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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
(IM)POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS
MERAMENTE DECLARATÓRIAS
DOUGLAS FÍLIPI MAFRA
Itajaí/SC, 16 de junho de 2009.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
(IM)POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS
MERAMENTE DECLARATÓRIAS
DOUGLAS FÍLIPI MAFRA
Monografia submetida à Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Orientadora: Professora Fernanda Sell Souto Goulart.
Itajaí/SC, 16 de junho de 2009.
AGRADECIMENTO
A todos que direta ou indiretamente contribuíram
para o deslinde deste trabalho, notadamente
àqueles que, não obstante este trabalho, me
acompanharam durante toda a marcha acadêmica.
A minha MÃE, simplesmente porque a amo; porque
a amo...
A minha tia e madrinha Elza Desidério Silva pela
confiança que depositou em mim e continua a
depositar.
A minha namorada que tanto amo Aillime Ferreira da
Rocha porquanto fonte inesgotável de inspiração.
Ao meu amigo e patrão Renato Felipe de Souza pelo
companheirismo, pela disponibilidade em ajudar,
por, ademais, entender a complexibilidade deste
trabalho monográfico e, por conta disso, dispensar-
me do labor.
Por derradeiro, aos meus professores que ao longo
de toda esta jornada muito me ensinaram,
especialmente a minha professora orientadora
Fernanda de Sell de Souto Goulart que não
bastasse ter que me “aguentar” em sala de aula,
recebeu esse ônus de me orientar no desenvolver
desta pesquisa.
A todos minha eterna gratidão.
DEDICATÓRIA
Ao meu PAI Antônio Carlos Mafra (in memorian),
porque tenho certeza que hoje um de seus grandes
sonhos se realizou; seus dois filhos se formaram.
Onde quer que esteja, posso sentir sua felicidade.
Eu te amo e nada seria sem você.
A minha MÃE Vera Lucia Desidério Mafra, na
medida em que meu sucesso é umbilicalmente
ligado ao seu esforço enquanto dona de casa,
enquanto profissional, enquanto guerreira, enfim,
enquanto mãe. Eu te amo e, igualmente, nada seria
sem você.
Queiram crer meus pais, esta vitória não é minha. É
nossa.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí/SC, 16 de junho de 2009.
Douglas Fílipi Mafra
Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Douglas Filipi Mafra, sob o título
(im)Possibilidade de Execução das Sentenças Puramente Declaratórias, foi
submetida em 16/06/2009 à banca examinadora composta pelos seguintes
professores: Fernanda Sell Souto Goulart, e aprovada com a nota 10 (dez).
Itajaí/SC, 16 de junho de 2009.
Fernanda Sell Souto Goulart
Orientador e Presidente da Banca
Jefferson Custódio Próspero
Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. Artigo
CC Código Civil
CPC Código de Processo Civil
CRFB Constituição da República Federativa do
Brasil
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................. VIII
INTRODUÇÃO......................................................................................... 10
CAPÍTULO 1............................................................................................ 12
DOS ATOS DO JUIZ............................................................................... 12 1.1 DOS DESPACHOS.............................................................................................. 14
1.2 DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS............................................................... 18
1.3 DAS SENTENÇAS............................................................................................... 23
CAPÍTULO 2............................................................................................ 30
DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA REALIZAR QUALQUER
EXECUÇÃO............................................................................................. 30 2.1 DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA NO QUE TOCA À EXECUÇÃO........................ 30
2.2 DO CONCEITO E DE OUTRAS PONDERAÇÕES INICIAIS.............................. 33
2.3 DOS REQUISITOS PROPRIAMENTE DITOS..................................................... 36
CAPÍTULO 3............................................................................................ 48
DA (IM)POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS
MERAMENTE DECLARATÓRIAS.......................................................... 48 3.1 DO OBJETO DA CONTROVÉRSIA.................................................................... 48
3.2 DOS ARGUMENTOS QUE MILITAM EM FAVOR DA POSSIBILIDADE........... 48
3.3 DA INEXISTÊNCIA DE RAZÃO PARA DISCUSSÃO DO TEMA....................... 54
3.4 DOS ARGUMENTOS QUE MILITAM EM DESFAVOR DA POSSIBILIDADE.... 56
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 64
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS................................................ 65
ANEXOS.................................................................................................. 68
RESUMO
O presente trabalho, realizado com base em pesquisa
científica, apresenta e analisa, sob o enfoque primordialmente doutrinário, a
possibilidade de execução das sentenças puramente declaratórias. Trata-se de
assunto a longínqua data já discutido mas que, contudo, entrou novamente em voga
dada a entrada em vigor da Lei n. 11.232/2005, que trouxe o art. 475-N. Atualmente,
pois, não se pode negar a importância do tema. O trabalho é composto por três
capítulos, que se enraízam nos seguintes conteúdos: o primeiro capítulo teve como
propósito elucidar os atos do juiz, notadamente os pronunciamentos judiciais
(despachos, decisões interlocutórias e sentenças), para estabelecer conceitos,
naturezas e ainda classificações, destacando-se também eventuais controvérsias
existentes; o segundo capítulo se ocupou com o esclarecimento dos requisitos
necessários à realização de toda e qualquer execução (incluindo aqui o
cumprimento de sentença), fazendo alusão, ainda, a reforma legislativa no que
tange à execução, e ao conceito e dimensão da execução; e o terceiro e derradeiro
capítulo, cuidou do tema propriamente dito, para fazer constar as três correntes de
pensamento, a saber: os adeptos a viabilidade da execução das sentenças
declaratórias; a posição intermediária; e os que negam a exequibilidade das
sentenças deste jaez. Com a pesquisa restou clarividente que as sentenças
declaratórias não são passíveis de execução, seja porque a natureza delas não
reclama a tutela executiva (corrente intermediária), seja porque salta aos olhos a
superioridade dos argumentos da terceira corrente em relação aos da primeira.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem por escopo o estudo da (im)possibilidade
de execução das sentenças puramente declaratórias.
Trata-se de assunto a longínqua data já discutido mas que, contudo,
entrou novamente em voga dada a entrada em vigor da Lei n. 11.232/2005, que trouxe o art.
475-N.
Vale frisar que o trabalho tem como objetivo institucional produzir
monografia para fins de obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI.
Eventuais conceitos operacionais e categorias serão lançados no
decorrer do trabalho.
Tem-se como objetivos investigatórios, em linhas gerais, analisar a
viabilidade do manejo da execução fundada em sentença puramente declaratória.
São objetivos específicos:
a) descrever sobre os atos do juiz no ordenamento processual
civil brasileiro;
b) esclarecer os requisitos necessários a toda e qualquer
execução (incluindo o cumprimento de sentença);
c) analisar as correntes e seus respectivos argumentos, acerca
da possibilidade de execução das sentenças declaratórias;
Para instigar o desafio dos objetivos investigatórios, o autor deste
trabalho enfrentou três problemas e concernentes hipóteses, em seguida arroladas, que
serviram de estímulo à efetivação da pesquisa.
Primeiro problema:
1) Quais os atos do juiz?
Hipótese:
Além dos atos materiais ou reais o magistrado emite
pronunciamentos que se dividem em despachos, decisões interlocutórias e
sentenças, na forma aludida pelo art. 162 do CPC.
Segundo problema:
2) Quais os requisitos necessários para qualquer execução?
Hipótese:
Não obstante às execuções estarem sujeitas ao crivo das condições da
ação e dos pressupostos processuais, também a elas são somados, como requisitos específicos,
o título executivo e o inadimplemento. O cumprimento de sentença segue igual sorte.
Terceiro problema:
3) É possível a execução das sentenças puramente
declaratórias?
Hipótese:
Não é possível a execução das sentenças meramente
declaratórias, uma vez que a pretensão do autor da ação foi exaurida no exato
momento em que prolatada a sentença (sem olvidar do trânsito em julgado),
porquanto eliminada a incerteza sobre determinada relação jurídica ou documento. A
entrada do art. 475-N, I, do CPC, em nada altera essa realidade.
A presente Monografia está composta de três capítulos.
No Capítulo 1 principia-se com a delimitação dos atos
praticados pelo juiz durante toda a marcha processual, aprofundando-se
posteriormente nos pronunciamentos judiciais, para estabelecer conceitos,
naturezas e ainda classificações, destacando-se também eventuais controvérsias
existentes.
No Capítulo 2 serão abordados os requisitos necessários à
realização de qualquer execução (e cumprimento de sentença), valendo aclarar que
antes mesmo deste propósito, irá se trazer as inovações legislativas e o conceito e
dimensão da execução.
No Capítulo 3 mostrar-se-á os posicionamentos doutrinários
que cercam a matéria – possibilidade de execução das sentenças declaratórias – e
seus respectivos alicerces.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais serão fixados os pontos conclusivos.
A metodologia, por sua vez, foi pautada no método indutivo.
Por fim, a área de concentração está alocada no
posicionamento segundo o qual não é possível a execução das sentenças
meramente declaratórias. A linha pesquisa da Ciência Jurídica realizou-se na área
da temática do Direito Processual Civil.
CAPÍTULO 1
DOS ATOS DO JUIZ
O aglomerado de atos, de várias espécies, praticados pelo juiz,
pelas partes e pelos auxiliares da justiça dá vida ao que se chama de processo, este
que, doutrinariamente, “é um complexo de atos coordenados logicamente para se
alcançar a tutela jurisdicional”1 ou, como quer DINAMARCO, “procedimento em
contraditório animado pela relação jurídica processual”2.
O presente capítulo limita-se ao estudo dos atos do juiz.
A Seção III, Capítulo I, Título V, Livro I, do Código de Processo
Civil, foi destinada à classificação dos atos do juiz, sendo certo que o art. 162, um
dos quatro que compõem a seção, é o que reclama incomensurável atenção e,
portanto, foco desta fase inicial da pesquisa; mostra-se inarredável sua transcrição
integral:
Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões
interlocutórias e despachos.
§1.° Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações
previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.
§2.° Decisão interlocutória é o ato pelo o qual o juiz, no curso
do processo, resolve questão incidente.
§3.° São despachos todos os demais atos do juiz praticados no
processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito
a lei não estabelece outra forma.
§4.° Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e avista
obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados
de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários.
sem grifo no original
1 LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil – Parte Geral. v. I. São Paulo: Atlas, 2005, p. 164.
2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 8. ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 122.
Apesar da literalidade do preceito, observa-se que o legislador
foi exemplificativo, eis que preteriu os atos matérias ou reais também realizados pelo
magistrado.
Nesse enfoque, cabe a lição de MARINONI:
Atos do Juiz. O art. 162, CPC, limita-se a enunciar os atos
normativos que o juiz pratica ao longo do processo
(provimentos), sem aludir aos seus atos materiais ou reais,
como, por exemplo, a presidência de audiências e a colheita de
provas3.
Em igual sentido GONÇALVES:
O CPC, art. 162, enumera os atos que podem ser praticados
pelo juiz no processo. São eles a sentença, a decisão
interlocutória e os despachos. Esse rol não é taxativo, pois há
outros, como o interrogatório das partes, a colheita de
depoimentos, a inspeção judicial e outros atos materiais.
Podem-se distinguir, assim, os atos do juiz em duas grandes
categorias: os materiais, entre os quais se inserem aqueles
últimos, e os provimentos judiciais, em que o juiz se pronuncia,
seja decidindo os incidentes processuais, seja proferindo
despachos necessários ao andamento do processo, seja
proferindo sentença de mérito ou meramente extintiva4.
De notar que, embora singela, a classificação dos atos do juiz
dada pelo dispositivo em comento não é desproposital, uma vez que as definições
alavancam toda uma sistemática simplificada de recursos, que dependem da
natureza de cada decisão.
Em outras linhas, somente a par do âmago das decisões,
3 MARINONI, Luiz Guilherme e outro. Código de Processo Civil – Comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 195.
4 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 3ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006. 2v. p. 231.
descobrir-se-á o recurso que as desafia. Dessarte, “da sentença cabe apelação (art.
513); das decisões cabe agravo (art. 522, com redação dada pela Lei n.
11.187/2005); e dos despachos não cabe recurso algum (art. 504)”5.
Por ordem de complexibilidade, a iniciar pelo menor, passa-se
ao exame pormenorizado dos atos do juiz, valendo registrar que os atos ordinatórios
(arts. 162, §4, do CPC e 93, XIV, da CRFB), malgrado subordinados ao crivo do
magistrado, não serão objeto de apreciação.
Ademais, com vistas a fulminar eventuais conclusões
precipitadas, imperioso destacar a periculosidade das definições legais, pois que “é
conhecido o preceito jurídico (e lógico) que alerta, com razão, que todas as
definições são perigosas, especialmente as definições legais”6.
1.1 DOS DESPACHOS
A diferença substancial entre os despachos para com as
decisões interlocutórias e as sentenças é o fato de neles inexistir qualquer cunho
decisório, tanto assim que nenhum recurso presta ao ataque deles. Logo, os
despachos cuidam de incitar o feito, dando-lhe continuidade.
A jurisprudência não discrepa:
As sentenças e as decisões interlocutórias são decisões.
Diferem dos despachos justamente porque esses não têm
qualquer conteúdo decisório, tendo por função apenas
impulsionar o feito7.
Nada obstante, as lições doutrinárias ratificam:
5 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. v. 2. 18ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 15.
6 GRECO FILHO. Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 2007, p. 15.
7 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça, 4ª Turma, REsp 195.848/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 20.11.2001, DJ 18.02.2002, p. 448).
os despachos de mero expediente apenas impulsionam o
processo (§3º do art. 162 do CPC), permitindo a sua marcha
regular, sem aprofundamento em questões pendentes, não
causando qualquer prejuízo às partes em conflito (como
exemplos: determinação de remessa dos autos ao contador
para a elaboração de cálculos, abertura de prazo para o
oferecimento de contra-razões a recurso interposto pela parte
adversa etc.)8.
despachos: atos praticados pelo juiz para dar andamento ao
processo, sem conteúdo decisório (ex. se o réu apresentar
documentos com a contestação, o juiz proferirá despacho
abrindo ‘vista’ dos autos ao autor para manifestação9.
Entrelaçando os ensinamentos já colacionados, pode-se
estabelecer um critério diferencial pautada na exclusão, isto é, “todos os
pronunciamentos dos juízes que não sejam decisões são ‘despachos’”10, mesmo
porque coaduna-se sobremaneira com o texto legal, segundo o qual “são despachos
todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da
parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma” (art. 162, §3º, do CPC). sem
grifo no original
Ainda que a par da classificação doutrinária e mesmo da legal,
na prática forense, reiteradas vezes, a natureza das declarações judiciais é
questionada, como no caso do despacho que ordena a citação.
Sobre o tema, o arrazoado de SANTOS é convincente:
A distinção não pode descer a sutilezas. Caso contrário, todos
os provimentos jurisdicionais acabam sendo considerados
decisões. Costuma-se dizer que, quando o juiz manda citar, já
há decisão implícita de que a petição inicial não está inepta.
8 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. v.1. São Paulo: Atlas S.A., 2005, p. 553.
9 LOPES. João Batista. Curso de Direito Processual Civil – Parte Geral. 2005, p. 165.
10 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 419.
Nada mais falso, pois a determinação de citação não quer dizer
que o juiz tenha necessariamente examinado a aptidão da
inicial. Do contrário, todos os despachos que ordenassem
citação, intimação das partes e até de testemunhas
necessitariam de fundamentação11.
Acerca de irrecorribilidade dos despachos (art. 504 do CPC),
inicialmente vale anotar que “para aferição da natureza da manifestação judicial
pouco importa o nome com que foi chamado pelo magistrado. Interessa, para esse
fim, a análise do conteúdo do ato judicial”12. É de sabença entre os operadores do
direito que, por vezes, os despachos judiciais são nominados de decisão e vice-
versa, ao que se configura uma verdade miscelânea dos institutos. Tal o é, e se
justifica, uma vez que, como dito alhures, a natureza dos provimentos judiciais não é
isenta de transtornos.
Parte considerável da doutrina sustenta que os despachos são
incapazes de produzir prejuízos, justificando o raciocínio pela circunstância do
legislador não lhe ter reservado recurso algum. Essa vertente é levada ao extremo
por GONÇALVES, quando assevera a possibilidade de um despacho se tornar
decisão interlocutória, verbis:
Os despachos não têm nenhum conteúdo decisório e não
causam prejuízos, sendo, por isso, irrecorríveis. São exemplos
de despachos os atos do juiz que determinam a vinda dos
autos à conclusão, os que abrem vista às partes a respeito de
documentos e ao Ministério Público, os que ordenam a
remessa dos autos ao contador e os que determinam às partes
a especificação das provas que pretendem produzir. Mesmo
eles, considerados despachos de mero expediente como regra,
podem adquirir a natureza de decisão interlocutória se ficar
demonstrado que trazem prejuízos às partes. Por exemplo,
uma remessa dos autos ao contador, em princípio, constitui
despacho. Mas, se com isso o juiz desvirtuar o procedimento
11 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil – Processo de Conhecimento. v. 1. 12ª Ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 236.
12 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil – Comentado artigo por artigo. 2008, p. 519.
previsto em lei e instituir uma verdadeira liquidação por cálculo
do contador, impedindo que o exequente de início à execução
com a apresentação de memória discriminada de cálculo do
débito, o ato ganhará cunho decisório, na medida em que
constituirá fonte de prejuízo para o exequente. A partir de
então, terá de ser considerado decisão interlocutória,
permitindo ao prejudicado interpor o recurso apropriado13. sem
grifo no original
Máxima vênia, não parece acertada a inferência do doutrinador
ou, ao menos, não harmoniza com a sistemática instalada pelo Código Instrumental.
E a razão de ser é simples. O que difere os despachos das
sentenças e decisões interlocutórias é a ausência de decisão e não, como quer o
citado autor, a existência ou não de dano às partes. Não fosse o bastante, o sistema
recursal também restaria comprometido, já que a transmudação de um provimento
judicial inatacável (despacho) em um atacável (decisão interlocutória) colocaria em
xeque o início do prazo recursal, porquanto difícil apurar-se o exato momento em
que o despacho trouxe prejuízos (sobretudo nas vezes em que são subjetivos) às
partes e, consequentemente, tornou-se decisão.
Não se pode negar, portanto, que os despachos podem causar
gravame, e ainda sim, continuarão sendo despachos (pois sua natureza
permaneceu intangível). Vindo a calhar, colaciona-se o art. 171 do Regimento
Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
CAPÍTULO IV
DA CORREIÇÃO PARCIAL
Art. 171. A correição parcial visa à emenda de erros ou abusos
que importem a inversão tumultuária de atos e fórmulas legais,
a paralisação injustificada dos feitos ou a dilatação abusiva dos
prazos por parte dos Desembargadores Federais da Turma no
Tribunal ou dos Juízes Federais de primeiro grau, quando, para
o caso, não haja recurso previsto em lei.
(...)
13 GONÇALVES. Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 2006, p. 234.
§ 2.º É de cinco dias o prazo para pedir correição parcial,
contado a partir da data em que o interessado houver tido
ciência, inequivocamente, do ato ou do despacho que lhe der
causa.
(...)”14. sem grifo no original
Esclarecendo quaisquer dúvidas, SANTOS:
“Contra despacho não há recurso (art. 504). Mas, podendo
haver gravame à parte, admite-se a correição parcial nos
autos, geralmente prevista nas Leis de Organização Judiciária,
e, às vezes, até mesmo mandado de segurança. Seria o caso,
por exemplo, de o juiz, abusivamente, delongar a audiência ou
negar ou retardar realização de qualquer ato processual15.
Como se vê, os despachos, mesmo que irrecorríveis,
conquanto que causem prejuízos, podem ser corrigidos via correição parcial (que
não é recurso e sim medida administrativa) ou mesmo mandado de segurança.
Há quem diga, ainda, que os despachos se dividem em
ordinatórios ou em de mero expediente (nesse sentido Moacyr Amaral Santos.
Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. v. 3. 22ª Ed., revista e atualizada. São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 8), todavia, repudiando referida classificação, BUENO:
À falta de distinção de regime jurídico – quanto à
irrecorribilidade e à possibilidade de delegação de sua prática –
, é inócua qualquer outra tentativa de classificação dos
despachos; assim as que, com apoio em alguns dispositivos de
lei, distinguem os despachos em ‘ordinatórios’ (art. 162, §4º) ou
em ‘de mero expediente’ (art. 504). Despachos são
compreendidos suficientemente a partir da ausência de
qualquer conteúdo decisório. É o que basta para caracterizá-
los como tais e, desta forma, emprestar seu consequente
14 Disponível em <http://www.trf4.jus.br/trf4/institucional/institucional.php?no=7>, acesso em 25 out. 2008.
15 SANTOS. Ernani Fidéli dos. Manual de Direito Processual Civil – Processo de Conhecimento. 2007, p. 236.
regime jurídico16.
Consigna-se, por derradeiro, que ao contrário das decisões
interlocutórias e das sentenças, os despachos não exigem forma.
1.2 DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS
A doutrina ao conceituar as decisões interlocutórias, não tem
destoado da definição legal apresentada pelo art. 162, §2º, do CPC. Veja-se:
decisões interlocutórias: atos do juiz que resolvem incidentes
processuais, sem encerrar o processo (ex.: se a prova pericial
requerida pelo autor (ou pelo réu) for desnecessária, o juiz
proferirá decisão interlocutória, indeferindo-a)17.
as decisões interlocutórias desafiam questão pendente da lide
(§2º do art. 162 do CPC), causando gravame processual a uma
das partes do embate, com direto favorecimento à outra, sem
pôr termo ao processo, que continua a tramitar após a solução
da questão menor (deferimento ou indeferimento de liminares e
de tutelas antecipadas; deferimento da contradita de
testemunhas; proibição para a juntada de documentos aos
autos e para a tomada do depoimento da parte contrária etc.)18.
Ponto importante sobre as decisões interlocutórias, e que
grande parte da doutrina olvida em registrar, é a necessidade do conteúdo nela
exprimido ser passível de preclusão. Quer dizer, ainda que o pronunciamento judicial
induza tratar-se de uma decisão, se o que pretende atingir é uma matéria de ordem
pública (e, portanto, podendo ser vista e revista a qualquer tempo), ter-se-á um
simples despacho e não uma decisão interlocutória.
16 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil. 2007, p. 419.
17LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil – Parte Geral2005, p. 165.
18 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 2005, p. 554.
Voltando ao exemplo do despacho que mandar citar a parte
adversa, ao que, alguns, sustentam ter o magistrado implicitamente afastado
eventual inépcia da peça pórtica, pode-se concluir que respectivo despacho nunca
alcançará natureza de decisão interlocutória, e isso porque a inépcia é matéria de
ordem pública.
É o que assevera SANTOS:
A decisão interlocutória é a que, no processo, pode tornar-se
definitiva pela preclusão. Não o são os provimentos
jurisdicionais que, embora, aparentemente, decidam
determinada questão, na verdade, não o fazem, porque ela fica
em aberto e pode ser revista, a qualquer momento e em
qualquer grau de jurisdição, antes da decisão final. É o caso
dos pressupostos processuais, das condições da ação, da
coisa julgada, litispendência e perempção (art. 267, IV, V e VI).
A matéria envolve ordem pública e implica condição de
admissibilidade do próprio julgamento, sendo irrelevante aos
interesses das partes. Proferido que seja, por não ser questão
precluível e podendo ser reexaminado, considera-se mero
provimento ordinatório19.
Até mesmo por força da sistemática processual (razão do
legislador ter conceituado a natureza dos despachos, das decisões interlocutórias e
das sentenças) não há que se ter decisão interlocutória em casos de temas não
precluíveis, já que é desnecessária a interposição de recursos para se levantar
matérias de ordem pública, podendo o causídico fazê-lo por simples petição
intermediária ou, ainda, mediante preliminar de eventual recurso. Logo, a
incongruência seria latente, na medida em que a suposta decisão interlocutória, que
tratou de matéria de ordem pública, não seria agravável (art. 522 do CPC).
Mas como tudo em direito, a regra comporta exceções. Se, a
exemplo, o juiz exclui um dos litisconsortes do polo passivo, em que pese à
legitimidade ser matéria de ordem pública, estar-se-á diante de uma decisão
19 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil – Processo de Conhecimento. 2007, p. 235.
interlocutória atacável via agravo. A justificativa é simples. O que caracteriza a
decisão interlocutória, neste caso, é o fato dela ter excluído alguém do feito
(princípio do duplo grau de jurisdição), e não a circunstância de ter veiculado matéria
de ordem pública.
A respeito da distinção entre decisões interlocutórias e
sentenças, deve-se ter em mente que o que as difere não é o seus respectivos
conteúdos, mas sim a o efeito que causam no processo. Sempre que a decisão por
fim a fase cognitiva do processo será sentença, do contrário, e também aqui
cabendo o critério de exclusão, decisão interlocutória. É a lição de BUENO:
Quanto ao caráter decisório, contudo, os atos serão as
sentenças (art. 162, §1º) e as decisões interlocutórias (art. 162,
§2º). O que distingue uma decisão da outra não é, ao contrário
do que a leitura isolada e literal do art. 162, §1º, poderia dar a
entender, o seu conteúdo mas, bem diferentemente, a sua
função ao longo do procedimento. Será decisão interlocutória
toda a decisão que resolver, ao longo do procedimento,
questões incidentes, qualquer que seja o seu conteúdo. A
sentença referida no dispositivo em comento caracteriza-se
pelo encerramento da ‘fase cognitiva’ e terá, justamente por
isto, um dos conteúdos dos arts. 267 ou 269. Mas é o que
importa frisar para o momento da exposição, a circunstância de
uma sentença ter conteúdo de um ou de outro daqueles
dispositivos de lei é muito mais uma consequência de ela dar
por encerrada a fase cognitiva do processo do que,
propriamente, sua causa. É por isto – mais ainda quando a
questão é analisada desde o ‘modelo constitucional do
processo civil’ – que as interlocutórias também podem ter
conteúdo do art. 267 (exclusão de um litisconsorte ativo ou
passivo, rejeição de uma reconvenção) ou do art. 269 (
deferimento de uma tutela antecipada de urgência, com base
no art. 273, I)20.
Ainda na mesma trilha, DINAMARCO alerta acerca do sistema
20 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil. 2007, p. 418.
utilizado pelo código:
É inconvenientemente simplista a assertiva de que extinção do
processo constituiria consequência invariável e constante da
ocorrência de um daqueles fatos a que a lei outorga eficácia
extintiva. Somente por conveniência didática é até aceitável
fazer esta associação, como faz o código, mas o efeito extintivo
só se opera quando a razão de extinguir atinge todo o objeto
do processo, todos os fundamentos da demanda e todos os
sujeitos litigantes. Quando a causa atinge só parcialmente o
objeto, os fundamentos ou as pessoas, o que ocorre é mera
exclusão e não extinção do processo (...) A decisão com que o
juiz determina alguma dessas exclusões é interlocutória e não
sentença, porque não põe termo a processo algum (art. 162, §§
1º e 2º); consequência prática é admissibilidade do recurso de
agravo e não apelação (arts. 513 e 522)21.
MARINONI defende que as decisões interlocutórias podem,
inclusive, revelar natureza definitiva de mérito:
decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do
processo, resolve questão incidente. De regra, tais decisões
apenas preparam a causa para o julgamento final pela
sentença. Com o Código Reformado, todavia, podem existir
decisões interlocutórias que decidem de maneira definitiva o
mérito da causa (alguns autores sustentam que tais decisões
são verdadeiras sentenças parciais de mérito), como é o caso
daquela que tutela de maneira imediata parcela incontroversa
da demanda (art. 273, §6º, CPC) e daquela que se pronuncia
sobre a liquidação de sentença (art. 475-H, CPC)”22. sem grifo
no original
Enfim, no que toca à forma das decisões interlocutórias, elas
devem ter fundamentação, ainda que concisa, sob pena de nulidade, uma vez que a
obrigatoriedade de fundamentação nas decisões emanadas do Pode Judiciário é
21 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2001, p. 189.
22 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil – Comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 195.
imperativo constitucional, fixado no art. 93, IX, da Carta Primavera. De qualquer
sorte, a possibilidade de simplificar as decisões interlocutórias é expressamente
prevista no art. 165 do CPC.
A doutrina confirma:
Para as decisões interlocutórias não se exigem requisitos
formais rigorosos como ocorre com a sentença. A decisão,
porém, sem necessidade de relatório, precisa ser clara na
conclusão e fundamentada, ainda que de modo conciso (...) a
fundamentação de qualquer decisão é garantia das partes e da
própria autoridade jurisdicional23
Mais afundo no que seja fundamentação concisa, chega-se:
Com alusão ao modo conciso, nosso legislador permite que as
decisões que podem ser facilmente explicadas possam ser
objetiva e brevemente fundamentadas. Como é óbvio,
fundamentação concisa não significa fundamentação
defeituosa. Evidentemente não se dispensa, nas decisões de
fundamentação concisa, ‘fundamentação suficiente para decidir
de modo integral a controvérsia, atentando-se para os pontos
relevantes e necessários para o deslinde do litígio’ (STJ, 2ª
Turma, REsp 618.571/RS, rel. Min. João Otávio Noronha, j. em
14.11.2006. DJ 19.12.2006, p. 368), analisando-se os ‘pontos
controvertidos da lide’ (STJ, 2ª Turma, REsp 438.572/RJ, rel.
Min. Castro Filho, j. em 06.11.2003, DJ 01.12.2003, p. 310).
Nesse sentido, já se decidiu que é nula a ‘decisão concessiva
de liminar que se limita a dizer estarem presentes os requisitos
autorizativos da concessão, sem, no entanto, discorrer em que
consiste o fumus bonis iuris e o periculum in mora, ainda que
de forma concisa’ (STJ, 4ª Turma, REsp 177.992/CE, rel. Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 01.09.1998, DJ 31.05.1999,
p. 152). Nem todas as decisões interlocutórias, por outro lado,
podem ser facilmente explicitadas. Nelas, não se dispensa
fundamentação mais robusta e detida. O pressuposto para
23 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil – Processo de Conhecimento. 2007, p. 235.
fundamentação concisa é a possibilidade de fácil explicação da
decisão. Não sendo o caso, a decisão tem de ser
fundamentada mais extensamente24.
Agora sim o conteúdo da decisão exarada merece
consideração, porquanto o grau de complexibilidade do incidente pendente está
intimamente ligado com a possibilidade, ou não, do magistrado valer-se do
laconismo.
Contra decisão interlocutória cave agravo, retido nos autos ou
por instrumento (art. 522, com redação da Lei n. 11.187/2005).
1.3 DAS SENTENÇAS
Até o advento da Lei n. 11.232/2005 o §1º do art. 162 do
Código de Processo Civil preconizava: “sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo
ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”; quando então passou a rezar
“sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e
269 desta Lei”. Os arts. 269 e 463 do mesmo diploma legal também sofreram
alterações.
Na verdade a alteração veio a aperfeiçoar o texto da lei, uma
vez que a doutrina há longínqua data já vinha evidenciando que a sentença não põe
cabo ao processo e sim ao procedimento, visto a possibilidade de reforma dela em
juízo ad quem; o que finalizaria, então, o processo, seria a sentença transitada em
julgado.
Mais não exclusivamente a isso presta a transformação
processual.
O legislador realmente compreendeu que o simples ato de
proferir uma sentença está muito aquém do que seja efetivamente a tutela
24 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil – Comentado artigo por artigo. 2008, p. 197.
jurisdicional, ou seja, a composição da lide não esgota o dever do Estado-Juiz, isso
porque o jurisdicionado não busca folhas de papel sob a rubrica ‘Sentença’, mas sim
a sua satisfação enquanto credor.
É de DESTEFENNI:
Na estrutura dicotômica, anterior à Lei n. 11.232/2005, a
decisão definitiva do litígio era a grande finalidade do processo
de conhecimento. Por isso, a sentença era entendida como o
ato culminante do processo. Era a grande finalidade do
processo de conhecimento. Com o sincretismo processual, que
reúne as atividades cognitiva e executiva no mesmo processo,
na mesma ação, a sentença deixa de ser a principal e quase
única finalidade do processo condenatório. A grande finalidade
de uma ação condenatória é a satisfação do credor, sendo a
sentença uma etapa na obtenção desse fim. Não basta
condenar. É necessário que seja satisfeita a pretensão do
autor. Por isso, ao proferir sentença o juiz não acaba o ofício
jurisdicional (como dizia o art. 463). Muito pelo contrário, o juiz
tem o compromisso com a realização do direito declarado na
sentença. A alteração do art. 463 é bastante significativa, pois
expressa claramente que o processo de conhecimento não
acaba na sentença25.
Sobre a unificação dos processos de conhecimento e de
execução, MARINONI:
No Código Buzaid (1973-1994), sentença era o ato do juiz que,
decidindo ou não o mérito da causa, extinguia o processo.
Esse conceito tinha como pressuposto a separação da
cognição e da atividade voltada para realização concreta dos
direitos enunciados na decisão judicial em dois processos
autônomos e distintos (processo de conhecimento e processo
de execução). Completado o ciclo de reformas do Código de
Processo Civil (...), desapareceu a necessidade de dois
processos autônomos para obtenção da tutela jurisdicional do
25 DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil. Processo de conhecimento e cumprimento da sentença. v.1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 411.
direito, tudo ora se passando dentro de um único processo em
que se misturam em duas fases, quando necessário, cognição
e concretização do direito (processo misto ou sincrético)26.
A conceituação de sentença tornou-se tarefa bastante árdua,
sendo que, segundo SILVA27, ao menos três correntes se instalaram, contudo, a que
tem maior aceitação e mais harmoniza com o atual Código de Ritos, é a de Nelson
Nery Junior28 e José Ricardo do Nascimento Varejão29, que sustentam que o
legislador pretendeu compatibilizar os critérios do conteúdo e dos efeitos, motivo
pelo qual a sentença deve ser considerada como o ato que implica em alguma das
hipóteses dos arts. 267 e 269 do CPC, mas que deverá acarretar o final do
procedimento em 1ª grau de jurisdição.
Quanto à natureza jurídica da sentença:
uma parte da doutrina (UGO ROCCO, JOÃO MONTEIRO)
atribui à sentença a natureza de simples ato de inteligência. A
sentença é o resultado de um trabalho lógico do juiz; é, pois,
um ato lógico, e, portanto, um ato de inteligência. Mas, a
considerar-se um simples ato de inteligência, a sentença não
conteria senão um parecer, idêntico ao que qualquer
jurisconsulto emitisse30.
Justamente nessa senda que:
a doutrina dominante, entretanto, sem negar que na sentença
se contém um ato de inteligência, um ato lógico, nela vê
26 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil – Comentado artigo por artigo. 2008, p. 195.
27 SILVA, Edward Carlyle. Direito Processual Civil. Niterói, RJ: Impetus, 2007, p. 271-272.
28 NERY JÚNIOR, Nélson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil – comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 9.ed. revista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 372.
29 VAREJÃO, José Ricardo do Nascimento. “As classificações, a Lei n. 11.232/2005 e o ‘novo’ conceito de sentença” – Aspectos polêmicos da nova execução 3. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2006. P. 390-394.
30 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. v. 3. 22ª Ed., revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 10-11.
também, e especialmente, um ato de vontade (CHIOVENDA,
CALAMANDREI, CARNELUTTI, REDENTI, LIEBMAN,
MICHELLI etc.)31.
Destarte, a sentença exterioriza um comando, uma ordem, uma
decisão.
A doutrina não tem hesitado na criação de classificações para
as sentenças, chamando-as de terminativas quando pautadas no art. 267 do Código
de Processo Civil, e de definitivas quando no art. 269 do mesmo diploma, nestas
últimas há que se abrir uma subdivisão para o que se denomina de sentenças de
mérito impróprias (ou impuras), colhe-se:
Existe um detalhe importante em relação às sentenças
definitivas. Uma parcela da doutrina reconhece a existência de
sentenças de mérito impuras ou impróprias. Para
DINARMARCO tais sentenças são denominadas de falsas
sentenças de mérito. No art. 269, inciso I, do CPC é possível
verificar que o juiz vai realmente julgar o mérito da causa
quando acolher, ou rejeitar, o pedido do autor. Já no caso do
inciso II, quando o réu reconhece a procedência do pedido, o
juiz não possui liberdade para decidir tal qual poderia fazer no
exame do inciso I. O mesmo pode ser dito em relação ao
exame do inciso III, quando as partes transigirem, e do inciso
V, quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a
ação. Nessas três hipóteses, ou seja, nos casos dos incisos II,
III e V, embora a lei atribua a tais sentenças a natureza de
sentenças de mérito, arrolando-as no art. 269 do CPC, o juiz
não realiza um julgamento do mérito propriamente dito, pois, a
conduta do autor, ou do réu, acaba por vincular a decisão do
juiz tornando-se a causa determinante do julgamento favorável
ou desfavorável do pedido. É por tal motivo que a doutrina
denomina tais casos de falsas sentenças de mérito ou
sentenças de mérito impuras ou impróprias32.
31 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 2008, p. 10-11.
32 SILVA, Edward Carlyle. Direito Processual Civil.2007, p. 273-274.
Existem ainda as sentenças líquidas e ilíquidas:
Denomina-se líquida a sentença que, ao acolher o pedido do
autor, determina precisamente seu objeto e seu valor (...)
ilíquida é a sentença que, apesar de estabelecer o an debeatur,
deixa de fixar o quantum debeatur (por exemplo, o juiz condena
o réu a pagar ao autor perdas e danos cujo valor será apurado
por arbitramento)33.
De qualquer sorte, inúmeras são as classificações atribuídas às
sentenças, e não se pretende, nem de longe, esgotá-las, senão elencar as que a
doutrina clássica trabalha. Igualmente, peculiaridades como a possibilidade de
divisão das sentenças em capítulos, a famosa sentença prima facie (art. 285-A do
CPC), o princípio dispositivo versus o princípio inquisitorial, o princípio da
congruência entre pedido e sentença, não serão objeto de análise deste trabalho.
Ainda assim, uma última classificação merece ser explanada,
dada a relação direta que guarda com o objeto principal deste trabalho. Estar-se a
falar das teorias de classificação trinária e quinária.
A explicação vai por conta da doutrina:
A classificação tradicional compreende as sentenças
declaratórias, constitutivas e condenatórias, mas a doutrina
brasileira mais recente, sob influência de PONTES DE
MIRANDA, inclui, também, as executivas lato sensu e as
mandamentais. As sentenças declaratórias limitam-se a
proclamar a existência ou inexistência de uma relação jurídica
ou a autenticidade ou falsidade de um documento. São, pois,
sentenças no plano da existência (por exemplo: o contribuinte
pode pedir que o juiz declare, por sentença, se sua atividade
está sujeita, ou não, ao ISS). Já as sentenças constitutivas vão
além, implicando alteração no mundo jurídico (constituição,
modificação ou extinção da relação jurídica). Por exemplo, a
33 LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Conhecimento. 2006, p. 148.
ação de anulação de casamento por erro essencial em que se
objetiva a desconstituição do matrimônio).
Nas sentenças condenatórias, alem da declaração, há a
sanção imposta pelo juiz (ex.: condenação a indenização por
perdas e danos). As sentenças executivas lato sensu mesclam
cognição e execução, isto é, a executividade está imanente no
próprio ato judicial (ex.: sentença de despejo e reintegração de
posse). Por último, as sentenças mandamentais caracterizam-
se por uma ordem do juiz, cujo descumprimento acarreta
conseqüências previstas na lei (ex.: ordem para fazer cessar
ruídos incômodos)34. sem grifo no original
1ª teoria: segundo a classificação trinaria das sentenças,
amplamente dominante na doutrina, conforme os efeitos que
produz, a sentença pode ter natureza: a) declaratória; b)
constitutiva; c) condenatória; 2ª teoria: é a classificação
quinaria das sentenças. Segundo ela, além daqueles três
efeitos iniciais, as sentenças ainda poderiam produzir e efeitos
mandamentais e executivos lato sensu. A classificação ficaria
assim: a) declaratória; b) constitutiva; c) condenatória; d)
mandamental; e) executiva lato sensu; Para aqueles que
adotam a classificação trinaria das sentenças, essas duas
estão incluídas na sentença de natureza condenatória, que
abrangeria a mandamental, e a executiva lato sensu. (...)
sentença declaratória é aquela que declara a certeza acerca da
existência ou inexistência de determinada relação jurídica ou
da autenticidade ou falsidade de um documento, conforme
expressamente delineado pelo art. 4ª do CPC (...) sentença
constitutiva é aquela que cria, modifica ou extingue uma
determinada relação jurídica (...) sentença condenatória é
aquela que condena a parte a uma obrigação de dar, de
entregar, de fazer ou não fazer, ou seja, através da sentença
condenatória eu tenho a criação de um título executivo (...)
sentença mandamental é aquela sentença caracterizada por
uma ordem do juiz a um particular ou uma autoridade pública
para que cumpra o teor da sua decisão, sob pena de imposição
de multa ou até mesmo de prisão (...) sentença executiva lato
sensu é a sentença através da qual o juiz condena o devedor
34 LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Conhecimento. 2006, p. 144.
ao cumprimento de uma obrigação e determina a um outro
membro do Poder Judiciário, normalmente um auxiliar da
justiça, que normalmente é o oficial de justiça, que cumpra o
teor de sua decisão, independentemente da vontade do
devedor35.
À sentença declaratória, a qual se assenta a presente
pesquisa, reclamam outros dois esclarecimentos, o primeiro, de que seus efeitos
“retroagem à época da formação do objeto (relação jurídica ou documento) que
subsidia o pedido da parte interessada (efeito ex tunc)”36, e o segundo, que “na
verdade, toda sentença tem a sua parte declaratória, isto porque, sempre de início,
visa a uma declaração positiva ou negativa de um fato ou direito”37, e mesmo assim,
conquanto que toda sentença tenha caráter declaratório, nem toda sentença é
aquela reconhecida expressamente pelo art. 4 do Código Instrumental.
Por expressa dicção do art. 458 do Código de Processo Civil,
as sentenças, que representam os atos mais complexos perpetrados pelos juízes,
exigem como requisitos essenciais, o relatório, a fundamentação e o dispositivo,
sendo certo que o não cumprimento destes, enseja nulidade absoluta (art. 93, IX,
CRFB).
Das sentenças cabe apelação (art. 513 do CPC).
35 SILVA, Edward Carlyle. Direito Processual Civil. 2007, p. 278-279.
36 GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo, Processo de Conhecimento e Recursos. 2008, p.281.
37 GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo, Processo de Conhecimento e Recursos. 2008, p.281.
CAPÍTULO 2
DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA REALIZAR
QUALQUER EXECUÇÃO
Como se verá no derradeiro capítulo, aqueles que
sustentam a possibilidade de execução das sentenças puramente
declaratórias, o fazem ressaltando a necessidade da obrigação
transparecida no acertamento judicial conter os requisitos básicos de toda
e qualquer execução, notadamente a certeza, exigibilidade e liquidez.
Bem por isso, serve o presente para traçar linhas
gerais sobre os requisitos imprescindíveis à demanda executiva.
2.1 DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA NO QUE TOCA À EXECUÇÃO
É mesmo utópica a antiga dicotomia prevista no ordenamento
processual civil pátrio, que compelia o vencedor da causa a ajuizar nova demanda
com escopo de executar sua sentença, como se o vencido não soubesse a
necessidade de adimplemento da obrigação reconhecida judicialmente. O fato é que
a sistemática onerava sobremaneira o detentor da tutela jurisdicional38, em evidente
descompasso com os anseios sociais contemporâneos.
O projeto que deu origem à Lei n. 11.232/2005, foi antecedido
pela Exposição de Motivos da lavra do Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos,
da qual se extrai o seguinte excerto, dando conta da pecha na processualista:
(...) 3 – É tempo, já agora, de passarmos do pensamento à ação em
tema de melhoria dos procedimentos executivos. A execução
permanece o ‘calcanhar de Aquiles’ do processo. Nada mais difícil,
com frequência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos
abstratamente formulados no mundo do direito. Com efeito: após o
longo contraditório no processo de conhecimento, ultrapassados
todos os percalços, vencidos os sucessivos recursos, sofridos os
prejuízos decorrentes da demora (quando menos ‘o damno
marginale in senso stretto’ de que nos fala o Ítalo Andolina), o
demandante logra obter alfim a prestação jurisdicional definitiva, com
o trânsito em julgado da condenação da parte adversa. Recebe
então a parte vitoriosa, de imediato, sem tardança maior, o ‘bem da
vida’ a que tem direito? Triste engano: a sentença condenatória é
título executivo, mas não se reveste de preponderante eficácia
executiva. Se o vencido não se dispõe a cumprir a sentença, haverá
iniciar o processo de execução, efetuar nova citação, sujeitar-se á
contrariedade do executado mediante ‘embargos’, com sentença e a
possibilidade de novos e sucessivos recursos. Tudo superado, só
então o credor poderá iniciar os atos executórios propriamente ditos,
com a expropriação do bem penhorado, o que não raro propicia mais
incidentes e agravos. Ponderando, inclusive, o reduzido número de
magistrados atuantes em nosso país, sob índice de litigiosidade
sempre crescente (...), impõe-se buscar maneiras de melhorar o
desempenho processual (sem fórmulas mágicas, que não as há)
(...)39.
Nessa perspectiva, a Lei n. 11.232/2005 veio a modernizar o
procedimento executivo dos títulos judiciais, passando a acolher o que a doutrina
38 A expressão tem a idéia “análise do fenômeno processual do ângulo de quem tem razão” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 3a ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 28.
39 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 17-18 apud Exposição de Motivos do Ministro Márcio Thomaz Bastos.
convencionou chamar de processo sincrético, isto é, a junção do processo cognitivo
com o executivo, dando lugar ao cumprimento de sentença (art. 475-J e ss do CPC).
Na verdade há que se aclarar que a nova legislação trouxe à
baila método processual conhecido desde o medievalismo, daí porque a temeridade
de se asseverar, sem qualquer ressalva, que houve a modernização do processo
executivo.
Nessa alheta, CARNEIRO:
Para modernizar o processo de execução tornou-se
necessário, mediante a Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de
2005, um parcial retorno aos tempos medievais, mediante a
restauração do bom princípio de que sententia habet paratam
executionem. Não se trata de afirmação paradoxal, mas sim de
simples constatação: a busca de um processo de execução
‘moderno’ e eficiente, que sirva de instrumento adequado e
célere para o cumprimento de sentença, impôs o afastamento
do formalista, demorado e sofisticado sistema de execução
através de uma ação autônoma, réplica da actio judicati do
direito romano. E implicou parcial retorno à expedita execução
per officium judicis, do direito comum medieval40.
No âmbito da execução dos títulos extrajudiciais –
estas sim com natureza típica de ação autônoma, até porque não lhe
antecede nenhum processo de cognição sobre a existência, validade ou
eficácia do título extrajudicial – também houve deveras alterações com o
advento da Lei n. 11.382/2006, dentre as quais se pode destacar a não-
suspensividade dos embargos à execução, salvo se o embargante
demonstrar, depois de garantido o juízo, a presença concomitante, de
fundamentos relevantes em sua defesa, bem assim a possibilidade do
40 CARNEIRO, Athos Gusmão. Do ‘cumprimento de sentença’, conforme a lei 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não?. Material da 2a aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
prosseguimento da execução lhe trazer prejuízos de difícil ou incerta
reparação (art. 739-A, §1o, do CPC).
De qualquer sorte, insta mencionar que todas as
modificações tiveram igual propósito: dar efetividade aos procedimentos
executivos (com vistas sobretudo a celeridade; prerrogativa que, diga-se,
revela índole constitucional – art. 5o, LXXVIII), criando-lhes mecanismos
condizentes com a realidade atual da sociedade.
Aliás, vale lembrar que o árduo de qualquer inovação
processual não é dar agilidade, celeridade, racionabilidade, ou mesmo em
resumo, dar efetividade, e sim fazê-lo sem olvidar dos princípios
constitucionais que norteiam a processualística, a rigor, o devido processo
legal, o contraditório e a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, o juiz
natural etc.
A calhar, ACIOLI:
Não podemos perder de vista, é certo, que o ‘processo instantâneo é
uma verdadeira quimera’, sendo curial observar-se que ‘um processo
extremamente seguro, mas excessivamente lento é tão inadequado
quanto outro bastante rápido, mas sem nenhuma segurança’, pelo
que tem-se que buscar formas de equilibrar a balança, garantindo-se
um processo tão rápido quanto possível, afim de se obter uma maior
segurança nos provimentos judiciais41.
A priori, não obstante as críticas inerentes a qualquer
legislação nova, parece ter acertado o legislador, na medida em que sem
prejuízo das garantias constitucionais que assistem o devedor, logrou
revestir de efetividade o procedimento executivo.
2.2 DO CONCEITO E DE OUTRAS PONDERAÇÕES INICIAIS
Na linha de DINAMARCO:
41 ACIOLI, José Adelmy da Silva. A crise do processo civil: uma visão crítica. <http://oas.trt19.gov.br:8022/doutrina/003.asp> Acesso em: 06 mai. 2008.
conceitua-se a execução, em face do exposto, como uma cadeia de
atos de atuação da vontade sancionatória, ou seja, conjunto de atos
estatais através de que, com ou sem o concurso da vontade do
devedor (é até contra ela), invade-se seu patrimônio para, à custa
dele, realizar-se o resultado prático desejado concretamente pelo
direito objetivo material42.
MONTENEGRO FILHO referenda dita conceituação,
assegurando, ademais, a existência de entendimento doutrinário unânime
neste sentido43.
MARINONI, todavia, alerta à necessidade de
ampliação da concepção de execução, porquanto engessado na premissa
de transferência do patrimônio, a saber:
É freqüente, na doutrina clássica, ouvir falar de execução como a
transferência de valor jurídico do patrimônio do réu para o do autor.
Isto está correto quando se pensa na execução que objetiva o
pagamento de dinheiro ou de qualquer prestação que envolva a
transferência de patrimônio, bem como a coisa imóvel o móvel, seja
em virtude de direito real ou obrigacional. Há casos, porém, que,
para a efetivação da tutela jurisdicional do direito, não se retira
qualquer patrimônio do demandado. Assim ocorre quando se efetiva
a tutela que impede a prática de ato contrário ao direito e,
especialmente, quando é efetivada a tutela que remove os efeitos
concretos derivados de ato contrário ao direito. A execução foi
originariamente concebida a partir de valores nitidamente
patrimonialistas, com a nítida preocupação de viabilizar a
transferência de riquezas de um patrimônio ao outro, considerando,
de forma especial, a relação jurídica que se dá entre o credor e o
devedor. Note-se que, nesta dimensão, compreende-se ‘patrimônio’
como conjunto de bens dotados de valor de troca ou de valor que
imediatamente se expressa em pecúnia. Não se fala de patrimônio
em sentido lato ou de ‘patrimônio mora’. Por isso, não haveria como
se entender que a tutela que inibe a prática de ato contrário ao
direito, para, por exemplo, manter íntegra norma de proteção do meio
42 DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 2002, p. 121.
43 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, voulme 2: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. 2007, p. 229.
ambiente ou de proteção à saúde, é ‘executada’. (...) Portanto, a
execução, no Estado constitucional, não pode ser reduzida a um ato
de transferência de riquezas de um patrimônio a outro, devendo ser
vista como a forma ou o ato que, praticado sob a luz da jurisdição, é
imprescindível para a realização concreta da tutela jurisdicional do
direito, e assim para a própria tutela prometida pela Constituição e
pelo direito material44. sem grifo no original
Em outro contexto, mas em semelhante sentido,
ASSIS:
Em toda execução há invasão da esfera jurídica do executado. Trata-
se de algo mais amplo do que a simples ruptura do estreito círculo
patrimonial. Ela é necessária à vista de certos bens pessoalíssimos
(p. ex.: ‘a intimidade’) e de alguns direitos dotados de valores
expressivos (p. ex.: o crédito alimentar). Com o propósito de atuá-los
in natura, o CPC, conservadoramente, utiliza violenta pressão
psicológica (psychische Zwang), culminada pela incidência de
sanção pecuniária (astreinte: artigos 287, 461, §§ 5o e 6o , 461-A, §3o,
621, parágrafo único, 644 e 645) ou pessoal (prisão: art. 733, §1o), o
que, indubitavelmente, penetra na esfera jurídica do executado;
porém, se o expediente tiver êxito, a execução atingirá o patrimônio
só por via reflexa45.
Logo, seja como for, importa ter-se em mente que a
execução transcende do ponto de vista patrimonial, de modo que o
magistrado está autorizado a imprimir a ‘medida necessária’ a cada caso
concreto (a exemplo o §5o do art. 461 do CPC), sempre a fim de fazer
valer o direito material, notadamente às normas cogentes.
Diz-se muito em doutrina, que a atividade do Estado
nas execuções é:
substitutiva da manifestação que se esperava do devedor de forma
voluntária, autorizando o representante do Poder Judiciário a adotar
44 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, volume 3: execução. 2007, p. 69-70.
45 ASSIS, Araken de. Manual de execução. 10a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 88.
posturas enérgicas, traumáticas (como a penhora, por exemplo),
apoiado na premissa de que o título que dá suporte à pretensão do
credor está assentado em obrigação líquida, certa e exigível46.
Há quem, contudo, critique47.
Por derradeiro, impede registrar a diferença entre
tutela jurisdicional executiva e atividade jurisdicional executiva, eis que
enquanto aquela se destina ao resultado, está se traduz nos meios para
alcançá-lo48.
2.3 DOS REQUISITOS PROPRIAMENTE DITOS
Relativamente às execuções e ao cumprimento de
sentença observar-se-á as condições da ação e os pressupostos
processuais, ao menos na linha da doutrina majoritária:
THEODORO JÚNIOR:
Realizam-se, através do processo de execução, pretensões de
direito material formulados pelo credor em face do devedor. O direito
de praticar a execução forçada, no entanto, é exclusivo do Estado.
Ao credor cabe apenas a faculdade de requerer a atuação estatal, o
que se cumpre por via do direito de ação. Sendo, destarte, a
execução forçada uma forma de ação, o seu manejo sofre
subordinação aos pressupostos processuais e às condições da ação,
tal como se passa com o processo de conhecimento49.
WAMBIER:
46 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, voulme 2: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. 2007, p. 231. Em igual sentido: WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALMEIDA, Flávio Renato Correia. TALAMINI. Eduardo. Curso de Processo Civil, volume 2: execução. 9a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 41.
47 ASSIS, Araken de. Manual de execução. 2006, p. 87-88.
48 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Tutela Jurisdiccional Executiva. 2008, p. 7.
49 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 2007, p. 154.
Como consequência direta da existência de regime geral comum
para a atividade jurisdicional e executiva, aplicam-se ao processo de
execução e à fase de cumprimento da sentença as regras sobre os
pressupostos processuais e condições da ação (...)50.
Entretanto, as condições da ação que se enraízam
na forte e influente teoria eclética de LIEBMAN, sofrem severas críticas,
que podem ser resumidas no argumento de que a jurisdição não está
subordinada a qualquer condição, senão e tão-somente à personalidade.
É bem por isso, que MONTENEGRO FILHO apesar
de chancelar a aplicabilidade das condições da ação à execução, faz-lhe a
ressalva:
À execução aplicam-se as regras relativas às condições da ação e
aos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e
regular do processo, caracterizando-se como requisitos mínimos, que
devem ser observados pelo autor a fim de que – em ações de
conhecimento – possa pleitear seja proferida sentença de mérito em
seu favor. Partindo da premissa de que o exercício do direito de
ação não confere ao autor a prerrogativa de ver reconhecido o direito
material conduzido pela postulação, em face da teoria eclética de
LIEBMAN, evidente que não se pode negar que a jurisdição tenha
sido prestada quando a parte ingressa com a ação em juízo, em ato
contínuo, deparando com a sua extinção sem a resolução de mérito,
pelo reconhecimento da ausência de uma das condições da ação ou
pressuposto processual de relevo51. sem grifo no original
ASSIS, por sua vez, repudia com veemência a
existência de condições à ação e, via de consequência, sua inserção na
50 WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALMEIDA, Flávio Renato Correia. TALAMINI. Eduardo. Curso de Processo Civil, volume 2: execução. 9a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 56. Em igual sentido: BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Tutela Jurisdicional Executiva. São Paulo: 2008, p. 58.
51 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, voulme 2: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. 2007, p. 231. Em igual sentido: WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALMEIDA, Flávio Renato Correia. TALAMINI. Eduardo. Curso de Processo Civil, volume 2: execução. 9a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 269-270.
ação executiva:
Urge encaminhar o mais grave problema que habita na área de
influência desta ação: submeter-se-ás às tirânicas ‘condições’ da
ação, haja vista ter o CPC, tão fiel a postulados criticáveis da
doutrina peninsular, agasalhando-se no art. 267, VI? Existem
‘condicoes’ da ação executória? Cândido Rangel Dinamarco reputou
pertinentes as condições, adaptadas ao processo executivo; outros
temem levar tal teoria às últimas e espantosas consequências. E, de
fato, admissão dessas ‘condições’ implicaria negar a existência de
ação e de processo, na sua falta, porque a ação e processo
constituem fenômenos mutuamente implicados. Ora, ofende ao
senso comum rejeitar a existência, no plano jurídico, do processo
que se iniciou e se extinguiu, prematuramente, porque, à guisa de
exemplo, o credor não ostenta capacidade para conduzi-lo, ou seja,
legitimatio ad causam. Este é o ‘espantoso’ efeito da teoria das
condições da ação, parecendo de todo justificado que o emprego
desse termo rude e franco, denotando perplexibilidade com o
resultado prático e teórico da teoria, melindre seus defensores. A
questão se entronca no conceito de ação, sempre questionado e,
permanentemente, aberto a quaisquer alvitres. Traz a ação
executória, alem disto, preocupações suplementares, porque
baseada em título – nulla executio sine titulo –, que o CPC,
juntamente com a exigibilidade do crédito (art. 580, caput), erigiu
requisitos necessários de ‘toda execução’ (art. 583). (...) Seja como
for, a ação executória mostra-se abstrata e incondicionada,
comportando o exercício sem o brutal cárcere de qualquer ‘condição’.
Formulado o pedido de atuação dos meios executórios, há ação e
processo52.
A execução ou mesmo o cumprimento de sentença,
implica no irrompimento na esfera jurídica do executado, quer pelo
intrometimento patrimonial, quer pela administração de intensa pressão
psicológica, reclamando por conta dessa truculência, além dos requisitos
gerais já expostos, outros dois específicos: o inadimplemento e o título
executivo.
Quanto a estes requisitos específicos parece não
52 ASSIS, Araken de. Manual de execução. 2006, p. 106-107.
haver dissensos doutrinários, mesmo porque eles decorrem explicitamente
da lei, que nomeou o Capítulo III, Título I, do Livro II do CPC, como “Dos
requisitos necessários para realizar qualquer execução”, o qual subdivide-
se em duas seções, a primeira rubricada de “Do Inadimplemento do
Devedor” e a segunda “Do Título Executivo”. De lembrar que embora
concernentes preceitos estejam alocados no Livro II que é direcionado às
execuções extrajudiciais, se estendem também ao cumprimento de
sentença, e isso porque não obstante o caput do art. 475-J leve a essa
inferência, “aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no
que couber, as normas que regem o processo de execução de título
extrajudicial” (art. 475-R).
Em doutrina:
No processo de execução não haverá discussão acerca da efetiva
existência do direito; não se ouvirão – senão pela propositura de
ação incidental de embargos – os argumentos do réu, no que tange
ao mérito. O mesmo ocorre na fase de cumprimento da sentença: as
poucas defesas relativas ao mérito que o executado pode suscitar
precisam ser apresentadas mediante incidente de “impugnação” ao
cumprimento da sentença. Para concretizar a sanção, o Estado
intromete-se no patrimônio do devedor, independentemente de sua
concordância, ou impõe-lhe meios coercitivos, de pressão
psicológica. Em suma, a execução é bastante rigorosa para quem
nela figura como executado. Bem por isso, impõe-se à execução
requisitos especiais. Os pressupostos básicos para realizar a
execução estão estabelecidos precipuamente no art. 580 e
seguintes. Nos termos do art. 580: ‘A execução pode ser instaurada
caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível’
(redação dada pela Lei 11.382/2006). E o art. 586 prevê que ‘a
execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de
obrigação certa, líquida e exigível’ (redação determinada pela Lei
11.382/2006). O art. 475-J, caput (acrescido pela Lei 11.232/2005),
também alude à certeza e à liquidez da ‘quantia’ objeto da
condenação. Ainda, o art. 618 determina ser nula a execução não
fundada em título que retrate obrigação líquida, certa e exigível (incs.
I e III). O art. 581, por sua vez, tal como o já mencionado art. 580,
vincula a viabilidade da execução ao inadimplemento total ou parcial
do devedor. Essas regras aplicam-se tanto ao processo autônomo de
execução quanto à fase de cumprimento da sentença53.
Há quem classifique os requisitos em formal,
traduzido pelo título executivo, e prático, consistente no inadimplemento54.
Como quiser chamar a doutrina, o fato é que somente com a
concomitância dos requisitos lograr-se-á a tutela executiva; do contrário,
em se falando de ausência do título, salvo se o exequente emendá-la (art.
284 do CPC), a petição inicial merece indeferimento, pois que se cuida de
documento indispensável à propositura da ação (art. 283 do CPC), já no
que diz respeito à não-configuração do inadimplemento, forçoso convir
que a ação será extinta por carência de ação, na espécie interesse
processual.
O inadimplemento se mostra como a não-realização
da prestação devida, podendo ser absoluto ou relativo e, ainda, parcial ou
total; absoluto, a prestação não foi cumprida e definitivamente não poderá
mais sê-lo; relativo, em que pese haja intempestividade no cumprimento
da prestação no tempo, lugar e forma devidos, resta conservada, todavia,
a possibilidade de cumprimento (art. 394 do CC); parcial, cumprida parte
da prestação, e por fim, total, quando cumprida toda ela55.
Note-se que “o credor não é obrigado a receber
prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa” (art. 313
do CC), de modo que a configuração do inadimplemento (com efeito, a
viabilidade da execução) se dará em não concordando o credor com a
dação em pagamento (art. 356 do CC).
Ainda sobre inadimplemento outro apontamento se
faz necessário, por conta da possibilidade de aplicação do princípio
53 TALAMINI. Eduardo. Curso de Processo Civil, volume 2: execução. 2007, p. 57.
54 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 2007, p. 154.
55 MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil – Comentado artigo por artigo. 2008, p. 599-600.
contido no art. 476 do CC à execução (ex vi do art. 582 do CPC), verbis:
Trata-se de aplicação ao processo de execução, da exceptio non
adimpleti contractus, que é de natureza substancial e que terá lugar
sempre que o credor pretender executar o devedor, sem a prévia ou
o concomitante realização da contraprestação a seu cargo. Por força
dessa exceção, a execução se frustrará, dada a ausência de um dos
seus pressupostos indeclináveis – o inadimplemento – já que a
recusa do devedor ao pagamento será justa e, por isso, o credor,
enquanto não cumprida sua contraprestação, apresentar-se-á como
carente da ação de execução56.
Ultrapassado a análise do requisito inadimplência,
cumpre tecer comentários acerca do título executivo. Sobre a natureza do
título instalaram-se duas grandes teorias, a primeira desenhada por
CALAMANDREI, sustentava precipuamente o aspecto documental do
título, indicando que título executivo seria o documento apresentado pelo
credor para dar suporte à execução, diminuindo a sua importância como
ato ou fato jurídico – teoria documental do título executivo –; a segunda,
difundida por LIEBMAN, assentava que o título guarda relação exclusiva
com o ato ou o fato jurídico que o direito elegeu como de especial
significância, sem supervalorizar a sua feição documental – teoria do título
executivo como ato jurídico57.
ASSIS, dando a entender que a discussão é mera
perfumaria, e que impossível negar que o título executivo seja ao mesmo
tempo, um documento e um ato, resolve a controvérsia adentrando no
campo prático:
Seja como for, valorizar o título exclusivamente sob o aspecto do ato
ou da forma documental é equivocada, porquanto existe incindível
unidade desses elementos. Em termos estritamente operacionais,
pode-se dizer que o título judicial ou extrajudicial autoriza a execução
56 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 2007, p. 160.
57 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, volume 2: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. 2007, p. 274.
(ou cumprimento)58.
THEODORO JUNIOR, depois de registrar a
inexistência de consenso doutrinário sobre o conceito e natureza do título
executivo, arremata, tal como o autor retro apontado, que a discussão
ganha contornos filosóficos e se afasta da seara prática:
No entanto, em toda a doutrina e na maioria dos textos dos Códigos
modernos, está unanimemente expressa a regra fundamental da
nulla executio sine titulo. Isto é, nenhuma execução forçada é cabível
sem o título executivo que lhe sirva de base. A discussão em torno
da natureza do título passa, portanto, a um plano mais filosófico do
que prático, já que ninguém contesta que sem o documento e o
respectivo conteúdo que a lei determina, nenhuma execução será
admitida59.
Assim é que, em verdade, o título é condição
necessária e suficiente para autorizar a prática de atos executivos.
Necessária, porque não é admissível execução que não se baseie em
título executivo, por força do princípio “nulla executio sine titulo”.
Suficiente porque, consoante entendimento predominante, basta a
apresentação do título para o início dos atos executivos pelo Estado-Juiz,
sendo prescindível qualquer juízo de valor no que toca o direito nele
retratado60.
Por fim, o que vem a ser a amplamente disseminada
tríplice exigida nas execuções; fala-se da certeza, liquidez e exigibilidade.
A importância está em que a não-observância da tríplice culmina na
nulidade da execução (art. 618 do CPC). De início, vale comparar a antiga
e a nova redação do art. 586 do CPC:
58 ASSIS, Araken de. Manual de execução. 2006, p. 141.
59 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 2007, p. 154.
60 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Tutela Jurisdicional Executiva. 2008, p. 71. Em igual sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 2007, p. 155.
“Art. 586. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre
em título líquido, certo e exigível”.
E a nova com redação dada pela Lei n. 11.382/2006:
“Art. 586. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre
em título de obrigação certa, líquida e exigível”. grifei
Antes da mudança da redação, muitos acreditavam
que era o título que devia ser líquido, certo e exigível, não a obrigação.
Atinente tese foi extirpada com a mutação, mormente porque o art. 580 do
CPC, também alterado, ratifica sobremaneira à pertinência dos requisitos
à obrigação e não ao título. A propósito:
O título executivo, judicial ou extrajudicial, deve conter obrigação
certa, líquida e exigível. É o que prescreve claramente o art. 586 do
CPC, em relação à execução de títulos extrajudiciais, e também o
que decorre da leitura do contido nos arts. 475-I, §2o e 475-J do
CPC. Tais características eram comumente associadas ao título
executivo, mas na verdade – como agora fazem questão de
esclarecer as novas redações dos arts. 580 e 586 (introduzidas pela
Lei 11.382/2006) – são atributos da obrigação a ser executada. Ou
seja, é a obrigação que deve ser certa, líquida e exigível e não
propriamente o título61.
Ademais, certeza, liquidez e exigibilidade denotam a
natureza e o montante do direito subjetivo certificado no título, assim
ligados ao seu conteúdo e não a sua forma. Dessarte, se projetam na
obrigação e não no título, que apenas torna adequada a tutela jurisdicional
executiva.
Por certeza, entendem alguns, que ela se limita aos
pressupostos formais do título:
61 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, volume 3: execução. 2007, p. 119.
O requisito certeza na execução não tem nada a ver com a certeza
da existência do direito, da obrigação ou do crédito; ela também não
diz respeito ao grau de cognição dos fatos, que dão ensejo aos atos
de agressão patrimonial. Na verdade, na execução civil a certeza que
se exige afasta-se da certeza de existência do direito. Isso porque,
ao longo de todo o arco procedimental executivo, ‘nenhum direito é
matematicamente certo’. A certeza na execução é apenas e tão-
somente a definição dos sujeitos ativos e passivos, da natureza da
relação jurídica e do objeto da obrigação. Por tudo isso, a certeza na
execução civil não se aproxima da certeza como elemento de
convicção do magistrado na fase de conhecimento, diz apenas
respeito à certos predicados ou atributos do direito ou do crédito,
sem os quais não é possível se executar62.
Obrigação certa é aquela definida, aquela que existe suficientemente
para fins da execução, aquela que define, suficientemente, os
elementos subjetivos e objetivos da obrigação, isto é, quem é credor,
quem é o devedor (‘certeza subjetiva’), o que se deve, quanto se
deve e quando se deve(‘certeza objetiva’)63.
Outros transcendem ao aspecto formal, para definir
obrigação certa como “certa, quanto à sua existência”:
Está característica refere-se à existência da prestação que se quer
ver realizada. O Código Civil revogado trazia regra que determinava
este elemento, dizendo considerar-se líquida a obrigação que fosse
‘certa, quanto à sua existência’ e determinada em relação ao seu
objeto (art. 1.533). Embora a regra não tenha sido repetida no
Código Civil de 2002, a compreensão da característica permanece a
mesma. A certeza diz respeito à ausência de dúvida quanto À
existência da obrigação que se pretende exigir. Como é óbvio, trata-
se de certeza relativa, mesmo porque é possível que, no curso do
processo, perceba-se que a prestação (que se entedia como
existente) é inexistente, seja porque foi extinta (pelo pagamento
anterior à execução, por exemplo), seja porque nunca existiu
(hipótese em que o título que sustenta a execução é reconhecido
62 LUCON. Paulo Henrique dos Santos. Títulos executivos e multa de 10% (dez por cento). In: Execução civil, Estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. 2007. Material da 2a aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
63 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Tutela Jurisdicional Executiva. 2008, p. 72.
como falso). Ainda assim, nos termos deste elemento, é preciso que
o juiz proceda a um exame (ainda que sumário) do título e da
obrigação que lhe é apresenta para execução, a fim de verificar se
eles possuem elementos mínimos de segurança. Nesta perspectiva,
não se pode autorizar a execução i) de duplicata sem aceite (ou sem
o protesto pela falta de aceite, acompanhado do comprovante de
entrega ou da prestação do serviço) ou ii) de sentença arbitral que
não preencha os requisitos do art. 26 da Lei n. 9.307/96, ou iii) de
uma sentença homologatória de acordo que não indique os seus
parâmetros nem venha acompanhada dos termos em que foi
realizada. (...) é preciso avaliar se o título oferecido para execução
possui os mais básicos elementos que permitam a identificação da
existência de uma prestação devida64.
Quanto à liquidez:
refere-se à quantidade do objeto do direito mencionado no título
executivo; deve haver a indicação de uma quantidade determinada
de bens (ou ao menos determinável). Por isso se diz que a liquidez
do crédito se contenta com a determinabilidade do quantum
debeatur, ou seja, o título executivo deve fornecer elementos para
que, por meio de operação aritmética, possa ser encontrado o
número de unidades a ser objeto da fase executiva. Se a obrigação a
ser exigida in executivis relaciona-se com objeto que não é passível
de quantificação, a certeza por si só é suficiente para definir o objeto
da execução; se a obrigação, por outro lado, for quantificável, o
pressuposto da certeza apenas se refere à natureza da obrigação,
seus sujeitos e certas qualidades das coisas a serem entregues,
sem, no entanto, quantifica-las – nessa hipótese, a quantificação em
unidades leva ao intérprete ao atributo da liquidez65.
Sobre ela, resumidamente, MARINONI: toda espécie de obrigação que se pretende exigir judicialmente deve
ser líquida. A liquidez diz respeito à extensão e a determinação do
64 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, volume 3: execução. 2007, p. 120-121. Em igual sentido: ASSIS, Araken de. Manual de execução. 2006, p. 145. Para ele “permanece exata a lição de Pontes de Miranda: “A certeza, que o juiz aprecia, é a da existência da obrigação, diante apenas do título (sentença, ou título extrajudicial), e não só dos pressupostos formais do título executivo”.
65 LUCON. Paulo Henrique dos Santos. Títulos executivos e multa de 10% (dez por cento). In: Execução civil, Estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. 2007. Material da 2a aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
objeto da prestação (art. 1.533 do Código Civil revogado). De fato,
não se pode exigir de alguém a prestação de alguma coisa que não
se sabe exatamente o que é. Portanto, a liquidez diz à exata
definição daquilo que é devido e de sua quantidade66.
A exigibilidade, por seu turno, quer dizer:
A exigibilidade relaciona-se especificamente com a obrigação e pode
ou não estar indicada no título executivo: do título ou mesmo de
elementos externos certamente constará a indicação de sua
ocorrência. Por isso que a exigibilidade é elemento estranho ao
conteúdo formal do título, pois apenas afirma que chegou o momento
da satisfação da vontade concreta da lei, sem impedimento legal,
não tendo qualquer relação com a adequação da via executiva, mas
com a necessidade concreta de jurisdição. Assim é que a
exigibilidade aproxima-se do aspecto da necessidade, elemento
também integrante do interesse processual67.
Em termos claros, WAMBIER:
Estará satisfeito o requisito da exigibilidade se houver a precisa
indicação de que a obrigação já deve ser cumprida (seja porque ela
não se submete a nenhuma condição ou termo, seja porque estes
inequivocamente já ocorreram ou estão demonstrados). Conforme o
art. 572, ‘quando o juiz decidir relação jurídica sujeita a condição ou
termo, o credor não poderá executar a sentença sem provar que se
realizou a condição ou que ocorreu o termo’ – regra esta reiterada no
art. 614, III68.
Na verdade, uma vez existindo exigência legal dando
conta que o título executivo deve revelar obrigação certa, líquida e
exigível, pode-se inferir que a sua perspectiva é a ‘de ser completo’, tanto
pela ótica objetiva como subjetiva. Nada, impede, ademais, que ao 66 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, volume 3: execução. 2007, p. 121.
67 LUCON. Paulo Henrique dos Santos. Títulos executivos e multa de 10% (dez por cento). In: Execução civil, Estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. 2007. Material da 2a aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
68 TALAMINI. Eduardo. Curso de Processo Civil, volume 2: execução. 2007, p. 75.
documento primitivo se agregue outros posteriormente obtidos, a fim de se
perfectibilizar os requisitos em comento (a exemplo, art. 615, IV, do CPC).
O que não se pode perder de vista é a existência de prova documental
inequívoca (ao menos de uma análise superficial e desprovida de
contraditório) a não reclamar apuração e acertamento em juízo por
diligências complexas e de resultado incerto69.
À luz de todo o exposto, conclui-se que não obstante
às execuções (e o cumprimento de sentença) estejam sujeitas ao crivo
das condições da ação e dos pressupostos processuais, também a elas é
exigido o inadimplemento e o título executivo – o qual deve externar
obrigação certa, líquida e exigível – como requisitos específicos da
iniciação da tutela jurisdicional executiva.
Bem da verdade, tais elementos por vezes se
confundem, como a exemplo, o inadimplemento versus exigibilidade
versus interesse processual, ou ainda, a mais debatida, as condições da
ação versus o título executivo. A propósito, sobre esta, vale colacionar:
Muito se discute, a este propósito, se o ‘título executivo’ equivale, na
execução, às condições da ação. A indagação, para ser devidamente
enfrentada, deve evidenciar que o título executivo autoriza a
promoção da atividade jurisdicional voltada à concretização da tutela
jurisdicional executiva. Sem título, não há execução. Trata-se de
princípio fundante da tutela jurisdicional executiva. O título executivo,
justamente por força de sua função processual, viabiliza que o
magistrado, analisando-o, verifique se estão, ou não, presentes as
condições da ação. É a partir do título e, no máximo, a partir de
algum outro documento a ele inerente e permitido pelo que o juiz
verificará quais são as partes legítimas, se há interesse de agir e se
há possibilidade jurídica do pedido. Caso falte alguma das condições
da ação, o caso é de extinção do processo em que se pede a
prestação da tutela jurisdicional executiva sem julgamento de mérito.
Não se trata, pois, de equiparar o título executivo às condições da
ação, mas de afirmar que é pelo título e pelo que ele representa no
69 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 2007, p. 158.
sistema processual civil que o magistrado verifica a viabilidade,
entendida em sentido amplo, de prestar concretamente a tutela
jurisdicional executiva para quem o próprio título favorece70.
Seja como for, certo é que adentrar nessa celeuma reclamaria,
sem exagero, elaboração de uma outra monografia, onde se apurariam as condições
da ação, os pressupostos, o momento de sua análise etc.
70 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Tutela Jurisdicional Executiva. 2008, p. 58.
CAPÍTULO 3
DA (IM)POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS
MERAMENTE DECLARATÓRIAS
3.1 DO OBJETO DA CONTROVÉRSIA
Já se disse em linhas atrás, que toda sentença carrega consigo
uma declaração, quer positiva, quer negativa, mas nem por isso toda sentença tem
espeque no art. 4 do CPC, ou seja, é uma sentença genuinamente declaratória (que
tem por fito declarar: existente ou não determinada relação jurídica; a autenticidade
ou falsidade de documento). Aqui se perquire a viabilidade de execução desta
última, fique claro.
Não se pode olvidar, também, que mesmo as sentenças
precipuamente declaratórias ou constitutivas portam, a rigor, um capítulo com
eficácia condenatória. Salvo melhor juízo, com algumas exceções, o vencido deverá
suportar o ônus da sucumbência (art. 20 do CPC), relativamente ao pagamento das
custas judiciais e dos honorários advocatícios. Nesse particular, a sentença
indiscutivelmente é exequível71. Também não é a isso que se presta o presente
trabalho.
Portanto, o objeto limita-se a parte declaratória da sentença
puramente declaratória.
3.2 DOS ARGUMENTOS QUE MILITAM EM FAVOR DA POSSIBILIDADE
Há que se tem notícia o Ministro do STJ TEORI ZAVASCKI é
precursor da tese que assenta ser possível a execução das sentenças declaratórias.
71 TALAMINI. Eduardo. “Sentença que reconhece obrigação”, como título executivo (CPC, art. 475-N, I – Acrescido pela Lei 11.232/2005). 2006, p. 19.43. Material da 3ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
Em acórdão de sua relatoria externou:
No atual estágio do sistema do processo civil brasileiro não há como
insistir no dogma de que as sentenças declaratórias jamais têm
eficácia executiva. O art. 4º, parágrafo único, do CPC considera
"admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação
do direito", modificando, assim, o padrão clássico da tutela
puramente declaratória, que a tinha como tipicamente preventiva.
Atualmente, portanto, o Código dá ensejo a que a sentença
declaratória possa fazer juízo completo a respeito da existência e do
modo de ser da relação jurídica concreta. Tem eficácia executiva a
sentença declaratória que traz definição integral da norma jurídica
individualizada. Não há razão alguma, lógica ou jurídica, para
submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação,
até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente
do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa
julgada, assegurada constitucionalmente. E instaurar um processo de
cognição sem oferecer às partes e ao juiz outra alternativa de
resultado que não um, já prefixado, representaria atividade
meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber
qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional72.
O precedente diz respeito à contribuinte que reconhecendo a
inexistência do débito via sentença meramente declaratória, pretendia repetir o
indébito executando-a. Realmente o STJ apoiou-se na tese para dar cabo a
problemas tributários de idêntico jaez73.
Note-se que o argumento principal da teoria é a inserção, com
a entrada em vigor do atual CPC, do parágrafo único do art. 4ª deste diploma, que
arremata “é admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido violação do
direito”, pois que no antigo regramento (CPC de 1939) asseverava-se “na ação
declaratória, a sentença que passar em julgado valerá como preceito, mas a
execução do que houver sido declarado somente poderá promover-se em virtude de
sentença condenatória” (art. 290).
72 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, REsp. 588.202/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, publicado em 25.02.2004.
73 Precedentes nesse sentido: EREsp 526.655; REsp 413.968; REsp 639.219.
Assim é que, a ação declaratória perdeu seu caráter preventivo
e abstrato, dando lugar, em casos em que já tenha ocorrido a violação do direito, a
definição da norma jurídica individualiza, quer dizer, a norma aplicada ao caso
concreto.
Logo, se a sentença proferida no processo civil define de modo
completo uma norma jurídica, exteriorizando prestação completamente identificada,
ela é passível de execução. Veja-se:
ao legislador ordinário não é dado negar executividade a norma
jurídica concreta, certificada por sentença, se nela estiverem
presentes todos os elementos identificadores da obrigação
(sujeitos, prestação, liquidez, exigibilidade), pois isso
representaria atentado ao direito constitucional à tutela
executiva, que é inerente e complemento necessário do direito
de ação. Tutela jurisdicional que se limitasse à cognição, sem
medidas complementares para ajustar os fatos ao direito
declarado na sentença, seria tutela incompleta74.
O segundo grande argumento, é o prestigio que se deve dar ao
instituto da coisa julgado (art. 467 do CPC), na medida em que não conferir
executividade a sentença declaratória que contenha em seu bojo norma
individualizada, implicaria na renovação da demanda (agora com índole
condenatória), contudo, vedado seria ao julgador destoar daquilo que acertado pela
sentença declaratória. Em termos claros, a segunda demanda seria não uma lide,
antes uma ficção.
No mais, os sustentáculos, não obstante judiciosos, são
subjetivos, a girar tudo em torno da necessidade de efetivação da tutela jurisdicional,
sempre a não perder de vista que processo não é um fim e sí mesmo, senão um
mecanismo para o alcance do direito material.
74 ZAVASCKI, Teroi Albino. Sentenças Declaratórias, Sentenças Condenatórias e Eficácia Executiva dos Julgados in Processo Civil: Leituras Complementares. Organizador Fredie Didier Jr. 4. ed., JusPODIVM, Salvador, 2006, p. 34.
Em que pese à linha sustentada pelo Ministro fosse de todo
plausível, a doutrina quase que unânime75, levava à risca os ensinamentos do antigo
CPC, de sorte que não enxergava à possibilidade (nem poderia sobre este enfoque)
de assegurar a exequibilidade às sentenças declaratórias76.
Parecia, pois, que a tese não ganharia substanciais
proporções, dado o verdadeiro engessamento deixado pelo antigo CPC. Aí é que
com a chegada da Lei n. 11.232/2005, a reviravolta se formou, a convencer até
mesmo os então incrédulos.
Explica-se:
Continha o art. 584, I, do CPC, o mais genuíno título executivo
judicial, “a sentença condenatória proferida no processo civil”.
Texto substituído pela concernente lei, a rezar doravante:
são títulos executivos judiciais: a sentença proferida no
processo civil que reconheça a existência de obrigação de
fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia; (art. 475, N, I,
do CPC)77.
Acontece que um dos pilares de arrimo daqueles que
repudiavam a tese de ZAVASCKI, era a exaustividade que persegue o rol dos títulos
executivo, a exigir interpretação restritiva, tal obediência hermenêutica é devida
porque a execução se revela muito árdua para aquele que nela figura como
executado, sendo política legislativa atribuir a certo documento força executiva
(baseada geralmente na experiência comum). 75 A comungar, desde logo, com a nova teoria: DIDIER JÚNIOR, Fredie. “A sentença meramente declaratória como título executivo – aspecto importante da última reformar processual civil brasileira”. Artigo anexo.
76 Repudiando a nova teoria: CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini . Teoria Geral do Processo, 2003, p. 304; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2004, p. 71.
77 O art. 475-N equivale ao antigo art. 584.
Ora, se a idéia de exequibilidade não está mais atrelada à
sentença condenatória, e se há como deflagrar ações declaratórias mesmo depois
de violado o direito (parágrafo único, do art. 4º, do CPC), é impossível inferir algo
diverso do que: as sentenças declaratórias podem ser executadas, desde que
reconheçam obrigações, ou seja, se encaixem naquele conceito lançado pelo art.
475-N do CPC.
THEODORO JÚNIOR trocou de posição, passando a lecionar:
O Código de Processo Civil tomou posição diante da
controvérsia outrora existente em torno da admissibilidade, ou
não, da ação declaratória sobre obrigação já exigível. (...)
Entretanto, nos últimos anos do Século XX, o CPC de 1973
passou por uma série de reformas, todas preocupadas com a
melhor e mais efetiva prestação jurisdicional. (...) Nesse
sentido, instituíram-se leis extravagantes novas e numerosos
títulos executivos extrajudiciais. (...) Eis aí o momento propício
para rever a doutrina clássica de que a sentença declaratória
nunca poderia ser utilizada como título executivo. E foi o que
nos últimos tempos se deu na jurisprudência sob liderança do
Superior Tribunal de Justiça. De fato, se nosso direito
processual positivo caminhou para a outorga de força de título
executivo a todo e qualquer documento particular em que se
retrate obrigação líquida, certa e exigível, porque não se
reconhecer igual autoridade à sentença declaratória? Esta,
mais do que qualquer instrumento particular, tem a inconteste
autoridade para acertar e positivar a existência de obrigação
líquida, certa e exigível. Seria pura perda de tempo exigir, em
prejuízo das partes e da própria Justiça, a abertura de um
procedimento condenatória em tais circunstâncias. Se o credor
está isento da ação condenatória, bastando dispor de
instrumento particular para acertar-lhe o crédito descumprido
pelo devedor inadimplente, melhor será sua situação de acesso
à execução quando estiver aparelhado com prévia sentença
declaratória onde se ateste a existência de dívida líquida e já
vencida. Observe-se, porém, que nem toda sentença
declaratória pode valer como título executivo, mas apenas
aquela que, na forma do art. 4º, I, do CPC, se refira à
existência de relação obrigacional já violada pelo devedor. As
que se limitam a conferir certeza à relação de que não conste
dever de realizar modalidade alguma de prestação (como, v.g.,
a de nulidade de negocio jurídico, ou de inexistência de dívida
ou obrigação), não terão, obviamente, como desempenhar o
papel de título executivo, já que nenhuma prestação terá a
parte a exigir do vencido. A reforma efetuada pela Lei n.
11.232, de 22.12.2005, na definição do título executivo
fundamental (art. 475, N, inci. I), acolheu as ponderações da
jurisprudência do Superior Tribunal Justiça e da boa doutrina
que lhe deu fundamentação, já que para conferir a natureza
executiva a uma sentença civil não exige seja ela tipicamente
um julgado condenatório, mas que contenha o reconhecimento
da existência de obrigação a ser cumprida por uma parte em
favor da outra78.
DIDIER JÚNIOR, que antes mesmo da alteração já se
posicionava em sentido favorável à execução de sentenças declaratórias, sufraga:
A principal novidade dessa alteração é a nova redação
conferida ao inciso I do art. 475-N, segundo o qual é titulo
executivo judicial a ‘sentença proferida no processo civil que
reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer,
entregar coisa ou pagar quantia’. Retirou-se do texto legal a
menção que havia à sentença condenatória (art. 584, I, CPC,
ora revogado), para deixar claro que qualquer sentença que
reconhecer a existência de uma obrigação exigível, o que inclui
a declaratória, tem eficácia executiva79.
Foi também o que o advogado BRAGA concluiu:
Pelas razões expostas, e até mesmo por uma questão
evolutiva do Direito Processual Civil, é perfeitamente possível a
78 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e Cumprimento da Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 2007, p. 74-75.
79 DIDIER JÚNIOR, Fredie. A sentença meramente declaratória como título executivo – aspecto importante da última reformar processual civil brasileira. Artigo anexo.
atribuição de executividade às sentenças meramente
declaratórias. Indicam este entendimento as decisões
proferidas em nossos tribunais, os reclames dos doutrinadores
e, por último, as modificações trazidas pela Lei nº 11.232/0580.
Com efeito, se outrora já se justificou a possibilidade de
execução desta espécie de sentença, muito mais razão de fazê-lo agora, pois que,
neste sentido, é sugestiva a dicção da nova lei.
3.3 DA INEXISTÊNCIA DE RAZÃO PARA DISCUSSÃO DO TEMA
Há quem diga que é impossível travar peleja acerca da
possibilidade ou não de execução das sentenças declaratórias. Nessa perspectiva,
MARINONI:
Na realidade, a lamentável confusão que se faz entre sentença
declaratória e sentença dependente de execução deita raiz na
ignorância acerca da distinção entre sentença e tutela do
direito, demonstrando, mais uma vez, a necessidade de se
compreender o processo civil a partir da teoria da tutela dos
direitos. A sentença é apenas uma técnica processual
destinada à prestação da tutela jurisdicional do direito. Ou seja,
a tutela ressarcitória pelo equivalente ou a tutela do
adimplemento do crédito pecuniário estão para as sentenças
declaratória ou condenatória assim como o conteúdo está para
o instrumento. A tutela jurisdicional do direito que não pode ser
prestada pela técnica da sentença declaratória, por necessitar
de meios de execução, obviamente não é uma tutela
declaratória, isto é, uma tutela jurisdicional através da qual
simplesmente se elimina uma incerteza jurídica. A tutela que
necessita ‘de fazer, não fazer, entrega de coisa ou pagamento
de quantia’ é uma tutela que não é prestada por uma sentença
que basta por si só, como a sentença declaratória – que não
pode e não precisa ser executada –, uma vez que exige meios 80 BRAGA, Sérgio Jacob. Da possibilidade de execução das sentenças meramente declaratórias. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1264, 17 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9284>. Acesso em: 13 maio 2009.
de execução. Tal tutela é prestada pela sentença e pelos meios
executivos, ou melhor, por uma sentença cuja natureza é
delineada com base nos meios de execução que a completam.
Quando se declara um efeito jurídico que requer uma
prestação, evidentemente não há sentença declaratória, já que
a declaração é de que a prestação faltante (pagar quantia, por
exemplo) deve ser implementada mediante a via executiva.
Portanto, é equivocado pensar que uma sentença que
‘reconhece uma obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa
ou pagar quantia’ constitui uma sentença declaratória. Tal
sentença prestaria tutela declaratória, como é obvio, apenas se
essa tutela não dependesse ‘de fazer, não fazer, entregar coisa
ou pagar quantia’. De modo que pouco importa se apegar à
letra da lei, lembrando que o art. 475-N, I, do CPC, fala em
sentença que ‘reconheça a existência da obrigação’, já que é
imprescindível saber qual tutela do direito se objetiva prestar
quando se reconhece a existência da obrigação. Ora, não há
qualquer dúvida que o art. 475-N, I, do CPC, alude a
obrigações que ainda devem ser cumpridas, e, assim, tutelas
que necessitam da fase executiva para sua implementação. A
menos que alguém imagine que o autor pode pedir tutela
declaratória e o juiz proferir tutela ressarcitória e, por
consequência, sentença condenatória ou dependente do
cumprimento de obrigação de pagar quantia81.
Importa dizer, nesse viés, que a sentença que reclama a via
executiva para concretizar a tutela jurisdicional é bem outra que não a declaratória,
é, pois, a condenatória. Destarte, a tutela jurisdicional nas ações declaratórias se
exaure no exato momento da prolação da sentença, com o que resta sanada a
causa de pedir, isto é, a incerteza sobre determinada relação jurídica ou documento.
Com arrazoado diferente, no entanto, concluindo em igual
vereda, BUENO:
Com os olhos bem voltados ao novo dispositivo legal, não é
suficiente que a sentença ‘reconheça’ a obrigação. É mister
81 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, volume 3: execução. 2007, p. 63-64.
que a obrigação, tal qual ‘reconhecida’, seja de ‘fazer, não
fazer, entregar coisa ou pagar quantia’. A própria lei, neste
sentido, exige que a sentença faça expressa referência ao
direito material controvertido e, por isto, não há como recusar
que ela leve em consideração o inadimplemento da obrigação,
reconhecendo-o, para os fins de se transformar em título
executivo judicial. Até porque, se a sentença deixar de fazer
qualquer alusão ao inadimplemento, limitando-se a declarar a
existência ou inexistência da obrigação, tal qual posta no plano
do direito material, a hipótese equivale, integralmente, àquela
constante do parágrafo único do art. 4º. Uma coisa, assim, é
declarar a existência da obrigação, mesmo quando já violado o
direito; outra, bem diferente –, é reconhecer o próprio
inadimplemento, reprovando-o. É deste diferencial, de
reprovação, que dá à sentença sua força, para fazer uso do
designativo tradicional, ‘condenatório’. (...) É dizer: uma
legitima ‘sentença declaratória’, naquilo que ela o é, não admite
execução porque ela, pelo o que é, satisfaz o seu destinatário
suficientemente82.
Vislumbra o autor que a sentença que comporta execução, terá
que transcender a mera declaração de existência da obrigação, para adentrando no
direito material, reconhecer o inadimplemento da mesma. Posição semelhante
NERY JUNIOR, ao consignar “reconhecer a obrigação não é o mesmo que impô-
la”83. Deveras, a sentença declaratória não tem estes dois momentos lógicos.
Percebe-se que ASSIS comunga de igual raciocínio, ao
externar:
Quando se afirma que há execução baseada em sentença
declaratória – por exemplo, o órgão judiciário ‘declarou’ que
Pedro deve ‘x’ a João –, incorre-se em erro crasso, olvidando
que nenhum provimento é ‘puro’ e, no exemplo aventado, o juiz
foi além da simples declaração, emitindo pronunciamento
82 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Tutela Jurisdiccional Executiva. 2008, p. 82.
83 NERY JÚNIOR, Nélson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 2008, p. 750.
condenatório84.
Na reta razão qualquer discussão acerca da possibilidade de
emprestar às sentenças declaratórias cunho executivo é inócua, uma vez que
legitimamente tais provimentos judiciais não são carentes de execução. O foco, pois,
não é cavar motivos para embasar a força executiva dos pronunciamentos
declaratórios, e sim saber defini-los.
É como posição intermediária da contenda.
3.4 DOS ARGUMENTOS QUE MILITAM EM DESFAVOR DA POSSIBILIDADE
Por primeiro, cumpre aclarar que a jurisprudência do STJ a
favor das exequibilidade das sentenças declaratórias é aplicada, sempre, em caso
idêntico, no qual os contribuintes pretendem execução para repetição do indébito do
Fisco.
Colhe-se em alguns destes julgados85, a ressalva do relator no
sentido de que a medida não se adéqua a técnica, porém se mostra mais favorável
aos contribuintes. Por isso, TALAMINI acredita que a Corte não adotou a teoria de
ZAVASCKI, antes abraçou a conhecida política jurídica86.
Lembre-se que o argumento principal da tese adversa é a
chegada do parágrafo único, do art. 4, do CPC, que autorizou o manejo da ação
declaratória mesmo depois de violado o direito. Em contrapartida:
a distinção entre sentença meramente declaratória e sentença
condenatória (...) foi claramente consagrada no Código de
Processo Civil Brasileiro. O parágrafo único do seu art. 4º
84 ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. 2006, p. 204.
85 Neste sentido: REsp 544.189; REsp 526.655.
86 TALAMINI. Eduardo. “Sentença que reconhece obrigação”, como título executivo (CPC, art. 475-N, I – Acrescido pela Lei 11.232/2005). 2006, p. 19.43. Material da 3ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
estabeleceu caber ação meramente declaratória mesmo depois
de o direito já haver sido violado. Essa norma prestou-se a
resolver expressamente uma discussão proveniente da
doutrina e da jurisprudência estrangeiras e que se havia
instalado também entre nós sobre a égide do Código de 1939.
Debatia-se se, tendo sido violado o direito da parte, esta
poderia ainda propor ação meramente declaratória ou se lhe
caberia propor exclusivamente condenatória (ou outra apta a
atacar diretamente a violação). Os que defendiam o segundo
entendimento sustentavam que, já tendo sido violado o direito
da parte, ela não teria interesse processual para a mera ação
declaratória. De acordo com tal corrente, a simples declaração
não seria de nenhuma utilidade para a parte: não lhe serviria
para nada, quando o que ela já precisava era de uma
condenação. Mas a lei brasileira adotou explicitamente o
primeiro entendimento87.
Por conseguinte, fique claro, o parágrafo único não foi inserido
com a intenção de mudar os efeitos da ação declaratória, muito pelo contrário, veio
para chancelar o interesse processual do autor em aflorar ações desta natureza
mesmo depois de violado o direito, conquanto já lhe fosse possível reclamar a
condenação.
Ademais, a insistência pelo cabimento da ação declaratória
mesmo depois de violado o direito, só faz sentido se ter-se em mente que é possível
o autor querer, ainda assim, somente uma declaração. À luz disso é
escancaradamente paradoxal se apoiar no parágrafo único, do art. 4º, do CPC, para
defender a possibilidade de execução das sentenças declaratórias.
A menos, foi o que acertou TALAMINI:
E a circunstância de a lei brasileira haver-se ocupado
expressamente do tema foi a confirmação de que a sentença
87 TALAMINI. Eduardo. “Sentença que reconhece obrigação”, como título executivo (CPC, art. 475-N, I – Acrescido pela Lei 11.232/2005). 2006, p. 19.43. Material da 3ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
declaratória não serve automaticamente de título para a
execução. O significado do parágrafo único do art. 4º,
considerado o debate que o procedeu, é bastante evidente: a
parte pode pedir apenas declaração – e não outra tutela que
também já seria cabível – mesmo depois de seu direito haver
sido violado. Ou seja: a parte pode deixar de obter a
autorização para executar, que já lhe seria devida,
satisfazendo-se com a mera declaração. Se a sentença
declaratória já propiciasse a autorização para executar, o
parágrafo único do art. 4º seria inútil, despiciendo88.
Registre-se, por oportuno, que o Ministro ZAVASCKI apontou
ser inconstitucional o parágrafo único do regramento em apreço, eis que, segundo
ele, reside ofensa na garantia da tutela jurisdicional adequada89, todavia:
inconstitucionalidade haveria – quando menos por omissão –
se a lei não conferisse ao jurisdicionado a possibilidade de
optar por instrumento apto a ensejar a mera declaração (...). Se
há casos em que concretamente se legitima o interesse
processual da parte em obter apenas a declaração do direito
violado ou da pretensão daí surgida, então cabe ao
ordenamento propiciar uma forma de tutela adequada a tais
casos: ‘e a tutela meramente declaratória90.
O segundo fundamento dos adeptos à tese adversa91 também
88 TALAMINI. Eduardo. “Sentença que reconhece obrigação”, como título executivo (CPC, art. 475-N, I – Acrescido pela Lei 11.232/2005). 2006, p. 19.43. Material da 3ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
89 ZAVASCKI, Teroi Albino. Sentenças Declaratórias, Sentenças Condenatórias e Eficácia Executiva dos Julgados in Processo Civil: Leituras Complementares. 2006, p. 30 n. 2; p. 34 n. 4.
90 TALAMINI. Eduardo. “Sentença que reconhece obrigação”, como título executivo (CPC, art. 475-N, I – Acrescido pela Lei 11.232/2005. 2006, p. 19.43. Material da 3ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
91 “Entender como necessária a propositura de nova ação, de natureza condenatória, sem que a parte ex adversa possa sequer se defender efetivamente, principalmente se houver a sentença declaratória transitado em julgado, é tão ou mais absurdo que não reconhecer eficácia executiva à primeira sentença. Trata-se, além de tudo, de verdadeira mutilação do Princípio da Economia Processual” BRAGA, Sérgio Jacob. Da possibilidade de execução das sentenças meramente declaratórias. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1264, 17 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9284>. Acesso em: 13 maio 2009.
deve ser hostilizado, porquanto da mesma forma que é vedado ao magistrado da
segunda ação (a condenatória) trilhar caminho diverso do que acertado pela anterior
(a declaratória), ao juízo da primeira ação é vedado julgar o que não lhe foi pedido
(arts. 2º e 460 do CPC). A calhar:
O autor pode querer apenas obter sentença que declare a
existência ou inexistência de relação jurídica (CPC 4º), sendo
ele que fixa os limites da lide no processo civil (CPC 128),
impondo ao juiz decidir apenas o que ele, autor, quer (CPC
460), sendo vedado ao juiz decidir sobre o que não lhe foi
pedido (CPC 2º). Não se pode conferir a essa sentença de
mera declaração, uma eficácia não pedida pelo autor da ação
(eficácia executiva), impondo-se ao réu consequência diversa
daquela para a qual fora citado para se defender. É nula, no
processo civil, a decisão extra ou ultra petita justamente porque
ofende o princípio da congruência entre pedido e sentença. Ao
reconhecer a obrigação de fazer, não fazer ou pagar quantia o
juiz pode não estar julgando fora ou acima do pedido, mas dar-
se a essa sentença ultra-eficácia, praeter petitum, vale dizer,
eficácia executiva a pretensão meramente declaratória, é a
mesma coisa no plano eficacial e significa burla ao sistema
com aparência de legalidade92.
Melhor sorte não assiste ao alicerce subjetivo da parte
contrária, àquele enraizado na necessidade de efetividade da tutela jurisdicional, na
concepção de direito processual enquanto instrumento do direito material, na
mutilação do principio da economia processual etc. As razões vão por conta da
doutrina:
O argumento de que seria desperdício de tempo e de atividade
jurisdicional mover ação condenatória, depois de ter havido, em
ação declaratória, reconhecimento de obrigação de fazer, não
fazer ou de pagar quantia, para justificar o entendimento de
que o CPC 475-N I admitiria execução de sentença meramente
declaratória não pode ser prestigiado porque foi o autor da
92 NERY JÚNIOR, Nélson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 2008, p. 750.
ação declaratória quem assim o quis; ele, autor, é que limitou a
sua pretensão à mera declaração, conforme autorizado pelo
CPC 4º. Nem ele, tampouco o réu, pode obter mais (eficácia
executiva) do que se pretendeu com o pedido deduzido na
petição inicial (eficácia declaratória). O processo civil é
dispositivo, cabendo ao autor delimitar a lide e, por
consequência, o conteúdo e a eficácia da sentença. Economia
processual e celeridade processual tem como limite as regras
do devido processo legal e dos sistemas da CF e do CPC)93.
Como alvitre, a ação declaratória tem espeque no art. 4º do
CPC, e o caput deste reza: O interesse do autor pode limitar-se à declaração. Torna-
se clarividente os objetivos do autor e, com efeito, os limites da demanda.
Chega-se, assim, ao derradeiro e substancial argumento
daqueles que defendem a possibilidade de execução das sentenças declaratórias,
ou seja, a substituição do art. 584 pelo art. 475-N do CPC, que se deu pela Lei
11.232./2005.
Acontece que sobre referida lei, ao menos no que toca àquela
substituição, paira grosseiro vício formal, na medida em que seu projeto originário
previa ao art. 475-N, I, redação idêntica ao então art. 584, I. E o projeto assim foi
aprovado pela Câmara dos Deputados. No Senado, porém, houve “emenda
redacional” que culminou na redação atual do art. 475-N, I (a sentença proferida no
processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar
coisa ou pagar quantia).
Salta aos olhos que a suposta emenda redacional vai muito
além da simples correção da redação, alterando substancialmente o conteúdo da
norma, dando a entender, inclusive, que mesmo as sentenças declaratórias podem
ser executadas.
Destarte é que, não sendo redacional, a emenda deveria voltar
93 NERY JÚNIOR, Nélson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 2008, p. 750.
à Câmara, sob pena de ofender ao princípio da bicameralidade, ínsito ao devido
processo legislativo brasileiro (parágrafo único do art. 65 da CRFB). Assim não
ocorrendo, inarredável concluir a inconstitucionalidade da lei por manifesto vício
formal.
A doutrina, pelo menos os que enfrentam a matéria, é unânime
em reconhecer a inconstitucionalidade. Por todos, NERY JUNIOR:
O texto do CPC 475-N I, que constou da publicação oficial L
11232/05, é inconstitucional porque foi alterado no Senado
Federal, sob a rubrica de ‘emenda de redação’ , e não voltou
para reapreciação da Câmara dos Deputados. A redação
originária, aprovada pela Câmara dos Deputados era a
seguinte: ‘a sentença condenatória proferida no processo civil’.
O texto modificado pelo Senado Federal, travestido de emenda
redacional era o seguinte: ‘a sentença proferida no processo
civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não
fazer, entregar coisa ou pagar quanta’. Vê-se claramente que
não se tratava de mera correção redacional, mas de preceito
que altera radicalmente o texto o sentido e o espírito da norma
aprovado na Câmara dos Deputados. O projeto deveria ter
retornado quela casa para reexame. Como isso não ocorreu,
porque o texto do senado foi sancionado pelo Presidente da
Republica e publicado como L 11232/05, houve violação frontal
ao CF 65 par. ún. e o CPC 475-N I é irremediavelmente
inconstitucional94.
Até mesmo os que defendem a possibilidade de execução das
sentenças declaratórias, visualizam a inconstitucionalidade do art. 475-N, I, do
CPC95.
Logo, de duas uma. Caso se entenda que a mudança é
substancial, reconhecer sua inconstitucionalidade é medida que se impõe. Caso se
94 NERY JÚNIOR, Nélson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 2008, p. 749.
95 DIDIER JÚNIOR, Fredie. A sentença meramente declaratória como título executivo – aspecto importante da última reformar processual civil brasileira. Artigo anexo.
repute que a emenda feita no Senado consistiu em mera alteração redacional, que
não modificou o sentido da regra tal como aprovado na Câmara, o dispositivo é
constitucional, mas em assim sendo, permanecem sendo titulo executivos tão-
somente as sentenças propriamente condenatórias96.
Não bastasse isso:
entender-se como literalmente parece indicar o CPC 475-N I, é
violar-se o sistema do processo civil brasileiro, o que não se
pode admitir por ofender, e.g., as garantidas do devido
processo legal (CF 5º caput e LIV), do contraditório e ampla
defesa (CF 5º LV), do direito de ação (CF 5º XXXV)97.
Mesmo porque:
se de um lado é necessário amainar o rigor na aplicação estrita
da forma, de outro é ter-se em conta que a noção instrumental
do processo exige a adequação das pretensões a
procedimentos preestabelecidos, os quais, afinal, resultam em
garantia dos próprios demandantes, na linha do que
recomenda o due process of law98.
Mas não é só isso.
Do ponto de vista histórico, investigando-se o contexto em que
se inseriu a proposta de emenda ao projeto de lei, denota-se que a concernente
emenda ao art. 475-N, I, veio com propósito exclusivo de eliminar a expressão
“condenatória” por não considerá-la mais adequada. Nessa senda, a intenção do
legislador nem de longe é aquela defendida pela parte adversa, vale dizer, estender
96 TALAMINI. Eduardo. “Sentença que reconhece obrigação”, como título executivo (CPC, art. 475-N, I – Acrescido pela Lei 11.232/2005). 2006, p. 19.43. Material da 3ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
97 NERY JÚNIOR, Nélson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 2008, p. 750.
98 REsp 237383, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. em 21.08.2000.
a qualidade de título executivo às sentenças declaratórias99.
Afora isso, simples constatar que a “sentença que reconhece
obrigação” é mesmo a sentença condenatória, isso porque o art. 475-J é de uma
claridez solar ao empregar o termo “condenado” para referir-se àquele que é réu na
fase de “cumprimento de sentença”100.
E ainda dentre os dispositivos expressamente revogados pela
Lei 11.232 (art. 9º) não esta o parágrafo único do art. 4º. Com efeito, a preservação
do preceito é mais do que sugestiva para conclusão: as sentenças meramente
declaratórias não são exequíveis101.
Alfim, se restar incólume o art. 475-N, I, do CPC, a única
interpretação que lhe pode ser dada é aquela já dita pela corrente intermediária, ou
seja, a de que a obrigação reconhecida ainda não foi adimplida e, por isso mesmo,
reclama a tutela executiva. Pretensão que exige tutela executiva não é pretensão
declaratória!
99 TALAMINI. Eduardo. “Sentença que reconhece obrigação”, como título executivo (CPC, art. 475-N, I – Acrescido pela Lei 11.232/2005). 2006, p. 19.43. Material da 3ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
100 TALAMINI. Eduardo. “Sentença que reconhece obrigação”, como título executivo (CPC, art. 475-N, I – Acrescido pela Lei 11.232/2005). 2006, p. 19.43. Material da 3ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
101 CÂMARA, Alexandre. A nova execução de sentença. Lumen Juris, 2006, p. 94-95.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho monográfico teve como objetivo de estudo
a (im)possibilidade de execução da sentenças puramente declaratórias.
As três hipóteses aventadas foram confirmadas pelas suas
próprias razões, que minuciosamente foram delineadas no corpo do trabalho.
Relativamente ao terceiro capítulo, foco do trabalho, há que se
frisar com veemência que as sentenças genuinamente declaratórias não são
passíveis de execução. Não bastasse a inconstitucionalidade por vício formal que
reside sobre o art. 475-N, I, do CPC, qualquer interpretação exclusivamente literal
dele estaria em descompasso com toda a sistemática adotada pelo nosso Código de
Processo Civil, notadamente o art. 4, parágrafo único.
Com efeito, esta Monografia venceu o seu propósito
investigatório, eis que analisou cientificamente as hipóteses previstas para os
problemas suscitados.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ACIOLI, José Adelmy da Silva. A crise do processo civil: uma visão crítica. <http://oas.trt19.gov.br:8022/doutrina/003.asp> Acesso em: 06 maio 2008. ASSIS, Araken de. Manual de execução. 10a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. ____. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006. ____. Manual de execução. 10a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. BRAGA, Sérgio Jacob. Da possibilidade de execução das sentenças meramente declaratórias. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1264, 17 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9284>. Acesso em: 13 maio 2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, REsp 195.848/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 20.11.2001, DJ 18.02.2002). ____. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, REsp. 588.202/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, publicado em 25.02.2004. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2007. ____. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Tutela Jurisdiccional Executiva. São Paulo: Saraiva, 2008. CÂMARA, Alexandre. A nova execução de sentença. Lumen Juris, 2006. CARNEIRO, Athos Gusmão. Do ‘cumprimento de sentença’, conforme a lei 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não?. Material da 2a aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. ____. Teoria Geral do Processo, 19. ed., Malheiros editores, São Paulo, 2003. DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil. Processo de conhecimento e cumprimento da sentença. v.1. São Paulo: Saraiva, 2006. DIDIER JÚNIOR, Fredie. A sentença meramente declaratória como título executivo – aspecto importante da última reformar processual civil brasileira. Artigo anexo. DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 8. ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2002.
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ANEXOS
A sentença meramente declaratória como título executivo – aspecto importante da última reforma processual civil brasileira102.
Fredie Didier Jr. Professor-adjunto de Direito Processual Civil da Universidade Federal da Bahia.
Mestre (UFBA) e Doutor (PUC/SP). Advogado e consultor jurídico.
A Lei Federal n. 11.232/2005 alterou o rol de títulos executivos
judiciais previsto no direito processual civil brasileiro, introduzindo o art. 475-N no CPC e revogando o antigo art. 584.
A característica comum a todos esses títulos é a identificação da norma jurídica individualizada que atribua a um sujeito o dever de prestar (fazer, não-fazer, entregar coisa ou pagar quantia).
A execução de sentença para efetivar uma prestação de fazer ou de não-fazer dar-se-á segundo os termos do art. 461 do CPC; para efetivar uma prestação de entrega de coisa, de acordo com os termos do art. 461-A; para efetivar uma prestação pecuniária, de acordo com os arts. 475-J a 475-R (art. 475-I, CPC)103.
A principal novidade dessa alteração é a nova redação conferida ao inciso I do art. 475-N, segundo o qual é titulo executivo judicial a “sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. Retirou-se do texto legal a menção que havia à sentença condenatória (art. 584, I, CPC, ora revogado), para deixar claro que qualquer sentença que reconhecer a existência de uma obrigação exigível, o que inclui a declaratória, tem eficácia executiva104-105. 102 Escrito em homenagem ao Professor Donaldo Armelin, da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, Brasil.
103 Art. 475-I do CPC: “O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A
desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo”.
104 Leonardo Greco interpretou o dispositivo de outra maneira: “Daí não se extraia a
conclusão de que sejam títulos executivos as sentenças meramente declaratórias ou de que
esteja revogado o parágrafo único do art. 4º do CPC, mas simplesmente de que o legislador
abandona a classificação trinária e se curva à classificação quinária das sentenças, para
considerar títulos executivos também as sentenças mandamentais e as executivas lato
sensu, orientação mais ao gosto dos autores da reforma”. (GRECO, Leonardo. “Primeiros
comentários sobre a reforma da execução oriunda da Lei 11.232/05”. Revista Dialética de
Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2006, n. 36.) Araken de Assis entende que a nova
É preciso fazer algumas observações sobre essa novidade. a) A mudança do texto legal ocorreu durante a tramitação do
projeto de lei no Senado. O projeto não voltou à Câmara de Deputados, para a aprovação da emenda. Discute-se, então, se o inciso I do art. 475-N é formalmente inconstitucional. A questão passa pelo seguinte: o novo texto proposto pelo Senado inovou em termos normativos ou se trata de apenas um aprimoramento da redação anterior?
Como sempre defendemos a possibilidade de execução de decisão meramente declaratória que reconhecesse a existência de um dever de prestar, mesmo sob a égide do texto anterior, seja como conseqüência do direito fundamental à efetividade, seja em razão da absoluta desnecessidade e impossibilidade de instauração de nova atividade cognitiva judicial para apurar o que já está acobertado pela coisa julgada, a redação proposta pelo Senado apenas aprimora o texto anterior, sem inovar substancialmente.
Para quem não admitia a possibilidade de decisões declaratórias terem força executiva, realmente é possível alegar o vício formal de inconstitucionalidade106.
A solução da questão passará, necessariamente, pelo exame da premissa de que parte cada doutrinador sobre a interpretação que se deveria dar ao texto anterior, e, ainda, pela resposta à seguinte questão epistemológica: emprestar executividade a uma decisão meramente declaratória é interpretação
redação “não inovou substancialmente”, seguindo linha parecida à de Leonardo Greco.
(Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 204.)
105 Percebeu o ponto, apoiando a iniciativa, SANTOS, Ernane Fidélis dos. As reformas de 2005
do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 29-30; THEODORO Jr., Humberto. As
novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 132-138;
KNIJNIK, Danilo. A nova execução. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 170-171. Em sentido contrário, peremptoriamente, Araken de Assis, que
afirma: “Quando se afirma que há execução baseada em sentença declaratória – por exemplo, o órgão judiciário ‘declarou’ que Pedro deve ‘x’ a João –, incorre-se em erro
crasso, olvidando que nenhum provimento é ‘puro’ e, no exemplo aventado, o juiz foi além da simples declaração, emitindo pronunciamento condenatório”. (Cumprimento da
sentença, cit., p. 204) O autor não examina o ar. 4o, par. ún., nem faz referência às decisões do STJ comentadas no texto, citando outras, mais antigas, em sentido contrário. Também
em sentido contrário, não admitindo a executividade de sentença meramente declaratória, CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução da sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006, p. 92-98; WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia, e TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 8ª ed. São Paulo: RT, 2006, v. 2, p. 56-58.
106 Como o fizeram WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia, e TALAMINI,
Eduardo. Curso avançado de processo civil. 8ª ed. São Paulo: RT, 2006, v. 2, p. 56-58; MEDINA, José Miguel Garcia. “A sentença declaratória como título executivo”. Revista de
Processo. São Paulo: RT, 2006, n.136, p. 78.
que está de acordo com o direito fundamental à efetividade e, portanto, vale a pena ser adotada?
b) A tendência de emprestar executividade a qualquer decisão judicial que reconhecesse a existência de um dever de prestar, condenatória ou declaratória, já se visualizava em manifestações da doutrina107 e da jurisprudência.
Neste sentido, seria muito difícil identificar a natureza jurídica de uma sentença que reconhece um dever de prestação, quando fosse resultado de uma ação declaratória proposta em momento em que já se poderia propor uma ação de prestação (art. 4º, parágrafo único, CPC)108. O STJ já se posicionara no sentido de admitir força executiva às sentenças meramente declaratórias, nos casos do parágrafo único do art. 4º: 1ª T., REsp n. 588.202/PR, rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.02.2004, DJ de 25.02.2004109.
c) Não se nega a possibilidade de o demandante apenas querer a mera certificação, mesmo em situação em que seria possível o pleito condenatório110. A questão é outra. Uma vez obtida essa certificação, poderá o vencedor, agora, em outro momento, pedir a execução da prestação? Ou teria de entrar com outra ação de conhecimento, em que o magistrado ficaria vinculado ao efeito positivo da coisa julgada, e a sua cognição ficaria limitada, inevitavelmente, às matérias constantes do art. 475-L do CPC (limitação horizontal da defesa na execução de sentença)? Que ação seria essa segunda, em que se parte da coisa julgada, para efetivar o quanto ali decidido, e cuja cognição é limitada? Parece-nos que se trata de uma ação executiva.
Convém lembrar, neste momento, o caso Wladimir Herzog, assassinado nos porões da ditadura militar brasileira (1964-1985), em que a 107 Em sentido contrário, Cândido Dinamarco: “Em nenhuma hipótese a sentença meramente declaratória, mesmo quando positiva, constitui título executivo para a
execução forçada. Ainda quando a obrigação declarada haja sido ou venha a ser descumprida, quando somente a declaração houver sido pedida ao juiz só a mera
declaração ele dará: a oferta de título para a execução forçada está exclusivamente nas sentenças condenatórias, pois só elas contêm esse momento lógico”. (Instituições de direito
processual civil. São Paulo: Malheiros Ed., 2001, v. 3, p. 219-220.)
108 Sobre as dificuldades de estabelecimento de uma distinção entre a sentença
declaratória e a sentença condenatória, MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Reflexões críticas sobre uma teoria da condenação civil”. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva,
1977. p. 72-80.
109 Imprescindível a leitura de ZAVASCKI, Teori Albino. “Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados”. Leituras complementares de processo
civil. 3a ed. Salvador: Edições JUS PODIVM. 2005, p. 23-36.
110 Ao que parece, essa é a principal preocupação de WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia, e TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, 8ª ed., v. 2,
cit., p. 57; CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução da sentença, cit., p. 92-98.
viúva foi ao Judiciário, assessorada pelo advogado e processualista Sérgio Bermudes, pedindo apenas o reconhecimento do direito à indenização, sem, porém, pedir a condenação da União ao pagamento desta verba. O que se queria era tornar certa a obrigação de a União indenizar. O Tribunal Federal de Recursos admitiu a ação (TFR, 1ª T., Ap. cív. n. 59.873-SP, rel. Min. Leitão Krieger, j. em 21.06.1983).
Parece correto o entendimento de que a ação meramente declaratória ajuizada quando já fosse permitido o ajuizamento da ação condenatória não tem aptidão de interromper a prescrição, tendo em vista que o demandante não demonstrou a vontade de efetivar a prestação cuja existência se busca reconhecer. Há diferença, pois, entre a ação meramente declaratória positiva (ajuizada posteriormente à lesão) e a ação condenatória.
Além disso, permanece sendo lícito o ajuizamento de ação meramente declaratória (i) de autenticidade ou falsidade de documento, (ii) de interpretação de cláusula contratual e de (iii) existência de direito ainda inexigível, situações que não gerarão título executivo.
d) Há diversos exemplos de ação meramente declaratória que gera decisão com força executiva: consignação em pagamento, oferta de alimentos, desapropriação judicial etc.111
De fato, se uma decisão
judicial reconhece a existência de um direito a uma
prestação já exigível (definição completa da norma
jurídica individualizada), em nada ela se distingue de uma
sentença condenatória, em que isso também acontece.
A sentença declaratória, proferida com base no art. 4º,
par. ún., CPC112, tem força executiva,
independentemente do ajuizamento de outro processo
de conhecimento, de natureza “condenatória”.113 O que
111 Sérgio Shimura considera, por exemplo, que a sentença de partilha, que é título
executivo, tem natureza declaratória (Título executivo. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 252-253).
112 Parágrafo único do art. 4º do CPC: “É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito”.
113 Em sentido diverso, José Roberto dos Santos Bedaque, comentando o parágrafo único do art. 4º do CPC, antes da Lei Federal n. 11.232/2005: “Essa tutela, todavia, não terá o condão
de eliminar completamente a crise de direito material. Embora declarado existente o direito, o inadimplemento não poderá ser afastado pela tutela executiva, pois a sentença
declaratória não é título. Terá o credor que postular nova tutela cognitiva, de conteúdo
importa, para que uma decisão judicial seja título
executivo, é que haja o reconhecimento da existência de
um dever de prestar, qualquer que seja a natureza da
sentença ou da prestação114.
Ademais, “se nosso direito processo positivo caminha para a outorga de força de título executivo a todo e qualquer documento particular em que se retrate obrigação líquida, certa e exigível, por que não se reconhecer igual autoridade à sentença declaratória”115, cujo conteúdo é imutável pela coisa julgada material, situação jurídica que estabiliza definitivamente a norma jurídica concreta na sentença enunciada?
e) A redação do inciso I do art. 475-N também permite que se resolva um outro problema.
A referência exclusiva à sentença condenatória, constante da redação do inciso I do revogado art. 584, dava margem ao surgimento de dúvida sobre a exaustividade do rol legislativo dos títulos executivos judiciais. É que, indiscutivelmente, havia títulos executivos judiciais, que, entretanto, não estavam previstos no art. 584, exatamente porque não eram condenatórios116: a) sentença que homologa reconhecimento da procedência do pedido; b) sentença que extingue a execução provisória, e que gera o dever de indenizar (art. 475-O,
condenatório, para obter acesso à via executiva”. (Código de Processo Civil interpretado. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 49.)
114 “Se a norma jurídica individualizada está definida, de modo completo, por sentença, não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo
juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada
constitucionalmente. Instaurar a cognição sem oferecer às partes e principalmente ao juiz outra alternativa de resultado que não um já prefixado representaria atividade meramente
burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional”. (ZAVASCKI, Teori Albino. “Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e
eficácia executiva dos julgados”, cit., p. 31-32.) E acrescenta Ernane Fidélis: “Evidente que haverá sentenças declaratórias e mesmo constitutivas que não ensejarão qualquer
execução, como a declaração de paternidade ou a de simples anulação de negócio jurídico, sem reconhecimento de qualquer obrigação de fazer ou não fazer, de entregar ou
pagar quantia, mas, ainda que o autor afirme que pretende apenas declaração, o reconhecimento da existência da obrigação fará nascer o título executivo em se for a
hipótese, ensejará liquidação de sentença”. (As reformas de 2005 do Código de Processo
Civil, cit., p. 29-30.)
115 THEODORO Jr., Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil, cit., p. 135.
116 Percebendo a não-exaustividade do rol do revogado art. 584 do CPC, ZAVASCKI, Teori
Albino. Processo de execução – parte geral, cit., p. 307-318.
I); c) sentença que extingue o processo cautelar e gera o dever de indenizar (art. 811 do CPC); d) sentença em ação de oferta de alimentos, consignação em pagamento e desapropriação, de conteúdo meramente declaratório. O texto atual não dá margem a essa controvérsia.
Afora tudo isso, é preciso lembrar que decisões interlocutórias podem ser título executivo judicial, na forma do inciso I do art. 475-N. A execução pode ser provisória, como no caso da tutela antecipada (art. 273, § 3º, CPC) ou definitiva, se se tratar de decisão interlocutória de mérito (espécie de decisão parcial definitiva). Para que uma decisão interlocutória seja título executivo, basta que reconheça, ainda que provisoriamente, a existência de um dever de prestar.