impressões leitura - terceira edição

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IMPRESSÕES L EITURA Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Ano 4 - Nº 27 - Dezembro de 2013 Por que as adaptações fazem sucesso? Os desafios do processo editorial para autores cearenses Como estimular a leitura dos pequenos? A controvérsia que gira em torno do gênero biográfico Escolas particulares produzem o próprio material didático Literatura e audiovisual Literatura local Literatura infantil Biografias Educação Conheça os processos que influenciam no preço final desses produtos e a sua trajetória de produção, par- tindo dos autores para as editoras e finalizando nas livrarias Página 8 e 9 “A gente lê pouco. Os livros são caros, aí cria um ciclo vicioso” Adaptações de livros para o cinema e televisão ajudam a divulgar as histórias e atrair leitores Os professores passam a ser responsáveis por produzir o material. A prática divide a opinião de alunos e pais Página 10 Página 11 Página 14 Página 6 Página 4 e 5 Foto: Tamara Lopes Foto: Tamara Lopes Mercado editorial Quanto vale um livro? Página 12 e 13 Entrevista: Gilmar de Carvalho $ Editora: Leva 50% do valor da venda do livro $ Livraria: Leva 50% do valor da venda do livro $ Autor: 10% dessa quantia são destinados a direitos autorais $ Custos: Em geral, a venda da 1° edição de um livro paga apenas os custos de produção, e o autor não tem lucro Ilustração: Juliana Braga

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Participação na equipe de diagramação do jornal (nesta edição, diagramação da capa) e edição das imagens utilizadas nas matérias

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Page 1: Impressões Leitura - Terceira Edição

IMPRESSÕESLeitura

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Ano 4 - Nº 27 - Dezembro de 2013

Por que as adaptações fazem sucesso?

Os desafios do processo editorial para autores cearenses

Como estimular a leitura dos pequenos?

A controvérsia que gira em torno do gênero biográfico

Escolas particulares produzem o próprio material didático

Literatura e audiovisual

Literatura local

Literatura infantil

BiografiasEducação

Conheça os processos que influenciam no preço final desses produtos e a sua trajetória de produção, par-tindo dos autores para as editoras e finalizando nas livrarias Página 8 e 9

“A gente lê pouco. Os livros são caros, aí cria um ciclo vicioso”

Adaptações de livros para o cinema e televisão ajudam a divulgar as histórias e atrair leitores

Os professores passam a ser responsáveis por produzir o material. A prática divide a opinião de alunos e pais

Página 10

Página 11

Página 14

Página 6Página 4 e 5

Foto: Tamara Lopes

Foto

: Tam

ara

Lope

s

Mercado editorial

Quanto vale um livro?

Página 12 e 13

Entrevista: Gilmar de Carvalho

$Editora:

Leva 50% do valor da venda do livro

$Livraria:

Leva 50% do valor da venda do livro

$ Autor: 10% dessa

quantia são destinados a direitos autorais

$Custos:Em geral, a venda

da 1° edição de um livro paga

apenas os custos de produção, e

o autor não tem lucro

Ilustração: Juliana Braga

Page 2: Impressões Leitura - Terceira Edição

Editorial

Desafios e responsabilidades domercado editorial brasileiro

A terceira edição do Im-pressões deste semes-tre aborda um tema

que perpassa todo o contato do leitor com as publicações: o mercado editorial. Muito se discute sobre um supos-to desinteresse do brasileiro pelo mundo dos livros e não se pode deixar de mencionar o papel do próprio mercado como um ator nesse processo.

Se ainda há controvérsia sobre se o preço do livro é realmente alto, ela é mais fraca ao discutir se o país tem um público-leitor aquém das pos-sibilidades. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2011, do Instituto Pró-Livro, revela que apenas 50% dos brasileiros leu um livro, inteiro ou em partes, nos últimos três meses. Se a proporção não parece tão alarmante, a mesma pesquisa indica que 56% dos brasileiros nunca comprou livros.

As razões para o nível insa-tisfatório de leitura no Brasil podem ser várias – e não há sentido em procurar um vilão –, mas o fato é que este é o cenário com o qual o mercado editorial se depara. Para sobre-viver, precisa traçar diversas estratégias e se utiliza de alguns artifícios, como aproveitar as adaptações de livros para o cinema ou televisão para forta-lecer a venda, assunto debatido nesta edição do Impressões.

É preciso levar em conta a necessidade de se aproximar do público leitor, a fim de des-pertar o interesse dele, pois, de acordo com a pesquisa citada acima, 78% das pessoas que disseram ler menos atualmen-te do que já leram no passado o fazem por falta de interesse. É essencial divulgar a pro-dução e oferecer diversidade ao leitor, e isso nem sempre é encontrado nas livrarias.

Sobre diversidade na produção, um dos textos do Impressões chama a atenção para a dificuldade dos autores cearenses em publicar seus trabalhos. Muitas vezes, a edi-toração depende de editais do governo, e este também não pode arcar com a publicação de todo e qualquer escritor.

Além de iniciativas de autores lançando seus livros de forma independente, como o perfilado desta edição, o poeta Carlos Augusto Lima, as próprias editoras têm de abrir espaço para os artistas locais, ainda que tal abertura não seja tão rentável monetariamente. A importância de se fomen-tar o contato com diferentes formas de fazer literatura não pode ser suplantada pela bus-ca de criar um produto lucra-tivo, mesmo que sem muita variedade em relação aos outros existentes no mercado.

Crônica

Não sou grande e outros dramasde um jornalista bipolarPor Paulo Renato Abreu

Escrever não dói. Foi o que eu pensei dia desses, após terminar mais uma matéria de mais um dia diferen-temente parecido da minha rotina jornalística. Ao

me deparar com essa verdade sobre mim, foi impossível não me lembrar de Angela Gutiérrez.

Estive com ela em fevereiro, numa tarde de conversa na casa da escritora de O Mundo de Flora. Após mais de três horas de conversa, toda essa troca de informação rendeu a matéria “O Mundo de Ângela” publicada no jornal O Povo (Vida & Arte de 22 de fevereiro de 2013).

A tal matéria começava assim: Angela Gutiérrez cos-tuma dizer que não se considera uma grande escritora. O motivo? Segundo ela, os grandes escritores contam que sofrem para escrever.

Discordo! Angela, você é, sim, uma grande escritora. Por outro lado, me aproprio da sua teoria e concluo: estou longe de ser um grande jornalista. Escrever o factual de cada dia não dói em mim.

Sabe o que dói? Ter a consciência da dependência do ou-tro durante a apuração. Esperar horas pela resposta monossi-lábica da fonte. Dói ver conversas incríveis com uma perso-nalidade espetacular virar uma nota. Dói o sofrimento de tentar inovar no lead. Dói não achar sinônimos, não recorrer a chavões, não perceber que está assassinando o paralelismo. Ruim é pensar títulos que não sejam enormes ou vagos com jogo escroto de palavras. Tudo isso pesa, meu irmão.

Sabe o que machuca também? Construir discurso com uma teoria e depois se contradizer. Escrever dói sim! Doeu pensar este texto.

O saborzinho narcisista de ver um texto pronto é o que acaba fazendo crer que escrever não faz sofrer. É tudo men-tira. Então, já que me dói escrever, segundo Angela Gutiér-rez, ainda posso sonhar em ser grande? Talvez não. Quiçá mude de ideia e deixe disso de escrever. Posso encontrar um oficio que doa menos. Não procuro, seria fácil achar.

P.S.: Ao ler esse texto pronto, volto a pensar: escrever não dói. E seguirá não doendo até eu começar o próximo.

Charge Por Juh Braga

Sempre convidado e estimulado a escrever sobre leitura e práticas

leitoras, acerca das comple-xidades das ações que trans-formam leituras em posturas críticas diante do mundo, hoje desejo falar sobre o descom-passo entre fomentar leituras, estimulando leitores e a saga que é publicar no Brasil.

A política editorial no Brasil ainda patina entre não saber o gosto das demandas e cobrar caro por publica-ções que nascem de políticas editoriais atordoadas frente à concorrência das publicações eletrônicas e digitais, apenas para manter viva a oferta de livros. Isso afora as publica-ções diárias que pululam na

Internet, mudando a dinâmica da relação leitura e leitor.

Por sua vez, o editor deixa de ser um mero executor de políticas editoriais previamen-te definidas e dele é exigido que repense todo o seu fazer editorial, pois a panacéia digital/eletrônica não substi-tui a produção bibliográfica impressa. Isso requer dele o papel de gestor de políticas de publicações, mais do que de políticas editoriais.

Sim, porque, estando as de-mandas cada vez mais disper-sas e os interesses dos leitores cada vez mais difusos, cabe a ele se antecipar a essas deman-das e promover o encontro entre as demanda de leituras e a oferta de publicações.

Essa análise parece sim-plista, mas dependerá de um olhar do mercado editorial de livros para o estabeleci-mento de novas modalidades de políticas de informação, que contemple, entre outras coisas, repensar a fúria mer-cadológica das editoras por mais dividendos e pôr no seu lugar políticas de incentivo à publicação, inclusive com subsídios para isso, pois, assim como não há mais espaço para ganhos exorbitantes com a publicação livresca, não há como negar que autores têm cada vez mais espaço nas redes de compartilhamento eletrô-nico de informações e estas são uma demanda real para as editoras de livros impressos.

Artigo

*Chefe do Departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Pode haver leitura sem incentivo apublicações de livros?Por Tadeu Feitosa*

IMPRESSÕESLEITURA

Impressões Leitura

Jornal Laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Tema da edição: Mercado editorial

Repórteres: Amanda Araújo Frota, Ari Areia, Bárbara Danthéias, Bruna Luyza Forte, Carolina Esmeraldo, Carolina Areal, Caroline Portiolli, Cri-selides Lima, Débora Lopes, Eduarda Talicy, Fátima Babini, Felipe Martins, Gleyce Any Castro, Mikaela Brasil , Rachel Gomes, Raissa Sampaio, Renan Vidal, Rosana Reis, Saulo Lucas, Taís de Andrade, Vicente Neto, Vicente Olsen e Victor Ramalho

Editores: Isabele Câmara, João Marcelo Sena e Paulo Renato Abreu

Editora Geral: Camila Mont’Alverne

Professor orientador: Edgard Patrício

Projeto gráfico e diagramação: Aman-da Araújo, Clarissa Augusto, Ed Bor-ges, Juliana Braga, Marcella Macena, Tamara Lopes, Thamires Oliveira

Ilustrações: Juliana Braga

Impressão: Impressa Universitária

Tiragem: 1.000 exemplares

As opiniões expressas em artigos assi-nados são de inteira responsabilidade de seus autores.

Quer participar do Impressões?Envie suas críticas, sugestões de matérias ou denúncias para o nosso email: [email protected]

Ou acesse nossa fanpage: facebook.com/JornalIMPRESSOES

@

Page 3: Impressões Leitura - Terceira Edição

3IMPRESSÕES – LEITURA

Quem tem em mãos o envelope de “Três poemas do lugar” é

puro encantamento. A rosa-dos-ventos que enfeita a fren-te do papel parece nortear não somente a escrita do ce-arense Carlos Augusto Lima, mas apontar quais caminhos a literatura no estado – prin-cipalmente a poética – pode seguir em um espaço merca-dológico onde os ventos nem sempre sopram a favor das histórias impressas.

Na estante da sala do apar-tamento 601, porém, elas ainda reinam absolutas. São muitos os livros que Carlos coleciona. Os que escreveu, já somam seis: dois publicados com a supervisão de pequenas editoras; os outros, resultados de dedicação individual. “Edi-tar livro é muito caro no Bra-sil”, afirma. “Além disso, nós não temos no Ceará uma edi-tora que ajude a pensar o livro, que tenha um trabalho edito-rial profissionalizado. Aqui não existe mercado. A maioria das editoras são apenas edito-ras gráficas. Há sim, algumas outras iniciativas, mas são ações muito pontuais”.

Se o ditado popular defen-de que “quem não tem colírio usa óculos escuros”, a máxima pode ser adaptada para a cena literária cearense: quem não tem editora usa a criativida-de. E foi exatamente isso o que Carlos fez. Quando questiona-do sobre quais as vantagens de se aventurar em um mercado independente, ele abre um riso largo e fácil: “Olha, as vanta-gens eu não sei, mas as des-vantagens são todas!”. Depois completa: “Acho que poder experimentar a própria lingua-gem é uma vantagem. Dá para trabalhar com novas possibi-lidades, produzir publicações divertidas, mais agradáveis, mais personalizadas”.

País de poucos leitoresUma grande vilã que dificulta

a publicação de livros no Brasil é a falta de leitores. Sem consu-midores, não há produto que se aguente no mercado. Conquis-tar amantes de prosa já é tarefa que exige esforço – e o que dizer então de conquistar um público fiel para a poesia, geralmente de difícil leitura? “A poesia se co-loca num eixo de liberdade que pode até causar o afastamento

Artesanato de palavras: a poesia independente do escritor Carlos Augusto Lima

Perfil

Através da experimentação, o poeta cearense abraça a liberdade – mas também as dificuldades – de ser editor dos próprios livros

Por Fátima Babini

das editoras”, supõe Carlos. E o escritor tem razão. Estar

inserido em um território que não proporciona um mercado seguro acaba transformando o ato de manter uma editora em uma missão desleal. Poucas são as empresas dispostas a inves-tir no novo. Para os que escre-vem e desejam compartilhar sua produção com o próximo, o esforço é duplicado. “É muito doloroso, porque tudo é muito sazonal”, admite Carlos, suspi-rando com o peso e a leveza de quem assume o risco dos pró-prios anseios. “Tem que criar o caminho que se busca seguir. Não há um território sólido de leitura. Às vezes, é muito can-sativo ter que sempre pensar a permanente invenção desse território”.

Tempo, investimento e inte-resse público são medidas que, somadas, talvez solucionem a equação do desinteresse pela leitura. Inventar bibliotecas e um circuito literário efetivo são sugestões que Carlos de-fende. “O problema é que não há uma elite econômica inte-ressada nesse processo. Nós devemos sair da esfera do Es-tado, buscar instituições que

realmente queiram patrocinar esses trabalhos”, ele avalia. “Os editais de cultura ainda eram alguma chance de publica-ção, mas onde eles estão hoje em dia? Com a falta de novos editais, até a circulação de di-nheiro em algumas editoras fica comprometida. Temos que pensar em novas alternativas”.

Editar é preciso?Afinal de contas, por que

há essa necessidade toda dos autores de serem publicados? “Eu acho que é um processo natural de quem produz”, ex-plica Carlos. “Você quer que aquilo que fez circule de al-guma forma. O x da questão não é nem necessariamente ser publicado, mas fazer aque-le material circular”. O livro, a priori, parece o meio mais simples de se fazer isso, já que um grande número de pesso-as pode ser alcançado através dele. No entanto, a era digital e as redes sociais também vêm se mostrando grandes ajudan-tes na hora de divulgar os es-critos. O próprio Carlos tem um blog, onde já estabeleceu diálogos com leitores e criou contatos Brasil afora.

Sobre o futuro, Carlos apos-ta nas pequenas editoras para continuar o processo de edito-ração no país. E o escritor, que começou a passear de mãos dadas com a poesia na déca-da de 80, através de fanzines, também acredita na publica-ção de livros de forma inde-pendente – no seu caso, arte-sanal, até – para manter as tais histórias impressas enquanto a era digital não assume tudo de vez. “Sabe qual é a maior em-presa distribuidora de livros? Os correios!”, brinca. “Assumir esse trabalho mais autônomo não te exige uma massa leitora, apenas um público fundamen-tal para suas experimentações”.

E por falar em experimenta-ções, diante do futuro incerto de um mercado literário quase inexistente, Carlos é certeiro: “Eu quero continuar produzin-do, me colocando dentro de um determinado espaço, da forma que puder”. E a produção do

Nós não temos no Ceará uma

editora que ajude a pen-

sar o livro, que tenha um tra-

balho editorial profissionali-

zado. Aqui não existe merca-do. A maioria das editoras

são apenas edi-toras gráficas

“Foto: Tamara Lopes

autor cearense segue com seu próximo projeto, “Motociclista do globo da morte”, que deve ser distribuído assim como seus livros anteriores. Qual é o formato do livro dessa vez, Carlos? “É surpresa! Não pos-so adiantar muita coisa, não, senão estraga”, confessa, com cara de quem está aprontando alguma boa nova.

Durante a conversa, Carlos pediu licença e saiu da sala, voltando com alguns livros de sua autoria em mãos. O mais inusitado deles, “Três poemas do lugar”, citado no começo desta matéria, conquista logo pelo formato. O envelope, cos-turado, atiça a curiosidade. E não desaponta quando é aber-to. Se o futuro da literatura ce-arense depender da criativida-de de Carlos, estaremos muito bem acompanhados.

SERVIÇOBlog de Carlos Augusto Lima

Link: memoriaeprojeto.wordpress.com

Para Carlos Augusto Lima, a poesia se coloca num eixo de liberdade que até pode afastar as editoras

Page 4: Impressões Leitura - Terceira Edição

4 IMPRESSÕES – LEITURA

Escolas particulares apostam em sistemas de ensino e produção própria de livros

Educação

A prática de ter os próprios professores como autores do conteúdo lecionado é cada vez mais comum na rede privada e a tendência é que o número de escolas que a adotam cresça. Estudantes e pais divergem sobre o assuntoPor Amanda Araújo Frota, Rachel Gomes, Renan Vidal

Foto

: Tam

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s

“Não se pode comparar um livro feito por uma editora,

com todo o pre-paro de conteú-do e tudo mais, e um livro feito pelo colégio. Eu

pagaria mais para ter uma

qualidade garantidas

Se antes eram respon-sáveis poSe antes eram responsáveis por apenas

ensinar o conteúdo aos alunos, agora os professores têm uma nova função. Eles são os pró-prios autores dos livros didáti-cos usados em sala. E não são somente esses profissionais que assumem novos desafios. Uma nova tendência de ensino, ou mesmo de mercado, vem sendo apropriada por escolas do país. Tornando-se editoras, os colé-gios de Fortaleza também ado-tam livros didáticos produzidos por eles mesmos.

Exemplo disso, o colégio Ari de Sá possui coleções de livros didáticos desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. O Sistema Ari de Sá de Ensino (SAS) surgiu há quase dez anos e começou a ser implantado nas séries iniciais até ser ado-

tado em toda a escola. Bruno Veras, coordenador de produ-ção editorial do SAS, explica que a ideia surgiu a partir dos sistemas de ensino de São Pau-lo. Segundo ele, no começo não era algo que trazia credibilida-de, mas que foi conquistando espaço aos poucos no Nordeste.

Ele crê que uma das van-tagens de se contar com um sistema de ensino próprio é a garantia da qualidade do ma-terial, que passa por diversas pesquisas, conta com um tra-balho metódico e exaustivo de pesquisa de conteúdo e possui maior foco no Exame Nacio-nal do Ensino Médio (Enem). “Os livros são editados e atu-alizados todo ano, garantindo maior qualidade aos conteú-dos. Além disso, saem mais ba-ratos. É vantagem para escola e para o aluno”, afirma.

Pais e alunos divergem sobre métodos adotados

A adoção de sistemas de ensino e produção própria de livros didáticos não é unanimi-dade entre pais e alunos. Rena-ta Guerra, ex-aluna do Colégio Christus, não vê muitas vanta-gens nos métodos atualmente adotados por muitas escolas da rede privada na capital cearen-se e afirma que a questão eco-nômica acaba exercendo papel preponderante.

“Os colégios só querem lucrar com isso. Lembro que na minha época só o livro de Inglês era do colégio. Agora minha irmã tem quase todos: física, química e mais um monte”, informa.

Já para Bruna Furtado, alu-na do 8° ano do Colégio Chris-tus, a produção dos próprios livros dentro da escola é bené-fica, pois de acordo com ela,

“o colégio pode direcionar a matéria que vai ser estudada”. Clarice Furtado, mãe de Bruna, corrobora a opinião da filha: “É mais prático, né? A gente com-pra logo metade dos livros aqui na tesouraria”, avalia.

Opiniões discordantes de Bruna e Clarice têm Gislene Cavalcante, aluna do 9° ano da mesma escola, e seu pai, Claudio Benício. A estudante se mostra preocupada com a qualidade do material e diz que “encontra alguns erros muito ruins de vez em quando”. En-quanto isso, o pai não se inco-moda em gastar mais para ter qualidade. “Não se pode com-parar um livro feito por uma editora, com todo o preparo de conteúdo e tudo mais, e um li-vro feito pelo colégio. Eu paga-ria mais para ter uma qualida-de garantida”, revela Claudio.

O colégio Ari de Sá começou a implantar livros didáticos próprios há dez anos. Hoje, os livros do Sistema Ari de Sá (SAS) são adotados do Infantil até o Ensino Médio

Page 5: Impressões Leitura - Terceira Edição

5IMPRESSÕES – LEITURA

Especialista analisa nova tendência

Para o ex-professor da Fa-culdade de Educação da Uni-versidade Federal do Ceará (UFC), Idevaldo Bodião, essa prática não é nova nem traz grandes perdas do ponto de vista pedagógico. “Pelo menos quanto aos livros de Física e Ciências, posso afirmar que são muito parecidos e a matriz, desde os anos 70, são as apos-tilas dos grandes cursinhos Pré- Vestibular de São Paulo”, explica. Segundo ele, o que está sendo feito no Ceará é apenas uma reprodução do modelo de ensino do Sudeste, que já investe em material próprio há quase vinte anos.

“É interessante que o usuário final tenha um material didático mais próximo com sua realidade local. Eu, particularmente, pre-firo um conteúdo local a outro produzido por um autor de São Paulo, por exemplo”, diz Ideval-do. Entretanto, o ex-professor da UFC crê que essa tendência não tem o objetivo exclusivo de atender as especificidades do aluno. “O mote é vender o ma-terial para outras escolas, até mesmo de outros estados. E se esse processo cresce, é porque é movido também por interesses econômicos”, explica.

Em São Paulo, os sistemas de ensino são um negócio que incluem, inclusive, escolas da rede pública. Para Idevaldo, em um futuro próximo, isso vai ser realidade também no Ceará e a venda dos livros didáticos de escolas particulares para a rede estadual e municipal de ensi-no pode ocorrer com mais fre-quência. “Os livros de grandes editoras estão de olho em um grande e rentável consumidor, o Ministério da Educação (MEC). Não é de se espantar que essas editoras de escolas virem refe-rência a ponto de também an-gariarem esse cliente”, opina.

Localidades diferentes, ne-cessidades também diferentes. O professor acredita que mes-mo o mercado tornando-se lucrativo economicamente, os alunos não ficam prejudicados do ponto de vista pedagógico. “Claro que existem aqueles conteúdos universais, mas é natural que a compreensão de quem mora na selva amazôni-ca seja diferente de alguém que mora no sertão. Se esse mate-rial for bem produzido pelo mesmo professor que vai lecio-nar aquele conteúdo, é vantajo-so”, diz Idevaldo.

E como não deixar o ensi-no do aluno ser prejudicado? Segundo Idevaldo, não basta

investir na publicação de pro-fessores renomados, é preciso capacitar os professores das escolas que ainda deixam a de-sejar no ensino. “A gente pode pensar que um material de uma grande escola particular vai aumentar o nível daque-las menos tradicionais, mas eu mesmo, quando leciona-va em cursinhos, percebi que nem sempre aquele que seria o melhor material vai funcionar com alunos de diferentes esco-las”, lembra o ex-professor.

De acordo com Idevaldo, os materiais considerados “me-lhores” pressupunham uma trajetória de ensino mais de-senvolvida pelos alunos dos grandes colégios. Ele constatou que, para um aluno que não teve uma educação de qualida-de, é preciso um material com outra abordagem, que traga os princípios básicos. “É Ilusório achar que o material ótimo terá uso ótimo em qualquer cultura ou escolarização”, conclui.

Conteúdo de qualidade Em Fortaleza, o colégio An-

tares adota o sistema de ensino próprio ATS. No entanto, o ma-terial produzido pelo método é voltado apenas para o público infantil, atendendo alunos até o Ensino Fundamental II. Com exceção do 3º ano do Ensino Médio, as outras séries ado-tam livros didáticos de edito-ras nacionais. De acordo com a diretora do colégio e também pedagoga, Vera Guimarães, a

vantagem de se trabalhar com o livro didático é poder oferecer aos alunos o conteúdo comple-to dos melhores autores do país.

“O custo pode ser maior para o aluno, mas ele vai ter a garantia de estar recebendo o conteúdo de melhor qualida-de do mercado”, certifica. Vera afirma que apesar dessa vanta-gem, a tendência do mercado é que os colégios produzam seu próprio conteúdo ou comprem dos sistemas de ensino.

Para o professor da pós-gra-duação em Educação da Uni-versidade Estadual do Ceará (Uece), Jacques Therrien, o fato de as escolas estarem produ-zindo seu próprio conteúdo é, de antemão, uma coisa boa, se partirmos do pressuposto que este conteúdo seria lecionado aos alunos pelos profissionais que o produziram e, assim, se-ria mais facilmente dominado em sala de aula. “A diferença entre este material e os livros das editoras é que esse conteú-do vai ter mais sentido para o professor e, consequentemente, vai ser mais acessível para os alunos”, explica o professor.

Jacques acredita, contudo, que o conteúdo dos livros pro-duzidos pelas grandes editoras não pode ser desperdiçado. “É, sem dúvida, um conteúdo que deve ser reaproveitado, mas devemos ter cuidado com os interesses dos produtores, para não interferir no aprendizado dos alunos”, pondera.

A atualização anual das apostilas e livros dos sistemas de ensino extingue a prática antiga de “reaproveitamen-to” de livros entre os alunos. “Aquilo de você usar o livro do sobrinho para o filho não existe mais. Até mesmo algu-mas editoras produzem novas impressões, tornando aquele escambo impossível”, explica

Maria Isabel Filgueiras, direto-ra da faculdade de educação da UFC. Isabel acredita que exis-tem pontos positivos e negati-vos com a produção didática das escolas.

“O livro de uma editora segue o que é previsto nas di-retrizes de cada série. Os co-légios não podem fugir muito dos conteúdos que devem ser abordados, mas em suas apos-tilas eles podem complemen-tar o que não foi atendido pe-los livros”, diz Isabel. Apesar de não recriminar essa cultura de apostilas, Isabel entende que os livros de editoras es-pecializadas tem maior rigor na revisão, pois alguns pas-sam pela aprovação do MEC e contam com profissionais de ilustração mais experientes.

Atualmente o SAS atende escolas em todo o país. Apenas três es-tados no Brasil não pos-suem nenhuma escola que utilize os serviços do sistema. O Ceará é o estado do Brasil que con-ta com maior número de escolas conveniadas. Até o fechamento da matéria, a equipe do SAS não divulgou quantas e quais escolas utilizam os serviços do sistema.

As equipes do SAS que trabalham em con-junto para produzir o material didático são quatro: equipe pedagó-gica, responsável pela produção do conteú-do dos livros, pesquisa de autores e estudo de mercado; equipe de edi-ção de arte, que produz todo o layout e conceito gráfico dos livros; equi-pe de revisão, que anali-sa o material e verifica possíveis erros e sugere mudanças; e equipe de controle de qualidade, etapa em que todos os estágios anteriores são analisados para evitar falhas no material.

Os colégios Ari de Sá e Antares, que ilustram a matéria, não quise-ram divulgar os preços de suas apostilas e in-formaram que o valor muda a cada ano, tendo várias possibilidades de pagamento. Muitas ve-zes, é diluído no valor da mensalidade dos alunos.

MAIS INFORMAÇÕES

“Eu, particular-mente, prefiro um conteúdo local a outro

produzido por um autor de

São Paulo, por exemplo. É Ilu-

sório achar que o material ótimo terá uso ótimo em qual-quer cultura ou

escolarização

“Aquilo de você usar o livro do

sobrinho para o filho não exis-

te mais. Até mesmo algu-mas editoras

produzem no-vas impressões, tornado aquele

escambo impossível

Foto: Divulgação/ Colégio Antares

O colégio Antares adota o Sistema de Ensino ATS nas séries do Ensino Fundamental II. As demais sé-ries, com exceção do terceiro ano do Ensino Médio, ainda adotam livros didáticos de editoras nacionais

Page 6: Impressões Leitura - Terceira Edição

6 IMPRESSÕES – LEITURA

Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Roberto

Carlos. O que poderia ser um grande encontro de nomes consagrados da música bra-sileira é, na verdade, a dor de cabeça dos biógrafos nacio-nais: os cantores fazem parte do grupo Procure Saber, o qual defende a necessidade de auto-rização prévia para publicação de biografias.

Comandado pela empresá-ria e produtora Paula Lavigne, o movimento se baseia nos ar-tigos 20 e 21 do Código Civil Brasileiro, de 2002. O primeiro dispõe que o uso da imagem de uma pessoa pode ser proi-bido ou gerar a “indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respei-tabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. Já o artigo 21 determina que “a vida privada da pessoa natural é inviolável”.

Quem ligou a televisão ou leu o jornal entre outubro e no-vembro de 2013 descobriu que a questão das biografias ganhou dimensão nacional e foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). No ano passado, a Asso-ciação Nacional dos Editores de Livros (Anel) entrou com uma ação questionando os dois ar-tigos do Código Civil alegando censura prévia. No último dia 21 de novembro, a audiência pública no STF instruiu o jul-gamento da Ação Direta de In-constitucionalidade (ADI) 4815 sobre biografias não autoriza-das, apresentando material para

Biografia

Entre controvérsias e debates sobre invasão de privacidade, censura prévia e liberdade de expressão, inúmeros livros seguem confinados e sem circulação pelo Brasil à espera de uma mudança constitucional Por Bruna Luyza Forte e Rosana Reis

O gênero literário que se tornou vilão e gerou polêmicas no País

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Foto: Divulgação/Editora Planeta

o juiz julgar o processo. Mas a decisão ainda cabe ao Plenário, que pretende se pronunciar até o fim do ano. Enquanto isso, diversas biografias continuam sem circular pelo País.

Dos embalos do iêiêiê às salas de justiça

“Menino que sai de Cacho-eiro de Itapemirim (ES) com uma mala, uma muleta e um violão e vai para uma estação de trem com um sonho: ser um cantor de música brasileira”. Essa é a forma como o jorna-lista e biógrafo Paulo César de Araújo sintetiza a sua principal - e mais polêmica - obra. O es-critor baiano, que deu início no final da sua graduação em Jor-nalismo às pesquisas do que se tornaria o livro “Roberto Car-los em Detalhes”, não imagina-va que um trabalho de fim de curso se converteria, 15 anos de pesquisas e entrevistas depois, em motivo para processos ju-diciais e apreensão dos últimos exemplares publicados.

O livro, que tinha tudo pra ser um sucesso - e até chegou a ser, com 22 mil exemplares ven-didos em 2006, ano da publica-

ção - acabou se transformando em uma grande celeuma para o autor, para a hispânica Edi-tora Planeta e, por que não dizer, também para o biogra-fado. “Escrevi sobre o Rober-to por uma motivação afetiva. Ele foi o meu primeiro ídolo na infância. Foi uma pesqui-sa histórica, autônoma e sem financiamento, realizada nos intervalos entre meu trabalho como professor e nos finais de semana”, relatou o jornalista em entrevista ao Jornal Impressões durante a estadia em Fortaleza para o I Festival Internacional de Biografias (FIB), realizado entre 14 e 17 de novembro.

A polêmica começou ainda em 2006, quando Roberto Car-los declarou que a trajetória pessoal é patrimônio privado de cada pessoa. “Pessoas têm dito que eu sou contra biogra-fias por causa do meu aciden-te, que foi contado, essas coisa toda. Não é isso, não. Ninguém poderá contar do meu acidente melhor que eu. Ninguém po-derá dizer aquilo que aconte-ceu com todos os detalhes que eu posso”, esclareceu o cantor em entrevista ao programa

global Fantástico no último mês de outubro. Paulo César rebate: “Só o Roberto Carlos para dizer o que sentiu, mas o que aconteceu do outro lado é pesquisa, é testemunha”. O bi-ógrafo entrevistou mais de 200 personagens ao longo da apu-ração, mas nunca conseguiu conversar com o cantor.

Segundo Paulo César, que continua compilando extraofi-cialmente os passos do “Rei” da MPB com o intuito de reeditar a obra algum dia, Roberto Car-los mantém os livros apreendi-dos e sob vigilância desde abril de 2007, quando um acordo judicial definiu a proibição de venda e distribuição da obra. Acusada de invasão de priva-cidade, ofensa à honra e uso indevido de imagem, a Edito-ra Planeta retirou os livros de circulação. “Nova no mercado brasileiro, a Planeta foi minha perdição e minha salvação. Certamente, outra editora que conhece o mercado, a lei bra-sileira e o Roberto Carlos não publicaria sem autorização. Mas aí eu teria um livro fun-damental, um trabalho monu-mental e só meus amigos iriam

saber”, relatou o escritor. O livro “Roberto Carlos

em Detalhes” nem sequer é a primeira obra não-autorizada retirada de circulação pelos advogados do artista, que tam-bém é um dos fundadores do controverso “Procure Saber”, grupo que abandonou no iní-cio de novembro.

O “interesse histórico” se-ria a mola propulsora do bió-grafo, e, pelo mesmo motivo, a história de vida de determi-nada personalidade não é um bem de propriedade priva-da, mas sim coletiva e social. Esse é o argumento de Paulo César e de tantos outros bió-grafos quando a intimidade da celebridade estudada entra em choque com o interesse histórico envolvido. Mas, por enquanto, o raciocínio não passa de uma opinião pesso-al. No Brasil, a lei ainda esta-belece que a obra biográfica não-autorizada é passível de proibição. Otimista quanto à mudança na legislação, Pau-lo César garante: “Meu livro vai voltar atualizado. Roberto Carlos não sabe ainda, mas eu sou terrível”.

Jornalista, historiador e biógrafo, Paulo César de Araújo é autor do livro “Roberto Carlos em Detalhes’”, biografia publicada sem autorização prévia do artista que, mais tarde, foi retirada de circulação e que se tornou o símbolo da polêmica entorno do gênero

“Roberto Carlos em detalhes” gera tanta curiosidade no pú-blico que, nos sebos, o livro chega a custar até R$ 800

Page 7: Impressões Leitura - Terceira Edição

7IMPRESSÕES – LEITURA

Troca de livros

Livros usados e bem con-servados na mão, soma-dos a paciência e um

pouco de sorte, resultam em economia certa. Essa fórmu-la tem sido usada por pais de Fortaleza com filhos em idade escolar, que aprenderam a tro-car livros didáticos e paradidá-ticos para escapar dos preços praticados por livrarias. As permutas entre os pais acon-tecem tanto informalmente, em feiras organizadas pelas es-colas, quanto em um mercado especializado, no qual livreiros transformam em lucro a inter-mediação do vaivém das publi-cações.

O Colégio da Polícia Mi-litar do Ceará, no bairro An-tônio Bezerra, integra a rede pública estadual e está entre as escolas que realizam feiras de trocas de livros. Apesar de a maior parte do material ser fornecido gratuitamente aos estudantes, algumas publica-ções adotadas pela instituição precisam ser adquiridas pelos pais dos alunos, como dicio-nários, gramáticas e livros de idiomas. Para facilitar a vida dos pais, a escola realizou em 2011 a primeira feira. De lá

para cá, o evento vem se re-petindo com adesão maior a cada edição.

“Na primeira vez tivemos público tímido: só 30 pais apa-receram, mas na última, quase triplicou. 80 pessoas vieram trocar livros na escola”, relem-bra Íris Machado, funcioná-ria da escola encarregada de coordenar a feira. Funciona assim: a escola cede a quadra, organiza o espaço por séries e faz a divulgação. A partir daí é com os pais, que fazem dire-tamente as trocas. De acordo com Íris Machado, o evento já atrai também alunos. “Os pe-quenos têm vindo e aprovei-tado para trocar também gibis entre eles”, diz.

Antônio Ferreira é pai de duas estudantes do Colégio da Polícia Militar e participou da última edição da feira, no iní-cio de 2013. Ele trocou quase todos os livros que precisava e comprou os que faltavam. “É excelente. Sou funcionário pú-blico e o orçamento é apertado. Os livros [da feira] estavam em bom estado e as meninas só ti-veram que apagar o que estava riscado [as anotações dos do-nos anteriores], comemora.

Escola privada também promove trocas

Economizar é verbo con-jugado por pais de alunos de qualquer escola. No Colégio Santa Cecília, na Aldeota, bair-ro da área nobre de Fortaleza, também existe feira de troca de livros. Realizado há oito anos, o evento já conta com a partici-pação de 40% dos pais, segun-do estimativa de Joyce Baima, bibliotecária da instituição e organizadora da feira. Para ela, a iniciativa cumpre duplo ob-jetivo: “ajudamos os pais, que reclamavam dos preços dos li-vros, e também a conscientizar os alunos, para que preservem o material, ajudando na ques-tão ambiental”, explica.

As trocas no Santa Cecília acontecem no final do ano, du-rante dois ou três dias. Joyce diz que a escola consulta os pais e estabelece os valores dos livros, para balizar as trocas. “Os paradidáticos, neste ano, valerão R$ 10. Livros do en-sino fundamental e do ensino médio valerão R$ 25 e R$ 50, respectivamente”, afirma. Com isso, os pais podem reduzir em até 70% o custo da lista solici-tada pela instituição. “Cheguei

a economizar quase R$ 500 só em paradidáticos”, atesta Car-mem Botelho, mãe de aluno.

A feira da escola da Aldeo-ta teve demanda dos próprios pais. Alguns deles já participa-vam de outra feira, realizada na Praça dos Leões, no Centro de Fortaleza.

Bom negócioA feira da Praça dos Leões

começou informalmente há 16 anos com a troca de livros en-tre pais. O aumento do fluxo de pessoas no local transfor-mou o negócio em atividade. Hoje, o evento tem até nome. A Feira Ecolivros ocorre de dezembro a fevereiro e está cada vez mais profissional.

Na última edição, os exem-plares saíram do chão e foram parar em 70 estandes espalhados pela praça. Além disso, lojas no entorno dispõem de boxes que funcionam tanto no período da feira, quanto no resto do ano. Ao todo, são 180 livreiros envolvi-dos nas trocas, compras e ven-das de livros novos e usados.

“A troca é dois [livros] por um, dentro da mesma cate-goria. Dois livros do ensino médio são trocados por um

Feiras garantem economia aos pais e criam mercado paralelo Eventos são realizados informalmente em diferentes escolas da Capital; no Centro, livreiros se especializam e lucram com o vai e vem dos exemplaresPor Vicente Neto

do ensino médio”, exemplifica a livreira Margareth Oliveira. Segundo ela, existe ainda ou-tra modalidade de negociação chamada ‘um livro e uma vol-ta’, através da qual troca-se um livro usado, em bom estado, por outro usado ou por um novo. O exemplar é recebido pelo livreiro por um valor que varia de 20% a 40% do preço do novo ou 70% do usado. A diferença [a volta] é paga pe-los pais em dinheiro.

Outra opção é comprar. Mãe de dois estudantes, Ro-sana Arruda adquiriu dois li-vros na Praça dos Leões, um de Matemática e outro de Ci-ências, por R$ 30, cada. “Na livraria custavam a partir de R$ 99”, relata.

Nesse mercado, há quem aproveite até para prestar servi-ço para outros pais. É o caso de Dona Antonieta Jataí. Já no mês de novembro, ela foi à procura dos livros da lista do neto. Mas conta que voltará à praça na época da feira para trocar livros com outras mães. “Conheço muitas [mães] que me pedem pra vir aqui trocar ou comprar porque não têm tempo. Aí elas me dão um agrado”, sorri.

No Colégio Santa Cecília, escola na Aldeota, também há troca-troca de livros usados

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pela feira Ecoli-vros na edição

2012-2013

de economia são alcançadas pelos pais na troca de

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8 IMPRESSÕES – LEITURA

2009

2010 e 2011

A VIAGEM DE UM LIVRO ANTES DE SAIR DO PAPEL

Daniel Dantas Lemos é graduado em Comunica-ção Social/Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), mestre e doutor em Estudos da Linguagem pela mesma universidade, professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) e autor do livro “Discurso e argumentação no Blog ‘Fatos e Dados’ da Petrobras”, uma versão de sua tese de doutorado. Ao passar pe-las etapas para que a publicação ocorresse, o profes-sor afirma que as vendas talvez não paguem o in-vestimento independente que foi feito no livro, mas que a publicação é fundamental para os avanços da academia. Confira, a seguir, as “estações” da jorna-da que Daniel precisou percorrer para que seu livro fosse publicado e chegasse às mãos dos leitores.

Plataforma de embarque

Estação n° 1

2008

Estação n° 2

Revisão bibliográfica (leitura de livros) e início da escrita

Coleta de dados e início da análise

Análise de dados e redação final do trabalho

Quando Albanisa Pon-tes, diretora do Ar-mazém da Cultura, é

questionada sobre a movimen-tação do mercado editorial, ela é categórica: “É um trabalho constante de apostas”. Isso é exemplificado pelo que a edi-tora resolveu fazer com o livro da escritora Maria da Penha, no ano passado. “Nós lança-mos na bienal de São Paulo, onde encontrei com um dos maiores distribuidores do Bra-sil e, a partir daí, consegui esse distribuidor nacional, anun-

Mercado editorial

ideias inovadoras no mercado dos livros

Entre

e pequenos:$

Por Saulo Lucas e Victor Ramalho

Enquanto grandes redes de livrarias invadem o mercado, firmam contratos mais rentáveis para as editores e as livrarias pequenas tentam se manter no páreo, ideias que visam

prioritariamente a leitura aparecem como alternativas para quem quer gastar pouco

G R A N D E $

ciamos na Folha de S. Paulo, mas a distribuição não foi bem sucedida. Entretanto, abri ou-tras oportunidades com outras distribuidoras de São Paulo.”

Albanisa afirma ainda que a maior parcela do pagamen-to de um livro se deve ao va-lor cobrado pelas gráficas, as responsáveis pela impressão do material. “Mandamos o arquivo para a gráfica todo pronto, do jeito que nós que-remos, determinamos o papel, a gramatura, a aba, o número de cores e o acabamento: tudo

isso interfere no valor do li-vro”. Outra parcela grande de um investimento em um livro se encontra no contato com as distribuidoras ou diretamente com as livrarias de rede. No caso das últimas, a parcela co-brada por cada livro vendido é, geralmente, de 50% do valor final dele, segundo a diretora. “O autor recebe, por cada livro vendido, 10% destinados aos direitos autorais”, aponta.

As primeiras edições não originam grandes margens de lucro, segundo Albanisa.

“A partir da segunda, o único preço pago é o da impressão, então o lucro começa a surgir”, diz. O Armazém da Cultura faz tiragens, na maioria das vezes, de 1.000 a 1.200 exemplares, de acordo com a diretora. “Apenas quando a certeza de vender é absoluta, aumentamos para 2.000 ou 3.000”.

Ao ser questionada sobre o preço dos livros no mercado brasileiro, Albanisa não con-sidera ser alto e afirma: “O preço do livro em si eu não sei se é caro. Você compra tan-

tas outras coisas que são mais caras que o livro e que não te proporcionam as leituras e os momentos que os livros pro-porcionam. Eu acho essa re-clamação de que o livro é caro se deve ao nosso hábito de não ler tanto. No Brasil, temos uma taxa de leitura per capita muito pequena. Nossa média é entre um e dois livros por ano por pessoa, enquanto em outros países essa taxa chega a ser de dez livros por pessoa por ano, então, como a demanda é alta, o preço cai”, informa.

Infografia: Ed Borges | Ilustrações: Juliana Braga

Page 9: Impressões Leitura - Terceira Edição

9IMPRESSÕES – LEITURA

“Eu acho essa reclamação de

que o livro é caro se deve ao

nosso hábito de não ler

tanto. (...) Nossa média é entre 1 e 2 livros por

ano por pessoa, enquanto em outros países

essa taxa chega a ser de 10 livros por pessoa por

ano, então, como a demanda é

alta, o preço cai

2012: parte 1 2013: parte 1 Atualmente

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2012: parte 2 2013: parte 2

A VIAGEM DE UM LIVRO ANTES DE CHEGAR AO LEITOR

Estação n° 3 Estação n° 5 Plataforma de desembarque

Estação n° 6Estação n° 4Busca por uma editora. A catalo-gação e o registro em ISBN foram feitos na editora de um primo, que cobrou um valor simbólico de R$ 700 pelo serviço

Montagem e diagramação. O alto preço pela publicação, sem o convite de uma editora, fez Daniel pedir ajuda a um ami-go, que aceitou diagramar o material. Segundo Daniel, o preço desse serviço gira em torno de R$ 5 mil a R$ 10 mil

Impressão do material. O custo da impressão é o mais alto. Da-niel teve de fazer empréstimo de R$ 10 mil para cobrir os gastos com a impressão de mil cópias

Lançamento do livro. Numa produ-ção independente, o autor tem de dar um preço acima do custo. O livro de Daniel custou R$14 a unida-de. Para obter o mínimo de lucro, o preço de venda passou a ser R$ 28

Vendas. Livrarias, geralmente, adotam taxa de consignação de 50%, de acordo com o professor. Desse modo, de cada livro, ele re-cebe metade do preço de venda

“Pague quanto acha que vale”

Em meio ao vai e vem frenéti-co nas estações do metrô paulis-tano, é possível ser surpreendido com uma iniciativa inovadora que visa garantir a distribuição de li-vros novos a preços baixos, além de tornar mais prática e acessível a compra dos mesmos. Há pelo menos uma década, “máquinas--livrarias” – semelhantes às auto-máticas que vendem doces e re-frigerantes – estão presentes nas principais plataformas do trans-porte metroviário de São Paulo, levando aos cidadãos da maior cidade do Brasil um incentivo a mais à compra de livros e à leitura.

O projeto nasceu de uma pro-posta diferente: deixar o consu-midor livre para escolher quanto quer pagar por um livro. As má-quinas aceitam apenas notas de R$ 2, R$ 5 e R$ 10. Filosofia, li-teratura infantil e culinária são os livros que fazem mais sucesso. Grandes pensadores como Nietzs-che, Maquiavel, Platão, Diderot e Sun Tzu estão no topo da lista dos mais vendidos, junto com livros de oratória, manuais de informática e outros de utilidade prática.

O começoTudo começou ainda no ano

2000, quando o idealizador das

máquinas, o empresário Fábio Bueno Netto, até então emprega-do da empresa Páginas Amarelas, entrou em um projeto da Editora Expressão e Cultura (Exped), cujo objetivo era vender livros bons e baratos. No entanto, ele encon-trou desafios para comercializar e distribuir o produto em produção de grande escala com baixo cus-to unitário. “Passei muito tempo quebrando a cabeça para tentar resolver a questão da viabilidade econômica do projeto”, lembra.

Foi então que, diante de uma máquina que vendia café, refri-gerante e salgadinhos na sede da Fiesp (Federação das Industrias do Estado de São Paulo), surgiu a ideia: “Por que não livros?”, pen-sou Fábio Bueno Netto. A partir daí foram vários estudos, testes e experimentos até que, em 2003, começou a operar a primeira má-quina automática de venda de livros. Junto com ela, surgia tam-bém a empresa 24x7 Cultural, mais uma ideia do empresário.

O segredo do sucessoHoje, consolidada, a empresa

conta com 26 máquinas distri-buídas pelas estações do metrô de São Paulo e chega a vender cerca de 100 mil exemplares

por mês e aproximadamente 1,3 milhão ao ano. Netto comprova, através da 24x7 Cultural, que é possível manter a lucratividade sem abrir mão do engajamen-to social ou ter de se render às lógicas comerciais das grandes editoras e livrarias. O volume de vendas é, segundo ele, o segre-do para conseguir disponibilizar os livros a preços baixos. Feito que ele consegue, por exemplo, ao comprar e distribuir livros que estejam fora de catálo-go nas editoras. “A gente tá na mão do usuário e quebrou com a equação do mercado: é mais ba-rato por que vende muito, vende muito porque é mais barato”, explica o empresário.

A gerente de loja, Nubya Mag-nani, ficou impressionada com a diversidade de livros que as má-quinas oferecem, desde assuntos do dia a dia a temas acadêmicos. Cliente fiel, ela já comprou mais de quatro volumes, cada um a R$ 2,00. Entre os títulos estavam “A Imaginação: do sensualismo epi-curista a psicanálise” e “O mau gênio do cérebro: o impacto da doença neurológica”, materiais que lhe serviram de auxílio para realização de trabalhos da facul-dade de Psicologia.

Máquinas de livros espalhadas pelo Metrô de São Paulo deixam o cliente a vontade para escolher quanto quer pagar

A sobrevivência dos pequenos

“É um momento crítico pelo qual eu passo”, afirma dona Elisa Saraiva, proprietá-ria da Livraria Lua Nova, após ser questionada sobre como vão as vendas. Elisa afirma que sentiu o primeiro baque na saída de estoque quando a Li-vraria Saraiva, uma das maio-res no mercado de Fortaleza, teve suas filiais inauguradas. “Quando a (livraria) Cultura veio depois, eu percebi muito mais claramente o quanto as vendas diminuíram.”

Elisa afirma não ter espera-do que o movimento diminu-ísse tão drasticamente, porque, apesar da chegada das grandes concorrentes, ela ainda se sen-tia segura pela localização do estabelecimento; a livraria se encontra próxima ao Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará. “A gente ti-nha um movimento relativa-mente bom que caiu em 80%. Eu sempre achei que a gente tinha uma clientela fidelizada e que o pessoal não ia migrar, mas migraram mesmo”.

Embora o preço dos pro-dutos não tenha aumentado, o lucro da proprietária chegou a ser reduzido em 90%. “É mui-to difícil lidar com essa con-corrência. Todas as editoras que eram relacionadas com esta livraria recolheram quase todo o material. Eu comprei praticamente todos os livros que vendo aqui.”

Porém, de acordo com An-dreia Gurjão, especialista em mercado editorial e professora do Departamento de Educa-ção da UFC, o mercado fun-ciona com grandes conglome-rados de empresas e inclusive as livrarias pequenas funcio-nam em associações entre si. Uma das problemáticas para o alto preço dos livros é, ainda, a

falta de público, segundo An-dreia. “O livro ainda precisa fazer parte do universo cultu-ral do brasileiro”.

Para tentar recuperar o pú-blico que costumava ter, Elisa ainda conta com lançamentos em sua livraria assim como com os autores locais que se relacionam diretamente com ela, sem uma editora como intermediária. “Quando o li-vro é de algum autor daqui, mas quando é publicado por uma editora, como a Cia. Das Letras, eu tenho que comprar para revender.”

Foto: Saulo Lucas

Page 10: Impressões Leitura - Terceira Edição

10 IMPRESSÕES – LEITURA

A saga “O Senhor dos Anéis” é um dos títulos mais procurados pelos leitores de fantasia. A porcenta-gem das vendas aumenta na época de lançamento dos filmes

As adaptações dos títulos para o cinema e televisão ajudam a divulgar os livros e atrair leitores, inclusive para outras publicações do mesmo gênero. As histórias de super heróis das HQs também costumam virar filmes de ação Por Bárbara Danthéias e Raissa Sampaio

Harry Potter, Jogos Vorazes, Senhor dos Anéis, Crepúsculo,

As Crônicas de Gelo e Fogo, As Crônicas de Nárnia, A culpa é das estrelas, entre outros títu-los. Não são poucas as obras literárias que acabam sendo adaptadas para o cinema ou televisão. Enquanto as salas de cinema lotam de telespectado-res, as livrarias enchem de lei-tores ávidos por mais detalhes sobre as histórias e os persona-gens que aparecem nas telas.

Fã das sagas O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Gelo e Fogo, o estudante de econo-mia Caio Pimentel descobriu as obras através das adaptações para o cinema e televisão. “O tempo é diferente, no cinema e TV a história é mais corrida, a relação entre os personagens mais rasa. Acho que por conta disso sempre se escuta falar que o livro é melhor. Mesmo de-pois de três filmes, ainda que-ria saber um pouco mais sobre os personagens e a Terra Mé-dia (Terra da saga Senhor dos Anéis)”, conta Caio. Os livros estimularam o estudante a pro-curar não só outras obras dos mesmos autores (J.R.R. Tolkien e George R. R. Martin, respec-tivamente), como também que inspiraram estes livros ou ocor-reram na mesma época, como As Crônicas de Nárnia.

A estudante de jornalismo Andressa Souza também é fã das Crônicas de Gelo e Fogo, e das sagas Harry Potter e Jogos Vora-zes. “Eu acho que quando você tem consciência de que o filme surgiu de um livro, você só não vai atrás da obra que deu origem

se não estiver interessado na história. É impossível saber que existem detalhes e explicações que ficaram de fora e não que-rer descobri-los. Ou comparar as adaptações, me divirto muito nesses debates.” Andressa con-sidera a adaptação da obra para o cinema uma coisa positiva, já que muitas pessoas passam a co-nhecer a obra dessa forma.

Para as editoras e livrarias, a adaptação é um negócio igual-mente vantajoso. Alexandre Martins Fontes, diretor execu-tivo da editora WMF Martins Fontes, explica que ocorre um aumento nas vendas dos livros que viram filme. O Senhor dos Anéis e O Hobbit já venderam mais de um milhão de exem-plares no Brasil, com picos de venda em épocas próximas aos lançamentos de seus filmes. Com um filme do Hobbit mar-cado para estrear em dezembro, a editora aproveita para relançar duas edições do livro - uma com a capa do filme, outra de colecio-nador, ilustrada - um guia ilus-trado do filme e mais dois livros de Tolkien. “Não há dúvida que o sucesso dos filmes impacte nas vendas. Os filmes ajudam as pessoas a descobrir os livros. As Crônicas de Nárnia (tam-bém editadas pela WMF) eram completamente desconhecidas pelo público brasileiro antes do filme” , afirma o diretor.

Já a procura do público pe-los livros que deram origem às adaptações cinematográficas pode ser notada nitidamente nos sites de venda das maiores livrarias do Brasil. O livro “A culpa é das estrelas”, best-sel-ler do autor John Green cuja

Foto: Tamara Lopes

Das páginas para as telas, obras literárias que viraram filme fazem sucesso

Adaptações literárias

“O tempo é diferente, no cinema e TV a história é

mais corrida, a relação entre

os personagens mais rasa. Acho

que por conta disso sempre se escuta falar que o livro é melhor

adaptação está marcada para estrear nos cinemas em junho de 2014, se mantém entre os cinco livros mais vendidos pelo e-commerce da Livraria Cultu-ra, Livraria Saraiva e Fnac.

Visão do diretorApesar de nunca ter adapta-

do um livro para o cinema, o ci-neasta Eryk Rocha confessa que essa “transfiguração” – como prefere chamar a relação entre cinema e literatura – está en-tre os planos futuros. Segundo ele, essa é uma relação de auto-nomia, uma vez que uma obra literária não pode ser adaptada ao pé da letra para o cinema. “É preciso ter a literatura como matéria-prima para se transfor-mar e virar outra coisa nova, que é o filme”, explica.

Segundo o cineasta, os lei-tores também têm a ganhar com a transfiguração da obra, pois tem a oportunidade de ver o livro ganhar outras visões. “Aquelas palavras ganham des-dobramentos, se transpõem para outras artes, outras lin-guagens”, explica.

Eryk acredita que a quali-dade da literatura brasileira e mundial é um grande incenti-vador para que os títulos con-tinuem como fonte de inspira-ção. “É um tipo de relação que existe há muito tempo, desde o começo do cinema, e vai conti-nuar existindo”, afirma.

De quadro em quadroNão só os livros são fonte

de inspiração para o cinema. A adaptação de histórias em quadrinhos para as telas trouxe grandes filmes de ação como Homem-Aranha, Batman, Wol-verine, Super-homem e Homem de Ferro. Vale lembrar que Os Vingadores, uma adaptação de HQ, faturou a 3ª maior bilhete-ria da história do cinema.

O especialista em quadrinhos e professor de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ricardo Jorge Lucena, admite que o formato dos quadrinhos favorece a adap-tação para o cinema. “O fato é que uma HQ é muito similar a um storyboard audiovisual, com quadros, enquadramentos, vi-sualização de sequências narra-tivas e marcação de diálogos. O próprio Avi Arad, um dos exe-cutivos da Marvel, disse na épo-ca do filme Homem-Aranha 3 que os quadrinhos eram ‘story-boards prontos’”, explica.

Entretanto, o professor ressalva que mesmo para os quadrinhos há dificuldade na adaptação. “Se a gente pega uma HQ autobiográfica, com vários pensamentos do perso-nagem, a maior parte deles terá de sair de uma adaptação, pois cinema é ação, não pensamen-tos”, afirma. Um exemplo desse processo de recorte é a anima-

ção de “Batman- o cavaleiro das trevas”, baseada na HQ ho-mônima de Frank Miller, onde foram retirados os pensamen-tos das personagens.

Para o professor, não se pode precisar a influência dos filmes no mercado dos quadrinhos, mas os fãs das histórias aguar-dam ansiosamente pelas adap-tações. “Talvez seja mais fácil os filmes despertarem novas pai-xões e sensações no público que já lê quadrinhos”, afirma.

Os fãs dos livros têm a oportunidade de ver novas interpretações da obra na tela do cinema

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Page 11: Impressões Leitura - Terceira Edição

11IMPRESSÕES – LEITURA

Não é preciso voltar no tempo para saber quão rica é a literatura

cearense. Embora seja possí-vel lembrar grandes escritores como José de Alencar, Rachel de Queiroz ou Moreira Cam-pos, à contemporaneidade também não falta qualidade. Além de contar com impor-tantes autores, a cena atual da literatura cearense é continua-mente estimulada por meio de grupos e encontros de cunho literário, que acabam se tor-nando referências importantes para a formação desse cenário.

Poeta e professor do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC), Henrique Bel-trão é um artista apaixonado pela produção local e obser-va com entusiasmo o cenário atual. “Convivo com grandes nomes da literatura cearense que estão aí: Horácio Dídi-mo, Carlos Nóbrega, Sânzio de Azevedo, Virgílio Maia, Tércia Montenegro, Pedro Salgueiro.

Literatura local

Dos escritos às prateleiras: processo editorial de desafios para escritores cearenses

Por Ari Areia, Gleyce Any Castro e Débora Lopes

Escritores lamentam falta de editais públicos para publicação no CearáPor Eduarda Talicy, Felipe Martins e Carolina Areal

“Embora nossa literatura esteja

sempre em constante movimento,

Henrique acredita que o processo da publicação ainda é

muito difícil

Obstáculos burocráticos impostos por editoras, baixa procura por títulos e falta de políticas públicas de incentivo são alguns dos empecilhos à publicação de obras de autores locais

O crescente número de publicações garante propespcção ao setor ediitorial

Livros regionais são reflexos de valorização da cultura cearense

Eles escrevem como deuses, são fantásticos”, afirma Henrique, que já lançou dois livros, Ver-melho (2006) e Simples (2009). Ainda de acordo com ele, o di-álogo existente entre os autores engrandece ainda mais as pro-duções, permitindo uma maior qualidade na publicação.

Embora nossa literatura es-teja sempre em constante mo-vimento, Henrique acredita que o processo da publicação ainda é muito difícil. Mesmo o Ceará contando com editoras capazes de lançar boas publi-cações, ele destaca o alto custo dessas produções, além da fal-ta de apoio financeiro. Outro obstáculo, segundo o autor, é a forma da distribuição dos livros, feita, muitas vezes, por iniciativa própria dos autores.

Política editorial: desafios para o autor

A publicação de um livro não é tarefa fácil e chega ser de-safiadora para quem deseja lan-çar uma obra. Apesar de existir uma gama de distintas editoras que realizam estes serviços, o processo não se diferencia, sen-do o escritor submetido em to-das elas a uma série de etapas, desde a definição do texto à ma-terialização do livro. Quando o contrato é firmado entre as par-tes, o autor tem de arcar com um valor definido para que seu livro seja publicado.

“O autor é submetido à ava-liação de um conselho edito-rial, para então ser atendido nos processos de formatação, normatização, revisão, criação

e, apesar do auxílio da entida-de, a impressão é realizada ain-da por outra empresa”, explica Claúdio Guimarães, diretor e editor das Edições UFC. Cláu-dio explica ainda que cabe à editora dar suporte nas fases de composição do material e, como não possui fins lucrati-vos, repassar o material para gráfica que realiza a impressão do livro. Desse modo, o autor fica responsável por dar sequ-ência ao processo no que diz respeito a custos financeiros.

Outro complicador para o mercado editorial diz a respei-to a políticas públicas voltadas ao estímulo da produção, uma vez que não há registro de pro-jetos parlamentares que pro-movam incentivos para este tipo de produção intelectual. Mesmo com os empecilhos, os autores não se intimidam e intensificam a elaboração de suas produções. “A procura por publicação continua e está em prospecção. Meu desejo é ter mais gente, a demanda está grande”, comemora Claúdio.

A crescente procura por publicações resulta no apareci-mento de novas editoras. Con-correntes ou não, a parceria en-tre elas existem e se fortificam ainda mais com este contexto de mercado. Isso é perceptível na própria editora da UFC. De acordo com Cláudio Guima-rães, apesar de pertencer a uma entidade com foco no grande público, mas com maior dire-cionamento acadêmico, não há a exclusão de contato com as demais editoras comerciais.

Os editais públicos para publi-cação de livros são uma alterna-tiva encontrada pelos escritores para vencer as barreiras finan-ceiras de impressão e de dis-tribuição. No Ceará, no entanto, esses editais são lançados entre longos hiatos e com muita buro-cracia para os artistas. A Secreta-ria de Cultura do Estado (Secult), há dois anos sem lançar edital específico de publicação e há quase quatro anos com apenas um edital vigente na categoria, promete um edital para a segun-da semana de dezembro.

Já em âmbito municipal, o último edital de publicação lan-çado pela Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) foi em março deste ano, em ação come-morativa ao Dia Internacional da Mulher. O Edital de Dramaturgias Femininas selecionou cinco tex-tos dramatúrgicos para compor um único volume a ser distribuí-do entre os autores e o prêmio de

R$ 5 mil. O edital anterior havia sido lançado em 2011.

A demora é um grande en-trave na vida dos escritores que dependem de incentivo financei-ro. Para o poeta Talles Azigon, a falta de políticas de incentivo à leitura e produção desvaloriza o artista cearense e contribui para o vazio cultural.

Outra grande insatisfação dos artistas está ligada ao repasse de verbas. Na maioria das vezes, o dinheiro chega aos contemplados com grande atraso e em parcelas distantes. Muitos deles levantam os projetos sem ter a quantia to-tal necessária para desenvolver o produto artístico, o que acaba in-viabilizando o trabalho final. Talles foi contemplado por um edital de li-teratura da Secultfor e reclama dos problemas que teve em relação aos atrasos no repasse de verbas. Segundo ele, recebeu uma primei-ra parcela com 80% do valor total e “muito depois” os outros 20%.

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Foto: Débora Lopes

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Aserenidade e mono-tonia da voz definiti-vamente não eviden-

ciam a agilidade do pensar e o intenso produzir de Gilmar de Carvalho. Aos 64 anos, o professor, pesquisador, escri-tor e viajante aventureiro (por que não?), está lançando “Ce-ará de Ednardo”, livro sobre as tradições cearenses presentes nas obras do autor de Terral.

Nos belos salões do Museu de Arte de Universidade Fede-ral do Ceará (Mauc), Gilmar falou sobre seus temas favo-ritos e o seu principal legado, “o único!”: as obras. Elucidou aspectos da relação com as

A intensidade produtiva que advém das vitais pesquisas e escritaGilmar de Carvalho, lançando seu 69º livro, analisa o mercado de publicações no Ceará, a falta de leitores no país e sua intensa produção e publicação de obras

Entrevista

Por Criselides Lima e Vicente Olsen

editoras, bem como o proces-so de lançamento de obras, criticando as dificuldades em se publicar, os preços elevados dos livros e a falta de leitores no Brasil.

Impressões – A gente vê que em um ano você tem vá-rias publicações. Como você encaixa essa produção tão in-tensa em sua vida?

Gilmar – A intensidade da produção é um projeto meu, um projeto de vida. Então eu trabalho de uma forma muito disciplinada, muito regular, eu escrevo todos os dias, eu anoto todos os dias, eu viajo sempre

que posso. Então escrever para mim não é uma atitude dile-tante, é tão importante quanto comer, quanto respirar... Talvez seja mais agradável que fazer sexo. E eu escrevo sempre! Eu escrevo para viver, na verdade, e claro que, alguém já disse isso antes, um escritor escreve para ser amado, e ser amado signifi-ca ser lido.

Impressões – Você acha que vai chegar um dia, en-quanto escritor, em que vai se dar por satisfeito?

Gilmar – Eu acredito que não. Eu penso que talvez as-sim, com o passar dos anos,

com um maior desgaste físico, com o envelhecimento, o rit-mo arrefeça, mas eu não acre-dito que eu perca esse desejo por escrever.

Impressões – Tem alguma obra que é mais especial, que você sente mais orgulho ou apego por ela?

Gilmar – Tenho. Tenho o “Madeira Matriz” que é a [mi-nha] tese de doutorado, que é uma declaração de amor ao Ju-azeiro [do Norte], a todo esse universo da tradição popular. Eu tenho o “Artes da Tradição: Mestres do Povo”, que foi um li-vro que eu fiz com o Francisco

Sousa viajando pelo interior. Os outros são todos queridos, mas esses dois são especiais.

Impressões – Sua escrita intensa veio de uma leitura muito intensa também?

Gilmar – Não. Eu li, mas eu não li tão intensamente quan-to algumas pessoas dizem ter lido, sabe? Eu comecei a es-crever mais sistematicamente, na verdade, quando eu prestei vestibular para jornalismo. Tive as primeiras crônicas pu-blicadas pela Gazeta de Notí-cias, elas foram levadas pela professora Adísia Sá. A partir daí eu não parei mais.

Foto: Tamara Lopes

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13IMPRESSÕES – LEITURA

Impressões – O senhor se considera um autor conhecido?

Gilmar – Não. Eu sou um autor muito pouco conhecido, eu diria até que, sendo bem ri-goroso, eu sou um autor qua-se inédito. Eu distribuo mais meus livros que os vendo, acho que as tiragens são mui-to pequenas. O que me torna mais conhecido é uma exces-siva exposição que eu tenho pela mídia. Então eu estou sempre presente na mídia im-pressa, e, talvez mais ainda, na mídia eletrônica.

Impressões – Você con-corda com a visão de que, no Brasil, se lê muito pouco?

Gilmar – A gente lê mui-to pouco. O País é imenso, a população é muito grande, se a gente tivesse o número de leitores [igual] ao que a gente tem de proprietário de celu-lares, a gente realmente teria outro país.

Impressões – O senhor vê algum motivo principal?

Gilmar – Eu acho que é um grande engodo, é muita coisa. Os livros são caros, aí cria um ciclo vicioso: são caros porque as tiragens são pequenas; as ti-ragens são pequenas por que os livros são caros e as pesso-as não leem; os livros não são os que as pessoas gostariam de ler. A gente sempre quer fazer uma coisa mais elitizada, mais pesquisada, mais bem acabada.

Impressões – Você é adep-to da leitura digital? Consome e-books?

Gilmar – Não, tenho difi-culdade. Me cansa um pouco. Também é a dificuldade que eu tenho em fazer pesquisa com microfilmes. Prefiro tra-balhar com jornais velhos... Eu prefiro pesquisar em jor-nais que em microfilme, pre-firo ler em papel que [digital]. Quando preciso eu leio, mas me canso.

Impressões – Os editais e as parcerias públicas são fun-damentais para a publicação de livros no Brasil?

Gilmar – No nosso caso elas são. Quando não tem, a gente sente a falta. Embora algumas sejam viciadas, embora algu-mas a gente saiba que tenha cartas marcadas, mas se a gen-te não participa a gente não publica. É um mal necessário. É muito complicado. Agora eu penso que, os editais, por outro lado, criam uma cultura muito “chapa branca”, eu não gosto disso. Porque a minha geração foi uma geração que passou por uma ditadura mi-litar e admitia que a gente não queria dinheiro! Eu acredito que a gente pagava [por conta

própria], na verdade, para in-comodar a ditadura.

Impressões – Havia auto-nomia...

Gilmar – Havia! A gente queria desconectar. O dinhei-ro deles era um dinheiro sujo. Hoje a gente fica avidamente atrás de dinheiro: Secult, Se-cultfor, o Banco do Nordeste... Se não for, não faz. Eu faço porque sou muito arrogante e deixo de fazer uma série de coisas para fazer isso.

Impressões – As editoras apuram em torno de 7 a 10% da venda por capa. Você ganha dinheiro se vender muito. Hoje, os livros que ficam nas livrarias como destaque, os “mais vis-tos”, não são necessariamente os mais comprados, são pagos pela editora para ficar ali...

Gilmar – Isso é verdade, eles pagam. Outra coisa tam-bém que a gente não falou des-sa ponta, a ponta das livrarias. É uma ponta muito perversa. Por exemplo, eu se faço uma produção independente não tenho como colocar esse mate-rial na [livraria] Cultura e nem na Saraiva e nem nas grandes livrarias porque eu não tenho CNPJ, eu não tenho firma. En-tão meu livro não existe. Eu só entrei na Cultura por causa do Armazém da Cultura, aí o Ar-mazém da Cultura publicou o Parabélum.

Impressões – Como você consegue distribuir esses livros?

Gilmar – Ah, muito mal! No dia do lançamento, depois eu coloco na portaria do Mu-seu do Ceará, vende lá, coloco aqui na [livraria] Lua Nova. Eu tenho uma lista de 100 ins-tituições culturais do Brasil e mando pra elas, eu mesmo pa-gando os correios.

Impressões – Como você vê a parceria com editoras?

Gilmar – Acho ruim essa relação com as editoras. A gente nunca recebe uma pres-tação de contas efetiva das editoras. Elas que têm a conta-bilidade. Você não tem como contestar. A gente entra com a matéria-prima e o dinheiro que a gente recebe não é pro-porcional ao que a gente espe-raria ou gostaria de receber.

Impressões – Já teve al-gum assunto que você quis abordar em parceria com as editoras e disseram “isso não é interessante”?

Gilmar – Se eles disserem que isso não é interessante aí talvez seja mais interessante ainda e eu fique mais motivado e faça, arranje dinheiro e pa-gue! Eu não me considero tam-bém uma pessoa assim “arrasa quarteirão”, um “blockbuster”.

Impressões – A relação dos escritores com as editoras aqui no país é bem complica-da. Você tem a informação se em outros países seja mais fá-cil, se o lucro do autor talvez seja maior?

Gilmar – Eu acho que lá na França, e em outros países que eu conheço pessoas que publicaram, eles podem até não ganhar dinheiro e não se-rem respeitados, mas há uma aparência de uma coisa mais séria do que aqui.

Impressões – De certo modo as editoras escolhem quais os livros que farão su-cesso e quais não vão?

Gilmar – Elas podem até escolher, investem, alugam espaços em livrarias. Mas, às vezes, esquecem de combi-nar com os leitores. Tem todo esse investimento e dá errado. Há uma tentativa de linha de montagem, mas às vezes fun-ciona melhor na música. Você pega três meninos bonitinhos aí vira Restart, vira KLB, na literatura é mais difícil.

Impressões – As edito-ras seguem a fórmula “não se mexe em time que está ga-nhando” ou vez por outra elas arriscam alguma coisa?

Gilmar – Eu acho que elas

podem até arriscar, não ter lucro, para ter prestígio. É im-portante também uma editora ter prestígio. Lançar um de-terminado autor que é impor-tantíssimo e pouco divulgado no Brasil, que acaba de ga-nhar um prêmio Nobel e nun-ca teve nenhum livro aqui. Elas podem até saber que não vão vender muito, mas querer manter uma aura de prestígio.

Impressões – Você tem experiência também fazen-do parte de corpo editorial, como funciona?

Gilmar – Esses corpos edi-toriais são todos de “faz de conta”. Tudo decorativo. Faço parte de corpo editorial de revistas acadêmicas de São Paulo e uma vez na vida man-dam um texto pra você dar um parecer. Aliás, o parecer é sempre pra textos polêmicos, quando eles não tão querendo publicar, eles mandam pedir a opinião para você.

Impressões – Você acha que seus livros, suas obras, são seu principal legado?

Gilmar – Principal não. O único! (risos). Fora os livros a única coisa que eu tenho é um carro popular e uma casa na Maraponga. Eu só posso dei-xar os livros! ”

“Eu sou um autor muito

pouco conhecido, eu diria até

que, se a gente fosse

ser bem rigoroso,

eu sou um autor quase inédito. Eu distribuo

mais meus livros que os vendo, acho que

as tiragens são muito pequenas, eu escrevo

porque é vital para mim

Foto: Tamara Lopes

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14 IMPRESSÕES – LEITURA

Livros Infantis

O cenário da literatura infantil no atual mer-cado livreiro de For-

taleza não é o mais otimista. As vendas de livros infantis sofrem o impacto de competir com outros atrativos tecnoló-gicos e de manter um espaço destinado a esse público, sem conseguir atingir um índice de vendas favorável.

Robert Moreira trabalha na livraria Ler e percebe o impac-to nas vendas. Na loja, há um espaço destinado somente ao público infantil. “A área tem (na loja), muito bem recheada de livros. Todo mundo quan-do vem aqui, fala que nessas lojas maiores não têm uma va-riedade de livro infantil como eles encontram aqui”, pontua. Embora exista a dificuldade

das vendas, ele crê que a área é importante porque abrange a formação de novos leitores.

A escassez nas vendas é percebida em outro local. A vendedora Tupinéia Gusmão, responsável pelo setor infantil da Livraria Leitura, acredita que isso ocorre pela falta de in-centivo da família. “Acho que quem estimula a leitura não é a livraria, são os pais. Então, independente do espaço ser lindo, se o pai não estimular a criança a ler, ela vai chegar aqui, olhar pro livro e dizer ‘eu não quero o livro, eu quero o brinquedo!’”, ressalta.

Robert também crê na im-portância do incentivo dos pais para que os filhos queiram ler. Ele utiliza como base o Dia das Crianças, e afirma que os pais iam direto para a loja de brinquedos. Mas, quando pas-savam pela livraria, paravam para comprar um livro. “Mas não é a primeira opção. Quem quer, realmente, incentivar (a leitura), é a primeira opção”, destaca.

Por mais que o cenário do livro infantil pareça árduo, Robert percebe que o mer-cado sempre se renova com atrativos para interagir com o público. E quem decide o que levar, segundo Tupinéia, é a criança, que se encanta por um livro e faz com que o pai o compre. Mas, para as crianças que não gostam de ler, ela crê que “se você souber entregar

o livro certo para a criança, ela se interessa”.

O incentivo começa em casa

Alessandra Lobato é fun-cionária pública e mora em Dourados, no interior de Mato Grosso do Sul. Durante a pri-meira viagem à Fortaleza com a filha Lara, de três anos, visitar à livraria foi um ponto obriga-tório. “Tenho investido bastan-te em livros para ver se ela pega o jeito. Pelo menos uma vez a cada 15 dias, levo ela à livraria”, afirma, explicando que procu-ra manter a criança familiari-zada com o local.

Alessandra costuma com-prar as obras que ainda não estão de acordo com a faixa etária da filha. “Já estão lá guar-dadas, esperando ela crescer um pouquinho mais”, declara. Ela acredita que, além da com-pra de livros, outras práticas são essenciais nesse processo de conquistar as crianças para o mundo da leitura, sendo a participação ativa dos pais um aspecto essencial. A funcioná-ria pública afirma já perceber em Lara resultados de todo o incentivo fornecido, pois a me-nina sempre pede para ouvir novas histórias e demonstra ter muita imaginação, algo vi-sualizado nas brincadeiras de teatrinho que constantemente realiza.

Porém, nem todos os pais conseguem estimular nos fi-

Um dos motivos para as livrarias manterem os espaços infantis é a formação de novos leitores. Apesar de alguns pais reclamarem do preço elevado, há algumas li-vrarias que vendem livros infantis a partir de R$ 1

Como surgiu a Literatura Infantil?

As estratégias criativas para estimular o interesse pela leitura em criançasA literatura infantil enfrenta uma época de desestímulo à leitura e dispersão por causa das novas tecnologias. A quem cabe a tarefa de desenvolver nas crianças o gosto pela leitura?Por Caroline Portiolli, Mikaela Brasil e Taís de Andrade

Foto: Taís de AndradeFoto

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Com um espaço reservado na memória de muitos adultos, os li-vros infantis nem sempre fizeram parte do cotidiano das crianças. De acordo com a professora do Depar-tamento de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fernanda Coutinho, um dos aspectos do sur-gimento da Literatura Infantil é a construção social. “Ela (a Literatura Infantil) nasceu quando esse con-ceito de infância nasceu, que foi na passagem no século XVIII para o século XIX”, afirma a professora.

A professora conta que antes do período citado, a criança não tinha vida diferenciada da vivida pelo adulto. De acordo com Fer-nanda Coutinho, as roupas das crianças eram semelhantes às de um adulto e até mesmo a no-ção de quarto infantil não existia. “Então nesse momento (no sécu-lo XIX) não havia um lugar social para a criança, também não ha-via uma literatura pra ela. Então o que ela lia eram os textos que também eram lidos pelos adul-tos”, relata a docente.

Mas a situação mudou com a chegada do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (1805- 1875), que escreveu clássicos contos de fada como A Pequena Sereia, Soldadinho de Chumbo, O Patinho Feio e a Pequena Vende-dora de Fósforos. No Brasil, um dos escritores mais marcantes do gênero é Monteiro Lobato (1882 – 1948), autor de O Sítio do Picapau Amarelo.”

“A pessoa, para conseguir se

expressar, tem de ler. Para conseguir escrever, falar, ela tem de ler. Toda facilidade que

ela terá no futuro depende da leitura

lhos o interesse pela leitura. A estilista Márcia Monteiro, por exemplo, afirma que sempre buscou incentivar o hábito de ler nos filhos José Vinícius, 10, e Samuel Filho, 6, mas estes não demonstram interesse pe-los livros.

A estilista explica que sem-pre levou as crianças à livraria, mas José Vinícius interrompe e contradiz a mãe. “Quando cresci, você nunca mais me levou pra livraria não”, disse o menino. Márcia admite que não costuma ler muito para eles em casa. “Eles me pedem muito para ler na hora de dor-mir. Eu tenho vontade, mas fico cansada, porque trabalho, e leio muito pouco”, confessa. Ela também reconhece não levar as crianças a eventos, como teatro e contação de his-tórias, por considerar os pre-ços caros e não conhecer bem as iniciativas gratuitas realiza-das na cidade.

Apesar de não ter conse-guido estimular os filhos do modo como desejava, Márcia acredita ser o incentivo dos pais o principal elemento para desenvolver a prática de ler. Alessandra Lobato também ressalta os benefícios dos li-vros. “A pessoa, para conse-guir se expressar, tem de ler. Para conseguir escrever, falar, ela tem de ler. Toda facilidade que ela terá no futuro depende da leitura”, enfatiza a funcio-nária pública.

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Ex LibrisEspaço de resenhas, contos, poesias e tudo o que a criatividade permitir

O abraçoPor Henrique Araújo

Conto

deveriam fazer sentido por-que me obrigavam a rever nossa trajetória e encarar um tipo especial de arqueologia: a das coisas que enterramos porque precisamos. Acredi-te, nada é como antes. Digo com um pouco de vergonha, mas, quem diria, o clichê ven-ceu. Venceu enquanto você me abraçava, sem palavra que expressasse toda essa merda; venceu por cansaço.

Pra dar um exemplo. Aca-bo de retornar de uma dessas viagens estranhas em que te-mos a opção de descer do car-ro e caminhar horas a fio por uma cidade exclusivamente imaginada por nós. Sabe o que encontrei? O nada. Pra onde virava, dava com a cara na parede. O pior: eu garga-lhava. Gargalhava na encruzi-lhada. Gargalhava nas esqui-nas. Gargalhava nos balcões dos bares que ainda guarda-vam marcas de cigarros e o cheiro acre de urina.

Nessa cidade tão vazia de-parei, no entanto, com algo importante. Uma força anô-nima que ia sulcando desper-cebida. Essa força é o tempo. Me permita afirmar o óbvio. O tempo é ainda subestimado. É como esse adversário de quem zombamos ainda na largada e que termina nos vencendo, do-brando e partindo em mil ca-quinhos. O tempo, o corredor subestimado.

É para isso que fomos to-das ao mesmo lugar. Cada uma ocupando o mínimo espaço nas cidades inventadas por frustra-ções comuns. Estávamos ali para superar alguma coisa: um medo, uma febre, alguém. Sem dúvida o principal combustível de muitas de nós tem sido desa-parecer com a memória de um amor. Eu, é claro, queria desa-parecer contigo.

Mediante visitas regulares ao passado, o que planejamos tem o objetivo de passar a per-na na memória. O método é

N

N

Maria Eugênia

Poesia

Aproximação

ouço a vozde teus braçosdispostos desse modotão abertoconvidando-menum sussuro:chega mais perto... sem cuidado,avançomas teu sorriso mansocala meu vulcão.esvazio-me entãodas palavras e murmuro beijos.

pouco ortodoxo, admito. Às vezes até suicida. É, todavia, eficientíssimo.

Estranho mesmo, porém, se você ainda está aí e conti-nua interessado no que tenho a dizer - estranho mesmo é, ao cabo de tudo, das caminhadas por ruas de uma cidade que não existe sequer nos cartões postais, perceber: não há nada pra ser superado. Nem esque-cido, enterrado, demolido, es-condido, adiado. Perceber que a memória se acotovela na ga-veta até arrebentar com tudo, feito uma criatura eternamen-te em conflito.

Maria Eugênia, 22. Mora no campo. Faz Letras e, eventualmente, bota um poema no mundo.

Agora é minha vez de falar: estranho mesmo, se quer saber, é voltar

no tempo, como tenho voltado com tanta frequência, reen-contrar tudo que foi dito e de lá não extrair um farelo mise-rável de sinceridade. Nada do que imaginei que seria a paisa-gem natural. Se contasse, nin-guém acreditaria. A nossa foi uma dessas histórias reais in-ventadas por alguém enquanto a gente se distraía com o chei-ro, a temperatura e a textura do corpo do outro.

Dramatizo? Para de rir, en-tão. Cada volta é uma viagem diferente, foi o que o psicólogo falou. Disse outras bobagens também, queria matar o tem-po, eu acho. De qualquer ma-neira, você estava lá e assistiu tudo calado, mesmo quando sorria. Sim, você.

Nessas idas e vindas, com-parei fotografias, medi abra-ços, cruzei as mesmas ruas. Pus sobre a mesa objetos que

PERFILHenrique Araújo é edi-tor adjunto do núcleo de Cotidiano do Jornal O POVO. No mesmo jornal, escreve semanalmente às quintas-feiras uma co-luna de crônicas. É autor do blog Corrida Espacial.

Ilustrações: Juliana Braga

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16 IMPRESSÕES – LEITURA

Considere uma escola com mil estudantes. Se cada aluno preci-sar comprar seis livros novos, será necessário derrubar 168 ár-vores pra produzir o papel necessário, só para as publicações.

A reutilização de livros didáticos e paradidáticos pode dar um alívio à natureza e, claro, também ao orçamento dos pais (foto 1), conforme você pôde ler na página 7 desta edição. Em Fortaleza, a troca de livros escolares já virou tradição no Centro da cidade (foto 2). Nos meses finais e iniciais de cada ano, crianças, pais e livreiros são personagens fáceis de encontrar na praça General Tibúrcio (foto 4 e 5), rebatizada pelo povo como praça dos Leões, devido às estátuas de felinos ali exis-tentes (foto 3). Curiosamente, esse mercado ecologicamente correto foi se estabelecer justamente na praça dos reis das florestas!

Ensaio Fotográfico i

Por Vicente Neto

Pelo bem da floresta – e do bolso dos pais

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