indisciplina e violência nas escolas

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INDISCIPLINA E VIOLÊNCIA NA ESCOLA BRITO, Clovis da Silva – CMC [email protected] SANTOS, Lucélia Gonçalves dos – UTP [email protected] Eixo temático: Violências na escola Resumo O objetivo desse artigo é apresentar, através de um estudo teórico, como os professores compreendem a indisciplina escolar e também averiguar se alguns incidentes citados são de indisciplina escolar ou atos de violência. Para desenvolver tal assunto, recorremos a alguns estudos que investigaram o que é indisciplina escolar. Tais pesquisas demonstram uma confusão de conceitos, por parte dos pesquisados, que podem interferir diretamente na forma de atuação dos professores com relação aos problemas da indisciplina e de violência encontrados nas escolas. Falar da indisciplina e da violência no ambiente educacional é falar sobre assuntos presentes cotidianamente nos colégios. Mas afinal, o que é indisciplina escolar e o que é violência? Pensamos que o conceito de indisciplina escolar seja mais complexo que aquele compreendido no senso comum – apenas comportamental –, e por isso argumentamos sobre a necessidade em clarificarmos e diferenciarmos sua definição do conceito de violência. Para Garcia (2001, p. 376), “devemos conceber a indisciplina como fenômeno de aprendizagem, superando sua conotação de anomalia, ou de problema comportamental a ser neutralizado através de mecanismos de controle”. A violência, para Guimarães (1996, p. 73), “seria caracterizada por qualquer ato [...] que, no sentido jurídico, provocaria, pelo uso da força, um constrangimento físico ou moral”. Analisando os estudos apresentados nesse artigo (ALVES, 2002; OLIVEIRA, 2004; BRITO, 2007), concluímos que os docentes envolvidos nos estudos entendem a indisciplina escolar como um problema de comportamento e, como tal, buscam, através de mecanismos de controle, dominar a situação e resolver o problema da indisciplina de maneira imediata. Também percebemos que eles compreendem alguns atos de vandalismo e agressão física como situações de indisciplina. Pensamos que os professores devem distinguir um conceito do outro, para assim saber atuar de maneira diferenciada e adequada perante situações de indisciplina escolar. Palavras-chave: Indisciplina; Violência; Escola. Introdução O objetivo desse artigo é apresentar, através de um estudo teórico, como os professores compreendem a indisciplina escolar e também averiguar se alguns incidentes

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  • INDISCIPLINA E VIOLNCIA NA ESCOLA

    BRITO, Clovis da Silva CMC [email protected]

    SANTOS, Luclia Gonalves dos UTP [email protected]

    Eixo temtico: Violncias na escola

    Resumo

    O objetivo desse artigo apresentar, atravs de um estudo terico, como os professores compreendem a indisciplina escolar e tambm averiguar se alguns incidentes citados so de indisciplina escolar ou atos de violncia. Para desenvolver tal assunto, recorremos a alguns estudos que investigaram o que indisciplina escolar. Tais pesquisas demonstram uma confuso de conceitos, por parte dos pesquisados, que podem interferir diretamente na forma de atuao dos professores com relao aos problemas da indisciplina e de violncia encontrados nas escolas. Falar da indisciplina e da violncia no ambiente educacional falar sobre assuntos presentes cotidianamente nos colgios. Mas afinal, o que indisciplina escolar e o que violncia? Pensamos que o conceito de indisciplina escolar seja mais complexo que aquele compreendido no senso comum apenas comportamental , e por isso argumentamos sobre a necessidade em clarificarmos e diferenciarmos sua definio do conceito de violncia. Para Garcia (2001, p. 376), devemos conceber a indisciplina como fenmeno de aprendizagem, superando sua conotao de anomalia, ou de problema comportamental a ser neutralizado atravs de mecanismos de controle. A violncia, para Guimares (1996, p. 73), seria caracterizada por qualquer ato [...] que, no sentido jurdico, provocaria, pelo uso da fora, um constrangimento fsico ou moral. Analisando os estudos apresentados nesse artigo (ALVES, 2002; OLIVEIRA, 2004; BRITO, 2007), conclumos que os docentes envolvidos nos estudos entendem a indisciplina escolar como um problema de comportamento e, como tal, buscam, atravs de mecanismos de controle, dominar a situao e resolver o problema da indisciplina de maneira imediata. Tambm percebemos que eles compreendem alguns atos de vandalismo e agresso fsica como situaes de indisciplina. Pensamos que os professores devem distinguir um conceito do outro, para assim saber atuar de maneira diferenciada e adequada perante situaes de indisciplina escolar.

    Palavras-chave: Indisciplina; Violncia; Escola.

    Introduo

    O objetivo desse artigo apresentar, atravs de um estudo terico, como os professores compreendem a indisciplina escolar e tambm averiguar se alguns incidentes

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    citados so de indisciplina escolar ou atos de violncia. Para desenvolver tal assunto, recorremos a alguns estudos que investigaram o que indisciplina escolar. Tais pesquisas demonstram uma confuso de conceitos, por parte dos pesquisados, que podem interferir diretamente na forma de atuao dos professores com relao aos problemas da indisciplina e de violncia encontrados nas escolas.

    Falar da indisciplina e da violncia na escola falar sobre assuntos presentes cotidianamente nos colgios. Tais situaes so relatadas, frequentemente, nas conversas dos educadores nas salas dos professores, em reunies pedaggicas, hora-atividade, conselho de classe, etc. Tambm podemos observar, cada vez mais, tal assunto sendo relatado em reportagens divulgadas pelos meios de comunicao, sendo, ento, amplamente discutida pela mdia. Tal discusso, muitas vezes, no esclarece os conceitos e acabam generalizando a definio dos dois temas. Para muitas pessoas em funo dessa generalizao de conceitos , indisciplina escolar e violncia acabam tendo a mesma definio e acabam sendo resolvidas de maneira similar.

    Mas afinal, o que indisciplina escolar e o que violncia? Para respondermos essas questes apresentaremos, na sequncia, algumas conceituaes de indisciplina e de violncia. No tpico seguinte, apresentaremos alguns estudos que buscaram compreender o que indisciplina (ou violncia) na escola. Em seguida concluiremos o artigo analisando como os docentes, das pesquisas apresentadas, compreendem indisciplina escolar.

    Indisciplina e Violncia Escolar

    Nesse tpico iremos esclarecer algumas questes conceituais a respeito da indisciplina escolar e da violncia. Tarefa rdua e complexa. Esse aspecto foi constatado ao iniciarmos nossa pesquisa investigando o termo indisciplina. A definio desse tema no contexto escolar pode variar de acordo com a situao, com o tipo de aula a ser ministrada e at mesmo com o perfil do professor (LOPES, 2005, p. 46).

    Na literatura pesquisada, constatamos que a indisciplina escolar no um assunto recente e sempre rondou o ambiente educacional (AQUINO, 1996, p. 40; GARCIA, 2001, p. 376; ESTRELA, 2002, p. 13; GOTZENS, 2003, p. 13). Aquino (1996, p. 43) mostra que as relaes escolares da educao de antigamente eram permeadas por medo, coao e at mesmo submisso dos alunos o que demonstra que essas relaes eram determinadas em termos de obedincia e subordinao, uma pseudo-disciplina. Nesta

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    educao de antigamente, as situaes de disciplina eram descritas rigorosamente e, para os atos de indisciplina, as correes eram estimuladas e apoiadas.

    A indisciplina sempre existiu, mas a opresso que o professor exercia sobre os alunos na educao de antigamente , era maior que a existente na atualidade, e o aluno que estava sendo formado era diferente do atual. Para aquele momento, o educando submisso e passivo era almejado. Continuamos a guardar uma herana pedaggica que alheia aos nossos dias? Os tempos mudaram, a sociedade mudou, os professores e os alunos mudaram, espera-se que os discentes, na atualidade, sejam participativos e atuantes e no apenas assimiladores dos contedos impostos pelo professor. Os parmetros que orientam a escolarizao so regidos por aluno ideal ou real? A escola est organizada para um tipo de aluno e est sendo ocupada por outro?

    Para Garcia (2001, p. 376), devemos conceber a indisciplina como fenmeno de aprendizagem, superando sua conotao de anomalia, ou de problema comportamental a ser neutralizado atravs de mecanismos de controle, sobrepujando a idia de que a indisciplina uma questo relativa somente ao comportamento. Dessa maneira, o aluno indisciplinado no seria apenas aquele cujas aes rompem com as regras da instituio, mas tambm aquele que prejudica o seu prprio desenvolvimento cognitivo, moral e atitudinal.

    Analisar a indisciplina sob a tica de um fenmeno de aprendizagem de fato um avano na leitura, sinalizando uma nova perspectiva a ser considerada, superando o vis comportamental, apontando uma forma de compreender o aluno tambm como um ser complexo, alm de oportunizar um questionamento sobre a prtica docente com relao as regras e o desenvolvimento dos alunos.

    A violncia, para Guimares (1996, p. 73), seria caracterizada por qualquer ato [...] que, no sentido jurdico, provocaria, pelo uso da fora, um constrangimento fsico ou moral. Dessa maneira muitos comportamentos apresentados pelos alunos durante as aulas agresses fsicas e verbais, vandalismo, entre outros , no seriam indisciplina escolar, mas violncia devendo, portanto, ser abordados com formas diferentes. Estrela (2002, p. 133) afirma que diversas pesquisas sobre indisciplina escolar demonstram que esta, quando ocorre, visa a assegurar as condies de funcionamento do ensino-aprendizagem e garantir a socializao dos alunos, mas raras vezes infringe as normas legais que asseguram a ordem na sociedade civil, ao contrrio da violncia onde ocorrem, por exemplo, agresses fsicas e depredaes da escola.

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    Essa confuso com respeito ao entendimento do que violncia e indisciplina escolar tambm foi constatada por Brito (2007, p. 12), que afirma que ao longo dos anos, conversando com professores [...] e observando algumas de suas aulas, notou que havia uma diversidade de entendimentos conceituais a respeito da indisciplina, fato que interferia e direcionava suas prticas pedaggicas, seus contedos, suas metodologias e, at mesmo, seus processos de avaliao. Para aqueles docentes, segundo o que Brito podem perceber os conceitos de indisciplina escolar, violncia e vandalismo tinham o mesmo significado e, quando tais incidentes ocorriam, eram tratados, todos, como se fossem indisciplina escolar, demonstrando como os conceitos de indisciplina e violncia, so tratados como se fossem um mesmo fenmeno.

    Pensamos que o conceito de indisciplina escolar seja muito mais complexo que aquele compreendido no senso comum apenas comportamental , e por isso argumentamos sobre a necessidade em clarificarmos e diferenciarmos sua definio do conceito de violncia. De acordo com Parrat-Dayan (2008, p. 24) alm de superar a idia de indisciplina exclusivamente como problema de conduta, importante diferenciar os atos de indisciplina e os atos de violncia.

    preciso distinguir a indisciplina escolar de outras formas de violncia que por vezes afectam a vida das escolas, provocadas muitas vezes por indivduos que lhes so alheios. Se a indisciplina escolar pode tocar as fronteiras da delinqncia, ela raras vezes delinqncia, pois no viola a ordem legal da sociedade, mas apenas a ordem estabelecida na escola em funo das necessidades de uma aprendizagem organizada coletivamente. (ESTRELA, 2002, p. 14).

    A autora nos alerta sobre a importncia em diferenciarmos a indisciplina e a violncia, e focalizarmos a indisciplina no mbito escolar, no processo ensino-aprendizagem, na normalizao de regras de boa convivncia para o desempenho das atividades.

    A contrariedade as normas algo que se intensifica no cotidiano escolar, pela reincidncia de transgresses. Muitas vezes o mesmo aluno punido vrias vezes, pelo mesmo ato e nenhum profissional da educao se questionam o motivo de isso ocorrer. A violncia alm dos danos da integridade do plano fsico tambm acarreta conseqncias para o estado psquico e moral do indivduo. A ausncia da compreenso da indisciplina e da violncia pode contribuir para que sejam tomadas medidas punitivas equivalentes, para situaes bem diferenciadas. As agresses em sala de aula, e as dificuldades de

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    socializao ocasionadas pela indisciplina desestabilizam a relao pedaggica, propiciando conflitos que podem engendrar reaes e atitudes incongruentes, se a compreenso da violncia e da indisciplina for rasa.

    Na escola e principalmente na sala de aula, muitos acordos pedaggicos so realizados a fim de propiciar um clima harmnico de convivncia entre os sujeitos escolares. Esses acordos podem estar expressos no papel ou simplesmente subentendidos, o que ocasiona uma incongruncia de formulao escrita, mas principalmente um descompasso na ao. Lembrando tambm que a relao entre os sujeitos escolares dinmica e podem ocorrer aceitao, resistncia ou rupturas.

    As relaes entre os atores escolares, que se apresentam por vezes inconsistentes,

    culminaro em conflitos. O aluno que agride o seu colega no momento do recreio, por exemplo, age de forma incompatvel com as expectativas dos docentes, rompendo com um modo de proceder em mbito social, conduta inaceitvel rompendo com as regras de convvio social, j o aluno que se demonstra indisciplinado em sala de aula no realizando as atividades solicitadas pelo professor, est quebrando uma regra consentida ou no, que se circunscreve no mbito pedaggico.

    Parrat-Dayan (2008, p. 8) nos alerta que em muitas situaes, as regras precisam de redefinies para renegociar os limites do exigvel, tanto em matria de trabalho quanto de disciplina, o que uma novidade no ambiente escolar.

    A escola como um espao de interao e de comunicao com a sociedade, congrega vrios indivduos com expectativas e objetivos numa relao muitas vezes conflitiva, sendo esta uma instituio detentora de uma cultura, est ir interpretar tanto a indisciplina como a violncia com sob diferentes ticas, ou seja, a escola denomina a indisciplina e violncia na escola segundo critrios de seu ponto de vista cultural, sendo um lcus de produo e reproduo de violncias.

    Para Gmez (2001 p. 12) extremamente til entender a escola como um cruzamento de culturas que provocam tenses, aberturas, restries e contrastes na construo de significados.

    A instituio escolar atribui aos comportamentos de seus membros valores e significados que atravessam os valores ticos, que os sujeitos concebem dos fatos. um processo de construo social de valores. Como muito bem nos lembra Vasconcellos (2006, p. 74), quando o professor entra em sala de aula, no est entrando sozinho; com

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    ele entram seus colegas, os funcionrios, as regras, as vivncias, enfim, a instituio que

    naquele momento por ele representada, bem como a matria que leciona. Em nosso prximo tpico, apresentaremos algumas pesquisas que investigaram o

    conceito de indisciplina junto a alguns professores. Amparados nesses trabalhos realizaremos nossas argumentaes finais.

    Olhando algumas pesquisas

    Definir indisciplina dentro do contexto escolar uma tarefa difcil. Esse aspecto foi constatado ao pesquisar o assunto na literatura especfica, na qual se encontram diversos conceitos relacionados indisciplina questo tambm observada por Oliveira (2004, p. 11), Alves (2002, p. 15) e Rego (1996, p. 83). A variedade de opinies aceitvel se a indisciplina escolar for considerada enquanto um fenmeno complexo, dotado de grande magnitude, como apontado por De La Taille (1996, p. 10) e Garcia (1999, p. 102).

    Oliveira (2004, p. 9) realizou uma pesquisa com o objetivo de investigar as atitudes dos professores relacionadas indisciplina escolar. Essa autora desenvolveu um estudo junto a duas professoras das sries finais do Ensino Fundamental (uma lecionava Biologia e a outra, Lngua Portuguesa), buscando compreender justamente a complexidade do fenmeno da indisciplina escolar. Segundo Oliveira (2004),

    [...] foi possvel constatar que o modo como as professoras agem diante das expresses de indisciplina dos alunos (componente comportamental das atitudes), refletem o conhecimento, as crenas e as opinies (componente cognitivo das atitudes), das professoras, bem como sentimentos das mesmas relacionados indisciplina escolar (componente afetivo das atitudes). (OLIVEIRA, 2004, p. 171).

    Um aspecto importante, constatado na pesquisa dessa autora foi o componente cognitivo das atitudes das professoras o que elas pensam e acreditam, portanto , o qual indica que a indisciplina escolar vista apenas sob a dimenso comportamental. Isso levou a autora a concluir que o componente cognitivo das pesquisadas desconsidera a concepo de indisciplina enquanto fenmeno de aprendizagem (OLIVEIRA, 2004, p. 171), reduzindo-a ao mbito do comportamento. Sendo, assim, algumas situaes, identificadas pela autora, no foram consideradas indisciplina pelas pesquisadas, ou seja,

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    as professoras consideravam indisciplina escolar apenas os comportamentos dos alunos que, de alguma forma, atrapalhavam o desenvolvimento da aula e, por outro lado, desconsideravam as aes que no desenvolviam potencialidades cognitivas, atitudinais e morais (GARCIA, 2001, p. 172).

    Outra pesquisa, desenvolvida por Alves (2002), com professores e alunos de uma turma de 5. srie do Ensino Fundamental, de uma escola pblica de Piracicaba (So Paulo) cujo objetivo era investigar se o contedo das aulas dos professores, a metodologia por eles utilizada para trabalhar tais contedos e os tipos de relaes interpessoais presentes em uma sala de aula influenciavam os comportamentos indisciplinados (ALVES, 2002, p. 22) , sugere que a abordagem metodolgica dos contedos trabalhados de maneira negligente, por no guardarem relao com o cotidiano dos alunos nas diversas matrias do currculo, podem provocar a falta de interesse, um dos principais fatores que levam indisciplina. Tambm a falta de adequao da metodologia a esses contedos pode gerar, segundo a pesquisadora, comportamentos indisciplinados.

    Alves (2002) defendeu a idia de que a indisciplina um fenmeno complexo, sendo constitudo por diversos fatores sociais, educacionais e familiares. Tambm observou que os professores geralmente alegam que a indisciplina em suas aulas fruto de problemas externos, provenientes da famlia, de influncias da televiso, da sociedade e da mdia como um todo. Dessa forma, os docentes se excluem de qualquer responsabilidade, evadindo-se do problema e transferindo a soluo para outros rgos.

    Dos sete professores estudados, apenas uma, a professora de Cincias, preocupava-se em contextualizar o contedo, aproximando o assunto do cotidiano dos alunos, enquanto os demais estavam apenas preocupados em transmitir o contedo previsto nos planejamentos, estavam indiferentes sua contextualizao. Mas todos esperavam que os alunos fossem submissos, forando essa situao e causando neles, por conseqncia, a revolta. Os professores desse estudo buscavam por meio de suas metodologias enformar os alunos, tentavam normalizar suas estratgias, buscando dociliz-los. Alm disso, no momento em que os educandos manifestavam comportamentos contrrios ao esperado, recebiam o rtulo de indisciplinados.

    Alves (2002) concluiu que a indisciplina dos alunos, em sala de aula, est ligada diretamente a uma sucesso de fatos associados ineficincia da prtica pedaggica. So elementos geradores da indisciplina: propostas curriculares problemticas e metodologias que subestimam a capacidade dos alunos seja por apresentarem assuntos muito fceis,

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    seja por serem de pouco interesse , cobrana em demasia da postura sentada, inadequao do tempo para a realizao de atividades, organizao rigorosa do espao em sala de aula, centralizao em excesso na figura do professor, pouco incentivo autonomia e s interaes entre os alunos e uso freqente de sanes e ameaas visando ao silncio da classe.

    Brito (2007), entrevistou 12 professores de Educao Fsica para averiguar a concepo de indisciplina junto a essa matria. Esse autor encontrou manifestaes de violncia sendo citadas como exemplos de indisciplina escolar, demonstrando como esses assuntos muitas vezes so tratados como sinnimos:

    [...] para trs professoras entrevistadas a agresso fsica brigar, chutar, etc. , considerada uma manifestao de violncia, um tipo de indisciplina escolar. Tal constatao demonstra como a indisciplina e a violncia apesar de terem conceitos distintos que deveriam ser tratados tambm de maneira distinta esto presentes no meio escolar e muitas vezes so abordadas at mesmo como sinnimas. (BRITO, 2007, p. 108).

    Essa confuso talvez se d pelo fato de os meios de comunicao associarem a violncia nas escolas indisciplina escolar (ESTRELA, 2002, p. 132), criando, para o senso comum, uma igualdade de conceitos que tambm absorvida pelos docentes de Educao Fsica.

    Para os professores investigados por Brito (2007, p.116), a indisciplina nessa matria est relacionada com as atitudes dos alunos, que podem ser manifestadas por meio da displicncia e da recusa (resistncia) atividade proposta, bem como da afronta ao professor. Em outras palavras, a indisciplina representada por atitudes dos alunos que no estejam de acordo com o proposto inicialmente pelo professor ou pelo grupo.

    Vasconcellos (2006, p. 51) nos diz que:

    Desejamos muito, na escola e na sala de aula, a disciplina, a aceitao da proposta de trabalho; todavia esquecemos que a resistncia, a no concordncia, ou pelo menos sua possibilidade, um fator fundamental para a sociedade no parar, no se acomodar, no se submeter a eventuar tiranos. (VASCONCELLOS, 2006, p. 51).

    Nas trs pesquisas apresentadas (ALVES, 2002; OLIVEIRA, 2004, BRITO, 2007), os autores sugerem que os professores investigados entendem a indisciplina escolar como um problema de comportamento e, como tal, buscam, atravs de mecanismos de

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    controle, dominar a situao e resolver o problema da indisciplina de maneira imediata. Ao compreenderem esse fenmeno apenas pela via comportamental, os professores demonstram no entender sua complexidade e atuam no imediatismo, desejando solues rpidas e entendendo que a indisciplina seja trazida somente pelos alunos.

    Agir de maneira imediatista ou ficar apenas tecendo reclamaes no ir nos aproximar da compreenso. Como nos diz Vasconcellos (2006, p. 111) o problema da indisciplina no fruta que amadurece, que se resolve com o passar do tempo, com o tempo ir adquirir propores superiores, preciso faz um bom uso do tempo, marcado pela interveno, interao.

    Alves (2002), Oliveira (2004) e Brito (2007) tambm sugerem que a indisciplina ocorria pela forma como os professores estudados abordavam os contedos a serem ministrados. Com base no estudo desses autores, entendemos que os alunos rotulados como indisciplinados so os que demonstram uma insatisfao com as metodologias desenvolvidas, pois elas se afastam de seus cotidianos. Assim, eles manifestavam sua insatisfao resistindo normalizao, ao controle e docilizao que os professores esperavam, bem como transgrediam as normas disciplinares que os docentes almejavam.

    Tem-se, diante deste tpico, uma viso do que vem a ser indisciplina escolar e do que alguns professores compreendem por indisciplina escolar. Na sequncia desse artigo apresentaremos nossas concluses a respeito do que foi apontado nesse tpico.

    Concluso

    Analisando os estudos relatados, percebe-se que os docentes envolvidos nas pesquisas, compreendiam alguns atos de vandalismo e agresso fsica como situaes de indisciplina. Esses atos, atualmente, so caracterizados como violncia e no como indisciplina escolar. Os professores devem distinguir um conceito do outro, para assim saber atuar de maneira diferenciada e adequada perante situaes de indisciplina escolar as quais podem ser reflexo, inclusive, da prpria abordagem do contedo desenvolvido e de violncia. Esta ltima tem outro enfoque e envolve outros fatores, inclusive sociais e externos escola, que devem ser solucionados com apoio de assistentes sociais, psiclogos, entrando algumas vezes na esfera judicial.

    Estrela (2002, p. 132) afirma que os meios de comunicao social tendem a reforar a associao entre indisciplina, violncia e delinqncia, o que uma

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    generalizao abusiva, pois a indisciplina escolar, na maior parte dos casos, no violncia e muito menos delinqncia. Infelizmente a mdia acaba passando uma verdade que no a verdade conceitual , normalizando1 que violncia e indisciplina escolar so sinnimas e muitos docentes acabam acreditando nessa verdade e repassando essa inverdade alicerada em bases frgeis e discutveis.

    O presente artigo no se props a averiguar como essa confuso conceitual interfere nas prticas pedaggicas dos professores, mas compreendermos que os professores deveriam ter conscincia dos conceitos justamente para no atuarem de maneira equivocada quando tais situaes acontecem. Quando um aluno comete uma indisciplina escolar deve ser punido da mesma maneira que um aluno que comete uma violncia? Os professores no deveriam esquecer que a manifestao de indisciplina tambm deve ser percebida como um sinal de alerta: o que ocasionou tal situao? Ser que no foi a prpria metodologia utilizada? Ser que a culpa somente do aluno indisciplinado?

    Indisciplina e violncia so temas complexos e alvo de debates entre educadores nos vrios nveis de ensino. A ambivalncia da interpretao acaba gerando dvidas e muitas vezes essas se sobrepem realando a impresso de sinnimos, ou similitudes, que acaba sendo demonstrado nos discursos dos professores em conceb-los como conceitos entrelaados.

    A inquietude que pode surgir em banir da escola a indisciplina e a violncia como se isso fosse possvel , pode nos causar frustrao. Esses dois temas, sempre existiram e, pensamos, sempre existiro no mbito escolar. Cabe a escola e, especificamente, aos docentes compreenderem tal diferena para saber lidar com as situaes que venham a ocorrer.

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    1 Foucault (1986, p. 189) utiliza o termo normalizao no como algo oficial ou legal, mas como algo que

    utilizado e aceito para a manuteno do poder, a manuteno de uma verdade.

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