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0 FABIANA KANAN OLIVEIRA INFLUÊNCIAS CULTURAIS E IDENTITÁRIAS NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA COMO UMA LÍNGUA ADICIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEXTO BRASILEIRO Porto Alegre 2015

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FABIANA KANAN OLIVEIRA

INFLUÊNCIAS CULTURAIS E IDENTITÁRIAS NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA COMO UMA LÍNGUA ADICIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE

O CONTEXTO BRASILEIRO

Porto Alegre 2015

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FABIANA KANAN OLIVEIRA

INFLUÊNCIAS CULTURAIS E IDENTITÁRIAS NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA COMO UMA LÍNGUA ADICIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE

O CONTEXTO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Centro Universitário Ritter dos Reis como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientadora: Prof. Dra. Valéria Silveira Brisolara

Porto Alegre

2015

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INFLUÊNCIAS CULTURAIS E IDENTITÁRIAS NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA COMO UMA LÍNGUA ADICIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE

O CONTEXTO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão defendido e aprovado como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras pela banca examinadora constituída por:

_____________________________________ Valéria Brisolara - UNIRITTER

Orientadora

_____________________________________ Regina da Costa da Silveira - UNIRITTER

Membro da banca

_____________________________________ Elisabete Longaray - FURG

Membro da banca

Porto Alegre 2015

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AGRADECIMENTOS

Ao olhar para trás e lembrar das oportunidades acadêmicas e profissionais

que me trouxeram até aqui, vejo o quanto as influências identitárias e culturais me

colocaram neste caminho, o caminho da docência, esse processo humanizador que

fomenta o desenvolvimento das potencialidades do ser humano. Por isso gostaria de

deixar expresso meu profundo agradecimento, primeiramente de forma geral, a

todas as pessoas e experiências que colaboraram pra que eu chegasse até um

curso de pós-graduação. Não foram muitos, mas com certeza o número suficiente

de professores, principalmente na graduação, que me inspiraram a seguir esta

carreira difícil, mas certamente recompensadora.

Primeiramente, agradeço à minha orientadora, a Professora Doutora Valéria

Brisolara, sem cuja orientação tal trabalho não teria alcançado o resultado obtido por

meio de sua ajuda e dedicação. Fico muito feliz de tê-la conhecido nos tempos da

graduação e tamanha foi a minha satisfação de reencontrá-la na Uniritter. Meu muito

obrigada pela paciência, pelos inúmeros encontros e pela compreensão, acima de

tudo. Foi muito importante encontrar alguém que escutou minhas ideias e acreditou

que esse projeto seria possível. Sem a contribuição dela, com certeza ele não o

seria.

Gostaria de também agradecer às professoras que compõem o corpo docente

do Mestrado em Letras da UniRitter: Leny da Silva Gomes, Rejane Pivetta Oliveira, e

Neiva Tebaldi Gomes, muito obrigada por tantas interações excelentes dentro e fora

da sala de aula. Certamente muitas das lições que influenciaram o movimento

constante de construção de nossas identidades, sem dúvida, adquiriram uma

dimensão que vai bem além da sala de aula, se estendendo a todos os setores de

nossas vidas.

Em especial, agradeço às professoras Vera Pires, Regina da Costa da

Silveira e Noeli Reck Maggi, também professoras do Mestrado em Letras UniRitter,

por terem me mostrado, nesses dois anos de curso, que o exemplo sempre será o

aprendizado mais duradouro. A convivência com essas professoras me inspirou e

certamente reforçou minha vontade de seguir lecionando, agora em mais uma nova

etapa da caminhada.

Às professoras Regina da Costa da Silveira, da UniRitter, e à Elizabete

Longaray, da FURG, agradeço por gentilmente terem aceito o convite para participar

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da banca de defesa e também a Vera Pires, por participar da banca de qualificação

deste trabalho. Suas colocações e contribuições foram de grande valia para o

fechamento desta pesquisa.

Gostaria de aproveitar e agradecer a todos os meus alunos, que ao longo de

todos esses anos têm sido meus parceiros de aprendizado. Dizem que uma boa

receita para se obter felicidade é fazer algo de que se goste. Quanto a isso, creio

que acertei. Aos meus colegas de mestrado do UniRitter, pelas inúmeras trocas e as

muitas colaborações. Nunca pensei que pudesse encontrar uma turma tão unida, sei

que muitos de vocês vão me acompanhar para o resto da vida. Agradeço também

aos meus amigos, que me apoiaram e estiveram ao meu lado, principalmente

nesses dois últimos anos que se exigiu bastante de mim, sacrificando um tanto a

vida social. Agradeço em especial ao meu amigo PR, que me fez ver a importância

das influências identitárias na vida de uma pessoa. Sem essas influências não seria

quem hoje sou.

Por último, mas não menos importante, gostaria de agradecer à minha família

por todo o apoio desde sempre. À minha mãe Ana Maria, pelo zelo com a minha

educação, por me estimular a ser uma leitora ávida e pelos incontáveis “ditadões”,

que com certeza me ajudaram a escrever mais corretamente. Ao meu pai Luiz

Celso, que fez o melhor para que eu tivesse uma boa educação e me apoiou nas

minhas decisões profissionais. Em especial, meu muito obrigado à minha irmã, Ana

Paula, que foi a maior incentivadora para que eu fizesse um mestrado e desde cedo

me deu bons exemplos.

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“A responsabilidade para com aquilo que dizemos e ensinamos as novas gerações a dizer é um desses tesouros cuja única garantia é a caução da confiança depositada na palavra do outro”.

(MOITA LOPES, 2002)

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RESUMO

Durante o processo de desenvolvimento de um indivíduo, aprende-se importantes conceitos relacionados com língua, cultura e identidade, que inevitavelmente estão incrustados no código social, parte da herança cultural da qual todos somos herdeiros. Esses sentimentos que fazem com que nos identifiquemos com um país, com uma língua, com uma cultura e tantas identidades que atualmente estão ao nosso alcance, nem sempre são conscientes. Ao nascer dentro de uma cultura específica, herdamos muitos padrões e tendências que, posteriormente, influenciam todos os setores da vida e somos incessantemente bombardeados por influências, muitas vezes nem sequer questionamos por que pensamos ou agimos desta ou de outra maneira. A economia, a política e a sociedade são apenas alguns desses fatores que influenciam diretamente na educação. Como nunca aprendemos uma língua isoladamente; todos os fatores associados à língua, as influências culturais e identitárias são determinantes no processo de ensino/aprendizagem. Assim, o objetivo deste estudo é refletir sobre o quanto essas influências culturais e identitárias dentro de sala de aula – mas que acabam por estender-se mais além, para outros setores da vida do aprendiz, como a vida familiar e profissional – incidem não apenas no aprendizado de LI, mas por integrarem um contexto maior, formarão e consolidarão as identidades diversas que o aprendiz desenvolverá ao longo de um processo mais amplo de educação. Seguindo os preceitos postulados pela Teoria Sociocultural (TSC), ao sinalizar que o indivíduo se constrói através da interação com o meio social, encontramos vários indícios para ancorar nossa hipótese de que conceitos como as identidades linguística, cultural, nacional e social são indissociáveis do ensino de língua e consequentemente, imprescindíveis para a formação e desenvolvimento do aprendiz. Como o indivíduo é constituído na e pela linguagem ao atribuir compreensões de sentido ao mundo, a si e aos outros indivíduos, por meio de uma relação dialógica entre as significações, tudo que é ideológico é um signo e sem signos não existe ideologia. A consciência individual possui um caráter socioideológico, porque os indivíduos se organizam socialmente para que os signos possam fazer sentido, que por sua vez permeia a relação do sujeito com a língua e a história com o objetivo de construir sentidos; ou seja, a linguagem só faz sentido porque ela está inscrita na história. Assim, através das relações entre língua, cultura e identidade, buscamos refletir acerca das influências culturais e identitárias presentes no processo de ensino/aprendizagem sofridas pelos aprendizes brasileiros de língua inglesa a fim de contribuir para as práticas de sala de aula.

Palavras-chave: Língua. Cultura. Identidade. Ensino/Aprendizagem de língua inglesa.

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ABSTRACT

During their development process, people learn many concepts related to language, thought, and culture, mostly part of a social code, or are included in what we can call cultural heritage, from which we are all heirs. The feelings that make us identify ourselves with a country – such as the language, the culture and so many identities, which nowadays are at our disposal – are not always conscious ones. The fact of being born in a specific culture will define many patterns and tendencies that will, in turn, influence all sectors of an individual`s life. Economy, politics, culture and the social aspects of a community are some of the factors that can directly influence education. Since a language is never learned isolatedly, all factors associated to language and the cultural and identitary influences will be crucial for the teaching/ learning process. Thus, the objective of this study is to demonstrate how these cultural e identitary influences within the English language classroom, though they can be stretched into a bigger picture, to many other sectors of the learner’s life, such as the social, family and work environments. These influences affect not only in the teaching/learning process, but as they integrate a broader context, they will form and consolidate the various identities, which the learner will develop during her/his education process. Following the principles of the Sociocultural Theory (SCT), as it indicates that an individual construct herself/himself through the interaction with the social milieu. We found many evidences to support our leading question which states that concepts such as linguistic, cultural, national and social identities are indissociable to language learning and; consequently, indispensable to the learner’s formation and development. Since individuals are constituted by a language, they attribute meaning to the world for themselves and other individuals; we end up with several relations that are dialogic and at the same time, ideological. Without signs there is no ideology – that is why the individual conscience has a socio-ideological character; they organize themselves socially, so they can make sense out of the signs they create because languages only can be understood through relations among people who are inevitably inscribed in history. This way, through the relations among language, culture and identity, we aim at a reflection of the cultural and identitary influences present in the teaching/learning process suffered by a group of Brazilian leaners of English, in order to contribute to classroom practices. Keywords: Language. Culture. Identity. English teaching/learning.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ALA – Aprendizagem de Língua Adicional ASL – Aquisição de Segunda Língua LA – Língua Adicional LE – Língua Estrangeira LI – Língua Inglesa LM – Língua Materna L1 – Primeira Língua L2 – Segunda Língua PCNLE – Parâmetros Curriculares Nacionais para Língua Estrangeira TSC – Teoria Sociocultural

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................10

2 RELAÇÕES ENTRE LÍNGUA, CULTURA E IDENTIDADE .................................17

3 O CONTEXTO BRASILEIRO ................................................................................33

4 A TEORIA SOCIOCULTURAL E O ENSINO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUA

INGLESA COMO LÍNGUA ADICIONAL ..................................................................46

5 IMPLICAÇÕES DE LÍNGUA, CULTURA E IDENTIDADE PARA O ENSINO DE

LÍNGUA INGLESA NO CONTEXTO BRASILEIRO ................................................60

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................77

REFERÊNCIAS ........................................................................................................85

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1 INTRODUÇÃO

Pesquisar conceitos relacionados com língua, cultura e identidade, assim

como questões relacionadas a esses temas não é um empreendimento fácil.

Durante o processo de amadurecimento de um indivíduo, ele aprende noções que

estão relacionadas com esses conceitos, mas a maioria delas se encontra no código

social, ou então, fazem parte da herança cultural, da qual somos todos herdeiros.

Esses sentimentos que fazem com que nos identifiquemos com um país, com uma

língua, com uma cultura e tantas identidades que atualmente estão ao nosso

alcance, nem sempre são conscientes. O fato de nascer dentro de uma cultura

específica define muitos padrões e tendências que, por sua vez, influenciam em

todos os setores da vida de um indivíduo. A economia, a política, a cultura da

sociedade são apenas alguns dos fatores que podem influenciar diretamente na

educação.

No caso do Brasil, um país ainda jovem, impossível não pensar nas relações

entre colonizador e colonizado, pois temos uma cultura que nasceu condicionada

pela dominação colonial, situação que selou o destino dos brasileiros. A

miscigenação dos povos, a língua imposta por Portugal, a influência de economias e

culturas de maior imposição são elementos formadores do povo brasileiro que

trouxeram uma herança inegável para o que somos até hoje. Somos o produto de

toda a nossa história, das escolhas sociais, políticas e econômicas feitas ao longo

dos tempos e convivemos com as consequências de todos esses eventos.

Uma dessas consequências trata de um complexo de inferioridade

desenvolvido pelo brasileiro em virtude desse passado – encarado como ruim,

porque impregnado da subalternidade da terra tropical e inferioridade dos povos de

cor – o que acarretava na rejeição do que era nacional e principalmente popular.

Esses sentimentos trazem inconformação com nosso mundo considerado

“atrasado”, nas palavras de Darcy Ribeiro (1972, p. 109), entre outros, cuja cultura

apenas consegue imitar mediocremente o estrangeiro, deixando nosso povo

indiferente para os valores da própria terra e da nossa gente. Para descrever esse

fenômeno, o escritor Nelson Rodrigues (1993) cunhou a expressão “complexo de

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vira-latas” 1, que mais tarde foi empregada em outras áreas, como a da pesquisa

científica e da política.

Aproximando esse quadro do contexto desta pesquisa, o aprendizado de

língua inglesa como língua adicional 2 (doravante LA) no Brasil, os aprendizes

brasileiros também parecem sofrer influências culturais e identitárias durante o

processo de ensino/aprendizagem, ao mostrarem que são herdeiros da cultura e da

identidade nacional brasileira, como não poderia ser diferente. Assim, quando o

brasileiro decide aprender uma LA existe uma série de fatores sociais, culturais,

identitários e linguísticos que influenciam esse processo. Toda experiência do

indivíduo, assim como todas as situações históricas que construíram sua identidade

sociocultural e nacional exercem influência na aprendizagem. Com base em minha

própria vivência, pude observar que o aprendiz brasileiro parece ter uma tendência

de querer apagar todos os traços de sua língua e cultura materna quando aprende

uma LA – mais em relação à pronúncia e fala, porque também existe a condição

inata de ter como parâmetro a língua materna (doravante LM) ao estudar outras

línguas. Essa situação parece ser causada por diversos fatores, que são abordados

no desenvolvimento desta pesquisa.

Uma das motivações para este trabalho foi poder observar – durante os anos

em que estudei a língua inglesa na condição de aluna (porque na condição de

professora, também tenho, ao longo desses quase quinze anos, feito muitos cursos

com o intuito de me especializar e aprender cada vez mais) – brasileiros e

estrangeiros aprendendo a LI dentro e fora de um ambiente formal de ensino, como

uma sala de aula. Em especial, ao morar e estudar pelo período de um ano nos

Estados Unidos, tive um contato diário muito estreito com outros estrangeiros que,

assim como eu, tinham o objetivo de aperfeiçoar o estudo da LI; principalmente, no

que diz respeito à fala. Naturalmente o grupo de estrangeiros tornou-se muito unido,

uma vez que tínhamos objetivos comuns e enfrentávamos a mesma situação: o

estranhamento que resulta da exposição a uma nova língua e cultura.

1 A expressão foi cunhada em 1950, pelo autor Nélson Rodriques na crônica: A pátria sem chuteiras. 2 Nesse estudo, adoto os termos Língua Adicional (LA) e ALA (Aprendizagem de Língua Adicional), mas mantenho a sigla ASL (Aquisição de Segunda Língua) e o termo Segunda Língua (L2) por ainda serem os termos consagrados na área e, por isso, presentes em citações. No entanto, acredito que a escolha dos termos Língua Adicional e Aprendizagem de Língua Adicional (ALA) carregam importantes significados, constituindo-se em uma escolha ideológica natural ao optar pelas teorias que apoiam esta pesquisa.

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Desde o princípio, pude observar uma característica muito acentuada no meu

grupo, que era formado por alunos vindos principalmente da Alemanha, França,

Itália, Japão, Polônia, Suécia e Venezuela. Enquanto meu colega venezuelano

Angél e eu tínhamos uma preocupação em tentar reproduzir, ao falar a LI, a melhor

pronúncia americana de que éramos capazes, meus colegas e amigos desses

outros países não pareciam ter esse objetivo. Eles se esforçavam para serem

compreendidos, mas não tentavam suavizar as fortes marcas de sua língua

materna. A partir desse momento, passei a observar com mais atenção as

influências identitárias e culturais que se mostravam no meu grupo de colegas, o

que me levou à realização desta pesquisa. Hoje percebo que o aprendizado de uma

língua adicional é um processo de negociação da identidade, ao qual podemos

aderir, mas também podemos resistir. Esse processo acrescenta um “algo a mais” à

subjetividade e à identidade do sujeito, que, por sua vez, se torna o resultado da

soma das línguas que fala.

Mais tarde, tendo contato com outras culturas, pude perceber essa mesma

situação ao fazer algumas viagens, e também no contato com estrangeiros vivendo

no Brasil. Além das marcas de identidade linguística provenientes da língua

materna, pude perceber que para essas pessoas, o sentimento de identidade

nacional, social e cultural está fortemente relacionado com o modo de vivenciar uma

língua adicional, no caso deste estudo, a LI. Através destas experiências, também

pude apreender que algumas culturas, principalmente as mais antigas e dominantes,

apresentam identidades nacionais mais fortes do que outras, o que reflete no

orgulho que os indivíduos sentem de suas nações e, como consequência disso, uma

satisfação em deixar transparecer sua identidade linguística nativa e sua origem ao

falar outras línguas.

Alguns estudos já desenvolvidos, como o de Moita Lopes (1996), por

exemplo, mostrou que existe uma forte tendência por parte de muitos aprendizes em

querer ter uma pronúncia tão perfeita quanto à considerada como de um nativo.

Tendência que vem ao encontro de nossa questão norteadora, que vê no que

poderíamos atribuir como um “perfeccionismo exagerado” o desejo de apagar os

traços identitários e culturais que mostrariam sua identidade linguística e cultural

brasileira. O mito da natividade, que afirma a superioridade do falante nativo, há

muito vem sendo contestado e uma das conclusões sobre o assunto, chama a

atenção para o fato de que mesmo sendo um nativo de língua inglesa, isso apenas,

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não garantiria um perfeito “domínio” da língua, até porque não necessariamente

todos os falantes nativos de uma língua vivenciam um processo homogêneo de

educação. Outra situação relatada por professores é a de que muitos aprendizes

não querem ser identificados como brasileiros ao falar inglês, como durante uma

experiência no exterior, por exemplo. Tal situação também lembra a crença de que a

cultura americana e inglesa ou de outras culturas com língua nativa inglesa são

superiores à nossa, possível consequência do domínio cultural que outras culturas

teriam sobre a nossa.

É provável que o histórico descrito inicialmente, que vem desde a colonização

de nosso país, acarrete a ausência de uma identidade nacional e cultural

significativa e forte, influenciando no processo de ensino/aprendizagem do inglês

como LA, o que também reforça a supremacia do falante nativo (doravante FN).

Moita Lopes (2005), ao tratar do grande valor atribuído à língua inglesa em relação a

outras línguas faladas no mundo contemporâneo, afirma que, sem dúvida, ela pode

ser considerada um bem simbólico cobiçado pelos aprendizes em busca de novas

identidades. Levando em consideração esse contexto histórico de povo colonizado

que quer ter acesso a outras culturas, surge a questão norteadora de que o

aprendiz, por conta de sua vivência através das influências sofridas em virtude

desse contexto, possuiria um sentimento de inferioridade que se evidenciaria no

momento da aprendizagem de língua inglesa, o qual se tentará compreender através

deste estudo teórico.

Outras implicações desse contexto histórico, social, cultural e identitário são

as próprias políticas de ensino e prática docente (no caso dos professores

brasileiros3), uma vez que os professores de língua inglesa no Brasil, na sua grande

maioria, são brasileiros, e, portanto, tiveram uma herança cultural e identitária similar

a de seus aprendizes. As influências que também incidem nos professores que têm

por língua materna o português, extrapolam o escopo desse trabalho, que se

concentra no estudo das influências no grupo de aprendizes brasileiros de língua

inglesa como LA.

Uma língua nunca é aprendida isoladamente, necessariamente teremos

fatores associados à língua, como é o caso do meio social em que o aprendizado

3 Para um perfil mais aprofundado dos professores brasileiros, pode ser interessante a leitura do capítulo, “Yes, nós temos bananas” ou “Paraíba não é Chicago não”. Um estudo sobre a alienação e o ensino de inglês como língua estrangeira no Brasil, de Moita Lopes (1996).

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acontece e das influências culturais e identitárias. Quando nascemos e vivemos em

um lugar, somos incessantemente influenciados por esses fatores e muitas vezes

nem sequer questionamos porque pensamos ou agimos de tal maneira. A base

teórica deste trabalho explorará conceitos como: identidade nacional, cultural, social

e linguística com o intuito de traçar relações entre as influências culturais e

identitárias nos aprendizes brasileiros de língua inglesa.

Outra motivação para esta pesquisa nasceu da crescente importância que

vem sendo dada às abordagens de cunho sociocultural no ensino de línguas

adicionais. Cada vez mais percebemos a importância da teoria sociocultural e da

abordagem comunicativa no ensino/aprendizagem das LAs, numa tentativa de não

dar apenas prioridade à competência gramatical e ao uso instrumental da língua. É

importante ressaltar a necessidade de que o professor esteja ciente de que ao

ensinar a língua, ele também estará ensinando cultura. Um aprendiz não pode

somente saber o que dizer, mas é igualmente importante saber quando dizer,

situações que são explicitadas somente através de um código social e incluem

outras competências que inevitavelmente estão imersas na cultura. Por esse motivo,

o significado é sempre contextual e negociado.

A perspectiva da Teoria Sociocultural (LANTOLF, 2000) tem chamado

atenção para aspectos importantes não somente para o aprendizado de uma língua

adicional, mas também no que diz respeito às metodologias e focos utilizados na

pesquisa de Aquisição de Segunda Língua (doravante ASL). Muitos pesquisadores

já tendem a usar nomenclaturas diferentes, como a preferência do termo

aprendizagem à aquisição, ou língua adicional à segunda língua. Nesta dissertação

sempre uso Aquisição de Segunda Língua e Segunda Língua (L2) quando citados,

em respeito aos autores, que ainda utilizavam e possivelmente alguns ainda

utilizem, por serem os termos consagrados da área durante esse período da

pesquisa no campo de Linguística Aplicada.

Ao desenvolver este estudo e diante do contexto histórico, social e cultural em

que se encontra inserido o aprendiz brasileiro de LI, nosso objetivo é refletir sobre

como esse contexto pode influenciar na identidade cultural, social e linguística do

aprendiz e discutir como essas influências afetam o aprendizado de LI no contexto

brasileiro e o que podemos fazer para lidar com isso. Entre outras questões, a

pesquisa pretende discutir conceitos que tenham balizado o ensino/aprendizagem

de línguas adicionais como falante nativo e usuário bem sucedido. Com o estudo

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das relações entre língua, cultura e identidade no contexto geral e brasileiro,

juntamente com as influências da Teoria Sociocultural para o ensino de línguas,

poderemos apontar importantes implicações para o ensino/aprendizagem de língua

inglesa, através das influências culturais e identitárias, na tentativa de contribuir com

as futuras práticas docentes.

A fim de atingir os objetivos propostos, o capítulo 1 trata das relações entre

língua, cultura e identidade em um contexto mais amplo, mas sempre visando

compreender melhor o processo de aprendizagem do brasileiro. É importante

ressaltar que uma língua nunca é aprendida de forma isolada, pois ela

necessariamente está acompanhada de um código social e cultural que institui

certas normas de uso e costumes particulares da língua em questão. Em um

primeiro momento, desenvolvemos essas relações de maneira mais abrangente,

com o suporte de autores como Stuart Hall, Zygmunt Bauman, Kathryn Woodward,

Kanavillil Rajagopalan, entre outros.

No capítulo 2, aproximamos essas relações do contexto brasileiro lidando

com nossas especificidades, buscando nas raízes da formação do povo brasileiro e

da sua construção identitária nacional – que mais tarde se tornaria conhecida como

brasilidade – para tentar compreender as influências identitárias e culturais que o

aprendiz leva consigo para onde quer que vá. Dessa forma, é impossível pesquisar

conceitos relacionados com a cultura e identidade de um povo sem considerar as

preocupações sociopolíticas que envolvem certos momentos históricos. Com o

respaldo de autores como Darcy Ribeiro, Alfredo Bosi, Sérgio Buarque de Holanda e

Luiz Paulo da Moita Lopes, entre outros, características relevantes da identidade

nacional do brasileiro são tratadas, com o propósito de auxiliar na compreensão do

perfil do aprendiz brasileiro e as influências às quais ele pode estar submetido ao

longo de sua construção identitária.

No capítulo 3, tratamos das relações entre a Teoria Sociocultural (doravante

TSC) e o ensino de LI, com o objetivo de fazer algumas considerações e trazer

contribuições para as práticas na sala de aula de língua. A TSC defende que a

mente humana é mediada e que, dessa forma, usamos ferramentas e artefatos para

interagir com o mundo. A própria linguagem é um artefato simbólico construído

socialmente, responsável por grande parte do aprendizado humano. James Lantolf,

Joan Kelly Hall e outros autores contribuíram para o desenvolvimento deste capítulo.

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No capítulo 4, a partir das relações entre língua, cultura e identidade – que

são elementos cruciais no aprendizado de uma língua adicional – trazemos algumas

implicações desses aspectos para o ensino/aprendizagem de LI no contexto

brasileiro. Principalmente no que diz respeito à identidade, que é construída e

reconstruída durante o processo de aprendizagem. Ao aprender, comparar e

contrastar os elementos culturais de uma nova língua, invariavelmente o aprendiz

estará colocando a sua própria cultura e identidade em cheque. Com o respaldo de

autores como Claire Kramsch, Beatriz Maria Eckert-Hoff, Maria José Coracini, Bonny

Norton, entre outros, exploramos como o estudo desses conceitos – língua, cultura e

identidade – pode trazer novas reflexões e abordagens para o ensino/aprendizagem

de LI tendo em vista o contexto brasileiro.

Nas considerações finais, são abordadas as conclusões tiradas a partir das

relações entre os conhecimentos teóricos gerados por este estudo e as

considerações feitas através da reflexão sobre como os elementos identitários e

culturais podem influenciar no processo de ensino/aprendizagem de LI e no perfil do

aprendiz brasileiro de LI. Entre outras considerações, a importância do contexto

cultural dentro do ensino de língua é enfatizada, uma vez que o contato com outras

culturas deverá auxiliar o enriquecimento dos aprendizes, que participando

ativamente da construção de seu saber poderão confrontar outros saberes. A visão

de interculturalidade e transdisciplinaridade permite que junto com o novo

conhecimento linguístico adquirido seja acrescida a percepção da cultura estudada

junto com a consciência de outras culturas, com seus usos, costumes e concepções

de vida, pois aprender uma língua nunca é realmente aprender só uma língua.

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2 RELAÇÕES ENTRE LÍNGUA, CULTURA E IDENTIDADE

A imbricação das línguas e das culturas emerge, cá e lá, no discurso de cada um de nós.

Maria José Coracini

Este capítulo inicial aborda as relações entre língua, cultura e identidade de

uma forma mais abrangente, para depois tratar dessas mesmas relações

especificamente para o contexto brasileiro. A perspectiva que rege o capítulo toma

por base as palavras de Florian Coulmas, ao afirmar que a língua não tem a função

de refletir a constituição da sociedade, ela própria é um dos principais elementos de

sua constituição (2007, p.574). Almejamos explicitar que as identidades não podem

ser tomadas como objetos de posse por parte dos indivíduos, mas sim como

construções sociais que podem ser eliminadas ou estimuladas, dependendo dos

interesses pessoais ou sociais, mas que, por sua vez, são sempre fomentadas pela

ordem social dominante.

A língua que herdamos ao nascer, não chega até o indivíduo de maneira

isolada, porque ela é primeiramente um sistema social e não individual, como muito

bem nos lembraria Saussure (2012). Existe sempre um sistema cultural que nos

precede, produto simbólico de nossos antepassados que influenciará não apenas o

modo como aprendemos e vivenciamos a língua, mas também as identidades que

assumiremos ao longo da vida. A cultura por meio da linguagem afeta o modo como

pensamos e consequentemente, nossas interpretações do mundo; assim,

expressamos e criamos categorias de pensamento que são partilhadas pelos

membros de um grupo social. Então fica muito difícil estudar um desses conceitos

sem levar os outros em consideração: a língua, a cultura e a identidade são

indissociáveis e elementos cruciais no processo de ensino/aprendizagem de uma

língua adicional, fazendo o sujeito repensar a sua relação com a própria língua que o

constitui. Em parte a língua é o meio responsável pela transmissão e a construção

de atitudes e crenças que constituem o que chamamos de cultura. Neste trabalho,

seguimos a perspectiva de Vygotsky (1978), que acredita que nossas identidades só

podem existir no contexto social, sendo nossa capacidade de pensar constituída no

social, através da interação como ferramenta mediadora principal.

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Quando nos referimos à identidade neste trabalho, nos referimos às

concepções construtivistas que defendem as identidades como mutantes, fluídas e

não estáveis (WOODWARD, 2000; HALL, 2000; SILVA, 2000; BAUMAN, 2005).

Como consequência da fragmentação do sujeito e das inúmeras possibilidades de

se encarar o mundo pós-moderno, as identidades não podem ser compreendidas

como homogêneas, únicas e permanentes. Por serem relacionais e se construírem

em torno de uma pluralidade de centros, de forças sociais e políticas, as pessoas

são chamadas a ocupar diferentes posições em variados contextos e as diferentes

identidades assumidas nem sempre convivem em harmonia. O ritmo vertiginoso das

mudanças sociais ocasiona deslocamentos nas formas de representação de si e do

outro, surgindo, assim, novas formas de identificação.

Claire Kramsch entende que “a língua expressa, abarca e simboliza a

realidade cultural” (1998, p.5). Há uma ligação natural entre a língua falada de um

grupo social e a identidade do grupo. De acordo com essa concepção,

através do sotaque, do vocabulário e dos seus padrões de discurso, os falantes identificam a si próprios e são identificados como membros desta ou daquela comunidade de fala ou discurso. Desta sociedade, eles retiram força pessoal e orgulho, como também um sentimento de importância social e continuidade histórica por usar a mesma língua usada pelo grupo ao qual pertencem. (KRAMSCH, 1998, p.65)

Por conseguinte, uma língua nunca é aprendida isoladamente, pois sempre

trará fatores associados, como é o caso do meio social em que o aprendizado

acontece e das influências culturais e identitárias. Quando nascemos e vivemos em

um lugar, somos incessantemente influenciados por esses fatores, muitas vezes

nem sequer questionamos porque pensamos ou agimos de determinada maneira e

que nosso pensamento e nossas escolhas linguísticas são fruto dessas influências.

Kramsch sintetiza bem esse ponto, quando afirma que a identidade do grupo não é

um fato natural, mas uma percepção cultural. Assim, “nossa percepção da

identidade social de um indivíduo é em grande parte determinada culturalmente”

(KRAMSCH, 1998, p.67). As percepções que temos sobre a cultura e a língua foram

condicionadas pela própria cultura e modelos estereotipados, construídos a partir de

nossos próprios modelos sociais e culturais. Assim sendo, parte-se da concepção de

que o sujeito está imerso no mundo, em sua historicidade, e com ele interage,

construindo suas próprias relações com ele e a partir da interação com o outro,

constrói suas identidades. Segundo Moita Lopes, “podemos ler em cada ser humano

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uma história composta em um mundo social, e podemos lê-la somente porque

somos membros de tal mundo” (2002, p.198). Isso significa que graças às

influências culturais e sociais, através das quais constituímos nossas identidades,

temos a capacidade de nos tornarmos, de fato, humanos.

Complementando essa concepção de que a língua está intimamente ligada à

identidade social, temos que “a identidade do indivíduo se constrói na língua e

através dela. Isso significa que o indivíduo não tem uma identidade fixa anterior e

fora da língua” (RAJAGOPALAN, 2003, p.74). É somente pela língua que

começamos a construir nossas identidades, dentro da herança cultural e dos

códigos sociais vigentes em nossa sociedade. Kanavilil Rajagopalan (1998) declara

que a habilidade de falar não surge com o nascimento, pois o nascimento enquanto

acontecimento físico é importante apenas por fixar o começo de uma possível

socialização. Tal socialização, porém, nunca é um fato abstrato, mas um processo

que se dá dentro de uma sociedade real e concreta. Assim, o falante é real e

importante somente na medida em que é um ser social. Essa perspectiva está em

consonância com a abordagem sociocultural que, por sua vez, rejeita o inatismo, por

encarar a aprendizagem de uma língua como uma prática socialmente situada.

Com relação a essa questão, ao tratar da língua e do sistema linguístico,

código que é exterior às pessoas, Christine Revuz afirma que:

a língua, ao mesmo tempo que totalmente investida pela subjetividade, constitui, pela existência de um sistema linguístico, um espaço terceiro com respeito à relação adulto/criança, espaço no qual um e outro são confrontados com uma lei social que os supera. Sem essa referência a um código social no qual cada um joga sem poder legislar, não haveria tomada de palavra possível para quem quer que fosse. (1998, p.219)

As postulações de Rajagopalan (2003) e Revuz (1998), que reforçam a

importante relação entre língua e as interações sociais, estão de acordo com os

preceitos da Teoria Sociocultural, que defende uma visão da língua mais social e

contextual e que será tratada mais detidamente na parte final deste trabalho.

Por meio da cultura que podemos nos conhecer, nos reconhecer, conhecer e

reconhecer o outro e assim interpretar e compreender o mundo no qual vivemos.

Então pode-se dizer que a cultura está sempre presente em qualquer ação humana.

Roseanne Tavares assevera que “ela (a cultura) se reflete na linguagem, nos

símbolos, no pensamento das pessoas, regionalizando-as, marcando suas

identidades e, como todos os processos interativos, alterando essas marcas”. (2006,

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p. 17-18) No campo da antropologia, a cultura é definida como um conjunto do estilo

de vida de um grupo ou de um povo. As ideias, os costumes, os sentimentos, as

artes, as habilidades são todos parte da cultura e, mais, as práticas sociais, que

agregam as pessoas, caracterizando-as como um povo em uma determinada época

e local. A cultura, a linguagem e o pensamento estão intrinsecamente relacionados,

mas mesmo assim, nossos pensamentos podem variar ou mudar de acordo com as

nossas necessidades. Nas palavras de Tavares,

A língua – que é uma das principais atividades pela qual a cultura é expressa –, não é capaz de moldar e restringir nosso pensamento porque nós sempre seremos capazes de discriminar conceitos que não fazem parte da nossa cultura, quando isto se fizer necessário. (2006, p.21)

Dessa forma, o entendimento de uma nova cultura ou de uma cultura

estranha vai depender da capacidade de negociar as distâncias entre esta cultura da

língua estudada e a nossa.

Fazendo uma relação entre língua e cultura, Kramsch afirma que “é uma

ilusão imaginar que alguém se ajusta à realidade essencialmente sem o uso da

língua e que a língua é meramente um meio incidental de resolver problemas

específicos de comunicação ou reflexão” (1998, p. 85-86). O mundo que julgamos

“real” é em grande parte construído inconscientemente através dos hábitos

linguísticos de um grupo. Dessa forma, duas línguas nunca serão suficientemente

semelhantes porque nunca representarão a mesma realidade social. Os mundos em

que sociedades distintas vivem são diferentes e não o mesmo mundo com diferentes

rótulos. Ainda de acordo com Kramsch, “nós vemos e escutamos; e diferentemente,

experimentamos a diversidade porque os hábitos linguísticos de nossa comunidade

predispõem certas escolhas de interpretação” (1998, p.85-86). Moita Lopes,

semelhantemente, afirma que “é impossível ser bilíngue sem se tornar bicultural”

(1996, p.38-39), porque a língua sempre estará impregnada com os códigos sociais

e elementos culturais que constituem uma determinada sociedade.

De acordo com Moita Lopes, a menção de que “a natureza multifacetada de

nossas identidades sociais pode ser entendida se considerarmos a face social que

mostramos a partir do que o outro representa para nós e vice-versa” (2002, p. 206)

reforça que essa multiplicidade confirma que as identidades sociais não são fixas

(HALL, 1990). Dessa mesma forma, as identidades sociais que podemos assumir

nas práticas discursivas das quais participamos podem ser contraditórias entre si.

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Um exemplo desse possível antagonismo poderia ser um homem de negócios, com

uma posição de liderança no trabalho, extremamente autoritário com seus

funcionários, mas que em casa assume uma postura submissa perante sua esposa.

Além de multifacetada, a identidade é sempre imaginada, ao acionar as imagens

que o sujeito faz de si, a partir de imagens lançadas pelo olhar do outro, permitindo

que ele se reconheça. Assim sendo, tais representações identitárias permitem o

sujeito reconhecer-se, por meio da língua e do discurso construído como um

contorno de si mesmo (CAVALLARI, 2011). Kathryn Woodward (2000) ressalta que

é importante estudar identidade porque ela encontra-se em crise. A esse respeito,

seria importante ressaltar que a palavra crise não necessariamente tem uma

conotação negativa, pois sua origem etimológica no grego significava um desfecho,

uma separação, uma decisão, ou até uma definição4. Hoje em dia, a noção que os

indivíduos tinham de si foi fragmentada e nesse processo de reconfiguração,

necessita, portanto, ser repensada e redefinida. A autora também analisa que o

estudo dos sistemas de representação e das identidades que eles produzem é

crucial para o entendimento dos mecanismos de significação que são utilizados para

dar sentido à existência.

O discurso pode ser encarado como um tipo de kit identidade que vem

completo, com uma vestimenta e instruções apropriadas aos padrões vigentes de

como agir, falar, e frequentemente, escrever, para dessa forma assumir um papel

social particular que poderá ser reconhecido pelos outros. Esse “kit” deve significar

uma comunhão socialmente aceita entre as maneiras de usar a linguagem, de

pensar, sentir, acreditar, valorizar, e todas as ações que permitirão a identificação de

alguém como membro de um grupo socialmente significativo ou pela designação

mais comum atualmente, como um membro da “rede social”; ou então, para sinalizar

um “papel” socialmente significativo. Portanto, a linguagem, seja escrita ou falada,

sempre declara a posição de seu autor dentro da estrutura social de uma

determinada cultura. Através das trocas linguísticas de todos os tipos, os falantes

sinalizam quem são e como querem ser vistos no momento do discurso. O

comportamento linguístico é também um ato de identidade, através do qual as

pessoas revelam suas identidades e a busca por papeis sociais.

4 Segundo os dicionários etimológicos da língua portuguesa, a palavra grega krísis era usada pelos médicos antigos com um sentido particular. Quando o doente, depois de medicado, entrava em crise,

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Coracini, ao tratar do estágio5 do espelho desenvolvido por Lacan, considera

que “o sujeito da linguagem se institui e se constitui no e pelo espelho do olhar do

outro, que o identifica e com quem se identifica, outro que lhe imprime a sensação

de inteireza, de completude, camuflando ou encobrindo a sua natureza heterogênea”

(2007, p.51-52). Irremediavelmente marcado pela falta, o sujeito constrói sua

identidade como se construísse uma morada para nela habitar, com a ilusão de

poder se definir e, assim, identificar-se a si próprio, identificando-se pelo encontro

com o outro, ao mesmo tempo semelhante e diferente. Ao definir, identificar e “ler” o

outro, vemos que a identidade é também uma questão de interpretação, que por sua

vez, depende de uma série de influências culturais, sociais, linguísticas e históricas,

para citar algumas, que o sujeito sofre ao longo de sua constante construção

enquanto ser. Nas palavras de Coracini, “o que somos e o que pensamos ver estão

carregados do dizer alheio, dizer que nos precede ou que precede nossa

consciência e que herdamos, sem saber como nem por que, de nossos

antepassados ou daqueles que parecem não deixar rastros” (2007, p.59). Assim

sendo, muitas vezes, temos posicionamentos sem que saibamos identificar

exatamente de onde vieram, em qual momento desenvolvemos tal compreensão,

talvez inconscientes das influências que sofremos ao longo de nossas vidas, sem

saber bem por que decidimos abrigá-los para construir determinadas identidades.

Teriam vindo de nossos pais, de algum professor mais marcante que tivemos, pela

passagem de alguém muito importante em nossa vida, ou do acesso a outras

culturas? Tratando-se de identidades, as quais começamos a formar tão

precocemente, nunca é um exercício fácil refletir sobre suas origens e os elementos

presentes na construção das mesmas.

Além dos conceitos de língua, cultura e identidade, outras relações se fazem

necessárias. Igualmente, é imprescindível abordar conceitos como cultura nacional,

identidade linguística, identidade cultural, identidade social, identidade nacional,

nação e nacionalismo. Com relação à cultura nacional, o teórico Stuart Hall

sentencia que, “uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos

que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós

era sinal de que haveria um desfecho: a cura ou a morte. Desta forma, crise significava separação, decisão, definição. 5 Em muitas publicações a expressão criada por Jacques Lacan, em 1936, aparece como estádio do espelho, que designa um momento psíquico da evolução humana, situado entre os 6 e os 18 meses,

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mesmos” (2000, p.50). Para o autor, a cultura nacional é concebida como uma

“comunidade imaginada6”, onde as memórias do passado e o desejo comum de

viver em sociedade perpetuam a herança de um povo. Para Rajagopalan (1998), as

ideias de nacionalidade foram forjadas a partir de um sentimento intuitivo que torna

semelhantes às pessoas que eram capazes de comunicar-se, o que reforça a

concepção de uma comunidade imaginada (HALL, 2000; ANDERSON, 2008).

De acordo com a perspectiva de Benedict Anderson (2008), para tratar tanto

de nacionalidade quanto de nacionalismo, é preciso encará-los como produtos

culturais específicos. Para uma melhor compreensão, devemos considerar com

cuidado as origens históricas, como seus significados se transformaram ao longo do

tempo, e por que tais origens dispõem, nos dias de hoje, de uma legitimidade

emocional tão profunda. Por meio de uma abordagem antropológica, o autor propõe

a seguinte definição de nação:

uma comunidade política imaginada – intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana. Ela é imaginada porque mesmo os membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão, encontrarão, ou sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles. (ANDERSON, 2008, p.30)

Toda a nação nasce dentro de uma cultura, concepção que Ribeiro considera

“a herança social de uma comunidade humana, representada pelo acervo

coparticipado de modos padronizados” (1972, p.93). Assim, a cultura tem a função

de replicar a realidade, que é transmitida simbolicamente de geração a geração,

perpetuando a tradição que provê os modos de existência, formas de organização e

meios de expressão. A assimilação da tradição é o que humaniza os homens ao se

incorporar a uma determinada entidade étnica, ao aprender sua língua, ao habilitar-

se a fazer coisas de acordo com as técnicas que ela domina, agindo segundo as

normas nela consagradas; e finalmente, viver de acordo com seus usos e costumes.

Por esse motivo, o autor ainda afirma que “cada cultura é percebida pelos seus

detentores como o modo natural e necessário de serem homens em face dos

membros do seu próprio grupo e em face de outros grupos humanos” (1978, p.94).

durante o qual a criança antecipa o domínio sobre a sua unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da perceção da sua própria imagem num espelho. 6 Comunidades imaginadas é um conceito cunhado por Benedict Anderson e introduzido no livro Imagined Communities, de 1983.

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Pela identidade de um povo, entendemos que o mesmo possui certa

homogeneidade e características comuns que o diferencia dos demais. Muitos

autores defendem que a identidade não é fixa (HALL, 2000; RAJAGOPALAN, 2003;

BAUMAN, 2005), ideia complementada por Bauman ao afirmar que “as identidades

flutuam no ar” (2000, p.20), podemos decidir acolher umas ou outras, pois são

bastante negociáveis e revogáveis. Encarada como uma “celebração móvel”, a

identidade, quando abordada especificamente no contexto brasileiro, mostra o

quanto as marcas da brasilidade não são constantes, umas características sendo

mais estáveis e outras passageiras. Como Rajagopalan (2003) destaca, as

identidades estão em permanente estado de transformação, num processo de

constante adaptação às novas circunstâncias que vão surgindo. Então, não se

poderia falar em identidade sem considerar as relações estruturais que imperam em

um dado momento.

Assim como Hall (2000), ao considerar que as identidades são formadas e

transformadas no interior da representação, Bauman (2005) encara a questão da

identidade como uma convenção socialmente necessária. Inicialmente, a identidade

é uma realidade preexistente, contida no capital cultural (BOURDIEU, 1998) herdado

disponível para cada comunidade nacional. Ao considerarmos a identidade nacional,

vemos que ela pode ser puramente política, ou deriva da escolha do indivíduo de

pertencer a uma comunidade baseada na associação de indivíduos de opinião

semelhante. Vista pelo viés étnico, a identidade nacional passa a ser puramente

cultural, como a ideia de que ela é recebida ao nascer, assim se impondo sobre o

indivíduo.

Silvana Serrani-Infante (1998) reforça a ideia de as convenções e dos códigos

serem preexistentes, pois são elementos culturais e, portanto, não são inatos, mas

sim aprendidos. A aprendizagem de uma cultura de certa forma depende da vontade

do indivíduo, das exposições ao sistema cultural, que em grande parte são

representadas pela educação escolar. Mas em primeiro lugar vem o domínio da

língua, e só mais tarde o aprendiz passa a familiarizar-se com a história e os

costumes de seu povo, contidos em incontáveis convenções invisíveis. Assim, para

Hall, “falar uma língua não significa apenas expressar nossos pensamentos mais

interiores e originais; significa também ativar a imensa gama de significados que já

estão embutidos em nossa língua e em nossos sistemas culturais” (2006, p.40).

Falantes de diferentes línguas escrevem de acordo com diferentes lógicas retóricas,

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porque parte da aprendizagem de uma língua é apropriar-se de seu sistema lógico.

A aprendizagem de uma língua adicional exige a apreensão simultânea de todo um

universo novo e uma maneira completamente nova de olhar para ele.

De acordo com a noção de sujeito sociológico de Hall (2000), a identidade é

formada na interação entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou

essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo

contínuo com os mundos culturais exteriores e as identidades que esses mundos

oferecem. Complementando esta perspectiva, Rajagopalan (2003) chama atenção

para o fato de que o conceito da identidade necessariamente levanta um batalhão

de outros conceitos, entre os quais se destaca o dos interesses. A própria questão

da identidade está ligada à ideia de interesses e está investida de ideologia. Dessa

maneira, a construção de identidades é uma operação totalmente ideológica. E

qualquer impulso para repensar as identidades também terá de ser nesse sentido,

uma resposta à ideologia existente e dominante. Segundo Kumaravadivelu, “nenhum

texto é inocente e todo o texto reflete um fragmento do mundo em que vivemos (...).

Analisar texto ou discurso significa analisar formações discursivas essencialmente

políticas e ideológicas por natureza” (2006, p.140). Assim, a língua representada

pelo discurso seria a moeda de troca que constitui nossas identidades, ou, pela

analogia criada por Pierre Bourdieu (1998), nosso capital linguístico.

Outro lado da mesma moeda seriam os fatores inerentes a nossa condição,

adquiridos pelo indivíduo ao nascer em uma nação específica, onde a identidade é

vista como uma realidade preexistente. Hall enfatiza que “as identidades nacionais

não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no

interior da representação” (2000, p.48). Por isso, Anderson destaca o fato de que “a

condição nacional é assimilada a todas as coisas que não podemos evitar, à cor da

pele, ao sexo, ao parentesco e à época do nascimento” (2008, p.201). Não importam

as diferenças que seus membros possam ter em termos de classe, gênero ou raça;

uma cultura nacional tende a criar uma unidade cultural, para que sejam

representados todos por uma mesma grande família nacional. Hall ainda afirma que

uma cultura nacional é sempre uma estrutura de poder cultural: “a maioria das

nações consiste de culturas separadas que só foram unificadas por um longo

processo de conquista violenta – isto é, pela supressão forçada da diferença

cultural” (2000, p.59). É exatamente esse o caso do povo brasileiro, que unificou

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tantas culturas, principalmente a mistura entre os nativos indígenas, negros e

europeus, com tantos outros povos que mais tarde imigraram para o Brasil.

Quanto à identidade linguística, ela compreende o conjunto de características

linguísticas de um determinado falante em um determinado contexto social, o qual

lhe permite uma diferenciação dos demais. A língua nacional, normalmente

representada pela língua materna (LM), assim como outros símbolos nacionais,

como o hino e a bandeira, pertence à esfera política e se distingue pelo seu valor

simbólico e suas conotações emocionais (RAJAGOPALAN, 2003). Para

Rajagopalan, “as identidades da língua e do indivíduo têm implicações mútuas, o

que por sua vez, significa que as identidades em questão estão sempre num estado

de fluxo” (1998, p.42). A identidade linguística, como qualquer outra identidade, é

uma construção e não algo definido ou imutável. O sentimento de lealdade a uma

língua não está tão fora da linguística quanto parece, pois sempre temos

informações sociais e culturais codificadas em uma mensagem. A interação verbal

em uma comunidade discursiva é um evento cultural, reforçando o sentimento de

pertencimento que fixa a existência do indivíduo em uma determinada comunidade.

Assim, a identificação com a língua não é externa, mas um traço linguístico

intrínseco. Rajagopalan, citando Pandit, enfatiza esse ponto ao afirmar que “o apego

do falante à sua variedade ou língua é sintomático da carga cultural carregada por

sua língua” (2001, p. 25), porque somos invariavelmente criados dentro de um

código linguístico e cultural, o que nos molda à sua semelhança. Hall (2000)

semelhantemente encara as identidades como pontos de apego temporário aos

papéis desempenhados pelo sujeito que são na verdade construídos através das

práticas discursivas. De acordo com a visão desses autores, podemos arriscar a

análise de que o sentimento de orgulho de um indivíduo em relação à sua nação

está fortemente relacionado com suas experiências primordialmente linguísticas,

para mais tarde absorver as informações contidas nos códigos sociais e culturais,

construindo pouco a pouco suas identidades.

Ainda relacionando a língua com o capital cultural sempre disponível e

herdado por uma sociedade, Bourdieu defende que “a língua oficial está enredada

com o Estado, tanto em sua gênese como em seus usos sociais” (1998, p.32). A

língua, que tem a função de comunicar para ser usada e compreendida, existe

dentro de um universo social que, por sua vez, é composto por um sistema de trocas

simbólicas, onde a ação social é um ato de comunicação. Mais do que um

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instrumento de comunicação ou de conhecimento, a língua é um instrumento de

poder. Quando trata da economia das trocas linguísticas, Bourdieu (1998) encara o

discurso como um bem simbólico que pode receber valores muito diferentes

dependendo do mercado que estiver em questão. Como toda a competência

cultural, a competência linguística só tem valor como capital linguístico7 quando em

relação a um mercado. Um exemplo atual disso é a crescente desvalorização da

língua francesa em relação ao inglês no mercado internacional e a constante

mudança de influências culturais, como a imitação dos padrões europeus durante o

período colonial no Brasil. As ideologias de linguagem e educação serão sempre

instrumentos eficazes de hegemonia, porque naturalizam as relações de poder.

Segundo a concepção de Bourdieu (1998), toda a estrutura social está

presente em qualquer interação. Segundo o autor, “O que fala nunca é a palavra, o

discurso, mas toda a pessoa social” (1998, p.12). Então, a eficácia de um discurso é,

na verdade, seu poder de convicção. O valor social da língua deriva de sua relação

com o mercado. A esse respeito, o autor afirma que, “uma língua vale o que valem

aqueles que a falam, isto é, o poder e a autoridade, nas relações de forças

econômicas e culturais, dos detentores da competência correspondente” (1998,

p.11). Ao abordar as relações de poder, Coracini, citando Silva, destaca que:

A identidade, quer nacional, individual ou subjetiva, é produzida ou construída socialmente por aquele(s) a quem se atribui maior poder, e, portanto, a quem se concede autoridade para, legitimamente, dizer verdades ou a verdade sobre os fatos, o povo, o indivíduo. (2007, p. 60)

Esses discursos, ao serem reproduzidos e transformados em narrativas, vão

constituindo a memória discursiva de um povo e, portanto, compondo as vozes que

constroem uma nação. Por esse motivo, Bourdieu (1998) ao considerar as relações

de poder inerentes à língua, conclui que os linguistas estão certos em dizer que

todas as línguas se equivalem linguisticamente. No entanto, muito diferente seria

acreditar que elas se equivalem socialmente. Hall (2009, p.110) menciona o que

Laclau argumenta de forma contundente, ao comparar a constituição de uma

identidade social a um ato de poder. Woodward sustenta que “a centralidade da

questão do poder e a ideia de que o próprio discurso é uma formação regulativa e

7 Segundo Pierre Bourdieu, a competência linguística é medida segundo critérios escolares que dependem, a exemplo de outras dimensões do capital cultural, do nível de instrução medido pelos títulos escolares e pela trajetória social. (1998, p.49)

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regulada” (2009, p.121); e, portanto, determinado pelas relações de poder que

permeiam o âmbito social. Assim, ainda segundo a autora, “as identidades podem

funcionar, ao longo de toda sua história, como pontos de identificação e apego

apenas por causa de sua capacidade para excluir, para deixar de fora, para

transformar o diferente em ‘exterior”’ (2009, p.110). Por outro lado, toda identidade

tem necessidade daquilo que lhe falta e dessa forma, as identidades são construídas

no interior do jogo do poder e também através da exclusão.

Ao teorizar sobre a identidade, é importante ter em mente que estaremos

lidando com um tema de considerável importância política, devendo levar em conta

a parte psíquica, além da discursiva em sua constituição (HALL, 2009). De acordo

com Rajagopalan, “ao falar uma língua, ao nos engajarmos na atividade linguística,

estaríamos, todos nós, nos comprometendo politicamente e participando de uma

atividade eminentemente política” (2003, p.32-33). Consequentemente, todas as

teorias sobre a linguagem necessariamente contêm marcas de determinado

posicionamento ideológico e, portanto, terão necessariamente implicações éticas.

Rajagopalan, citando Bakhtin, observa que existem forças centrífugas na vida da

linguagem, chamando atenção para o fato de que existe “uma natureza dialógica da

linguagem, que é uma luta entre pontos de vista sociolinguísticos, e não uma luta

intralinguística entre vontades individuais e contradições lógicas” (2003, p.63).

Entende-se que a língua falada pelos membros de um grupo social está

intimamente conectada com a identidade desse grupo. Características como o

sotaque, as escolhas de léxico e os padrões de discurso, permitem que os falantes

sejam capazes de se reconhecer e podem ser identificados como membros dessa

ou daquela comunidade de fala e discurso. De acordo com Kramsch (1998), os

membros de uma comunidade retiram deste vínculo, uma espécie de sentimento de

pertencimento, uma força pessoal e orgulho, que refletem também no sentimento de

importância social e perpetuação histórica por partilhar a mesma língua do grupo ao

qual fazem parte. Porém, ao considerar a sociedade contemporânea, que é

historicamente complexa e cada vez mais aberta, é muito mais difícil definir as

fronteiras de um grupo social particular qualquer e as identidades linguísticas e

culturais de seus membros. Existe a crença arraigada na equação: “uma língua =

uma cultura”; porém, normalmente os indivíduos podem adquirir várias identidades

coletivas. Essas identidades, além de mudar com o tempo através do diálogo com

os outros, também podem estar em conflito umas com as outras. Um exemplo de

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uma situação de conflito de identidades bem típico no sul do Brasil poderia ser o

caso de filhos nascidos no Brasil de pais imigrantes alemães ou italianos. Essas

comunidades, desde a imigração, convivem com uma mistura de influências

culturais e também linguísticas.

Para Moita Lopes (2002), que trata muito das relações entre língua e

identidade, as identidades sociais são construídas no discurso que, por sua vez, é

uma construção social percebida como uma forma de ação no mundo. O discurso é

um processo de construção social por dois motivos: primeiro, o significado é

negociado na interação, não é intrínseco à linguagem; e segundo, o significado é

situado sociohistoricamente por meio de práticas discursivas estabelecidas via

relações de poder. Coracini complementa essa concepção ao escrever que:

a língua é mantida sob controle social, marcada por bordas e fronteiras, por desigualdades significativas de repertórios e possibilidades de acesso, mas também por agenciamentos, desterritorializações, torções, contaminações e mixagens de todo tipo. (2007, p.49)

Bourdieu (1998) e Coracini (2007), ao explorar a esfera ideológica e política

da língua e das identidades, vão ao encontro da perspectiva de Moita Lopes, quando

ele afirma que as identidades: “não são propriedades dos indivíduos, mas sim

construções sociais, suprimidas ou promovidas de acordo com os interesses

políticos da ordem social dominante” (2002, p.35). A identidade vista como uma

construção social implica no fato de que somos criados da forma que somos pelo

contato com os outros a nossa volta. O que somos, portanto, nossas identidades

sociais são construídas por meio de nossas práticas discursivas com o outro.

Vygotsky (1978) nos lembra de que o discurso também pode ser percebido como um

instrumento, através do qual mediamos nossa ação no mundo, com o intuito de

tornar o significado compreensível para o outro. Moita Lopes (2002), em clara

referência à obra de Bakhtin, afirma que essa natureza dialógica do discurso

possibilita também a construção social de quem somos. Dentro dessa perspectiva,

as identidades sociais têm sido concebidas como de natureza socioconstrutivista na

medida em que não são uma qualidade inerente à pessoa, porque nascem na

interação com os outros ou, ainda, por meio da ideia de que existimos por meio das

nossas interações contínuas com os outros e invariavelmente nos posicionamos em

relação aos outros. Através da língua, consideramos as identidades sociais de

nossos interlocutores, e num processo simultâneo construímos e reconstruímos

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nossas identidades sociais, ao mesmo tempo em que eles estão também

construindo e reconstruindo as nossas. Dessa forma, Hall afirma que não devemos

pensar sobre identidade como algo com o qual nascemos, porque ela está em

permanentemente transformação, como uma produção que nunca está completa.

Assim, o sujeito se reconhece em múltiplas identidades, afirmando o autor que “as

identidades são, pois, pontos de apego temporário às posições de sujeito que as

práticas discursivas constroem para nós” (2000, p.108). As identidades são

necessárias para construir pertencimentos, situando o sujeito no mundo e nas

relações sociais. Woodward afirma que “a cultura molda a identidade ao dar sentido

à experiência e ao tornar possível optar, entre várias identidades possíveis, por um

modo específico de subjetividade” (2009, p.19). Portanto, existem muitas identidades

disponíveis, mas sempre levando em consideração o local e a época, bem como o

código social que impera para uma determinada comunidade. Pela cultura, a

identidade é moldada dando sentido à experiência, sendo então possível fazer

escolhas entre várias identidades possíveis. As identidades não são unificadas e

podem existir contradições no seu interior que devem ser negociadas

(WOODWARD, 2009). Ainda segundo Hall,

as identidades são na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historização radical, estando constantemente em processo de mudança e transformação. (2009, p.108)

Faz parte do saber da Linguística Aplicada a ideia de que as línguas

obedecem às suas próprias leis. Nas palavras de Rajagopalan, as línguas evoluem,

se renovam, se ajustam a novas exigências de comunicação e contato com outros

povos (RAJAGOPALAN, 2003). Em relação às línguas, portanto, fazendo uma

referência às iniciativas como recentemente tivemos no Brasil, de tentar conter os

estrangeirismos, especialistas acreditam que o melhor a fazer seria deixá-las em

paz. De acordo com o autor, “as línguas têm suas vidas próprias. Elas mudam o

tempo todo. E essas mudanças não são nem para melhor nem para pior, mas

simplesmente acompanham mudanças que ocorrem em outras esferas” (2005, p.

142). Houve um tempo em que o inglês absorveu muitas palavras estrangeiras, por

isso, não deveria ser motivo de revolta a constatação de que hoje outras línguas

estivessem passando pela mesma experiência, o que é parte do processo das

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mudanças das línguas. A construção e manutenção da cultura, que se dá por meio

da língua e da interação, em cada encontro dialógico, acaba frustrando o desejo de

deter a marcha do tempo e assim, manter a língua pura de qualquer contaminação

cultural. Ao partilhar dessa concepção que vê língua e cultura como entidades em

constante construção e transformação, Moita Lopes referindo a Hall, defende que

“ao invés de pensar sobre identidade como um fato já concluído, (...) devemos

pensar sobre identidade como uma ‘produção’, que nunca está completa, que está

sempre em processo, sempre constituída dentro e não fora da representação” (2002,

p. 34), que por sua vez, representa a interação através do discurso.

É principalmente no uso da linguagem que as pessoas constroem e projetam

suas identidades, dentro de uma determinada cultura que está cristalizada no corpo

social e tem marcas profundas no jogo das relações sociais. Coracini utiliza a noção

de arquivo e o define como: “o que pode ser dito num dado sistema de

discursividades” (2007, p.16). Esse arquivo representa a memória que é responsável

pela manutenção da tradição, dos aspectos culturais, dos conhecimentos que

herdamos, dos saberes que permaneceram e constantemente se transformam e se

renovam. Ao narrar-se, o indivíduo constrói sua própria identidade; portanto, a

formação discursiva é uma parte importante da sua identidade; que de certa forma

define as relações de poder e, consequentemente, o que pode e deve ser dito, onde,

nas diferentes situações e de que modo. De modo semelhante, Kramsch coloca que

as “subjetividades individuais e coletivas são construídas, moldadas e subvertidas

através da língua” (2004, p. 251).

Por fim, se faz necessário enfatizar que, por um lado, existem fatores

predeterminados e inatos ao sujeito, como por exemplo, a raça, o gênero, a língua e

a herança social de uma determinada sociedade que irão determinar e influenciar a

maneira como o indivíduo formará a sua identidade. Como afirma Anderson, “todos

sabemos que nossa herança genética pessoal, nosso sexo, a época em que

vivemos, nossas capacidades físicas, língua materna, e assim por diante, são

fatores contingentes e inelutáveis” (2008, p. 36). Por essa razão, Moita Lopes afirma

que a identidade social é vista como sendo inerente às pessoas, quando na verdade

ela deveria ser encarada como consequência das práticas discursivas nas quais as

pessoas se engajam para construir a realidade social e a si mesmas, em

circunstâncias sócio-históricas particulares (MOITA LOPES, 2002).

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Por outro lado, ecoando as muitas vozes já mencionadas que defendem que

principalmente através da língua e do patrimônio cultural estamos constantemente

construindo e reformulando nossas identidades, Coracini afirma que “a identidade

não é inata nem natural, mas naturalizada, através de processos inconscientes, e

permanece sempre incompleta, sempre em processo, sempre em formação” (2007,

p.61). Como testemunho das muitas e variadas influências recebidas por nossas

identidades, Woodward, ao citar Rutherford, destaca que: “a identidade marca o

encontro do nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas

quais vivemos agora... a identidade é a intersecção de nossas vidas cotidianas com

as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação” (2009, p.19).

Retomando as palavras de Coracini contidas na epígrafe, através do nosso discurso,

deixamos transparecer essa mistura de línguas e culturas que constituem as nossas,

sempre mutantes, identidades.

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3 O CONTEXTO BRASILEIRO

Cada homem é sempre e essencialmente um ser cultural, detentor da tradição que o humanizou.

Darcy Ribeiro

O primeiro capítulo tencionava mostrar a impossibilidade de pesquisar

conceitos relacionados com a língua, a cultura e a identidade de um povo, sem levar

em consideração as preocupações sociopolíticas que envolvem certos momentos

históricos. A história é uma construção, uma narrativa geralmente feita a partir do

ponto de vista do vencedor. No caso do Brasil, a história contada normalmente foi

registrada sob a perspectiva do colonizador e não do colonizado. A partir dessa

concepção é feita uma análise da identidade nacional, desde o início de sua

formação enquanto nação e povo verdadeiramente brasileiro para então verificar as

influências desse histórico nas gerações atuais.

Com relação à etimologia da palavra “brasileiro”, podemos observar que, no

português, os adjetivos pátrios geralmente possuem terminações tais como “-ino”

(nordestino, argentino), “-ense” (paraense, israelense), “-ês” (português, norueguês,

finlandês), ou “-ano” (curitibano, cubano). A terminação “-eiro” costuma ser usada

em adjetivos e substantivos que designam profissões como “sapateiro”, “cozinheiro”,

“carpinteiro”, por exemplo. Assim, o uso do termo brasileiro pra designar origem ou

nacionalidade configura-se praticamente em uma exceção, sendo somente utilizado

para indicar os nativos do Brasil e os do estado de Minas Gerais, pois mineiro é

formado com o mesmo sufixo de brasileiro, e, além de indicar origem, designa uma

profissão. O termo “brasileiro”, originalmente, designava aquele que trabalhava com

o pau-brasil, em sua extração ou comercialização. A escolha da terminação “-eiro”

pode ser então explicada através da perspectiva do antropólogo brasileiro Darcy

Ribeiro, quando descreve como se deu a formação da nação brasileira:

O Brasil foi regido primeiro como uma feitoria escravista, exoticamente tropical, habitada por índios nativos e negros importados. (...) Os interesses e aspirações do seu povo jamais foram levados em conta, porque só se tinha atenção e zelo no atendimento dos requisitos de prosperidade da feitoria exportadora. (...) Nunca houve aqui um conceito de povo, englobando todos os trabalhadores e atribuindo-lhes direitos. Nem mesmo o direito elementar de trabalhar para nutrir-se, vestir-se e morar. (1995, p. 447)

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Assim, podemos inferir que em primeiro lugar o ser nacional foi concebido

enquanto trabalhador e força bruta, papel desempenhado principalmente por índios

e escravos. O autor prossegue, afirmando que “a cultura brasileira nasce

condicionada pela dominação colonial” (1972, p.101) e, consequentemente, o povo

que surgiu a partir desta condição específica de colonizado, formando uma nova

identidade étnico-nacional – a de brasileiros – não poderia ser considerado

orgulhoso, mas resignado com seu destino. Dessa forma, Ribeiro afirma que:

“milhões de pessoas passaram a construir-se, a partir das rejeições que sofriam”

(1995, p.132). Esse quadro aponta as raízes que teriam originado o sentimento de

inferioridade do povo brasileiro, gerando também outras marcas negativas e que

serão tratadas posteriormente. De acordo com Almeida, o passado histórico de

nosso país, “é permeado por um processo político-ideológico voltado para uma ação

colonizatória, atravessada, fundamentalmente, por um quadro que tem na ação

linguística um vigoroso instrumento de dominação cultural” (2011, p.151), o que

resultaria na submissão cultural de índios e negros.

Sob a perspectiva de Ribeiro (1995), a cultura linguística das novas

comunidades brasileiras teve como base o idioma tupi, língua materna de uso

corrente dos neobrasileiros até meados do século XVIII, adotada pelos portugueses,

especialmente os jesuítas, com a finalidade de obter a submissão cultural do índio. A

língua geral (nheengatu) só foi substituída completamente pela portuguesa como

língua materna dos brasileiros em meados do século XIX. A partir de então, a língua

portuguesa, segundo o autor, “se difunde lentamente, século após século, até

converter-se no veículo único de comunicação das comunidades brasileiras entre si

e delas com a metrópole” (1995, p.75). Moita Lopes chama atenção para o fato de

que no Brasil, ao contrário da colonização castelhana, a primeira universidade só

surgiu na segunda década do século XX. Ele afirma que “evidentemente, havia um

bloqueio ao desenvolvimento intelectual a fim de manter o colonialismo português.

(...) Controlar a cultura é controlar o poder, e quem detém a cultura é o imperialista”

(1996, p.46-47). Com relação à cultura dos países de língua inglesa, a diferença

também é marcante, pois em 1636, apenas 16 anos após a chegada dos primeiros

peregrinos à Nova Inglaterra, a Universidade de Harvard foi fundada. Anderson

complementa esse quadro ao escrever que: “Portugal se recusava sistematicamente

a permitir a organização de qualquer instituição de ensino superior nas suas

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colônias, não considerando como tais os seminários teológicos” (2008, p.89-90).

Assim, os filhos da elite crioula que queriam frequentar o ensino superior, só podiam

fazê-lo na Universidade de Coimbra, na terra materna, e, na sua grande maioria,

para estudar Direito. Curiosamente, ou não, nenhuma imprensa no Brasil existiu

durante os três primeiros séculos da era colonial.

No Brasil, segundo a ótica de Ribeiro (1995), um processo de unificação que

possibilitasse o surgimento de uma etnia brasileira inclusiva, capaz de envolver e

acolher a gente variada que aqui se juntou, teve que anular as identificações étnicas

(índios, africanos e europeus), sem distinguir entre as várias formas de mestiçagem

(mulatos, caboclos e curibocas). Sobre esse surgimento, o autor coloca que:

Só por esse caminho, o povo brasileiro passa a ser uma gente só, que se reconhece como igual em alguma coisa tão substancial que anula suas diferenças e os opõe a todas as outras gentes. Dentro do novo agrupamento, cada membro, como pessoa, permanece inconfundível, mas passa a incluir sua pertença a certa identidade coletiva. (RIBEIRO, 1995, p. 133)

Anderson (2008) foi o primeiro a defender a identidade nacional como uma

“comunidade imaginada”. Hall (2000), por sua vez, reforça a ideia de que a

identidade de um povo deriva de seu passado histórico, afirmando que “o que

constitui uma cultura nacional como uma ‘comunidade imaginada’ são as memórias

do passado, o desejo por viver em conjunto e a perpetuação da herança” (2000,

p.58). Levando em consideração as origens do povo brasileiro, a seguir trataremos

da brasilidade, termo pelo qual a identidade nacional brasileira é conhecida,

composta por marcas positivas e negativas, ambas irremediavelmente fruto das

influências históricas, sociais e culturais que nos acompanham desde a nossa

origem.

Partindo da noção de que um povo é possuidor de um sentimento que o torna

único, agregamos como parte de uma representação as características boas e ruins,

que fazem parte da essência que constitui a brasilidade ou a “cara brasileira”, com o

sentido de identidade nacional enquanto expressão cultural e identitária do

brasileiro. Portanto, é importante ressaltar que neste trabalho, a brasilidade trata do

conjunto de características que formam a unidade e identidade do povo brasileiro,

abordando apenas superficialmente alguns símbolos e elementos do imaginário

nacional como o samba, o futebol e a tropicalidade, que de certa forma também nos

representam enquanto povo.

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As raízes culturais de um povo, segundo Anderson (2008) definem fatores

contingentes e inelutáveis, como é o caso da nossa herança genética pessoal,

nosso sexo, a época em que vivemos, a língua materna, e assim por diante.

Consequentemente, a identidade nacional é assimilada por todas essas coisas que

não se podem evitar. Durante o tempo de vida de um indivíduo, seu processo de

educação – formal e também informal – juntamente com suas experiências, faz com

que ele constantemente sofra influências socioculturais, e toda uma gama de

conhecimentos, ao qual podemos incluir as normas que constituem o que Bourdieu

(1998) chamou de capital cultural herdado. Portanto, nascemos e crescemos dentro

de uma cultura que foi influenciada por tudo que veio a priori e que, por sua vez, nos

influenciará.

Rajagopalan (2003) propôs que as identidades estão em permanente estado

de transformação. Da mesma forma, a brasilidade e as características que

representam o povo brasileiro passaram por inúmeras mudanças nos diferentes

períodos históricos. Nem sempre essas marcas foram as mesmas, pois sabemos

que as identidades não são fixas, como já se afirmou antes (HALL, 2000;

RAJAGOPALAN, 2003; BAUMAN, 2005). Assim, algumas características podem ser

mais estáveis e outras mais passageiras, sofrendo modificações conforme o

momento. Dividiremos essas características, tratando-as como generalizações

positivas e negativas, sem a pretensão de esgotar todas as possibilidades, mas

usando as representações mais frequentes. A partir de uma perspectiva

antropológica, a brasilidade – o sentimento e a identidade do brasileiro – será

analisada como era vista no passado e mais recentemente, como consequência das

influências sofridas ao longo do processo.

São muitas as generalizações negativas atribuídas de forma comum ao povo

brasileiro: somos malandros, preguiçosos, informais e temos baixa autoestima, para

citar algumas. Segundo Moita Lopes, existe um quadro imposto pelo colonizador ao

colonizado, o que certamente desempenhou um importante papel na identidade e

sentimento nacional das gerações seguintes ao período colonial: “tão grande é o

poder da ideologia imperialista, que acaba convencendo o colonizado de sua

natureza preguiçosa e não-inteligente, ou seja, de sua inferioridade.” (1996, p.48).

Acreditava-se que além da origem mestiça, apontada por alguns autores como a

principal causa da inferioridade cultural brasileira, os brasileiros sofreriam com o fato

de viverem nos trópicos, onde o clima quente e úmido predisporia os habitantes à

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preguiça. Outra tese cara no passado, o determinismo geográfico, ditava que

verdadeiras civilizações só podiam se desenvolver no clima temperado. Segundo a

ótica de Coracini, o brasileiro em geral, se sente consciente ou inconscientemente

inferior diante do estrangeiro europeu e americano que admira, ao afirmar que

“restam o recalque e o sentimento da falta que impedem que se valorize a própria

cultura” (2007, p.77). Vários fatores contribuíram para essa construção. Outro

exemplo a ser citado brevemente é o personagem Zé Carioca, criado na década de

1940, pelos estúdios Walt Disney. Na tentativa de representar o brasileiro, Zé

Carioca é mostrado como divertido, festeiro, vagabundo e preguiçoso.

Em 1950, o dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues cunhou a expressão que

ele próprio explica: “por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o

brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os

setores e, sobretudo, no futebol”. Em um artigo do The New York Times de 2004, o

jornalista americano Larry Rohter utiliza a expressão de Rodrigues e alguns

incidentes para declarar que “o Brasil não é um país sério”, e que apesar de desejar

reconhecimento entre as outras nações, o país tropeçava sucessivamente em sua

baixa autoestima, reforçada por incidentes folclóricos – como, por exemplo, "a capital

do Brasil é Buenos Aires", ou "os brasileiros falam espanhol" – cometidos pela mídia

e autoridades estrangeiras. Futuramente, a expressão penetraria em outras áreas,

como por exemplo, no campo científico, o neurobiólogo Sidarta Ribeiro afirmou que

“é difícil prever quando um brasileiro ganhará o Nobel e que importância isso poderá

ter para o país. Se redimir nosso complexo de vira-lata científico, terá inestimável

valor”. Na diplomacia, o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim afirmou

repetidas vezes, com foco na Política Externa, que um setor da população brasileira

mantinha ainda o traço psicológico do complexo de vira-lata. Para ilustrar o

sentimento de baixa autoestima também temos a campanha “O melhor do Brasil é o

brasileiro”8, com o propósito exclusivo de resgatar a autoestima do brasileiro. Depois

de alguns comerciais, a campanha ficou mais conhecida pela frase “Eu sou

brasileiro e não desisto nunca”, sendo a peça publicitária mais memorável, sem

dúvida, a que foi estrelada pelo herói nacional, Ronaldo “O fenômeno”. No discurso

de lançamento, o próprio presidente reconheceu: “tanta gente de fora acredita tanto

no Brasil, e nós, às vezes, não acreditamos”. Existe uma crença cristalizada em

8 Campanha iniciada durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004.

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muitos setores de nossa sociedade de que o de fora é sempre melhor que o daqui,

assim como muitos exemplos de profissionais que precisaram vencer e desenvolver

suas pesquisas em outros países para só depois serem reconhecidos no Brasil.

Brandão (2006) aponta uma situação ocorrida no princípio do século passado

que ilustra muito bem a herança dos tempos da colonização. Ela nos recorda que no

tempo das confeitarias, dos cafés sofisticados e também dos saraus familiares, a

língua francesa era falada por cavalheiros, por senhoras e senhoritas brasileiras,

que faziam parte das classes mais abastadas. Segundo a autora, “fosse nos ritos

culinários, na moda ou nos objetos de uso cotidiano, vigorava a ideia de que a velha

Europa – alicerçada em seu milenar poderio econômico – constituía um vetor de

‘alta cultura’, cujos valores procurávamos, cabisbaixos, largamente imitar” (2006,

p.71). Assim surgiu no contexto brasileiro o conceito de Bovarismo: uma atitude que

no início do século vinte desencadearia um intenso debate cultural, descrito assim

pela autora: “intelectuais e escritores brasileiros ora propunham uma adesão radical

aos valores culturais europeus, ora uma incontida rejeição a esses mesmos valores,

tidos como indesejáveis para a formação de nosso perfil cultural” (2006, p.72).

Holanda (2010) faz uma contribuição quando ele associa o bovarismo com a

identidade nacional. Em Raízes do Brasil, ao tratar das formas de evasão da

realidade que impregnaram determinados preceitos liberais e românticos que

vigoraram entre nós, o autor utiliza o termo bovarismo, em referência à falta de

originalidade que leva o sujeito, sempre à mercê do outro, a copiar modelos de

cultura e civilização vindos de fora. Holanda adverte que os efeitos do bovarismo,

ainda que menos sensíveis com o passar do tempo, foram suficientes para fixar a

ideia de que o Brasil não poderia crescer a partir de suas próprias forças naturais e

deveria formar-se de fora para dentro para merecer a aprovação dos outros. O fato

mais dominante e rico de consequências de nosso passado foi a tentativa de

implantar a cultura europeia em extenso território, dotado de condições naturais e

nem sempre favoráveis. A crítica de Holanda à constituição da cultura e da

sociedade brasileira está calcada na inevitável constatação do sentimento de

nostalgia do outro. Nossa dependência cultural estava fortemente ligada aos usos e

costumes primeiramente impostos pelo colonizador e eventualmente absorvidos pelo

povo colonizado. Atualmente, a supremacia da língua inglesa, considerada a língua

franca no mundo, pode ser vista como uma consequência do imperialismo e do

domínio cultural sobre os outros povos.

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A Semana de Arte Moderna em 1922 seria vista como uma das primeiras

manifestações contra a dependência cultural que havia se instaurado em nosso país

desde a sua formação. Entre os intelectuais que fizeram parte do movimento

modernista, a carreira de Paulo Prado é notória para descrever o desgosto da elite

nacional em relação ao próprio país. O trecho a seguir mostra o momento no qual

tivemos consciência de que nosso ingresso para a modernidade dava-se de modo

questionável. O movimento não era capaz de livrar-se do sentimento brutal de

dependência que amparava todo o contexto cultural e político do Brasil, em oposição

às grandiosas expectativas do programa modernista de 1922.

Tudo é imitação, desde a estrutura política em que procuramos encerrar e comprimir as mais profundas tendências da nossa natureza social, até o falseamento das manifestações espontâneas do gênio criador. (...) Nesta terra, em que quase tudo dá, importamos tudo: das modas de Paris – ideias e vestidos – ao cabo de vassoura e ao palito. Transplantados, são quase nulos os focos de reação intelectual e artística. Passa pelas alfândegas tudo que constitui as bênçãos da civilização: saúde, bem-estar material, conhecimentos, prazeres, admirações, senso estético. (PRADO, 2001, p.204)

De acordo com um estudo recente9, o “jeitinho brasileiro”, ou Lei de Gérson, é

um dos atributos mais relevantes para definir a brasilidade, sendo um traço

complexo por reunir tanto significados favoráveis quanto nocivos. Fazer o errado

parecer certo na cultura popular significa levar vantagem acima de tudo, sem

respeitar códigos éticos ou morais; porém há quem veja o lado bom do jeitinho. A

expressão, originada a partir de um comercial de cigarros em 1976, passou a ser

utilizada pela população a partir da década de 80 para referir escândalos na política

e outras pequenas corrupções do dia a dia; como por exemplo, furar filas ou

estacionar em local proibido. Outras designações semelhantes como “molejo”,

“ginga”, “jogo de cintura”, ou “povo artista” remetem ao lado benéfico do jeitinho. Os

autores que defendem o lado positivo do jeitinho brasileiro encaram a prática como

uma resposta da sociedade à dominação, como um mecanismo de adaptação às

situações perversas da sociedade brasileira. Uma espécie de mecanismo de

navegação social, que em suas manifestações positivas se aproximaria do favor e

nas negativas, da corrupção. Autores como Barbosa (1992), definem essa prática

9 O Projeto Brasilidade de 2010, desenvolvido por Rodrigo Mendes Ribeiro, foi uma pesquisa realizada com o intuito de descobrir o que significa ser brasileiro no século XXI. Disponível em: http://www.ccsp.com.br/ultimas/noticia.php?id=47671 - Projeto Brasilidade

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como um instrumento que auxilia a difícil rotina do brasileiro; porém, a posição que

ocupa hoje, o jeitinho está cada vez mais próximo da corrupção.

Tratando-se das generalizações negativas, em um interessante artigo que

tencionava discutir a maneira como algumas propagandas de cursos de inglês

constroem as identidades dos aprendizes, Andrade e Pereira (2014) trazem que a

propaganda em geral, e especialmente a institucional, procura informar, persuadir e

predispor favoravelmente as pessoas, em relação ao produto, serviço, marca ou

instituição patrocinadora. Assim, segundo as autoras, “a propaganda eficaz não

seria a que vende o produto em si, mas a que vende o ato de transformação que

idealmente se daria a partir da compra dele. Dessa forma elas concluem que “a

propaganda trabalha o desejo do lugar do outro” (2014, p.40), em que a cultura de

um determinado grupo torna-se dominante e passa a ser desejada por grupos em

situação social menos favorecida. A identidade do aprendiz é caracterizada pela

falta ou aquele que não é o nativo norte-americano (no caso dos comerciais

analisados), cuja identidade é o padrão normalizador. Ainda de acordo com as

autoras, “ao saber a língua corretamente, o aprendiz seria necessariamente capaz

de realizar seus sonhos e teria acesso a um lugar de destaque social” (2014, p.42).

Uma das constatações desse artigo é a de que o aprendiz, na medida em que se

encaixa na posição de destinatário da propaganda, por razões políticas e

econômicas, tem como se posicionar nesse espaço, sendo motivado, não somente

pelos comerciais como pelo imaginário cultural, a procurar os cursos de inglês, como

porta de acesso às comunidades imaginadas. Por meio do artigo podemos perceber

que a identidade do aprendiz é marcada pela falta, pelo bem simbólico que ele

deseja ter para acessar seus objetivos com a LI e que a cultura nativa é

desvalorizada, evidenciando a superioridade da cultura americana.

Quanto às generalizações positivas da identidade do brasileiro, Sérgio

Buarque de Holanda, afirma que uma das marcas da brasilidade seria “um fundo

emotivo extremamente rico e transbordante” e define o brasileiro como o “homem

cordial”, no sentido de agir mais com o coração do que com a racionalidade. O

brasileiro teria desenvolvido uma espécie de aversão à formalidade, ritualismos

sociais e às hierarquias, desejando sempre estabelecer intimidade, simpatia e

amizade em suas relações. Um exemplo dessa atitude é a preferência pelo uso do

nome, em vez do sobrenome no Brasil e a tendência ao uso dos diminutivos.

Holanda (1995) esclarece que a cordialidade, especificamente, estaria restrita ao

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período colonial e ao contexto rural do Brasil.

A musicalidade e o futebol são outros elementos afirmativos atribuídos à

identidade do brasileiro. São marcas tão fortes da cultura nacional que mesmo quem

não gosta de samba ou de futebol, se vê obrigado a participar das conversas

cotidianas sobre nossos times e a conviver com o samba e outros estilos que o

tiveram como inspiração. Encontrada principalmente na música e no futebol, mas

também em muitos outros setores, a criatividade é outra característica que compõe

a essência do nativo do Brasil. Um exemplo dessa relação são os casos em que

contestações aparecem de forma inusitada, escondidas na música, nas partidas de

futebol ou durante o carnaval. Mania e símbolo nacional, o futebol – mesmo tendo

suas origens na China Antiga e se consagrado como atividade esportiva em 1710 na

Inglaterra10 – somos e seremos sempre “o país do futebol”.

Com o objetivo de revelar o que pensam e sentem os brasileiros, o Projeto

Brasilidade, realizado em 2010, desenvolveu uma ampla pesquisa sobre a

autopercepção do brasileiro em relação à sua identidade nacional e autoestima.

Após mais de 20 anos de democracia e estabilização econômica, fazia-se

necessário investigar o impacto desse período sobre a identidade. A equipe do

projeto mobilizou profissionais de diversas áreas e ouviu pessoas de todas as

regiões do Brasil e classes sociais para descobrir o que significa ser brasileiro no

século XXI. Os resultados divulgados pelo projeto indicam uma grande melhora na

autoestima do brasileiro, a imagem positiva mais forte é a de povo batalhador, o que

incorporaria a capacidade de conviver com a corrupção, certamente a imagem mais

negativa de todas, vista como inerente à sociedade brasileira. Existe o sentimento

de que o país está melhorando, e apesar de 78% dos entrevistados afirmarem sentir

orgulho de ser brasileiro, ao mesmo tempo, sentem vergonha da política, dos

partidos e da saúde pública, fatores desfavoráveis, mas que também compõem a

realidade brasileira.

Em seu novo livro, O futuro chegou – Modelos de vida para uma sociedade

desorientada, Domenico De Masi revela-se um verdadeiro entusiasta de nosso país:

“com seu patrimônio histórico e cultural, o Brasil pode dar contribuições

insubstituíveis à formação de um novo modelo global”. De acordo com o sociólogo

10 História do futebol, extraído do site www.suapesquisa.com. Acesso em: 2 maio 2014.

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italiano11, todo mundo está virando mestiço, uma característica encontrada no Brasil

desde sua origem. Apesar dos fatores apontados por ele como negativos, como a

excessiva aprovação do modelo americano, o analfabetismo e a corrupção; De Masi

deposita uma enorme fé na nação brasileira atribuindo ao nosso país muitos

aspectos positivos que dificilmente estariam disponíveis em outro lugar. Exemplos

disso seriam a suavidade, a receptividade, a amizade, a antropofagia cultural, a

postura positiva em relação à vida, a aversão à guerra, o baixo índice de racismo,

entre outros. Segundo De Masi (2014), “o Brasil é um país aberto ao novo e às

mudanças”.

Alguns autores que estudaram o Brasil desde o período colonial (RIBEIRO,

1972, 1978, 1995; BOSI, 1992) identificaram que muitos dos traços negativos da

identidade do brasileiro são originados principalmente em virtude da relação

colonizador e colonizado. O objetivo de Portugal era obter mão de obra suficiente

para explorar os recursos naturais brasileiros, mas não houve preocupação com o

destino da nação que estava sendo criada pela miscigenação entre índios, negros,

imigrantes de variadas partes do mundo e europeus que aqui se radicaram. Coracini

ao se referir ao Brasil aponta que todos somos mestiços, “se pensarmos no

hibridismo que constitui cada brasileiro, cada um de nós... Híbrido no híbrido, pois

cada língua – cada cultura – que nos atravessa de maneira mais ou menos

marcante é constitutivamente híbrida” (2007, p.156). Ribeiro, no fragmento abaixo,

exemplifica o quanto a imitação da cultura estrangeira era valorizada em detrimento

da cultura original brasileira e como iniciou o sentimento de inferioridade do nosso

povo:

A imitação do estrangeiro não seria um mal em si, mesmo porque as transplantações culturais são inevitáveis e vêm associadas, frequentemente, a fatores do progresso. O mal residia e ainda reside na rejeição de tudo que era nacional e principalmente popular, como sendo ruim, porque impregnado da subalternidade da terra tropical e inferioridade dos povos de cor. Gerações de brasileiros foram alienadas por esta inautenticidade essencial de sua postura, que os tornava infelizes por serem tal qual eram e vexados pelos ancestrais que tiveram. Nestas circunstâncias, a alienação passou a ser condição mesma desta classe dominante, inconformada com seu mundo atrasado, que só mediocremente conseguia imitar o estrangeiro, e cega para os valores de sua terra e sua gente. (1972, p.109)

11 Em entrevista concedida à Revista Época disponível no site http://epoca.globo.com/ideias/noticias/2014/bdomenico-de-masi-o-brasil-e-o-pais-dos-sociologos.html

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Uma perspectiva semelhante é a de Moita Lopes, em seu estudo com

professores de inglês, onde ele afirma: “é óbvio que esta atitude colonizada não

surgiu simplesmente do nada e que os professores de inglês não estão sozinhos:

esta posição parece estar latente no Brasil” (1996, p. 38). A ideologia do

colonialismo estabelece a superioridade do colonizador e, consequentemente, a

inferioridade e dependência do colonizado. Ao contrastar o perfil do povo brasileiro

com o perfil dos povos de língua inglesa (LI), o autor concluiu que os professores

tinham uma imagem bem diferente das características do próprio povo e do “outro”

(na verdade, outros). O brasileiro foi identificado como brincalhão, mal-educado,

preguiçoso, informal e indisciplinado; para os nativos de LI foram atribuídas

qualidades como trabalhador, educado, disciplinado, sério e formal. Moita Lopes

conclui com os resultados de sua pesquisa: “uma atitude altamente positiva em

relação à cultura de língua estrangeira e totalmente negativa em relação à própria

cultura, totalmente calcada em cima de estereótipos” (1996, p.54-55).

Para traçar um perfil mais real da identidade nacional brasileira em uma

sociedade que já ultrapassa os duzentos milhões de habitantes12 não faria o menor

sentido definir como felizes e cordiais ou malandros e preguiçosos toda a população.

A essência do brasileiro se desvenda em um plano virtual e vira realidade ao se

vincular com as formas sociais que a sustentam. Em um país tão grande e diverso,

as possibilidades são infinitas, mas sempre estarão condicionadas pela herança

cultural, social e histórica presente nas experiências do indivíduo. Alguns terão

acesso à educação formal, outros terão que se virar com pouco ou muito pouco,

contando com “mecanismos de defesa”, como o jeitinho brasileiro é visto por alguns.

Mas a herança cultural permanece no âmbito coletivo influenciando a experiência

individual de cada brasileiro, independente de fatores como raça, sexo ou

parentesco. Se a nação se constitui a partir do imaginário que criamos ou

esquecemos, o sentimento de nacionalidade é totalmente simbólico, conectando-se

com os significados e com suas construções a partir das normas culturais vigentes.

A brasilidade, assim como qualquer identidade, não pode ser entendida como

uma essência imutável ou sempre idêntica; a ideia de brasilidade é múltipla,

conforme o momento histórico. Um exemplo disso é perceber que no passado o

ideal de brasilidade consistia em aproximar-se ao máximo dos padrões cultos

12 Fonte IBGE, 2013.

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europeus, prática que tinha o objetivo de elevar o Brasil ao mesmo nível de cultura e

erudição da Europa. Posteriormente, a necessidade de enaltecer um país recém-

liberto, ansioso por desenvolver as suas potencialidades e afirmar-se perante as

demais nações teriam sido as causas que originaram a brasilidade. Podemos

encontrar mostras do desejo de ter uma cultura propriamente brasileira e da

mutabilidade da identidade nacional, no fragmento abaixo escrito por Lilia M.

Schwarcz13:

Vale a pena lembrar, ainda, o “milagre” operado nos anos 1930, quando a mestiçagem de mácula se transforma na nossa mais profunda redenção. A partir de então a capoeira e o candomblé virariam “nacionais”, do mesmo modo que o samba e o próprio futebol, o qual era destituído de sua identidade inglesa e se transformava – como em um passe de mágica – numa marca da brasilidade. (2008, p.16)

Como as demais identidades, a identidade do brasileiro está sujeita a

modificações e ainda sofrerá muitas outras no futuro, o que ficou constatado com os

teóricos utilizados nesse estudo, que concordam que as identidades são

constituídas através de um constante processo de transformação (WOODWARD,

2000; HALL, 2000; SILVA, 2000; BAUMAN, 2005).

Além da redenção da mestiçagem apontada por Schwarcz (2008), outros

exemplos podem ilustrar essas mudanças que a identidade do brasileiro vem

sofrendo, como a Semana de Arte Moderna, em 1922, vista como a primeira

tentativa de pensar o Brasil fora dos padrões até então copiados da tradição

europeia. A partir de então, movimentos pontuais como a valorização do samba e de

ícones nacionais, entre eles, Pelé, Carmen Miranda e mais recentemente, Ronaldo,

colocam nosso país e seus símbolos não apenas na pauta internacional, mas

também no cenário nacional. Ainda temos as conclusões apontadas pelo Projeto

Brasilidade, de que nos dias de hoje nossa identidade permanece dividida por

aspectos positivos e negativos, mas que já se percebe uma significativa melhora da

autoestima e otimismo em relação ao futuro da nação. Essa divisão pode ser

identificada no próprio sentimento de patriotismo do brasileiro, que é marcado pelo

antagonismo: ao mesmo tempo em que às vezes tem orgulho do país e seus

símbolos, outras vezes sente vergonha da política e de seus governantes.

13 Texto retirado da apresentação da edição brasileira do livro Comunidades Imaginadas, de Benedict Anderson, de 2008.

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A identidade nacional do brasileiro, a brasilidade, portanto, é plural: mesmo

com muitos traços positivos e negativos, a diversidade – herança de nossas origens

– atualmente ainda é a principal característica de nossa cultura e da nossa

sociedade. Segundo a epígrafe de Darcy Ribeiro, ao afirmar que o homem é um ser

cultural, ele destaca o fato de que os indivíduos absorvem e aprendem por meio das

tradições e dos códigos sociais e culturais disponíveis em sua sociedade, e por esse

processo se tornam humanos. Dessa forma, nossas identidades inevitavelmente são

constituídas através dos fatores inatos a nossa condição, através da herança cultural

e dos códigos sociais que nos foram legados pelos nossos ancestrais, absorvidos e

aprendidos por nós e constantemente transformados através das influências

culturais e identitárias que sofremos todos os dias desde a mais tenra idade.

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4 A TEORIA SOCIOCULTURAL E O ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA

Nós nos tornamos nós mesmos através dos outros.

Lev S. Vygotsky

A partir da década de 1990, o nome de Lev S. Vygotsky, considerado o nome

mais proeminente quando a Teoria Sociocultural (TSC) é referida, começou a

ganhar mais importância no campo da linguística aplicada. Assim, iniciou-se um

período de maior interesse em aplicar a teoria de aprendizagem associada ao nome

de Vygotsky ao ensino/aprendizagem de línguas adicionais. Os estudos de James

Lantolf tornaram-se referência na área a partir da publicação das obras Vygotskian

approaches to second language research (1994) e Sociocultural theory and second

language learning (2000). Outro nome importante no campo é o da pesquisadora

Joan Kelly Hall com suas obras basilares, como Methods for teaching foreign

languages (2001) e Teaching and researching language and culture (2002).

Vygotsky, a quem as pessoas frequentemente se referem como um

interacionista, apresentou uma perspectiva diferente da construtivista com relação

ao aprendizado, pois defendia que o desenvolvimento só pode ser compreendido

dentro de uma moldura sócio-histórica. No centro de seu trabalho está o foco no

pensamento, especialmente na infância, o que ele relaciona ao desenvolvimento da

linguagem e da fala.

Lev S. Vygotsky nasceu em 1896 na Rússia e suas principais obras foram

escritas entre 1926 e 1930. Durante o período de 1936 a 1956, devido à censura do

regime stalinista sua obra foi proibida no ocidente. Contudo, seus escritos

circulavam clandestinamente e por volta de 1956, sua obra voltou a ser valorizada

na antiga União Soviética. Na década de 1980 houve um crescente entusiasmo em

retomar suas ideias e, atualmente, há um grande interesse em desenvolver sua

teoria, estendendo sua influência para o mundo ocidental. Vygotsky é considerado

um dos maiores psicólogos do século XX e a Teoria Sociocultural, criada por ele

entre 1925 e 1934, caracterizava-se principalmente pela elaboração de um

programa teórico que articula os processos psicológicos e socioculturais (relações

sociais e com o ambiente) e propostas metodológicas de investigação genética e

histórica.

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De acordo com Vygotsky, as pessoas aprendem com outras mais

competentes por meio de interações sociais. Seu modelo apresenta três níveis de

competência: pré-desenvolvimento, zona de desenvolvimento proximal (ZDP) e zona

de desenvolvimento real. Durante o pré-desenvolvimento, mesmo com ajuda, o

aluno não pode resolver problemas em uma determinada área. Quando alcançam a

zona de desenvolvimento proximal, podem resolver problemas com o apoio de

outros que são mais competentes e experientes. Na zona de desenvolvimento real,

os alunos podem resolver problemas de forma independente. Conceitos como a

ZDP, andaimes (técnica utilizada para mover o aprendiz a um nível mais elevado de

competência ou de desenvolvimento por meio de interações sociais) e teoria da

atividade (que compreende as atividades humanas como fenômenos complexos e

socialmente situados) oferecem interpretações e conceitos que modificam as teorias

de aprendizagem e, consequentemente, tornam-se alternativas atraentes para a

ASL e oportunidades de desenvolvimento que podem fazer das rotinas de parte da

sala de aula, como interações professor-aluno, resolução de problemas, tarefas

comunicativas, prática de estratégias para o aprendiz, foco na forma e feedback

corretivo (HALL, 2002).

James Lantolf é um dos principais autores que busca aproximar a pesquisa

em aprendizagem de línguas à Teoria Sociocultural de Vygotsky. As pesquisas de

Lantolf, professor de línguas e de Linguística Aplicada na Penn State University,

concentram-se num grande número de questões teóricas relacionadas com a teoria

sociocultural e a ASL. Como um dos principais referentes teóricos para esta

pesquisa, a teoria sociocultural defende que a mente humana é mediada. Isto é,

usamos ferramentas e artefatos, que podem ser físicos ou simbólicos, para interagir

com o mundo. De acordo com Lantolf, “as línguas são continuamente moldadas por

seus usuários para servir suas necessidades comunicativas e psicológicas” (2000,

p.2). Portanto, a língua – sempre inserida num contexto cultural – medeia nossa

relação com o mundo.

Podemos perceber o grande impacto que uma língua adicional pode ter sobre

a nossa identidade, ainda segundo Lantolf: “aprender uma segunda língua, em

certas circunstâncias, pode levar a reformulação total do sistema mental de uma

pessoa, incluindo o próprio conceito de si mesmo” (2000, p.5). A partir do momento

em que um indivíduo usa o código linguístico de uma língua adicional, pode-se dizer

que ele muda sua identidade, redefinindo-a. Segundo Rajagopalan, “as línguas são

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a própria expressão das identidades de quem delas se apropria” (2003, p.69). Logo,

quem transita entre diversos idiomas está redefinindo sua própria identidade. Ainda

nas palavras de autor, “quem aprende uma língua nova está se redefinindo como

uma nova pessoa” (2003, p.69).

O estudo da Teoria Sociocultural tem chamado atenção para aspectos

importantes não somente para o aprendizado de uma língua adicional, mas também

no que diz respeito às metodologias e focos utilizados na pesquisa de ASL. Muitos

pesquisadores já tendem a usar nomenclaturas diferentes, como a preferência do

termo aprendizagem à aquisição, ou língua adicional à segunda língua. Segundo

Norton (2011), em contextos multilíngues, é provável que o termo ASL seja

inapropriado uma vez que autores como Block (2003) perceberam que o termo

“segunda” não dá conta dos aprendizes multilíngues que fizeram uso de três ou mais

línguas durante suas vidas. Os estudiosos a favor da Teoria Sociocultural desafiam

a visão das teorias cognitivistas e têm como objetivo uma reconceitualização da

SLA, como um empreendimento teórica e metodologicamente equilibrado, que

procure tratar, explicar, explorar, em medidas mais iguais e, quando possível, de

modo integrado, ambas as dimensões – social e cognitiva – do uso e aprendizagem

de LA.

Segundo Hall (2002), as conceitualizações de pesquisa para os linguistas

aplicados, que com frequência consideram aqueles que fazem pesquisa sobre

língua e aprendizagem como sendo um grupo de profissionais de elite distintos, são

diferentes para os que ensinam. Assim, a tarefa dos pesquisadores é produzir novos

conhecimentos, enquanto que os professores devem tirar proveito desses novos

conhecimentos a fim de melhorar sua prática. Para a autora, “a perspectiva

sociocultural não faz tal distinção” (2002, p.127), porque através da TSC o

conhecimento é encarado não como um sistema racional que existe longe de seus

usuários, mas como um construto cultural constituído socialmente. Dessa forma,

esse construto não vem de dentro de nossa mente, mas de dentro de nossas

comunidades, que se formam por meio das atividades comunicativas, nas quais nos

engajamos como membros de nossas comunidades, das suas ferramentas e de

como as usamos para mediar nossas ações em nossas atividades com os outros.

Nossas ações mediadas constituem o conhecimento, o que inclui suas formas e

funções, e de onde são retiradas nossas referências de mundo. Então, nas palavras

de Hall, “as formas de linguagem não podem ser compreendidas fora de seus

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contextos de uso” (2002, p.128). Assim, a língua aprendida, seja a materna ou uma

LA, está vinculada às práticas sociais, culturais e históricas de qualquer grupo e de

qualquer sociedade.

A perspectiva da teoria sociocultural sobre a natureza de investigação difere

significativamente das visões mais tradicionais. Assim, essa perspectiva busca

entender os mundos comunicativos nos quais e pelos quais codificamos nossas

vidas, ou seja, entender como atuamos no mundo e não como o mundo é feito

dentro de nós. Segundo Hall,

Alcançar tal entendimento implica no exame dos nossos jogos de linguagem particulares ou experiências vividas, os significados que residem neles, as forças sociais, culturais e políticas que causam esses significados e as consequências que a participação nesses jogos têm para o uso da língua e do desenvolvimento individual. Tais exames revelarão complexidades dos nossos mundos comunicativos e deixam claro o quanto nossos mundos, nossas identidades sociais e os papéis que representamos estão conectados e construídos parcialmente por nossas ações comunicativas e dos outros, e pelas forças sócio-históricas expressas nelas. (HALL, 2002, p.131)

Um dos objetivos da perspectiva sociocultural é ajudar a explicar em uma

escala mais ampla as ações comunicativas pelas quais os indivíduos dentro de

grupos e grupos dentro de comunidades, constantemente recriam e respondem às

condições interativas sócio-históricas e localmente situadas; e que agindo dessa

forma, acarretam consequências, linguísticas, sociais e cognitivas entre outras. Mais

especificamente, em termos de aprendizagem, segundo Hall (2002), o objetivo de

uma pesquisa é:

levar-nos ao entendimento das condições pelo qual o envolvimento dos aprendizes nas várias constelações de suas práticas de socialização da língua, dentro e fora da sala de aula, é formado e como sua participação em desenvolvimento afeta sua evolução como usuários e aprendizes de língua. (HALL, 2002, p.131)

Um estudo assim implica a identificação e caracterização das práticas

comunicativas que se dão dentro e fora das instituições sociais envolvidas na

pesquisa. Além disso, também deve incluir como os recursos pelos quais tais

práticas são constituídas nas comunidades de aprendizes de língua, sejam elas em

estabelecimentos de ensino mais formais como escolas, ou em outros menos

formais, como clubes comunitários, organizações cívicas ou o local de trabalho.

Consequentemente, o modo como os participantes dessas atividades usam os

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recursos de suas práticas de aprendizagem para refletir e criar novas relações

através da aprendizagem de língua, afeta suas identidades individuais e relações de

papéis dentro desses estabelecimentos e suas identidades coletivas através delas.

Lantolf (2000) retoma alguns dos preceitos de Vygotsky quando afirma que a

função da psicologia é entender como a atividade social e mental humana é

organizada através de artefatos construídos culturalmente. Quer físicos ou

simbólicos, os artefatos geralmente são modificados quando são passados de uma

geração para a seguinte. Cada geração retrabalha sua herança cultural para

satisfazer as necessidades de suas comunidades e indivíduos. Por exemplo, o

computador pesadão dos anos 1950 hoje se tornou um aparelho compacto e mais

potente, cada vez mais presente e necessário na vida diária de nossas

comunidades. Estudos mais recentes (NORTON; TOOHEY, 2011) já tratam de como

as novas tecnologias influenciam na aprendizagem de LAs e na construção das

identidades dos aprendizes. Da mesma forma, como já abordado nos capítulos

anteriores, as línguas são continuamente remodeladas pelos seus usuários para

servir às suas necessidades comunicativas e psicológicas.

Ratner (apud LANTOLF, 2006, p.69) define a TSC como o campo que “estuda

o conteúdo, o modus operandi e as interrelações dos fenômenos psicológicos que

são socialmente construídos e compartilhados, e que estão enraizados em outros

artefatos sociais”. Assim, os processos psicológicos humanos são organizados em

três fatores culturais fundamentais: as atividades (por exemplo, a brincadeira, a

educação, o trabalho, a criação estética), os artefatos (como o uso de ferramentas,

livros, armas, relógios; ou ferramentas simbólicas, incluindo a linguagem, os

sistemas numéricos, diagramas, mapas, a música e a arte) e os conceitos

(entendimentos que as comunidades constroem dos mundos pessoal, físico, social,

mental, religioso, etc.). A educação incorpora ambos os artefatos – o físico e o

simbólico – incluindo livros, papel, lápis, computadores, a linguagem, os números,

diagramas e assim por diante, e tem o objetivo de ajudar os alunos a desenvolver

conhecimento baseado em conceitos coerentes do mundo.

A teoria sociocultural crê na centralidade da linguagem como uma “ferramenta

para o pensamento”, ou como um meio de mediação para a atividade mental.

Através da linguagem, por exemplo, podemos direcionar nossa própria atenção (ou

a de outros) para características significativas do ambiente, ensaiar uma informação

para aprendê-la, formular um plano ou articular os passos a serem tomados para

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resolver um problema. Do ponto de vista sociocultural, o aprendizado também é um

processo mediado, visto como socialmente mediado, porque depende de interações

face a face e de processos compartilhados, como resoluções de problemas e

discussões em conjunto. Primeiramente, o aprendizado é visto como social e depois

como individual. Para as pessoas, assim como para cada bebê de modo especial, a

linguagem é a principal ferramenta mediadora simbólica para o desenvolvimento da

consciência.

Ao destacar a importância da perspectiva sociocultural no estudo e na

pesquisa da ASL, reforçando o mérito da competência comunicativa sobre a

competência gramatical, Hymes (apud FIRTH; WAGNER, 1997, p.287) iniciou uma

visão da língua mais social e contextual. Essa visão, apoiada na TSC, pressupõe a

convicção de que a língua – enquanto fenômeno social e cultural – é adquirida e

aprendida pela interação social. As metodologias de ensino de LA que privilegiam a

competência comunicativa sobre a linguística, entendem que o significado é sempre

negociado. Por meio de trabalhos interpretativos, as pessoas conseguem fazer

sentido. Como a fala é organizada em turnos, cada nova fala é uma oportunidade de

compreender a fala anterior. Essa visão social e cultural da língua destaca o quanto

é importante que os professores estimulem a interação entre os aprendizes,

desprendendo-se dos tradicionais exercícios gramaticais, atuando como mediadores

e provendo situações para interação. Desta forma, a sala de aula é vista como uma

comunidade, um ambiente de interação social e construção de conhecimento.

Na percepção de Firth e Wagner (1997), existe uma preocupação dentro do

campo de pesquisas sobre o ensino/aprendizagem de LA com o aprendiz, às custas

de outras identidades sociais potencialmente relevantes. Para alguns

pesquisadores, a identidade do aprendiz é um recurso dado por certo pelo

pesquisador, em vez de um tópico de investigação. Mais importante, em muitas

teorias, o aprendiz é visto como um comunicador deficiente, e alguns autores como

Revuz (1998) alertam para o fato de que a aprendizagem de uma LA acusa

primeiramente uma alta taxa de insucesso. Em consonância com essa perspectiva,

o foco e a ênfase da pesquisa no campo de aprendizagem de línguas adicionais

concentrava-se nas deficiências linguísticas e nos problemas comunicativos dos

aprendizes. Essa ênfase que trata o aprendiz de LA como usuário deficiente

possibilita essa visão: sentimentos de incompetência e dificuldade ao aprender uma

LA são certamente comuns e com frequência, psicologicamente salientes. Os

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estudos das “dificuldades” e dos “problemas” predominam, o que admitiu de modo

implícito, um foco maior da ASL nos problemas do que nos “sucessos”

comunicativos. Firth e Wagner (1997) entendem que apesar de negligenciado pela

ASL em geral, as pessoas frequentemente têm êxito para se comunicar em uma LA,

mesmo com recursos comunicativos bem limitados. A comunicação bem sucedida

talvez seja menos aparente psicologicamente, o que pode explicar em parte esse

descaso na pesquisa de ASL. Todavia, sugere-se que um estudo dos sucessos

comunicativos – somado aos estudos de falhas e problemas percebidos – pode

fornecer insights novos e produtivos para o campo da ASL.

Moita Lopes (2002) defende que o discurso tem uma importância fundamental

como força mediadora dos processos de construção de nossas identidades sociais,

já que nos construímos a partir do papel que representamos um para o outro por

meio da palavra. A língua, através das práticas discursivas no contexto escolar,

desempenha um papel importante no desenvolvimento da conscientização na vida

dos indivíduos sobre suas identidades e a dos outros. Dessa forma, a língua tem o

potencial de revelar como as identidades são socialmente construídas no discurso

ao mesmo tempo em que fazem a mediação da construção de nossas próprias

identidades sociais. Esse potencial das línguas só poderá ser compreendido e

explorado pedagogicamente se o professor for capaz de conceber a identidade e o

discurso como construções sociais. Assim, na concepção de Moita Lopes, uma

escola democrática faria:

a aproximação dos alunos a discursos outros, pelo reconhecimento da sociedade como espaço constituído pelo discurso em que os conflitos são inerentes (resultado da luta política, entendida como relações entre as pessoas no mundo social) e criação de condições para construir outros sentidos de quem somos (nem sempre legitimados pela família e/ou outras instituições). (MOITA LOPES, 2002, p.81)

O aprendizado de uma língua, seja ela qual for, é um processo transformador,

porque provoca mudanças no aprendiz, trazendo consequências para suas

identidades ao provocar novas identificações. Ainda de acordo com a visão de Moita

Lopes, “a sala de aula de línguas, talvez mais que qualquer outra, tem função central

na definição dos significados construídos pelos indivíduos” (2002, p.193),

significados esses que serão essenciais para agir no mundo social através do

discurso. Algumas práticas no ensino de línguas ainda priorizam a ideia de que a

sala de aula deve ser uma ilha cultural, ou seja, ter por objetivo aprender uma LA

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para poder atuar em outra cultura, porém o que realmente se faz nesse ambiente é

ignorado: a construção de significados, em termos de sua relação com o mundo em

que o aluno vive e com a sua identidade social. Os conhecimentos cujo aprendizado

é mediado pelo professor dependem, fundamentalmente, da visão que o aprendiz

tem da língua, sua visão de mundo, suas inclinações políticas, crenças, valores,

preconceitos, entre outros. Assim, conclui o autor que, “se o discurso é de natureza

social, os significados que construímos quando agimos no mundo social são

definidores da realidade social à nossa volta e de nós mesmos”. (2002, p.197) Por

essa razão, os autores que defendem a perspectiva da TSC reivindicam uma

reconceitualização na pesquisa em ASL que permita compreender e explicar como a

língua é usada enquanto estiver sendo aprendida através da interação engenhosa,

contingente e contextual. A língua não é somente um fenômeno cognitivo, produto

de um cérebro individual; é fundamentalmente um fenômeno social. A língua é

adquirida e usada de modo interativo em uma variedade de contextos e propósitos

práticos. A Teoria Sociocultural surge da ênfase no social, pois Vygotsky afirma que

o ser humano se forma em contato com a sociedade. Saussure também reconhece

que a língua não existe fora do fato social (2012, p.118), lembrando-nos de que a

língua enquanto instituição social não está completa em nenhum indivíduo e só na

massa existe de modo completo, como uma espécie de contrato estabelecido entre

os membros da comunidade.

Quando encaramos a aprendizagem de uma LA como um processo

discursivo, estamos reconhecendo que ela não apenas relaciona-se a fatores

cognitivos ou metodológicos. Essa perspectiva admite que tanto o professor quanto

os aprendizes têm um passado que foi determinado sóciohistoricamente, constituído

através de processos ideológicos e cindido pelo inconsciente. A sala de aula é um

espaço definido pelas relações sociais e culturais, que por sua vez, influenciam a

aprendizagem de línguas. É um espaço que tem um fim próprio enquanto prática

social e identitária. A língua deveria deixar de ser vista apenas como um instrumento

de comunicação, que pode ser aprendido pelas regras linguísticas e gramaticais, ou

de sequências comunicativas, e passar a ser vista como uma das vias que se

manifesta na constituição do sujeito. Segundo Tavares, “vários trabalhos sobre o

ensino-aprendizagem de línguas têm demonstrado que sujeito e língua encontram-

se em uma ligação estreita, pois, ao enunciar, o sujeito representa a si e ao mundo

mediante a cadeia linguística discursiva, materializada na língua” (2011, p.205).

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Com o objetivo de estabelecer um plano curricular mais homogêneo no

ensino, os PCNLE (Parâmetros Curriculares Nacionais para Língua Estrangeira)

também apontam o intercâmbio entre LM e LA ao prescrever que uma das funções

do ensino de LA é o desenvolvimento das capacidades de comunicação e interação,

possibilitando o acesso a outras culturas e o melhor entendimento da LM. Assim:

Ao mesmo tempo, ao promover uma apreciação dos costumes e valores de outras culturas, [a LE] contribui para desenvolver a percepção da própria cultura por meio da compreensão da(s) cultura(s) estrangeira(s). O desenvolvimento da habilidade de entender/dizer o que outras pessoas, em outros países, diriam em determinadas situações leva, portanto, à compreensão tanto das culturas estrangeiras quanto da cultura materna. Essa compreensão intercultural promove, ainda, a aceitação das diferenças nas maneiras de expressão e de comportamento. (TAVARES, 2011, p.210)

É possível perceber que esses parâmetros foram construídos em torno de

uma noção sociointeracionista da linguagem, o que está de acordo com a

abordagem da TSC, onde a aprendizagem se dá pelas interações sociais. Assim,

uma LA teria esse papel de inserir o indivíduo em outra realidade, outra cultura,

permitindo uma outra alternativa de ver o mundo e a si mesmo. Apesar dessa

abordagem que pretende ser comunicativa e ressalta a necessidade de ensinar a

cultura da LA, o que geralmente acontece na sala de aula de línguas é uma visão de

cultura muito limitada, em que apenas os elementos mais básicos são considerados

e ensinados (como a alimentação, as atividades de lazer e as situações rotineiras);

porém, de uma forma homogênea e estereotipada, como se todos os habitantes de

um dado país, todos os falantes de uma dada língua agissem, pensassem e

falassem de uma mesma forma. Segundo Coracini, “não estamos preparados para

lidar com a heterogeneidade que nos constitui e que constitui todo o sujeito” (2007,

p.157), heterogeneidade essa que constitui também as línguas.

Admitindo que exista uma problemática quanto ao ensino de inglês em países

de Terceiro Mundo, Moita Lopes (1996) destaca a importância de ressaltar os

aspectos de caráter político, histórico e social, que deveriam ser tratados nas

discussões dos objetivos de ensino (instrumental ou integrativo) e a noção de

biculturalismo. Para ilustrar essa questão, o autor elenca os objetivos gerais para o

ensino de inglês como LA na Tanzânia:

1) Tornar os alunos capazes de usar o inglês como um instrumento de comunicação com o mundo (através das quatro habilidades linguísticas), ou seja, para adquirir conhecimento do exterior e também para educar os

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estrangeiros sobre a Tanzânia. 2) Desenvolver, através das habilidades linguísticas, a autoconfiança ou identidade política, técnica, social e cultural do aluno. (MOITA LOPES, 1996, p.59)

Moita Lopes buscou mostrar que bem mais sábio que ignorar a língua do

imperialista, é saber tirar proveito dela em benefício do Terceiro Mundo, estimulando

a aprendizagem da língua e da cultura estrangeira, também para divulgar e valorizar

a própria cultura. Num sentido amplo, através desse tipo de perspectiva para o

ensino de uma LA, também se recomenda uma abordagem instrumental da cultura

da LA. De modo semelhante, Rajagopalan coloca que um professor de línguas deve

empoderar o aprendiz, ajudando-o a “dominar a língua estrangeira, em vez de se

deixar ser dominado por ela”14 (2005, p.154). A esse respeito é relevante ressaltar

que o próprio vocabulário utilizado no ensino de línguas traz marcas de visões

ultrapassadas sobre as implicações de um aprendizado de línguas. Além de falar-se

em “dominar” uma língua, termos como “ter um bom domínio”, “ter um bom

comando”, etc.

Ao destacar a natureza sócio-histórica de nossas ações sociais através da

língua, Moita Lopes enfatiza que os significados não são apenas construídos no

momento da interação ou no ato contínuo do discurso. Segundo o autor, “os

significados não são meramente construídos (negociados e contestados)

localmente, mas são também cultural, institucional e historicamente situados” (2002,

p.136). Assim, o discurso tem papel central como força mediadora dos processos de

construção de nossas identidades sociais, porque somos construídos a partir do

papel que desempenhamos um para o outro através da palavra. Moita Lopes pontua

que “somos seres situados em um meio cultural vivendo em relação com outros

seres” (2002, p.198), para destacar a importância do sociocultural e da interação

com o outro, para a formação e construção de nossas identidades.

Uma premissa importante da perspectiva sociocultural sobre o aprendizado

de língua e de cultura coloca a fonte de aprendizagem na busca de ação nos nossos

mundos sociais. Nossos mundos são constituídos por uma mistura variada de

atividades intelectuais e práticas que acontecem regularmente, que são direcionadas

por objetivos e compreendem vários recursos linguísticos e simbólicos para a sua

realização. Segundo Vygotsky (1978), nós adquirimos o conhecimento e as

14 Nas citações os grifos são mantidos tal qual se encontram no original.

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habilidades necessárias para sermos membros participantes integrais nessas

atividades, através da colaboração de membros mais capazes. Com o passar do

tempo e por meio das experiências, ao realizar nossas atividades com membros

mais experientes, aprendemos a reconhecer o que está acontecendo e a antecipar

os usos típicos e consequências provocadas por eles. Além de aprender a como agir

com nossas palavras, também criamos uma base de conhecimento sobre o mundo,

incluindo uma série de expectativas para o que conta como conhecimento e

entendimentos sobre o que podemos e não podemos fazer como indivíduos e como

membros de um grupo. Por meio desse processo, desenvolvemos um entendimento

da importância sociocultural de qualquer atividade, seus valores e objetivos, e os

papéis que são adequados para nós e outros participantes (HALL, 2002).

Esse processo de adequação, de acordo com Vygotsky (1978), acontece na

zona de desenvolvimento proximal. Sobre a ZDP, o autor afirma que ela é “a

distância entre o nível de desenvolvimento atual determinado pela resolução de

problemas independente e o nível de desenvolvimento potencial determinado

através da resolução de problemas com a supervisão de um adulto ou em

colaboração com parceiros mais capazes” (2005, p.86). O meio específico de

assistência fornecido por membros mais capazes na ZDP pode ter muitas formas e

inclui os andaimes, nos quais os membros mais capazes dividem responsabilidades

com os membros menos capazes para realizar uma atividade, deixando-os

gradualmente assumir maiores responsabilidades; modelar, onde os membros mais

experientes fornecem modelos ou exemplos de comportamentos esperados para

que os novatos notem, observe e imitem; e treino, no qual os membros mais

experientes ensinam ou instruem diretamente os aprendizes na realização das

ações esperadas. Também são consideradas importantes para esses processos as

maneiras variadas que nós, aprendizes, nos posicionamos em relação aos

diferentes tipos de assistência e para os papéis e relações disponibilizadas para nós.

Com esse tipo de assistência socialmente mediada, nosso desempenho

chega a um nível que não poderia ter sido conseguido sem auxílio. No processo de

aprender, transformamos os símbolos linguísticos específicos e outros meios para

realizar essas atividades que foram conjuntamente transformadas em conhecimento

e habilidades individuais. Também adquirimos intenções comunicativas por meio dos

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conceitos de mundo que estão inscrito nelas. Dessa forma, os hábitos de uso da

linguagem tornam-se as ferramentas com as quais nós compreendemos e

participamos nos nossos mundos comunicativos. É a nossa eventual internalização

ou autorregulação dos meios específicos para realizar nossas atividades, o que

inclui as visões de mundo incorporadas nelas, que caracteriza o crescimento

psicológico de um indivíduo.

Na perspectiva sociocultural, a essência da mente não existe separadamente

dos mundos variados que ela habita. Isso quer dizer que os contextos comunicativos

nos quais passamos nosso tempo e os meios que usamos para realizar nossas

atividades e as relações que travamos com os outros não aumentam simplesmente

o desenvolvimento dos processos mentais que já existem. Antes, esses contextos

comunicativos fundamentalmente os moldam e transformam. Como observado por

Vygotsky (1981), as características biológicas herdadas da linguagem e nossas

habilidades inatas para aprender – incluindo os meios cognitivos para perceber,

categorizar, pegar uma perspectiva e traçar padrões e fazer analogias – somente

constituem as pré-condições necessárias para a habilidade de aprender uma língua.

Por meio da interação com os outros, nossas capacidades inatas fundem-se

dinamicamente e são finalmente moldadas pelo sociocultural, que é constituído

pelas incontáveis atividades comunicativas disponibilizadas para nós enquanto

atores sociais em nossos mundos socioculturais. As ações que desempenhamos e

nossas respostas ao aprender a compreender e tomar parte em nossas atividades

também ajudam a moldar nossas capacidades interiores. Os signos linguísticos que

surgem desse processo são a verdadeira prova de um processo social contínuo para

o qual nascemos e deste modo tornam-se ao mesmo tempo nossa socialização e

individuação (HALL, 2002).

A perspectiva sociocultural no que diz respeito à identidade e ao uso de

línguas está baseada em várias premissas importantes. A mais significativa delas

substitui o entendimento tradicional de indivíduos unitários, únicos e motivados

internamente, com outra visão: a de usuários de língua como atores sociais cujas

identidades são múltiplas, variadas e emergentes de suas experiências vividas

diariamente. Pelo envolvimento nas atividades comunicativas que são

socioculturalmente significativas, os indivíduos adotam ou habitam configurações de

identidades sociais particulares e usam os entendimentos de seus papéis sociais e

das suas relações com os outros para mediar seu envolvimento e o envolvimento

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dos outros em suas práticas. Essas identidades não são estáveis ou mantidas

constantes em diferentes contextos; ao contrário, elas são emergentes, localmente

situadas e ao mesmo tempo, constituídas historicamente; e por isso são

contingentes, contraditórias e em processo, o que significa que elas são

constantemente reconstituídas no discurso cada vez que pensamos ou falamos.

No decorrer dos contextos comunicativos de nossa experiência, usamos a

linguagem não como indivíduos solitários e isolados dando voz às suas intenções.

Em vez disso, ocupamos uma posição em um campo social que está em constante

movimento, em que as posições estão se movendo e cada mudança traz novas

configurações. A ação social torna-se, então, um lugar de diálogo – por vezes

trazendo o consenso, mas também palco de divergências – onde ao escolher entre

os vários recursos linguísticos disponíveis para nós em nossos papéis, tentamos

acomodá-los para nossos próprios propósitos e assim, assumimos a autoria desses

momentos. De acordo com a visão de Hall,

Em uma perspectiva sociocultural de ação humana, a linguagem é vista ao mesmo tempo como uma ferramenta individual e um recurso sociocultural, cujo uso no dia a dia é convencionado e moldado pelas incontáveis atividades comunicativas intelectuais e práticas que constituem nossas vidas cotidianas. Ao usar a língua para participar de nossas atividades, refletimos nossa compreensão delas e de seus contextos culturais mais amplos, e ao mesmo tempo, criamos nossos espaços como indivíduos (HALL, 2002, p.16)

Por meio das palavras da autora, é possível observar que a palavra nunca

pode ser vista isoladamente, porque ela traz consigo um contexto social e cultural

que também deve ser levado em consideração sempre que lidamos com um

contexto linguístico. Ao tratar do tema, Mikhail Bakhtin declara que “não existem

palavras e formas ‘neutras’ – palavras e formas que não pertencem a ninguém; (...)

todas as palavras e formas são populadas por intenções” (2010, p.330). Desse

modo, nenhum recurso linguístico pode ser entendido fora dos seus contextos de

uso, nenhum discurso pode ser considerado como um ato puramente individual, ou

ainda segundo o autor, “uma combinação de formas de linguagem completamente

livre” (1986, p.81); cujo significado é criado no momento. Ao contrário, ele só pode

ser entendido inteiramente considerando sua história de uso por outras pessoas, em

outros lugares, por outras razões. Assim, em vez de ser considerado estranho ao

estudo da linguagem, o diálogo – na sua intersecção entre o significado histórico e

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as motivações individuais em um momento particular de ação – é considerado sua

essência.

Por fim, a abordagem sociocultural reconhece que a cultura não existe

separada da língua ou separada de nós, enquanto usuários de língua. Ela vê a

cultura como sendo reflexiva, construída e reconstruída nos nossos jogos de

linguagem, nas nossas experiências de vida. Assim, ela existe através das ações

rotineiras que incluem as condições materiais, como a experiência dos atores sociais

para assumirem posições enquanto se movem num espaço familiar. De acordo com

essa visão, nenhum uso da linguagem e nenhum usuário de língua individual pode

ser considerado como estando livre da cultura. Ao contrário, em cada encontro

comunicativo somos sempre, ao mesmo tempo, portadores e agentes da cultura

(HALL, 2002).

A teoria sociocultural vai além da sala de aula, porque pensa no aprendiz no

contexto social e, por isso, para estimular o aprendizado do aluno, a sala de aula

deve ser um ambiente legítimo de interação. A TSC vê o aprendiz não apenas como

um aprendiz, uma máquina de aprender, mas antes como um ser humano. Os

professores devem ajudar seus alunos a desenvolverem seu pensamento na medida

em que têm consciência de que cada um traz consigo uma série de possibilidades

que podem ser continuamente ampliadas através das relações sociais, que

acontecem no interior do processo de construção da educação. Como parte das

implicações para o ensino/aprendizado de língua inglesa que são tratadas no

próximo capítulo, temos a mudança identitária que está presente durante todo o

processo de aprendizado, porque o aprendiz aprende fazendo novas identificações.

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5 IMPLICAÇÕES DE LÍNGUA, CULTURA E IDENTIDADE E O ENSINO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA

A relação com a(s) língua(s) deixa cicatrizes, há sempre um conflito entre o desejo e a falta, entre o estranho e o familiar. Isso porque a língua, seja ela materna, seja ela estrangeira, é sempre herdada, é sempre do Outro.

Beatriz Maria Eckert-Hoff

À luz dos conceitos e temas abordados nos capítulos iniciais deste trabalho,

este capítulo visa discutir as implicações da tríade língua, cultura e identidade para o

ensino da língua inglesa como uma língua adicional. Toma-se por pressupostos que

além de serem elementos indissociáveis são cruciais no processo de

ensino/aprendizado de uma língua adicional e, por isso, não podem ser

desconsiderados.

Existem muitas implicações das relações entre língua, cultura e identidade.

Por exemplo, para Tavares, esse processo de aprendizagem de uma língua “é visto

como um evento discursivo com consequências na constituição subjetiva e

identitária dos envolvidos” (2011, p.197). Coracini reforça esta relação ao destacar

que, ao abordar a questão da língua, fatalmente estaremos abordando a questão do

sujeito e da identidade e que “falar de língua, sujeito e identidade nos remete à

noção de idioma” (2007, p. 49). Assim, aprender e apropriar-se de uma língua

significa – através da mesma e dos sistemas culturais – converter as identificações

que fazemos ao longo da vida em nossas identidades, porque o sujeito é sempre

fruto de várias identificações. Somos sempre ditos pelo outro e é pelo olhar do outro

que encontramos nossas verdades. Para Signorini, “o encontro com segundas

línguas talvez seja uma das experiências mais visivelmente mobilizadoras de

questões identitárias no sujeito” (1998, p. 256), porque ao mesmo tempo em que um

aprendiz faz novas identificações com um novo sistema cultural, coloca em cheque o

sistema cultural fundante, numa constante relação entre língua materna (LM) e

língua adicional (LA) que vai adicionando elementos à subjetividade. Segundo

Brisolara, “pode-se pensar no aprendiz de língua adicional como em um ‘entre-

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lugar’, como um sujeito entre-línguas e entre identidades” (2012, p.2145), devido ao

constante intercâmbio entre a LM e outras LAs.

Afirmações como essas estão relacionadas com a hipótese denominada de

Sapir-Whorf que postula que a estrutura da língua nativa de qualquer pessoa

influencia fortemente ou talvez seja capaz de determinar totalmente a visão de

mundo que o indivíduo terá ao aprender uma LA. Embora não se acredite mais que

a língua nativa possa determinar a nossa visão de mundo, acredita-se que a língua

que falamos pode influenciar a maneira como vemos o mundo, as ações, as

entidades e outras pessoas. Essa concepção fortalece a ideia de que as influências

identitárias e culturais que incidem no aprendiz durante o processo de aprendizado

de uma LA estão constantemente sendo construídas por meio da língua, da cultura e

dos processos de identificação. Para Moita Lopes (1996), a aprendizagem de uma

LA possivelmente forneça o material primeiro para um entendimento de si mesmo e

de sua própria cultura, porque permite um distanciamento crítico através da

aproximação com outra cultura. Coracini valida esse processo de identificação que

sempre ocorre no aprendizado de uma LA ao afirmar que: “o falante em contato com

outra língua perde a ‘sua (imaginada) inocência monolíngue’, graças ao contato com

a cultura ‘estrangeira’, outro que constitui a língua do outro e, portanto, o outro”

(2007, p. 144).

A LA, muitas vezes tida como desconhecida e proveniente de um outro

mundo, sempre está acompanhada de uma cultura igualmente obscura para a

maioria dos alunos. Uma LA é muito mais que um mero instrumento de

comunicação, determinado pelo entendimento de que aprendemos pela interação; e

que assim, aprendemos para nos comunicar e para relacionarmos com o outro.

Existe ainda mais por trás do aprendizado de uma LA além da possibilidade de um

emprego melhor em tempos em que o mercado profissional apresenta uma

competição cada vez mais acirrada, argumento normalmente usado entre

professores e alunos ao falar de globalização. Fundamentalmente, uma LA tem uma

função formadora, que influencia diretamente na imagem de nós mesmos e dos

outros, o que envolve a constituição identitária do sujeito do inconsciente. Mesmo

quando aprendida com fins exclusivamente utilitaristas, ela sempre desencadeia

consequências profundas e irreversíveis para a constituição do sujeito. Nas palavras

de Coracini:

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são sempre outras vozes, outras culturas, outra maneira de organizar o pensamento, outra maneira de ver o mundo e o outro, vozes que se cruzam e se entrelaçam no inconsciente do sujeito, provocando reconfigurações identitárias, rearranjos subjetivos, novos saberes – não tão novos para serem originais nem tão velhos que não possam ser criativos. (2007, p.152)

Ao nos depararmos com outras culturas, invariavelmente, nossos

pensamentos e julgamentos preestabelecidos sofrem influências e mudanças.

Contrapondo a nossa cultura com outras, podemos alcançar melhores resultados,

nos beneficiando com experiências e perspectivas diferentes das nossas. Cavallari

aborda essas influências, colocando que “a língua materna torna-se um elemento

latente na relação com qualquer outra língua” (2011, p. 328), ou seja, ao aprender

uma LA, sempre estaremos fazendo relações com a LM, acionando os

conhecimentos que já temos. Ao contrastar a LM e a LA, Coracini conclui que toda

língua é materna e estrangeira ao mesmo tempo: toda língua é estrangeira, porque

sempre provocará estranhamentos; e toda a língua é materna na medida em que

nela construímos nossa subjetividade; assim, “ela se faz ninho, lar, lugar de repouso

e de aconchego” (2007, p. 48). Por meio da conciliação entre LM e a LA, a autora

afirma que adentramos na língua pelos discursos e nos deixamos penetrar por eles,

vamos nos constituindo do, pelo e no outro, pela cultura do outro, o que a autora

denomina como estranhamente familiar: “dessa experiência ‘nasce’ o sujeito, em

constante movimento, em constante mutação...” (2007, p. 146), num processo

contínuo de construção de sua identidade. Moita Lopes reforça a relação entre

língua e identidade no desenvolvimento dos seres humanos, ao afirmar que os

indivíduos “como usuários de uma determinada linguagem, constroem a si próprios e

aos outros assim como a realidade social por meio do discurso” (2002, p. 47).

A LM, enquanto fundante da nossa subjetividade, pode ser encarada como a

língua do prazer e do repouso, mas também da censura, dos recalques, das

frustrações, pois não podemos dizer tudo nem o mesmo em qualquer lugar e

momento. Portanto, é também a língua da falta, dos mal-entendidos, quando não

conseguimos dizer tudo o que queremos, nem mesmo controlar como os outros

interpretarão aquilo que dizemos. Por sua vez, uma LA pode ser vista como o

conjunto de fragmentos “estranhos”, a língua do estrangeiro e do estranho, a língua

do outro: por revelar outra cultura, outro modo de ver o mundo e de se relacionar

com os outros, situação muitas vezes incômoda que vem perturbar e confundir o

modo como vivemos, porque nos faz ver que não somos os únicos no mundo e que

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também não existe uma única verdade. Dessa maneira, uma LA coloca em questão

o modo de ser do aprendiz e de se posicionar. Com relação à aprendizagem de uma

língua, Coracini considera que, “tal estranheza, tal perturbação pode provocar

reações que se manifestam por sentimentos que vão do medo a uma atração

irresistível” (2007, p.153). Essas reações podem ser facilmente identificadas dentro

de uma sala de aula de LA, ao nos depararmos com exemplos dos dois extremos –

os aprendizes que muito pouco interagem e se dizem “traumatizados” ou ainda, que

emitem posicionamentos como “eu nunca vou aprender a falar essa língua”; e os

motivados e “vorazes”, que contrariamente, precisam ser estimulados a permitir que

seus colegas também participem das interações. Essas diferenças de

comportamento são relacionadas à maneira com o qual o aprendiz interage com a

língua e o estudo dela, já que a relação com a língua é constituidora da

subjetividade. O contato ou possíveis conflitos com uma língua estrangeira ou

“estranha”, nas palavras de Cavallari, “leva o aprendiz a reconsiderar seus

referenciais, suas representações de línguas e de si mesmo, além de desestabilizar

o saber aparentemente lógico e homogêneo, até então já constituído e sedimentado

na/pela LM” (2011, p.322).

Alguns estudos como o de Moita Lopes (1996) demonstram que aprendizes

enfrentam diversos conflitos de identidade quando fazem uso de uma LA. Alguns

aprendizes acreditam ser necessário negar suas identidades culturais e étnicas a fim

de adaptarem-se às normas e convenções da cultura da comunidade alvo, por

acreditar que isso facilitaria a aprendizagem. Ou então, como uma forma de

colonização cultural e linguística que exige uma pronúncia tão perfeita quanto à do

nativo e a incorporação de hábitos culturais, como se a transformação do aprendiz

em uma cópia xerox do falante nativo fosse garantir o aprendizado da língua alvo,

não podem ter outro motivo senão o de dominação cultural. Esses exemplos são

facilmente identificados por quem trabalha em sala de aula. Para o autor, essa

atitude de imitação perfeita seria um sintoma de alienação, porque supõe uma

identificação total com o outro, em detrimento da própria identidade cultural. Além de

aprender o conjunto de formas linguísticas gramaticais, lexicais e fonológicas de

uma LA, mais importante é a constante reconstrução de identidade que o aprendiz

sofre durante esse processo. O desafio então é encontrar na sala de aula, que na

maior parte dos casos é o principal lugar de prática de uma LA, formas de acomodar

as identidades múltiplas dos aprendizes sem considerar a superioridade ou

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inferioridade de uma cultura.

A sala de aula de LA pode desempenhar um papel importante no

desenvolvimento da estrutura cognitiva do aprendiz, porque pode guiá-lo para um

mundo conceitual diferente, que lhe possibilite travar conhecimento com outras

experiências, culturalmente diversas das suas próprias em muitos níveis (MOITA

LOPES, 2002). Assim, o aprendizado se dará tanto no espaço social imediato,

quanto em outros espaços nacionais e internacionais, através da observação crítica

dessas experiências. Ao mesmo tempo, a sala de aula de línguas tem uma

importância significativa no crescimento cognitivo do aprendiz, pois é um espaço no

qual os significados construídos podem ter mais relevância no modo como

aprendemos a nos construir uns aos outros através do discurso, devido à própria

natureza do trabalho desenvolvido ali. Nesse sentido, Moita Lopes comenta que, “o

modo como compreendemos a natureza do discurso e sua relação com a

construção de nossas identidades sociais parece ser central para entender e agir

nas salas de aula e, notadamente, nas salas de línguas” (2002, p. 195-196). Na

medida em que interagimos em sala de aula, existe uma troca de pontos de vista e

uma contraposição de culturas que exige a nossa análise crítica, situações que

certamente alteram e podem transformar a identidade dos aprendizes.

Nas escolas de língua frequentemente existe a crença no sujeito consciente,

isto é, quanto mais consciente do processo de aprendizagem e das estratégias

empregadas, maior controle terá o sujeito sobre o processo e mais rapidamente e

melhor ele aprenderá. Nessa visão a LA se oporia à LM, cujo aprendizado seria

inconsciente. Segundo Coracini, “’sabe-se’ a língua que se adquire de modo

espontâneo, desde que se nasce, aquela em que somos nomeados pela primeira

vez, aquela na qual somos falados desde cedo” (2007, p. 149-150). Baseando-se

nessa concepção, criou-se a diferenciação entre LM, que seria adquirida e LE ou LA,

que seria aprendida em ambiente formal. Essa distinção, apontada por Krashen

(1982), designa o primeiro como sendo um processo de aquisição inconsciente,

devido à predisposição humana de desenvolver a linguagem; e o segundo, como

sendo um processo de aprendizagem, por ocorrer em um ambiente formal. Essa

formulação de Krashen baseou-se na teoria inatista de Chomsky e diferenciava o

processo de aquisição de uma LM e de línguas aprendidas posteriormente, levando

à crença de que não se poderia nunca falar tão bem uma LA. Evidentemente, a LM e

LA nunca poderão ser tratadas como sendo da mesma ordem, pois o acesso à

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linguagem é dado pela LM e só se pode aprender uma outra língua por ter aprendido

a LM e, portanto, ter tido acesso a um sistema linguístico.

De acordo com a visão de Tavares, “o encontro de uma LE sempre vem

abalar essa relação primeira estabelecida entre sujeito e língua e, portanto, é

sempre problemático, pois afeta diferentes dimensões da pessoa, que nem mesmo

na LM podem estar em harmonia” (2011, p. 206). Assim, a língua aprendida na

infância abarca experiências, que por sua vez, estão carregadas de sentimentos. O

aprendizado de uma LA abre a porta para o autoconhecimento, consolidando as

posições ocupadas pelo sujeito e também expandindo seus processos de

subjetivação através dessa outra língua. Esse novo espaço potencial para a

expressão do sujeito proporcionado pela LA vai questionar a relação já instaurada

entre o sujeito e sua LM. Essa relação é complexa por ser estruturante da relação

que o sujeito mantém com ele mesmo, com os outros e com o conhecimento. Assim,

a LA, segundo Revuz, “vai confrontar o aprendiz com um outro recorte do real, mas,

sobretudo, com um recorte em unidades de significação desprovidas de sua carga

afetiva” (1998, p.223). Uma ligação afetiva entre o aprendiz e a língua é algo que

pode fortalecer o aprendizado e pode ser desenvolvida através de interesses como,

por exemplo, a música, o cinema e a literatura. O confronto com uma LA

desestabiliza o sujeito, porque essa outra pessoa pode despertar uma dimensão da

subjetividade que na LM era desconhecida e que, possivelmente, venha a ser

desvendada na língua outra, consolidando essa multiplicidade que constitui cada

um. Para Revuz, “o eu da língua estrangeira não é, jamais, completamente o da

língua materna” (1998, p. 225), porque quando se aprende uma LA fazemos

referências a partir da LM, a língua primeira de nossa infância. Durante o processo

de aprendizado de uma LA, existe uma tendência natural de traçar paralelos entre a

LM e a LA ou de identificar as diferenças entre uma e outra.

A língua inglesa atualmente possui um lugar de prestígio que propicia a

ascensão social, colocando em funcionamento um imaginário em relação à LI.

Dessa forma, a forte presença da LI em nosso meio possibilita a circulação de

representações que passam a compor a constituição identitária do sujeito da LM.

Mesmo quem não estuda a LI é, como afirma Cavallari, “afetado pelos sons e

dizeres desta língua, através da música, cinema, entre outras coisas, reforçando o

lugar ocupado pela língua inglesa” (2011, p.127). Na concepção de Bosi, talvez por

sermos “uma sociedade de consumidores de coisas, de notícias, de signos, essa

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indústria cultural é a que nos penetra mais assiduamente, nos invade, nos habita e

nos modela” (1992, p. 330). Nossas identidades são construídas principalmente

através das relações sociais e dos estímulos culturais, ambos mediados pela língua.

No caso da LI, além de afetar e deslocar o lugar ocupado pela LM, o processo de

ensino/aprendizagem provocará efeitos na constituição identitária do sujeito, porque

assim, também absorvemos culturas outras além da nossa, principalmente na

atualidade em tempos de globalização. É de conhecimento corrente que o

multilinguismo deixou de ser exceção e está se tornando a norma em muitos países.

Muitas vezes o contato com a LI e outras línguas adicionais podem fazer com que

aprendizes imaginem seus falantes e sua cultura como ideais, numa oposição direta

com sua própria cultura, que passa a ser desvalorizada. Um exemplo disso foi o

artigo sobre propagandas de cursos de LI usado no capítulo sobre o contexto

brasileiro, no qual foi identificado que a identidade do aprendiz era caracterizada

pela falta, tendo o desejo de obter um bem simbólico que o permita acessar seus

objetivos com a LI. Nos comerciais analisados, a desvalorização da cultura nativa

evidenciava a superioridade da cultura americana.

Nós, professores de línguas, somos muitas vezes preparados para ajudar

nossos alunos a codificar seu pensamento, como se a língua fosse transparente e

as palavras, capazes de reproduzir nossas intenções e nosso pensamento.

Dificilmente durante nossa formação como profissionais somos preparados para

lidar com a língua como equívoco, como por exemplo, quando o sentido das

palavras escapa ao nosso controle, porque depende das circunstâncias do

acontecimento discursivo. Coracini sintetiza muito bem a heterogeneidade presente

em quase tudo: “dentro de uma língua, outras línguas; dentro de um texto, outros

textos; dentro de cada sujeito, outros sujeitos: cada fala vem carregada de outros,

outras vozes, outros olhares, outros textos” (2007, p. 158). A aprendizagem de uma

LA apenas torna essas situações mais visíveis, porque lida não apenas com a

língua, mas com um patrimônio social e cultural completamente distinto. Outro ponto

a ser destacado é que os professores de LA (que não sejam nativos da língua que

ensinam), que têm o papel de agente na inserção dos aprendizes em outro universo

linguístico cultural, também tiveram que lutar com a relatividade da língua durante

seu processo de aprendizado da língua e de formação profissional. Processos que

sem dúvida trouxeram muitos questionamentos sobre sua visão de mundo, trazendo

à tona a realidade de que muito se perde na tradução. Além dos significados das

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palavras, é necessário dominar os códigos sociais e culturais que norteiam uma LA.

Segundo Moita Lopes, os professores de línguas têm primordialmente a tarefa

central de ensinar as pessoas a agir no mundo social por meio da língua,

estimulando o desenvolvimento, na sala de aula, de uma “consciência crítica dos

processos de construção social dos significados que nos constroem e que

constroem os outros e o mundo à nossa volta” (2002, p. 218).

Normalmente, o aprendizado de uma LA é visto como uma ferramenta de

comunicação, então muitos aprendizes buscam aprender uma LA com um propósito

específico, muito mais para suprir uma necessidade do que um desejo. Dessa

forma, a língua como instrumento de poder e de domínio pode levar o aprendiz a

alcançar uma condição social almejada. Segundo Rajagopalan, ao mencionar um

artigo publicado no The Economist15 em 1996, a LI se encontra “profundamente

estabelecida como língua-padrão no mundo, como parte intrínseca da revolução

global das comunicações” (2005, p. 135). Muitas vezes a LI também pode

representar uma possibilidade de mediação em uma relação entre pessoas que não

partilham uma língua em comum, como por exemplo, um brasileiro que visita a

Alemanha, mas por não falar alemão, vê no uso do inglês uma alternativa para se

comunicar. Quando existe uma valorização e um interesse acerca da cultura

relacionada com a língua aprendida, quanto maior o envolvimento por parte do

aprendiz, que pode até mesmo ter o desejo de dominá-la, a relação do sujeito com a

língua torna-se mais profunda, afetando seu modo de ser e ver o mundo. Ninguém

permanece o mesmo depois de ter contato com outra língua e com sua cultura, pois

essa relação traz novas identificações, que somadas às anteriores, constituem a

subjetividade do indivíduo que nunca deixa de manter as representações da LM

(ANDRADE, 2011).

Um dos temas recorrentes no ensino de LI é a supremacia do falante nativo

(doravante FN) de inglês. Segundo Kramsch, “os linguistas têm confiado nas

intuições naturais de precisão gramatical dos falantes nativos e da sua intuição

quanto ao que seja o uso adequado da língua para estabelecer a norma contra a

qual o desempenho de falantes não-nativos é medida” (1998, p. 79). Dessa forma,

os falantes nativos têm tido um prestígio natural como professores de língua, a título

15 O The Economist é um jornal inglês semanal, publicado em língua inglesa e editado em Londres, desde 1843.

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de expressarem não apenas o uso “autêntico” da língua, mas por representar seu

contexto cultural original. Mais recentemente, a identidade e a autoridade do falante

nativo foram colocadas em questão. Hoje em dia, a maior parte dos estudiosos

admite que o FN dos linguistas e professores de língua é, na verdade, uma

abstração baseada em características selecionadas arbitrariamente quanto à

pronúncia, à gramática e ao léxico. Nunca ficou claro se um falante é nativo por

nascimento, por instrução ou por merecimento de ser reconhecido e aceito como

membro de um grupo cultural semelhante. Um exemplo dessa distinção pode ser

encontrado na avaliação de alguns exames de proficiência, caracterizando o

desempenho máximo de um falante não-nativo como sendo “nativelike”, ou seja,

como um desempenho equivalente ao de um FN. Rajagopalan concorda com os

questionamentos acerca da supremacia do FN ao afirmar ironicamente que “o FN

conhece sua língua; na verdade, é a autoridade suprema no assunto. Ele é capaz de

dizer, como Chomsky iria insistir mais tarde, ‘todas e apenas as frases gramaticais

que pertencem à sua língua’” (1998, p.28), referindo-se ao mito do bom selvagem16.

Sobre o FN, Moita Lopes pondera que, “a exigência de uma pronúncia tão

perfeita quanto à do nativo e a incorporação de hábitos culturais, (...) não podem ter

outro motivo senão o de domínio cultural” (1996, p. 43). A preocupação com a

imitação perfeita seria o primeiro sintoma de alienação, porque acusa uma

identificação total com o outro; e consequentemente, o abandono de sua própria

identidade cultural. Para Coracini, apesar do apreço à diversidade nos últimos

tempos, continuamos a testemunhar a permanência do mito do FN: “queremos ser

como o outro, falar ‘corretamente’ a língua do outro, como ele o faz, enfim,

queremos ser o outro que admiramos sem saber bem por quê” (2007, p. 156). Falar

como um FN significaria experimentar as mesmas sensações, ganhar acesso aos

mesmos objetos, aos mesmos bens culturais, ainda mais num mundo em que a

ideologia do consumo impera. O mesmo mito do falante nativo que serve de modelo

à aprendizagem e ao ensino se traduz também, no mito do estrangeiro: tudo o que

vem de fora – da Europa ou da América do Norte, mas não da África ou dos demais

países da América do Sul – é melhor. Essa marca de inferioridade, tratada no

contexto brasileiro deste trabalho, mostra o quanto as influências culturais,

16 Mito criado pelo filósofo Jean-Jaques Rousseau em torno da figura do bom selvagem – em que o ser humano em seu estado natural, não estaria contaminado por constrangimentos sociais – o que deve ser entendido como uma idealização teórica.

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principalmente as europeias, eram valorizadas em detrimento da cultura brasileira

local.

Revuz chama atenção para o fato de que “a aprendizagem de línguas

‘estrangeiras’ se destaca primeiramente pela sua taxa de insucesso” (1998, p.213).

Um dos motivos para o fracasso no aprendizado seria devido à aproximação, muitas

vezes difícil, com uma LA que se dá numa espécie de cabo de guerra entre a

resistência e a aprovação. Segundo Andrade, “ao mesmo tempo, em que há perda –

de uma identidade construída na LM, por exemplo – há ganho, pois o sujeito se

modifica e estabelece novas relações significantes” (2011, p.245). No processo de

aprendizado de uma LA, o aprendiz deve, nas palavras de Revuz, “pôr a serviço da

expressão de seu eu um vaivém que requer muita flexibilidade psíquica entre um

trabalho de corpo sobre os ritmos, os sons, as curvas entoacionais, e um trabalho de

análise e de memorização das estruturas linguísticas” (1998, p. 217). A autora faz

uma análise e questiona se muitos dos insucessos poderiam estar relacionados

como uma incapacidade de integrar três dimensões: a afirmação do eu, o trabalho

do corpo e a dimensão cognitiva. Uma tentativa de aprender uma LA sempre irá

incomodar, questionar e transformar o que já está internalizado em nós através das

experiências que temos com a LM. Antes de atuar como um objeto de

conhecimento, a língua foi responsável por fundar o nosso psiquismo e instaurar

nossas primeiras relações. Assim, em seu primeiro curso de uma LA, o aprendiz já

carrega uma longa história com sua língua, que por sua vez, interferirá sempre na

sua maneira de abordar a LA em questão. Apesar das dificuldades e índices que

atestam esse aparente insucesso, Revuz conclui que “nenhum método é capaz de

impedir que qualquer um que tenha o desejo de aprender uma língua estrangeira o

faça” (1998, p. 216). Recentemente, através de estudos, sabe-se que um dos

elementos mais importantes relacionados com o aprendizado de uma LA é

motivação de um aprendiz, pois o aluno motivado poderá ser capaz de superar as

dificuldades geradas por qualquer método adotado de ensino. Como afirmam Lantolf

e Pavlenko (2000), a participação é também um elemento fundamental para o

desenvolvimento do aprendiz no processo de aprendizado de uma LA.

Segundo Almeida, “uma educação que se pretenda significativa e

transformadora (...) precisa reconhecer a natureza múltipla e heterogênea do

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fenômeno linguístico em contextos socioculturais que, em maior ou menor grau, são

sempre diversificados e por isso, geradores de diferenças” (2011, p.171-172). As

experiências que dão conta da heterogeneidade das nossas identidades sociais na

escola se relacionam com aquelas narradas na família e nem sempre estão em

acordo; pelo contrário, por serem mundos institucionais diferentes, essas histórias

podem estar em conflito. Moita Lopes (2002), inspirado por Foucault, acredita que

essa situação pode ter um lado benéfico, já que a educação, sendo uma apropriação

de discursos, deve focalizar práticas discursivas diferentes, deixando claro quem e

como somos construídos nessas práticas. Um exemplo disso é o discurso dos pais,

quase sempre enunciado como verdade sobre o mundo e sobre a criança. O

aprendizado de uma LA desloca o sentido necessário entre o referente e os signos

linguísticos da LM, o que de acordo com Revuz: “abre um espaço a outras

significações, a outros enunciados, que identificam o sujeito cujo porta-voz original

não pode mais ser a fonte” (1998, p. 225). Os sujeitos se constituem no jogo das

relações sociais e a instituição educacional e seus agentes exercem um papel

fundamental para o desenvolvimento das práticas discursivas que, por sua vez,

contribuem na construção das identidades sociais. Almeida, ao citar Moita Lopes,

afirma que as práticas desenvolvidas na escola, “podem desempenhar um papel

importante na vida dos indivíduos quando se depararem com outras práticas

discursivas nas quais suas identidades são reexperienciadas ou reposicionadas”

(2011, p.171).

A língua colabora efetivamente na construção da identidade de um povo. O

que falamos influencia não somente a maneira como vemos o mundo ao nosso

redor, mas também o modo como vemos e pensamos sobre nós mesmos e sobre os

outros. Na concepção de Coracini,

saber uma língua é ser falado por ela, isto é, permitir ao inconsciente encontrar fissuras por onde possa escapar, na medida do possível, significando ao se significar, transformando ao se transformar, permitindo, assim, a constituição de uma identidade híbrida, heterogênea, em constante movimento, identidade que, cada vez mais híbrida, só poderá trazer benefícios para uma sociedade como a nossa, que precisa se afirmar como povo que pensa e que é capaz de encontrar soluções “criativas” para seus problemas complexos. (CORACINI, 2007, p.158-159, grifo do autor)

Complementando essa concepção, Revuz enfatiza que o contato com uma

LA põe em cheque a ilusão de que existe um ponto de vista único sobre as coisas,

assim como a impossibilidade de uma tradução termo a termo: “pela intermediação

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da língua estrangeira se esboça o descolamento do real e da língua. O arbitrário do

signo linguístico torna-se uma realidade tangível, vivida pelos aprendizes na

exultação... ou no desânimo” (1998, p. 223). Um dos objetivos desse estudo era

investigar como essa situação de estar “entre línguas”, que é o caso de um

aprendizado de uma LA, provoca efeitos no aprendiz ao constituir novas identidades

e como o aprendiz lida com as influências identitárias e culturais da LM e da LA. Por

não ser uma atividade acadêmica inocente ou isolada, a pesquisa é uma prática que

tem interesses em jogo e que acontece dentro de condições políticas e sociais

específicas. No momento em que o pesquisador decide seguir certas teorias e

perspectivas, automaticamente adere a certas posições sociais e políticas.

Moita Lopes aponta que as práticas discursivas de construção de

significados, que são características de uma sala de aula de línguas, devem ser

exploradas sob uma perspectiva socioconstrutivista do discurso e da identidade

social. Nas palavras do autor:

a relevância pedagógica desse tratamento do discurso está relacionada, por um lado, à necessidade de conscientizar os alunos sobre como a linguagem é usada na sociedade, isto é, o que fazemos no mundo social ao usar a linguagem, e, por outro, à importância de vincular a sala de aula a práticas sociais existentes no mundo exterior. (MOITA LOPES, 2002, p.206)

Esse tipo de abordagem implica no uso da sala de aula de línguas como um

espaço de constante construção e reconstrução da identidade social, estando

professores e aprendizes conscientes de como e por que usamos a linguagem na

sociedade para agir e desempenhar papéis no mundo social, no processo de

construirmos a nós mesmos, os outros e o mundo ao nosso redor. À medida que

podemos alterar o outro, o outro também pode nos modificar. Ainda de acordo com a

concepção do autor, “conceitos tais quais como si-mesmo e sentimento se

desenvolvem não de uma essência interior relativamente independente do mundo

social, mas da experiência em um mundo de significados, imagens, ligações sociais,

nas quais todos estão inevitavelmente envolvidos” (2002, p.94-95). Todos os

constituintes de nossas identidades estão em relação constante com a língua que

falamos e com as culturas que nos são diariamente expostas.

Parece ser senso comum entre os professores a constatação de que as aulas

de LA acontecem quase que exclusivamente em função das diretrizes curriculares

de cada instituição de ensino. Ao cumprir essas diretrizes, as metodologias de

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ensino parecem desprezar as questões culturais, o que faz do ensino/aprendizagem

de uma LA um ato verdadeiramente estrangeiro. Nas palavras de Lamares, “isso

ocorre porque há como que um ‘esquecimento’ de que o aprendiz de LE também

tem, em torno de si, um espaço social, uma trajetória pessoal, enfim, uma ‘presença’

que precisa ser considerada na construção de todo processo educacional” (2006, p.

32). Portanto, só a consciência da relevância dessa presença auxiliará o professor

de LA a elaborar práticas pedagógicas que proporcionem ao aprendiz a percepção

do novo, do desconhecido, para que possa construir outro saber diferente, mas que,

não obstante, possa coexistir um saber que o aprendiz já carrega dentro de si. A

partir da nossa realidade e do outro que se torna possível descobrir a riqueza das

interações e das relações entre línguas e culturas distintas. Nessa mesma

coexistência, segundo Lameiras, é “que pode e deve nascer o respeito às diferenças

e a riqueza da diversidade: não é apenas a aquisição de um novo léxico, de uma

nova sintaxe: são oportunidades de descobrir o outro e até mesmo de se

(re)descobrir” (2006, p. 32). É preciso levar em conta que cada aprendiz é único e

chega a um saber através de diferentes caminhos, em tempos distintos, o que revela

que a singularidade de cada um está ligada a sua experiência de vida e isso deve

ser explorado e usado a favor do aprendizado de uma LA.

Os estudos sobre identidade têm se tornado uma constante na área de

ensino/aprendizagem de línguas nas últimas décadas. Norton e Toohey (2011)

apresentam algumas questões que têm feito diferença na maneira como podemos

entender o processo de ensinar e aprender línguas. Enquanto alguns

posicionamentos do sujeito podem limitar as oportunidades de os aprendizes

desenvolverem suas habilidades linguísticas, outras posições podem incentivar o

comprometimento e a interação por meio da linguagem, o que fomenta o

aprendizado. O conceito de investimento, que propõe explicar o comprometimento

(ou a falta dele) de um aluno em sala de aula, aliado à sua motivação para aprender

a língua, reforça as noções de comunidades imaginadas e identidades imaginadas

que têm contribuído para a compreensão do processo de aprendizagem e

comprometimento do aprendiz de LA (NORTON; TOOHEY, 2011).

Através de todas as relações entre língua, cultura e identidade feitas neste

capítulo, podemos perceber que a memória de uma história individual é também

coletiva, sendo impossível o apagamento das influências do passado. Alguns

comportamentos ou quem sabe algumas expressões podem cair em desuso, mas os

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que forem perpetuados pela tradição serão sempre uma parte do legado cultural que

herdamos de nossos antepassados. Estamos constantemente cercados de fatos,

vivências, palavras que fazem parte de um acervo cultural e da memória coletiva,

provocando efeitos e constituindo nossas identidades. Segundo Eckert-Hoff, “a

inscrição numa língua deixa inevitavelmente marcas” (2010, p.102), ao construir e

reconstruir nossas identidades. Rajagopalan (2003) enfatiza esse constante

intercâmbio entre o social, a cultura e nossas identidades ao descrever nosso

mundo atual como sendo emergente, marcado por características como a

instabilidade e pela mistura cultural num ritmo sem precedentes. Assim, o autor

afirma que é necessário estarmos constantemente negociando nossas identidades

como uma resposta às pressões vindas de todos os lados.

O contato com uma língua estrangeira ou “estranha”, que pode ser marcado

pelo conflito, leva o aprendiz a rever seus referenciais, suas representações de

línguas e de si mesmo, além de questionar o saber aparentemente lógico e

homogêneo, já constituído e sedimentado na e pela LM. Coracini ao citar Kristeva

desnuda a nossa essência inerentemente estrangeira, “só é possível compreender o

outro na medida em que aceitamos o(s) estrangeiro(s) que nos constitui(em) e que

somos...” (2007, p.161). É somente possível aprender uma LA porque previamente

já se teve acesso à linguagem por meio de uma outra língua. Essa língua que é

chamada “materna” não necessariamente é a da mãe, a língua chamada de

estrangeira pode parecer ou tornar-se mais familiar, mas elas nunca serão da

mesma ordem. Segundo Revuz, “o encontro com a língua estrangeira faz vir à

consciência alguma coisa do laço muito específico que mantemos com nossa língua”

(1998, p.215), porque com o surgimento de novas identificações, somos obrigados a

contrastá-las com aquelas que já fizemos anteriormente, muitas vezes através da

LM.

Estudos mais recentes mostram que a cultura vem sendo vista como parte

integral na maneira que pensamos e falamos sobre educação em línguas adicionais.

Segundo Kramsch (apud TAVARES, 2006, p. 9) a “cultura é uma complexa

realidade histórica e simbólica que pede uma visão pós-estruturalista da relação

histórica, identitária e ideológica entre linguagem/cultura”. Atualmente ensinar a

língua e a cultura de uma LA é uma forma de equipar o aprendiz com uma política

cultural na qual o reflexo da língua aparece como força simbólica. A autora também

salienta a importância de ensinar língua como uma prática relacional explicando

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como isso se daria: “ao envolver seus alunos com o outro, os professores devem

constantemente relativizar as suas maneiras, e as de seus alunos, de verem e de

estarem no mundo; devem comparar/contrastar essas maneiras com as dos outros e

como eles as veem e vivenciam” (2006, p.9-10). O ensino encarado como uma

prática reflexiva deve fazer com que os alunos pensem sobre as condições

históricas e políticas que fizeram a nossa cultura e a cultura da língua alvo a ser o

que são hoje.

Referindo-se ao trabalho de Lameiras (2006), é necessário direcionar o

ensino de LA para uma visão de interculturalidade e transdisciplinaridade, a fim de

permitir que, juntamente com o novo conhecimento linguístico adquirido, seja

acrescida não só a percepção da cultura alvo, mas também a consciência de outras

culturas, com seus usos e costumes, e de novas concepções de vida. Nessa

abordagem de acréscimo de outras culturas no ensino/aprendizagem de línguas no

mundo que habitamos, fica saliente a importância de que o ensino de língua, da

cultura e da história de um povo são indissociáveis. Nas palavras da autora, “o

diálogo entre culturas permite uma abertura de espírito que deve, naturalmente,

afastar as pessoas de um comportamento etnocêntrico, além de favorecer o respeito

às diferenças, sem creditar supremacia ou sentimento de inferioridade a nenhuma

cultura especificamente” (2006, p.36). De acordo com essa perspectiva, todo

aprendiz de LA deveria preservar alguns elementos de sua identidade prévia e fazer

relações entre sua LM e a língua alvo para ter a compreensão de que o outro não é

igual, mas também não é superior nem inferior, é apenas diferente.

Deveria existir uma maior preocupação de investigar de forma aprofundada a

influência do elemento cultural em uma sala de aula de LA, uma vez que na cultura

estaria o suporte para o sucesso da proficiência linguística do aprendiz. Essa

perspectiva defende, segundo Tavares, “os princípios de uma nova tendência de

abordagem comunicativa pedagógica e a inexorável relação entre cultura e língua”

(2006, p.23). Dessa forma, uma aprendizagem não só dos aspectos linguísticos,

mas também culturais revela-se como prioritária, porque para que um aprendiz

tenha uma ampla compreensão da LA em questão, deve-se incluir a necessidade de

um entendimento do contexto cultural da língua alvo. Então, o papel do professor

deveria ser o de facilitador, ajudando seus aprendizes a construir uma ponte que

permita que eles possam entender a língua alvo e suas referências culturais, suas

formas linguísticas e sua perspectiva de mundo. Nessa abordagem, o aprendiz é

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visto como integrante ativo e personagem principal no processo de aprendizagem de

uma LA, com o direito de aprender a perceber a relativização da realidade, estando

alerta aos mundos distintos para que possa compará-los, estimá-los, e então

valorizar suas diferenças.

O ponto crucial da abordagem cultural é que ela se encaminha, não para o

ensino da cultura alvo objetivamente, mas para uma sensibilização quanto a outras

culturas em geral, surgindo daí uma representação do outro, do estrangeiro, não

fundada em estereótipos e lugares comuns, mas, sim, no que a cultura estrangeira

tem em comum e em contraste com a própria cultura do aprendiz. Ao referir-se à

obra de Byrnes, Soares e Schmaltz afirmam que, “o objetivo é ajudar os estudantes

a compreender as circunstâncias social e cultural e suas consequências no uso da

língua” (2006, p.44). Assim, o ideal seria que os estudantes pudessem compreender

quais formas variantes são apropriadas dentro de quais contextos, e quais

significados que podem ser transmitidos se algumas convenções forem violadas

intencionalmente ou acidentalmente. Deste entendimento surge que uma

competência comunicativa pode dar conta não só das línguas em questão, mas

também das respectivas culturas.

A epígrafe de Eckert-Hoff (2010) utilizada na abertura neste capítulo sugere

que a relação com uma língua sempre deixa cicatrizes, marcas que são o produto de

pequenas batalhas que travamos durante o processo de aprendizagem de uma LA.

Travamos uma luta entre o desejo e a falta, entre o que é familiar e o que nos é

estranho, porque os conteúdos novos que tentamos absorver nos exigem um

posicionamento, que muitas vezes entra em choque com as certezas que

carregamos. A própria expressão “choque entre culturas” traz implícita a ideia do

estranhamento, porque duas culturas sempre terão diferentes códigos culturais e

normas sociais. Nas palavras da autora, temos que a língua é sempre herdada,

pertence sempre ao outro, porque primeiro aprendemos através das palavras

daqueles que nos educam; primeiro nossos pais, nossa família e mais tarde, nossos

professores (nós, os que tivemos essa sorte, já que o acesso pleno à educação no

Brasil ainda é acessível a poucos). Nossos pais e professores também sofreram

influências identitárias e culturais similares às nossas, mas sabemos que o tempo

favorece as que serão suprimidas e as que permanecerão para as novas gerações,

o que exemplifica uma seleção natural de influências linguísticas, identitárias e

culturais. E no caso das línguas adicionais, estaremos aprendendo todo um novo

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código cultural e social, explicitado através do aprendizado da língua em questão

que, invariavelmente, deixará cicatrizes, assim transformando nossas identidades.

Em sala de aula, a importância de tratar a língua, a cultura e a identidade

conjuntamente não pode ser desconsiderada, porque esses conceitos se

desenvolvem ao mesmo tempo, um refletindo no outro. Portanto, uma sala de aula

composta por alunos brasileiros no Brasil será diferente de outras salas de aula em

outros países, já que as influências culturais e identitárias são específicas para cada

povo. Um possível problema em relação a isso pode ser a questão dos materiais

didáticos utilizados, muitas vezes importados, que acabam não contemplando a

realidade dos aprendizes brasileiros. Outra implicação para o ensino pode ser a

implementação do modelo de usuário bem sucedido, que estimula a comunicação

eficiente entre falantes não nativos e falantes nativos ou outros falantes não nativos,

abandonando o objetivo quase sempre inalcançável de tornar-se um falante nativo.

O principal é que o aprendiz tem que ser visto como um sujeito, como uma pessoa,

e não apenas como aluno, que inevitavelmente será modificado enquanto sujeito

pela adição de uma nova língua.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa tinha como objetivo principal averiguar se as questões

norteadoras tratadas neste trabalho como o desejo do aprendiz brasileiro de

“apagar” as marcas de suas identidades nacional e cultural poderiam ser

comprovadas por meio dos autores estudados. Essa tentativa de “apagamento”

poderia ser uma herança da inferioridade identificada desde os tempos da

colonização, quando, por exemplo, os aprendizes afirmam que não querem ter

sotaque de brasileiro ou parecerem brasileiros quando estiverem falando. Ou então,

remetendo ao ainda existente mito da natividade, ao expressar o desejo de falar a

língua inglesa que como um falante nativo.

Quanto a esse mito da natividade, concordamos com a perspectiva de Cook

(2013), quando ele observa que a multicompetência se relaciona com os objetivos

do ensino de línguas, porque de uma maneira geral se preocupa com o que os

alunos almejam ser – uma imitação do falante nativo ou usuários bem sucedidos de

LA. Até os anos 1990, era mais ou menos presumido que o propósito de ensinar

uma LA era fazer com que os alunos estivessem o mais próximo dos falantes

nativos, uma vez que o único modelo válido de linguagem era o conhecimento e o

comportamento dos falantes nativos. Porém, a grande maioria dos aprendizes

inevitavelmente falha em alcançar essa meta; e o resultado é que a maioria dos

usuários de LA, mais cedo ou mais tarde, se considera fracassadas por não

conseguir falar como nativos. Porém, segundo a abordagem da multicompetência, o

ensino de língua deveria ter o objetivo de criar usuários de LA bem sucedidos em

vez de falantes nativos. Ainda segundo o autor, “os alunos preservam suas próprias

identidades como sendo de sua própria cultura, mas ganham habilidades valiosas ao

falar com pessoas de outras culturas” (2013, p.49). Em vez de imitar os falantes

nativos, o que importa é a capacidade de usar a LA intencionalmente para alcançar

seus próprios objetivos, seja com FNs ou outros usuários de LA. Assim, o mito da

natividade pode ser encarado de outra forma, pois os usuários de LA podem tornar-

se usuários bem sucedidos em vez de cópias fracassadas dos FNs. Segundo

Brisolara, “ao tirar o nativo do centro da discussão, tirando-o do lugar de modelo,

abre-se lugar para um novo foco de discussão e o usuário bem sucedido ganha

importância” (2012, p.2150). O objetivo inalcançável passa a ser um objetivo

acessível.

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No entanto, essa valorização do nativo e da natividade são ainda muito fortes

na nossa cultura e imbricadas na nossa identidade. A esse respeito, Lameiras

lembra-nos que “os valores culturais são determinantes na identidade de um povo,

visto que atuam como agentes de transformação de uma sociedade” (2006, p.29).

Dessa forma, ao relacionar cultura e ensino de línguas deveríamos reconhecer a

importância que essa associação exerce diante das diretrizes metodológicas de

ensino de línguas voltadas para diferentes culturas, promovendo no aprendiz uma

abertura para o mundo do outro, e ao mesmo tempo, tendo em vista a afirmação e

construção de sua própria identidade cultural. Assim, é preciso considerar a

pluralidade das abordagens que compõem o processo de ensino/aprendizagem de

línguas, levando em conta, as necessidades do aluno e seus interesses no mundo

real em que está inserido. Faz-se necessário ressaltar a importância da inserção

indispensável de uma língua viva em um contexto cultural no ensino/aprendizagem

de LA, colocando em contato mais de uma cultura, sem que haja superioridade de

uma sobre a outra. Contrariamente, tal contato deverá auxiliar para um

enriquecimento dos aprendizes, ao participar ativamente da construção de seu saber

ao confrontar outros saberes.

De acordo com a perspectiva sociocultural temos que as estruturas dos

nossos recursos linguísticos derivam de seus usos do mundo real e o mesmo

acontece com os significados. Os recursos linguísticos que escolhemos usar não

chegam até nós como formas vazias, prontos para serem preenchidos com nossas

intenções pessoais; invariavelmente, eles chegam até nós com significados já

embutidos dentro deles. Portanto, esses significados não emergem de um conjunto

lógico de princípios; assim como suas formas, eles são construídos ao longo do

tempo, desde seus usos passados em contextos particulares por grupos particulares

de participantes para cumprir determinados objetivos que, por sua vez, são

moldados por incontáveis forças culturais, históricas e institucionais (HALL, 2002).

Essa perspectiva ressalta a importância da língua ser tratada como um

produto sóciohistórico e sociocultural, pois o discurso nunca é fruto de uma mente

única. Ele é construído por meio das interações e das relações sociais, e ambas

dependem do código social e cultural de determinada sociedade. Os diálogos e as

trocas são igualmente imprescindíveis para o aprendizado de uma LA, por meio das

interações dos aprendizes, eles têm a oportunidade de aprender com esse tipo de

colaboração, alcançando resultados que sozinhos não seriam capazes, como

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prescreve o aprendizado dentro da zona de desenvolvimento proximal, desenvolvida

por Vygotsky. A sala de aula deve ser encarada como um lugar legítimo para

aprender uma LA e prova disso são os inúmeros casos de usuários bem sucedidos

que interagem em línguas como o inglês, ou francês e alemão, sem nunca terem

saído de seu país de origem. O que mostra que uma LA não necessariamente pode

ser aprendida somente em um país onde ela é a língua nativa.

Esse tipo de abordagem também defende que ao aprender uma nova língua,

nesse movimento de construir e reconstruir suas identidades, os aprendizes não

deveriam sofrer um processo de apagamento de suas identidades e nem perpetuar

o complexo de inferioridade identificado por tantos autores nesse trabalho, referindo-

se ao contexto brasileiro. A cultura nativa pode muito bem ser usada para mostrar as

diferenças sociais e culturais sem apontar superioridade ou inferioridade de

determinada sociedade. Naturalmente, as culturas são diferentes, sofreram

influências distintas para se desenvolverem, mas durante o processo de

aprendizagem de uma LA, língua e cultura devem ser ensinadas como

verdadeiramente são, indissociáveis, para valorizar suas diferenças sem avalizar a

superioridade ou inferioridade deste ou daquele povo.

A perspectiva sociocultural ao tratar da ação humana conceitua bem

diferentemente o uso da linguagem e a identidade. A identidade não é vista como

singular e unitária, mas como sendo socialmente constituída, um produto reflexivo

dos contextos social, histórico e político das experiências vividas de um indivíduo.

De acordo com Hall (2002), essa visão ajudou a estabelecer novas direções para a

pesquisa atual em linguística aplicada. A posição assumida ao longo deste trabalho

seguiu, pois, as concepções construtivistas que defendem as identidades como

mutantes, fluídas e não estáveis (WOODWARD, 2000; HALL, 2000; SILVA, 2000;

BAUMAN, 2005). A linguagem é compreendida como um mecanismo vivo, que sofre

mudanças e influências que são consequência principalmente da situação social e

cultural do grupo ou do momento histórico em questão.

Quando nascemos, herdamos um grupo de afiliações variadas e, mais tarde,

nos apropriamos de uma segunda camada de afiliações que são desenvolvidas

através do nosso envolvimento com as inúmeras atividades sociais que integram

nossas comunidades, como a escola, a igreja, a família e o local de trabalho. Essas

instituições, por sua vez, vão determinar os tipos de grupos aos quais teremos

acesso e aos tipos de relacionamentos que poderemos estabelecer com os outros.

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Quando nos aproximamos de atividades associadas à família, por exemplo,

assumimos papéis que vão dar forma a relações particulares com os outros, como

num relacionamento entre mãe e filha, irmão e irmã e marido e mulher. No local de

trabalho também assumimos papéis que nos dão acesso a atividades específicas e

a relações com papéis particulares definidos. Na escola, somos alunos, colegas e

nossas relações também são marcadas por papéis específicos que assumimos

dentro desse contexto.

Esses muitos grupos de afiliações – junto com os valores, as crenças e as

atitudes associadas com eles – são importantes para o desenvolvimento de nossas

identidades sociais, porque em parte eles definem os tipos de atividades

comunicativas e os recursos linguísticos particulares que usamos em nossas

atividades. As identidades sociais variadas que assumimos não são simplesmente

rótulos que preenchemos com nossas intenções. Elas expressam histórias

particulares que foram desenvolvidas ao longo do tempo por outros membros do

grupo que, no passado, desempenharam papéis parecidos. Nas histórias de suas

representações, essas identidades tornaram-se associadas com conjuntos

específicos de ações linguísticas, crenças, atitudes e normas. Segundo Hall, “os

recursos linguísticos que usamos para nos comunicar e nossas interpretações

daqueles usados pelos outros são moldados por percepções detidas mutuamente”

(2002, p.34). Dito de outra forma, o que nós somos, o que pensamos que os outros

são e quem os outros pensam que somos são fatos que influenciam nossos usos

individuais e nossas ações linguísticas em todo e qualquer encontro comunicativo. A

interação está sempre presente em nossas trocas linguísticas, desde o princípio,

desde que aprendemos a língua materna.

A identidade é marcada pela diferença e os modos pelos quais distinguimos

entre nós e os outros. Seria difícil contemplar um entendimento da identidade que

não necessitasse de uma exploração da diferença e incluísse o conceito tão

fundamental para compreender o que identidade significa. De acordo com

Woodward, “a diferença e a igualdade requer a demarcação de fronteiras e a história

da identidade é caracterizada pelos momentos em que as fronteiras foram

marcadas, remarcadas e transgredidas” (2002, p.167). Esse jogo de forças faz parte

da dinâmica da identidade e, por isso, em vez de fixar as fronteiras, é necessário

remarcá-las através da ação política tendo em vista que as identidades estão

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necessariamente implicadas nesses processos, que são historicamente específicos

e localizados em lugares e em épocas diferentes (WOODWARD, 2002).

É preciso ter em mente que a aprendizagem de línguas adicionais não se

interessa apenas pelos objetivos instrumentais, bem mais importante, ela faz parte

da formação integral do aluno. O aprendiz, que está envolvido na totalidade de sua

pessoa, não tem como fazer uma separação dos planos cognitivo e afetivo. Dentro

da sala de aula, ou de qualquer ambiente em que ocorra uma troca linguística,

temos que uma língua não existe apenas para veicular enunciados, mas para,

sobretudo, revelar universos, princípios, forças; enfim, para mostrar diversidades,

dissabores, maravilhas, a história em geral. Para Lameiras, “o ensino de LE, deve,

assim, estar em sintonia com essa concepção, para que a prática escolar não

acentue o fosso, já existente, entre o processo educacional, como um todo, e o

ensino de LE”. (2006, p.31). A escola, mais especificamente, a aula de LA pode

promover esse tipo de encontro em sala de aula, se a abordagem de ensino da LA

considerar que não se pode/não se deve ensinar língua negligenciando a cultura;

antes, para a autora, “é preciso concebê-las como imbricadas, de tal forma que uma

não existe sem a outra” (2006, p.37). Esse tipo de abordagem tem o intuito de

permitir que de alguma forma o aluno experimente a LA, através de reflexões e

produções para que a língua alvo pareça menos estrangeira e impenetrável.

Como já foi mencionado anteriormente neste trabalho, para Kramsch (1998),

a língua expressa, incorpora e simboliza uma realidade cultural. Essa realidade

cultural que nos influencia e faz com que sigamos determinadas tendências ou que

as rejeitemos, segundo Tavares, “liberta as pessoas da causalidade da natureza e

as constrangem pela imposição sobre elas de uma certa estrutura e determinadas

regras e convenções de uso” (2006, p.21). Essa relação entre convenções e ao

mesmo tempo, mudanças é que torna a cultura um fenômeno heterogêneo, mutante

e também um espaço de luta pelo poder. Assim sendo, diretrizes de educação

principalmente para o ensino de línguas, que não fomentem a sensibilidade do aluno

para questões que dizem respeito às construções de sentido que ocorrem no

cruzamento de culturas, não farão com que ele venha a ser um falante intercultural.

A abordagem cultural emerge da linguagem como prática social e, dessa forma, o

conhecimento da cultura alvo deve ser colocado em relação à própria cultura do

aprendiz, configurando-se um diálogo entre as duas culturas, o que a autora chama

de esfera de interculturalidade (KRAMSCH, 1998).

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Na concepção de Medeiros, de que “a língua é vista como um meio de

interação utilizado pelos homens de uma determinada sociedade para se fazer

compreender e ser compreendidos, não se pode conceber o ensino de línguas

dissociado da cultura” (2006, p.61). Segundo Kramsch (1998), a língua não é um

código isolado da cultura, diferente de como as pessoas pensam e agem, mas,

acima de tudo, ela exerce um papel primordial na perpetuação da cultura,

principalmente na forma expressa. Ao usar a linguagem, as pessoas expressam

opiniões, ideias, modos de ver e pensar o mundo que são compartilhados com

outras pessoas. A língua invariavelmente transmite uma realidade cultural e funciona

de acordo com o código social e cultural de uma dada sociedade.

Reconhecendo a importância da cultura dentro do ensino/aprendizagem de

LAs, os professores necessitam oferecer aos alunos não somente informações

sobre os fenômenos culturais, mas uma reflexão crítica sobre esses fenômenos a

partir das interações em sala de aula. Esse tipo de exercício sobre uma cultura

diferente da sua faz com que os alunos passem a ter um entendimento crítico sobre

a própria cultura, não para desvalorizar o que é brasileiro ou para valorizar o que é

estrangeiro. Ao contrário, o aprendiz deve dar-se conta de que as diferenças

também fazem parte da identidade cultural de um povo. Dessa maneira, afasta-se a

ideia de superioridade ou a de imposição de ideologias para se aproximar da

concepção de relativismo cultural. Por meio do viés intercultural, a cultura da língua

alvo pode mostrar ao aluno que não é superior nem inferior, mas que é apenas

marcada por diferenças, que podem estimular o senso crítico do aluno.

Em relação à tríade língua, cultura e identidade, concluímos que é impossível

estudar apenas um desses conceitos isoladamente, porque eles são indissociáveis e

não deveriam, portanto, ser tratados isoladamente. Inerente à língua existe um

sistema cultural e social que nos precede, herança de nossos antepassados, que

por sua vez, vai influenciar nossas experiências com o aprendizado da língua

materna, e a partir daí, as muitas identidades que assumiremos ao longo de nossas

vidas. A cultura através da linguagem afeta o modo como pensamos, nossas

interpretações de mundo e num constante jogo de construir e reconstruir formamos

nossas identidades. Qualquer professor, mas especialmente o professor de língua,

deve estar ciente das relações e das implicações dessas relações para o ensino,

porque invariavelmente, ao ensinar uma língua estará ao mesmo tempo ensinando

cultura e construindo identidades dentro de sua sala de aula.

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Com o estudo do contexto brasileiro, tínhamos o objetivo de precisar as

características que compõem a identidade nacional, para melhor compreender o

perfil do aprendiz brasileiro de língua inglesa. De acordo com autores como Moita

Lopes (1996; 2002; 2005), Almeida (2011), Ribeiro (1972; 1978; 1995), Rodrigues

(1993) e Coracini (2007), entre outros citados neste trabalho, os aprendizes

brasileiros de LI ainda sentem-se afetados pelo sentimento de inferioridade, o que

provavelmente é resultado das influências provenientes desde os tempos da

colonização. Moita Lopes vai ainda mais longe na questão e, de acordo com o seu

estudo realizado em 1996 com professores de LI, o autor afirma que não só os

professores mostraram uma atitude colonizada, mas considera que essa atitude

parecia estar latente no povo brasileiro em geral. Assim temos que o abandono ou o

desprezo da própria identidade cultural poderia fazer com que os aprendizes

quisessem apagar suas marcas de identidade e perseguir objetivos inacessíveis,

como falar inglês tão bem quanto um falante nativo. Meta que atualmente é menos

almejada, pois sabemos que é possível ser um usuário de LA bem sucedido sem ter

que abrir mão da própria identidade e da própria cultura.

Ao aproximar a Teoria Sociocultural da tríade – língua, cultura e identidade –

tencionamos traçar relações pertinentes para o ensino de língua inglesa e de outras

línguas adicionais. É de conhecimento geral que o trabalho de Vygotsky serviu de

modelo para metodologias de ensino de línguas mais comunicativas e baseadas na

experiência prática em ambientes socioculturais. Considerando que segundo a

perspectiva sociocultural, o conhecimento ocorre através da interação; a linguagem,

a cultura inerente e também fora da linguagem e as identidades que são construídas

a partir da linguagem que estão em constante reconstrução – como no caso do

aprendizado de uma LA – são de extrema importância para o processo de

aprendizagem. Conceitos como a ZDP, andaimes e internalização, para citar alguns,

podem ser de grande valia aos professores que os aplicarem em suas atividades em

sala de aula. Não menos importante, a noção de que língua e cultura são

indissociáveis; portanto, ao ensinar uma língua, fatalmente estaremos lidando com

sua realidade sócio-histórica, o que fará com que ensinemos cultura também.

Perceber como as identidades são reconfiguradas durante o processo de

aprendizagem de uma LA, para acomodar os novos conhecimentos com os que já

temos, pode auxiliar o aprendiz a valorizar sua própria cultura e a combater a

tendência vigente de que “tudo que é de fora é melhor”.

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Por fim, o último capítulo deste trabalho, destaca a importância da tríade:

língua, cultura e identidade para o ensino/aprendizagem de língua inglesa, porque

além de indissociáveis são elementos cruciais no aprendizado de uma língua

adicional. As influências identitárias e culturais que incidem no aprendiz durante o

processo de aprendizado de uma LA estão constantemente sendo construídas

através da língua, da cultura e dos processos de identificação. Através de uma

negociação entre a LM e a LA, surge um novo sujeito, em constante movimento, em

constante mudança, num processo contínuo de construção de sua identidade. Como

usuários de uma determinada linguagem, construímos a si próprios e aos outros,

construímos a realidade social por meio do discurso, então são muitas as

implicações da língua, cultura e identidade para o ensino de LAs, porque a língua

não é um código separado da cultura.

É importante chamar atenção para o fato de que conceitos como a língua, a

cultura e a identidade devem ser considerados no processo de ensino/aprendizagem

de uma língua adicional, porque estão fortemente relacionados uns com os outros e

um aprendizado que pretenda ser eficiente e profundo dependerá desses três

elementos, entre outros. O presente trabalho pode servir de estímulo para que

outras pesquisas sejam realizadas acerca do tema. Assim, salientamos a

importância de que outras pesquisas sejam feitas no futuro para contribuir para a

compreensão do perfil da identidade dos aprendizes brasileiros de LI, a fim de

auxiliar professores e alunos a lidarem melhor com essas particularidades de nosso

contexto de aprendizagem. As diretrizes de ensino que priorizarem a sensibilização

a outras culturas estarão fomentando não apenas o aprendizado, mas a reflexão

crítica, porque nos fazem ver que não somos os únicos indivíduos no mundo e que

também não existe uma única verdade, o que com certeza pode estimular a

valorização das diferenças de cada cultura e o desenvolvimento dos aprendizes.

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