impugnação à contestação - brasil telecom - ruralcel - impugnação

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SEARA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, pelo Promotor de Justiça titular da Promotoria de Justiça de Seara, apresenta IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO formulada por BRASIL TELECOM S.A. na Ação Civil Pública nº 068.10.000669- 5. 1. Síntese Na contestação apresentada pela ré Brasil Telecom S.A. , argumenta-se, preliminarmente, que o Ministério Público é parte ilegítima para tutelar os interesses defendidos nos autos, por se tratar de direitos individuais divisíveis e disponíveis. No mérito, alega-se, em síntese, que a responsabilidade pelas interrupções do serviço de telefonia rural de que trata esta ação são de responsabilidade da Vivo S.A., operadora de telefonia celular da qual se utiliza a 1

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Impugnação à contestação da Brasil Telecom na ação em que se discute a suspensão dolosa do sinal de telefonia rural (Ruralcel ruralvan)

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Page 1: Impugnação à contestação - brasil telecom - ruralcel - impugnação

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SEARA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA

CATARINA, pelo Promotor de Justiça titular da Promotoria de Justiça de

Seara, apresenta IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO formulada por

BRASIL TELECOM S.A. na Ação Civil Pública nº 068.10.000669-5.

1. Síntese

Na contestação apresentada pela ré Brasil Telecom S.A.,

argumenta-se, preliminarmente, que o Ministério Público é parte

ilegítima para tutelar os interesses defendidos nos autos, por se tratar

de direitos individuais divisíveis e disponíveis.

No mérito, alega-se, em síntese, que a responsabilidade

pelas interrupções do serviço de telefonia rural de que trata esta ação

são de responsabilidade da Vivo S.A., operadora de telefonia celular da

qual se utiliza a Brasil Telecom S.A. para levar o sinal de telefonia fixa

para o interior dos municípios que compõem a Comarca de Seara.

Afirma-se que a modificação da tecnologia imposta pela

Anatel alterou as estações de rádio-base, ou seja, as antenas de

telefonia que eram utilizadas como meio de transmissão do sinal

telefônico das cidades para a zona rural, e que isso ocorreu sem culpa

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da requerida Brasil Telecom S.A.: “a área de cobertura do SMP não se

revelou coincidente”.

Invoca-se o art. 248 do Código Civil, segundo o qual se

resolve a obrigação quando a prestação se tornar impossível sem culpa

do devedor, e argumenta-se que, havendo incompatibilidade entre a

estação móvel e os novos padrões, a responsabilidade é da operadora

de telefonia móvel (§53, fl. 483).

Afirma a requerida, também, que, não sendo responsável

pelos danos causados ao consumidor, não deve suportar a obrigação de

indenizá-los, alegando ainda que os danos morais não foram

comprovados.

2. Impugnação à contestação – arts. 326 e 327 do CPC

Conforme regra do art. 326 do Código de Processo Civil, “se

o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro lhe opuser

impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será

ouvido no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe o juiz a produção de

prova documental”.

E, para o art. 327, “se o réu alegar qualquer das matérias

enumeradas no art. 301, o juiz mandará ouvir o autor no prazo de 10

(dez) dias, permitindo-lhe a produção de prova documental. Verificando

a existência de irregularidades ou de nulidades sanáveis, o juiz

mandará supri-las, fixando à parte prazo nunca superior a 30 (trinta)

dias”.

No caso dos autos, além de preliminares, a requerida opõe

fatos extintivos do direito dos consumidores aqui protegidos, de modo

que esta impugnação rebaterá um a um dos argumentos lançados.

3. Preliminar

Como se vê, não cansam os violadores do direito do

consumidor de insistir na tese de que o Ministério Público não tem

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legitimidade ativa para diversas ações que protegem o consumidor.

Continuam insistindo, mas a jurisprudência continua sensata.

Nem poderia ser diferente.

O art. 129 da Constituição da República estabelece

claramente que ao Ministério Público incumbe a proteção dos interesses

difusos e coletivos (inciso III). E um dano praticado contra diversos,

muitos inclusive desconhecidos, consumidores da cidade, não pode ser

exemplo mais claro de interesse difuso (consumidores que nunca mais

serão localizados) e de interesses coletivos (coletividade de

consumidores individualizáveis) o caso dos autos.

Além do mais, especificamente no que tange aos pedidos

de restabelecimento do serviço e de migração da tecnologia, o que há

são interesses individuais homogêneos, todos, evidentemente, de

natureza eminentemente social, já que se está tratando de direito do

consumidor (vide art. 1º, do Código de Defesa do Consumidor) e do

serviço público essencial que é o serviço de telefonia.

Hugo de Nigro Mazzilli sintetiza as regras gerais da seguinte

forma: “A atuação do Ministério Público sempre é cabível em defesa de

interesses difusos, em vista de sua larga abrangência. Já em defesa de

interesses coletivos ou individuais homogêneos, atuará sempre que: a)

haja manifesto interesse social, evidenciado pela dimensão ou pelas

características do dano, ainda que potencial; b) seja acentuada a

relevância social do bem jurídico a ser defendido; c) esteja em

questão a estabilidade de um sistema social jurídico ou econômico, cuja

preservação aproveite à coletividade como um todo”1.

O próprio Mazzilli esclarece o sentido de seu texto: “[...]

assim, quando interesses individuais homogêneos, ainda que não

indisponíveis, tenham suficiente abrangência ou relevância, sua

1 MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 17a ed. São Paulo : Saraiva, 2004, p. 157.

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defesa coletiva assumirá inegável caráter social, inserindo-se, pois, nas

atribuições constitucionais do Ministério Público”2.

Veja-se, assim, que o serviço de telefonia fixa e móvel é um

serviço público. É o que diz o Código Brasileiro de Telecomunicações:

“Art. 6º. Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim

se classificam: a) serviço público, destinado ao uso do público em

geral”.

A requerida Brasil Telecom S.A., por sua vez, é

concessionária deste serviço público.

Fica evidente, portanto, que o Ministério Público, como

órgão incumbido de zelar pelos “serviços de relevância pública”3, como

é o caso da telefonia, tem sim legitimidade para atuar no caso dos

autos.

Além disso, em segundo lugar, o serviço público de

telecomunicações é considerado serviço público essencial pela Lei nº

7.783/89, que veda a greve para empregados neste e noutros setores4.

Em terceiro lugar, se o Ministério Público é o órgão

incumbido pela própria Constituição da República de tutelar os

interesses sociais5, não há como negar ser a relação de consumo dos

autos objeto de interesse ministerial.

Veja-se que o próprio art. 1º do Código de Defesa do

Consumidor dispõe que “O presente código estabelece normas de

proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social,

2 Idem, p. 156.3 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.4 Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais: VII – telecomunicações.5 Art. 127, caput: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

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nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição

Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.

Se a própria Lei nº 8.078/90 entende que as normas do

Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e interesse

social, como negar legitimidade ao Ministério Público em demanda que

visa justamente ao cumprimento das normas do próprio Código de

Defesa do Consumidor, dentre elas a que impõe indenização integral no

caso de danos ao consumidor e a prestação de serviços públicos de

forma eficiente e contínua?

Por fim, em quarto lugar, a legitimidade advém de uma

necessidade de democratização do acesso à Justiça.

A pluralidade de lesados fatalmente tornaria a defesa

individual dos direitos impossível, porque os consumidores deixarão de

lado a busca pela indenização, diante dos custos de se obter o valor.

Por outro lado, no entanto, as empresas enriqueceriam ilicitamente com

a falta de ação dos consumidores. Aliás, é justamente isso que

pretende a ré: enriquecer-se à custa da deficiência do sistema de

proteção dos consumidores.

Bem por isso é que outro estudioso da Lei da Ação Civil

Pública entende que somente pela tutela coletiva é possível adequar as

forças do mercado aos ditames da Justiça:

Ao facultar a tutela coletiva dos mencionados interesses, o Código de Defesa do Consumidor culminou por democratizar o acesso à justiça, permitindo que pequenas lesões – quando vistas individualmente – pudessem ser reparadas; assim como possibilitou a efetiva responsabilização dos fornecedores que – valendo-se da insignificância de cada uma das lesões – obtinham ganhos ilícitos e vultosos tendo em vista a reiteração da prática espúria6.

6 SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos em espécie. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 156.

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Bem se vê que não há outra forma de entregar-se justiça

aos consumidores da Comarca senão admitindo a legitimidade do

Ministério Público e condenando a requerida ao pagamento de

indenização razoável com a absurda má-fé com que pauta sua atuação

na Comarca.

A propósito, a jurisprudência tem admitido a legitimidade

do Ministério Público para a tutela de interesses individuais

homogêneos como o do caso dos autos.

Em decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça,

entendeu-se que o Ministério Público é parte legítima para exigir

judicialmente que concessionárias de telefonia tornem mais claras as

faturas dos serviços que prestam.

Alegava a empresa telefônica que os consumidores

deveriam individualmente, se acaso entendessem necessário, postular

a alteração das regras, e que nada podia ser feito pelo Ministério

Público, por se tratar de interesse individual homogêneo.

No entanto, o STJ decidiu pela legitimidade do Ministério

Público, e hoje as faturas de telefones fixos e celulares são detalhadas

por força de atuações como esta. Veja-se a ementa referida (íntegra do

acórdão anexa):

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AÇÃO COLETIVA – SERVIÇOS DE TELEFONIA – CONTAS TELEFÔNICAS DISCRIMINADAS – LIGAÇÕES INTERURBANAS – ESPECIFICAÇÃO DO TEMPO E DESTINO DAS LIGAÇÕES TELEFÔNICAS – INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTO ESPECÍFICO – MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE – DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS E HOMOGÊNEOS E DIFUSOS – PRECEDENTES.- O Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública em defesa dos direitos de um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma única relação jurídica (direitos coletivos)7.

7 Recurso Especial nº 162.026 – MG, rel. Min. Peçanha Martins, j. 20.6.2002.

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No Tribunal Regional Federal da 4ª Região a orientação é a

mesma:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA LOCAL. TARIFA INTERURBANA. NULIDADE - SENTENÇA CITRA PETITA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA ANATEL. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. RECONHECIMENTO DO PEDIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. [...] - A doutrina e a jurisprudência vêm reiteradamente afirmando a legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos individuais homogêneos, com fundamento no art. 6º, XII, "d", da LC nº 75/93, inclusive no que tange aos serviços de telefonia. Precedentes8.

Enfim, parece tão claro que lesões como a dos autos só

possam ser devidamente combatidas pela via da ação civil pública e da

atuação do Ministério Público que soa mesmo despropositada a

preliminar suscitada pela ré.

Pretender que cada um dos consumidores proponha ações

individuais – o que somaria mais que o dobro das ações em tramitação

nesta Comarca – além de ser medida totalmente ineficaz, caminha na

contramão da história do Judiciário Catarinense, que vem há tempos

proclamando de forma correta a necessidade de racionalização e de

efetividade nas decisões judiciais.

Diante destes argumentos, requer o Ministério Público do

Estado de Santa Catarina seja rejeitada esta preliminar.

4. Mérito

4.1. Responsabilização da Vivo S.A. (operadora de celular)

O primeiro dos argumentos da requerida é o de que a

responsável pela falha do sinal é a Vivo S.A., ou seja, a operadora de

8 Apelação Cível nº 2003.71.07.010410-9, rel. Vânia Hack de Almeida, DJ 14.3.2007.

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telefonia celular de que a própria requerida se utiliza para fornecer o

serviço de telefonia aos consumidores do interior da Comarca de Seara.

A falácia do argumento é evidente.

Em resumo, diz a requerida ter contratado o serviço de

telefonia celular com a Vivo S.A., mas que a própria Vivo S.A. é quem

apresenta falhas, e, assim, não tem a requerida responsabilidade sobre

as falhas.

Ora, francamente! Tem a requerida, evidentemente, a

obrigação de fornecer o serviço de telefonia nas localidades em que

residem os consumidores tutelados nesta ação. Dessa obrigação não se

demite.

Nesta obrigação regulamentar, como se viu na inicial, tinha

a Brasil Telecom S.A. várias opções à sua disposição: i) utilizar-se de

antenas de celular próprias; ii) fazer a ligação mediante par metálico

(fiação); iii) contratar o serviço de celular de outras empresas.

Optou por esta última alternativa e, assim, deve responder

pelos ônus de sua (má) escolha. Como ocorre com a responsabilidade

pelas falhas de seus empregados ou das empresas que contrata

(terceirização), a requerida não pode se demitir da responsabilidade

pelas falhas de seus parceiros.

Como a Vivo S.A., ou qualquer das empresas que forneçam

os meios para se realizar a telefonia fixa, foi eleita pela requerida,

incide aqui a regra do art. 932 do Código Civil: “São também

responsáveis pela reparação civil: III - o empregador ou comitente, por

seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que

lhes competir, ou em razão dele”.

A relação entre a requerida Brasil Telecom S.A. e a Vivo S.A.

ou qualquer outra fornecedora do serviço de telefonia móvel equivale a

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uma terceirização e, portanto, a responsabilidade é integral do

comitente, ou seja, da requerida Brasil Telecom S.A.

Em caso análogo, em que instituição financeira pretendia

eximir-se da responsabilidade por falha na entrega de talão de cheques

por empresa terceirizada, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina

entendeu trata-se de responsabilidade objetiva da comitente, ou seja,

da instituição financeira9.

Noutro caso, decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina

que “Age com culpa in eligendo a concessionária de serviço público

pela escolha de cobrador terceirizado de suas faturas, que recolheu o

pagamento do débito, sem, todavia, comunicar a quitação à

concessionária, impossibilitando a baixa do débito nos sistemas

informatizados da credora, com a indevida caracterização de

inadimplência da consumidora”10.

Verifique-se, ainda, que o contrato celebrado entre a Vivo

S.A., por suas subsidiárias, e a requerida Brasil Telecom S.A. é bastante

claro a respeito, demonstrando que todas as obrigações de

digitalização e melhoria do sistema são da Brasil Telecom S.A.

conforme se pode ler à fl. 444:

9 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAS. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SERVIÇO DE ENTREGA DE TALÃO DE CHEQUES TERCEIRIZADO. TALONÁRIO ENTREGUE À TERCEIRO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO BANCO QUE CONFIOU O SERVIÇO BANCÁRIO À EMPRESA TERCEIRIZADA. ART. 14 DA LEI 8.078/90. DANO MORAL. DEVEDOR CONTUMAZ. VERIFICAÇÃO DE INÚMEROS CHEQUES DEVOLVIDOS SEM PROVISÃO DE FUNDOS E INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. DANO MATERIAL CONSUBSTANCIADO NA DEVOLUÇÃO DOS ENCARGOS COBRADOS PELA DEVOLUÇÃO DA CÁRTULA. MANUTENÇÃO (Apelação Cível n. 2005.017185-4, de Criciúma, Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil).

10 Apelação Cível n. 2009.014872-3, de Balneário Camboriú, Relator: Des. JaimeRamos.

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CLÁUSULA QUARTA – OBRIGAÇÕES DA BRASIL TELECOM4.1. Constituem obrigações da Brasil Telecom, sem prejuízo das demais disposições estabelecidas neste termo:4.1.1. Digitalizar 20.000 terminais com acessos Ruralcel e Ruralvan ativos de seus clientes, mediante a identificação, comunicação e migração destes clientes para a tecnologia CDMA até o dia 31 de dezembro de 2006, obrigando-se a cumprir com as quantidades e prazos estabelecidos no cronograma que será acordado entre as partes no prazo máximo de 15 dias contados da assinatura deste termo, devendo este cronograma observar obrigatoriamente o prazo limite de 31 de dezembro de 2006.[...]4.1.2.2. Todos os custos relativos à identificação, comunicação e migração dos clientes Brasil Telecom, bem como os demais necessários à digitalização estabelecidos no subitem 4.1.2 acima, serão exclusivamente suportados pela Brasil Telecom.[...]4.2. Responsabilizar-se diretamente perante os órgãos governamentais, por si e por terceiros contratos pela Brasil Telecom, incluindo, porém não se limitando, à aquisição e substituição de Estações Terminais de Acesso, adequação das instalações do Cliente Ruralcel e Ruralvan, ajuste e aterramento de antenas, entre outros, necessários à digitalização dos acessos Ruracel/Ruralvan.

Assim, em resumo, pelo contrato celebrado entre a

requerida Brasil Telecom e a Vivo S.A., ao contrário do que se alega na

contestação, é responsabilidade exclusiva da Brasil Telecom a

“aquisição e substituição de Estações Terminais de Acesso, adequação

das instalações do Cliente Ruralcel e Ruralvan, ajuste e aterramento de

antenas, entre outros, necessários à digitalização dos acessos

Ruracel/Ruralvan” (4.2, fl. 445).

Dito de outro modo, para ficar mais claro: se o consumidor

da telefonia rural deixa de receber o sinal por falha das estações, é

obrigação contratual da ré Brasil Telecom S.A. a aquisição e

substituição das estações de rádio-base, ou seja, das antenas de celular

utilizadas para a distribuição do sinal ao interior.

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Além disso, conforme consta da Cláusula 4.1.2.2, todos os

custos da digitalização – que é na verdade o que se pretende com esta

ação – deverão ser suportados pela Brasil Telecom S.A. Os próprios

contratos trazidos pela requerida, portanto, evidenciam a falácia de seu

argumento inicial: tem a requerida Brasil Telecom S.A., sim, o dever de

arcar com todos os custos da adequação do sistema, já que é ela a

fornecedora do sinal aos seus consumidores.

Além do mais, na resposta à requisição ministerial no curso

do inquérito civil público, afirma textualmente a requerida que está

substituindo o serviço da Vivo S.A. por serviços próprios. Diz a Oi Brasil

Telecom S.A. que “é objeto de estudo a realização de novas migrações

de tecnologia para o atendimento via sistemas com sinal OI,

preservando sempre os direitos do usuário, de acordo com a

regulamentação da Anatel” (fl. 143v).

Recorde-se que a OI S.A. se uniu recentemente à requerida

Brasil Telecom S.A. e juntas operam no ramo da telefonia fixa e celular.

Ora, o que fica evidente é que a Brasil Telecom S.A., ao se

unir à Oi S.A., vem deixando paulatinamente de se utilizar das antenas

da Vivo Celular S.A. e, por não ter a mesma cobertura de antes, está

deixando de fornecer o serviço na mesma qualidade aos consumidores.

Todavia, a responsabilidade pela substituição dos terminais,

pela adequação das instalações e por tudo o que for necessário à

digitalização dos acessos Ruralcel e Ruralvan é de responsabilidade da

Brasil Telecom, conforme fica claro da leitura do contrato já citado (fl.

445).

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4.2. Ônus da substituição das estações móveis em caso de

incompatibilidade

Argumenta também a requerida que, nos termos do art. 83,

parágrafo único, da Resolução Anatel nº 477/2007, as operadoras de

telefonia móvel é que devem “providenciar a substituição da Estação

Móvel, caso haja incompatibilidade tecnológica” (fl. 483).

Como se viu na inicial, a Resolução nº 477/2007 da Anatel,

que regula o Serviço Móvel Pessoal (nome técnico do serviço de

telefonia celular), é expressa em determinar que “a mudança de

padrões de tecnologia promovida por prestadora não pode onerar o

usuário”. O parágrafo único ainda esclarece: “Havendo

incompatibilidade entre a Estação Móvel e os novos padrões

tecnológicos a prestadora deve providenciar a substituição da Estação

Móvel sem ônus para o usuário”.

Ora, a relação negocial no caso dos autos existe entre o

consumidor e a requerida. A operadora de telefonia móvel, seja Vivo

S.A., seja Oi Brasil Telecom S.A., mantém relação negocial com a

requerida, e não com o consumidor. Logo, que usa o sistema da Vivo é

a requerida Oi Brasil Telecom S.A. A relação que ambas devem ter

entre si, portanto, não diz respeito aos consumidores e nem pode

contra eles ser oposta.

Relembre-se: o consumidor contrata a Brasil Telecom para

obter telefonia. É ela quem deve fornecer o serviço, de forma contínua

e eficiente. Para tanto, a Brasil Telecom, quando não opta por levar fios

até a localidade, contrata por sua vez uma operadora de telefonia

celular. A relação do consumidor, portanto, limita-se à operadora de

telefonia fixa (a requerida Oi Brasil Telecom S.A.); a relação com a

operadora de telefonia celular, por sua vez, apenas existe com a

requerida. Não é por outra razão que as faturas constantes dos

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autos são todas destinadas aos consumidores pela própria

requerida Brasil Telecom S.A.

O usuário do serviço de telefonia móvel, assim, é a Brasil

Telecom S.A. Ela é quem contrata com a Vivo, Tim, Claro, Oi ou

qualquer outra o serviço. É ela (requerida), portanto, quem deve exigir

da operadora a melhoria qualidade do sinal ou, do contrário, deve

mudar para outra empresa. O que não pode haver em hipótese alguma,

como fica claro da Resolução nº 477, é maior ônus ao consumidor.

Além disso, pelo contrato celebrado entre a requerida Brasil

Telecom e a Vivo S.A., ao contrário do que se alega aqui, é

responsabilidade exclusiva da Brasil Telecom a “aquisição e

substituição de Estações Terminais de Acesso, adequação das

instalações do Cliente Ruralcel e Ruralvan, ajuste e aterramento de

antenas, entre outros, necessários à digitalização dos acessos

Ruracel/Ruralvan” (4.2, fl. 445).

No caso dos autos, contudo, como se viu no item anterior, a

causa da descontinuidade nos serviços está na mudança dos contratos

da Brasil Telecom com seus fornecedores, fato alheio à relação entre os

consumidores e a requerida, e que, por óbvio, não pode prejudicá-los.

4.3. Responsabilidade civil – culpa exclusiva da requerida

Por isso também não pode alegar a requerida que a

prestação do serviço se tornou impossível sem sua culpa e que, assim,

se resolve a obrigação, nos termos do art. 248 do Código Civil.

Em primeiro lugar, observe-se que a escolha da operadora

de telefonia móvel que será usada para levar o sinal até o consumidor é

exclusiva da requerida!

Pode a Brasil Telecom S.A., como inclusive mencionou em

resposta ao Ministério Público (fl. 143v), escolher qualquer outra

operadora ou mesmo levar fios metálicos até o endereço do

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consumidor, para lhe fornecer o serviço. Aliás, em alguns casos já vem

inclusive adotando esta última opção, mais estável, transportando o

sinal de telefonia via fiação metálica até a residência dos

consumidores, como foi o caso de Ivonir Pinsetta (fl. 25).

Não há, assim, qualquer impossibilidade na prestação do

serviço de telefonia. A impossibilidade retratada no art. 248 do Código

Civil é a impossibilidade “absoluta”, já que “só se extingue a obrigação

de fazer quando, de modo absoluto e definitivo, deixa de ser possível a

respectiva prestação, embora à custa de novos ônus e maiores

sacrifícios”11. Recorde-se, todavia, que “a impossibilidade, suscetível de

produzir semelhante efeito liberatório, há de ser cumpridamente

provada pelo interessado que a invoca”12.

No caso dos autos, como se observa, em primeiro lugar o

réu não comprova que a prestação de fato se tornou impossível. De

qualquer forma, como se viu, tal alegação é completamente

inverossímil, tanto é que o serviço vem sendo prestado em algumas

comunidades rurais, ainda que com péssima qualidade.

4.4. Plano de Metas de Universalização – Serviço Telefônico Fixo

Comutado

No emaranhado de argumentos de mérito da requerida,

desponta também uma afirmação completamente inverídica. Alega,

citando o Decreto nº 4.769/2003, que só há “obrigatoriedade da

prestação do STFC propriamente dito” nas localidades com mais de

trezentos habitantes.

Com isso, pretende afirmar que os consumidores lesados

por sua conduta estão em áreas rurais com menos de 300 habitantes e

11 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 22ª ed. São Paulo : Saraiva, 1988. vol. 4. p. 94.12 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 22ª ed. São Paulo : Saraiva, 1988. vol. 4. p. 92.

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que, portanto, pelo Plano de Metas de Universalização da Anatel, não

estaria a ré obrigada a fornecer o serviço telefônico a eles.

Tal informação é completamente inverídica!

No caso dos autos não se está diante do “STFC

propriamente dito”, conforme expressão do Decreto nº 4.769/2003.

Está-se diante do serviço chamado Ruralcel, ou seja, telefonia rural

mediante redes celulares.

Tanto isso é verdade que o serviço é fornecido há anos,

como demonstra inclusive o contrato celebrado com a operadora de

telefonia celular (fl. 442) e como demonstram as inúmeras faturas do

serviço de telefonia dos agricultores do município já colacionadas aos

autos.

E, ao contrário do que se alega, não se pretende com esta

ação estender o serviço para localidades com menos de trezentos

habitantes, obrigação que, de fato, não é da requerida, diante do Plano

de Metas.

Veja-se, por exemplo, que isso nem mesmo é discutido na

resposta da requerida à requisição ministerial no curso do inquérito civil

público (fl. 143 e 143v), em que se reconhece o dever de prestar o

serviço naquelas localidades.

O documento de fls. 442 e seguintes demonstra claramente

isso. Lá conta o contrato celebrado entre a requerida e a Vivo S.A., por

suas subsidiárias, para utilização da rede celular da segunda (Vivo) pela

requerida Brasil Telecom, para atender à prestação de serviço de

telefonia rural (Ruralcel e Ruralvan).

A vingar este argumento, a requerida estará praticando

quebra de contrato com os consumidores, suspendendo o serviço

essencial de telefonia, sem que ocorram quaisquer das hipóteses

legais. Equivale a afirmar que, se até agora fornecia, o fazia por mera

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deliberação, como se de um favor se tratasse. Esquece-se, todavia, dos

contratos celebrados com os consumidores, em que se comprometeu a

fornecer telefonia contínua e de qualidade.

Note-se que o Contrato de Concessão prevê que “ao longo

de todo o prazo de vigência da concessão, a Concessionária se

obriga a manter os compromissos de qualidade, abrangência e

oferta do serviço constantes do presente Contrato, independente do

ambiente de competição existente na área geográfica de exploração do

serviço” (Cláusula 4.4, fl. 313).

Logo se vê, portanto, que: i) esta ação não tem por objetivo

ampliar a área de concessão do serviço telefônico, mas apenas manter

o serviço que já era fornecido; ii) a requerida sempre forneceu o serviço

aos consumidores.

4.5. Responsabilidade civil – dever de indenizar

De tudo o que se viu nos autos ficam claras as seguintes

conclusões:

a) a requerida prestava o serviço de telefonia rural aos

consumidores individualizados nestes autos;

b) com a evolução das tecnologias, optou por migrar para

GSM ou CDMA em alguns casos;

c) esta migração ocasionou a instabilidade do sinal aos

consumidores e, nesta situação, vem tentando a requerida, de todas as

formas, coagir os consumidores a abandonar o serviço;

d) poderia a requerida optar pela prestação do serviço por

outras operadoras ou por fiação (par metálico), o que não faz para

minimizar seus custos operacionais;

e) tal prática é ilícita e causa prejuízo aos consumidores, já

que dentre as obrigações da requerida, decorrentes inclusive do Código

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de Defesa do Consumidor, está a prestação do serviço de forma

contínua, adequada, eficiente e segura.

Pois bem.

Para o Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e

187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Considera-se

ato ilícito qualquer “ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, que violar direito e causar dano a outrem, ainda que

exclusivamente moral”, nos termos do art. 186 do Código Civil.

No caso dos autos, o contrato de concessão celebrado entre

a Anatel e a requerida a obriga à “não suspensão do serviço sem sua

solicitação, ressalvada a hipótese de débito diretamente decorrente de

sua utilização ou por descumprimento dos deveres constantes do art. 4

da Lei nº 9.472, de 1997” (fl. 326).

Dentre outras obrigações da requerida em relação aos

consumidores estão: “XII – reparação de danos causados pela violação

de seus direitos”; “XIII – ver observados os termos do contrato de

assinatura pelo qual tiver sido contratado o serviço”.

Prevê ainda o Contrato de Concessão que “ao longo de todo

o prazo de vigência da concessão, a Concessionária se obriga a manter

os compromissos de qualidade, abrangência e oferta do serviço

constantes do presente Contrato, independente do ambiente de

competição existente na área geográfica de exploração do serviço”

(Cláusula 4.4, fl. 313).

Registre-se, ademais, que o próprio contrato de concessão

prevê que “A concessionária deverá, na relação com seus assinantes,

cumprir, além das disposições legais, contratuais e regulamentares, as

demais normas de proteção do consumidor, em especial a Lei nº 8.078,

de 11 de setembro de 1990” (fl. 327, Cláusula 15.1, §3º).

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Ora, se o Código de Defesa do Consumidor obriga a

requerida a prestar o serviço de telefonia rural de forma eficiente,

segura, adequada e contínua (art. 22), e se o Contrato de Concessão

manda aplicar o Código de Defesa do Consumidor e ainda prevê as

obrigações de não suspender o serviço e de observar o contrato de

assinatura, é mais do que evidente que no caso dos autos a requerida

infringe todas estas normas legais e contratuais.

Por omissão, por outro lado, deixa de atualizar o sistema e

de investir na Comarca de Seara, tudo com o objetivo de minimizar

custos operacionais. E, assim, faz com que os agricultores da região

desistam do serviço de telefonia e optem por soluções alternativas,

mas sempre mais caras (radiocomunicação, por exemplo).

Os documentos trazidos pelas vítimas da conduta da

requerida demonstram à saciedade a ocorrência dos danos materiais e

extrapatrimoniais postulados pelo Ministério Público.

Note-se que já são mais de uma centena de agricultores,

todos dependentes de negócios com os fornecedores de insumos e

compradores da produção, pessoas simples que procuraram (até agora

em vão), por mais de uma vez o Procon de Seara, que por sua vez

manteve insistentes contatos com a ré.

A jurisprudência, além de dispensar a prova do dano

moral13, vem condenando a Brasil Telecom S.A. ao pagamento de

indenização por danos morais inclusive para suspensão do

fornecimento do sinal em casos de inadimplência não notificada. No

caso dos autos, em que, além da conduta ilícita e dolosa, comprovou-se

que os consumidores estão pagando em dia, com mais razão há que se

fixar indenização por danos extrapatrimoniais:

13 “Dispensa-se a prova de prejuízo para demonstrar a ofensa à moral, já que este dano, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra do indivíduo, por vezes é de difícil comprovação, ante os reflexos atingirem parte muito própria da pessoa, seu interior” (Apelação Cível n. 2007.030678-3, de Chapecó, Relator: Des. Fernando Carioni).

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ADMINISTRATIVO – SERVIÇO CONCEDIDO – TELEFONIA – INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS CONTRA COMPANHIA TELEFÔNICA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" REJEITADA – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA – SUSPENSÃO TOTAL DOS SERVIÇOS TELEFÔNICOS POR FALTA DE PAGAMENTO – COBRANÇA POR LIGAÇÕES NÃO EFETUADAS – OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR DA CONCESSIONÁRIA – "QUANTUM" INDENIZATÓRIO – VALOR QUE SE MOSTRA RAZOÁVEL.

Se é a Brasil Telecom quem emite a fatura de serviço e procede ao bloqueio do terminal telefônico do consumidor, flagrante é sua legitimidade para figurar sozinha no pólo passivo de demanda indenizatória por abalo moral decorrente da ilegalidade da cobrança, haja vista a sua responsabilidade objetiva pelo evento danoso.

Causa dano moral a suspensão total dos serviços telefônicos por falta de pagamento de fatura contestada pelo usuário, que se dispõe a pagar a parte incontroversa, pelo fato de conter valor considerável relativo a ligações que não efetuou para somente um determinado número, o que se constata, sob juízo de verossimilhança, pela comparação com outras faturas em que não consta relacionamento algum com aquele terminal, sem que a concessionária tenha atendido a reclamação feita, assim como também não comprovou, como lhe competia, que as ligações controvertidas realmente ocorreram.O valor da indenização do dano moral há de ser fixado com moderação, em respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em conta não só as condições sociais e econômicas das partes, como também o grau da culpa e a extensão do sofrimento psíquico, de modo que possa significar uma reprimenda ao ofensor, para que se abstenha de praticar fatos idênticos no futuro, mas não ocasione um enriquecimento injustificado para o lesado (Apelação Cível n. 2006.016978-0, de Itapiranga, Relator: Des. Jaime Ramos).

5. Danos extrapatrimoniais e a necessidade de sua reparação

Uma vez configurada a prática lesiva praticada pela

demandada e sua absoluta ilegalidade, não pode o Judiciário contentar-

se com a simples adequação da conduta. Seria um verdadeiro estímulo

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à operadora a certeza de que vale a pena aguardar condenações

judiciais, muitas vezes em ações de longa tramitação, para ao final

apenas passar a fazer o que sempre deveria ter feito: cumprir a lei e

respeitar o consumidor.

Entram em cena então as funções dissuasora e

sancionatória da responsabilização civil, que, na sociedade típica da

“‘era tecnológica’ desempenha funções que se desenvolvem em dois

âmbitos: como instrumento de regulação social e como mecanismo

para a indenização da vítima”, conforme Annelise Monteiro Steigleder.

E, ainda segundo a autora, “no âmbito de ser instrumento

de regulação social, a responsabilidade exerce a função de prevenir

comportamentos anti-sociais, dentre os quais aqueles que implicam

geração de riscos; de distribuir a carga dos riscos, pelo que se torna

otimizadora de justiça social; e de garantia dos direitos do cidadão”14.

5.1. Danos extrapatrimoniais individuais homogêneos

De fato, foi amplamente comprovada nos autos a aflição de

mais de uma centena de agricultores da comarca que experimentam

constantemente suspensões no sinal de telefonia de suas residência,

sabendo ainda tratar-se de suspensão dolosa da empresa

concessionária. A jurisprudência amplamente reconhece o dever de

indenizar os danos morais em caso de suspensão do serviço de

telefonia por falta da operadora15.

14 Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2004. p. 178, grifou-se.15 A SUSPENSÃO da prestação dos serviços de TELEFONIA, sem prévia comunicação ao cliente, ainda que estivesse inadimplente, caracteriza DANO MORAL passível de indenização" (Ap. Cív. n. 2004.037036-3, de São José, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 7-10-2005).REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. SUSPENSÃO DE LINHA TELEFÔNICA CELULAR, POR ERRO IMPUTÁVEL À FORNECEDORA. DIREITO AO RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO IN RE IPSA. REDUÇÃO QUANTUM INDENIZATÓRIO. O dano moral, na hipótese concreta, prescinde de prova, ante a dificuldade de produzi-la e, ademais, por estar evidente o prejuízo, inerente ao próprio fato do bloqueio indevido de importante ferramenta da comunicação. Situação que ultrapassa o mero dissabor cotidiano. RECURSO PROVIDO, EM PARTE. (Recurso Cível Nº 71002389393, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto,

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O valor a ser arbitrado, a título de danos morais em favor

de cada um dos consumidores já identificados ou a serem identificados

(art. 94 do CDC), deve situar-se em patamar que represente inibição à

pratica de outros atos antijurídicos e imorais por parte da empresa

demandada. É imperioso que a Justiça dê ao infrator resposta eficaz ao

ilícito praticado, sob pena de se chancelar e se estimular o

comportamento infringente.

A nosso sentir, a indenização por danos morais,

considerando-se o patrimônio da requerida e o dano moral sofrido pelos

agricultores, além do evidente dolo na conduta, não pode ser inferior a

R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em favor de cada consumidor

identificado.

Nos autos até o momento foram identificados 25 outras

vítimas, além daquelas já identificadas na petição inicial (fl. 15, nota de

rodapé). Tem-se, assim, 66 consumidores lesados, perfazendo até o

momento (salvo habilitação posterior), o total de R$ 3.300.000,00 (três

milhões e trezentos mil reais).

5.2. Danos extrapatrimoniais coletivos

Mas não foi só a esfera individual de cada consumidor que

acabou sendo lesada com a ação da requerida. Todas as pessoas

determináveis ou não expostas à prática desleal aqui narrada16,

considerada “prática abusiva” pelo art. 39 do Código de Defesa do

Consumidor, são vítimas e, portanto, ainda que difuso o dano e,

portanto, impossível identificar as vítimas, é necessária a fixação de

indenização pelos danos extrapatrimoniais difusos.

Sim, porque evidentemente não apenas os consumidores

titulares das linhas dolosamente suspensas sofreram com a conduta

Julgado em 28/01/2010).16 Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

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narrada. Também todos aqueles que procuraram pelos agricultores, ou

seja, tentaram contato telefônico com eles, deixaram de obter o

resultado que legitimamente se esperava de um sistema de telefonia

eficiente, adequado e justo. Estas pessoas, que são parentes,

fornecedores, consumidores, amigos, serviços públicos, enfim, pessoas

não determináveis, certamente acabaram lesados de uma forma ou de

outra pela conduta da requerida.

E, como se sabe, os interesses difusos foram definidos pelo

legislador consumerista, no art. 81, inc. I, do CDC, como os

transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato17.

 A prática abusiva adotada pela ré abala o patrimônio moral

da coletividade, pois todos acabam se sentindo ofendidos e

desprestigiados como cidadãos com a prática lesiva a que se

expuseram. A sensação, como se percebe claramente, atingiu a todos,

no caso vertente, e foi justamente a de que o sistema é injusto, pois

não se poderia conceber o mais forte submetendo o mais fraco à

tamanha situação de indignidade. Daí a inquestionável ofensa coletiva

passível de reparação.

17 Para Kazuo Watanabe, “nos interesses ou direitos difusos, a sua natureza indivisível e a inexistência de relação jurídica-base não possibilitam, como já ficou visto, a determinação dos titulares. É claro que, num plano mais geral do fenômeno jurídico ou análise, é sempre possível encontrar-se um vínculo que une as pessoas, como a nacionalidade. Mas, a relação jurídica-base que nos interessa, na fixação dos conceitos em estudo, é aquela da qual é derivado o interesse tutelando, portanto interesse que guarda relação mais imediata e próxima com a lesão ou ameaça de lesão. [...] No campo da relação de consumo, podem ser figurados os seguintes exemplos de interesses direitos difusos: [...] b) colocação no mercado de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde, ou segurança dos consumidores, o que é vedado pelo art. 10 do Código. O ato do fornecedor atinge a todos os consumidores potenciais do produto, que são em número incalculável e não vinculados entre si por qualquer relação-base. Da mesma forma que no exemplo anterior, o bem jurídico tutelado é indivisível, pois uma única ofensa é suficiente para a lesão de todos os consumidores, e igualmente a satisfação de um deles, pela retirada do produto no mercado, beneficia ao mesmo tempo a todos eles” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto. São Paulo: Forense Universitária, 1997. p. 625/627).

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Não se pode conceber que numa sociedade democrática,

onde se espera e se luta pelo aperfeiçoamento dos mecanismos que

venham a garantir ao cidadão o pleno exercício dos atributos da

cidadania, inclusive com a efetiva implementação da legislação

consumerista, tenha lugar a busca insana do enriquecimento fácil que

submete o consumidor a práticas inaceitáveis, como a que foi narrada

nesta inicial.

É dentro desse mesmo contexto que não se pode esconder

a grande extensão do dano causado, pois, além de agredir interesses

garantidos por lei ao consumidor, o procedimento denunciado gerou

sentimento de descrença e desprestígio da sociedade com relação aos

poderes constituídos e ao sistema de um modo geral.

Importa declinar, de outra parte, que a demandada é

empresa de grande porte, sendo desnecessária qualquer referência a

sua capacidade econômica, por ser de conhecimento público.

 O valor a ser arbitrado, a título de danos extrapatrimoniais,

deve situar-se em patamar que represente inibição à pratica de outros

atos antijurídicos e imorais por parte da empresa demandada. É

imperioso que a justiça dê ao infrator resposta eficaz ao ilícito

praticado, sob pena de se chancelar e se estimular o comportamento

infringente.

A nosso sentir, a indenização por danos morais não pode

ser inferior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), revertendo-se para

o fundo de que trata o artigo 13 da Lei n° 7.347/85.

6. Conclusões

Por tudo o que foi dito, o Ministério Público do Estado de

Santa Catarina espera tenham ficado claros os seguintes pontos:

a) a relação da ré com a Vivo S.A. ou com qualquer outra

operadora de telefonia não é oponível aos consumidores;

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b) as falhas no sistema utilizado pela ré devem ser apenas

a si imputadas, ainda mais quando derivadas de dolo, como é o caso

dos autos;

c) os contratos de concessão e o contrato de

compartilhamento de rede com a Vivo S.A. demonstram que a ré tem

obrigação de manter o fornecimento do sinal de telefonia aos

consumidores da Comarca, e que é de sua integral responsabilidade a

continuidade, adequação, qualidade e eficiência na prestação do

serviço;

d) a suspensão dolosa do sinal de telefonia enseja a

condenação da ré ao pagamento de indenização por danos

extrapatrimoniais a cada consumidor habilitado nos autos;

e) a mesma conduta, por atingir interesses difusos, de

pessoas não identificáveis, enseja a condenação da ré ao pagamento

de indenização ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados.

Diante de tudo o que foi exposto, portanto, o Ministério

Público do Estado de Santa Catarina requer a integral procedência dos

pedidos formulados na inicial para o fim de condenar a ré a:

6.1) restabelecer o sinal de telefonia para todos os

consumidores rurais da Comarca de Seara (Arvoredo, Xavantina e

Seara), sob pena de multa de R$ 50.000,00 por dia;

6.2) migrar todos os sistemas de telefonia TDMA da

Comarca para GSM, CDMA ou para telefonia fixa, garantindo a

qualidade (sem chiassos, interrupções, ecos, etc.) e a continuidade,

sem qualquer custo para os consumidores, sob pena de multa;

6.3) pagar de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada

consumidor lesado por sua conduta, identificado no inquérito civil;

6.4) pagar indenização genérica, no valor mínimo de R$

50.000,00, aos consumidores que vierem a ser identificados

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posteriormente e aos consumidores habilitados nesta ação (art. 94, 95

e seguintes do CDC);

6.5) a condenação da requerida ao pagamento de

indenização pelos danos extrapatrimoniais difusos, em favor do Fundo

de Reconstituição de Bens Lesados, no valor mínimo de R$ 500.000,00.

6.6) a condenação da requeridas em custas, despesas

processuais e honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do

Decreto Estadual nº 2.666/04, em favor do Fundo de Recuperação de

Bens Lesados do Estado de Santa Catarina).

Seara, 28 de setembro de 2010

Eduardo Sens dos SantosPromotor de Justiça

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