industrialização no brasil

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artigo 1. Introdução; 2. Industrialização, política econômico-financeim e participação da burgueSia industrial; 3. As novas estruturas do Estado: corporativismo e populismo; 4. Camadas médias urbanas e radicalização político/ideológica; 5. O clima ideológico da época. Industrialização, Estado e sociedade no Brasil (1930-1945)* Maria Cecilia Spina Forjaz Professora titular no Departamento de Fundamentos Sociais e Juridicos da Administração da EAESP /FG V. I. INTRODUÇÃO Este artigo objetiva esboçar uma interpretação globali- zante do desenvolvimento social, político e econômico brasileiro no período de 1930 a 1945. Esse período transitório entre a República Oligárqui- ca e a etapa denominada por alguns Democracia Populís- ta (usando uma periodização que privilegia o nível da po- lítica) encerra transformações profundas na estrutura de classes da sociedade brasileira, na configuração do Esta- do e no sistema econômico no Brasil. Sem aprofundar a análise de cada um desses três níveis estruturais, tencionamos esboçar as grandes ten- dências do desenvolvimento capitalista (tardio) no Bra- sil, buscando uma análise que consiga integrar satisfato- riamen te o econômico, o social e o político. -Ou seja, não procuramos o detalhamento histórico do período, mas a determinação das características básicas do desenvolvimento capitalista brasileiro nessa etapa. Porém, rejeitando o determinismo economicista que ainda predomina no pensamento social brasileiro, uma premissa teórica que nos orienta é a noção da primazia do Estado no desenvolvimento capitalista periférico com industrialização tardia. É bom lembrar neste ponto que, apesar da especifici- dade do desenvolvimento capitalista tardio que se consti- tui já na etapa monopolista do capitalismo como sistema internacional, nossa formação social retém também os traços gerais de qualquer processo de desenvolvimento capi talista. 1 A aceitação desse predomínio do Estado não nos leva a um outro extremismo teórico, o "politicismo", que, ao enfatizar exageradamente a autonomia da esfera política, "conduz, no limite, a uma descaracterização da sociedade civil enquanto campo de constituição de novas configurações dotadas de um dinamismo próprio"." Em outros termos, o que pretendemos é uma análise que consiga apreender os processos políticos, sociais e econômicos em sua interdependência, sem cair nas ten- dências extremas e opostas do economicismo e do politi- cismo. Uma vez definida a premissa teórica mais geral de nosso trabalho, passamos a definir alguns traços comuns da análise sociológica e histórica referente ao período em questão: 1. Ausência de hegemonia no Estado brasileiro pós-30. A Revolução de 30 destruiu a hegemonia da burguesia cafeeira, mas nenhum outro setor das classes dominantes teve condições de assumi-la. A nova coalizão no poder constituiu um "Estado de compromisso", 3 no qual se equilibraram de forma instável cafeicultores, oligarquias dis.sidentes (outros setores da burguesia agroexportadora ou produtora para o mercado interno), grandes comer- ciantes importadores e a burguesia industrial nascente, além das "categorias sociais de Estadot" (militares, in- telectuais e burocratas), como grupos sociais subordina- dos. Essa perspectiva é expressa com nitidez pelo histo- riador Boris Fausto: "A possibilidade de concretização do Estado de compromisso é dada porém pela inexistên- cia de oposições radicais no interior das classes dominan- tes e em seu âmbito não se incluem todas as forças sociais. O acordo se dá entre as várias frações da burgue- sia; as classes médias - ou pelo menos parte delas - assumem maior peso, favorecidas pelo crescimento do aparelho do Estado, mantendo entretanto uma posição subordinada. À margem do compromisso básico fica a classe operária, pois o estabelecimento de novas relações com a classe não significa qualquer concessão política apreciável. "5 2. Ausência de uma burguesia industrial plenamente constituída e portadora de um projeto de dominação. A burguesia industrial é vista, pela grande maioria dos auto- res, como um grupo social permanentemente subordina- do na nova coalizão dominante, cujos interesses econô- micos são complementares aos da burguesia agrária. Sen- do assim, ela é frágil, incapaz de obter autonomia polí- tico-ideológica e portanto de definir um projeto de in- dustrialização nacional. Ou seja, não tem consciência dos próprios interesses e não constituiu um agente político importante na Revolução de 30. Essa visão, obviamente um pouco caricaturizada aqui, perde de vista a progressiva diferenciação de inte- Rev. Adm. Empr. Rio de Janeiro, 24(3): 35-46 jul./set. 1984

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texto sobre Industrialização No Brasil

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  • artigo1. Introduo;

    2. Industrializao, poltica econmico-financeim eparticipao da burgueSia industrial;

    3. As novas estruturas do Estado: corporativismoe populismo;

    4. Camadas mdias urbanas e radicalizaopoltico/ideolgica;

    5. O clima ideolgico da poca.

    Industrializao, Estadoe sociedade no Brasil

    (1930-1945)*

    Maria Cecilia Spina ForjazProfessora titular no Departamento de Fundamentos

    Sociais e Juridicos da Administraoda EAESP /FG V.

    I. INTRODUO

    Este artigo objetiva esboar uma interpretao globali-zante do desenvolvimento social, poltico e econmicobrasileiro no perodo de 1930 a 1945.

    Esse perodo transitrio entre a Repblica Oligrqui-ca e a etapa denominada por alguns Democracia Populs-ta (usando uma periodizao que privilegia o nvel da po-ltica) encerra transformaes profundas na estrutura declasses da sociedade brasileira, na configurao do Esta-do e no sistema econmico no Brasil.

    Sem aprofundar a anlise de cada um desses trsnveis estruturais, tencionamos esboar as grandes ten-dncias do desenvolvimento capitalista (tardio) no Bra-sil, buscando uma anlise que consiga integrar satisfato-riamen te o econmico, o social e o poltico.

    -Ou seja, no procuramos o detalhamento histricodo perodo, mas a determinao das caractersticasbsicas do desenvolvimento capitalista brasileiro nessaetapa.

    Porm, rejeitando o determinismo economicista queainda predomina no pensamento social brasileiro, umapremissa terica que nos orienta a noo da primazia

    do Estado no desenvolvimento capitalista perifrico comindustrializao tardia.

    bom lembrar neste ponto que, apesar da especifici-dade do desenvolvimento capitalista tardio que se consti-tui j na etapa monopolista do capitalismo como sistemainternacional, nossa formao social retm tambm ostraos gerais de qualquer processo de desenvolvimentocapi talista. 1

    A aceitao desse predomnio do Estado no nosleva a um outro extremismo terico, o "politicismo",que, ao enfatizar exageradamente a autonomia da esferapoltica, "conduz, no limite, a uma descaracterizao dasociedade civil enquanto campo de constituio de novasconfiguraes dotadas de um dinamismo prprio"."

    Em outros termos, o que pretendemos uma anliseque consiga apreender os processos polticos, sociais eeconmicos em sua interdependncia, sem cair nas ten-dncias extremas e opostas do economicismo e do politi-cismo.

    Uma vez definida a premissa terica mais geral denosso trabalho, passamos a definir alguns traos comunsda anlise sociolgica e histrica referente ao perodo emquesto:

    1. Ausncia de hegemonia no Estado brasileiro ps-30.A Revoluo de 30 destruiu a hegemonia da burguesiacafeeira, mas nenhum outro setor das classes dominantesteve condies de assumi-la. A nova coalizo no poderconstituiu um "Estado de compromisso", 3 no qual seequilibraram de forma instvel cafeicultores, oligarquiasdis.sidentes (outros setores da burguesia agroexportadoraou produtora para o mercado interno), grandes comer-ciantes importadores e a burguesia industrial nascente,alm das "categorias sociais de Estadot" (militares, in-telectuais e burocratas), como grupos sociais subordina-dos.

    Essa perspectiva expressa com nitidez pelo histo-riador Boris Fausto: "A possibilidade de concretizaodo Estado de compromisso dada porm pela inexistn-cia de oposies radicais no interior das classes dominan-tes e em seu mbito no se incluem todas as forassociais. O acordo se d entre as vrias fraes da burgue-sia; as classes mdias - ou pelo menos parte delas -assumem maior peso, favorecidas pelo crescimento doaparelho do Estado, mantendo entretanto uma posiosubordinada. margem do compromisso bsico fica aclasse operria, pois o estabelecimento de novas relaescom a classe no significa qualquer concesso polticaaprecivel. "5

    2. Ausncia de uma burguesia industrial plenamenteconstituda e portadora de um projeto de dominao. Aburguesia industrial vista, pela grande maioria dos auto-res, como um grupo social permanentemente subordina-do na nova coalizo dominante, cujos interesses econ-micos so complementares aos da burguesia agrria. Sen-do assim, ela frgil, incapaz de obter autonomia pol-tico-ideolgica e portanto de definir um projeto de in-dustrializao nacional. Ou seja, no tem conscincia dosprprios interesses e no constituiu um agente polticoimportante na Revoluo de 30.

    Essa viso, obviamente um pouco caricaturizadaaqui, perde de vista a progressiva diferenciao de inte-

    Rev. Adm. Empr. Rio de Janeiro, 24(3): 35-46 jul./set. 1984

  • resses entre a burguesia agrria e conduz a uma anliseque tende a enfatizar a permanncia do sistema polti-co anterior no ps-3D.

    Alm disso, essa viso, que j vai ficando clssica nasociologia brasileira, acerca da burguesia industrial, tor-na-a um ator poltico muito pouco importante, que te-ria quase "sofrido" a industrializao promovida pelo Es-tado-Leviat brasileiro.

    importante notar que essa interpretao sociol-gica que minimiza a importncia poltica da burguesiaindustrial surgiu (a partir de meados dos anos 60) comouma reao s primeiras tentativas de interpretao dodesenvolvimento capitalista no Brasil eivadas de prota-gonismo burgus.

    Ou seja, nas anlises pioneiras, a burguesia encenavanum cenrio tropical os lances hericos de conquista dopoder semelhantes aos da burguesia europia nos sculosXVII (Inglaterra) e XVIII (Frana).

    Para recusar essa transposio mais ou menos auto-mtica dos modelos explicativos prprios ao desenvolvi-mento capitalista dos pases centrais, a anlise histrico-sociolgica caiu num outro extremo, que quase anula aparticipao dos industriais na construo do capitalis-mo brasileiro.

    Essas duas formas extremas de ver a burguesia in-dustrial, como grupo totalmente subordinado ou, inver-samente, como classe dominante em 30, prendem-se auma viso dualista das relaes entre Estado/Sociedade,que ainda predomina no panorama da sociologia brasi-leira.

    3. Ausncia de uma classe operria autnoma, organi-zada e capaz de reivindicar seus direitos. Graas ori-gem rural recente, ao "sindicalismo de Estado" queatrela o movimento operrio, e ao populismo que ma-nipula suas aspiraes de melhores condies de vida,a classe operria brasileira tambm frgil, pouco agres-siva e pouco operante do ponto de vista poltico.

    4. Existncia de uma classe mdia urbana (difcil de de-finir sociologicamente) ambgua, que oscila entre a vin-culao s classes dominantes e classe operria, eportanto incapaz de qualquer autonomia poltico-ideolgica.

    5. Vcuo de poder e primazia do Estado: a ausncia po-ltica das classes fundamentais e as ambigidades da clas-se mdia produzem um vazio de poder que preenchidopelo Estado, sustentado pelas Foras Armadas, e que sedistancia cada vez mais da sociedade civil, impondo-secrescentemente como aparato burocrtico-organizacionalrelativamente autnomo.

    6. Ausncia de ideologias de classe e "importao deidias". Graas caracterizao feita sobre as classes so-cias brasileiras conclui-se pela inexistncia de ideologiasde classe propriamente ditas e, portanto, pela importa-o permanente das idias produzidas nos pases capita-listas centrais. 6

    Essas caractersticas comumente encontradas naproduo sociolgica referente ao perodo de 1930-45,e que configuram "do lado de cima o vazio, e do lado debaixo o desvio, explicam-se na medida em que o capta-

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    lismo no Brasil atrasado, tardio ou igual e combinadoem face do capitalismo internacional, de sorte que aconseqncia no se faz esperar: o Estado, fonte de mo-dernizao, ter que promover o desenvolvimento capita-lista, telos da histria mundial. (. .. ) Assim, a impressodeixada por grande parte dos textos a de uma concep-o demirgica da histria do Brasil, as interpretaes os-cilando na escolha do demos ourgoi que ora o Estado(e h um hegelianismo latente), ora o empresariado (e asombra de Schumpeter paira sobre a letra dos textos),ora deveria ter sido o proletariado (e a aura de Leninefulge no esplendor do acaso)."?

    Tentaremos construir uma viso de longo alcancedessa etapa do desenvolvimento brasileiro que elimine odemiurgo, seja ele qual for, e que, aceitando a impor-tncia do Estado, admita os dinamismos prprios da so-ciedade civil, ou, usando expresses mais antigas, consi-dere os determinismos infra-estruturais.

    Nessa tentativa, seremos levados a questionar algu-mas das noes citadas e propor alternativas que as subs-tituam, que as complementem ou que as remodelem.

    Passamos ento a detalhar as questes que julgamosimprescindveis para a anlise dos anos 30 a 45 no Bra-sil, e portanto formular algumas das hipteses gerais dotrabalho.

    2. INDUSTRIALIZAO, POLITICAECONOMICO-fINANCEIRA E PARTICIPAODA BURGUESIA INDUSTRIAL

    H uma polmica antiga dividindo os cientistas sociais(em sentido lator sto , englobando os economistas) so-bre o sentido da poltica econmico-financeira da pri-meira era Vargas.

    Uma corrente interpretativa busca enfatizar o car-ter conservador dessa poltica, que teria sido a respons-vel pelo atraso da industrializao brasileira.

    Segundo esses autores," essa poltica conservadoraseria o resultado de uma grande continuidade polticaentre a Primeira Repblica e a era de Vargas, ou seja,teria havido uma permanncia de uma poltica econ-mica antindustrialista e ortodoxa, que impediu maiordiversificao e crescimento da economia brasileira.

    Tanto no Governo Provisrio, como no perodoconstitucional (1934-37), como no Estado Novo(1937-45), as grandes linhas da poltica financeira deGetlio Vargas tenderiam para a obteno dos seguin-tes alvos: a conteno monetria e a manuteno doequilbrio oramentrio. Ora, esses princpios orto-doxos seriam inadequados para enfrentar a depressoeconmica mundial.

    Divergindo dessa corrente interpretativa, autorescomo Celso Furtado, Antonio Castro e Maria da Con-ceio Tavares? (que tambm tm divergncias entre si)admitem os compromissos de Vargas com as classes do-minantes tradicionais, mas concluem pela implantaode um novo padro de -rescmento centrado na in-dstria.

    Com enfoques semelhantes, essa corrente consideraque a reao interna da economia brasileira crise de1929 possibilitou o arranque do processo de industria-lizao por substituio de importaes, apesar de no

    Revista de Administrao de Empresas

  • haver por parte do governo uma poltica deliberada-mente industrializante.

    Em livro recentemente publicado, Eli Diniz10 en-campa essa tendncia interpretativa e busca acrescentarnovos argumentos contra a primeira verso aqui cita-da de passagem, argumentos esses que tentam inserirna anlise a dimenso poltica, que viria confirmar ocarter renovador e industrializante, em ltima instn-cia, da etapa histrica que estamos analisando.

    Segundo a autora, o raciocnio exclusivamenteeconmico no permite a elucidao completa da ques-to da poltica econmico-financeira dos anos 30 a 45,e preciso articul-lo s seguintes questes polticas:

    1. A nova coalizo dominante significa a acomodaoentre elites tradicionais e emergentes e, portanto,abriu-se efetivamente, com a revoluo de 30, um novoespao poltico para as elites industriais.

    2. A participao da burguesia industrial nas deciseseconmicas tem sido minimizada pela anlise sociol-gica.

    3. O pensamento autoritrio, ideologia dominante nes-sa etapa histrica, influenciou positivamente o processode industrializao, ao legitimar a ao planificadora eintervencionista do Estado.

    4. A grande diversificao do aparelho estatal ps-30 im-plicou a descentralizao de arenas decisrias, nas quaisos interesses industriais puderam insinuar-se (principal-mente comisses e conselhos tcnicos).

    ~ por meio dessa mquina burocrtica que a burgue-sia industrial vai impondo suas perspectivas. A participa-o desse grupo social se d principalmente atravs doConselho Federal de Comrcio Exterior (CFCE), doConselho Tcnico de Economia e Finanas (CTEF) e doConselho Nacional de Poltica Industrial e Comercial(CNPIC), onde defende prioritariamente:

    1. O protecionismo alfandegrio como forma de prote-o indstria. Como poltica global o protecionismono foi adotado no Brasil no perodo que estamos estu-dando. Mas, embora a burguesia industrial no tenha con-seguido impor o protecionismo como estratgia geral (aspresses internacionais, e principalmente americanas,contra ele eram muito fortes), um ou outro setor indus-trial foi protegido por tarifas alfandegrias.

    2. Campanha contra o livre-comrcio. Nesse aspecto,complementar ao primeiro, no se pode dizer que aburguesia industrial obteve sucesso. A fora polticaassociada das oligarquias exportadoras e dos grandescomerciantes importadores conseguiu manter o predo-mnio do livre-comrcio, em prejuzo do protecionis-mo.

    3. Institucionalizao do crdito industrial. De con-creto, nesse sentido, a burguesia industrial obteve acriao da Carteira de Crdito Agrcola e Industrial doBanco do Brasil (em 1937).

    Industrializao no Brasil

    Alm disso, os industriais conseguiram uma certacapacidade de articulao na defesa de seus interesses,assim como conseguiram sensibilizar setores das elitestecnoburocrticas para a questo do crdito industrial.

    Alm desses aspectos, outros pontos da atuaodos empresrios industriais que sobressaem nesse pero-do so o fato de que no so nacionalistas (apesar dasconstataes em contrrio dos pesquisadores do IBEB) ede que aceitam com limites a interveno do Estado naeconomia. Resistem mais ao do Estado do que ao do capital estrangeiro.

    A resistncia ao estatal foi um dos pontos deatrito mais freqente entre as lideranas empresariaise os tcnicos estatais, todos eles com uma mentalida-de essencialmente estatizante.

    A nvel de seu relacionamento com o Estado se-riam esses os principais passos da burguesia industrial nasua luta pela constituio de uma identidade prpria epela imposio lenta e progressiva de seus interesses.

    Mas alm da participao poltica ampliada pormeio dos rgos tcnico-econmicos, a burguesia indus-trial encontraria outros canais de acesso ao Estado:"No caso brasileiro, as associaes de classe so instru-mentos cruciais para a prtica poltica do empresariado,sendo sua via de comunicao com os poderes pblicos,quer a nvel federal, quer regional. Elas permitiriam'furar' o espao viciado da poltica partidria, possibi-litando uma outra frente de contatos com o Esta-do. ,,11

    No plano de seu relacionamento com as outras fra-es das classes dominantes, podemos perceber um con-tnuo processo de diferenciao de interesses entre a bur-guesia industrial e os grupos agrrios, assim como entreela e os comerciantes importadores.

    Nesse processo, "a defasagem entre percepo deinteresses prprios e o montante de poder que o grupopossui para implementar esses interesses pode gerar es-tratgias de compromisso nem sempre condizentes comseus objetivos fundamentais. Isto, porm, longe de sig-nificar falta de conscincia, inconsistncia ou dependn-cia ideolgica, pode simplesmente representar um esfor-o por parte do grupo em ascenso, no sentido de preser-var alianas com os setores sociais que detm os recursosescassos necessrios consecuo de seus objetvos".'?

    por isso que, apesar de estar crescentemente sediferenciando da elite rural e se automatizando ideolo-gicamente, a burguesia industrial menteve por muitotempo seus laos com os cafeicultores.

    Como observou a esse respeito um outro pesquisa-dor: "Resulta despropositado e abstrato reclamar daburguesia um projeto revolucionrio antiagrrio, negan-do-lhe, por essa inexistncia, conscincia de classe, quan-do a ordem agrria a recebia calidamente e sem cons-trangimentos. ,,13

    A adeso ao Partido Republicano Paulista, a oposi-o Revoluo de 30 e o apoio Revoluo de 1932so altamente expressivos desses compromissos. Mas re-velam tambm tticas de sobrevivncia poltica.

    Por que aderir a uma revoluo que no tinha umprojeto industrializante e que significava um perigo deradicalizao social? (O tenentismo assustava os indus-triais e lhes produzia pesadelos sobre o avano do socia-lismo.)

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  • Por que aliar-se s oligarquias dissidentes (gacha emineira), profundamente agraristas? Como aproximar-seda oposio em So Paulo, o PD, partido que faz do an-tiindustrialismo a razo de sua existncia?

    Por que apoiar a centralizao estatl em detrimen-to do poderio de So Paulo, numa poca em que as cli-vagens regionais ainda eram mais importantes do que asclivagens de classe?

    Na decolagem da burguesia industrial em sua longa elenta trajetria para o poder, ela freqentemente se escu-dou no imenso poderio dos cafeicultores, para poder en-frentar, em primeiro lugar, as classes subalternas (e prin-cipalmente uma classe mdia bastante combativa e en-quistada no aparelho de Estado) e, em segundo, outrasfraes menos poderosas da coalizo dominante (co-merciantes importadores, oligarquias produtoras para omercado interno, oligarquias improdutivas, etc.).

    O que importa que em 1945, na queda do EstadoNovo, a posio relativa da burguesia industrial na coali-zo dominante era amplamente mais significativa do quena Repblica Velha. E a indstria se expandiu de maneirasignificativa nesses anos.

    Realmente, ela no fez a sua revoluo moda euro-pia e no elaborou um projeto de dominao, Mas rei-vindicou e conseguiu igualdade jurdico-poltica no inte-rior dos grupos sociais dominantes e formulou um pro-jeto corporativo de participao nas estruturas do Esta-do em processo de agigantamento.

    3. AS NOVAS ESTRUTURAS DO ESTADO:CORPORATIVISMO E POPULISMO

    O Estado brasileiro durante esses 15 anos deixa de serum Estado federal/oligrquico para transformar-se numEstado nacional/centralizado.

    A centralizao poltico-administrativa e a moder-nizao institucional sobressaem como as grandes ten-dncias do desenvolvimento do Estado no Brasil.

    Essa centralizao "tem para ns o sentido de visua-lizar a progressiva 'ocupao' do espao organizacional edecisrio por agncias burocrtico-estatais ( ... ). O des-mantelamento da velha ordem no ultrapassou os limitesde uma modernizao conservadora: sem qualquer re-formulao da estrutura scio-econmica existente en-caixavam-se no sistema poltico novos grupos e inte-resses, devidamente cooptados e burocratzados"."

    Os mecanismos concretos da centralizao autori-tria que Maria do Carmo Campello de Souza analisouna obra citada so os seguintes:

    a) sistema de interventorias/departamentos administra-tivos (daspinhos);

    b) funcionamento do Departamento Administrativo doServio Pblico (Dasp);

    c) funcionamento dos rgos tcnico-econmicos.

    A atuao constante desses mecanismos centraliza-dores conduziu criao de uma extensa mquina buro-

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    crtica, que deixou de ser controlada pelo Poder Legis-lativo (com exceo do perodo 1934-37) ou qualqueroutro organismo da sociedade civil.

    Porm, atravs dessa nova mquina em expanso, osnovos e antigos interesses dominantes, agora absorvidose cooptados airetamente pelo Estado central, exerce-ram seu controle sobre a sociedade como um todo.

    Quais seriam precisamente esses novos e antigos in-teresses dominantes? Ou as elites emergentes e tradicio-nais a que tambm nos referimos?

    Que grupos comporiam, enfim, o "compromisso"que fundamenta o Estado brasileiro ps-30, e como sedeu concretamente o inter-relacionamento entre eles?

    A resposta a tais questes constitui uma das preocu-paes centrais no desvendamento da trama polticaprpria da primeira era Vargas.

    Sobre a burguesia industrial, uma das fraes dasnovas elites emergentes, j discorremos anteriormente,de maneira sucinta.

    Voltemos nossas preocupaes para as chamadasoligarquias agrrias, dissidentes ou no, e que foram ato-ras fundamentais na Revoluo de 30: "A centraliza-o, que gradualmente esvazia uma parcela do poderoligrquico, destruindo suas manifestaes de autono-mia, opera-se com a ajuda dessemesmo poder oligr-quico (grifo da autora da citao), graas s cises quedividem internamente as elites regionais, e que as levama competir pelos favores do Estado. A disposio latentede prestar vassalagem - sobretudo nas unidades maiscarentes - ser 'habilmente utilizada, atravs de umacomplexa poltica de alianas que permite ao podercentral readaptar ou substituir as velhas mquinas oligr-quicas da Repblica Velha por outras, mais permeveisaos novos objetivos nacionais, dentro de uma estratgiaglobal de fortalecimento do Estado. ,,15

    Assim, na viso de Aspsia Camargo, da qual com-partilhamos, a questo central do processo poltico de-sencadeado em 30 o da centralizao estatal operadapelas prprias oligarquias, o que redunda numa amplarenovao das elites dirigentes.

    As clivagens regionais que comandam esse processoseriam a ofensiva paulista para consolidar sua hegemonia,coincidindo com o descenso mineiro e ascenso gacha,assim como com a maior insero nordestina nos centrosde deciso poltica.

    Minas Gerais, estado declinante em termos eco-nmicos, com o rompimento do pacto do "caf-com-lei-te", torna-se menos autnoma do que So Paulo, emrelao ao Governo federal. 16

    Mas o prprio estado de So. Paulo, embora maisautnomo do que Minas em relao ao centro, sofre apartir de 30 uma disjuno cada vez maior entre o seupeso econmico e sua importncia poltica: "Bastalembrar aqui que o censo de 1940 j mostra ser este omaior Estado brasileiro em populao, alm de j ser aprincipal fonte de impostos do governo central e o focode industrializao do pas. Politicamente, no entanto,So Paulo desempenhou um papel inferior a seu tama-nho e peso econmico relativos e, em 1932, foi o lti-mo Estado brasileiro a se levantar em armas contra ogoverno central."!"

    Revista de Administrao de Empresas

  • A diminuio relativa do peso poltico de So Paulono ps-30, apesar da manuteno da primazia econ-mica, liga-se evidentemente ao processo de agiganta-mento do Estado, que ocorre simultaneamente a seu"descolamento" das foras sociais hegemnicas da so-ciedade brasileira.

    Na raiz desse mesmo processo pode-se entender ofato de que Minas Gerais, ao contrrio de So Paulo,mantm um peso poltico desproporcional sua presen-a econmica.

    A fora poltica de Minas, no condizente com suafora econmica, fundamentava-se no seu grande pesoeleitoral e na insero de suas elites no aparelho deEstado: "Como o Estado mais populoso da nao,Minas Gerais possua o maior eleitorado e ocupava oprimeiro lugar no nmero de cadeiras no Congresso- 37, em relao s 22 de So Paulo e Bahia, e s 16 doRio Grande do Sul. (Desde a Constituinte de 1933, at ogolpe de novembro de 1937, a composio das bancadasestaduais permaneceu idntica de 1891). ( ... ) Essa for-a eleitoral, associada a uma bancada grande e disciplina-da - apelidade 'a carneirada' - eram os instrumentos dopoder mineiro na arena naconal.v'"

    Quanto ao Rio Grande do Sul, Estado ascendenteem termos econmicos, e com uma economia voltadaprioritariamente para o mercado interno (charque, arroz,etc.) passa a ter depois de 30 participao maior na es-trutura de poder, apesar de as oligarquias gachas, as-sim como as outras, serem progressivamente submetidasao poder central: "Em 1932, s vsperas da RevoluoConstitucionalista, o 'governo provisrio consegue aadeso do Rio Grande, atravs de Flores da Cunha, paraderrotar So Paulo, inclusive com a ajuda de suas tropas.Inversamente, em 1937. So Paulo no dificultar a re-nncia forada de Flores da Cunha, politicamente cerca-do em seu prprio Estado, graas s dissidncias entre aslideranas gachas, e militarmente cerceado pela presen-a do General Daltro Filho e pelas diretivas centralizado-ras de federalizao das brigadas estaduais.

    No Nordeste, a estratgia do Centro ainda maisbem-sucedida, pois a regio constitui-se em aliado incon-dicional da Revoluo j em seus primeiros tropeos, cri-ando bases slidas que neutralizam o inconformismopaulista em face da hegemonia inicial dos tenentes."!"

    A dimenso regional da disputa pelo poder nos anos30 e a subordinao das oligarquias nordestinas ao podercentral tambm so constatadas por Maria Nazareth Bau-del Wanderley: "Sob o impacto da crise de 30, a inter-veno do Estado ser definida em termos de uma pol-tica centralizada na esfera federal, e reguladora do co-mrcio e da atividade produtiva. Como a crise no ex-clusiva produo do acar, mas atinge toda a econo-mia do pas, desorganizando o mecanismo tradicional dereproduo da atividade agroexportadora, a intervenodo Estado ter ~m carter defensivo, de recuperao dodinamismo, assim amecado (... ). Para garantir o apoioda I.A, os usineiros assumem a bandeira da defesa doNordeste, identificando, em seu discurso, os Interessesda regio com seus prprios interesses de classe.20

    Convm no esquecer, no entanto, que as disputasregionais que se acirram no processo revolucionrio de30 so bem anteriores a ele e tm muitas vezes funda-mentos econmicos.

    Industrializao no Brasil

    Em toda a dcada de 20, os cafeicultores de SoPaulo tentam impor a prpria hegemonia em relaoaos cafeicultores de outros Estados, quebrando as alian-as tradicionais da Primeira Repblica, alm de provo-car resistncia em outras oligarquias exportadoras enos grupos produtores para o mercado interno. Paraos interesses desses ltimos, as polticas de defesa docaf eram muito prejudiciais.

    Essas resistncias a So Paulo j se tomaram claraspor ocasio da Terceira Valorizao do caf, empreen-dida e ganha por So Paulo no incio da dcada de 20:"Aos emissionistas contrapunha-se uma outra corrente,liderada no Congresso por Antnio Carlos de Andrada,integrada principalmente por polticos gachos, pernam-bucanos e baianos. Colocavam-se tanto contra a Valori-zao quanto contra a criao do banco central, argu-mentando que as emisses ativariam a inflao e depri-miriam o j baixo poder de compra dos salrios, alm decomprometerem as finanas pblicas, abaladas por su-cessivos dfcts desde 1914; protestavam contra o'imperialismo paulista', solicitando que a proteo, emsendo concedida, se estendesse a todos os demais produ-tos. Uns temiam que a queda dos salrios encurtasse seusmercados - os gachos e mineiros produtores agrcolas;outros, que a elevao dos salrios industriais reduzisseseu poder de competio num momento de acirramentoda concorrncia inter-regional - os ndustras.v"

    A disputa regional continua e toma-se mais agudaa partir de meados da dcada, quando se efetiva a defesapermanente do caf.

    Para implement-la, foi criado o Instituto do Cafde So Paulo, que deveria regularizar o mercado cafe-eiro e fazer acordos com os outros estados produtores,estabelecendo quotas para cada um deles.

    Esses acordos redundaram em conflitos entre osestados cafeeiros: ''Nestes convnios explicitam-se asdisputas entre as distintas fraes estaduais da burgue-sia cafeeira, especialmente entre a paulista e a mineira.Os mineiros, com menor produo e sem condies pararealizar uma reteno a prazo largo - por no possuremarmazns reguladores, no controlarem as estradas deferro para estocar mercadorias nas estaes, nem dispo-rem de um sistema bancrio como So Paulo - preten-diam escoar suas safras dentro do ano agrcola comercialcafeeiro, quando o interesse paulista era de imprimir atoda a safra nacional um ritmo de escoamento determi-nado exclusivamente por seu volume de produo. Sema arbitragem federal, a disputa entre os dois estados seprolongou at o fim da Repblica Velha."22

    Alm das disputas regionais, seria conveniente indi-car aqui a existncia de conflitos internos da burguesiacafeeira paulista, que entrou cindida na revoluo, ecujas divises internas no esto suficientemente escla-recidas pela anlise histrica e sociolgica.

    A chamada burguesia cafeeira paulista no umgrupo homogneo, e o complexo cafeeiro paulista sig-nifica na verdade investimentos em distintos setores eco-nmicos: agricultura, comrcio, transporte, setor finan-ceiro, etc.

    O fazendeiro produtor, o comissrio de caf, o ban-queiro que financia a estocagem, o cafeicultor com inves-timentos alternativos na indstria, configuram diferentesinteresses econmicos e distintos graus de poder de bar-ganha poltica.

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  • Existe ainda a vinculao simultnea a diversos seto-res: "Os termos 'empresa' e 'empresrio', quando se apli-cam oligarquia paulista; so justificados, pois inmerasvezes a diversificao de atividades uma constante. Ve-ja-se, por exemplo, o caso do Conselheiro Antnio Pra-do, fundador do PD, tradicional fazendeiro possuidorde mais de 6 milhes de ps de caf, possuidor de aesde ferrovias, de frigorficos, de fbricas; o caso das fam-lias Altino Arantes, Rodrigues Alves, Paulo Nogueira,com interesses cafeeiros e industriais; o do coronel Fran-cisco Schmidt, 'o rei do caf', possuidor tambm de usi-na de acar; o do Conde Moreira Lima, o maior produ-tor do vale do Paraba, tambm dono de usina de a-car.,,23

    Os reflexos polticos dessa diversidade no estoainda devidamente esclarecidos, mas sabe-se que ascises dos cafeicultores atingiram o sistema partidriode So Paulo (PRPxPD), as associaes de classe (So-ciedade Rural x Federao dos Lavradores) e at a im-prensa paulista (Correio Paulistano, O Estado de SoPaulo, Folha daManluf).

    A intensidade e a complexidade das disputas ntrae inter-regionais, muito agravadas pela crise econmicamundial, esto na raiz da emergncia de um Estadotodo-poderoso (o Levat brasileiro) - que se impe atodos e garante a sobrevivncia do conjunto.

    De que maneira esses antigos interesses dominantesse acomodaram na nova coalizo no poder e como en-frentaram a expanso da burguesia industrial, assim co-mo a centralizao autoritria do perodo 30-45?

    A questo da centralizao estatal nos remete dire-tamente ao binmio interventorias/daspinhos que cita-mos anteriormente. "Vedados os canais tradicionais derepresentao e influncia, as antigas e novas oligarquiasforam absorvidas e encurraladas num sistema que tinhacomo fulcro as interventorias acopladas a rgos buro-crticos subordinados ao Dasp ( ... ), sujeitos por sua vezao presidente da Repblica. Nem sempre salientado oucompreendido pelos analistas,o papel do Dasp sem d-vida decisivo, no pelo que de real reforma possa ter rea-lizado na administrao pblica, nos processos de seleoe admisso de pessoal, etc., mas pela sua funo na mon-tagem da estrutura de poder burocrtico: a de um cintode transmisso entre o Executivo federal e a poltica dosestados. ,,24

    Os interventores, nomeados pelo poder central, de-viam a ele sua permanncia nos estados, embora fossemalgumas vezes ligados s oligarquias regionais.

    B o caso dos estados fortes (So Paulo, Minas Geraise Rio Grande do Sul), cujos interventores tm razesregionais.

    Minas e o Rio Grande do Sul estavam no poder, logoaps a revoluo, e se confundiam um pouco com o pr-prio poder central: "Depois de 1930, a tradicional capa-cidade dos mineiros de se unirem em torno do governa-dor voltou a assegurar-lhes uma influncia nacional, masem condies que fizeram de Minas um cliente polticode Vargas.?"

    O "caso de So Paulo" que conduziu Revoluode 1932, ou seja, o enfrentamento entre o Governo Pro-visrio e as elites de So Paulo, se originou exatamentedas tentativas varguistas de imposio de interventoresvinculados ao poder central (comeando pelo "tenente"Joo Alberto Lins de Barros).

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    J nos estados mais fracos (econmica e politica-mente) a grande maioria dos interventores foram tenen-tes, delegados do Executivo central. '

    B o caso da Bahia (Juracy Magalhes); Rio de Janei-ro (Ary Parrerasj- Cear (Roberto Carneiro de Mendon-a); Piau (Landry Salles Gonalves); Rio Grande doNorte (Hercolino Cascardo); Sergipe (Augusto MaynardGomes); Paraba (Gratuliano da Silva Brito); EspritoSanto (Punaro Bley); e Pernambuco (Carlos de Lima Ca-valcante).

    O caso da Bahia ilustrativo de como os interven-tores. se impuseram, mas tambm conciliaram-se com asoligarquias locais.

    Por ocasio da Revoluo de 30, os coronis baianosse dividiram entre os que apoiaram Washington Luiz e ospartidrios da Aliana Liberal. Estes "coronis revolucio-nrios" consolidaram seu poder nos municpios do valemdio e superior do rio So Francisco, e em troca acei-taram a liderana do tenente Juracy no executivo es-tadual.

    Os coronis derrotados em 30 mobilizaram-se paraapoiar So Paulo na Revoluo de 1932. Quando o servi-o de informaes relatou ao interventor a mobilizaodos adeptos bernardistas na Bahia (Artur Bernardes foium dos lderes da conspirao mineira pr-So Paulo em1932), este acionou os coronis leais a Salvador para quesustassem a rebelio.

    Conseguiu esse objetivo e mais ainda: reforou seusvnculos com os "coronis revolucionrios". Tanto queem janeiro de 1933 eles mesmos proclamaram sua fide-lidade a Juracy Magalhes e elegeram-no o primeiro go-vernador constitucional da Bahia depois da revoluo.

    Aproveitaram a oportunidade para aderir ao Parti-do Social Democrtico ,organizado pelo interventor (no o PSD criado em 1945. Depois da redemocratizao,Juracy Magalhes foi um dos fundadores da UDN naBahia) e romperam seus vnculos partidrios com oPartido Republicano da Bahia, liderado pelos cls Cal-mon e Mangabeira.

    Os interventores do Norte/Nordeste, liderados pelotenente Juarez Tvora, o vice-rei do Norte, formaramum bloco poltico para se opor a So Paulo na Assem-blia Nacional Constituinte de 1934.

    Freqentemente se aliaram bancada dos represen-tantes classistas 40 deputados eleitos pelos sindicatos pa-tronais e de empregados, assim como de representantesdos profissionais liberais) para impor diretrizes polti-cas quele colegiado.

    Para supervisionar os interventores e impedir umexcessivo acmulo de poder em suas mos, o poder cen-tral contava com os "daspinhos", sees estaduais doDasp: "Tendo surgido no contexto de uma ditaduracomprometida com a modernizao, sem um partidode massas, o departamento criou meios convenientes pa-ra o controle central do sistema administrativo. Comoagncia do Executivo federal, exercia responsabilidadesque iam alm das preocupaes tcnicas. Na realidadeo Dasp tornou-se uma espcie de superministrio. ,,26

    Os "daspinhos" funcionavam como uma espciede corpo legislativo, controlando os interventores e ga-rantindo sua lealdade ao Executivo federal.

    Todo esse esquema de montagem das relaes depoder centro-estados, assim como os novos rgostcnico-econmicos (por meio dos quais a burguesia in-

    Revista de Administrao de Empresas

  • dustrial e as "categorias sociais de Estado" se insinuaramno aparato estatal) configuram a nova forma de intera-o entre as classes dominantes: "A recomposio dopoder oligrquico regional se efetivou sob a clusula desua simultnea vinculao ao sistema burocrtico gover-namental, processo esse que teria decisiva significao,como sabido, na formao do maior dos partidos dops-guerra, o PSD.

    De maneira anloga ao que se passava com os gru-pos dominantes estaduais, os organismos econmicos es-tabeleceram formas de controle cuja tnica principalfoi tambm a absoro burocrtica. Os agentes autrqui-cos e os conselhos tcnicos, na maioria dos casos, insti-tucionalizaram uma modalidade de atuao que era, narealidade, semlegislativa ou semi-representativa, noraro com a participao direta dos nteressedos."??

    Vimos exemplos concretos do funcionamentodesses rgos tcnico-econmicos e da insero nelesde representantes da burguesia industrial e das categoriassociais de Estado.

    No entanto, nossa anlise no pode e no pretenderestringir-se ao bloco dominante. Tencionamos verificarcomo se d a relao entre ele e as classes populares emgeral, e especificamente como se d a articulao entreEstado e massas urbanas.

    Essas questes nos remetem problemtica do po-pulismo: "Mas a modificao do sistema poltico ultra-passou a pura reforma das estruturas do Estado e o alar-gamento do bloco poltico dominante. Mais precisa-mente, a Revoluo de 30 se encontra na origem de umamodificao nas relaes polticas entre o bloco domi-nante e as classes populares ( ... ), a Revoluo de 30deixou, assim, quase intacta a capacidade oligrquica decontrole das massas rurais. Todavia, a complexidade donovo bloco poltico dominante e a ausncia de umafora poltica claramente hegemnica traziam ao novoEstado to-somente um equiltbrio instvel: vista disso,a conquista de uma base social de apoio se imps desdelogo. Tal base, o Estado oligrquico no poderia eviden-temente busc-la nos focos do coronelismo. Se as massasrurais permaneciam sob o poder oligrquico local, a no-va composio poltica dominante s poderia encontrara fonte de uma estabilidade poltica relativa no mundosocial engendrado pela urbanizao e pelo crescimentoindustrial: a classe operria e os trabalhadores do apare-lho urbano de servios, ou, conforme a expresso clssi-ca da sociologia brasileira, as massas urbanas. "28

    A perspectiva apontada por Dcio Saes liga-se anlise clssica do populismo realizada por FranciscoCorra Weffort ainda nos anos 60 e que tomamos porbase para o esclarecimento da participao poltica po-pular nos anos 30.

    O Estado ps-oligrquico reconheceu a presena po-ltica da classe operria e, portanto, sua capacidade rei-vindicativa e sua cidadania: da a promulgao da legis-lao trabalhista e a montagem da estrutura sindical.

    Porm, a integrao poltica da classe operria sefez atravs do corporativismo: "A expresso da contes-tao poltica dos 'de baixo', at ento uma ameaavirtual, coloca com nitidez a impropriedade da forma dedominao liberal, que no teria fora para impedir acrescente organizao sindical e poltica das classessubalternas, j no contida pelo autoritarismo modera-do dos primeiros anos do Governo Provisrio. Se at es-

    Industrializao no Brasil

    se acontecimento o corporativismo cumprisse em primei-ro lugar as funes de arranjar politicamente as fraesde classe dominantes - com o que no concordamos -indubitavelmente, a partir da, trocaria de natureza paraconsistir num regime primordialmente preocupado emsubordinar coercitivamente as classes subalternas, e aoperria em particular. ,,29

    No se trata da velha idia da outorga pelo Estadoda legislao trabalhista a uma classe operria imvel, ouausente ou totalmente inconsciente de si mesma.

    Pelo contrrio, a idia a de que o corporativismose imps como uma forma de controle (obviamente nos da classe operria) para obstaculizar a expanso po-ltico-social das classes subalternas e para impedir a am-pliao do sindicalismo independente.

    O corporativismo se impe tambm como uma for-ma de brecar o aumento da influncia do Partido Comu-nista Brasileiro sobre o movimento operrio: "O carterexcludente do sistema poltico dissimulado na frmu-la corporativa, abrindo-se canais de participao contro-lados e manipulados pelo Estado. Elimina-se ou rebai-xa-se a cota de livre manifestao dos grupos sociais nasociedade civil.

    Em relao s camadas mdias urbanas, a polticase completa com a cooptao operada a partir do recru-tamento para as funes pblicas que o Estado alargabem alm das suas necessidades. A legislao sindical, aoinvs de procurar cortar o passo da crescente organizaodos assalariados, buscar orient-la para dentro do apara-to estatal. ,,30

    A doutrina corporativista, que permeia todo o pen-samento poltico da poca, prope a harmonia social ea eliminao dos conflitos de classe pela imposio deum Estado neutro, poderoso e benefactor, que realize aarbitragem dos dissensos sociais.

    Esse Estado distribui eqitativamente suas benessese se relaciona com a sociedade civil atravs das corpora-es profissionais.

    f: atravs delas que a sociedade, de uma forma orga-nizada e no catica como no Estado liberal, se faz re-presentar na arena poltica.

    Os partidos polticos so recusados como canaleficaz de comunicao entre os grupos sociais e o Esta-do. So vistos como agrupamentos que expressam inte-resses particularistas e que conduzem e incrementam adisputa entre as classes sociais.

    Porm, a proposta corporativista de organizao doEstado que acabou predominando no Estado Novo (epara a qual muito contriburam os tenentes, no seimps sem resistncias: "Neste sentido, o marco cor-porativo de organizao social e poltica seria ques-tionado e denunciado por parcelas do movimento ope-rrio e pelos prprios setores empresariais, como vere-mos a seguir, alm de sofrer ataques da oligarquiaagrria. Desta forma, vigora nestes anos uma espcie deduplo sistema de organizao de interesses privados:um enquadrado nas normas da lei de sindicalizaoe outro fora destes postulados. Alm deste fato, nosanos de abertura poltica que assinalaram a reconst-tuoionalzao do pas, ganharam primazia real e legalos instrumentos de representao poltica de formatoliberal-democrtico - os partidos - voltando o sindi-calismo a gozar, ao menos por normas constitucionais,

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  • do estatuto de autonomia e pluralidade tpico de umaproposta poltica no-corporatva.v"

    Quanto presena das classes mdias, via categoriassociais de Estado ou via movimentos polticos como aAo Integralista Brasileira (AIB) e a Aliana NacionalLibertadora (ANL), pretendemos discuti-la no item aseguir.

    Entretanto, antes de passar adiante, gostaramos deenfatizar que j questionamos as proposies, dois, trse quatro apresentadas no incio deste trabalho, comotendncias dominantes da explicao sociolgica sobre operodo em questo.

    Com relao questo da primazia do Estado no de-senvolvimento capitalista brasileiro, todas as nossas colo-caes tendem a reafirm-la, porm sem que essa consta-tao implique uma ausncia poltica das classes funda-mentais.

    No porque o Estado se autonomiza no polticoque ele deixa de expressar o domnio de algumas classessobre outras.

    No h um vazio de poder no Brasil. Pelo contrrio,h um poder que se impe de forma mais violenta e bru-tal do que nos pases de desenvolvimento capitalista ori-ginrio. .

    A dominao de classe passa pela coero extra-eco-nmica. No so apenas as leis do mercado que impema submisso das classes subalternas. E preciso reprimirno s pela ideologia. E preciso um aparato repressivomuito desenvolvido, preciso transformar o Exrcitoem Policia. Isso no vazio de poder.

    4. CAMADAS MDIAS URBANAS ERADICALIZAO POLITICO/IDEOLGICA

    A hiptese principal que pretendemos desenvolver a deque, com o tenentismo, o integralismo, o aliancismo,mas principalmente com a insero das categorias sociaisde Estado no aparelho estatal, as camadas mdias urba-nas adquiriram um certo 'grau de autonomia poltica, emrelao tanto s classes dominantes quanto s classes su-bordinadas.

    No que diz respeito aos intelectuais, Srgio Miceliadmite a existncia dessa autonomia relativa: "Os anato-lianos participavam direta e ativamente das campanhaseleitorais de seus mandachuvas ou de candidatos por elesindicados, ao passo que os intelectuais do regime Vargasse empenhavam sobretudo em ampliar, reforar e gerir as'panelas' burocrticas de que faziam parte e s se sen-tiam credores de lealdade em relao ao poder central.Desta maneira, os intelectuais contriburam decisiva-mente para tornar a elite burocrtica uma fora social epoltica que dispunha de uma autonomia relativa tantoem relao aos interesses econmicos regionais como emrelao aos dirigentes polticos estaduais."32

    A presena poltica das classes mdias, no perodoque estamos estudando, to relevante que alguns auto-res consideram 30 como a "revoluo das classes m-dias". o caso de Virgnio Santa Rosa, Hlio Jaguaribee Guerreiro Ramos.

    Os dois ltimos, pesquisadores do velho InstitutoSuperior de Estudos Brasileiros (lSEB), imbudos daideologia nacional populista vigente nos anos 50, estioentre os que tm essa viso do processo revolucionrio.

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    Sem chegar a esses extremos de considerar as cama-das mdias como principal agente poltico, ou principaisbeneficirias dela, consideramos fundamental o seu pa-pel poltico na conjuntura revolucionria e nos anos quese seguem.

    A presena poltica da classe mdia nesse perodoassume duas formas distintas.

    De um lado temos a participao das categorias so-ciais de Estado (militares, burocratas e intelectuais) nacoalizo dominante, forando a destruio do Estadooligrquico agromercantil.

    uma "representao" autoritria, na qual umaclasse social se faz presente no sistema poltico por inter-mdio do prprio aparelho de Estado: "Mas, de outro la-do, para alm das motivaes puramente 'tcnicas', preciso considerar a dupla filiao das 'categorias sociais'integradas ao bloco dominante: flao s camadas m-dias urbanas, de um lado, e insero nos aparelhos deEstado, de outro. Ora, as disposies ideolgicas prpriasa cada uma dessas situaes induziram igualmente as'categorias sociais' a tomar decises favorveis indus-trializao. A esse respeito, podemos discriminar, numaperspectiva analtica, trs exemplos: os tenentes, as For-as Armadas (alta oficialidade) e a alta burocracia.":"

    Mas nem sempre a alta burocracia foi favorvel aosinteresses ndustras, o que Eli Diniz afirma, ao pesqui-sar o Conselho Federal de Comrcio Exterior (CFCE) e oConselho Tcnico de Economia e Finanas (CTEF).

    Freqentemente, os tcnicos governamentais diver-giam dos porta-vozes da indstria, j que estes no eramnacionalistas (e aqueles sim) e resistiam interveno doEstado no sistema econmico (e aqueles tentavam inten-sificar essa interveno nos mais variados aspectos da vi-da poltica, econmica" cultural, etc.).

    Reforando o argumento da oposio entre a classemdia e a burguesia industrial, podemos lembrar tambma posio contrria que ela sempre assumiu em relaoao protecionismo alfandegrio reivindicado pelos indus-triais.

    Em geral, os setores mdios, no perodo que nosocupa, reforavam os argumentos antiindustrialistas daburguesia agrria e culpavam os industriais pela carestiada vida.

    Alm disso tudo, amplos setores das camadas mdiasurbanas estiveram vinculados luta contra as "indstriasartificiais" e aderiram perspectiva agrarista que, alis,era tambm dos tenentes. O programa dos tenentes no industrializante: no rejeitam a necessidade da industria-lizao, mas do prioridade, na fase histrica que o Brasilvive, ao desenvolvimento agrcola. Os tenentes defendema instalao da indstria siderrgica e a explorao esta-tal do petrleo. No entanto, tais propostas esto mais li-gadas ao problema da segurana nacional do que pro-priamente a um projeto industrializante. Pretendem a es-tatizao dos ncleos fundamentais da infra-estruturaeconmica, mas no a ampliao da concentrao capita-lista. Pelo contrrio, condenam os trustes, monoplios eorganizaes no gnero.

    Warren Dean, em seu trabalho sobre a industrializa-o de So Paulo, aponta tambm a hostilidade da classemdia para com a indstria brasileira: "Uma das disposi-es arbitrrias do governo provisrio foi um tributo de8% sobre os lucros remetidos para o estrangeiro. O decre-to levava a inteno de agradar aos sentimentos naciona-

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  • listas da classe mdia, em cuja opinio as firmas estran-geiras haviam intensificado a crise, retirando seus lucrosem ritmo acelerado, e que no fazia distines precisasentre estrangeiros em geral e os estrangeiros aqui residen-tes, como Matarazzo e os Jafets. ( ... ) A animosidade daclasse mdia evidenciou-se tambm num decreto que exi-gia a identificao de todos os tecidos nacionais pormeio de um rtulo indelvel."34

    Tanto militares quanto intelectuais e quanto buro-cratas assumiram um papel fundamental no processo decentralizao' do Estado e na sua autonomizao em rela-o s classes dominantes.

    medida que se efetivava um processo de "desco-lamento" do Estado em relao sociedade civil, essascategorias sociais ganharam um peso enorme na formula-o de decises polticas: "Sem sombra de dvida, esseengendramento de pessoal poltico e intelectual no inte-rior da classe dirigente constitui um requisito indispens-vel para que se possa discernir as peculiaridades de umsistema de dominao cujas razes remontam crescentedisjuno entre os detentores do poder econmico e osgrupos (militares, intelectuais, polticos profissionais)que foram tomando as rdeas do comando poltco.?"

    Os militares tiveram papel destacado na formulaodas diretrizes da poltica econmica do pas no perodo1930-45.

    amplamente conhecida a influncia militar na ela-borao da poltica siderrgica e petrolfera no Brasil:"Em seguida revolta paulista de 19:32, os tenentesentraram em declnio corno fora poltica nacional efeti-va. Deixaram, contudo, um legado de centralismo e de-ram ao pas um impulso de reorganizao que os seusoficiais superiores levaram avante com objetivos de defe-sa militar e econmica. Assim,em 1931, o Ministro daGuerra Leite de Castro organizou uma Comisso Nacio-nal do Ao, para estudar todo o problema do ferro e doao. Em 1933, chefiou uma misso encarregada de estu-dar as usinas siderrgicas europias. A recm-fundadaEscola de Engenharia do Exrcito comeou a formarengenheiros metalrgicos; muitos oficiais do Exrcitoreceberam treinamento 'especializado no estrangeiro. E,em 1934, o general Pedro Aurlio de Gis Monteiro,antigo lder tenentista, instou com Vargas para que esta-tizasse a nascente indstria siderrgica nacional. Poucosdentre os oficiais mais velhos se dispuseram a seguir oeloqente Gis pela estrada do estatismo. No obstante,o estabelecimento militar havia assumido, no incio dadcada de 30, um papel importante, embora ainda nopreponderante, na elaborao. da poltica para os planossiderrgicos do governo.

    Ali estava a origem da regenerao nacional, doaprestamento militar e da interveno do governo naeconomia, que deram impulso ao nacionalismo econmi-co como ideologia modernizante dentro das Foras Ar-madas. Em 1937, o Exrcito, em particular, enquantoinstituio nacional, decidiu-se a encontrar uma alterna-tiva realista para a produo de ao em pequena escala eestabelecer uma base para a auto-suficincia econmicanacional, com vistas eventualidade de guerra ou blo-queio. E, se bem que os oficiais militares interessados nodesenvolvimento industrial no se mostrassem unidos naoposio a Farquhar, havia entre eles unanimidade quan-to necessidade de uma soluo imediata. ,,3~

    Industrializao no B1'QIJil

    Alm de participar concretamente na formulao dedecises econmicas estratgicas, os militares tiveram, apartir de 1930, um papel poltico essencial como rbi-tros internos dos grupos dominantes.

    Tornaram-se sustentculos desse novo Estado, cres-centemente autonomizado dos detentores diretos dopoder econmico: "Por trs da retrica da identificaoExrcito-Estado e da viso de ambos como expressoorgnica da nao, estava a realidade de um projeto quese caracterizava pela nacionalizao da poltica, peloindustrialismo e pela ideologia da nova ordem no libe-ral mas inequivocamente burguesa ( ... ). O projeto dainterveno controladora dos militares sem dvida fugiado modelo de Exrcito burgus clssico. Alm disso, nasmotivaes imediatas de seus promotores, sobressaamaspectos que eram de natureza especificamente militar,vinculados aos problemas da segurana interna e externa.Mas o contedo concreto da interveno, particularmen-te em seus aspectos nacionalizantes, industrializantes ede conteno poltica, revelava-se compatvel com a or-dem burguesa industrial que se gestava no pas, emborafosse a anttese do liberalismo poltco.":"

    Depois de sofrer um processo interno de homoge-neizao, vencendo a profunda fragmentao que o atin-giu com a revoluo e o tenentismo, que o Exrcitopde se impor como instituio unificada: "Se sete anosantes parcela do Exrcito liderara o movimento de ~es-truio da velha ordem, agora ele servia de parteiro paraa nova ordem, mas diferente da imaginada pelos revolu-cionrios de 1930. A nfase agora no seria nas reformassociais, na representao classista, no combate ao latifn-dio, mas no desenvolvimento econmico, na indstria debase, na dvida externa, na exportao, nas estradas deferro, no fortalecimento das Foras Armadas, na segu-rana interna e na defesa externa.,,38

    Esse padro de interveno militar na poltica foichamado, por um brazilianista famoso, de "moderador".Nele, alm do impulso castrense de intervir, avulta amentalidade das elites civis de "chamar" os militares pa-ra mediar os conflitos poltcos.

    Tanto para romper a legalidade, como para restabe-lec-la; tanto os grupos no poder, quanto os da oposio;tanto a esquerda, como a direita apelam para a interven-o militar.

    o "militarismo civil" que as elites brasileiras com-partilham comas latino-americanas em geral, e que o de-poimento de um militar legalista ilustra muito bem:"Fosse outra a orientao dos homens pblicos do Bra-:sil ( ... ). Mas a orientao que possuam era, quando naoposio, desconhecer as vantagens de permaneceremaquelas foras (armadas) fora dos prlios partidrios; e,quando no governo, servirem-se delas em apoio de seusinteresses polticos. ,,39

    Apesar da relevncia poltica, dos militares no pro-cesso de desenvolvimento poltico no Brasil, no entanto,no h estudos e pesquisas, empricas ou tericas, pro-porcionais ao seu peso: "Sobre o mrito da questo -por que e como, na formao social que nos peculiar,os militares se tornaram em decisivo atores no sistemade Estado - realmente (h) muito pouco, em termosde insights tericos e fecundos trabalhos de pesquisaemprica. ,,40

    A outra forma de representao poltica das cama-das mdias urbanas nos anos 30, a que j nos referimos

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  • de passagem, so os movimentos da Ao lntegralistaBrasileira e da Aliana Nacional Libertadora (AIB eANL, respectivamente).

    Ambos se caracterizam pela intensa e rpida mobili-zao, pelo seu carter nacional (pela primeira vez noBrasil movimentos polticos assumiram mbito nacionalsignificativo e no se restringiram ao mbito regional) epelo radicalismo ideolgico (de direita e de esquerda).

    A Ao Integralista Brasileira, que foi fundada em1932, tem um programa fascista, adaptado s condiesnacionais, que rejeita simultaneamente o comunismo e oliberalismo e que se define mais por oposio a eles doque pela afirmao de princpios independentes.

    O discurso integralista tem a classe mdia como des-tinatria esua composio social confirma esses laosideolgicos com as camadas mdias urbanas.

    Segundo Marilena Chau, uma entre os vrios pes-quisadores que ultimamente se dedicaram anlise dointegralismo, a razo. principal da adeso das camadasmdias ao movimento integralista o medo da ascensooperria e comunista.

    Entre os argumentos que sustentariam essa tese,a autora afirma:

    - a tnica anticomunista da AIB;

    - a efetiva ampliao do movimento operrio nos anos30, que teria assustado a classe mdia;

    - o efetivo recrudescimento do Partido ComunistaBrasileiro e o aumento de sua influncia sobre a organi-zao da classe operria.

    A adeso de Luiz Carlos Prestes ao Partido Comunis-ta Brasileiro provocou uma enxurrada de adeses (de ex-tenentes principalmente) e colaborou bastante para sbaexpanso e popularizao, Prestes era 9 maior lder pol-tico vivo nesse momento histrico.

    Essas adeses so em parte responsveis pela repre-sentao, da classe mdia conservadora e mesmo dos in-dustriais, de que ''tenentismo'' sinnimo de "comu-nismo".

    Outro can'al de ampliao da influncia poltica doPartido Comunista foi a Aliana Nacional Libertadora.Fundada em 1935 por uma ala do Partido, a Alianatinha um programa nacionalista, popular e antiimpe-rialista.

    Foi presidida por Prestes e pretendia constituiruma "frente de massas" para o PCB. Sua capacidadede mobilizao se demonstrou rapidssima e veio "jus-tificar" a necessidade do fechamento do sistema pol-tico e eliminao definitiva das instituies liberais.

    Diferentemente da representao autoritria e"de cima para baixo" efetuada pelas categorias sociaisde Estado, esses movimentos significaram a emergnciade uma forma de partepao poltica mais aberta e de-rivada da organizao mais autnoma ( importanteo mais, indicando o relativismo da afirmao) de seto-

    . res da sociedade civil.

    Entre outras razes, a ameaa concreta representa-da pela expanso da mobilizaio popular acirrou oclima propcio instaurao do Estado Novo.

    Se a insero das categorias sociais no Estado sefaz via "cooptao " , as camadas mdias urbanas tam-bm se fzeram presentes politicamente, no incio dosanos 30, via "representao".

    No perodo constitucional de 1934 a 1937, quandoas diferentes foras sociais tiveram condies polticasde colocar demandas ao sistema poltico, o integralismoe a Aliana Nacional Libertadora cresceram assustadora-mente, assim como o movimento operrio se expandiue progrediu na direo de uma organizao autnoma,que tentava escapar aos liames corporativistas.

    5. O CLIMA IDEOLGICO DA POCA

    Resta-nos tecer algumas consideraes gerais e sucintassobre o clima ideolgico dominante nessa etapa histricaque estamos analisando.

    Partimos do pressuposto de que: "No fortuito ofato de que, em todos os momentos em que numa socie-dade se faz imperiosa uma mudana institucional, recru-descem os esforos de teorizao da realidade social. ,,41

    O debate intelectual foi acirrado e rico nesse pero-do, e uma das caractersticas gerais do pensamento socialproduzido ento a conscincia da existncia de umacrise e a noo da necessidade da mudana, assim comoo cetcismo e a nquetao.

    Outros traos comuns que definem esse clima ideo-lgico so o autoritarismo (que permeia todas as corren-tes polticas, da esquerda at a mais extrema direita), oestatismo (com muitas variaes de grau), o combate aoliberalismo e a todas as outras "idias importadas", amentalidade antipartido poltico, o corporativismo, onacionalismo e o objetivisrno tecnocrtico.

    Quanto aos temas mais comuns do debate poltico, po-demos apontar os seguintes:

    - unidade nacional e integrao do territrio;

    - autonomia estadual (defendida somente pelas elites deSo Paulo contra a maioria dos outros agentes histricosdo momento) versus centralizao;

    - ncorporao de novos setores sociais ao sistema pol-tico;

    - representao classista (ou mais comumente chamada"representa9o profissional");

    - soberania nacional;

    - racionalizao da administrao pblica (ou tecnifica-o dela);

    - rejeio dos modelos tericos importados;

    - construo de um pensamento brasileiro;

    - necessidade de dar ''forma'' sociedade brasileira,atravs do corporativismo.

    Porm, a existncia de traos ideolgicos comuns avrias correntes polticas e foras sociais no nos deve in-

    RtlIista de Adminiltrao de Empresas

  • duzir ao erro de supor que no h divergncias ideolgi-cas srias no interior do pensamento autoritro predo-minante na poca: "A predominncia da resposta autori-tria no deve obscurecer, entretanto, a existncia decontradies entre as vrias posturas e de inconsistnciasno interior de cada uma das correntes. e porm certoque os pontos de divergncia entre as vrias manifesta-es autoritrias tornam-se cada vez mais claros no de-correr do debate. Assim, no final da dcada de 20 e in-cio dos anos 30, todas as correntes seguem uma mesmadireo, cujo objetivo o fortalecimento do Estado; osmecanismos para tal, e sobretudo o espao deixado paraa manifestao e organzao dos interesses a nvel dasociedade civil, comporo gradativamente as zonas deatrito. ,,42

    E mais, houve no s divergncia no interior do pen-samento autoritrio, como tambm a imposio de umacorrente vencedora: a "ideologia de Estado", modelo depensamento analisado pelo socilogo Bolivar Lamou-nier,43 e que se impe defmitivamente com a implanta-o do Estado Novo.

    Texto extrado do trabalho TenentiBmo e Foras Armadas 1IIlRevoluo de 30, tese de doutoramento apresentada ao Departa-mento de Cincias Sociais da USP, em maro de 1982. mmeogr.

    1 A respeito do conceito de capitalismo tardio ver Cardoso deMelo, Joo Manuel. O CIlpitalirmo tardio: acumulao de capi-tal e industrializao no BraBil. Tese de doutoramento, Unicamp,1975. mmeogr.

    2 Dnz, Eli. Empres4rio, Estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945, Rio de Janeiro, Pau Terra, 1978. p. 31.

    3 Expresso forjada por Francisco Corra Weffort no artigo"Le Populisme dans la politique brslenne. Les Temp Modernes, Paris, n9 257, 1967. Atualmente a expresso est generali-zada na sociologia brasileira para definir o Estado ps-oligrqui-co, e esse texto foi publicado, juntamente com outros do mesmoautor, no livro O Populismo 1IIlpol(tica brasileira. Rio de Janei-ro, Paz e Terra, 1978.

    4 A noo de "categorias sociais de Estado" e seu comporta-mento poltico-ideolgico desenvolvida por Dcio Saes em suatese de doutoramento (terceiro ciclo): C1ane moyenne et S)lste-me au polittque Bresll, Ecole Pratique des Hautes tudes, Paris,1974.5 Fausto, BOIis.A Revoluo de 1930, historiograrlll e hiltrill.So Paulo, Brasliense, 1970, p. 104-5.

    6 Ver Schwarz, Roberto. As idias fora do lugar. In: BstudoCEBRAP, n9 3,1973.

    7 Chau, Marilena. Apontamentos para uma crtica da a4'o in-tegralista brasileira. In: &Carvalho Franco, Maria Sylvia. Ideologiae mobiliza4'o popular. SA"0Paulo, Cedec/Paz e Terra, 1978p. 21 e 30.

    8 Tomamos como expressivos dessa corrente os seguintes auto-res: Pelaez, Carlos Manoel. As conseqncias econmicas da orto-doxia monetria, cambial e fiscal no Brasil entre 1889-1945. Re-

    /ndU8trilllizao PiO Brail

    vista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, Fundao GetulioVargas, jul./set. 1971; Villela, Anbal & Suzigan, Wilson. Polt-tica do Governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945, Rio de Janeiro, IPEA/Inpes, 1973.

    9 Furtado, Celso. Formao econmica do Bralil. Rio de Janei-ro, Fundo de Cultura, 1959; Castro, Antnio de Barros. Sete en-IIIIlos sobre a economia brasileira. So PaUlo/Rio de Janeiro, Fo-rense, 1969 e 1971. 2 v.; Tavares, Maria da Conceio. Da Subs-tituio de importaes ao capitalilmo financeiro. Ensaios sobreeconomia brasileira; Rio de Janeiro, Zahar, 1972.

    10 Diniz, Eli. op. cito

    11 Castro Gomes, Angela Maria. Burgue8ia e trabalho. Polftica elegillllo social no BraliI19171937. Rio de Janeiro. Campus,1979. p. 51.

    12 Diniz, Eli, op. cito p. 240-1.

    13 Vianna, Luiz Werneck. Ltberalismo e sindicato no Brasil, Riode Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 73.

    14 Campello de Souza, Maria do Carmo. Bstado e pertido polt-ttcos no Brasil (1930-1964). So Paulo. Atfa-mega , 1976.p.84-5.

    15 Camargo, Aspsia. A Revoluo das elites. Clivagen1J regionaise centralizao polica. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV. p. 5. m-meogr.

    16 Sobre a utilizao dos estados como unidades de anlise pol-tica ver Schwartzrnan, Simon. So Paulo e o Estado nacional.So Paulo, Difel, 1975. capo 1: Poltca representativa e gruposde interesse.

    17 Schwartzman, Simon. op. cito p. 49.

    18 Wirth, John. Minas e a Nao. Um estudo de poder e depen-dncia regional - 1889-1937. In: Fausto, Bors, org. O BraBil Re-publicano/Estrutura de poder e economia (1889-1930). So Pau-lo, Difel, 1975. p. 89.

    19 Camargo, Aspsia. op. cito p.36.

    20 Wanderley, Maria de Nazareth Baudel, Capital e propriedadefundiria. Sua, articulaes 1IIleconomia aucareil'a de Pernam-buco. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p.56-7.

    21 Aureliano da Silva, Liana Maria. No limiar da indU8t1'iallzao. Estado e acumulao de capital, 1919-1937. Tese de douto-ramento, Capinas, Unicamp. p. 72. rnimeogr.

    22 Id. ibid. p. 96.

    23 Borges, Vavy Pacheco. Getlio Vargal e a oligarquia pau/ilta(hiltrill de uma esperana e muito, desenganos). So Paulo,Brasiliense, 1979, p. 22.

    24 Campello de Souza, Maria do Carmo. op. cito p. 86.

    2S Wirth, John D. Minas e a nao. Um estudo de poder e depen-dncia regional, 1889-1937. In: Fausto, Bors, org. Histria geralda civizao braBileira. So Paulo, Difuso Editorial, 1975 to-mo lIl. O Brasil Republicano, 1. Estrutura de poder e economia(1889-1930). Capo 2: O poder dos Estados. Anlise regional p.77.

    26 Campello de Souza, Maria do Carmo. op. cito p. 96.

    27 Id. ibid. p. 103.

    28 Saes, Dcio. Industrializao, populismo e classe mdia noBrasil. Cadernos do Instituto de FollO{ia e Cincias Huma1lllsda Universidade de Campi1lll1.n9 6, 1976.

  • 29 Vianna, Luiz Werneck op. cito p. 126.

    30 Id. ibid. op. cito p. 135.

    31 Castro Gomes, Angela Maria. op. cito p. 217.

    32 Miceli, Srgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). So Paulo, Dfel, 1979.

    33 Id. ibid. p.20.

    34 Dean, Warren. A industrllizaiio de So Paulo (1880-1945).So Paulo, Duso Europia do Livro, 1971. p.199.

    3S Miceli, Srgio. op. cito p. 195.

    36 Wirth, John D. A polftica do desenvolvimento na era de Var-gas. Rio de Janeiro, Fundao Getulio Vargas, 1973. p. 67.

    37 Carvalho, Jos Murllo de. Foras Anna.dlls e police 1930-1945. Rio de Janeiro CPDOC FGV. p. 55. mimeogr.

    38 Id. ibid. p. 53.

    39 Carvalho, General Estevio Leito de. Dever militar e politia:partiria. So Paulo, Nacional, 1959. p. 173.

    40 Figueiredo, Eurico de Lima, org. Os Mitarel e a Revolutiode 30. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.

    41 Guerreiro Ramos, A. Introduo cntica sociologill brasilei-ra. Rio de Janeiro, Editorial Andes, 1957. p. 36.

    42 Sadek, Maria Tereza Aina. Machillvel. Machillvis: a tragdiaoctaviana. Estudo sobre o pensamento polico de Octvio de Fa-ria: So Paulo, Smbolo, 1978. p.91-92.

    43 Lamounier, Bolivar. Formao de um pensamento polticoautoritrio na Primeira Repblica. Uma interpretao. In: Faus-to, Boris, org. O Brasil republicano - sociedade e instituies(1889-1930). Rio de Janeiro/So Paulo, Dfel, 1977 (Histrillgeral da civilizao bralileira. tomo m, v_2).

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