algo comprovado por inúmeras pesquisas, mas evidenciado como apenas mais um elemento nessa teia complexa, quando presenciamos um alto nível de reincidência e de aumento de agressividade nos crimes.

Com relação à punição dos autores de violência, verificamos que, dos 61 homens presos, no momento da pesquisa, 35 eram reincidentes, alguns dos entrevistados afirmaram que para cumprir pena por

violência deviam ter cometido homicídio. A investigação revelou que apenas o cumprimento do caráter retributivo da pena privativa de liberdade não resolve a problemática, uma vez que os entrevistados não compreendiam seus atos como crimes, asseverando seus sentimentos de injustiça por considerarem a pena inapropriada, afirmando que o Estado não tinha direito de envolver-se em sua relação afetiva.

Outro elemento identificado no decorrer da investigação refere-se ao fato das mulheres denunciantes não perceberem os atos do companheiro como crime, comparecendo semanalmente ao presídio com o propósito de visitá-los. A Lei de Execuções Penais prevê que a pena privativa de liberdade, além do caráter retributivo, vise a “ressocialização” dos apenados. No caso dos autores de violência contra mulher, mesmo a LMP propondo centro de atendimentos a esses homens, aqui no Ceará não se conseguiu legitimar ainda, limitando-se a punição pela prisão.

Esse debate não constitui uma abordagem parcial visando protagonizar os homens, negar a necessidade da punição ao crime cometido e negligenciar as enormes perdas históricas das mulheres, estas, sem sombra de dúvidas, são as mais prejudicadas. Observamos que aspectos meramente punitivos, calcados na estrutura atual do modelo prisional, parecem ainda frígidos para uma superação do fenômeno, quando percebemos que somente a prisão não reflete, num salto substancial, para a erradicação da problemática, sendo necessários questionamentos mais profundos sobre a lógica que rege a sociabilidade atual. Pensarmos estratégias para além da prisão aos que agridem gays, lésbicas, negros, nordestinos e mulheres, não está, nem de longe, buscando remeter-se a uma apologia de abrandamento ou impunidade, mas sim, buscar uma linha reflexiva que venha problematizar se apenas esses espaços conseguiram e conseguem diminuir a violência e a reincidência nos atos ilícitos.

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OS AUTORES DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: refletindo sobre a punição e o enfrentamento à violência

Por Renata Gomes Assistente Social e mestranda em Serviço Social, Trabalho e Questão Social pela UECE.

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Após ser realizado em Fortaleza e percorrer 10 cidades do interior do Ceará, o Curta O

Gênero 2012 encerra sua itinerância e inicia os preparativos da segunda edição. Durante os 6 meses de realização, o projeto desenvolveu ações de formação, discussão e exibição dos vídeos. Na itinerância do evento, que ocorreram de abril a agosto deste ano, foram realizados minicursos, seminários e mostras de vídeos para um público formado por educadores, gestores culturais, estudantes da rede pública de ensino, profissionais ligados à assistência social e à educação não formal, pesquisadores, ativistas, dentre outros.

Barbalha, Juazeiro do Norte, Lavras da Mangabeira, Sobral, Iguatu, Pentecoste, Maracanaú, Horizonte, Guaiúba e Caucaia foram as cidades percorridas no período. Entre os dias 29 de Outubro e 1 de Novembro o evento acontece na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) em Redenção.

A mostra recebeu inscrição de 97 curtas-metragens oriundos das mais diversas regiões do país. Destes, 28 foram selecionados pelos curadores Marcos Rocha, Richard Parker e Margarita Hernandéz e exibidos em Fortaleza e nas outras 10 cidades. Além da exibição, os vídeos compuseram um Kit de DVDs que foi distribuído a exibidores, associações, cineclubes, escolas e parceiros do projeto.

O Lançamento da primeira edição do Curta O Gênero ocorreu no dia 7 de março com

conferência de Richard Parker, cientista político, diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) e diretor do Centro de Gênero, Sexualidade e Saúde da Columbia University – NY. Segundo o escritor e dramaturgo João Silvério Trevisan – que participou do evento dividindo uma mesa do seminário com o cartunista Laerte – o maior diferencial do projeto foi a programação que incluiu ações diversas paralelas à mostra como seminário, oficinas e minicursos. Também compôs a programação a Exposição Fotográfica Contrastes – gênero, tempos, lugares,

olhares que reuniu trabalhos dos alunos de fotografia do projeto Cacto da Fábrica de Imagens.

O evento contou com a presença de pesquisadores e pessoas ligadas às discussões de gênero e diversidade sexual, como Vagner de Almeida (cineasta), Miriam Pillar Grossi (UFSC), Zelma Madeira (Uece), Débora Breder (UFF), Paula Alves (Femina), Marcelo Natividade (UFC), Sandro Ka (Somos), Bia Barbosa (Intervozes) e João W. Nery (escritor). Com o objetivo de trocar experiências entre as inciativas que trabalham com a temática de gênero, o I Encontro Gênero nos Pontos reuniu representantes dos seguintes Pontos de Cultura, além da Fábrica de Imagens com o Outros Olhares: Biblioteca do Fórum Social Mundial, Ponto de Cultura Raízes do Cerrado, Ponto Maria Mulher, Somos LGBT, Instituto Janus, GALOSC e Fetamce.

O Curta O Gênero 2012 se encerrou, mas os preparativos para a segunda edição da

Mostra já iniciaram. Segundo Marcos Rocha, diretor da Fábrica de Imagens e idealizador do projeto, a segunda edição deve enfocar prioritariamente a violência de gênero. Marcos lembra que o Brasil é o sétimo país no ranking mundial de assassinatos de mulheres e, mesmo após a promulgação da Lei Maria da Penha, o número de mulheres vítimas de homicídio tem crescido em vários estados brasileiros.

Além disso, o país é o que mais mata lésbicas, gays, bisexuais, travestis e transexuais, segundo levantamento anual realizado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB). Marcos Rocha chama atenção para as outras violências ainda que não sejam tão explícitas como a física atingem mulheres e LGBTs: “Como não bastasse as desigualdades de gênero impactam fortemente a vida, sobretudo, das mulheres e de sujeitos não heterossexuais nos campos do trabalho, da saúde e da educação, direitos básicos violados diariamente por uma conjuntura de violência alimentada pelo machismo e pela homofobia”, reflete.

Para lançar o Curta O Gênero 2013, já está disponível no youtube.com/fabricadeimagens o primeiro teaser promocional do evento. Além disso, o site do projeto está sendo atualizado diariamente com novidades sobre a programação e detalhes da produção. Enquanto a equipe da Fábrica de Imagens trabalha na pré-produção, os/as realizadores (as) já podem ir preparando curtas que tenham como tema as relações de gênero pra inscrever na Mostra.

João Silvério Trevisan (Escritor)

“Eu acho que vocês tiveram uma sacada incrível porque em torno da ideia do cinema vocês juntaram vários elementos pra discutir as relações de gênero e problemas relacionados a isso. Sobretudo, a ideia de que vocês vão fazer cidades do interior e acho que podem ter resultados surpreendentes. Eu acredito que seja muito importante dar continuidade porque inclusive isso vai agregar elementos para as próximas edições.”

Bia Barbosa (Intervozes)

“Eu acho que é fundamental ampliar os debates sobre os diferentes gêneros e sobre essa relação cultura, comunicação e gênero na sociedade... temos que colocar esse material pra circular, porque além da gente ter uma produção cultural muito centrada no eixo Rio - São Paulo e o fato disso (Curta O Gênero) acontecer no Nordeste traz um diferencial importante pra essa discussão. A questão da diversidade de orientação sexual e de gênero ainda é um tema pouco explorado e difundido e que não alcança o conjunto da população brasileira.”

Maria Noelci (ponto de cultura Maria Mulher)

“No ponto de cultura do qual faço parte discutimos gênero e principalmente tudo o que se refere à produção das mulheres. Essa iniciativa do COG é extremamente importante não só para os Pontos de Cultura ou para as organizações que discutem gênero, mas absolutamente pra toda a sociedade civil organizada e aquelas que desenvolvem atividades no campo da cultura. É uma iniciativa que eu já considero exitosa e que realmente tem uma necessidade de continuidade...”

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GÊNERO, CULTURA

E MUDANÇA

DEPOIMENTOS

NÃO À VIOLÊNCIA

DE GÊNERO

CURTA O GÊNERO

encerra a programação de 2012 e prepara edição de 2013

Por Iara Moura

FOTO: DESCONHECIDO

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E EU COM ESSA COPA?

Cássia mora na comunidade desde que nasceu e diz que ,se houver remoções, tudo vai

mudar para pior, já que a comunidade está constituída há mais de 70 anos e tem garantido as condições de infra estrutura conquistadas ao longo do tempo. “A gente vê que para onde eles estão impondo nossa ida não tem nenhuma infra-estrutura”, afirma.

De acordo com dados da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa- ANCOP, no Brasil, mais de 170 mil pessoas serão impactadas

pelas obras da copa do mundo de 2014. Essas famílias vão se juntar aos cerca de 8 milhões de famílias que já vivem sem um lar para morar. Em Fortaleza, uma das sedes do evento, os números revelam que mais de 5 mil famílias podem perder suas casas. Esses dados já seriam suficientemente alamarntes por se tratar de uma total falta de respeito ao direito dos(as) cidadãos(ãs) de permanecerem no local onde escolhereram viver. Porém, os impactos vão muito além, são também de ordem econômica, ambiental, social e política.

Apesar da Constituição Federal prever no seu artigo 6° que são direitos sociais a educação, a saúde, o tra-balho, a moradia, o lazer, a segurança, a proteção à ma-ternidade e a infância e a as-sistência aos desamparados. Em nome de um suposto de-senvolvimento ou progresso, todavia o Estado brasileiro vem promovendo medidas higienistas e de segregação com vistas a “limpar e or-ganizar a casa” para receber os megaeventos, dentre elas a Copa das Confederações e a Copa do Mundo.

DAQUI NÃO SAIO, DAQUI

NINGUÉM ME TIRA

Quando uma família é obrigada a retirar-se do local onde mora, ocorrem uma série de

mudanças e prejuízos na vida dessas pessoas, na maioria das vezes, prejuízos que são ignorados pelo governo. Podemos citar, por exemplo, a separação entre vizinhos e o apagamento da memória do bairro. “Nossa história é construída aqui e nossos laços vêm se estreitando cada vez mais,” explica Cássia ao refletir como o processo de resistência à remoção vem unificando ainda mais as famílias.

Para Lídia Rodrigues, integrante do Comitê Popular da Copa em Fortaleza, todos esses impactos afetam de maneira diferenciada as mulheres. “Como as mulheres são responsáveis socialmente em administrar os conflitos domésticos e as dores coletivas, os impactos emocionais que recaem sobre toda a família recairão sobretudo nelas”, analisa.

“Era de manhã, a gente tava tomando café e fomos pegos de surpresa. A equipe chegou e disse que ia começar a fazer cadastro”. O relato é de Rita de Cássia, 40 anos, moradora da comunidade Trilha do Senhor, explicando como foi avisada de que seu local de moradia iria mudar. A comunidade é uma das 22 áreas que estão no plano do Governo do Estado do Ceará para as remoções por conta das obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).

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Por Sheila Rodrigues

OS IMPACTOS DO MEGAEVENTO NA VIDA DAS MULHERES

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E EU COM ESSA COPA?

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em dados de 2010, as mulheres são 35% das responsáveis pela família no País. São estas então, as mais atingidas pela falta de políticas públicas e de infra-estrutura quando da remoção.

No caso das moradoras da Comunidade Trilha do Senhor – localizada em uma área nobre de Fortaleza, entre os bairros Papicu e Aldeota – não é diferente. Se elas forem para mais distante a situação se complica ainda mais. “É difícil a pessoa que mora aqui na comunidade se deslocar pra longe pra trabalhar. Os trabalhos, a maioria é aqui”, conta Maria Edileuza, moradora do bairro.

EXPLORAÇÃO SEXUAL

Outro impacto direto dos megaeventos na vida das mulheres é o aumento

considerável do turismo sexual. O movimento de mulheres ressalta que a grande preocupação deva ser a proteção

dada às mulheres envolvidas nas redes de prostituição e não a repressão à prática, ação mais comum do Estado brasileiro. Durante a realização da Copa do mundo na África do Sul, foi debatido, inclusive, a descriminalização e regulamentação da indústria do sexo.

Neste bojo, cresce a preocupação com outras questões, entre elas, o tráfico de seres humanos e da exploração sexual. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que esse mercado movimenta cerca de 32 bilhões de dólares por ano, sendo que a exploração sexual corresponde a 79% dos casos. Das pessoas traficadas, 66% são mulheres. Além disso, o número de mulheres e crianças traficadas anualmente atinge cerca de 4 milhões.

Segundo Lídia, que também é militante do Fórum Cearense de Mulheres e do Grupo Tambores de Safo, os impactos da copa, no Brasil, não podem ser medidos antes dos acontecimentos. “O que fazemos são prognósticos baseados nas experiências de outros países onde aconteceram megaeventos esportivos e em decorrência

dos mesmos aumentaram os casos de exploração sexual e tráfico como no caso da África do Sul, Ucrânia e na Eurocopa”, diz.

Para tentar minimizar os problemas citados, algumas ações estão em curso.“Recentemente aconteceu um encontro em Brasília, que reuniu todas as redes nacionais de proteção dos direitos infanto juvenis, onde atores da rede elaboraram um plano de ação conjunto até a copa de 2014”, explica Lídia. A nível governamental está previsto para este ano o lançamento do II Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, fruto do debate de organizações sociais que buscam garantir que temas como esse sejam priorizados a fim de combater um crime que se configura como um dos mais lucrativos do mundo.

No entanto, o que há de concreto no atual contexto das comunidades,como a Trilha do Senhor é a necessidade de resistir à especulação imobiliária, ao desemprego, à exploração sexual e às demais ameaças que se anunciam com a preparação para a copa do mundo 2014.

OS IMPACTOS DO MEGAEVENTO NA VIDA DAS MULHERES

FOTOS: AFFRO JALES

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Por Iara Moura

ENTREVISTA ASSISTA À ENTREVISTA COMPLETA NO NOSSO CANAL NO YOUTUBE

1. A pesquisa que deu origem ao livro “Ela é o show: performances trans na capital cearense” se deu em grande parte na Divine (boate Gay localizada no Centro de Fortaleza). Quais foram as sensações iniciais de estar neste território?

Foi bem peculiar essa inserção. A partir da Divine, esse grande celeiro de artistas e de divas como o próprio nome da boate fala, eu decidi por fazer essa pesquisa, discutir sexualidade, gênero, desejo, a partir dos shows. Isso também por eu achar que o show, uma performance trans ela é política, a arte ela é política. Isso tudo me levou a escolher esse tema. Eu não frequentava a Divine, mas já conhecia por alguns vídeos. Eu confesso que no começo eu tinha muito preconceito, a própria questão de estar no centro, de achar que é perigoso. Comecei em 2007, 2008 a frequentar quase todos os fins de semana e achava muito interessante porque às vezes me confundiam com uma travesti e a partir disso fui me familiarizando com os gestores, com o público, vendo os shows. Foi aí (...) que eu abri esse leque que eu chamo de “performances trans” englobando nesse “trans” drag, transformista e travesti por entender que essas categorias não abarcam a própria forma como elas se identificam, não abarcam o desejo que, transcende, explode essas categorias.

2. Essa questão do espetáculo como objeto, da arte como política, como você encara? Esse tema é sempre muito polêmico,

vide a parada que as pessoas falam: “Ah, só tem sacanagem na parada, né?”. Isso nos mostra uma forma da nossa cultura ocidental de significar os corpos. O corpo para ser respeitado ele tem que se portar de determinada forma. (...) Eu não concordo com isso porque o nosso corpo – e o nosso corpo nunca é só o nosso corpo, é o nosso desejo, é a nossa vida, é a forma que a gente se posiciona no mundo – isso é política. Historicamente, se a gente for ver, essa luta – eu falo luta não só a que a gente conhece como movimento social que tem sua importância lógico, as ONGs, OGs, que lutam pelos direitos LGBTs – mas também o percurso que vem da década de 70 até agora, as boates, os concursos de beleza dos bairros e outros tipos de eventos nos quais as travestis, drags e transformistas se apresentavam. (...) É esse o tipo de visibilidade política que vem através da arte. E a nossa vida também é arte, não tem como separar. (...) Os espetáculos, os shows têm um efeito e eu acho que tem um efeito muito importante. A gente vê, por exemplo, a Verónica (da banda Verónica Decide Morrer) que às vezes se diz transformista, às vezes se diz travesti, e isso confunde a cabeça das pessoas. Ela é uma atriz, roqueira. Tivemos a Luma (Andrade), a primeira travesti que defendeu uma tese, isso também no imaginário trans da cidade é algo muito interessante. Então, essas representações do que é uma travesti, do que é uma drag, do que é uma transformista, elas estão o tempo inteiro sendo interpeladas e nessa interpelação vem o que a gente entende, a nossa cultura, do que é uma sexualidade

interessante, do que é gênero. É um mote que eu acho fantástico, a gente pensar esses temas a partir da arte.

3. Durante o percurso da pesquisa você se focou especialmente na vida noturna das pessoas entrevistadas, no momento da performance, da festa, mas no livro você consegue descrever a descoberta destes personagens para além da Divine. Como foi perceber esse limite?

No livro, nas trajetórias, eu lido com isso. Na época era também uma curiosidade muito grande. Essa questão da identidade que a gente vê como muito rígida se complica. Eu entrevistei duas drags e se eles tiverem passando em algum lugar e as pessoas os chamarem pelo nome de drag, eles atendem. Então não é só uma questão de se montar e se desmontar, é algo também subjetivo. Você ser drag, ser travesti não diz respeito só a uma roupa ou a um silicone. Respondendo a sua pergunta, elas não estão em cima do palco por geração espontânea, digamos assim. Há todo um trabalho, diversos rituais de preparação para que cheguem até lá. Essas pessoas trabalham, essas pessoas tem as suas dores e delícias como todos nós. (...) A vida não é só o espetáculo na boate, até para que eles cheguem na boate há todo um caminho um percurso até para que eles tenham finanças para se custear. E tem diversos outros âmbitos na vida como família, amores, desamores (...) Nós também nos montamos, eu me montei pra vir pra cá...

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Nº1

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Adentrar um mundo novo é uma decisão capaz de modificar profundamente nossas crenças

e certezas pré-estabelecidas. Lançada a esse desafio, a entrevistada dessa edição do Informativo Fábrica de Imagens resolveu aventurar-se por Fortaleza e

descobrir os territórios onde brilham as Divas trans. Depois de um ano convivendo com travestis, drag queens e transformistas nas noites da cidade e festejando (por que não?) as “delícias” e os “desamores” de cada uma, Juliana Justa reconciliou-se com a garotinha

questionadora de outrora que não entendia porque não podia jogar futebol e porque sua voz grave chamava tanta atenção. Mais perguntas do que respostas surgiram e essa é exatamente a ideia: “sacolejar” as ideias fixas introjetadas do que é ser homem e do que é ser mulher.

FÁBRICAENTREVISTA

Juliana JUSTAMestre em Sociologia, autora do livro: “Ela é o show: performances trans na capital cearense”.

FOTO: RODRIGO PAULINO

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Por Catarina Érika

Quantas vezes você participou de alguma formação na universidade ou na escola

sobre direitos humanos, gênero e diversidade sexual? A resposta mais provável a esse questionamento é não, o que cria uma atmosfera de que esses temas não são prioritários. É muito comum a maioria dos estudantes pensar desta forma já que não há tanto espaço para debater esses assuntos nas instituições formais de ensino.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que 60% dos municípios brasileiros não aderem a um plano de educação voltado às questões de direitos humanos. Para combater essa situação, a ONG Fábrica de Imagens desenvolve ações que promovem a difusão desses assuntos nos campos educacionais por meio de projetos de formação.

O projeto Outros Olhares levou à Universidade Estadual do Ceará (Uece) e à Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza a formação “Educação em Direitos Humanos, Gênero e Diversidade Sexual” em cinco turmas, cada uma com 40h/aula para graduandos (as) de cursos de licenciatura, entre eles, Pedagogia,

Ciências Sociais, Letras, Filosofia, assim como Psicologia, Serviço Social, Educadores Sociais, agentes culturais ligados aos programas Pontos de Cultura/ Cultura Viva e ativistas em gênero/mulher e diversidade sexual/LGBT.

De maio a julho deste ano, o projeto concluiu essas turmas, totalizando 100 estudantes. A ideia é que até o final do ano, os debates feitos durante a formação possam ser replicados em seus respectivos ambientes de trabalho, estudo ou militância.

Ivina Marley é estudante de Pedagogia e exerce a função de educadora social no projeto Crescer com Arte onde desenvolve um trabalho com adolescentes. Ela foi uma das participantes da última turma e relata sua experiência no meio educacional e como a formação pôde contribuir no seu trabalho. “A equipe tem observado que está surgindo muitos casos de orientação sexual LGBT e enquanto profissional, eu senti a necessidade de fazer esse curso para entender um pouco mais do assunto”, conta a educadora.

Estão ocorrendo várias formas de replicação utilizadas pelos estudantes e educadores. Uma delas foi a promoção

do Seminário “Direitos Humanos da Juventude no Estado do Ceará”, realizado na Uece por duas estudantes de Serviço Social que participaram das primeiras turmas do projeto.

Com as cinco turmas concluídas e as atividades de replicação em andamento, a equipe do projeto prepara um seminário que acontecerá nos dias 27 a 30 de novembro, na UECE, incluindo a realização de conferências e mesas de discussão sobre educação em direitos humanos, preconceitos e discriminações em contextos de ensino-aprendizagem, apresentação de trabalhos científicos, minicursos, além de uma programação cultural com mostra de vídeos, exposição fotográfica e apresentações artísticas.

Paralelo às atividades do Seminário, o projeto também realiza a produção de um documentário que conta a experiência de estudantes e educadores que participaram da formação, acadêmicos e militantes de movimentos sociais envolvidos com as questões de gênero e diversidade sexual. Em breve a programação do evento também estará disponível no blog <outrosolhares2012.wordpress.com> e no site da Fábrica de Imagens.

4. Você já tem um percurso em torno de dez anos pesquisando essa temática. O que mudou na sua percepção nessa relação do que é ser homem e do que é ser mulher?

Transformou bastante coisa. A gente antes de nascer já tem a pedagogia do gênero, da sexualidade. Eu lembro na minha infância que eu nunca gostei muito de boneca, fazer chorinho de boneca. Gostava de jogar futebol, eu tenho essa voz grave e algumas pessoas falavam: tu tem voz de homem e tu não pode ficar jogando futebol não. E aí eu respondia: mas porquê gente que que não posso fazer isso? Nisso todas as concepções que eu tinha sobre gênero, sexualidade, identidade e corpo deram

uma super chacoalhada com direito a super crises daquelas verdades que desde que você nasce são introjetadas, aí você fica pensando: meu deus como é que pode? Por que eu vejo tantas pessoas sofrendo por se acharem doentes, por se comportarem ou terem um desejo que não estão dentro dessa heteronormatividade? (...) A Judith Butler (filósofa pós-estruturalista estadunidense, adepta da teoria Queer) tem um conceito que eu acho muito legal, mas também muito forte. Ela diz que a matriz heteronormativa significa os corpos e os desejos dentro da nossa sociedade ocidental e ela é heteronormativa, então, as pessoas que não se encaixam nessa matriz como é que elas são significadas dentro da cultura? Como seres abjetos,

seres aberrantes. (...) Eu tenho que querer ter filhos? Isso também tá dentro dessa matriz. É algo muito sério você considerar uns mais humanos que outros e isso é feito o tempo inteiro. Isso acarreta mortes (pausa) também poesias e luta... Se pudesses dar uma resumida no que se modificou foi muito essa mirada pras pessoas. O que faz uma pessoa dizer: “Ah, eu não gosto dessa pessoa. Por que, porque ele é viado, por que ela é sapatão, por que ela não quer ter filhos...”. Então ela não é normal porque ela não quer ter filhos? A mulher precisa ter filhos? A mulher pode fazer aborto ou não? O homem tem que ser garanhão o tempo inteiro? Então isso deu uma chacoalhada e ainda dá. Espero que continue me chacoalhando por muito tempo (risos).

OUTROS OLHARES

conclui processo de formação e prepara seminário

FOTO: CATARINA ÉRIKA

Page 8: Informativo Fábrica de Imagens Ed.12

Este jornal é uma publicação do projeto Cacto realizadado pela ONG Fábrica de Imagens - Ações educativas em cidadania e gênero.

Coordenação geral: Marcos Rocha

Coordenação pedagógica: Christiane Ribeiro Gonçalves

e Tel Cândido

Projeto Gráfico: Regys Lima

Jornalista responsável: Iara Moura - MTB CE:2580-JP

Reportagens: Catarina Érika, Sheila Rodrigues

Endereço: Rua Carlos Juaçaba, 1133, Maraponga, Fortaleza-CE

Contatos: (85) 3495-1887 / [email protected] /

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(inscrições mediante a entrega de 1KG de alimento, que serão doados a Central de Segurança Alimentar do Fórum de Movimentos Sociais

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