impressões #37 - ocupação do espaço público

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Qual é o som da sua rua? Em alguns bairros, rodas de samba, serestas e shows de blues fazem a música transitar. Páginas 10 e 11 Projetos do muro pra fora Grupos realizam vivências artísticas em bairros, combatendo sensações de insegurança e de abandono. Página 4 Praça: um palco aberto Por meio de projeto independente, artistas movimentam espaços públicos com teatro e malabarismo. Página 3 Nas calçadas, devoção e trabalho O abraço entre a rua e o cinema Coletivo de audiovisual registra o cotidiano da comunidade do Titanzinho e exibe curtas- metragens ao ar livre. Página 5 “2 linhas não se cruzam à toa” Com a técnica do estêncil, artistas espalham mensagens afetivas e de crítica social pela Capital. Página 12 Acompanhamos o cotidiano de quem monta barracas de artigos religiosos no bairro de Fátima nos dias 13 de cada mês. Página 8 Fortaleza por câmeras e smartphones Em passeios, fotógrafos profissionais e amadores se reúnem para redescobrir o centro da Capital através das lentes e divulgá-lo nas redes sociais. Página 6 e 7 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Ano 6 - Nº 37 - Maio de 2015 Ocupação do espaço público

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Ano 6 - Nº 37 - Maio de 2015.

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Page 1: Impressões #37 - Ocupação do Espaço Público

Qual é o som da sua rua?Em alguns bairros, rodas de samba, serestase shows de blues fazem a música transitar.

Páginas 10 e 11

Projetos do muro pra foraGrupos realizam vivências artísticas em bairros, combatendo sensações de insegurança e de abandono.

Página 4

Praça: um palco abertoPor meio de projeto independente, artistas movimentam espaços públicos com teatro e malabarismo.

Página 3

Nas calçadas, devoção e trabalho

O abraço entrea rua e o cinemaColetivo de audiovisual registra o cotidiano da comunidade do Titanzinho e exibe curtas-metragens ao ar livre.

Página 5

“2 linhas não se cruzam à toa”Com a técnica do estêncil, artistas espalham mensagens afetivas e de crítica social pela Capital.

Página 12

Acompanhamos o cotidiano de quem monta barracas de artigos religiosos no bairro de Fátima nos dias 13 de cada mês.

Página 8

Fortaleza por câmeras e smartphones

Em passeios, fotógrafos profissionais e amadores se reúnem para redescobrir o centro da Capital através das lentes e divulgá-lo nas redes sociais.

Página 6 e 7

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Ano 6 - Nº 37 - Maio de 2015

Ocupação do espaço público

Page 2: Impressões #37 - Ocupação do Espaço Público

Opinião

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Editorial

Fortaleza:cidade metáfora

Oitava cidade mais violenta do mundo, de acordo com o estudo Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal (realizado em 2014 pela Ong mexicana Seguridad, Justicia y Paz), e 13ª em desigualdade social, segundo lista do Centro de Estudos e Monitoramentos das Cidades do Programa da Organização das Nações Unidas (ONU). Mesmo segregada por estigmas e realidades contrastantes, Fortaleza não consegue conter sua carência de conversar consigo mesma.

A facilidade com que qualquer movimenta-ção artística ao ar livre chama a atenção dos passantes em Fortaleza é termômetro disso. E essa fome do outro não se traduz apenas em curiosidade. Se o fosse, bastariam locais fecha-dos, as caixas cênicas, e, talvez assim, os equi-pamentos culturais do Centro da cidade seriam mais frequentados. O céu aberto, no entanto, possui uma receptividade singular.

Na praça, na rua ou na calçada, quem observa também está à mostra. Tendo consciência do ato ou não, apropriando-se ou não do papel, participa da cena. Ou, pelo menos, a proximi-dade com atrizes, malabaristas e palhaços cria raro sentimento de estar sendo acolhido num espaço, na maioria das vezes, tido como hostil.

As manifestações de rua nos ensinam que talvez o enfrentamento do medo de estar na rua seja a própria solução para o sentimento de insegurança e falta de pertença. Carece que a população tome de vez as rédeas do roteiro e faça a cidade-fortaleza, cidade-muro vir a bai-xo, reconstruindo-se como tela, memória viva e resistência.

Projeto GráficoPensar na diagramação de um jornal não é uma tarefa

fácil ou rápida. Ter que avaliar e redesenhar o jornal Im-pressões, então, é desafiador em essência. Com o tema escolhido para as produções do semestre, o primeiro passo foi reunir a turma e analisar os jornais anteriores para considerar mudanças gráfico-editoriais.

Com base nesta reunião, a equipe de diagramadores do Impressões partiu para o desenho de logo e boneco. Apesar do desejo de inovar, houve necessidade de não quebrar conceitos em design editorial, para que a pro-dução toda pudesse ter uma identidade única, concisa e que refletisse o tema num formato visual.

O conceito gira em torno do símbolo de localização de mapas online e da representação de “esquinas” do espa-ço urbano. Estes recursos cumprem o papel de conduzir o olhar do leitor para os chapéus, cartolas, coordenadas e outros destaques existentes. Assim, o desenho do Im-pressões evita o desconforto visual convida o leitor a apreciar o produto de maneira fluida e agradável.

Ombudsman por Kamila Fernandes*

A extraordinária missão de noticiar o comumNum mundo que vive em alta ve-locidade e no qual as pessoas estão cada vez mais hipnotizadas pelas imagens difundidas pelas pequenas telas de seus celulares, falar da vida que acontece na rua, na calçada, na praça, exaltando o que essas ações significam para a dinâmica social, é sim notícia. Mas não uma notícia fácil de ser percebida, trabalhada, significada. Não. Trata-se de um bom desafio para estudantes de jor-nalismo, ao exigir deles um olhar diferenciado, curioso, para que con-sigam destacar o que há de extraor-dinário no ordinário, no comum.

Por isso, de saída, é possível afir-mar que a proposta desta edição número 37 do Jornal Impressões, produto do Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universi-dade Federal do Ceará, acerta ao propiciar um excelente exercício de prática jornalística cidadã aos estu-dantes que a produziram. Chance de sair da frente da tela do com-putador, ir a campo, conhecer e se encantar por algo que sempre este-

ve ali, diante de si, mas que nunca havia chamado a atenção. E nesse percurso, foi notável a sensibilidade do grupo ao enumerar as diferen-tes iniciativas culturais e artísticas que tomam as ruas cotidianamente por diferentes linguagens: música, teatro, religião, cinema, fotografia, artes visuais. Estava tudo ali, era só parar e olhar, e foi isso o que esses futuros jornalistas fizeram.

Em tempos de supremacia da imagem, também foi positivo ver textos mais longos, bem produzi-dos e com múltiplas fontes dando pluralidade aos relatos. Contudo, é importante também não deixar de lado as imagens, que falam mui-to. Nesta edição, em grande parte, as fotos parecem ter sido deixadas para segundo plano, um tanto tími-das nas páginas e pouco expressivas – a maioria está em duas colunas e não apresenta elementos visuais fortes. É importante não as deixar como meros acessórios, mas sim como elementos significantes que atraem a leitura e dão leveza ao ma-

terial como um todo.Sobre o conteúdo, é válida a op-

ção de mostrar exemplos de ocupa-ção do espaço público sob um viés positivo. Porém, isso não represen-ta a realidade absoluta de uma cida-de tão complexa e desigual como Fortaleza. Cidade que quase não tem calçadas e onde as que existem são ocupadas por carros ou por co-mércio ambulante, onde a violência expulsa os moradores para dentro de suas casas. Como o tema será re-visitado em outras edições, espero que esses aspectos não deixem de ser contemplados. Afinal, o jorna-lismo não pode se despir de sua es-sência, a criticidade em relação ao que é vivenciado na esfera pública, sobretudo quando se trata de polí-ticas públicas inexistentes ou insufi-cientes. Mais um motivo para espe-rar ansiosa pelas próximas edições.

*Kamila Fernandes é professora do curso de Jornalismo da Universidade

Federal do Ceará, e já atuou profissio-nalmente em veículos como Folha de S.

Paulo, jornal O Povo e TV O Povo.

Crônica por Rômulo Costa

A calçada de RaimundoSeu Raimundo tinha muitas funções e uma delas era a de ser meu vizinho. Não era alto nem baixo. Nem gordo nem magro. Era só um preto velho de cabelos brancos e rugas a lhe espremer os olhos. E permaneceu assim durante muito tempo. Tempo suficiente para fazer as mesmas coisas todos os dias, vestir a mes-ma calça de brim azul com botão quebrado, a camisa social aberta até o meio do peito e o radinho de pilhas a lhe segurar o sono em bregas e outras músicas de exa-gerado coração.

Acho que envelheceu de tanto sentar naquela calçada e seguir com os olhos os rabos de saias e os bêbados sem destino. Aliás, seu Raimundo adorava os bêba-

dos. Dos piadistas aos rabugen-tos. Alcoólatras incorrigíveis, papudinhos por ocasião, ébrios que buscam esquecer. Todos, sem distinção, tinham naquele pedaço de rua o direito à prosa e ao café passado pela esposa, Luiza.

Mas a vida é ligeira até para quem se demora. Primeiro foi ela. Depois, ele – em casa, com a se-renidade da manhã. Coisa de três anos entre a despedida de um e outro. Foi só o tempo de o corpo enfraquecer e as pernas pesarem.

Sem ele, percebi que aquela rua tinha o rosto de seu Raimundo. Falava como ele, ria como ele, existia com ele.

Uma vez uma mulher nos parou na calçada para saber da ausência do “senhor que sempre sentava

acolá”. Contamos o destino. Ficou espantada, naturalmente, ou fingiu descrença. Benzeu-se e foi embora com a mesma pressa da chegada.

Para quem passava ali, na ligei-reza dos passos, seu Raimundo não tinha nome. Era só mais um rosto-paisagem – um tipo de gen-te que existe sempre igual.

É que assim são os nossos dias. Recortamos as gentes, seus rostos, ainda que eles se percam na cai-xinha do presente. Não sabemos seus nomes, não conhecemos sua história, mas guardamos o alívio de vê-las ali no mesmíssimo lugar, como sempre estiveram. Sempre. Na mesma calçada, com a calça de brim azul e camisa social aberta até o meio do peito.

Charge

Deleon Stu, 20, é ilustrador, quadrinista e músico fortalezense. Estudante de jornalismo na Faculdade 7 de Setembro, Stu começou a publicar ilustras e tirinhas individualmente na internet.Em 2014, ele e mais três colegas fundaram o grupo Descarga Coletiva, com que segue contribuindo.

Impressões - Ocupação do espaço públicoJornal Laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará.Repórteres: Anderson Cid, Antonio Laudenir, Breno Reis, Camila Lima, David Medina, Drielle Furtado, Eduardo Oliveira, Hélio Grangeiro, Luana Bastos, Lucas Barbosa, Luciana Castro, João Paulo Martins, Karoline Rodrigues, Mariângela Chagas, Nathanael Filgueiras, Nyara Cavalcante. Edição: Gustavo Linhares, Luiza Figueiredo, Rômulo Costa. Edição geral: Jadiel Lima. Projeto gráfico e diagramação: Bruno Melgacio, Falkner Moreira. Professora orientadora: Mayara de Araújo. Impressão: Imprensa Universitária. Tiragem: 1000 exemplares. As opiniões expressas em artigos assinados são de responsabilidade dos respectivos autores.

Fortaleza - CE MAIO/2015

Page 3: Impressões #37 - Ocupação do Espaço Público

Teatro de calçada

REPORTAGEMDavid Medina e

Mariângela Chagas3

Na Rua #1

É nesse sentido que a rua se torna uma possibilidade, pois surge como ambiente livre de exposição artística e faci-litador de inspiração. “A rua é onde a gente se sente mais a vontade, onde a gente se es-tressa menos. Porque é mui-to estressante correr atrás de equipamento de cultura e não ser atendido”, desabafa.

MUDANÇAS

O processo de ocupação da rua por meio da arte também acaba, de maneira indireta, promovendo mudanças posi-tivas nos locais por onde finca raízes. Onde há movimento, de acordo com o organizador, é mais difícil que ocorra al-gum tipo de violência.

Além disso, o projeto en-tende o que espaços públicos, tomados por arte, trazem

sos” para o contingente artís-tico que Fortaleza possui. Por outro lado, ele acredita que montar uma apresentação nas ruas proporciona um am-biente acolhedor e aconche-gante, sem qualquer fronteira entre os dois elementos que compõem o espetáculo: o ar-tista e o público.

Para ele, a ocupação da rua através da arte é essen-cial porque possibilita um momento mágico e poético para ambos. “A gente vê na rua muita banalidade, tanta gente querendo fazer justiça com as próprias mãos, então vamos pegar as mãos e fazer uma coisa mais interessante: vamos aplaudir”, sugere.

Aberto não possui qualquer apoio ou patrocínio. Os even-tos ocorrem através da cola-boração do público durante as apresentações e do apoio de outros artistas. Afinal, a inten-ção é fazer com que a arte dos palcos seja influenciada pela filosofia das ruas: um espaço de todos e para todos.

“O que acontece aqui é uma soma. A pessoa vem, traz o seu material de apresentação e os artistas ficam à vontade até pra dividir algum material com os outros se ele quiser. Aqui acon-tece uma verdadeira confrater-nização nossa”, explica David.

Um dos motivos pelos quais o projeto se apropriou das ruas como palco foi devido à burocracia imposta pelas secretarias de cultura do Es-tado e do Município para fomentar essas expressões artísticas. Apesar disso, Da-vid acredita que o artista não deve se prender apenas a ór-gãos governamentais ou edi-tais de financiamentos para apresentar um espetáculo.

“O mundo é um palco”, pro-clamou uma vez o dramaturgo inglês William Shakespeare (1564 - 1616). É exatamente por isso que muitos artistas percebem a rua como um es-paço propício para dar vasão à própria arte. Por ali, não se limitam a um ambiente fecha-do, sofisticado e de público se-leto. Para eles, a rua é dona do espetáculo e também agente de transformação de cenários e experiências. A plateia se forma aos poucos. Os curiosos se juntam às pessoas já pre-sentes nas praças e espalham o convite por meio do boca a boca. Todos são bem-vindos.

Sob estes preceitos, grupos e projetos independentes de teatro se organizam para le-var às ruas o drama e a comé-dia que, para eles, não pode se restringir a posição de um palco convencional. É assim que o projeto Palco Aberto vem ocupando os espaços pú-blicos de Fortaleza e Maraca-naú (Região Metropolitana), fazendo de um mero local de passagem um espaço de per-manência e encontros.

Em atividade há um ano, o projeto foi idealizado pela Companhia Itinerante de Malabares (CIM) e está, em Fortaleza, sob organização do grupo As 10 Graças. O conjun-to trabalha com a palhaçaria (a arte de fazer palhaço) e teatro de rua, realizando performan-ces nas praças da Capital.

David Santos, integrante do grupo e responsável pelo Pal-co Aberto, diz que esse traba-lho de ocupação é feito “como ato de resistência e de profis-são”. “É da rua que a gente tira nosso sustento”, pontua.

Como muitos projetos ar-tísticos do gênero, o Palco

Artistas de Fortaleza e de Maracanaú encontramnas praças a solução para dificuldade de pautasnos equipamentos culturais

A rua como palco livre de expressão artística

uma nova perspectiva até para aqueles que vivem em si-tuação de rua. “A gente mos-tra pra eles que existem uma profissão digna, que dá pra se sustentar, que é possível”, diz.

A arte como meio de vida foi o que trouxe Maurício Rodrigues para se apresentar no Palco Aberto. O ator, pa-lhaço e “excêntrico musical” – como gosta de se definir – se aventura no meio artísti-co há dez anos. “Eu comecei com teatro e enveredei para a música, depois de um tempo eu conheci a palhaçaria e o circo”, relembra.

Vindo de Maracanaú com seu personagem, o palhaço Batuta, Maurício observa que fazer arte de rua tem a ver com dedicação e persistência, além de ser um meio “mais descontraído” se comparado aos palcos tradicionais.

O ator explica que escolheu as ruas como local de apresen-tação após um teatro ter lhe fechado as portas. “Hoje em dia, depois de muitos anos, fazer teatro de rua é uma es-colha. Naquela época, eu não tive outra opção, então essa era a única possibilidade pra apresentar a minha arte”.

Na opinião de Maurício, os palcos da cidade são “escas-

O que acontece aqui é uma soma.

A pessoa vem, traz o seu material de apresentação e os artistas ficam à vontade até pra dividir algum material com os outros se ele quiser.

DAVID SANTOS integrante e responsável

pelo Palco Aberto

O Palco Aberto é um evento mensal que procura fomentar a ocupação de espaços públicos através da mistura de diferentes linguagens artísticas dentro de um picadeiro de circo.O projeto é uma oportunidade de expressão para artistas profis-sionais e amadores, que procuram a comunhão das artes em geral, com a rua. Um convite à população pra conhecer mais de perto o mundo das artes de rua.Em Fortaleza, o projeto é encabeçado pelo grupo “As 10 Graças” sempre na Praça da Gentilândia, no bairro Benfica. Já em Maracanaú, tem organização do Grupo Garajal de Teatro.

Saiba Mais

O malabarismo é uma linguagem marcante no Palco Aberto, já que a Praça da Gentilândia também é uti-lizada como espaço de treino pelos artistas. Foto: David Medina

Serviço: Palco Aberto

FortalezaPrimeira terça-feira de cada mêsPraça da Gentilândia – Avenida 13 de maio, s/n, BenficaMais informações: facebook.com/As10Gracas

MaracanaúSegunda quinzena do mêsPraça Vademar de Alcântara – Av. Central, s/n, CentroMais informações: facebook.com/GrupoGarajaldeTeatro

Sociabilidade diminui a sensação de insegurança, diz pesquisadoraA ocupação dos espaços pú-blicos através de manifesta-ções artísticas tende não só promover novos artistas como também a diminuir a violên-cia. Lugares como praças e bairros onde não há pessoas transitando ou em que não haja nenhum tipo de atividade, na maioria dos casos, geram a sensação de insegurança. É o que afirma a professora Jânia Perla Diógenes, antropóloga

e pesquisadora do Laborató-rio de Estudos da Violência (LEV), vinculado ao curso de Ciências Sociais da Universi-dade Federal do Ceará (UFC).

Segundo ela, as pessoas ten-dem a escolher frequentar lo-cais fechados, como shoppin-gs, por conta da violência. As intervenções artísticas trans-formam o espaço público, amenizando os riscos. Para a pesquisadora, a arte de rua

é uma forma de resistência e um investimento na qualida-de de vida das pessoas.

Apresentações de teatro, malabares e arte circense nos espaços públicos, fomentam relações sociais pautadas no “face a face”, defende Jânia. “Um certo tipo de sociabi-lidade que você tinha antes desse crescimento absurdo das cidades nas últimas déca-das”, recorda.

Praças

Em seu espetáculo, o palhaço Batuta rege sons, graças e faz da roda uma orquestra. Foto: Eduardo Cunha

Fortaleza - CE MAIO/2015

Page 4: Impressões #37 - Ocupação do Espaço Público

4REPORTAGEMCamila Lima e

João Paulo Martins

Arte engajada

Na Rua #2

Ocupar possui diversos sig-nificados. Pode ter o sentido de tomar posse, preencher, ha-bitar ou até mesmo dedicar-se a um lugar. Entretanto, diver-sos fatores podem dificultar a ocupação da rua pelos cida-dãos. Na Praia de Iracema, por exemplo, um dos principais re-dutos turísticos de Fortaleza, a ocupação das ruas encontra sua dificuldade na insegurança dos moradores. Mas há cole-tivos e artistas que se mobili-zam para mudar esse cenário por meio do desenvolvimento de ações culturais para o lo-cal. Um desses coletivos, com ações voltadas principalmente para a rua, é o projeto #ocuPI.

Formado no final de 2014, o #ocuPI surgiu após diver-sos debates sobre os proble-mas encontrados na região da Praia de Iracema. A ideia nasceu após a compra de um sobrado na Rua das Tabaja-ras, batizado de Multikasa. “A gente viu que não adiantava somente pensar do muro pra dentro, mas pensar ações do muro pra fora”, reflete Karel Guerra, produtor cultural e integrante do grupo.

O projeto está divido em quatro eixos: intercâmbio cul-

tural, eventos (lazer, oficinas, workshops etc), produção de artistas locais e independen-tes e formação cultural. O grupo prevê diversas ações a serem desenvolvidas na co-munidade, como o “Graffita-ço” na Rua Alegre, Oficinas de Horta Urbana e possíveis ações na comunidade Poço da Draga.

Entre os problemas da re-gião, apontados pelo grupo, há o consumo de crack, a prostituição e a insegurança. Até março deste ano, a região da Praia de Iracema e zona litorânea (Área Integrada de Segurança 6) já contabilizava 547 casos de furto segundo a Secretaria de Segurança Pú-blica do Ceará. “A única coisa que vai resolver é se a gente se juntar e ocupar a Praia de Iracema”, afirma Guerra.

Para um maior engajamen-to dos moradores, o coletivo realizou a primeira reunião aberta no último mês de mar-ço. Os participantes falaram livremente sobre propostas para a comunidade. “A gente descobriu que o nosso diá-logo não pode se restringir a apenas comunicar aos mo-radores o que vai acontecer, mas também conversar com eles antes que as coisas acon-teçam. Aí sim, a gente conse-gue ter mais força”, comenta Paulo Winz, outro integrante do grupo.

Sobre as ações propostas pelo grupo, Francisco Carlos Oliveira, dono do bar Min-charia, aprova. “Eu acho in-teressante, desde que façam a coisa acontecer. Porque já

vieram muitas pessoas com propostas, cheias de ideias, de vontade. Mas tem que ti-rar do papel”, ressalva.

MÚSICA NOS TABAJARAS

O coletivo Fertinha, for-mado por Estácio Facó, Cé da Silva, Bia Turri, Darwin Marinho e Erick Amorim, é responsável pela festa de mesmo nome na Rua dos Ta-bajaras, também na Praia de Iracema. O evento, aliado a outros estabelecimentos da região, movimenta as noites dos Tabajaras.

O grupo de DJs se reuniu primeiramente no início de 2012, no antigo Brom’s Hard Rock Café. O espaço limita-do do estabelecimento foi o responsável por fazer da rua um lugar importante para a Fertinha. “A rua é uma exten-são da festa”, conta Darwin Marinho, um dos proprietá-rios do restaurante Mambem-be - comida e outras artes.

Com grande influência da música brasileira, a festa é um espaço que atrai um pú-blico de diversos lugares. “Quando o evento veio pra Praia de Iracema, as pessoas que frequentavam o Dragão do Mar, o Benfica e outros lugares da cidade, passaram a vir", relembra Estácio, um dos fundadores do evento, ao lado de Erick Amorim. Com a festa, "muitos passaram a olhar a Praia de Iracema de outro jeito. Como um lugar que a pessoa pode habitar", completa Darwin.

Sobre o evento, o paisagista Ney Filho, 39 anos, acredita na influência positiva que a festa tem na Praia de Irace-ma. “Eu sempre venho por-

que encontro meus amigos e gosto muito dessas músicas sem preconceitos, né? Acho que o pessoal da Fertinha tem uma força legal pra fazer esse pessoal jovem, uma nova galera, frequentar a Praia de Iracema”.

PRISMA

A Companhia Prisma de Artes, fundada há 30 anos por Raimundo Moreira, era um grupo da Igreja Católica que participava de eventos promovidos pela paróquia do bairro Dias Macedo. Hoje, o coletivo tem sede própria e se tornou um grupo de tea-tro junto à comunidade, não só do Dias Macedo, mas de

outras próximas como Boa Vista e Castelão.

Com seis integrantes, o grupo ministra “oficinas de teatro, não deixando o jovem se perder, principalmente aqui no Dias Macedo, onde a questão das drogas é bem acentuada”, diz Luisla Carva-lho, coordenadora e filha do idealizador da companhia.

O Projeto Arte na Praça, desenvolvido pelo coletivo, leva mensalmente espetácu-los para uma praça do bairro. O grupo também promove intervenções na própria sede, como cursos gratuitos de web-TV comunitária, informática e design gráfico.

Apesar de alguns desafios - como problemas de infra-estrutura, marginalização, insegurança para o público e plateia -, o Prisma continua estimulando o engajamento da comunidade. Para isso, o coletivo faz uso das redes so-ciais, da visitação às escolas, panfletagens e carros de som para divulgar a programação.

Praia de Iracema e Dias Macedo possuem ações que atraem os moradores para o convívio da rua, em combate à sensação de insegurança e de abandono

Coletivos artísticos pensam ações “do muro para fora”

Não adiantava somente pensar do muro pra dentro, mas tem que pensar ações do muro pra fora.

Karel Guerra, Produtor cultural

Crimes violentos letais 09

Apreensão de cocaína 0,01 kg

Apreensão de crack 0,01kg

Apreensão de maconha 0,37kg

Ocorrências na Área Integrada de Segurança 6 (AIS 6)

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Ceará

Mais informações:Coletivo Prisma de Artes

Rua Maria Saraiva, 41Dias Macedo, Fortaleza - CE

Coordenadora: Luisla Carvalho

Coletivo #OcupiRua das Tabajaras, 554

Praia de Iracema, Fortaleza - CE

O coletivo pretende engajar os moradores da região nas ações desenvolvidas. Entre elas estão: um Grafittaço na Rua Alegre e um workshop de Horta Urbana. (acima) Foto: Paulo Winz. O grupo formado em 2012 possui uma grande influ-ência da música brasileira. (abaixo) Foto: Clara Capelo.

3,22kg

29

0,78kg

3,83kg

jan a mar de 2015 2014

O coletivo oferece oficinas de web--tv, informática e teatro gratuitas para os moradores do Dias Macedo e arre-dores. Foto: Divulgação.

Ministramos oficinas de teatro, não deixando o jovem se perder, principalmente aqui no Dias Macedo onde a questão das ué bem acentuada

Luisla Carvalho, coordenado do Prisma de Artes.

Fortaleza - CE MAIO/2015

Page 5: Impressões #37 - Ocupação do Espaço Público

Nas telas

5

Na Rua #3

REPORTAGEMBreno Reis e

Eduardo Oliveira

equipamento de filmagem e pelos “estrangeiros” que não moram na comunidade. A primeira rua escolhida pelo coletivo foi a São José, pro-cesso que resultou no vídeo “O Pessoal da São José”. Ago-ra o grupo está produzindo um curta-metragem na Rua General Titan, uma das áreas mais antigas do bairro e ame-açada de remoção.

CINECLUBE

Os vídeos realizados pelo Coletivo Audiovisual do Ti-tanzinho são exibidos no ci-neclube itinerante também criado por eles, o Cine Ser Ver Luz. “Nós estamos indo pra lugares que ainda não fo-mos, como a região Ponta-mar. A interação das pessoas com a tela, com o que está ro-lando na vida delas, já mostra pra gente o impacto”, afirma Deisimer. Segundo Fabíola, a contribuição espontânea dos moradores têm auxiliado as atividades do projeto: “Eles colaboram como podem, com energia, espaço, cadeiras… Sempre tem alguma coisa”.

No bairro Serviluz, a vida da comunidade do Titanzi-nho transcorre entre o mar, a praia e a porta de casa. À noite, o movimento nas ruas é tão intenso que a população chegou a construir lombadas para desacelerar o fluxo de ve-ículos e priorizar a segurança dos pedestres. “A rua é exten-são da casa. As pessoas se di-vertem, brincam, conversam, fazem quase tudo na rua”, diz Pedro Fernandes, coordena-dor da Associação dos Mora-dores do Titanzinho.

Interessado por fotografia e audiovisual, Pedro tem parti-cipado de diversos coletivos que fomentam a ocupação das ruas do bairro com arte. Essas organizações têm in-centivado a produção audio-visual local e a circulação des-se conteúdo na comunidade.

Uma dessas iniciativas par-tiu da professora Deisimer Gorczevski, do Instituto de Cultura e Arte da Universi-dade Federal do Ceará (ICA-

deo as ruas da comunidade. Essa atividade integra uma performance denominada “É preciso aprender a falar com estranhos”, que acontece em três etapas, como explica Dei-simer: “O primeiro estágio foi ir pra uma rua que grande parte do grupo não conhecia, para conhecer pessoas e esse ambiente que a gente nunca tinha visto antes. Num segun-do momento, a gente retorna para aqueles que marcaram a nossa história lá. Então a gen-te passa a conversar com es-tranhos. Depois a gente volta mais algumas vezes para con-viver com eles. Aí produzimos o vídeo da rua com essas pes-soas trazendo suas histórias, e a própria rua se comunicando. É ela se mostrando nesse ví-deo”.

Esse processo performá-tico de aproximação tem por objetivo minimizar o es-tranhamento causado pelo

Coletivo Audiovisual do Titanzinho registra as ruas da comunidade em curtas-metragens e os exibeao ar livre no Serviluz

A rua no cinema e o cinema na rua

Produzimos o vídeo da rua com essas pessoas trazendo suas histórias, e a própria rua se comunicando. É ela se mostrando nesse vídeo.

Deisimer Gorczevski,Professora da UFC

BR-116: Um filme para percorrer a estrada e descobrir-seA BR-116 é uma rodovia lon-gitudinal, que começa em Fortaleza e tem fim em Ja-guarão, município brasileiro fronteiriço ao Uruguai. É um trajeto construído para deslo-camentos e viagens, mas o que buscam as pessoas que deixam suas cidades fazendo uso des-sa estrada? Empregos, amores, ou a descoberta de si?

Foi a partir dessa dimensão do exílio que a realizadora Rúbia Mércia, também coor-denadora da Escola Pública de Audiovisual da Vila das Artes, idealizou seu novo longa, in-

titulado com o nome da via, “BR-116”.

Para Rúbia, o desejo de ca-minhar vem muitas vezes de uma relação de desconstrução da vida ou de angústia. Em “BR-116”, ainda em fase de pes-quisa e captação de recursos, a rodovia aparece como lugar de experiência. “A estrada tem esse sentido de expansão, de dar norte a uma personagem”, explica Rúbia. Percorrer a es-trada torna-se um processo de cura e auto-entendimento.

No filme, a cantora Celeste decide percorrer toda a BR-

116 após romper com o mari-do, também músico. Escrito em parceria com a realizadora Irene Bandeira, o longa é fic-cional, mas com brechas no documentário. Essa relação estética ficará mais nítida com o processo de filmagem, que tem como proposta o risco de usar a estrada como dispo-sitivo. “É como se a vida dela recomeçasse a cada cidade, a partir desses encontros que vão se dar na rua, com os peri-gos da estrada, com as pessoas que a habitam”, conta Rúbia. Da fuga, o encontro.

Além de diversão e entrete-nimento, as exibições ajudam a reconhecer a identidade da comunidade. “Muitas pessoas moram lá no Serviluz e eles não sabem o valor que tem o local”, pondera Pedro.

Vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Artes da UFC, o Coletivo Audiovisual do Titanzinho tem conquis-tado aprovações dos editais, o que garante vida longa para a iniciativa. “Os últimos editais têm permitido à gente avan-çar mais, estar mais presente de forma concreta em lugares específicos. Como moradora, eu fico feliz, porque em geral não se leva esse tipo de ativi-dade pra comunidade por se achar que não vai ter público. Mas não, sempre que a gen-te vai, tem público: infantil, adulto, idoso”, avalia Fabíola. Contudo com as perspectivas de expansão dos projetos do coletivo, que podem permitir que o Serviluz continue a ser, a ver e a luzir.

As exibições do cineclube itinerante Ser Ver Luz divertem os moradores do Titanzinho, que sempre colaboram como podem (acima). Foto: Priscilla Sousa.

Saiba mais:Assista ao curta “O Pessoal da São José” no YouTube: https://youtu.

be/7jjWkj3I3UM

Longa-metragem

-UFC). Deisimer chegou ao Titanzinho em 2011, através de sua bolsista Fabíola Go-mes, estudante de Cinema e Audiovisual na UFC. Nascida no Serviluz e integrante da as-sociação de moradores, Fabí-ola viu no projeto de “in(ter)venções” urbanas de Deisimer a oportunidade ideal de juntar a vontade de fazer cinema às suas experiências comunitá-rias. No Titanzinho, a Pesqui-sa In(ter)venções - um coleti-vo de voluntários e estudantes - propôs oficinas, rodas de conversas, e começou a car-tografar e divulgar o conteúdo audiovisual local para a po-pulação. Desde 2011, o grupo organiza anualmente a Mostra Audiovisual do Titanzinho, exibindo a céu aberto vídeos realizados na comunidade ou que dialogam com a identida-de e as questões do Serviluz.

Os integrantes da pesquisa formaram, em 2014, o Coleti-vo Audiovisual do Titanzinho, que tem documentado em ví-

Da esquerda para a direita, Irene Bandeira e Rúbia Mércia. Idealizadoras do filme BR-116. Foto: Eduardo Oliveira.

Ilustração: Ramon Cavalcante.

Fortaleza - CE MAIO/2015

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ReportagemFotografia

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Expressões como “sair para fotografar”, “expedições fotográficas” ou mesmo “rolé” também são utilizados para nomear esses passeios fotográficos

Fotopasseios revelam uma nova Fortaleza a profissionais e amadores

Das analógicas às digitais, as câmeras ganham as ruas da cidade nos chamados foto-passeios. Nesses encontros, um grupo de fotógrafos, en-tre profissionais e amadores, se reúne para descobrir outra Fortaleza através das lentes. As reuniões são pensadas, principalmente, para sociali-zar conhecimento sobre foto-grafia na prática, vivenciando os lugares e as situações que a cidade oferece.

No Centro de Fortaleza, a Catedral, o Passeio Público e o Mercado Central, são es-paços comumente visitados pelos encontros. Outros pon-tos, como a Praça Luíza Tá-vora e a Casa José de Alencar, também são utilizados para reunir professores e alunos em aulas a céu aberto.

Igor Grazianno, fotógrafo e professor da Travessa da Ima-

gem – Produtora e Escola de Fotografia, conta que a ideia dos fotopasseios é fazer com que as pessoas se relacionem e conheçam melhor a cidade onde vivem. “Tem gente que nunca foi no Mercado São Sebastião, ou na parte de bai-xo da Catedral de Fortaleza. Então a câmera fotográfica é usada como uma forma de acesso e permite que as pes-soas conheçam outras cultu-ras”, defende.

Mais do que propiciar o co-nhecimento de outras cultu-ras, os fotopasseios são meios de produzir o próprio cená-rio cultural de Fortaleza. Igor conta que desses encontros já nasceram projetos de ensaios fotográficos com maior am-plitude nos registros.

“A cidade precisa ser vista para ser preservada. Acredito que quando a gente ocupa as

ruas com as câmeras fotográ-ficas, produzindo imagem, a gente está ocupando a rua com cultura.”

É nessa mesma linha de pensamento que trabalha o italiano Antonello Veneri. O fotógrafo mudou-se para o Brasil em 2011 e, desde então, documenta a humanidade do seu “novo país”. Há três anos, Antonello fotografou os mo-radores de rua na capital ce-arense para o trabalho “For-taleza dos Seres Invisíveis”. Decidido a captar com pro-fundidade o cotidiano dessas pessoas, o fotógrafo optou por viver a rua junto delas. “Pra ter o respeito dessas pes-

soas que você fotografa, tem que viver e compartilhar o dia a dia deles. Todo o meu tra-balho é focado no cotidiano”, explica.

Os fotopasseios, apesar de proporcionarem uma vivên-cia pontual da cidade, con-

tribuem para que os olhares se intensifiquem e os espaços urbanos sejam vistos de outra forma. Esse é o retorno mais importante que esses encon-tros dão a designer Louize Ferreira. “Passamos muito rápido pelos locais e não per-cebemos as belezas que eles podem nos oferecer, tanto na parte arquitetônica, como também nos costumes das pessoas.” Ela conta que “não valorizamos o que temos em nossa cidade” e, por isso, as saídas fotográficas aprofun-dam as ideias sobre Fortale-za. “Nunca iria imaginar que um espaço tão comum, como o Mercado São Sebastião, po-deria render tantas fotos bo-nitas”, completa.

Segundo Igor, os encontros podem servir ainda como terapia para aqueles que en-frentam problemas pessoais. “Ir para as ruas também ajuda as pessoas nos dramas mais íntimos. Sempre tem pessoas que estão passando por uma depressão e vêm buscar for-ças na fotografia”, comenta.

Outro objetivo das saídas fotográficas é a socialização entre os fotógrafos e estu-dantes de fotografia. Para o professor de fotografia da Casa Amarela, Fernando Jor-ge, a ajuda é mútua durante as reuniões.

“Há pessoas com diferen-tes níveis de conhecimento. Tem do básico, que a gente começa a ensinar do zero, e tem gente com uma base de conhecimento maior, então

O Fotopasseio convida profissionais e amadores a explorarem e redescobrirem a cidade através da fotografia. Foto: Travessa da Imagem.

Alunos da Travessa da Imagem buscando novos olhares para fotografar as ruas da cidade. Foto: Travessa da Imagem.

Nascido na Itália em 1973, Antonello vive no Brasil há quatro anos. Trabalha como fotógrafo para o maior jornal da Itália, “La Repubblica”. É autor de vários trabalhos documentais e reportagens fotográficas. Em 2014 venceu o Prêmio National Geographic Itália com a reportagem “Il mio viaggio”. Apesar do prestígio, Antonello não se considera um artista, pois ‘precisa das pessoas’. “O artista precisa trabalhar em cima do proprio ego, é um trabalho por dentro. A fotografia é um trabalho por fora.”

Saiba mais em:www.antonelloveneri.com

A cidade precisa ser vista para ser preservada. Acredito que quando a gente ocupa as ruas com as câmeras fotográficas, produzindo imagem, a gente está ocupando a rua com cultura.

Igor Grazianno, Fotógrafo e professor

“Eu não me considero

artista” ANTONELLO VENERI

Fortaleza - CE MAIO/2015

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7REPORTAGEM

Nathanael Filgueiras eNyara Cavalcante

Reportagem

Expandindo a cidade em hashtagsChegando ao Theatro José de Alencar é possível per-ceber um grupo de jovens com câmeras e smartphones a postos, esperando o foto-passeio marcado para aquela tarde de sábado. Os laços for-mados pela fotografia se in-tensificam a cada reencontro, que acontecem quase todos os fins de semana.

Esses encontros são co-muns para os doze estudan-tes que estavam presentes. Os estudantes de publicida-de Gabriel Caúla e Zayron D’Ângelo são amigos de lon-ga data e relatam que, nesses momentos, a fotografia vem como um bônus. “A melhor coisa de passar a semana lon-ge dos seus amigos, longe das pessoas que você gosta, é quando chega o fim de sema-

na, e você encontra com eles e saem assim pra aproveitar o dia e fotografar”, relata Ga-briel.

Seja na Beira-Mar, no Par-que do Cocó ou no Dragão do Mar, as risadas são fáceis e os dedos são rápidos a cada cena que renderia uma boa foto. Enquanto uns capturam, ou-tros interagem com o am-biente, posando para retratos junto à arquitetura do lugar. Todos os cliques ganharão, em breve, camadas de filtros, hashtags e algumas dezenas de likes nas redes sociais. Es-ses aplicativos, além de publi-cizar as imagens, também são uma forma de encontrar no-vos amigos interessados em fotografia. “Quando a gente quer conhecer novas pessoas, a gente vai no Instagram, vê

Convívio

quem é de Fortaleza dos nos-sos seguidores e acaba cha-mando eles”, conta Zayron.

Após alguns passos, alcan-çamos o fim de uma visita guiada. Chegamos ao cama-rim, um dos últimos cômo-dos exibidos no percurso. Ali as câmeras não tiveram sossego, pois luzes e espelhos embelezavam as imagens. Muitos dos que participavam não tinham entrado naquele espaço e experimentavam, pela primeira vez, estar onde tantos artistas já estiveram.

Experiências que enri-quecia o ‘viver a cidade’ de Amanda Vitória, estudante de informática. “Eu não gos-tava do meu país, da cidade onde eu morava, exatamen-te por não conhecer o lugar onde eu estava vivendo”.

Fotos feitas durante passeio. De cima para baixo, assinam:@louizefc; @omundodela_; @zddangelo; @cauluac; @stephaniegsousa.

os próprios alunos vão con-versando e se orientando”.

Fernando explica que os fo-topasseios para os alunos são divididos em três momen-tos. Primeiramente, a turma é livre para fotografar o que quiser; essa fase é ideal para realizar testes técnicos com a câmera. Em um segundo e terceiro momentos, os alu-nos devem captar fotografias com mensagens mais diretas e claras. Finalizado o encon-tro, a aula seguinte é destina-da a reflexão e à análise das

imagens fotografadas. O pa-pel social desses encontros está ligado também à luta contra a violência urbana. O medo de ser assaltado du-rante uma saída fotográfica é comum entre os fotógra-fos, mas o estigma de certos pontos da cidade como pe-rigosos é rompido quando os fotopasseios chegam até eles. Segundo Fernando, a violência urbana é sempre uma pauta discutida entre os alunos, devido ao temor que alguns locais causam.

“Geralmente fazemos o percurso ‘Dragão do Mar - Ponte dos Ingleses’, passa-mos em frente à ponte metá-lica e pra muita gente aquilo é o terror. Eu luto muito para quebrar isso, justamente para fazer com que as pesso-as ocupem e conheçam ou-tros locais”, comenta.

NOVO OLHAR

Nos passeios fotográficos, os mínimos detalhes não passam despercebidos. São,

em média, 20 participantes clicando as experiências do fotografar em coletivo. Ape-sar da quantidade de fotó-grafos em um mesmo local, é garantida a distinção nas fotografias.

A estudante de jornalismo Stephanie Sousa participou do seu primeiro fotopas-seio no Centro de Fortaleza e conta que a experiência é única e pessoal, o que tam-bém reflete nas produções. “Estar num fotopasseio não significa que todo mundo vai fotografar as mesmas coisas, do mesmo jeito. Por isso eu procuro mudar os posiciona-mentos de câmera pra dife-renciar dos padrões que todo mundo segue.”

O primeiro fotopasseio de Stephanie foi organizado pelo projeto Percursos Urba-nos, do Coletivo Mediação de Saberes. A estudante de jornalismo resolveu fotogra-far cada momento que lhe chamou a atenção. “É muito legal porque, ao mesmo tem-po em que você está tirando fotos, que é algo que você gosta de fazer, você também está ouvindo e aprendendo sobre aqueles lugares”, pon-tua Stephanie.

O sociólogo e criador do projeto, Júlio Lira, explica que o Percursos Urbanos bus-ca visitar lugares de Fortaleza, levando uma proposta estéti-ca e educativa de se relacionar com a cidade, criando pautas culturais e sociopolíticas em todo o Ceará. “É uma inten-ção política de discutir deter-minados temas. Não é só um passeio, queremos promover discussões sobre os lugares.”

A qualidade do equipamento não é o mais importante nos fotopasseios. Encontrar ângulos e enquadramentos diferenciados é o que buscam os participantes. Foto: Nyara Cavalcante.

Cliques

Passamos muito rápido pelo locais e não percebemos as belezas que elas podem nos oferecer, tanto na parte arquitetônica, como também nos costumes das pessoas.

Louize Ferreira,Designer

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REPORTAGEMAntonio Laudenir e

Lucas Barbosa

Comércio religioso

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Na Rua #4

pai, Robério diz preferir que elas estudem, consigam um emprego melhor.

“Se você me perguntar o

que significa essa vida, para eu lhe responder, eu queria que as pessoas olhassem para nós como pais trabalhado-res. Tem pessoas que olham para gente diferente. Eles pensam que é fácil mudar de ramo. Não tem outro ramo. A cada ano que se passa a tendência é aumentar ainda mais os vendedores aqui”, fi-naliza Robério.

na qual Fortaleza completa 289 anos de fundação, uma chuva de 60 mm banha a cidade. Robério olha para o céu. A freguesia ameaça cair. “Fiel que é fiel, vem”, diz, confiante.

A chuva dá uma trégua. São 14 horas e a celebração minis-trada pelo pároco Francisco Ivan de Souza movimenta o entorno. Mesmo com a que-da do movimento por conta da chuva, o público que com-parece à igreja é suficiente não só para lotá-la, como para transbordá-la, levando muito dos religiosos às bordas do lo-cal, já saindo do templo. Nes-se momento, os fiéis já divi-dem espaço com as barracas de comércio que lá se insta-lam tão religiosamente quan-to as celebrações à Fátima.

São cerca de 85 dessas barra-cas, tanto na frente imediata da Igreja de Fátima, quanto na praça frontal ao templo, do outro lado da avenida. O obje-tivo de tais tendas é saciar os fiéis, tanto espiritual, quanto fisicamente. Daí, haver de ca-misas e CDs de louvores a ba-tatas-fritas e água. A venda dos santos, entretanto, se destaca. O item se apresenta como o mais procurado pelos fregue-ses e, consequentemente, dos barraqueiros. A imagem mais vendida por Robério é Fátima. Os preços podem variar, mas Fátima é campeã de vendas em todos os lugares por onde a barraca de Robério passou. Há outros nomes também bastante procurados, garante o comeciante, como o de São Francisco, Nossa Senhora das Graças e Coração de Jesus. Os produtos são manufaturados em Canindé.

O OFÍCIO

“Já nasci aprendendo a ven-der imagem. Aprendi com meu pai e minha mãe. Saia do colégio e ia ajudar ele, ficava na barraca quando meu pai ia almoçar e estou até hoje nes-se ramo”, recorda Robério. A rotina naquele pedaço de chão seguira até às nove ho-ras da noite. Solitário, garan-te que termina o desmonte da barraca por volta de meia noite. “O dia 13 me ajuda a completar a renda em casa. Mas é muito cansativo, meu amigo”, desabafa. Só chegará em Canindé por volta de três

É maio de 1917. Lúcia, a mais velha, tem dez anos e está com os primos, Francisco e Jacinta, nove e sete anos, res-pectivamente. São pastores e brincam sem se preocupar com as ovelhas que vigiam. Ao meio-dia, detêm-se a rezar o terço e fazem rápido. O in-tuito é acabar logo para retor-narem à diversão. Ao termi-nar as orações, depararam-se com a Virgem Maria pairando acima de uma árvore.

Assustados, Jacinta e Fran-cisco apenas observam a apa-rição conversar com Lúcia. Ela pede que os pequenos re-zem o terço e que retornem àquele mesmo local todo dia 13 de cada mês. O encontro aconteceria pelos sete meses seguintes e, nesse período, as crianças ouviram da apari-ção o conjunto de revelações, conhecidos como “Segredos de Fátima”. A história gerou peregrinações, e, no local, foi erguido um santuário para a Nossa Senhora de Fátima.

É 12 de abril de 2015. Fran-cisco Robério organiza as imagens de santos em gesso necessárias para levar na via-gem. São 118 km separando Canindé, onde o pai de duas filhas reside, e a capital For-taleza. A missão desse cea-rense de 44 anos é montar a barraca na praça da Avenida 13 de Maio, situada em fren-te à igreja de Fátima.

O vendedor chega ao des-tino no final da tarde do dia anterior e a montagem da barraca segue até uma, duas horas da manhã. Robério dorme debaixo da barraca. É “sofrido”. “É coisa só para quem quer ter responsabili-dade”, afirma.

O 13 de abril começa cedo. Aos poucos a multidão de fiéis, majoritariamente ves-tida de branco, aglomera--se no Santuário Nossa Se-nhora de Fátima. Na data

No Bairro de Fátima, o dia 13 está além da religiosidade. É sinônimo de resistência e busca por dias melhores

Calçadas a serviço da fé e da labuta

horas da manhã.Já são 35 anos nesse traba-

lho. Um dos mais experien-tes comerciantes das feiras dos dias 13, o cearense acu-mula rodagem de comércios religiosos tais como o do Círio de Nazaré, em Belém--PA, e o Santuário Nacio-nal, em Aparecida-SP. “Eu conheci o Brasil todinho só vendendo santo”, orgu-lha-se o comerciante. Na 13 de Maio, está desde o tem-po em que poucos eram os concorrentes de barracas. A função é vista de forma pragmática: “Se tivesse em-prego bom não estaria aqui.”

Na praça, que leva o mesmo nome da avenida, são 53 barra-cas, dispostas uma ao lado da outra, todas com frentes vol-tadas à igreja. Em sua maio-ria, construídas com lonas e armações de madeiras para fácil montagem e desmonta-gem. Não permitiam estrutu-ra maior do que a de manter à exposição os objetos à ven-da e manter os proprietários protegidos das intempéries climáticas — algumas nem isso, e o dono precisava es-

capar da chuva daquele dia 13 com um outro aparato, como um guarda-chuva ou uma ou-tra estrutura de lona.

Outro problema é saciar as necessidades fisiológicas: só mediante abandono do ponto — e do arranjo do indivíduo, já que sequer um banheiro químico é disposto. Alimen-tação e hidratação também precisam ser arranjadas.

Tais adversidades do ofí-cio ainda são acompanhadas da escassez e incerteza do dinheiro. As vendas estão submetidas a pessoas tão vul-neráveis às flutuações eco-nômicas quanto os comer-ciantes. Na primeira vez em que Francisco Robério botou ponto na 13 de Maio, não conseguiu o suficiente para voltar. Quando perguntado se as filhas seguirão os passos do

O vendedor chega ao destino no fim da tarde do dia anterior

e a montagem da barraca segue até

uma, duas horas da manhã.

Se tivesse emprego bom não estaria aqui.

FRANCISCO ROBÉRIOVendedor

As celebrações à Fátima acontecem todos os meses, nos dias 13. Cerca de 30 mil pessoas passam pela Igreja nesses dias, em missas cele-bradas, de hora em hora, das 5h às 20h.A cerimônia ocorre em alu-são à aparição da Santa a três crianças portuguesas, em 13 de maio de 1917. Na ocasião, de acordo com a tradição ca-tólica, Fátima pediu às crianças que fossem ao local todos os dias 13, pelos meses seguintes.

A jornada das crianças virou tradição católica.Em Fortaleza, a tradição se sucede desde a inauguração da Igreja de Fátima, em 1954. Estima-se em 30 mil o número de pessoas que passam pela Igreja nos dias 13. No 13 de maio, esse número chega a 50 mil. Na procissão ocorrida nos dias 13 de maio, são cerca de 150 mil fiéis participando, no percurso que se inicia na Igreja do Carmo, no Centro, e vai até a Igreja de Fátima.

Dia 13 em fatose números

Por conta dos 35 anos dedicados à venda de imagens, Robério percorreu vários estados do país. Foto: Antonio Laudenir

São cerca de 85 dessas barracas, tanto na frente

imediata da Igreja de Fátima, quanto na praça frontal ao

templo, do outro lado da avenida.

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Maracatu

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Entrevista

REPORTAGEMAnderson Cid e

Karoline Rodrigues

Quando o Az de Ouro passa, a rua testemunhaO Maracatu Az de Ouro, fundado em 1936, é o primeiro e mais antigo maracatu da cidade. Criado a partir de influências do maracatu de Recife, o Az vem, desde 1937, construindo a memória afetiva e cultural de avenidas como Duque de Caxias e Domingos Olímpio. Nesses 79 anos de tambores, balaios, ganzás, chocalhos e triângulos, o Az de Ouro traz em sua bagagem memórias da cidade, dificuldades, como a falta de espaço para ensaio e apoio financeiro, mas também muita resistência. Presidente do maracatu desde 1993 até 2010, Marcos Gomes é filho de Mestre Juca do Balaio, um dos fundadores. Em meio às lembranças de quem brincou o carnaval desde os cinco anos, Marcos nos conta as mudanças dessa festa de rua na medida em que os espaços foram mudando. O ex-presidente nos recebeu entre troféus, recortes de jornais e fotos das apresentações do Az de Ouro, na sede da agremiação.

– Existem diferenças entre o mara-catu do passado e o que ele se tornou hoje?Marcos Gomes – Com certe-za. Quando o maracatu veio pra cá, tinha uma proposta diferente do de Recife. O fundador morou em Recife muito tempo, trabalhando como artesão. Como aqui em Fortaleza também havia os reisados, os congos, várias manifestações de rua, quan-do chegou lá, viu o maraca-tu e começou a se interessar. Então, quando colocou o ma-racatu na rua, trouxe umas mudanças muito grandes, era com roupas de rendas, o ritmo era mais cadenciado. Às vezes as pessoas têm um pensamento de achar que o maracatu é da umbanda, da macumba, não é isso. Ele foi

foi onde se enraizou, na pe-riferia. Aqui tínhamos umas casas, uma quadra, o lugar foi propício para comportar o Az, que tinha crescido. Hoje, ensaiamos aqui na rua mes-mo, na Edite Braga. Fazemos o cortejo e isso aproxima a comunidade dentro do mara-catu, é essa a principal carac-terística dele, a participação da comunidade.

– Hoje, o maracatu tem mais ou menos acesso aos espaços públicos do que antigamente?M.G. – Hoje sim, hoje tem mais espaço. Tem por uma questão de conquistas, né? O maracatu só se apresentava no carnaval, não tinha outro momento. Com essa questão do apoio dos órgãos públicos, a criação do Dia do Maraca-tu, isso deu condição pra que a gente se apresentasse mais na rua. E aí hoje não é só esse maracatu, nós temos catorze grupos. Isso pra gente é al-tamente importante, porque ajuda a divulgar. As pessoas que nunca viram, nunca as-sistiram. Isso faz com que a gente se organize pra que me-lhore cada vez mais.

– Você considera que esses ensaios no meio da rua, com as pessoas acompanhando, fortale-cem a comunidade local?M.G. – Com certeza. Incen-tiva, né? As pessoas aqui de cima sabem que aqui tem um maracatu, mas lá na praça, lá embaixo muitos não sabem.

Aí, quando veem, ficam ad-miradas: “No meu bairro tem isso?”, fica a indagação. “Eu não sabia.” E eu faço também muita divulgação na época dos ensaios, por essas áreas, mas também vem muita gen-te de outros bairros. O obje-tivo maior do fundador era esse mesmo, era ir pra rua, não era fazer o maracatu para um salão. Alguns grupos se apresentam em espaços pe-quenos, tem grupos que bo-tam três, quatro, cinco pesso-as, mas o maracatu tem vários personagens, então você tem que ter no mínimo um espaço que possibilite que esses per-sonagens se apresentem.

– Os maracatus sem-pre tiveram uma relação próxima com o carnaval. Como o carnaval influi na maneira com que os ma-racatus exploram os es-paços públicos?M.G. – Bem, o Az de Ouro foi convidado em 1937 pra desfilar. O carnaval começava lá no Passeio Público. Ele vi-nha pela Conde D’Eu, vinha pela Senador Pompeu, des-cendo pela Duque de Caxias, aí pegava na Major Facundo, entrava pra parar na Praça do Ferreira. Isso no carnaval da década de 1940, de 1950. De-pois da década de 70 é que foi indo pras avenidas, Duque de Caxias, Dom Manuel... E fi-cou em uma só. Porque antes eram várias ruas, e o cortejo era grande.

– Além do tamanho dos cortejos, que diferenças percebe no desfile que era feito em praças e depois, nas avenidas?M.G. – A diferença é que, você se apresentando num espaço como uma praça, tem duas coisas: ou você circula a praça ou faz um cortejo reto pra se apresentar e depois terminar. No cortejo de rua você visualiza melhor. Fica mais como uma procissão, dessas de ir acompanhando. Você vê as pessoas batendo foto, admiradas. É uma coi-

sa muito legal como reagem, num primeiro momento com espanto, mas depois se interessam, perguntam, che-gam perto.

– Você lembra a primeira vez que você desfilou?M.G. – Eu lembro por uma foto que tiraram. Eu tinha três anos de idade. Botaram uma roupa de índio, me pu-seram no braço e levaram pra avenida. Depois me mostra-ram essa foto e por isso eu te-nho essa lembrança. E aí nos anos seguintes foi acontecen-do, me levavam, eu ia, andava lá pelo meio, brincava, era o danado. Corria muito, não queria saber de muita coisa não. E sempre eu ia com o mestre Juca.

– Como foi a primeira vez que o maracatu desfi-lou sem o mestre Juca?M.G. – Há nove anos, em abril, no começo do mês, ele faleceu. Sem ele no inicio foi difícil, em 2007. Eu sen-ti muito a falta dele, porque ele era o meu polivalente, ele fazia de tudo, fazia a loa do maracatu, criava as fantasias, fazia os carros alegóricos... E ele tinha muito mais memó-ria do que eu. Eu nunca tive a oportunidade de fazer um documentário com ele, o que me doeu mais foi isso. Queria ter filmado ele falando da his-tória da agremiação, de como começou a dançar maracatu.

– Você tem alguma lem-brança especial de algum cortejo?M.G. – Tenho: um na Du-que de Caxias, que veio com coisas que maracatu nunca trouxe, como carro alegóri-co. Tinha um elefante muito grande... Na época, homena-geamos a arca de Noé. Outro também muito emocionante foi um que teve a participa-ção do Fagner. Ele queria brincar o maracatu, sair de alguma coisa, aí consegui-mos uma roupa de escravo e ele saiu no meio do mara-catu. Quando ele passou no palanque das autoridades, o apresentador curiosamente reconheceu – isso era quando ele estava iniciando a carreira ainda, mas já era conhecido. ‘O cantor e compositor Fag-ner no maracatu Az de Ouro!’ São coisas que a gente vê e guarda na memória.

Fazemos o cortejo e isso aproxima a comunidade dentro do maracatu, é essa a principal característica dele, a participação da comunidade.

trazido para o carnaval do Ceará como uma brincadei-ra, para resgatar um pouco da história dos negros.

– Onde os maracatus se apresentavam?M.G. – Na verdade, o mara-catu Az de Ouro acontecia na casa do fundador, e ele morou em vários bairros, o último, o Vila União. Às ve-zes, ensaiávamos no Passeio Público, em frente à Igreja da Sé. Só veio para a periferia mesmo depois da década de 1960, pois já não tinha mais espaço nesses lugares pú-blicos. Então viemos para o Jardim América, quando meu pai de criação, o mestre Juca, veio pra cá. Meu pai e o Rai-mundo Alves Feitosa, o fun-dador, eram amigos, e isso foi dando continuidade e aqui

Marcos GomesAtualmente, é assessor da presidência do maracatu Az de Ouro, mas já dirigiu a agremiação de 1993 a 2010. Brinca de maracatu desde os cinco anos de idade, junto do pai, de quem herdou o comando do Az. Hoje em dia não é mais responsável pela presidência, mas ainda é diretamente envolvido com os projetos do maracatu. Nesta foto ele segura a calunga e a coroa, símbolos do maracatu. Atrás, troféus das competições anteriores. Foto: Luciana Castro.

Muitos maracatus se perderam no tempo e se acabaram porque não conseguiram se manter nessa briga por espaço.

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Lazer

Reportagem

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Quem acha que para ouvir música ao vivo em Fortaleza é preciso necessariamente estar em um ambiente fe-chado, pagar ingresso e ficar limitado ao espaço físico do lugar está enganado. Pela ci-dade estão espalhados vários pontos de ocupação do es-paço público com música de qualidade, estilos variados e receptividade dos que pro-movem e dos que usufruem dos eventos ao ar livre.

A agitação do Bar do Zé Bezerra acontece no núme-ro 71 da Rua Dom Manuel de Medeiros, no Parque Araxá. Dona Célia Bezerra, 65, é quem atualmente administra o estabelecimento e garan-te que o legado de seu pai, fundador do bar, permaneça vivo. O samba, realizado aos domingos, já é tradição há 30 anos e movimenta as tar-des do bairro.

“Quando meu pai faleceu, ficou minha irmã, depois meu irmão e hoje sou eu”, explica Dona Célia, que há oito anos está atrás do balcão e à frente do samba-legado. Ela diz que manter a tradição familiar en-raizada pelo pai é a principal motivação para permanecer à frente do boteco. “Eu fico feliz pela família, porque o bar leva o nome do meu pai, e pelos amigos que continuam frequentando desde o tempo dele”, destaca.

Mesas e frequentadores to-mam a rua e as calçadas. Para o ator de teatro Gyl Giffony, a ocupação da rua não é pro-blema. “A gente só vem pra cá porque existe o bar, que é particular e que se abre para o espaço público, e esse uso da rua é incrível”, afirma.

Já o diretor de teatro, Mu-rillo Ramos, 36, destaca a relação das pessoas com o es-paço da festa. “Existe a ética da roda de samba. Não existe um caráter de espetaculariza-ção do acontecimento. Pas-sa por um outro modo, o da vivência”, ressalta. Tal ética, segundo Murillo, se relaciona à liberdade do momento, na qual os músicos, levados pela harmonia da música e pelo clima do público, improvisam um repertório sem roteiro determinado, mas com uma ordem implícita.

Murillo ainda enfatiza o diálogo com a vizinhança. “Existe um vizinho que colo-

cou churrasco e isso amplia o espaço”. De fato, a relação com a comunidade é visível. Bebidas e tira-gosto são ven-didos nos dias de samba e movimentam a economia do bairro. Exemplo disso é o co-merciante Edvaldo Alves, 37, que aproveita o evento para aumentar a renda familiar vendendo pastéis e cerveja.

Quem imagina a cena da festa pode pensar em uma bagunça generalizada, mas não é bem assim. Como diz Murillo, há uma ética, uma ordem. Os músicos chegam, cada um com seu instrumen-to, e se colocam onde ficam mais à vontade.

Com os instrumentos afi-nados, começam a esquentar a roda de samba. O público vai se aproximando. Começa tímido, observando sentado, mas com a passar das horas

se vê envolvido com cada mú-sica. Os que desejam tocar ou cantar, ficam livres para par-ticipar, mas sabendo que, se não acompanharem o ritmo, têm de deixar a roda. A quali-dade importa, e muito.

Para garantir o bom fun-cionamento e a convivên-cia, a proprietária é pontual. Às ordens de Dona Célia, a roda puxa a última canção às 19 horas, sempre a mesma, ‘Do fundo do nosso quintal’, música do grupo Fundo de Quintal. O refrão que deseja boa noite é cantado a plenos pulmões e o público sabe que depois dela, não há espa-ço para bis.

O movimento que acontece no Bar do Zé Bezerra está em processo de reconhecimento como patrimônio cultural da cidade. O pedido de registro no livro de lugares, protoco-lado em 2011, está em análise pela Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), que não deu prazo para divulgação do resultado.

INTIMISTA

Próximo dali, no bairro Monte Castelo, também tem festa, mas a cena se transfor-ma. A música é mais calma, o público mais experiente e o cenário mais tranquilo: é a Bodega do Seu Roberto, que

há 53 anos ocupa uma esqui-na discreta e residencial na região. O comércio, herança de família, hoje é gerenciado por Roberto Albuquerque Fi-lho, 51, que dá continuidade ao negócio do pai, e por Zilda Albuquerque, 51, sua esposa.

A música sempre fez par-te da essência do lugar. “Na época do meu pai, já esti-veram aqui Cauby Peixoto, Wando e Valdick Soriano. Quando eles estavam em Fortaleza sempre vinham aqui, cantar, beber e conver-sar com meu pai”, orgulha-se o dono da bodega.

Para Roberto, o lugar pode ser denominado como um “encontro de artistas”, onde

predominam sambistas. Di-ferentemente dos shows de palco, na rua existe a liber-dade dos músicos escolhe-rem o que tocar e pararem para conversar quando qui-serem. O cenário intimista faz com que quem frequen-ta “se apaixone” e continue indo, é o que afirma o dono. De acordo com ele, o públi-co todo domingo é de cerca de 200 pessoas.

Para o comerciante, a rela-ção com a vizinhança sempre foi tranquila e cordial. Ele garante que nunca aconte-ceu um episódio de conflito, visto que o volume da músi-ca, segundo ele, é “baixo” e o horário de funcionamento se estende até, no máximo, 18 horas.

Para Roberto, é uma “gran-de satisfação” manter a Bo-dega. “Graças a Deus eu tô conseguindo botar pra frente o que o meu pai fez. É uma questão de honra pra mim”, afirma, entusiasmado.

Há um ano, a cantora e agente administrativa Mô-nica Costa, 51, vai todos os domingos à Bodega do Seu Roberto e diz preferir o lugar pela liberdade da rua. “Numa casa de show, o ambiente é fechado, você fica restrito, li-mitado a ficar lá dentro. A rua é livre e você não precisa ter um acesso específico para en-trar e participar”, compara.

OCUPAÇÃO INTINERANTE

Dentre os ritmos, o Blues também passeia pelas ruas e praças de Fortaleza. A di-ficuldade de conseguir es-paço para o estilo musical estimulou o surgimento, em

Para além dos bares com ambientes fechados e casas de shows, a cidade possui uma programação musical diversificada para quem deseja ouvir música ao vivo e de graça

A música que ocupa Fortaleza

A gente só vem pra cá porque existe

o bar, que é particular e que se abre para o espaço público, e esse uso da rua é incrível.

GYL GIFFONYAtor

Há 30 anos, o Bar do Zé Bezerra é recanto de sambistas em Fortaleza. Foto: Luciana Castro

O chorinho democrático da Bodega do Seu Roberto chega a reunir, segundo o proprietário, 200 pessoas. Foto: Luciana Castro

Fortaleza - CE MAIO/2015

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Reportagem

ROCK NA PRAÇA

Na avenida Aguanambi, mais uma mistura de ritmos. O Bar Pé de Serra, apesar do nome, é reduto para os fãs de Raul Seixas. Na primeira e na terceira sexta-feira do mês, o estabelecimento é palco de um encontro voltado para o público que aprecia a trajetó-ria musical do cantor.

O evento ocupa além do bar, a praça. Ele começou há cinco anos, em 21 de Agosto de 2010, data do aniversário de morte de Raul, e conta com a presença de um públi-co de aproximadamente 80 pessoas. A ideia surgiu dos, autodenominados "Raul Sei-xistas" Carlos Gomes, dono do bar, e Leudo Júnior, pro-fessor de Filosofia.

“São três horas de Raul Seixas para um público va-riado: casais, idosos, crian-ças e amigos de todas as ida-des. O ambiente é familiar”, comenta o dono do bar, que, além desse encontro de fãs do cantor, também promove samba no último domingo do mês.

“Quando alguém pede uma música do Raul que eu não sei cantar ou tocar, eu guar-do o pedido para, na próxima vez, inserir no repertório”, fala Leudo sobre a preocupa-ção de agradar a platéia fiel.

Carlos realiza a manutenção da praça voluntariamente. “Eu plantei vários tipos de plantas, pintei, coloquei iluminação, bancos e mesas. Quando o bar está fechado, os moradores do

1º de janeiro de 2009, da As-sociação Casa do Blues. An-tes da oficialização, o grupo fez alguns shows pela cidade em 2008, como afirma Leo-nardo Vasconcelos, 33, presi-dente da Associação.

“A iniciativa chamou a atenção do vereador Elpídio Nogueira, que também é blueseiro, e ele lançou a ideia da gente ocupar o espaço público”, conta Leonardo. Tal iniciativa culminou na ocupação da praça do bairro Joaquim Távora como pal-co da Casa do Clubes, entre março e dezembro de 2009.

O projeto realizou cerca de 40 shows, sempre aos sá-bados, com uma média de público de 500 pessoas por evento. O presidente da ini-ciativa confirma ainda que “haviam recursos da Prefei-tura, por meio de emenda parlamentar, mas era com-plicado por causa da falta de estrutura do local”.

Entre 2011 e 2012, nova-mente em parceria com a Prefeitura, a Associação ocu-pou os espaços públicos com o “Casa do Blues nas Praças”. A iniciativa passou por nove bairros, pelo menos um em cada regional.

“Quando você tem uma praça, você tem ali o centro cultural de um bairro, pelo menos em potencial. Porque quando ela não é ocupada vira espaço de violência”, destaca Leonardo, sobre a importân-cia de levar o projeto aos es-paços de convivência.

A Associação trabalhou ainda na perspectiva de ocu-par um equipamento públi-co da cidade, com o projeto no Estoril em 2014. “A Casa do Blues se caracterizou por ter música de qualidade e acessível, e quando você tem isso pode colocar em qualquer lugar”, afirma Le-onardo, ao ressaltar o bom desempenho da iniciativa também no Estoril.

“Não adianta a gente pro-curar espaço para tocar se não temos plateia. A gente tem uma mídia muito massa-crante em relação a um ritmo só. As pessoas quase que são obrigadas a ouvir só um. A Casa do Blues trabalha com formação de plateia, e o es-paço público é o melhor lugar para que esse trabalho acon-teça” afirma o presidente da Associação.

TERRITÓRIO MUSICAL

O ritmo já não é mais o mesmo, mas a construção de um espaço musical acon-teceu na praça do bairro Joaquim Távora: o público cativo deixado pela Casa do Blues acabou sendo assumi-do pela seresta promovida pelo box Canto da Tilápia. “Começamos depois que o Blues saiu, o pessoal já esta-va acostumado a saber que aqui tinha música, então re-solvemos continuar”, conta Bruna Braga, permissionária do box.

O romance ecoa pela pra-ça, as letras apaixonadas, ou sobre desilusões amorosas predominam no repertóri-ço, embalam os encontros de casais e o bate-papo da mesa de amigos. Os copos vão ao alto acompanhados de canto-desabafo quando o seresteiro toca a inesquecí-vel “Princesa”, eternizada na voz do rei da seresta: Amado Batista, e para arrebatar os corações, segue com o pe-dido unânime, “Evidências”, gravadas por inúmeros in-terpretes, mas reconhecida principalmente com a dupla Chitãozinho & Xororó.

Apesar do repertório tra-dicional, o artista não deixa de atender ao clamor do pú-blico e, assim, o mais novo

Quando você tem uma praça, você tem

ali o centro cultural de um bairro, pelo menos em potencial. Porque quando ela não é ocupada vira espaço de violência.

LEONARDO VASCONCELOS Presidente da Associação

Casa do Blues

integrante do repertório, Pablo do Arrocha, é tocado à exaustão.

A empresária diz que optou pela seresta por ser econo-micamente mais vantajosa, realizada apenas por um mú-sico e poucos equipamentos de som. Com música ao vivo de sexta à domingo, em local público, o movimento aca-bou atraindo os paredões de som, prática rejeitada pelos permissionários dos boxes e frequentadores da praça. “A gente pede pra baixar ou desligar, quando eles insis-tem, chamamos a polícia”, relata Bruna. Ela afirma que os clientes não gostam do som de carro. “Como nosso público não é jovem, são se-nhores e senhoras, eles não estão interessados em som de paredão”, garante.

Na praça do bairro Joaquim Távora, a seresta vem ganhando espaço (Foto: Luciana Castro)

bairro continuam utilizando a praça”, relata.

O comerciante tentou par-ticipar do programa da Pre-feitura de adoção de praças, mas não conseguiu, pois não tem o perfil exigido. Apesar da resistência dos Raul Sei-xistas, o evento deve chegar ao final. A avenida Agua-nambi deve passar por uma requalificação e, segundo Carlos, a praça será parcial-mente demolida. “Vai ficar só um pedaço. Já avisei aos clientes que o encontro vai acabar”, desabafa. A repor-tagem entrou em contato com a Prefeitura, que prefe-riu não divulgar os detalhes do projeto.

Para realizar eventos em es-paços públicos é necessá-ria autorização da Secretaria Regional do bairro, por meio de um termo de utilização do espaço público. Para solicitar o termo é necessário oficio com a descrição do evento; documentos pessoais; Ano-tação de Responsabilidade Técnica (ART) do Conse-lho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), em caso de montagem de estrutura; autorização da Secretaria Mu-nicipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), em caso de utilização sonora e auto-rização dos Bombeiros se houver show pirotécnico.

Saiba Mais

Onde curtirBar do Zé Bezerra - Samba aos domingos - Rua Dom Manuel de Medeiros, 71 - Parque Araxá

Bodega do Seu Roberto - Chorinho aos domingos - Rua José Cândido com Rua Henrique Autran - Monte Castelo

Pagode da Dona Mocinha - samba e pagode às sextas, sábados e domingos, Rua Padre Climério, 140 - Praia de Iracema

Pagode da Lineu Machado - pagode aos sábados, Av. Lineu Machado , João XXIII

Café Passeio - música instrumental aos sábados e domingos - Passeio Público - Rua Dr. João Moreira s/n - Centro

Forró do Santa Cruz - Forró e Gafieira aos domingos - Rua São Paulo, 70- Centro

Praça do Mercado Joaquim Távora - Seresta (às sexta, sábado e domingo) Av. Pontes Vieira, 457, - Joaquim Távora

Boteco do Arlindo - (música ao vivo de sexta a domingo) Rua Carlos Gomes, 83, José Bonifácio

Bar Pé de Serra - Encontros Raul Seixistas - Av. Aguanambi em frente a AMC

Beliske Bar e Petiscaria - Rua Conrado Cabral, 554 (Sábado a partir das 20hs Jovem Guarda com a banda Littrus e Domingo com samba)

Dom Gurgel - chorinho e samba aos domingos - R. José Sombra, 243 - Parque Araxá

REPORTAGEMLuana Bastos eLuciana Castro

Fortaleza - CE MAIO/2015

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12REPORTAGEMDrielle Furtado eHélio Grangeiro

No muro

Na Rua #5

Bebi da paixão até você virar ressaca. 2 linhas não se cru-zam à toa. Só me encontro dentro de ti. Essas são apenas algumas das mensagens espa-lhadas pelos artistas Felipe Yarzon, 29, Ian Thomé, 31, e Leandro Alves, 30, que trans-formam muros em telas e espalham suas palavras pelas ruas de Fortaleza.

O que esses jovens artistas têm em comum é a adoção da técnica do estêncil (do inglês, stencil) como forma de irra-diar suas mensagens de in-centivo, amor e crítica social. A prática consiste na aplica-ção de ilustrações imagéticas ou textuais sobre uma super-fície, com auxílio de molde preparado previamente em recorte de papel ou plásti-co. O estêncil é comumente compreendido como uma forma de manifestação do grafite, derivando daí a pre-ferência de sua impressão em muros, paredes e via pública.

Para Felipe Yarzon, as maio-res vantagens do estêncil são a praticidade e a mobilidade. “Em um sinal fechado consi-go deixar minha mensagem e seguir”. Ideia compartilha-da pelo colega de profissão e arte Ian Thomé, para quem a técnica é “uma maneira fácil e prática de espalhar frases, pensamentos e raciocínios”.

A inspiração, no geral, vem do cotidiano. Yarzon e Tho-mé, ambos redatores publi-citários, tratam a produção

Usando a técnica do estêncil, jovens artistas espalham pensamentos e provocações por muros e postes da cidade: palavras e imagens que tocam as pessoas e nelas ganham vida

Poesia em muros e postes transforma o cenário urbano

artística que realizam quase como uma extensão da car-reira profissional – já naturali-zados com a realidade de ma-nifestar suas ideias e opiniões por meio do texto escrito.

“No lugar do jornal, o muro”, brinca Felipe, que já trabalhou também como contista para uma revista local. Ian também salienta a afinidade com o ofício pu-blicitário: como já trabalha em propaganda, “o sensor de observação já fica ligado sempre, e inspiração pode ser qualquer coisa, em qualquer momento e lugar. Basta ob-servar bem”, ensina.

Para Felipe Yarzon, o ne-cessário é responder ao “cha-mado da ocupação que vem da cidade”. O artista reforça a importância de festivais como o Concreto (Festival Internacional de Arte Urba-na) e dos cursos ofertados pelo Porto Iracema das Ar-tes. Segundo ele, essas ações denotam o reconhecimento do espaço urbano da Capital, o que também aparece nas re-formas de locais públicos e na realização de eventos gratui-tos. Para o artista, essas ações “aumentam o nosso amor pela cidade”. “E amar”, defi-ne, “é ocupar todo o espaço”.

Leandro Alves – que traba-lha tanto texto como imagens em seu grafite – vê nesse tipo de manifestação artística a oportunidade de poetizar o caos do cotidiano da cidade em que vive: uma Fortaleza cada vez mais cercada de pré-dios, asfalto e propaganda.

“Talvez se a quantidade de publicidade presente na ci-dade fosse ocupada por arte, a população tivesse uma me-lhor relação com o espaço ur-bano”, arrisca.

AS PESSOAS E A CIDADE

Fortaleza é a capital do Nor-deste com o maior número de mortes ocasionadas por violência urbana. Nisso, se in-clui, entre outras motivações, assassinatos em decorrência de roubos (latrocínio), seques-tros ou de relações com o trá-fico. A informação vem das Estatísticas do Registro Civil, publicadas em 2012 pelo Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Fortaleza tem todas as qualidades do mundo, mas um problema: o medo da rua. Poucas são as pessoas que andam por sua rua, por seu bairro. Espalhar frases de in-centivo e amor também é um convite para que todos vivam esse espaço que é nosso”, de-fende Yarzon. O publicitá-rio, porém, acredita que esse “medo das ruas” é um “pro-blema que, aos poucos, está sumindo”.

O artista gráfico Leandro Alves concorda. Morador da periferia, ele sentia a necessi-dade de que sua voz ecoasse pela cidade. No grafite, en-controu a motivação por pro-blematizar, criticar e discutir as questões sociais e de direi-tos humanos, envolvendo te-mas como dinheiro, trabalho e valorização da vida.

Além de grafitar, Leandro também ministrou cursos e oficinas sobre estêncil e ilus-tração, mantendo a perspec-tiva que o impulsionou desde o início: repassar conheci-mento e dar oportunidade para que outros jovens e adul-tos também possam se mani-festar pela arte, pelos muros.

LegislaçãoA instalação de qualquer en-genho de divulgação de pro-paganda em locais públicos dependerá da prévia licença da Prefeitura, de acordo com a Lei Municipal nº 8221 de 28 de Dezembro de 1998, que dispõe sobre os anúncios na Capital. A lei define publici-dade e propaganda como “forma de difusão de ideias, produtos, mercadorias ou serviços, mediante a utiliza-ção de quaisquer materiais, por parte de determinada pessoa física ou jurídica”.

Saiba Mais

ServiçoAcompanhe os artistas

no Instagram:

Felipe Yarzon @doyarzonIan Thomé @ianthome Publicidade irregular nas proximidades do Shopping Benfica.

Foto: Drielle Furtado.

O artista visual Leandro Al-ves comenta que muitas vezes se vê, como cidadão, sufoca-do pela quantidade de propa-ganda espalhada pela cidade. Ele considera “abusiva e exa-gerada” a maneira como os anúncios tomam conta das paredes, postes e paradas de ônibus. Chateia-se também quando um trabalho seu é coberto por faixas e cartazes – especialmente em espaços não autorizados.

O artista acredita que a ocupação do espaço público – seja por iniciativa indepen-dente, cultural, privada ou comercial – tem de acontecer de maneira responsável, pro-

Arte disputa espaço com publicidade

Poluição Visual

curando sempre formas que não agridam a cidade ou as pessoas. No entanto, diz que “toda essa publicidade reflete a forma como as pessoas con-somem esses produtos (ofer-tados pelo anúncio)”.

Para o publicitário Felipe Yarzon, a relação da sua arte com os cartazes comerciais é outra. A efemeridade do trabalho expresso nos muros é uma característica da arte urbana, segundo ele, e pode, inclusive, fazer bem para a cidade. “O muro que tinha o grafite e foi pintado tem uma nova chance de virar obra de arte”, contemporiza.

Felipe Yarzon usa seu estêncil para espalhar mensagens pela cidade. Foto: Arquivo pessoal de Yarzon.

Disparo à cabeça, estêncil de Leandro Alves. Foto: Arquivo pessoal de Leandro Alves.

Fortaleza - CE MAIO/2015