impressões leitura - primeira edição

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IMPRESSÕES L EITURA Jornal Laboratório da Universidadde Federal do Ceará - Ano 4 - Nº 25 - Outubro de 2013 Espaços de leitura abandonados Usuários com deficiência têm dificuldades para usar bibliotecas públicas Diversão extrapola as brincadeiras e invade o mundo da literatura Entre a catalogação de livros e a preservação de documentos raros Bibliotecas dividem espaço com projetos paralelos Casa Brasil Acessibilidade Incentivo à leitura Biblioteconomia Escolas Desde 2002, a principal biblioteca pública do estado do Ceará, a Governador Menezes Pimentel, não passa por reformas. Já a Biblioteca Municipal Dolor Barreira sofre com a falta de bibliotecários Página 8 e 9 Perfil: Ricardo Guilherme “O que importa é a informação em si”, afirma, sobre o acervo pessoal de teatro que doou para a UFC Com acervo amplo e contando com profissionais adequados, as unidades do Projeto Casa Brasil têm bibliotecas sem manutenção Nas escolas estaduais, faltam bibliotecários, e as bibliotecas estão integradas ao Centro Multimeios Página 4 e 5 Página 6 Página 11 Página 14 Página 12 e 13 Foto: Silveira Neto Foto: Tamara Lopes Foto: Tamara Lopes Bibliotecas Públicas Legado de falta de investimentos revela condições precárias Página 3

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Participação na equipe de diagramação do jornal e edição das imagens utilizadas nas matérias

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Page 1: Impressões Leitura - Primeira Edição

IMPRESSÕESLeitura

Jornal Laboratório da Universidadde Federal do Ceará - Ano 4 - Nº 25 - Outubro de 2013

Espaços de leitura abandonados

Usuários com deficiência têm dificuldades para usar bibliotecas públicas

Diversão extrapola as brincadeiras e invade o mundo da literatura

Entre a catalogação de livros e a preservação de documentos raros

Bibliotecas dividem espaço com projetos paralelos

Casa Brasil

Acessibilidade

Incentivo à leitura

BiblioteconomiaEscolas

Desde 2002, a principal biblioteca pública do estado do Ceará, a Governador Menezes Pimentel, não passa por reformas. Já a Biblioteca Municipal Dolor Barreira sofre com a falta de bibliotecários Página 8 e 9

Perfil: Ricardo Guilherme

“O que importa é a informação em si”, afirma, sobre o acervo pessoal de teatro que doou para a UFC

Com acervo amplo e contando com profissionais adequados, as unidades do Projeto Casa Brasil têm bibliotecas sem manutenção

Nas escolas estaduais, faltam bibliotecários, e as bibliotecas estão integradas ao Centro Multimeios

Página 4 e 5

Página 6

Página 11

Página 14Página 12 e 13

Foto: Silveira Neto

Foto: Tamara Lopes

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Bibliotecas Públicas

Legado de falta de investimentos revela condições precárias

Página 3

Page 2: Impressões Leitura - Primeira Edição

IMPRESSÕESLEITURA

Impressões Leitura

Jornal-laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará - UFC

Tema da edição: Condições de funcio-namento de espaços de leitura

Repórteres: Amanda Araújo, Bárbara Danthéias, Carolina Areal, Cris Lima, Débora Lopes, Felipe Martins, Gleyce Any, Isabele Câmara, Mikaela Brasil, Paulo Renato Abreu, Rachel Gomes, Raissa Sampaio, Renan Vidal, Rosana Reis, Saulo Lucas, Taís de Andrade, Vicente Neto e Victor Ramalho

Editoras: Carolina Esmeraldo, Caroli-ne Portiolli e Thinayna Máximo

Editora Geral: Camila Mont’Alverne

Professor orientador: Edgard Patrício

Projeto gráfico e diagramação: Aman-da Araújo, Clarissa Augusto, Ed Bor-

Impressão: Impressa Universitária

Tiragem: 1.000 exemplares

As opiniões expressas em artigos assi-nados são de inteira respondabilidade de seu autores.

Editorial

Infraestrutura também é, ou deveria ser,política pública

O Impressões deste semestre propõe quase um meta-tema. As

quatro edições irão se debru-çar sobre a leitura, nos mais variados aspectos. Nesta, estará em foco a infraestrutura dos espaços públicos destina-dos à leitura em Fortaleza.

Passeamos pelas conheci-das Biblioteca Estadual Go-vernador Menezes Pimentel e pela Biblioteca Municipal Do-lor Barreira, por espaços mais reservados, como as bibliote-cas de escolas estaduais, até por equipamentos que sofrem com o desconhecimento por parte do público, como a Casa Brasil. Em cada um deles, houve o esforço de identificar carências e pontos positivos, abrindo espaço para a voz dos envolvidos com os espa-ços, sejam frequentadores ou funcionários, sem esquecer de cobrar o Poder Público, responsável pela manutenção da maioria dos ambientes visitados.

Ainda deu tempo de des-cobrir a situação de acervos de obras raras em Fortaleza, conversar com o professor Ricardo Guilherme, doador de vasto acervo sobre artes, conhecer o sebo do Geraldo – e as pessoas que o fazem – e o

programa Ceará Cresce Brin-cando. Também houve fôlego para acompanhar o cotidiano de bibliotecárias e entender, de forma mais profunda, a função de tais profissionais. Nesta edição, abrimos espaço para um autor local publicar um texto e a encerramos com um ensaio fotográfico.

Sobre a infraestrutura das bibliotecas públicas, não há muito a ser elogiado, infeliz-mente. Quando não sofrem com a falta de profissionais, o problema é a manutenção, seja do espaço físico ou do acervo. O troca-troca de chefia dos equipamentos e a ausência de concursos públicos para contratação de especialistas no assunto indicam a forma amadora com a qual as gestões públicas têm lidado com as bibliotecas.

A impressão é de que não há política pública para a área. Ao contrário, são adotadas medidas paliativas e de efeito a curto prazo quando a situação está praticamente insustentá-vel, mas não se pensa a utiliza-ção e manutenção dos equipa-mentos de forma duradoura, deixando os usuários à mercê dos projetos de governo, sem garantia de continuidade no mandato seguinte, indepen-

dentemente do sucesso, ou não, das ações.

Ao mesmo tempo em que alguns espaços contam com frequentadores assíduos so-frendo com condições inóspi-tas, há equipamentos, como a Casa Brasil, vivendo pratica-mente abandonados, apesar do acervo. Não leva a lugar nenhum, no entanto, culpa-bilizar o usuário, responsabi-lizando o acesso a internet ou um suposto baixo nível cultu-ral do brasileiro pela ausência de visitantes.

É preciso tornar os espaços de leitura mais atrativos. Isso passa pela própria concep-ção dos equipamentos e da sua função social, o que está estritamente ligado à visão dos administradores sobre cultura e leitura. Passa, também, pelas condições físicas do lugar, exigindo vontade política para pensar na área como priori-dade – ou, pelo menos, com alguma importância.

Com essas reflexões, o Impressões abre a primeira edição do semestre e lhe con-vida à leitura das matérias, permitindo ao leitor tirar as próprias conclusões – e incre-mentar as ideias apresentadas neste editorial – a partir do contato com os textos.

Crônica De acolhimentos e abandonosPor Ed Borges

Não existe melhor abrigo que as bibliotecas. Per-correr seus corredores é quase uma viagem trans-cendental, em que o silêncio logo se povoa pelas

vozes que emanam de cada um dos títulos sobre as prate-leiras. Foi nessa busca por novos eus possíveis contidos nas páginas que descobri a Menezes Pimentel. Mas com ela a experiência foi completamente diferente.

À primeira vista, a Biblioteca Pública Governador Me-nezes Pimentel não passa qualquer senso se acolhimento. Localizada na Avenida Presidente Castelo Branco (famosa Leste-Oeste), o caminho até sua entrada é desértico. Na-quele prédio de cinco pavimentos, cuja última grande re-forma fora em 2002, antes de sentir ali um abrigo, observo um abandono crônico. Percebo que somente por causa dos frequentadores, esporádicos ou assíduos, e, principalmente, dos funcionários, é que o espaço se mantém sofregamente vivo.

Desde 2012, o forte calor, devido à falta de ar-condi-cionado, lidera nas reclamações, o que, além de prejudicar quem ali estuda ou trabalha, também ajuda na deterioração do acervo. Somando-se a isso o mofo e a poeira, o lugar se torna uma caixa sufocante. Ao adentrar o espaço, nossa respiração fica pesada, como se entrasse em sincronia com os pulmões arfantes do prédio.

Ao mesmo tempo, é impossível não se encantar com a quantidade de volumes ali guardados ou com a solicitude de alguns funcionários. Quantas obras cearenses que não tomamos nem conhecimento, quantos jornais antigos do início do século, quantas biografias e romances relativa-mente novos não lá estão disponíveis?

É em meio a alegrias miúdas e a desejos gigantescos que, claudicantemente, a Menezes Pimentel vai tentando se manter de pé, à revelia da Secretaria de Cultura do Estado (Secult). O projeto de nova reestruturação existe desde a gestão do ex-secretário Francisco Auto Filho, que deixou o cargo no final de 2010. O gestor seguinte, Francisco Pinhei-ro, entrou e saiu da Secult deixando o problema intacto. E no vai e vem de secretários, a Menezes Pimentel persiste na expectativa por novos tempos, livres de abandonos e reple-tos de acolhimento, que parecem nunca chegar.

Charge

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@

Por Juh Braga

A biblioteca é, antes de tudo, um espaço de for-mação. Na escola básica,

deve ser considerada um eixo estruturador do currículo. Na universidade, a biblioteca deve desempenhar o papel de garan-tir a disponibilização da infor-mação de qualidade. No curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC costumamos dizer que a biblioteca é o “coração da escola”.

Com as novas tendências e mudanças de paradigmas, a biblioteca, além dos espaços destinados aos acervos (livros, periódicos, DVD, CD) e obras raras, salão de estudo individu-al e em grupo, auditório para eventos, deve abrigar espaços para as exigências atuais, como

cobertura wireless, computa-dores com acesso à internet, terminais de consulta, espaços para exposições, salas de vídeos ou videoconferência.

Lembrando que deve ser acessível a todos, ter a condi-ção de receber e atender aos alunos com deficiência física ou sensorial, tendo acessibili-dade e comunicação no acesso externo, circulações, balcões e sanitários adequados, com recursos humanos capacitados a dar apoio aos alunos com deficiência visual e auditiva.

Nas questões de concepção do espaço, fatores como ven-tilação, luz natural, condicio-namento ambiental, acessibili-dade física e de comunicação, condicionamento espacial dos

ambientes de funcionamento versus flexibilidade, layout, manutenção e segurança preci-sam ser analisados na estrutu-ração destes edifícios, para que se tenha melhor desempenho da edificação, tanto fisicamente como de satisfação e conforto do usuário.

Espaços convidativos, fun-cionalmente bem distribuídos e adequadamente iluminados, confortáveis, equipados com novas tecnologias são elemen-tos motivadores que podem, juntamente com acervos atualizados, atrair e proporcio-nar aos alunos um espaço de qualidade e de investigação do saber.

Artigo

*Arquiteta e Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC. Doutorado em Educação – linha de pesquisa: História da Educação – Arquitetura e Instrução Pública. Membro do Grupo de Trabalho da Secretaria de Acessibilidade UFC Inclui

Biblioteca: espaço de leitura, convite à informaçãoe ao conhecimentoPor Zilsa Maria Pinto Santiago*

ges, Juliana Braga, Marcella Macena, Tamara Lopes, Thamires Oliveira

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3IMPRESSÕES – LEITURA

O desejo em gerar conhecimento deu origem ao maior acervo sobre teatro do CearáRicardo Guilherme, autodidata confesso, afirma que os livros foram os principais responsáveis pelo seu interesse em construir um acervo histórico sobre teatroPor Victor Ramalho

A vocação para colecio-nador está no sangue. Ricardo Guilherme é

herdeiro de uma biblioteca linda (onde ele dizia morar), neto de um avô que coleciona-va lápis e bichos de madeira e de outro que juntava livros de cordel. Era natural que, mesmo com pouca idade, os primeiros exemplares do que se tornaria o “Doc. Teatro/Acervo Ricar-do Guilherme” começassem a aparecer. O acesso fácil às mais diversas obras permitiu que Ricardo se tornasse professor, teatrólogo, historiador, jorna-lista, entre outros vários ofícios não menos importantes.

O acervo, que hoje contém mais de 350 mil itens (com te-mas que abordam literatura, antropologia, história, teatro, dança, circo e ópera), tem uma história itinerante. Devido ao tamanho, teve de deixar a resi-dência de Ricardo quando ele completou 20 anos. Os des-tinos passariam a ser lugares como o Teatro São José, o Te-atro José de Alencar, o Teatro Radical e, hoje, atrás do Teatro

Universitário, na sede atual do Instituto de Cultura e Arte da UFC, sempre prezando pelo espaço público.

Ricardo afirma que, mes-mo dentro da universidade, o “Doc. Teatro” é uma insti-tuição amadora. “Boa parte da sala fui eu quem pintou. A Universidade ainda não abraçou o projeto. A criação de núcleos específicos não é incentivada”, afirma. Fazer com que essa biblioteca se junte a um grande acervo ge-ral seria um desrespeito para o ator, que tem muita resis-tência a essa união. De acor-do com ele, a universidade deveria incentivar a criação desses núcleos paralelamente ao crescimento da biblioteca geral. Atualmente, o projeto do acervo recebe monitores, mas não tem, por exemplo, os exemplares catalogados cien-tificamente, o que não permi-te o empréstimo aos usuários devido à ausência da garan-tia de retorno, restringindo o acesso a consultas locais e cópias. Todo o conjunto de

obras e itens foi organizado por Ricardo. “Seria um peri-go para a dissolução do ma-terial. Tenho coisas do século XIX, peças de 1861!”, fala.

Usuários do acervoHoje, o público-alvo do

“Doc. Teatro” são os alunos. Quando não estava ligado a uma instituição de ensino, era aberto ao público geral, e Ricardo diz ter visto pesso-as crescerem em relação ao teatro, inclusive ele mesmo, quando percebeu que o queria mesmo fazer era um Centro de Pesquisa em vez de um Mu-seu. “Porque o que importa é a informação em si, não o culto fetichista à raridade do objeto. O acesso à informação é im-portante, não o suporte” diz o historiador. O acervo já serviu como base para dissertações de mestrado, teses de doutorado e livros acadêmicos. Edwaldo Cafezeiro e Carmen Gadelha (autores de “Memória brasilei-ra e mitos do teatro colonial”), José Dias (vice-reitor da Uni-Rio, doutor em teatro), profes-sor Gil Brandão (doutorado na UFMG), Marcelo Costa (dou-torado na UFMG), Pascoal Carlos Magno (fundador do Teatro de Estudantes do Bra-sil), entre muitos outros são exemplos de pesquisadores do patrimônio.

Avaliação do MECRicardo Guilherme e Ân-

gela Linhares são os dois pro-ponentes da criação da licen-ciatura em teatro na UFC. O professor se orgulha da mais recente visita de avaliação do MEC, feita nos dias 19 e 20 de setembro deste ano. Segundo Ricardo, as duas avaliadoras

tiveram impressões extraordi-nárias em relação aos alunos e ao curso em geral. Além disso, consideraram impressionante o fato de o curso ter um cen-tro de pesquisa com um acervo gigantesco. No entanto, a ava-liação ainda não foi liberada oficialmente.

Continuidade do trabalho

O professor afirma estar perto de outro momento de despedida: mais uma vez, pen-sa em doar seu acervo particu-lar. Uma ameaça de câncer e o nascimento de uma filha aos 50 levou Ricardo a pensar em parar. “Preciso dar essa minha contribuição a uma instituição que independa de mim. Não posso ficar responsável por isso sozinho. Sou frágil, huma-no, perecível em relação à tare-fa que eu estou me dando, e a universidade é o melhor lugar, é onde ocorre a formação das novas gerações”, fala.

O ator fala também da ne-cessidade de conseguir pro-fissionais para o projeto. E ao lembrar que, ao mesmo tempo em que o trabalho amador é essencial para trabalhos como esse, acentua o lado ruim disso. “É necessário que outros Ri-cardos Guilhermes aconteçam para cuidar da nossa história. Nós teríamos que fazer proje-tos para colocar profissionais para isso: biblioteconomistas, bibliotecários, técnicos em conservação de papel, técnicos em digitação, uma página vir-tual também precisa ser criada. O projeto é amador no bom sentido, mas não podemos tra-balhar com amadorismo. Re-conheço a minha incapacidade de abarcá-lo”, desabafa.

Entre as centenas de milhares de

títulos do acervo, não se encontram

somente obras voltadas ao teatro. Os títulos também

abordam literatura, antropologia, história,

teatro, dança, circo e ópera, refletindo a

interdisciplinaridade presente na

formação de Ricardo

Perfil Fotos: Tamara Lopes

Ao reconhecer que o sonho é maior que ele, Ricardo fala que tão importante quanto ter todos os exemplares é não es-tar guardando tudo isso. “Me despedi do meu acervo às lá-grimas, foi um processo bas-tante doloroso. Mas a dor pas-sou e eu espero que tudo isso gere conhecimento, porque não adianta oferecer tudo isso sem que não seja aproveitado para a criação de mais conhe-cimento”, ressalta. Além disso, insiste na ideia de que nada deve ir embora quando o ICA mudar de local. “Os espaços que transcendem a universi-dade devem ser mantidos, e o acervo deve continuar aqui”, fala Ricardo, que ainda sonha com a ideia de que a Univer-sidade crie uma filial do Doc. Teatro em outros campi.

Doc Teatro é o acervo pessoal de documentos sobre teatro de Ricardo Guilherme que foi doado para UFC

Page 4: Impressões Leitura - Primeira Edição

4 IMPRESSÕES – LEITURA

Apesar do amplo acervo da biblioteca, os livros da unidade do projeto Casa Brasil no bairro Vila União ainda não foram catalogados

Sobram livros, falta gente: o cenário do projeto Casa Brasil

Em Fortaleza

As bibliotecas do projeto Casa Brasil têm acervo amplo e diverso. Esses espaços de leitura, espalhados por três bairros de Fortaleza, entretanto, estão praticamente abandonadosPor Paulo Renato Abreu

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É uma Casa muito en-graçada: tem teto, pa-redes e livros – muitos

livros – só não tem gente. O projeto Casa Brasil, ideali-zado pelo Governo Federal em 2003, chegou a Fortaleza em 2007, com a inauguração de três unidades, nos bairros Vila União, Granja Portugal e Antônio Bezerra. Articu-lado entre órgãos públicos, bancos e empresas estatais, o projeto trabalhou na constru-ção de espaços públicos em periferias, onde os moradores pudessem ter acesso à infor-mação, unindo Internet e li-vros. Hoje administrada pela Prefeitura de Fortaleza, a rea-lidade das Casas é curiosa: há livros e computadores, só não há, de fato, o acesso.

A situação de abando-no pode ser notada desde as fachadas mal cuidadas. Ou

mesmo antes, no desconhe-cimento dos moradores do entorno sobre esses espaços. Moradora do Vila União, a funcionária pública Cintia Lima desconhece o projeto. “Na verdade, eu nem sabia da existência”, afirma. Mesmo discurso do universitário Da-niel Holanda, que diz não ter “muito conhecimento do que acontece na Casa Brasil”, e da estudante Jeísa Fontenele, que não sabia que o projeto no Vila União ainda estava de portas abertas.

Localizada nos arredores da Lagoa do Opaia, a unidade do bairro Vila União está sob os cuidados do coordenador Paulo Castro desde janeiro deste ano. Apesar de o espa-ço estar quase totalmente de-sabitado, sem estudantes ou funcionários, Paulo garante que a Casa está “aberta à co-

munidade”. O coordenador é também o guardião das chaves da porta da bibliote-ca, que permanece fechada, segundo ele, para evitar “ba-dernas” entre os alunos. “Não temos uma pessoa fixa para cuidar da biblioteca, mas esse espaço é público, é bom e tem as mesas de leitura”.

Na unidade Vila União, a biblioteca não tem ar-con-dicionado, que seria o mais adequado para a conservação dos livros. No lugar, apenas quatro ventiladores, estando dois quebrados. A sala é or-ganizada. De um lado estão livros infantis, em prateleiras mais baixas, e os livros adul-tos estão no centro e no meio. Segundo o responsável pela coordenação, apesar da pouca circulação de gente, eles pro-curam sempre manter a sala limpa e organizada.

O acervo é rico, mas os livros ainda não foram ca-talogados. Há variedades de livros infantis, enciclopédias e livros clássicos da literatu-ra mundial, brasileira e cea-rense. Entre as obras, desde a antiga edição da enciclopé-dia Barsa até uma nova cole-ção – lançada em 2012 – com grandes títulos brasileiros de nomes, como José de Alencar, Machado de Assis e Clarice Lispector.

Muitas obras, entretanto, estão guardadas ainda dentro de suas embalagens, como, por exemplo, O Sertão Den-tro de Mim, dos cearenses Gilmar de Carvalho e Tiago Santana. Quando pergunta-do sobre o porquê de livros intactos, Paulo Castro afirma que isso se deve ao cuidado com o acervo e a falta de inte-resse pelas obras por parte do

Page 5: Impressões Leitura - Primeira Edição

5IMPRESSÕES – LEITURA

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Onde ficam as unidades do Casa Brasil em Fortaleza?

VIDA DE REPÓRTER

A tristeza de uma casa desabitada

– Durante uma semana, foi tentado contato com a Casa Brasil Antônio Bezerra. A unidade, entretanto, não atendeu ligação ou respondeu email. – A Casa Brasil também uma unidade na Região Metro-politana da Fortaleza. Em Caucaia, a realidade do prédio e da biblioteca é semelhante a das unidades da Capital.

MAIS INFORMAÇÕES

Granja Portugal: acervo amplo, boa vontade e mais abandono

O Casa Brasil surgiu para unir livro e computador. A situação de descaso vai da biblioteca às salas de informática

Fotos: Silveira Neto

A Casa Brasil Granja Portugal repete a mesma fachada aban-donada da unidade da Vila União e tem um agravante: os portões fechados. Do lado de dentro, estão um segurança, a coorde-nadora Margarida Gurgel e a au-xiliar de coordenação Rosângela Silva. “Já tivemos muitos casos de alunos armados aqui dentro da Casa”, explica Margarida, jus-tificando o cadeado.

A biblioteca do espaço, entre-tanto, difere da Vila União. Qua-se três mil livros catalogados e outros mil ainda sem identifica-ção. Além disso, dois aparelhos de ar-condicionado e televisão compõem o espaço. Os condicio-nadores de ar foram conseguidos junto à Regional V e a TV foi “do-ação” da Secretaria de Desenvol-vimento Econômico de Fortaleza.

Margarida está há três anos à frente da Casa. A arte educadora e pedagoga, entretanto, trabalhou como voluntária durante seis me-ses deste ano. “Com a mudança de gestão (da Prefeitura Munici-pal), só em junho que eu passei a receber”. Com saudosismo, ela lembra quando a biblioteca era bem movimentada, mostra fotos do espaço cheio de jovens e crianças e diz buscar meios de

público frequentador. “Você fala ‘ah, tem livro que está fe-chado’, mas vai interessar um livro desse, por exemplo, de Machado de Assis, para uma criança de cinco anos?”, inda-ga.

Livros x Inclusão Digital

O coordenador da Casa Brasil Vila União não é oti-mista quanto à integração entre livro e computador, uma das propostas iniciais do projeto. “Infelizmente a Inter-net comeu a cultura”, diz. Ele conta que a internet não é li-berada para a casa toda e que, quando for, será com o acom-panhamento de um profissio-nal. “As crianças chegam aqui e perguntam ‘tem internet gratuita?’ Tem na minha sala, mas eu não digo. Só libero se for para pesquisa”.

Como possíveis motivos para o abandono da Casa, Paulo aponta a falta de inte-resse das escolas do entorno, de divulgação na mídia e de pais bem formados que insti-guem seus filhos a buscar in-formação para além da web. Para ele, também falta gente que “queira colocar esse pro-jeto para frente”. Ele acredi-ta que a Casa vai ficar “100% em funcionamento” com os cursos de qualificação profis-sional que serão promovidos pela Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à fome de Fortaleza (Setra) “em breve”.

Secultfor e SetraA responsabilidade sob o

projeto Casa Brasil em Forta-leza é dividida entre as secre-tarias municipais de Cultura e Trabalho. A manutenção das bibliotecas do projeto é da Secretaria de Cultura de For-taleza (Seculfor). “A Secultfor é responsável apenas pelas bi-bliotecas que integram a ação Casa Brasil, uma vez que elas fazem parte da Rede Munici-pal de Bibliotecas”, diz Nixon Araújo, Assistente Técnico da Coordenação de Criação e Fo-mento da Secultfor.

Segundo Nixon, a Secretaria está trabalhando na ampliação e valorização do espaço. “No momento, estamos finalizan-do o processo de licitação para compra de acervos que faz par-te do Programa Mais Cultura de Modernização de Bibliote-cas em parceria com a Biblio-teca Nacional. Serão em torno de 1.800 exemplares para cada uma das bibliotecas”, afirma.

Já a Setra é responsável pela manutenção do restante das instalações das Casas. Segun-do Priscila Borges, coorde-nadora do Trabalho da Setra, “pretende-se fazer alguns re-paros quanto à estrutura, bem como existe a possibilidade de ampliação de mais salas”. Ela reafirma que serão ofertados cursos de qualificação em “di-versas áreas e horários, bem como a reabilitação de labora-tórios de informática”. O início dos cursos e as reformas, entre-tanto, não têm data definida.

A situação de abandono do projeto Casa Brasil chamou minha atenção, sobretudo, pelo paradoxo que é ter o prédio, livros, computadores e não haver pessoas usando. É possível ver boa vontade em ações como a de Margarida, coordenadora da unidade Granja Portugal, que diz que-rer que a Casa fique aberta, inclusive, no turno da noite. Ela, entretanto, esbarra no problema da falta de profis-sionais da segurança e em outras tantos problemas de administração por parte das secretarias responsáveis. As-sim como ela, acho uma pena ver vazios a biblioteca e ou-tros espaços, como auditório, anfiteatro e estúdio musical cheio de instrumentos. É um custo ainda maior imaginar o que estarão fazendo as crian-ças e os jovens que deveriam estar habitando esses equi-pamentos construídos com dinheiro público.

ocupação do lugar. Ainda este ano, ela conta, escritores, como, o cearense Raymundo Netto, usa-ram o espaço para lançamentos. A tentativa de ocupação, entre-tanto, não foi tão bem sucedida.

Na unidade, é possível reali-zar empréstimos de livros. “Faz um cadastro e traz um compro-vante de endereço. A gente não teve problema ainda com menino que não devolve livro”. O espa-ço também deveria ter acesso à internet, mas Margarida conta que a rede não está funcionando. “Temos a sala e os computado-res, mas estamos sem internet e alguns computadores têm de ser reparados”.

Margarida diz que o ar-condi-cionado ajuda a evitar poeira e que os livros são limpos sempre que possível. “Pode manusear sem precisar de luva, sem precisar de máscara, sem precisar de nada. A gente só está com problemas de serviços gerais, pois é uma pes-soa para casa toda”. Assim como na unidade do Vila União, faltam profissionais capacitados para a biblioteca. “Eu deixo de fazer outras coisas aqui na Casa pela biblioteca, porque eu acho que é de grande importância ela estar aberta para a comunidade”.

Centro

aNTÔNIO bEZERRAAntônio Bezerra Vila

União

Granja Portugal

Regional III Regional IV Regional V

Casa Brasil Granja PortugalEndereço: Rua Humberto Lomeu, 1220, Granja PortugalTelefone: 3105.2308Casa Brasil Vila União

Endereço: Rua Celso Tinoco, 1374, atrás do Colégio Haroldo Jorge Vieira, Vila UniãoTelefone: 3433.5958

Casa Brasil Antônio BezerraEndereço: Complexo de Ci-dadania José Carlos da Costa Ribeiro, na Rua Pio Saraiva, s/n, Antônio Bezerra.Telefone: 3105.1274

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6 IMPRESSÕES – LEITURA

Acessibilidade

Dolor Barreira: rampa íngreme é obstáculo para deficientes visuais e motores que utilizam a biblioteca municipal

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Usar as bibliotecas públi-cas de Fortaleza não é tarefa fácil para cegos,

surdos e pessoas com deficiên-cias motoras. É verdade que, nos últimos 13 anos, a legisla-ção avançou. Desde o ano 2000, com a sanção da lei 10.098, construções e reformas em pré-dios públicos passaram a ser obrigadas a levar em conside-ração as necessidades de aces-so de todos os cidadãos. Mas a adequação à lei tem sido lenta. Nas duas principais bibliotecas públicas da capital cearense, as estruturas ainda têm obstáculos que dificultam o acesso a usuá-rios com alguma deficiência.

O Impressões visitou a Bi-blioteca Pública Estadual Go-vernador Menezes Pimentel, localizada na Praia de Iracema, e a Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira, no bairro Benfi-ca. Em ambas, há problemas que vão da estrutura física inadequa-da à falta de pessoal especializa-do. Por outro lado, a reportagem

também registrou ações já em execução nesses equipamentos, para garantir o direito à leitura.

Rampas, piso tátil, plata-formas elevatórias. Esses ele-mentos são essenciais para possibilitar às pessoas com deficiências visuais e motoras a mobilidade em edificações. As benfeitorias precisam es-tar de acordo com as defini-ções da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Uma rampa, por exemplo, não pode exceder o percentual de inclinação de 12,5%, consi-derando-se seu comprimen-to e a altura do desnível. Já é lei, mas ainda não é realidade.

Estrutura física e fun-cionários

Na Biblioteca Dolor Barrei-ra, um cego terá dificuldade em transitar da recepção ao se-tor braile porque a rampa que liga os dois espaços é íngreme. Esse usuário poderia ter o des-locamento facilitado também

caso o edifício dispusesse de piso tátil, com marcações in-dicativas de direção e de aler-ta. Já um cadeirante que deseje utilizar o acervo Geraldo No-bre ou a Gibiteca, ambos no piso superior, não conseguirá acessar os espaços porque fal-tam plataformas elevatórias.

Segundo a diretora da Do-lor Barreira, Herbênia Gurgel, a Prefeitura já identificou as defi-ciências do prédio, por meio da Coordenadoria da Pessoa com Deficiência (Copedef). “Tem inclusive projeto da Secretaria da Infraestrutura (Seinf) para a reforma da biblioteca e esta-mos no aguardo para fazermos as alterações”, diz a diretora. De acordo com a Seinf, contudo, a próxima reforma da Dolor Bar-reira, prevista para iniciar em novembro, ainda não contem-plará obras de acessibilidade. Os usuários com deficiência podem ter que esperar até 2016. Essa é a meta estabelecida no Plano Municipal de Cultura para que todos os equipamentos culturais do município atendam aos requisitos legais de acessi-bilidade, segundo informou à reportagem a Secretaria de Cul-tura de Fortaleza (Secultfor).

A situação é semelhante na Biblioteca Menezes Pimentel. A universitária Leni Alves, que é cadeirante, precisou usar o equipamento e teve dificulda-des. “Tem um elevador lá, mas não existem rampas. Quando o elevador quebra, o acesso é

só pela escada e fica inviável a gente subir”, reclama. O peda-gogo João Bosco possui defici-ência visual e já trabalhou no prédio. Ele reforça a necessi-dade de reforma. “Sentia falta de piso tátil lá. Se houvesse, facilitaria bastante”, afirma.

A diretora da biblioteca estadual, Enide Vidal, expli-ca que, quando o prédio foi construído (1975), não se le-vava em conta a acessibilidade. “Sempre existiram as pessoas (com deficiência), mas hoje é que isso foi conquistado como direito”, justifica. Um projeto de reforma geral da biblioteca, incluindo acessibilidade inter-na, está em elaboração pelo Departamento de Arquitetura e Engenharia do Ceará (DAE) e deve ser enviado à Secretaria de Cultura do Estado (Secult) até novembro. Porém, ainda não há datas definidas para licitação e início das obras.

A garantia de acesso ao acervo para as pessoas com deficiência não se limita às instalações físicas das edificações. O atendimento a essa parcela do público também carece de pessoal especializado. Germana de Lima trabalha no Instituto Cearense de Educação de Surdos. Ela tem deficiência auditiva e reclama da falta de intérprete de libras (linguagem brasileira de sinais) nos equipa-mentos. Na Biblioteca Menezes Pimentel, apenas um funcionário sabe se comunicar em libras. Já na Dolor Barreira, nenhum dos

Estrutura das bibliotecas públicas dificulta acesso a pessoas com deficiência

Instalações físicas inadequadas são o principal problema de acessibilidade em bibliotecas públicas em Fortaleza. Por outro lado, há ações para garantir o acesso à leitura Por Vicente Neto

oito funcionários está capacitado para atender uma pessoa surda.

ConquistasApesar dos problemas, as

duas bibliotecas apresentam algumas conquistas quanto à acessibilidade. A Menezes Pi-mentel mantém há mais de três décadas um setor com obras em braile (codificação de leitu-ra para pessoas com deficiência visual). Criada em 1979, a se-ção tem 3.530 livros impressos em braile registrados no acervo, a maior parte disponível para empréstimo, e 334 audiolivros. Também presta serviço gratuito de digitalização de textos, para que estes possam ser ouvidos por usuários que disponham de um computador com progra-ma leitor de tela. O setor conta, ainda, com funcionários treina-dos para atender usuários cegos.

Uma boa notícia também para as pessoas com deficiência visual vem da biblioteca muni-cipal. Um funcionário acaba de ser designado pela Prefeitura para trabalhar na seção braile da Dolor Barreira. Ele é cego e domina o método braile. Além de atender os usuários, o re-forço especializado vai reali-zar uma importante missão no setor onde as obras ainda não foram indexadas. “(Ele) vai nos ajudar a decodificar o que não estiver em capa para os bibliote-cários poderem catalogar e clas-sificar esse material”, comemora a diretora Herbênia Gurgel.

Foto: Vicente Neto

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7IMPRESSÕES – LEITURA

Por Felipe Martins e Isabele Câmara

“Aminha biblioteca deverá ser entregue ou vendida a uma

universidade do Ceará (caso interesse)”. A frase está escrita em um documento de Djacir Menezes, dono de um patri-mônio de aproximadamen-te 16 mil volumes. A citação foi a pedra fundamental para o que hoje é o Acervo Djacir Menezes, pertencente à Uni-versidade Estadual do Ceará (Uece). Quase treze anos após a aquisição, e depois de um minucioso processo de res-tauração, a Universidade deve finalmente abrir as portas do acervo ao público no próximo dia 24 de outubro.

O acervo se divide em 3.500 obras raras e 10 mil não raras, que incluem 2.400 revistas e jornais antigos. Segundo Vas-co Robson Soares, bibliotecá-rio responsável pelo etique-tamento das peças do Acervo Djacir Menezes, para uma obra ser considerada rara, ela deve ser datada de antes do século XX, ter poucas edições e não ser possível encontrá-la no mercado.

Entre as obras encontradas na coleção, estão livros sobre assuntos diversos. Filosofia, Sociologia, Direito, Literatu-ra, periódicos, obras autorais de Djacir Menezes, incluindo algumas escritas à mão. Dja-cir escreveu sobre Economia, Sociologia, Filosofia e Direi-to, além de produzir poemas

e críticas. Um dos livros mais famosos dele é “O Outro Nor-deste”, crítica à obra “Nordes-te”, de Gilberto Freyre.

Segundo a bibliotecária do acervo, Ana Néri, a demora de quase treze anos para dispo-nibilizar as obras ao público aconteceu por conta das pro-postas de restauração recusa-das por colaboradores e pela falta de periodicidade dos editais voltados à cultura. “Foi apresentada uma proposta ao BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômi-co e Social), que foi negada. Só fomos contemplados em 2009”, conta.

Quem quiser ter acesso ao acervo Djacir Menezes terá de cumprir regras específicas. “A pessoa vai ter que marcar hora e usar uma série de paramen-tos. Avental e luvas, por exem-plo, para manusear os livros. É uma questão de segurança tanto humana, como mate-rial”, explica Ana Néri.

O acervo conta ainda com armários especiais que vedam a entrada de pó. O custo de um conjunto desses equipa-mentos foi de aproximada-mente 152 mil reais. A verba destinada ao acervo vem do BNDES, que apoiou o projeto de restauração, o estudo bi-bliófilo e a informatização. O dinheiro vem também do Mo-nitoramentos de Ações e Pro-jetos Prioritários (MAPP). O MAPP 19 foi destinado a gas-

“O acervo traz uma ampla

contribuição para as

atividades de pesquisa e de

cultura. Além da disseminação da cultura clássica

tos com livros e o MAPP 18, com equipamentos. Os MA-PPs são ligados ao Governo do Estado do Ceará, Secreta-ria de Planejamento e Gestão.

Acervo Geraldo NobreOutro acervo de gran-

de importância encontrado em Fortaleza é o do jorna-lista, professor e economista Geraldo Nobre. O cearense é considerado um dos mais importantes historiadores do Estado. Entre as contribuições dele estão diversos livros e ar-tigos sobre cultura, política e economia, responsáveis por traçar um panorama da histó-ria do Ceará desde o período colonial. A coleção com cer-ca de seis mil livros foi doada pela família de Geraldo em 2006 - um ano após a mor-te dele - à Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira.

Tamanha importância, no entanto, parece ser negligen-ciada pelo poder público. O acervo, que guarda grande parte da memória de Geraldo Nobre, é conservado, mas não pode ser acessado. Segundo a diretora da biblioteca, Ma-ria Herbênia Gurgel Costa, o acervo de livros de Geraldo Nobre não está “tecnicamente preparado para empréstimo”. As obras estão em conserva-ção no primeiro andar do lo-cal e esperam o processo de separação e catalogação in-formatizada. Outra dificulda-

de que torna inviável o acesso público a essas obras é o esta-do precário de alguns dos vo-lumes, que precisam de mão de obra especializada para se-rem restaurados.

Para Herbênia, um dos maiores problemas que impe-dem o acesso a determinados acervos é a falta de bibliote-cários. “Temos uma questão séria de servidor. Faz muito tempo que não tem concurso no Município e nós somos sa-crificados porque não temos bibliotecários para fazer esse trabalho agora”, conta. “Nossa expectativa é que a gente es-teja fazendo isso, pelo menos, até o fim da gestão do prefei-to Roberto Cláudio, porque é muita coisa para fazer”, espera a bibliotecária.

Os livros do acervo de Djacir Menezes são sobre Filosofia, Sociolo-gia, Direito, literatura, periódicos, além de obras autorais

Coleção de memórias: a história de grandes nomes do Ceará em acervos

Patrimônio

Livros que passaram de artigos pessoais a patrimônios públicos de Fortaleza. Conheça a história dos acervos Djacir Menezes e Geraldo Nobre

Foto: Isabele Câmara

Foto: Isabele Câmara

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8 IMPRESSÕES – LEITURA8 IMPRESSÕES – LEITURA

Condições estruturais

Entre o esquecimento e o reavivamento: como estão as nossas bibliotecas?

Por Gleyce Any, Renan Vidal e Saulo Lucas

Um breve passeio pelas principais bibliotecas de Fortaleza revela o abandono e a falta de investimento público nesses equipamentos nos últimos anos. Secretarias de Cultura Estadual e Municipal anunciam mudanças que prometem reverter o quadro

Foto

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ucas

Projetadas para serem um dos principais espa-ços públicos, as biblio-

tecas funcionam como santu-ários onde acontecem as mais variadas interações entre as pessoas e os livros. Não deve-ria ser diferente com as biblio-tecas de Fortaleza. Porém, bas-ta visitar os mais importantes equipamentos dos sistemas de bibliotecas públicas estadual e municipal da Cidade para ter um panorama do atual estado desses lugares. Há pelo menos uma década sem receber inves-timentos significativos para re-formas ou contratação de pro-fissionais qualificados, esses espaços não têm se renovado e, por isso, vêm perdendo des-taque na capital cearense. No entanto, mudanças anunciadas pelas secretarias de Cultura do Estado e de Fortaleza reacen-dem as esperanças e as discus-sões sobre o reavivamentos das nossas bibliotecas.

Fundada em 1867, a Bi-blioteca Pública Governador Menezes Pimentel (BPGMP) é a mais expressiva e extensa biblioteca do estado do Cea-rá, contando com acervo de, aproximadamente, 115 mil vo-lumes e cerca de 300 mil perió-dicos. A área, privilegiada pela vista para o mar, ocupa 2.272 metros quadrados, e é dividida em cinco pavimentos.

Todo o acervo cultural, no entanto, encontra-se debilita-

do. Desde 2002, o equipamen-to não passa por reformas. O legado da falta de investimento em cultura é sentido nos dias de hoje pela circulação cada vez menor de pessoas nesses espaços, que deveriam estar abarrotados. “Hoje o nosso público é mais ‘concurseiro’. Até porque, com essas novas tecnologias, ninguém vem mais pegar enciclopédia nem dicionário aqui”, relata Apare-cida Lavor, gerente do Sistema Estadual de Biblioteca Públicas do Ceará (SEPB).

Até mesmo nos locais antes mais frequentados predomina um incômodo silêncio, como o Setor Infantil, que é arqui-tetado e enfeitado com livros e fantoches. “Aqui vem mais excursão de escolas públicas e particulares. Mas vez ou outra fica assim, meio vazio”, confessa Beth Gondim, administrado-ra responsável pela ala infantil. Ela ainda enfoca outro público. “Os meninos do Poço da Draga (comunidade próxima à biblio-teca) também vêm é muito. Só que eles andam meio sumidos, não sei o que aconteceu”.

Mesmo não aparentando sucateada, a BPGMP passa por algumas dificuldades que vêm se arrastando por anos. A prin-cipal, constatada em todos os setores, é a falha no funciona-mento do sistema de refrigera-ção. O incessante calor, atrelado à presença de pernilongos, é

um problema para os frequen-tadores. O estudante Lucas Fer-reira é incisivo na crítica. “Des-de quando eu comecei a estudar aqui, e isso já vai fazer uns dois anos, está sem ar-condiciona-do. A gente estuda no sol quen-te mesmo. Aí eu mudei o turno e venho estudar agora final de tarde, que é mais fresco”.

A prometida reforma na bi-blioteca apresenta alguns en-traves. Segundo a diretora da Biblioteca Menezes Pimentel, Enide Vidal, a reforma precisa passar por processos licitatórios que burocratizam todo a ação. A assunção da vaga de secretá-rio da Cultura por Paulo Ma-mede reavivou as esperanças dos que almejam a reforma da biblioteca. “O novo secretário assumiu com o propósito de colocar em execução a reforma. Ele tem consciência de que a bi-blioteca é um espaço importan-te, e precisa estar agradável ao público”, expõe Enide.

Sobre o vazio dominante na biblioteca, Enide justifica que “o grande problema são as no-vas tecnologias”. E, logo após, completa com as causas estru-turais. “Esse momento que a biblioteca está passando, esse problema nas instalações elé-tricas, afasta os usuários tam-bém. A gente espera que, com a reforma, esse local seja nova-mente habitado, e com certeza trabalharemos nesse sentido, com projetos e tudo mais”.

A falta de funcionários não é um dos principais problemas da BPGMP, pois cada setor possui um bibliotecário para auxiliar o usuário. Infelizmente, o mesmo não acontece nas outras biblio-tecas do Estado onde, segundo a gerente Aparecida Lavor, apenas 30 dos 184 municípios possuem bibliotecas equipadas com pro-fissionais da área. “Boa ou ruim, tem em todo município. Na ges-tão do FHC (Fernando Henri-que Cardoso), eles (os prefeitos) recebiam dinheiro e ia para todo canto, menos pras bibliotecas. Depois do Lula, eles passaram a mandar todo o acervo já pronto. Melhorou, mas ainda falta mui-to”, reforça Aparecida.

Mais olhos para Dolor Barreira

Ao todo, sete equipamentos compõem a Rede Municipal de Bibliotecas, sendo a Dolor Bar-reira o principal espaço man-tido pela Secretaria de Cultu-ra de Fortaleza (Secultfor). A Biblioteca possui um acervo de, aproximadamente, 16 mil livros, os quais dividem-se em áreas como Psicologia, Filo-sofia, Literatura Estrangeira e Brasileira, além de muitos ou-tros. Vale ressaltar, ainda, que no expressivo número do acer-vo não se contam as diversas caixas com obras a serem ca-talogadas e os títulos voltados especialmente para a Gibiteca.

Em funcionamento há mais de 40 anos, o equipamento

Na Menezes Pimentel:

No Estado do Ceará:

Em Fortaleza:

190}

}

EM NÚMEROS

bibliotecas ca-dastradas, em

182 dos 184 municípios

115mil volumes e 15

bibliotecários, 7 concursados e 8 terceirizados

7equipamentos

compõem a Rede Municipal

de Bibliotecas

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9IMPRESSÕES – LEITURA

LINHA DO TEMPO DA BIBLIOTECA PÚBLICA MENEZES PIMENTEL

Menezes Pimentel, a maior biblioteca pública do Ceará 1867

1975 2002

1978 2013

Em 25 de março de 1867 é cria-da a Biblioteca Provincial do Ceará, mais tarde batizada de Menezes Pimentel, em homena-gem ao político cearense que foi governador entre 1935 e 1937.

Em 22 de maio de 1978, o então governador do Estado, Waldemar Alcântara, muda o nome da Bi-blioteca Pública do Estado para Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel.

Dentro da reforma anunciada pelo atual secretário da Cultura, Paulo Mamede, está incluso uma passarela que interligará externamente o Dragão do Mar e a Bilioteca.

Em 6 de fevereiro de 1975, o Presidente Ernesto Geisel inaugura o prédio atual da biblioteca.

A biblioteca passa pela última re-forma geral, quando é feita a mo-dernização dos sistemas e da es-trutura e a integração física com o Centro Cultural Dragão do Mar.

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conta com uma equipe de mais de 12 pessoas, entre profissio-nais e estagiários. Embora o espaço tenha ganhado cada vez mais atenção, resultado visível nos mais de dois mil visitan-tes mensais, a diretora Herbê-nia Gurgel afirma não haver concurso para bibliotecários há cerca de dez anos, fato que contribui com a carência das bibliotecas públicas, entregues à livre iniciativa dos que abra-çam a causa. Segundo o assis-tente técnico da Coordenação de Criação e Fomento da Se-cultfor, Nixon Araújo, até ago-ra, não há previsão para a re-alização de concursos voltados para a área de biblioteconomia.

Mesmo com as deficiências comuns aos equipamentos pú-blicos, a Biblioteca Dolor Bar-reira recebe visitantes de todas as idades. Seguindo o exemplo dos irmãos, Francisco Lemos Tomé Junior, 32, estudante de Contabilidade, utiliza o espaço para estudo e pesquisa no acer-vo. Preparando-se para prestar o exame de suficiência para exercer a profissão, Tomé afir-ma que “o ambiente é bastante favorável para estudar”, além de disponibilizar os livros ne-cessários. O cenário é um pou-co diferente para a estudante Fátima Souza Lima. Segundo ela, embora o espaço seja mui-to bom para a concentração nos estudos, o acervo necessi-ta de atualização. “Estudo para concurso, preciso de livros de Gramática que estejam atua-lizados, mas nem sempre en-contramos”, afirma.

Ressignificar para atrair

Perto de completar 40 anos de existência, o Instituto Mu-nicipal de Pesquisas, Admi-nistração e Recursos Huma-nos (IMPARH) abriga mais uma das sete bibliotecas que compõem a Rede de Biblio-tecas Públicas Municipais de Fortaleza. O equipamento da Secultfor atende a um público interno de cerca de cinco mil

estudantes. São jovens e adul-tos que participam de cursos e atividades de extensão, ofereci-dos pelo IMPARH, ou que es-tudam na Universidade Aberta do Brasil (UAB) e no Centro de Línguas (CLI), equipamentos que também compõem o cam-pus da instituição.

A Biblioteca do IMPARH, bem como toda a instituição, não passa por um bom mo-mento. Os nove anos que ficou sem receber reformas deixa-ram o campus em um estado que beira ao sucateado. No en-tanto, obras de melhoramento e projetos reestruturantes co-meçados no início deste ano prometem reverter essa situa-ção. De acordo com o diretor administrativo financeiro do IMPARH, Laurence Bisol, foi lançado, recentemente, o Plano Plurianual (PPA) do Governo Municipal para os próximos quatro anos, o qual inclui as diretrizes para a captação de recursos destinados a várias reformas no campus.

A principal a ser realizada é a restauração do casarão da dé-cada de 1930, que abriga a par-te administrativa do IMPARH. A obra está orçada em cerca de R$ 1 milhão, incluindo ape-nas a reforma. Tombado desde 2005, o prédio se tornará um espaço cultural que incluirá a Biblioteca, além do memorial em homenagem aos 40 anos da instituição e do Plantão Gra-matical. “Esse espaço precisa ser ressignificado para trans-formá-lo em um espaço cul-tural. O seu valor histórico e o seu posicionamento estraté-gico, na entrada do IMPARH, vai garantir maior visibilidade”, declarou Bisol.

Até o último mês de abril, a biblioteca funcionava em um prédio separado do Centro de Línguas (CLI). O espaço en-contrava-se com uma série de problemas estruturais, como queda de reboco e rachaduras no piso. Por esse motivo, teve de ser interditado para reforma e os livros da Biblioteca foram

transferidos, provisoriamente, para uma sala audiovisual do CLI. Ainda de acordo com Lau-rence Bisol, mesmo depois da conclusão da reforma, no fim de agosto, o equipamento não deve voltar a funcionar lá, pois no espaço passará a funcionar o Departamento de Concursos e Seleções do IMPARH (DCS). Assim, os livros devem perma-necer onde estão até a mudan-ça da biblioteca para o casarão após a restauração.

Apesar de o equipamento seguir funcionando em um lu-gar menor e improvisado, Bisol diz estar surpreso com a com-preensão dos usuários. Inclusi-ve, depois da mudança para o Centro de Línguas, o número de usuários por semana mais que triplicou. “Antes tinha uma média de 35 alunos visitando a Biblioteca. Hoje, esse número ultrapassa aos 110 alunos. Per-cebemos uma mudança posi-tiva que se deve a visibilidade e acessibilidade; a Biblioteca está ao lado das salas de aulas”, avalia o diretor administrativo financeiro do IMPARH.

A Biblioteca do Instituto funciona de segunda a sexta--feira em dois turnos, das 7h às 13h e das 15h às 21h. De acor-

SERVIÇOHorários de funcionamento:

Biblioteca Pública Governador Menezes PimentelSegundas as sextas-fei-ras, 8h às 21hSábados, 9h às 17h

Biblioteca Municipal Dolor BarreiraSegundas as sextas-fei-ras, 9h às17h

Biblioteca do IMPARH Segundas as sextas-fei-ras, 7h às 13h/ 15h às 21h

do com o auxiliar administrati-vo, Nicolau Pereira, há mais de dois anos o espaço está sem bi-bliotecário, ficando apenas so-bre os cuidados dele e de duas servidoras de nível médio.

Trabalhando na bibliote-ca há cerca de dez anos, Ni-colau explica que o sistema ainda não é informatizado, a relação de livros e de usuários continua sendo na base das tradicionais fichas. Problemas que, de acordo com a admi-nistração do IMPARH, devem ser resolvidos nos próximos meses. “Até o início de 2014, a Biblioteca deve ser informati-zada e haverá compra de mais livros. Também solicitaremos a transferência de duas biblio-tecárias para cá. A abertura de concurso exigiria mais tempo e a demanda é urgente. Em re-lação à restauração do casarão, devemos enviar o projeto até o fim do mês (de setembro) e, se tudo der certo, as obras devem começar em 2015”, informou Laurence Bisol.

Atualmente, além do IM-PARH e da Dolor Barreira, compõem a Rede Municipal de Bibliotecas os espaços: CUCA - Barra (Regional 1), Casa Brasil Antônio Bezerra (Regional 3),

Casa Brasil Vila União (Regio-nal 4), Casa Brasil Granja Por-tugal (Regional 5) e Vila das Artes (Regional 4). Segundo a Secultfor, este número deve aumentar em breve, pois estão sendo finalizadas as obras de mais duas bibliotecas, localiza-das nos bairros Autran Nunes (Regional 3) e Conjunto Cea-rá (Regional 5), além da inau-guração dos novos CUCAs. Conforme a Secretaria, fora as construções, o único projeto voltado para os equipamentos citados é a compra de 1.800 tí-tulos para cada biblioteca, cujo processo de licitação já se en-contra em fase final.

A Biblioteca Municipal Dolor Barreira chega a receber cerca de dois mil visitantes por mês.

Foto: Saulo Lucas

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10 IMPRESSÕES – LEITURA

O maravilhoso mundo dos sebos: a paixão de quem vende e compra livros usadosLivreiro há mais de 46 anos e dono de um dos maiores sebos de Fortaleza, seu Geraldo conta como iniciou no ramo de livros usados e explica como funciona o espaço Por Bárbara Danthéias e Carolina Areal

Quem passa pela Rua 24 de maio, no centro de Fortaleza, não imagi-

na a infinidade de mundos que se encontra no número 950. Localizado entre barraquinhas de água de coco, o sebo do Seu Geraldo conserva mais de 100 mil exemplares de livros usa-dos – que vão desde volumosas enciclopédias até os romances mais açucarados.

O livreiro Geraldo Paulo Duarte – mais conhecido como seu Geraldo – está no ramo de venda de livros há mais de 46 anos. A história tem início no ano de 1966, quando ele co-meçou a vender revistas velhas na calçada da Rua Guilherme Rocha, no turno da noite. An-tes de chegar ao atual ponto de comércio, onde permanece há onze anos, Seu Geraldo tam-bém vendeu livros usados nas ruas Senador Pompeu, Floriano Peixoto, Pedro Pereira e Tristão Gonçalves, todas situadas no Centro da cidade.

Se, a princípio, o livreiro contava apenas com doações, hoje a maioria dos livros é ad-quirida por meio da compra. “A compra aqui é diária, todo o tempo, mas aqui e acolá uma pessoa oferece à gente, e a gen-te vai buscar”. Além das obras, seu Geraldo também trabalha com a venda de discos de vi-nil. “Roberta Miranda, Genival Santos e Luiz Gonzaga é o que eu mais tenho. Músicas tipo isso aqui.” Nesse momento, seu Geraldo sobe o volume do rá-dio – que toca o forró de Jack-

son Pandeiro – e confessa que livro ele não pega, não, mas deixa de vender os LPs de que gosta para guardá-los para si.

Tudo em famíliaO negócio de compra e ven-

da de livros usados perpassa por toda a família; mulher, fi-lhos e cunhados ajudam bas-tante. Um exemplo disso é Stela Alves, cunhada do livreiro, a quem ele sempre recorre para pedir ajuda no atendimento aos vários clientes que adentram o local durante o dia, interrom-pendo a entrevista. “Eu aqui não sei quase de nada, quem sabe mesmo é a Stela. Ela que guarda, anota preço, faz tudo”, comenta seu Geraldo a respei-to da responsável por catalogar todos os exemplares que che-gam ao sebo.

Stela explica que costuma organizar os livros por assun-to, mas, às vezes, também os separa por editora. “Alguns li-vros que tem menos títulos de uma determinada editora, dá até para separar por ela. Com-panhia das Letras, Rocco... dá pra separar por título, por edi-tora. Agora, esses outros livros aleatórios, a gente coloca só no assunto mesmo”. Segundo ela, os livros mais vendidos no sebo são os com a temática esotérica, espírita e de autoaju-da. “Mas o romance não tem pra ninguém, não. Toda hora vende”, acrescenta.

ConsumidoresEngana-se quem pensa que a

única atratividade nesses espa-

ços são os preços acessíveis. Para Markus Markans, professor de filosofia e frequentador de sebos há mais de 15 anos, o livro usado tem um valor especial. “Eu gosto muito do livro que já foi manu-seado por outras pessoas, que tem uma história impressa nele: uma mancha de café, um risco de uma criança...”, revela.

Outra fiel – e bastante tímida, pois se recusou a posar para fo-tos e a dar mais detalhes sobre si – cliente do sebo do seu Geraldo é a estudante de Letras Doralice. Frequentadora do local há cer-ca de sete anos, Doralice afirma que já comprou mais de 300 li-vros do sebo para ela e suas fi-lhas. “Quando eu não posso vir, eu fico doidinha. Eu vivo ligan-do pra Stela: ‘e aí, Stela, chegou alguma coisa?’”, comenta a com-pradora, entre risos.

A atenção com os clientes é outro fator que conta bastante para quem costuma frequen-tar o recinto. Doralice, por exemplo, destaca que Stela já conhece o tipo de livro de que ela gosta. “Eu amo esse sebo e gosto deles também. A gen-te cria um laço de amizade”, confessa. Segundo Stela, para trabalhar em sebos é preciso, antes de tudo, gostar do que está fazendo. “Tem que tratar o livro com carinho, colar se tiver que colar, limpar se tiver sujo... dar atenção a ele, né? O livro tem sentimento, o povo não acredita, mas ele tem sen-

timento. Todo livro tem seu dono”, declara.

“Pode subir, tem mais”E o que dizer de um espaço

onde livros novos e usados con-vivem praticamente juntos? Lo-calizada no bairro do Benfica, região universitária e boêmia da cidade, a livraria “Arte e Ciência” começou as atividades como sebo e até hoje não esquece as origens. Para ter acesso ao acer-vo, com aproximadamente 50 mil livros usados, é necessário se dirigir até o balcão da livra-ria, guardar bolsas e pertences e subir as escadas em direção ao primeiro andar do prédio, apa-rentemente pequeno e modesto.

A escada íngreme recepcio-na os amantes da leitura com quadros coloridos e estantes repletas de livros. Inúmeras obras, separadas por categorias, vão se espalhando e ganhando território, ocupando os espaços do que um dia já fora uma casa.

Adriano Fernandes, geren-te da livraria “Arte e Ciência”, é o responsável pela recepção e confidências sobre a história do local. “O dono trabalhava com o pai, que já tinha experiência com a venda de livros, e resolveu abrir uma loja de livros usados. Com o tempo, o negócio trans-formou-se em livraria e ele teve que comprar dois apartamentos para alojar o sebo”, comenta.

Segundo ele, a livraria não prejudica o comércio de livros

usados. “Uma coisa comple-menta a outra: tem gente que dá preferência ao livro novo, pela questão da higienização. Já quem quer um preço mais ba-rato, ou então livros esgotados, que não estão mais nas livra-rias, procura no sebo mesmo”.

Com uma clientela marcada por universitários, o acervo é formado – na sua maioria – por livros acadêmicos, que são or-ganizados e mantidos por oito funcionários que trabalham ex-clusivamente para o sebo. “Nós catalogamos todos os livros e separamos por categorias e ses-sões, isso facilita na hora de pro-curar uma obra”, afirma Adriano Fernandes, confidenciando que a livraria “Arte e Ciência” tam-bém passou a aderir as novas formas de comércio. “Vendemos também pela internet e sempre procuramos outros meios de di-vulgação”, complementa.

O acervo de Seu Geraldo conta com mais de 100 mil livros

Entrada do sebo do seu Geraldo na Rua 24 de Maio

“Eu gosto muito do livro que tem

uma história impressa nele:

uma mancha de café, um risco de

uma criança...

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Foto: Bárbara Danthéias

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11IMPRESSÕES – LEITURA

Por Bárbara Danthéias e Carolina Areal

Canto de ler, canto de brincar: como a literatura é incentivada no Ceará Cresce Brincando

Por Cris Lima e Rosana ReisProjeto do Unicef atua no Ceará há sete anos viabilizando espaços que efetivam o direito fundamental à brincadeira e à leitura

Toda criança tem di-reito à leitura. Pelo menos é isso o que ga-

rante as entrelinhas da Cons-tituição Federal, no seu artigo 227, e também o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, quando determinam que é obrigação da família, do Estado e da sociedade as-segurar aos pequenos o direi-to ao “lazer”, compreendido, aqui, em sua plenitude.

Em pelo menos vinte espa-ços distribuídos no Ceará, a diversão tem extrapolado os limites do brincar e invadido o mundo da imaginação pro-jetado pela leitura. O lazer li-terário começou a ser levado o sério quando a Uunicef, em parceria com a Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Estado (APD-MCE), iniciou a organização das Brinquedotecas do pro-grama “Ceará Cresce Brin-cando”. A principal meta do programa, nascido em 2006, é efetivar o direito ao “brin-car” como uma necessidade básica e fundamental de toda criança e adolescente – tão essencial quanto saúde, mo-

radia ou educação. Bárbara Janiques, uma

das coordenadoras do Ceará Cresce Brincando, vinculada à APDMCE, a meta inicial e a curto prazo era instalar as brinquedotecas. Hoje, quase sete anos de trabalho depois, já existem vinte brinquedote-cas, em diversos municípios cearenses – incluindo Forta-leza –, contemplando, desta maneira, todas as regiões do Estado. Agora, após o ama-durecimento do programa, o foco é manter a formação continuada dos “educado-res sociais brinquedistas” – profissionais indicados pelo município que recebe o pro-grama. No total, quatro edu-cadores são distribuídos por brinquedoteca, tornando-se responsáveis pela mediação das atividades e pela conser-vação dos espaços.

A brinquedoteca do pro-grama é dividida em qua-tro diferentes setores que se complementam: o Canto da Leitura, o Canto do Fazer, o Canto do Canto e o Canto de Artes. “O Canto da Leitura tem o objetivo de despertar

o prazer mesmo, o encan-tamento. A criança vive no simbólico, e aí, quando a gen-te traz uma narração, uma história contada, que a gente tira do livro e dá vida, a gen-te possibilita que ela viaje. O objetivo é mesmo despertar o imaginário, o prazer da leitu-ra”, pontua Bárbara, que não faz questão de esconder a sa-tisfação que tem em trabalhar com o imaginário infantil.

As estruturasTapetes estantes e co-

res, muitas cores. Os títulos, que variam entre os diver-sos clássicos da Literatura, como Monteiro Lobato, ou que abordam questões sociais mais delicadas – realidade vivida na pele pelas crianças atendidas pelo projeto – estão dispostos no chão ou nas pa-redes. A questão central é que os olhos das crianças estejam fixos neles. Se não os olhos, pelo menos os ouvidos.

A contação de estórias é uma das atividades mais tra-balhadas no Canto da Lei-tura, que, aos poucos, vai se transformando numa espécie

de campo da escuta. É incen-tivada também a participa-ção e a presença dos pais das crianças, de forma que o inte-resse literário passe a ser um ponto cada vez mais familiar.

O espaço é feito para se deliciar com os livros, sentar--se ao chão e agarrar-se a eles. Assim, folhas, letras, ilustra-ções e histórias, que naquele ambiente dividem a atenção das crianças com outros brin-quedos, passam a constituir mais um elemento do imagi-nário infantil, mais um obje-to que desperta curiosidade e interesse.

Os desafiosO projeto constantemente

precisa se superar e procu-ra se adequar à realidade de cada município. A estudante de pedagogia Géssica Montei-ro já trabalha em outras ativi-dades semelhantes em Cro-atá e atualmente se prepara para ser educadora social do Ceará Cresce Brincando. O programa está em vias de ser definitivamente implantando no município, e Géssica já co-meça a participar de oficinas

de contação de histórias e de varais literários, mas sabe que não vai dispor de uma brin-quedoteca ou de um canto da leitura para trabalhar. “Para trabalhar com o Ceará Cresce Brincando, nos foi dito que não necessariamente tería-mos que ter um espaço físico. Os municípios que têm mais dinheiro têm espaços para a realização”. Esse não é o caso de Croatá. Pelo menos, não por enquanto.

Entretanto, para Bárbara Janiques, a falta do espaço físico não seria bem um pro-blema, e sim uma das mo-dalidades em que o progra-ma escolheu trabalhar. Após implantar as vinte unidades de brinquedotecas, segundo Bárbara, o projeto precisa “extrapolar as barreiras físi-cas”, e se deslocar para outras comunidades – e até mesmo municípios – de maneira iti-nerante.

No “Ceará Cresce Brin-cando Itinerante”, as estantes do Canto da Leitura se trans-formam em varais de livros e em baús para chegar até crianças que moram longe da estrutura física da brinque-doteca. “A gente sabe que tá conseguindo levar realmente o brincar pra essas crianças, que têm uma realidade mui-to dura, muito difícil. Muitas têm a questão do trabalho in-fantil, outras estão fora da es-cola, outras estão ligadas com as drogas... O programa vem como oportunidade de ofere-cer algo de direito pra essas crianças”, defende Bárbara.

Educadores do Ceará Cresce Brincando passam por formações desenvolvidas pelo Projeto Incluir Brincando,da Unicef, que tem o objetivo promover a inclusão das crianças

“O espaço é feito para se deliciar com os livros, sentar-se no

chão e agarrar-se a eles

Infância

Foto

: Rep

rodu

ção

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Ambiente escolar

Bibliotecas de escolas estaduais lutam para suprir necessidades dos alunos em meio às dificuldades

“Eu amo literatura. Estou fazendo o que eu gosto”.

É o que diz Christiane Maga-lhães, regente da Sala de Multi-meios do Colégio Juarez Távo-ra, no qual trabalha há um ano. A frase pertence a essa pro-fessora, mas o seu significado pode se ver estampado no ros-to de outras duas regentes das escolas estaduais visitadas pela reportagem. O amor pelo tra-balho é inegável, mas as condi-ções dos locais são um desafio.

A biblioteca não funciona so-zinha. Ela está inserida na Sala de Multimeios que agrega tam-bém sala de vídeo, laboratório de informática e sala de leitu-ra. O responsável pelo espaço é chamado de Regente, que trabalha com outros funcio-

Por Débora Lopes, Mikaela Brasil e Taís de Andrade

Sala de Multimeios, recursos audiovisuais e livros em um só lugar

O Jornal Impressões visitou três escolas públicas da rede estadual e constatou o funcionamento das bibliotecas, a dificuldade de renovação do acervo e a falta de concurso para bibliotecário

“Quanto mais o aluno lê,

mais ele vai ter compreensão

em sala de aula

nários, denominados Apoios. De acordo com a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, todas as escolas têm uma Sala de Multimeios.

“Aqui a gente atua como su-porte pedagógico, não é uma biblioteca”, conta a pedagoga Cleonice Nascimento, regente do espaço Multimeios na es-cola de Ensino Fundamental Centro dos Retalhistas. Nes-te colégio, uma sala pequena abrigava as estantes com os livros, além de uma televisão de tela plana e um notebook. O mesmo espaço se transfor-ma em sala de vídeo quando alguma turma vai para lá as-sistir algum filme passado pelo professor.

“Não há como fazer só uma biblioteca, por conta da estru-tura” afirma a professora, que

está há dez anos na institui-ção. E não é somente o espaço físico que é dividido entre a biblioteca e os equipamentos. De acordo com a assisten-te financeira do Centro dos Retalhistas, Luana Silveira, o Governo Federal, em 2013, através do PDDE (Plano de Desenvolvimento da Escola), repassou 12 mil reais à escola.

O valor é repassado para as escolas uma vez ao ano. O di-nheiro é enviado com base no número de alunos matricula-dos na instituição, de acordo com o Censo Escolar do ano anterior e serve para aquisição de material, manutenção e re-paros na unidade escolar.

Luana Silveira calcula que 70% do valor foi para a Sala de Multimeios, para os equipa-mentos como o datashow e no-

tebooks. Dessa porcentagem, a assistente financeira analisa que aproximadamente 20% foram repassados só para as questões da própria biblioteca, como a compra de livros.

Com a nova gestão de di-retoria da escola, Cleonice Nascimento disse que a atual diretora já pediu para que ela elaborasse novos projetos en-volvendo a leitura. A biblioteca pode disputar espaço com ou-tros equipamentos, mas nes-se quesito ela é fundamental: “Quanto mais o aluno lê, mais ele vai ter compreensão em sala de aula”, diz Cleonice.

A leitura pode facilitar que o aluno compreenda melhor textos, o que é essencial em avaliações como no Índice de Desenvolvimento em Educa-ção Básica (Ideb), em que a es-

Foto: Mikaela Brasil

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13IMPRESSÕES – LEITURA

“A maioria dos funcionários

das bibliotecas são professores

readaptados devido a

problemas nas cordas vocais

Christiane Magalhães, Regente da Sala de Multimeios do Colégio Juarez Távora e responsável pelas ações no local

cola, segundo a regente da Sala Multimeios, não obteve boa pontuação.

Uma pontuação abaixo da média no Ideb significa um menor repasse de verbas fede-rais no PDDE. De acordo com o portal do Fundo Nacional de Desenvolvimento em Educa-ção (FNDE), em escolas com média abaixo do nível nacional do Ideb em 2007, o valor pode ser de apenas dez mil reais para escolas com até 99 alunos. O Centro de Retalhistas possui 647 alunos matriculados e re-cebeu a verba de 12 mil reais.

Assim, o investimento na leitura tem origem direta com questões financeiras que man-tém a escola funcionando. No momento, “nenhum projeto específico de incentivo à lei-tura está sendo realizado”, é o que afirma Marta Leuda, Orientadora da Célula de De-senvolvimento do Currículo e Aprendizagem da Seduc. Nes-se sentido, para as bibliotecas se firmarem como locais esti-mulantes de leitura, é preciso depender de ações das Salas de Multimeios, que através dos Regentes e Apoios recebem amparo do governo para exe-cutarem projetos.

Entretanto, devido ocuparem os mesmos espaços e compar-tilharem dos mesmos recursos, os conceitos de Salas de Mul-timeios e biblioteca se confun-dem. Essa atenção maior à sala, justifica-se principalmente por ser o foco primordial de inves-timento do governo estadual.

O suporte que é realizado por parte do órgão nas biblio-tecas escolares é através da dis-ponibilização esporádica de acervos tanto no que diz res-peito a paradidáticos quanto a livros didáticos. “Na última aquisição, realizada este ano, cerca de R$ 5 milhões de re-ais foram investidos”, afirma a orientadora.

Visando suprir as necessida-des destes espaços com ações assertivas de incentivo à leitu-ra, as bibliotecas públicas são apoiadas por dois programas do Governo Federal: o Progra-ma Nacional de Livro Didáti-co (PNLD), que propõe a cada dois anos a atualização dos li-vros didáticos, e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), que realiza a distri-buição de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de re-ferência a alunos.

Neste último, inclui-se tam-bém a disponibilização de material de amparo à prática pedagógica dos professores da educação básica e também da Educação de Jovens e Adultos

por meio da avaliação e distri-buição de obras de cunho teó-rico e metodológico.

Este investimento é de ação própria do Ministério da Edu-cação. Devido a isto, o governo estadual não apresenta auto-nomia diante da solicitação de demanda.

Faltam bubliotecáriosUm dos maiores desafios en-

contrados nas escolas estaduais é a falta de bibliotecários. De acordo com a psicopedagoga Olga Suely de Moraes, regente da sala de Multimeios no colé-gio Adauto Bezerra, o Estado não faz concursos voltados aos profissionais da área de Biblio-teconomia, nomeando profes-sores para exercer essa função.

Olga afirma não ter recebi-do nenhuma capacitação ao ser convidada pelo diretor da escola, em 2009, para assumir a função de regente. A peda-goga explica que adquiriu al-gumas noções básicas sobre biblioteca, pedindo informa-ções com uma amiga, biblio-tecária de colégio particular. “Eu conversei com uma cole-ga minha bibliotecária. Ela me deu essa ideia de arrumar por autor, em alamedas”, explica. O único suporte fornecido pelo Estado são as reuniões de capacitação realizadas pela Seduc, mas estas não ocorrem com frequência.

O problema é apontado tam-bém pelas demais regentes en-trevistadas. Segundo a pedago-ga Cleonice Pinheiro, todos os dados que obteve sobre organi-zação dos livros foram apren-didos a partir de manuais, ex-plicando o modo de classificar as obras. A regente afirma ain-da que uma grande ajuda tem sido a recepção, na sala de mul-timeios, de alguns estagiários do curso de Biblioteconomia, enviados pelos professores da Universidade Federal do Ceará (UFC), permitindo um maior conhecimento para melhorar a dinâmica do local.

A maioria dos funcionários das bibliotecas são profes-sores readaptados devido a problemas nas cordas vocais, algo que os impede de conti-nuar na sala de aula. Olga de Moraes não concorda com o retorno dos professores às salas, após um curto período na biblioteca, como ocorre no sistema municipal de ensino. “Eu acho uma falta de, se cou-ber o termo, caridade. Você pega uma pessoa que está sem corda vocal nenhuma, tira um ano e coloca ela numa biblio-teca. Depois de um ano, essa corda vocal melhorou? Não

melhorou!”, aponta.As regentes entrevistadas

defendem a contratação de bi-bliotecários para auxiliar nas atividades referentes ao aluguel e classificação das obras, pos-sibilitando uma organização mais profissional do local. Olga de Moraes afirma que trabalha na biblioteca por ter interesse pelo assunto, mas confessa não possuir um conhecimento real sobre a área. “Se me pergunta-rem se está funcionando esse setor da biblioteca, para mim está. Se está correto? Eu não sei”, admite.

Público X PrivadoA realidade nas escolas pri-

vadas é bem distinta. “Em cada sede tem uma biblioteca e tem sempre um bibliotecá-rio responsável”, explica a bi-bliotecária Daniele Oliveira, responsável pela biblioteca de um dos maiores colégios par-ticulares da capital, o Ari de Sá Cavalcante. Com maior in-vestimento e contratação de profissionais da área de biblio-

teconomia, os alunos são cons-tantemente estimulados por meio de projetos e da aquisição de novos livros.

“Tem de enciclopédia até todo tipo de literatura”, afir-ma Daniele, referindo-se ao acervo do local, que conta com aproximadamente 30 mil livros somente em uma das sedes da escola. Segundo a bi-bliotecária, praticamente toda semana chegam livros novos, muitos sugeridos pelos pró-prios alunos. Os projetos de leitura também são diversos e alguns são realizados junta-mente com os professores, nas salas de aula.

A escola organiza os livros por faixa etária, evitando que os alunos tenham acesso à obras inadequadas a idade de-les. Diferentemente das escolas públicas visitadas, há espaços apropriados tanto para leitura individual como para os estu-dos em grupo, proporcionan-do um ambiente mais adequa-do aos estudantes.

De acordo com Daniele Oli-

veira, um bibliotecário faz toda a diferença nas bibliotecas, pois permite não apenas uma classificação apropriada das obras, mas também tem maior facilidade para indicar e loca-lizar os livros solicitados pelos alunos.

Organização e classificação de livros garantem a conservação dos acervos

Foto: Taís de Andrade

Foto: Mikaela Brasil

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14 IMPRESSÕES – LEITURA

Catalogação: descrição do livro, informações como nome do autor, título, editora e ano com o fim de recuperar a informação.

Classificação: Divisão do livro por assunto, traduzida em códigos numéricos para indicá-los. Nas bibliotecas que realizam empréstimos, são utilizados dois tipos de classificação: a Classificação Decimal de Dewey ou a Classificação Decimal Universal A Classificação Decimal de Dewey é utilizada em biblioteca mais simples, como as bibliotecas escolares. A Classificação Decimal Universal é mais usada em bibliotecas específicas, como o setor do Ceará, na Menezes Pimentel.

Indexação: é a representação temática do livro através de palavras-chaves.Fonte: Tatyana Cardoso

Terezinha Maciel trabalha há 32 anos na biblioteca pública estadual Mene-

zes Pimentel. Ela é responsável pelo setor do Ceará, que abriga as publicações de autores cea-renses ou publicadas no estado do Ceará. A bibliotecária cuida do atendimento aos frequenta-dores, além de realizar a parte que nomeou como “técnica”, que englobaria os processos de verificação da existência do exemplar, catalogação, classifi-cação e indexação.

Para ela, trabalhar na biblio-teca significa unir seu amor pe-los livros e pelas pessoas. “Eu sempre gostei de trabalhar com o público, então poder traba-lhar com essa parte de atendi-mento é muito bom. Além dis-so, cada livro que você pega é a possibilidade de aprender, de encontrar coisas novas”, conta.

Já Tatyana Cardoso traba-lha zelando pela informação do Colégio Pedro II, no Rio de

Por Raissa SampaioJaneiro, desde 2008. A biblio-tecária passou um ano na Bi-blioteca Central São Cristovão, destinada aos alunos; e em 2009 foi transferida para o Núcleo de Documentação e Memória do colégio, o NUDOM. Hoje, Ta-tyana é uma das responsáveis por gerenciar um arquivo his-tórico que inclui fotos da famí-lia imperial, a prova de admis-são do ator e compositor Mário Lago e o registro de professor do escritor Joaquim Manuel de Macêdo.

O NUDOM é um centro de documentação, voltado para pesquisadores de graduação, mestrado e doutorado, que procuram se informar sobre a história da educação brasileira. Com um acervo tão diversifi-cado, seria fácil o interessado se perder no meio do caminho. “No meio daquele universo todo de informação, como a gente faz para encontrar aqui-lo que a gente precisa? É aí que

o bibliotecário é fundamental, na organização, na recupera-ção da informação.”, explica Tatyana. Além de cuidar da or-ganização, a bibliotecária tam-bém atende os pesquisadores.

O núcleo possui três tipos de acervo: o arquivístico, o biblio-gráfico e o iconográfico, cada um contando com um tipo de organização diferente. O arqui-vístico contém os documentos institucionais produzidos em função das atividades do colé-gio. Tatyana conta que a colega Elisabeth Monteiro catalogou os documentos segundo a ar-quivologia, uma área além da biblioteconomia, que os divide em série e subséries.

Os acervos bibliográficos e iconográficos - que contam com livros didáticos e que tra-tam da memória da instituição, além de fotos de diversas épocas - foram catalogados e classifica-dos de acordo com o assunto. A bibliotecária conta que é pre-

ciso ser minucioso para saber lidar com esse tipo de material, característica que ela considera própria da profissão.

Priscila Côrbo também é bibliotecária e trabalha com Tatyana, mas realiza uma fun-ção bem diferente. Ela é res-ponsável pelo Laboratório de Digitalização de Documentos do Colégio Pedro II, e trabalha gradualmente digitalizando o acervo, visando sua preserva-ção. Priscila trabalha com do-cumentos que datam do ano de

Mais que arrumar estantes, bibliotecários têm um cotidiano cheio de atividades Os bibliotecários organizam, cuidam, auxiliam em pesquisas e incentivam a leitura. Eles gerenciam algo muito valioso: a informação

1838 - um ano após a fundação do colégio – até 1994.

“Além do núcleo de docu-mentação, o colégio também possui coleções especiais, do-adas por famílias de ex-pro-fessores do colégio, após suas mortes; então, aqui no labora-tório, eu também atendo essa demanda das coleções espe-ciais, depois que ela é selecio-nada”, afirma Priscila. Apesar da grande demanda, a bibliote-cária conta que adora trabalhar ao redor do conhecimento.

A utilidade e facilidade do serviço de referência nas bibliotecas

Além do simples auxílio sobre localização de materiais no acer-vo, o bibliotecário realiza um aten-dimento especial para diversas pesquisas: o serviço de referência. Trata-se de um serviço de atendi-mento ao usuário que deseja rea-lizar uma pesquisa, mas de forma ainda mais minuciosa, em que o profissional indica livros e perió-dicos disponíveis naquele acervo sobre o assunto buscado.

De acordo com a diretora da biblioteca de Ciências Humanas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ana Elisabeth Albuquerque, o serviço de referência é o primei-ro contato que o usuário tem com a biblioteca e ele é imprescindível para o bom desempenho do aluno e pesquisador. “Às vezes, o usu-ário chega com um tema e não consegue achar nada, o que nós fazemos é investigar as dúvidas e orientar como esse assunto deve ser buscado para que a pesquisa seja encontrada”, explica.

Para incrementar o serviço de

referência, algumas bibliotecas federais e estaduais contam com o Comut, um programa brasileiro de comutação bibliográfica. Atra-vés dele, os usuários podem soli-citar cópias de periódicos, teses, anais de congresso, relatórios técnicos, e parte de documentos, disponíveis nas principais biblio-tecas nacionais. Para acessar os documentos de outros acervos, deve-se dirigir a uma biblioteca pertencente à rede Comut.

Na UFC, todas as bibliotecas são integradas ao Comut, diz Ana Elisabeth. Portanto, qualquer usuário, estudante ou não, pode solicitar o serviço de comutação, tendo apenas que pagar uma taxa – em média, de 2 reais por página – referente à cópia de pá-ginas e transferência de material. A bibliotecária conta que o ser-viço já foi muito mais procurado, mas com a Internet, a prática diminuiu. “Agora, só aqueles pe-riódicos mesmo que ainda não foram digitalizados”, completa.

Por Amanda Araújo e Rachel GomesO que é? O bibliotecário é o profissional que analisa, organiza e classifica as informações de diversas instituições. Isso incluiu bibliotecas, banco de dados, centros de documentações, sistemas de informação, entre outros; tudo visando o melhor acesso do público à informação.

O que faz? Ele atua no atendimento aos frequentadores do local; e no planejamento e organização dos acervos, através dos processos de catalogação, classificação e indexação. É responsável também pela conservação e preservação do acervo. Além disso, outra função do bibliotecário é promover a leitura, através de projetos de incentivo.

A Biblioteconomia hoje: “Hoje, o bibliotecário trabalha com qualquer fluxo de informação registrada. Só para arrumar livros numa estante, realmente não se precisa fazer o curso, mas para ser capaz de gerir a informação, é extremamente necessário”, explica a professora Adriana Nóbrega, vice-coordenadora do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela explica ainda que a procura pelo curso tem aumentado nos últimos quatro anos, recebendo especialmente pesquisadores.Fonte: site da Universidade Federal do Ceará

Por que fazer biblioteconomia?

O que é...?

Priscila é responsável por digitalizar os documentos do Colégio Pedro II

Foto: Reprodução

Biblioteconomia

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15IMPRESSÕES – LEITURA 15IMPRESSÕES – LEITURA

Ex LibrisEspaço de resenhas, contos, poesias e tudo o que a criatividade permitir

A Queda do Imperador

Ao cair no chão, atingi-do pelo soco do des-conhecido, percebeu

que não trazia as chaves de casa, esquecidas no cinzeiro sempre vazio da mesinha de centro, junto com a chave do carro antigo, enguiçado na ga-ragem. A mulher deveria ter voltado para a cama após ter--lhe feito o café forte demais, as torradas muito queimadas e os ovos pouco mexidos enquanto o menino lhe fazia perguntas irrespondíveis.

Levantou para não ter a ca-beça pisoteada e para lembrar a conta de telefone que chegara com uma ligação para o Haiti sem que ele, a esposa ou mes-mo o filho tivessem qualquer parente ou amigo naquele país e decidiu que por tudo isso le-varia aqueles números à sede da empresa a fim de resolver o problema, Já havia deixado a conta sob o jarro de flores, na mesa do jantar, perto da por-ta de saída e, mesmo assim, esquecera, como esquecera as chaves. O sujeito jogou sua cabeça na parede e, a despeito da tontura passageira, da crise nos labirintos que começava a atacá-lo, se maldisse por sua memória.

Decerto, chegaria no traba-lho repreendido pelo atraso; sem os papéis e os livros que levava na pasta, agora aberta

Por Alan Santiago

Conto

PERFILAlan Santiago, 25, é escri-tor e jornalista. Atua como repórter do Caderno Vida & Arte do Jornal O Povo. O conto “A Queda do Impe-rador” foi extraído de seu primeiro e único livro: “A lua de Ur num Prato de Terra”, publicado pela editora 7Letras, em 2009, quando ele ainda cursava Jornalismo na Universi-dade Federal do Ceará

em leque e esva-ziada pelos chu-tes. Tentou cor-rer para pegar o ônibus, mas a joe-lhada na genitália inviabilizou muita coisa. Inclusive ficou sem pensa-mentos por ins-tantes, até a dor passar levemen-te e ele ouvir, da mal sintoniza-da AM da vizi-nha, a notícia crise do petró-leo. Pensou no plástico que iria encarecer, porque se preocupar com a gasolina de um carro nunca utilizado seria extravagância.

Mais uma bordoada no ros-to e cuspiu sangue e pedaços de dente, talvez coláveis nova-mente. Ontem à noite, antes de se deitar ao lado da mulher e dormirem sem dar boa noite nem desligar a televisão, en-sinara ao filho que o homem, ser humano, perde dentes, ao correr das eternidades, por-que deixa de empreender força para mastigar.

- Perdemos nosso rabo, es-tamos perdendo nossos den-tes. Evolução da espécie.

E o filho parecia deliciado e aliviado com o seu sorriso banguela: os dentes de leite que lhe foram subtraídos, se-gundo sua mãe, por Deus. O pai pensou nas conclusões so-bre o céu, inferno e dentes que o menino espontaneamente faria e dormiu acreditando no dia de sempre que viria em se-guida, no beijo de travesseiro pela manhã.

Tentou revidar da maneira mais violenta que conseguiu, mas continuou a ser violenta-mente massacrado. E os jor-nais acumulados no quartinho de empregada, aquela pilha imensa junto com a estante de livros herdados de duas gera-

ções, nunca aber- tos até então, que guardavam poeira, ácaros, serpentes e um tropel de histórias que o menino ir-rompia assustado para contar à mãe ao pé da pia, enquanto ela se sujava com a carne para o almoço. Depois de ouvir da sala, o pai ia conferir a biblio-teca inteiramente esmiuçada.

A cabeçada que lhe atingiu o olho e os chutes que lhe mar-caram as costas lembraram-lhe os recados escritos pela mu-lher e deixados no criado-mu-do, ao lado da cama do casal. A mulher revelava suas homé-ricas traições, e ele descia para tomar café, fingindo que nada sabia, e ela dissimulando que nada dissera e tudo parecia velado como o casamento dos dois e a lua de mel, em silêncio, em que assumiram o pacto de infidelidade eterna, unidos por um filho e somen-te um. Nunca houve amor, e a calça puía nos joelhos.

O desconhe-cido mordeu, pela última vez, a mão dele e saiu rápido. O homem pegou sua pasta, os livros que mo-lharam na lama da sarjeta, os pa-péis que ainda estavam próxi-mos, os óculos est i lhaçados; o sangue es-correndo feito suor. Estendeu a mão porque já era tempo de

um novo ônibus que o levaria para

casa, onde chegaria sem saber explicar o que

havia acontecido, colocaria compressas de gelo nos feri-mentos, pés na água, tomaria um bom banho e deitaria ao lado da mulher sem dar boa noite, nem desligar a televisão e leria os bilhetes de morte no dia seguinte, es-queceria a conta e não mais as chaves e seria espancado novamente antes de ir para o trabalho.

“Perdemos nosso rabo, estamos

perdendo nossos dentes.

Evolução da espécie.

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Ensaio Fotográfico

Registros de um espaço de leitura

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Em algumas fotografias, busco revelar o meu olhar sobre da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Adentrei o espaço como quem visita pela primeira vez um ponto turístico. Andei por todos os setores,

até no subsolo, local reservado para, dentre outras atividades, a restauração de livros e encadernação de periódicos. Percebi que poucas pessoas utilizam o espaço (foto 1). Muitas janelas possuem o aviso em destaque na foto 2, além disso, algumas estruturas já estão corroídas pela ferrugem. Há muita poeira e registrei um espanador em cima de um dos livros do acervo (foto 6). Mesmo com a precariedade física, a biblioteca possui uma sessão voltada para pesso-as com baixa visão ou cegas, na qual existem exemplares em braile e vários áudio-livros (fotos 3 e 4). O local também possui um setor direcionado para a leitura no idioma inglês (foto 5). Mesmo com todos os bons livros lá presentes, acredito que ao ambiente precisa de uma reforma imediata.

Por Tamara Lopes

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