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Informativo 631-STJ (14/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 631-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO LICITAÇÃO Empresa em recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstre a sua viabilidade econômica. SERVIDORES PÚBLICOS Reajuste geral de 28,86% e Policiais Rodoviários Federais. DIREITO CIVIL CONDOMÍNIO Condôminos podem ser chamados a responder pelas dívidas do condomínio, sendo permitida, inclusive, a penhora do apartamento que é bem de família. DIREITO EMPRESARIAL FALÊNCIA Valores depositados em banco por conta de contrato de trust podem ser arrecadados no caso de falência da instituição financeira. DIREITO PENAL PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Juiz não deve decretar o arresto dos bens do condenado como forma de cumprimento forçado da prestação pecuniária (pena restritiva de direitos). CASA DE PROSTITUIÇÃO Somente ocorre o delito do art. 229 do CP se houver exploração sexual, ou seja, violação à dignidade sexual. CORRUPÇÃO ATIVA O pagamento integral do imposto sonegado extingue apenas a punibilidade da sonegação fiscal, mas não influencia no delito de corrupção ativa que foi praticado em conjunto pelo agente. CONTRABANDO / DESCAMINHO Competência da Justiça Federal. DIREITO PROCESSUAL PENAL COMPETÊNCIA Justiça Federal é competente para julgar venda de cigarro importado, permitido pela ANVISA, desacompanhada de nota fiscal e sem comprovação de pagamento do imposto de importação. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR CONCUSSÃO É possível aplicar a agravante do art. 70, II, “l” do CPM ao crime de concussão (art. 305)

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Informativo 631-STJ (14/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 631-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

LICITAÇÃO Empresa em recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstre a sua viabilidade econômica. SERVIDORES PÚBLICOS Reajuste geral de 28,86% e Policiais Rodoviários Federais.

DIREITO CIVIL

CONDOMÍNIO Condôminos podem ser chamados a responder pelas dívidas do condomínio, sendo permitida, inclusive, a penhora

do apartamento que é bem de família.

DIREITO EMPRESARIAL

FALÊNCIA Valores depositados em banco por conta de contrato de trust podem ser arrecadados no caso de falência da

instituição financeira.

DIREITO PENAL

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Juiz não deve decretar o arresto dos bens do condenado como forma de cumprimento forçado da prestação

pecuniária (pena restritiva de direitos). CASA DE PROSTITUIÇÃO Somente ocorre o delito do art. 229 do CP se houver exploração sexual, ou seja, violação à dignidade sexual. CORRUPÇÃO ATIVA O pagamento integral do imposto sonegado extingue apenas a punibilidade da sonegação fiscal, mas não influencia

no delito de corrupção ativa que foi praticado em conjunto pelo agente. CONTRABANDO / DESCAMINHO Competência da Justiça Federal.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Justiça Federal é competente para julgar venda de cigarro importado, permitido pela ANVISA, desacompanhada de

nota fiscal e sem comprovação de pagamento do imposto de importação. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

CONCUSSÃO É possível aplicar a agravante do art. 70, II, “l” do CPM ao crime de concussão (art. 305)

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DIREITO TRIBUTÁRIO

CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS Possibilidade de compensação dos créditos de AITP com débitos de tributos federais.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA PRIVADA Intervenção da PREVIC em EFPC pode ser prorrogada mais de uma vez.

DIREITO ADMINISTRATIVO

LICITAÇÃO Empresa em recuperação judicial pode participar de licitação,

desde que demonstre a sua viabilidade econômica

Importante!!!

Sociedade empresária em recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica.

STJ. 1ª Turma. AREsp 309.867-ES, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 26/06/2018 (Info 631).

Recuperação judicial A recuperação judicial consiste em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Logo, em vez de a empresa ir à falência (o que é nocivo para a economia, para os donos da empresa, para os funcionários etc.), tenta-se dar um novo fôlego para a sociedade empresária, renegociando as dívidas com os credores. Na antiga Lei de Falências, esse processo era chamado de “concordata” (DL 7.661/45). A Lei nº 11.101/2005 acabou com a “concordata” e criou um novo instituto, com finalidade semelhante chamado de recuperação judicial. Assim, a recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Grama Baixa Terraplanagem Ltda é uma sociedade empresária que está passando por um processo de recuperação judicial. O plano de recuperação já foi aprovado em assembleia geral de credores e homologado pelo juiz. Além disso, a empresa vem cumprindo rigorosamente as obrigações estipuladas. Ocorre que um dos principais “clientes” desta empresa sempre foi o poder público, ou seja, antes da recuperação judicial, ela já prestou, diversas vezes, serviço para a Administração Pública. O Estado do Espírito Santo abriu uma licitação destinada a contratar uma empresa para realizar serviços de terraplanagem em um imóvel público. A Grama Baixa tentou participar da licitação, mas foi desclassificada do procedimento. Isso porque um dos documentos exigidos pelo art. 31 da Lei nº 8.666/93 é a certidão negativa de falência ou recuperação judicial. Veja:

Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a: (...) II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;

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A empresa impetrou mandado de segurança contra a inabilitação. Diante disso, indaga-se: é possível que uma empresa que se encontra em recuperação judicial participe de procedimento licitatório? SIM. Se você observar novamente a redação do art. 31, II, da Lei nº 8.666/93, verá que ela ainda fala em “concordata”. Assim, o art. 31 da Lei nº 8.666/93 não teve o texto alterado para se amoldar à nova sistemática, tampouco foi derrogado (expressamente). Diante dessa situação, surgiu a seguinte polêmica na doutrina:

As restrições impostas à antiga concordata aplicam-se agora para a recuperação judicial? Quando o art. 31, II, da Lei 8.666/93 fala em “concordata”, deve-se ler agora “recuperação judicial”?

A empresa que participar de licitação deverá apresentar certidão negativa de recuperação judicial?

1ª corrente: SIM 2ª corrente: NÃO

Os efeitos da concordata sobre a contratação administrativa devem ser aplicados à recuperação judicial. Isso porque há a presunção de insolvência da empresa em crise. Desse modo, empresas que estão em recuperação judicial não poderiam participar de licitações.

Como o art. 31, II, da Lei de Licitações não foi alterado para substituir certidão negativa de concordata por certidão negativa de recuperação judicial, a Administração não pode exigir tal documento como condição de habilitação, haja vista a ausência de autorização legislativa. Assim, as empresas submetidas à recuperação judicial estão dispensadas da apresentação da referida certidão.

É a posição, por exemplo, de Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16ª ed., São Paulo: RT, 2014, p. 638).

É a posição defendida por Joel de Menezes Niebuhr (Licitação Pública e Contrato Administrativo. 4ª ed., Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 447). Foi a corrente adotada pelo STJ.

O art. 31, I,I da Lei nº 8.666/93 é uma norma restritiva e, por isso, não admite interpretação que amplie o seu sentido. Por força do princípio da legalidade, é vedado à Administração conferir interpretação extensiva ou restritiva de direitos, quando a lei assim não o dispuser de forma expressa. Logo, é incabível a automática inabilitação de empresas em recuperação judicial unicamente pela não apresentação de certidão negativa. Vale ressaltar que o art. 52, I, da Lei nº 11.101/2005, que é posterior à Lei de Licitações, prevê a possibilidade de as empresas em recuperação judicial contratarem com o Poder Público (devendo apresentar ao Poder Público as certidões positivas de débitos). Ora, se tais empresas podem contratar com o poder público, devemos interpretar que o legislador permitiu que elas participassem de licitações, considerando que, em regra, só se pode contratar com a Administração Pública após prévio procedimento licitatório. Veja:

Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: (...) II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;

O escopo (objetivo) primordial da Lei nº 11.101/2005 é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos

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trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, a sua função social e o estímulo à atividade econômica. Diferentemente da concordata, cujo objetivo precípuo era o de assegurar a proteção dos credores e a recuperação de seus créditos, a nova Lei busca a proteção da empresa que se encontre em dificuldades econômicas. A interpretação sistemática dos dispositivos da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 11.101/2005 nos leva à conclusão de que é possível uma ponderação equilibrada entre os princípios nelas imbuídos, pois a preservação da empresa, a sua função social e o estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores. Negar à pessoa jurídica em crise econômico-financeira o direito de participar de licitações públicas, única e exclusivamente pela ausência de entrega da certidão negativa de recuperação judicial, vai de encontro ao sentido atribuído pelo legislador ao instituto recuperacional. Cautelas podem ser exigidas para se demonstrar a capacidade econômica da empresa É necessário que se adotem providências a fim de avaliar se a empresa recuperanda participante do certame, caso seja vencedora, tem condições de suportar os custos da execução do contrato. Significa dizer, é preciso aferir se a empresa sujeita ao regime da Lei nº 11.101/2005 possui aptidão econômica e financeira, conforme exige o art. 27, III, da Lei nº 8.666/93:

Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: (...) III - qualificação econômico-financeira;

Daí se infere que a dispensa de apresentação de certidão negativa não exime a empresa em recuperação judicial de comprovar a sua capacidade econômica para poder participar da licitação. Se a empresa estiver em recuperação judicial, caberá à Administração Pública (pregoeiro ou comissão de licitação) diligenciar a fim de avaliar a real situação de capacidade econômico-financeira da empresa licitante. Dessa forma, a exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua capacidade econômica. Em suma:

Sociedade empresária em recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica. STJ. 1ª Turma. AREsp 309.867-ES, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 26/06/2018 (Info 631).

SERVIDORES PÚBLICOS Reajuste geral de 28,86% e Policiais Rodoviários Federais

Apenas concursos federais!

O reajuste geral de 28,86%, concedido pelas Leis nº 8.622/93 e 8.627/93, não pode ser compensado pelas novas gratificações criadas pela Lei nº 9.654/98.

STJ. 1ª Seção. EREsp 1.577.881-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 27/06/2018 (Info 631).

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Revisão geral da remuneração antes da EC 19/98 O art. 37, X, da CF/88, antes da EC 19/98, estabelecia que a revisão geral da remuneração dos servidores públicos civis deveria ser feita nos mesmos índices que a revisão geral da remuneração dos militares e vice-versa. Havia uma vinculação entre eles. Confira:

Art. 37 (...) X - a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data;

Leis 8.622/93 e 8.627/93 Ocorre que, em 1993, o Governo Federal, descumprindo a determinação constitucional, editou duas leis concedendo revisão geral da remuneração para os militares sem estendê-la aos servidores públicos civis federais. Tais reajustes foram veiculados por meio das Leis nº 8.622/93 e nº 8.627/93. Ações pedindo a extensão do aumento Os servidores públicos civis passaram, então, a ingressar com ações pedindo a extensão para si da revisão geral dada aos militares. A questão chegou até o STF, que acatou a tese dos servidores e, para pacificar a questão, editou a Súmula 672-STF: O reajuste de 28,86%, concedido aos servidores militares pelas Leis 8.622/1993 e 8.627/1993, estende-se aos servidores civis do Poder Executivo, observadas as eventuais compensações decorrentes dos reajustes diferenciados concedidos pelos mesmos diplomas legais. Esta Súmula 672 do STF foi transformada posteriormente na SV 51:

Súmula vinculante 51-STF: O reajuste de 28,86%, concedido aos servidores militares pelas Leis 8.622/1993 e 8.627/1993, estende-se aos servidores civis do Poder Executivo, observadas as eventuais compensações decorrentes dos reajustes diferenciados concedidos pelos mesmos diplomas legais.

Compensação dos 28,86% A jurisprudência entendeu que esses 28,86% deveriam ser pagos aos servidores públicos indefinidamente e deveriam ser considerados em caso de uma nova revisão geral anual. Ex: a classe inicial da carreira “X” recebia R$ 1.000,00; por força do entendimento do STF, a classe inicial dessa carreira passou a receber R$ 1.000,00 mais 28,86% (= R$ 1.288,60). Imaginemos que veio uma lei estipulando revisão geral anual para todos os servidores públicos no percentual de 10%, ou seja, veio uma lei dizendo que todos os servidores públicos federais teriam reajuste de 10%. No caso da carreira “X”, esse reajuste seria calculado com base em R$ 1.288,60 (e não com base nos R$ 1.000,00). Assim, o novo índice estabelecido pela revisão geral teria que se aplicar a todo o funcionalismo. No caso de simples revisão (ou seja, simples reajuste, simples recomposição do valor corroído por novas perdas inflacionárias) não haveria que se falar em compensação daquele reajuste de 28,86%. Diversa, porém, seria a situação se, no futuro, nova lei viesse a reestruturar determinada carreira. Se, no futuro, uma nova lei viesse a reestruturar a carreira daquele grupo de servidores prevendo uma nova política remuneratória, então seria possível absorver (compensar) esses 28,86% com essa nova remuneração. Ex: a classe inicial da carreira “X” recebia R$ 1.000,00; por força do entendimento do STF, a classe inicial dessa carreira passou a receber R$ 1.000,00 mais 28,86% (= R$ 1.288,60); veio uma lei reestruturando essa carreira “X” e essa lei previu que a classe inicial teria um reajuste de 50%. Esses 50% incidiriam sobre R$ 1.000,00 (e não sobre R$ 1.288,60). Recapitulando: • aumento decorrente de mera revisão anual: o percentual de aumento aplica-se sobre os 28,86%. • aumento decorrente de reestruturação da carreira: a nova remuneração será exatamente aquela fixada na nova lei. Diz-se que essa nova remuneração absorve (compensa) os 28,86%.

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Lei 9.654/98 Em 1998, foi editada a Lei nº 9.654, tratando sobre a carreira de Policial Rodoviário Federal. Antes dessa lei, o cargo de Policial Rodoviário Federal era chamado de Patrulheiro Rodoviário Federal. Os Patrulheiros Rodoviários Federais, por força do entendimento do STF acima explicado (Súmula 672 e SV 51) recebiam, em sua remuneração, esse valor a mais de 28,86%. A Lei nº 9.654/98 criou a carreira de Policial Rodoviário Federal, transformando os antigos Patrulheiros Rodoviários Federais em Policiais Rodoviários Federais. Além disso, a Lei nº 9.654/98 criou três novas gratificações destinadas aos Policiais Rodoviários Federais. Veja a redação original da Lei, naquilo que nos interessa:

Art. 1º Fica criada, no âmbito do Poder Executivo, a carreira de Policial Rodoviário Federal, com as atribuições previstas na Constituição Federal, no Código de Trânsito Brasileiro e na legislação específica. Parágrafo único. A implantação da carreira far-se-á mediante transformação dos atuais dez mil e noventa e oito cargos efetivos de Patrulheiro Rodoviário Federal, do quadro geral do Ministério da Justiça, em cargos de Policial Rodoviário Federal. (...) Art. 4º Os vencimentos do cargo de Policial Rodoviário Federal constituem-se do vencimento básico e das seguintes gratificações: I - Gratificação de Atividade Policial Rodoviário Federal, para atender as peculiaridades decorrentes da integral e exclusiva dedicação às atividades do cargo, no percentual de cento e oitenta por cento; II - Gratificação de Desgaste Físico e Mental, decorrente da atividade inerente ao cargo, no percentual de cento e oitenta por cento; III - Gratificação de Atividade de Risco, decorrente dos riscos a que estão sujeitos os ocupantes do cargo, no percentual de cento e oitenta por cento.

Diante desse cenário, a União passou a defender que, como houve esse aumento da remuneração por força das novas gratificações, os Policiais Rodoviários Federais passaram a não mais ter direito aos 28,86%. Esses 28,86% teriam sido absorvidos (compensados) pelas novas gratificações. Assim, esses percentuais de gratificação seriam calculadas com base na remuneração SEM os 28,86%. Os Policiais Rodoviários Federais não concordaram e disseram que os percentuais de aumento teriam que levar em consideração os 28,86%. Ex: Gratificação de Atividade Policial Rodoviário Federal = 50% da remuneração mais 28,86%. O que decidiu o STJ? Quem tem razão: a União ou os Policiais Rodoviários Federais? Os Policiais Rodoviários Federais. Lei 9.654/98 não reorganizou a carreira O STJ entendeu que, apesar de a Lei nº 9.654/98 ter alterado o nome do cargo de Patrulheiro Rodoviário Federal para Policial Rodoviário Federal, não houve uma verdadeira reestruturação ou reorganização da carreira. Veja trecho da Exposição de Motivos da referida Lei: “(...) 4. Com vistas a dar cumprimento ao dispositivo constitucional, o projeto que ora se encaminha cria a Carreira de policial Rodoviário Federal, cujos integrantes serão lotados no quadro geral de pessoal do Departamento de Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça, mantendo-se a atual estrutura dos cargos e o mesmo vencimento básico.” Logo, como houve a manutenção do mesmo vencimento básico, o STJ entendeu que não se poderia, automaticamente, suprimir o reajuste de 28,86% que, anteriormente à Lei nº 9.654/98, já vinham recebendo os Patrulheiros/Policiais Rodoviários Federais.

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A Lei 9.654/98 criou a carreira de Policial Rodoviário Federal, mas não provocou modificação na estrutura de classes e padrões e na tabela de vencimentos do cargo de Policial Rodoviário Federal. A lei que cria nova gratificação sem promover reestruturação ou reorganização da carreira não tem aptidão para absorver índice de reajuste geral. A reestruturação ou reorganização da carreira pressupõe a criação de uma nova situação jurídica, na qual os 28,86% já se encontrariam incluídos, inexistindo prejuízo patrimonial para os servidores, o que não foi o caso da Lei nº 9.654/98. A mera concessão de gratificação não tem o condão de reestruturar a carreira dos servidores. Se foi mantida a mesma estrutura de classes e padrões e tabela de vencimentos, não há falar na instituição de nova tabela de vencimentos apta a limitar o pagamento do reajuste geral de 28,86%. Em suma:

O reajuste geral de 28,86%, concedido pelas Leis nº 8.622/93 e 8.627/93, não pode ser compensado pelas novas gratificações criadas pela Lei nº 9.654/98. STJ. 1ª Seção. EREsp 1.577.881-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 27/06/2018 (Info 631).

DIREITO CIVIL

CONDOMÍNIO Condôminos podem ser chamados a responder pelas dívidas do condomínio, sendo permitida,

inclusive, a penhora do apartamento que é bem de família

Importante!!!

É possível a penhora de bem de família de condômino, na proporção de sua fração ideal, se inexistente patrimônio próprio do condomínio para responder por dívida oriunda de danos a terceiros.

Ex: um pedestre foi ferido por conta de um pedaço da fachada que nele caiu. Essa vítima terá que propor a ação contra o condomínio. Se o condomínio não tiver patrimônio próprio para satisfazer o débito, os condôminos podem ser chamados a responder pela dívida, na proporção de sua fração ideal. Mesmo que um condômino tenha comprado um apartamento neste prédio depois do fato, ele ainda assim poderá ser obrigado a pagar porque as despesas de condomínio são obrigações propter rem. O juiz poderá determinar a penhora dos apartamentos para pagamento da dívida mesmo que se trate de bem de família, considerando que as dívidas decorrentes de despesas condominiais são consideradas como exceção à impenhorabilidade do bem de família, nos termos do art. 3º, IV, da Lei nº 8.009/90.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.473.484-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2018 (Info 631).

Imagine a seguinte situação hipotética: “Prédio Azul” é um edifício residencial de 3 andares, com 6 unidades autônomas, ou seja, 2 apartamentos por andar. Determinado dia, João estava passando na frente do “Prédio Azul” quando foi atingido por um pedaço de reboco do edifício, que se desprendeu da fachada devido à má conservação do prédio.

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João, que ficou gravemente ferido com o acidente, ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra o “Condomínio Edifício Prédio Azul”. O juiz julgou procedente a demanda e condenou o condomínio a pagar R$ 180 mil em favor da vítima. João iniciou o cumprimento de sentença. Como não foram encontrados bens em nome do condomínio, o autor pediu o redirecionamento da execução contra os condôminos e o juiz determinou a penhora dos apartamentos, no limite de cada cota-parte. A dívida era de R$ 180 mil e o magistrado determinou que cada apartamento deveria ficar penhorado na proporção de R$ 30 mil. Isso é possível? É possível que os condôminos sejam chamados a pagar a indenização que foi reconhecida como sendo uma obrigação do condomínio? SIM. Cada condômino é obrigado a concorrer para o pagamento das despesas e encargos suportados pelo condomínio, na proporção de sua quota-parte, conforme preveem o art. 1.315 do Código Civil e o art. 12 da Lei nº 4.591/64 (que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias):

Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita. Parágrafo único. Presumem-se iguais as partes ideais dos condôminos.

Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.

Assim, um dos deveres de todo e qualquer condômino é o de ratear (dividir) as despesas condominiais. Trata-se daquilo que o Min. Luis Felipe Salomão denominou de “solidariedade condominial”, a fim de que seja permitida a continuidade e manutenção do próprio Condomínio, impedindo a ruptura de sua estabilidade econômico-financeira, o que poderia provocar dano considerável aos demais comunheiros (REsp 1247020/DF, DJe 11/11/2015). Vale ainda mencionar o art. 938 do CC:

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

Veja o que entende a doutrina sobre este dispositivo: Enunciado 557 da Jornada de Direito Civil do CJF/STJ: Nos termos do art. 938 do CC, se a coisa cair ou for lançada de condomínio edilício, não sendo possível identificar de qual unidade, responderá o condomínio, assegurado o direito de regresso.

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Informativo 631-STJ (14/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

O art. 1.315 fala apenas em “despesas de conservação”... No entanto, a doutrina e a jurisprudência interpretam essa expressão de forma ampla, de modo que ela “abrange não somente as verbas despendidas com a conservação ou manutenção do edifício (v.g., limpeza, funcionamento dos elevadores, empregados, consumo de água e luz, etc), mas também as destinadas a obras ou inovações aprovadas pela assembleia de condôminos (v.g., ampliação da garagem, instalação de portão eletrônico, construção de salão de festas etc). Inclui, ainda, outros títulos, como a responsabilidade por indenizações, tributos, seguros etc”. (LOPES, João Batista. Condomínio. 10ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 115). Condôminos são responsáveis pelas condenações do condomínio Dessa forma, todos os condôminos são responsáveis pelas despesas decorrentes de uma condenação judicial imposta contra o Condomínio. Imagine que esse acidente aconteceu em 2014. Em 2016, Teobaldo comprou, de Carlos Eduardo, um apartamento no “Prédio Azul” e passou a morar neste local. Em 2017, foi prolatada a sentença condenando o condomínio a indenizar João. Teobaldo poderá se isentar do pagamento alegando que não pode ser responsabilizado por fatos ocorridos antes da compra, ou seja, em uma época na qual a propriedade do imóvel era de outra pessoa (Carlos Eduardo)? NÃO. As dívidas condominiais são classificadas como obrigações propter rem. Por isso, responde pela obrigação de pagar tais dívidas, na proporção de sua fração ideal, aquele que possui a unidade, não importando que os débitos sejam anteriores à aquisição do imóvel. É o que determina o Código Civil:

Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

As despesas condominiais, inclusive as decorrentes de decisões judiciais, são obrigações propter rem e, por isso, será responsável pelo seu pagamento, na proporção de sua fração ideal, aquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária ou seja titular de um dos aspectos da propriedade (posse, gozo, fruição), desde que tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio, ainda que a dívida seja anterior à aquisição do imóvel. STJ. 4ª Turma. REsp 1473484/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2018 (Info 631).

Os condôminos não figuravam como devedores na sentença (título executivo). Além disso, os condôminos não eram partes na execução (cumprimento de sentença). Mesmo assim, é possível redirecionar contra eles a execução e determinar a penhora dos seus apartamentos? SIM. Como o condomínio é um ente despersonalizado, a decisão que determina o redirecionamento da execução contra os titulares das unidades não viola a autonomia patrimonial nem significa desconsideração da personalidade jurídica. Assim, para que os condôminos sejam chamados a responder pela dívida, basta que a execução contra o condomínio tenha sido frustrada. Esse redirecionamento da execução, contudo, exige cautela, pois o condomínio, embora não tenha sido dotado de personalidade jurídica, possui capacidade processual, devendo figurar no polo passivo da execução, como regra. A inclusão dos condôminos no polo passivo, portanto, é medida excepcional, que somente deve ser admitida após esgotadas as possibilidades de se satisfazer o crédito contra o condomínio. Assim, em regra, a execução deve ser direcionada contra o condomínio e a penhora deve recair preferencialmente sobre as reservas financeiras do condomínio. No entanto, se elas se mostrarem insuficientes, deve o patrimônio dos condôminos suportar os ônus da execução.

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Uma última pergunta: o condômino poderá invocar a impenhorabilidade do bem de família para desconstituir essa penhora incidente sobre seu imóvel? Essa tese seria acolhida? NÃO. Como se sabe, em regra, o bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. No entanto, o art. 3º da Lei nº 8.009/90 traz uma lista de exceções a essa regra, ou seja, situações nas quais será permitida a penhora do bem de família. Uma dessas exceções está no inciso IV, que diz o seguinte:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

Quando a lei fala em “taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar”, o STJ interpreta essa expressão de modo amplo e diz que estão incluídas aí todas as “despesas condominiais”. Assim, é plenamente possível a penhora do bem de família quando a dívida é oriunda de cobrança de taxas e despesas condominiais (STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1642127/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 22/10/2018).

É possível a penhora de bem de família de condômino, na proporção de sua fração ideal, se inexistente patrimônio próprio do condomínio para responder por dívida oriunda de danos a terceiros. STJ. 4ª Turma. REsp 1.473.484-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2018 (Info 631).

DIVÓRCIO O simples fato de a mulher ter sido revel na ação de divórcio não significa que o pedido de

retirada do patronímico do ex-marido de seu nome tenha que ser deferido

Importante!!!

A revelia em ação de divórcio na qual se pretende, também, a exclusão do patronímico adotado por ocasião do casamento não significa concordância tácita com a modificação do nome civil.

Ex: João da Silva Maier casou-se com Gabriela Ferreira. Gabriela adotou o patronímico de João e passou a se chamar Gabriela Ferreira Maier. O relacionamento chegou ao fim e João ajuizou ação de divórcio contra Gabriela pedindo: a) que fosse decretado o divórcio; b) que Gabriela fosse condenada a retirar o patronímico “Maier” de seu nome. Gabriela foi devidamente citada, mas não respondeu a ação. Correta a decisão do juiz que julga o pedido parcialmente procedente decretando o divórcio, mas mantendo o sobrenome da ré.

Principais argumentos:

• o fato de o réu ter sido revel não significa, necessariamente, que o juiz tenha que acolher o pedido do autor;

• o nome é considerado direito indisponível, tendo em vista ser direito da personalidade;

• para que houvesse a retirada do sobrenome, seria necessária a manifestação expressa da vontade da mulher;

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• a utilização do sobrenome do ex-marido por mais de 30 trinta anos pela ex-mulher demonstra que há tempo ele está incorporado ao nome dela, de modo que não mais se pode retirá-lo, sem que cause evidente prejuízo para a sua identificação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.732.807-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/08/2018 (Info 631).

Imagine a seguinte situação hipotética: João da Silva Maier casou-se com Gabriela Ferreira. Segundo prevê o § 1º do art. 1.565, “qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.” Assim, Gabriela optou por acrescentar ao seu nome o patronímico (apelido de família / “sobrenome”) de João. Com isso, ela passou a se chamar Gabriela Ferreira Maier. O relacionamento durou 35 anos, até que Gabriela decidiu que não mais queria viver com João e foi embora de casa. Chateado, João (cônjuge varão) ajuizou ação de divórcio contra Gabriela (cônjuge virago) pedindo: a) que fosse decretado o divórcio; b) que Gabriela fosse condenada a retirar o patronímico “Maier” de seu nome. Gabriela foi devidamente citada, mas não respondeu a ação. Diante disso, o juiz decretou a sua revelia e julgou o pedido parcialmente procedente decretando o divórcio, mas mantendo o sobrenome da ré. Segundo argumentou o magistrado na sentença, o direito ao nome e sobrenome é personalíssimo, intransmissível e irrenunciável, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária, somente podendo ser alterado se assim desejar a parte (arts. 11 e 16 do CC). Inconformado, João recorreu alegando que houve revelia e que, portanto, todos os seus pedidos deveriam ter sido julgados procedentes. Argumentou também que a decisão do juiz viola o art. 1.578 do Código Civil:

Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III - dano grave reconhecido na decisão judicial.

Agiu corretamente o magistrado? SIM. Primeiro ponto: o fato de o réu ter sido revel não significa, necessariamente, que o juiz tenha que acolher o pedido do autor A doutrina e jurisprudência ensinam que, mesmo sendo decretada a revelia, os pedidos do autor não serão obrigatoriamente julgados procedentes. Isso porque os elementos probatórios constantes nos autos podem conduzir à conclusão diversa ou podem não ser suficientes para formar o convencimento do juiz. Em outras palavras, mesmo tendo havido revelia, isso não significa que, necessariamente, o autor irá vencer a demanda. A revelia gera uma presunção relativa da veracidade dos fatos narrados pelo autor da ação. Esta presunção, no entanto, pode ser infirmada (enfraquecida) pelas demais provas dos autos ou se as alegações forem inverossímeis (inverossímil = é algo que não aparenta ser verdadeiro). Por isso, nem sempre que ocorrer a revelia haverá procedência do pedido do autor. O CPC/2015 consagrou expressamente esse entendimento:

Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.

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Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se: (...) IV - as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.

Mais recentemente:

Os efeitos da revelia - presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor - são relativos e não conduzem, necessariamente, ao julgamento de procedência dos pedidos, devendo o juiz atentar-se para os elementos probatórios presentes nos autos, para formação de sua convicção. STJ. 4ª Turma. REsp 1633399/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/11/2016.

Segundo ponto: o direito ao nome é indisponível O fato de a ré na ação de divórcio ser revel não faz com que o juiz tenha que julgar procedente o pedido de exclusão do patronímico do ex-marido, porque o “nome” é considerado um direito indisponível, tendo em vista que se trata de um direito da personalidade. “O direito ao nome, assim compreendido como o prenome e o patronímico, é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, uma vez que diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si mesmo, mas também no ambiente familiar e perante a sociedade em que vive.” (Min. Nancy Andrighi). Dessa forma, sendo direito indisponível, não se aplica a presunção de veracidade dos fatos, conforme determina o art. 345, II, do CPC/2015:

Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se: (...) II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

Terceiro ponto: a revelia gera presunção (relativa) de veracidade dos fatos, mas não das alegações de direito Conforme prevê o art. 344 do CPC, se o réu for revel, em princípio, o juiz deverá presumir que são verdadeiras as “alegações de fato formuladas pelo autor”. Isso não significa, contudo, que o juiz deverá presumir verdadeiras as alegações de direito do requerente. Se o autor não demonstrou a existência de nenhuma circunstância fática (um fato) que justificaria a exclusão do seu sobrenome do nome da ex-mulher, o pedido deverá ser julgado improcedente mesmo tendo ela sido revel. Quarto ponto: o fato de a mulher ter sido revel não significa que ela concordou com a exclusão do sobrenome A ausência de contestação da mulher não pode ser interpretada como uma aquiescência ou concordância tácita com o pedido para exclusão do sobrenome do ex-marido. Para que houvesse a retirada do sobrenome, seria necessária a manifestação expressa da vontade da mulher. Veja o que diz a doutrina:

“Uma vez alterado o nome, advindo, eventualmente, a dissolução do casamento, por separação ou divórcio, aplica-se a regra do direito à manutenção do nome patronímico, uma vez que se trata de direito da personalidade e, como tal, devidamente incorporado à própria personalidade jurídica do titular, sendo-lhe indisponível relativamente. Assim sendo, a regra geral é que, tanto na separação, quanto no divórcio, o cônjuge permanecerá com o nome de casado, salvo expressa manifestação em sentido contrário. Aliás, qualquer ato de disposição com relação ao nome tem de ser expresso, não sendo possível a perda tácita ou presumida de um direito da personalidade (e o nome está enquadrado como tal, inclusive contemplado nos arts. 16 a 19 do Código Civil). Por isso, manter, ou não, o nome de casado concerne à própria dignidade da pessoa, sendo-lhe inafastável e dependendo,

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fundamentalmente, de sua própria manifestação de vontade (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 339-340)

Quinto ponto: o longo tempo de utilização do sobrenome O patronímico que o autor pretendia excluir da requerida foi por ela incorporado há 35 anos, de modo que a sua retirada geraria provável prejuízo irreparável à mulher. O STJ já decidiu assim em outra oportunidade:

A utilização do sobrenome do ex-marido por mais de 30 trinta anos pela ex-mulher demonstra que há tempo ele está incorporado ao nome dela, de modo que não mais se pode distingui-lo, sem que cause evidente prejuízo para a sua identificação. STJ. 3ª Turma. REsp 1482843/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 02/06/2015.

Em suma:

A revelia em ação de divórcio na qual se pretende, também, a exclusão do patronímico adotado por ocasião do casamento não significa concordância tácita com a modificação do nome civil. STJ. 3ª Turma. REsp 1.732.807-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/08/2018 (Info 631).

Outro precedente no mesmo sentido:

O art. 1.578 do Código Civil prevê a perda do direito de uso do nome de casado para o caso de o cônjuge ser declarado culpado na ação de separação judicial. Mesmo nessas hipóteses, porém, a perda desse direito somente terá lugar se não ocorrer uma das situações previstas nos incisos I a III do referido dispositivo legal. Assim, a perda do direito ao uso do nome é exceção, e não regra. Os efeitos da revelia não abrangem as questões de direito, tampouco implicam renúncia a direito ou a automática procedência do pedido da parte adversa. Acarretam simplesmente a presunção relativa de veracidade dos fatos alegados pelo autor. A não apresentação de contestação ao pedido de divórcio pelo cônjuge virago não pode ser entendida como manifestação de vontade no sentido de opção pelo uso do nome de solteira (CC, art. 1.578, § 2º). STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 204.908/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 04/11/2014.

Observação final: A doutrina civilista, em peso, critica o art. 1.578 do Código Civil em virtude de ele admitir, ainda que excepcionalmente, a possibilidade de o “cônjuge declarado culpado” perder o direito de usar o sobrenome do outro. Para os autores, não há mais sentido algum discutir-se culpa nas relações matrimoniais e de união estável e, segundo a posição doutrinária, o cônjuge (homem ou mulher) deve ter direito de permanecer com o sobrenome do outro em qualquer hipótese, salvo se ele mesmo optar por não querer mais. Gostaria que você soubesse desse posicionamento doutrinário para fins de provas discursivas e oral, no entanto, o texto do Código está em vigor e deverá ser assinalado como correto em questões objetivas.

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DIREITO EMPRESARIAL

FALÊNCIA Valores depositados em banco por conta de contrato de trust

podem ser arrecadados no caso de falência da instituição financeira

Não é cabível a restituição de quantia em dinheiro que se encontra depositada em conta corrente de banco falido, em razão de contrato de trust.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.438.142-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 15/05/2018 (Info 631).

O que é um trust? É um negócio jurídico por meio do qual um indivíduo (chamado de settlor ou instituidor) transfere um bem (ex: uma casa) ou um valor (ex: dinheiro) para que seja gerido por um administrador (trustee ou fiduciário) em favor de um beneficiário (que pode ser o próprio instituidor ou um terceiro). A partir do momento em que o bem ou valor é transferido e é instituído o trust, formalmente, este bem ou valor não mais pertence ao indivíduo que fez a transferência e passa a ser um patrimônio do trustee (administrador). O administrador, apesar de ter a propriedade formal desses bens, o faz apenas com o objetivo de administrá-los e/ou de conseguir rendimentos em favor de um (uns) beneficiário(s) que é(são) definido(s) pelo instituidor. Assim, este valor será administrado em favor de uma pessoa (chamada de beneficiário ou beneficial ownership), que pode ser o próprio instituidor ou um terceiro (ex: um filho, uma mãe, um amigo etc.). A forma de administração, o beneficiário e demais aspectos do trust são definidos no contrato firmado entre o instituidor e o administrador.

Personagens • Instituidor (settlor): quem transfere a propriedade dos bens e valores. Ele tinha a titularidade desses bens e valores (era dono) e transfere ao trustee; • Administrador (trustee ou fiduciário): é quem ficará com a propriedade dos bens e valores com o objetivo de administrá-los em favor de uma outra pessoa. Em geral, o trustee é uma empresa, quase sempre uma instituição financeira; • Beneficiário (beneficial ownership ou cestui que trus): é a pessoa que será beneficiada com os bens e valores que estão sendo administrados pelo trustee. O tipo de benefício que ela irá receber irá depender das regras fixadas pelo instituidor e podem ser, por exemplo: receber os valores quando atingir certa idade, receber os rendimentos decorrentes da aplicação dessas quantias, utilizar os valores para pagar seus estudos ou despesas médicas etc.

Origem O trust surgiu na Inglaterra e a expressão poderia ser traduzida como "custódia e administração" de bens ou valores. Atualmente, existe a Convenção Internacional de Haia sobre a lei aplicável ao trust e a seu reconhecimento (1985), no entanto, o Brasil não é signatário. O artigo 2º da Convenção prevê:

Para os propósitos desta Convenção, o termo trust se refere a relações jurídicas criadas – inter vivos ou após a morte – por alguém, o outorgante, quando os bens forem colocados sob controle de um curador para o benefício de um beneficiário ou para alguma finalidade específica.

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Natureza jurídica O trust não é uma pessoa jurídica (uma sociedade). Trata-se de um negócio jurídico (contrato). Bens que compõem o trust Em tese, os bens que compõem o trust são autônomos e não se confundem com os bens que integram o patrimônio do administrador, do instituidor e do beneficiário. Em outras palavras, apesar de estar no nome do administrador e de estar sendo gerido em favor de uma pessoa (beneficiário), os bens que integram o trust não poderiam responder por dívidas de nenhuma dessas pessoas, mas apenas por débitos do próprio trust. Digo que isso ocorre, em tese, porque no país estrangeiro onde o trust foi instituído esta realidade é respeitada. No entanto, perante o direito brasileiro, o tema gera polêmica e não existe uma segurança jurídica de que esta autonomia será aceita. A depender do caso concreto, é possível que as instituições brasileiras, Receita Federal, Banco Central, Poder Judiciário considerem que os valores que compõe o trust sejam de propriedade do seu beneficiário. A dificuldade, nesta hipótese, será trazer de volta para o Brasil estes valores, considerando que os países onde normalmente são instituídos os trusts possuem requisitos muito rígidos para aceitaram a "desconsideração" da relação contratual do trust. O direito brasileiro prevê a figura do trust? NÃO. Não existe na legislação brasileira a figura do trust, tal qual ocorre em outros países. Brasileiros instituem trust? Alguns brasileiros que possuem maior patrimônio fazem a instituição de trust no exterior, sendo isso realizado em outros países, em geral lugares considerados "paraísos fiscais" (países com tributação favorecida). Lugares onde comumente são instituídos trusts: Bermudas, Bahamas, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Caymans, Barbados, entre outros. O instituidor remete os recursos para o país e, nestes locais, existem profissionais ou empresas especializados neste tipo de negócio e eles ficam responsáveis pela administração dos valores. Quais são os motivos que levam a sua instituição? O trust, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não é, necessariamente, um negócio realizado com objetivos ilícitos ou escusos. Trata-se de uma forma de planejamento e de proteção patrimonial. Algumas razões que levam a pessoa a instituir um trust: • Proteger parte de seu patrimônio para o exterior com medo de incertezas que existam no país de origem (exs: risco de confisco, instabilidade política e econômica, perigo de que ocorra um golpe etc.); • Realizar, em vida, a partilha dos bens entre os herdeiros (ex: a pessoa transfere 30 milhões de dólares ao exterior para serem divididos em três trusts, tendo cada uma como beneficiário cada um dos seus três filhos); • Servir como forma de investimento ou planejamento tributário para pessoas que vivam boa parte do tempo no exterior (ex: a tributação em caso de transferência causa mortis de bens nos EUA é muito alta para pessoas físicas estrangeiras. Por causa disso, alguns brasileiros que compram imóvel naquele país, colocam-no em nome de um trust a fim de pagar menos impostos); • Investir em caridade (ex: um milionário resolve instituir um trust com 20 milhões de dólares determinando que o administrador utilize os recursos para amparar crianças na África). Obviamente que algumas pessoas também utilizam o trust com fins ilícitos. É o caso, por exemplo, do indivíduo que remeteu ou possui recursos não declarados no exterior e que, para esconder que é o real titular desses valores, institui um trust e transfere a ele a administração de tais quantias, prevendo que ele ou alguma pessoa interposta ("laranja") será o beneficiário.

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O trust, como regra, é irrevogável. No entanto, na maioria das vezes em que ele é utilizado para fins ilícitos, é prevista uma cláusula de revogabilidade do trust. Trata-se da figura do trust revogável, que não é muito bem visto por transmitir a ideia de que o instituto está sendo utilizado apenas para esconder o real proprietário dos bens e não para a real atividade nele declarada. Feita esta breve revisão, imagine a seguinte situação hipotética: A empresa “A1” ganhou o leilão para administrar uma importante rodovia em São Paulo. Como ela precisava fazer investimentos milionários de infraestrutura, decidiu captar dinheiro com outras empresas. Assim, a empresa “A1” (concessionária da rodovia estadual) celebrou com a empresa “B2” um contrato de financiamento a ser amortizado (pago em prestações) com vinculação de receita das praças de pedágio. Em outras palavras, a empresa “B2” emprestou alguns milhões de reais para a empresa “A1” e esta se comprometeu a pagar com o dinheiro que receberia do pedágio da rodovia. Para operacionalizar esse contrato e conferir maiores garantias ao mutuante (“B2”), as partes pactuaram que a receita do pedágio seria depositada em um banco interveniente (no caso, o BANCO SANTOS), que ficaria responsável por administrar essas receitas com o propósito de amortizar o financiamento, como num contrato de “trust”. Identificando os personagens deste trust: • Instituidor (settlor): A1 (concessionária que confiou a administração das receitas ao Banco Santos). • Administrador (trustee ou fiduciário): Banco Santos. • Beneficiário: B2. Falência do Banco Santos Estava indo tudo bem. Ocorre que, na vigência do contrato, foi decretada a falência do Banco Santos. Daí o juízo da falência arrecadou o saldo existente nesta conta em favor da massa falida. Diante desse fato, a concessionária (A1) apresentou requerimento ao juízo da falência pedindo a restituição dos valores. A empresa “A1” afirmou que essa conta constituiria patrimônio de afetação, de sorte que deveria ser aplicada a regra do art. 119, IX, da Lei nº 11.101/2005:

Art. 119. Nas relações contratuais a seguir mencionadas prevalecerão as seguintes regras: (...) IX – os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica, obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer.

Invocou também a incidência do entendimento exposto na Súmula 417 do STF:

Súmula 417-STF: Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade.

O pedido deve ser acolhido? NÃO.

Não é cabível a restituição de quantia em dinheiro que se encontra depositada em conta corrente de banco falido, em razão de contrato de trust. STJ. 3ª Turma. REsp 1.438.142-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 15/05/2018 (Info 631).

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Valores depositados no banco são arrecadados em caso de falência da instituição financeira Vale ressaltar que se um banco vai à falência, os valores depositados nas contas bancárias são considerados bens de titularidade da instituição financeira e serão arrecadados para pagamento das dívidas. Nesse sentido: (...) A Segunda Seção desta Corte firmou o entendimento de que o contrato de depósito bancário contém elementos tanto do depósito irregular como do mútuo, não se adequando, contudo, especificamente a nenhum deles. Assentou-se, ainda, que nesta espécie de contrato, o depositante transfere à instituição bancária a titularidade do valor depositado, possuindo o banco a sua total disponibilidade. Assim, decretada a falência ou a liqüidação extrajudicial da instituição financeira, o depósito passa a integrar a massa falida gerando direito de crédito, não se aplicando, destarte, o art. 76 do DL 7.661/45 nem a Súmula 417/STF que estipulam a restituição daquilo que o falido tem mera detenção ou custódia. (cf. REsp n.º 492.956/MG, DJU de 01/07/2004, entre muitos). (...) STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 509.329/MG, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado em 16/11/2004. Trust não pode ser considerado patrimônio de afetação Como vimos acima, o art. 119, IX, da Lei nº 11.101/2005 afirma que os “patrimônios de afetação” não serão arrecadados pela massa falida. No entanto, esse mesmo dispositivo diz que tais “patrimônios de afetação” deverão obedecer ao “disposto na legislação respectiva”. Diante disso, a doutrina e a jurisprudência entendem que somente os patrimônios de afetação previstos expressamente na legislação estão sujeitos a essa proteção normativa. Em outras palavras, os patrimônios de afetação referidos no art. 119, IX, da LFR são apenas os que tenham previsão legal, não se podendo aplicar essa previsão por analogia para o trust. Alguns exemplos de patrimônios de afetação previstos atualmente no ordenamento jurídico pátrio: herança, massa falida, securitização de créditos imobiliários, incorporação imobiliária, fundos e investimento imobiliário. Trust não tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro Conforme já explicado, o contrato de trust não tem regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro, e, apesar de estar previsto na Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável aos Trusts e sobre o Reconhecimento Deles, assinada em 1985, o Brasil não é signatário dessa convenção. Assim, não havendo norma jurídica que discipline o contrato de trust no Brasil, não há amparo legal para a afetação patrimonial que foi feita no caso concreto. Depósitos realizados no Banco Santos passaram a pertencer à instituição financeira Diante da ausência de previsão legal da figura do trust, os depósitos realizados no Banco Santos passaram a integrar o patrimônio deste, podendo ser objeto de arrecadação pela administração da massa, como de fato ocorreu. Não se aplica aqui a Súmula 417 do STF. Relembre a sua redação:

Súmula 417-STF: Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade.

O que essa súmula quer dizer é que é possível a restituição de dinheiro que esteja em poder do falido, mas em nome de outrem, sendo indisponível por força de lei ou contrato. No caso concreto, não há que se falar em indisponibilidade por “força de lei”, pois o trust não tem previsão legal no nosso ordenamento jurídico. E, quanto à indisponibilidade por força de contrato, essa Súmula tem aplicabilidade naqueles contratos em que não há transferência de titularidade sobre a quantia em dinheiro, como no mandato, ou em contratos que instituam patrimônio de afetação, nas hipóteses taxativamente autorizadas pela lei. No caso concreto, tratando-se de contrato de depósito em conta corrente bancária, o banco passou a deter a titularidade do dinheiro, o que é inerente a esse tipo de contrato.

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Reforça esse entendimento a norma do art. 6º, alínea “c”, da Lei nº 6.024/84 que, ao disciplinar a intervenção e liquidação extrajudicial de instituição financeira, estabelece que a intervenção terá como efeito imediato a “inexigibilidade dos depósitos já existentes à data de sua decretação”, o que denota que tais depósitos não se encontravam na titularidade do correntista, mas do banco. No caso dos autos, a receita das praças de pedágio, por estarem na titularidade do Banco Santos por força de contrato de depósito em conta corrente, passaram a integrar o patrimônio deste, sendo correta, portanto, a arrecadação em favor da massa falida, afastando a aplicação da Súmula 417 do STF. O que as empresas “A1” e “B2” terão que fazer agora é se habilitarem no quadro geral de credores.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO Análise de habeas corpus impetrado contra decisão do juiz que, na execução de título

extrajudicial, determinou a suspensão do passaporte e da CNH do executado

Importante!!!

Cabe habeas corpus para impugnar decisão judicial que determinou a retenção de passaporte

Em regra, não se admite a utilização de habeas corpus como substituto de recurso próprio, ou seja, se cabia um recurso para impugnar a decisão, não se pode aceitar que a parte prejudicada impetre um HC.

Exceção: se, no caso concreto, a decisão impugnada for flagrantemente ilegal, gerando prejuízo à liberdade do paciente, o Tribunal deverá conceder o habeas corpus de ofício.

O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, razão pela qual pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise. Isso vale não apenas para decisões criminais como também cíveis.

STJ. 4ª Turma. RHC 97.876-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/06/2018 (Info 631).

Não cabe habeas corpus para impugnar decisão judicial que determinou a suspensão de CNH

A suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular. Isso porque mesmo com a decretação da medida, o sujeito continua com a liberdade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo.

Logo, não cabe habeas corpus contra decisão que determina a apreensão de CNH.

STJ. 4ª Turma. RHC 97.876-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/06/2018 (Info 631).

STJ. 5ª Turma. HC 383.225/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 04/05/2017.

É ilegal medida coercitiva de retenção do passaporte em decisão não fundamentada e que não observou o contraditório, proferida no bojo de execução por título extrajudicial

Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária.

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Informativo comentado

Informativo 631-STJ (14/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

Para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual.

Vale ressaltar que o juiz até poderá, eventualmente, decretar a retenção do passaporte do executado desde que:

• seja obedecido o contraditório e

• a decisão proferida seja fundamentada e adequada, demonstrando-se a proporcionalidade dessa medida para o caso concreto.

STJ. 4ª Turma. RHC 97.876-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/06/2018 (Info 631).

Imagine a seguinte situação adaptada: A Escola Integral Ltda. ingressou com execução de título extrajudicial (duplicata) contra João cobrando uma dívida de R$ 20 mil, referente ao contrato de prestação de serviços educacionais. O executado foi citado para pagar a dívida no prazo de 3 dias, contado da citação (art. 829 do CPC). O devedor, contudo, não efetuou o pagamento. Diante disso, o juiz, a requerimento da exequente, determinou a suspensão do passaporte e da carteira nacional de habilitação (CNH) do executado. O pedido da exequente foi nos seguintes termos:

ESCOLA INTEGRAL LTDA EPP, já devidamente qualificada, por sua advogada que esta subscreve, nos autos da AÇÃO DE EXECUÇÃO que move em face de JOÃO DA SILVA SAURO, vem, à presença de Vossa Excelência, requerer a suspensão da CNH e passaporte do executado até que a devedor pague a dívida, objeto da presente ação, com base no art. 139, IV do CPC, in verbis: Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; Nestes termos, pede e espera deferimento.

O juiz assim deferiu a medida requerida:

Vistos. Defiro o pedido de fls. 104/105, oficiando-se ao Detran e à Policia Federal. Intime-se.

O executado impetrou habeas corpus contra esta decisão afirmando que ela seria ilegal e que violaria a sua liberdade de locomoção. A questão chegou até o STJ. Agiu corretamente o juiz? A decisão foi mantida? NÃO. Caberia habeas corpus neste caso? Em regra, não. Em regra, não se admite a utilização de habeas corpus como substituto de recurso próprio, ou seja, se cabia um recurso para impugnar a decisão, não se pode aceitar que a parte prejudicada impetre um HC. Exceção: se, no caso concreto, a decisão impugnada for flagrantemente ilegal, gerando prejuízo à liberdade do paciente, o Tribunal deverá conceder o habeas corpus de ofício. Nesse sentido:

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Informativo 631-STJ (14/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. STJ. 5ª Turma. HC 445.402/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 01/06/2018.

No caso concreto, o STJ entendeu que a parte não deveria ter ingressado com habeas corpus considerando que havia um recurso cabível contra o ato (agravo de instrumento). No entanto, apesar disso, os Ministros consideraram que a decisão era manifestamente ilegal e, por isso, o habeas corpus deveria ser concedido de ofício. Em tese, a apreensão de PASSAPORTE representa um cerceamento à liberdade de locomoção? Cabe habeas corpus neste caso? SIM. O remédio constitucional do habeas corpus é via processual adequada para que se avalie constrangimento ilegal no acautelamento de passaporte de investigados ou condenados penalmente. STJ. 6ª Turma. HC 411.485/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 21/11/2017.

O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, razão pela qual pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise. Isso vale não apenas para decisões criminais como também cíveis. STJ. 4ª Turma. RHC 97.876-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/06/2018 (Info 631).

Assim, é possível, em tese, a concessão de habeas corpus de ofício para a liberação de passaporte apreendido. Em tese, a apreensão de CNH representa um cerceamento à liberdade de locomoção? Cabe habeas corpus neste caso? NÃO.

A suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular. Isso porque mesmo com a decretação da medida, o sujeito continua com a liberdade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo. Logo, não cabe habeas corpus contra decisão que determina a apreensão de CNH. STJ. 4ª Turma. RHC 97.876-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/06/2018 (Info 631). STJ. 5ª Turma. HC 383.225/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 04/05/2017.

Efetividade do processo e princípio do resultado na execução O inciso IV do art. 139 do CPC/2015 representou uma importante novidade do Código e que teve por objetivo dar mais efetividade ao processo. Vamos ler outra vez o dispositivo:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

No caso do processo de execução, a adoção de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias apresenta-se como um importante instrumento para permitir a satisfação da obrigação que está sendo cobrada (obrigação exequenda). Com isso, podemos dizer que esse dispositivo homenageia (prestigia) o “princípio do resultado na execução”. Veja alguns enunciados doutrinários a respeito deste inciso:

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Enunciado 48 da ENFAM. O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais.

Enunciado 12 do FPPC. A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II.

Enunciado 396 do FPPC. As medidas do inciso IV do art. 139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º.

Atipicidade das medidas executivas Esse dispositivo representa a adoção, pelo CPC, de um modelo de atipicidade das medidas executivas. O que isso quer dizer? As medidas que o juiz pode determinar para a execução dos comandos judiciais não precisam estar expressamente previstas na lei, podendo o magistrado impor outras medidas que não estão listadas no Código. Ditames constitucionais devem ser respeitados A busca pela efetividade jurisdicional, apesar de ser incentivada, não pode, contudo, permitir que sejam tomadas medidas judiciais que afrontem os ditames constitucionais. Assim, somente será permitida a implementação de medidas executivas atípicas: • que sejam “não discricionárias” (isto é, as medidas tomadas não podem ser autoritárias) e • que restrinjam de forma razoável (proporcional) os direitos individuais. O fato de o legislador estabelecer que o juiz poderá determinar “todas” as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, não pode significar uma autorização ilimitada (um “cheque em branco”) para que o magistrado determine medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada. Desse modo, considerando que a redação do art. 139, IV é muito ampla, deve haver um filtro baseado na verificação da proporcionalidade da medida escolhida. Não sendo a medida adequada, necessária e proporcional, ela será considerada contrária à ordem jurídica. Medida foi desproporcional e não razoável No caso concreto acima exposto, o STJ considerou que deveria conceder a ordem no habeas corpus e determinar a restituição do PASSAPORTE ao executado. Isso porque se entendeu que a medida coercitiva imposta foi ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Ainda que o CPC/2015 tenha admitido a imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que no topo do ordenamento jurídico está a Constituição Federal, que protege de maneira especial o direito de ir e vir, em seu art. 5º, XV. Logo, quanto ao passaporte, o STJ entendeu que a decisão foi ilegal e determinou a restituição. No que tange à CNH, o STJ não conheceu do habeas corpus, tendo em vista que a retenção deste documento não gera restrição à liberdade de locomoção. É possível que a retenção de CNH por parte do juiz na execução também seja considerada ilegal, especialmente em se tratando de devedor que trabalha dirigindo. No entanto, para isso, é necessário que a parte prejudicada impugne a decisão por meio dos recursos próprios.

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Informativo 631-STJ (14/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22

Violação à liberdade de locomoção Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“(...) entendo que a decisão judicial que, no âmbito de ação de cobrança de duplicata, determina a suspensão do passaporte do devedor e, diretamente, impede o deslocamento do atingido, viola os princípios constitucionais da liberdade de locomoção e da legalidade, independentemente da extensão desse impedimento. Na verdade, segundo penso, considerando-se que a medida executiva significa restrição de direito fundamental de caráter constitucional, sua viabilidade condiciona-se à previsão legal específica, tal qual se verifica em âmbito penal, firme, ademais, no que dispõe o inciso XV do artigo 5° da Constituição Federal, segundo o qual ‘é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens’.”

Outros vícios: falta de fundamentação e desrespeito ao contraditório Além disso, no caso concreto, não foi observado o contraditório e a decisão judicial não foi minimamente fundamentada, apesar de ter imposto grave restrição de direito ao executado. A decisão limitou-se a deferir o pedido feito pelo exequente de suspensão do PASSAPORTE, sem preocupar-se com a demonstração de sua necessidade e utilidade. Para que haja a imposição de medida executiva de retenção de documentos, é necessária decisão fundamentada e respeito ao contraditório Os autores que defendem a possibilidade de apreensão de documentos para garantir a satisfação do crédito exequendo reconhecem que para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão proferida deverá ser: • fundamentada e • sujeita ao contraditório.

Na fundamentação da decisão, o magistrado deverá demonstrar que está adotando essa medida excepcional em razão da ineficácia dos meios executivos típicos. Se não fizer isso, o juiz estará, na verdade, aplicando uma verdadeira sanção processual, o que não foi o objetivo do Código. Nesse sentido: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa: art. 139, IV, do novo CPC. Revista de Processo, v. 42, n. 265, mar. 2017, p. 13. Assim, a utilização de medidas não previstas na lei (medidas executivas atípicas) somente deve acontecer quando aquelas já previstas se mostrarem ineficientes e/ou o devedor se valer de artifícios para não realizar a prestação devida.

Para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. STJ. 4ª Turma. RHC 97.876-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/06/2018 (Info 631).

Em suma:

Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. STJ. 4ª Turma. RHC 97.876-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/06/2018 (Info 631).

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Informativo 631-STJ (14/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23

A decisão acima explicada significa que o STJ NÃO admite a retenção de passaporte como medida executiva atípica do art. 139, IV, do CPC? Sempre que essa medida for imposta, o STJ irá declarar a decisão ilegal? NÃO. Não se pode generalizar. A decisão acima explicada levou em consideração as circunstâncias do caso concreto, não se podendo afirmar que o STJ tenha essa posição de forma geral. O juiz poderá eventualmente decretar a retenção do passaporte do executado desde que: • seja obedecido o contraditório e • a decisão proferida seja fundamentada e adequada, demonstrando-se a proporcionalidade dessa medida para o caso concreto.

O que consubstancia coação à liberdade de locomoção, ilegal e abusiva, é a decisão judicial de apreensão de passaporte como forma de coerção para o adimplemento de dívida civil representada em título executivo extrajudicial, tendo em vista a evidente falta de proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretende favorecer (adimplemento de dívida civil), diante das circunstâncias fáticas do caso em julgamento.

DIREITO PENAL

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Juiz não deve decretar o arresto dos bens do condenado como forma de

cumprimento forçado da prestação pecuniária (pena restritiva de direitos)

Em caso de descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos (ex: prestação pecuniária), o CP prevê, como consequência, a reconversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade. Logo, o juiz não deve decretar o arresto dos bens do condenado como forma de cumprimento forçado da pena substitutiva. A possibilidade de reconversão da pena já é a medida que, por força normativa, atribui coercividade à pena restritiva de direitos.

Ex: João foi condenado a pena de 3 anos de reclusão, tendo o juiz substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Uma delas foi o pagamento de prestação pecuniária no valor total de R$ 100 mil, parceladamente em 36 prestações mensais. O Ministério Público afirmou que o prazo para cumprimento da prestação pecuniária é muito longo e que haveria o risco de o condenado não pagar. Diante disso, pediu ao juiz que decretasse o arresto dos bens do sentenciado. Este requerimento deverá ser indeferido.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.699.665-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 07/08/2018 (Info 631).

Penas restritivas de direitos O Código Penal prevê que, em determinadas situações, a pessoa condenada a uma pena privativa de liberdade pode ter esta reprimenda substituída por uma ou duas penas restritivas de direito.

Quais são os requisitos cumulativos para a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos? Estão previstos no art. 44 do Código Penal e podem ser assim esquematizados:

1º requisito (objetivo): Natureza do crime e

quantum da pena

2º requisito (subjetivo): Não ser reincidente

em crime doloso

3º requisito (subjetivo): A substituição seja

indicada e suficiente

a) Crime doloso: • igual ou inferior a 4 anos;

Regra: não ser reincidente em crime doloso

A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social

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• sem violência ou grave ameaça a pessoa. b) Crime culposo: qualquer que seja a pena aplicada.

Exceção: § 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente (Princípio da suficiência da resposta alternativa ao delito).

Se a pessoa for condenada a... A pena privativa de liberdade aplicada poderá ser substituída por

Pena igual ou inferior a 1 ano de prisão a) Multa OU b) 1 pena restritiva de direito

Pena superior a 1 ano (até 4 anos) de prisão a) 1 pena restritiva de direito + multa OU b) 2 penas restritivas de direito.

Quais são as penas restritivas de direitos? As penas restritivas de direitos são: I - prestação pecuniária; II - perda de bens e valores; III - limitação de fim de semana; IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V - interdição temporária de direitos; VI - limitação de fim de semana.

Imagine agora a seguinte situação hipotética: João foi condenado a pena de 3 anos de reclusão pela prática do crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP). Na sentença, o juiz substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos: a) prestação de serviços à comunidade; b) prestação pecuniária no valor total de R$ 100 mil, montante a ser pago parceladamente em 36 prestações mensais.

Arresto O Ministério Público afirmou que o prazo para cumprimento da prestação pecuniária é muito longo (36 meses) e que haveria o risco de o condenado não pagar. Diante disso, o Parquet pediu ao juiz que decretasse o arresto dos bens do sentenciado, ou seja, eles ficariam indisponíveis para venda.

O pedido do Ministério Público deverá ser deferido? NÃO.

Descumprimento da pena restritiva de direitos gera a reconversão em privativa de liberdade O § 4º do art. 44 do CP prevê que, se a pena restritiva de direitos for injustificadamente descumprida, o juiz deverá (re)convertê-la em pena privativa de liberdade:

Art. 44 (...) § 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.

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Desse modo, a legislação previu uma consequência específica para o caso de descumprimento da pena restritiva de direitos. Isso significa que, se o réu não pagar a prestação pecuniária, a medida a ser adotada pelo juiz não é a alienação dos bens do condenado para pagamento da dívida, mas sim o “retorno” da pena privativa de liberdade. Logo, não faz sentido decretar o arresto dos bens do condenado considerando que, mesmo que ele descumpra a prestação pecuniária (espécie de pena restritiva de direitos), não haverá uma execução (cobrança judicial) da quantia. O que terá que ser feito é a conversão dessa pena restritiva de direitos em privativa de liberdade.

Em suma:

Em caso de descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos (ex: prestação pecuniária), o CP prevê, como consequência, a reconversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade. Logo, o juiz não deve decretar o arresto dos bens do condenado como forma de cumprimento forçado da pena substitutiva. A possibilidade de reconversão da pena já é a medida que, por força normativa, atribui coercividade à pena restritiva de direitos. STJ. 6ª Turma. REsp 1.699.665-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 07/08/2018 (Info 631).

CASA DE PROSTITUIÇÃO Somente ocorre o delito do art. 229 do CP se houver exploração sexual,

ou seja, violação à dignidade sexual

Importante!!!

Tema polêmico!

Não se tratando de estabelecimento voltado exclusivamente para a prática de mercancia sexual, tampouco havendo notícia de envolvimento de menores de idade, nem comprovação de que o réu tirava proveito, auferindo lucros da atividade sexual alheia mediante ameaça, coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das pessoas, não há falar em fato típico a ser punido na seara penal. Não se trata do crime do art. 229 do CP.

Mesmo após as alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 12.015/2009, a conduta consistente em manter “Casa de Prostituição” segue sendo crime tipificado no art. 229 do Código Penal. Todavia, com a novel legislação, passou-se a exigir a “exploração sexual” como elemento normativo do tipo, de modo que a conduta consistente em manter casa para fins libidinosos, por si só, não mais caracteriza crime, sendo necessário, para a configuração do delito, que haja exploração sexual, assim entendida como a violação à liberdade das pessoas que ali exercem a mercancia carnal.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.683.375-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14/08/2018 (Info 631).

NOÇÕES GERAIS SOBRE O CRIME DO ART. 229 DO CP (“CASA DE PROSTITUIÇÃO”)

Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Obs: caput com redação dada pela Lei nº 12.015/2009.

Em que consiste o crime: O agente... - mantém (ou seja, faz funcionar)

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- um estabelecimento (exs: bar, restaurante, motel, casa etc.) - onde ocorre, - com seu consentimento, - exploração sexual.

O crime se configura mesmo que: • o proprietário ou gerente não tenha intuito de lucro (ex: ele pode fazer isso apenas por prazer sexual); • o proprietário ou gerente não faça a intermediação direta para a ocorrência da exploração sexual (ou seja, mesmo que ele não promova diretamente a exploração sexual, bastando que consinta que ela ocorra no estabelecimento).

Crime habitual O tipo penal fala em “manter”, o que dá ideia de habitualidade, ou seja, não basta ele ter feito essa uma só vez. Ex: agente que promove uma festa em sua casa, em um só dia, onde ocorre exploração sexual. Tal conduta não configura o crime do art. 229 por falta de habitualidade.

Bem jurídico tutelado Dignidade sexual. A posição tradicional afirma que o bem jurídico seria a moralidade pública, no entanto, não é este o entendimento da doutrina mais moderna acerca do tema.

Sujeito ativo Trata-se de crime comum. Pode ser praticado por qualquer pessoa. “Qualquer pessoa pode praticar o delito, não apenas o proprietário, mas também o locador e gerente do estabelecimento (desde que, obviamente, cientes da destinação que é dada ao local)” (CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal. Parte Especial. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 497). Sujeito passivo A doutrina tradicional afirma que o sujeito passivo seria a coletividade. Seria, portanto, um crime vago. No entanto, para a posição mais moderna, como o bem jurídico tutelado não é a moral pública, mas sim a dignidade sexual, o sujeito passivo seria a pessoa explorada sexualmente. Esse é a opinião, por exemplo, da Min. Maria Thereza de Assis Moura: (...) o bem jurídico tutelado não é a moral pública mas sim a dignidade sexual como, aliás, o é em todos os crimes constantes do Título VI da Parte Especial do Código Penal, dentre os quais, o do artigo 229. E o sujeito passivo do delito não é a sociedade mas sim a pessoa explorada, vítima da exploração sexual.” (REsp 1.683.375-SP).

Elemento subjetivo É o dolo. Não admite modalidade culposa. Prevalece que não se exige especial fim de agir (elemento subjetivo especial). Conforme já explicado, não se exige também finalidade lucrativa. O crime pode se consumar tenha ou não o agente intuito de lucro.

Consumação Como já dito, trata-se de crime habitual. Isso significa que é necessária a repetição de atos a ponto de caracterizar, no caso concreto, que o agente está mantendo um estabelecimento para exploração sexual. É classificado como crime formal. Isso porque não exige, para a sua consumação, que tenha havido algum resultado naturalístico. Trata-se de crime permanente, de forma que, a qualquer momento, pode ocorrer a prisão em flagrante do responsável.

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Tentativa Prevalece que não é possível. Isso porque, para a doutrina majoritária, os crimes habituais, em regra, não admitem tentativa considerando que, para se chegar à consumação, é necessário que o agente pratique, de forma reiterada e habitual, a conduta descrita no tipo. Ou o agente comete a série de condutas e consuma a infração, ou o fato por ele levado a efeito é atípico. Alvará de funcionamento O fato de o proprietário ter obtido da prefeitura uma autorização (alvará) de funcionamento não serve para isentar o crime. Este alvará foi conseguido para o exercício de uma atividade lícita (ex: servir como restaurante etc.) e depois a sua utilização foi desvirtuada. Não se aplica o princípio da adequação social É cada vez mais comum observarmos estabelecimentos destinamos à exploração sexual. Tais locais são, inclusive, divulgados na mídia e nas redes sociais, havendo uma tolerância dos Poder Público para essas atividades. Apesar disso, o STJ entende que a conduta continua sendo crime e que não é possível aplicar o “princípio da adequação social” para absolver o acusado:

Eventual tolerância de parte da sociedade e de algumas autoridades públicas não implica a atipicidade material da conduta de manter estabelecimento em que ocorra exploração sexual, delito tipificado no artigo 229 do Código Penal. STJ. 5ª Turma. HC 238.688/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 06/08/2015.

Segredo de justiça O processo criminal que apura este delito, assim como ocorre com todos crimes contra a dignidade sexual, correrá em segredo de justiça (art. 234-B do CP). Sabe-se que, atualmente, uma grande parte dos motéis é utilizada, no Brasil, para encontros sexuais rápidos. Assim, não raro, os michês ou as prostitutas combinam, com seus clientes, de realizar seus programas sexuais em motéis. Diante disso, indaga-se: o proprietário ou gerente do motel responde por este delito? Prevalece que não. Isso porque a finalidade do motel não é servir para um local onde ocorra exploração sexual. Ainda que, atualmente, na prática, isso ocorra com frequência, o motel é um, por natureza, um local para alugar quartos de curtíssima temporada. Vale ressaltar que pode ocorrer exploração sexual também em hotéis, inclusive, hotéis tradicionais, de forma que não se pode dizer que tais lugares sejam destinados à exploração sexual. Uma pergunta correlata com o tema acima: prostituição é crime no Brasil? NÃO. O ato de se prostituir não é crime no Brasil. O que configura delito é explorar a prostituição dos outros. CASO CONCRETO JULGADO PELO STJ

O Ministério Público ofereceu denúncia contra o réu narrando, com algumas adaptações, os seguintes fatos: João era proprietário de um bar e restaurante denominado “Tesouro”. O agente, pretendendo aumentar a clientela e auferir maiores lucros, convidou mulheres de cidades próximas para se prostituírem no local. Para tanto, acertou com elas que forneceria hospedagem e alimentação em troca da realização de programas sexuais com clientes do estabelecimento. Conforme ficou combinado, quando os clientes chegassem ao local as garotas os convenceriam a pagar bebidas, que eram vendidas por doses e em valores superiores ao de mercado. Em seguida, essas mulheres acertariam com os clientes a realização de programa sexual num dos quartos do local, mediante o pagamento de valor ao dono do estabelecimento.

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Ao fim, a mulher ficaria com o valor correspondente ao programa enquanto o denunciado ganharia com a venda das bebidas e com o aluguel dos quartos. Diante desses fatos, o Ministério Público ofereceu denúncia contra João pela prática do crime previsto no art. 229 do CP:

Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

A questão chegou até o STJ. Houve crime? A 6ª Turma do STJ entendeu que NÃO. Vamos entender com calma os argumentos invocados. Lei 12.015/2009 A Lei nº 12.015/2009 alterou a redação do art. 229 do CP. Compare:

Antes ATUALMENTE

Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:

Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:

Mesmo após as alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 12.015/2009, a conduta consistente em manter “casa de prostituição” continua sendo crime tipificado no art. 229 do Código Penal. Todavia, com a novel legislação, passou-se a exigir a “exploração sexual” como elemento normativo do tipo, de modo que a conduta consistente em manter casa para fins libidinosos, por si só, não mais caracteriza crime, sendo necessário, para a configuração do delito, que haja exploração sexual. A finalidade específica e exclusiva do local deve ser a exploração sexual A doutrina e a jurisprudência entendem que, para a configuração do crime do art. 229 do CP, é necessário que fique demonstrada que a finalidade exclusiva e específica do local era a exploração sexual:

“7.2 Finalidade específica do local: exploração sexual. Por outro lado, é fundamental que se identifique com clareza e precisão a finalidade do local, isto é, do prostíbulo ou bordel, ou, se preferirem, a nova terminologia, “estabelecimento em que ocorra exploração sexual”. Essa finalidade deve, necessariamente, ser exclusiva e específica, isto é, deve tratar-se de local de encontros para a prática de libidinagem ou comércio da satisfação carnal, em outras palavras, para o exercício da prostituição ou, na linguagem do atual texto legal, de exploração sexual.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012).

Confira-se o seguinte precedente do STJ:

Em relação ao delito previsto no art. 229 do Código Penal, com a redação vigente à data dos fatos, a jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a figura típica somente se configura quando demonstrado que o estabelecimento é voltado exclusivamente para a prática de atos libidinosos mediante pagamento. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1424233/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 03/08/2017.

Desse modo, com a edição da Lei nº 12.015/2009, para que o delito se configure, passou a ser exigido que a finalidade específica e exclusiva do estabelecimento seja a prática de “exploração sexual”.

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Tolhimento à liberdade da pessoa Neste precedente, a 6ª Turma do STJ entendeu que, para a configuração do delito é necessário o tolhimento à liberdade da pessoa. Isso porque agora o tipo penal do art. 229 do CP fala em “exploração sexual”. Segundo entendeu a 6ª Turma, somente ocorre exploração sexual, para os fins do art. 229 do CP, quando houve uma violação à dignidade sexual, um cerceamento à liberdade das pessoas que ali exercem a mercancia carnal. Punir a conduta de manter um local onde as pessoas possam se prostituir com segurança gera mais riscos e perigos Conforme já explicado, o Brasil não pune a prostituição em si. Assim, não se deve impedir que pessoas maiores de idade disponham de um lugar para o exercício voluntário dessa atividade sexual. A única exigência é que as pessoas que estão se prostituindo não estejam sendo “exploradas”. Proibir esses locais onde a pessoa possa se prostituir com segurança, em última análise, significa lançar tais pessoas às mais diversas situações de risco e vulnerabilidade, expondo-as aos perigos da rua. Como explica Nucci:

“(...) torna-se necessário lembrar que a prostituição não é crime, razão pela qual deveria haver um lugar onde ela fosse desenvolvida sem qualquer obstáculo. Entretanto, o legislador brasileiro, embora não criminalize a prostituição, pretende punir quem, de alguma forma, a favorece. Não consegue visualizar que a marginalização da pessoa prostituída somente traz maiores dramas. Sem o abrigo legal, a pessoa prostituída cai na clandestinidade e é justamente nesse momento que surgem os aproveitadores. É evidente haver casas de prostituição de todos os moldes possíveis, com fachadas inocentes, mas onde a autêntica exploração sexual pode acontecer. Afinal, a pessoa prostituída vive na obscuridade, pois o Estado não pode puni-la, mas quer acertar contas com outras pessoas, as fornecedoras de qualquer auxílio à prostituição. É evidente ser necessária a punição do rufião, agressor e controlador da pessoa prostituída, atuando com violência ou grave ameaça. No entanto, se alguém mantém lugar para o exercício da prostituição, protegendo e abrigando a pessoa prostituída, menor mal causa à sociedade. Retirar-se-ia da via pública a prostituição, passando-a a abrigos controlados e fiscalizados pelo Estado. Em nossa visão, exploração sexual é expressão ligada a tirar proveito de alguém, em detrimento desta pessoa, valendo-se, primordialmente de fraude ou ardil. Não se pode confundi-la com violência sexual, nem com satisfação sexual. (...)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 14ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014)

Em suma:

Mesmo após as alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 12.015/2009, a conduta consistente em manter Casa de Prostituição segue sendo crime tipificado no art. 229 do Código Penal. Todavia, com a novel legislação, passou-se a exigir a “exploração sexual” como elemento normativo do tipo, de modo que a conduta consistente em manter casa para fins libidinosos, por si só, não mais caracteriza crime, sendo necessário, para a configuração do delito, que haja exploração sexual, assim entendida como a violação à liberdade das pessoas que ali exercem a mercancia carnal. Não se tratando de estabelecimento voltado exclusivamente para a prática de mercancia sexual, tampouco havendo notícia de envolvimento de menores de idade, nem comprovação de que o réu tirava proveito, auferindo lucros da atividade sexual alheia mediante ameaça, coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das pessoas, não há falar em fato típico a ser punido na seara penal. Não se trata do crime do art. 229 do CP. STJ. 6ª Turma. REsp 1683375/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14/08/2018.

Tema polêmico Vale ressaltar que o tema ainda é polêmico, existindo julgados em sentido contrário.

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CONTRABANDO / DESCAMINHO Competência da Justiça Federal

Importante!!!

Compete à Justiça Federal a condução do inquérito que investiga o cometimento do delito previsto no art. 334, § 1º, IV, do Código Penal, na hipótese de venda de mercadoria estrangeira, permitida pela ANVISA, desacompanhada de nota fiscal e sem comprovação de pagamento de imposto de importação.

STJ. Plenário. CC 159.680-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 08/08/2018 (Info 631).

Compete à Justiça Federal o julgamento dos crimes de contrabando e de descaminho, ainda que inexistentes indícios de transnacionalidade na conduta.

STJ. 3ª Seção. CC 160.748-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/09/2018 (Info 635).

Veja comentários em Direito Processual Penal.

CORRUPÇÃO ATIVA O pagamento integral do imposto sonegado extingue apenas a punibilidade da sonegação fiscal,

mas não influencia no delito de corrupção ativa que foi praticado em conjunto pelo agente

Importante!!!

O pagamento da diferença do imposto devido, antes do recebimento da denúncia, não extingue a punibilidade pelo crime de corrupção ativa atrelado ao de sonegação fiscal.

Ex: João, sócio de uma empresa, ofereceu e pagou propina ao fiscal para que pudesse recolher um valor menor de imposto. Assim, em vez de pagar R$ 400 mil de imposto, João pagou apenas R$ 100 mil. Os fatos foram descobertos. João praticou, em tese, corrupção ativa (art. 333 do CP) e sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90). Antes que a denúncia fosse oferecida, João pagou a diferença do imposto devido acrescido de multa, juros e correção monetária. Esse pagamento irá gerar a extinção do crime de sonegação fiscal, mas não da corrução ativa que deverá ser julgada normalmente.

STJ. 6ª Turma. RHC 95.557-GO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/06/2018 (Info 631).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, sócio de uma empresa, ofereceu e pagou vantagem pecuniária (propina) ao fiscal de tributos para que pudesse recolher um valor menor de imposto do que era realmente devido. Assim, em vez de pagar R$ 400 mil de imposto, João pagou apenas R$ 100 mil. Para fazer isso, João prestou declaração falsa e o fiscal, mesmo sabendo que era inverídica, aceitou como se fosse verdadeira. Esse fato foi descoberto pela Administração Tributária que, após apurar os tributos realmente devidos, encaminhou notícia crime ao Ministério Público. Em tese, quais foram os crimes praticados por João? Corrupção ativa (art. 333 do CP) e sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90):

Código Penal

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Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

Lei nº 8.137/90 Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

Pagamento do tributo devido Antes que a denúncia fosse oferecida pelo Ministério Público, João correu e pagou a diferença do imposto devido, ou seja, os R$ 300 mil (400-100) mais multa, juros e correção monetária. O pagamento do tributo gera algum efeito penal com relação ao delito de sonegação fiscal? SIM. O pagamento integral do débito fiscal realizado pelo agente é causa de extinção de sua punibilidade, conforme prevê a Lei nº 10.684/2003:

Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. (...) § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

No mesmo sentido, assim previa o art. 34 da Lei nº 9.249/95. O pagamento do tributo gera também a extinção da punibilidade com relação ao crime de corrupção ativa? NÃO. O art. 9º da Lei nº 10.684/2003 menciona os crimes aos quais são aplicadas suas regras: • arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90; • art. 168-A do CP (apropriação indébita previdenciária); • Art. 337-A do CP (sonegação de contribuição previdenciária). Repare, portanto, que a corrupção ativa (art. 333 do CP) não está listado nessas duas leis. Isso porque o objetivo do legislador, ao fixar essa extinção de punibilidade pelo pagamento, é o de arrecadar. Os crimes tributários (delitos fiscais) são utilizados pelo Estado como uma forma de cobrança. Trata-se de um modo de estimular que o sonegador pague o tributo devido, sob a “ameaça” do processo criminal. Mesmo sem a corrupção ativa estar prevista, não é possível aplicar essa regra por analogia em favor do réu? NÃO. São delitos totalmente distintos, com bem jurídicos tutelados igualmente diversos. A extinção da punibilidade dos crimes de cunho fiscal, pelo pagamento do tributo é justificado porque assim se estará protegendo a ordem tributária e garantindo a efetividade da arrecadação estatal. Em outras palavras, o Fisco vai receber aquilo que lhe devem.

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Por outro lado, no crime de corrupção ativa, o bem jurídico tutelado é o normal funcionamento e o prestígio da Administração Pública. Nesse sentido, oferecer a funcionário público vantagem ilícita para que cobre menos tributo é, em tese, conduta de maior reprovabilidade e não merece, por isso mesmo, benefício de extinção da punibilidade. Aceitar a extinção da punibilidade para a corrupção ativa subverteria a ordem da administração pública e estimularia o mesmo comportamento de outros agentes públicos. O mero pagamento do tributo devido não tem a força de apagar a agressão feita à Administração Pública com o crime de corrupção ativa.

Em suma:

O pagamento da diferença do imposto devido, antes do recebimento da denúncia, não extingue a punibilidade pelo crime de corrupção ativa atrelado ao de sonegação fiscal. STJ. 6ª Turma. RHC 95.557-GO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/06/2018 (Info 631).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Justiça Federal é competente para julgar venda de cigarro importado, permitido pela ANVISA, desacompanhada de nota fiscal e sem comprovação de pagamento do imposto de importação

Importante!!!

Compete à Justiça Federal a condução do inquérito que investiga o cometimento do delito previsto no art. 334, § 1º, IV, do Código Penal, na hipótese de venda de mercadoria estrangeira, permitida pela ANVISA, desacompanhada de nota fiscal e sem comprovação de pagamento de imposto de importação.

STJ. Plenário. CC 159.680-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 08/08/2018 (Info 631).

Compete à Justiça Federal o julgamento dos crimes de contrabando e de descaminho, ainda que inexistentes indícios de transnacionalidade na conduta.

STJ. 3ª Seção. CC 160.748-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/09/2018 (Info 635).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é camelô em Belo Horizonte e na sua barraca foram encontrados diversos pacotes de cigarro, da marca “Fume Bien”, disponíveis para venda. Os cigarros “Fume Bien” são oriundos do Paraguai e fazem muito sucesso no Brasil em razão de seu preço ser bem mais barato que os nacionais. São normalmente vendidos, clandestinamente, no mercado informal. Os cigarros da marca “Fume Bien” são aprovados pela ANVISA e, portanto, podem ser importados e comercializados no Brasil, desde que cumpridas as obrigações tributárias. Vale ressaltar, no entanto, que João não possuía nota fiscal dos cigarros apreendidos em sua posse. João confessou que adquiriu os cigarros de Pedro, um rapaz que também mora em Belo Horizonte e fornece mercadorias para os camelôs. Qual foi o crime, em tese, praticado por João? Descaminho, na figura equiparada prevista no art. 334, § 1º, IV, do CP (descaminho por assimilação):

Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 1º Incorre na mesma pena quem:

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(...) IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

Em que consiste o crime de descaminho? “Iludir” = “frustrar”. Esse é o sentido utilizado pelo tipo penal. Assim, iludir o pagamento do imposto significa “frustrar o pagamento do imposto”. O crime pode ocorrer em duas situações: • quando a pessoa traz para o Brasil (importa) uma mercadoria permitida, mas, ao fazê-lo, engana as autoridades e com isso não paga (ilude) o imposto devido; ou • quando a pessoa manda para fora do Brasil (exporta) uma mercadoria permitida, mas, ao fazê-lo, engana as autoridades e com isso não paga (ilude) o imposto devido. Obs: quando o tipo fala em imposto ou direito devido pelo “consumo de mercadoria”, ele está se referindo ao Imposto sobre Produtos Industrializados. O IPI também é conhecido, por razões históricas, como “imposto sobre o consumo”. Um dos fatos geradores do IPI é o desembaraço aduaneiro de produtos industrializados de procedência estrangeira (art. 46, I, do CTN). Algumas características do descaminho: • Impostos que o tipo penal visa proteger: imposto de importação (II), imposto de exportação (IE) e imposto sobre produtos industrializados (IPI). • Sujeito passivo: o Estado (mais especificamente a União, considerando que os impostos devidos nas operações de importação e exportação são federais). • Elemento subjetivo: dolo (não admite forma culposa). • Consumação: trata-se de crime formal. Para que seja proposta ação penal por descaminho, não é necessária a prévia constituição definitiva do crédito tributário. Não se aplica a SV 24 (Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo). • A competência para julgar o delito é da Justiça Federal, considerando que é praticado em detrimento de interesse da União na arrecadação dos impostos. • Em termos territoriais, a competência será da seção judiciária onde os bens foram apreendidos, não importando o local por onde entraram no país (no caso de importação) ou de onde seguiriam para o exterior (na hipótese de exportação). Tal entendimento está cristalizado em enunciado do STJ:

Súmula 151-STJ: A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.

Figuras equiparadas O § 1º do art. 334 prevê condutas equiparadas a descaminho. Em outras palavras, são situações nas quais o agente não é punido por ter importado ou exportado mercadoria iludindo o pagamento de imposto, mas sim por ter praticado uma conduta relacionada com a prática de descaminho. As figuras previstas no § 1º do art. 334 do CP são chamadas de “descaminho por assimilação”. Art. 334, § 1º, IV Trata-se de uma forma específica de receptação (art. 180 do CP). Se a pessoa aceita adquirir, receber ou ocultar, no exercício de atividade comercial ou industrial, uma mercadoria de procedência estrangeira sem os documentos que atestam que ela foi introduzida regularmente ou com documentos falsos, essa pessoa está fomentando o crime de descaminho. Este inciso pune a pessoa que pratica atividade comercial ou industrial envolvendo mercadoria de procedência estrangeira, que foi trazida para o Brasil de forma clandestina (sem que as autoridades soubessem) ou fraudulenta (enganando as autoridades).

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Voltando ao nosso exemplo: o inciso IV do § 1º do art. 334 fala em “exercício de atividade comercial”. João pode ser acusado deste delito mesmo tendo apenas uma barraca de camelô? Isso é considerado atividade comercial? SIM. Veja o que diz o § 2º do art. 334 do CP:

Art. 334 (...) § 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

Assim, não há dúvida de que a mercadoria é estrangeira, que João exercia atividade comercial (ainda que na informalidade) quando foi encontrada em sua posse e que não apresentou a nota fiscal correspondente à sua aquisição.

Por que João não responde pelo caput do art. 334 do CP? Porque, no caso concreto, não ficou demonstrado nenhum indício de que ele tenha, de alguma maneira, participado da importação dos cigarros. Ele responderia pelo caput se tivesse importado os cigarros ou, de alguma forma, concorrido para esta importação (ex: fornecido dinheiro para que alguém trouxesse os cigarros do Paraguai).

Por que João não responde por contrabando? Antes de responder, é necessário relembrar as principais diferenças entre contrabando e descaminho:

CONTRABANDO DESCAMINHO

Tipificado no art. 334-A do CP. Tipificado no art. 334 do CP.

Consiste em “importar ou exportar mercadoria proibida”.

Consiste em “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”

Corresponde à conduta de importar ou exportar mercadoria PROIBIDA. Obs: essa proibição pode ser absoluta ou relativa.

Corresponde à entrada ou à saída de produtos PERMITIDOS, todavia elidindo o pagamento do imposto devido. É a fraude utilizada para iludir o pagamento de impostos relacionados com a importação ou exportação de produtos.

NÃO é uma espécie de crime tributário. É uma espécie de crime tributário.

Bem jurídico: a moralidade administrativa, a saúde e a segurança pública. O bem juridicamente tutelado vai além do mero valor pecuniário do imposto elidido, alcançando também o interesse estatal de impedir a entrada e a comercialização de produtos proibidos em território nacional.

Bem jurídico protegido: interesse do Estado na arrecadação dos tributos. Além disso, alguns autores apontam que este crime também protege o controle estatal das importações e das exportações.

É INAPLICÁVEL o princípio da insignificância. Exceção: contrabando de pequena quantidade de medicamento para uso próprio (STJ EDcl no AgRg no REsp 1708371/PR).

APLICA-SE o princípio da insignificância se o valor do tributo cujo pagamento foi iludido não superar R$ 20 mil (posição majoritária).

NÃO admite suspensão condicional do processo (a pena é de 2 a 5 anos).

Admite suspensão condicional do processo (a pena é de 1 a 4 anos).

João não praticou contrabando porque a comercialização do cigarro da marca “Fume Bien” é permitida no Brasil. Logo, não se trata de mercadoria proibida. No entanto, para que essa venda ocorresse, seria

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necessário que o comerciante recolhesse os tributos devidos. Como não o fez, responde por descaminho por equiparação. Ressalte-se que, se os cigarros da marca “Fume Bien” fossem de importação proibida no Brasil (não fossem aprovados pela ANVISA), aí a conduta de João configuraria contrabando. De quem será a competência para processar e julgar este delito? Justiça Federal. Compete à Justiça Federal processar e julgar a conduta de expor à venda cigarros de importação permitida pela ANVISA, sem nota fiscal e sem comprovação de pagamento de imposto de importação. Como o descaminho tutela prioritariamente interesses da União, é de se reconhecer a competência da Justiça Federal para conduzir o inquérito policial e, eventualmente, caso seja oferecida denúncia, julgar a ação penal, aplicando-se o disposto no enunciado 151 do STJ:

Súmula 151-STJ: A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.

Compete à Justiça Federal a condução do inquérito que investiga o cometimento do delito previsto no art. 334, § 1º, IV, do Código Penal, na hipótese de venda de mercadoria estrangeira, permitida pela ANVISA, desacompanhada de nota fiscal e sem comprovação de pagamento de imposto de importação. STJ. Plenário. CC 159.680-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 08/08/2018 (Info 631).

Tese declinatória invocada por João A defesa de João, a fim de afastar a competência da Justiça Federal, alegou que não houve transnacionalidade na conduta do agente. João argumentou que a mercadoria apreendida já havia sido internalizada e que ele não concorreu de qualquer forma, direta ou indireta, para a efetiva importação desses cigarros. Ele explicou que comprou os cigarros em Belo Horizonte (MG) e os revendia apenas nesta cidade, de sorte que a sua conduta não envolvia mais de um país, sendo apenas um comércio interno. Logo, não havendo transnacionalidade da conduta, a competência para julgar os fatos seria da Justiça Estadual (e não da Justiça Federal). Essa tese de João é aceita pelo STJ? Para que o descaminho seja de competência da Justiça Federal, é necessária a comprovação da transnacionalidade da conduta? NÃO.

Compete à Justiça Federal o julgamento dos crimes de contrabando e de descaminho, ainda que inexistentes indícios de transnacionalidade na conduta. STJ. 3ª Seção. CC 160.748-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/09/2018 (Info 635).

O simples fato do produto mantido em depósito ter origem estrangeira é suficiente, por si só, para atrair a competência da Justiça Federal. Os crimes de contrabando e de descaminho tutelam prioritariamente interesse da União porque a ela compete privativamente definir os produtos que não podem ingressar no país, além de exercer a fiscalização aduaneira e de fronteira (arts. 21, XXII e 22, VIII, da CF/88). Além disso, os impostos exigidos para a entrada de mercadorias no país são tributos de competência da União.

Última pergunta: no caso concreto, seria possível aplicar o princípio da insignificância? SIM. O STJ e a 2ª Turma do STF admitem a aplicação do princípio da insignificância para o descaminho se o valor do tributo cujo pagamento foi iludido não superar R$ 20 mil. Logo, na prática, nos casos concretos envolvendo camelô, geralmente é aplicado o princípio da insignificância, tendo em vista que normalmente não se ultrapassa essa quantia.

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DIREITO PENAL / PROCESSUAL PENAL MILITAR

CONCUSSÃO É possível aplicar a agravante do art. 70, II, “l” do CPM ao crime de concussão (art. 305)

Importante!!!

A aplicação da agravante genérica prevista no art. 70, II, "l", do Código Penal Militar não configura bis in idem pelo crime de concussão, quando praticado por militar em serviço.

Não existe óbice para que, no crime de concussão, quando praticado em serviço, seja aplicada a agravante genérica prevista no art. 70, II, “l”, do CPM (“estando de serviço”), isto é, não há ocorrência de bis in idem, porquanto a ideia de exigir vantagem indevida em virtude da função não tem correlação com o fato de o militar estar em serviço (em escala especial).

STJ. 3ª Seção. EREsp 1.417.380-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/08/2018 (Info 631).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, policial militar, estava fazendo uma blitz de rotina quando parou o veículo de Pedro. Ao revistar o carro, João encontrou droga no automóvel. Diante disso, João exigiu R$ 500 de Pedro para liberá-lo. O fato foi descoberto e o militar foi denunciado pela prática do crime de concussão (art. 305 do CPM). Além disso, o Ministério Público pediu a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 70, II, “l”. Veja os dispositivos imputados:

Art. 305. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Art. 70. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não integrantes ou qualificativas do crime: (...) II - ter o agente cometido o crime: (...) l) estando de serviço;

A defesa do réu alegou, dentre outros argumentos, que a agravante do art. 70, II, “l”, não pode ser imputada para o crime de concussão considerando que este delito sempre é praticado “em serviço”. Em outras palavras, o cometimento da concussão durante o exercício da atividade seria algo inerente ao próprio tipo penal, ou seja, seria algo lógico e sempre necessário. Dessa forma, seria inaplicável a agravante prevista no art. 70, II, “l”, do Código Penal Militar (estando em serviço), sob pena de bis in idem. O STJ acolhe essa tese defensiva? Há bis in idem neste caso? NÃO. Concussão O delito de concussão, definido tanto no Código Penal Militar (art. 305) quanto no Código Penal (art. 316), com idêntica redação, consiste em um crime “impropriamente militar”.

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O referido delito configura-se mediante a conduta do agente (militar ou assemelhado, nos termos do art. 21 do CPM) que exige, direta ou indiretamente, na função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. Dessa descrição, é possível listar a existência de ao menos três elementos centrais que constituem a conduta criminosa: a) exigência feita pelo agente (direta ou indiretamente); b) conduta intimidatória (em razão da função exercida ou a exercer pelo agente) e c) o objetivo de obter vantagem indevida. Mesmo não estando em serviço, o agente pode praticar concussão Pela leitura do art. 305 do CPM, constata-se que o agente “estar em serviço” não é uma elementar do crime. Dito de outra forma: para que se configure o delito de concussão, não é necessário que o agente esteja em serviço. Mesmo não estando em serviço, o agente pode praticar este crime. O legislador, ao descrever a conduta, explicita que o crime se caracteriza ainda que o agente esteja fora da função ou até antes de assumi-la. Assim, o crime pode se configurar mesmo que a exigência seja feita por agente que ainda não tenha, por questões circunstanciais, a atribuição de praticar o ato que ensejou a intimidação da vítima. Art. 70, II, “l” exige que o agente esteja em “serviço de escala” A agravante genérica prevista no art. 70, II, "l", do CPM ("estando de serviço") diz respeito ao efetivo desempenho das atividades relacionadas com a função policial militar, assim como daquelas atividades ligadas ao cumprimento de ordens emanadas de autoridade competente ou de disposições regulamentares características da rotina militar. Há, na ideia referente à expressão contida no art. 70, II, "l", do CPM, um caráter dinâmico, específico e prático, que é percebido pelo comportamento exteriorizado do agente por meio da realização de atos concretos inerentes às suas atribuições em um dado momento. A expressão “em serviço”, que também não deve ser confundida com situação de expediente regulamentar, insere-se na hipótese de militar submetido à designação de tarefas não compreendidas dentro do expediente normal, mas prestadas em escala especial. Em suma:

A aplicação da agravante genérica prevista no art. 70, II, "l", do Código Penal Militar não configura bis in idem pelo crime de concussão, quando praticados por militar em serviço. Não existe óbice para que, nos crimes de concussão, quando praticados em serviço, seja aplicada a agravante genérica prevista no art. 70, II, “l”, do CPM (“estando de serviço”), isto é, não há ocorrência de bis in idem, porquanto a ideia de exigir vantagem indevida em virtude da função não tem correlação com o fato de o militar estar em serviço (em escala especial). STJ. 3ª Seção. EREsp 1.417.380-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/08/2018 (Info 631).

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DIREITO TRIBUTÁRIO

CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS Possibilidade de compensação dos créditos de AITP com débitos de tributos federais

Baixa relevância

Os créditos tributários provenientes do Adicional de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso - AITP, reconhecidos judicialmente, podem ser compensados com outros débitos tributários federais administrados pela Secretaria da Receita Federal, nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/96.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.738.282-ES, Rel. Min. Gurgel de Faria, Rel. Acd. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 21/06/2018 (Info 631).

Lei 9.430/96 A Lei nº 9.430/96 dispõe sobre a legislação tributária federal. O art. 74 da Lei permite que o sujeito passivo (contribuinte) utilize créditos tributários reconhecidos judicialmente para compensar débitos tributários. Para que haja essa compensação, no entanto, é indispensável que tanto os créditos como os débitos sejam de tributos administrados pela Receita Federal. Ex: uma empresa tem R$ 100 mil em créditos de IPI e tem R$ 80 mil de débitos de Imposto de Importação. Tanto o IPI como o Imposto de Importação são tributos administrados pela Receita Federal. Isso significa que essa empresa poderá compensar esses débitos com os créditos. Veja a redação do dispositivo:

Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.

Adicional de Indenização dos Trabalhadores Portuários (AITP) A Lei nº 8.630/93 era a antiga Lei dos Portos e que foi revogada pela Lei nº 12.815/2013. A Lei nº 8.630/93 previa um valor que era pago aos trabalhadores portuários, sendo chamado de Adicional de Indenização dos Trabalhadores Portuários (AITP). O AITP era uma espécie de tributo* cobrado em caso de operações de embarque e desembarque de mercadorias importadas ou exportadas por navegação de longo curso e seu valor era revertido em favor dos trabalhadores portuários. Esse adicional existiu durante os anos de 1994 a 1997. * Segundo a posição majoritária, o AITP seria uma contribuição de intervenção no domínio econômica, com fulcro no art. 149 da CF/88. Compensação envolvendo AITP Uma determinada empresa queria utilizar créditos de AITP que ela possuía para quitar débitos relacionados com tributos federais. A Fazenda Nacional não aceitou o pedido afirmando que não se poderia incluir o AITP na compensação autorizada pelo art. 74 da Lei nº 9.430/96. Isso porque a lei previa que a gestão dos recursos do AITP era de competência do Banco do Brasil (art. 65). Logo, não se tratava de tributo administrado pela Secretaria da Receita Federal.

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A questão chegou até o STJ. O que decidiu o Tribunal? É possível a referida compensação? SIM. A compensação é possível porque se deve considerar a AITP como um tributo administrado pela Receita Federal. Administrar tributos não se restringe apenas à arrecadação dos recursos, estando também relacionado com a fiscalização e a cobrança. Embora a destinação do produto de arrecadação do AITP não fosse a mesma destinação de outros tributos arrecadados pela SRF, visto que a atribuição de gestor dos recursos foi delegada ao Banco do Brasil (responsável pela gestão do Fundo de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso), a Secretaria da Receita Federal continuava responsável por fiscalizar o recolhimento do AITP, conforme previam os §§ 1º e 4º do art. 65 da Lei nº 9.430/96:

Art. 65 (...) § 1º Dentro do prazo previsto neste artigo, os operadores portuários deverão apresentar à Receita Federal o comprovante do recolhimento do AITP. (...) 4º Os órgãos da Receita Federal não darão seguimento a despachos de mercadorias importadas ou exportadas, sem comprovação do pagamento do AITP.

Logo, é possível considerar que o AITP também era administrado pela Secretaria da Receita Federal, de forma a autorizar que os créditos relativos a esse tributo, reconhecidos judicialmente, sejam compensados com outros débitos tributários federais. Em suma:

Os créditos tributários provenientes do Adicional de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso - AITP, reconhecidos judicialmente, podem ser compensados com outros débitos tributários federais administrados pela Secretaria da Receita Federal, nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/96. STJ. 1ª Turma. REsp 1.738.282-ES, Rel. Min. Gurgel de Faria, Rel. Acd. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 21/06/2018 (Info 631).

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA PRIVADA Intervenção da PREVIC em EFPC pode ser prorrogada mais de uma vez

A intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) nas entidades fechadas de previdência privada deve perdurar pelo tempo necessário ao saneamento da entidade, podendo o prazo inicial de duração ser prorrogado mais de uma vez.

Não se aplica o art. 4º da Lei nº 6.024/74. Isso porque existe uma regra específica na LC 109/2001 dizendo, de forma ampla, que “a intervenção será decretada pelo prazo necessário”.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.734.410-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/08/2018 (Info 631).

Entidades de previdência privada Existem duas espécies de entidade de previdência privada (entidade de previdência complementar): as entidades de previdência privada abertas e as fechadas.

ABERTAS (EAPC) FECHADAS (EFPC)

As entidades abertas são empresas privadas constituídas sob a forma de sociedade anônima,

As entidades fechadas são pessoas jurídicas, organizadas sob a forma de fundação ou

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que oferecem planos de previdência privada que podem ser contratados por qualquer pessoa física ou jurídica. As entidades abertas normalmente fazem parte do mesmo grupo econômico de um banco ou seguradora. Exs: Bradesco Vida e Previdência S.A., Itaú Vida e Previdência S.A., Mapfre Previdência S.A., Porto Seguro Vida e Previdência S/A., Sul América Seguros de Pessoas e Previdência S.A.

sociedade civil, mantidas por grandes empresas ou grupos de empresa, para oferecer planos de previdência privada aos seus funcionários. Essas entidades são conhecidas como “fundos de pensão”. Os planos não podem ser comercializados para quem não é funcionário daquela empresa. Ex: Previbosch (dos funcionários da empresa Bosch).

Possuem finalidade de lucro. Não possuem fins lucrativos.

São geridas (administradas) pelos diretores e administradores da sociedade anônima.

A gestão é compartilhada entre os representantes dos participantes e assistidos e os representantes dos patrocinadores.

Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) é uma autarquia federal, de natureza especial, e que tem como principal função fiscalizar as atividades desempenhadas pelas entidades fechadas de previdência complementar. A PREVIC foi criada e é regida pela Lei nº 12.154/2009. Intervenção na EFPC As entidades de previdência complementar gerenciam o dinheiro de muitas pessoas que buscam, após anos de contribuição, conseguirem se aposentar quando estiverem em idade mais avançada, época na qual já não mais poderão trabalhar com o mesmo vigor. Trata-se, portanto, de uma atividade de enorme responsabilidade e de grande interesse público. Diante disso, o Poder Público exerce uma intensa fiscalização sobre tais entidades a fim de que os recursos sejam gerenciados com responsabilidade. Nesse cenário, a LC 109/2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar, prevê a possibilidade de intervenção estatal na entidade de previdência complementar que não estiver desempenhando corretamente suas atividades, de modo a indicar que há um comprometimento da solvabilidade. No art. 44 são listadas as hipóteses em que essa intervenção é autorizada:

Art. 44. Para resguardar os direitos dos participantes e assistidos poderá ser decretada a intervenção na entidade de previdência complementar, desde que se verifique, isolada ou cumulativamente: I - irregularidade ou insuficiência na constituição das reservas técnicas, provisões e fundos, ou na sua cobertura por ativos garantidores; II - aplicação dos recursos das reservas técnicas, provisões e fundos de forma inadequada ou em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos competentes; III - descumprimento de disposições estatutárias ou de obrigações previstas nos regulamentos dos planos de benefícios, convênios de adesão ou contratos dos planos coletivos de que trata o inciso II do art. 26 desta Lei Complementar; IV - situação econômico-financeira insuficiente à preservação da liquidez e solvência de cada um dos planos de benefícios e da entidade no conjunto de suas atividades; V - situação atuarial desequilibrada; VI - outras anormalidades definidas em regulamento.

Desse modo, pode-se dizer que a intervenção e a liquidação extrajudicial das entidades de previdência fechadas são medidas de interferência estatal decretadas com o intuito de velar pelos interesses de

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participantes e assistidos dos planos de benefícios, já que a entidade encontra-se em graves irregularidades e desequilíbrio patrimonial, com déficit financeiro de difícil equacionamento. Assim, tais regimes excepcionais de administração visam impedir o encerramento precoce das atividades do ente de previdência privada, de modo a manter a higidez do sistema previdenciário complementar, não apenas evitando prejuízos aos beneficiários, mas também prevenindo danos sistêmicos aptos a afetar a credibilidade do setor perante a sociedade e os atores econômicos. Regramento da intervenção A intervenção nas entidades de previdência privada é regida pelos arts. 44 a 46 da LC 109/2001. Subsidiariamente, podem ser aplicadas as regras da intervenção e liquidação extrajudicial das instituições financeiras previstas na Lei nº 6.024/1974. É o que prevê o art. 62 da LC 109/2001:

Art. 62. Aplicam-se à intervenção e à liquidação das entidades de previdência complementar, no que couber, os dispositivos da legislação sobre a intervenção e liquidação extrajudicial das instituições financeiras, cabendo ao órgão regulador e fiscalizador as funções atribuídas ao Banco Central do Brasil.

Quem decreta a intervenção nas entidades fechadas de previdência privada? A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC). É isso que preconiza o art. 2º, VI, da Lei nº 12.154/2009:

Art. 2º Compete à Previc: (...) VI - decretar intervenção e liquidação extrajudicial das entidades fechadas de previdência complementar, bem como nomear interventor ou liquidante, nos termos da lei;

Quais os resultados possíveis da intervenção? Ao final da intervenção, poderão surgir dois cenários: 1) Conclui-se que é possível o saneamento das disfunções encontradas e, neste caso, é aprovado um plano de recuperação para a entidade; 2) Constata-se que o funcionamento da entidade não é mais viável e, nesta hipótese, será decretada a sua liquidação extrajudicial. Nesse sentido, veja o que diz o art. 46 da LC 109/2001:

Art. 46. A intervenção cessará quando aprovado o plano de recuperação da entidade pelo órgão competente ou se decretada a sua liquidação extrajudicial.

Qual é o prazo que irá durar essa intervenção? Aqui temos a seguinte polêmica: • O art. 45 da LC 109/2001 diz que a intervenção deverá durar pelo tempo necessário ao saneamento da entidade (não limitando o prazo nem a possibilidade de prorrogação):

Art. 45. A intervenção será decretada pelo prazo necessário ao exame da situação da entidade e encaminhamento de plano destinado à sua recuperação. (...)

• O art. 4º da Lei nº 6.024/74, por sua vez, prevê que o prazo de intervenção nas instituições financeiras deverá ser de, no máximo, 6 meses, prorrogável uma só vez, por mais 6 meses:

Art. 4º O período da intervenção não excederá a seis (6) meses o qual, por decisão do Banco Central do Brasil, poderá ser prorrogado uma única vez, até o máximo de outros seis (6) meses.

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Qual das duas regras deverá ser aplicada para a intervenção em entidades fechadas de previdência privada? Imaginemos que a PREVIC decretou a intervenção de uma entidade fechada e fixou o prazo de 6 meses para a sua conclusão. Chegando ao fim, este prazo foi prorrogado. É possível nova prorrogação? SIM. Em caso de intervenção em entidade fechada de previdência privada não se aplica a limitação estabelecida pelo art. 4º da Lei nº 6.024/74. Não se aplica esse art. 4º porque existe uma regra específica na LC 109/2001 dizendo, de forma ampla, que “a intervenção será decretada pelo prazo necessário”. O Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) regulamentou a matéria na Resolução MPS/CGPC nº 24/2007, que preconiza:

Art. 8º Na decretação do regime especial de intervenção será estabelecido prazo de duração de até 180 (cento e oitenta) dias, prorrogável, excepcionalmente, a critério da Secretaria de Previdência Complementar, pelo prazo que esta estabelecer.

Em suma:

A intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) nas entidades fechadas de previdência privada deve perdurar pelo tempo necessário ao saneamento da entidade, podendo o prazo inicial de duração ser prorrogado mais de uma vez. STJ. 3ª Turma. REsp 1.734.410-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/08/2018 (Info 631).

Prorrogação deve ser sempre excepcional Vimos acima que não há um limite de prorrogações para a intervenção nas entidades fechadas de previdência privada. Contudo, mesmo sendo possíveis sucessivas prorrogações segundo as particularidades do caso, é preciso atentar para o fato de que a prorrogação da intervenção deve ser sempre excepcional, ou seja, não deve violar a razoabilidade, já que não existe intervenção permanente, sendo totalmente desaconselhada uma intervenção de longa duração.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Sociedade empresária em recuperação judicial não pode participar de licitação, desde que demonstre,

na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica. ( ) 2) É possível a penhora de bem de família de condômino, na proporção de sua fração ideal, se inexistente

patrimônio próprio do condomínio para responder por dívida oriunda de danos a terceiros. ( ) 3) O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou

divisão da coisa, desde que comprovado ter obtido algum proveito. ( ) 4) (DPE/RS 2018 FCC) No que diz respeito ao Condomínio Edilício, o adquirente de unidade responde pelos

débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios. ( ) 5) (PGM São Luís 2016 FCC) Tércio, síndico do Condomínio São Luís, promoveu ação contra Cipriano por

falta de pagamento de despesas condominiais. A ação foi promovida, não em nome de Tércio, mas em nome do Condomínio. O polo ativo da relação jurídica processual foi assim estabelecido porque o condomínio edilício constitui exemplo de A) ente despersonalizado. B) sociedade em conta de participação. C) pessoa física. D) sociedade em comum. E) associação.

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6) A revelia em ação de divórcio na qual se pretende, também, a exclusão do patronímico adotado por

ocasião do casamento não significa concordância tácita com a modificação do nome civil. ( ) 7) (MP/PB 2018 FCC) A presunção de veracidade decorrente da revelia processual é

A) absoluta em matéria patrimonial e relativa quando se referir a direitos indisponíveis. B) absoluta e diz respeito à matéria de fato e de direito. C) relativa e diz respeito somente à matéria de direito. D) absoluta, mas diz respeito apenas à matéria de direito. E) relativa e diz respeito somente à matéria fática.

8) Não é cabível a restituição de quantia em dinheiro que se encontra depositada em conta corrente de banco falido, em razão de contrato de trust. ( )

9) Cabe habeas corpus contra decisão que determina a apreensão de Carteira Nacional de Habilitação (CNH). ( )

10) O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, razão pela qual pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise. Isso vale não apenas para decisões criminais como também cíveis. ( )

11) Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. ( )

12) Não se tratando de estabelecimento voltado exclusivamente para a prática de mercancia sexual, tampouco havendo notícia de envolvimento de menores de idade, nem comprovação de que o réu tirava proveito, auferindo lucros da atividade sexual alheia mediante ameaça, coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das pessoas, não há falar em fato típico a ser punido na seara penal. ( )

13) O pagamento da diferença do imposto devido, antes do recebimento da denúncia, não extingue a punibilidade pelo crime de corrupção ativa atrelado ao de sonegação fiscal. ( )

14) Compete à Justiça Federal a condução do inquérito que investiga o cometimento do delito previsto no art. 334, § 1º, IV, do Código Penal, na hipótese de venda de mercadoria estrangeira, permitida pela ANVISA, desacompanhada de nota fiscal e sem comprovação de pagamento de imposto de importação. ( )

15) A Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal aplica-se não só aos crimes materiais e formais previstos na Lei nº 8.137/1990, mas também ao crime de descaminho. ( )

16) A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens. ( )

17) A aplicação da agravante genérica prevista no art. 70, II, "l", do Código Penal Militar não configura bis in idem pelo crime de concussão, quando praticado por militar em serviço. ( )

18) A intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) nas entidades fechadas de previdência privada deve perdurar pelo tempo necessário ao saneamento da entidade, podendo o prazo inicial de duração ser prorrogado mais de uma vez. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. E 4. C 5. Letra A 6. C 7. Letra E 8. C 9. E 10. C

11. C 12. C 13. C 14. C 15. E 16. C 17. C 18. C