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IMPACTOS DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL
Autora: Cintia Barudi Lopes Morano1
Resumo
Discute-se até que ponto as parcerias público-privadas reguladas pela lei
n° 11.079/04 poderão contribuir para a melhoria da prestação de serviços públicos
no Brasil e solucionar o problema de infra-estrutura no país. A partir de uma
análise das parcerias já existentes e das disposições legais a respeito da matéria,
a conclusão necessária que se faz é que ditas contratações não resolverão todos
os problemas brasileiros nas áreas sociais carentes, mas poderão ser utilizadas
como importantes mecanismos na solução da ausência de serviços
indispensáveis à sadia qualidade de vida dos nossos habitantes, como o
saneamento básico, ainda precário em várias cidades brasileiras.
Palavras-chave: Parcerias público-privadas. Contratação. Licitação. Lei n°
11.079/04. Serviços públicos. Saneamento básico. Concessão.
1 Professora de Direito Administrativo e direitos humanos da FMU- Faculdades Metropolitanas Unidas. Advogada graduada pela FMU. Especialista em Direito Constitucional pela ESDC - Escola Superior de Direito Constitucional e mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela UNIMES – Universidade Metropolitana de Santos.
1. Introdução
Sempre que surgem novas criações legislativas em matéria de prestação
de serviços públicos há grande expectativa relativa à melhoria da infra-estrutura
do país e ao crescimento da economia. Com o surgimento da legislação a
respeito das parcerias público-privadas, lei n° 11.079/2004, não foi diferente. Não
é surpresa nenhuma que o Brasil necessita de grandes investimentos em infra-
estrutura e que os recursos públicos são insuficientes para alcançá-la. Daí surge
o parceiro privado como figura fundamental e que deve ser estimulado a contratar
com o Poder Público para melhorar a qualidade da prestação de serviços públicos
no país.
Não se pretende neste artigo defender ou criticar a nova legislação a
respeito das parcerias público-privadas. O que se pretende, realmente, é fazer
uma abordagem a respeito das suas disposições básicas e verificar quais pontos
da lei n° 11.079/04 poderão contribuir para a problemática da ausência de infra-
estrutura brasileira, já que é sabido que para viabilizar a melhoria da prestação de
serviços públicos e da infra-estrutura no país não basta apenas aumentar o nível
dos investimentos. É necessário, ao mesmo tempo, aumentar o controle social e
externo dessas contratações, criar mecanismos de ação integrada entre os
órgãos das três esferas de governo e garantir o desenvolvimento nacional de
maneira compatível com a sustentabilidade do meio ambiente.
A lei n° 11.079/04 é federal e estabelece as normas gerais a respeito da
licitação e da contratação das parcerias público-privadas aplicáveis em todos os
âmbitos federal, estadual, distrital e municipal, conforme prescreve o artigo 22,
inciso XXVII da CF, que assim prescreve: “compete privativamente à União
legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades,
para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e
para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art.
173, parágrafo 1º, III.” Além disso, referida lei ainda traz um capítulo de normas
destinado unicamente à União, compreendidas nos artigos 14 a 22.
A despeito disso e considerando que a competência privativa legislativa
da União refere-se apenas às normas gerais de licitação e contratação, Estados e
Municípios poderão instituir suas próprias legislações a respeito da matéria a
exemplo do que acontece nos Estados de Minas Gerais (lei n° 14.868/03) e de
São Paulo (lei n° 11.688/04).
O projeto de recuperação da Rodovia MG-050 que liga a Região
Metropolitana de Belo Horizonte à divisa com o Estado de São Paulo é
considerado o primeiro modelo de parceria público-privada no Brasil no setor
rodoviário, combinando a cobrança de pedágio com contraprestação paga
diretamente pelo parceiro público, tendo por finalidade recuperar, ampliar e
manter tal rodovia nos próximos 25 anos.2
Em São Paulo, o exemplo deste tipo de contratação é a obra da linha 04
do metrô da Estação Pinheiros e que culminou no trágico acidente ocorrido em 12
de janeiro de 2.007, com o desabamento de parte do túnel e morte de sete
pessoas, trazendo a baila à discussão a respeito da possível fragilidade e
limitação do parceiro público na efetiva fiscalização desse tipo de contratação em
que as cláusulas exorbitantes são claramente flexibilizadas.
2 “O trecho da MG-050, primeira PPP do Brasil, tem 317,4 quilômetros e vai de Juatuba até São
Sebastião do Paraíso. Ao longo dos 25 anos em que a Concessionária Nascentes das Gerais será
responsável pela administração da MG-050, a empresa investirá R$ 712 milhões, com uma
contrapartida mensal de R$ 658 mil do Estado.” Conforme informações publicadas no site
WWW.ppp.mg.gov.br, acesso em 1º/11/08.
Essa parceria tem por característica ligar o centro de São Paulo a cidade
de Taboão da Serra, abrangendo a parte sudoeste e passando por pontos
estratégicos da cidade paulistana como as avenidas Paulista, Faria Lima,
Rebouças e Nações Unidas, tendo sido considerada a mais cara contratação e
certamente a mais demorada.3
Por sua vez, na esfera federal, cabe destaque ao projeto de PPP da
concessão de trechos da BR-116 e 324 na Bahia. Ressalte-se também o projeto
de parceria público-privada do Pontal de Irrigação do Rio São Francisco que está
sendo coordenado pelo Ministério de Integração Nacional e pela Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Paraíba (Codevasf) que estima-
se, quando de sua implantação, a geração por volta de 7.540 (sete mil,
quinhentos e quarenta) empregos diretos e 15.080 (quinze mil e oitenta)
indiretos.4
2. Dispositivos legais em destaque
Quanto às disposições legais, a legislação prevê duas principais espécies
de parceria público-privada: concessão patrocinada (artigo 2º, §1º) e
concessão administrativa (artigo 2º, §2º), sendo, contudo, permitida a
3 A referida parceria público-privada foi contratada em 29 de novembro de 2006 “com a assinatura
do contrato de concessão, por 30 anos, para a operação e manutenção, além da compra da frota
de 29 trens e sistemas operacionais complementares da nova linha, no valor de 340 milhões de
dólares, a cargo do consórcio privado vencedor da licitação internacional, a empresa
“Concessionária da Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo S.A.”, que já constituiu empresa com
fim específico (sociedade de propósito específico) com capital total de R$ 93 milhões.” Conforme
site WWW.metro.sp.gov.br, acesso em 20/10/08.
4 Informações disponíveis no site WWW.pontal.org – Benefícios Sociais do Projeto Pontal,
acesso em 23/10/08.
combinação entre elas. A concessão patrocinada é uma concessão de serviço
público ou de obra pública de que trata a lei das concessões (lei n° 8.987/95)
quando, além de tarifas pagas pelos usuários do serviço, ainda há uma prestação
pecuniária paga pelo parceiro público ao parceiro privado.
Conforme Carlos Ari Sundfeld5, “a lei de PPP existe para permitir
contratos semelhantes de concessão, com investimento privado de longo prazo,
quando não é viável cobrar tarifa do usuário ou a tarifa cobrada é insuficiente.
Essa é a novidade da Lei de PPP. Por isso ela é complementar à Lei de
Concessão. O objetivo de ambas é: investimento privado, amortização a longo
prazo. O tipo de situação é diferente: viabilidade de amortização só com tarifas,
no caso da Lei de Concessão; necessidade de pagamento pelo Estado,
diretamente, no caso da Lei de PPP.”
Assim, a grande diferença entre a concessão comum da lei n° 8.987/95 e
a concessão patrocinada da lei n° 11.079/04 é a forma de remuneração que foi
diferenciada para atender essas situações particulares. Como exemplo deste tipo
de parceria cita-se a concessão de serviços de transporte coletivo de ônibus em
que o parceiro privado cobra tarifas dos usuários e ainda recebe uma prestação
pecuniária paga pelo parceiro público. Caso recebesse apenas por tarifas
cobradas dos usuários do serviço, estar-se-ia diante de uma concessão comum.
Já, a concessão administrativa é um contrato de prestação de serviços,
ainda que envolva a execução de uma obra ou o fornecimento e instalação de
bens, de que a Administração pública seja usuária direta ou indiretamente cuja
remuneração é paga pelo parceiro público conforme proposta econômica
elaborada pelas regras do edital. Exemplo típico dessa contratação é a
5 Sundfeld, Carlos Ari. Limite e Potencial das Parcerias Público-Privadas. Depoimento transcrito de
entrevista a Sérgio Praça. Março/2007, Getúlio.
construção e administração de presídios e de hospitais. Assim, nesta espécie de
contratação não há cobrança de tarifas pelos usuários dos serviços.
Por sua vez, o artigo 2º, §4º da lei n° 11.079/04 cuida de trazer as
vedações impostas à PPP, estabelecendo que não se admite a parceria quando o
valor do contrato for inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), quando
o prazo de prestação de serviço for inferior a 05 anos e quando a contratação
envolver unicamente o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e a
instalação de equipamento ou a execução de obra pública.
Vale lembrar ainda que pela legislação aplicável o prazo das parcerias
público-privadas não pode ser inferior a 05, nem superior a 35 anos, sendo
permitidas eventuais prorrogações, desde que a soma delas não ultrapasse os 35
anos previstos na lei. (artigo 5º, inciso I). A previsão de prazo mais dilatado
justifica-se pelo montante do investimento aplicado pelo parceiro privado que não
teria tempo suficiente de ser recuperado em período inferior, já que se trata de
contratações de valor superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).
É óbvio que a legislação em foco, seguindo os comandos constitucionais
de moralidade administrativa e impessoalidade (art. 37 caput da CF)6, prevê que a
escolha do parceiro privado será realizada através de licitação na modalidade
concorrência. Ainda como formalidade, a lei n° 11.079/04, no artigo 10, inciso VII7
exige também como condição prévia à abertura do procedimento licitatório a
6 “Art. 37, caput da CF: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ...”
7 “Art. 10 da lei n° 11.079/04: A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação
na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a: VII –
licença ambiental prévia ou expedição das diretrizes para o licenciamento ambiental do
empreendimento, na forma do regulamento, sempre que o objeto do contrato exigir.”
licença ambiental, nos exatos termos da lei n° 6.938/81 que institui a Política
Nacional do Meio ambiente, toda vez que o objeto contratual assim a exigir.
Quanto ao procedimento da concorrência cabe mencionar uma
interessante inovação. A exemplo do disposto na lei n° 10.520/02, que institui o
procedimento do pregão, a concorrência para a escolha do parceiro privado na
PPP, consoante artigo 13 da lei n° 11.079/04, pode prever no edital da licitação a
inversão das fases de habilitação e julgamento das propostas, o que trará uma
maior agilidade no procedimento da escolha.
Trata-se, contudo, de mera faculdade do parceiro público, uma vez que a
legislação não obriga tal inversão. Da mesma forma, no julgamento da proposta
ainda é possível mesclar propostas escritas e lances verbais em viva voz,
ampliando significativamente a competitividade e vantagens ao parceiro público
na escolha da melhor proposta de parceria.
Nesse sentido, Diógenes Gasparini8, ao analisar a inovação ao respeito
do procedimento da concorrência na PPP, explica que:
“Embora o procedimento tradicional da concorrência só admita proposta escrita, o edital para a escolha do parceiro privado pode permitir a apresentação de proposta escrita seguida de lances verbais. Nesse caso há que se adotar o seguinte procedimento, conforme determinado pelo parágrafo 1º do art. 12 da Lei federal das PPPs, ou seja, os lances em viva voz serão sempre oferecidos na ordem inversa da classificação das propostas escritas. Nesse caso, é vedado ao edital limitar a quantidade de lances. Portanto, serão realizadas tantas rodadas de lances verbais quanto for o interesse dos participantes ou, como dizem alguns, dos pregoantes, em continuar a dar lances. Para início de cada rodada de lances verbais, deve-se levar em conta a proposta escrita de maior valor, pois pelo seu autor a rodada deve começar. Dessas rodadas de lances verbais poderão participar todos os pregoantes, pois essa é a regra. O edital, no entanto, pode estabelecer que somente os pregoantes com propostas escritas com valor de 20% acima do valor da melhor proposta escrita poderão participar das rodadas de lances verbais. Esse percentual não pode ser diminuído pelo edital, pois estaria, se assim
8 Gasparini, Diógenes. Direito Administrativo. Saraiva: São Paulo, 2008, p. 423.
ocorresse, violando o princípio da competitividade. Certamente um percentual maior não seria ilegal, pois estaria mais próximo da totalidade de pregoantes.”
Em continuidade ao procedimento, a legislação ainda exige que, antes da
celebração do contrato e após a escolha do vencedor, os parceiros, público e
privado, constituirão uma sociedade de propósito específico (SPE) com o objetivo
de implementar e gerir o objeto da parceria, tudo nos termos do artigo 9º da lei n°
11.079/04. Ressalte-se que se trata de uma sociedade dotada de personalidade
jurídica, mas que a legislação não definiu a forma, apenas permitindo que esta
sociedade possa ser constituída sob a forma de companhia aberta.
De qualquer maneira, há vedação legal para que o parceiro público seja
titular, nesta sociedade, da maioria do capital votante, cabendo esta maioria ao
parceiro privado, nos termos do §4º do art. 9º, salvo o disposto no §5º do próprio
dispositivo9. “Esta exigência legal de constituir uma empresa nova para a
execução do contrato permite concluir que objetivou, o legislador, facilitar o
controle e a verificação contábil da atividade e dos recursos de origem pública na
associação decorrente da parceria.” 10
Outro ponto a ser destacado é que o artigo 11, inciso III da lei n°
11.079/04 prevê que os contratos de parceria público-privada deverão trazer
mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem para
dirimir as controvérsias a respeito do objeto da parceria. Independentemente das
opiniões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a possibilidade ou não do uso da
arbitragem nos contratos administrativos, o certo é que a legislação incentiva tal
9 “Art. 9º, § 5º da lei n° 11.079/04: A vedação prevista no §4º deste artigo não se aplica à eventual
aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição
financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de
financiamento.”
10 Bruno, Reinaldo Moreira. Direito Administrativo. Editora Del Rey: São Paulo, 2005, p. 323.
mecanismo de solução das controvérsias, gerando uma tendência importante no
direito brasileiro.
Hely Lopes Meirelles11, no que diz respeito ao tema da arbitragem, explica
que:
“Em 2002, o Governo Federal fez publicar, para receber sugestões, Anteprojeto de Lei
Geral de Contratações Administrativas no qual contempla a admissibilidade do juízo
arbitral nas pendências contratuais: ‘Os contratos da Administração podem prever meios
para a solução extrajudicial de conflitos, inclusive por juízo arbitral’(art. 136, parágrafo 2º)
– o que está a indicar tendência de se admitir expressamente esse modo amigável de
solução de conflitos, provavelmente para fugir da enorme morosidade do processo
judicial comum, que, se, por um lado, pode beneficiar o Poder Público, por outro, o
prejudica bastante com relação às previsões orçamentárias, criando débitos
assombrosos em virtude da correção monetária e da incidência de juros moratórios e
compensatórios.”
Dessa forma, não se pode negar o mérito da lei das parcerias público-
privadas no incentivo do uso da arbitragem nos contratos administrativos. É certo
que o interesse público primário da Administração Pública está voltado sempre a
interesses públicos ditos indisponíveis. Porém, não se pode esquecer que para
atingir o almejado interesse primário, o Poder Público se utiliza de interesses
públicos ditos secundários e celebrados, na grande maioria, sob a égide do direito
privado, com marcante traço de disponibilidade, passível de ser solucionado pelas
regras arbitrais.
11 Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros: São Paulo, 2007, p. 253
3. As parcerias público-privadas e o serviço público de saneamento
básico
Considerando-se a abordagem das regras acima, conclui-se que as
parcerias público-privadas são contratações que visam incentivar a cooperação
de agentes privados na consecução de serviços de interesse público e que
podem trazer uma melhora na infra-estrutura brasileira nas áreas relacionadas à
educação, saúde, segurança e assistência social, consideradas ainda muito
carentes de recursos públicos.
Claro que não se espera que com as parcerias público-privadas todos os
problemas relacionados ao desenvolvimento nacional estejam resolvidos, já que
são contratações de alto vulto, mais compatíveis com o governo federal e grandes
Estados brasileiros, inviáveis, talvez, nos pequenos Estados do país. Porém,
acredita-se que as parcerias público-privadas possam trazer grandes benefícios
na área de saneamento básico.
Sabe-se que a edição da lei n° 11.445/07, que institui as Diretrizes
Nacionais de Saneamento Básico, pretende tornar mais segura à prestação
deste serviço público no Brasil há tempo esquecido e que ainda representa um
mal que atinge milhares de cidades brasileiras.
Se saneamento básico representa vida e saúde, já que não há falar em
vida digna sem saneamento (art. 1º, inciso III da CF), nem muito menos em saúde
sem tais serviços, é óbvio que o acesso deve ser assegurado a todos no que diz
respeito a todos os serviços de saneamento básico. Se o objetivo da República
Federativa do Brasil é garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza
e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, incisos
II e III da CF), é certo também que o acesso a este serviço considerado essencial
para a vida e a saúde humana deve ser universal.
Porém, é sabido que muito pouco foi realmente investido em saneamento
básico no país, apesar de diversos mecanismos previstos no direito brasileiro que
pudessem colaborar com uma gestão associada dos entes públicos e destes com
a iniciativa privada para a solução definitiva desse problema, a exemplo da Lei nº
11.079/2004, que institui a parceria público-privada, além dos convênios e
consórcios públicos que há muito tempo já foram criados no direito pátrio.
De fato, uma recente reportagem divulgada na revista Carta Capital12, de
10 de setembro de 2008, demonstra que as crianças são as principais vítimas da
falta de saneamento básico. Conforme divulgado nesta reportagem, “as principais
vítimas da falta de saneamento são as crianças de 1 a 6 anos, que morrem mais
nas vastas regiões onde há esgoto a céu aberto. De 1992 a 2006, a média da
população com acesso à coleta sanitária passou de 36% para 47%.”
Não bastasse a mortalidade infantil, a falta de adequado sistema de
tratamento e distribuição de água e de tratamento de esgoto e coleta de resíduos
sólidos aumenta a incidência de doenças, como cólera, febre tifóide, giardíase,
amebíase, hepatite e diarréia, contribuindo para a diminuição da sadia qualidade
de vida da população brasileira. Essas doenças são transmitidas pela água
contaminada e o contágio ocorre na grande maioria de forma feco-oral, o que
poderia ser facilmente evitado com a implantação de sistemas de tratamento e de
distribuição adequada da água, impedindo-se a conseqüente contaminação.
Dessa forma, é bem clara a relação da mortalidade infantil e as condições
não só socioeconômicas, como também ambientais, da localidade considerada
em análise, de modo que a morte no primeiro ano de idade poderia ser evitada
12 A mortalidade entre 1 e 6 anos é 24% maior onde há esgoto a céu aberto. Os investimentos
chegarão a tempo para essas crianças? Revista Carta Capital – Especial infra-estrutura urbana,
10-9-2008.
facilmente com um adequado sistema de distribuição de água e de tratamento de
esgoto.
Vale lembrar que o dispositivo constante do artigo 225, caput, da
Constituição Federal concede relevância jamais dedicada ao meio ambiente num
texto constitucional. Visto por este ângulo, é importante destacar que a
discricionariedade da Administração Pública ficou bastante reduzida diante desse
preceito constitucional, na medida em que impõe ao gestor, ao administrar, a
incumbência permanente de respeito ao meio ambiente. Nesse sentido, a melhor
doutrina alerta:
“Daí que ao Estado não resta mais do que uma única hipótese de comportamento: na
formulação de políticas públicas e em procedimentos decisórios individuais, optar
sempre, entre as várias alternativas viáveis ou possíveis, por aquela menos gravosa ao
equilíbrio ecológico, aventando, inclusive, a não-ação ou manutenção da integridade do
meio ambiente pela via de sinal vermelho ao empreendimento proposto.”13
Assim, é neste contexto que se encontra inserido o saneamento básico no
Brasil. As atividades previstas pelo saneamento compreendem serviços vitais às
necessidades humanas, tais como abastecimento de água, esgotamento
sanitário, drenagem urbana, coleta e destinação final de resíduos sólidos,
saneamento da habitação e saneamento no processo de planejamento territorial,
entre outros.
Apesar de o comando constitucional inserido no artigo 225, caput, da
Constituição Federal preconizar que o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado é dever do Estado e da coletividade, em termos de saneamento
básico fica evidente a necessidade de implantação de políticas nesta área, a
cargo do Poder Público, para prover as necessidades vitais da comunidade, ainda
13 José Joaquim Gomes Canotilho; José Rubens Morato Leite, Direito constitucional ambiental
brasileiro, p. 75.
mais quando é sabido que mais da metade da população brasileira não conta
sequer com redes para coleta de esgotos e 80% dos resíduos gerados são
lançados diretamente nos rios, sem nenhum tipo de tratamento.14
Não se pretende, assim, afastar o fundamental envolvimento do cidadão e
da coletividade, como um todo, da implementação das políticas ambientais, haja
vista que o sucesso dessas políticas pressupõe que todas as camadas sociais,
conscientes de sua responsabilidade ambiental, contribuam para a proteção e
melhoria do meio ambiente, voltado não só para as presentes como para as
futuras gerações.
Cristiane Derani ressalta que:
“o texto de 1988 inova ao estabelecer uma justiça distributiva entre as gerações (ou
redistribuição entre as gerações), visto que as gerações do presente não poderão utilizar o
meio ambiente sem pensar no futuro das gerações posteriores, bem como na sadia
qualidade de vida, intimamente ligada à preservação ambiental.”15
Porém, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a
constitucionalização da proteção ambiental, o papel do Poder Público e,
principalmente, dos Municípios tem importância indiscutível na ampliação e
melhoria dos serviços de saneamento básico no país, e a universalização destes
serviços deve ser encarada como prioridade pelos Poderes Públicos, uma vez
que causará impactos diretos na saúde e na vida digna da população brasileira.
14 Dados fornecidos pelo ISA, Almanaque Brasil socioambiental, p. 247.
15 Direito ambiental econômico, pp. 267-268.
A despeito dessa recente legislação específica sobre a matéria (Lei n°
11.445/07), não se pode olvidar que as parcerias público-privadas representam
interessante mecanismo para a definitiva implantação dos serviços de
saneamento básico, ainda mais quando uma das políticas consagradas pela nova
lei de diretrizes nacionais é a gestão associada entre os entes para atendimento
mais adequado de serviços públicos considerados primordiais para a melhoria da
qualidade de vida de nossos habitantes.
Destaca-se, assim, a parceria público-privada como mecanismo de
cooperação entre os entes públicos e a iniciativa privada para investimentos
principalmente nas áreas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
Atualmente, verifica-se um crescente movimento a favor quer da
privatização das companhias de serviços de saneamento básico, quer pelo menos
a uma maior participação do setor privado. A participação e a entrada de capital
privado no setor de saneamento básico são medidas que dificilmente poderão ser
descartadas pelos governos brasileiros, até porque houve uma redução de
investimentos públicos nesta área.
Sem falar que várias doenças decorrentes da falta de saneamento básico e
que foram inicialmente citadas ainda absorvem por parte dos governos grande
fatia dos recursos destinados à saúde pública. Conforme já foi demonstrado, a
parcela da população mais prejudicada ainda é aquela de menor renda familiar e
que se encontra em estabelecimentos irregulares. Apesar de a situação a respeito
dos serviços de saneamento ter tido uma melhora em seus índices nas últimas
décadas, a situação ainda é muito preocupante no Brasil.
Os serviços de canalização e tratamento de esgoto sanitário ainda são os
considerados mais precários. Os contratos de concessão de serviço público ainda
existentes são muitos vagos, não definem com exatidão as regras tarifárias e as
obrigações das partes, e os Municípios, principais órgãos gestores deste serviço,
acabam prestando-o sem qualquer regulação municipal, sujeitando-se às
companhias estaduais.
Contudo, é importante compreender que não basta apenas incentivar a
contratação dos serviços de saneamento básico com a iniciativa privada. A
participação do setor privado neste processo é fatal, porém o sucesso na
prestação dos serviços de abastecimento de água e de canalização de esgoto
sanitário depende de uma estrutura mais segura de investimento aos
concessionários privados (estrutura remuneratória que nas parcerias público-
privadas já é legalmente mais segura), além de intensa fiscalização do Poder
Público, a fim de que a qualidade dos serviços não caia, prejudicando ainda mais
a universalidade de acesso do saneamento básico, ainda carente em várias
regiões brasileiras.
4. Considerações finais
Conclui-se, então, pelo exposto acima, que a tendência atual é de aumento
da participação privada nos vários setores carentes da sociedade brasileira, em
especial o de saneamento básico, como maneira de substituir aos poucos as
conhecidas companhias estaduais, principalmente por meio de celebração de
contratos de concessão de serviço público com empresas particulares, além das
contratações pelas ditas parceiras, visando à melhoria da eficiência do serviço.
Mas é preciso atentar também para o perigo que esse modelo poderá
trazer para a contribuição do problema da falta de saneamento básico e de outras
contratações de serviços públicos.
Tal alternativa, qual seja, a abertura de serviços públicos carentes da
sociedade brasileira à iniciativa privada somente surtirá resultados
verdadeiramente eficazes com uma boa estrutura contratual que, de um lado,
garanta uma segura política tarifária aos contratados privados e, de outro,
estabeleça controle e padrões de eficiência mínimos, para que não haja um
sacrifício da qualidade dos serviços, uma vez que sem um esquema de
fiscalização adequado e imposições de metas de eficiência, corre-se o risco de
estes contratos se transformem em apenas mais uma fonte de recursos aos
cofres públicos municipais.
5. Referências Bibliográficas
BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito Administrativo. Editora Del Rey: São Paulo,
2005.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito
constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad,
1997.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. Saraiva: São Paulo, 2008.
ISA – Instituto Socioambiental. Almanaque Brasil socioambiental. São Paulo,
2005.
MEIRLLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros: São Paulo,
2007.
REVISTA CARTA CAPITAL. A mortalidade entre 1 e 6 anos é 24% maior onde
há esgoto a céu aberto. Os investimentos chegarão a tempo para essas crianças?
- Especial infra-estrutura urbana, 10-9-2008.
SUNDFELD, Carlos Ari. Limite e Potencial das Parcerias Público-Privadas.
Depoimento transcrito de entrevista a Sérgio Praça. Março/2007, Getúlio.
Sites pesquisados
WWW.metro.sp.gov.br – acesso em 20/10/08.
WWW.pontal.org – Projeto de Irrigação Pontal, acesso em 23/10/08.
WWW.ppp.mg.gov.br – Unidade PPP de Minas gerais, acesso em 1º/11/08.