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Editorial Informativo Junho / 2012 - ano 01 - Edição n° 05 Boletim Eletrônico Mensal da Associação Mineira de Epidemiologia e Controle de Infecções Para continuar recebendo o boletim eletrônico da AMECI, responda a este e-mail informando nome completo e formação. ASSISTÊNCIA DOMICILIAR E CONTROLE DE INFECÇÕES Na última década, a assistência domiciliar tem sido ampliada. O motivo deste movimento está associado ao aumento da expectativa de vida da população, a tendência em diminuir o tempo de internação hospitalar e em proporcionar um maior conforto ao paciente e família, mediante a necessidade de cuidados especiais pós-alta. Este modelo de assistência está presente na formulação das políticas públicas de saúde e de assistência social (Portaria 2416, Lei 10.424b e RDC 11 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e na estratégia de serviços privados, que ampliaram as indicações de atendimento domiciliares, a fim de reforçar a qualidade do cuidado no domicílio e diminuir as reinternações hospitalares. No entanto, é necessário entendermos as práticas de prevenção e controle de infecções a nível domiciliar. Dentro dessa abordagem, Dra. Mariana de Carvalho Melo nos proporciona uma importante contextualização: “Assistência Domiciliar e Controle de Infecções”. Guilherme Augusto Armond - Presidente AMECI 1 Nos últimos anos, o Brasil vem apresentando um novo padrão demográfico que se caracteriza pela redução da taxa de crescimento populacional e por transformações profundas na composição de sua estrutura etária, com um significativo aumento do contingente de idosos. Em menos de 50 anos, o país passou de um perfil de mortalidade típico de uma população jovem para um desenho caracterizado por enfermidades complexas e mais onerosas, próprias das faixas etárias mais avançadas. O grupo etário de 60 anos ou mais duplicará, em termos absolutos, no período de 2000 a 2020, ao passar de 13,9 para 28,3 milhões, elevando-se, em 2050, para 64 milhões (IBGE, 2009). Nesse contexto de envelhecimento da população, de cronificação de muitas doenças e do alto custo da atenção hospitalar, surge a necessidade de se pensar em novas formas de atuação, novos espaços e processos de trabalho que incluem: hospital-dia, internações domiciliares, cuidados domiciliares e preparação para o autocuidado. (FIGUEIREDO RM, MAROLDI MAC, 2012). A utilização do domicílio como espaço de atenção busca racionalizar a utilização dos leitos hospitalares e os custos da atenção (internação domiciliar no SUS), além de promover, restaurar e manter o conforto, a função e a saúde das pessoas num nível máximo, incluindo cuidados para uma morte digna (OMS, 2003). Em concordância com relatos históricos, os cuidados em saúde realizados no domicílio já foram descritos no Egito Antigo e também na Grécia (em relatos de Asképlios e Hipócrates) (BENJAMIM, 1993). Na Europa, no final do século XVIII, antes do surgimento dos hospitais e dos ambulatórios, já se praticava a atenção no domicílio como modalidade de cuidado (SILVA KL et al, 2005). Nos Estados Unidos, a primeira unidade de assistência domiciliar surgiu em 1947 e teve como motivações iniciais descongestionar os hospitais e proporcionar aos pacientes e familiares um ambiente psicológico mais saudável (REHEM & TRAD 2005 APUD RIBEIRO, 1999). No Brasil, os primeiros relatos de visita domiciliar datam da década de 1920, a partir da incorporação desta prática aos serviços sanitários, voltada quase que exclusivamente para a eliminação das grandes epidemias de doenças infecto- contagiosas, através das campanhas de vacinação (SANTOS EM, KIRSCHBAUM DIR, 2008). Em 1949 foi criado o Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência (inicialmente ligado ao Ministério do Trabalho e incorporado ao INPS em 1967) e em 1960 a Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (FSESP) que desenvolvia atividades de serviços na unidade, no domicílio e na comunidade; com abordagem integral da família, visita domiciliar, prevenção de doenças, monitoramento de grupos de risco e vigilância sanitária (REHEM & TRAD 2005 APUD RIBEIRO, 1999). Segundo Jarvis et. al (2001), de 1975 a 1995 houve uma redução de 5% nas admissões hospitalares nos EUA, bem como redução de 33% no tempo de internação hospitalar e de 27% nos procedimentos cirúrgicos; além de quase haver igualdade no número de pessoas recebendo cuidados domiciliares (cerca de 34 milhões) em relação a pessoas recebendo cuidados hospitalares. Paralelamente no Brasil, houve decréscimo de 8,5% no número de hospitalizações na região sudeste do país, no período de 2004 a 2008 e aumento do número de estabelecimentos de saúde que não oferecem internação hospitalar, com predomínio de instituições privadas (IBGE, 2009). O controle, a vigilância e a prevenção de infecções vinham sendo estudados como disciplina principalmente no âmbito hospitalar no período de 1960 a 2000. Entretanto, como tem sido Mariana de Carvalho Melo Graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Médica Infectologista e Especialista em Controle de Infecções Hospitalares. Membro da CCIH do Hospital da Baleia. Auditora da Unimed BH. Membro Diretor da AMECI.

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Para continuar recebendo o boletim eletrônico da AMECI, responda a este e-mail informando nome completo e formação.

ASSISTÊNCIA DOMICILIAR E CONTROLE DE INFECÇÕES

Na última década, a assistência domiciliar tem sido ampliada. O motivo deste movimento está associado ao aumento da expectativa de vida da população, a tendência em diminuir o tempo de internação hospitalar e em proporcionar um maior conforto ao paciente e família, mediante a necessidade de cuidados especiais pós-alta.

Este modelo de assistência está presente na formulação das políticas públicas de saúde e de assistência social (Portaria 2416, Lei 10.424b e RDC 11 da Agência Nacional de Vigilância

Sanitária) e na estratégia de serviços privados, que ampliaram as indicações de atendimento domiciliares, a fim de reforçar a qualidade do cuidado no domicílio e diminuir as reinternações hospitalares. No entanto, é necessário entendermos as práticas de prevenção e controle de infecções a nível domiciliar. Dentro dessa abordagem, Dra. Mariana de Carvalho Melo nos proporciona uma importante contextualização: “Assistência Domiciliar e Controle de Infecções”.

Guilherme Augusto Armond - Presidente AMECI

1

Nos últimos anos, o Brasil vem apresentando um novo padrão demográfico que se caracteriza pela redução da taxa de crescimento populacional e por transformações profundas na composição de sua estrutura etária, com um significativo aumento do contingente de idosos.

Em menos de 50 anos, o país passou de um perfil de mortalidade típico de uma população jovem para um desenho caracterizado por enfermidades complexas e mais onerosas, próprias das faixas etárias mais avançadas. O grupo etário de 60 anos ou mais duplicará, em termos absolutos, no período de 2000 a 2020, ao passar de 13,9 para 28,3 milhões, elevando-se, em 2050, para 64 milhões (IBGE, 2009).

Nesse contexto de envelhecimento da população, de cronificação de muitas doenças e do alto custo da atenção hospitalar, surge a necessidade de se pensar em novas formas de atuação, novos espaços e processos de trabalho que incluem: hospital-dia, internações domiciliares, cuidados domiciliares e preparação para o autocuidado. (FIGUEIREDO RM, MAROLDI MAC, 2012).

A utilização do domicílio como espaço de atenção busca racionalizar a utilização dos leitos hospitalares e os custos da atenção (internação domiciliar no SUS), além de promover, restaurar e manter o conforto, a função e a saúde das pessoas num nível máximo, incluindo cuidados para uma morte digna (OMS, 2003).

Em concordância com relatos históricos, os cuidados em saúde realizados no domicílio já foram descritos no Egito Antigo e também na Grécia (em relatos de Asképlios e Hipócrates) (BENJAMIM, 1993). Na Europa, no final do século XVIII, antes do surgimento dos hospitais e dos ambulatórios, já se praticava a atenção no domicílio como modalidade de cuidado (SILVA KL et al, 2005). Nos Estados Unidos, a primeira unidade de assistência domiciliar surgiu em 1947 e teve como motivações iniciais descongestionar os hospitais e proporcionar aos pacientes e familiares um ambiente psicológico mais saudável (REHEM & TRAD 2005 APUD RIBEIRO, 1999). No Brasil, os primeiros relatos de visita domiciliar

datam da década de 1920, a partir da incorporação desta prática aos serviços sanitários, voltada quase que exclusivamente para a eliminação das grandes epidemias de doenças infecto-contagiosas, através das campanhas de vacinação (SANTOS EM, KIRSCHBAUM DIR, 2008). Em 1949 foi criado o Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência (inicialmente ligado ao Ministério do Trabalho e incorporado ao INPS em 1967) e em 1960 a Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (FSESP) que desenvolvia atividades de serviços na unidade, no domicílio e na comunidade; com abordagem integral da família, visita domiciliar, prevenção de doenças, monitoramento de grupos de risco e vigilância sanitária (REHEM & TRAD 2005 APUD RIBEIRO, 1999).

Segundo Jarvis et. al (2001), de 1975 a 1995 houve uma redução de 5% nas admissões hospitalares nos EUA, bem como redução de 33% no tempo de internação hospitalar e de 27% nos procedimentos cirúrgicos; além de quase haver igualdade no número de pessoas recebendo cuidados domiciliares (cerca de 34 milhões) em relação a pessoas recebendo cuidados hospitalares. Paralelamente no Brasil, houve decréscimo de 8,5% no número de hospitalizações na região sudeste do país, no período de 2004 a 2008 e aumento do número de estabelecimentos de saúde que não oferecem internação hospitalar, com predomínio de instituições privadas (IBGE, 2009).

O controle, a vigilância e a prevenção de infecções vinham sendo estudados como disciplina principalmente no âmbito hospitalar no período de 1960 a 2000. Entretanto, como tem sido

Mariana de Carvalho Melo Graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

Médica Infectologista e Especialista em Controle de Infecções Hospitalares. Membro da CCIH do Hospital da Baleia.

Auditora da Unimed BH. Membro Diretor da AMECI.

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observada mudança contínua na prestação de serviços de saúde, os programas de controle de infecção precisam se adequar a esse novo cenário. (RHINEHART, 2001).

A expansão dos serviços de assistência domiciliar no Brasil culminou com a necessidade de criação de Leis e regulamentos técnicos de funcionamento dos serviços de atenção domiciliar, resultando na Lei nº10424 de 16/04/2002 que acrescenta à Lei Orgânica de Saúde a assistência e a internação domiciliar; e na Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 11 de 26 de janeiro de 2006 que, dentre outras disposições, atribui ao serviço de atenção domiciliar o dever de elaborar e implementar um Programa de Prevenção e Controle de Infecções e Eventos Adversos (PCPIEA) visando a redução da incidência e da gravidade desses eventos; de garantir o fornecimento e orientar o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), conforme as atividades desenvolvidas; de possuir um sistema de controle que permita a rastreabilidade dos equipamentos, dos medicamentos e dos materiais; de garantir a implantação das normas e rotinas de limpeza e desinfecção de artigos, superfícies e equipamentos utilizados diretamente na assistência ao paciente, sob supervisão do responsável pelo PCPIEA; e de avaliar a assistência domiciliar com indicadores de mortalidade, internação, infecção e alta domiciliar (ANVISA, 2006). Entretanto, não ficam definidos claramente os conceitos e critérios de infecção associada ao atendimento domiciliar.

Em concordância com documento publicado em 2008 pela Association for Professionals in Infection Control and Epidemiology (APIC), as infecções associadas à assistência são aquelas que se desenvolvem em pacientes que estejam em contato com qualquer tipo de serviço de saúde, seja ele hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, e que estão relacionadas ao cuidar em saúde. Portanto, as infecções associadas à assistência no domicílio são aquelas identificadas após o início da assistência e que não estavam presentes ou em período de incubação no momento da admissão do paciente em regime de atenção domiciliar. Classificar as infecções de ocorrência domiciliar como associadas à assistência não significa necessariamente que elas sejam causadas pela equipe de atenção domiciliar. A relação é temporal (ligada a tempo, espaço ou evento) e não causal, e as infecções podem refletir exposição à microorganismos trazidos por familiares, por visitantes ou presentes no próprio ambiente domiciliar. O principal fator de risco para infecção é a presença de dispositivos invasivos (cateter vascular e sonda vesical de demora como exemplos) e a infecção mais comum, segundo literatura internacional, é infecção do trato urinário. Ainda há poucos estudos sobre infecção em pacientes que recebem cuidados domiciliares, o que torna extremamente importante a sistematização de métodos de vigilância para melhor entendimento da epidemiologia de tais infecções.

Ainda com base nas recomendações da APIC, os programas de vigilância das infecções associadas à assistência domiciliar são voltados para a identificação de seis topografias: infecções de trato urinário, relacionadas ao não ao uso de sonda vesical de demora; infecções do trato respiratório, que inclui infecções por Influenza e infecções do trato respiratório inferior; infecções de corrente sanguínea, relacionadas a cateter ou não e laboratorialmente confirmadas ou não; infecções de pele e partes moles, como celulites, infecções em úlcera de decúbito, infecções em sítio de inserção de cateter e de ostomias, infecções cirúrgicas e infecções por fungos e por herpes vírus; infecções de olho, ouvido, nariz e orofaringe, como conjuntivites, sinusites, otites e faringites; e infecções gastrointestinais, como as gastroenterites e as infecções associadas ao Clostridium difficile.

As evidências literárias internacionais sugerem, até o presente momento, que seja reforçada a implementação das precauções padrão e da higienização das mãos, bem como a prevenção de infecções por meio de vacinação; que seja fornecido suporte administrativo e educação continuada às equipes envolvidas com a assistência domiciliar, que os antimicrobianos sejam usados de maneira racional e que seja realizada a vigilância de microorganismos multirresistentes, embora existam poucas evidências da transmissão entre pacientes, devendo ser foco

da vigilância os equipamentos utilizados pelo paciente e os profissionais de saúde possivelmente colonizados, sempre com vistas à qualidade da assistência e à segurança do paciente.

O controle de infecções em domicílio é assunto complexo e ainda apresenta dificuldades, a serem citadas: poucas empresas com profissionais especialistas em controle de infecções; faltam critérios nacionais de vigilância e controle de infecções em domicílio, o que não permite comparações entre diferentes instituições; o cuidado oferecido ao paciente nem sempre pode ser monitorado; há perda de seguimento dos pacientes e dificuldade de recuperar dados clínicos e laboratoriais; poucos estudos nacionais sobre controle de infecções associadas à atenção domiciliar; grandes disparidades populacionais; diferenças entre os serviços de atenção domiciliar público e privado. É de extrema importância a discussão e adoção de critérios nacionais, com base em estudos que retratem o perfil de pacientes atendidos em todas as esferas, para que seja identificado o real impacto de tais infecções na assistência domiciliar.

Referências Bibliográficas:1-Siegel JD, et al. Management of Multidrug-Resistant Organisms in Healthcare Settings, CDC, 2006.2-Manangan LP, at al. Feasibility of National Surveillance of Healthcare Associates Infections in Home Care Settings, Emerging Infectious Diseases, vol. 8, no. 3, March 2002.3-Siegel JD, et al. Guideline for Isolation Precautions: Preventing Transmission of Infectious Agents in Healthcare Settings, CDC, 2007.4-Jarvis WR, Infection Control and Changing Health-Care Delivery Systems, Emerging Infectious Diseases, vol. 7, no. 2, March – April 2001.5-Embry FC, Chinnes LF. APIC - HICPAC Surveillance Definitions for Home Health Care and Home Hospice Infections, APIC, 2008.6-Santos EM, Kirschbaum DIR. A trajetória histórica da visita domiciliária no Brasil: uma revisão bibliográfica. Revista Eletrônica de Enfermagem [Internet]. 2008;10(1):220-227. Available from: URL: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n1/v10n1a20.htm.7-BRASIL, Indicadores Sociodemográficos e de Saúde no Brasil, IBGE, 2009.BRASIL, Caderno de Atenção Domiciliar, Abril 2012.8-Figueiredo RM, Maroldi MAC, Internação domiciliar: risco de exposição biológica para a equipe de saúde, Rev Esc Enferm USP 2012; 46(1):145-50 Available from: URL: www.ee.usp.br/reeusp/.9-Rhinehart E, Infection Control in Home Care, Emerging Infectious Diseases, vol. 7, no. 2, March – April 2001.10-Rehem, TCM, Trad, lAB. Home health care: subsidies for a primary care project in Brazil. Ciênc. saúde coletiva. [online]. Sept./Dec. 2005, vol.10 suppl. [cited 25 July 2006], p.231-242. Disponível: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-.11-Silva KL, et al. Internação Domiciliar no Sistema Único de Saúde, Ver Saúde Pública 2005;39(3):391-7.

“Fique atento às Câmaras Técnicas da AMECI: Centro Cirúrgico e CME”. Em breve.