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Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 662-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL MINISTÉRIO PÚBLICO Ação de improbidade administrativa proposta contra Promotor de Justiça (podendo resultar na perda do cargo): julgada em 1ª instância; ação civil de perda de cargo de Promotor não envolvendo improbidade administrativa: julgada pelo TJ. DIREITO ADMINISTRATIVO LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA Em ação de desapropriação indireta é cabível reparação decorrente de limitações administrativas. LICITAÇÕES O estabelecimento de critérios de classificação para a escolha de licitantes em credenciamento é ilegal. DIREITO AMBIENTAL AÇÃO POPULAR Em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local; contudo, diante das peculiaridades, as ações envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho devem ser julgadas pelo juízo do local do fato. DIREITO CIVIL SEGURO É cabível a modulação dos efeitos do entendimento da Súmula 610 do STJ no caso de suicídio que tenha ocorrido ainda na vigência do entendimento anterior, previsto nas Súmulas 105 do STF e 61 do STJ. DIREITO DO CONSUMIDOR PLANO DE SAÚDE Autarquia que seja criada para prestar serviços de saúde suplementar para os servidores públicos e seus dependentes estará sujeita às regras da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98). DIREITO EMPRESARIAL REPRESENTAÇÃO COMERCIAL É nula a cláusula que prevê o pagamento antecipado da indenização devida ao representante comercial no caso de rescisão injustificada do contrato pela representada. RECUPERAÇÃO JUDICIAL A ação de habilitação retardatária de crédito deve ser ajuizada até a prolação da decisão de encerramento do processo recuperacional. DIREITO PROCESSUAL CIVIL TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO Aplica-se a técnica de ampliação do colegiado quando o Tribunal, por maioria, der provimento aos embargos de declaração para reformar a decisão embargada e, por consequência, reformar a decisão parcial de mérito prolatada pelo juiz em 1ª instância.

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Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 662-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

MINISTÉRIO PÚBLICO ▪ Ação de improbidade administrativa proposta contra Promotor de Justiça (podendo resultar na perda do cargo): julgada

em 1ª instância; ação civil de perda de cargo de Promotor não envolvendo improbidade administrativa: julgada pelo TJ.

DIREITO ADMINISTRATIVO

LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA ▪ Em ação de desapropriação indireta é cabível reparação decorrente de limitações administrativas.

LICITAÇÕES ▪ O estabelecimento de critérios de classificação para a escolha de licitantes em credenciamento é ilegal.

DIREITO AMBIENTAL

AÇÃO POPULAR ▪ Em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em

outro local; contudo, diante das peculiaridades, as ações envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho devem ser julgadas pelo juízo do local do fato.

DIREITO CIVIL

SEGURO ▪ É cabível a modulação dos efeitos do entendimento da Súmula 610 do STJ no caso de suicídio que tenha ocorrido

ainda na vigência do entendimento anterior, previsto nas Súmulas 105 do STF e 61 do STJ.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE ▪ Autarquia que seja criada para prestar serviços de saúde suplementar para os servidores públicos e seus

dependentes estará sujeita às regras da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98).

DIREITO EMPRESARIAL

REPRESENTAÇÃO COMERCIAL ▪ É nula a cláusula que prevê o pagamento antecipado da indenização devida ao representante comercial no caso

de rescisão injustificada do contrato pela representada.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL ▪ A ação de habilitação retardatária de crédito deve ser ajuizada até a prolação da decisão de encerramento do

processo recuperacional.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO ▪ Aplica-se a técnica de ampliação do colegiado quando o Tribunal, por maioria, der provimento aos embargos de

declaração para reformar a decisão embargada e, por consequência, reformar a decisão parcial de mérito prolatada pelo juiz em 1ª instância.

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IRDR ▪ O procedimento de distinção (distinguishing) previsto no art. 1.037, §§ 9º a 13, do CPC/2015, aplica-se também ao

incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR. PENHORA ▪ É ilegal a decisão judicial que determina a penhora de valores de instituição financeira, no âmbito de processo do

qual não era parte, mas funcionou como auxiliar da justiça. IMPENHORABILIDADE ▪ Os bens da Fundação Habitacional do Exército - FHE são impenhoráveis. EXECUÇÃO FISCAL ▪ Termo inicial da prescrição para redirecionamento em caso de dissolução irregular da empresa. PROCESSO COLETIVO ▪ O MPF possui legitimidade para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de encargos bancários

supostamente abusivos praticados por instituições financeiras privadas. AÇÃO POPULAR ▪ Em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em

outro local; contudo, diante das peculiaridades, as ações envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho devem ser julgadas pelo juízo do local do fato.

DIREITO PENAL

MEDIDA DE SEGURANÇA ▪ Na aplicação do art. 97 do CP não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas

sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável.

LEI DE DROGAS ▪ A reincidência de que trata o § 4º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 é a específica.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

EXECUÇÃO PENAL ▪ Mesmo que na sentença condenatória não tenha constado expressamente que o réu é reincidente, o juízo da

execução penal poderá reconhecer essa circunstância para fins de conceder ou não os benefícios, como, por exemplo, a progressão de regime.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMPOSTO DE RENDA ▪ Não tendo participado do fato gerador do tributo, a declaração conjunta de imposto de renda não torna o cônjuge

corresponsável pela dívida tributária dos rendimentos percebidos pelo outro. ▪ A isenção de quota condominial do síndico não configura renda para fins de incidência do Imposto de Renda de

Pessoa Física.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

SALÁRIO DE BENEFÍCIO ▪ Aposentado pode pedir revisão para incluir salários anteriores a 1994 no cálculo do benefício (STJ admite a

chamada “revisão da vida toda” no cálculo da aposentadoria).

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DIREITO CONSTITUCIONAL

MINISTÉRIO PÚBLICO Ação de improbidade administrativa proposta contra Promotor de Justiça (podendo resultar na

perda do cargo): julgada em 1ª instância; ação civil de perda de cargo de Promotor não envolvendo improbidade administrativa: julgada pelo TJ

Importante!!!

Ação Civil de perda de cargo de Promotor de Justiça cuja causa de pedir não esteja vinculada a ilícito capitulado na Lei nº 8.429/92 deve ser julgada pelo Tribunal de Justiça.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.737.900-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/11/2019 (Info 662).

Imagine a seguinte situação hipotética: Chegaram indícios no Ministério Público de que João, Promotor de Justiça vitalício, teria praticado crime no exercício de suas funções. Diante disso, a Corregedoria do Ministério Público instaurou Processo Administrativo Disciplinar para apurar o suposto delito. Após a instrução, foi prolatada decisão no PAD concluindo pela prática do crime e recomendando a propositura de ação penal contra o referido Promotor. Neste PAD, o Promotor poderia ter sido demitido? Se um membro do Ministério Público pratica uma infração disciplinar grave, ele poderá ser condenado, em processo administrativo, à pena de demissão? NÃO. Os membros do MP gozam de vitaliciedade e somente podem perder o cargo por sentença judicial transitada em julgado (art. 128, § 5º, I, “a”, da CF/88). Além da CF/88, essa vitaliciedade foi regulamentada pelo art. 38, § 1º da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do MP) e pelo art. 57, XX, da LC 75/93 (Estatuto do MPU). Essas leis preveem que é necessária a propositura de uma ação civil para a decretação da perda do cargo contra o membro do Ministério Público que tiver praticado uma infração disciplinar grave. Processo penal O Procurador-Geral de Justiça ofereceu denúncia contra João no Tribunal de Justiça. Ao final do processo, o Promotor foi condenado a uma pena de 2 anos e 3 meses de reclusão. A pena privativa de liberdade foi substituída por penas restritivas de direito. A condenação criminal transitou em julgado. O Tribunal de Justiça, ao condenar o Promotor de Justiça pela prática do crime, poderia ter determinado a perda do cargo, com base no art. 92, I, “a”, do CP? NÃO. Relembre o que diz o art. 92, I, “a”, do Código Penal:

Art. 92. São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; (...)

A perda do cargo com base no art. 92, I, do CP não pode ser aplicada aos membros do Ministério Público considerando que eles são regidos por normas previstas na legislação específica:

Segundo o art. 38, § 1º, I, e § 2º da Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), a

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perda do cargo de membro do Ministério Público somente pode ocorrer após o trânsito em julgado de ação civil proposta para esse fim. Vale ressaltar, ainda, que essa ação somente pode ser ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça, quando previamente autorizado pelo Colégio de Procuradores, o que constitui condição de procedibilidade, juntamente com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Assim, para que possa ocorrer a perda do cargo do membro do Ministério Público, são necessárias duas decisões. A primeira, condenando-o pela prática do crime e a segunda, em ação promovida pelo Procurador-Geral de Justiça, reconhecendo que o referido crime é incompatível com o exercício de suas funções, ou seja, deve existir condenação criminal transitada em julgado, para que possa ser promovida a ação civil para a decretação da perda do cargo (art. 38, §2º, da Lei nº 8.625/93). O art. 92 do Código Penal não se aplica aos membros do Ministério Público condenados criminalmente porque o art. 38 da Lei nº 8.625/93 disciplina o tema, sendo norma especial (específica), razão pela qual deve esta última prevalecer em relação à norma geral (Código Penal). STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1409692/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 23/05/2017.

As regras sobre a perda do cargo de membro do Ministério Público estadual estão previstas em norma especial, qual seja, Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que dispõe que a perda do referido cargo somente pode ocorrer após o trânsito em julgado de ação civil proposta para esse fim. STJ. 5ª Turma. REsp 1.251.621-AM, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/10/2014 (Info 552).

Confira como a legislação especial (Lei nº 8.625/93) tratou sobre o tema:

Art. 38. Os membros do Ministério Público sujeitam-se a regime jurídico especial e têm as seguintes garantias: I - vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado; II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público; III - irredutibilidade de vencimentos, observado, quanto à remuneração, o disposto na Constituição Federal. § 1º O membro vitalício do Ministério Público somente perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, proferida em ação civil própria, nos seguintes casos: I - prática de crime incompatível com o exercício do cargo, após decisão judicial transitada em julgado; II - exercício da advocacia; III - abandono do cargo por prazo superior a trinta dias corridos. § 2º A ação civil para a decretação da perda do cargo será proposta pelo Procurador-Geral de Justiça perante o Tribunal de Justiça local, após autorização do Colégio de Procuradores, na forma da Lei Orgânica.

Repare que o § 2º ainda prevê que a ação civil para a decretação da perda do cargo somente pode ser ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça quando previamente autorizado pelo Colégio de Procuradores, o que constitui condição de procedibilidade, juntamente com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Com efeito, em se tratando de normas legais de mesma hierarquia, o fato de a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público prever regras específicas e diferenciadas das do Código Penal para a perda de cargo, em atenção ao princípio da especialidade (lex specialis derogat generali) deve prevalecer o que dispõe a Lei Orgânica.

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Como seria se fosse um Procurador da República (membro do MPF)? Neste caso, a ação civil para perda do cargo deveria ser proposta pelo Procurador-Geral da República, após autorização do Conselho Superior do MPF. Nesse sentido, confira o inciso XX do art. 57 da LC 75/93 (que versa sobre os membros do MPU):

Art. 57. Compete ao Conselho Superior do Ministério Público Federal: (...) XX - autorizar, pela maioria absoluta de seus membros, que o Procurador-Geral da República ajuíze a ação de perda de cargo contra membro vitalício do Ministério Público Federal, nos casos previstos nesta lei;

Voltando ao caso concreto: o que deve ser feito agora? João foi condenado criminalmente, mas não perdeu o cargo no processo criminal. Como ele poderá perder o cargo? O Procurador-Geral de Justiça deverá, após ser autorizado pelo Colégio de Procuradores, ajuizar ação civil contra o Promotor pedindo a perda de seu cargo. É o que prevê, como já vimos acima, o § 2º do art. 38 da Lei nº 8.625/93:

Art. 38 (...) § 1º O membro vitalício do Ministério Público somente perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, proferida em ação civil própria, nos seguintes casos: I - prática de crime incompatível com o exercício do cargo, após decisão judicial transitada em julgado; II - exercício da advocacia; III - abandono do cargo por prazo superior a trinta dias corridos. § 2º A ação civil para a decretação da perda do cargo será proposta pelo Procurador-Geral de Justiça perante o Tribunal de Justiça local, após autorização do Colégio de Procuradores, na forma da Lei Orgânica.

Onde o PGJ deverá propor essa ação? No Tribunal de Justiça, conforme determina o § 2º do art. 38. A situação mudaria se o Promotor de Justiça estivesse em disponibilidade? Se João estivesse em disponibilidade também teria que se cumprir o § 2º do art. 38, ou seja, seria necessária ação civil de perda do cargo proposta pelo PGJ no TJ? SIM. Isso porque o membro do Ministério Público quando colocado em disponibilidade não perde o vínculo com a Administração Pública, recebendo seus proventos integrais e sendo assegurada a contagem do tempo de serviço como se em exercício estivesse. Assim, quando o Promotor é colocado em disponibilidade não há uma perda definitiva do cargo. A explicação acima feita vale também para os casos de improbidade administrativa? NÃO. Haveria diferenças. Vou explicar com calma. De acordo com o § 4º do art. 37 da CF/88, se a pessoa praticar um ato de improbidade administrativa, estará sujeita às seguintes consequências: • suspensão dos direitos políticos; • perda da função pública; • indisponibilidade dos bens e • ressarcimento ao erário. O membro do Ministério Público pode ser processado e condenado por ato de improbidade administrativa? SIM. É pacífico o entendimento de que o Promotor de Justiça (ou Procurador da República) pode ser processado e condenado por ato de improbidade administrativa, com fundamento na Lei nº 8.429/92.

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Vimos acima que o membro do MP goza de vitaliciedade e que a Lei nº 8.625/93 e a LC nº 75/93 preveem a necessidade de o PGJ ou PGR ajuizarem ação civil de perda do cargo. Mas e no caso da improbidade administrativa? O membro do MP pode ser réu em uma ação de improbidade de que trata a Lei nº 8.429/92 e, ao final, ser condenado à perda do cargo mesmo sem ser adotado o procedimento da Lei nº 8.625/93 e da LC nº 75/93? SIM. É possível, no âmbito de ação civil pública de improbidade administrativa, a condenação de membro do Ministério Público à pena de perda da função pública prevista no art. 12 da Lei nº 8.429/92. Mas e a LC nº 75/93 e a Lei nº 8.625/93? Para o STJ, essas leis não tratam sobre improbidade administrativa e, portanto, nada interferem nas disposições da Lei nº 8.429/92. Em outras palavras, existem as ações previstas na LC 75/93 e na Lei nº 8.625/93, mas estas não excluem (não impedem) que o membro do MP também seja processado e condenado pela Lei nº 8.429/92. Os dois sistemas convivem harmonicamente. Um não exclui o outro. “A previsão legal de que o Procurador-Geral de Justiça ou o Procurador-Geral da República ajuizará ação civil específica para a aplicação da pena de demissão ou perda do cargo, nos casos elencados na lei, não obsta que o legislador ordinário, cumprindo o mandamento do § 4º do art. 37 da CF, estabeleça a pena de perda do cargo do membro do MP quando comprovada a prática de ato ímprobo, em ação civil pública própria para sua constatação.” (REsp 1.191.613-MG). Quem irá propor a ação de improbidade administrativa contra o membro do MP? Exige-se que seja o PGJ ou PGR? NÃO. A ação de improbidade contra o membro do Ministério Público deverá ser proposta pelo Promotor de Justiça ou Procurador da República, ou seja, pelo membro do MP que atua em 1ª instância. Legitimidade para ajuizar a ação contra o membro do MP • Se a ação a ser ajuizada for a da LC 75/93 ou a da Lei nº 8.625/93, nestes casos, a competência é exclusiva do PGR ou do PGJ. • Se a ação a ser ajuizada for uma ação de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), esta será proposta “pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada” (art. 17). Não há, portanto, competência exclusiva do Procurador-Geral. Percebe-se que o a Lei nº 8.429/92 ampliou a legitimação ativa. Dessa forma, não há somente uma única via processual adequada à aplicação da pena de perda do cargo a membro do MP. Vimos que a ação civil pela perda do cargo contra o Promotor de Justiça (em nosso exemplo, João) deverá ser proposta pelo PGJ e a competência para julgá-la é do TJ. Isso vale também para a ação de improbidade administrativa? NÃO. Conforme já explicado, se a ação a ser ajuizada for uma ação de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92), esta pode ser proposta pelo Promotor de Justiça e tramitará em 1ª instância. Assim, se um Promotor de Justiça pratica um ato de improbidade administrativa, outro Promotor de Justiça irá ajuizar contra ele uma ação de improbidade que será julgada em 1ª instância por um Juiz de Direito. O que decidiu o STJ no Info 662:

Ação Civil de perda de cargo de Promotor de Justiça cuja causa de pedir não esteja vinculada a ilícito capitulado na Lei nº 8.429/92 deve ser julgada pelo Tribunal de Justiça. STJ. 2ª Turma. REsp 1.737.900-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/11/2019 (Info 662).

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AÇÃO CIVIL DE PERDA DE CARGO PROPOSTA CONTRA PROMOTOR DE JUSTIÇA

1) Se for uma ação de improbidade administrativa:

2) Se a causa de pedir não estiver vinculada a ilícito capitulado na Lei nº 8.429/92:

A ação pode ser proposta por um Promotor de Justiça ou pela pessoa jurídica interessada.

A ação deverá ser proposta pelo Procurador-Geral de Justiça.

A ação será julgada pelo juízo de 1ª instância. A ação deverá ser julgada pelo Tribunal de Justiça.

É regida pela Lei nº 8.429/92. É regida pela Lei nº 8.625/93.

DIREITO ADMINISTRATIVO

LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA Em ação de desapropriação indireta é cabível

reparação decorrente de limitações administrativas

Imóvel do particular foi incluído em unidade de conservação. Houve, no caso, uma limitação administrativa. Ele ajuizou ação de desapropriação indireta pedindo indenização. Mesmo não tendo havido desapropriação indireta, mas sim mera limitação administrativa, o juiz deverá conhecer da ação e julgar seu mérito. Devem ser observados os princípios da instrumentalidade das formas e da primazia da solução integral do mérito.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.653.169-RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 19/11/2019 (Info 662).

Em que consiste a desapropriação indireta? A desapropriação indireta ocorre quando o Estado (Poder Público) se apropria do bem de um particular sem observar as formalidades previstas em lei para a desapropriação, dentre as quais a declaração indicativa de seu interesse e a indenização prévia. Trata-se de um verdadeiro esbulho possessório praticado pelo Poder Público. A desapropriação indireta é também chamada de apossamento administrativo. O que a pessoa pode fazer caso tenha sofrido uma desapropriação indireta? • Se o bem expropriado ainda não está sendo utilizado em nenhuma finalidade pública: pode ser proposta uma ação possessória com o objetivo de que a pessoa mantenha ou retome a posse do bem. • Se o bem expropriado já está afetado a uma finalidade pública: considera-se que houve fato consumado e somente restará ao particular ajuizar uma “ação de desapropriação indireta” a fim de ser indenizado. Nesse sentido é o art. 35 do Decreto-Lei 3.365/41:

Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

Ação de desapropriação indireta A ação de desapropriação indireta é uma ação de indenização proposta contra o Poder Público pelo fato de ele ter se apossado do bem pertencente a particular sem cumprir as formalidades legais previstas para os casos de desapropriação.

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Trata-se, portanto, de uma ação condenatória objetivando a indenização por perdas e danos. Também é chamada de “ação expropriatória indireta” ou “ação de ressarcimento de danos causados por apossamento administrativo”. Em que consistem as chamadas “limitações administrativas”? Limitação administrativa é... - uma determinação de caráter geral (é um ato normativo), - por meio da qual, o Poder Público impõe a proprietários indeterminados - obrigações positivas (de fazer), negativas (não fazer) ou permissivas (tolerar) - com o objetivo de fazer com que aquela propriedade atenda à sua função social. Exemplos: - O plano diretor da cidade impõe que os prédios construídos em determinada área do município devem ter, no máximo, 8 andares. - A criação de áreas especiais de proteção ambiental pode configurar limitação administrativa (STJ AgRg no AREsp 155302 / RJ). Principais características As limitações administrativas, em regra, são: a) Atos legislativos ou administrativos de caráter geral (leis, decretos, resoluções etc.); b) Definitivas (tendem a ser definitivas, podendo, no entanto, ser revogadas ou alteradas); c) Unilaterais (impõem obrigações apenas ao proprietário); d) Gratuitas (porque o Estado não precisa pagar indenização aos proprietários); e) Intervenções que restringem o caráter absoluto da propriedade. O proprietário deve ser indenizado por conta das limitações administrativas que incidam sobre sua propriedade? Em regra, não. Na generalidade dos casos, a limitação administrativa é gratuita. No entanto, excepcionalmente, a jurisprudência reconhece o direito à indenização quando a limitação administrativa reduzir o valor econômico do bem. Essa é a jurisprudência do STJ:

(...) Sendo imposições de natureza genérica, as limitações administrativas não rendem ensejo a indenização, salvo comprovado prejuízo. (...) STJ. 2ª Turma. REsp 1233257/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 16/10/2012.

(Juiz TJ/BA 2019 CEBRASPE) O Estado, no exercício do poder de polícia, pode restringir o uso da propriedade particular por meio de obrigações de caráter geral, com base na segurança, na salubridade, na estética, ou em outro fim público, o que, em regra, não é indenizável. Essa forma de exercício do poder de polícia pelo Estado corresponde a A) uma servidão administrativa. B) uma ocupação temporária. C) uma requisição. D) uma limitação administrativa. E) um tombamento.

Letra D Imagine agora a seguinte situação hipotética: João é proprietário de um imóvel. O Município, por meio de decreto do Prefeito, instituiu uma unidade de conservação ambiental cuja área de abrangência incluiu o imóvel de João. Em outras palavras, o imóvel do particular passou a fazer parte de uma unidade de conservação.

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Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

A instituição de uma unidade de conservação acarreta a imposição de inúmeras restrições ao uso da propriedade, havendo, inclusive, restrições ao direito de construir. Diante desse cenário, João ajuizou uma ação de desapropriação indireta contra o Município pedindo o pagamento de indenização. O juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito (por inadequação da via eleita) afirmando que não houve, no presente caso, desapropriação indireta. Isso porque o autor, embora com o uso limitado, continua sendo proprietário do imóvel. Para o magistrado, a ação de desapropriação indireta teria caráter real e, portanto, não seria adequada para se pedir reparação decorrente de limitações administrativas, esta sim uma pretensão de natureza pessoal. Logo, a indenização decorrente de limitação administrativa deveria ser pedida em ação própria. o tribunal de origem afastou o dever de indenização Primeira pergunta: no caso concreto, houve realmente desapropriação indireta? NÃO. Nessa parte, o juiz está correto. Não houve, de fato, desapropriação indireta, mas sim mera limitação administrativa. Logo, o mais adequado seria o autor ter ajuizado ação de indenização por limitação administrativa (e não uma ação de desapropriação indireta). Segunda pergunta: o magistrado agiu corretamente ao extinguir o processo sem resolução do mérito? NÃO. O juiz deveria ter enfrentado o mérito e decidido sobre o pedido de indenização:

Em ação de desapropriação indireta é cabível reparação decorrente de limitações administrativas. STJ. 1ª Turma. REsp 1.653.169-RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 19/11/2019 (Info 662).

Natureza da ação de desapropriação indireta Em primeiro lugar, a Min. Regina Helena Costa afirmou que, no seu entendimento, a ação de desapropriação indireta – assim como ocorre com a ação pedindo o pagamento de indenização por limitação administrativa – também é uma ação de natureza pessoal. Na ação de desapropriação indireta também se está buscando um direito pessoal, qual seja, uma indenização. Não se está pleiteando a retomada da propriedade do bem (direito real). Na ação de desapropriação indireta, o autor já sabe que perdeu a propriedade do bem e quer apenas ser ressarcido por isso. Conforme explica José dos Santos Carvalho Filho:

“extinguiu-se a relação de direito real com a transferência coativa da propriedade. Sendo assim, restou relação de caráter meramente indenizatório, razão por que melhor seria sua caracterização como ação pessoal.” (Manual de Direito Administrativo. 31ª ed., São Paulo: Atlas, 2017, p. 934).

Logo, esse argumento de que seriam ações de natureza diferente não prospera. Instrumentalidade das formas Além disso, no presente caso, mesmo a ação de desapropriação indireta não sendo a demanda correta a ser proposta, deveria o magistrado ter aproveitado a ação ajuizada com base no princípio da instrumentalidade das formas. Primazia da solução integral do mérito Outro argumento invocado para se constatar o erro na sentença foi o princípio da primazia da solução integral do mérito, que é previsto no art. 4º do CPC:

Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Segundo explica Alexandre de Freitas Câmara ao comentar esse princípio: “(...) deve-se privilegiar, sempre, a resolução do mérito da causa. Extinguir o processo sem resolução do

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mérito (assim como decretar a nulidade de um ato processual ou não conhecer de um recurso) é algo que só pode ser admitido quando se estiver diante de vício que não se consiga sanar, ou por ser por natureza insanável, ou por se ter aberto a oportunidade para que o mesmo fosse sanado e isso não tenha acontecido. Deve haver, então, sempre que possível, a realização de um esforço para que sejam superados os obstáculos e se desenvolva atividade tendente a permitir a resolução do mérito da causa.” (O Novo Processo Civil brasileiro. 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2019, p. 36).

LICITAÇÕES O estabelecimento de critérios de classificação para a escolha de licitantes em credenciamento é ilegal

Importante!!!

O credenciamento é uma hipótese de inexigibilidade de licitação na qual “a Administração aceita como colaborador todos aqueles que, atendendo as motivadas exigências públicas, manifestem interesse em firmar contrato ou acordo administrativo.” (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas comentadas. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 348).

Desse modo, o credenciamento é um procedimento por meio do qual a Administração Pública anuncia que precisa de pessoas para fornecer determinados bens ou para prestarem algum serviço e que irá contratar os que se enquadrem nas qualificações que ela exigir. Após esse chamamento público, os interessados podem se habilitar para serem contratados.

Fala-se que é uma hipótese de inexigibilidade de licitação porque não haverá competição (disputa) entre os interessados. Todos os interessados que preencham os requisitos anunciados serão considerados “credenciados” e estarão aptos a serem contratos.

O Banco do Brasil publicou edital para credenciamento de advogados para prestar serviços advocatícios. Ocorre que o edital de credenciamento publicado previu um critério de pontuação, de forma que os advogados e escritórios que se inscrevessem iriam ser avaliados e organizados segundo uma ordem de classificação baseada no currículo, experiência etc.

O TCU e o STJ entendem que isso não é válido. O estabelecimento de critérios de classificação para a escolha de licitantes em credenciamento é ilegal.

O credenciamento é considerado como uma espécie de inexigibilidade de licitação justamente pelo fato de não ser possível, em tese, a competição entre os interessados. Logo, a previsão de critérios de pontuação entre os interessados contraria a natureza do processo de credenciamento.

Assim, no credenciamento só se admite a existência de requisitos mínimos. Se o interessado preencher, ele está credenciado; se não atender, encontra-se eliminado. Os critérios permitidos são, portanto, meramente eliminatórios (e não classificatórios).

STJ. 1ª Turma. REsp 1.747.636-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 03/12/2019 (Info 662).

Obrigatoriedade de licitação Como regra, a CF/88 impõe que a Administração Pública somente pode contratar obras, serviços, compras e alienações se realizar uma licitação prévia para escolher o contratante (art. 37, XXI). O inciso XXI do art. 37 da CF/88 afirma que a lei poderá especificar casos em que os contratos administrativos poderão ser celebrados sem esta prévia licitação. A isso, a doutrina denomina “contratação direta”. Assim, a regra na Administração Pública é a contratação precedida de licitação. Contudo, a legislação poderá prever casos excepcionais em que será possível a contratação direta, sem licitação.

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Contratação direta A Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93) prevê três grupos de situações em que a contratação ocorrerá sem licitação prévia. Trata-se das chamadas licitações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. Vejamos o quadro comparativo abaixo:

Dispensada Dispensável Inexigível

Art. 17 Art. 24 Art. 25

Rol taxativo Rol taxativo Rol exemplificativo

A lei determina a não realização da licitação, obrigando a contratação direta.

A lei autoriza a não realização da licitação. Mesmo sendo dispensável, a Administração pode decidir realizar a licitação (discricionariedade).

Como a licitação é uma disputa, é indispensável que haja pluralidade de objetos e pluralidade de ofertantes para que ela possa ocorrer. Assim, a lei prevê alguns casos em que a inexigibilidade se verifica porque há impossibilidade jurídica de competição.

Ex.: quando a Administração Pública possui uma dívida com o particular e, em vez de pagá-la em espécie, transfere a ele um bem público desafetado, como forma de quitação do débito. A isso chamamos de dação em pagamento (art. 17, I, "a").

Ex.: compras de pequeno valor (inciso II).

Ex.: contratação de artista consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública para fazer o show do aniversário da cidade.

Inexigibilidade O art. 25 da Lei nº 8.666/93 trata sobre inexigibilidade de licitação nos seguintes termos:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes; II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

Conforme já explicado, os incisos do art. 25 são meramente exemplificativos. Uma hipótese de inexigibilidade de licitação que não está prevista nos incisos do art. 25 é o chamado credenciamento. Credenciamento O credenciamento é uma hipótese de inexigibilidade de licitação na qual “a Administração aceita como colaborador todos aqueles que, atendendo as motivadas exigências públicas, manifestem interesse em firmar contrato ou acordo administrativo.” (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas comentadas. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 348).

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Desse modo, o credenciamento é um procedimento por meio do qual a Administração Pública anuncia que precisa de pessoas para fornecer determinados bens ou para prestarem algum serviço e que irá contratar os que se enquadrem nas qualificações que ela exigir. Após esse chamamento público, os interessados podem se habilitar para serem contratados. Fala-se que é uma hipótese de inexigibilidade de licitação porque não haverá competição (disputa) entre os interessados. Todos os interessados que preencham os requisitos anunciados serão considerados “credenciados” e estarão aptos a serem contratados. Conforme explica Joel de Menezes Niebuhr:

“Outra hipótese de inexigibilidade de licitação pública, que é cada vez mais frequente, relaciona-se ao denominado credenciamento, porquanto todos os Interessados em contratar com a Administração Pública são efetivamente contratados, sem que haja relação de exclusão. Como todos os interessados são contratados, não há que se competir por nada, forçando-se reconhecer, por dedução, a inviabilidade de competição e a inexigibilidade de licitação pública. (...) Seguindo essa linha de raciocínio, nas hipóteses em que o interesse público demanda contratar todos os possíveis interessados, todos em igualdade de condições, não há que se cogitar de licitação pública, porque não há competição, não há disputa. Em apertadíssima síntese: a licitação pública serve para regrar a disputa de um contrato; se todos são contratados, não há o que se disputar, inviável é a competição e, por corolário, está-se diante de mais um caso de inexigibilidade, quer queira ou não queira o legislador.” (Licitação Pública e Contrato Administrativo. 4ª ed., Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 119).

O credenciamento é previsto expressamente na lei? NÃO. Apesar disso, a doutrina e a jurisprudência afirmam que ele é possível, sendo considerado uma hipótese de inexigibilidade de licitação com base no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93. TCU O credenciamento é admitido na jurisprudência do TCU, como hipótese de inviabilidade de competição não expressamente mencionada no art. 25 da Lei nº 8.666/93 (Plenário, Acórdão 784/2018, Relator Min. Marcos Bemquerer). Segundo a Corte de Contas, a ausência de expressa previsão legal do credenciamento dentre os casos de inexigibilidade de licitação previstos na Lei nº 8.666/93 não impede que a Administração lance mão de tal procedimento e efetue a contratação direta entre diversos fornecedores previamente cadastrados que satisfaçam os requisitos estabelecidos pela Administração (Plenário, Acórdão 768/2013, Relator Min. Marcos Bemquerer). Para tanto, devem ser observados requisitos como: a) contratação de todos os que tiverem interesse e que satisfaçam as condições fixadas pela Administração, não havendo relação de exclusão; b) garantia de igualdade de condições entre todos os interessados hábeis a contratar com a Administração, pelo preço por ela definido; c) demonstração inequívoca de que as necessidades da Administração somente poderão ser atendidas dessa forma (Primeira Câmara, Acórdão 2504/2017, Rel. AUGUSTO SHERMAN). Vale ressaltar que o próprio TCU adota a prática de credenciamento em sua administração. Veja um exemplo recente:

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Depois que os interessados estão cadastrados, como é feita a escolha daquele que irá prestar o serviço ou fornecer o bem? O edital de credenciamento irá prever o critério de escolha. Alguns exemplos: • escolha do terceiro que irá utilizar o serviço (no caso, por exemplo, de credenciamento de médicos); • opções de voo e preço da tarifa (no caso, de companhias aéreas para fornecimento de passagens); • sorteio; • rodízio. É possível a realização de credenciamento para a contratação de serviços advocatícios? SIM, mas apenas para serviços advocatícios “comuns”, ou seja, que possam ser realizados de modo satisfatório pela maior parte dos advogados. Significa dizer que se trata de serviço dotado de certa simplicidade, sem exigência de um nível técnico tão aprofundado (Decisão nº 624/1994-TCU-Plenário). Imagine agora a seguinte situação hipotética: O Banco do Brasil S.A. (sociedade de economia mista federal) publicou edital para credenciamento de advogados para prestar serviços advocatícios nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ocorre que o edital de credenciamento publicado pelo Banco do Brasil tinha uma peculiaridade: ele previu um critério de pontuação, de forma que os advogados e escritórios que se inscrevessem iriam ser avaliados e organizados segundo uma ordem de classificação. A previsão desse critério de pontuação no edital de credenciamento é válida? NÃO. O TCU já decidiu que é “ilegal o estabelecimento de critérios de classificação para a escolha de escritórios de advocacia por entidade da Administração em credenciamento” (Plenário, Acórdão 408/2012, Relator Min. VALMIR CAMPELO e Plenário, Acórdão 141/2013, Relator Min. WALTON

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ALENCAR RODRIGUES). O credenciamento é considerado como uma espécie de inexigibilidade de licitação justamente pelo fato de não ser possível, em tese, a competição entre os interessados. Logo, a previsão de critérios de pontuação entre os interessados contraria a natureza do processo de credenciamento. Assim, no credenciamento só se admite a existência de requisitos mínimos. Se o interessado preencher, ele está credenciado; se não atender, encontra-se eliminado. Os critérios permitidos são, portanto, meramente eliminatórios (e não classificatórios). Confira trecho do acórdão do TCU: “(...) o credenciamento é instituto aplicável em situações de inexigibilidade de licitação, quando não há que se falar em concorrência dentre os interessados, uma vez que todos os credenciados serão contratados nos termos propostos pelo órgão. 7. Na modalidade de credenciamento, portanto, a avaliação técnica limita-se a verificar se a empresa interessada possui capacidade para executar o serviço. Uma vez preenchidos os critérios mínimos estabelecidos no edital, a empresa será credenciada, podendo ser contratada em igualdade de condições com todas as demais que também forem credenciadas. 8. A etapa de avaliação das empresas é, portanto, apenas eliminatória, e não classificatória, já que nessa modalidade não pode haver distinção entre as empresas credenciadas. Inexiste, portanto, a possibilidade de escolha de empresas que mais se destaquem dentre os parâmetros fixados pela entidade, visto que as empresas estariam competindo para constarem como as mais bem pontuadas. O credenciamento não se presta para este fim, uma vez que ele só se justifica em situações onde não se vislumbra possibilidade de competição entre os interessados, conforme entendimento já transcrito neste voto. 9. Ademais, nos termos da Decisão nº 624/1994-TCU-Plenário, o credenciamento para contratação de serviços advocatícios seria justificável quando se tratasse de serviços comuns, que podem ser realizados de modo satisfatório pela maior parte dos advogados. Significa dizer que se trata de serviço dotado de certa simplicidade, sem exigência de um nível técnico tão aprofundado, não existindo, portanto, diferenças de qualificação relevantes ao interesse público.” O STJ também adotou o mesmo entendimento do TCU e decidiu que:

O estabelecimento de critérios de classificação para a escolha de licitantes em credenciamento é ilegal. STJ. 1ª Turma. REsp 1.747.636-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 03/12/2019 (Info 662).

Sendo o credenciamento modalidade de licitação inexigível em que há inviabilidade de competição, ao mesmo tempo em que se admite a possibilidade de contratação de todos os interessados em oferecer o mesmo tipo de serviço à Administração Pública, eventuais critérios de pontuação exigidos no edital mostram-se contrários ao entendimento doutrinário e jurisprudencial.

DIREITO AMBIENTAL

AÇÃO POPULAR Em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local; contudo, diante das peculiaridades, as ações envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho devem ser julgadas pelo juízo do local do fato

Em 2019, houve o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério, localizada em Brumadinho (MG). O rompimento resultou em um terrível desastre ambiental e humanitário.

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Felipe, na condição de cidadão, ajuizou ação popular contra a União, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., pedindo para que os réus fossem condenados a recuperar o meio ambiente degradado, pagar indenização pelos danos causados e pagar multa por dano ambiental.

Como Felipe mora em Campinas (SP), ele ajuizou a ação no foro de seu domicílio e a demanda foi distribuída para a 2ª Vara Federal de Campinas (SP).

Ocorre que na 17ª Vara Federal de Minas Gerais existem ações individuais, ações populares e ações civis públicas tramitando contra os mesmos réus e envolvendo pedidos semelhantes a essa ação popular ajuizada em Campinas.

Quem é competente para julgar esta ação popular: o juízo do domicílio do autor ou o juízo do local em que se consumou o ato danoso? O juízo do local onde se consumou o dano (17ª Vara Federal de Minas Gerais).

Regra geral: em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local. Isso porque como a ação popular representa um direito político fundamental, deve-se facilitar o seu exercício.

Exceção: o STJ entendeu que o caso concreto envolvendo Brumadinho era excepcional com inegáveis peculiaridades que impõem a adoção de uma solução diferente para evitar tumulto processual em uma situação de enorme magnitude social, econômica e ambiental. Assim, para o STJ é necessário superar, excepcionalmente, a regra geral. Entendeu-se que seria necessário adotar uma saída pragmática para permitir uma resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos desta grande tragédia.

A regra geral do STJ deve ser usada quando a ação popular for isolada. Contudo, no caso de Brumadinho havia uma ação popular em Campinas (SP) competindo e concorrendo com várias outras ações populares e ações civis públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais tramitando em MG, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente, deve ser eleito o foro do local do fato.

Em face da magnitude econômica, social e ambiental do caso concreto, é possível a fixação do juízo do local do fato para o julgamento de ação popular que concorre com diversas outras ações individuais, populares e civis públicas decorrentes do mesmo dano ambiental.

STJ. 1ª Seção. CC 164.362-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/06/2019 (Info 662).

Veja comentários em Direito Processual Civil.

DIREITO CIVIL

SEGURO É cabível a modulação dos efeitos do entendimento da Súmula 610 do STJ

no caso de suicídio que tenha ocorrido ainda na vigência do entendimento anterior, previsto nas Súmulas 105 do STF e 61 do STJ

No seguro de vida, se o segurado se suicidar, a seguradora continua tendo obrigação de pagar a indenização?

1) Entendimento ANTERIOR (até 08/04/2015) (Súmulas 105 do STF e 61 do STJ):

O critério era o da premeditação:

• Se o suicídio foi premeditado: NÃO

• Se o suicídio não foi premeditado: SIM

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2) Entendimento ATUAL (Súmula 610 do STJ):

O critério passou a ser o meramente temporal:

• Suicídio nos dois primeiros anos: SEM direito à indenização.

• Suicídio após os dois primeiros anos: TEM direito à indenização.

Caso concreto: segurado cometeu suicídio antes de terminarem os dois primeiros anos do contrato. Ficou demonstrado que o suicídio não foi premeditado.

Assim, pelo entendimento anterior, o beneficiário do seguro teria direito à indenização (porque o suicídio não foi premeditado). Por outro lado, pelo entendimento atual, o filho de João não teria direito à indenização (porque o suicídio ocorreu nos dois primeiros anos do contrato). O beneficiário ajuizou a ação contra a seguradora quando ainda vigorava o entendimento anterior do STJ, tendo, inclusive, obtido uma sentença favorável. Ocorre que, quando o processo chegou ao STJ por meio de recurso, o entendimento já havia mudado.

Neste caso, o STJ afirmou que, mesmo tendo havido alteração da jurisprudência, deveria ser aplicado o entendimento anterior.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.721.716-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Imagine a seguinte situação hipotética: João fez um seguro de vida por meio do qual paga R$ 50 por mês (prêmio) e, se vier a falecer na vigência do contrato, a seguradora terá que pagar R$ 500 mil reais (indenização) a seu filho (beneficiário). O prazo de vigência do contrato é de 5 anos. Se João se matar, mesmo assim a seguradora terá que pagar a indenização ao beneficiário? No seguro de vida, se o segurado se suicidar, a seguradora continua tendo obrigação de pagar a indenização?

No seguro de vida, se o segurado se suicidar, a seguradora continua tendo obrigação de pagar a indenização?

Entendimento ANTERIOR (até 08/04/2015) (Súmulas 105 do STF e 61 do STJ)

Entendimento ATUAL (Súmula 610 do STJ)

O critério era o da premeditação: • Se o suicídio foi premeditado: NÃO • Se o suicídio não foi premeditado: SIM

Para fins de contrato de seguro: • Suicídio premeditado é aquele no qual o segurado já faz o seguro de vida pensando na ideia de se suicidar para deixar a indenização para o beneficiário. Em outras palavras, o segurado agiu de má-fé porque, quando fez o seguro, já tinha essa intenção. • Suicídio não premeditado é aquele no qual o segurado, quando assinou o contrato, não tinha a intenção de se matar, tendo a vontade surgido posteriormente.

O critério passou a ser o meramente temporal: • Suicídio nos dois primeiros anos: SEM direito à indenização. • Suicídio após os dois primeiros anos: TEM direito à indenização.

A premeditação do suicídio não serve para nada e não deve nem sequer ser trazida para a discussão. A redação do art. 798 do CC é muito clara e direta: se o suicídio ocorrer dentro dos dois primeiros anos do contrato, a seguradora não está obrigada a indenizar o beneficiário. Em outras palavras, durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, o suicídio é risco não coberto por força de lei.

Súmula 105-STF: Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro. Súmula 61-STJ: O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.

Súmula 610-STJ: O suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada.

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(MP/SC 2019 banca própria) Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada. (CERTO) Obs: a mudança de posição do STJ do entendimento anterior para o atual ocorreu em 08/04/2015 quando do julgamento do REsp 1.335.005/GO. A Súmula 610 do STJ foi editada em 25/04/2018. Voltando à situação hipotética: João fez o seguro de vida em julho de 2012. No início de 2013, João perdeu sua mãe e ficou desempregado. Tais fatos desencadearam nele um quadro de grave depressão. No final de 2013, João suicidou-se. A seguradora recusou-se a pagar a indenização. Diante disso, Pedro, filho de João, ajuizou ação de cobrança contra a seguradora. Em junho de 2014, o juiz julgou o pedido procedente condenando a seguradora a pagar a indenização. O magistrado fundamentou sua sentença no entendimento anterior do STJ (que vigorava na época). Assim, o juiz analisou o caso com base no critério da premeditação e afirmou que a sucessão de fatos indica que o suicídio de João não foi premeditado, ou seja, quando ele celebrou o contrato, sua intenção não era a de se suicidar. Logo, o pagamento da indenização seria devido. O Tribunal de Justiça manteve a sentença. A seguradora interpôs, então, recurso especial. Antes que o Resp fosse julgado, o entendimento do STJ mudou e o critério passou a ser o temporal. Assim, temos o seguinte cenário: • pelo entendimento anterior: o filho de João teria direito à indenização (porque o suicídio não foi premeditado); • pelo entendimento atual: o filho de João não teria direito à indenização (porque o suicídio ocorreu nos dois primeiros anos do contrato). Em um caso semelhante a esse, qual foi a decisão do STJ? Deverá ser aplicado antigo ou o atual entendimento? O antigo. Como o suicídio correu na vigência do entendimento anterior, deverá ser aplicada a posição anterior da jurisprudência, ou seja, o critério da premeditação previsto nas Súmulas 105 do STF e 61 do STJ. Para o STJ, deve ser feita a modulação dos efeitos do novo entendimento, manifestado na Súmula 610, de forma que essa nova posição não retroaja para alcançar suicídios ocorridos antes de seu início. Superação prospectiva da jurisprudência A nova orientação jurisprudencial não pode ser aplicada retroativamente, ou seja, não pode incidir para os litígios surgidos antes de sua definição. Aplica-se aqui a doutrina da superação prospectiva da jurisprudência (em inglês, denominada de doutrina da prospective overruling) ou, ainda, chamada simplesmente de modulação dos efeitos. Essa teoria é invocada nas hipóteses em que há alteração da jurisprudência consolidada dos Tribunais e afirma que, quando essa superação é motivada pela mudança social, é recomendável que os efeitos sejam para o futuro apenas, isto é, prospectivos, a fim de resguardar expectativas legítimas daqueles que confiaram no direito até então prevalecente. A teoria da superação prospectiva tem a finalidade de proteger a confiança dos jurisdicionados nas orientações exaradas pelo Tribunal. O CPC/2015 previu, como uma de suas grandes novidades, a previsão de precedentes obrigatórios e a superação prospectiva dos precedentes. Veja o que diz o art. 927, § 3º:

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Art. 927 (...) § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

A Min. Nancy Andrighi explica, então, que o CPC/2015 se funda nos princípios de equilíbrio, instituindo parâmetros à atividade dos juízes e Tribunais, pautados pela previsibilidade de suas manifestações. Trata-se de aproximação ao sistema da common law, ou direito costumeiro, regido pelo princípio do stare decisis, no qual o precedente, por ser a mais importante fonte do Direito, deve ser respeitado nos casos supervenientes. O propósito maior é garantir a isonomia de ordem material – a partir da qual questões semelhantes devem receber respostas equivalentes, na medida de suas desigualdades – e a proteção da confiança e da expectativa legítima do jurisdicionado, fornecendo-lhe um modelo seguro de conduta de modo a tornar previsíveis as consequências de seus atos. Modulação de efeitos A fim de se aferir a necessidade de modulação de efeitos, a doutrina destaca que não é qualquer confiança que merece tutela na superação de um entendimento jurisprudencial, mas sim somente a confiança “'justificada', ou seja, confiança qualificada por critérios que façam ver que o precedente racionalmente merecia a credibilidade à época em que os fatos se passaram” (MARINONI, Luis Guilherme. In: WANBIER, Tereza Arruda Alvim (et. al.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pp. 2.171-2.172). Se for verificada a existência de jurisprudência qualificada pela confiança criada nos jurisdicionados, a modulação dos efeitos da alteração de entendimento somente deve ser permitida se atender ao interesse social, o que é averiguado pela ponderação entre os princípios fundamentais afetados e aos efeitos que podem decorrer da adoção imediata da orientação mais recente. A modulação de efeitos deve, portanto, ser utilizada com parcimônia, de forma excepcional e em hipóteses específicas, em que o entendimento superado tiver sido efetivamente capaz de gerar uma expectativa legítima de atuação nos jurisdicionados e, ainda, o exigir o interesse social envolvido. No caso concreto, o STJ entendeu que houve uma traumática alteração de entendimento da Corte, o que não pode ocasionar prejuízos para a parte, cuja demanda já havia sido julgada procedente em 1º grau de jurisdição de acordo com a jurisprudência anterior do STJ. Em suma:

É cabível a modulação dos efeitos do entendimento da Súmula 610 do STJ no caso de suicídio que tenha ocorrido ainda na vigência do entendimento anterior, previsto nas Súmulas 105 do STF e 61 do STJ. STJ. 3ª Turma. REsp 1.721.716-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE Autarquia que seja criada para prestar serviços de saúde suplementar para os servidores

públicos e seus dependentes estará sujeita às regras da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98)

Aplica-se a Lei nº 9.656/98 à pessoa jurídica de direito público de natureza autárquica que presta serviço de assistência à saúde de caráter suplementar aos servidores municipais.

Considerando que o caput do art. 1º faz menção expressa às pessoas jurídicas de direito

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privado, pode-se interpretar que a escolha do termo “entidade” no § 2º teve por objetivo ampliar a aplicação da lei para todas as pessoas jurídicas que prestam os serviços de assistência à saúde suplementar, até porque não faria sentido a utilização de termos distintos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.766.181-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 03/12/2019 (Info 662).

Imagine a seguinte situação hipotética: A Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensões dos Servidores Municipais de Londrina - CAAPSML é uma autarquia municipal que oferece serviços de assistência à saúde e previdência social aos servidores municipais de Londrina e seus dependentes. Vale ressaltar que a aquisição deste serviço de saúde é facultativa. João, servidor público municipal, está acometido de uma doença e buscou tratamento médico a ser custeado pela CAASPSML. O custeio foi negado sob o argumento de que a Caixa não cobre aquele determinado tratamento. Diante disso, João ajuizou ação contra a CAASPSML pedindo o pagamento das despesas de sua internação e tratamento médico. Primeira pergunta: as regras do o Código de Defesa do Consumidor são aplicadas neste caso? NÃO. Isso porque se trata de um plano de saúde de autogestão:

Súmula 608-STJ: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Planos de saúde de autogestão (também chamados de planos fechados de saúde) são criados por órgãos, entidades ou empresas para beneficiar um grupo restrito de filiados com a prestação de serviços de saúde. Tais planos são mantidos por instituições sem fins lucrativos e administrados paritariamente, de forma que no seu conselho deliberativo ou de administração, há representantes do órgão ou empresa instituidora e também dos associados ou usuários. O objetivo desses planos fechados é baratear para os usuários o custo dos serviços de saúde, tendo em vista que não visam ao lucro. Exemplo: CASSI (Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil). E as regras previstas na Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98)? Elas são aplicadas neste caso? SIM. Apesar de a Lei do Planos de Saúde dispor, de forma expressa, que estão submetidas às suas disposições as pessoas jurídicas de direito privado (art. 1º, caput, da Lei nº 9.656/98), em seu § 2º há ampliação de sua abrangência para também incluir outras espécies de entidades que mantenham sistemas de assistência à saúde:

Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (...) § 2º Incluem-se na abrangência desta Lei as cooperativas que operem os produtos de que tratam o inciso I e o § 1º deste artigo, bem assim as entidades ou empresas que mantêm sistemas de assistência à saúde, pela modalidade de autogestão ou de administração. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

A utilização das expressões “entidade” e “empresas” no § 2º, conceitos jurídicos amplos e não propriamente técnicos, bem como a inserção das “cooperativas” com a Medida Provisória nº 2.177-44 em

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2001, denotam a intenção do legislador de ampliar a aplicação da Leis dos Planos a todas as pessoas jurídicas que atuem prestando serviços de saúde suplementar. O termo “entidade”, em diversos ramos do Direito, é utilizado como um gênero para designar pessoas jurídicas em geral, sendo usado algumas vezes para se referir a pessoas jurídicas de natureza privada e outras em relação a pessoas jurídicas de direito público. No Direito Administrativo, por exemplo, essa expressão é empregada para se referir à administração indireta, independentemente de sua natureza jurídica. Considerando que o caput do art. 1º faz menção expressa às pessoas jurídicas de direito privado, pode-se interpretar que a escolha do termo entidade no § 2º teve por objetivo ampliar a aplicação da lei para todas as pessoas jurídicas que prestam os serviços de assistência à saúde suplementar, até porque não faria sentido a utilização de termos distintos. Assim, as entidades de direito público que optem por prestar serviços de assistência à saúde suplementar não podem ser excluídas da incidência da Lei nº 9.656/98, sob pena de possibilitar o desvirtuamento da intenção legislativa de assegurar aos usuários direitos mínimos. Não há como afastar a autarquia ré do âmbito de aplicação da Lei nº 9.656/98 pelo simples fato de ser uma pessoa jurídica de direito público, pois, nessa hipótese, a incidência das normas do Código Civil geraria um desequilíbrio contratual entre a entidade operadora do plano de saúde e os seus respectivos usuários, vedado pelo ordenamento jurídico em geral no que tange ao regime de saúde suplementar. Em suma:

Aplica-se a Lei nº 9.656/98 à pessoa jurídica de direito público de natureza autárquica que presta serviço de assistência à saúde de caráter suplementar aos servidores municipais. STJ. 3ª Turma. REsp 1.766.181-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 03/12/2019 (Info 662).

DIREITO EMPRESARIAL

REPRESENTAÇÃO COMERCIAL É nula a cláusula que prevê o pagamento antecipado da indenização devida ao representante

comercial no caso de rescisão injustificada do contrato pela representada

A representação comercial autônoma é uma espécie de contrato segundo o qual uma determinada pessoa (física ou jurídica) chamada de “representante” compromete-se a ir em busca de interessados que queiram adquirir os produtos ou serviços prestados por uma empresa, designada “representada”.

O art. 27, “j”, da Lei nº 4.886/65 prevê que o representado deverá pagar uma indenização ao representante em caso de rescisão imotivada, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.

O valor dessa indenização pode ser pago antecipadamente, diluído no contrato de representação comercial?

NÃO. É nula a cláusula que prevê o pagamento antecipado da indenização devida ao representante comercial no caso de rescisão injustificada do contrato pela representada.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.831.947-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Representação comercial autônoma A representação comercial autônoma é uma espécie de contrato segundo o qual: - uma determinada pessoa (física ou jurídica)

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- chamada de “representante” - compromete-se a ir em busca de interessados que queiram adquirir - os produtos ou serviços prestados por uma empresa, designada “representada”. É considerado um negócio jurídico com natureza de “colaboração empresarial por aproximação” de forma que o representante auxilia na circulação e distribuição dos produtos e serviços do representado nos mercados consumidores. Veja a definição dada pelo art. 1º da Lei nº 4.886/65:

Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.

Exemplo A empresa “XX” é representante comercial da indústria “ZZ”. Isso significa que “XX” irá em busca de clientes para adquirir os produtos da indústria “ZZ”, anotando os pedidos e os transmitindo para o representado a fim de que ele providencie a venda. Como contraprestação, o representante recebe uma comissão consistente em um percentual sobre as vendas intermediadas. Regulamentação Essa espécie de contrato está regulada pela Lei nº 4.886/65, chamada de “Lei de Representação Comercial”. Trata-se, portanto, de contrato típico, em que os direitos e obrigações das partes estão dispostos em lei. Autônomo Vale ressaltar que o representante não é considerado empregado do representado. Por isso, diz-se que a representação é exercida em caráter autônomo pelo representado. É possível, no entanto, que haja uma desvirtuação do contrato, ou seja, a empresa possui um funcionário exercendo a representação de seus produtos, com todas as características de uma relação de empregado, mas celebra um suposto contrato de representação comercial. Neste caso, a Justiça do Trabalho poderá desconsiderar este contrato e reconhecer que existe uma relação de emprego. Indenização mínima a ser paga em hipóteses de rescisão sem justo motivo por iniciativa do representado Na prática, observa-se que o representado, via de regra, ostenta posição dominante em relação ao representante. A ausência de equilíbrio entre as partes contribui para que, em diversas ocasiões, o representado (parte mais forte da relação) adote comportamentos antijurídicos em relação ao representante, gerando locupletamento indevido. Ciente dessa realidade, e com o intuito de garantir um equilíbrio contratual, a Lei nº 4.886/65 determinou que todo e qualquer contrato deverá ter, obrigatoriamente, cláusula prevendo uma indenização mínima a ser paga em hipóteses de rescisão sem justo motivo por iniciativa do representado:

Art. 27. Do contrato de representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juízo dos interessados, constarão obrigatoriamente: (...) j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.

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Trata-se de uma norma que tem por objetivo garantir ao representante comercial, que foi prejudicado pela perda repentina e sem justo motivo, de sua atividade habitual e da clientela que angariou, condições para que possa vir a reequilibrar sua situação econômico-financeira. É, portanto, uma compensação pelos prejuízos que o representante sofre com a rescisão abusiva, sem justa causa, do contrato de representação comercial. O valor dessa indenização pode ser pago antecipadamente, diluído no contrato de representação comercial? Imagine a seguinte situação hipotética: A DMP é representante comercial da indústria PURAT. O contrato estipula que a DMP terá direito à comissão de 4,58% de todas as vendas que efetuar em nome da representada. Além disso, o ajuste prevê o pagamento de 0,42% a título de adiantamento da indenização devida ao representante comercial no caso de rescisão injustificada do contrato pela representada. Veja a redação da cláusula: 15.2. Convencionam as partes que a indenização de que trata o art. 27, “j”, da Lei nº 4.886/65 será paga antecipadamente, por ocasião do pagamento da respectiva comissão. Assim, a comissão devida à representante será acrescida de 0,42% correspondente à indenização de 1/12 (um doze avos), antecipadamente satisfeita, na forma abaixo:

Comissão Indenização antecipada

Total da retribuição

4,58% 0,42% 5%

Essa cláusula contratual é válida? É possível fazer esse adiantamento da indenização? NÃO. A Lei nº 4.886/65 não contempla a hipótese de pagamento antecipado da indenização em prestações mensais. Essa prática coloca o representante comercial em situação de fragilidade considerando que, no momento da rescisão imotivada, ele não terá mais nada a receber. Logo, tal cláusula contraria a finalidade da lei, configurando uma burla ao art. 27, “j”, da Lei nº 4.886/65. Caso a sociedade representada tivesse o interesse legítimo de simplesmente se programar e evitar um pagamento em parcela única da referida indenização, ela deveria ter efetuado, periodicamente, o depósito dos valores em uma conta bancária de sua titularidade, mantida para esse fim exclusivo. O pagamento antecipado dos valores previstos no art. 27, “j”, da Lei nº 4.886/65 constitui desvirtuamento da própria função do instituto da indenização. A obrigação de reparar o dano somente surge após a prática do ato que lhe dá causa, de modo que, antes da existência de um prejuízo concreto passível de ser reparado – que, na espécie, é o rompimento imotivado da avença – não se pode falar em indenização. Em suma:

É nula a cláusula que prevê o pagamento antecipado da indenização devida ao representante comercial no caso de rescisão injustificada do contrato pela representada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.831.947-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

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RECUPERAÇÃO JUDICIAL A ação de habilitação retardatária de crédito deve ser ajuizada até a prolação

da decisão de encerramento do processo recuperacional

Se o credor não requereu a habilitação de seu crédito e o quadro-geral de credores já foi homologado, a única via que ainda resta para esse credor será pleitear a habilitação por meio de ação judicial autônoma que tramitará pelo rito ordinário, nos termos do art. 10, § 6º, da LFRE:

§ 6º Após a homologação do quadro-geral de credores, aqueles que não habilitaram seu crédito poderão, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, requerer ao juízo da falência ou da recuperação judicial a retificação do quadro-geral para inclusão do respectivo crédito.

Vale ressaltar, no entanto, que essa ação pedindo a habilitação retardatária somente pode ser proposta até a prolação da decisão de encerramento do processo recuperacional.

Desse modo, uma vez encerrada a recuperação judicial, não se pode mais autorizar a habilitação ou a retificação de créditos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.840.166-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Recuperação judicial A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Fases da recuperação De forma resumida, a recuperação judicial possui três fases: a) postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento; b) processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; c) execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial. Plano de recuperação Em até 60 dias após o despacho de processamento da recuperação judicial, o devedor deverá apresentar em juízo um plano de recuperação da empresa, sob pena de convolação (conversão) do processo de recuperação em falência. Este plano deverá conter: • discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados (art. 50); • demonstração de sua viabilidade econômica; e • laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Elaboração da relação dos credores O administrador judicial é a pessoa responsável por verificar quais são os credores da pessoa falida ou em recuperação judicial e quanto é devido a cada um deles. Isso está previsto no art. 7º da Lei:

Art. 7º A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.

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Publicação da relação nominal dos credores Após deferir o processamento da recuperação judicial, o juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá a relação nominal dos credores, sendo discriminado o valor atualizado e a classificação de cada crédito (art. 52, § 1º, II, da Lei nº 11.101/2005). São esses credores que, organizados em uma assembleia geral, irão analisar o plano apresentado, que pode ser aprovado ou não. Apresentação de habilitação ou divergência Publicado o edital mencionado acima, os credores terão o prazo de 15 dias para apresentar ao administrador judicial seu pedido de habilitação caso não tenha constado na lista de credores. Ex: João é credor da empresa em recuperação judicial, mas não figurou na relação de credores elaborada pelo administrador judicial. No prazo de até 15 dias após a publicação desta relação, este credor poderá pedir a sua habilitação. É o que prevê o art. 7º, § 1º da Lei nº 11.101/2005:

Art. 7º (...) § 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º, ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.

Nova publicação de edital O administrador judicial, com base nos pedidos de habilitação ou divergência, irá elaborar nova lista e fará publicar novo edital com a relação de credores. Esse novo edital deve ser publicado no prazo máximo de 45 dias depois do fim do prazo de 15 dias que os credores tiveram para impugnar a primeira lista. Impugnação de crédito Depois de ser publicado esse novo edital com os credores, haverá nova possibilidade de impugnação, conforme prevê o art. 8º da Lei:

Art. 8º No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7º, § 2º, desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado. Parágrafo único. Autuada em separado, a impugnação será processada nos termos dos arts. 13 a 15 desta Lei.

O prazo é, portanto, de 10 dias, sendo contado a partir da publicação da relação de credores formulada pelo administrador judicial. Essa segunda possibilidade de impugnação (tratada pelo art. 8º) deve ser formulada por meio de advogado e não é mais dirigida ao administrador, e sim ao juiz. Habilitação retardatária Ultrapassados todas essas oportunidades, o credor não incluído na relação elaborada pelo administrador judicial poderá ainda apresentar pedido de habilitação retardatária. Se o requerimento for protocolado antes da homologação do quadro-geral, será processado na forma dos arts. 13 a 15 da LFRE; caso contrário, o procedimento a ser seguido será o ordinário, previsto no Código de Processo Civil (arts. 10, §§ 5º e 6º, da LFRE).

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Depois de homologado o quadro-geral, a habilitação só pode ser pedida mediante ação judicial Uma vez homologado o quadro-geral de credores, a única via para o credor pleitear a habilitação de seu crédito é a judicial, mediante a propositura de ação que tramitará pelo rito ordinário. Veja o que dizem os §§ 5º e 6º do art. 10 da LFRE:

Art. 10 (...) § 5º As habilitações de crédito retardatárias, se apresentadas antes da homologação do quadro-geral de credores, serão recebidas como impugnação e processadas na forma dos arts. 13 a 15 desta Lei. § 6º Após a homologação do quadro-geral de credores, aqueles que não habilitaram seu crédito poderão, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, requerer ao juízo da falência ou da recuperação judicial a retificação do quadro-geral para inclusão do respectivo crédito.

Vale ressaltar, no entanto, que essa ação judicial pedindo a habilitação retardatária somente pode ser proposta até a prolação da decisão de encerramento do processo recuperacional. Conforme explica Marcelo Barbosa Sacramone:

“Após a homologação do quadro-geral de credores, por sentença, as habilitações retardatárias ainda poderão ocorrer até o encerramento do processo de falência ou de recuperação judicial. As habilitações serão realizadas na forma de ações rescisórias ao quadro-geral de credores e serão submetidas ao procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.” (Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Saraiva Educação, 2018)

Desse modo, uma vez encerrada a recuperação judicial, não se pode mais autorizar a habilitação ou a retificação de créditos. Em suma:

A ação de habilitação retardatária de crédito deve ser ajuizada até a prolação da decisão de encerramento do processo recuperacional. STJ. 3ª Turma. REsp 1.840.166-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO Aplica-se a técnica de ampliação do colegiado quando o Tribunal, por maioria, der provimento

aos embargos de declaração para reformar a decisão embargada e, por consequência, reformar a decisão parcial de mérito prolatada pelo juiz em 1ª instância

Em se tratando de aclaratórios opostos a acórdão que julga agravo de instrumento, a aplicação da técnica de julgamento ampliado somente ocorrerá se os embargos de declaração forem acolhidos para modificar o julgamento originário do magistrado de primeiro grau que houver proferido decisão parcial de mérito.

Quando se tratar de embargos de declaração contra acórdão que decidiu agravo de instrumento, só será caso de ampliação do colegiado se, ao julgar os embargos declaratórios, o colegiado - por maioria - deliberar por reformar decisão de mérito (o que significa dizer que se terá, por deliberação não unânime, atribuído efeitos infringentes aos embargos de declaração, reformando-se a decisão embargada e, por conseguinte, reformando a decisão

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parcial de mérito prolatada pelo órgão de primeira instância) (CÂMARA, Alexandre Freitas. A ampliação do colegiado em julgamentos não unânimes. Revista de Processo, ano 43, vol. 282, ago/2018, p. 264).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.841.584-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Técnica de julgamento do art. 942 do CPC/2015 O resultado do julgamento da apelação pode ser unânime (quando todos os Desembargadores concordam) ou por maioria (quando no mínimo um Desembargador discorda dos demais). Se o resultado se der por maioria, o CPC prevê uma nova “chance” de a parte que “perdeu” a apelação reverter o resultado. Como assim? Se o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em uma nova sessão, que será marcada e que contará com a presença de novos Desembargadores que serão convocados, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. Ex: o resultado da apelação foi 2x1; 2 Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de João) e um Desembargador votou pela manutenção da sentença (em favor de Pedro); significa dizer que deverá ser designada uma nova sessão e para essa nova sessão serão convocados dois novos Desembargadores que também irão emitir votos; neste nosso exemplo, foram convocados 2 porque a convocação dos novos julgadores deverá ser em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial (se os dois novos Desembargadores votarem com a minoria, o placar se inverte para 3x2). Veja a previsão legal:

Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

A previsão deste art. 942 é chamada de “técnica de complementação de julgamento não unânime” ou “técnica de ampliação do colegiado”. Vamos verificar outras informações sobre esta técnica. Prosseguimento na mesma sessão Sendo possível, o prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942). Juízo de retratação Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º do art. 942). Ex: o resultado da apelação foi 2x1; dois Desembargadores votaram pelo provimento da apelação (em favor de João); por outro lado, um Desembargador (Des. Raimundo) votou pelo improvimento da apelação (contra João); designou-se, então, um novo dia para prosseguimento do julgamento ampliado, tendo sido convocados dois Desembargadores de uma outra Câmara Cível do Tribunal (Desembargadores Cláudio e Paulo); logo no início, antes que Cláudio e Paulo votassem, o Des. Raimundo pediu a palavra e disse: olha, melhor refletindo nesses dias, eu gostaria de evoluir meu entendimento e irei acompanhar a maioria votando pelo provimento da apelação. Mesmo que isso ocorra, ou seja, que alguém mude de opinião, ainda assim deverão ser colhidos os votos dos Desembargadores convocados. Nesse sentido:

Enunciado 599-FFPC: A revisão do voto, após a ampliação do colegiado, não afasta a aplicação da técnica de julgamento do art. 942.

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Esse art. 942 é uma espécie de recurso? NÃO. Trata-se de uma “técnica de complementação de julgamento nas decisões colegiadas não unânimes de segunda instância”. Nesse sentido:

A forma de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 não se configura como espécie recursal nova (não é um novo recurso). Isso porque o seu emprego é automático e obrigatório. Desse modo, falta a voluntariedade, que é uma característica dos recursos. Além disso, esta técnica não é prevista como recurso, não preenchendo assim a taxatividade. STJ. 4ª Turma. REsp 1733820/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/10/2018.

A parte que “perdeu” a apelação precisa pedir a aplicação do art. 942? NÃO. Essa técnica de julgamento é obrigatória e aplicável de ofício, automaticamente, pelo Tribunal. A parte não precisa requerer a sua aplicação.

A técnica é aplicada antes da conclusão do julgamento Como não se trata de recurso, a aplicação da técnica ocorre em momento anterior à conclusão do julgamento, ou seja, não há proclamação do resultado, nem lavratura de acórdão parcial, antes de a causa ser devidamente apreciada pelo colegiado ampliado. Tanto isso é verdade que, conforme já explicado, sendo possível, o prosseguimento do julgamento pode ocorrer na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado (§ 1º do art. 942). No entanto, mesmo que ocorra em outro dia, considera-se que houve um só julgamento. Não se encerrou um para começar o outro ampliado.

Como ocorre a continuidade do julgamento na hipótese em que houve uma parte unânime e outra não unânime? Ex: no julgamento de uma apelação contra sentença que havia negado integralmente a indenização, a Câmara Cível entendeu de forma unânime (3x0) que houve danos materiais e por maioria (2x1) que não ocorreram danos morais. Foram então convocados dois Desembargadores para a continuidade do julgamento ampliado (art. 942). Esses dois novos Desembargadores que chegaram poderão votar também sobre a parte unânime (danos materiais) ou ficarão restritos ao capítulo não unânime (danos morais)? Poderão analisar de forma ampla, ou seja, tanto a parte unânime como não unânime. Foi o que decidiu o STJ:

O colegiado formado com a convocação dos novos julgadores (art. 942 do CPC/2015) poderá analisar de forma ampla todo o conteúdo das razões recursais, não se limitando à matéria sobre a qual houve originalmente divergência. STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.815-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/11/2018 (Info 638).

A técnica do art. 942 do CPC vale apenas para a apelação? NÃO. Além da apelação, a técnica de julgamento prevista no art. 942 aplica-se também para o julgamento não unânime proferido em: a) ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno; b) agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

Quadro-resumo das hipóteses de cabimento

A técnica do art. 942 do CPC é aplicada em caso de acórdãos não unânimes (por maioria) proferidos em:

APELAÇÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO RESCISÓRIA

Não importa se o Tribunal manteve ou reformou a sentença. Basta que o acórdão tenha sido por maioria.

Somente se o Tribunal reformou decisão que julgou parcialmente o mérito.

Se o resultado do acórdão for a rescisão da sentença.

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Imagine agora a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação contra Pedro formulando dois pedidos. Vamos chamá-los de pretensão 1 e pretensão 2. Na contestação, Pedro alegou, dentre outros argumentos, que a pretensão 1 estaria prescrita. O juiz proferiu decisão interlocutória na qual: a) acolheu a alegação de prescrição da pretensão 1; b) determinou a continuidade do processo, com a produção de prova pericial quanto à pretensão 2. Agravo de instrumento O autor interpôs agravo de instrumento contra esta decisão afirmando que não ocorreu a prescrição da pretensão 1. Esse agravo de instrumento foi baseado no art. 1.015, II, do CPC:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) II - mérito do processo;

Vale lembrar que a decisão que reconhece a existência da prescrição ou da decadência é um pronunciamento jurisdicional de mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC:

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

Mas a prescrição ou decadência não tem que ser decididas apenas ao final, na sentença? NÃO. Embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente por ocasião da prolação da sentença, não há vedação alguma para que essas questões sejam antecipadamente examinadas, por intermédio de decisões interlocutórias. Agravo de instrumento com base no inciso II do art. 1.015 Desse modo, a decisão interlocutória que acolhe a ocorrência de prescrição ou decadência é uma decisão de mérito, que enseja a interposição de agravo de instrumento com base no inciso II do art. 1.015 do CPC/2015. O que o Tribunal de Justiça decidiu no agravo de instrumento? Inicialmente, a Câmara Cível do TJ (formada por três Desembargadores) negou provimento ao agravo de instrumento. O autor/recorrente opôs embargos de declaração apontando omissão no acórdão e pedindo para que, reconhecido esse vício, houvesse, excepcionalmente, a atribuição de efeitos infringentes. Na sessão designada para julgamento dos embargos de declaração, dois Desembargadores concordaram com os argumentos do embargante e proferiram votos para dar provimento aos embargos, reconhecer que o acórdão anterior foi omisso realmente e, sanando essa omissão, acolher a tese do autor no sentido de que não houve prescrição e, com isso, reformar a decisão interlocutória do juiz. Em outras palavras, dois Desembargadores, ao analisarem os embargos de declaração, votaram para reformar a decisão interlocutória que julgou parcialmente o mérito. O terceiro Desembargador votou para negar provimento aos embargos. Indaga-se: neste caso, deverá ser aplicada a técnica do art. 942 do CPC, convocando-se dois novos Desembargadores para votar? SIM. Em se tratando de aclaratórios opostos a acórdão que julga agravo de instrumento, é cabível a aplicação da técnica de julgamento ampliado se o Tribunal acolher os embargos de declaração para modificar o julgamento originário do magistrado de primeiro grau que houver proferido decisão parcial de mérito.

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E se o Tribunal, por maioria de votos (2x1), tivesse rejeitado os embargos de declaração? Neste caso, caberia a técnica do art. 924 do CPC? NÃO. Isso porque, nesse caso, a decisão interlocutória não teria sido reformada. Veja o que diz a doutrina sobre o tema:

“(...) Por último, será caso de ampliar o colegiado quando houver divergência no julgamento de embargos de declaração contra acórdão proferido em apelação (já que a decisão dos embargos de declaração se integra ao julgamento embargado, e na hipótese da apelação qualquer divergência acarreta a ampliação do órgão julgador). Já quando se tratar de embargos de declaração contra acórdão que decidiu agravo de instrumento, só será caso de ampliação do colegiado se, ao julgar os embargos declaratórios, o colegiado - por maioria - deliberar por reformar decisão de mérito (o que significa dizer que se terá, por deliberação não unânime, atribuído efeitos infringentes aos embargos de declaração, reformando-se a decisão embargada e, por conseguinte, reformado a decisão parcial de mérito prolatada pelo órgão de primeira instância)”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. A ampliação do colegiado em julgamentos não unânimes. Revista de Processo, ano 43, vol. 282, ago/2018, p. 264)

Em suma:

Em se tratando de aclaratórios opostos a acórdão que julga agravo de instrumento, a aplicação da técnica de julgamento ampliado somente ocorrerá se os embargos de declaração forem acolhidos para modificar o julgamento originário do magistrado de primeiro grau que houver proferido decisão parcial de mérito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.841.584-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

IRDR O procedimento de distinção (distinguishing) previsto no art. 1.037, §§ 9º a 13, do CPC/2015,

aplica-se também ao incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR

Importante!!!

O procedimento de alegação de distinção (distinguishing) entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do CPC, aplica-se também ao IRDR.

Exemplo: o TJ/SP está recebendo milhares de apelações discutindo se os bancos podem ou não cobrar a tarifa bancária “X”. É instaurado um IRDR no TJ/SP para decidir o tema. O Desembargador Relator determina a suspensão de todos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado de São Paulo envolvendo a cobrança da tarifa bancária “X”.

Antes da instauração do IRDR, Pedro havia ajuizado, na comarca de Santos (SP), ação contra o Banco Itaú questionando a cobrança da tarifa “X”. O processo estava tramitando normalmente, mas o Juiz foi informado de que o TJ/SP determinou o sobrestamento de todos os processos que tratem sobre o tema. Diante disso, o magistrado proferiu decisão determinando a suspensão do processo envolvendo Pedro e o Banco Itaú. Pedro, contudo, não concorda com essa suspensão. Isso porque a matéria discutida na ação por ele proposta envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Logo, seria, em seu ponto de vista, um caso diferente daquele que será julgado pelo TJ/SP no IRDR.

Pedro poderá interpor, imediatamente, um agravo de instrumento contra esta decisão do Juiz? Não. Antes de interpor o agravo de instrumento, Pedro deverá adotar o procedimento

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de distinção previsto no art. 1.037, §§ 9º a 13, do CPC.

Mas esse procedimento foi previsto para os recursos repetitivos. Mesmo assim, ele se aplica também para o IRDR? Sim. Tanto os recursos especiais e extraordinários repetitivos como o IRDR compõem um microssistema de julgamento de questões repetitivas, devendo o intérprete promover, sempre que possível, a integração entre os dois mecanismos que pertencem ao mesmo sistema de formação de precedentes vinculantes. Não há diferença ontológica nem tampouco justificativa teórica para um tratamento assimétrico (diferente).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.846.109-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Para entender esse julgado é necessário: 1) aprender ou relembrar em que consiste o procedimento de distinção (distinguishing) previsto no art. 1.037, §§ 9º e 13, do CPC/2015 para os recursos especiais repetitivos; 2) verificar como funciona o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR); 3) analisar se esse procedimento de distinção se aplica também para o IRDR. Vamos, então, por partes. PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO PREVISTO NO ART. 1.037, §§ 9º E 13, DO CPC PARA OS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS

Multiplicidade de recursos extraordinários tratando sobre o mesmo tema O legislador percebeu que havia no STF e no STJ milhares de recursos que tratavam sobre os mesmos temas jurídicos. Diante disso, a fim de otimizar a análise desses recursos, a Lei nº 11.672/2008 acrescentou os arts. 543-B e 543-C ao CPC 1973, prevendo uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tiverem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito. O CPC/2015, em linhas gerais, manteve uma regulamentação bem parecida, sendo o tema agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041. Procedimento de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos Em primeiro lugar, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem (TJ ou TRF) irá identificar e separar todos os recursos interpostos que tratem sobre o mesmo assunto. Exemplo: reunir os recursos especiais nos quais se discuta se o prazo prescricional das ações contra a Fazenda Pública é de três ou cinco anos. Remessa de dois ou mais para o STJ ou STF Desses recursos, o Presidente do tribunal selecionará 2 ou mais que representem bem a controvérsia discutida e os encaminhará ao STJ ou STF (conforme seja Resp ou RE). Serão escolhidos os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial. Nesse sentido:

Art. 1.036 (...) § 1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.

Demais recursos ficam sobrestados na origem Os demais recursos especiais e extraordinários que tratem sobre a mesma matéria e que não foram remetidos como paradigma (modelo) ficarão suspensos no tribunal de origem até que o STJ/STF se

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pronuncie sobre o tema central. Ministro do STJ ou STF poderá escolher outros recursos representativos diferentes daqueles enviados pelo TJ/TRF A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do TJ ou TRF não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia (art. 1.036, § 4º). O Ministro relator do STJ ou STF também poderá selecionar 2 ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem. Afetação Se o Ministro do STJ ou do STF, ao receber o recurso representativo de controvérsia, perceber que a matéria nele tratada realmente possui um interesse geral e se repete em inúmeros outros casos, ele irá proferir decisão determinando a afetação daquele tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. Veja o que diz o caput do art. 1.037 do CPC/2015:

Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. (...) Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação (...).

Confira também a previsão do Regimento Interno do STJ:

Art. 256-I. O recurso especial representativo da controvérsia apto, bem como o recurso especial distribuído cuja multiplicidade de processos com idêntica questão de direito seja reconhecida pelo relator, nos termos do art. 1.037 do Código de Processo Civil, será submetido pela Seção ou pela Corte Especial, conforme o caso, ao rito dos recursos repetitivos para julgamento, observadas as regras previstas no Capítulo II-B do Título IX da Parte I do Regimento Interno.

Suspensão dos processos que tratem sobre o tema Nesta decisão de afetação, o Ministro irá determinar “a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional” (art. 1.037, II). Ex: o Ministro Relator no STJ recebe um recurso repetitivo discutindo qual a norma aplicável para fins de cálculo da renda mensal inicial na previdência complementar. Ele percebe que esse mesmo tema está sendo discutido em centenas de outros processos que já estão no STJ e nos Tribunais de Justiça. Diante disso, ele irá: • proferir uma decisão determinando a afetação desse tema (o que significa isso: vamos discutir com profundidade o assunto e definir uma tese); • determinar que, enquanto não se define esse tema afetado, os demais processos deverão ficar sobrestados (suspensos). Por que é necessária essa suspensão? Porque seria improdutivo que tais processos continuassem tramitando antes de uma definição segura sobre o tema. Depois que o STJ/STF julgar o recurso especial/extraordinário afetado, a tese que for definida irá ser aplicada a todos os recursos que ficaram suspensos. Logo, é mais produtivo aguardar com o processo suspenso e já aplicar no processo a tese fixada.

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Imagine agora a seguinte situação hipotética: O STJ está recebendo milhares de recursos especiais discutindo se os bancos podem ou não cobrar a tarifa bancária “X”. Diante disso, o Ministro do STJ, percebendo que essa matéria possui interesse geral e se repete em inúmeros outros casos, proferiu decisão determinando a afetação do tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. Além disso, o Ministro determinou o sobrestamento de todos os processos pendentes que tratem sobre a legalidade da tarifa bancária “X”:

Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual: I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento; II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional; (...)

Suspensão de um processo individual que estava em 1ª instância João ajuizou ação contra o Banco BV questionando a cobrança da tarifa “X”. O processo estava tramitando normalmente. Ocorre que o Juiz foi informado de que o Ministro do STJ determinou o sobrestamento de todos os processos que tratem sobre o tema. Diante disso, o magistrado proferiu decisão determinando a suspensão do processo envolvendo João e o Banco BV. João, contudo, não concordou e ingressou com um pedido de reconsideração dirigido ao Juiz afirmando que a matéria discutida neste processo envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Logo, seria, em seu ponto de vista, um caso diferente daquele a ser julgado pelo STJ. Assim, para João haveria um distinguishing (uma distinção) e, portanto, o processo não deveria ficar suspenso. Existe previsão legal para esse pedido formulado pela parte? SIM. Esse requerimento está previsto no § 9º do art. 1.037 do CPC/2015:

Art. 1.037 (...) § 8º As partes deverão ser intimadas da decisão de suspensão de seu processo, a ser proferida pelo respectivo juiz ou relator quando informado da decisão a que se refere o inciso II do caput. § 9º Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo.

A quem é dirigido esse requerimento? • Se o processo sobrestado estiver em primeiro grau: ao juiz; • Se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem: ao relator. • Se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem (TJ/TRF): ao relator do acórdão recorrido (Desembargador Relator no TJ/TRF); • Se for sobrestado um recurso especial ou recurso extraordinário que já está no STF/STJ: o pedido será dirigido ao Ministro Relator no STF ou STJ.

Logo, em nosso exemplo, o pedido de João foi corretamente dirigido ao juiz da causa.

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Oitiva da outra parte A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento, no prazo de 5 dias. Assim, o juiz deverá intimar o Banco para se manifestar sobre o requerimento do autor. Se for reconhecido o distinguishing: Se ficar reconhecido que existe, de fato, essa distinção, ou seja, essa diferença entre as situações, o próprio juiz ou relator dará prosseguimento ao processo. Se o recurso especial ou extraordinário estiver sobrestado na origem (no TJ ou TRF), o Desembargador Relator deverá comunicar a decisão ao Presidente ou ao Vice-presidente que houver determinado o sobrestamento, para que o recurso especial ou o recurso extraordinário seja encaminhado ao respectivo STF ou STJ. Se NÃO for reconhecido o distinguishing: O processo continua sobrestado. Cabe algum recurso contra a decisão que reconhece ou que não reconhece a distinção? SIM. Caberá: • agravo de instrumento: se a decisão for do juiz de 1ª instância; • agravo interno: se a decisão for do relator.

É o que prevê o § 13 do art. 1.037 do CPC/2015:

Art. 1.037 (...) § 13. Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o § 9º caberá: I - agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau; II - agravo interno, se a decisão for de relator.

Em nosso exemplo, se João ou o Banco não concordarem com a decisão do juiz, poderá ser interposto agravo de instrumento:

Cabe agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeiro grau que resolve o requerimento de distinção de processos sobrestados em razão de recursos repetitivos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.717.387-PB, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 08/10/2019 (Info 658).

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR)

Ideia geral do IRDR É muito comum, na prática, que um determinado tema jurídico esteja sendo discutido simultaneamente em centenas ou milhares de processos. No passado, esses processos eram julgados individualmente, o que gerava enormes custos e o risco de decisões diferentes para uma mesma controvérsia jurídica. Pensando nisso, o CPC/2015 criou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Assim, quando o juiz, o relator no Tribunal, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou qualquer das partes perceber que uma determinada controvérsia jurídica que está sendo discutida em um processo também se repete em inúmeros outros, será possível pedir a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. Isso significa que todos os processos que tratam sobre aquele assunto ficarão suspensos até que o Tribunal defina a tese jurídica e, em seguida, ela será aplicada para todos esses feitos que se encontravam sobrestados. Isso gera eficiência e minimiza o risco de decisões diferentes para situações semelhantes. Essa sistemática já não era prevista para os casos de recursos especial e extraordinário repetitivos (que vimos acima)?

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Os arts. 543-B e 543-C do CPC/1973 previam uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tivessem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito. O CPC/2015, em linhas gerais, manteve uma regulamentação bem parecida, sendo o tema agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041 (vimos isso acima). Desse modo, o IRDR é parecido sim com a sistemática do julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. No entanto, no caso dos recursos repetitivos, exige-se que a questão já tenha chegado ao STJ ou STF por meio de recurso especial ou recurso extraordinário. O IRDR, por sua vez, pode ser instaurado antes de o tema chegar aos Tribunais Superiores. Conforme se extrai da exposição de motivos do CPC/2015, o novo instituto (IRDR) – que é inspirado no direito alemão – foi pensado para dotar os tribunais estaduais e tribunais regionais federais de um mecanismo semelhante àquele já existente nas cortes superiores relativamente aos recursos repetitivos. Requisitos para a instauração de IRDR (art. 976) É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: 1) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e 2) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Há ainda um pressuposto negativo previsto no § 4º do art. 976, que é a inexistência de afetação de recurso repetitivo pelos tribunais superiores no âmbito de sua respectiva competência para a definição de tese sobre a questão de direito objeto do IRDR:

§ 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

Legitimidade para requerer a instauração (art. 977) O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal: I - pelo juiz ou relator, por meio de ofício; II - pelas partes, por petição; III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição. O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente. Competência Em regra, o IRDR será julgado pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal. É possível, no entanto, que seja instaurado um IRDR diretamente no STJ nos casos de: • competência recursal ordinária (art. 105, II, da CF/88); e de • competência originária (art. 105, I, da CF/88). Foi o que decidiu a Corte Especial do STJ:

O novo Código de Processo Civil instituiu microssistema para o julgamento de demandas repetitivas - nele incluído o IRDR, instituto, em regra, afeto à competência dos tribunais estaduais ou regionais federal -, a fim de assegurar o tratamento isonômico das questões comuns e, assim, conferir maior estabilidade à jurisprudência e efetividade e celeridade à prestação jurisdicional. A instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas diretamente no Superior Tribunal de Justiça é cabível apenas nos casos de competência recursal ordinária e de competência originária e desde que preenchidos os requisitos do art. 976 do CPC.

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STJ. Corte Especial. AgInt na Pet 11.838/MS, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 07/08/2019.

Logo, não cabe IRDR no STJ caso este Tribunal esteja apreciando um recurso especial (art. 105, III, da CF/88). Isso porque, neste caso, já existe um outro mecanismo que cumpre essa função, qual seja, o recurso especial repetitivo (art. 976, § 4º do CPC). Falando agora da competência interna, o IRDR será julgado pelo órgão do Tribunal que for responsável pela uniformização de jurisprudência, segundo as regras do regimento interno. Ex: no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a competência para julgar o IRDR é da Câmara de Uniformização (art. 18, I, do RITJDFT). Esse órgão colegiado incumbido de julgar o IRDR e fixar a tese jurídica será também competente para julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente. Incidente deverá ser bem divulgado para permitir participação de interessados (art. 979) A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça. Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao CNJ para inclusão no cadastro. Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados. Incabível o incidente se o STF ou STJ já tiver afetado o tema para julgamento como recurso especial ou extraordinário repetitivo É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva. Procedimento 1) Pedido de instauração Se o juiz, o relator, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou qualquer das partes perceber que uma determinada controvérsia jurídica que está sendo discutida em um processo que está em 1ª ou 2ª instâncias também se repete em inúmeros outros processos, ele poderá pedir ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. 2) Juízo de admissibilidade (art. 981) Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade considerando a presença dos pressupostos do art. 976: • efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e • risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. 3) Se o incidente não for admitido Se o IRDR não foi admitido por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade, isso não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.

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4) Se o incidente for admitido (art. 982) Se o Tribunal admitir o processamento do IRDR, o relator: I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso; II - poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 dias; III - intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias. A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes. Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. Cessa a suspensão se o incidente for julgado e, contra essa decisão, não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário. 5) Possibilidade de suspensão nacional dos processos Visando à garantia da segurança jurídica, a parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá requerer, ao STF ou ao STJ, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado. Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer essa suspensão nacional. 6) Desistência ou abandono do processo Depois que o IRDR for suscitado, ainda que a parte desista ou abandone o processo que deu causa ao incidente, este IRDR terá o seu mérito apreciado. Para isso, o Ministério Público deverá assumir a titularidade em caso de desistência ou de abandono. 7) Oitiva de partes, interessados e do MP (art. 983) O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia que, no prazo comum de 15 dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida. Em seguida, deverá ser ouvido o Ministério Público, também no prazo de 15 dias. Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente. 8) Audiência pública Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria. 9) Data para julgamento Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente. 10) Prazo para julgamento O incidente será julgado no prazo de 1 ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus (art. 980). Se o IRDR não for julgado neste prazo, cessa a suspensão dos processos, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário. 11) Ordem no julgamento (art. 984) No julgamento do incidente, deverá ser observada a seguinte ordem: I - o relator fará a exposição do objeto do incidente; II - poderão sustentar suas razões, sucessivamente:

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a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 minutos; b) os demais interessados, no prazo de 30 minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 dias de antecedência. Obs.: considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado. Necessidade de análise de todos os argumentos: segundo o § 2º do art. 984, o conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários. 12) Custas Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas. Tese jurídica (art. 985) Julgado o incidente, será definida uma tese jurídica, que será aplicada: I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal. Tese jurídica envolvendo serviço concedido, permitido ou autorizado Se o incidente tiver por objeto questão relativa à prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada (art. 985, § 2º). Descumprimento da tese jurídica Não observada a tese fixada no IRDR, caberá reclamação (985, § 1º). Revisão da tese jurídica fixada (art. 986) É possível a revisão da tese jurídica firmada no incidente. Essa revisão deverá ser feita pelo mesmo tribunal que fixou a tese, de ofício ou mediante requerimento do MP ou da Defensoria Pública. Recurso contra o julgamento do IRDR (art. 987) Do julgamento do mérito do incidente, caberá recurso extraordinário ou especial, conforme seja caso de matéria constitucional ou infraconstitucional. Atenção: o recurso tem efeito suspensivo. No caso de recurso extraordinário interposto contra o acórdão que julgou o IRDR, fica presumida a repercussão geral da questão constitucional. Decisão do STF ou STJ que julgou o recurso contra o julgamento do IRDR Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo STF ou pelo STJ será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito. O PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO (ART. 1.037, §§ 9º E 13, DO CPC) SE APLICA TAMBÉM PARA O IRDR

Vamos imaginar o mesmo exemplo dado acima para o recurso especial repetitivo, mas agora envolvendo IRDR: O TJ/SP está recebendo milhares de apelações discutindo se os bancos podem ou não cobrar a tarifa

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bancária “X”. Diante disso, é instaurado um IRDR no TJ/SP para decidir o tema. O Desembargador Relator determina a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado de São Paulo envolvendo a cobrança da tarifa bancária “X”. Suspensão de um processo individual que estava em 1ª instância Antes da instauração do IRDR, Pedro havia ajuizado, na comarca de Santos (SP), ação contra o Banco Itaú questionando a cobrança da tarifa “X”. O processo estava tramitando normalmente na 6ª Vara de Santos. Ocorre que o Juiz da 6ª Vara foi informado de que o Desembargador do TJ/SP determinou o sobrestamento de todos os processos que tratem sobre o tema. Diante disso, o magistrado proferiu decisão determinando a suspensão do processo envolvendo Pedro e o Banco Itaú. Pedro, contudo, não concorda com essa suspensão. Isso porque a matéria discutida na ação por ele proposta envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Logo, seria, em seu ponto de vista, um caso diferente daquele que será julgado pelo TJ/SP no IRDR. Diante disso, indaga-se: Pedro poderá interpor, imediatamente, um agravo de instrumento contra esta decisão do Juiz da 6ª Vara? NÃO. Antes de interpor o agravo de instrumento, Pedro deverá adotar o procedimento de distinção previsto no art. 1.037, §§ 9º a 13, do CPC. Assim, Pedro terá que ingressar com um pedido de reconsideração dirigido ao Juiz afirmando que a matéria discutida neste processo envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Em outras palavras, Pedro terá que alegar e demonstrar que existe um distinguishing (uma distinção) e que, portanto, o processo não deveria ficar suspenso. Oitiva da outra parte A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento, no prazo de 5 dias. Assim, o juiz deverá intimar o Banco Itaú para se manifestar sobre o requerimento do autor. Decisão do Juiz O Juiz, após analisar os argumentos do autor e do réu, poderá: 1) reconhecer que existe distinguishing: se ficar reconhecido que há, de fato, essa distinção, ou seja, essa diferença entre as situações, o Juiz dará prosseguimento ao processo. 2) entender que não existe distinguishing: neste caso, o processo continua sobrestado. Cabe algum recurso contra a decisão que reconhece ou que não reconhece a distinção? SIM. Caberá agravo de instrumento, nos termos do art. 1.037, § 13, I, do CPC:

Art. 1.037 (...) § 13. Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o § 9º caberá: I - agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau; (...)

Em nosso exemplo, se Pedro ou o Banco Itaú não concordarem com a decisão do juiz, poderá ser interposto agravo de instrumento. Resumo das etapas do procedimento de distinção: O procedimento de distinção previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do CPC pode ser dividido em cinco etapas: a) intimação da decisão de suspensão (as partes são intimadas de que o processo em que litigam ficará

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suspenso aguardando o julgamento do repetitivo ou do IRDR); b) parte que não concorda com a suspensão formula requerimento ao juízo de 1º grau demonstrando que existe distinção (distinguishing) entre a questão debatida no seu processo e aquela submetida ao julgamento repetitivo ou ao IRDR; c) abertura de contraditório, a fim de que a parte adversa se manifeste sobre a matéria em 5 dias; d) prolação de decisão interlocutória resolvendo o requerimento; e) cabimento do agravo de instrumento em face da decisão que resolve o requerimento. A parte que não concordou com a decisão poderia impetrar mandado de segurança? NÃO. Não é possível, neste caso, a impetração de mandado de segurança contra a decisão que resolve o requerimento de distinção, tendo em vista que a Corte Especial do STJ por ocasião do julgamento do tema repetitivo 988, vedou expressamente o uso do mandado de segurança contra decisões interlocutórias. Logo depois que a parte é intimada de que o processo em que litiga foi suspenso, ela já poderá, imediatamente, interpor o agravo de instrumento? NÃO. Já respondi isso acima, mas fiz questão de repetir aqui para que não houvesse dúvidas. Se a parte interpõe agravo de instrumento diretamente em face da decisão de suspensão, ela salta quatro das cinco etapas acima descritas, sem observar todas as demais prescrições legais, ou seja, sem permitir que a outra parte se manifeste e que o Juiz enfrente essa alegação. O detalhado rito instituído pelo CPC no art. 1.037, §§ 9º a 13 não pode ser considerado como mera e irrelevante formalidade. Trata-se de procedimento de observância obrigatória, na medida em que visa, a um só tempo: • materializar o contraditório em 1º grau acerca do requerimento de distinção; • evitar a interposição de recursos prematuros e • gerar a decisão interlocutória a ser impugnada (a que resolve a alegação de distinção), sob pena de violação ao duplo grau de jurisdição e supressão de instância. Resumindo:

A decisão que suspende o processo em 1º grau em virtude da instauração de IRDR no Tribunal não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento ao fundamento de distinção. É necessário que, antes disso, seja instaurado o procedimento de distinção (distinguishing) tratado no art. 1.037, §§9º a 13 do CPC/2015, procedimento esse que foi previsto para os recursos especial e extraordinário repetitivos, mas que também se aplica para o IRDR. Assim, o procedimento de alegação de distinção (distinguishing) entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do CPC, aplica-se também ao IRDR. Tanto os recursos especiais e extraordinários repetitivos como o IRDR compõem, na forma do art. 928, I e II, do CPC, um microssistema de julgamento de questões repetitivas, devendo o intérprete promover, sempre que possível, a integração entre os dois mecanismos que pertencem ao mesmo sistema de formação de precedentes vinculantes. Não há diferença ontológica nem tampouco justificativa teórica para um tratamento assimétrico (diferente) entre a alegação de distinção formulada em virtude de afetação para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos e em razão de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, pois ambos os requerimentos são formulados após a ordem de suspensão emanada pelo Tribunal, tem por finalidade a retirada da ordem de suspensão de processo que verse sobre questão distinta daquela submetida ao julgamento padronizado e pretendem equalizar a tensão entre os princípios da isonomia e da segurança jurídica, de um lado, e dos princípios da celeridade, economia processual e razoável duração do processo, de outro lado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.846.109-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

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PENHORA É ilegal a decisão judicial que determina a penhora de valores de instituição financeira, no

âmbito de processo do qual não era parte, mas funcionou como auxiliar da justiça

A instituição financeira que cumpre ordem judicial de indisponibilização de saldos encontrados em contas bancárias atua como auxiliar da Justiça.

A atuação dos auxiliares da Justiça é dirigida e orientada pelo Juízo da causa, a quem subordinam-se e submetem-se, mediante regime administrativo, e, por isso, os auxiliares não detêm nenhuma faculdade ou ônus processual, devendo, entretanto, observar os deveres estabelecidos no art. 77 do CPC/2015 (art. 14 do CPC/1973). Assim, os auxiliares da Justiça podem ser responsabilizados civil, administrativa ou penalmente pelos danos que causarem, em razão de dolo ou culpa.

A responsabilidade civil dos auxiliares da Justiça deve ser apurada mediante observância dos princípios do contraditório e ampla defesa, em via processual adequada para sua inclusão como parte.

Exemplo: o Juiz da 3ª Vara Cível determinou ao Banco Itaú que efetuasse o bloqueio dos valores existentes na conta bancária da empresa Fênix S/A. A instituição financeira cumpriu a ordem e foi bloqueado R$ 1 milhão. Passados alguns meses, o Juiz da 3ª Vara Cível determinou a transferência do valor bloqueado. O banco respondeu que o dinheiro não existia mais, uma vez que foi retirado por determinação do Juiz da 5ª Vara Cível, onde tramitava outra execução proposta contra a Fênix S/A. O Juiz da 3ª Vara Cível entendeu que houve descumprimento de ordem judicial e, em razão disso, determinou a penhora do mesmo valor (R$ 1 milhão, com as atualizações) nas contas do Banco Itaú. O STJ considerou que essa determinação foi ilegal.

STJ. 3ª Turma. RMS 49.265-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em um processo de execução que tramitava na 3ª Vara Cível, o Juiz determinou ao Banco Itaú que efetuasse o bloqueio dos valores existentes na conta bancária da empresa Fênix S/A (devedora). A instituição financeira cumpriu a ordem e foi bloqueado R$ 1 milhão. Passados alguns meses, o Juiz da 3ª Vara Cível determinou a transferência do valor bloqueado na conta da Fênix S/A. O banco respondeu que o dinheiro não existia mais, uma vez que foi retirado por determinação do Juiz da 5ª Vara Cível, onde tramitava outra execução proposta contra a Fênix S/A. O Juiz da 3ª Vara Cível entendeu que houve descumprimento de ordem judicial e, em razão disso, determinou a penhora do mesmo valor (R$ 1 milhão, com as atualizações) nas contas do Banco Itaú. Em outras palavras, o magistrado determinou a penhor de dinheiro pertencente à instituição financeira. Diante disso, o Banco impetrou, no Tribunal de Justiça, mandado de segurança contra a ordem do juiz. Primeira pergunta: existia algum recurso que poderia ter sido interposto pelo Banco? SIM. O Banco poderia ter interposto agravo de instrumento como terceiro prejudicado, conforme autoriza o art. 966 do CPC:

Art. 996. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica. Parágrafo único. Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual.

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Mesmo assim, ele poderia ter optado por impetrar mandado de segurança (tal qual foi feito)? SIM. Nesse sentido:

Súmula 202-STJ: A impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso.

Como o TJ manteve a decisão do juiz, o Banco recorreu ao STJ. O que o STJ decidiu? Agiu corretamente o magistrado? NÃO. A instituição financeira, ao cumprir ordem judicial de indisponibilidade de valores depositados por seus clientes, assume a posição de sujeito processual, ainda que não seja parte. Ao desempenhar esse munus, assume deveres e obrigações, de modo que a instituição era responsável pela manutenção dos valores de saldos bancários existentes quando da determinação judicial de indisponibilidade de bens. A instituição financeira, ao atender ordem judicial de penhora online ou bloqueio de contas, desempenha mera atividade auxiliar à administração da Justiça, em complementariedade à atividade jurisdicional e, por isso, subordina-se à autoridade Judiciária. Vale ressaltar, no entanto, que o auxiliar da justiça (em nosso exemplo, o Banco), mesmo sendo um sujeito processual secundário, está sim sujeito à responsabilização civil, administrativa ou penal, por danos decorrentes de omissões, retardamentos ou condutas culposas ou dolosas, devendo observância ao art. 77 do CPC/2015:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. § 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. § 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97. § 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1º, e 536, § 1º. § 5º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2º poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo. (...)

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No caso concreto, o magistrado não puniu o Banco com base no art. 77 do CPC. Não foi aplicada a multa do § 2º do art. 77. O juiz determinou a penhora de valores do Banco sem observar as garantias do contraditório e da ampla defesa, de forma que essa decisão foi considerada ilegal. A eventual responsabilização, por conduta dolosa ou culposa, que não se refira a afronta direta do art. 77 do CPC, não pode resultar na condenação do auxiliar em obrigação de pagar, por resultar em manifesta inobservância ao contraditório. A responsabilidade civil dos auxiliares da Justiça deve ser apurada mediante observância dos princípios do contraditório e ampla defesa, em via processual adequada para sua inclusão como parte. Em suma:

É ilegal a decisão judicial que determina a penhora de valores de instituição financeira, no âmbito de processo do qual não era parte, mas funcionou como auxiliar da justiça. STJ. 3ª Turma. RMS 49.265-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

IMPENHORABILIDADE Os bens da Fundação Habitacional do Exército - FHE são impenhoráveis

A Fundação Habitacional do Exército (FHE) é uma entidade vinculada ao Exército Brasileiro, criada pela Lei nº 6.855/80.

A FHE tem por objetivo facilitar a aquisição da “casa própria” para os militares e demais associados, além de prestar outras formas de “apoio social” aos militares (exs: consórcios, seguros, planos odontológicos etc.).

Os bens da FHE são considerados impenhoráveis em razão de dois motivos:

1) a FHE possui características de autarquia federal (e os bens das autarquias são impenhoráveis);

2) o art. 31 da Lei nº 6.855/80 prevê que o patrimônio da FHE goza dos privilégios próprios da Fazenda Pública, inclusive quanto à impenhorabilidade.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.802.320-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/11/2019 (Info 662).

FHE A Fundação Habitacional do Exército (FHE) é uma entidade vinculada ao Exército Brasileiro, criada pela Lei nº 6.855/80. A FHE é responsável por gerir a Associação de Poupança e Empréstimo – POUPEX. A POUPEX é submetida às normas do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e tem como objetivos: • facilitar a aquisição e a construção da casa própria aos seus associados; • possibilitar, por meio de empréstimos, que a FHE promova empreendimentos habitacionais com condições facilitadas para seus associados.

Desse modo, em última análise, a FHE tem por objetivo facilitar a aquisição da “casa própria” para os militares e demais associados, além de prestar outras formas de “apoio social” aos militares (exs: consórcios, seguros, planos odontológicos etc.). Natureza jurídica De acordo com a Lei nº 6.855/80, a FHE possui personalidade jurídica de direito privado:

Art 1º Fica o Poder Executivo autorizado a instituir, supervisionada pelo Ministério do Exército, a Fundação Habitacional do Exército - FHE, com personalidade jurídica de direito privado e finalidade social, cujo Estatuto será aprovado pelo Presidente da República.

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A FHE é considerada uma fundação pública federal e, portanto, equiparada à entidade autárquica federal, conforme se pode constar pela súmula 324 do STJ:

Súmula 324-STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar ações de que participa a Fundação Habitacional do Exército, equiparada à entidade autárquica federal, supervisionada pelo Ministério do Exército.

A FHE recebe recursos da União? NÃO. Mesmo sem receber recursos da União, a FHE pode ser equiparada a uma autarquia? SIM. A FHC está sujeita à fiscalização e ao controle da União quanto à questão orçamentária (art. 4º da Lei nº 7.750/89). Além disso, tem que se submeter, obrigatoriamente, aos ditames da Lei nº 8.666/93, no sentido e que as alienações de seus imóveis sejam precedidas de regular procedimento licitatório, conforme consignou o Plenário do TCU (Acórdão 1149/2003). Portanto, diante disso, a FHE, ainda que não mais receba recursos orçamentários da União, permanece sendo assemelhada com entidade autárquica federal em razão das suas características peculiares. Impenhorabilidade dos bens Os bens da FHE são considerados impenhoráveis em razão de dois motivos: 1) a FHE possui características de autarquia federal (e os bens das autarquias são impenhoráveis); 2) o art. 31 da Lei nº 6.855/80 prevê que o patrimônio da FHE goza dos privilégios próprios da Fazenda Pública, inclusive quanto à impenhorabilidade:

Art. 31. O patrimônio, a renda e os serviços vinculados às finalidades essenciais da Fundação Habitacional do Exército - FHE, ou delas decorrentes, pela sua origem e natureza, gozam dos privilégios próprios da Fazenda Pública, quanto à imunidade tributária, prazos prescricionais, impenhorabilidade, foro, prazos e custas processuais.

Em suma:

Os bens da Fundação Habitacional do Exército - FHE são impenhoráveis. STJ. 1ª Turma. REsp 1.802.320-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/11/2019 (Info 662).

EXECUÇÃO FISCAL Termo inicial da prescrição para redirecionamento em caso de dissolução irregular da empresa

Importante!!!

i) o prazo de redirecionamento da Execução Fiscal, fixado em cinco anos, contado da diligência de citação da pessoa jurídica, é aplicável quando o referido ato ilícito, previsto no art. 135, III, do CTN, for precedente a esse ato processual;

ii) a citação positiva do sujeito passivo devedor original da obrigação tributária, por si só, não provoca o início do prazo prescricional quando o ato de dissolução irregular for a ela subsequente, uma vez que, em tal circunstância, inexistirá, na aludida data (da citação), pretensão contra os sócios-gerentes (conforme decidido no REsp 1.101.728/SP, no rito do art. 543-C do CPC/1973, o mero inadimplemento da exação não configura ilícito atribuível aos sujeitos de direito descritos no art. 135 do CTN). O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança do crédito dos sócios-gerentes infratores, nesse contexto, é a data da prática de ato inequívoco indicador do intuito de inviabilizar a satisfação do crédito tributário já em

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curso de cobrança executiva promovida contra a empresa contribuinte, a ser demonstrado pelo Fisco, nos termos do art. 593 do CPC/1973 (art. 792 do novo CPC - fraude à execução), combinado com o art. 185 do CTN (presunção de fraude contra a Fazenda Pública); e,

iii) em qualquer hipótese, a decretação da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora (REsp 1.222.444/RS) ou ao ato inequívoco mencionado no item anterior (respectivamente, nos casos de dissolução irregular precedente ou superveniente à citação da empresa), cabendo às instâncias ordinárias o exame dos fatos e provas atinentes à demonstração da prática de atos concretos na direção da cobrança do crédito tributário no decurso do prazo prescricional.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.201.993-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 08/05/2019 (recurso repetitivo - Tema 444) (Info 662).

NOÇÕES GERAIS SOBRE O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL

Execução fiscal Execução fiscal é a ação judicial proposta pela Fazenda Pública (União, Estados, DF, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações) para cobrar do devedor créditos (tributários ou não tributários) inscritos em dívida ativa. A execução fiscal é regida pela Lei nº 6.830/80 (LEF) e, subsidiariamente, pelo CPC. Redirecionamento Quando a Fazenda Pública ajuíza uma execução fiscal contra a empresa e não consegue localizar bens penhoráveis, o CTN prevê a possibilidade de o Fisco REDIRECIONAR a execução incluindo no polo passivo como executadas algumas pessoas físicas que tenham relação com a empresa, desde que fique demonstrado que elas praticaram atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. É o que prevê o art. 135 do CTN:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Assim, os sócios, como regra geral, não respondem pessoalmente (com seu patrimônio pessoal) pelas dívidas da sociedade empresária. Isso porque vigora o princípio da autonomia jurídica da pessoa jurídica em relação aos seus sócios. A pessoa jurídica possui personalidade e patrimônio autônomos, que não se confundem com a personalidade e patrimônio de seus sócios. No entanto, se o sócio praticou atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III), ele utilizou o instituto da personalidade jurídica de forma fraudulenta ou abusiva, podendo, portanto, ser responsabilizado pessoalmente pelos débitos. Vale ressaltar, no entanto, que o simples fato de a pessoa jurídica estar em débito com o Fisco não autoriza que o sócio pague pela dívida com seu patrimônio pessoal. É necessário – repito – que ele tenha praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III). A fim de que não houvesse dúvidas quanto a isso, o STJ editou o seguinte enunciado:

Súmula 430-STJ: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.

A dissolução irregular da empresa caracteriza infração à lei Uma das situações mais comuns em que ocorre o redirecionamento da execução fiscal é quando a

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empresa é dissolvida irregularmente. Se isso acontece, a jurisprudência entende que houve infração à lei (art. 135 do CTN), já que o procedimento para a extinção de sociedades empresárias é disciplinado em lei, devendo ser cumpridas uma série de formalidades, de sorte que se essa dissolução ocorre de forma irregular, a legislação está sendo desrespeitada. Assim, a dissolução irregular constitui, por si só, ato de infração à lei e autoriza o redirecionamento (para a cobrança da dívida ativa tributária e da não tributária). Empresa que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal e não comunica aos órgãos competentes, presume-se que foi dissolvida irregularmente Domicílio tributário (ou fiscal) é o lugar, cadastrado na repartição tributária, onde o sujeito passivo poderá ser encontrado pelo Fisco. Dessa feita, se a Administração Tributária tiver que enviar uma notificação fiscal para aquele contribuinte, deverá encaminhar para o endereço constante como seu domicílio fiscal. As regras para a definição do domicílio tributário estão previstas no art. 127 do CTN. Se a empresa deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, presume-se que ela deixou de existir (foi dissolvida). E o pior: foi dissolvida de forma irregular, o que caracteriza infração à lei e permite o redirecionamento da execução. Assim, por exemplo, em uma execução fiscal, caso não se consiga fazer a citação da empresa porque ela não mais está funcionando no endereço indicado como seu domicílio fiscal, será possível concluir que ela foi dissolvida irregularmente, ensejando o redirecionamento da execução, conforme entendimento sumulado do STJ:

Súmula 435-STJ: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

Segundo explica o Min. Mauro Campbell Marques ao comentar a origem da súmula, “o sócio-gerente tem o dever de manter atualizados os registros empresariais e comerciais, em especial quanto à localização da empresa e a sua dissolução. Ocorre aí uma presunção da ocorrência de ilícito. Este ilícito é justamente a não obediência ao rito próprio para a dissolução empresarial (...)” (REsp 1.371.128-RS). No mesmo sentido, veja a lição do Juiz Federal Mateus Pontalti:

“Como se observa do enunciado, se a pessoa jurídica não for encontrada no endereço que informou ao fisco como sendo o do local em que exerce suas atividades, há uma presunção de que ocorreu a sua dissolução irregular. Isso ocorre com frequência em execuções fiscais movidas pelas fazendas públicas. O Oficial de Justiça dirige-se até a sede do estabelecimento e não encontra a pessoa jurídica. Nesse caso, o fisco pode pedir o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes ou administradores, utilizando-se como fundamento o artigo 135, inciso III, do CTN, e a Súmula 435 do STJ.” (PONTALTI, Mateus. Direito Tributário: sob o enfoque da doutrina e da jurisprudência dominantes. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 351-342).

TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO PARA REDIRECIONAMENTO EM CASO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA

O STJ discutiu, no REsp 1.201.993-SP, qual seria o termo inicial da prescrição para redirecionamento da execução fiscal em um caso específico: a dissolução irregular da empresa. Primeira pergunta: existe um prazo prescricional para o redirecionamento da execução fiscal? Existe um prazo para que o Fisco (exequente) requeira ao juiz que redirecione a execução fiscal (que estava tramitando apenas contra a pessoa jurídica) para incluir também a pessoa física? O legislador não disciplinou, de forma particularizada, a prescrição para as hipóteses de redirecionamento da execução fiscal. Em outras palavras, não existe um dispositivo específico tratando

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sobre o tema. O art. 174 do CTN trata, de forma genérica, sobre prescrição da obrigação tributária:

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Apesar disso, o STJ afirmou, com razão, que o redirecionamento não pode ser imprescritível. Logo, o STJ afirmou que esse mesmo prazo de 5 anos deve ser utilizado para o caso de redirecionamento. Assim, vigora o seguinte: o redirecionamento da execução fiscal deve ocorrer no prazo de 5 anos, sob pena de prescrição. A partir de quando é contado esse prazo? Depende: 1) Se a dissolução irregular (ato ilícito previsto no art. 135, III, do CTN) ocorreu antes da citação da pessoa jurídica: o prazo de 5 anos para redirecionamento será contado da diligência de citação da pessoa jurídica. 2) Se a dissolução irregular ocorreu após a citação da pessoa jurídica (ou seja, no curso da execução fiscal): o prazo de 5 anos para redirecionamento será contado da data em que foi praticado o ato inequívoco indicador do intuito de inviabilizar a satisfação do crédito tributário já em curso. As teses fixadas pelo STJ foram as seguintes:

i) o prazo de redirecionamento da Execução Fiscal, fixado em cinco anos, contado da diligência de citação da pessoa jurídica, é aplicável quando o referido ato ilícito, previsto no art. 135, III, do CTN, for precedente a esse ato processual; ii) a citação positiva do sujeito passivo devedor original da obrigação tributária, por si só, não provoca o início do prazo prescricional quando o ato de dissolução irregular for a ela subsequente, uma vez que, em tal circunstância, inexistirá, na aludida data (da citação), pretensão contra os sócios-gerentes (conforme decidido no REsp 1.101.728/SP, no rito do art. 543-C do CPC/1973, o mero inadimplemento da exação não configura ilícito atribuível aos sujeitos de direito descritos no art. 135 do CTN). O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança do crédito dos sócios-gerentes infratores, nesse contexto, é a data da prática de ato inequívoco indicador do intuito de inviabilizar a satisfação do crédito tributário já em curso de cobrança executiva promovida contra a empresa contribuinte, a ser demonstrado pelo Fisco, nos termos do art. 593 do CPC/1973 (art. 792 do novo CPC - fraude à execução), combinado com o art. 185 do CTN (presunção de fraude contra a Fazenda Pública); e, iii) em qualquer hipótese, a decretação da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora (REsp 1.222.444/RS) ou ao ato inequívoco mencionado no item anterior (respectivamente, nos casos de dissolução irregular precedente ou superveniente à citação da empresa), cabendo às instâncias ordinárias o exame dos fatos e provas atinentes à demonstração da prática de atos concretos na direção da cobrança do crédito tributário no decurso do prazo prescricional. STJ. 1ª Seção. REsp 1.201.993-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 08/05/2019 (recurso repetitivo - Tema 444) (Info 662).

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PROCESSO COLETIVO O MPF possui legitimidade para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de

encargos bancários supostamente abusivos praticados por instituições financeiras privadas

Importante!!!

O Ministério Público Federal possui legitimidade para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de encargos bancários supostamente abusivos praticados por instituições financeiras privadas.

Ex: ação civil pública ajuizada pelo MPF contra diversos bancos privados pedindo para que seja declarada abusiva a cobrança da tarifa bancária pela emissão de cheque de baixo valor.

As atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras, sejam elas públicas ou privadas, estão subordinadas ao conteúdo de normas regulamentares editadas por órgãos federais e de abrangência nacional. Logo, o cumprimento dessas normas por parte dos bancos é um tema de interesse nitidamente federal, suficiente para conferir legitimidade ao Ministério Público Federal para o ajuizamento da ação civil pública.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.573.723-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Imagine a seguinte situação hipotética: Determinado Procurador da República (membro do Ministério Público Federal) ajuizou ação civil pública, na Justiça Federal, contra a União (Conselho Monetário Nacional – CMN), o Banco Central - BACEN e diversos bancos privados (Itaú, Bradesco, Santander, HSBC, entre outros) alegando que tais instituições financeiras privadas estavam cobrando tarifa bancária pela emissão de cheque de baixo valor, o que seria uma prática abusiva, que violaria o Código de Defesa do Consumidor. A União e o Banco Central figuraram no polo passivo da lide porque, segundo o MPF, a Lei nº 4.595/64 atribuiu ao CMN (órgão da União) e ao BACEN o poder-dever de fiscalizar as instituições financeiras, regulamentando, inclusive, as tarifas bancárias que podem ser cobradas dos clientes. Decisão do juiz O magistrado de primeiro grau de jurisdição entendeu que o CMN e o BACEN não teriam legitimidade passiva para figurar na lide. Com a exclusão da União (CMN) e do BACEN da lide, não haveria mais legitimidade para que esta ação fosse proposta pelo MPF na Justiça Federal já que não envolveria mais nenhum órgão ou entidade federal. Vejamos alguns interessantes pontos sobre o tema. O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública discutindo a cobrança de encargos bancários supostamente abusivos? SIM.

O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de tarifas/taxas bancárias supostamente abusivas, por se cuidar de tutela de interesses individuais homogêneos de consumidores/usuários do serviço bancário (art. 81, III, da Lei nº 8.078/90). STJ. 3ª Turma. REsp 1.370.144/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 7/2/2017.

O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central possuem legitimidade passiva para figurar nesta ação? NÃO.

O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central possuem função fiscalizadora e reguladora das atividades das instituições financeiras. Isso, contudo, por si só, não faz com que o CMN e o BACEN tenham interesse jurídico em relação às ações que são propostas contra os bancos. STJ. 3ª Turma. REsp 1303646/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10/05/2016.

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Em regra, esse tipo de demanda coletiva envolve direito contratual e a pretensão buscada é apenas a de se questionar a validade de cláusula inserida nos contratos firmados pelas instituições financeiras com seus clientes. Não se busca questionar a legalidade ou a constitucionalidade de algum ato normativo que tenha sido expedido pelo CMN ou pelo BACEN. Assim, considerando que a ação civil pública proposta pelo MPF não tinha por objetivo questionar a constitucionalidade ou a legalidade de normas editadas pelo BACEN, normalmente fundadas em deliberações do CMN nem tampouco imputar a eles qualquer conduta omissiva, impõe-se reconhecer a ilegitimidade da União e do BACEN para figurar no polo passivo da ação civil pública. O fato de a União e do CMN terem sido excluídos da lide faz com que o processo tenha que ser deslocado para a Justiça Estadual? NÃO. A simples presença do Ministério Público Federal no polo ativo da relação processual é suficiente para manter o processamento da demanda perante a Justiça Federal. Nesse sentido:

A presença do Ministério Público Federal no polo ativo da demanda, por si só, determina a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF, tendo em vista que o MPF é um órgão federal. STJ. 1ª Seção. AgInt no CC 163.268/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 20/8/2019.

As ações propostas pelo MPF deverão ser ajuizadas na Justiça Federal. Isso porque o MPF é órgão da União, o que atrai a competência do art. 109, I, da CF/88. Assim, a competência será determinada, em um primeiro momento, pela parte processual. Num segundo momento, contudo, o Juiz Federal irá averiguar se o MPF é parte legítima. Se o MPF for parte legítima, perpetua-se a competência na Justiça Federal. Por outro lado, se for parte ilegítima, deverá determinar o deslocamento da competência para a Justiça Estadual. Desse modo, a circunstância de o Ministério Público Federal figurar como parte na lide não é suficiente para determinar a perpetuação da competência da Justiça Federal para o julgamento da ação. STF. Plenário. RE 669952 AgR-ED, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 09/11/2016.

Como bem advertiu o Ministro Herman Benjamin, “(...) a questão de uma ação ter sido ajuizada pelo MPF não garante que ela terá sentença de mérito na Justiça Federal, pois é possível que se conclua pela ilegitimidade ativa do Parquet Federal, diante de eventual falta de atribuição para atuar no feito” (STJ. 2ª Turma. REsp 1.804.943/PB, julgado em 25/6/2019). O MPF possui legitimidade ativa para propor ACP contra instituições financeiras privadas? SIM. O Ministério Público Federal terá legitimidade para o ajuizamento de ações civis públicas sempre que ficar evidenciado o envolvimento de interesses nitidamente federais, assim considerados em virtude dos bens e valores a que se visa tutelar. Segundo o art. 21, VIII, da CF/88:

Art. 21. Compete à União: (...) VIII - administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada;

Os art. 4º, VIII e 9º, da Lei nº 4.595/64 preveem:

Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:

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(...) VIII - Regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a esta lei, bem como a aplicação das penalidades previstas;

Art. 9º Compete ao Banco Central da República do Brasil cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Desse modo, verifica-se que as atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras, sejam elas públicas ou privadas, estão subordinadas ao conteúdo de normas regulamentares editadas por órgãos federais e de abrangência nacional. Logo, o cumprimento dessas normas por parte dos bancos é um tema de interesse nitidamente federal, suficiente para conferir legitimidade ao Ministério Público Federal para o ajuizamento da ação civil pública. Em suma:

O Ministério Público Federal possui legitimidade para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de encargos bancários supostamente abusivos praticados por instituições financeiras privadas. STJ. 3ª Turma. REsp 1.573.723-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Tema correlato:

Município tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias. STJ. 3ª Turma. REsp 1.509.586-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/05/2018 (Info 626).

(Juiz TJ/BA 2019 CEBRASPE) O município não possui legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em defesa de servidores a ele vinculados, questionando a cobrança de tarifas bancárias de renovação de cadastro, uma vez que a proteção de direitos individuais homogêneos não está incluída em sua função constitucional. (errado)

AÇÃO POPULAR Em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local; contudo, diante das peculiaridades, as ações envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho devem ser julgadas pelo juízo do local do fato

Em 2019, houve o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério, localizada em Brumadinho (MG). O rompimento resultou em um terrível desastre ambiental e humanitário.

Felipe, na condição de cidadão, ajuizou ação popular contra a União, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., pedindo para que os réus fossem condenados a recuperar o meio ambiente degradado, pagar indenização pelos danos causados e pagar multa por dano ambiental.

Como Felipe mora em Campinas (SP), ele ajuizou a ação no foro de seu domicílio e a demanda foi distribuída para a 2ª Vara Federal de Campinas (SP).

Ocorre que na 17ª Vara Federal de Minas Gerais existem ações individuais, ações populares e ações civis públicas tramitando contra os mesmos réus e envolvendo pedidos semelhantes a essa ação popular ajuizada em Campinas.

Quem é competente para julgar esta ação popular: o juízo do domicílio do autor ou o juízo do local em que se consumou o ato danoso? O juízo do local onde se consumou o dano (17ª Vara Federal de Minas Gerais).

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Regra geral: em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local. Isso porque como a ação popular representa um direito político fundamental, deve-se facilitar o seu exercício.

Exceção: o STJ entendeu que o caso concreto envolvendo Brumadinho era excepcional com inegáveis peculiaridades que impõem a adoção de uma solução diferente para evitar tumulto processual em uma situação de enorme magnitude social, econômica e ambiental. Assim, para o STJ é necessário superar, excepcionalmente, a regra geral. Entendeu-se que seria necessário adotar uma saída pragmática para permitir uma resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos desta grande tragédia.

A regra geral do STJ deve ser usada quando a ação popular for isolada. Contudo, no caso de Brumadinho havia uma ação popular em Campinas (SP) competindo e concorrendo com várias outras ações populares e ações civis públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais tramitando em MG, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente, deve ser eleito o foro do local do fato.

Em face da magnitude econômica, social e ambiental do caso concreto, é possível a fixação do juízo do local do fato para o julgamento de ação popular que concorre com diversas outras ações individuais, populares e civis públicas decorrentes do mesmo dano ambiental.

STJ. 1ª Seção. CC 164.362-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/06/2019 (Info 662).

Rompimento da barragem de Brumadinho Em 25 de janeiro de 2019, houve o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério, localizada no Município de Brumadinho (MG). A barragem era de responsabilidade da mineradora Vale S.A. O rompimento resultou em um terrível desastre ambiental e humanitário, com inúmeros mortos e uma grande poluição. Ação popular Felipe, na condição de cidadão, ajuizou ação popular contra a União, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., pedindo para que os réus fossem condenados a: 1) recuperar o meio ambiente degradado pelo rompimento; 2) pagar indenização pelos danos materiais e morais causados; 3) pagar multa por dano ambiental. Como Felipe mora em Campinas (SP), ele ajuizou a ação no foro de seu domicílio e a demanda foi distribuída para a 2ª Vara Federal de Campinas (SP). Um dos dispositivos invocados para a firmar a competência foi o art. 51, parágrafo único do CPC:

Art. 51. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União. Parágrafo único. Se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal.

Outras ações tramitando na Justiça Federal de MG Na 17ª Vara Federal de Minas Gerais existem ações individuais, ações populares e ações civis públicas tramitando contra os mesmos réus e envolvendo pedidos semelhantes a essa ação popular ajuizada em Campinas. Ao tomar conhecimento disso, o Juízo da 2ª Vara Federal de Campinas remeteu os autos da ação popular para a 17ª Vara Federal de Minas Gerais por entender que o foro competente, na situação específica dos autos, não se enquadra na regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local em que ocorreu a tragédia.

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A questão chegou até o STJ. O que foi decidido? Quem é competente para julgar esta ação popular: o juízo do domicílio do autor ou o juízo do local em que se consumou o ato danoso? O juízo do local em que se consumou o ato danoso. Vamos entender com calma. Competência territorial da ação popular A ação popular é prevista no art. 5º, LXXIII, da CF/88:

Art. 5º (...) LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

No âmbito infraconstitucional, esta ação é regulamentada pela Lei nº 4.717/65, recepcionada pela CF/88. O art. 5º da Lei nº 4.717/65 trata sobre a competência da ação popular, mas não traz nenhuma regra sobre a competência territorial. O art. 22 da Lei afirma que devem ser aplicadas, subsidiariamente, as regras do CPC, naquilo que não contrariar os dispositivos da lei nem a natureza específica da ação. Regra geral O art. 51, parágrafo único, do CPC autoriza que o autor da ação popular ajuíze a ação tanto no foro de seu domicílio como também no local onde ocorreu o fato. Sendo igualmente competentes o juízo do domicílio do autor popular e o do local onde houver ocorrido o dano (local do fato), o STJ afirma que, como regra, a competência para examinar o feito é daquele em que haja menor dificuldade para o exercício da ação popular. Veja o leading case sobre o tema no STJ:

(...) 1. Não havendo dúvidas quanto à competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação popular proposta em face da União, cabe, no presente conflito, determinar o foro competente para tanto: se o de Brasília (local em que se consumou o ato danoso), ou do Rio de Janeiro (domicílio do autor). 2. A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 5º, LXXIII, que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". Tal ação é regulada pela Lei 4.717/65, recepcionada pela Carta Magna. 3. O art. 5º da referida norma legal determina que a competência para processamento e julgamento da ação popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União, e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/65, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a ação popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, em seu art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos da Lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para se fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da ação popular, isto é, o que esse instrumento previsto na Carta Magna, e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar. 4. Segundo a doutrina, o direito do cidadão de promover a ação popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal. Caracteriza, a ação popular, um instrumento que garante à coletividade a oportunidade de fiscalizar os atos praticados pelos governantes, de modo a poder impugnar qualquer medida tomada que cause danos à sociedade como um todo, ou seja, visa a proteger direitos transindividuais. Não pode, por conseguinte, o exercício desse direito sofrer restrições, isto é, não se pode admitir a criação de entraves que venham a inibir a atuação do cidadão na proteção de interesses que dizem respeito a toda a coletividade.

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5. Assim, tem-se por desarrazoado determinar-se como foro competente para julgamento da ação popular, na presente hipótese, o do local em que se consumou o ato, ou seja, o de Brasília. Isso porque tal entendimento dificultaria a atuação do autor, que tem domicílio no Rio de Janeiro. 6. Considerando a necessidade de assegurar o cumprimento do preceito constitucional que garante a todo cidadão a defesa de interesses coletivos (art. 5º, LXXIII), devem ser empregadas as regras de competência constantes do Código de Processo Civil - cuja aplicação está prevista na Lei 4.717/65 -, haja vista serem as que melhor atendem a esse propósito. (...) STJ. 1ª Seção. CC 47.950/DF, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 11/04/2007.

Assim, como regra geral, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local. Isso porque como a ação popular representa um direito político fundamental, deve-se facilitar o seu exercício. Exceção O STJ entendeu que caso concreto envolvendo Brumadinho era excepcional com inegáveis peculiaridades que impõem a adoção de uma solução diferente para evitar tumulto processual em uma situação de enorme magnitude social, econômica e ambiental. Assim, para o STJ é necessário superar, excepcionalmente, a regra geral. Entendeu-se que seria necessário adotar uma saída pragmática para permitir uma resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos desta grande tragédia. Diante disso, o STJ entendeu que:

Em face da magnitude econômica, social e ambiental do caso concreto (responsabilidade civil e ambiental envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho), é possível a fixação do juízo do local do fato para o julgamento de ação popular que concorre com diversas outras ações individuais, populares e civis públicas decorrentes do mesmo dano ambiental. STJ. 1ª Seção. CC 164.362-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/06/2019 (Info 662).

Distinguishing Vale ressaltar que a solução encontrada é de distinguishing à luz de peculiaridades do caso concreto. Isso significa que não houve uma “revogação universal” (superação) do entendimento do STJ sobre a competência para a ação popular. Logo, o entendimento tradicional do STJ (CC 47.950/DF) deve ser mantido como regra geral. O que se fez foi abrir uma exceção no caso de Brumadinho. A regra geral do STJ deve ser usada quando a ação popular for isolada. Contudo, no caso de Brumadinho havia uma ação popular em Campinas (SP) competindo e concorrendo com várias outras ações populares e ações civis públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais tramitando em MG, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente, deve ser eleito o foro do local do fato. Ação popular em temas ambientais A definição do foro competente para a apreciação da ação popular em temas como o de direito ambiental exige a aplicação, por analogia, da regra pertinente contida no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

Tal medida se mostra consentânea com os princípios do Direito Ambiental, por assegurar a apuração dos fatos pelo órgão judicante que detém maior proximidade com o local do dano e, portanto, revela melhor

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capacidade de colher as provas de maneira célere e de examiná-las no contexto de sua produção. É verdade que, ao instituir a ação popular, o legislador constituinte buscou privilegiar o exercício da fiscalização e da própria democracia pelo cidadão. Disso não decorre, contudo, que as ações populares devam ser sempre distribuídas no foro mais conveniente a ele; neste caso, o de seu domicílio. Isso porque, casos haverá, como o destes autos, em que a defesa do interesse coletivo será mais bem realizada no local do ato que, por meio da ação, o cidadão pretenda ver anulado. Nessas hipóteses, a sobreposição do foro do domicílio do autor ao foro onde ocorreu o dano ambiental acarretará prejuízo ao próprio interesse material coletivo tutelado por intermédio desta ação, em benefício do interesse processual individual do cidadão, em manifesta afronta à finalidade mesma da demanda por ele ajuizada. Ausência de prejuízo para o autor da ação popular Vale ressaltar, por fim, que devido ao processamento eletrônico, as dificuldades decorrentes da redistribuição para local distante do domicílio do autor são significativamente minimizadas, se não totalmente afastadas, em decorrência da possibilidade de acesso integral aos autos por meio do sistema de movimentação processual. Conclusão Ante o exposto, na presente situação envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, é mais razoável determinar que a ação popular que pede a responsabilização pelos danos ocorridos seja julgada pelo juízo do local do fato.

DIREITO PENAL

MEDIDA DE SEGURANÇA Na aplicação do art. 97 do CP não deve ser considerada a natureza da pena privativa de

liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável

Importante!!!

Segundo o art. 97 do CP:

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

Assim, se fosse adotada a redação literal do art. 97 teríamos o seguinte cenário:

• Se o agente praticou fato punido com RECLUSÃO, ele receberá, obrigatoriamente, a medida de internação.

• Por outro lado, se o agente praticou fato punido com DETENÇÃO, o juiz, com base na periculosidade do agente, poderá submetê-lo à medida de internação ou tratamento ambulatorial.

O STJ, contudo, abrandou a regra legal e construiu a tese de que o art. 97 do CP não deve ser aplicado de forma isolada, devendo analisar também qual é a medida de segurança que melhor se ajusta à natureza do tratamento de que necessita o inimputável.

Em outras palavras, o STJ afirmou o seguinte: mesmo que o inimputável tenha praticado um fato previsto como crime punível com reclusão, ainda assim será possível submetê-lo a tratamento ambulatorial (não precisando ser internação), desde que fique demonstrado que essa é a medida de segurança que melhor se ajusta ao caso concreto.

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À luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, na fixação da espécie de medida de segurança a ser aplicada não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável.

Desse modo, mesmo em se tratando de delito punível com reclusão, é facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável.

STJ. 3ª Seção. EREsp 998.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/11/2019 (Info 662).

Conceito e natureza jurídica Sanção penal é a resposta dada pelo Estado à pessoa que praticou uma infração penal. Existem duas espécies de sanção penal: a) pena; b) medida de segurança. “Medida de segurança é a modalidade de sanção penal com finalidade exclusivamente preventiva, e de caráter terapêutico, destinada a tratar inimputáveis e semi-imputáveis portadores de periculosidade, com o escopo de evitar a prática de futuras infrações penais.” (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 815). Assim, a medida de segurança é aplicável para o indivíduo que praticou uma conduta típica e ilícita, mas, no tempo do fato, ele era totalmente incapaz (inimputável) ou parcialmente capaz (semi-imputável) de entender o caráter ilícito de sua conduta e de se autodeterminar segundo tal entendimento. Em razão disso, em vez de receber uma pena, ele estará sujeito a receber uma medida de segurança (AVENA, Norberto. Execução penal esquematizado. São Paulo: Método, p. 363). Qual é o procedimento necessário para se constatar a necessidade ou não de aplicação da medida de segurança? Se houver séria dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz determina a instauração de um incidente de insanidade mental. O réu será submetido a um exame médico-legal que irá diagnosticar se ele, ao tempo da ação ou da omissão criminosa, tinha capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Quais as conclusões que o juiz pode chegar com o incidente de insanidade? Após o incidente e com base nas conclusões do médico perito, o juiz poderá concluir que o réu é... • imputável: nesse caso, ele será julgado normalmente e poderá ser condenado a uma pena; • inimputável: se ficar provado que o agente é inimputável, ou seja, que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado ele era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, ele ficará isento de pena (art. 26 do CP) e poderá ou não receber uma medida de segurança, a depender de existirem ou não provas de que praticou fato típico e ilícito; • semi-imputável: se ficar provado que, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o agente não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, ele poderá: 1) ser condenado, mas sua pena será reduzida de 1/3 a 2/3, nos termos do parágrafo único do art. 26 do CP; OU 2) receber medida de segurança, se ficar comprovado que necessita de especial tratamento curativo (art. 98 do CP). Espécies de medida de segurança Existem duas espécies de medida de segurança (art. 96 do CP):

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DETENTIVA (INTERNAÇÃO) RESTRITIVA (TRATAMENTO AMBULATORIAL)

Consiste na internação do agente em um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Obs.: se não houver hospital de custódia, a internação deverá ocorrer em outro estabelecimento adequado.

Consiste na determinação de que o agente se sujeite a tratamento ambulatorial.

É chamada de detentiva porque representa uma forma de privação da liberdade do agente.

O agente permanece livre, mas tem uma restrição em seu direito, qual seja, a obrigação de se submeter a tratamento ambulatorial.

Critério para escolha da internação ou tratamento ambulatorial Segundo o art. 97 do CP:

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

Assim, se fosse adotada a redação literal do art. 97 teríamos o seguinte cenário: • Se o agente praticasse fato punido com RECLUSÃO, ele receberia, obrigatoriamente, a medida de internação. • Por outro lado, se o agente praticasse fato punido com DETENÇÃO, o juiz, com base na periculosidade do agente, poderia submetê-lo à medida de internação ou tratamento ambulatorial. O STJ aplica a regra do caput do art. 97 do CP de forma absoluta? NÃO. Esse critério previsto no caput do art. 97 do CP sempre foi alvo de críticas da doutrina. Isso porque ele determina a internação com base apenas na pena abstratamente prevista para o fato praticado. Assim, pela literalidade do dispositivo, se o fato praticado fosse punido com reclusão, o juiz não teria opção e deveria aplicar, obrigatoriamente, a internação para o inimputável. Ocorre que o melhor critério para definir se é internação ou tratamento ambulatorial deve ser o grau de periculosidade do agente, no caso concreto. Em virtude disso, o STJ abrandou a regra legal e construiu a tese de que o art. 97 do CP não deve ser aplicado de forma isolada, devendo analisar também qual é a medida de segurança que melhor se ajusta à natureza do tratamento de que necessita o inimputável. Em outras palavras, o STJ afirmou o seguinte: mesmo que o inimputável tenha praticado um fato previsto como crime punível com reclusão, ainda assim será possível submetê-lo a tratamento ambulatorial (não precisando ser internação), desde que fique demonstrado que essa é a medida de segurança que melhor se ajusta ao caso concreto. A escolha da medida de segurança a ser aplicada não está relacionada com a gravidade do delito, mas sim com a periculosidade do agente. Logo, é cabível ao magistrado a opção por tratamento mais apropriado ao inimputável, independentemente de o fato ser punível com reclusão ou detenção. Em suma:

À luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, na fixação da espécie de medida de segurança a ser aplicada não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável. Desse modo, mesmo em se tratando de delito punível com reclusão, é facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável. STJ. 3ª Seção. EREsp 998.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/11/2019 (Info 662).

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Veja como o tema já foi cobrado em prova: (DPE/CE 2014 FCC) A medida de segurança a) consistente em internação só pode ser cumprida em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. b) consistente em tratamento ambulatorial pode ser aplicada, se favorável o parecer médico, ao autor de fato típico punido com reclusão, segundo entendimento jurisprudencial. c) pode ser imposta por tempo indeterminado, em substituição da pena privativa de liberdade, se sobrevier doença mental no curso da execução. d) não pode ser imposta se extinta a punibilidade apenas na hipótese de prescrição. e) pode ser imposta ao autor de fato típico que tenha atuado sob o amparo de excludente da ilicitude.

Gabarito: letra B

LEI DE DROGAS A reincidência de que trata o § 4º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 é a específica

Importante!!!

O art. 28 da Lei nº 11.343/2006 prevê o crime de porte de drogas para consumo pessoal.

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Em regra, as penas dos incisos II e III só podem ser aplicadas pelo prazo máximo de 5 meses.

O § 4º prevê que: “em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.”

A reincidência de que trata o § 4º é a reincidência específica.

Assim, se um indivíduo já condenado definitivamente por roubo, pratica o crime do art. 28, ele não se enquadra no § 4º. Isso porque se trata de reincidente genérico.

O § 4º ao falar de reincidente, está se referindo ao crime do caput do art. 28.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.771.304-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Imagine a seguinte situação hipotética: João possui uma condenação criminal transitada em julgado por roubo. Determinado dia, ele foi encontrado com uma pequena quantidade de crack, que é a cocaína solidificada em forma de cristais. João foi condenado por porte de droga para consumo pessoal, delito previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

O juiz aplicou uma pena de 10 meses de serviços à comunidade pelo fato de João ser reincidente, nos termos do § 4º do art. 28:

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Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 57

Art. 28 (...) § 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

Para o STJ, agiu corretamente o magistrado? NÃO. Isso porque:

A reincidência de que trata o § 4º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 é a específica. Segundo a interpretação topográfica (que leva em consideração à posição dos artigos, parágrafos, incisos), os parágrafos não são unidades autônomas, estando vinculadas ao caput do artigo a que se referem. Logo, quando o § 4º fala em reincidência, quer se referir à nova prática do mesmo crime previsto no caput do art. 28. STJ. 6ª Turma. REsp 1.771.304-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

Reincidência genérica x reincidência específica • Reincidência genérica: ocorre quando o crime anterior e o novo delito são de espécies diferentes. Ex: cometeu um roubo e, depois, praticou o delito do art. 28 da Lei de Drogas. • Reincidência específica: ocorre quando o crime anterior e o novo delito praticado são da mesma espécie. Ex: praticou um roubo e, depois, um novo roubo. No caso concreto, João é reincidente. No entanto, ele é reincidente genérico. Por isso, o prazo máximo de prestação de serviços à comunidade é de 5 meses, nos termos do art. 28, § 3º da Lei de Drogas.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

EXECUÇÃO PENAL Mesmo que na sentença condenatória não tenha constado expressamente que o réu é

reincidente, o juízo da execução penal poderá reconhecer essa circunstância para fins de conceder ou não os benefícios, como, por exemplo, a progressão de regime

Importante!!!

Suponhamos que na sentença condenatória não constou que o apenado é reincidente. O juízo da execução, contudo, na fase de cumprimento da pena, percebeu que o condenado é reincidente. O juízo da execução penal poderá reconhecer essa circunstância negativa no momento de analisar se concede ou não os benefícios (ex: progressão).

O Juízo da Execução pode promover a retificação do atestado de pena para constar a reincidência, com todos os consectários daí decorrentes, ainda que não esteja reconhecida expressamente na sentença penal condenatória transitada em julgado.

STJ. 3ª Seção. EREsp 1.738.968-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/11/2019 (Info 662).

Reincidência influencia na concessão de benefícios da execução penal Se o condenado é reincidente ele terá requisitos mais gravosos no momento de receber eventuais benefícios na execução penal. É o caso, por exemplo, da progressão de regime.

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Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 58

Se o condenado por crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça for primário, ele poderá progredir após cumprir 16% da pena. Por outro lado, se for reincidente, terá que cumprir 20% da pena. É o que preveem os incisos I e II do art. 112 da LEP:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; (...)

Suponhamos que na sentença condenatória não constou que o apenado é reincidente. O juízo da execução, contudo, na fase de cumprimento da pena, percebeu que o condenado é reincidente. O juízo da execução penal poderá reconhecer essa circunstância negativa no momento de analisar se concede ou não os benefícios (ex: progressão)? Para facilitar o entendimento, imagine a seguinte situação hipotética: Em 2015, João praticou o crime “A”, tendo sido condenado em 2016, com trânsito em julgado. Em 2017, João cometeu o crime “B”, tendo sido condenado em 2018, com trânsito em julgado. O juízo que condenou João pelo crime “B” deveria ter reconhecido que ele é reincidente. Contudo, isso não constou expressamente na sentença. Diante disso, na guia de execução penal de João ficou registrada a informação de que ele seria primário. João iniciou o cumprimento da pena. O juízo da execução penal percebeu que o apenado é reincidente e que o atestado de pena está errado (consta que o condenado é primário). O juízo da execução penal poderá determinar a retificação do atestado de pena e considerar, para todos os efeitos, que o condenado é reincidente mesmo isso não tendo constado expressamente na sentença? SIM. Na condução da execução penal, o magistrado deverá fazer cumprir aquilo que consta na sentença (título executivo penal) a respeito do quantum da pena, do regime inicial, bem como do fato de ter sido a pena privativa de liberdade substituída ou não por restritiva de direitos. Por outro lado, as condições pessoais do condenado, como, por exemplo, a reincidência, podem e devem ser analisadas pelo juízo da execução penal, independentemente de tal condição ter sido considerada na sentença condenatória. Isso porque é também atribuição do juízo da execução individualizar a pena. Conforme explica a doutrina:

“A individualização da pena no processo de conhecimento visa aferir e quantificar a culpa exteriorizada no fato passado. A individualização no processo de execução visa propiciar oportunidade para o livre desenvolvimento presente e efetivar a mínima dessocialização possível. Daí caber à autoridade judicial adequar a pena às condições pessoais do sentenciado.” (BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São Paulo: RT, 2001, p. 23).

A individualização da pena se realiza, essencialmente, em três momentos: a) na cominação da pena em abstrato ao tipo legal, pelo Legislador; b) na sentença penal condenatória, pelo Juízo de conhecimento; e c) na execução penal, pelo Juízo das Execuções.

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O reconhecimento da reincidência apenas pelo juízo da execução penal representaria reformatio in pejus ou afronta à coisa julgada? NÃO. Isso porque não há desrespeito ao comando da sentença considerando que não haverá o agravamento da pena estabelecida no título executivo nem modificação do regime inicial para um mais severo. O reconhecimento da reincidência ocorrerá para fins de progressão de regime, livramento condicional e outros institutos diretamente ligados à execução penal e que não são tratados na sentença condenatória. O reconhecimento da reincidência no processo de conhecimento possui fins específicos, quais sejam, agravar a pena e trazer mais rigor ao regime prisional inicial. O reconhecimento da reincidência no processo de execução tem outras finalidades, que estão diretamente relacionadas com os benefícios do cumprimento da pena. Assim, a intangibilidade da sentença penal condenatória transitada em julgado não retira do Juízo das Execuções Penais o dever de adequar o cumprimento da sanção penal às condições pessoais do réu. Em suma:

O Juízo da Execução pode promover a retificação do atestado de pena para constar a reincidência, com todos os consectários daí decorrentes, ainda que não esteja reconhecida expressamente na sentença penal condenatória transitada em julgado. STJ. 3ª Seção. EREsp 1.738.968-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/11/2019 (Info 662).

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMPOSTO DE RENDA Não tendo participado do fato gerador do tributo, a declaração conjunta de imposto de renda não

torna o cônjuge corresponsável pela dívida tributária dos rendimentos percebidos pelo outro

Não tendo participado do fato gerador do tributo, a declaração conjunta de imposto de renda não torna o cônjuge corresponsável pela dívida tributária dos rendimentos percebidos pelo outro.

Exemplo hipotético: João e Carla são casados. Eles fizeram uma declaração conjunta do imposto de renda. Ocorre que não se declarou que Carla recebeu R$ 10 mil por serviços prestados para uma determinada empresa. Houve, portanto, omissão de rendimentos recebidos. Ao detectar a omissão, a Receita Federal fez lançamento de auto de infração contra Carla e João. Não poderia ter feito contra João. O fato gerador (renda auferida com os serviços prestados) foi praticado apenas pela mulher. Logo, o marido não pode ser considerado como solidariamente obrigado.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.273.396-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 05/12/2019 (Info 662).

Declaração conjunta do imposto de renda No momento da declaração do imposto de renda, as pessoas que são casadas possuem duas opções: • podem fazer a declaração separada (cada um faz a sua); ou • podem apresentar uma declaração conjunta na qual todos os rendimentos do marido e da mulher devem ser declarados. João e Carla são casados. Eles fizeram uma declaração conjunta do imposto de renda. Ocorre que não se declarou que Carla recebeu R$ 10 mil por serviços prestados para uma determinada

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Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 60

empresa. Houve, portanto, omissão de rendimentos recebidos. Ao detectar a omissão, a Receita Federal fez lançamento de auto de infração contra Carla e João. Para o Fisco, João seria solidariamente obrigado com base no art. 124, do CTN:

Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

Agiu corretamente a Receita? É possível a cobrança da dívida também de João, mesmo que o rendimento não tenha sido auferido por ele pelo simples fato de a declaração ter sido conjunta? NÃO. Para que haja a solidariedade do art. 124 do CTN é necessária a prática conjunta do fato gerador A responsabilidade solidária somente pode ser atribuída a terceiro que tenha relação com o fato gerador da obrigação tributária. Assim, para que haja solidariedade, é necessário que as pessoas tenham praticado conjuntamente o fato gerador. No caso, o fato gerador (renda auferida com os serviços prestados) foi praticado apenas pela mulher. Logo, o marido não pode ser considerado como solidariamente obrigado. O fato de a renda auferida por um dos cônjuges ser, em tese, usufruída por ambos não os torna corresponsáveis pela obrigação tributária sobre tais rendimentos. A corresponsabilidade somente se caracteriza quando há interesse comum na situação que conforma o fato gerador, mas não na fruição comum da riqueza percebida por um dos parceiros. Em matéria tributária, somente a lei pode instituir a obrigação, não sendo possível que o Fisco crie, administrativamente, novas hipóteses de obrigação tributária não previstas na lei, hipóteses obrigacionais. O fato de a declaração ter sido conjunta não gera solidariedade Vale ressaltar que a entrega da declaração de rendimentos tem natureza jurídica de mera obrigação tributária acessória. Trata-se apenas do ato formal realizado pelo contribuinte, pelo qual este leva ao conhecimento da autoridade fiscal a ocorrência do fato gerador e demais elementos necessários à realização do lançamento tributário. Logo, o fato de ter sido feita a declaração conjunta não gera corresponsabilidade considerando que esta somente se caracteriza nas hipóteses do art. 124 do CTN. Como a declaração do imposto de renda é apenas uma obrigação acessória, ela não tem o condão de alterar a sujeição passiva da obrigação tributária. Mesmo no caso do inciso II do art. 124 é necessário que haja um interesse jurídico da pessoa para ela ser considerada devedora solidária O inciso II do art. 124 do CTN estabelece a responsabilidade solidária por força de lei. No entanto, mesmo nesse caso, não se pode considerar que seja dado ao legislador amplos poderes para eleger qualquer pessoa como solidariamente responsável pela obrigação tributária. Assim, a lei que foi editada prevendo a responsabilidade solidária somente pode atribuir o dever de recolher o tributo, originalmente devido pelo contribuinte, se existir interesse jurídico entre o sujeito passivo indireto e o fato gerador. Em suma:

Não tendo participado do fato gerador do tributo, a declaração conjunta de imposto de renda não torna o cônjuge corresponsável pela dívida tributária dos rendimentos percebidos pelo outro. STJ. 1ª Turma. REsp 1.273.396-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 05/12/2019 (Info 662).

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IMPOSTO DE RENDA A isenção de quota condominial do síndico não configura renda

para fins de incidência do Imposto de Renda de Pessoa Física

Importante!!!

O imposto de renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza.

Renda, para fins de incidência tributária, pressupõe acréscimo patrimonial ao longo de determinado período, ou seja, riqueza nova agregada ao patrimônio do contribuinte.

A quota condominial é a obrigação mensal imposta a todos os condôminos para cobrir gastos necessários à manutenção de um condomínio. Trata-se, portanto, de uma despesa, um encargo que é suportado pelos condôminos.

Assim, a dispensa do pagamento das taxas condominiais concedida ao síndico pelo trabalho por ele exercido não pode ser considerada como pró-labore, rendimento nem tampouco como acréscimo patrimonial. Logo, não está sujeita à incidência do imposto de renda, sob pena, inclusive, de violar o princípio da capacidade contributiva.

Quando o síndico deixa de pagar a quota condominial não há uma alteração entre o patrimônio preexistente e o novo. Não há o ingresso de riqueza nova em seu patrimônio que justifique a inclusão do valor correspondente à sua quota condominial como ganho patrimonial na apuração anual de rendimentos tributáveis.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.606.234-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 05/12/2019 (Info 662).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é síndico do condomínio “Vista Bela”. Os moradores do condomínio pagam uma quota condominial de R$ 2 mil. A convenção condominial prevê que o síndico fica dispensado do pagamento da quota condominial, ou seja, ele é “isento” deste pagamento. Isso significa que, na prática, todos os meses João “economiza” R$ 2 mil em virtude de seu trabalho como síndico. A pergunta que surge é a seguinte: esse valor de R$ 2 mil pode ser considerado uma espécie de renda para fins tributários? João tem que pagar imposto de renda sobre esse valor? NÃO. Fato gerador do IR e conceito de renda O fato gerador do imposto de renda, segundo o art. 43 do CTN, é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, sendo certo que o conceito de renda envolve o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Confira o dispositivo legal:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. § 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. § 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.

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Renda, para fins de incidência tributária, pressupõe acréscimo patrimonial ao longo de determinado período, ou seja, riqueza nova agregada ao patrimônio do contribuinte. A dispensa do pagamento da taxa condominial não pode ser considerada pró-labore, rendimento nem acréscimo patrimonial A quota condominial é a obrigação mensal imposta a todos os condôminos para cobrir gastos necessários à manutenção de um condomínio. Trata-se, portanto, de uma despesa, um encargo que é suportado pelos condôminos. Assim, a dispensa do pagamento das taxas condominiais concedida ao síndico pelo trabalho por ele exercido não pode ser considerada como pró-labore, rendimento nem tampouco como acréscimo patrimonial. Logo, não está sujeita à incidência do imposto de renda, sob pena, inclusive, de violar o princípio da capacidade contributiva. Quando o síndico deixa de pagar a quota condominial não há uma alteração entre o patrimônio preexistente e o novo. Não há o ingresso de riqueza nova em seu patrimônio que justifique a inclusão do valor correspondente à sua quota condominial como ganho patrimonial na apuração anual de rendimentos tributáveis. A interpretação das regras tributárias deve ser feita com base nos princípios regedores da atividade estatal tributária, cujo objetivo é proteger o contribuinte do Estado-fisco. Por tal motivo, não se pode, do ponto de vista jurídico-tributário, elastecer conceitos ou compreensões, para definir obrigação em contexto que não se revele prévia e tipicamente configurador de fato gerador. Em suma:

A isenção de quota condominial do síndico não configura renda para fins de incidência do Imposto de Renda de Pessoa Física. STJ. 1ª Turma. REsp 1.606.234-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 05/12/2019 (Info 662).

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

SALÁRIO DE BENEFÍCIO Aposentado pode pedir revisão para incluir salários anteriores a 1994 no cálculo do benefício

(STJ admite a chamada “revisão da vida toda” no cálculo da aposentadoria)

Importante!!!

Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei nº 8.213/91, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/99.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.596.203-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 11/12/2019 (recurso repetitivo - Tema 999) (Info 662).

Obs: na prática forense, isso ficou conhecido como “revisão da vida toda”.

Forma de cálculo do salário de benefício A Lei nº 8.213/91 trata sobre as regras aplicáveis aos benefícios pagos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). O art. 29 desta lei prevê a forma como será calculado o salário de benefício.

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Antes de prosseguirmos, o que é o salário de benefício? Salário de benefício (SB) é um valor utilizado como base para se calcular a renda mensal do benefício que será pago. Em outras palavras, o SB é a base de cálculo utilizada para se estimar o valor do benefício que será pago. Sobre o valor do SB incidirá uma alíquota prevista em lei e, assim, calcula-se o valor da renda mensal do benefício (RMB). Ex: o RMB da pensão por morte é igual a 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento. Redação original do art. 29 O art. 29 da Lei nº 8.213/91, em sua redação original, determinava que o salário de benefício seria calculado a partir da média aritmética dos últimos salários de contribuição do segurado, com algumas condicionantes. Veja:

Art. 29. O salário-de-benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses. (Redação anterior à Lei nº 9.876/99)

Lei nº 9.876/99 Em 1999, foi editada a Lei nº 9.876, que alterou o art. 29, prevendo nova regra para o cálculo do salário de benefício. Confira a redação atual:

Art. 29. O salário-de-benefício consiste: I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário; II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo. (Redação dada pela Lei nº 9.876/99)

De maneira geral, qual regra é mais favorável ao segurado: 1) a redação original do art. 29; ou 2) a redação dada pela Lei nº 9.876/99 (chamada de “regra definitiva prevista no art. 29”)? A redação original do art. 29. Na maioria dos casos, o cálculo feito com base na redação original do art. 29 é mais vantajoso para o segurado do que o cálculo feito seguindo a regra definitiva prevista no art. 29, I e II. Regra de transição prevista no art. 3º da Lei nº 9.876/99 Como houve uma mudança mais gravosa na forma de cálculo do salário de benefício, a Lei nº 9.876/99 resolveu estipular, em seu art. 3º, uma regra de transição para os segurados que já eram filiados à Previdência antes de 29/11/1999 (data de publicação da Lei nº 9.876/99):

Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei nº 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.

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(...)

Objetivo da regra de transição A regra de transição teve um caráter protetivo. O objetivo do art. 3º da Lei nº 9.876/99 e seus parágrafos foi estabelecer regras de transição que garantissem que os segurados não fossem atingidos de forma abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João é filiado ao RGPS desde 1971, ou seja, antes da Lei nº 9.876/99. Como ele é filiado antes da Lei nº 9.876/99, quando ele se aposentou, o INSS calculou seu salário de benefício com base na regra de transição prevista no art. 3º da Lei nº 9.876/99. Isso resultou em uma aposentadoria no valor de R$ 2.000,00. Ocorre que suas contribuições mais altas foram feitas antes de julho de 1994, período no qual ocupava uma importante função e ganhava bem. Assim, se o seu salário de benefício tivesse sido calculado com base na regra definitiva do art. 29 (redação dada pela Lei nº 9.876/99) ele teria direito a uma aposentadoria no valor de R$ 2.800,00. Isso porque entraria no cálculo todo o seu histórico contributivo. Diante disso, João ingressou com ação dizendo o seguinte: a regra de transição foi idealizada, em tese, para beneficiar os segurados filiados antes da Lei nº 9.876/99. Contudo, na minha situação específica é mais vantajoso que o cálculo seja feito com base na regra definitiva do art. 29. Logo, requeiro que se aplique para o meu benefício a regra do art. 29 segundo as mudanças operadas pela Lei nº 9.876/99. O pedido de João encontra amparo na jurisprudência do STJ? SIM.

Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei nº 8.213/91, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/99. STJ. 1ª Seção. REsp 1.596.203-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 11/12/2019 (recurso repetitivo - Tema 999) (Info 662).

Direito ao melhor benefício Vigora em matéria previdenciária, o chamado “direito ao melhor benefício”. O reconhecimento ao direito ao melhor benefício garante ao segurado o recebimento de prestação previdenciária mais vantajosa dentre aquelas cujos requisitos cumpre, assegurando, consequentemente, a prevalência do critério de cálculo que lhe proporcione a maior renda mensal, a partir do histórico de suas contribuições. Nas exatas palavras do Min. Napoleão Nunes Maia Filho: “A concessão do benefício previdenciário deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou mais benéfica ao Segurado, nos termos da orientação do STF e do STJ. Assim, é direito do Segurado o recebimento de prestação previdenciária mais vantajosa dentre aquelas cujos requisitos cumpre, assegurando, consequentemente, a prevalência do critério de cálculo que lhe proporcione a maior renda mensal possível, a partir do histórico de suas contribuições.” Contribuições feitas pelo segurado quanto aos demais períodos não podem ser descartadas A regra de transição do art. 3º da Lei nº 8.213/91 afirma que só serão consideradas as contribuições ocorridas a partir de julho de 1994. Ocorre que não se mostra razoável que o segurado tenha pagado contribuições anteriores à 1994 e que elas sejam simplesmente descartadas pelo INSS. O sistema de Previdência Social é regido pelo princípio contributivo, decorrendo de tal princípio a

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consequência de haver, necessariamente, uma relação entre custeio e benefício. Logo, não se pode admitir que tendo o segurado realizado melhores contribuições antes de julho de 1994, tais pagamentos sejam simplesmente desprezados no momento da concessão de seu benefício. Se a regra de transição não for vantajosa, não deve ser aplicada As regras de transição são pensadas para beneficiar a pessoa que foi atingida pela nova legislação. É pensada, portanto, como uma vantagem para quem já estava na situação antes da nova lei. Justamente por isso, se a regra de transição é mais gravosa que a nova lei, esta regra não incidirá, devendo ser simplesmente aplicada a nova lei. Assim, a regra de transição, como tal, somente deve ser aplicada se a regra nova não for mais benéfica ao segurado. Logo, se a média dos 80% maiores salários de contribuição do autor (regra nova) resultar em um salário de benefício maior que a média dos 80% maiores salários de contribuição a partir de julho de 1994 (regra de transição), deve-se aplicar a nova regra, assegurando a percepção ao melhor benefício, que melhor reflita o seu histórico contributivo com o RGPS. Não se trata de direito adquirido a regime jurídico Vale ressaltar que a tese acolhida pelo STJ não implica em reconhecimento a direito adquirido a regime jurídico, o que se sabe não encontra abrigo na jurisprudência consolidada do STF e do STJ. O reconhecimento a direito adquirido a regime jurídico se verificaria na hipótese de se reconhecer ao segurado o direito ao cálculo do benefício nos termos da legislação pretérita (redação original do art. 29 da Lei nº 8.213/91), o que não é o caso. O que o segurado pretende é justamente o contrário, ou seja, que se aplique a legislação em vigor (redação atual do art. 29). Em suma: É possível aplicar a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei nº 8.213/91, na apuração do salário de benefício, quando se revelar mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei nº 9.876/99, respeitados os prazos prescricionais e decadenciais. Afinal, por uma questão de racionalidade do sistema normativo, a regra de transição não pode ser mais gravosa do que a regra definitiva. Na prática forense, isso ficou conhecido como “revisão da vida toda”. Assim, o STJ admite a chamada “revisão da vida toda” no cálculo da aposentadoria.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) (MP/GO 2019) O membro vitalício do Ministério Público somente perderá o cargo por sentença judicial

transitada em julgado, proferida em ação civil própria, que será proposta pelo Procurador-Geral de Justiça perante o Tribunal de Justiça do Estado, após a autorização do Conselho Superior do Ministério Público. ( )

2) Ação Civil de perda de cargo de Promotor de Justiça cuja causa de pedir não esteja vinculada a ilícito capitulado na Lei nº 8.429/92 deve ser julgada pelo Tribunal de Justiça. ( )

3) (Juiz TJ/CE 2018 CEBRASPE) Conforme entendimento jurisprudencial do STJ, a limitação administrativa sobre determinado bem constitui modalidade de intervenção restritiva na propriedade de caráter A) exclusivo e pode dar ensejo a indenização de natureza jurídica de direito real em favor do proprietário, ainda que não seja demonstrada a efetiva redução do valor econômico do bem em função da referida limitação. B) geral e condição inerente ao exercício do direito de propriedade, inexistindo hipóteses de indenização.

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C) geral, mas que pode dar ensejo a indenização em favor do proprietário na hipótese de a limitação causar redução do valor econômico do bem, independentemente do momento em que tenha sido instituída a restrição. D) exclusivo e pode dar ensejo a indenização de natureza jurídica de direito real em favor do proprietário, desde que a aquisição do bem tenha ocorrido anteriormente à instituição da restrição. E) geral, mas que pode dar ensejo a indenização de natureza jurídica de direito pessoal, se a limitação causar redução do valor econômico do bem e a sua aquisição tiver ocorrido anteriormente à instituição da restrição. ( )

4) Em ação de desapropriação indireta não é cabível reparação decorrente de limitações administrativas. ( ) 5) É legal o estabelecimento de critérios impessoais de classificação para a escolha de licitantes em

credenciamento. ( ) 6) (Juiz TJ/SC 2019 CEBRASPE) A qualificação da entidade como organização social configura hipótese de

simples credenciamento, o qual não exige licitação em razão da ausência de competição. ( ) 7) (Juiz Federal TRF3 2018) No seguro de vida, o suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de

vigência do contrato, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada. ( )

8) É cabível a modulação dos efeitos do entendimento da Súmula 610 do STJ no caso de suicídio que tenha ocorrido ainda na vigência do entendimento anterior, previsto nas Súmulas 105 do STF e 61 do STJ. ( )

9) Não se aplica a Lei nº 9.656/98 à pessoa jurídica de direito público de natureza autárquica que presta serviço de assistência à saúde de caráter suplementar aos servidores municipais. ( )

10) (MP/MS 2018) Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre operadoras de plano de saúde constituídas sob a modalidade de autogestão e seus filiados, por operar plano de assistência à saúde com exclusividade para um público determinado de beneficiários, mesmo que sem fins lucrativos. ( )

11) (Juiz Federal TRF2 banca própria) Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. ( )

12) (Juiz TJ/MS 2018 Vunesp) O CDC se aplica aos contratos de planos privados de assistência à saúde na modalidade de autogestão. ( )

13) (DPE/PE 2018 CEBRASPE) O CDC se aplica para contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão. ( )

14) É nula a cláusula que prevê o pagamento antecipado da indenização devida ao representante comercial no caso de rescisão injustificada do contrato pela representada. ( )

15) A ação de habilitação retardatária de crédito deve ser ajuizada até a prolação da decisão de encerramento do processo recuperacional. ( )

16) Em se tratando de aclaratórios opostos a acórdão que julga agravo de instrumento, a aplicação da técnica de julgamento ampliado somente ocorrerá se os embargos de declaração forem acolhidos para modificar o julgamento originário do magistrado de primeiro grau que houver proferido decisão parcial de mérito. ( )

17) (DPE/MA 2018 FCC) A técnica de julgamento continuado diante de decisão não unânime: A) é aplicada na apelação e no agravo de instrumento, exigindo-se em ambos os casos somente que a decisão seja não unânime. B) somente é aplicada na apelação e no agravo de instrumento quando houver reforma da decisão recorrida. C) somente é aplicada na apelação e no agravo de instrumento quando a decisão recorrida julgue o mérito ou parte dele. D) é aplicada na apelação, bastando a existência de divergência, enquanto no agravo de instrumento, além da divergência, é necessário que haja a reforma da decisão que julga parcialmente o mérito. E) é aplicada na apelação, bastando a existência de divergência, enquanto no agravo de instrumento, além da divergência, basta que haja a reforma da decisão recorrida.

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Informativo 662-STJ (31/01/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 67

18) (DPE/RS 2018 FCC) Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá

prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, aplicando-se a mesma regra ao julgamento não unânime proferido em agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito. ( )

19) (MP/MG 2018) Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. ( )

20) O procedimento de alegação de distinção (distinguishing) entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do CPC, aplica-se também ao IRDR. ( )

21) É legal a decisão judicial que determina a penhora de valores de instituição financeira, no âmbito de processo do qual não era parte, mas funcionou como auxiliar da justiça. ( )

22) Os bens da Fundação Habitacional do Exército - FHE são penhoráveis. ( ) 23) O prazo de redirecionamento da Execução Fiscal, fixado em cinco anos, contado da diligência de citação

da pessoa jurídica, é aplicável quando o referido ato ilícito, previsto no art. 135, III, do CTN, for precedente a esse ato processual. ( )

24) A citação positiva do sujeito passivo devedor original da obrigação tributária provoca o início do prazo prescricional para o redirecionamento da execução em caso de dissolução irregular da pessoa jurídica, seja ela anterior ou subsequente. ( )

25) O Ministério Público Federal possui legitimidade para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de encargos bancários supostamente abusivos praticados por instituições financeiras privadas. ( )

26) Em face da magnitude econômica, social e ambiental do caso concreto, é possível a fixação do juízo do local do fato para o julgamento de ação popular que concorre com diversas outras ações individuais, populares e civis públicas decorrentes do mesmo dano ambiental. ( )

27) Na aplicação do art. 97 do CP não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável. ( )

28) A reincidência de que trata o § 4º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 pode ser a genérica. ( ) 29) O Juízo da Execução não pode promover a retificação do atestado de pena para constar a reincidência,

com todos os consectários daí decorrentes, se isso não foi reconhecido expressamente na sentença penal condenatória transitada em julgado. ( )

30) Não tendo participado do fato gerador do tributo, a declaração conjunta de imposto de renda não torna o cônjuge corresponsável pela dívida tributária dos rendimentos percebidos pelo outro. ( )

31) A isenção de quota condominial do síndico configura renda para fins de incidência do Imposto de Renda de Pessoa Física. ( )

32) Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei nº 8.213/91, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/99. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. Letra E 4. E 5. E 6. C 7. C 8. C 9. E 10. C

11. C 12. E 13. E 14. C 15. C 16. C 17. Letra D 18. C 19. C 20. C

21. E 22. E 23. C 24. E 25. C 26. C 27. C 28. E 29. E 30. C

31. E 32. C