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Informativo 945-STF (03/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 945-STF Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo pelo fato de não terem sido ainda concluídos em virtude de pedidos de vista ou de adiamento. Serão comentados assim que chegarem ao fim: ACO 714/MT; RE 997592 AgR/RS; HC 164493/PR. ÍNDICE DIREITO PROCESSUAL CIVIL COMPETÊNCIA Para os fins do art. 102, I, “n”, da CF/88, o impedimento deve ser afirmado nos autos do processo cujo deslocamento se pretende. DIREITO PENAL LEI DE DROGAS Não é possível a fixação de regime de cumprimento de pena fechado ou semiaberto para crime de tráfico privilegiado de drogas sem a devida justificação. DIREITO PROCESSUAL PENAL TRIBUNAL DO JÚRI Decisão do TJ que, em revisão criminal, absolve o réu sob a alegação de que a condenação é contrária à evidência dos autos viola acórdão do STF que havia restaurado condenação proferida pelo Tribunal do Júri. RECLAMAÇÃO O filho da vítima do homicídio, mesmo que não tenha sido assistente de acusação, tem legitimidade para ajuizar reclamação contra decisão do TJ que absolveu o réu, se outro membro da família havia sido assistente de acusação. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR VIOLÊNCIA CONTRA INFERIOR Réu pode ser condenado por crime de violência contra inferior mesmo que, durante a tramitação do processo, deixe de ser militar Não se aplica o princípio da insignificância ao crime de violência contra inferior (art. 175 do CPM) DIREITO TRIBUTÁRIO IRPJ E CSLL É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL.

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Informativo 945-STF (03/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 945-STF

Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo pelo fato de não terem sido ainda concluídos em virtude de pedidos de vista ou de adiamento. Serão comentados assim que chegarem ao fim: ACO 714/MT; RE 997592 AgR/RS; HC 164493/PR.

ÍNDICE DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Para os fins do art. 102, I, “n”, da CF/88, o impedimento deve ser afirmado nos autos do processo cujo deslocamento

se pretende.

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS Não é possível a fixação de regime de cumprimento de pena fechado ou semiaberto para crime de tráfico

privilegiado de drogas sem a devida justificação.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

TRIBUNAL DO JÚRI Decisão do TJ que, em revisão criminal, absolve o réu sob a alegação de que a condenação é contrária à evidência

dos autos viola acórdão do STF que havia restaurado condenação proferida pelo Tribunal do Júri. RECLAMAÇÃO O filho da vítima do homicídio, mesmo que não tenha sido assistente de acusação, tem legitimidade para ajuizar

reclamação contra decisão do TJ que absolveu o réu, se outro membro da família havia sido assistente de acusação. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

VIOLÊNCIA CONTRA INFERIOR Réu pode ser condenado por crime de violência contra inferior mesmo que, durante a tramitação do processo, deixe de ser militar Não se aplica o princípio da insignificância ao crime de violência contra inferior (art. 175 do CPM)

DIREITO TRIBUTÁRIO

IRPJ E CSLL É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da

CSLL.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Para os fins do art. 102, I, “n”, da CF/88, o impedimento deve ser afirmado

nos autos do processo cujo deslocamento se pretende

Existe uma decisão proferida pelo TJ em processo coletivo que beneficia diversos servidores do Poder Judiciário.

Esses servidores começam a ingressar com execuções individuais pedindo o pagamento dos valores reconhecidos no acórdão do TJ. João é um deles e ajuíza pedido de cumprimento de sentença. O TJ remete a execução individual de João para o STF afirmando que mais da metade dos Desembargadores possui alguma relação de parentesco com outros servidores beneficiados pela decisão. Logo, para o TJ, a competência para julgar todas as execuções individuais seria do STF, com base no art. 102, I, “n”, segunda parte, da CF/88.

O STF, contudo, não concordou com a decisão.

O STF não é competente para julgar originariamente a execução de João, pois não há impedimento dos Desembargadores. Nenhum deles mantêm relação de parentesco com João, servidor que figura especificamente no processo de execução individual.

STF. 1ª Turma. AO 2380 AgR/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

Imagine a seguinte situação adaptada: O Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de Sergipe impetrou Mandado de Segurança coletivo no Tribunal de Justiça do Estado requerendo o pagamento de determinada gratificação para os seus filiados. O TJ/ES julgou procedente o pedido formulado no MS e o processo transitou em julgado. Cumprimento de sentença João ingressou com pedido de cumprimento de sentença no TJ/ES requerendo o pagamento dos valores a que teria direito a partir da data da impetração. O TJ/ES proferiu, então, decisão na qual reconheceu, de ofício, a sua incompetência para julgar as execuções. Isso porque há alguns servidores beneficiários do título executivo que são parentes de Desembargadores. Logo, diante disso, o TJ entendeu que deveria ser aplicada a regra do art. 102, I, “n”, segunda parte, da CF/88 e que todas as execuções individuais (inclusive essa de João) deveriam ser encaminhadas para apreciação do STF:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;

Em razão do exposto, o TJ/ES enviou ao STF a execução individual ajuizada por João. Vale ressaltar que ele não possui parentesco com nenhum Desembargador.

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Agiu corretamente o TJ? NÃO. A 1ª Turma do STF determinou a devolução dos autos ao tribunal de origem. A Turma afirmou que o STF não é competente para julgar originariamente a execução, pois não há impedimento dos Desembargadores que não mantêm relação de parentesco com o servidor que figura especificamente no processo de execução individual (art. 144, IV, do CPC):

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: (...) IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

Em outras palavras, os Desembargadores não são impedidos para julgar o processo de João, razão pela qual não há motivo para que deixem de julgá-lo. Além disso, para os fins do art. 102, I, “n”, da CF/88, o impedimento deve ser afirmado nos autos do processo cujo deslocamento se pretende, o que não ocorreu no caso. Vale ressaltar, por fim, que o TJ/ES não se declarou incompetente para julgar o mérito do mandado de segurança coletivo, de modo que não há, em princípio, óbice para apreciar as execuções individuais, as quais devem estrita observância à coisa julgada formada no processo de conhecimento. Eventual alteração na composição do tribunal, que tivesse acarretado o impedimento de mais da metade de seus membros, deveria ter sido demonstrada no caso concreto, não sendo suficiente a manifestação em outra execução individual. Em suma:

Existe uma decisão proferida pelo TJ em processo coletivo que beneficia diversos servidores do Poder Judiciário. Esses servidores começam a ingressar com execuções individuais pedindo o pagamento dos valores reconhecidos no acórdão do TJ. João é um deles e ajuíza pedido de cumprimento de sentença. O TJ remete a execução individual de João para o STF afirmando que mais da metade dos Desembargadores possui alguma relação de parentesco com outros servidores beneficiados pela decisão. Logo, para o TJ, a competência para julgar todas as execuções individuais seria do STF, com base no art. 102, I, “n”, segunda parte, da CF/88. O STF, contudo, não concordou com a decisão. O STF não é competente para julgar originariamente a execução de João, pois não há impedimento dos Desembargadores. Nenhum deles mantêm relação de parentesco com João, servidor que figura especificamente no processo de execução individual. STF. 1ª Turma. AO 2380 AgR/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

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DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS Não é possível a fixação de regime de cumprimento de pena fechado ou semiaberto

para crime de tráfico privilegiado de drogas sem a devida justificação

Não é possível a fixação de regime de cumprimento de pena fechado ou semiaberto para crime de tráfico privilegiado de drogas sem a devida justificação.

Não se admite a fixação automática do regime fechado ou semiaberto pelo simples fato de ser tráfico de drogas.

Não se admite, portanto, que o regime semiaberto tenha sido fixado utilizando-se como único fundamento o fato de ser crime de tráfico, não obstante se tratar de tráfico privilegiado e ser o réu primário, com bons antecedentes.

A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso.

STF. 1ª Turma. HC 163231/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

Regimes prisionais Existem três regimes penitenciários:

FECHADO SEMIABERTO ABERTO

Pena cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média.

Pena cumprida em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.

Pena cumprida em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

Fixação do regime inicial O juiz, ao prolatar a sentença condenatória, deverá fixar o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade. A isso se dá o nome de fixação do regime inicial. Os critérios para essa fixação estão previstos no art. 33 do Código Penal.

O que o juiz deve observar na fixação do regime inicial? O juiz, quando vai fixar o regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, deve observar quatro fatores: 1) o tipo de pena aplicada: se reclusão ou detenção; 2) o quantum da pena definitiva; 3) se o condenado é reincidente ou não; 4) as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP).

Vamos organizar a aplicação desses quatro fatores:

RECLUSÃO O regime inicial

pode ser:

FECHADO: se a pena é superior a 8 anos.

SEMIABERTO: se a pena foi maior que 4 e menor ou igual a 8 anos.

Se o condenado for reincidente, o regime inicial, para esse quantum de pena, é o fechado.

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ABERTO: se a pena foi de até 4 anos. Se o condenado for reincidente, o regime inicial,

para esse quantum de pena, será o semiaberto ou o fechado. O que irá definir isso vão ser as circunstâncias judiciais:

se desfavoráveis, vai para o fechado;

se favoráveis, vai para o semiaberto. Súmula 269-STJ: É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.

DETENÇÃO O regime inicial

pode ser:

FECHADO: nunca

SEMIABERTO: se a pena foi maior que 4 anos.

ABERTO: se a pena foi de até 4 anos.

Se o condenado for reincidente, o regime inicial é o semiaberto.

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi condenado a 2 anos e 3 meses de reclusão por tráfico de drogas privilegiado (art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006). O juiz fixou o regime inicial semiaberto. Vale ressaltar que o condenado era primário e as circunstâncias judiciais favoráveis a ele. Como argumento para fixar o regime semiaberto, o juiz alegou que o crime de tráfico de drogas é muito grave, sendo extremamente nocivo para a sociedade. Agiu corretamente o magistrado? NÃO.

Não é possível a fixação de regime de cumprimento de pena fechado ou semiaberto para crime de tráfico privilegiado de drogas sem a devida justificação. Não se admite a fixação automática do regime fechado ou semiaberto pelo simples fato de ser tráfico de drogas. Não se admite, portanto, que o regime semiaberto tenha sido fixado utilizando-se como único fundamento o fato de ser crime de tráfico, não obstante se tratar de tráfico privilegiado e ser o réu primário, com bons antecedentes. A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso. STF. 1ª Turma. HC 163231/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

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A situação em tela se amolda ao art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal, que é aplicável também aos condenados por tráfico de drogas:

Art. 33 (...) § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS A determinação de busca e apreensão nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado

Federal pode ser decretada por juízo de 1ª instância se o investigado não for congressista Duplo juízo de validade de uma mesma prova

Mesmo que haja usurpação da competência do STF, os elementos informativos colhidos e que não precisavam de autorização judicial são válidos

A determinação de busca e apreensão nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal pode ser decretada por juízo de 1ª instância se o investigado não for congressista A Constituição, ao disciplinar as imunidades e prerrogativas dos parlamentares, não conferiu exclusividade ao STF para determinar medidas de busca e apreensão nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. Assim, a determinação de busca e apreensão nas dependências do Congresso Nacional, desde que não direcionada a apurar conduta de congressista, não se relaciona com as imunidades e prerrogativas parlamentares. Isso porque, ao contrário do que ocorre com as imunidades diplomáticas, as prerrogativas e imunidades parlamentares não se estendem aos locais onde os parlamentares exercem suas atividades nem ao corpo auxiliar. O fato de o endereço de cumprimento da medida coincidir com as dependências do Congresso Nacional não atrai, de modo automático e necessário, a competência do STF. É necessário examinar, no caso concreto, se a investigação tinha congressista como alvo. O STF não detém competência exclusiva para apreciação de pedido de busca e apreensão a ser cumprida no Congresso Nacional. STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945). Duplo juízo de validade de uma mesma prova Eventual nulidade decorrente da inobservância da prerrogativa de foro não se estende aos agentes que não se enquadrem nessa condição. Ex: Polícia Federal investiga 5 pessoas que não têm foro por prerrogativa de função; ocorre que havia indícios da participação de 3 Senadores; logo, essa investigação criminal deveria ter a supervisão do STF, a quem competiria autorizar as medidas cautelares; isso, contudo, não acontece; o juiz de 1ª instância autoriza a interceptação telefônica das 5 pessoas formalmente investigadas; essa interceptação será considerada nula em relação aos 3 Senadores (por usurpação da competência do STF), mas será válida para os 2 investigados sem foro. Assim, a usurpação da competência do STF não contamina os elementos probatórios colhidos no que se refere aos investigados que não possuem foro por prerrogativa de função. Podem ser utilizadas contra eles. STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

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Mesmo que haja usurpação da competência do STF, os elementos informativos colhidos e que não precisavam de autorização judicial são válidos Ex: Polícia Federal investiga 5 pessoas que não têm foro por prerrogativa de função; ocorre que havia indícios da participação de 3 Senadores; logo, essa investigação criminal deveria ter a supervisão do STF, a quem competiria autorizar as medidas cautelares; isso, contudo, não acontece; a Polícia ouve uma série de testemunhas sobre o caso; esses depoimentos não serão anulados; isso porque se a prova produzida não precisava de autorização judicial (como é o caso da mera oitiva de testemunhas), não há motivo para que ela seja anulada. Em suma: mesmo que tenha sido usurpada a competência do STF para supervisionar o inquérito, não deverão ser desconstituídos (anulados) os atos de investigação que não precisavam de autorização judicial, como é o caso da tomada de depoimentos. Por outro lado, as provas que foram colhidas sem autorização do STF (com decisão apenas do juízo de 1ª instância) deverão ser anuladas, mas essa anulação se aplica somente para os agentes detentores de foro por prerrogativa (tais provas continuam válidas para os processos envolvendo os investigados sem foro).

STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

Operação Métis “Operação Métis” foi uma investigação realizada pela Polícia Federal com o objetivo de apurar a conduta de policiais legislativos do Senado Federal que estariam, supostamente, realizando medidas de contrainteligência nos gabinetes e residências dos Senadores Fernando Collor de Mello (PTC-AL), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e dos ex-senadores José Sarney (PMDB-AP) e Edison Lobão Filho (PMDB-MA), com o objetivo, em tese, de obstruir as investigações da “Lava Jato”. Segundo a investigação da Polícia Federal, quatro policiais legislativos estariam fazendo “varreduras eletrônicas”, com recursos do Senado, nos escritórios e residências desses políticos com o objetivo de saber se haveria alguma escuta ou outros meios de obtenção de prova nesses locais. Polícia legislativa A Polícia Legislativa é um órgão da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, composto por policiais legislativos que, dentre outras atribuições, são responsáveis pela preservação da ordem e do patrimônio, bem como pela prevenção e apuração de infrações penais, nos edifícios e dependências da respectiva Casa legislativa. Além disso, a Polícia Legislativa é responsável pela segurança do Presidente da Câmara dos Deputados e do Presidente do Senado Federal. Deflagração da “Operação Métis” A deflagração da “Operação Métis” ocorreu em outubro de 2016. Após as investigações realizadas pela Polícia Federal, o Delegado formulou uma representação e um Juiz Federal do Distrito Federal (órgão jurisdicional de 1ª instância) decretou as seguintes medidas: • prisão temporária de 4 policiais legislativos; • suspensão das funções públicas dos policiais; e • busca e apreensão na sede da Polícia Legislativa, que fica localizada nas dependências do Senado. Vale ressaltar que, antes disso, o Juiz já havia decretado a interceptação telefônica dos policiais legislativos investigados e a quebra dos sigilos telefônicos (registros das chamadas efetuadas). Importante esclarecer também que nenhum Senador foi destinatário das medidas de busca e apreensão, interceptação telefônica ou quebra de sigilo deferidas. Impende enfatizar, ainda, que a busca e apreensão cumprida no Senado limitou-se às dependências da Polícia Legislativa, sem alcançar gabinetes de Senadores ou a Presidência da Casa.

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Reclamação Antônio, um dos policiais legislativos investigados, por intermédio de seu advogado, ingressou com reclamação no STF contra a decisão do Juiz Federal de 1ª instância alegando que ela teria usurpado a competência da Corte Constitucional. A defesa, dentre outros argumentos, afirmou que os elementos informativos que forem encontrados na busca e apreensão podem atingir diretamente Senadores e Deputados, “pois está se acusando policiais legislativos de, a pedido de parlamentares, influenciarem com serviços de contrainteligência a atuação da Polícia Federal na Operação LAVA-JATO, uma operação que investiga justamente parlamentares”. Assim, se, em última análise, no decorrer do inquérito, ficar demonstrado que os policiais receberam vantagem para assim atuar, chegar-se-ia à conclusão de que os parlamentares incidiriam em corrupção. Logo, o Juiz teria usurpado a competência do STF para autorizar medidas cautelares penais de investigação contra Deputados Federais e Senadores, em afronta ao art. 102, I, “b”, da CF/88. Vale ressaltar que:

A competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar parlamentar federal alcança a supervisão de investigação criminal. Atos investigatórios praticados sem a supervisão do STF são nulos. STF. 1ª Turma. Inq 3.438, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 11/11/2014.

A reclamação foi acolhida pelo STF? SIM. O STF acolheu parcialmente a reclamação e reconheceu que o Juiz de 1ª instância realmente usurpou competência da Corte. E o que o STF decidiu quanto às provas colhidas nesta “operação”? 1) Quanto às provas que dispensam autorização judicial (ex: oitiva de testemunhas): foram declaradas lícitas (válidas). Tais provas poderão ser utilizadas tanto contra os policiais legislativos (agentes sem foro privativo) como também eventualmente contra os Senadores (autoridades com foro privativo). Isso, obviamente, caso eles sejam denunciados. 2) Quanto às provas colhidas a partir das interceptações telefônicas e quebra do sigilo dos dados telefônicos: 2.1) Em relação aos detentores de prerrogativa de foro: tais provas foram declaradas ilícitas. Logo, se algum Senador for denunciado, tais provas não poderão ser utilizadas na denúncia nem no processo; 2.2) Em relação aos investigados não detentores de prerrogativa de foro: as provas são válidas e poderão ser utilizadas contra eles. 3) Quanto à busca e apreensão: foi declarada lícita. O STF deferiu pedido formulado pelo MP para preservar a prova produzida em busca e apreensão realizada para posterior avaliação apuratória. Em tese, a determinação de busca e apreensão nas dependências do Senado Federal, por si só, implica a competência do STF? Em outras palavras, qualquer medida de busca e apreensão no Senado deverá ser decretada obrigatoriamente pelo STF? NÃO.

A Constituição, ao disciplinar as imunidades e prerrogativas dos parlamentares, não conferiu exclusividade ao STF para determinar medidas de busca e apreensão nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. Assim, a determinação de busca e apreensão nas dependências do Senado Federal, desde que não direcionada a apurar conduta de congressista, não se relaciona com as imunidades e prerrogativas parlamentares. Isso porque, ao contrário do que ocorre com as imunidades diplomáticas, as prerrogativas e imunidades parlamentares não se estendem aos locais onde os parlamentares exercem suas atividades nem ao corpo auxiliar.

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O fato de o endereço de cumprimento da medida coincidir com as dependências do Congresso Nacional não atrai, de modo automático e necessário, a competência do STF. É necessário examinar, no caso concreto, se a investigação tinha congressista como alvo. STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

No caso das imunidades diplomáticas, o estatuto jurídico que lhes é próprio impede a atuação jurisdicional do Estado acreditado não só em relação aos Chefes das Missões Diplomáticas, mas também em relação ao corpo auxiliar, à sede da Missão Diplomática, bem como veículos e malas diplomáticas. Esse regime jurídico não se aplica aos Deputados Federais e Senadores. Prerrogativa de foro refere-se às funções desempenhadas e não a locais A prerrogativa de foro está relacionada a presença de determinadas autoridades na condição de investigados ou de réu. Assim, se um Senador é acusado de um crime cometido durante o exercício de suas funções e que esteja com elas relacionado, esse delito deverá ser julgado pelo STF. Ocorre que a CF/88 não previu “prerrogativa de foro a locais”, ou seja, o simples fato de a medida cautelar precisar ser cumprida no Senado não enseja a competência do STF se o investigado não for o Senador. A determinação judicial de medida de busca e apreensão na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal representa uma afronta ao princípio da separação dos Poderes? NÃO. A determinação, pelo Poder Judiciário, de busca e apreensão a ser cumprida nas dependências de Casa Legislativa, não configura, por si só, qualquer desrespeito à separação dos poderes. Nesse sentido: STF. AC 4005 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 02/06/2016. No caso examinado, quando as interceptações telefônicas dos policiais legislativos foram decretadas, o Juiz já tinha indícios de que poderia haver a participação de Senadores nos fatos investigados? Para o STF, sim. O eventual envolvimento de Parlamentares não constituía fato imprevisível. Ao contrário, já era possível reconhecer indícios de que essa varredura feita pelos policiais legislativos tenha, em tese, sido solicitada pelos próprios Senadores. Um dos argumentos invocados para se manter a validade de todas as provas colhidas era a aplicação da “teoria do juízo aparente”. Essa tese foi acolhida pelo STF neste caso? NÃO. A “Teoria do Juízo Aparente” sustenta que, se o magistrado era aparentemente competente no momento da decisão, não se pode anular seus atos se, posteriormente, os fatos revelados demonstrarem que ele não era competente. Em outras palavras, segundo alegou o MP, no momento em que o Juiz decretou as medidas, ele não tinha como saber que havia, supostamente, Senadores envolvidos, de sorte que ele era aparentemente competente e, por isso, todos os seus atos devem ser mantidos. Ocorre que o STF não concordou com a argumentação e afirmou que essa teoria não pode ser invocada para a presente situação porque, desde o início, havia a suspeita de que os Policiais Legislativos teriam feito as varreduras com base em solicitação de alguns congressistas. Os indícios coligidos não levaram a conclusão segura de que os policiais legislativos teriam agido por iniciativa própria. Houve, portanto, usurpação da competência do STF Diante do que foi exposto, houve a usurpação da competência do STF porque as investigações deveriam estar sob a supervisão da Corte.

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Quais provas foram consideradas inválidas? Nos termos do art. 573, § 2º, do CPP, o “juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende”. Vejamos agora quais as nulidades declaradas pelo STF. Duplo juízo de validade de uma mesma prova É possível fazer uma “separação” dos efeitos da declaração de nulidade de uma mesma prova. Em outras palavras, é possível que uma mesma prova seja declarada inválida para alguns investigados e que, por outro lado, seja utilizada contra outros. Nesse sentido, o STF entende que:

Eventual nulidade decorrente da inobservância da prerrogativa de foro não se estende aos agentes que não se enquadrem nessa condição. STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

Veja outros precedentes no mesmo sentido:

Consoante entendimento da Corte, a declaração de imprestabilidade dos elementos de prova angariados em eventual usurpação da competência criminal do Supremo Tribunal Federal não alcançaria aqueles destituídos de foro por prerrogativa de função, como no caso. STF. 2ª Turma. Rcl 25497 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/02/2017.

A usurpação da competência do STF traz como consequência a inviabilidade de tais elementos operarem sobre a esfera penal do denunciado. Precedentes desta Corte. Conclusão que não alcança os acusados destituídos de foro por prerrogativa de função. STF. Plenário. Inq 2842, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 02/05/2013.

Isso significa que as provas colhidas por decisão do juiz de 1ª instância são nulas para os Senadores envolvidos, mas podem ser consideradas válidas para os demais investigados que não gozam do foro por prerrogativa de função. Validade dos elementos probatórios no que toca aos agentes não detentores de foro por prerrogativa Desse modo, com base no entendimento acima exposto, o STF concluiu que:

A usurpação da competência do STF (que foi reconhecida) não contaminou os elementos probatórios colhidos no que se refere aos policiais legislativos, tampouco ao ex-Senador José Sarney, porque eles não possuem foro por prerrogativa de função. Em outras palavras, todas as provas colhidas são, em princípio, válidas em relação a eles (podem ser utilizadas contra eles). STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

E, em relação aos Senadores (detentores do foro por prerrogativa de função), quais provas são válidas e quais devem ser anuladas? Provas que não dependem de autorização judicial não devem ser anuladas As diligências investigativas são potencialmente controladas, mas não impulsionadas pelo juiz. Em regra, não há necessidade de prévia autorização judicial para a produção das provas na fase de investigação. Apenas em hipóteses excepcionais e expressas, exige-se prévia autorização judicial para a produção de algumas provas, naturalmente invasivas, como é o caso da interceptação telefônica, busca e apreensão, quebra de sigilo etc. Tais diligências estão sujeitas à cláusula da reserva jurisdicional.

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Se a prova produzida não precisava de autorização judicial, não há motivo para que ela seja anulada. A inobservância das regras do juiz natural não acarreta a nulidade da prova colhida na hipótese em que isso não se constituir em fator decisivo à sua produção. Não estão contaminados os elementos probatórios cuja produção prescindem de prévia autorização judicial. Em suma: mesmo que tenha sido usurpada a competência do STF para supervisionar o inquérito, não deverão ser desconstituídos (anulados) os atos de investigação que não precisavam de autorização judicial, como é o caso da tomada de depoimentos. STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

Registre-se que já havia um outro precedente no mesmo sentido:

Inquérito instaurado contra autoridade com prerrogativa de foro, sem observância da competente supervisão judicial. Salvo casos em que haja fundadas razões em desvio de finalidade, não são ilícitas as provas que independem de autorização judicial para produção. STF. 2ª Turma. Inq 2952 ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/03/2015.

Desse modo, as declarações colhidas, os documentos apresentados pelo indivíduo que fez a notícia-crime e os demais elementos probatórios que prescindem de autorização judicial não foram anulados pelo STF porque se está no campo da mera irregularidade. Tais elementos informativos podem ser utilizados, inclusive, em tese, contra os Senadores, caso eles sejam denunciados pelos fatos apurados. Provas colhidas a partir da interceptação telefônica foram anuladas para as autoridades com foro

A interceptação telefônica constitui medida sujeita à cláusula da reserva de jurisdição (art. 5º, XII, da CF/88). Assim, a violação ao Princípio do Juiz Natural, ou seja, a decretação desta medida por juízo incompetente constitui causa de nulidade. Os diálogos captados, portanto, devem ser descartados mediante destruição dos respectivos registros. Vale ressaltar, contudo, que essa nulidade só atinge os agentes detentores de foro por prerrogativa. STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945).

Essas provas colhidas não admitem convalidação, pois a eficácia prospectiva da apreciação judicial e a própria natureza desses elementos também impedem a aplicação da Teoria da Descoberta Inevitável. Quebra de sigilo telefônico também é nula para as autoridades com foro O juízo reclamado determinou a “quebra” dos extratos telefônicos (sigilo telefônico) dos policiais legislativos investigados. Esta é uma diligência que também depende de autorização judicial, ou seja, está sujeita ao prévio crivo do Estado-Juiz. Justamente por isso, diante da usurpação da competência do STF, essa prova também é ilícita, mas apenas em relação aos agentes detentores de prerrogativa de foro. STF. Plenário. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 26/6/2019 (Info 945). As interceptações telefônicas são ilícitas e não admitem renovação ou retificação, ilicitude que alcança quebra de sigilo que lhe é consequente. Busca e apreensão: irregularidade processual e preservação da colheita probatória A CF/88 prevê que, salvo as hipóteses de flagrante delito ou para prestar socorro em desastre, o ingresso no domicílio sem o consentimento do morador desafia ordem judicial (art. 5º, XI).

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O Código Penal (art. 150, § 4º), por sua vez, prescreve que “a expressão casa compreende compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”. Esse cenário sinalizaria, em relação aos agentes detentores de foro por prerrogativa, a nulidade do resultado da diligência. No entanto, ao disciplinar as nulidades, o CPP prescreve que os “atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores, serão renovados ou retificados.” (art. 573). Assim, a legislação prevê que, na medida do possível, devem ser preservadas as provas colhidas, desde que a renovação ou retificação revele-se apta a suplantar o vício anteriormente verificado. O STF aplicou também aqui a “Teoria da Descoberta Inevitável”, construída pela Suprema Corte americana no caso Nix v. Williams (1984), e incorporada no direito brasileiro pela Lei nº 11.690/2008, que inseriu o § 2º ao art. 157 do CPP:

Art. 157 (...) § 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690/2008)

TRIBUNAL DO JÚRI Decisão do TJ que, em revisão criminal, absolve o réu sob a alegação de que

a condenação é contrária à evidência dos autos viola acórdão do STF que havia restaurado condenação proferida pelo Tribunal do Júri

João foi denunciado por homicídio doloso. Foi condenado pelo Tribunal do Júri. Contra esta sentença, a defesa interpôs apelação e o TJ deu provimento ao recurso, absolvendo o réu por entender que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Isso porque só havia uma única testemunha contra o réu e o TJ entendeu que isso não seria suficiente para a condenação. Contra o acórdão do TJ, o Ministério Público interpôs recurso extraordinário. O STF deu provimento ao recurso do MP para restaurar o veredicto condenatório prolatado pelo Tribunal do Júri. Para o STF, analisar se um único depoimento é suficiente ou não para a condenação é uma matéria que cabe aos jurados no Tribunal do Júri e que não pode ser reformado pelo TJ.

Ocorre que, em revisão criminal, o TJ voltou a absolver o réu utilizando novamente como fundamento o argumento de que a condenação é contrária à evidência dos autos.

Essa decisão do TJ na revisão criminal viola aquilo que o STF decidiu no recurso extraordinário, razão pela qual deve ser julgada procedente reclamação contra o acórdão do TJ.

STF. 1ª Turma. Rcl 29621 AgR/MT, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: João foi denunciado por homicídio doloso em virtude da morte de Pedro. Levado a julgamento pelo Tribunal do Júri, foi condenado, recebendo uma pena de 12 anos de reclusão. Contra esta sentença, a defesa interpôs apelação. O TJ/MT deu provimento à apelação, absolvendo o réu, por entender que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Isso porque só havia uma única testemunha contra o réu e o TJ entendeu que isso não seria suficiente para a condenação. Contra o acórdão do TJ, o Ministério Público interpôs recurso extraordinário.

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O STF deu provimento ao recurso do MP para restaurar o veredicto condenatório prolatado pelo Tribunal do Júri. Para o STF, o acórdão absolutório do TJ/MT violou a soberania dos veredictos prevista no art. 5º, XXXVIII, “c”, da Constituição Federal. Revisão criminal Após o trânsito em julgado, a defesa de João ingressou com revisão criminal no TJ/MT. O Tribunal acolheu a revisão criminal e absolveu o réu, alegando a ausência de prova de que ele teria concorrido para a infração penal. Novamente, o TJ afirmou que uma única testemunha não seria suficiente para condenar o réu. Reclamação O filho de Pedro (vítima) ajuizou, então, reclamação no STF argumentando que a decisão do TJ/MT proferida na revisão criminal afrontou a autoridade do acórdão do STF, que condenou o réu. Primeira pergunta: o filho da vítima tem legitimidade para a reclamação neste caso? SIM.

Em regra, é incabível, por ilegitimidade ativa ad causam, o manejo de reclamação por quem não tenha sido parte no processo subjetivo que tramitou perante o STF. No entanto, em um caso específico, o STF abriu uma exceção para esse entendimento. Um dos filhos da vítima do homicídio figurou no processo criminal como assistente de acusação. O acusado foi condenado. Ocorre que, em revisão criminal, o réu foi absolvido pelo Tribunal de Justiça. Diante disso, um outro filho da vítima, com a mesma advogada que assistiu a família durante o processo, ajuizou reclamação no STF contra esse acórdão do TJ. O STF reconheceu a legitimidade do autor da reclamação afirmando que se mostra inequívoco o interesse da família da vítima no deslinde do caso. Não se pode, por excessivo apelo formal, afastar a relação de pertinência subjetiva do autor da reclamação que, como filho da vítima, atua também na qualidade de representante dos interesses da família. Assim, o filho da vítima do homicídio, mesmo que não tenha sido assistente de acusação no curso da ação penal, tem legitimidade para ajuizar reclamação contra decisão do Tribunal de Justiça que absolveu o réu no julgamento de revisão criminal, alegando que esta decisão violou a autoridade de acórdão do STF. STF. 1ª Turma. Rcl 29621 AgR/MT, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

E quanto ao mérito? A reclamação foi acolhida pelo STF? SIM. O STF julgou parcialmente procedente a reclamação por entender que a decisão do TJ/MT afrontou à autoridade do que a Corte Constitucional decidiu no recurso extraordinário. Dessa maneira, o STF anulou o acórdão do TJ/MT, determinando que aquele Tribunal profira novo julgamento à luz das demais causas de pedir da revisão criminal, sem utilizar os mesmos fundamentos que já foram expressamente afastados pelo STF no recurso extraordinário que condenou o réu (alegação de que a condenação foi manifestamente contrária à prova dos autos). Suficiência de um único depoimento Na decisão paradigma, o STF cassou o acórdão do TJ/MT e restaurou o veredicto condenatório prolatado pelo Tribunal do Júri. Segundo decidiu o STF no recurso extraordinário, analisar se um único depoimento é suficiente ou não para a condenação é uma matéria que cabe aos jurados no Tribunal do Júri e que não pode ser reformado pelo Tribunal de Justiça, considerando que não cabe a este fazer a valoração da prova na apelação contra a sentença do júri.

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TJ reiterou os fundamentos da decisão cassada O STF entendeu que o TJ, ao julgar a revisão criminal, reiterou os fundamentos já utilizados no primeiro acórdão (que julgou a apelação). Logo, houve sim afronta à decisão do STF proferida no recurso extraordinário porque a Corte Constitucional já havia dito que o TJ não poderia desconsiderar o veredito condenatório do Tribunal do Júri para absolver o acusado do homicídio ao fundamento de suposta ausência de provas. A reclamação, por expressa determinação constitucional, destina-se a preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

Em suma:

João foi denunciado por homicídio doloso. Foi condenado pelo Tribunal do Júri. Contra esta sentença, a defesa interpôs apelação e o TJ deu provimento ao recurso, absolvendo o réu por entender que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Isso porque só havia uma única testemunha contra o réu e o TJ entendeu que isso não seria suficiente para a condenação. Contra o acórdão do TJ, o Ministério Público interpôs recurso extraordinário. O STF deu provimento ao recurso do MP para restaurar o veredicto condenatório prolatado pelo Tribunal do Júri. Para o STF, analisar se um único depoimento é suficiente ou não para a condenação é uma matéria que cabe aos jurados no Tribunal do Júri e que não pode ser reformado pelo TJ. Ocorre que, em revisão criminal, o TJ voltou a absolver o réu utilizando novamente como fundamento o argumento de que a condenação é contrária à evidência dos autos. Essa decisão do TJ na revisão criminal viola aquilo que o STF decidiu no recurso extraordinário, razão pela qual deve ser julgada procedente reclamação contra o acórdão do TJ. STF. 1ª Turma. Rcl 29621 AgR/MT, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

Uma última pergunta: o TJ/MT era, realmente, competente para julgar a revisão criminal? Quais são as regras de competência para julgamento de revisão criminal? 1ª regra: a revisão criminal é sempre julgada por um Tribunal ou pela Turma Recursal. Não existe revisão criminal julgada por juiz singular. 2ª regra: se a condenação foi proferida por um juiz singular e não houve recurso, a competência para julgar a revisão criminal será do Tribunal (ou Turma) ao qual estiver vinculado o magistrado. Ex: juiz de direito condena o réu e não há recurso das partes, havendo trânsito em julgado. Caso seja proposta revisão criminal contra a sentença, esta será julgada pelo TJ. Ex: juiz federal condena o réu. A defesa interpõe apelação fora do prazo e esta não é conhecida. Ocorre o trânsito em julgado. Caso seja proposta revisão criminal contra a sentença, esta será julgada pelo TRF. Ex: juiz do juizado especial criminal condena o réu e as partes não interpõem recurso inominado, havendo trânsito em julgado. Caso seja proposta revisão criminal contra a sentença, esta será julgada pela Turma Recursal. 3ª regra: se a condenação foi mantida (em recurso) ou proferida (em casos de competência originária - foro privativo) pelo TJ, TRF ou Turma Recursal e contra este acórdão não foi interposto RE ou Resp, a competência para julgar a revisão criminal será do TJ, TRF ou Turma Recursal. Ex: juiz de direito condena o réu, que apela para o TJ. Este, no entanto, mantém a condenação. Contra este acórdão não houve recurso, ocorrendo o trânsito em julgado. Caso seja proposta revisão criminal,

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deverá ser ajuizada contra o acórdão do TJ (que substituiu a sentença) e esta revisional será julgada pelo próprio TJ. Ex: Prefeito é condenado pelo TRF (competência originária do TRF para julgar prefeitos por crimes federais). Contra este acórdão, não houve recurso, ocorrendo o trânsito em julgado. Caso seja proposta revisão criminal, deverá ser ajuizada contra o acórdão do TRF e esta revisional será julgada pelo próprio TRF. Ex: juiz do juizado condena o réu, que interpõe recurso inominado para a Turma Recursal. Esta, no entanto, mantém a condenação. Contra este acórdão não houve recurso, ocorrendo o trânsito em julgado. Caso seja proposta revisão criminal, deverá ser ajuizada contra o acórdão da TR (que substituiu a sentença) e esta revisional será julgada pela própria TR. 4ª regra: se a condenação foi mantida ou proferida pelo TJ ou TRF e contra este acórdão foi interposto RE ou Resp, de quem será a competência para julgar a revisão criminal? Depende: 1) Se o RE ou o Resp não forem conhecidos: a competência será do TJ ou TRF (regra 3 acima explicada). 2) Se o RE ou Resp forem conhecidos: 2.1) Caso a revisão criminal impugne uma questão que foi discutida no RE ou no Resp: a competência será do STF ou do STJ. 2.2) Caso a revisão criminal impugne uma questão que não foi discutida no RE ou no Resp: a competência será do TJ ou TRF. Exemplo do 2.1: o réu foi condenado em 1ª instância e sua condenação foi mantida pelo TJ. Contra o acórdão, ele interpôs recurso especial alegando que a dosimetria da pena não obedeceu ao art. 59 do CP, mas o STJ, apesar de conhecer o Resp, não deu provimento ao recurso. Após o trânsito em julgado, o réu quer ajuizar revisão criminal afirmando que a condenação foi contrária ao texto expresso da lei penal (art. 621, II, do CPP). Neste caso, a revisão deverá ser proposta contra o acórdão do STJ e será julgada pelo próprio STJ. Exemplo do 2.2: o réu foi condenado em 1ª instância e sua condenação foi mantida pelo TJ. Contra o acórdão, ele interpôs recurso especial alegando que a dosimetria da pena não obedeceu ao art. 59 do CP, mas o STJ, apesar de conhecer o Resp, não deu provimento ao recurso. Após o trânsito em julgado, o réu quer ajuizar revisão criminal alegando que a condenação se baseou em depoimento comprovadamente falso (art. 621, II, do CPP). Neste caso, a revisão deverá ser proposta contra o acórdão do TJ e será julgada pelo próprio TJ. Esta questão não foi analisada pelo STJ. Obs: não poderão julgar a revisão criminal Desembargadores ou Ministros que participaram do primeiro julgamento (art. 252, III, do CPP). A situação acima exposta se enquadra em qual das regras explicadas? Na 4ª regra (item 2.2). Na revisão criminal foram impugnadas questões fáticas e a análise do STF se limitou às questões jurídicas (sob o viés estritamente de direito do recurso extraordinário). Logo, a competência para julgar a revisão criminal era, de fato, do TJ/MT. O Min. Luiz Fux assim explicou o tema: “(...) verificado que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 594.104/MT, não adentrou no mérito da ação penal de origem, atendo-se à quaestio juris de natureza constitucional, revela-se incabível o deslocamento, para esta Corte, da competência para o julgamento da Revisão Criminal.”

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RECLAMAÇÃO O filho da vítima do homicídio, mesmo que não tenha sido assistente de acusação, tem

legitimidade para ajuizar reclamação contra decisão do TJ que absolveu o réu, se outro membro da família havia sido assistente de acusação

Em regra, é incabível, por ilegitimidade ativa ad causam, o manejo de reclamação por quem não tenha sido parte no processo subjetivo que tramitou perante o STF.

No entanto, em um caso específico, o STF abriu uma exceção para esse entendimento.

Um dos filhos da vítima do homicídio figurou no processo criminal como assistente de acusação. O acusado foi condenado. Ocorre que, em revisão criminal, o réu foi absolvido pelo Tribunal de Justiça. Diante disso, um outro filho da vítima, com a mesma advogada que assistiu a família durante o processo, ajuizou reclamação no STF contra esse acórdão do TJ.

O STF reconheceu a legitimidade do autor da reclamação afirmando que se mostra inequívoco o interesse da família da vítima no deslinde do caso. Não se pode, por excessivo apelo formal, afastar a relação de pertinência subjetiva do autor da reclamação que, como filho da vítima, atua também na qualidade de representante dos interesses da família.

Assim, o filho da vítima do homicídio, mesmo que não tenha sido assistente de acusação no curso da ação penal, tem legitimidade para ajuizar reclamação contra decisão do Tribunal de Justiça que absolveu o réu no julgamento de revisão criminal, alegando que esta decisão violou a autoridade de acórdão do STF.

STF. 1ª Turma. Rcl 29621 AgR/MT, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: João foi denunciado por homicídio doloso em virtude da morte de Pedro. Levado a julgamento pelo Tribunal do Júri, foi condenado, recebendo uma pena de 12 anos de reclusão. Contra esta sentença, a defesa interpôs apelação. O TJ/MT deu provimento à apelação, absolvendo o réu por entender que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Isso porque só havia uma única testemunha contra o réu e o TJ entendeu que isso não seria suficiente para a condenação. Contra o acórdão do TJ, o Ministério Público interpôs recurso extraordinário. O STF deu provimento ao recurso do MP para restaurar o veredicto condenatório prolatado pelo Tribunal do Júri. Para o STF, o acórdão absolutório do TJ/MT violou a soberania dos veredictos prevista no art. 5º, XXXVIII, “c”, da Constituição Federal. Revisão criminal Após o trânsito em julgado, a defesa de João ingressou com revisão criminal no TJ/MT. O Tribunal acolheu a revisão criminal e absolveu o réu, alegando a ausência de prova de que ele teria concorrido para a infração penal. Novamente, o TJ afirmou que uma única testemunha não seria suficiente para condenar o réu. Reclamação O filho de Pedro (vítima) ajuizou, então, reclamação no STF argumentando que a decisão do TJ/MT proferida na revisão criminal afrontou a autoridade do acórdão do STF, que condenou o réu. O filho da vítima tem legitimidade para a reclamação neste caso? SIM.

Em regra, é incabível, por ilegitimidade ativa ad causam, o manejo de reclamação por quem não tenha sido parte no processo subjetivo que tramitou perante o STF.

Page 17: Informativo comentado: Informativo 945-STF · 2019-09-10 · Informativo comentado Informativo 945-STF (03/07/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2 DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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No entanto, em um caso específico, o STF abriu uma exceção para esse entendimento. Um dos filhos da vítima do homicídio figurou no processo criminal como assistente de acusação. O acusado foi condenado. Ocorre que, em revisão criminal, o réu foi absolvido pelo Tribunal de Justiça. Diante disso, um outro filho da vítima, com a mesma advogada que assistiu a família durante o processo, ajuizou reclamação no STF contra esse acórdão do TJ. O STF reconheceu a legitimidade do autor da reclamação afirmando que se mostra inequívoco o interesse da família da vítima no deslinde do caso. Não se pode, por excessivo apelo formal, afastar a relação de pertinência subjetiva do autor da reclamação que, como filho da vítima, atua também na qualidade de representante dos interesses da família. Assim, o filho da vítima do homicídio, mesmo que não tenha sido assistente de acusação no curso da ação penal, tem legitimidade para ajuizar reclamação contra decisão do Tribunal de Justiça que absolveu o réu no julgamento de revisão criminal, alegando que esta decisão violou a autoridade de acórdão do STF. STF. 1ª Turma. Rcl 29621 AgR/MT, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

VIOLÊNCIA CONTRA INFERIOR Réu pode ser condenado por crime de violência contra inferior mesmo que,

durante a tramitação do processo, deixe de ser militar Não se aplica o princípio da insignificância ao crime de violência contra inferior (art. 175 do CPM)

Réu pode ser condenado por crime de violência contra inferior mesmo que, durante a tramitação do processo, deixe de ser militar

Não se exige a manutenção do status de militar como requisito de procedibilidade e de prosseguimento da ação penal que apura a prática de crime de violência contra inferior (art. 15 do Código Penal Militar).

Não se aplica o princípio da insignificância ao crime de violência contra inferior (art. 175 do CPM)

Não se aplica o princípio da insignificância para o crime de “violência contra inferior” (art. 175 do CPM) porque os bens jurídicos tutelados por este tipo penal são a autoridade e a disciplina militares. A proteção principal não é da vítima que sofre a violência, e sim da própria Instituição Militar, que vê, nessa conduta, grave afronta aos princípios basilares das Forças Armadas.

Assim, tem-se por inaplicável a insignificância em crime de importante grau de reprovabilidade no meio castrense.

STF. 1ª Turma. HC 137741 AgR e AgR-segundo/RS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, militar, foi denunciado pela prática de “violência contra inferior”, delito tipificado no art. 175 do Código Penal Militar:

Violência contra inferior Art. 175. Praticar violência contra inferior: Pena - detenção, de três meses a um ano.

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Ocorre que, durante a tramitação do processo, o réu foi licenciado. Licenciamento é uma forma de extinção do vínculo do militar com a Administração, estando prevista no art. 121 da Lei nº 6.880/80. Diante disso, a defesa pediu a extinção do processo afirmando que o status de militar do réu é condição de procedibilidade da ação penal que apura a prática do crime previsto no art. 175 do CPM. A tese da defesa foi acolhida pelo STF? NÃO.

Não se exige a manutenção do status de militar como requisito de procedibilidade e de prosseguimento da ação penal que apura a prática de crime de violência contra inferior (art. 15 do Código Penal Militar). STF. 1ª Turma. HC 137741 AgR e AgR-segundo/RS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

Existem outros julgados nesse sentido:

(...) Não prospera a alegação do impetrante de incompetência da Justiça Militar para processar e julgar o paciente pelo delito previsto no art. 290 do Código Penal Militar (posse de entorpecente em lugar sujeito à administração militar). Isso porque no momento do delito ele ostentava a condição de militar, sendo irrelevante que, posteriormente, tenha se licenciado. (...) STF. 2ª Turma. HC 137025, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 11/10/2016.

(...) o fato de o paciente não mais integrar as fileiras das Forças Armadas não tem qualquer relevância sobre o prosseguimento da ação penal pelo delito tipicamente militar de abandono do posto, visto que ele, no tempo do crime, era soldado da ativa. Com efeito, essa pretensão, se levada a cabo, acarretaria uma nova modalidade, não prevista em lei, de extinção de punibilidade pela prática de crime tipicamente próprio pela perda superveniente da condição de militar, o que não é aceitável. (...) STF. 2ª Turma. HC 130793, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 02/08/2016.

Exceção: A legislação processual penal militar só exige a condição de militar (mediante reinclusão) como requisito de procedibilidade da ação penal em se tratando de delito de deserção (art. 457, §§ 2º e 3º, do CPPM). Uma última pergunta: seria possível aplicar o princípio da insignificância, neste caso? NÃO.

Não se aplica o princípio da insignificância para o crime de “violência contra inferior” (art. 175 do CPM) porque os bens jurídicos tutelados por este tipo penal são a autoridade e a disciplina militares. A proteção principal não é da vítima que sofre a violência, e sim da própria Instituição Militar, que vê, nessa conduta, grave afronta aos princípios basilares das Forças Armadas. Assim, tem-se por inaplicável a insignificância em crime de importante grau de reprovabilidade no meio castrense. STF. 1ª Turma. HC 137741 AgR e AgR-segundo/RS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 25/6/2019 (Info 945).

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DIREITO TRIBUTÁRIO

IRPJ E CSLL É constitucional a limitação do direito de compensação de

prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL

É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) e da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

São constitucionais os arts. 42 e 58 da Lei nº 8.981/95 e os arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065/95.

STF. Plenário. RE 591340/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/6/2019 (repercussão geral) (Info 945).

Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) IRPJ é a sigla para Imposto de Renda de Pessoa Jurídica. A base de cálculo do IRPJ é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis (art. 44 do CTN). Em outras palavras, a base de cálculo do IRPJ é o lucro (real, presumido ou arbitrado) correspondente ao período de apuração. Conforme mencionado acima, existem três formas de tributação das pessoas jurídicas: a) Lucro real. b) Lucro presumido. c) Lucro arbitrado. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) é um tributo federal instituído pela Lei nº 7.689/88. O fato gerador é o lucro das pessoas jurídicas (por isso, é assemelhado ao IRPJ). Segundo a Lei que rege a CSLL, a base de cálculo dessa contribuição “é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda” (art. 2º da Lei nº 7.689/88). Desse modo, a base de cálculo da CSLL também é o lucro, mas apurado antes da provisão para o IRPJ. Base de cálculo negativa do CSLL: ocorre quando a soma das despesas e exclusões é maior que a soma das receitas e adições. Sem rigor técnico, mas apenas para você entender melhor: ocorre quando a pessoa jurídica tem “prejuízo”. Prejuízos fiscais das pessoas jurídicas A pessoa jurídica poderá experimentar duas espécies de prejuízo: a) prejuízo contábil ou comercial: ocorre quando a escrituração contábil do contribuinte apresenta mais despesas do que receitas; b) prejuízo fiscal: é aquele que decorre do resultado negativo da base de cálculo do lucro real, na apuração do IRPJ e da CSLL. O prejuízo deve ser apurado em um livro próprio chamado de “Livro de Apuração do Lucro Real” (LALUR). Compensação do prejuízo fiscal do IRPJ e compensação da base de cálculo negativa da CLSS A legislação do Imposto de Renda permite que, se a pessoa jurídica for optante da tributação pelo lucro real, ela possa compensar o prejuízo fiscal que teve em um período com os lucros apurados posteriormente. Isso significa que, na prática, ela pode pagar menos IRPJ utilizando-se dessa sistemática da compensação do prejuízo fiscal. Da mesma forma, é possível compensar a base de cálculo negativa da CSLL.

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Limitação dessa compensação Os arts. 42 e 58 da Lei nº 8.981/95 e os arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065/95 limitam o percentual que pode ser compensado. Assim, a compensação do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa é limitada a 30% do lucro real antes da compensação. Como funciona esse limite de 30%?

“O valor a pagar de IRPJ e CSLL é apurado anualmente. Se no exercício a empresa tem lucro, a companhia deve pagar o IRPJ e a CSLL incidentes sobre o valor positivo. Entretanto, se em determinado ano a empresa fecha no vermelho, ela pode deduzir esse prejuízo da base de cálculo dos tributos devidos quando voltar a ser lucrativa, em períodos posteriores. A sistemática entrou em vigor com as leis 8.981/1995 e 9.065/1995. Questionadas no STF, as leis permitem que o contribuinte compense prejuízos fiscais de IRPJ e bases negativas de CSLL com o montante de tributo a pagar até o patamar de 30% do lucro. Por exemplo, uma empresa pode apurar prejuízo de R$ 20 em 2018 e lucro de R$ 100 em 2019. O limite de 30% é calculado sobre o lucro, de forma que em 2019 a empresa pode compensar até R$ 30. Como o prejuízo no ano anterior foi de R$ 20, a empresa pode compensar os R$ 20. Entretanto, se o prejuízo em 2018 tivesse sido de R$ 50, a compensação estaria limitada a R$ 30 – valor que corresponde a 30% do lucro apurado em 2019. Não há limite de tempo entre a data em que os prejuízos fiscais e bases negativas foram apurados e a data em que podem ser compensados. Antes de 1995, a legislação permitia que os contribuintes compensassem o prejuízo fiscal de IRPJ e a base negativa de CSLL com o total do lucro tributável. A limitação era apenas temporal, variando de 4 anos a 6 anos. Passado esse período, as empresas perdiam o direito de aproveitarem aquele valor pago em excesso.” (https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/stf-trava-de-30-irpj-csll-27062019)

Não é importante conhecer a redação dos dispositivos, mas apenas a título de curiosidade, veja o que eles preveem: Lei nº 8.981/95

Art. 42. A partir de 1º de janeiro de 1995, para efeito de determinar o lucro real, o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas ou autorizadas pela legislação do Imposto de Renda, poderá ser reduzido em, no máximo, trinta por cento. Parágrafo único. A parcela dos prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, não compensada em razão do disposto no caput deste artigo poderá ser utilizada nos anos-calendário subsequentes.

Art. 58. Para efeito de determinação da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, o lucro líquido ajustado poderá ser reduzido por compensação da base de cálculo negativa, apurada em períodos-base anteriores em, no máximo, trinta por cento.

Lei nº 9.065/95

Art. 15. O prejuízo fiscal apurado a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensado, cumulativamente com os prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação do imposto de renda, observado o limite máximo, para a compensação, de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado.

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Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios do montante do prejuízo fiscal utilizado para a compensação.

Art. 16. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro, quando negativa, apurada a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensada, cumulativamente com a base de cálculo negativa apurada até 31 de dezembro de 1994, com o resultado do período de apuração ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação da referida contribuição social, determinado em anos-calendário subsequentes, observado o limite máximo de redução de trinta por cento, previsto no art. 58 da Lei nº 8.981, de 1995. Parágrafo único. O disposto neste artigo somente se aplica às pessoas jurídicas que mantiverem os livros e documentos, exigidos pela legislação fiscal, comprobatórios da base de cálculo negativa utilizada para a compensação.

Alegação de inconstitucionalidade dessa limitação Há muito tempo as empresas questionam essa limitação de 30% imposta pelas Leis nº 8.981/95 e nº 9.065/95, argumentando que elas, indiretamente, representam uma tributação sobre o patrimônio ou capital das empresas, e não sobre o lucro. Assim, tais leis teriam adulterado os conceitos dados para lucro pelo Direito Comercial e pela Constituição Federal. Essa tese é acolhida pelo STF? NÃO. Essa alegação de inconstitucionalidade é rejeitada pelo STF há muitos anos, sendo algo pacífico na jurisprudência da Corte. Esse entendimento foi reafirmado sob a sistemática da repercussão geral, tendo o STF fixado a seguinte tese:

É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) e da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). STF. Plenário. RE 591340/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27/6/2019 (repercussão geral) (Info 945).

Assim, o STF manteve sua tradicional posição no sentido de que os arts. 42 e 58 da Lei nº 8.981/95 e os arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065/95 são constitucionais. Ao contrário do que alegaram as empresas, esses dispositivos não instituíram da figura do empréstimo compulsório ou efeito confiscatório. Isso porque, em verdade, não há direito adquirido de poder compensar prejuízos para efeitos de análise do lucro e da tributação. Em um País que adota um sistema de livre concorrência, não há a obrigatoriedade da previsão de compensação de prejuízos. Não há tampouco uma cláusula pétrea que garanta a sobrevivência de empresas ineficientes, que não conseguiram, por qualquer que seja o motivo, sobreviver ao mercado. Para o Min. Alexandre de Moraes, relator para o acórdão, a compensação fiscal é de discricionariedade do Congresso Nacional, desde que respeitados os princípios relacionados ao sistema tributário. É, portanto, uma benesse ao contribuinte (não um direito subjetivo). É comum que os países editem normas para auxiliar o empreendedorismo. A legislação brasileira segue nesse mesmo caminho e também possui mecanismos para tentar, principalmente em momentos de crise, manter a empregabilidade e a renda. O sistema de compensação de prejuízos, que existe desde 1947, é um desses mecanismos. No entanto, as empresas não possuem direito adquirido a ele, não podendo exigir que essa compensação seja de 100%, por exemplo. De igual forma, não se pode dizer que a limitação de 30% seja inconstitucional. O Min. Roberto Barroso registrou que o STF deve ser proativo na preservação das regras do jogo democrático e na garantia dos direitos fundamentais, mas deve ser autocontido em questões

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administrativas, econômicas e tributárias, a menos que se caracterize claramente a violação de um direito fundamental, o que não ocorre no presente caso. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin e Ricardo Lewandowski, que davam provimento ao recurso extraordinário.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) (Juiz TJ/BA 2019 CESPE) O condenado pela prática de tráfico privilegiado deve iniciar o cumprimento da

pena em regime fechado. ( ) 2) A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais

gravoso. ( ) 3) A Constituição, ao disciplinar as imunidades e prerrogativas dos parlamentares, conferiu exclusividade

ao STF para determinar medidas de busca e apreensão nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. ( )

4) Eventual nulidade decorrente da inobservância da prerrogativa de foro estende-se aos agentes que também participaram dos crimes investigados, ainda que não detenham foro por prerrogativa de função. ( )

5) Mesmo que tenha sido usurpada a competência do STF para supervisionar o inquérito, não deverão ser desconstituídos os atos de investigação que não precisavam de autorização judicial, como é o caso da tomada de depoimentos. ( )

6) É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) e da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. E 4. E 5. C 6. C