imortal - histórias de amor eterno

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Esta obra foi digitalizada/traduzida pela Comunidade Traduções e Digitalizações para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício da leitura àqueles que não podem pagar, ou ler em outras línguas. Dessa forma, a venda deste e‐ book ou até mesmo a sua troca é totalmente condenável em qualquer circunstância. Você pode ter em seus arquivos pessoais, mas pedimos por favor que não hospede o livro em nenhum outro lugar. Caso queira ter o livro sendo disponibilizado em arquivo público, pedimos que entre em contato com a Equipe Responsável da Comunidade – [email protected] Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras. Traduções e Digitalizações Orkut - http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=65618057 Blog – http://tradudigital.blogspot.com/ Fórum - http://tradudigital.forumeiros.com/portal.htm Twitter - http://twitter.com/tradu_digital

feito por:

Claudiana Dias

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Livro de Contos: IMORTAL – Histórias de Amor Eterno Organizado por: P.C. Cast Quando alguém é IMORTAL o amor verdadeiro é para sempre. SUMARIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 4

Amor Assombrado Cynthia Leitich Smith ......................................................................... 6

Névoa amarela .................................................................................................................... 18

Kristin Cast .......................................................................................................................... 18

Perseguição de um homem morto ....................................................................................... 29

Rachel Caine ........................................................................................................................ 29

Bons modos à mesa ............................................................................................................ 42

INTRODUÇÃO: P.C CAST 1º CONTO: AMOR ASSOMBRADO – CYNTHIA LEITICH SMITH A autora de Tantalize, Cynthia Leitich Smith apresenta um triângulo amoroso entre um vampiro, um fantasma e uma garota, no qual nenhum deles é o que parece ser. 2º CONTO: NÉVOA AMARELA - KRISTIN CAST E Kristin Cast, coautora da série House of Night, apresenta um novo tipo de vampiro: aquele com raízes na mitologia grega, com o poder de alterar o espaço e o tempo para salvar a menina a quem ele ama. 3º CONTO: PERSEGUIÇÃO DE UM HOMEM MORTO - RACHEL CAINE Rachel Caine revisita sua série Morganville Vampires, na qual os vampiros estão no comando e o amor é negócio arriscado, mesmo quando se trata de sua própria família. 4º CONTO: BONS MODOS À MESA - TANITH LEE A mestre em fantasia Tanith Lee nos mostra o que acontece quando uma moça bonita e inteligente com sabedoria sobrenatural encontra um jovem e atraente vampiro. 5º CONTO: LUA AZUL - RICHELLE MEAD A autora de Vampire Academy, Richelle Mead, mostra o conto de um jovem vampiro fugindo se seus semelhantes, e um rapaz que oferece carona e... um motivo para continuar fugindo. 6º CONTO: TRANSFORMAÇÃO - NANCY HOLDER A escritora da série Wicked, Nancy Holder, entra em uma Nova York pós-apocalíptica na qual dois grandes amigos são forçados a tomar uma decisão que pode levá-los à morte. 7º CONTO: FARRA - RACHEL VICENT Rachel Vicent explora um novo aspecto do universo se seu Soul Screamers com a história de uma fada capaz de inspirar o músico a quem ama a alcançar novos pontos de criatividade – ou sugar dele seu talento. 8º CONTO: LIVRE - CLAUDIA GRAY Claudia Gray nos leva ao mundo de sua séria Noite Eterna (Evernight), em que uma futura cortesã do século XVII é assediada por um homem perigosamente atencioso – em diversos aspectos.

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INTRODUÇÃO Então, diga, qual o problema entre adolescente e vampiros? Como? Certo, eu tenho minhas suspeitas. Assim como qualquer adulto maduro e razoável acima dos 30 anos de idade, que também é pai, costumo acreditar que a atração deles tem a ver com... bem... sexo. Sabe como é. Admito que li Entrevista com Vampiro no ano em que foi publicado. Não vou dizer em qual ano isso aconteceu para não assustá-los com minha idade avançada, mas posso dizer que li o livro pela primeira vez aos 16 anos, e fiquei encantada e obcecada pela grande sexualidade dos vampiros de Anne Rice. Mas ao fazer essa viagem de volta ao passado, concluo que preciso admitir mas do que apenas minha idade. Para ser sincera comigo e com você, preciso dizer que a atração do vampiro é muito mais complexa do que o simples desejo. A verdade é que o apelo dos vampiros vai além de hormônios em ebulição e de nossas emoções mais básicas. Devorei o livro de Anne Rice e depois absorvi Drácula, de Bram Stocker, e as maravilhosas Crônicas de Saint Germain, de Chelsea Quinn Yarbro, não apenas por serem sensuais – seria um motivo simplista demais. Fiquei vidrada em vampiros na adolescência porque me identificava com eles. Agora, meus leitores adultos devem estar balançando a cabeça e pensando: Cast enlouqueceu... de novo. É meio bizarro. Como uma adolescente da década de 1970, ou da década de 2000, que seja, poderia se “identificar” com vampiros? Certo, pois vamos lá. Quando eu era adolescente, compreendia os vampiros no fundo da alma porque, na essência do meu ser tomado por hormônios, eu acreditava que também era imortal. Na verdade, era uma crença tão enraizada, tão condizente com espinhas, dirigir, problemas com meninos e bailes, que apenas quando analisei o passado percebi o que me levou a absorver todos os mitos vampirescos que chegavam até mim. Pense bem. A sensualidade e atração dos vampiros deve ir além das mordidas e sangue. Vamos lá! Nenhuma dessas coisas é interessante, mesmo com um cara ou menina sensual e ardente na mistura. Mas pense um pouco sobre a habilidade de viver praticamente para sempre e de parar no tempo fisicamente, para não ter de envelhecer, e vai entender bem. Os vampiros se rebelam contra o tempo, independente de o “tempo” ser representado por rugas ou pulso firme de um pai, ou pela morte, não tem tudo a ver com ser adolescente? É claro que sim, pelo menos na maior parte do tempo. Espero que você esteja concordando, sorrindo e pensando: Cast não enlouqueceu totalmente. Ela esta velha, mas não enlouqueceu. Ainda. É de surpreender que Buffy tenha se tornado um fenômeno tão grande? Por um lado, ele representou a urgência de ser um adolescente. Tudo se tornou tão delicioso com a Buffy e a turma do Scooby. Para eles, todo dia podia ter sido mesmo o fim do mundo. Por outro lado, Buffy parecia invulnerável, até para ela própria, até depois de ter morrido – duas vezes! E por quem ela se apaixonou? Por vampiros, é claro. Sim, Buffy tinha amigos mortais, mas ela sofria com o fato de nunca conseguir se entender com um cara normal de sua idade (e espécie). Os personagens de Angel e Spike eram velhos e monstros, mas Buffy se identificou e se apaixonou por eles mesmo assim. Por que? (além do fato de serem tão liiindos). Por serem vampiros, eles simbolizam tudo que Buffy, como adolescente, acreditava que seria sempre exclusivamente dela: juventude imortal e a possibilidade de termos 15 ou 50 anos, queríamos estar com eles também – compartilhar da atração da imortalidade possível e do amor eterno. É um tema com o qual brinco em minha série de historias de vampiros para jovens adultos, House of Night, que escrevi com minha filha, Kristin. Em nossos livros, a heroína adolescente Zoey Redbird, faz uma mudança – deixando sua existência como ser humano para adentrar o mundo dos vampiros, no qual vai se tornar uma vampira adulta ou morrer. Durante essa mudança, Zoye se esforça para manter um relacionamento com seu namorado, um ser humano. Nesse esforço, ele demonstra que não esta pronta para assumir a mágica, a paixão e a eternidade que os vampiros, mais

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bem representado nos personagens de Erik Night e James Stark, em quem ela divisa a possibilidade da eternidade. Nos últimos livros da série, há a presença de uma anja caída e misteriosa. Kaloma – que é, de fato, literalmente imortal – e a rebeldia adolescente, assim como a atração, é exacerbada. É uma situação assustadora para Zoye, mas que também a atrai, assim como atrai os leitores. Acredito que isso é outra coisa a respeito dos mitos de vampiros com que os adolescentes conseguem se identificar – a sensação de medo que existe juntamente com a promessa da eternidade. É como a mistura de medo e ansiedade que sentimos ao pensar em sair de casa pela primeira vez. É algo que desejamos – algo com que sonhamos e esperamos – mas tem também a sensação do “com esse passo, nada mais vai ser como antes”. E mesmo esse medo é excitante, motivador. Os vampiros causam essa mesma sensação de excitação. Claro que podemos vencer a hesitação e nos lançarmos à imortalidade, mas talvez apenas os adolescentes sejam dispostos a fazer isso, por que eles estão acostumados com a grande incerteza que é o futuro e ainda acreditam que a eternidade poder ser alcançada – que a juventude pode vencer a morte e o amor pode vencer a idade e a apatia. Afinal, é essa a essência da juventude, não é? É a possibilidade mágica da eternidade que se abre diante de todos nós no inicio da fase adulta. Quando uma pessoa se torna adolescente, já é velho o bastante para ver a responsabilidade de vida adulta, pode praticamente tocar o apelo da liberdade e o mistério de imaginar o que esta por vir, mas ainda é jovem o bastante para crer que pode passar por esse futuro sem mudar, sem perder a si mesmo e sem se transformar em versões clonadas assustadoras de seus pais. E é isso que os vampiros pelos quais nos apaixonamos tentam fazer também. Não importa qual seja o mito, se estamos perdidos no mundo de Lestat, Edward e Bella, Angel e Buffy, ou mesmo de minha fabulosa Zoey Redbird, nossos encantados imortais lutam para manter seu próprio ser e encontrar amos em suas vidas. E nos levam juntos nesses esforços e, talvez, a jornada seja mais magicamente real para aqueles que ainda são jovens. Quer vir comigo? Vamos passar pelas terras dos imortais de novo. Eu fiquei impressionada com a veracidade e riqueza das histórias que os autores maravilhosos criaram nessa analogia. É sempre uma prazer visitar Morganville de Rachel Caine, e uma alegria ser seduzida pela mágica da voz e da visão únicas de Tanith Lee. Eu fui uma mãe orgulhosa, olhando para o mundo de Kristin Cast, no qual os vampiros eram criados pelas Fúrias antigas, e também me senti satisfeita como leitora. A conclusão da história da pré-Guerra Civil, de Claudia Gray, me deixou entusiasmada. Em Amor assombrado, fiquei surpresa com as mudanças de enredo de Cynthia Leitch Smith. Lua Azul, de Richelle Mead, me deixou sem fôlego. A visão pós-apocalíptica de Nancy Holder me levou em uma viagem maluca e assustadora, e a sirene vampírica de Rachel Vincent foi um acréscimo interessante em nossos mitos. Convido vocês a se unirem a mim na leitura da mágica dentro destas páginas. Ficaremos surpresos, juntos, pelo apelo do vampiro com isso – mesmo que temporariamente – alcançaremos certa imortalidade.

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Amor Assombrado

Cynthia Leitich Smith

No caminho para o trabalho, passo pela casa branca e desgastada, na qual passei minha infância. As janelas estão fechadas com ripas de madeira. A porta também. Acredito que ela será posta em leilão. Espero que seja vendida por um preço barato. Ninguém vai se mudar para Spirit, Texas.

Todos os anos, os formandos do ensino médio fazem as malas e partem – um ou dois vão à faculdade, o resto para assumir empregos em cidades maiores. E, a cada duas semanas, uma multidão se reúne na casa funerária para se despedir de um de seus velhos conhecidos. A morte é o negocio mais lucrativo na cidade.

Parece que todos morrem ou partem. Mas eu não vou a lugar nenhum. Spirit é o meu lar. É o pedacinho do mundo que faz sentido para mim, o que, ultimamente, quer dizer muita coisa. - Cody! – ouço chamar um voz alegre e feminina atrás de mim. Eu a ignoro. Nunca fui um cara muito falante. - Dody Stryker! – exclama a filha adolescente do prefeito – aquele que vai transformar salas vazias em lojas de antiguidade e as casas abandonadas em pensões e oferecerá a Spirit um futuro de novo, ou, pelo menos, é o que ele diz. – Espere – ela pede. – Preciso falar com você. – Eu pauso e me viro. Eu disse que ninguém de muda pra cá? A garota em pé diante de mim esta noite é uma exceção a essa regra. Na primavera do ano passado, Ginny Augustine e seus pais chegaram a Spirit depois de o banco ter hipotecado a casa deles em Woodlands. Geralmente, você precisa morar na cidade por pelo menos um ano antes de se candidatar à prefeitura, mas ninguém mais queria realizar o trabalho, por isso a cidade deu permissão e o Sr. Augustine se candidatou sem oponentes. Olho para a mão de Ginny na manga de minha blusa. - Não acredito que nos conhecemos. Sou... - Sei quem você é. – Eu começo a caminhar de novo. Olhando para ela de soslaio, pergunto: - O que você quer? Sinto uma leve culpa quando ela se mostra assustada. - Bem – Ginny recomeça -, tem alguém de mau humor. É o seguinte: vou entregar os ingressos a você. Legal, não é? – Ao ver que eu não respondo, diz: - Sabe, no cinema. Filme? Ingressos? Pela primeira vez em mais de cinqüenta anos, o Old Love Theater vai abrir às oito da noite. Após a morte do tio Dean, vendi 1/3 de seu gado, sua arma antiga e seu barco de pesca para pagar dividas. Nada disso valeu muito, mas nem o Old Love vale muito. É reconfortante ter um lugar para estar todas as noites, ter um propósito além de satisfazer minha sede. Ter algo em que pensar, além da noite em que vi meu tio pela última vez. Continuo, tentando ignorar quando Ginny me acompanha. Aos 16 anos, ela é bonita, de estatura mediana e cheia de curvas. Seus dentes são retos e branco-perolado. O cabelo comprido e cor de mel que emoldura seu rosto simpático. Com a camiseta azul-bebê na qual se lê espertinha com pedrinhas brilhantes e suas calças desbotadas e cortadas para serem transformadas em bermuda, Ginny parece ter sido nascida e criada em Spirit, como uma menina da cidade pequena. Quando chegamos ao cinema, ela insiste em continuar me seguindo. Ginny se recosta na porta, tímida, enquanto tiro minhas chaves do bolso de meus jeans. - Grande noite – ela comenta. – Esta nervoso? - Não – eu respondo, mentindo, destravando a tranca. Já do lado de dentro, digo: - E não estou contratando ninguém.

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- É mesmo? – Ginny perguntou, o pé com sua sandália na entrada. – Quer dizer que vai acionar o projetor, estourar a pipoca, arrumar as prateleiras, entregar alimentos e bebidas, passar aspirador no carpete, trocar os rolos de papel higiênico e fazer... aquilo que os gerentes fazem – cuidar de papelada e de contas – tudo sozinho? Pense nisso, caubói. Como pretende vender ingressos e lidar com as concessões ao mesmo tempo? Por um lado, não quero encorajá-la. Por outro, não preciso de problemas por deixá-la irritada. Não preciso de problemas, ponto final. Gostaria que ela fosse embora. – Não vou abrir a parte de prateleiras. - Pois vai perder seus lucros. Esta cobrando quanto? Três contos por sessão? Sei que as pessoas por aqui não tem dinheiro, mas você tem idéia, por exemplo, de quanto vai custar a eletricidade? Estamos no verão. No Texas. Pense no ar-condicionado. Para ser honesto, não tinha pensado nisso. Não tenho MBA ou algo assim. Acabei de concluir o ensino médio há algumas semanas. Costumava cortar grama no verão, mas esse será meu primeiro emprego de verdade fora do rancho. Talvez tenha sido ambicioso demais. - Além disso – Ginny prossegue – seguro, impostos e talvez você queira divulgar o local como sendo uma atração turística. Os fundadores de Spirit foram peças-chave no inicio da República, e o turismo histórico esta se tornando... - Chega – Tudo bem que ela é filha de político. Abrindo a porta ainda mais, sabendo que vou me arrepender, digo: - Entre. Vamos conversar. Ginny se aquieta enquanto eu a levo pelo corredor de serviço. Está quante. Abafado.

Tento imaginar se ela sabe da trágica historia da construção, de sua fama. Uma adolescente – Sonia Mitchell – foi encontrada morta em um armário em 1959. outra garota, Katherine “sei-lá-oque” Vogel, talvez - desapareceu e nunca mais foi vista. Ela era nova na cidade, assim como Ginny, e seu corpo nunca foi localizado. As duas meninas trabalhavam no cinema. E também, assim como Ginny, ambas tinham 16 anos.

Todos na redondeza ficaram sabendo da história. Os brincalhões surgiram ao longo dos anos, e de vez em quando um grupo saía correndo gritando que havia um fantasma ali.

Não posso negar que o cinema tem uma atmosfera sombria. Na última semana, via a letra “S” surgir e desaparecer na poeira diversas vezes. Uma ou duas vezes, eu podia jurar ter escutado uma voz suave vindo de dentro da construção. Atraente, musical, feminina... estou começando a escutá-la em meus sonhos.

Quando Ginny e eu entramos no corredor, não deixei que ela ligasse o ar-condicionado imediatamente. Em vez disso, assumo minha nova tarefa, tentando ver o local como os clientes desta noite o verão. É um local grande e antigo com um enorme candelabro de cristal, construído quando o algodão era o produto principal. É verdade que o papel de parede dourado e vinho esta gasto, e o carpete vermelho-sangue está surrado. Assim como os assentos vermelhos na sala de projeção – tanto no andar principal quanto nas sacadas. Entretanto, há um ara de romance ainda presente, um sussurro do passado.

Além disso, minha mãe adorava o lugar. Sempre que passava por ele, dizia que o Old Love era um fantasma dos dias gloriosos de Spirit, um lembrete do que tinha sido e no que nos transformaríamos de novo.

- Sabe mexer em uma caixa registradora? – pergunto a Ginny, fazendo gestos. Ela já esta mexendo na maquina. Tenho apenas uma, no balcão de venda de ingresso. É um

modelo mais velho que comprei pelo eBay. - Hum – Ginny diz , analisando o salão antes de responder. – Já sei! Podemos colocar doces e

pipoca no balcão, divulgar preços e deixar uma caixa com uma abertura para que as pessoas possam dar caixinha. Como na biblioteca, para o pessoal com livros com entrega atrasada.

Aquilo não daria certo na maioria dos locais. Contudo, funcionará em Spirit. - Tenho algumas caixas em meu escritório – eu digo, impressionado comigo mesmo. Depois de

uma pausa, digo: - Por que você quer esse emprego? Ginny da de ombros. – Preciso do dinheiro.

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Somos dois. Com o lance de viver para sempre, de repente passo a precisar de um plano financeiro de longo prazo. E percebo que, para Ginny, não há muitos outros empregos por perto. Aposto que ela tinha um carro veloz. Aposto que foi tomado.

Não consigo deixar de tentar imaginar se ela tem outro motivo além desse para estar ali. Não quero parecer convencido, mas sou bem bonito. Tenho os olhos azuis da minha mãe, e eles se destacam em minha pele morena, tenho cabelo preto e liso e traços fortes que herdei de quem quer que seja meu pai. Sou magro, mas forte o bastante por trabalhar no rancho do Tio Dean.

Fora de Spirit, as meninas estão sempre flertando, não que eu saiba como reagir. Os moradores da região, por outro lado, sentem pena de mim. Quando minha mãe morreu,

todos disseram que era uma pena eu ter me tornado órfão aos dez anos, apenas. Viram meus hematomas nos anos seguintes. E sabiam como era o Tio Dean. Durante muito tempo, pensei que mais cedo ou mais tarde alguém o denunciaria ao serviço social – um pastor, uma professora, a enfermeira da escola – mas isso nunca aconteceu.

Acredito que a maioria das pessoas tinha tanto medo do Tio Dean quanto eu. Ginny esta olhando para mim com um sorriso estranhamente compreensivo, e percebo que ela

esta esperando pela minha decisão. Não deixo de pensar que ela pode ser útil. Não consigo parar de tentar imaginar se ela tem namorado. Contudo, ficar com aquela menina de carne e sangue é intrinsecamente problemático. A carne é um problema. O sangue é um problema. A qualquer momento pode acontecer algo pior. – Tudo bem – eu digo. – Está contratada.

O candelabro faz um ruído, distraindo a nós dois. - Esfriou – Ginny diz, olhando ao redor. – Mas de onde vem esse frio. Ela faz perguntas demais. – Liguei o ar-condicionado. É mentira.

***********

Depois de muito negociação, concordo em dar dez centavos acima do salário mínimo, mando Ginny para casa para vestir uma camisa branca de botões, calça e sapatos pretos e peço a ela que volte em duas horas. Trancando a porta do meu escritório repleto de coisas, mas não fico animado ao perceber que preciso contratar mais uma pessoa. Alguém da região. Alguém quieto. Nos próximos anos, preciso estabelecer um acordo com as pessoas boas de Spirit. Elas podem não saber quem eu sou, mas saberão com o tempo. Se por acaso o plano de “revitalização” do pai de Ginny der certo, eu ficarei ali por gerações. Preciso mostrar a eles que minha presença é tão inofensiva quanto o fato de Edwina Labarge colecionar globos de neve ou de Betty Mueller falar com o marido morto, ou de a Senhorita Josefina e a Senhorita Abigail serem “amigas que moram juntas” há mais de trinta anos. Percebo que vou precisar de pessoas para a entrada, de modo que os clientes que cheguem da cidade vizinha não percebam que o “jovem” proprietário parece nunca envelhecer. Dentro do escritório, acendo a luz que aciona o ventilador de teto, e começo a procurar por jornais velhos e caixas, procurando por um que sirva para as prateleiras de produto. A manchete de um exemplar amarelado do The Spirit Sentinel, de 13 de junho de 1959, chama a minha atenção. Esta escrito: “A cidade lamenta por uma de suas filhas: mais uma moça desaparecida.” Eu pego o jornal, analisando a foto em preto e branco – a covinha e os olhos risonhos de Sonia. Passo os dedos sobre os cabelos que emolduram seu belo rosto. Dezesseis anos para sempre. Não quero ser o tipo de monstro a destruir uma inocência como aquela. Procurando em meu frigobar, pego uma garrafa de sangue, encho com ele um quarto de uma caneca Texas A&Mas, e a coloco dentro do micro-ondas sobre o balcão. Segundos mais tarde, fecho os olhos, sentindo o gosto, deixando de lado o desgosto. Estou assim há poucas semanas.

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É engraçado. Costumava ficar entediado com aquelas historias da imprensa sobre os adolescentes problemáticos que se metem em problemas na Internet. A maneira com que toda geração de adultos considera tudo que é novo – desde vestidos rodados, passando por rock’n’roll, passando pela World Wide Web – automaticamente um sinal do apocalipse. Minha teoria era de que a paternidade causava a amnésia seguida da paranóia, apesar de admitir que seria bom ter alguém que se importasse. Pouco depois de o Tio Dean quebrar uma de minhas costelas, fiquei sabendo, na escola, que havia um cara em Athenas, Geórgia, vendendo um “elixir de poder” na Internet. Pensei que fosse um coquetel de esteróides. Provavelmente arriscado, mas minha vida não era muito segura, pra começo de conversa. Contudo, o rapaz parecia que fornecia um pouco do negócio para a principal equipe de futebol do colégio em El Paso, a equipe vencedora do campeonato ano passado. Foi muito fácil. “Peguei emprestado” o cartão de crédito de meu Tio Dean e fiz meu pedido. O frasco chegou no dia seguinte em uma caixa de gelo seco.

Lembro de ter pensado ”Que diabos é isso?” enquanto abria a tampa. Nada seria mais apropriado. Afastando essa lembrança, pego a garrafa para me servir de mais sangue. Alguém usou um dedo para escrever algo na condensação do vidro. Parece a letra “S”. Não estava ali um minuto antes. Ela está ficando mais corajosa, esforçando-se mais para chamar minha atenção. É lisonjeiro, admito. – Sonia?

********** - O que você acha? – Ginny pergunta, organizando os copos de papel recém-colocados sobre o balcão. - Nada mal. – Preciso dar-lhe crédito. Com o uniforme de atente de cinema, completado com o rabo-de-cavalo, é uma americana perfeita. Ela também pediu a mãe que fosse com ela ao Wal- Mart (duas cidades ao norte) para comprar gelo, diversas garrafas plásticas de refrigerante de dois litros (diet, normal e Sprite), e diversos pacotes de barra de chocolate em promoção. É uma grande demonstração de entusiasmo, de espírito, pode-se dizer. Ela sorri e pega uma caneta preta de quadro branco para escrever os preços e orientações de pagamento. Ginny trouxe a caneta e a cartolina também. Peguei a caixa em meu escritório e a coloquei sobre o balcão antes de ela voltar. Já estava embrulhada com papel dourado-brilhante, outra compra feita no Wal-Mart. Meu olhar pousa na pele sobre sua jugular. Felizmente para Ginny, posso comprar “provisões” frescas do mesmo site que me vendeu a dose original. Na noite em que enterrei o corpo do meu tio atrás do celeiro, recebi um e-mail de um vendedor, dizendo que eu tinha os requisitos necessários para ter “status de cliente especial” e dando-me um código para usar nas próximas compras. Encontrei uma série de paginas dentro do site que incluía um documento extenso com perguntas para responder sobre nosso tipo, informações sobre como misturar diversos tipos de vinho de sangue e, depois, um serviço de namoro on-line (“Amor duradouro”) estendido a todos os membros registrados sem qualquer taxa adicional. Admito que cliquei no link, apesar de tudo, rindo com os anúncios de como fazer as presas crescer, diminuir as coxas e encontrar “companhia eterna”. Não tenho intenção de fazer isso. Posso ser alvo fácil, ajudando a financiar a aposentadoria de algum mal-intencionado. Mas consegui o que queria. Agora posso me defender de qualquer um. Só não imaginava que o preço seria tão alto.

********** olhando pela janela do cinema na Rua Principal, fico feliz ao ver que uma fila já se formou – algumas adolescentes e um delegado com sua esposa. Esta semana, vou apresentar O Fantasma da Ópera. já agendei A Casa Amaldiçoada, com Vincent Price, Ghostbusters e Ghost para as próximas três semanas.

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Estou tirando vantagem da fama sombria do local. Espero que Sonia não se importe. Cada vez mais, sempre que conserto um taco solto, passo aspirador no carpete ou limpo o banheiro das mulheres, não consigo tentar imaginar se Sonia aprova cada ação. Não consigo para de pensar que estou tentando impressioná-la. A escola esta fechada há duas semanas. A novidade de verão já passou. Jogadores de futebol americano e líderes de torcida estão ensaiando duas vezes mais, mas param ao por do sol e querem extravasar. Devo estar pronto para receber pessoas de cidades próximas, mesmo que seja por não ter nada melhor a fazer. - Três minutos – anuncio, percebendo que a fila do lado de fora está mais comprida agora. Grande parte dela é formada por curiosos, com certeza. Contudo, posso ganhar com isso. - Tudo isso? – Ginny exclama, arrumando o aviso. – O gelo vai derreter. - O gelo vai ficar bem. Você esta... você esta indo bem. Consigo tolerar a luz do sol, apesar de ela parecer me deixar mais fraco. Assim como o sorriso largo de Ginny. Ela dá um pulinho na direção do balcão de ingressos e estão, com um “Opa!” começa a cair. Sem pensar, utilizo uma força sobrenatural para impedir sua queda. Ginny se endireita com a mão em meu ombro – Como você fez isso? Enquanto era ser humano, não tinha amigos da minha idade – não amigos na vida real, mas apenas pessoas com quem eu conversava na Internet. Não pensei que fosse me sentir atraído por alguém agora. Sei que não devo me importar, mas pergunto mesmo assim: - Você está bem? - Acho que sim. – Ela se endireita. – Poderia jurar que tropecei em alguma coisa. Ambos olhamos para baixo para o carpete vermelho.

********** Ginny está fazendo um belo trabalho na caixa registradora. Não para de dizer “sim, senhor” aos adultos, é gentil com as adolescentes e um sinal agradável de que, apesar do cinema “assombrado” e sua historia assustadora, o filme sobre fantasma é uma grande brincadeira. Estamos apenas nos divertindo ali. Enquanto isso, estou servido outra rodada de refrigerante. Está tudo bem. Com o sistema de pagamento livre, não preciso interagir com os clientes. Pelo menos até o delegado jogar algumas notas enroladas de dólares na caixa e dizer: - Jovem Sr. Stryker, não é? - Sim, senhor. – Mantenho o tom de voz em um nível normal. Nunca tive problemas com a lei. Na verdade, sou bem decente – alguém que teve uma vida difícil, mas que é respeitável, honrado. – Bem-vindo ao Old Love delegado. - Como está seu tio? – ele pergunta, pegando um refrigerante, uma caixa de bolinhas de chocolate e um pacote de balinhas de anis. – Alguns rapazes no Hank’s Roadhouse estavam querendo saber dele. Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, as perguntas viriam. Dói lembrar que o Tio Dean tinha colegas, que ele tinha um lado bom, que só conseguia ver raramente ou quando ele ganhava bastante dinheiro. Engulo o nó em minha garganta, olho para os dois lados e encaro o delegado. Falando mais baixo, procuro igualar minha voz no tom da dele. – Cá entre nós? Ele assente de cabeça rapidamente. - Estou achando que ele encrencou com o homem errado. Deve ter fugido para Matamoros antes de o cara vir pegá-lo. Nem se despediu. O delegado concorda. – Sorte a dele – ele diz ao começar a se afastar. Então, depois de entregar o refrigerante à sua esposa, ele se vira para mim e diz: - Fico feliz por vê-lo fazendo alguma coisa boa. Sua mãe era uma mulher digna. Durante um tempo, sirvo mais algumas bebidas e dou um “oi” aqui ou um “como vai?” acolá, e então os clientes fazem suas escolhas e pagam. Contudo, não demora até que eu percebo a agitação no balcão dos ingressos.

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- Bem, por favor – Ginny diz, aumentando o tom de voz. – Estou atendendo clientes. Bem Mueller estava um ano depois de mim no ensino médio. Seu irmão mais velho joga futebol americano para o Baylor, sua mãe leciona na escola de ensino fundamental, e seu pai tem um negócio de carros usados na estrada. Seu avô, Derek Mueller, morreu há dois anos de ataque cardíaco depois de trabalhar como xerife por quarenta anos. Ben é popular, um atleta bem capacitado e freqüentador da igreja. Só o conheço por nome, mas ele ri muito e parece um cara comum. - Algum problema, Ginny? – pergunto, aproximando-me. Ben ri uma risada nervosa e amarga. – Você também é um maluco? Atrás dele, Tricia, a moça proprietária de um salão de beleza, esta cochichando com sua melhor amiga, Martie. Elas são as fofoqueiras de plantão. Se o Old Love se tornar um local conhecido como ideal para “hooligans selvagens”, tudo estará perdido. Preciso lidar com isso sem fazer alvoroço. - Ben, por favor – Ginny diz de novo. – Você precisa pagar ou ir embora. - Tudo bem – Ben responde. – Mas saiba que eu sou... Eu o seguro pelo braço e percebo que ele ficou surpreso com minha força. Olho dentro de seus olhos, percebendo que sou cinco centímetros mais alto. De acordo com a seção de perguntas freqüentes no site do vendedor de sangue, alguns de nós temos o poder de dominar moralmente os traumatizados ou fracos. Vale a pena tentar. Mantendo a voz regular, digo: - Você vai sair agora. - Vou sair agora – Ben repete e dá meia-volta para sair pela porta da frente. Fico surpreso o ver que deu certo. Não o conheço muito bem, mas nunca o considerei fraco, e quanto aos traumas, todo mundo sabe que ele teve uma vida tranqüila. - Meu herói! – Ginny exclama e em sua voz fica clara a admiração sincera. Então, ela sorri para as duas senhoras esperando em fila. – Posso ajudá-las?

*********** Depois que o ultimo cliente se acomoda, começo a rodar O fantasma da Ópera na sala de projeção. Então, escuto Ginny me chamar. Ela parece assustada, aterrorizada. Desço correndo as escadas e me lanço contra a porta vaivém que dá para o banheiro das mulheres, onde ela está apontando para a palavra SAIA escrita no espelho com batom cor-de-cereja. Não estava ali antes de abrirmos. Não vi ninguém entrar no banheiro antes de o filme começar. Pela cara dela, tenho certeza de que Ginny não fez aquilo, mas a cor das letras parece a que está em seus lábios. Ela pega o batom de cima da pia. - É meu – ela confirma. – Estava na minha bolsa. Eu havia colocado a bolsa dela em meu escritório quando ela retornou à noite. Deve ter sido Sonia. Não sabia que ela podia fazer isso, mover objetos. De qualquer modo, está começando a parecer que ela quer ficar com o lugar só para si. Não compreendo. Ainda estamos nos conhecendo, mas estava tudo indo muito bem. - Uma brincadeira sem graça – eu digo para acalmar Ginny. – Vamos limpar isso. Ginny abre o pequeno armário e pega um frasco de limpa-vidros com borrifador e um rolo de tolhas de papel. – O que você fez a Ben? – elas pergunta de modo cuidadoso e percebo como fui imprudente. Se quero me manter longe de desconfianças, tenho de aprender a lidar com as pessoas – principalmente com as mais encrenqueiras – sem usar meu poderes. Chega disso. E também não posso mais usar a velocidade sobre-humana. Respondo com uma pergunta: - O que está acontecendo ente você e Ben? Ginny começa a espirrar o limpa-vidros. – Posso confiar em você? É uma pergunta maia abrangente do que ela percebe. – Não sei a resposta ao certo. - Você pode se abrir comigo – eu digo. – Pode perguntar a quem quiser. Não sou fofoqueiro. – E isso é verdade. Ela se afasta para olhar pela porta do banheiro para ter certeza de que não há ninguém escutando. – Bem... - Espere. Vamos ao meu escritório. Tem chave. Assim, ninguém vai entrar de repente.

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- Mas e o...? – ela aponta para o espelho. Dou de ombros. – Vamos dizer que foi um fantasma. - Fantasma? – ela pergunta. Enquanto caminhamos, conto a ela a história, dizendo que a história de assombração faz parte do folclore regional. Pela expressão séria de Ginny, suponho que ou ela acha a idéia dos fantasmas inofensiva ou repugnante ou, no momento, está mais envolvida em uma questão corporal. Nós dois entramos, eu me sento atrás da mesa, e espero, tentando não permitir que minha ansiedade se torne aparente. Não podemos ficar ali por muito tempo com a porta fechada. Afinal, ela ainda é menor. Contudo, ela tem alguma coisa, existe uma conexão estranha entre nós. Eu provavelmente tive isso com todas as pessoas no ultimo ano. Ginny cruza os braços. – Não conheço as pessoas de Spirit tão bem ainda, nem de perto tão bem quanto eles conhecem uns aos outros. Eu não sabia nada sobre Ben. Eu me inclino para tirar os jornais de cima de uma caixa na qual ela possa se sentar. – O que tem ele? Ela se senta. – Eu... fomos ao baile juntos. Bem me levou para um hotel na estrada depois. Pensei que íamos fazer uma coisa. Mas ele pensou em... - Entendi – eu digo. Muitos meninos criam expectativas nos bailes. Fico imaginando que Ben não soube aceitar “não” como resposta. O fato de ele ainda estar assediando Ginny sugere que a coisa foi feia. - Tive de sair pela janela do banheiro – ela continua. Poderia ter sido pior. – Quer que eu a acompanhe até sua casa hoje? - Sim – Ginny faz uma pausa, ficando em pé de novo. – Não, esta tudo bem. É que... Não queria que as coisas terminassem desse jeito. Nunca pensei que um único encontro se tornaria... - Uma assombração eterna? – pergunto. Ela estremece. – Como sabia? Lembro do rosto de meu tio. – Foi só intuição.

***********

Quando o ultimo cliente satisfeito vai embora, Ginny dá pulos pela recepção com um saco grande e preto de lixo. – Vamos nos livrar disto e comemorar! – Dizendo isso, abre aquele sorriso reluzente e desaparece dentro da sala de projeção. Comemorar? Vou me sentar com ela e explicar que somos empregada e empregador, que não podemos ser nada além disso. Mas... ela precisa de uma amigo no momento. - Espere um pouco – eu digo. – Vou ajudá-la. Pego um saco e percebo que provavelmente deveria ir aos banheiros antes. Então, desço o corredor, diminuindo os passos ao escutar a voz misteriosa de novo. – Sonia? – Ela esta cantando? – Sonia! Deixo o saco de lixo escorregar de meus dedos em cima do carpete vermelho e começo a caminhar com mais rapidez na direção na direção do som. Fica mais alto e mais claro a cada passo que dou. Já escutei a canção antes. Spirit tem apenas três emissoras de rádio – uma em espanhol, uma que toca coutry e outra que toca sucessos antigos. É um sucesso da década de 1950, To Know Him Is to Love Him. É meio doce e meio insípida e depois de escutá-la, fica difícil de esquecer pela noite toda. A voz me guia para a porta de uma sala de descanso bagunçada que, na pressa para a grande reinauguração, decidi arrumar depois. Enquanto tento pegar minhas chaves, a porta, que deveria estar trancada, se abre sozinha. Do lado de dentro, a temperatura é mais baixa, muito mais do que deveria ser, principalmente quando as venezianas batem e se fecham. Ao entrar, vejo uma pia e armários, e um espaço vazio onde

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costumava ficar uma geladeira grande, uma mesa desgastada grande o suficiente para acomodar seis pessoas, e cinco cadeiras de metal. A voz esta vindo de um dos armários entre dez enferrujados e enfileirados na parede. Poderia prender a respiração, se ela não fosse opcional. – O que está tentando me dizer? Ao abrir o armário, vejo que ele esta vazio. A voz fica mais alta e a sala mais fria. Por trás, escuto algo bater na mesa. Virando-me com rapidez, vejo a poeira ainda no ar de onde estava o livro pequeno de capa de pano. Caminho até ele e a canção desaparece a cada passa que dou, desaparecendo totalmente quando pego o... é um diário. Folheio as paginas, casa registro assinado com a letra “S”. pego uma foto antiga de uma bela menina de cabelos escuros, a mesma menina cuja foto está na primeira página da edição do The Spirit Sentinel, de 1959, em meu escritório. Ela está acariciando um gatinho malhado. Incrível. Depois de uma vida inteira solitária, percebo, de repente, que tenho duas meninas novas em minha vida. Ginny é simples de compreender. Mas e Sonia? As canções, o diário, até mesmo o “S” misterioso aqui e ali parecem bem mais receptivos do que o SAIA no banheiro. Será que ela quer mesmo que eu saia ou está apenas brincando com o tema de assombração do cinema? Um pouco depois, do outro lado da construção, Ginny volta a gritar. Quando chego à sala de exibição, encontro-a segurando o braço direito. Sangue escorre por seus dedos. Consigo sentir o cheiro. Quase consigo sentir o gosto. Percebo minhas pesas crescerem. Paro para retomar o controle, chamando “Ginny!” como se não conseguisse vê-la ali, inclinada em um corredor. - Aqui – ela diz, endireitando-se, com o rosto coberto pelos cabelos cor de mel. Eu corro até ao lado dela. – O que houve? Você se cortou em uma cadeira? – Elas são velhas e os assentos pesados e estofados se dobram para baixo. Pode ser que ela tenha se cortado com uma mola. - Não. – Ginny ergue a mão para revelar três arranhões curtos e profundos. Parecem marcas de unha. Misteriosa, ela diz: “Foi como ser arranhada pelo vento”. Sonia. Percebo que estou lambendo os lábios. – Você precisa levar pontos. Vamos... - Não – Ginny responde. – Tudo bem. Apenas me assustei. - Vai formar uma cicatriz – eu insisto. - Dê sua camisa para mim – ela responde. - O que... - Sua camisa. Assim, posso aplicar pressão direta no sangramento. Envergonhado pelo mal-entendido, já começo a desabotoar a camisa antes de ela concluir a frase. Dobro a peça da melhor maneira que consigo e a amarro ao redor de seu braço. - Meu herói – Ginny diz novamente. Ela fica em pé e ma dá um beijo no rosto, perdendo o equilíbrio e seus lábios repousam, demorados, em meu pescoço. – Quanto àquela comemoração... - Vá para casa, Ginny – eu digo, afastando-me. Ela se mostra assustada, como a criança que é. – Mas... Eu suavizo a voz. – Acho melhor você ir para casa. Observo enquanto ela sobe o corredor, irada, desaparecendo porta afora. E então uma voz sem corpo – suave, musical e furiosa – suspira em meu ouvido. – Assassinato, assassinato, assassinato.

********** Mais tarde, no rancho de meu tio, caminho até a cova dele, sem identificação, atrás, do celeiro. Eu o enterrei fundo, envolto em um cobertor mexicano. O solo está liso, firme. Tento dizer a mim mesmo que é melhor para ele estar ali do que no velho cemitério na cidade. O Tio Dean amava aquele pedaço de terra como todo o amor que era capaz de dar a qualquer coisa que fosse. Contudo, a cova me deixa inquieto. Sem lápide, sem cruz. Talvez ele não tivesse sido um homem bom, mas era o irmão mais velho de minha mãe.

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Conforme a madrugada chega, deixo a culpa de lado e entro. Agora, estou navegando pela Internet na mesa da sala de jantar, bebendo sangue esquentado no micro-ondas e pesquisando sobre fantasmas. A história de Sonia combina com todas as informações que tenho até agora. Sua morte foi traumática. O assassino não foi preso. No mundo dos espíritos, isso se chama “negócios inacabados”. Um motivo para assombrar. E está claro que Sonia quer que eu saiba quem ela é – escrevendo suas iniciais e me dando o diário são pistas suficientemente claras. De acordo com a matéria do jornal, no entanto, Sonia era uma pessoa querida. Dava aula de catecismo e ajudava seus vizinhos idosos. Uma analise rápida no diário – repleto de iniciais – confirma que ela era uma menina bem intencionada com a letra de mão redonda e a típica rebeldia adolescente: lição de casa, um menino (“D”), uma menina inimiga (“K”), adorava Elvis (“E”), tinha um gatinho chamado Peso (“P”) e reunia brinquedos no Natal para dar aos pobres. Talvez Sonia pense que eu sou uma ameaça a Ginny, e queira que eu saiba que ela está de olho. Mas não sei por que ela atacou Ginny. Talvez em seu estado fantasmagórico, Sonia esteja confusa. Ou talvez esteja tentando proteger Ginny assustando-a. Acredito que sempre existe a possibilidade de que o Old Love seja o lar de mais de um fantasma. Katherine, a menina desaparecida, provavelmente é K. De acordo com o diário, ela e Sonia não se davam bem. Mas não há evidencias claras de mais de uma pessoa, e a voz cantarolante que me levou ao diário de Sonia na sala de descanso combinava com a voz de acusação que sussurrava “assassinato”. Além disso, quantas pessoas mortas poderiam estar pelo local? De qualquer modo, não posso ignorar a mensagem com batom nem o fato de Ginny ter ser ferido. Se não posso convencer Sonia (ou quem quer que seja) que não sou perigoso, precisarei colocá-la para fora. Isso ou meu esforço de ressuscitar o Old Love estará perdido. A questão é, como? Não posso chamar um pastor nem um padre. Pior ainda, o fantasma que fali tem razão. Posso ser letal. Já matei antes. Tomo mais um gole de sangue e percebo que meu identificador de chamadas está piscando. Ben Mueller. Ele não deixou mensagem. Por que Ben telefonaria? Será que ele pensa que Ginny foi para casa comigo a noite passada? Não tenho fama com as meninas, mas ele conhece Ginny melhor que eu, e levando em conta a maneira com que ela beijou meu pescoço... Contudo, telefonar depois da briga que eles tiveram, é perseguir. Talvez Sonia esteja certa por se preocupar com a segurança de Ginny, mas está de olho no cara errado.

********** Na noite seguinte, caminhando pelo corredor do cinema, não escuto nenhuma canção. Não piso em pontos frios. Não vejo mais a letra “S”. Hoje, eu servi refrescos. Também fiz alguns telefonemas, e pedi que fossem entregues doces, pipoca e refrigerante. Esta noite, coloquei Sonia para descansar. Ginny entra saltitando na recepção as sete horas em ponto. Está vestindo uma camisa branca diferente, com as mangas compridas e abotoadas nos pulsos. - Como esta seu braço? – pergunto perto das prateleiras. Ginny dá de ombros. – Pareceu pior do que é. - E Ben? – pergunto. – Ele voltou a perturbar? Ela olha para a porta da frente. – Hoje, não. Nesse momento escuto Sonia sussurrar “assassinato” em meu ouvido de novo. - Não! – exclamo. Ao ver a expressão de Ginny, acrescento: - Não é com você! Passo a mão pelos cabelos, frustrados. – Sinto muito, mas você vai ter que partir. Não vamos abrir esta noite. Tem... tem alguém aqui. Vai parecer loucura, mas ela é um... - Fantasma? – Ginny ergue o braço arranhado. – Sim, já percebi. E, na minha opinião, devemos exorcizar a safada.

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Uau. Essa era a ultima reação que eu esperava. Mas não deixo de admirar a coragem de Ginny. Talvez pudéssemos ter um futuro se estivéssemos dispostos a lutar por ele. Olho para a Bíblia da minha mãe, enrolada em um pano de prato, sobre o balcão. Não sei se vou incendiá-la com meu toque. Não sei o que estou fazendo apesar de Sonia ter atacado Ginny, não consigo afastar os sentimentos confusos em minha mente. Afinal, eu não sou inocente e, apesar de tudo, ela era. - É serio, vamos fazer isso agora. – Ginny dá um passo em minha direção, e é afastada de modo violento por uma rajada de vento, uma parede forte de ar que nos separa. Doces e copos caem do balcão, derrubando o refrigerante. Uma marca de sangue aparece na testa de Ginny. O candelabro de cristal balança e chacoalha. - Sonia! – Eu grito tentando segurar Ginny. – Sonia, por favor! Escute o que eu tenho a dizer! Você esta cometendo um erro! Será que não vê? Está machucando Ginny! - Assassinato! – Sonia responde, dessa vez com a voz mais alta que a minha. – Assassinato! - Eu – tenho de admitir? É isso que terei de fazer? – Eu sou... Ginny cai de costas. Ela tenta se livrar como se estivesse sendo esganada por mãos invisíveis. Chuta com as duas pernas. E volta a ser erguida, rodada e derrubada de novo. Eu estico o braço para pegar a Bíblia, soltado-a quando sinto os dedos doerem. Não compreendo. Sonia sabe que eu sou o monstro. Por que está voltando contra Ginny, e não contra mim? Por um milésimo de segundo, tento imaginar se Sonia está com ciúmes, se as garotas estão brigando por minha causa. Mas então Sonia diz “assassinato, assassinato!” de novo. - Tem razão! Sonia, você tem razão! – Eu não tinha a intenção de matar meu tio, apesar de que, mais cedo ou mais tarde, ele teria me matado. Eu só queria ser mais forte, forte o bastante para me proteger. Não sabia que o desejo pelo sangue viria tão forte. Ainda não tinha controle sobre ele. – Sonia, pare! Por favor! Castigue a mim! Estou disposto a enfrentar a justiça dela quando Ben entra na recepção pelo corredor de serviço. Está segurando um machado em uma mão e – santo Deus – as cabeças decapitadas dos pais de Ginny, pelos cabelos, na outra. Ben joga as cabeças no tapete vermelho. – Como vai Ginny? Sonia o teria possuído? Teria ele enlouquecido? Ginny está ajoelhada, com a cabeça inclinada para frente, com as mãos cobrindo o rosto. Ela é um alvo fácil. - Assassinato, assassinato, assassinato! – Sonia ataca de novo. Ben hesita, procurando pela dona da voz. - Sonia! – Pego uma caixa de chocolates que passa por mim. Quero ajudar. Preciso ajudar, mas o vento sobrenatural me mantém afastado. – Solte-a! Ele vai matá-la! Ginny parece tão frágil, encolhida no carpete vermelho. Nós nos conhecemos há apenas dois dias, mas ela trouxe alegria a minha vida e fez com que eu me sentisse bem. Não é amor. É a esperança do amor. Mas é o mais próximo que cheguei do amor desde os dez anos de idade. Se Ginny gosta de mim, como posso ser um monstro? Eu pego a Bíblia de novo e a seguro acima da cabeça, ignorando a dor. – em nome do... – falo mais alto, começo de novo. – Em nome do Pai, do Filho... Com um rosnado, Ginny levanta o rosto. Sua mascara de inocência desaparece, e eu a vejo pela primeira vez como ela realmente é. Imortal. Demoníaca. Assim como eu, uma vampira. Solto a Bíblia, fechando as mãos doloridas. – Ginny? Bem olha para ela e para mim, como se tentasse entender quem estou defendendo. - Eu ia lhe contar – Ginny diz com a voz suplicante. – Quando seu perfil surgiu no sistema, pensei ser um sinal. – Ela estremece, tomada pelo fantasma. – Quero o tipo de amor que dura. O sistema. “Amor duradouro”. Ela está falando sobre o serviço do vendedor de sangue. Ginny deve ter o mesmo fornecedor. - Sonia! – Ela grita. – Você não tem nada melhor a fazer? Foi um fracasso na vida, e continua sendo um fracasso agora. Eu disse a você que esta cidade seria minha um dia.

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- Assassina! – Sonia responde. – Katie, assassina! Então foi Ginny quem matou Sonia. Esta não estava tentando afastar Ginny, tentando protegê-la de mim. Quando Sonia dizia “assassinato”, não era a mim que se referia, Ginny tinha sido Katie, Katherina, a menina cujo corpo nunca foi encontrado. Ginny estava agachada, mas atacou Bem quando uma marca de sangue apareceu em seu peito, manchando a camisa branca. Ela derruba o machado da mão dele e lhe passa uma rasteira. Ele não é páreo para ela. Ginny não pode lutar com Sonia, mas poderia arrasar com Ben. - Deixe-me ajudá-lo. – Eu digo, e a força fantasmagórica desaparece com a mesma rapidez com que surgiu. Eu me lanço sobre o balcão, pego o machado do carpete e fico em pé entre eles. Por um momento, vejo a esperança nos olhos de Ginny. Diferentemente de Ben, ela sabe que sou com o ela. Já admitiu que me quer. Já me chamou de “herói” duas vezes. Lentamente eu balanço a cabeça em negativa, sem deixar qualquer dúvida sobre minhas intenções. - Você não faria isso – Ginny diz quando se dá conta do que está acontecendo. Já foi derrotada por mim, por Sonia e por Ben. Sua voz demonstra resignação. Suas ultimas palavras são: “O papai tinha grandes planos”. Corto a cabeça dela com a lâmina e, tremendo, solto o machado. Depois de um momento de surpresa, Ben fica em pé e apóia as mãos em meu ombro. – Você está bem, cara? - Melhor agora – respondo. – E você? - Ela foi atrás de mim na noite do baile – ele explica. – Tenho tentado tirá-la de nossa cidade desde então. Nossa cidade. Ben é Spirit. Eu sou Spirit. Com certeza Sonia é Spirit. Ginny era a nova garota de novo, dessa vez com um novo nome. - Tentei alertá-la. – Ben diz. – Tentei afastá-la. Procurei ajuda com minha família, mas ninguém acreditou em mim. Ela não parecia ser uma vampira, sabe? - Sim, eu sei. O que aconteceu aqui vai ficar com Ben por muito tempo. Ele não é o tipo de pessoa que pode destruir outra pessoa, outra coisa, sem sentir remorso. Sei como ele se sente.

********* Faz duas semana desde aquela noite, desde a última vez que senti a presença de Sonia. Já sinto falta dela. Sinto muito por ter desconfiado de sua bondade, e fico feliz porque o monstro que a matou nunca mais vai ferir ninguém. Ben e eu queimamos os corpos de Ginny e de deus pais (as cabeças também) atrás do meu celeiro. Enterramos o machado, que ele havia tirado do escritório do prefeito, perto de meu tio. - Quando a primavera chegar, você espalha algumas sementes de flores do campo sobre as covas – ele disse. – Afinal, eles já foram seres humanos. Eu disse que faria isso e pensei em espalhar sementes sobre a cova do Tio Dean também. No dia seguinte, Ben disse a sua Tia Betty que os Augustine haviam pegado suas coisas e partido no meio da noite para que o prefeito pudesse assumir um cargo no norte, com salário muito alto. Ben explicou que Ginny contou a ele que seu pai estava envergonhado demais por sair da cidade depois de ter feito tantas promessas. Disse que por isso ele e Ginny tinham discutido no cinema. Betty espalhou há história no dia seguinte no salão de beleza, e todo mundo ficou sabendo. O delegado entrou com uma petição para colocar seu nome como candidato à prefeitura. Eu a assinei na semana passada. Parece que Ben não é um cara ruim. Seu avô, o xerife Derek Mueller, tinha sido o caçador de vampiros que tirou os Augustine da cidade no passado. O xerife havia contado o que viu e aprendeu a Ben, para que o neto soubesse o que fazer se os imortais homicidas voltassem para a cidade.

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Ben decidiu trabalhar no Old Lover e guardar dinheiro para a faculdade. Aparentemente, ser um bom atleta para os padrões de Spirit não é necessariamente tão bom quanto der um intelectual. Encarar os imortais fez com que ele crescesse muito. Ele não sabe o que eu sou ainda, mas entendeu quando expliquei sobre Sonia. Espero que quando o dia chegar, ele perceba que não sou apenas um rapaz da cidade, e se lembre do que ocorreu e me dê o beneficio da dúvida. Esta noite depois que os Caça-fantasmas salvarem Nova York, agradeço a Ben pela boa noite de trabalho, tranco a porta da frente e mais uma vez escuto Sonia cantando: To Know Him is to Love Him. Quando olho na direção da voz, vejo Sonia pela primeira vez. Ela assumiu um de meus trabalhos, o de limpar o balcão, sem se importar. Sonia é transparente, vestindo um uniforme quase igual ao que Ginny usava, mas o de Sonia tem um avental vermelho com um bordado dourado no qual se lê “Amo Cinema”. Não percebi que ela ainda estava ali. Não compreendo. Sem Ginny, por que ela continua ali? – Sonia? - Sonia – eu digo, para o caso de ela não ter entendido o que houve -, sua assassina foi destruída. Acabou. Pode seguir seu caminho. Pode is para a luz. Sonia inclina a cabeça. – Não tinha que ver apenas com justiça. – Sua voz parece distante. – Cody, você acredita em amos a primeira vista? Olhando para ela, pode ser que acredite. Li na Internet que quanto mais acreditamos em um fantasma, mais forte ficam seus sentimentos por eles, e mais reais eles se tornam. A cada segundo, Sonia parece mais sólida, mais viva. E tenho de admitir, de certo modo, que seriamos perfeitos um para o outro. Somos ligados ao velho cinema, ambos seremos adolescentes para sempre, e estamos mortos. Melhor ainda: não preciso ter medo de feri-la fisicamente. Sem carne. Sem sangue. Sem problemas. Isso poderia se transformar em mais do que esperança de amor. Poderia se tornar realidade. Mais ela precisa saber de uma coisa antes. Talvez não saiba o que houve no rancho de meu tio, mas pensei que ela fosse entender o que eu sou ou ver a garrafa de sangue no frigobar do escritório. Acho que Sonia não percebeu o que era aquele liquido ou talvez, em seu estado fantasmagórico, não perceba certos detalhes. - Sonia – Eu recomeço enquanto ela flutua em minha direção. – Você precisa saber de uma coisa. Sou um monstro, o mesmo tipo de monstro... Seus dedos frios tocaram meus lábios e, em seu olhar, vejo a compreensão, a aceitação total. – Não – Sonia diz. – Não é.

***FIM***

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Névoa Amarela

Kristin Cast De onde ficam, no centro do Submundo, as Fúrias, Filhas da Noite, chamam seu filho. São criaturas esqueléticas, com a carne preta e apodrecida cobrindo seus corpos trêmulos e corcundas, não passando de sacos de carne servindo apenas para guardar o poder de cada um de seus talentos mórbidos. - Alekosssss, venha. Ele nascera, muito tempo antes, do útero da vingança, concebido pela inveja, e criado em raiva constante. Cresceu para defender os mortais e foi mandado do reino subterrâneo para o mundo de cima, e ali, longe do veneno das mães, aprendeu a ter compaixão. A principio, apenas o suficiente para poder imitar e usar. Depois de séculos, a humanidade se enraizou dentro dele, causando muita confusão para as Fúrias com seu filho de comportamento estranho, aquele homem que cresceu diferente delas. Alekos aparece, seu corpo hercúleo reluzindo na descida, no retorno ao lar. – Sim, minhas mães? – Ele desce da saliência nas almas dos perdidos ao seguir em direção das três criaturas no escuro. Consegue escutar suas asas remexendo de ansiedade pelo seu retorno. Apesar de ele ter estado ali três semanas antes, elas não o viam há anos. O tempo passa lentamente lá embaixo. Conforme se aproxima, elas delicadamente o seguram e o levam ainda mais para dentro do nada, ainda mais longe dos gemidos dos torturados. - Ssssente-se. – Elas exigem. Ele se senta e coloca os pés, de modo casual, sobre a mesa. - Quando mais tempo passa lá em cima, mais repugnante e humano se torna. – Ouvem-se os roncos das gargantas enquanto elas falam em uníssono. Ele tira os pés de cima da mesa e estala os dedos. Lamparinas a óleo estão acesas, revelando uma caverna úmida e podre, repleta de caos e morte. As três figuras se unem olhando para o filho do outro lado de uma mesa de pedra sobre a qual está um buquê de flores boa-noite delicadas, da cor de pele de bebê. Lentamente, elas começam a se mexer para frente e para trás como se fossem uma, e não três. Seus olhos são escuros e infinitos, e escorrem deles o sangue dos perturbados. As serpentes de seus cabelos atacam e acariciam umas às outra. - Os Destinos foram decididos. O cordão vai sssser cortado esta noite. A principio elas falam em uníssono, depois de separam, terminado as frases umas das outras. - Você deve encontrá-la. - Der-lhe vida, - Ssssalvá-la - Para que ela posssssa - Nossss

- Vingar. As Fúrias parecem satisfeitas enquanto ele tem a mente invadida por imagens de uma bela jovem: cabelos comprido e castanho, olhos castanhos, cor de chocolate, pele morena e vestido preto. Elas a escolheram para ele, que se prepara e fica em pé. Alekos sabe que está ali para isso: o com dessa missão. Agora é hora de partir e pela primeira vez em séculos ele se sente nervoso, ansioso, vivo. - Obrigado, mães. – Ele se vira para sair. – Oh! Fúrias, mães. – Ele olha para trás para vê-las ainda se remexendo. – Onde posso encontrá-la?

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Elas fecham as aberturas escuras que serviam de olhos, seguram umas às outras com força e mandam o filho muito bonito para o mundo moderno com os sons de seus gritos ecoando em uma despedida.

********** Pare e olhe. Você começa a se perguntar por que está aqui e não lá. A voz melodiosa de Ryan Tedder ecoou de meu cel, despertando-me de um merecido cochilo. Procurei, sem sucesso, por meus óculos no criado-mudo. Com a visão muito prejudicada, rapidamente desisti de ler o painel do identificador de chamadas, que piscava. Resolvi atender o telefone. - Alo? - Minha nossa! Jenna, você estava dormindo? – O tom irritado me tirou do mundo dos sonhos no qual eu estava e me jogou de volta à realidade. Bridget! Dormindo, eu? Não! – Fingi. - Ótimo! Bem, eu só estou ligando para lembrar você de trazer sua câmera fotográfica. Vamos nos divertir tanto na festa de Taylor! Mal posso esperar. Estar no ultimo ano é bem mais divertido! O que você vai vestir? - Acho que meu vestidinho preto sem alças com os sapatos novos e dourados de minha mãe. Bridget inspirou. – Não acredito! Aqueles saltos altos da Saks? Não é justo! Vamos estar lindas, como sempre. Uh, espere, minha mãe esta gritando comigo. Ela afastou o bocal do telefone de modo que eu consegui escutar seus gritos abafados para a mãe. – Tudo bem, mãe. Ela quer que eu peça a você para não se esquecer de seu celular, por que aquele assassino em série nojento matou mais uma pessoa. Bom, ele é um assassino em série, duh. Desculpa, mas ela é muito protetora e esquisita. Mas preciso terminar de me arrumar. Nós vemos no Ambassador às dez. Adoro você e não se esqueça da digital! A linha ficou muda. Como ela pode estar sempre tão feliz? Fique em pé, me espreguicei, encontrei meus óculos no chão ao lado do criado-mudo e olhei para o relógio: 19H57. Saco. Não dá tempo de tomar banho. Enquanto eu, sonada, atravessava o metro e meio que separava a minha cama do banheiro com tema de oceano, escutei minha mãe gritar comigo de seu quarto, do outro lado do corredor. – Jenna! Você sabe onde estão meus sapatos dourados de fivela? Acabei de comprá-los e eles já desapareceram misteriosamente. – Ela entrou em meu quarto e olhou ao redor. Coloquei a cabeça para fora da porta do banheiro e meu cabelo caiu bem em cima da pasta de creme de dente que eu havia acabado de colocar na escova. – Mãe, se está vindo para cá, por que precisa gritar comigo do corredor? - Economiza tempo. Coisa que não tenho de sobra. Paul vai chegar – ela olhou para o relógio – em menos de uma hora. E então? - Hum, não. Não os vi. Sinto muito. – quase nunca minto para minha mãe, porque ela consegue ver que estou mentindo, mas dessa vez foi diferente. Era a primeira festa de meu último ano do ensino médio, e precisava estar linda. E tenho certeza de que Paul já os tinha visto. Minha mãe está namorando um nerd há seis meses, mais ou menos. Além disso, a cor dourada está na moda, qualquer um sabe disso. - Ok, bem, avise se os vir. – Ela não estava olhando para mim; mas continuou a procurar pelo quarto. - Sim, tudo bem – Eu suspirei tentando manter afastado o tom de estou me atrasando de minha voz. Meti a escova de dente na boca. Ela estava saindo, com os cachos escuros dançando ao redor dos ombros, fazendo com que, de repente, parecesse bem mais jovem do que um mãe de quarenta e poucos anos. Parou na porta. - E, Jenn, não se esqueça de levar o Mr. Pepper. Está no lugar de sempre perto da porta da frente.

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Oh, Deus, Mr. Papper. Credo. Quero ser popular este ano, e não ficar conhecida como “a menina que carrega spray de pimenta por onde vai”.

Acabei de escovar os dentes, coloquei as lentes de contato e fiquei na frente do espelho, analisando meus cabelos bagunçados. – Melhorar! – Decidi.

Comecei a passar os dedos pelos fios emaranhados tentando ordená-los em um rado-de-cavalo intencionalmente bagunçado quando o bonitinho do Ryan ligou novamente. Rapidamente prendi o cabelo e olhei pela pia, onde havia deixado meu telefone. – Connor! – Imaginei seu sorriso brincalhão, o cabelo claro e despenteado e os olhos acinzentados me deu frio na barriga.

- Oi – respondi casualmente, fingindo não estar animada. - Ei. Pensei que não fosse responder. O que esta fazendo? - Nada. – Rolei os olhos. Nada Sou tão tonta. - Legal. Só queria saber se você vai para a festa do Taylor hoje. Vai ter DJ e o irmão mais velho

dele vai levar vodca, cerveja e outras coisas, por isso vai ser bacana. É claro que vou. Vai ser o maior evento social do semestre! – Hum, sim. Acho que Bridget e eu

vamos aparecer. - Legal, então vou procurar por você. - Combinado. Até a noite. – Desligo antes de começar a falar sobre meu amor infinito por ele.

Caramba! Ele é tão gostoso! Controlei a vontade de telefonar a Bridget para contar, quase histérica, que Connor havia

telefonado e, em vez disso, corri em direção ao guarda-roupa pensando “ele já é quase meu namorado”, onde estava meu vestido preto de festa da Sininho. Então, comecei a pegar os belos sapatos de minha mãe que estavam embaixo da pilha de roupas sujas.

Infelizmente, minha mãe escolheu aquele mesmo instante para provar que seu radar não estava falhando com a idade. Ainda bem que ela bateu na porta aberta, dando-me um milésimo de segundo de preparação.

Dei um pulo. – Mãe! – tentei sorrir de modo inocente ao me virar para ela. - Não gritei dessa vez. Credo. – Ela olhou para a pilha de roupas que eu havia pegado para

camuflar os sapatos dela. – Não me diga que vai vestir uma pela suja para a festinha de hoje à noite. - Não, mãe, só estou procurando a minha... faixa de cabelo. Você me deu um susto de quase

fazer xixi na calça. - Desculpa. Paul chegou e estou saindo. Talvez role até um sexo. Haha. – Ela sorriu e corou, e

eu fiquei com aquela imagem horrível na cabeça. Droga! Todo mundo está fazendo sexo, menos eu? Fiquei em pé e pensei em Connor. Espere!

Já faz uma hora? eu me virei para olhar para o relógio: 21h03. Droga. Eu me vesti correndo, encontrei os sapatos e corri para dentro do banheiro para me maquiar. Ainda bem que só precisei de delineador e pó para ressuscitar dos mortos. Dei uma olhada no telefone: 21h21. Certo, agora é vestir os sapatos e dirigir por trinta minutos até o Ambassador.

Os sapatos, apesar de lindo, demoraram cerca de vinte minutos para serem afivelados. Não sou uma contorcionista; os pés não se curvam tanto. Sapatos idiotas (porém lindos). Corri escada abaixo, peguei o Mr. Pepper e minha bolsa dourada, vi se dentro dela estavam meu brilho labial e minha identidade e quase arranquei o porta-chaves da parede na ânsia de sair de casa.

- Por favor, funcione. – Fui rezando enquanto descia para a parte da frente da casa, pisando nas folhas de outono do caminho. Entrei e liguei meu Mustang vermelho-cereja de 1969. É um carro superlindo, mas nem sempre funciona.

Vrrruuumm. – Sucesso! – Desci pela rua e percorri cerca de oito quilômetros, e o carro superlindo morreu. Encostei a testa no volante, dei algumas batidinhas e procurei por meu celular no assento do passageiro. – É claro, você esqueceu o celular, Jenna. E a câmara! Droga! Bridget vai ficar fula da vida! – Eu me encolhi no banco, passando a mão pelo vestido e chorando em silencio pedindo por minha mãe.

Como se mamãe tivesse aparecido milagrosamente, suas palavras ressoaram em meio a minhas lagrimas: - Jenn, use seu cartão de ônibus, bobinha. Eu o arranjei para você porque seu carro é meio ruim. – Duh.

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Parei de chorar e olhei para meus olhos no espelho retrovisor. Ainda bem que existe maquiagem para os olhos à prova d’água e pontos de ônibus por perto.

Os sapatos dourados de minha mãe definitivamente não foram feitos para caminhadas. Quando cheguei ao ponto de ônibus, decidi ficar em pé, sozinha, enquanto outras três pessoas

se amontoavam em um banco feito para acomodar duas pessoas. Isso seria bem mais fácil e bem menos odioso se eu tivesse lembrado de trazer meu telefone. Já passei da hora até a qual seria chique estar atrasada e entrei na hora do “você acha que é boa demais para estar aqui”. E se Connor já estiver dançando com outra pessoa?

É você. – A voz de um homem interrompeu meus pensamentos. Ótimo. Estou aqui há menos de dez minutos e já estou sendo assediada por um maluco no ponto de ônibus.

- Que bom que você acha isso. – Dei as costas para ele e comecei a cuidar da minha bolsa e de meu frasco amigo de Mr. Pepper. Preciso comprar um carro novo.

- Você não entende. Você... Percebi que ele estava se aproximando e meti a mão dentro da bolsa. – Não, amigo, acho que

você não entende! Se disser mais alguma coisa para mim. – peguei o spray de pimenta para que o rótulo ficasse bem visível. – Vou espirrar isto bem no seu... caramba!

*********** Inspirei oxigênio suficiente para oxigenar um país inteiro ao me erguer na cama. Para e olhe. Você começa a se perguntar por que está aqui e não lá. Minhas mãos tremiam tanto que eu mal consegui segurar o telefone. – Alô?

- Alo? - Oi, Jenn! Só estou ligando para lembrar você de trazer sua câmera fotográfica. Vamos nos divertir tanto na festa de Taylor! Mal posso esperar. Estar no ultimo ano é bem mais divertido! O que você vai vestir? - Acho que meu vestidinho preto sem alças com os sapatos novos e dourados de minha mãe? – Hein? O que? Esfreguei o rosto, tentando me orientar. Bridget ficou surpresa. – Não acredito! Aqueles saltos altos da Saks? Não é justo! Vamos estar lindas, como sempre. Interrompi o que ela dizia: - Isso é piada, Bridget? - Jenn, você sabe que eu levo a moda e as festas muito a sério. Está bem? Não estava dormindo, certo? - Hum, não, não. Estou bem. Apenas passando por uma experiência maluca de déjà vu. – Senti a garganta seca e a mente confusa. Não estava bem.

- Que medo. Mas tente enlouquecer só depois de hoje à noite, ta? Uh, espere, minha mãe esta gritando comigo. – Os gritos bem familiares de Bridget foram abafados. – Ela quer que eu peça a você para não se esquecer de seu celular, porque aquele assassino em série nojento matou mais uma pessoa. Bom, ele é um assassino em série, duh. Desculpa, mas ela é muito protetora e esquisita. Mas preciso terminar de me arrumar. Nós vemos no Ambassador às dez. Adoro você e não se esqueça da digital!

Fechei o telefone e o derrubei no chão, deitando de costas em cima de meu travesseiro macio. - Que diabo de sonho foi aquele? – Virei para o lado e olhei para meu relógio: 19h57, esquisito. – Jenna! Você sabe onde estão meus sapatos dourados de fivela? Acabei de comprá-los e eles já

desapareceram misteriosamente. Hesitei, olhando para ela encostada no batente da porta. Estava envolta em uma nuvem

estranha branca de névoa. Esfreguei meus olhos e pisquei algumas vezes, e a névoa desapareceu. – Mãe, o que você disso?

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- Perguntei dos meus sapatos. Os dourados. Da Saks, olha, Jenna, tudo bem se quiser usá-los, mas não tenho tempo pra isso agora. Paul vai chegar – ela olhou para o relógio – em menos de uma hora. E então?

- Hum, não. Não os vi. - Ok, bem, avise se os vir. – Confusa ela olhou para mim com a testa franzida. - O que foi? - Nada, é que por um instante você pareceu diferente. Bem, divirta-se esta noite . Oh! E, Jenn,

não se esqueça de levar o Mr. Pepper. Está no lugar de sempre perto da porta da frente. Sentei na cama, olhando fixamente para a porta. Foi só um sonho. Um sonho muito estranho e maluco. Aposto que vou acabar sonhando que joguei pôquer com Abraham Lincoln. Ai! Uma luz branca brilhou em minha mente justamente com uma imagem e uma lembrança. Vi a imagem estranhamente viva do cara no ponto de ônibus, e duas palavras soaram em minha mente: “ENCONTRE-ME!” - Que coisa! – Levantei os cobertores para ter certeza de que estava vestida e com o corpo ileso. Totalmente intacta. O que esta acontecendo? Escutei ao meu lado: Você começa a se perguntar porque estas aqui e não lá. Inclinando-me, lentamente pequei o celular no chão. Connor. Assim como antes. Dessa vez, apertei o botão para rejeitar a ligação com os dedos trêmulos e coloquei o telefone no modo silencioso. Acho que preciso beber água. Para me reidratar. Acordar. Ao sair da cama, senti algo na sola do pé. Peguei a armação dos óculos, que eu havia acabado de amassar. Espere. Eu consigo enxergar? Não deveria estar enxergando. Pus os dedos no olho. Nada de lentes de contatos. Sonhos esquisitos de déjà vu curando quase-cegueira? Olhei para mim mesma no espelho do banheiro. É assim que as pessoas ficam quando são malucas? O que está havendo? O quê? O quê? – Jenna, vá beber um pouco de água e tome um Tylenol extraforte. – Eu disse isso a mim mesma, esperando que expressar meus pensamentos em voz alta traria um pouco de sanidade à minha mente. Ao passar pela porta aberta do quarto de minha mãe enquanto descia para a cozinha, escutei palavras estranhamente familiares.

- Ei! Paul chegou e estou saindo. Talvez role até um sexo. Haha. – Ela sorriu e corou, e eu fiquei com aquela imagem horrível na cabeça. – Fiz uma careta quando ela passou por mim. Isso não melhora na segunda vez. Olhei para o relógio na parede: 21h03.

Procurei conforto ao fazer algo normal como tirar um copo do armário. Meu armário, comum e meu. E água da garrafa, comum e minha. Um vendo frio de outono soprou pela janela entreaberta, trazendo um odor familiar de folhas de outono. Assim como antes. Assim como quando eu estava caminhando até o carro. Meu cérebro se lançou em outro flashback e tive outra visão desagradável. Derrubei meu óculos e ele de despedaçou, fazendo chover estilhaços de vidro nos meus pés.

- ENCONTRE-ME! – A voz, sua voz, soou mais impaciente e veio com imagens do ponto de ônibus. Então, eu soube. Não sei como e não sei porque, mas sabia que ele estava ali esperando.

**********

Só notei algo de errado com meu pé quando subi para calçar os sapatos. Fiquei chocada com os

pedacinhos de vidro que tinham se prendido a meu calcanhar. O sangue estava manchando meu carpete verde. Ao arrancar os pedaços de vidro, sentindo dor, vi: Caramba! Meu sangue não era mais meu sangue! Não era mais vermelho-vivo com o odor comum. Era amarelado e o odor doce e calmante me fez relaxar e me sentir tranqüila.

Preciso encontrar esse cara da minha mente. Meu pé estava completamente curado quando calcei meus tênis e desci correndo as escadas,

saindo de casa. Será que eu sou como aquela menina do Heroes? Aquela que esta sempre se curando de algum ferimento?

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Hesitei ao chegar ao carro. – Jenna, talvez não seja uma boa idéia ir dirigindo. Além de receber mensagens esquisitas em sua mente, hoje parece ser um dia repleto de repetições. Assim sendo, por que seu carro funcionaria dessa vez? Acredito que às vezes falar comigo mesma é a melhor maneira de entender meus problemas, e escuto sempre com atenção. – Cadê os vizinhos benevolentes quando mais precisamos deles? – olhei ao redor, mas é claro que a gentileza morreu, e morta também estava a vizinhança.

- Aaah! Queria estar no ponto de ônibus! Fechei os olhos e fiz um pequeno escândalo, batendo os pés como uma criança numa loja de

brinquedos. Uma sensação repentina percorreu meu corpo e fez com que eu tivesse a impressão de estar caindo de um prédio. Quando me recompus e olhei ao redor, percebi que estava exatamente no ponto de ônibus! E estava sentada no meio da calçada.

- Puxa! Tem alguma coisa errada.

********** - Ei! Ei! Droga! – escutei uma voz masculina exclamar. - Você! – Fui para trás para dentro de uma poça de meu sangue amarelo, e fiquei surpresa quando senti apenas adrenalina e nem um pouco de dor por estar em contato tão próximo com o concreto. – Enlouqueci totalmente e é tudo sua culpa! Leve-me de volta! – Ele esticou o braço e segurou minhas mãos para me ajudar a levantar e eu senti uma rajada de ar outonal calmante. Arregalei os olhos e o encarei. Você esta bem? – Ele inclinou a cabeça para o lado e olhou para mim fixamente. - Eu... eu acho que estou sangrando. – Apertando a mão na nuca, senti o cabelo molhado. Nenhum ferimento, nada de dor, apenas uma umidade. – Bem, pensei que... O sorriso dele apareceu lentamente e se mostrou um pouco sarcástico. Foi uma risadinha, na verdade. Ele balançou a cabeça. – O que você pensou não chega bem perto da verdade. - Como? – eu disse, muito esperta. É verdade que o cara era tão maravilhosamente lindo que tive dificuldade para pensar. Alto, loiro e gostoso. Delicia. - Alek. – Ele deu um passinho para trás e estendeu a mãe perfeita. – Meu nome é Alek e preciso que você confie em mim. Sem saber o que fazer e me sentindo total e profundamente arrebatada, ofereci a minha mão para o comprimento e procurei, da melhor maneira que pude, jogar os cabelos para o lado. – Sou Jenna – eu disse, enquanto as folhos rodopiavam aos meus pés. - Jenna, você precisa vir comigo. – Ele olhava para mim com os lindos olhos verdes. - Uh, não, eu tenho que... Ele cobriu a minha mão com a dele. Seu toque era quente, forte, e a única coisa real que havia me tocado desde o inicio daquele pesadelo. - Você precisa vir comigo – ele repetiu. – confie em mim. Vou contar tudo no caminho. Entendo aquela historia de “não acompanhe desconhecidos”, mas você precisa entender que no meio de toda essa falta de realidade, o cara fazia sentido. Sei que parece bizarro, mas senti que ele era bom e sabia que deveria confiar nele. Assim como sabia que ele estava ali esperando por mim. Tudo bem. Sim. Não vou negar que o fato de ele ser extremamente sensual ajudou. - Certo, eu vou com você, mas só porque estou sonhando – eu disse. Ele sorriu e fez um movimento para que eu o seguisse. Fiz um esforço para manter o ritmo dele enquanto tentava tirar o cabelo do rosto e observava o belo traseiro do moço ao mesmo tempo. Você tem bumbum pra dar e vender! Ai, droga. Pareço minha mãe falando. Que nojo. Quase trombei nele quando ele parou de repente ao lado de um carro verde fosforescente. – O que é isto? - Um Chevy Caprice ano 1976 – ele disse, abrindo a porta para mim. - Parece um pirulito verde gigante. – Sentei no banco de couro branco, distraída pela aparência antiga do carro grande, enquanto ele dava a volta e se acomodava do lado do motorista. Eu estava me preparando para abrir a boca e dizer que eu gostava de carros antigos também, quando ele se inclinou e agarrou meu braço.

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Olhando em meu rosto, ele disse: - E você não está sonhando. Está morta.

************ - Morta! – Tentei me afastar dele. – Que droga é essa? – Parecia que meu coração ia sair pela boca. Em vez de me soltar, Alek apertou meu corpo contra o dele e me abraçou. - Confie em mim. Deixe-me mostrar – ele disse. Como se a voz dele fosse uma droga, meu corpo pareceu se dissolver no dele e me surpreendi quando, ainda nos braços dele, comecei a flutuar acima de seu carro cor de gelatina. Pontos claros de luz me envolviam. Olhei para Alek, que estava flutuando comigo.

Seus olhos reluziam o tom vermelho de uma lua de outono nascendo. Como seus olhos estavam antes... no ponto de ônibus. Lentamente, comecei a me lembrar

enquanto voltávamos no tempo para o momento em que nos vimos pela primeira vez. Ele começou a falar, sussurrando em meu ouvido. – Foi mandado para cá para salvá-la. – Suas

palavras era como névoa. – Olhe para baixo. Lembre-se... Olhei acima de nós e vi tudo. Ali estava eu, vestida de preto e com os sapatos lindos, porém

desconfortáveis da mamãe, emburrada e reclamando enquanto esperava no pelo ônibus. Estavam ali as três pessoas amontoadas no banco pequeno e então veio Alek, que flutuou com os braços ao meu redor. Seus olhos continuavam vermelhos, e incentivavam as perguntas que eu fazia.

Observe... Lembre-se... Olhei para baixo de novo e vi a mim mesma apontando o frasco de Mr. Pepper para o rosto de

Alek. Para os olhos que estavam tão vermelhos quanto se mostravam agora. Vi que gritei alguma coisa, e ao mesmo tempo dei um passo para trás. Foi então que o salto fino do sapato de minha mãe não se apoiou na calçada e, aterrorizada, vi meus braços em movimento enquanto eu caía para trás, batendo a cabeça no concreto com um golpe forte.

E foi isso. Eu não me mexi enquanto as pessoas do ponto de ônibus me cercavam, obviamente sem saber o que fazer.

No meio delas caminhou Alek, mas ele parecia uma sombra na escuridão. Ninguém pareceu vê-lo quando ele se inclinou sobre meu corpo inerte e sussurrou: - Sua morte foi um presente, dado pelos antigos por meu intermédio. Você foi a escolhida. Sou seu mestre. – Então, ele se inclinou e cobriu meus lábios mortos com os dele.

Certo, aquilo estava acontecendo, mas não estava. As pessoas estavam correndo por ali – literalmente caminhando através dele enquanto ele me beijava. E apesar de elas não conseguirem vê-lo, eu o sentia. O que ele fez a meu corpo eu conseguia sentir acontecendo em minha alma solta enquanto eu sorvia a troca da vida pela morte. Eu devia estar morrendo de medo. Devia ter gritado, desmaiado ou resistido. Mas apenas fechei os olhos e deixei minha alma absorver o que eu havia visto. Aceitei o presente dele e soube que meu mundo nunca mais seria igual.

**********

Quando abri meu olhos, estava de novo dentro do carro recostada no peito de Alek. Não escutei sons vindo de seu corpo forte, nenhum sinal de respiração nem de batimentos cardíacos. Eu me afastei e olhei para ele.

- Você está vivo? Minha cabeça estava estranha, com zumbidos. - Estou tão vivo quanto você – ele disse. – Vampiro apenas mudou. Somos diferentes.

Costumavam nos chamar de Vampiros. - Vampiros? – exclamei. – Tenho de beber sangue? – Quase vomitei do de pensar. Ele riu delicadamente. – Não bebemos sangue – é energia. - Oh, meu Deus! Sugamos a eletricidade? – Tentei me lembrar de quem era a menina das

reprises de Angel que fazia as coisas com as mãos tomadas por eletricidade. Ele ainda me abraçava pela cintura e eu me perguntei como ele podia estará quente estando

morto. Ele estava morto. Seus olhos ainda brilhavam quando ele disse: - Não, também não é assim. Você vai ver.

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Sua boca estava perto de meu ouvido. Beije-me... Beije-me de novo... Seu sorriso ficou maior e eu senti meu rosto corar. Será que ele lia a minha mente?

- Então combinamos! – eu disse. O que? Enquanto ele ria de minha estupidez, eu me afastei e voltei para o lado do carro. Que tristeza. Como todo aquele novo poder que sentia dentro de mim, continuava sendo a mesma menina de dezoito anos sem malícia.

- O que foi isso? – Ainda sorrindo, Alek pegou suas chaves do bolso e ligou o carro, mas por um momento eu podia jurar que seu rosto denunciara um pouco de decepção. Ele teria me beijado de novo se eu não tivesse agido de modo esquisito e ido para o outro lado do automóvel?

- É, sim, nós combinamos. – Tentei me manter tão descontraída quanto me mostrei quando acabei com o clima. – Somos criaturas da noite, fortes e destemidas, que foram enviadas para cá para... fazer... coisas. O que exatamente fazemos?

- Todos temos habilidades diferentes. – Ele pigarreou preparando-se, e eu tentei imaginar quantas vezes ele havia mantido essa conversa. – Eu consigo mudar o tempo. Foi assim que peguei você no ponto de ônibus, uma vez que você estava demorando demais para chegar ali sozinha, e foi por isso que você acordou hoje... de novo. Acho que dá para chamar essa parte de efeito colateral. Mas não tenho muito certeza de qual é a sua habilidade, você vai entender logo. É a mesma para cada um de nós, mas diferente. Tem de descobrir do seu jeito. Fui mandado das profundezas...

- Do inferno? – interrompi. – Você veio do inferno? - Não. Ou pelo menos não do inferno como você o imagina. Veja, fui mandado para cá para

ajudá-la a se vingar de alguns e a salvar outros. - Como quando você me salvou? - É, mais ou menos. – Ele suspirou. – Existem monstros antigos cujos espíritos foram

trancados no Submundo, e de vez em quando, eles encontram uma maneira de escapar. Se conseguem, seu único objetivo é encontrar um corpo e criar o mesmo caos que criaram séculos atrás. Sou o primeiro de meu tipo, daqueles que foram feitos para encontrar essas criaturas e mandá-las de volta. Então, somos mais parecidos com...

- Super-heróes arrasadores de monstros?! – Caraca! Eu sou o quê? Um bebê? Ele riu. – Acho que dá para dizer isso. Eu sei para onde levar você e veremos depois. – Ele

engatou o carro e começou a descer a rua. Vamos ver? Isso não me pareceu muito reconfortante. Olhei pela janela, tentando me teletransportar ou mover coisas com a mente, quando notei o

reflexo em meus olhos. Eles estavam passando do castanho comum para o amarelo brilhante. Que bom, não é? Continuei olhando pela janela e tentei me concentrar. Passamos por muitas pessoas que estavam saindo de um filme, tarde da noite, quando aconteceu de novo.

- Oh, meu Deus! Foi isso! Acabei de pensar que era uma parte de mim enlouquecendo, mas realmente foi meu superpoder misterioso. – Virei-me rindo para Alek, esperando que ele entendesse sobre o que eu estava falando.

- Qual foi seu poder misterioso? - Consigo ver as coisas. – Foi assim com minha mãe, com a estranha nevoa esbranquiçada ao

redor dela. Eu me inclinei para Alek e apontei pela janela, para um grupo de pessoas. – Por exemplo, eu sei que aquela menina de casaquinho rosa e com aquelas lindas botinhas está completa e totalmente apaixonada, porque consigo ver névoa cor-de-rosa flutuando ao redor dela. Oh, e olhe para ele. – Eu apontei para o rapaz em pé na esquina, segurando uma placa onde se lia TRABALHO EM TROCA DE COMIDA. – A fumaça ao redor dele é marrom e desagradável. Ei! Ele tem câncer de pulmão. Vai morrer. Logo. – Eu estremeci, sem saber como me sentir em relação ao superpoder. Recostando-me no assento, olhei pela janela e vi arco-íris de fumaça saindo das pessoas e rodopiando pelo ar de outono e soube de coisas sobre as quais não deveria saber.

- Que bom, você já está aprendendo. Mas vem mais coisa por ai. Fechei os olhos e suspirei profunda e hesitantemente. Você está bem... você está bem... - Chegamos. – Alek desligou o carro e quando abri os olhos já meio que esperava ver

ancoradouros assustadores ou uma rua escura. Mas estávamos no meio de um bairro residencial, parados diante de uma casa de tijolos idêntica às do outro lado da rua.

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- Você está de brincadeira. É aqui o esconderijo do monstro onde devo lutar contra o crime? – Alek já estava fora do carro e eu corri para acompanhá-lo, seguindo suas pernas mais compridas pelo caminho e passando por uma caminhonete muito familiar. – Ei! – Ele se virou e fez um gesto para que eu ficasse quieta.

Comecei a falar mais baixo, mas com urgência: - É a velha e esquisita caminhonete de Paul. Ele é o namorado de minha mãe. Veja, só pode ser ele. – Apontei para a janela. – Ele tem uns cinqüenta purificadores de ambiente com odor de mato pendurado no espelho retrovisor por que ele fuma dentro do carro e não quer que minha mãe perceba. – Obviamente Alek não se importou, porque continuou caminhando até chegar à porta lateral e eu precisei correr para acompanhá-lo.

- Vamos entrar. - O quê? De jeito nenhum. Você não me ouviu? Aqui é a casa do Paul e eu não vou entrar aí.

Seu radar de monstros está todo errado. Além disso, ele está com minha mãe e , olha só, as luzes nem estão acesas. Provavelmente ele não estão aqui, ou coisa pior. Eca. Eles podem estar... – Alek cobriu minha boca com a mão e com a outra guiou a minha mão para a porta.

- Consegue sentir isso? – A mão dele demorou-se sobre a minha e eu queria que ele me abraçasse como tinha feito antes.

De repente, o medo frio passou pela porta e envolveu meu braço. Tentei me afastar, mas Alek não permitiu. Senti ódio e nojo em seguida. As unhas afiadas do medo rasgaram minha carne, apesar de as únicas marcas visíveis estarem na minha mente – na alma. Alek soltou minha mão e repetiu: - Vamos entrar. Lembre-se: confie em mim. Sou seu protetor.

Assim que ele terminou a frase, estávamos do outro lado da porta. Queria que ele me avisasse antes de me arrastar para os lugares. Alek me guiou na direção das escadas e de volta à realidade da qual eu estava, sem sucesso, tentando escapar. Assim como fantasmas, ele chegou sem fazer barulho ao segundo andar. A cada passo, o fedor sufocante do medo aumentava. Eu senti vontade de vomitar. No topo da escada, Alek assumiu a dianteira. Suspirei baixinho. Tudo bem, certo. Ele era meu protetor. Além de seu superpoder de me levar de um ponto a outro e de me beijar para me transformar em um tipo de esquisito de vampira, ele também devia ser muito forte (além de supergostoso). No controle, ele seria capaz de acabar com qualquer coisa velha e monstruosa escondida no escuro.

Entretanto em uma sala sem mobília, com apenas uma mesa de metal, daquelas usada por legistas, em cima das quais são colocados corpos. A sala fria cheirava a desinfetante e sangue, e a mistura se tornou laços vermelhos e brancos de fumaça que irritaram meus olhos. Analisei a sala, surpresa por poder ver com tanta facilidade por entre as fumaças e as sombras.

Foi em uma dessas sombras que eu vi os cabelos encaracolados e castanhos dela. Sai de trás de meu protetor e corri para seu lado. – Mãe? – O silencio ardeu em meus ouvidos. – Mãe! Mãe! – A cor esbranquiçada, que eu havia visto ao redor dela antes, quase não persistia dentro do envoltório cor de ferrugem de desespero e pânico, cegando-me de medo. As lágrimas banhavam meu rosto e minha garganta estava seca e dolorida. – Alek, ela não está se mexendo e não se o que há de errado! – Ele imediatamente se colocou ao meu lado. Esfreguei os olhos, afastando as lágrimas e esforçando-me para ver por meio das névoas de outro mundo. Ele pegou o corpo inerte de minha mãe. Ela parecia tão parada, de modo pouco natural e frágil, que meu estômago revirou. Minha mãe não era frágil! Não podia ser!

- Ela está respirando. Tenho certeza de que vai ficar bem. – Alek começou a me acalmar, mas como um filme de horror, foi quando o predador entrou.

- Ei, veja. Uma festa. Jenna, você não me disse que queria assistir. Poderíamos ter combinado. Gosto de platéia.

O homem estava se aproximando de mim parecia o Paul que conheci rapidamente. Então, meu olhar ficou intenso e o corpo dele estremeceu, como calor subindo de uma estrada no verão, e sua forma real se revelou. A fumaça que entrava e saía de seu corpo era terrível. Isso fazia com que seu lado mau surgisse, totalmente exposto a mim. Vi a criatura doentia como era. As almas das pessoas que ela havia assassinado gritavam névoas roxas de agonia de dentro dele e tentavam sair de sua

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carne cinzenta. Os olhos dele estavam fixados em mim, mas balançavam dentro de órbitas repletas de parasitas. Uma mistura repugnante e fétida saía de seus lábios rachados e corroia o solo onde caia.

Graças a meus novos superpoderes, vi quem ele era: Alastor. Um demônio grego que fazia os outros pecarem e matarem, Ele é o assassino em série, e estava caçando minha mãe. Ele havia parado de se mover em nossa direção e seu corpo estremeceu de novo, voltando a ser Paul por quem minha mãe tinha sido enganada. – E então, a mamãe primeiro ou você e seu namorado?

E então eu percebi. O restante de meu dom se tornou claro. Eu me virei a Alek, e dando uma ordem quase não reconheci minha voz ao dizer: - Alek! Tire-a daqui! Chame a ambulância!

Então me virei e fiquei de frente para o demônio: - o que acha de começar por mim, seu idiota? – Ao falar, abri bem os braços e todos os fios de emoção rodopiando pela sala se viraram para mim, envolvendo-me, preenchendo-me com uma grande onda de poder. Senti as emoções obscuras que haviam envolvido Alastor entrando em meu corpo e conheci a raiva, ódio e o poder do mal.

Em minha boca surgiram dentes que eu não sabia ter e meu corpo começou a vibrar com a força das emoções que eu havia absorvido. Não pensei. Apenas senti e agi. Eu me lancei ao home em quem minha mãe havia confiado, envolvi seu pescoço com as mãos e tentei rasgar-lhe a carne. Nunca havia me sentido tão livre. Foi bom sentir a pele dele se rasgar, ver seus olhos esbugalhados, escutar os gritos de terror. Fiquei tomada por ele, tomada pela escuridão e queria acabar com ele.

Contudo, antes de conseguir fazer isso, Alek me afastou de meu inimigo. Ele me lançou contra a parede com tanta força que se estive viva, certamente teria morrido. Quando me recuperei do choque e fiquei em pé, Alek já havia destruído aquele ser. Havia quebrado seu pescoço. Acabou com ele facilmente. Eu me lancei a Alek, derrubando-o de costas. Minhas presas feriram meu lábio inferior e o sangue amarelado que escorreu em minha língua fez apenas com que minha raiva crescesse quando Alek recuperou o equilíbrio. Mas em vez de bater em mim, calmamente envolveu as mãos em meu corpo tomado pela raiva e me abraçou com força. O som profundo de seu peito e o ar outonal de seu cheiro nos cercou e como uma chuva fria de outono depois de um verão quente, sua presença afastou a raiva de mim, deixando-me tão fraca que comecei a chorar.

- Não pode deixar que ele a controle. É daí que vêm todas as histórias sobre vampiros – é por isso que tantos de nós inspiramos os filmes de terror e os pesadelos dos seres humanos. É o que nos acontece quando perdemos o controle. Se permitirmos que nossos poderes nos vençam, então nos tornaremos monstros que fomos criados para caçar. – Ele repousou o queixo em minha cabeça e consegui sentir quando ele cheirou o sangue seco e amarelo de meu cabelo. – Alimentar-se dele foi o bastante. Não permita que ele a controle. Você precisa aprender a manter a energia e a liberar o mal. A alma dele voltou para um lugar muito pior do que você pode imaginar, e deixe que esse castigo seja suficiente.

Olhei para ele e de repente compreendi. – Você afirmou ser meu protetor, mas não está aqui para me proteger deles. Está aqui para me proteger de mim mesma.

- Sim, isso mesmo. Está se sentindo melhor? Mais normal? A voz dele era tão grave, tão incrivelmente gentil, e seus olhos tão quentes que eu me perdia

neles. E então eu vi a névoa que o cercava. Era de cor amarela, clara e brilhante – a mesma cor de meu sangue. Fez com que eu me lembrasse de um amanhecer e de novos começos. Os fios dourados me envolveram, envolveram a nós dois, e não me controlei. Fiquei na ponta dos pés e o beijei delicadamente nos lábios.

Ele abriu os olhos azuis, surpreso. Depois, inclinou-se e me beijou e me entreguei, encontrando minha âncora, meu centro, meu protetor.

- Jenna, o que esta acontecendo? Ao escutar a voz fraca de minha mãe, Alek e eu nos separamos e eu corri para onde ela estava,

fora da sala da morte. Senti Alek mover-se atrás de mim, impedindo que minha mãe visse o que restara de Paul.

- Está tudo bem, mãe. Tudo vai ficar bem – eu disse, abraçando-a e suspirando de alívio ao ver a névoa clara que a envolvia, mais uma vez cor de creme e bem, completamente isenta da tinta da morte.

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*********** Alek ficou do meu lado, segurando minha mão e me ajudando a ficar mais forte, impedindo-me

de me entregar a urgência, à for e ao medo que surgiram na presença da polícia, do paramédicos e dos vizinhos que tinham começado a encher a frente da casa, preocupados. Ele me levou a minha mãe, em meio ao caos que era invisível a todos, mas que eu via em meio à névoa, forte a ponto de abalar. Minha mãe estava totalmente consciente, apesar de ter um galo enorme na cabeça. Eu ainda estava me sentindo mal com toda a preocupação até que escutei minha mãe dizer ao paramédico que ficaria bem para voltar para casa se pudesse tomar alguns analgésicos e uma taça de vinho.

- Senhorita, pode acompanhar sua mãe se quiser – o paramédico me disse, ainda sorrindo por causa do pedido de minha mãe, por drogas e álcool.

- Sim, eu vou – eu disse, e me virei para Alek. Olhei dentro de seus olhos azuis e vi um futuro muito diferente de qualquer coisa com a qual eu havia sonhado e de repente senti vergonha. – Hum, eu vou com ela, porque ela está ferida. – Ri nervosamente. – Você sabe, porque estava... – Ele me puxou para perto e me deu um beijo na boca. Folhas dançaram ao redor de meu pés e o vento soprou em meus cabelos desgrenhados.

- Eu sei. – Sua respiração fez cócegas em meu nariz. – Vou segui-la. Você ainda tem muito a aprender.

Entrei na parte de trás da ambulância e observei o belo traseiro dele enquanto ele ia para o carro. Quando chegou perto daquela coisa verde-clara, virou-se para mim e seus olhos brilharam. – Ei – ele chamou. – Acho que você estava certa. Acho que combinamos.

Eu sorri como uma boba quando as portas da ambulância se fecharam e minha mãe começou a me perturbar com perguntas do tipo quem é aquele menino alto? Enquanto eu tentava inventar respostas possíveis e normais, observei através da janelinha de vidro quando fios transparentes se prenderam á ambulância, guiando... protegendo... levando-me para uma vida totalmente nova.

***FIM***

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Perseguição de um Homem

Morto

Rachel Caine Viver no oeste Texas é meio como viver no inferno, mas sem o clima agradável e as pessoas charmosas. Viver em Morganville, Texas, é tudo isso e pior, bem pior. Eu deveria saber. Meu nome é Shane Collins e eu nasci aqui, saí daqui e voltei pra cá – e não tive muito poder de escolhas nesses casos. Então, para os sortudos que nunca pisaram neste lugar, vou fazer uma descrição: aqui é onde vivem duas mil pessoas que respiram e alguns malucos que não respiram. Vampiros. Não se pode viver com eles e, em Morganville, definitivamente não da para viver sem eles, porque eles comandam a cidade. Tirando isso, Morganville é uma reunião normal e empoeirada de construções – o tipo de sala de caldeira das décadas de 1960 e 1979, levada adiante sem um centavo. A universidade no centro da cidade é uma cidade em si, com paredes e portões. Oh, e também há um parte reservada para os vampiros e muito bem guardada. Já estive lá, preso. É legal, se você não estiver ansioso à espera de uma execução pública terrível. Antigamente, eu queria que esta cidade ardesse em chamas até ser destruída, até que tive uma daquelas coisas que eles chamam de epifania. Minha epifania foi que um dia eu acordava e percebia que se eu perdesse Morganville e todos dentro dela... eu não teria nada. Tudo com que eu ainda me importava estava aqui. E um caso de amor ou ódio. As epifanias são uma droga. Tive outra epifania em um dia em especial. Estava sentado a uma mesa dentro do Marjo’s Diner, observando um homem morto caminhar perto das janelas do lado de fora. Ver homens mortos não era exatamente incomum em Morganville; droga, um de meus melhores amigos está morto, e ele continua me importunado para lavar a louça. Contudo, existem os vampiros-mortos, como Michael, e também os mortos-mortos, como Jerome Fielder. Jerome, morto ou não, estava caminhando perto da janela do lado de fora do Marjo’s. - Pode pedir – Marjo disse e lançou o prato para mim como quem lança uma bola no jogo de beisebol; impedi que ele se estraçalhasse na parede segurando-o com a mão. O pão de meu hambúrguer escorregou pelo prato e parou na mesa – com o lado de mostarda virado para cima, para variar. - Aqui está sua gorjeta – eu disse. Marjo, saindo para atender a próxima vitima, mostrou o de do meio. - Como se você me desse gorjeta, seu mão-de-vaca. Retribuí a gentileza: - Você não precisa ir para seu segundo emprego? Isso fez com que ela parasse por apenas um segundo. – Que segundo emprego? - Não sei... conselheira de enlutados? Você é tão sensível. Dessa vez ela me mostrou o dedo do meio de modo mais agressivo. Marjo me conhecia desde que eu era bebê e golfava leite. Ela não gostava de mim antes e nem depois, mas não era pessoal. Marjo não gostava de ninguém. Pois é, não sei como ela trabalhava entendendo pessoas

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- Ei – eu disse e me inclinei para olhar para ela, que se afastava. – Viu quem acabou de passar lá fora? Ela se virou para olhar para mim, com a bandeja redonda segura com suas garras vermelhas e afiadas. – Vá se ferrar, Collins, estou trabalhando, não tenho tempo para ficar olhando pela janela. Quer mais alguma coisa ou não? - Sim, catchup. - Vá apertar um tomate. – Ela se afastou para atender outra mesa – ou não, dependendo de seu humor. Coloquei mostarda em meu hambúrguer, ainda observando o estacionamento pela janela. Havia exatamente seis carros ali fora; um deles era de minha colega, Eve, de quem eu havia tomado emprestado. Aquela lata gigante era mais um navio do que um carro, e às vezes eu o chamava de Queen Mary ou Titanic, dependendo de seu desempenho. Ele se destacava. A maioria dos outros veículos estacionados era formada por picapes feias e desbotadas pelo sol e sedans velhos e caindo aos pedaços. Não vi sinal de Jerome ou qualquer outro cara morto, caminhando por ali naquele instante. Vivi um daqueles momentos em que nos perguntamos Eu vi isso, de fato?, mas não sou do tipo que se ilude. Não tinha motivos para imaginar o cara. Nem mesmo gostava dele e ele estava morto havia pelo menos um ano, talvez mais. Morto em um acidente de carro bem perto da cidade, o que era um código para Atire enquanto estiver tentando escapar, ou o equivalente mais próximo em Morganville. Talvez ele tenha irritado seu vampiro protetor. Quem sabe? E quem se importa? Zumbis, vampiros, qualquer coisa. Quando se vive em Morganville, você aprende a lidar com os elementos sobrenaturais. Mordi o hambúrguer e matiguei. Era por isso que eu ai ao Marjo’s... o atendimento não era espetacular, mas tinha o melhor hambúrguer que eu já havia provado. Macio, suculento, apimentado. Alface e tomate frescos e crocantes e um pouco de cebola roxa. A única coisa que faltava era... - Aqui está seu maldito catchup – Marjo disse e entrgou o frasco a mim como um garçonete em uma taberna no velho-oeste. Agradeci, mas ela já estava se afastando. Enquanto espalhava a mistura vermelha sobre meu hambúrguer, continuei olhando pela janela. Jerome. Curioso, mas não o suficiente para me fazer parar de almoçar. Isso mostra como a vida é estranha em Morganville, de modo geral.

************ Eu estava preparado para esquecer de Jerome, depois do almoço, porque nem mesmo a atitude azeda de Marjo conseguia ser maior que a endorfina do hambúrguer e, além disso, eu tinha de ir para casa. Eram cinco horas. Era fim de expediente na cervejaria e logo o restaurante estaria repleto de adultos casados de um dia árduo de trabalho, e poucos deles tinham mais simpatia por mim do que Marjo. A maioria era mais velha que eu; aos dezoito anos, eu estava começando a receber olhares do tipo “arrume logo um emprego”. Eu gosto de uma puxação de saco, mas o Livro Sagrado tem razão: é melhor dar do que receber. Eu estava destrancando a porto do carro e Eve quando vi alguém atrás de mim pelo vidro da janela, bloqueando o sol forte. O reflexo estava borrado e indistinto, mas consegui ver alguns traços. Jerome Fielder. Viu? Eu realmente o vira. Tive tempo suficiente para pensar: Cara, diga algo inteligente, antes de Jerome me agarrar pelos cabelos e me jogar de testa em um monte de metal e vidro. Meus joelhos ficaram trêmulos e escutei um resmungo alto. Tudo ficou branco, vermelho e depois escuro quando ele me bateu de novo. Por que eu? Tive tempo de me questionar enquanto tudo desaparecia.

*********** Acordei algum tempo depois no banco de trás do carro de Eve, com sangue escorrendo pelo estofado. Droga, ela vai me matar por isso, pensei, e talvez não se tratasse do meu maior problema. Meus pulsos estavam amarrados para trás e Jerome havia prendido meus tornozelos também. Os nós estão tão

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fortes que minhas mãos e meus pés tinham adormecido, mas ainda sentia um pulsar lento e frio. Eu tinha um galo na testa, em algum ponto peto do cabelo, pensei, e provavelmente um tipo de concussão, porque eu me sentia mal e zonzo. Jerome estava dirigindo o carro de Eve e eu o vi olhando para mim pelo espelho retrovisor enquanto rodávamos. Onde quer que estivéssemos, a estrada era ruim, e eu pulava como uma boneca de pano enquanto o carro enorme passava sobre obstáculos. - Ei – eu disse. – E então? Morto, Jerome? Ele não disse nada. Talvez por que me odiasse tanto quanto Marjo me odiava, mas eu não acreditava; ele não parecia ter certeza. Jerome tinha sido um cara grande no ensino médio – grande no sentido de ter ombros largos. Era viciado em academia, jogava futebol e havia vencido concursos de maiores pescoços. Apesar de ainda ter todos os músculos, era como se o ar tivesse saído deles e agora estivessem enrugados e fibrosos. Sim: cara morto. Um zumbi, que seria um maluco em qualquer lugar, menos em Morganville; mas mesmo em Morganville era esquisito. Vampiros? Claro. Zumbis? Não tanto, como você pode perceber. Jerome decidiu que estava na hora de provar que ele ainda tinha cordas vocais funcionando. – Não morto – ele disse. Apenas duas palavras, e não dizia muitas coisas, porque soaram graves e esquisitas. Se eu tivesse de imaginar a voz de um cara morto, ela teria sido assim. - Ótimo – eu disse. Bom pra você. Então essa coisa de roubo de carro é uma nova carreira, certo? E o seqüestro? Como está indo? - Cale a boca. Ele tinha total razão, eu precisava fazer isso. Eu estava falando sobre um cara morto dirigindo, mas fiquei um pouco desconfortável. - Eve vai atrás de você para acabar com a sua raça se você estragar o carro. Você se lembra de Eve? - Uma vagabunda – Jerome disso, o que significa que ele se lembrava. É claro que sim. Jerome tinha sido o presidente do Club dos Atletas e Eve tinha sido a fundadora e praticamente único membro da Ordem dos Góticos, edição de Morganville. Os dois nunca se deram bem, principalmente no mundo do ensino médio. - Lembre-me de lavar sua boca com sabão depois – eu disso e fechei os olhos ao sentir um chacoalhão muito violento que fez minha cabeça ir de um lado a outro. A cor vermelha surgiu em minha mente e eu pensei em coisas como aneurisma e morte. – Não é legal falar sobre as pessoas por trás. - Vá se ferrar. - Ei! Três palavras. Isso ai, cara. Quando menos perceber, vai estar formando frases... Onde você está indo? Jerome me encarou pelo espelho um pouco mais. O carro tinha cheiro de sujeira e de mais alguma coisa. Algo podre. Roupas sujas de moradores de rua mergulhadas em um tanque com carne vencida. Tentei não pensar naquilo, porque a mistura do cheiro, do chacoalhar do carro e da minha cabeça doendo, bem, já viu. Felizmente, não tive de pensar naquilo por muito tempo, porque Jerome fez algumas voltas e brecou bruscamente. Cai rolando do assento e aterrissei no espaço entre os bancos e ai. – Ai – oficialmente a reclamação. – Aprendeu isso no manual de direção perigosa? - Cala a boca. - Sabe de uma coisa? Acho que o fato de estar morto fez com que você conquistasse um vocabulário mais amplo. Talvez possa sugerir isso em um curso de extensão ou algo do tipo. O carro chacoalhou quando Jerome saiu do banco do motorista e então a porta de trás se abriu e ele me agarrou pelos braços e puxou. Ele podia estar morto: rígido, com certeza, mas mesmo assim, estava forte. Jerome me derrubou na estrada clara, que tinha sido pavimentada – um dia, não recentemente – e deu a volta pelo capô do carro. Eu fiz uma careta e olhei ao redor. Havia uma casa antiga a cerca

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de seis metros dali – no fim da estrada de terra batida – que parecia velha, desgastada e decadente. Podia estar sem reparos havia centenas de anos, ou apenas cinco, não dava para saber. Tinha dois andares, antigos e quadrados e uma daquelas varandas que davam a volta e que as pessoas costumavam construir para receber a brisa fresca, apesar de fresca ser um termo relativo ali. Não reconheci o local, o que foi uma sensação esquisita. Eu havia crescido em Morganville e conhecia todos os contos e esconderijos – habilidades de sobrevivência necessária para se chegar a fase adulta. Isso significa que eu não estava mais em Morganville. Eu sabia que existiam algumas casas de fazenda ao redor da cidade, mas as pessoas que viviam nelas não iam muito ao centro, e ninguém saía da cidade sem permissão expressa dos vampiros, a menos que estivesse desesperado ou procurando por um suicídio fácil. Por isso, eu não fazia idéia de quem vivia ali. Isso se mais alguém, além de Jerome, vivesse ali. Talvez ele tivesse comido os cérebros de todos os ex-moradores e eu fosse a versão comida para viagem. Sim, isso era confortante. Tentei me livrar das cordas, mas Jerome fez um nó bem apertado e meus dedos dormentes não estavam prontos para trabalhar. Quando Jerome me capturou no estacionamento, era hora de saída das fábricas, mas agora o sol estava chegando, em faixas de cores, um em cima da outra, do vermelho pra o azul. Eu me contorci e tentei mexer um cotovelo para chegar ao bolso da frente, onde meu celular esperava pacientemente por mim para mandar uma mensagem para a policia. Sem sorte, não tive tempo para isso. Jerome voltou a dar a volta no carro, me agarrou pela gola da camiseta e puxou. Resmunguei, dei chutes e me esforcei como um peixe no anzol, mas tudo que consegui foi deixar uma marca mais ampla na poeira, ao ser arrastado. Não consegui ver para onde estávamos indo. Os dedos de Jerome estavam frios e secos conta meu pescoço suado. Fui arrastado por um lance de escadas que parecia repleto de espinhos que entravam pelas minhas roupas. O pôr do sol foi substituído por um teto escuro. A varanda era mais lisa, mas não menos desconfortável. Tentei lutar de novo, dessa vez com mais intensidade, mas Jerome me derrubou e bateu minha nuca no piso de madeira. Mais flashes vermelhos e brancos, como meu sinal pessoal de emergência. Quando os flashes desapareceram, vi que estava sendo arrastado para dentro de uma sala escura. Droga. Eu não estava pronto para a briga ainda. Estava muito assustado e queria sair. Meu coração batia forte e estava pensando e mil maneiras terríveis pelas quais poderia morrer naquela sala fedorenta, quente e apertada. O carpete áspero sob minhas costas estava cheio de bolor. Os poucos móveis pareciam abandonados e empoeirados, fora os que estavam destruídos. De modo estranho, escutei o som de um televisor vindo do andar de cima. Noticias da região. Os vampiros porta-vozes oficiais estavam contando historias inofensivas, acontecimentos do mundo, nada muito controverso. Era morfina para as massas. O som parou e Jerome me soltou. Eu me deitei de lado, depois de bruços e me serpenteei até ficar de joelhos, enquanto tentava não sujar a boca com o carpete sujo. Escutei um chiado atrás de mim. Jerome estava rindo. - Ria enquanto puder, macaco – murmurei e cospi poeira. Provavelmente porque ele nunca tivesse assistido [i]As Aventuras de Buckaroo Banzai[/i], mas valia tentar. Escutei passos nos degraus, vindos do segundo andar. Eu me reorientei, porque queria ver os infelizes que viriam à matinê de minha provável terrível morte... - Olá, filho – meu pai Frank Collins disse. – Sinto muito por isso, mas eu sabia que você não viria sozinho.

*********

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As cordas foram soltas, assim que prometi ficar comportado e não sair correndo para o carro caso tivesse chance. Meu pai continuava do mesmo jeito que eu imaginava, o que significava que não era bonito, mas forte. Ele havia se tornado um alcoólatra patético; depois que minha irmã morreu – em um acidente ou assassinada, você pode escolher -, ele havia chegado ao fundo do poço. Assim como minha mãe. E eu também, na verdade. Em algum momento, meu pai havia deixado de ser um bêbado patético e se transformado em um bêbado caçador de vampiro. O ódio aos vampiros havia se acumulado por anos como uma carga, e explodiu quando minha mãe morreu – por suicídio, talvez. Não acreditei nisso, nem meu pai. Os vampiros estão por trás disso, assim como estavam por trás de todas as coisas terríveis que aconteciam em nossas vidas. Era isso que eu costumava acreditar. E no que meu pai ainda acreditava. Consegui sentir o cheiro de uísque que exalava dele, assim como o cheiro de carne podre de Jerome, que estava em uma cadeira no canto, lendo um livro. Engraçado. Jerome não costumava ler muito quando era vivo. Sentei-me obedientemente no sofá antigo e empoeirado, principalmente porque meus pés estavam dormentes demais para que eu ficasse em pé, e eu estava tentando fazer meus dedos voltarem a ter circulação. Meu pai e eu não nos abraçamos. Ele ficou caminhando de um lado a outro, levantando nuvens de poeira que eram vistas contra a luz que entrava por frestas mas janelas embaçadas. - Você está péssimo – meu pai disse, parando para olhar para mim. Eu resisti à vontade, como Marjo, de lhe mostrar o dedo, por que e surraria se eu fizesse aquilo. Ao vê-lo, senti algo pesado na boca do estômago. Eu queria abraçá-lo. Queria surrá-lo. Não sabia o que queria, mas, desejava que tudo aquilo acabasse. - Puxa! Obrigado, papai - eu disse e propositalmente me recostei o sofá de novo, agindo de maneira mais adolescente que consegui. – Também senti sua falta. Vejo que você trouxe todos os amigos. Espere. Na última vez em que meu pai esteve em Morganville, havia feito isso de modo literal – em uma moto, com diversos motociclistas amigos. Nem sinal deles dessa vez. Tentei imaginar quando eles tinham decidido mandá-lo se catar, e com que intensidade. Meu pai não respondeu. Não parava de olhar para mim. Estava vestindo uma jaqueta de couro com muitos zíperes, calça jeans surrada, botas resistentes. Não muito diferente do que eu estava vestindo, exceto pela jaqueta, porque só um idiota vestiria uma jaqueta de couro naquele calor. – Estou olhando para você, papai. - Shane – ele disse. – Você sabia que eu voltaria para vê-lo. - Sim, que bonito. Na ultima vez em que eu o vi, você estava tentando me ferrar em um prédio tomado por vampiros, lembra? Qual é meu sobrenome, Dano Colateral? – Ele também tinha feito isso. Eu conhecia meu pai bem o suficiente para acreditar em qualquer outra coisa que fosse. – Também me deixou arder vivo em uma gaiola, papai. Por isso, pelo desculpas se não estou emocionado. Sua experiência – transformada em uma mascara rígida por causa do vento e do sol de anos – não mudou. – Era uma guerra, Shane. Já conversamos sobre isso. - Que engraçado. Não me lembro de você dizer: Se for pego por vampiros, vou deixar que arda em chamas, idiota. Talvez eu simplesmente não esteja me lembrando de todos os detalhes de seu plano esperto. – Eu voltava a sentir meus dedos dos pés e das mãos. Não foi legal. Parecia que eu havia enfiado meus dedos em um ácido e os banhado em solução esterilizante em seguida. – Posso superar isso, mas você precisava ter arrastado meus amigos junto? Era isso o que eu mais detestava. É claro, ele havia acabado comigo - mais de uma vez, na verdade. Entretanto, tinha razão, nós tínhamos concordado quando eu acreditava nessa causa, que um de nós talvez tivesse de abraçá-la. Não concordávamos com a questão de as pessoas inocentes, principalmente meus amigos, serem jogadas na pilha de corpos.

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- Seus amigos, certo. Papai disse, com a ênfase que uma garrafa de uísque barato permitia. – Um meio-vampiro, um candidato a louco mórbido e você se refere àquela menina, não é? A magrinha. Ela fez seu cérebro derreter, não fez? Eu tentei avisar. Claire. Ele nem ao menos lembrava do nome dela. Fechei meus olhos por um instante e ali estava ela, sorrindo para mim com os olhos claros e confiantes. Ela podia ser pequena, mas tinha um tipo de força que meu pai nunca compreenderia. Ela foi a primeira pessoa pura que conheci e não permitiria que ele a tirasse de mim. Ela estava esperando por mim no momento, na Casa de Vidro, provavelmente estudando ou mordendo um lápis. Ou brigando com Eve. Ou... tentando imaginar onde, diabos, eu estava. Eu precisava sair dali. Tinha de voltar para Claire. Doloridos ou não, meus pés funcionavam de novo. Fiz um teste ficando em pé. No canto, o Jerome Morto deixou seu livro de lado. Era um exemplar velho e com manchas de água de O Mágico de OZ. Quem ele pensava que era? O Leão? O Espantalho? Vai saber. Talvez ele pensasse ser Dorothy. - Como eu pensava, o que importa é a menina. Você deve pensar que é um cavalheiro indo salvá-la. – O sorriso de meu pai era afiado o bastante para cortar diamantes. – Sabe como ela o vê? Como um idiota que ela pode colocar na coleira. Seu cãozinho de estimação. Sua menininha inocente, está usando o símbolo do fundador agora. Está trabalhando para os vampiros. Espero também que ela seja uma atriz pornô para você pagar essa traição aos seus. Dessa vez não precisei levar um golpe na cabeça para ver vermelho na minha mente. Senti meu queixo descer, meus pulmões se enchendo, mas mantive o controle. Não sei como. Ele estava tentando fazer com que eu o atacasse. - Eu a amo, papai – eu disse. – Não faça isso. - Amor, certo. Você não sabe o que é o amor, Shane. Ela está trabalhando para os sanguessugas. Está ajudando-me a retomar o controle de Morganville. Ela tem de ir e você sabe. - Só por cima de meu cadáver. No canto, Jerome riu daquela maneira rouca que me fazia querer acabar com as cordas vocais dele de uma vez. - Podemos dar um jeito – ele disse. - Cale-se – meu pai disse sem parar de olhar para mim. – Shane, escute. Encontrei a resposta. - Não me importa o que você encontrou, pai, não vou mais escutar o que tem a dizer. Vou para casa. Quer que seu morto de estimação me impeça. Ele olhou o meu pulso, onde estava o bracelete. Não era uma daquelas coisas que me identificava como propriedade de vampiro – uma pulseira de hospital, de plástico branco com uma cruz vermelha e grande sobre ela. - Está ferido? – Não, é claro, eu estava cansado. Eu era apenas mais um soldado, para meu pai. Ou estava ferido ou estava fingindo estar. - Não importa. Estou melhor – eu disse. Pareceu, por um instante, que ele havia amolecido. Talvez ninguém além de mim estivesse notado. Talvez fosse minha imaginação. – Onde você foi ferido, rapaz? Deu de ombros e apontei para meu tórax, um pouco para a lateral. A cicatriz ainda doía e ardia. – Faca. Ele franziu o cenho. – Há quanto tempo? - Há bastante tempo. – O bracelete seria tirado na semana seguinte. Meu período de carência estava quase no fim. Ele olhou em meus olhos e, por um segundo, apenas um segundo, permitiu a mim mesmo acreditar que ele estava verdadeiramente preocupado. Idiota. Ele sempre conseguiu me pegar desprevenido, por mais cuidado que eu tivesse em observá-lo e eu só percebia o golpe quando já era tarde demais. Foi um soco forte e dado com perfeição cirúrgica que fez com que me dobrasse para frente e caísse de novo no sofá. Respire, eu disse a meus músculos. Meus pulmões queriam se encher e minhas entranhas latejavam, gritando de dor e de terror. Eu

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escutei e mim mesmo engasgando alto e me detestei por isso. Da próxima vez. Da próxima vez acerto o babaca antes. Mas sabia que não. Meu pai me agarrou pelo cabelo e fez minhas costas se curvarem para trás. Apontou meu rosto na direção de Jerome. – Sinto muito, rapaz, mas preciso que você escute bem. Está vendo Jerome? Eu o trouxe de volta, de dentro da cova. Posso trazer todos eles de volta, quantos forem necessários. Eles lutaram por mim, Shane, e não vão parar. Está na hora. Podemos retomar esta cidade e podemos acabar com esse pesadelo. Meus músculos congelados finalmente relaxaram e procurei respirar com dificuldade. Meu pai soltou meu cabelo e deu um passo para trás. Ele sempre soube quando se afastar. - Sua definição de “o fim do pesadelo” é um pouco diferente da minha – eu disse. – A minha não inclui zumbis. – Fiz uma pausa para tentar diminuir meus batimentos cardíacos. – Como você faz isso, papai? Como ele pode estar ali, em pé? Ele ignorou o comentário. É claro. – Estou tentando explicar a você que está na hora de para de falar sobre guerra e começar a brigar. Podemos vencer. Podemos destruir todos eles. – Ele fez uma pausa e o brilho em seus olhos era quase como o de um fanático com uma bomba presa ao peito. – Preciso de você, filho. Podemos fazer isso juntos. Ele realmente foi sincero nessa parte. Era uma coisa louca e doentia, mas precisava de mim. E eu precisava usar aquilo. – Em primeiro lugar, diga como faço isso – eu disse. – Preciso saber em que estou me metendo. - Mais tarde. – Meu pai me deu um tapa no ombro. – Quando você estiver convencido de que isso é preciso, talvez. Por enquanto, só precisa saber que é possível, por que eu fiz. Jerome é prova disso. - Não, papai. Pode me contar. Vou entrar ou não. Chega de segredos. Nada do que eu estava dizendo pareceria mentira, por que não era. Eu estava dizendo o que ele queria escutar. A primeira regra de crescer ao lado de um pai abusivo: você apóia, concorda e aprende a não apanhar. E meu pai não era esperto o suficiente para saber que eu tinha entendido. Contudo, sua intuição o alertou; olhou para mim com os olhos semicerrados, franzindo a testa. – Pois vou contar – ele disse. – Mas você precisa me mostrar que posso confiar em você. - Tudo bem. Diga-me de que precisa. – Isso significava diga-me em quem quer que eu bata. Desde que eu estivesse disposto a isso, ele acreditaria em mim. Esperava que tivesse que bater em Jerome, - Entre todos os que morreram nos últimos dois anos, quem era o mais forte? Eu hesitei, sem saber se era pegadinha. – Jerome? - Além de Jerome - Acho que... provavelmente Tommy Barnes. – Tommy não era adolescente; ele estava na faixa dos trinta anos quando morreu e tinha sido um homem grande, malvado e durão, de quem até mesmo os outros caras grande, malvados e durões tinham medo. Ele havia morrido em uma briga de bar, pelo que soube. Esfaqueado pelas costas. Ele havia quebrado o pescoço de uma pessoa que tentara esfaqueá-lo de frente. - Grande Tom? Sim, ele serve. – Meu pai assentiu enquanto pensava, - Tudo bem. Vamos trazê-lo de volta. A última pessoa que eu gostaria de trazer de volta da cova seria Tommy Barnes. Ele tinha sido um maluco em vida. Eu acreditava que a morte não melhoraria seu temperamento. Mas assenti. – Mostre. Meu pai tirou a jaqueta de couro e a camisa. Em contraste com a pela queimada do sol de seus braços, rosto e pescoço, seu peito era branco como a barriga de um peixe, coberto por tatuagens. Eu me lembrava de algumas delas, mas nem todas eram antigas. Ele havia, recentemente, tatuado a foto da família em seu peito.

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Parei de respirar por um instante, observando aquilo. Sim, era meio ruim, mas eram os traços dos rostos de minha mãe e de Alyssa. Só percebi depois de vê-las que quase me esquecera de como elas eram. Meu pai olhou para a tatuagem. – Eu precisava me lembrar. Minha garganta estava tão seca que fiz barulho ao engolir a saliva. - Sim. – Meu rosto estava ali, congelado em tinta azul, aos 16 anos, talvez. Eu era mais magro e mesmo na tatuagem eu parecia mais esperançoso. Mais seguro. - Meu pai esticou o braço direito e eu percebi que havia mais tatuagens novas. E aquela coisa estava se mexendo. Dei um passo para trás. Havia símbolos grossos e estranhos em seu braço, todos em tinta de tatuagem, mas não havia nada de comum no que as tatuagens faziam – elas giravam lentamente como um hélice da DNA para cima e para baixo do eixo do braço, embaixo da pele. – Meu Deus, pai... - Fiz no México – ele disse. – Havia um pastou antigo por lá, ele sabia de coisa sobre os astecas. Eles têm um jeito de ressuscitar os mortos, desde que não tenham falecido há mais de dois anos e desde que estejam em boas condições. Eles os usavam como guerreiros cerimoniais. – Meu pai flexionou o braço, e as tatuagens flexionaram com ele. – Isso é algo que esse tipo de tatuagem pode fazer. Eu estava enjoado e com frio. Aquilo era mais do que eu sabia. Desejei poder mostrar aquilo a Claire; ela provavelmente ficaria fascinada, cheia de teorias e pesquisas. Saberia o que fazer. Hesitei e disse: E a outra parte? - É onde você entra – meu pai disse. Vestiu a camiseta de novo, escondendo a imagem de nossa família. – Preciso que você prove que esta pronto para isso, Shane. Pode fazer isso? Inspirei com dificuldade assenti. Busque tempo, eu disse a mim mesmo. Busque tempo, pense em algo que possa fazer. Mas sem cortar o braço de meu pai... - Por aqui – meu pai disse, seguindo para o fundo da sala. Havia uma porta ali na qual ele havia colocado uma fechadura nova e resistente que ele abriu com uma chave de sua jaqueta. Jerome riu de modo assustador de novo, e eu senti meu pelos. - Certo. Pode ser um choque – meu pai disse. – Mas pode confiar em mim, porque é por uma boa causa. Ele abriu a porta e acendeu uma luz acima de sua cabeça. Era uma cela sem janelas e, do lado de dentro, acorrentado ao chão com correntes de prateadas e grossas, estava um vampiro. Não era qualquer vampiro. Oh, não. Isso teria sido fácil demais para meu pai. Era Michael Glass, meu melhor amigo. Michael estava... pálido. Mais do que pálido. Eu nunca o tinha visto daquele jeito. Havia queimaduras em seus braços, marcas altas nas quais a prata tocava, e havia cortes. Dele escorria sangue lentamente no chão. Seus olhos geralmente eram azuis, mas agora estavam vermelhos, vermelho-vivo. Cor vermelha como a de um monstro, nada parecido com um ser humano. Mas ainda era a voz de meu melhor amigo. – Ajude-me. Eu não podia responder para ele. Eu me afastei e fechei a porta com força. Jerome estava rindo de novo, então me virei, peguei uma cadeira e bati com ela em seu rosto. Seu eu tivesse feito um carinho, o efeito teria sido o mesmo. Ele pegou a cadeira, quebrou a madeira toda com o toque de suas mãos e a lançou de volta para mim. Eu balancei, e teria caído não fosse por uma parede que me manteve em pé. - Pare. Não toque em meu filho – meu pai disse. – Jerome parou como se tivesse dado de cara com uma parede, com as mãos em movimento como se ainda quisesse quebrar meu pescoço. Eu me virei para meu pai e vociferei: - Aquele é meu amigo! - Não, é um vampiro – ele disse. – O mais jovem. O mais fraco. Um dos quais não será procurado pelos outros se estiver em apuros.

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Eu senti vontade de gritar. Queria bater em alguém. Senti uma pressão acumulada dentro de mim e minhas mãos tremiam. - O que você esta fazendo com ele? Eu não sabia quem era aquele cara de jaqueta de couro olhando para mim. Parecia um motociclista cansado, de meia-idade, com o cabelo grisalho e despenteado, o rosto marcado, com cicatrizes e tatuagens. Apenas os olhos pareciam pertencer a meu pai. E, mesmo assim, só um pouco. - É vampiro. Não seu amigo, Shane. Você precisa entender bem que seu amigo esta morto, assim como Jerome aqui, e não pode permitir que isso atrapalhe o que precisa ser feito. Quando formos à guerra, pegaremos todos eles. Todos. Sem exceção. Michael havia brincado em nossa casa. Meu pai havia brincado de bola com ele, no balanço, e lhe servia bolo nas festas de aniversário. Meu pai não se importava com mais nada disso. - Como? – Eu estava tenso. Rangia os dentes e minhas mãos tremiam. – Como fez isso? O que está fazendo com ele? - Estou fazendo com que ele sangre para poder guardar o sangue, assim como eles fazem com os seres humanos – meu pai disse. – É um feitiço de duas partes – a tatuagem e o sangue de um vampiro. Ele é apenas uma criatura, Shane. Lembre-se disso. Michael não era uma criatura. Não apenas uma criatura; assim como meu pai não havia apenas ressuscitado Jerome, que não era apenas uma máquina mortífera sem mente. Máquinas mortíferas sem discernimento não preenchiam seu tempo livre com histórias. Nem mesmo sabiam que tinham tempo livre. Eu consegui ver nos olhos arregalados e amarelados de Jerome a dor, o terror e a raiva. - Você quer estar aqui? – perguntei a ele, diretamente. Por um segundo, Jerome pareceu um menino. Um menininho assustado, ferido e nervoso. – Não – ele disse. – Machuca. Eu não ia deixar aquilo acontecer. Não com Michael, de jeito nenhum. E nem com Jerome. - Não fique todo emocionado, Shane. Fiz o que precisava ser feito – meu pai disse. – A mesmo coisa de sempre. Você costumava ser fraco. Pensei que tivesse virado homem. Antes, isso teria me feito querer provar o contrário lutando com alguém. Com Jerome, talvez. Ou com ele. Eu me virei e olhei em seus olhos: - eu seria fraco de verdade se me deixasse levar por essa bobagem, pai. – Levantei minha mãos, cerrei os punhos, abri de novo e abaixei os braços. – Não preciso provar nada para você. Não mais. Saí pela porta da frente para o carro preto coberto de pó. Abri o porta-malas e tirei dali um pé-de-cabra. Meu pai observou da porta, me impedindo de entrar na casa de novo. – Que diabos está fazendo? - Impedindo suas ações. Ele deu um golpe enquanto eu subia os degraus em sua direção. Dessa vez eu percebi antes, vi o aviso em seu rosto antes de o impulso fazê-lo erguer o punho. Sai do caminho, segurei o braço dele e o joguei de cara na parede. – Não faça isso. Eu o segurei ali, preso como um inseto em uma tábua, até sentir seus músculos pararem de lutar. O restante dele não se entregou. – Acabou, pai. Fim. Terminou. Não me faça feri-lo, porque, meu Deus, é realmente o que quero fazer.

Eu devia saber que ele não desistiria. Assim que eu o soltei, ele se virou, meteu o cotovelo em meu estomago e me forçou a ir para

trás. Eu já conhecia os movimentos dele e desviei de uma tentativa de me dar uma rasteira. - Jerome! Meu pai gritou! – Detenha meu... O final da frase seria filho, e eu não poderia permitir que ele voltasse e envolvesse Jerome ou

tudo terminaria antes de começar. Por isso, dei um soco forte no rosto de meu pai. Agressivo. Com toda a raiva e ressentimento

que eu havia guardado por anos, e toda a angústia e medo. O choque tomou todos os ossos de meu corpo e minha mão ardeu muito. Meus dedos se abriram.

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Meu pai caiu no chão, com os olhos revirados. Fiquei ali por um segundo, sentindo-me totalmente frio e vazio e via suas pálpebras tremerem.

Ele não ficaria desmaiado por muito tempo. Rapidamente, corri pela sala, passei por Jerome, que ainda estava impassível e abri a porta da

cela. - Michael? – Eu me ajoelhei de frente para ele e meu amigo balançou os cabelos louros de seu

rosto pálido e olhou para mim com olhos famintos. Ergui o pulso, mostrando para ele o bracelete. – Prometa para mim, cara. Eu tiro você daqui,

mas sem mordidas. Eu amo você, mas não me morda. Michael riu com rouquidão. – também amo você, irmão. Tire-me deste inferno. Comecei a trabalhar com o pé-de-cabra, puxando os pisos e quebrando as correntes. Eu estava

certo; meu pai era esperto demais para fazer correntes de prata maciça. Seriam moles e fáceis de quebrar. Aquelas eram correntes galvanizadas, boas o bastante para prender Michael, e até um dos vampiros mais velhos.

Só precisei quebrar as duas primeiras; a força de vampiro de Michael resolveu a questão das outras do chão. Os olhos de Michael brilharam em um tom vermelho quando me aproximei, tentando ajudá-lo a se levantar, e antes que eu me desse conta, ele havia envolvido meu pescoço com a mão e me derrubado, de costas, no chão. Senti a pressão de unhas afiadas em minha pele e vi seus olhos fixos no corte de minha cabeça.

- Nada de morder – eu disse de novo, sem forçar. – Não é? - É – Michael disse, de algum ponto além de Marte. Seus olhos brilhavam como lanternas e eu

sentia todos os músculos de seu corpo tremendo. – É melhor cuidar desse corte. Está bem feio. Ele me colocou em pé e moveu-se com cerca de metade de sua velocidade comum de vampiro

para a porta. Meu pai podia ter impedido Jerome de me atacar, mas não faria a mesma coisa com relação a Michael, e este estava – na melhor das hipóteses – com apenas metade de sua força no momento. Não seria uma briga muito justa.

- Michael – eu disse e me encostei na parede ao lado dele. – Vamos juntos, diretamente para a janela. Você sai, não espere por mim. O sol deve estar quase se pondo, então você pode chegar ao carro. – Reuni algumas correntes de prata e as enrolei em minha mão. – Não pense em argumentar agora.

Ele me olhou com incredulidade e concordou. Nós nos movemos com rapidez e juntos. Fiquei de frente para Jerome e dei um soco direto bem

no meio de seus dentes, reforçados com o metal galvanizado. Eu só queria tira-lo do caminho, mas Jerome gritou e hesitou, com as mãos erguidas para me

impedir. Foi como se anos tivessem passado e de repente estávamos no ensino médio de novo – ele, o grandalhão mais conhecido da escola, e eu finalmente com tamanho e força suficiente para enfrentá-lo. Jerome fez o mesmo gesto, que havia feito na primeira vez em que bati nele.

Eu caí. Uma flecha foi disparada do canto mais distante da sala de estar, que transpassou pela minha

cabeça e parou na parede de madeira. – Pare! – meu pai disse com a voz rouca. Ele estava de joelhos, mas estava acordado e muito irritado. Ele também estava recarregando, e o próximo ataque não seria um aviso.

- Saia! – eu gritei para Michael, e se ele estava querendo encenar uma troca de tiros dos filmes de faroeste, finalmente fazia sentido. Ele pulou pela janela mais próxima em meio a estilhaços e caiu no chão, correndo em seguida. Eu tinha razão: o sol tinha se posto, ou o suficiente para não feri-lo com gravidade.

Ele chegou ao carro, abriu a porta, do motorista, e entrou. Escutei o rondo do motor sendo ligado.

- Shane! – ele gritou. – Venha! - Daqui a pouco – eu gritei de volta. Olhei para meu pai e para a tatuagem em movimento. Ele

estava com o arco apontado para o meu peito. Eu revirei o arco com uma das mãos, e a corrente de

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prata com a outra. – E então – eu disse, olhando para o meu pai. – Sua vez, papai. O que quer? Quer que eu faça uma combinação com o Jerome Morto? Você ficaria feliz?

Meu pai não estava olhando para mim, mas para Jerome, que estava encolhido em um canto. Eu o havia ferido com a corrente; metade de seu rosto estava queimada e apodrecendo e ele chorava baixo e copiosamente.

Eu conhecia o olhar de meu pai. Já o tinha visto muitas vezes. Decepção. – Meu filho – meu pai disse com desgosto. – Você acaba com tudo.

- Acredito que Jerome é mais seu filho do que eu – disse. Caminhei em direção a porta da frente. Não daria a meu pai a satisfação de me fazer correr. Eu

sabia que estava com o arco nas mãos e que este estava carregado. Percebi que ele estava bem atrás de mim. Escutei o acionar sendo solto e o som, como seda sendo rasgada, da madeira atravessando o ar.

Não tive tempo de sentir medo, apenas – como meu pai – fiquei amargamente desapontado. A flecha não me acertou. Nem passou perto. Quando meu virei, na porta, vi que havia acertado a flecha de ponta de prata no crânio de

Jerome, que escorregou silenciosamente até o chão. Morto. Finalmente, morto com misericórdia. O Mágico de OZ caiu com a capa virada para baixo ao lado de sua mão. - Filho – meu pai disse e deixou o arco de lado. – Por favor, não se vá. Preciso de você. De

verdade. Balancei a cabeça em negativa. - Então, acho que você esta sem sorte. Ele pegou o arco de novo. Eu me joguei para a direita, para dentro do salão, pulei um sofá velho e aterrissei no piso

rachado da velha cozinha. Tinha cheiro de coisa podre e produtos químicos e eu vi um tanque de peixes sobre o armário, repleto de líquidos escuro. Ao lado dele, uma bateria de carro.

Equipamento de galvanização com instruções de uso para as correntes. Havia também um refrigerador da década de 1950, que funcionava com barulhos. Meu pai havia estocado o sangue de Michael em garrafas velhas e sujas de leite que poderiam

ter sido tiradas do monte de lixo do canto. Peguei as cinco garrafas e as joguei um a uma pela janela, mirando na grande pedra ao lado de uma árvore.

Crash. Crash. Crash. Crash... - Pare – meu pai vociferou. Pelo canto dos olhos pude vê-lo em pé, mirando o arco recarregado

para mim. – Vou matar você, Shane. Juro que vou. - É mesmo? Sorte que você já me tatuou em seu peito com o restante da família morta. – dei

um passo atrás para o ataque. - Eu poderia trazer sua mãe de volta. – Deixou escapar. – Talvez até sua irmã. Não faça isso. Caramba. Uma mancha preta turvou minha visão por um segundo. - Jogue essa garrafa – ele sussurrou – e vai matar a chance que elas têm de viver. Eu me lembrei de Jerome – seus músculos enrugados, sua pele estranha, o medo e o pânico em

seus olhos. Você quer estar aqui? Não. Machuca. Joguei a última garrafa do sangue de Michael e observei quando ela atravessou direto para se

espatifar, espalhando o vermelho contra a pedra. Pensei que ele ia me matar. Talvez ele tenha pensado que me mataria também. Esperei, mas

não apertou o gatilho. - Estou lutando pela humanidade. – ele disse. Seu último e melhor argumento. Sempre me vencia antes. Eu me virei e olhei diretamente para ele. – Acho que você já perdeu a sua. Passei por ele, que não me deteve.

**********

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Michael dirigiu como um doido, fazendo nuvens de poeira subirem bem alto enquanto corríamos de volta para a estrada principal. Ele não parava de me perguntar como eu estava. Não respondi, apenas olhei para o belo pôr do sol e para a casa solitária e aos pedaços à distância.

Passamos correndo pela placa da fronteira da cidade de Morganville e um dos poucos carros de polícia se colocou na nossa frente. Michael diminuiu, parou e desligou o motor. Uma rajada de vento do deserto balançou o carro.

- Shane. - Sim. - Ele é perigoso. - Sei disso. - Não posso deixar que vocês continuem. Você viu... - Eu vi – respondi, - Eu sei. – Contudo, ele continua sendo pai, uma criança assustada dentro

de mim gritou. Ele é tudo o que tenho. - Então, o que quer que eu diga? – Os olhos de Michael tinham voltado a ser azuis, mas ele

estava branco como um fantasma, branco-azulado, branco-assustado. Eu havia espalhado seu sangue todo ali no chão. As queimaduras de suas mãos e pulsos fizeram meu estômago revirar.

- Conte a verdade a eles – eu disse. Se os vampiros de Morganville chegassem a meu pai antes de ele poder escapar, ele morreria de um modo terrível e talvez merecesse. – Mas dê cinco minutos a ele, Michael. Apenas cinco.

Michael olhou para mim e eu não consegui decifrar em que ele podia estar pensando. Eu o conhecia havia muito tempo, mas naquele momento, era tão desconhecido quanto meu pai.

Um policial uniformizado de Morganville bateu na janela do motorista. Michael baixou o vidro. O policial não estava preparado para ver um vampiro dirigindo e eu percebi que ele estava engolindo as palavras ásperas que ia dizer.

- O senhor está indo um pouco rápido – ele disse por fim. – Está acontecendo alguma coisa? Michael olhou para as queimaduras nos pulsos, os cortes sem sangue em seus braços. – Sim –

ele disse. – Preciso de uma ambulância. E então caiu sobre o volante. O policial exclamou uma reação de surpresa e pegou seu rádio. Eu procurei alcançar as costas

de Michael. Os olhos dele estavam fechados, mas quando olhei, ele murmurou: - Você disse que queria cinco minutos.

- Eu não queria ganhar o prêmio de melhor ator coadjuvante! – sussurrei em resposta. Michael fez a melhor atuação de vampiro em apuros por cinco minutos, e então acordou e

garantiu ao policial e aos paramédicos da ambulância que estava bem. Então, contou a eles sobre meu pai. Ele encontraram Jerome, ainda morto, mas do que nunca, com uma flecha com ponta de prata

enfiada na cabeça, encontraram um exemplar de O Mágico de OZ ao lado dele. Nenhum sinal de Frank Collins. Mais tarde – perto de meia-noite -, Michael e eu estávamos sentados nos degraus de nossa

casa. Eu estava com uma garrafa de cerveja; ele bebia sua sexta garrafa de sangue, que fingi não perceber. Estava abraçando Eve, que nos encheu de perguntas a noite toda como uma metralhadora automática; ela finalmente parou de perguntar, e recostou-se em Michael sonolenta.

Bem, ela não tinha parado definitivamente. – Ei – ela disse e olhou para Michael com seus olhos grandes e delineados de preto. – É sério que você pode ressuscitar pessoas mortas com suco de vampiro? Isso é muito errado.

Michael quase cuspiu o sangue que estava engolindo. - Suco de vampiro? Caramba, Eve. Obrigada pela preocupação. Ela parou de sorrir. – Se eu não risse, eu gritaria. Ela a abraçou. – Eu sei. Mas acabou. Ao meu lado, Claire estava quieta. Não estava bebendo – não permitiríamos, pois ela tinha 16

anos – e não estava falando muito. Também não estava olhando para mim. Estava observando a noite de Morganville.

- Ele vai voltar – ela disse por fim. – Seu pai não vai desistir, não é?

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Michael e eu no entreolhamos. – Não – respondi. – Provavelmente, não, mas vai demorar um pouco até ele se recompor. Ele esperava poder contar comigo para iniciar essa guerra e, como ele disse, seu tempo estava no fim. Ele vai precisar de um novo plano.

Claire suspirou e entrelaçou o braço no meu. – Ele vai dar um jeito. - Ele vai ter de se virar sem mim. – Beijei o topo de sua cabeça, seus cabelos macios e quentes. - Fico feliz – ela disse. – Você merece coisa melhor. - Olha só – eu disse. –Tenho coisa melhor. Bem aqui. Michael e eu brindamos a nossa sobrevivência. Pelo tempo que durasse.

*******FIM*******

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Bons Modos à Mesa

Tanith Lee Assim que eu o vi, eu soube. Acredito que qualquer pessoa saberia. Agora. Estamos tão

acostumados, por causa dos filmes e dos romances, com a natureza e com os modos do Vampiro (letra maiúscula proposital), que podemos – ou devemos – encontrar um a cada duzentas passos. E pegar uma estaca afiada... Ou, é claro, não...

Eu havia sido enviada, ou seja, convencida por meu pai, a participar do baile, em outubro, na Masão da Reconstrução. – Anthony, ele disse: - Você vai achar interessante, creio eu.

- Por quê? – quis saber, porque não era daquele jeito que eu queria passar os primeiros cinco das do mês.

- Porque o mundo está cheio de pessoas como os Kokerson. Se quiser, Lel, tenha isso como a parte final de sua educação. Verá como as pessoas são.

- Como funcionam ou como explodem? - Qualquer um dos dois – respondeu meu pai elegante, adorável e enfurecido.

Outubro é outono. Época de folhas vermelhas caídas de névoas e sonhos, antes da chegada do Halloween e do inverno. Eu tenho meus planos, mas tudo bem. Meu pai sabe de tudo. (Ao menos, até onde eu sei, ele costuma saber.) Assim aceitei o convite dos Kokerson, arrumei as malas e peguei o trem para Chakhatti Halt; então peguei um táxi dirigido por um moço muito doce, que parecia e falava como um feliz tiranossauro rex (eu não minto) de forma (quase) humana. Chamo o castelo de Mansão da Reconstrução, desde o começo, desde o momento em que li no jornal que eles haviam transformado a construção, que já tinha sido uma casa parecida com um castelo antigo de algum ponto da Europa Oriental, e estavam fazendo a reconstrução pedra por pedra em uma vasta área de estacionamento em outro local, bem longe da cidade de Chakhatti. Os Kokerson, obviamente, são muito ricos. Um deles ganhou na loteria cerca de vinte anos antes. Eu havia visto fotos deles. Não queria ir, mas Anthony achou que eu deveria ir. No caso de isso fazer com que meu pai pareça um monstro manipulador, preciso afirmar bem aqui e agora que ele passa longe de ser isso. Como eu disse, é só que ele parece saber sobre... tudo. Ele é assim mesmo. Meu nome é Lelystra. É um nome de família, mas geralmente as pessoas que me conhecem me chamam de Lel. Pode me chamar de Lel, ta?

*********** - Ah! Você devia ter ligado – teríamos mandado um carro! Você é Lelystra? Que nome lindo! Não imaginaríamos em resumi-lo para Lel!!! Então, eles me receberam, os Kokerson. Uma família infinita, mas sem um pai (teria ele fugido? Eu fugiria). Filhos dentuços e morenos e filhas dentuças e pálidas, tias escandalosas, um tio moreno e satânico chamado Bill e a Mãe, a Sra. Kokerson, ou Ariadne, como ele pediu para ser chamada. Ela tinha 60 anos, mas parecia ter 15. Ou seja, ela tinha 60 anos, mas de algum modo havia se mantido nos 15 em todos os sentidos errados. Senti uma obrigação imediata de cuidar dela, tira-la dos coquetéis – ela era jovem demais para aquilo – e talvez apresentá-la a um idoso jovial.

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Corri escada acima voando e preocupada e pulei na cama de uma quarto superbranco, do tamanho de um campo de beisebol. Tentei fazer um telefonema para Anthony. Ele estava em uma reunião. Deixei uma mensagem. – Papai, vou matar você.

*********** Deixei-me descrever o castelo da reconstrução. Uma pedra azul-petróleo de aparentemente 300 metros com torres, cúpulas, varandas e escadas por dentro e por fora como quedas d’água paralisadas, e algumas delas igualmente escorregadias. O vidro da janela é levemente polarizado. Do lado de fora, as janelas parecem óculos de sol embaçados. Por dentro, os vidros pintam o céu do dia de verde e o da noite de roxo, com estrelas rosadas. O paisagismo é todo particular e cheio de árvores, lago e animais. Cervídeos são ouvidos na mata a noite toda, acordando-me como um alarme de incêndio a cada trinta minutos. Era um parque temático gigante. O tema, presumidamente, era os Kokerson, ou a fantasia deles sobre eles mesmos. A sensação da falsa antiguidade e da época de ilusão era tão intensa que era bem séria. Todos tínhamos de nos vestir com as roupas que eles ofereciam, as mulheres com vestidos floridos e os homens com roupas góticas, nada além de 1880 ou antes de 1964. éramos como refugiados de um estúdio cheio de lama. Até mesma a casa era daquele jeito. Dois dias e duas noites se passara.

*********** No dia do baile, todos (ou jovens, pelo menos) passaram a manhã e a tarde em banheiras quentes, recebendo massagens, cremes, cuidados com as mãos e pés, tendo os cabelos lavados e cortados (como se fosse uma exposição de gatos). Então, chegou a hora de se vestir com as roupas mais exageradas que existem. Eu bocejava sem parar, colocando a culpa nos alarmes barulhentos dos cervídeos. Meu vestido, que Ariadne havia escolhido, era branco. (Ariadne: “tão perfeito com seu cabelo lindo e claro”.) Meu cabelo é natural, mas de alguma forma o cabeleireiro fez com ele ficasse ainda mais claro – assustou, talvez. Minha pele também clara. Gosto de sol, mas nunca me bronzeio. Dentro do vestido branco eu sumia sem querer, me tornava uma espécie de estátua de gesso sem traços, exceto por meus olhos que, graças a Deus, são bem escuros. Pensei: preciso ir, participar do joguinho, dançar algumas valsas e minuetos (qualquer coisa moderna estava totalmente fora de cogitação) e me retirar graciosamente assim que puder, considerando que eu havia ficado lá por muito tempo. Sou boa nesse tipo de coisa. Isso pode ser uma autoproteção egoísta ou meu lado mais gentil não quer ofender ou ferir. Não quero saber qual é o caso e não me importa. Funciona. Eu escapo, e os outros não se chateiam. Então desci pela escada de dentro, escorregadia, e entrei no salão (como o lado externo de um bolo de noiva, com cobertura de glacê e decoração, com muitos candelabros). Olhei ao redor. Foi quando eu o vi. E o reconheci. Ou melhor, sabia o que ele era. Ao longo de minha espinha, subindo, senti o tipo de eletricidade que em um gato se revela como o pelo eriçado nas cotas. Ariadne foi bem no alvo. Eu, casualmente: Quem é aquele? Gosto de sua roupa. - Sim, não é gloriosa? Mas tenho certeza de que você percebeu que ele é muito bonito também – ela disse entusiasmada. Respondi com calma: Sim, tem um belo rosto. - E uma psique masculina perfeita. Forte como um dançarino e seu cabeli... - É mesmo tão comprido ou se trata de um aplique?

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- Não, é todo dele. Mas geralmente Anghel o prende para trás. Ele fica com uma aparência muito romântica, não é? Não fico surpresa se você o escolher. Contudo, preciso avisar, Lelystra, que ele é frio como a neve. Frio como... – ela se esforçou para achar um adjetivo ainda mais convincente. - Como neve muito gelada? Sugeri. - Hum... Sim. A neve mais fria das neves frias. Somos loucas por ele, e minhas duas filhas são apaixonadas, mas ele não vai além da educação. Anghel já saiu com estrelas de cinema. Sempre requisitado. Ele chegou há uma hora. - É mesmo? - Ele já recebeu convites para participar de muito filmes... - Mas sempre recusa de modo frio e educado – eu disse. Tentei manter afastados de minha voz indícios de irritação. Obviamente, ele não aceitaria um papel em filme nenhum. Só era preciso olhar para ele para saber – aquele cara nunca estaria em um ponto de gravação ao amanhecer sob o sol forte. Ele era um vampiro. Alguém chamou Ariadne naquele momento e ela passou por entre um mar de pessoas dançando polca. Anghel (um nome interessante) pode ter qualquer idade, desde vinte a seiscentos. Ou mais. Ele aparentava 22. Seu cabelo era preto como se o tivesse lavado na noite, do lado de fora. Seus olhos eram mais escuros. Ele tinha a pele clara, mais clara do que a minha, sem dúvida. Não era maquiagem. Ele tinha um rosto bonito – não, lindo – e cruel. Era sua máscara, evidentemente, para manter a todos nós distantes – ou, se perto, nervosos e/ou impressionados – como se ele escolhesse sua vitima para aquela noite, talvez para o fim de semana. Não seria por mais tempo, porque talvez ele evidentemente não havia matado ninguém bebendo seu sangue. Suas namoradas podiam ficar caladas ou ele as fazia “esquecer” o que havia acontecido, mas certamente correriam boatos no caso de alguma delas não ter voltado para casa. Sua roupa era de um nobre europeu do século XVIII. Toda preta, devo acrescentar, e bordada, as botas pretas e altas com detalhes de aço e seu casaco com as barras de renda do branco mais alvo (para combinar com seu comportamento, talvez). Não tinha como se enganar! Senti que devia ter sabido que ele estaria ali, tinha de ter sido alertada. Talvez tenha levado minha ignorância muito a sério. Mas minha – quase surpresa – fez com que eu permanecesse. Ninguém mais, aparentemente, sabia o que ele era, e só se fascinava com a aparência do rapaz. Eu tinha de admitir também que de vez em quando, mesmo que fosse à noite, se ele fosse visto com roupas comuns, com o cabelo preso para trás, e mesmo que usasse calça jeans e boné de um time de beisebol, chamaria a atenção como chama uma águia entre pombos. Não sinto vergonha do que fiz em seguida. Senti que era meu direito e minha obrigação. Se todo mundo era cego, eu não era. Oh, não sou uma caçadora de vampiros, não. Sinto muito se você esperava por isso. Não, sou apenas uma garota de dezoito anos que às vezes – certo, freqüentemente (obrigada, papai) – leva a si mesma um pouco a sério demais e que detesta ser derrotada quando aceita um desafio. Então, bem... Leitor, eu o segui.

*********** Na pista de dança gelada, mil pés pisavam, se arrastavam e se trombavam, a banda tocava e os candelabros balançavam. Entrei como uma pantera, uma branca, em meio à multidão, de olho no malvado Sr. Anghel, cujo segundo nome ninguém conhecia. (E havia perguntado de novo sobre ele.) Em primeiro lugar, ele dançou uma valsa com uma menina encantada que quase desmaiou e depois se desencantou quando ele a largou por outra. (Mais tarde, eu vi muitas jovens loucas da vida, suspirando ou até chorando – ou planejando como atraí-lo de volta.)

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Ele dançou com dez meninas em cerca de dez músicas. Era bem seletivo, não? É claro, suas parceiras, mesmo que não soubessem, ficavam melhor não sendo a dama escolhida para o banquete da noite. Percebi que ele dançava maravilhosamente bem. Pensei rapidamente se ele iria ser tão bom em um clube e cheguei a conclusão que sim, pois os vampiros gostam de se sair bem, em qualquer contexto. Faz parte do território. Ele não me viu. Tomei cuidado para que ele não me visse. Já disse que sou muito boa em fazer o contrário. Contudo, de vez em quando ele olhava ao redor, parecendo um pouco intranqüilo. Ele era Um Vampiro. Ele percebeu que alguém estava atrás dele. Também percebi que não identificou quem pudesse estar observando. Sua aparente condição de vampiro era a camuflagem. Ele era como um ator no papel do Vampiro. Ele quer convencer de que é exatamente isso. O verdadeiro vampiro cortava o cabelo, se vestia com trapos e se mantinha nas sombras. E isso tudo, com ele no centro, eu perseguindo sem ser vista, durou cerca de duas horas. E então ele a encontrou. Fiquei assustada e depois nem tanto. Ela se vestia e se maquiava de forma exagerada, com néon dourado nos cabelos. Bonita, mas parecia uma bandeira. A escolha ideal. Ela parecia se achar a Estrela da Noite. Também havia convencido a muita gente de que era isso. Assim, poucos duvidariam de que ele não pensasse daquele jeito. Alvo de cerca de setenta moças invejosas – até aquele momento -, ele a levava com leveza pela pista e em seguida eles fugiram por um lance de escadas, desceram e saíram entre as cortinas aveludadas da noite.

*********** Foi bem mais desafiador caçá-lo ali, com todo o meu brilho, uma vez que a escuridão era densa mesmo que houvesse uma meia-lua acima do lago. Contudo, eu também podia me esconder ali. Feixes de luz da lua entre os arbustos, um veado malhado indo de árvore a árvore – uma ilusão de ótica. Assim eu era. (É melhor confessar. Anthony me ensinou essas habilidades, apesar de eu ter talento natural.) Eles foram pouco originais na escolha do lugar onde descansar, mais creio que se você tem um lago amplo como uma bandeja prateada e polida, e em todos os outros pontos a escuridão, simplesmente você tem de aproveitar um pouco dos dois. Isso quer dizer que Anghel, O Vampiro, era romântico? Ele deve ter acreditado muito na própria lenda. Os observei por um tempo, enquanto estavam sentados em um banco na beirada da água. Eles falavam, ele baixo e ela... bem, ela tinha uma voz alta e penetrante. “Puxa!”, ela não parava de dizer e também “O que você fez depois?”. Eu consegui entender o que ele dizia também – tenho uma boa audição – mas a conversa parecia mais um dialogo de filme. Um dialogo de filme muito bom. Ele estava contando a ela sobre sua vida difícil e sobre o romance que queria escrever e ás vezes citava um pequeno poema (Byron, Keats); apesar de que quando a maioria dos homens faz isso acaba parecendo inútil, quando ele fazia, era bem impressionante. Entretanto, tudo não passava de um show, uma encenação. Ele estava sendo O Vampiro, no papel do filme que ele havia inventado, e para isso ele havia preparado um roteiro muito bem escrito. Tentei imaginar se ele procurava dormir, de dia, em algum tipo de tumba. Nesse caso, provavelmente uma bem confortável, com um frasco de cristal com água ao lado... E então, abruptamente, porque – mesmo sabendo que tinha de acontecer – eu não sabia quando ia acontecer, ele se inclinou na direção dela. Pensei: Será que ela é tão tola a ponto de pensar que vai ser apenas um beijo? Claro. As fantasias com vampiros são tão românticas, mas não quando paramos para pensar no que eles fazem. Eles mordem. E isso, se não era o que você queria, ou esperava, é um ataque na opinião de qualquer pessoa. Então eles roubam seu sangue. Porque a menos que você realmente deseje alimentá-los dessa maneira, é roubo. Então o que esses procedimentos demonstram sobre um vampiro? Posso dizer: eles são assaltantes.

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Quando ele se moveu, eu também me movi. Fui para a frente e os surpreendi, pálidos como sorvete de baunilha. Falei ainda mais alto e de modo mais agudo que ela – o que exigiu certo esforço. - Oi! Estou interrompendo? Sinto muito! Estou totalmente perdida – este lugar é tão ENORME, não é? Vocês de importam se eu me sentar no banco? Estou vagando por aqui faz uma hora. Onde fica o castelo? É difícil pensar que uma pessoa poderia perder de vista uma coisa tão ENORME, mas... – e eu me sentei, suspirando de modo a demonstrar que ficaria ali por um tempo. Ambos estavam boquiabertos. Ela também parecia furiosa. Ele parecia ter conseguido a resposta para uma pergunta que o estava perturbando havia horas. Não tive dúvidas de que a resposta era: Sim! Essa branquela é quem estava me seguindo! Esperei alguns instantes, mas nenhum dos dois disse nada. Qualquer pessoa, menos o personagem que eu estava interpretando, teria percebido que, por mais distante que eles estivessem, monsieur et mademoiselle queriam ficar sozinhos. Mas não eu. - O que vocês estão achando do baile? – perguntei a eles. – Está divino, não é? - Então por que – ele disse com a voz baixa, estranha, horrível – você não volta para lá? Eu havia derrubado seu disfarce. - Acabei de dizer. Estou perdida – respondi. - Duvido – ele disse. – Se você subir por aquele caminho, aquele pelo qual acabou de descer, creio que poderá ver a casa. Não dá para o ver. - É mesmo? – Demonstrei surpresa e naquele instante a menina chamativa segurou o braço dele, de modo que por um instante ele fez uma cara feia para ela. Ela era tola demais para perceber quão terrível aquela expressão tinha sido. Ela disse de modo irritado: - Vamos, Ang (ela pronunciava o nome dele como eng) -, vamos sair daqui. Foi quando o cervídeo surgiu da mata a cerca de seis metros da costa, fazendo barulho e então mais barulho, enquanto quebrava galhos pelo caminho com sua cabeça cheia de chifres, iluminados pela luz da lua. Seus olhos estavam verdes, como se funcionassem com eletricidade – e ele resmungou. Aquele som, distante, tinha sido devastador. Eu esperava que, de alguma forma, enquanto estava controlando o cervo mentalmente – ou melhor, um dos cervos -, ele nos encontrasse perto do lago. Aquele animal havia obedecido. A moça chamativa ficou em pé. Seus olhos – e cabelo – estavam bagunçados. Ela gritou – e correu. Ela nos deixou, a ele também, e saiu correndo ao redor da água e para dentro da mata. Ele, é claro, não se mexeu. Nem eu. O cervídeo, contudo, abaixou o belo focinho, bateu a pata na grama e voltou para as sombras. Ele falou mais uma vez. - Você também pode fazer a mesma coisa. - Desculpe, não entendi. Ele suspirou profundamente, ficou em pé, e virou de costas para mim. Seus cabelos pretos se movimentaram. – Está estabelecido, então. Você é minha derrocada – ele disse. - Hum – eu hesitei. – Meu nome é Lel. - Não vamos ficar com joguinho. Eu sei que você me julgou logo de cara, dentro da casa. Então, Lel. Quando vem a revelação. Ele olhou para mim de novo. Para minha irritação, percebi que não estava pronta para aquele olhar. Deveria estar, não é? Eu não era uma idiota, como a menina chamativa. - Por que não se senta? – Sugeri - Para conversar sobre isso? Tudo bem. Mas ele ficou em pé. Bem ao meu lado. Percebi que estava desconfortavelmente ciente de sua presença, mas deveria ter sido capaz de lidar com aquilo, porque já conhecia o poder que ele tinha e, no meu caso, preparada como estava, aquele não poderia e não teria efeito. Por um período permanecemos em silêncio.

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A lua iluminou o lago com um tom prata, brilhando como um dólar antigo. Por fim, olhei para ele, que estava de perfil. Ele parecia extremamente triste. Depois, apenas triste. Como uma criança cujo cãozinho havia morrido, e ele nunca tinha esquecido, e então, dez anos depois, ali, por que não nos esquecemos de quem amamos. Mais ou menos assim.

************* - Devo dizer como me tornei... como me tornei o que sou? Foi o que ele perguntou. Eu já tinha escutado grande parte do que considerei ser sua “fala”. Obviamente, nada a ver com vampiros, mas com feudos antigos e maldição de seus “ancestrais” na qual ele não havia acreditado. Ele havia nascido perto da França, em uma região montanhosa. Sua família era de aristocratas que haviam perdido tudo o que tinham na década de 1790. Ele fugira e agora vivia em um cômodo, em Chakhattu, um escritor pobre que passava as noites trabalhando como garçom e frentista de posto de gasolina. Contudo, é claro que aquela mistura de Revolta de Vampiro e necessidade moderna era balela (como meu pai diria). Procurei adivinhar. – Sua família é rica, envolvida em um grande negocio, talvez. Eles vivem aqui. Também recebeu boa educação, freqüentou uma boa faculdade... mas partiu ao descobrir sua verdadeira... como posso dizer? Vocação? Sua família, enquanto isso, continua lhe dando apoio financeiro, porque o senhor diz que está tentando virar escritor. Ele me olhou com frieza. – Nada mal. Na verdade eu recebi uma herança – dinheiro suficiente para sobreviver. Foi de uma tia minha. Sempre pensaram que era louca, mas ela era... o que eu sou. Ela era... - Uma vampira. - Suponho – ele disse, mexendo as mãos (talvez treinado como me estrangularia) -, que você não acredita que vampiros existam. No sentido místico. Apenas imagina que sou perigoso. - Errou de novo. Sei que vampiros de verdade existem, e eu sei, Sr. Anghel, que o senhor é um deles. - Geralmente, as pessoas consideram meus interesses uma... fantasia. Olhei com atenção para o lago. Ele conseguia me distrair. - A única coisa que é uma fantasia aqui – eu respondi, satisfeita com meu tom de voz sério – é sua total incompreensão do que ser um vampiro envolve. - Uma sociedade secreta – um código conhecido por poucos – ele disse de modo solene. - Não. Sinceramente, o contrário. – Ele havia de virado e eu senti que olhava para mim. Foi forte, mas eu não me permiti reagir. Olhando para o lago, eu disse: O senhor precisa conversar com alguém. Se está mesmo com tantos problemas, precisa de ajuda. Ele riu de modo amargo e repentino. - Claro. Está se referindo a um psicólogo. - O senhor precisa – continuei – conversar com meu pai. - Seu... seu o que? - Pai. – Abri minha bolsa pequena de festa que recebi e tirei dali um dos cartões de Anthony e o entreguei a Anghel. Ele olhou fixamente para o cartão. - É uma piada, certo? - Piada nenhuma, Sr. Anghel... - Pode parar com esse história de senhor... quantos anos acha que eu tenho? - Pode ter mil. Contudo, não é brincadeira. É sério. Se preferir, posso coloca-lo no caminho da redenção fazendo nove perguntas diretas. Você só precisa responder, ser honesto. Finalmente, nossos olhares se cruzaram. Eu pensei... bem. Eu pensei em um lençol grande e dourado. Para meu alívio, minha voz voltou a sair, não aguda, mas seca. Eu estava sendo profissional e foi assim que fiz as nove perguntas.

**********

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- Primeira pergunta: você tem sua imagem refletida em espelhos ou superfícies refletivas? - Não olho mais. É claro que não. Estou morto. Minha alma – seja o que for – se foi. Por isso, nada de reflexo. Na noite em que percebi, joguei todos os espelhos fora. E, sim, aprendi a me barbear pelo toque. Sou bom nisso, bem habilidoso. Parece fazer parte do que sou, o que posso fazer agora. Parece que posso desaparecer, mesmo em uma calçada vazia... esse tipo de coisa. - Certo. Segunda pergunta. Você sai durante o dia? - Está de brincadeira. O que acha? Está vendo queimaduras em minha pele? Sim, cometi esse erro uma vez. No último inverno. Eu estava caminhando durante o dia por meia hora. Fiquei cheio de bolhas, mesmo vestido, e por isso precisei ficar escondido por três noites. Minha pele, pedaços dela, saíram inteiros. Não. Não saio durante o dia. O nascer do sol é o inicio da noite para mim. - Pergunta três: Quantos anos você tem? - Completo 22 nesse outono. Na próxima semana, na verdade. Acredito que vou viver para sempre, mas só comecei nessa coisa cerca de 16 meses atrás. - Pergunta quatro. - Espere um pouco. - Pergunta quatro... – fiz uma pausa, mas ele não voltou a me interromper. Apenas observou com os olhos pesarosos. – Você tira e bebe sangue humano? É seu alimento? - Sim. Você já sabe disso. Foi para isso que veio até aqui. Eu estava tentando beber e me alimentar de sangue. - Pergunta cinco: - Ele suspirou, apenas.) – Você bebe e como outras coisas? - Não. Água, sim – uma taça de vinho. Até uma cerveja ou refrigerante. Os líquidos parecem ser digeridos. Não me arrisco com nada mais. - Então sua ultima refeição foi... - Há 16 meses. E vomitei depois. - Então o sangue é seu único alimento. Isso nos leva à pergunta seis: Com que freqüência faz isso? - Uma vez por semana. Mais ou menos. Posso passar um mês sem sangue, se precisar. Mas se não preciso... só penso nisso. - Mais ou menos como consumir drogas em festas, certo? - Não sei – ele disse de modo frio. – Nunca experimentei drogas. - Certo. Pergunta sete: você muda de rosto? Quero dizer, pode parecer ou se tornar outra coisa, um animal, por exemplo, ou um objeto inanimado? - Sim – ele se mostrou quase envergonhado, como se tivesse se gabado sem querer. – Um lobo. Na maior parte do tempo. Entretanto, certa vez, eu meio que me fiz ficar parecido com uma cabine telefônica. Não agüentei. Comecei a rir. – Alguém tentou... entrar para fazer um telefonema? Ele sorriu. Oh, que belo sorriso. - Sim, mas a porta não se abriu. Eu o levei de volta a realidade séria. - Pergunta oito: Você já matou alguém, Anghel? - Meu Deus... não. Não. Eu não... sou cuidadoso. Já é bem ruim ser o que sou. Não quero ser um assassino também. Nós dois estávamos em pé. Não me lembrei de quando me levantei. Eu disse: - Pergunta nove, então. E é a ultima. Como descobriu que havia se tornado um vampiro? - Como eu...? Olha, eu tinha suspeitas entes de nós – minha família – termos o gene para isso. Acredito que é um gene. Assim como algumas famílias têm o gene de cabelo ruivo ou de uma determinada alergia... você sabe como as coisas são contadas em livros, filmes. Alguém faz isso a você, pega seu sangue e transforma você em um vampiro, assim como eles. Não aconteceu dessa maneira. Como eu já disse, descobri que minha tia era vampira. Parecia acreditar ser maluca. Todo mundo

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atribuía as coisas estranhas sobre ela à loucura: o fato de evitar a luz do sol, de não comer, essas coisas. Quando liguei todos os pontos, ela tinha morrido havia dois anos e me deixou sua herança. Como se soubesse que eu seria igual. Então liguei os pontos. A principio não acreditei. Disse que – queria ser um escritor. Por isso comecei a escrever sobre isso, sobre como seria minha vida, se eu fosse um vampiro. Eu estava tentando entender. - Então conheci uma menina em uma festa em Manhattan. Ela havia lido uma história bem apavorante, em uma revista e quis encená-la comigo. Aquilo me assustou, mas quando fico com medo, sinto vontade de fazer, de provar que posso. Então, fiz. Eu não a feri. É importante para mim que você compreenda isso. Ela adorou tudo e eu tive muita dificuldade em afastá-la depois. Entretanto, para mim... alguma coisa mudou. Alguma coisa mudou quando ingeri o sangue. Foi.... – ele hesitou, olhando para o lago e para a lua – foi como encontrar algo dentro de si mesmo, encontrar quem você é de verdade – e eu não era quem pensava ser. Eu era – não melhor -, mas eu me encaixava. Quando saí do apartamento, tudo – a rua, a cidade... – estava vivo, e eu estava vivo, de um modo que nunca tínhamos estado. Está começando a perceber? Não consigo explicar. Posso escrever com palavras, usá-las, fazê-las funcionar, mas para isso não consigo encontrar as palavras. É como se eu tivesse saído não de um quarto, mas de uma caverna escura. Meu mundo todo era uma caverna – mas agora as luzes estavam acesas e o mundo real estava ali, dentro de mim para sempre. - Pois então... respondi a todas as suas perguntas e agora acho que seu maravilhoso pai e seus homens chegam para acabar comigo. Não é, Lel? Aquele nome no cartão é uma mentira, certo? Apenas uma coisa me deixa confuso. Não deveria ser “Anthony Helsing”? Balancei a cabeça, negando. – Oh, não, com certeza não. Aquele nome no cartão é um nome de família. É meu também. Ele pareceu não entender. Triste, confuso e corajoso, pronto para enfrentar uma flecha afiada de uma antivampiro sedento e homens com tochas incandescentes prontos para queimá-lo vivo. Deve ter sido isso que fez com que eu me sentisse protetora, desejando abraçá-lo. Mas foi nesse momento que ele riu de novo, um riso muito diferente, suave – e então sumiu. Em seu lugar, ficou um lobo grande e preto, da altura de um cão mastim, com olhos vermelhos como rubis. O lobo também parecia estar rindo. Contudo, logo depois ele se foi, mergulhando no lago, indo na direção das árvores. A minha reação? Fiquei ali xingando a mim mesma. Eu sabia que ele não estava indo para casa, nem para a cidade. Havia desaparecido não apenas de sua forma humana, mas também da vida de qualquer pessoa que o conhecera recentemente. Apesar de tudo o que ele havia dito, tinha certeza, honesta e verdadeira, de que com meus planos bem arquitetados eu o havia acuado. Eu o perdera. E pior do que isso, eu havia perdido a chance de deixa-lo viver livre nesse mundo maluco que ele havia conhecido 16 meses antes. Oh, Lel. Esperta, sagaz, sabichona, tola e burra Lel.

*************** Meu pai é médico. Ele lida com a doença da psique e da mente. Tem diversos pacientes. Ele é bom. Entrou nesse ramo, como seria o primeiro a dizer, porque já tinha curado a si mesmo e a outro membro de sua família, de uma doença mental totalmente destrutiva. O nome dele, suficientemente real, é um ponto discutível, mas ele descobriu, como eu descobri, de modo geral, que ele causa espanto em vez de revelar alguma coisa. É como aquela questão da camuflagem que mencionei antes. O vampirismo não é uma doença. Não se trata de uma possessão, nem de um trabalho do demônio. É uma maneira de evoluir. Porque a raça humana continua evoluindo. Super-homen, Batman – eles já estão por aí. Se continuarem discretos, você vai culpá-los? Um vampiro, ou o eu passou a ser chamado de vampiro (a palavra parece vir da Turquia antiga, e significa algo como mágico), é apenas mais uma variedade dessa super-raça em desenvolvimento, a qual observamos na tela e sobre a qual lemos nos livros, mas que quase ninguém pensa que pode estão sentada ao nosso lado no metrô.

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Os vampiros são assim: crescem, mas se mantêm jovens por muito tempo (séculos, ás vezes). Eles não precisam de alimentos nem bebidas, apesar de poderem comer e beber um pouco, se quiserem. Pegar o sangue de outra pessoa poder trazer à tona a consciência que temos deles e do que são. Contudo, isso somente por que eles já aceitaram essa idéia. Ou seja, eles pensam que sim. Na verdade, quando conseguem compreender a verdade sem ataque e roubo, chegam a ela melhores e mais completos e com bem menos danos a si mesmos. Digamos assim: eles só partem atrás do sangue porque têm a noção de que são, de certo modo, vampiros. Então sugar o sangue não é preciso. O que é preciso é encarar os fatos. Alimentar-se ou ingerir sangue é redundante. As pessoas não são a presa e o sangue não é o alimento essencial. Nenhum vampiro não Terra tem de beber sangue. Assim como não precisam se alimentar ou beber de modo normal. Então, o Banquete de Sangue que se tornou tão famoso nas historias só tem valor (se essa é a palavra certa) se for colocado para chocar e fazer com que os vampiros se concentrem neles mesmos. Pode acreditar que isso também os fere de modo profundo. Se você não é um vampiro, sugar sangue não vai mudar em nada. Você não vai conseguir mudar de forma ou desaparecer, muito menos viver 340 ano. Oh, e nenhum vampiro consegue transformar uma pessoa sugando seu sangue. A menos, é claro, que essa pessoa já seja vampira. Então, o sentido do sangue para os vampiros é basicamente uma incompreensão. Não tem nada a ver com a bebida ou comida, com cálices, pratos e a mesa de jantar no mundo. São seus elos de sangue – seus genes – como Anghel disse. Se você tem esse gene, tem e pronto. Você é um vampiro, um Ser do Sangue. Um dia você vai acordar e saber, mesmo que demore até cinqüenta anos, e você olhara em um espelho (sim, eu disse espelho) e vai pensar: eu só pareço ter 22 anos. Como pode? Porque os vampiros refletem em espelhos, em todas as superfícies refletivas. Vampiros têm sombra. Também podem até sair no sol do verão. Sem se bronzear, claro. Contudo, o sol não frita. Mas, com uma lavagem cerebral de centenas de anos de propaganda lendária, você acredita que frita. Veja, tudo isso é uma doença psicossomática. Parece real, tão real que você terá os sintomas, como pode acontecer no caso de qualquer grande doença psicossomática. Na verdade, as habilidades de um vampiro podem ser utilizadas contra ele para reforçar o mito. Um vampiro pode parecer invisível – de modo que, naquele vidro, ele seja. Então você acaba com bolhas também, procura uma caixa grande em que possa dormir, e por pessoas inocentes e as ataca por causa do sangue. Pode até vomitar ao sentir o cheiro do alho, ou desmaiar diante de um forte símbolo religioso. Mas não é de verdade. É um tipo de experiência de culpa. O vampiro sabe que é superior. Isso o assusta. Por isso, inconscientemente, ele procura se mandar acorrentado. Ninguém consegue ser mais duro conosco do que nós mesmos, quando começamos. Do contrario, um vampiro pode viver para sempre, talvez. Você não precisa de uma estaca ou de água benta para matá-lo. Só precisa dar um tiro, sem que a bala seja especial. Os vampiros vivem muito, mas não são invulneráveis. O que eles também conseguem fazer são coisas como parecer outra criatura, desaparecer, às vezes voar e, obviamente chamar animais e pedir a eles que façam coisas, como um cervídeo, por exemplo. Não abusamos desses dons. Não quando entendemos o que somos e por quê. Contudo, alguns de nós têm sorte. Minha família é, em parte, formada por vampiros. Eu soube aos três anos de idade o que eu era, e quando descobri, no décimo aniversario, que podia me transformar em uma raposa, meu pai tirou uma foto minha transformada. Ainda tenho a foto. Sim, as câmeras conseguem captar nossa imagem. Meu pai parece muito jovem. Ele afirma, aos pacientes, que sua aparência jovem se deve às vitaminas que toma. E seu nome – nosso nome de família? Draculiano. Anthony Draculiano. Lelystra Dacruliana. Não, não somos do lado famoso de nossa espécie (o romano, conhecido do público na década de 1800 graças ao sábio Sr. Stocker). Contudo, se você puder traçar os laços familiares, somos parentes. Agora você percebe que essas são todas as coisas que eu deveria ter contado ao pobre, belo e infeliz Anghel. Mas, em vez disso, acabei estragando as coisas.

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************** Tive de ficar mais dois dias com os Kokerson. Fiquei e foi terrível. Contudo, não fazia sentido voltar correndo para o papai dois dias antes, anunciando meu fracasso. Anghel havia partido. Sabia que nunca mais o veria e sabia que poderia tê-lo ajudado, mas só fiz sua vida ficar pior. Telefonei para meu pai, mas ele estava em consulta. Terá de esperar até eu chegar em casa. Afinal, eu teria o resto de meus dias para me culpar e para me arrepender.

************** Anthony tem um consultório do outro lado da cidade. Vivemos em uma grande casa marrom-avermelhada na esquina da Dale com a Landry. É uma região agradável. Eu havia tentado telefonar para ele de novo pelo celular, no trem, mas ele estava de novo em outra reunião interminável. Não havia ninguém em casa. Larguei minhas bolsas e peguei meu pequeno elevador para ir ao jardim na cobertura. É apenas um jardim pequeno, um tipo de sala de estar a céu aberto. As ultimas rosas estavam morrendo nas paredes, mas a vinha tinha uvas grandes e roxas. Peguei algumas e as comi, olhando acima do parapeito para o sol decidindo se pôr, como sempre faz, no lado oeste da cidade. Eu nunca havia sentido que precisava roubar sangue de alguém. Tinha sorte por isso, dizia. Sorte a minha. Sempre tive tudo muito fácil. Apenas quando minha mãe morreu – eu tinha 15 anos na época – foi difícil. Ela não era como meu pai e eu, nem como meu tipo. Não tinha aquele gene. Eu sabia que eles tinham conversado – quando ela estivesse mais velha, como eles lidariam com a situação... Mas não aconteceu, porque um caminhão cuidou desse assunto. Ele matou minha mãe. E nós, meu pai e eu, não ficaríamos imunes àquilo. O céu estava rosa-dourado. As aves voavam por ali. A cidade fazia sons de trens, de táxis e de pessoas, mas eu sempre conseguia saber quando meu pai voltava para casa eu percebia, sempre percebia. Então tive a idéia mais estranha de todas. Com ela, eu me endireitei e prendi a respiração por um momento. Aquele pensamento estranho foi o seguinte: se meu pai, meu pai esperto e maravilhoso, que sempre sabia de tudo, sabia que Anghel estaria no baile esquisito dos Kokerson. Será que ele sabia que eu veria o que Anghel era – tentaria mudar as coisa – e pensou que eu seria a pessoa a tirar Anghel da escuridão? Se fosse o caso, seria muito terrível dizer a Anthony que eu não tinha... Foi então que eu percebi que devia ser meu pai ali, aquele passo silencioso dele que eu sempre escuto, entrando pela porta. Pegou o elevador em seguida. Eu estava aterrorizada. Não com medo de meu pai – mas da coisa que eu devia dizer. Eu me preparei, com o gosto das uvas na boca. Pela cobertura ele caminhou, mas não era Anthony era Anghel. Fiquei congelada. Uma grande tola (aquela que ganha o Oscar por idiotice), eu disse: - Hum? Ele sorriu. Seu cabelo estava penteado para trás, um rabo de cavalo comprido e preto caído por suas costas. Vestia calça jeans, camisa e uma jaqueta de couro. Mesmo daquela maneira, como eu pensara, dava para ver que ele era outra coisa. Diferente, surpreendente. Ele disse: - Esta tudo bem, Lel. Tenho a chave da porta. Seu pai me deu. Ele confia em mim. Você pode confiar? Anthony só confia naqueles que são de confiança. Mas eu estava me enganando, não é? Não era o fato de apenas eu pensar que tinha estragado as coisas, que tinha decepcionado Anghel, um paciente. Eu estava infeliz por mim. Não tinha conseguido para de pensar nele. Achava que o tivesse perdido para sempre. Mas ali estava ele. De modo tranqüilo, eu disse: - Está cedo para você esta por ai, não? O sol ainda não se pôs.

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- Seu pai disse que eu deveria ir com calma, mas experimentando coisas novas. Então foi o que fiz. Uma hora antes do nascer do sol, uma hora antes do pôs do sol. E veja... – Ele estava perto de mim, estendendo suas mãos fortes e elegantes. – Nem uma queimadura. Hesitei. – Então você é paciente de meu pai. - Desde ontem. Dei grandes passos, não é? - Sim. Que bom. – Analisei os botões de sua camisa. Eram bonitos. Era melhor do que olhar nos olhos dele. - Lel – ele disse de modo contido -, obrigado. Então tive de olhar. Quando olhei, aquelas mãos de estenderam e pegaram as minhas com cuidado. Seu toque era forte, mas e daí? Algo em seus olhos também havia mudado. Não eram menos forte, exatamente, mas ... havia algo além neles. Eu conseguia ver... Anghel. Ou seja, acredito que quero dizer que vi quem ele realmente era. Um homem não cruel nem maldoso, tampouco um ladrão, nunca estúpido, rico em possibilidade, corajoso, sim, romântico... tentando encontrar o caminho. - Peço desculpas pela transformação em lobo – ele disse. – Eu estava... confuso. Precisava entender tudo. Como você sabe, não perdi o cartão. Telefonei para Anthony e me consultei com ele ontem. Seu pai é bacana. - Ele é, sim. Ele continuava segurando minhas mãos. – Lel – ele disse, e mudou o tom para mais suave -, Lelystra. – Pela primeira vez na vida meu nome me pareceu bonito, como se eu nunca o tivesse escutado antes... – Lelystra, você me salvou. Salvou minha sanidade. Impediu que eu me tornasse algo que nunca quis ser. E eu não quero... não posso fazer promessas nem pedir nada. Ainda não. Não até eu saber que estou lá, onde tenho de estar. Onde você está. Mas se eu chegar, eu... Acima de nós, tudo brilhava, as pareces, as vinhas, as unhas, vermelhas como o pôr do sol. E, à luz vermelho-sangue, Anghel se inclinou e me beijou os lábios. Foi um beijo maravilhoso, leve, porém profundo. Com a mesma delicadeza, retribui. Ali, ao pôr do sol, vermelho como sangue.

*****FIM*****

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Lua Azul Richelle Mead

Eu estava presa.

Pensei que a porta traseira me colocaria em liberdade. Entretanto, me vi, em uma rua estreita, a única outra saída que levava de volta à rua principal onde policiais e outras pessoas procuravam por mim. O que eu ia fazer? Hesitei, tentando decidir se ir pela rua seria mais seguro do que pelo clube, mas antes que pudesse me decidir, escutei a porta se fechando. Virei-me. Havia um ser humano em pé ali. Um rapaz. Ele parecia ser da minha idade, talvez um pouco mais velho. Seu cabelo castanho era meio despenteado demais para o meu gosto, mas tinha belos olhos. Eram de um tom verde profundo, muito profundo. Da mesma cor que as esmeraldas deveriam ter, mas nunca têm. Ao olhar para ele, sentia um arrepio esquisito percorrer meu corpo. Ele era bonitinho, mas não era a atração física que me prendia ali de repente. Era mais uma sensação de reconhecimento, como se eu o conhecesse havia anos. Isso não fazia o menor sentido; eu nunca o vira antes. Procurei afastar aquela sensação e, ao percorrer seu corpo com os olhos, vi algo ainda mais bonito: um broche roxo preso a seu cinto. - Tire-me daqui – eu disse, demonstrando urgência da melhor maneira que consegui, dadas as circunstâncias. Se ele trabalhava naquele clube – e parecia que sim -. Então estava acostumado a receber ordens de vampiros. – Leve-me ao seu carro. Esperei que ele se assustasse, que arregalasse os olhos. Talvez, com medo, ele hesitasse ou concordasse. Contudo, franziu o cenho e perguntou: - Por quê? Olhei fixamente para ele, sem saber o que dizer. – Porque estou mandando! Aqueles olhos bonitos me avaliaram como eu havia acabado de fazer com ele. – Você está com medo – ele disse, mais confuso do que qualquer outra coisa. Por quê? Os vampiros nunca sentem medo. - Não estou com medo, mas vou ficar irritada se você não fizer o que mandei. – Desesperada, procurei dentro da bolsa e tirei um maço de notas. Não quis contar, mas havia algumas centenas de dólares. – Vai para de fazer perguntas se eu lhe der isto? Dessa vez ele arregalou os olhos. Hesitou por um momento e arrancou o dinheiro de minha mão. - Vamos. Eu o segui para dentro do clube de novo. Entrara mais cedo pela porta principal, passando em meio a uma multidão que se chacoalhava ao som de batidas de tecno. O cara me guiou por outro corredor, no qual passamos por uma cozinha e algumas salas de estocagem. Ao final do corredor havia outra porta que dava para a rua. Ele a abriu, revelando um estacionamento escuro com uma cerca de arame. Ele destravou a porta de um Honda Civic enferrujado, entrei nervosa, olhando ao redor. Exceto pelos carros parados, o estacionamento estava vazio. Pela primeira vez na noite eu me permiti ter a breve esperança de que sairia viva dali. - Qual é o seu nome? – perguntei. - Nathan – ele disse, olhando para trás enquanto dava ré. – E o seu? - Lucy. – Um instante depois, eu me arrependi por ter dado meu nome verdadeiro. O que eu tinha na cabeça? Olhei para ele de soslaio, tentando descobrir se o nome dizia alguma coisa a ele – já tinha sido noticiado na TV, afinal – mas parecia estar preocupado demais em dirigir. Saíamos da rua principal e eu e encolhi no banco. Aquele era um bairro de badalações. Havia grupos de pessoas por todos os lados. Algumas caminhavam ela rua, indo de clube em clube, outras já

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estavam em filas nos clubes – seres humano, é claro. Os vampiros raramente tinham de esperar para entrar. Observei as pessoas, procurando por meus perseguidores e não encontrei ninguém. Não que isso significasse alguma coisa. Bryan tinha muitos agentes trabalhando para ele, homens e mulheres que se moviam a uma velocidade incomum mesmo entre os vampiros. - Certo, Lucy – Nathan disse, ainda sem muito respeito. – Onde quer que eu a deixe? - Em Lakemont. - Lake... o quê? Fica a duas horas daqui! - Pela quantia em dinheiro que lhe dei, você deveria dirigir para um lugar que ficasse a doze horas daqui. - Preciso voltar ao trabalho. Estou na hora do intervalo. Pensei que fosse leva-la a outro local. - E vai. Lakemont. - De jeito nenhum. Não posso me ausentar por quatro horas. Vou perder meu emprego. - Consiga outro. Ele riu. – Oh, que legal. Isso é a cara de vocês, vampiros. “consiga outro”. Como se fosse fácil. - O dinheiro que dei a você é mais do que consegue ganhar em uma semana – rebati. – Talvez até em um mês. - Sim, mas e depois? - Olha só – eu disse. – Você não tem escolha. Ou me leva a Lakemont ou tente me deixar em qualquer outro lugar. Assim que para o carro, vou cortar seu pescoço. Foi uma ameaça vã. Eu não precisava me alimentar nem queria, com tantas coisas com que me preocupar naquele momento, mas ainda assim esperava ter sido assustadora e convincente. Nathan não respondeu. Também não parou o carro. Depois de muitos minutos dirigindo em silêncio, ele disse: - Nunca passaremos pelos pedágios. - Você tem um crachá roxo. – Aquele tinha sido o motivo de eu usar a ajuda dele, afinal. – Deve sair e entrar na cidade. - Sim. Eu posso sair e entrar. Você também poderia... teoricamente. Contudo, algo me diz que você não quer que os policiais a vejam. Senti um frio na barriga. Não havia pensado nisso. – Talvez eu possa me esconder no porta-malas. Ele riu, mas certa amargura foi percebida. Estranhamente, algo no som de sua risada ainda me deu uma sensação agradável. Pena que ele estivesse rindo de mim. – você nunca foi parada e revistada, não é? - Eles vasculham o porta-malas? - Às vezes. Fazem revistas aleatórias, mas se eles acreditarem que tem alguma coisa suspeita ocorrendo, com certeza checarão. Eu me virei e encostei o rosto na janela. Senti o frio do vidro em minha pele. Lágrimas quentes se acumularam em meus olhos, e pisquei rapidamente para afasta-las. De jeito nenhum queira chorar na frente dele. - Por que está fugindo? - Não importa, eu disse. Já era ruim o bastante que os vampiros soubessem. Não podia deixar um ser humano descobrir. - Tudo bem, não importa. - Você não se importa. Só esta fazendo isso pelo dinheiro. - Estou fazendo isso porque você ameaçou cortar meu pescoço. - E por causa do dinheiro também. Ele deu de ombros, com os olhos fixos na estrada adiante. - Se você esta enrascada, talvez eu ganhasse mais entregando-a. Na verdade, tinha a sensação de que ele faria isso, então fiz o que pude para parecer irritada. Nunca precisara forçar seres humanos a fazer coisas que eu queria. Eles sempre... faziam. – Essas pessoas que estão atrás de mim são vampiros. Não seres humanos. Se pensa que sou perigosa, espere

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até conhecê-los. E se eles acharem que você me ajudou a escapar – e é isso que vão achar – a única coisa com que você vai se preocupar é com o dinheiro. Mais silencio se fez entre nós e percebi que já estávamos na estrada. Talvez eu fosse melhor naquilo do que imaginava. - Você tem mais dinheiro? - Por quê? Resolveu cobrar mais? - Responda à pergunta se quer mesmo sair da cidade. - Sim, tenho mais. - Muito mais? - Sim, muito mais. De quanto precisa? A resposta dele foi pegar a primeira saída que encontrou e começar a voltar em direção de onde havia saído. - O que está fazendo? – perguntei. - Saindo da cidade. Ele me levou para uma parte da cidade na qual eu raramente ia. Os seres humanos eram os principais moradores do lugar, mas, naturalmente, os vampiros vagavam por lá. Era um ponto sujo e abandonado, não um local onde eu me sentiria tranqüila se fosse um ser humano. Nathan parou o carro na frente a uma loja com uma vitrine na qual estava escrito TATUAGENS com letras néon. - Certo, quero ver o restante do dinheiro. Procurei em minha bolsa e entreguei o dinheiro. Ele ergueu a sobrancelha. - Caramba. Você não estava de brincadeira. – Ele contou metade das notas e então, para minha surpresa, devolveu o restante. – Segure isto. Confusa e curiosa, eu o segui para dentro do salão de tatuagens. Ouvindo rock no último volume. Passando por uma porta entreaberta, vi rapidamente um homem careca que lidava com o que eu julguei ser agulhas de tatuador em um cômodo dos fundos. No balcão, um homem com penteado moicano ria com uma moça cheia de piercings. Eles olharam para nós. - Nate, seu cachorro – disse o homem, ainda rindo. – Faz tempo que n... – seu sorriso desapareceu ao me olhar com atenção e ao ver meus olhos. A moça que estava com ele ficou pálida. Ambos se endireitaram. O homem pegou um controle remoto e procurou desajeitadamente desligar o som alto, de modo que o único som presente vinha de um televisor atrás deles. – Olá, moça. Podemos fazer algo para ajudá-la? Nathan riu e – para minha total surpresa – abraçou-me.o cheiro de sua pele me dominou... e foi delicioso. – Pode para com essa história de sim senhor, não senhor, Pete. Ela esta comigo – cuidando de assuntos humanos este fim de semana. Percebi a tensão diminuir um pouco entre eles, mas continuavam olhando para mim com nervosismo. – Que bom, Nate – disse Pete, de modo pouco convincente. - Você acha que pode torná-la humana? – Nathan perguntou. Pete sorriu e apertou a moça. – Oh, está interessado, né? Claro, Donna pode fazer isso. Com lentes e tudo mais? - Com tudo – Nathan estava relaxado, sorrindo com facilidade e naturalidade. Era uma pessoa completamente diferente daquela que estava no carro. É claro que eu havia ameaçado cortar o pescoço dele no carro, por isso a diferença era compreensível. Enquanto isso, eu estava tentando não pensar em seu cheiro bom. – Outra coisa... – Nathan tocou o crachá em seu cinto. – Será que pode fazer roxo? Pete voltou a ficar tenso. – Uau, isso é um pouco fora do normal. - Podemos pagar. Pete olhou para os dois. – É para ela? Pra que ela precisa? Você esta indo longe demais na encenação. - Nada disso. Só quero levá-la para casa comigo... mas ninguém pode saber. Ela tem um namorado ciumento. - Parece muita confusão e muito dinheiro. Maias fácil ficar na cidade.

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- Pode fazer isso ou não? - Posso... vai demorar uma hora, mais ou menos, e você sabe que nunca é exatamente igual à realidade. Se você for pego... - Não vou dizer onde foi feito, disse Nathan. – Sei como é o esquema. Pete foi ao fundo da sala para fazer o crachá improvisado e disse a Donna para me dar as instruções. Ela veio na mina direção, mas me virei na direção de Nathan e agarrei sua camiseta, puxando-o para perto de mim. - O que está acontecendo? – sussurrei. – Vocês falam como se fosse algo comum os vampiros se vestirem como humanos. - Uau, você é ingênua, não é? – Ele parecia estar se divertindo. – Não conhece nenhum vampiro que faz isso? Franzi a testa. – Não. Por que fariam isso? Como... em festas à fantasia? - Não. Porque é excitante para eles. - Oh. - As pessoas se interessam por coisas esquisitas. – Ele apontou na direção de Donna. – Vai. Donna era um pouco mais velha do que eu – talvez tivesse cerca de vinte anos – e era evidente que tinha tingido o cabelo de louro e usava muita sombra nos olhos. Enquanto trabalhava, ficou claro que estava com medo de mim. - De que cor quer? – ela perguntou em dado momento. - Cor do quê? - Das lentes. De seus olhos. Não soube o que dizer. Era algo em que eu nunca havia pensado, mudar de cor de olhos. Meus olhos eram prateados, como os olhos de qualquer outro vampiro. Por um momento, pensei no verde bonito dos olhos de Nathan, mas não pareceu a cor certa. Era a cor dos olhos dele. - O que acha de azul? – Donna perguntou sem paciência. – Acho que você ficaria bem com olhos azuis. - Azul – respondi sem animo. Ela pegou uma caixa de lentes e passou a meia hora seguinte tentando me ajudar a colocá-las nos olhos. Eu não podia usar um espelho, e não estava à vontade com os meus dedos e com os dedos dela dentro de meus olhos. Quando finalmente as lentes estavam no lugar, ela aplicou um pouco mais de maquiagem e terminou enquanto Pete voltava. Ela tirou uma foto de mim com uma câmara digital e depois desapareceu com Donna para os fundos para terminar o crachá. Nathan se aproximou e olhou para mim. – Nada mal. Você é bonitinha como ser humano, mas não sorria para não mostrar as presas. - Eu não me pareço com Donna, não é? A maquiagem dela é péssima. – Percebi o que havia dito. – Ela não é sua amiga, é? - Sua maquiagem está boa. E não, eu nunca a vi. Pete sempre está com uma namorada diferente. - Ele é seu amigo? - Mais ou menos. Nos trabalhávamos juntos em um restaurante quanto eu estava cursando o ensino médio. Depois ele conseguiu um pouco de dinheiro e abriu esta loja. - Você faz faculdade agora? - Deveria estar fazendo. – No mesmo instante me arrependi de perguntar, porque aquele humor fácil que ele demonstrara desde nossa chegada havia desaparecido. A amargura tomara seu lugar. – Não tenho dinheiro. Além disso, passei tanto tempo trabalhando quando estava no ensino médio que minhas notas foram ruins. Não sou bom o bastante para conseguir uma bolsa de estudos e não tenho contatos suficientes para conseguir um patrocínio de vampiros. Eu ia dizer que podia conversar com meu pai, que ele provavelmente poderia conseguir um patrocínio. Era algo que os vampiros faziam quando queriam que seres humanos especiais recebessem treinamento ou estudassem para uma determinada posição. Esses seres humanos passavam nos processos de seleção acadêmica e tinham todas as despesas custeadas.

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Engoli o comentário, lembrando de repente de tudo que havia ocorrido. Não poderia conversar com meu pai sobre aquele assunto. Na verdade, era improvável que eu conseguisse conversar com ele de novo. Então, em vez disse a Nathan : - Sinto muito. - Inacreditável. Nunca vi um vampiro dizer isso em toda a minha vida. E já escutei você se sensibilizar duas vezes desde que estamos... Ele parou de falar ao olhar para algo atrás de mim. Confusa, me virei... ... e vi meu rosto na TV. Ver minha imagem era sempre um tanto surreal. Um vez que os vampiros não refletiam suas imagens, nunca tínhamos como nos ver. Com o advento da tecnologia, como vídeos e fotografias, finalmente tínhamos a chance de nos ver. Eles haviam escolhido um foto horrível minha. Eu estava com olheiras e minha pele estava mais pálida do que o normal. Mesmo no filme, o cinza-prateado de meus olhos vampíricos ficavam visível. Meu cabelo – sem graça e castanho – parecia não ter sido penteado naquele dia. Onde eles haviam conseguido aquela foto? - Credo – eu disse. Atrás da imagem, uma loira pomposa dava noticias de meu desaparecimento. - Hoje, as autoridades estão procurando por Lucy Wade, filha do filantropo e empresário de Chicago, Douglas Wade. Lucy desapareceu no inicio desta noite depois de uma discussão com seus pais. Ela é descrita como uma adolescente-problema, com histórico de abuso de drogas e fugas. - O que? – eu perguntei. – Nunca usei drogas na minha vida. - Elas foi vista pela ultima vez na St. James Avenue, entrando no Club Fathom. Se alguém tiver informações sobre a Srta. Wade, deve entrar em contato com a polícia. A família da adolescente afirma estar ansiosa para recebê-la de volta e ajudar no que for preciso, e oferecem recompensa para quem tiver informações que ajudem a esclarecer o caso. Nathan virou-se para mim. – Caramba! Você é Lucy Wade? – ele falou baixo para que os outros não o ouvissem, mas a raiva mostrou-se de modo bem claro. Não havia como negar. – Acho que sim. Ele levantou as mãos e começou a andar pela sala. – Oh, meu Deus. Meus Deus. Ajudei a esconder a filha fugitiva de Douglas Wade. Douglas Wade! O dono da Fathom. Ele é o chefe do meu chefe do meu chefe! - Eu sei. - Ele é dono da cidade! - Eu sei! - Você se fez de vitima injustiçada, quando na verdade seus pais só querem colocar você de volta na reabilitação de viciados! - Não – eu disse. – Isso não é verdade. Essas coisas que ela acabou de dizer são mentiras. Nathan virou-se ainda irado. – Sabia que não deveria ter confiado em uma vampira. Quem é você? Faz parte de uma conspiração e eles estão tentando mantê-la calada? - Você ficaria surpreso se soubesse. - Então me conte. - Eu... não posso. Não posso contar a ninguém. Sei de algo que não deveria saber e eles querem me matar. Eles vão me matar, Nathan. Minha própria família. Foi como se eu não tivesse falado. – Jesus Cristo. Estou ajudando a filha viciada de um dos vampiros mais poderosos da cidade. Eu devia ir embora agora. Se você me matar, não vai ser diferente do que eles farão quando me encontrarem. Dei um salto da cadeira e corri até ele. – Não, por favor. Não faça isso. Olha, você nem precisa me levar a Lakemont. Simplesmente me deixe assim que atravessarmos a fronteira. Ele olhou para mim, seus olhos verdes pareciam chamas. Havia muita raiva neles, muita frustração. Tive a estranha sensação de que, ao olhar para mim, ele revivia anos de abuso vampírico. Uma vida inteira, na verdade. Minha espécie deixara de se esconder e começara a dominar o mundo dos seres humanos antes de ele nascer. Antes de hoje, nunca tinha pensado em como seria viver sendo dominado por outra raça – uma raça que não houvesse esperança de derrotar. Éramos mais fortes,

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mas rápidos e só podíamos ser mortos com uma estaca enfiada em nosso coração - e os seres humanos não conseguiam se aproximar o suficiente para isso. Eu não fazia idéia do que Nathan havia enfrentado. - Por favor – sussurrei. – Você pode ficar com todo o restante do dinheiro. Ele olhou para mim por muitos minutos e, enquanto fazia isso, algo mudou em sua expressão. Eu não sabia explicar, mas de repente percebi que ele tivera a mesma sensação esquisita que tive na rua. Como se houvesse uma ligação entre nós, uma familiaridade de longa data. Ele suspirou. Virando-se, desligou a televisão. – a última coisa de que preciso é que Pete veja isso. Espero conseguir me livrar de você antes de alguém perceber que estive por perto. Ele já deve ter terminado. Contudo, depois de dez minutos de silêncio horríveis se passaram, Nathan finalmente olhou para a porta com suspeita. Ele se aproximou e olhou para dentro. – Pete? – Sem resposta, Nathan entrou mais ainda. Trinta segundos depois, saiu correndo da sala. Agarrou meu braço e se dirigiu para a porta da saída. Fiquei tão surpresa que fui com ele. Se quisesse, minha força o teria impedido de me arrastar. - O que está acontecendo? – Perguntei quando já estávamos do lado de fora. - Eles se foram. Havia uma televisão ligada nos fundos também. Acho que eles viram a noticia, ligaram para a policia e fugiram. Entramos no carro e demos a partida. Quando estávamos na rua, ele me entregou o crachá falso. Parecia que eles haviam terminado de fazê-lo e o abandonaram ali. Estava escrito o nodo de Sara Brow, que era um ser humano de 18 anos, com permissão de sair da cidade. O mais interessante de tudo era a foto. Donna havia feito um bom trabalho diminuindo minha palidez. Eu não estava com um tom de pele escuro nem nada, mas era um tom natural. E os olhos... os olhos eram lindos. Um azul claro e suave. Fiquei encantada. - Pelo menos não tivemos que pagar. - Não que isso nos ajude muito. Não posso atravessar a fronteira. - Por que não?

- Pete deve ter contado à policia que eu estou com você... a essa altura, eles devem ter puxado todas as minhas informações... incluindo a placa do carro. Qualquer patrulha deve estar sabendo que estamos por perto. A vontade de chorar voltou e mais uma vez eu me controlei. Tentei ser forte e pensar em uma solução. - Podemos roubar um carro? Ele olhou para mim. – Sabe fazer isso? - Não. - Você acha que eu sei? Acha que é algo que todos os seres humanos de classe baixa sabem fazer? Acredita que somos todos criminosos? - Não... é claro que não. É que... - Mas – ele interrompeu – você deve saber uma coisa. De repente parou o veiculo perto da calçada e abriu a porta do carro. - Venha. Eu corri atrás dele. – O que estamos fazendo? Atravessamos um estacionamento e acabamos em uma rua que lembrou a do Club Fathom, onda estávamos. Mas, assim como o bairro do salão de tatuagem, tudo ali era mais sujo e mais simples. Ficamos mais para o lado, e Nathan observou as pessoas. Elas passavam por nós sem nos notar. Éramos seres humanos comuns. Por fim, ele reparou em dois caras que estavam saindo de um bar. Um deles levava um chaveiro e uma ponta roxa estava aparente perto de sua cintura. Nathan me segurou pela mão, e corremos até eles. Ele voltou a sorrir. - Ei, caras, vão sair da cidade? - Nathan mostrou a eles o crachá roxo. Um deles estava visivelmente embriagado, e o outro (o motorista, assim eu esperava) parecia estar de bom humor. Sim, para fora de Evanston.

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- Nosso carro quebrou - Nathan disse. – E não há como arrumá-lo antes do horário de recolher. Você pode nos dar uma carona? Não importa onde vai nos deixar... apenas nos tire daqui e depois telefono para meus colegas. Os dois caras se entreolharam e voltaram a olhar para nós. - Claro – disse o sóbrio. – Tudo bem. – Eles devem ter acreditado que éramos inofensivos. Mal sabiam. Quando estávamos na estrada, os dois caras conversavam, praticamente se esquecendo de nossa presença no bando de trás. - O que você queria estudar na faculdade? – perguntei a Nathan, falando baixo. – Artes cênicas? Ele estava olhando pela janela, com irritação, sem dúvida pensando que eu havia acabado com sua vida. – O que? - Está fazendo um ótimo trabalho encenando com eles – expliquei. Ele sorriu com amargura. – Quando se corre o risco de ser morto por um chefe vampiro poderoso, de repente se aprende a ser bom ator. Mas só para constar: você é péssima. Nunca acreditei que você fosse cortar meu pescoço. - Oh – eu disse, percebendo a decepção na voz. - Você ainda não tem 18 anos, não é? - Não. - Quanto tempo falta? - Menos de um ano. Ele demonstrou certa preocupação. – Você ainda pode matar. - Não vou fazer isso. Vou... vou esperar. Todos os vampiros tinham de se alimentar pela primeira vez quando completavam 18 anos, e às vezes eu sentia o desejo pelo sangue, apesar de a idéia de matar alguém a sangue frio me deixasse aterrorizada. Por isso não tinha pressa de matar – e eu tinha outras coisas em que pensar, como em me manter viva. Minha mãe não conseguiria dar a festa da primeira morte para mim. Contudo, se Bryan e os outros me pegassem lago, talvez meus pais pudessem usar as decorações e os serviços em meu velório. Retomei o assunto. – E então, o que gostaria de estudar na faculdade? - Hum. Não sei. Alguma coisa diferente. Alguma coisa com sentido. Alguma coisa que pudesse mudar o mundo. Surgiu um olhar inspirador e quase desejoso em seu rosto. Um instante depois, ele parecia ter repensado o que disse e se sentido envergonhado por admitir algo tão sonhador e vulnerável. Seu rosto ficou sério. – Algo que não tenha que ver com a profissão de garçom. - Bem, mesmo que não possa entrar na faculdade, talvez possa realizar outro tipo de trabalho? Ele negou com a cabeça, com o rosto cada vez mais sério. - De novo, Lucy. Você continua sem entender como as coisas são. - Por que é tão difícil? Você é esperto, bacana e sabe se virar. Por que não pode fazer outra coisa? Ele parecia um pouco surpreso com os elogios, mas isso não fez com que se desviasse do assunto. – Você é vampira. Está no topo da cadeia alimentar. Vocês dominam. Podem fazer o que querem. Podem nos matar se quiserem, e realmente não há conseqüências. - A loteria... - Oh, pare com isso. Nem mesmo você pode ser ingênua a ponte de achar que a loteria é sempre seguida. Para racionalizar nosso fornecimento de alimento, criamos um sistema anual de alimentação. Certas populações de seres humanos – criminosos, pobres e outros – eram colocadas em um grupo e quando chegava a vez de cada vampiro se alimentar, ele pegava um nome. Era por isso que a fronteira entre a cidade e os bairros residenciais era tão controlada. Ficava mais fácil encontrar os “vencedores”. Às vezes era meio descontrolada a entrada no grupo, e como ele havia dito, o sistema

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nem sempre era seguido. Muitos dos vampiros faziam lanchinhos não adequados, apesar de ser tecnicamente ilegal. Mas quando os seres humanos desapareciam, poucas pessoas faziam perguntas. - Entendo por que nos odeia – eu disse disfarçadamente. Ele se virou para a janela. – Não entende, não. - Você me odeia? - Não sei o que penso de você. Você provavelmente destruiu minha vida. Eu deveria entregá-la na fronteira... mas... - O quê? Ele suspirou. – Não sei. Tem alguma coisa de estranho em você. Alguma coisa... bem, não consigo explicar. É como se eu a conhecesse por muito tempo. Caramba, que bobagem. Não era bobagem. Eu sabia exatamente como ele se sentia, mesmo sem entender. Durante o restante do trajeto, fiquei sentada pensando. Minha vida toda havia mudado. Tudo que eu esperava fazer parecia impossível. Em minha mente, ainda conseguia ver o disco, aquele circulo bonito com tons dourados e prateados, coberto por voltas e formas que todos pensavam ser desenhos sem sentido criados por um vampiro artesão que estava morto havia muito tempo. Mas quando eu olhava para ele, os símbolos falavam comigo. Analisá-lo era como ler um autdoor. A mensagem era passada de modo claro – e todos perceberam. Bryan e meu pai haviam agido com rapidez, e eu havia conseguido escapar por pouco. - Aqui estamos – disse Nathan, interrompendo meus pensamentos. O carro ficou mais lento e, à frente, reconheci os sinais de uma patrulha de fronteira. Muitas cercas compridas de arame farpado. Postes altos e de luz cegante. Meu coração acelerou quando lembrei do que Natham havia dito sobre as revistas. Ele e eu entregamos nossos crachás ao motorista. Um momento depois, um vampiro de uniforme espiou pela janela aberta. Ele parecia esgotado, provavelmente terminando o turno e cansado de inspecionar automóveis. Ele olhou para os crachás sem muita atenção. Fique esperançosa. Pete devia ter feito a denúncia de que eu estava com um crachá falso, mas os policiais da fronteira provavelmente estavam prestando muito mais atenção em carros com apenas um rapaz e uma moça dentro. O vampiro devolveu os crachás e apontou a lanterna para o nosso rosto. Ficou mais tempo no meu e, de repente, demonstrou estar um pouco menos entediado. Depois de me analisar por alguns momentos, o guarda disse: - Parem na área da revista. – Ele deu um passo para trás, apontado para uma área ao lado do portão de madeira. - Droga – disse o motorista. Ele não parecia assustado, apenas irritado. – Só quero ir para casa. Olhei para Nathan com medo. Ele pousou a mão sobre a minha para me acalmar, demonstrou surpresa e retirou a mão. – Isso acontece. É aleatório. Saímos do carro e uma mulher uniformizada e entediada o revistou. Enquanto isso, o cara que havia olhado pela janela nos revistava. Pediu que todos esvaziassem os bolsos, e passou as mãos pelo nosso corpo. Eu fui a última a ser revistada. Fiquei tensa, com medo de ser reconhecida, e de repente percebi que não tinha de ter medo disso. Ele me empurrou para a lateral do carro, na altura do banco do passageiro, e ficou tão perto que quase não havia espaço entre nós. Eu me sentia presa, sufocada. Então, quando ele começou a correr as mãos por meu corpo, tive de me controlar para não gritar. Passou muito mais tempo me “revistando”, bem mais interessado em meu corpo do que em qualquer coisa que eu pudesse estar escondendo. Mais para a frente, vi que Nathan observava. - Pode ir mais rápido? – perguntou a outra agente, claramente irritada. - Espere – disse o homem. – Ela parece perigosa. Eu sabia que estava tremendo e me detestei por isso, mesmo sendo a provável reação de um ser humano. Uma mulher ser humano ficaria ali, com medo daquela humilhação. Eu só tinha de fazer isso. Logo tudo terminaria se eu tivesse paciência. Contudo, quando as mãos dele escorregaram para baixo de minha camiseta e subiram até meu sutiã, reagi. A raiva surgiu dentro de mim. Quando ele se deu conta, tudo estava acontecendo. Eu o ataquei e o segurei, lançando-o o mais longe e com o máximo de força que pude contra um muro na fronteira. Ambos tínhamos a mesma força e os mesmo reflexos vampíricos, mas eu o havia pegado totalmente despreparado. Ele bateu no muro com um

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estrondo e caiu sem se mexer. Seu rosto estava pálido, mas eu sabia que não o matara. Logo melhoraria, como acontecia com todos os vampiros. A mulher ficou ali, assustada. Então, arregalou os olhos ao perceber. – Lucy Wade! – exclamou antes de pular em cima de mim. Bloqueei seu ataque da melhor maneira que consegui. Éramos quase do mesmo tamanho, mas era treinada para lutar e eu, não. Bati na lateral do carro, rangendo os dentes. Ela me atacou de novo enquanto pedia reforços. Eu a acertei com um belo soco. Não acertei seu rosto, mas, sim, seu ombro, o que fez com que ela bambeasse um pouco. A qualquer momento surgiriam os reforços ou o cara a quem eu tinha derrubado voltaria a ficar em pé. De repente, escutei a porta do carro bater. Do lado do motorista, ouvi Nathan gritar: “Lucy, entre!”. O motor foi ligado. Eu me preparei para bater. Tomando cuidado com a mulher, esperei por seu próximo movimento. Ela se mexeu e eu me abaixei e rolei. Fui para o outro lado do carro, mas ela estava a poucos passos de mim. Entrei no banco traseiro, atrás do motorista. Ela esticou o braço, e eu fechei a porta em sua mão. Ela gritou de dor e se jogou para trás. Fechei a porta. Ela bateu na lateral do carro, mas Nathan acelerou, indo na direção do portão de madeira. Nós o acertamos. O impacto jogou minha cabeça para trás com força, mas continuamos. Imaginei que a parte da frente do veículo não devia estar muito boa. Eu me endireitei. – Você é maluco – eu disse. Olhando para o velocímetro, vi que estávamos a quase 130 km/h. olhei ao redor, já esperando vários faróis. Não vi nenhum, mas seria apenas questão de tempo. - Eu? Foi você quem decidiu bater nos guardas. - Aquele cara era um pervertido. - Eles são todos assim, disse Nathan. – Tudo bem. Eles não são do tipo que molestam moças, mas essas coisas acontecem o tempo todo – e as coisas ficam bem piores também. - Obrigada por me dar mais uma lição sobre como os vampiros são terríveis. Não consegui ver o rosto dele, mas tive a impressão de que ele sorria. – Você... você esta bem? - Sim, ele não fez muita coisa. – Fiquei contente do perceber que Nathan podia estar preocupado comigo. O carro de repente entrou em uma estrada secundária, e eu escorreguei para o lado, esticando as mãos a tempo de me segurar. - O que está fazendo? – perguntei. - Ainda quer ir a Lakemont? Queria? Podemos ajudar você. Vamos protegê-la. Ela se lembrou das palavras. - Sim. - Então não podemos pegar a estrada principal. Um exército virá atrás da gente. Mesmo fora da estrada, Nathan manteve uma velocidade bem alta. Seguimos em silêncio por muito tempo e, por fim, perguntei. – O que houve? - Hã? - Alguma coisa aconteceu. O motivo pelo qual você detesta vampiros. - O quê? Você não viu o suficiente esta noite para entender por que eu detesto vocês? Sim, percebi. E isso estava me incomodando. Eu estava convivendo com um ser humano por menos de duas horas e fiquei sabendo mais do que queria sobre as intenções entre nossas raças. Mas, ainda assim, aquela sensação estranha que eu tinha sobre Nathan me dizia que havia outra coisa que eu precisava escutar. - Mas quero saber o que houve com você. Pensei que ele me ignoraria. Por fim, ele falou. - Quando eu tinha cerca de doze anos, alguns vampiros viviam perturbando, meu irmão, Adam. Ele devia ter dez anos na época. Eles viviam algumas ruas acima da nossa – em um bairro bem mais bacana -, mas iam até o nosso para causar problemas. Eles sempre batiam em meu irmão – nunca tentaram matá-lo ou se alimentar dele. Meu outro irmão e eu tentávamos impedi-los. Éramos bons de luta, mas isso não quer dizer muita coisa quando lutamos contra uma força daquele tipo. Eles nos venciam. Não tinham muito interesse na gente. Acho que só gostavam de ir

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atrás de Adam porque ele era pequeno. Eles deviam achar engraçado. Por fim, meu pai foi reclamar com os pais deles. - E? - E, de repente, meu pai passou a ser perseguido. Foi demitido e ninguém mais queria contratá-lo. Minha mãe teve de trabalhar, mas as coisas não foram mais fáceis para ela. O que ela conseguia receber não pagava quase nada, e assim nós crescemos e começamos a trabalhar também. A expressão dele me fazia pensar que ele já não estava mais me vendo. Estava perdido em suas lembranças, revivendo acontecimentos de tantos anos antes. - O problema é que logo depois de o meu pai reclamar, aqueles caras voltaram a perturbar meu irmão – e havia ainda seus amigos. Eles o encurralaram quando estava sozinho, certa noite, e o surraram. - Eles... ele... - Morreu? Não. Mas ficou muito mal. Teve de ir para o hospital. Mais uma conta que não podíamos pagar. Eles quebraram a perna dele – destruíram o osso de um modo esquisito. O médico tecnicamente deu um jeito, mas... bem, nunca ficou bom e ele passou a mancar. - “Tecnicamente deu um jeito”? - É. Temos certeza de que o médico, apesar de ser um ser humano, estava trabalhando para os vampiros e recebeu a ordem de não tratá-lo direito. – Ele fez uma pausa. Estaria ele se preparando para o que viria depois? - Não muito tempo depois, meu tio foi levado. - Levado? - Para a loteria. Ele não satisfazia os critérios, mas... bem , ele acabou no sorteio. E um dia foi levado. Recostei minha cabeça no encosto. – Que horror. Você estava certo. - Certo sobre o que? - Mais cedo... eu disse que entendia por que você nos odiava e você disse que não. Tinha razão. Não teria como eu... eu não poderia. Você está dizendo a verdade – mesmo – quando afirma detestar vampiros. Agora eu entendo. - Sim, Lucy. Eu os detesto. Eu os detesto de verdade. Se eu tivesse o poder de matar todos os vampiros do mundo e fazer com que as coisas fossem como antes, é o que eu farias. Havia raiva em sua voz e, ainda que ele não pudesse me matar, senti medo. - Eu também – disse. - Também o que? - Detesto os vampiros. Um longo silêncio se fez. – Nunca esperava escutar um vampiro dizendo isso. - Nathan... por que está me ajudando? - Não sei – ele respondeu, parecendo tão confuso quanto eu. - Talvez porque outros vampiros odeiam você e ao ajudá-la, estou me vingando deles. Talvez seja porque estou preso nisto e não tenho escolha. Talvez porque eu esteja dizendo muitas coisas terríveis sobre você e sua espécie, mas você é gentil comigo. Talvez seja porque... Fiquei surpresa. Em meio ao caos daquela noite, uma parte pequena dentro de mim esperava que ele dissesse algo meigo e simples como Porque eu gosto de você. – Porque... - Não sei. Não consigo explicar e estou ficando maluco. O restante do percurso transcorreu sem problemas. Ninguém nos perseguiu. Graças ao trajeto escolhido por Nathan, parecia que nos safaríamos. Lakemont surgiu mais rapidamente do que esperávamos. Dei a Nathan o endereço que eu tinha e dirigimos enquanto procurávamos pelo local. E o local revelou-se uma casa pequena ao fim de uma rua que dava vista para o Lago Michigan. A vizinhança ainda estava em construção, então algumas casas estavam meio terminadas e outros espaços eram simplesmente lotes vazios. Entramos na rua e olhamos para a casa por muito tempo. - E agora? – Nathan perguntou. - Agora devemos entrar. Ou melhor, eu entro. Você não precisa v ir comigo.

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- É seguro? Pensei no vampiro assustado que havia me encontrado enquanto as coisas estavam acontecendo e que havia outras pessoas que queriam me ajudar e me manter em segurança. Havia me dado seu endereço e depois desaparecido, com medo de ser descoberto. Eu não o culpava. - Essas pessoas vão me ajudar – eu disse. – Elas sabem o que está acontecendo. - Que bom que alguém sabe. - Sinto muito – eu disse com sinceridade. Saí do carro e, alguns instantes depois, Nathan veio atrás de mim. Ele não parecia nada contente. Tocamos a companhia e esperamos. Uma senhora ser humano, provavelmente uma empregada, olhou para nós confusa. - Sou Lucy – eu disse. Ela me observou por mais tempo e riu abertamente. – Eu não a reconheci, senhorita Wade. Os olhos estão muito vivos. Entrem. Você e seu... amigo, estão seguros agora. Entramos em uma casa muito comum. Não havia mobília ali ainda; o local devia ter sido construído havia pouco tempo. Também não havia luzes, mas os vampiros não precisariam delas. Seguimos nossa guia para dentro da sala de estar, com passos que ecoavam no piso de madeira. Havia dez outras pessoas na sala de estar, todas vestindo ternos e nem mesmo com os meus olhos eu conseguia ver seus rostos com clareza. Comecei a sentir uma certa insegurança. Eu havia me concentrado muito em chegar ali, convencendo a mim mesma de que estaria em segurança... agora eu me perguntava se era tão ingênua como Nathan dizia. Aqueles vampiros poderiam estar ali para me matar – por mais difícil que parecesse. O cara que me dera o endereço poderia ter me matado em Chicago. - Não vamos feri-la – disse uma mulher de estatura baixa. – Queremos mantê-la em segurança, Lucy. Meu nome é Laurel. - O que você vão fazer? – perguntei. - Tirar você daqui. Quando amanhecer, vamos colocá-la em uma van para que ninguém possa encontrá-la. - Por que você estão fazendo isso por ela? – Nathan perguntou. – Por que se importam? - Porque sabemos que Lucy tem sido perseguida injustamente – Laurel disse. – E você é...? - Não interessa... e ela não vai a lugar nenhum com vocês até entendermos o que está acontecendo. – Ele assumiu uma atitude protetora e corajosa. Eu queria dizer a ele que não havia a necessidade de agir daquele jeito, mas não tinha certeza. Laurel riu e se moveu um pouco. Um feixe de luz que vinha de fora iluminou seu rosto. Seus olhos ainda estavam escuros. Escuros. Não prateados. Percebendo o que eu havia descoberto, Laurel se moveu ao mesmo tempo em que me movi. Assumi uma posição de defesa, esperando um ataque, mas ela segurou Nathan. Apontou uma arma para a cabeça dele e o virou em sua direção. Os homens que estavam com ela pegaram suas armas e se colocaram ao redor dela. Olhei para todos aqueles rostos sombrios, tentando pensar em uma maneira de nos tirar dali. Tinha sido uma mudança estranha. Meu pai e Bryan haviam mandado seres humanos para me pegar. - Nathan não tem nada a ver com isso – eu disse. – Ele não sabe de nada. - Coopere e permitiremos que ele vá embora – Laurel disse. – Você não tem escolha. - Não vou permitir que vocês me levem de volta a meus pais! - Seus pais? Minha cara, não temos a menor intenção de levá-la de volta aos seus pais para que eles a matem. Queremos mantê-la viva... queremos que você continua muito viva. Eu os compreendi. Como pude ser tão tola? Tão ingênua? Quando pensei que eles eram vampiros que queriam me ajudar, pensei que fosse porque eles não acreditassem na profecia e sentissem pena de mim. Ao descobrir que eles eram humanos, pensei que eles tivessem sido mandados por meu pai. Muitos vampiros mantinham seres humanos trabalhando para eles. Deixei de perceber um fato o tempo todo: o motivo pelo qual os seres humanos queriam que eu vivesse. – Sim – ela disse, sem dúvida percebendo que eu compreendera. – Sabemos. Sabemos sobre o disco e sobre a lua azul. Venha conosco e cuidaremos para que continue viva. Queremos ajudá-la.

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-Vocês querem me usar. – Eles eram um tipo de grupo de resistência de seres humanos antivampiros, pessoas que estavam tentando “mudar o mundo” e erradicar os vampiros – assim como Nathan queria. - Pelo que entendi, você também se beneficia. Não seria bom poder sair ao sol? Não precisar de sangue? - Não vou matar minha espécie! - Eles estão tentando matar você – disse um dos homens. Ele tinha razão e era algo em que eu estava pensando o dia todo. Eu disse – jurei – que nunca cumpriria a profecia. Mas quanto mais aquilo se desenrolava, mais eu pensava. Por que estava tentando salvar pessoas que queriam que eu morresse? E por mais irritada que eu estivesse, sabia que ficar ao lado do grupo de Laurel não era o mais certo a se fazer. Eles não queriam saber o que eu queria. Eu era a única arma para eles. - De que vocês estão falando? - Nathan perguntou. – Por que ela mataria os outros de sua espécie? Laurel pressionou o cano da arma com mais força contra a cabeça dele. - Conte a ele, Lucy. Conte a ele a história. - Solte-o – repeti. - Eu disse que farei isso se você cooperar. Quero escutar isso de seus lábios. Quero que nos conte tudo o que sabe. - Lucy... Os olhos de Nathan estavam arregalados pelo medo e pela confusão. Ele estava preocupado comigo, eu percebi, preocupado comigo apesar de estarem apontando uma arma para a cabeça dele. - Você não precisa contar nada a eles, Lucy – ele disse. Mas eu tinha de fazer aquilo. A vida dele estava em risco – e era culpa minha. Eu me preparei. – Posso matá-los. Todos eles. - Todos quem? - Os vampiros. - Os vampiros já podem matar vampiros. - Posso fazer com que os seres humanos possam matar vampiros. – Doeu dizer aquilo em voz alta. Tornava tudo mais real, e eu vinha tentando a todo custo manter aquilo longe da mente, negar o que eu era. Era o que eu podia fazer. – Existe uma profecia que sempre tivemos. Ninguém acreditava nela. Dizia que um vampiro nasceria durante a lua azul – sabe quando um mês é longo e tem uma lua cheia extra? O décimo oitavo aniversario desse vampiro também acontecerá durante essa mesma lua. Esse vampiros sou eu. As duas datas ocorrem em uma lua azul. Nathan ficou boquiaberto. Os outros seres humanos também, sem duvida esperavam escutar aquilo havia muito tempo. - Isso poderia se aplicar a muitas pessoas – disse Nathan de modo hesitante. - Tem mais. Existe algo em um museu... tem mil anos de existência. Um disco com muitos escritos... mas ninguém consegue ler. Mas eu consigo. Olhei para ele e dez total sentido. Ensina como os seres humanos podem destruir os vampiros. - Ninguém nunca conseguiu fazer isso... – Eu conseguia escutar a voz em minha mente e todas as palavras que ele dissera, sobre como faria o que pudesse para matas os vampiros. - Mas por que pensariam que você ajudaria a fazer isso? - A profecia diz que eu tenho o poder de transformar seres humanos em assassinos de vampiros – pessoas que teriam a mesma força e poderes que nós, talvez mais. E que depois que eu criar treze... algo vai acontecer comigo. Continuarei tendo minha força e vida longa, mas nenhum dos efeitos colaterais. Vou poder sair a luz do dia. Não precisarei de sangue. - Então eles acham que você vai entregá-los por causa disso. Estão com medo e querem tirar você de cena, para que você não destrua o domínio deles. E este grupo quer você para poder colocar os seres humanos no poder de novo. - Você é um de nós, Nathan – Laurel disse. – Deve perceber a oportunidade que se apresente aqui.

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- Ela não quer dominar nenhuma das raças – ele respondeu. - Você deve deixá-la em paz. Eu estava observando o grupo o tempo todo, procurando por pontos fracos que pudesse usar. Eu já tinha algumas opções quando a janela atrás dele repentinamente se quebrou. E vampiros entraram. Não acreditava ter confundido aqueles seres humanos com vampiros. As pessoas de minha espécie eram rápidas e graciosas, espalhando-se instantaneamente. Havia o mesmo numero de vampiros e seres humanos, mas eu sabia quem venceria aquela luta. - Olá, Lucy – ouvi uma vos familiar. Olhei para cima, para o rosto de Bryan. Ele passou anos sendo meu guarda-costas, e agora havia sido mandado para me matar. – Belos olhos. O caos começou. Laurel e seus seres humanos se tornaram vampiros. Armas começaram a atirar – armas que podiam ferir vampiros, mas não matá-los, Dentes rasgaram carne. Foi sangrento e terrível. Nathan e eu fomos esquecidos enquanto os grupos tentavam estabelecer domínio e vencer. Livre de Laurel. Nathan agiu com rapidez e me levou em direção à porta. - Venha – ele disse. – Temos de ir enquanto eles estão lutando. Olhamos pela janela da frente. Nosso carro ainda estava estacionado na rua, mas não estava sozinho: quatro vampiros estavam perto dele. Bryan não seria tolo o suficiente de nos deixar partir com facilidade. - O que você acha? - Nathan olhou para fora com hesitação. – Acredito que nós dois podemos distrair um deles. - Você derrubou dois na fronteira. - Aquilo foi sorte. Peguei um deles totalmente de surpresa, e entrei no carro correndo antes de... Gritei quando senti algo afiado espetar minha perna. Meus joelhos enfraqueceram, e eu cai no chão antes de Nathan conseguir me segurar. Olhando para baixo, vi sangue na perna, sobre a calça jeans. E na nossa frente vimos a velha governanta com uma arma. O Sr Arcangeli pediu que eu cuidasse para que vocês não partissem. Ela mantinha a arma apontada para nós, mas suas mãos tremiam. Nathan saltou na direção dela, e ela não foi rápida o bastante para detê-lo. Foi triste e engraçado, ao mesmo tempo vê-lo lutando com a senhora, mas a dor que eu sentia na perna fez com que eu não ficasse com pena dela. Por fim, ele foi bastante gentil. Ao pegar a arma, ele a jogou para longe de onde estávamos. Não surpreendeu o fato de ela não ter tentado reaver a arma. Em vez disso, virou-se e correu gritando para a outra sala, chamando por Bryan. Segurando a arma em uma das mãos, Nathan envolveu-me com o outro braço e me ajudou a ficar em pé. – Vou ficar bem – disse a ele. – Deve cicatrizar em quinze minutos, mas ou menos. Meia hora, no máximo. - Não temos esse tempo. Venha. - O carro... - Não podemos entrar. Vamos simplesmente sair daqui e nos preocupar com o transporte quando estivermos longe deste inferno. Praticamente me arrastando, Nathan nos guiou por um corredor que saia da cozinha, que era ligada à sala de estar – onde a movimentação parecia estar menor, para minha surpresa. Eu tinha certeza de que o grupo de Bryan havia vencido, mas algumas coisa devia ter acontecido para eles não perceberem nossa presença na cozinha. Uma porta pequena nos levou ao quintal. Saímos, caminhando de modo muito lento. Mas ao longe, vimos árvores que ainda não tinham sido cortadas. Seguimos na direção delas, esperando que pudéssemos nos esconder. - Não podemos ficar aqui por muito tempo. – ele avisou. – O sol logo vai nascer. - Não se preocupe comigo. - Lucy... o que você vai fazer? A respeito da profecia? Nathan deixou transparecer surpresa e curiosidade na voz. – Ainda não acredito que é verdade.

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- Bem, mas alguém acredita, caso contrário aquela confusão todo não estaria acontecendo na casa. – Suspirei. – Não sei o que fazer. Não quero nada disso. Não quero que ninguém morra. Estou com medo de meu décimo oitavo aniversario. Faria qualquer coisa que pudesse para evitar aquele primeiro assassinato... mas à custa do meu povo? Não quero que uma das raças domine a outra. Não quero mais mortes. Gostaria... gostaria que houvesse um equilíbrio entre nós. Paramos perto das arvores. Os olhos de Nathan estavam brilhando de ansiedade. Ficamos perto um do outro, e eu respirava ofegante em razão do esforço. – Talvez seja isso o que você tem de fazer. Talvez não tenha de destruir nenhuma das raças. Poderia unir-se a eles – e a nós. Balancei a cabeça, negando. – Não sei. Não sei. - Mas eu sei. Bryan se materializou na escuridão. O empregado havia, aparentemente, registrado nossa fuga. Ele se aproximou lentamente, sorrindo. Ainda era difícil acreditar que aquele era o mesmo Bryan com quem eu havia crescido. Eu sempre havia coniado nele, e o procurava para nos defender de outros vampiros. Eu já o havia visto matar outros vampiros... mas nunca pensei que seria um deles. - Sinto muito, Lucy – ele disse. – De verdade. Mas isso é para um bem maior. Você sempre foi muito cautelosa com os seres humanos – não podemos arriscar que você tenha esse poder. Sinto muito. - Pare! Alguém interrompeu. Laurel se aproximou pela lateral, seguida por um de seus homens. Ambos estava ofegante e sangrando, e eu não acreditava que ela continuava em pé depois do que eu havia testemunhado na sala de estar. Tentei imaginar quantos de seus comparsas continuavam vivos. Talvez fossem apenas ela e o homem que a acompanhava. - Inacreditável – Bryan disse, repetindo meus pensamentos. Ele olhou para a minha perna e virou-se na direção da nova ameaça, mais uma vez deixando-nos de lado em razão de uma luta mais urgente – uma luta que eu acreditava que seria muito, mas muito curta pela expressão de Laurel e de seu amigo. Nathan tocou meu braço. - Vamos, enquanto eles estão distraídos... - Não podemos vencê-lo. Nem mesmo saindo antes. Bryan partiu para cima do amigo de Laurel. Os dois caíram no chão, e não consegui ver muito bem o que estava ocorrendo, escutei um grito e sons altos. Imaginei aquilo acontecendo comigo e com Nathan, imaginei minha vida – a vida com a qual quis fazer tantas coisas – desaparecendo. Apagada como se fosse uma vela. Senti a adrenalina percorrer meu corpo, ficando mais forte por causa da dor do ferimento do tiro, e respirei fundo. Virei-me na direção de Nathan. - Você se referiu a isso antes? – perguntei de modo discreto. O homem havia parado de gritar. – A respeito de fazer algo grande? De fazer algo que mude o mundo? Os olhos grandes e belos se arregalaram. Ele compreendeu. Soube exatamente o que eu quis dizer e eu entendi. Compreendi o motivo pelo qual me senti atraída por ele desde o começo – e vice-versa. Por que, apesar de todos os motivos que tinha para me detestar, ainda assim não me abandonava. O disco havia dito que eu saberia a quem escolher quando criasse meus treze. - Você vai poder matá-los – eu disse. Laurel estava gritando. – Mas eles ainda podem matar você. E vão tentar. Vão tentar matar a nós dois. Não houve hesitação, não houve medo. Pensei na determinação que havia testemunhado nela a noite toda. Nathan tinha a capacidade de fazer muitas coisas – ele só queria a chance de provar. – Faça o que tiver de fazer. - Eu também não hesitei. Rapidamente, repousei meus dedos na cabeça dele e murmurei as palavras que arderam em minha mente quando vi o disco. - Pela lua e pela escuridão, pelo sol e pela luz, eu o prendo a mim, agora e sempre, vida a vida, morte a morte. – Senti algo se partir no ar enquanto falava. Levei a boca ao lado do pescoço dele e deixei meus dentes se afundarem em sua pele. O cheiro havia me assombrado a noite toda, sua pele e suor tomaram meu olfato, quando seu sangue jorrou em minha boca. Era salgado, quente e a coisa mais deliciosa que eu já havia provado. Era por isso que os vampiros queriam os seres humanos. Era por isso que nós os matávamos.

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Mas, na realidade, minha mordida foi apenas um beijo. Eu me afastei, sentindo aquela força continuar a crescer entre nós. Eu mal havia me afastado quando Bryan veio voando na nossa direção, Laurel e o homem morto. Todos os vampiros eram perigosos, mas Bryan era um dos mais letais. Poucos conseguiam detê-lo. E Nathan conseguiria. Nunca pensei que veria alguém lidar com Bryan – certamente não um ser humano. Para Bryan, deve ter sido como bater em um muro. Ele deu um passo para trás, chocado. Nathan continuou no ataque, lindo e mortal. Ele acertou Bryan no rosto, fazendo o vampiro voltar e bambear. Bryan retomou os sentidos e foi para a frente, na ofensiva. Por um instante, tudo ficou parado. Um não conseguia acertar o outro. Então, Nathan encontrou uma maneira de agarrar Bryan pela camisa. Nathan fez com que ele se chocasse em uma arvore e o surrou... uma, duas vezes. A cabeça de Bryan acertou a árvore todas as vezes e, na terceira, ele caiu. Nós nos entreolhamos, boquiabertos. - Precisamos ir – eu disse. – Os outros virão. Minha perna já está curada. - Ele está morto? - Vai morrer logo, assim que nascer o sol. E eu também. Precisamos encontrar um local para passarmos a noite. Agora. Nathan não se moveu e percebi que ele estava em choque, assustado com o que havia acabado de fazer e com o que era capaz de fazer agora. - Pode fazer isso? – eu perguntei, de repente, fui tomada por um medo inexplicável. – Pode ficar comigo? Eu os odeio. Eu os odeio de verdade. Se eu tivesse o poder de matar todos os vampiros do mundo e fazer com que as coisas fossem como eram antes, é o que eu faria. Nathan deixara claro seus sentimentos em relação aos vampiros a noite toda. Uma coisa era dizer: “Claro! Transforme-me em um vampiro-assassino!” no calor do momento – e outra aceitar o que vinha depois. E a quem ele estava ligado. Lentamente, ele parecia deixar a surpresa para trás. Ele virou-se na minha direção. Ele esticou o braço e o pousou em meu pescoço. Seus dedos eram quentes, mas fizeram com que me arrepiasse. Meu corpo todo parecia desejar o dele, mas, ao mesmo tempo, percebi o que eu tinha feito, havia criado um ser humano que conseguia matar vampiros. Um ser humano que podia matar a mim. E enquanto sua mão estava na lateral de meu pescoço, percebi que como os poderes eram iguais, ele era mais forte do que eu. Ele podia acabar com aquilo ali, me matar, e continuar com a matança de vampiros. Sem discriminação. Sem pensar em um mondo melhor. O tempo parou. Tudo estava voltado a ele e à sua escolha. A mão em meu pescoço ficou um pouco mais firme e então subiu e envolveu meu rosto pelo queixo. Ele me beijou e quando nossos lábios se encontraram, senti toda a força daquela primeira mordida nos envolver. Eu o abracei, e nossos corpos ficaram mais quentes. Nunca tinha experimentado nada como aquilo. Nós nos separamos, zonzos e incansáveis. - Isso foi... uau – ele disse. Hesitei. – Não sabia que isso fazia parte da profecia. - Não foi a profecia – ele disse, ainda passando os dedos por meu rosto. – Fomos nós. - Pensei que você detestasse vampiros. - Você não me trata como os vampiros me tratam. Não me trata nem mesmo como os seres humanos me tratam. Aquele era, provavelmente, o maior elogio que podia fazer. Senti meu coração bater. Queria que ele me beijasse de novo, mas a escuridão se desfazia. – O que você vai fazer? – Eu tinha de ter certeza de que podia confiar nele com seu poder. – Vai ficar comigo? - Estou ligado a você, lembra? - Você... - Ligado, Lucy – ele disse com firmeza. – Vida a vida, morte a morte. Eu não voltei a questioná-lo. – Então vamos. O sol está nascendo.

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- E a lua está indo embora – ele murmurou. – Quanto tempo teremos de esperar até a próxima luz azul? Até seu aniversario? - Oito meses. - Então devemos nos apressar. Ele segurou a minha mão e, juntos, seguimos noite adentro, prontos para mudar o mundo.

***FIM***

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Transformação

Nancy Holder Os Vampiros invadiram Nova York na noite em que Jilly completou 16 anos. Ela estava caminhando de um lado a outro diante de um clube chamado Watami, esperando que Eli aparecesse, ansiosa para ver o que ele havia trazido a ela. Ele estava atrasado, e ela sabia que era culpa de Sean. Ele não ia querer ir, porque era o aniversario de Jilly e Sean a detestava. Mas Eli o obrigaria; eles apareceriam e ela tentaria entender de novo porque Eli não conseguia amá-la daquela maneira... e como ele conseguia amar alguém que não gostasse dela. E então, de repente, o local ficou repleto de monstros de cara pálida, magros e com olhos vermelhos. Começaram a atacar, agarrando as pessoas e rasgando suas gargantas – dançarinas, clientes, garçons e os três melhores amigos heterossexuais dela, Torrance, Miles e Diego. Ela ainda não sabia como tinha conseguido sair dali, mas telefonou em primeiro lugar para Eli e depois para seus pais. Sem serviço, sem serviço, tutu tutu tutu... nada de mensagem, nada de internet; ninguém podia se comunicar. Ela era Jilly Stepanek, ultimamente do Bronx, uma quase menina à toa que queria entrar para a faculdade de cinema na NYU assim que conseguisse melhorar suas notas. Ela já tinha sido neo-gótica, já tinha usado roupas vitorianas/eduardianas e maquiagem para empalidecer sem a vibe Marilyn Manson, adorava steampunk – mas agora não passava de uma menina assustada fugindo de monstros. Antes, só pensava em monstros; agora, eles estavam fungando em seu cangote ao vivo e em cores. Ninguém se ofereceu para representar os vampiros ou explicar por que eles haviam dominado os cinco cantos como a pior gangue do mundo. Não havia exigências, não havia negociações, apenas muitas mortes. Em menos de uma semana, corpos murchos – primeiramente os sem tetos – encheram as ruas de Manhattan, SoHo e The Village. Até onde Jilly sabia, nenhum deles se tornou vampiro. Talvez os filmes não contassem a verdade; talvez, assim que eles matassem você, você simplesmente morresse. Os vampiros tinham animais de caça como falcões em seus braços. Eles eram formados por cabeça e asas, com caras enormes e brancas, olhos vermelhos e dentes que batiam como se fossem de mentira. O sangue escorria e se espalhava no chão saindo dos pontos nos quais os sugadores enfiavam as garras nos braços de seus mestres, mas – ela observou do ponto mais distante possível – nem os vampiros conseguiam sentir ou gostar daquilo. Talvez fosse a versão deles de corte. Os sugadores davam rasantes e piruetas pelas nuvens da noite, estraçalhando os pombos da cidade. Depois de poucas noites de matança, eles se tornavam os donos do céu. Após mais algumas noites, não havia mais cães selvagens na ilha de Manhattan. Três noites depois de seu aniversario, um vampiro atacou e matou seu pai; sua ave-vampira levou sua mãe ao cão enquanto eles corriam para fora da casa. Jilly gritou para que a mãe corresse mais, mais rápido, minha nossa!, mas a ave pousou na nuca da mãe e começou a bicar e rasgar. A mãe caiu; seus olhos estavam abertos, mas ela não estava vendo nada. O sangue de seu pescoço escorreu na calçada para baixo de um poste de iluminação, e parecia que sua sombra estava vazando para fora de seu corpo. Escondendo-se entre os arbustos, ofegante, Jilly esperou. Depois, correu para o outro lado, vestindo apenas uma camisa preta, roupa intima, botas e um casaco preto e comprido, que havia comprado em um brechó.

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Tentou chegar à casa de Eli, mas quarteirões inteiros explodiam diante dela, e outros ardiam em chamas como se fossem lamparinas de papel. Chorando e sem fôlego, ele telefonou para ele diversas vezes; digitou um torpedo com as mãos tremulas. Sem serviço, sem serviço, tutu tutu tutu... Ela correu em círculos para passar pelo fogo enquanto a fumaça forçava nuvens pontudas por aves barulhentas. Quatro dias depois de seu aniversario, as ruas eram uma selva completa. Os sobreviventes estavam em uma situação tão ruim quanto os cães de rua que as aves-vampiras haviam comido: roubado comigo e ameaçando matar uns aos outros por causa de locais seguros para dormir e também por garrafas de água. Ela já conhecia a hostilidade, da época em que teve problemas com drogas. A reabilitação e muito amor a redimiram, mas as lições antigas não são esquecidas. Passando por destroços e malucos, ela roubou muitos telefones – ou talvez apenas tenha pegado, uma vez que não havia mais ninguém vivo nas lojas para efetuar a venda -, mas estavam sem serviço. Tentar encontrar um que funcionasse se tornou uma obsessão. Pelo menos, assim, ela teve o que fazer... além de se esconder e correr. Seu terapeuta, o Dr. Robles, costumava aconselhá-la a ir com calma, sem usar o cérebro para tanta coisa. Ele dizia que ela tinha de esquecer seu amor por Eli porque as pessoas homossexuais eram homossexuais; não haveria uma mudança de orientação sexual, por mais que ela desejasse. Ela tentou encontrar um cybercafé que os vampiros não tivesse tomado, mas não encontrou nenhum. Entrou em escritórios e tentou usar os computadores, mas todos estavam incendiados. Tentou imaginar como os vampiros tinham feito aquilo. Tinha certeza de que fazia parte do plano que eles tinham de dominar o mundo. Assim como os vampiros, ela dormia durante o dia, no local mais iluminado pelo sol que encontrasse, com o casaco preto cobrindo-a como uma cabana. Apesar de nunca ter sido católica, rezava ao Deus do crucifixo, porque os crucifixos mantinham os vampiros afastados. Ela queria rezar na catedral de St. Patrick, mas era escura e fechada demais; quase conseguia escutar os vampiros sussurrando nas capelas nas laterais do santuário. Seus lábios estavam rachados e feridos. Ela estava imunda. Talvez Deus a ajudasse mesmo assim. Por favor, Deus, por favor, Deus, por favor, Deus, por favor, por favor, não permita que Eli seja incendiado ou sugado pelos demônios. Amém. Arranha-céus foram destruídos pelo fogo; carros explodiram, e os vampiros caminhavam sobre montes de mortos. E Jilly passava por tudo aquilo como a última vitima do Apocalipse. Ninguém a deteve e ela não fez nenhum esforço para se esconder. Tinha de chegar a Eli; pelo menos, poderia morrer com ele. Então, ela continuou suavemente pelas construções em chamas, com as mechas azuis em seus cabelos sendo iluminadas pelo sol e cobertas por poeira. Mostrou às pessoas a fotografia dele que sempre levava no bolso do casaco. Não, Jilly, não, Jilly, não, Jilly, não, não, não, sinto muito, fracassada. Ela continuou esperando enquanto o fogo ardia e se extinguia. A fumaça a perturbou; o ar tinha cheiro de churrasco de lingüiças podres; ela sentiu o cheiro envolver seus pulmões e cobrir sua pele. Cinco dias depois de seu aniversario, elas estava tão cansada que mal conseguia respirar, o que era um certa sorte, por que talvez, assim, ela morresse e então pudesse acabar com tudo. Escapar das coisas ruins também era um de seus hábitos. Ela estava vazia, por fora e por dentro, uma bagunça. Se um vampiro tentasse sugar seu sangue, provavelmente não encontraria nada elem de pó vermelho. Ela realmente acreditava que sua hora de morrer chegara. Pensou em seus pais, amigos, principalmente, em Eli Stein. Ele tinha sido seu primeiro e único amor, entes de ela perceber que ele era gay. Ela ainda o amava; sempre o amaria, independentemente do que ele sentisse. Cérebro, meu cérebro, deixe-me em paz, volte para me obcecar outro dia... Ele era apaixonado por Sean e ela queria... Não, não podia nem pensar nisso. Se ela chegasse a torcer para que algo acontecesse a Sean... Você é cruel, Jilly, e merece morrer.

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Embaixo de seu casaco, ela dormiu e sonhou com Eli e Sean; porque no verão depois do décimo ano era isto o que eles eram: Eliesean, como se fossem uma pessoa, como a pessoa que ela pretendia se tornar com ele. Quando Eli encontrou sua outra metade, eles iam à casa dela quase todos os dias, porque ali podiam ficar de mãos dadas. Podiam se gabar de suas ótima habilidades no skate e no vídeo game como quaisquer outros meninos adolescentes, além de namorar e sentar no sofá abraçados enquanto a mãe de Jilly trazia refrigerante e sanduiches de queijo quente. Eles ficavam surpresos e contentes com a aceitação na casa de Jilly. A tolerância na casa dela veio depois de uma briga grande, vencida por pais determinados que nunca abandonavam Jilly, mesmo depois de ela fugir com um ciclista, mesmo depois de ter raspado a cabeça e dito a seu psicólogo que não tinha pudores. Tudo era maluco de uma maneira diferente: as pessoas escreviam OS VAMPIROS SÃO UM SACO em todas as superfícies e tentavam compartilhar todas as informações aprendidas sobre eles: eles eram vãos, era muito espertos; tinham um líder, era tudo muito estranho. Eles atraíam você para uma sexualidade obscura. Atacavam como animais sem um plano. Tinha de ter alguma coisa que ver com o aquecimento global: eles eram terroristas. Eram uma praga criada pelo governo. Ela viu muitos deles. Com rostos pálidos e magros, eles desciam as ruas e olhavam pelas janelas, como terríveis efeitos especiais dos filmes. Ela não sabia como ainda não tinha sido morta, situações de perigo, mas sabia que eles eram mais pessoas do que animais. Eram apenas pessoas muito cruéis. Quando aves, eram agressores inconseqüentes, mas os vampiros escutavam música, gostavam de andar de moto, e mantinha os funcionários do metrô vivos para que pudessem passear; o mundo está morto, afinal. Após mais um quase encontro mortal – um vampiro dobrou a esquina na frente dela, e ela se virou e saiu correndo -, ela começou a chorar, contraindo a barriga; e então Deus deve ter percebido ou se sentido culpado, ou qualquer coisa, mas Ele/Ela/Eles fez algo miraculoso: começou a chover. Muito. A água jorrava do céu como se senhoras-anjos estivessem lavando a entrada da casa; litros e litros de água caiam nos telhados e nas árvores como se fossem as lágrimas de todos os nova-iorquinos, como todo o sangue que tinha sido sugado dos pescoços dos mortos. E a chuva apagou os incêndios o suficiente para molhar o casaco dela e ela poder correr por entre o fogo, chegando ao outro lado em um tipo de submundo infernal; tudo estava coberto com cinzas: árvores, construções, carros abandonados, lixo. Ela procurou nas camadas de mortos em pó. E ali estava. Ali estava. A casa de Eli. Com a tinta azul-turquesa, as bandeiras dos Estados Unidos e um triciclo de criança transformado em um monte de cinzas como folhas esquisitas. Então, ela pensou ter visto uma sombras se mover perto da janela, e ficou olhando por muito tempo, porque tinha sido coisa de sua mente, mas em seu coração esperava que fossem sinais de vida. Não havia mais sombras e ela pensou se havia enlouquecido ou imaginado tudo. Nesse momento, Jilly tinha certeza de que os mortos podiam ser tão loucos quantos os vivos. Ela subiu os degraus. Com dificuldade, chutando camadas de morte que faziam com que ela engasgasse e se sufocasse. Bateu na porta, mas ninguém atendeu e ela a empurrou para abrir. Eli e seu pai estava um de frente para o outro na sala de estar com a tapeçaria antiga dos judeus de Masada pendurada acima do piano. Eli parecia mais alto e mais magro, com os cabelos escuros e compridos como sempre, e estava com uma barba rala. Ela parecia um rabino de esquerda com a camisa da Naw York University que ela havia lhe dado. O Sr. Stein continuava sendo o Sr. Stein, com uma blusa azul e calça preta. O Sr. Stein estava gritando: - Sua bicha idiota, vai morrer lá fora. - Cala a boca! – Eli gritou. – Pare de me chamar assim. - Eli – ela sussurrou da porta. – Eli, sou eu. Ambos se viraram. - Jilly!

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Eli moveu-se, pegou Jilly no colo e a abraçou. Ela se sentiu leve como uma pluma, incrivelmente zonza e tomada de alegria. Eli estava vivo. Estava seguro. E ainda estava ali, em sua casa antiga, ali dentro, com seus pais. - Oh, meu Deus! Você está bem? – ele perguntou; e então, antes que pudesse responder, ele continuou: - Você viu o Sean? - Não – disse e ele ficou desanimado. Ela viu a tristeza em seu rosto, sentiu o pesar de um modo que quase a matou. Na cozinha, sua mãe-bruxa de cabelos pretos estava cozinhando, como se nada tivesse mudado. Eles tinham energia elétrica e gás, e quando Jilly sentiu cheiro de cebola e carne cozida ficou com água na boca. Começou a chorar e ele a abraçou com força, aconchegando-a. O cheiro dele era muito bom. Tão puro. Tão virginal. O pai de Eli arregalou os olhos e encarou Jilly como se ela fosse uma invasora. - Eu estava tentando chegar aqui – ela disse. – Tudo estava em chamas. E então começou a chover. - A chuva – Sr. Stein disse com reverência, olhando para o tapete. - Agora podemos procurar por Sean – Eli disse. - Não diga esse nome – o Sr. Stein disse. Pelo amor de Deus, por que se importa com isso agora? Ela queria responder. Mas segurou a mão de Eli e a dobrou sob o queixo. Viu a camada de cinza misturada com lama em suas mãos e tentou imaginar como estava seu corpo todo. Parecia com um zumbi, provavelmente. - Eu estava prestes a sair para procurar por ele – ele disse, encostando os dedos dela em seus lábios. Deu um beijo nele, e então colocou a mão em seu rosto. As lágrimas dele molharam a pele dela, como se fosse mais chuva. – Ele telefonou um pouco antes de tudo começar, do centro da cidade. Não sei o que ele estava fazendo ali. Nós discutimos, eu estava deitado.

Você não ia me encontrar no clube. Eli acariciou o rosto de Jilly com os dedos e ela sentiu cada uma das feridas que por dia e noites cortaram sua alma sendo fechada. Não existia ninguém a quem ela amasse mais. Ela morreria amando Eli Stein. - É claro que não vai sair agora. Olhe para ela. Parece uma morta – o Sr. Stein nunca gostara dela. Além de ser uma garota à toa e maluca, não era judia, e sua família havia dado a Eli e Sean um porto seguro um porto seguro onde podiam cometer suas atrocidades carnais. - Preciso consertar a porta – Jilly disse. – Ou pelo menos trancá-la. - Pensei que estivesse trancada – o Sr Stein disse. Ele olhou para Eli e perguntou: - Você a destrancou? – Caminhou até a porta para checar, passando perto de Jilly de modo que ela teve de se afastar um pouco. Ele segurou a porta; ela escutou um clique e depois ele virou a maçaneta. - Esta quebrada. – Virou-se para Eli. – Você a quebrou? - Pai, por que eu faria isso? – Eli perguntou. - Talvez os vampiros tenham tentado entrar ontem à noite – Jilly disse. – Vocês precisam de algum crucifixos. Eles funcionam de verdade. O Sr. Stein cruzou os braços. – Não é normal – ele disse. - O jantar está quase pronto – a Sra. Stein anunciou da cozinha, sorrindo discretamente. Jilly tentou imaginar onde ela havia encontrado uma ponte de peito. Na geladeira da casa que ainda funcionava, ela pensou. Eli olhou para ela como se dissesse. Meus pais estão malucos, obviamente. Ele tinha um pouco de experiência com doença mental, uma vez que era o melhor amigo dela. Contudo, ela não sorriu apesar de eles, como sempre, estarem pensando a mesma coisa. Não era engraçado. Ela não sabia quem era maluco e quem não era. - Pode tomar um banho, Jilly – a Sra. Stein continuou. Jilly estava fraca e exausta demais para tomar banho. Mas a Sra. Stein serviu a ela um pouco de purê de batata e uma fatia de queijo que deram a energia de que ela precisava para se arrastar até o banheiro. Pela primeira vez, em semanas, ela estava um pouco menos receosa de ficar dentro de um cômodo pequeno; de tirar as roupas; de ficar em pé e vulnerável embaixo da água...

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... E então Eli entrou no banheiro e também começou a tirar as roupas. Entrou embaixo do chuveiro e abraçou Jilly, chorando. Ela também começou a chorar, nua com seu melhor amigo que não a desejava da maneira que ela o desejava; eles se abraçaram e lamentaram. Ele está lá fora – disse. – Sei que está. Ela se virou e recostou as costas no peito dele. Era tão irreal o fato de ela estar ali. De simplesmente ter entrado... - Seus pais devem estar tendo um ataque – ela disse, com os olhos fechados sentindo o prazer do calor e de estar perto de Eli. - Está maluca? Eles devem estar sem saber o que fazer. “Ele está lá no banheiro com uma garota! Não é gay! Não é uma bicha!” – ele imitava a voz do pai perfeitamente. E então perguntou delicadamente: - E os seus pais? Ela ergueu o queixo para que a água escorregasse por seu rosto. Seu silêncio disse tudo. - Oh, Jilly. Jilly, meu Deus, o que houve? - Não posso falar sobre isso. Não diga nada. Eu nunca vou conseguir parar de chorar. – Ele pousou a mão na testa dela. - Só posso dizer que eles foram bons demais para mim. E no judaísmo, a bondade é algo vivo – ele sussurrou. - Obrigada. – Ela passou a língua pelos lábios feridos de novo. De banho tomado, ele fechou o chuveiro. Envolveu-a com a toalha e pegou algumas roupas muito bem dobradas que sua mãe havia colocado no corredor. Uma calça de moletom que ficava larga nos tornozelos. Havia também uma blusa preta, sem sutiã. Mas não havia problemas. Ele vestiu suas roupas, entrelaçou seus dedos nos dela e a levou para seu quarto. Havia fotos dela em todos os lugares: na escola, na primeira peça da Broadway que assistiram, de mãos dadas, no Central Park. Mas as fotos de Sean mais numerosas. Em primeiro lugar havia muitas fotos dos dois apenas, Eli a Sean, os dois novos namorados; e então, de Sean e Jilly, quando Eli conseguia “unir” os dois para a mesma foto, praticando para um ensaio de drama, na tola excursão que fizeram para um evento de divulgação de livro e autógrafos na Fobidden Planet. Sean parecia irritado em todas as fotos nas quais Jilli estava. Será que Eli não percebia? Ela se esticou na colcha azul de veludo, com a sensação de que acabara de soltar uma pilha pesada de livros. Era incrível para ela que ele dormisse naquela cama maravilhosa, em seu quarto. Ela não sabia nem mesmo se seu prédio ainda estava em pé. Ela podia voltar, pegar mais roupas, seus pertences de valor e dinheiro. Eli podia ir com ela. Eles podiam procurar por Sean no caminho. Ela cochilou. Eli deitou-se atrás dela, abraçando-a; sempre que ela inspirava, ele expirava. Tinha sido assim desde o começo para eles. Quando Sean chegou, ele acrescentou algo novo; ele tinha sido, literalmente, uma mudança de ares. Até mesmo Jilly havia se interessado pelo surfista que vivia em Los Angeles e conhecia pessoas envolvidas em cinema que podiam ajudá-la. Ela falava sobre trabalhar como figurante. Ela saía com dublês. Seu tio havia alugado sua loja de artigos de surfe para servir de set de filmes. Contudo, assim que ele passou a ter certeza do amor de Eli, mudou. Ela viu quando isso aconteceu. Eli não. Talvez “mudou” fosse a palavra errada; perto dela, ele ficava distante de desinteressado, e ela sabia que ele nunca ia apresentá-la a ninguém no ramo, mas Eli não percebeu isso. Sean era, na verdade, um tipo de vampiro. Ele sugava tudo o que queria; esgotava os amigos e os colegas de sala de Eli usando-os para progredir socialmente, então os ignorava com uma atitude do tipo “sou cruel, posso ser e você tem de me engolir”. Jilly quase conseguia prever quando ele mostraria sua outra face. A mãe de Jilly dizia que eles tinham de dar a Sean o beneficio da duvida, porque ele havia passado por muitas coisas. Todo rapaz gay sofria. Por isso eles tinham de ser gentis com ele, apesar de ele ser um idiota. Ela sabia o que a mãe queria dizer: Agüentamos seu comportamento ruim. Bem-vendo ao mundo real – aquele que não gira ao seu redor. Sua mãe nuca diria nada desse tipo, é claro. Porque estava morta.

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Mas, ela nunca dizia nada do tipo, nem mesmo quando Jilly usava drogas pesadas; dizia que a filha estava sofrendo. Contudo, mesmo quando Jilly estava em seu pior momento, teria feito qualquer coisa para ajudar Eli a se tornar mais, muito mais, maravilhoso do que era. - Meu Deus, como estou feliz por você estar aqui – ele sussurrou, acariciando a nuca dela. Ela chorou mais um pouco, e ele a abraçou. Bateram à porta. O Sr. Stein sussurrou: - Está na hora do jantar. Jilly estava muito faminta, e o cheiro da comida fazia com que ela ficasse ansiosa. Mas Eli havia adormecido com o braço sobre ela. Jilly tentou pensar em uma maneira de sair dali sem acordá-lo. Não conseguiu, por isso ficou ao lado dele. Seu braço começando a doer. Seu estomago doía. Ao contrair e relaxar os músculos, tentando manter o sangue circulando, ela escutou a Sra. Stein chorando. Era um choro agudo e irritante e Jilly ficou assustada. - Ninguém está nos ajudando! – a Sra. Stein gritava. – Ninguém! Jilly, faminta, desesperada e exausta, escutou a chuva cair, e imaginou a cidade de Nova York tomada em vapor. Depois, adormeceu pela primeira vez desde que havia completado 16 anos.

****************

Os gritos acordaram Jilly. - Você vai morrer! O Sr. Stein gritava no andar de baixo. - Pare de gritar! – a Sra. Stein estava chorando de novo. – Dessa maneira vai afastá-lo, como sempre fez. - Como assim afastá-lo? Você não escutou o que ele acabou de dizer? Vai embora de qualquer jeito! Jilly resmungou, procurando por Eli na cama, percebendo que ele havia se levantado. Seus pais estava tentando, à sua maneira, dizer a ele que o amavam e que não queriam que arriscasse a vida deixando a casa deles. Ela se sentia da mesma maneira. Não queria sair da cama. Conhecia Eli muito bem, sabia que eles iam sair assim que ela saísse do quarto – talvez possamos comer primeiro – e não seria uma saída graciosa. - Tudo porque eles culpam você por não me consertar – Eli disse a ela ao saírem da casa dos pais. Ainda estava chovendo; a Sra. Stein havia dado a eles capas de chuva e guarda-chuvas. A chuva parecia ter clareado o céu, livrando-o das aves-vampiras de rapina. Outro milagre. Pelo menos eles haviam tomado café da manha antes – a carne da noite anterior e panquecas. E que existia o café. Enquanto estava na rua, havia escutado uma historia de que um homem havia esfaqueado outro por causa de uma última xícara de café em um restaurante. Ela não disse nada. Não conseguia perdoar os pais de Eli por serem tão limitados a ponto de brigar com o filho e a melhor amiga dele quando corriam o risco de nunca mais vê-lo. Ela ajustou a mochila pesada, cheia de roupas, xampu, escova e pasta de dente. Eli estava carregando uma mochila mais pesada, cheia de comida. Ele também levava uma bolsa-saco no ombro, repleta de fotografias de Sean, sete delas, com o se alguém não pudesse reconhecê-lo nas seis primeiras. Sean tinha uma aparecia estranha, com olhos amendoados e nariz comprido e torto, além de um rosto alongado e fino. Ele não era bonito, não era uma pessoa bacana, e haviam outros garotos homossexuais que gostavam muito de Jilly, mas infelizmente Sean foi o escolhido. Eli gemeu quando chegaram ao parque, local do primeiro amasso deles, depois da festa de aniversário dela na oitava série. Ela estava tão ansiosa e feliz que passou a noite toda acordada. - Até as árvores foram queimadas – ele disse. Eles caminharam próximos um do outro, de mãos dadas. Ela tinha uma sensação esquisita de distância; se ele não estivesse segurando sua mão, ela acreditava que podia ter flutuado para longe por causa do medo. Eles passaram por dezenas de prédios em chamas que estavam sendo apagadas aos poucos pela chuva. A estação do metrô dividia a calçada; ambos se mantiveram afastados dali. Escuridão e reclusão – território perfeito para vampiros.

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Sombras e formas se moviam nas ruas; eles caminhavam no meio da rua, de mãos dadas. Era estranho, mas Jilly sentia mais medo com a presença de Eli do que quando estava sozinha, achava que não toleraria se alguma coisa acontecesse a ele. Eli estava muito nervoso; era presa fácil para qualquer um que se interessasse por ele. Ele pegou o celular de sua capa de chuva e discou, prestando atenção. Resmungou, devolveu o aparelho no bolso, e tirou a franja dos olhos. Ela sentiu um aperto no peito e acariciou seu rosto. Ele sorriu de modo distraído; sabia que ele estava feliz por ela estar ali, mas era a Sean que ele desejava encontrar. Ela costumava conversar muito com as amigas sobre a possibilidade de Eli voltar para ela um dia. Ele tinha sido seu namorado por dois anos. Eles se beijavam e se abraçavam o tempo todo, mas nunca haviam passado disso. Eram muito jovens. E então ele e Sean se conheceram... ou melhor, Sean o encontrara. Sean havia se mudado para Nova York e começado a paquerar Eli, antes mesmo de ter certeza de que ele era homossexual. E, então, Eli disse a Jilly que eles “ainda podiam ser amigos.” E, no caso deles, foi verdade. Eram grandes amigos. Pensavam da mesma maneira, entendiam as coisas da mesma maneira. Ele acreditava que entrar para a universidade de Nova York era um grande objetivo. Falava sobre ir para lá também. Os dois detestavam esportes. E Sean, que adorava exercícios, não gostava de saber daquilo. Nunca comentou sobre isso com Eli. Até onde Eli sabia, Sean adorava Jilly como se ela fosse sua irmã. Ele havia usado essas palavras exatamente na única vez em que Jilly tentou conversar sobre esse assunto com ele. Mas quando Eli não estava prestando atenção, Sean usava suas atitudes passivo-agressivas e ameaças veladas, além de muitas artimanhas. Ele criava briguinhas quando eles estavam prestes a se encontrar com ela e algum lugar – como em Watami. Estar em algum ponto do centro da cidade quando deveria estar com ela era atitude típica de Sean, o Rei da Amargura Homossexual. Eli ignorava tudo aquilo, recusava-se a concordar com o que ela afirmava. Então ela parou de tocar no assunto. Não queria dar a Sean a chance de fazer o ultimato: “Ou ela ou eu”. Ao saírem da área de incêndio, o céu começou a escurecer, e Jilly sentiu um grande ressentimento. Seu corpo cansado desejava ardentemente deitar-se na cama limpa e macia de Eli. Ela queria tomar mais um banho e escovar os dentes pó um ano. Não queria arriscar a própria vida, nem a de Ali, por alguém que a detestava. Ela tentava imaginar como seria se eles encontrassem Sean. E então, antes de perceber o que estava fazendo, disse: - Watami. O clube. Talvez ele tenha ido para lá. Ele olhou para ela. – Ele não ia para lá, e iria para a minha casa antes, ou tentaria entrar em contado por meio de nossos amigos. – E eles tinham outros amigos, amigos homossexuais que os invejavam por ter a família de Jilly para apoiá-los. - Certo. Deixa pra lá. Talvez ele tenha ido para a escola. Ele ergueu as sobrancelhas. – Talvez. – Ele sorriu. – É grande. Talvez eles estejam montando uma espécie de abrigo da Cruz Vermelha ali. – Ele a abraçou. – Você é um gênio, Jilly. Esperta demais para o meu gosto, ela pensou. A velha Jilly, entes da reabilitação – aquela sem limites – não podia ter sugerido locais nos quais procurar por Sean. Mas Jilly era uma pessoa boa agora. Talvez fosse por isso que ele não a amasse. E ela não era impulsiva demais. Podia mudar... Mas ele não muda. É gay, ela lembrou a si mesma. Estava quase escuro. Era muito perigoso ficar na rua daquele jeito; ela havia visto vampiros pularem das sombras e arrastarem as pessoas para longe. Às vezes, rosnavam; às vezes, ficavam em silencio. Jilly tinha dormido ao lado de uma senhora em uma loja, certa noite. De manhã, só sobravam os sapatos da senhora. Jilly não fazia idéia do motivo pelo qual tinha sido deixada viva. Talvez a senhora tenha sido o suficiente. Eles encontraram um homem na rua, a algumas quadras da escola, chamado Bo. Ele mancava ao andar e falava de modo muito lento. Havia uma cicatriz em seu rosto causada pelas presas de vampiro.

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- Eles têm de se alimentar assim que se transformam – ele disse a eles. – O vampiro que tentou me matar era novo em folha. Havia mais um com ele, aquele que o transformara em vampiro. Estava rindo. Meus amigos o atacaram com a estaca. Eles não viram pó. Então, ele prosseguiu, mancando. - Espere! – Jilly gritou. – Conte-nos tudo que sabe. - Os novos são os piores – ele disse. – São os mais letais. Assim como filhotes de serpente. Agora, na chuva, eles correram para a escola de ensino médio onde estudaram. Havia luzes acesas e sombras se movendo nas janelas. Nenhum dos dois disse nada enquanto atravessavam a rua e passavam pela marquise. As letras tinham sido roubadas; não havia novidade sobre o colégio. Roseiras se enfileiravam na entrada. Ela não conseguia sentir o cheiro delas, mas, ao vê-las molhadas pela chuva, ficou mais animada. As portas duplas estavam pintadas com cruzes, assim como as paredes e janelas. Os pichadores haviam escrito OS VAMPIROS SÃO UMA PORCARIA, DEVEM IR PARA O INFERNO nos muros. Havia dois guardas à porta – um professor chamado Sr. Vernia e sua professora de inglês, Mary Ann Francis. Eles abraçaram Eli e Jilly com força, perguntaram quais eram as novidades – perguntaram como todos estavam – e os chamaram pra entrar. O cheiro e o barulho eram inacreditáveis. Alunos, adultos, crianças pequenas e professores – todos andavam de um lado a outro; o barulho era ensurdecedor. Pessoas que a detestavam correram para abraçá-la, chorando e dizendo que estavam muito felizes por ela estar viva. Percebeu que Eli e ela deveriam ter feito uma refeição entes de entrar. Se abrissem a mochila agora, teriam de compartilhar com os outros. Seria tão ruim dividir com eles? - Jilly. Eli – a diretora, a Sra. Howison, disse ao vê-los. Ela tinha olheiras e marcas profundas de expressão na testa. Parecia um esqueleto. – Graças a Deus. A Sra. Howison havia tentado impedir Jilly de voltar para a escola depois da reabilitação. Contudo, as crises mudavam as pessoas. Eli distribuiu todas as fotos de Sean para as pessoas verem. Homens e mulheres, nerds de informática e lideres de torcida, analisaram cada uma delas, mesmo que soubessem muito bem quem era Sean, antes de devolvê-las. Ninguém o vira. Jilly estava cansada demais para ficar acordada por mais tempo. A diretora Howison garantiu que todas as portas e das janelas tinham sido cobertas com cruzes e o chão estava tomado por cabeças de olho e hóstias. Jilly tentou imaginar se a chuva havia dissolvido as hóstias. Quantas camadas de coisas sagradas era preciso manter para afastar os monstros? Muitas macas haviam sido montadas na quadra e havia muitos voluntários da Cruz Vermelha. Eli e Jilly juntaram duas macas, colocaram suas mochilas embaixo delas e se deitaram vestidos. Era melhor do que como ela estava dormindo antes de encontrar Eli, pelo menos. Eli acariciou o rosto dela. – Que bom que você está aqui. - Também estou contente – ela disse, na verdade, mas quis dizer, Estou feliz por você estar comigo. Eli adormeceu. Ela olhou para a luz que iluminava o rosto dele. Sentiu vontade de beijá-lo, mas não queria acordá-lo; ou melhor, não queria que ele acordasse e a fizesse lembrar de que não gostava dela daquela maneira. Então, ela escutou alguém chorar. Foi um choro abafado, como se tentasse não fazer barulho. Ela levantou a cabeça lentamente e percebeu que era a Sra. Howison. Jilly se afastou cuidadosamente de Eli. Então, ficou de lado em silencio, encolheu as pernas e se levantou. Caminhou até onde a mulher estava sentada, em uma cadeira, observando as diversas fileiras de tendas. Parecia ter acabado de vomitar. - Ei – Jilly disse hesitante. – Sra. Howison. - Oh, meu Deus – ela sussurrou, olhando para as próprias mãos. – Meu Deus, Jilly. Você ainda está aqui. Pensei... Ela virou o rosto. - O quê? – Jilly quis saber.

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Ela suspirou profundamente e soltou o ar. Estava tremendo sem parar. – Preciso que venha comigo rapidamente. - O que aconteceu? - Simplesmente... venha – a diretora não olhava para ela. Jilly se remexeu. – Por favor. A Sra. Howison se levantou da cadeira e saiu da quadra. As luzes fosforescentes estavam acesas. Jilly a acompanhou, passando pelas salas dos técnicos e entrando no vestiário feminino, atravessando mais uma porta para a área dos chuveiros. A Sra. Howison pigarreou e disse: - Ela esta aqui. Então, deu um passo atrás e bateu a porta, deixando Jilly ali dentro. Jilly tentou sair. Sean estava ali, e era um vampiro. Seu rosto comprido e estreito estava totalmente pálido. Seus olhos estavam vidrados, como se ele estivesse drogado. E ela entendia bem do assunto. Ele a segurou, envolvendo-a com os braços como um namorado faria; ela sentiu o cheiro de sua respiração, podre. Ele não estava frio; tinha temperatura ambiente. Jilly estava totalmente anestesiada. Seu coração batia descompassadamente. Molhou a calça. - Fico feliz em vê-la também – ele disse, sorrindo para ela. Ela armou para mim. Ela me deu para ele. Aquela vagabunda. Ele segurou Jilly pelo braço e a arrastou para a frente. Ela começou a chorar e a gemer. Ele pousou a outra mão morta sobre sua boca com tanta força que ela pensou que seus dentes da frente podiam se quebrar. - Cala a boca – disse, rindo. – Eu sempre quis dizer isso a você. Cala a boca, cala a boca, cala a boca. Ela continuava gemendo. Não conseguia parar. Talvez ele tenha percebido isso; ele a arrastou com a mão cobrindo sua boca. Ela afundou as unhas nos braços dele, sabendo que rasgara sua pela, mas não tinha sentido.

Ela a levou para dentro da sala da despensa, onde eram mantidos materiais de limpeza: vassouras, rodos, frascos grandes de cloro. Ela começou a dar gritos abafados pela mão dele, e ele deu-lhe um tapa forte. E então a jogou contra uma parede. Assustada, ela se desequilibrou e caiu sentada.

Ele bateu a porta, deixando-a na escuridão. Soluçando, ela engatinhou até a porta e começou a bater.

- Não faça isso – ele sussurrou do outro lado. Ele vai pegar Eli, ela pensou. Meu Deus, ele vai transformá-lo em vampiro. É pra isso que

está aqui. Talvez ele me deixe sair. Mas por que deixaria? Ele era o Rei da Amargura. E ela nunca sairia sem Eli. Ela procurou o interruptor, encontrou-o e acendeu a luz abençoada e maravilhosa. Seu braço estava sangrando e começou a arder. Ela não sabia se queria sentir alguma coisa. Tentou imaginar como seria quando ele... A porta se abriu, e Sean entrou. Seus olhos brilhavam. Ele parecia descontrolado. – Eli mandou lembranças. - Não – ela implorou. – Não faça isso. Por favor, Sean. Não o transforme. Sean se mostrou surpreso. E riu. – Querida, mas o amor é assim mesmo, você não sabe? Ela cerrou os punhos e mordeu os dedos. Ele ergueu uma sobrancelha. - Sinto cheiro de sangue fresco – ele cantarolou. – O seu. Tem um cheiro ótimo. Se você estivesse sozinha no mar, os tubarões a comeriam. Se estivesse sozinha numa floresta, os lobos viriam. Mas sozinha na cidade, nós viemos. Vampiros. – Como... como isso aconteceu a você? Ele a ignorou. – Vou lhe dar uma opção, amiga. É a seguinte: você pode ser transformada ou ele. O que restar... vai pra água. – Ele ergueu os ombros. – Deixo você decidir. Ele olhou fixamente para ele: - O que quer dizer?

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- Meu Deus, você é tão idiota. Tão incrivelmente burra. Não consigo entender como ele foi capaz de amar você. – Ele balançou a cabeça. Qual era a importância, ela se perguntou, uma vez Eli o amava mais? - Será que faz diferença o que eu escolher? – ela perguntou. – Você não gosta de mim. – É claro que ele transformaria Eli e a deixaria morrer. - Talvez não, mesmo. Talvez eu só queria saber quem você escolheria – ele disse a ela. – Vou dar a mesma chance a ele. Jilly olhou para ele em silencio, aterrorizada. - Eu disse a ele que transformaria você se ele quisesse. Ele cruzou os braços e recostou-se na porta. Não parecia nada diferente – era o mesmo Sean de sempre. - Você sabe que vou pedir a você que transforme Eli – ela disse. Afinal, para que ela vivia? Por Eli. E se ele morresse. - Volto já – disse, virando-se para sair. - Por que esta fazendo isso? – ela perguntou. Ele não se virou de novo, apenas olhou para ele por cima do ombro, como se ela estivesse sendo irritante. - Não sei por que ele é tão leal a você. Ele não a ama da maneira que me ama. - Mas me ama – ela disse, ao se dar conta. – É por isso... Ele se virou e olhou para ela. A aparência dele era a coisa mais assustadora que ela já tinha visto. Ela deu mais um passo para trás, e mais um. Bateu na parede. Ele ergueu o queixo, abriu a porta e saiu. Ela caminhou de um lado a outro. Pensou em beber cloro. Pensou em quebrar os cabos de vassoura e esfregões para fazer uma estaca de madeira. Só conseguiu quebrar um deles. Ela caiu de joelho e rezou. Tire-nos daqui, Tire-nos daqui, Deus, Venha... A porta foi aberta e Sean entrou, sorrindo como alguém que, finalmente havia conseguido o que queria. Ele tinha um ar triunfante. Parecia maior. E mais malvado. Pronto para matá-la. - Eli vai ser transformado – ele disse. – Pensamos da mesma maneira. Fizemos a mesma escolha. Ela se remexeu. Ele não ia ser transformado. - E você será a primeira refeição dele. Já viu um vampiro recém-transformado? Eles só querem sugar sangue. É só o que querem fazer. - Você está mentindo – ela disse. – Eli nunca... Mas Eli faria aquilo. Ele não tinha nem mesmo perguntado se ela queria sair da casa dos pais dele para ajudar a procurar por Sean. Ele a colocara em perigo por Sean. Ela não a amava como amava a Sean. Os namorados faziam coisas diferentes do que os amigos. - Se você precisa se sentir melhor, saiba que ele detesta isso. – Sean disse a ela. - Ele vai odiar você por abrigá-lo a fazer isso – ela disse. – Nunca vai perdoá-lo. – Ela estava conversando com um vampiro. Com um vampiro que ia matá-la. Com um vampiro gay que ia transformar Eli em um vampiro gay. Ela começou a perceber a realidade desaparecer. Aquilo não estava acontecendo. - Vou pegá-lo agora – ele disse, esboçando um sorriso. Ela ficou tão impassiva quanto o esfregão que não podia transformar em estaca de vampiro. Seu coração ficou acelerado e ela não tinha idéia de como estava conseguindo escutar as batidas, porque estava Na porta Na porta Na porta Gritando e batendo, implorando para sair. A Sra. Howison ia mudar de idéia e proteger toas as pessoas da quadra e ia salvá-la.

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Sean ia abria a porá e ia abraçá-la, e diria que tinha sido tão cruel porque na verdade amava a ela, não a Eli. Que havia fingido amar Eli para poder ficar perto dela. E que não mataria nenhum deles se Jilly não quisesse. Sean ia dizer a ela que sentia muito, que os dois poderiam ser transformados e eles poderiam continuar como estavam, como um trio, só que mais legal, como Dorothy, o Homem de Lata e o Espantalho. Sean ia ver algum outro cara interessante enquanto voltava para onde Eli estava e se apaixonaria por ele, resolveria transformá-lo e iria embora. Eli ia escapar e encontrá-la, e eles poderiam sair de Nova York juntos. Ela bateu na porta enquanto se lembrava da noite em que Eli havia confessado ter encontrado outra pessoa... um cara... outra pessoa... e ele havia chorado porque não queria ferir, sua melhor amiga. - Para sempre vou amá-la totalmente, prometo – ele dissera. A porta se abriu e ela se afastou o mais rápido que pôde. Seu cotovelo resvalou em um frasco de cloro. Jogue isso neles. Faça alguma coisa. Salve-se. Sean e Eli ficaram parados, um ao lado do outro. Sean estava abraçando Eli; estava com sua capa de chuva. Eli, até onde Jilly acreditava, continuava sendo um ser humano. Estava com a franja sobre os olhos. Ele estava olhando para o chão, como se não suportasse encará-la. - Não – ela sussurrou. Mas devia ter sido sim, ele devia ter pedido a Sean que o transformasse. Sean ia transformá-lo e então ia matá-la. Ela fiou decepcionada. Estava prestes a enlouquecer totalmente, de novo. Sean deu um passo em sua direção. – Se você se sentir um pouco melhor, saiba que vai doer quando eu transformá-lo – ele prometeu. Parecia bizarramente sincero. Ele fechou a porta. Os três ficaram dentro do espaço apertado. Ela estava a poucos metros deles. Sean colocou as duas mãos nos ombros de Eli e o virou de frente para ele. Lagrimas rolavam pelo rosto de Eli. Parecia muito jovem e assustado. Sean jogou a cabeça para trás e chiou. Presas surgiram em sua boca. E Eli enfiou a mão no bolso de sua capa, tirando dali uma ripa pontuda de madeira... - Sim! Ele olhou para Jilly... - Sim! E quando Sean estava se preparando para afundar as presas no pescoço de Eli, Jilly bateu em Sean com o máximo de força. Ele deve ter percebido, deve ter adivinhado... mas Eli enfiou a estaca nele, bem no meio de seu coração sem batimentos. Sean olhou para Jilly e disse, engasgado: Vaca – com a boca cheia de seu próprio sangue... e então caiu no chão como um saco de lixo, inerte, inofensivo. E então Eli a abraçou. E beijou. Beijou. Eles se abraçaram ao lado do vampiro morto. E Eli se laçou sobre Sean, abraçando-o, beijando-o. - Meu Deus, Sean – ele disse. – Meu Deus, meu Deus. – Jilly – ele esticou o braço na direção dela. Ela segurou a mão dele, abraçando-o enquanto ele começava a chorar. Quando ele já tinha chorado muito, ele tentou levantar-se, pensando em procurar mais vampiros, para ver como estavam a Sra. Howison e os outros, mas ele a segurou com força e ela não conseguia afastar-se. Ele também abraçava Sean com força. – Não acredito. Ele era muito cruel – a voz de Eli estava rouco por causa de todos os soluços. - Eu sei – ela disse. – Ele sempre foi... - Este não era Sean. Ao ser transformado, o vampirismo toma conta de você e rouba a sua alma. – Eli disse. – Você não está aqui. Você se foi.

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Lagrimas se acumularam na ponto do nariz dele. - Sean amava você, Jilly. Ele me dizia isso um milhão de vezes todos os dias. Ele era muito feliz por você ser mina melhor amiga. Ela começou a dizer: - Não, ele me odiava -, mas de repente se deu conta: aquele seria seu modo de lidar com a situação. Ele ia acreditar a partir daquele momento que o Sean que, ele conhecia e amava, nunca faria com que ele matasse sua melhor amiga. Ela pousou a mão no topo de sua cabeça e pensou na tapeçaria dos Judeus em Masada na sala de estar de seus pais. Tinha sido um marco na historia judia, quando soldados judeus encurralados escolheu saltar de um precipício em vez de se submeter ao domínio romano. O Sr. Stein falava sobre isso de vez em quando, e, às vezes, Jilly tentava entender se ele estava dizendo que Eli tinha de assumir a própria vida em vez de simplesmente ser gay. Contudo, ela não conseguia acreditar naquilo, nem ao menos suspeitar. A rigidez do mundo adulto era o que a tornara maluca. A insanidade inacreditável do Sr. Stein, que condenara o próprio filho simplesmente porque este não podia se tornar um soldado judeu heterossexual e enfrentar o pecado do deseja impróprio. Pelo menos era isso o que seu terapeuta havia lhe dito. - Você é brilhante, e você é... muito – disse Dr. Robles, seu salvador. – As pessoas não mudam, Jilly. Apenas veem as coisas de um modo diferente do que viam antes, e reagem de acordo com o modo que são. Tudo é uma questão de contexto. Realidade. É. Contexto. O Dr. Robles a salvara porque não tentara mudá-la. E então ela nunca tentara mudar Eli. Seu amor não era maluco. Ela o amava. Não precisava entristecê-la. Não precisava fazer nada além de estar ali. Existir. Então ela disse: - Sean o amava muito. – Porque era isso que o confortaria. - Obrigada – ele sussurrou. – Ele também amava você. E eu amo você, Jilly. – Ele olhou para ela, arrasado... o menino a quem ela beijara na oitava série, um milhão de vezes, quase até fazer os lábios sangrarem. - E eu amo você – ela respondeu. – Amo você mais do que a minha vida. Sempre amei. – Não havia problema em dizer aquilo agora. As pessoas não mudavam e o amor também não mudava. No que dizia respeito a Eli, não havia contexto. - Obrigado – ele disse. Nada de embaraço, nada de desculpas; o amor deles era como era. Sozinhos em um quarto apertado, com um vampiro morto, escondendo-se na escola porque o restante da cidade estava tomada por vampiros... Ela encostou a cabeça no ombro dele, e ele entrelaçou os dedos nos dela. - Feliz aniversario, feliz 16 anos – ele sussurrou. – Minha menininha Jilly. - Obrigado – disse. Aquele era o melhor presente de todos. Depois de um tempo, eles abriram a porta. O sol estava ali e, por um instante, ela pensou ter escutado um barulho. E então percebeu que era o celular de Eli.

Bipbipbipbip. Aqui é Deus, Jilly. Estou de volta ao trabalho. Amém.

*****FIM*****

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Farra

Rachel Vincent - Preciso cantar – Andi rosqueou a tampa no frasco de esmalte vermelho-escuro. – Você vem comigo? – Seu tom de voz era suave, vazio, mesmo que sem intenção, mas escutei o desespero por trás dele. A fome que fazia doer. Ninguém conseguia escutar Andi como eu a escutava. Fiquei parada, olhando para a contracapa do novo CD da banda Disturbed sem vê-la de verdade. – Andi... – Depois de eu ter quase sido pisoteada da última vez, ela disse que não mais teria de acompanhá-la. Jurou que não pediria. - Eu preciso muito disso, Mallory. – Com os olhos azuis implorando para mim, ela se deitou de bruços no colchão, tomando o cuidado de não raspar as unhas vermelhas ainda molhadas na roupa de cama. – Veja. – Ela tirou os cabelos compridos e escuros do rosto e passou um dedo embaixo do olho esquerdo. – Estão horríveis estas bolsas, e minhas mãos estavam tremendo enquanto eu fechava meu caixa ontem à noite. E viu como meu cabelo está ruim? Estou um lixo. Sinto isso. Você sabia que uma sirena (Na mitologia grega, uma sirena, assim como as sereias, seduz os humanos com seu canto levando-os à destruição.), pode morrer de fome com o silêncio? É verdade. E não adianta falar. Também não vai resolver ficar no meio de um corredor escolar lotado, escutando segredos, mentiras e o caos geral. Uma sirena sofre com seu próprio silencio, quando demora muito tempo entre os momentos de refeição. Apesar de adorar a voz dela, naquele momento eu teria agradecido se não tivesse de escutar Andi. - Não está um lixo. Simplesmente você detesta matemática, e passou tempo demais acordada ontem à noite. – E o cabelo dela estava impecável, como sempre. Grosso e ondulado, com um brilho nada natural. Ela virou os olhos: - Você parece o Ty falando. Por mais que eu adorasse Andi – e somos inseparáveis desde o primeiro dia da quinta série – sinto pena do irmão dela. Ser a melhor amiga dela era praticamente um trabalho em período integral, por isso só imaginava como devia ser difícil para um cara de 22 anos tentar ficar ao lado de uma sirena de 16. Principalmente levando em conta como Ty era sociável e discreto. Às vezes eu tentava entender como podiam ser filhos da mesma mãe. Não existem sirenas do sexo masculino, e uma vez que o pai de Ty era um ser humano, Ty também o era. Andi era um sirena, assim como sua mãe, mas não sabíamos quem ou o que seu pai era. Sua mãe nunca havia sentido vontade de ir além do comum: - “Você está melhor sem ele”. Aparentemente, ela estava melhor sem uma mãe também, porque quando tínhamos 13 anos e o apetite de sirena de Andi começou a tomar força, sua mãe a deixara no apartamento de Ty, e nenhum deles teve noticias dela desde então. - Olha, não vai ser como da última vez, eu juro. – Andi prendeu uma mecha brilhosa de cabelo atrás de uma orelha. – Tenho me voltado ao meu dever. A separar uma pessoa de um milhão. Vai ser diferente dessa vez. Coloquei o cesto de CDs embaixo de seu criado-mudo e sentei com as penas cruzadas no tapete, franzindo a testa. – Ty não disse que a levaria para passear neste fim de semana? - Sim, mas ele disse a mesma coisa no fim de semana passado. Ele não consegue entender. Mesmo que se lembre, vai acabar indo para um lugar bem ruim, como um show de talentos bem chato. Quase toda a platéia é formada por idosos, todos usando bandanas como se fosse o último grito da moda.

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Virei os olhos. – Se estivesse de fato um lixo, não acho que você seria tão seletiva. – Ela tinha de se alimentar para sobreviver. Eu compreendia isso. Mas era possível que ela já estivesse com fome de novo? Andi deu de ombros. – Eu me sinto culpada ao me alimentar de idosos; eles estão perto da morte. Além disso, seriam necessárias três senhoras para igualar a energia de um rapaz de dezoito anos. – Seus olhos brilharam de emoção, e seu sorriso foi contagiante. Mas só porque meus hematomas haviam desaparecido não significava que eu havia esquecido deles. – Da última vez, um idiota me jogou em uma porta de vidro giratória para tentar chegar mais perto de você. Não estou pronta para enfrentar outra multidão se você se empolgar de novo. Ela franziu o cenho. – Eu já disse, tenho treinado. – Eu não respondi, então ela se sentou na cama, cruzando os braços. – Estou faminta, Mallory. Vou com você, se tiver de ir, mas seria bom ter um substituto. Por isso eu sempre estava com ela: para impedir que Andi fizesse mais amizades. Ou ganhasse fãs. Meu trabalho era interferir e afastá-la quando ela já tivesse feito o bastante, antes de poder transformar qualquer um dos ouvintes – ou seja, o energético humano – em viciado desesperado ou futuro paciente psiquiátrico. Esse momento costumava ocorrer entre as últimas notas da canção favorita da multidão e as primeiras notas da própria melodia de Andi. Quando uma sirena começa a contar as próprias letras, está na hora de partir. Ou pelo menos colocar protetores auriculares em todos os seres humanos. Sou especialista boa para ajudá-la porque a canção de uma sirena não consegue hipnotizar a maioria dos não-humanos. Sou uma fada, por isso a cantoria de Andi não causa nenhum efeito em mim. Bem, isso não é verdade. Sua cantoria me deixa encantada. A beleza de sua voz faz com que eu sinta desejo e morra de inveja ao mesmo tempo. Contudo, não queima meu cérebro, não sobrecarrega meus circuitos ou qualquer outra coisa que ela faça para deixar os seres humanos loucos de amor por ela enquanto lentamente suga a energia deles. Andi não pode se alimentar de mim e não sou hipnotizada por ela. Sou a única pessoa em quem pode confiar para ajudá-la a deter essas coisas antes que a situação fuja do controle. Somos um par perfeito. Irmãs de verdade, mas diferentes. - Além disso, você sabe que quer sair daqui. – Ela estava sorrindo de novo e eu desejei ser tão imune a seu sorriso quanto era à sua voz. – Caso contrário, teremos uma bacia de pipoca, uma festa a noite toda e uma pizza perto da meia-noite, se estivermos com ânimo para aventuras. Bem, ela tinha razão. O verão estava na metade e não havíamos feito nada de interessante além de servir fast food por preço baixo. Minha mãe voltaria em poucos dias – e nossa brincadeira de um mês terminaria. Andi entendeu qual tinha sido minha decisão ao olhar em meus olhos e já estava sorrindo antes de eu falar: - Acredito que podemos fazer uma última comemoração.

*************** Eu não sabia onde Andi havia escutado falar sobre a festa. Talvez por meio de alguma pessoa de seu trabalho. Talvez com alguém na rua. Talvez por meio de alguma pessoa de seu trabalho. Talvez com alguém na rua. Talvez por meio de algum sistema de organização de festas em sua imaginação. Tudo que sei é que sempre existe alguma coisa acontecendo em algum lugar, e Andi sempre sabe como chegar lá, mesmo que tenhamos de atravessar metade do Texas de carro. Essa é a primeira regra de sobrevivência: nunca comer onde se mora, e nunca entrar no mesmo local duas vezes. Em determinado momento, alguém vai perceber se as pessoas sempre ficam mal quando cantam para elas, principalmente se não houver ressaca para culpar na manhã seguinte. A desculpa da comida envenenada só funciona uma vez. - Então, esta é uma festa particular? – perguntei quando Andi saiu da estrada e entrou em uma outra bem estreita e bem pavimentada, que ficava a uma hora de nossa cidade distante e sem nada. – Qual é o plano? Vai subir na mesa e começar a fazer um show?

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Andi riu e acelerou um pouco mais enquanto sua excitação aumentava. – Não, mas isso pode funcionar se eu ficar desesperada. Parece que vai ser realizado um campeonato de bandas de rock. Desci o espelho lateral do lado do passageiro e retoquei o batom. Eu não era linda como uma sirena; para mim, ser bonita exigia esforço. – Banda de rock? De verdade?

Mesmo que nunca tivesse admitido na escola, Andi era muito boa com a guitarra; tocava com seu irmão para ganhar dinheiro quando o salário acabava. Ty não a deixava cantar, é claro, por isso eles disputavam: ela tocava a guitarra e ele tocava bateria e ela tocava muito melhor do que ele na maioria das vezes, apesar de ambos serem experientes. Entretanto, ela era impecável com o microfone. - Acho que é ali, à esquerda. Esta pronta? Eu assenti e ela parou ao final de uma fila de carros em uma rua residencial escura, com seus olhos brilhantes reluzindo sob a luz de um poste. Quando eu saí do carro, consegui escutar um som que vinha de uma casa mais adiante: uma batida pesada com riff irado de guitarra e letras em destaque. O relógio no painel mostrava que já passava das onze, mas parecia bem mais cedo e de repente vi muitas possibilidades, apesar de não ter me alimentado. Eram poucas as chances de eu encontrar uma refeição satisfatória em alguma festa qualquer – minhas habilidades eram mais difíceis de definir, meu apetite muito mais difícil de satisfazer do que o de Andi. Mas eu estava animada como ela. Estar com ela era emocionante. Mesmo quando não estava cantando, demonstrava confiança e exalava carisma. As pessoas queriam agradá-la, e eu não era diferente. Enquanto caminhávamos pela calçada em direção à casa bem iluminada da esquina, eu me sentia poderosa e bonita de braço dado com Andi. Eu tomaria alguns drinques e dançaria um pouco, e iria para o fundo da sala e controlaria o show enquanto ela se alimentasse. Então, nós duas ficaríamos sozinhas de novo, refazendo os passos de volta para casa. Andi não precisaria beber; estava motivada só pela ansiedade do momento, e depois de cantar estaria repleta de energia humana, mas fisicamente sóbria. Por que eu havia resistido, para começo de história? O plano parecia bom e nós estávamos lindas. Tudo ficaria bem. Melhor do que bem. Andi tocou a campainha. A metade direita da porta dupla foi aberta, e um rapaz vestindo uma camiseta de fraternidade surgiu. Ele tinha cabelos escuros, ombros largos e segurava um copo de plástico com cerveja. Seus olhos se arregalaram quando ele analisou Andi primeiro, e depois a mim. Deu um passo para o lado e fez um gesto para que entrássemos. - Não quer saber quem somos? – Andi perguntou enquanto passávamos por ele e eu podia jurar que ela já estava cantando um pouco. - Mais do que podem umaginar. – Ele fechou a porta e Andi olhou para ele como uma serpente prestes a dar o bote. - Sou Andi e esta é Mallory. Ele estreitou os olhos e mirou a porta fechada. - Quantos anos vocês tem? - Fiz 18 semana passada – Andi mentiu e fez um gesto de cabeça na minha direção. – O aniversario dela foi em abril. Essa informação era verdadeira, mas eu tinha completado 16 anos, não 18. Nosso anfitrião sorriu como uma hiena. – Meninas, meu nome é Rick e podem entrar na minha festa quando quiserem. – Rick nos guiou por uma sala grande repleta de pessoas dançando, rindo e bebendo, e entrou na cozinha. – O que querem beber? – Abrindo os braços, mostrou dois balcões com petiscos e bebidas. Andi pegou um refrigerante e deixei Rick servir uma cerveja para mim, então entramos no salão principal enquanto uma nova música começava. – Pra que esses brinquedos? – Andi perguntou, olhando para o jogo Rock Band deixado de lado. - Vamos fazer um campeonato. Quer tocar? Podemos colocá-la no grupo iniciante... – Rick nos levou ao jogo enquanto ela fingia pensar. Andi deu de ombros, como se não estivesse interessada. – Posso tentar a guitarra. E eu também canto um pouco.

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Eu quase esparramei cerveja nos dois. - Vamos começar assim que meu irmãozinho chegar aqui com a segunda bateria. Podemos fazer um duelo – Rick fez um gesto como se estivesse tocando os instrumentos. - Pode me inscrever? – Andi perguntou. Rick assentiu como uma boneca de cabeça mole, Andi e eu passamos por entre as pessoas que dançavam enquanto ele escrevia seu nome no fim de uma lista em um bloco amarelo de anotações. - Viu alguma coisa interessante? – perguntei enquanto Andi olhava pela sala como se estivesse olhando para um bufê em um restaurante. - Ele – Andi segurou meu braço. – Aquele com chapéu de caubói e botas, encostado na parede. Ele parece delicioso. Dei de ombros e terminei de beber minha cerveja, colocando o copo vazio sobre uma mesa de canto. – Dizem que a apresentação conta muito na culinária de requinte. - Exatamente. - Eu estava brincando. - Eu não. Enquanto observava o caubói com ansiedade, agradeci em silencio por não ter nascido sirena. Não morreria se não me alimentasse. Mas não viveria de verdade. Apesar de meu corpo estão alimentado, minha alma estava faminta. - Vejo você quando terminar? – Ela perguntou, olhando para sua refeição dos desejos como um tigre olha para a carne crua. Ela já tinha se esquecido de que eu estava ali, mas só porque sabia que podia confiar em mim para impedi-la antes que pudesse sugar o pobre cara como um tipo de vampiro místico. Nosso sistema era testado e aprovado, apesar de ser um pouco estranho. Eu ganhava uma noite de balada, algumas bebidas e uma motorista particular. Ela ganhava uma pessoa que a impedia de matar a todos no salão se ela se empolgasse. O que não estava fora das possibilidades. Não havia limite para a quantidade que uma sirena era capaz de beber, nem para o tempo ela conseguia viver com o resultado. Mesmo depois de tomar o que queria, não se sentia muito cheia nem mesmo agradavelmente cheia. A única coisa que impedia uma sirena de se fartar era o autocontrole. Infelizmente, Andi não tinha muito autocontrole, ainda. - Ficarei aqui... – eu disse, mas Andi já estava no meio do salão. Podia estar no meio da galáxia. Ela mal havia acabado de dizer “olá” para o picolé ambulante quando a porta da entrada à nossa esquerda se abriu e surgiu um homem alto e magro com a barba por fazer e baquetas de plástico embaixo do braço, puxando o pedal amarrado a seus pés. A platéia começou a aplaudir, gritando “Evan!” sem parar. Rick pegou as baquetas de seu irmão e outra pessoa entregou uma cerveja a Evan. Andi e sua presa seguiram Rick até o canto do salão, onde ela ajudou a fixar tomadas e a ajustar o som enquanto as pessoas se juntaram ao redor deles. Aquilo era, evidentemente, o normal entre as pessoas da região: embebedar-se e tocar musicas de verdade com instrumentos falsos com duzentos de seus amigos mais próximos. E eles tinham aceitado Andi como um deles. Era meio assustador. Isso acontecia em todos os lugares aonde íamos. - Parece que você precisa beber alguma coisa. Eu me mexi e me virei para encontrar Evan – aquele das baquetas de plástico – que estava recostado na parede a minha esquerda. Procurei sorrir e ele ofereceu a mim um copo de plástico transparente cheio até a metade com gelo e refrigerante, mas pelo cheiro suspeitei de que ele estava me oferecendo algo mais forte do que coca-cola. Eu não fazia idéia do que mais havia naquele copo, mas bebi. Independentemente do que aquele predador ser humano estivesse tentando obter com aquele álcool barato e sorriso fácil, Andi era a presença mais perigosa no salão, e eu era imune ao veneno dela – por mais que eu sofresse viajando em suas musicas e esquecesse de todo o resto. - Obrigada. – Tomei um gole comprido e a vodca ruim ardeu ao descer por minha garganta. A bebida que pagávamos de Ty era muito mais suave, entretanto, levando em consideração que eu era menor de idade e estava de penetra na festa de alguém, tomaria o que me dessem.

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Evan assentiu e bebeu de seu copo, olhando pra o salão repleto de corpos em movimento como se nós nos conhecêssemos bem o suficiente para ficarmos à vontade com aquele silencio. O segundo gole desceu com mais facilidade, por isso tomei o terceiro. O segredo era beber o suficiente para que eu não detestasse Andi quando ela começasse a cantar – desperdiçando um talento incomensurável em um salão repleto de seres humanos que não sabiam valorizá-la de verdade – mas não tanto a ponto de não poder detê-la antes de sua melodia se tornar perigosa demos para os frágeis malucos. Geralmente, duas bebidas bastavam, mas, enquanto eu observava Andi rindo com seu caubói e enquanto ajudava Rick a ajustar a alça da guitarra no ombro, senti a inveja subindo por minha espinha. Dois drinques não resolveriam dessa vez. Dois não chegariam nem perto de resolver a situação. Porque, independente do que ela dizia, Andi não precisava de mim tanto quando precisava do caubói. Sozinhas, nós nunca bastaríamos uma para a outra. Tomei todo o liquido, fazendo uma careta, e Evan riu alto. – Você não é nova nisso, é? Em vez de responder, entreguei a ele meu copo vazio. Ele colocou seu copo sobre uma mesa de canto próxima, sobre a qual uma garrafa de vodca estava ao lado de duas latas de coca-cola suadas. – Eu não trouxe gelo, mas o refrigerante está gelado. – Ele abriu a primeira latinha e encheu meu copo pela metade. - Vou tomar do jeito que vier – eu disse e então corei ao perceber o que tinha dito. O riso de Andi preencheu o salão enquanto ele me servia a bebida, e eu virei a garrafa, servindo-me de uma dose mais forte de paciência e tolerância liquida. Ia precisar muito de ambas. Contudo, como sempre, quando Andi começou a cantar alguns minutos depois, eu me esqueci de quanto estava irritada. Da inveja e... esqueci. Eu me envolvi na música. Na beleza da melodia, na poesia das letras. No formato perfeito de seus lábios enquanto ela formava cada palavra. O guitarrista era ruim e o “percussionista” parecia estar tentando dominar a bateria, mas Andi era impecável. Excelente. No meio da primeira canção, as pessoas pararam de dançar para escutar. Para escutá-la. Ela cantava Bring me to life melhor do que AmyLee. De modo mais claro, de modo mais limpo. Mais visceral. E quando a canção seguinte começou, ela mudou, sem esforço, para uma música country sobre uma esposa se vingando de um marido que a agredia. - Você gosta de música? – Evan perguntou e eu me forcei a prestar atenção nele. Como um peixe gosta de água. – Parece que todo mundo gosta. – Todas as pessoas olhavam para Andi. O restante da banda falsa praticamente ficou em segundo plano. Ela podia ter feito tudo sozinha. Quando Pat Benatar estreou sua infame Hearbreaker – Andi devia ter escolhido o repertório -, Evan estava calado ao meu lado, bebericando seu primeiro drinque de modo distraído, tamborilando os dedos na parede atrás dele. As pessoas voltaram a dançar, com algumas pessoas cantando junto, mas Andi não via nenhuma delas. Ela observava seu jantar como se ele fosse o único do planeta, e ele olhava para ela como se ela tivesse inventado o sexo e prometido deixá-lo ser o primeiro a experimentar. Ela não ia dormir com ele. Conseguiria satisfazer um tipo diferente de desejo e quando terminasse, ele não conseguiria ficar em pé. Qualquer coisa mais complicada do que isso seria impossível durante os próximos dias, até ele retomar um pouco de energia. Mas continuaria vivo. Andi tinha de se alimentar para não vagar à toa e ela considerava mais humano morder um pouco de cada pessoa diferente todos os meses, mais ou menos, do que esgotar um pobre coitado inteiro a cada dois anos. Adorava cantar para eles – era uma sirena, afinal -, mas não era assassina. - Ela é muito boa. – Evan apontou para Andi com o copo vazio. - Sim, e ela sabe disso. Ele ergueu as sobrancelhas de modo surpreso, e percebi que não sabia que havíamos chegado juntas. – Você também canta?

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Eu fiz uma careta, e senti uma dor de cabeça forte, de modo tão profundo que ninguém perceberia. Ninguém poderia saber da minha dor. Exceto Andi. Ela sabia, mas não podia resolver isso. - Não, sou total e completamente sem talentos. – Forcei uma risada, como se não me importasse que aquela musica linda estivesse tão além de minhas capacidades a ponto de eu não conseguir nem mesmo ver a arte de onde eu estava. – Sou apenas uma espectadora. – Uma espectadora desesperada e faminta. - Oh, todo mundo tem um talento – Evan insistiu, dando as costas para Andi para ficar de frente para mim. Então, estava olhando para mim e não para Andi, e isso me deixou intrigada, por isso respondi em vez de encerrar uma discussão que eu normalmente não faria. - Não, não sou boa em nada que exija criatividade. O talento não está... em meu sangue. – Eu nunca havia dito coisa mais verdadeira, mas o sorriso dele indicava que achava que eu estava sendo modesta. Ou tentando prolongar a conversa. - Oh, aposto que podemos encontrar algo em que você seja boa... - Bem, tenho meus momentos. – Mas não envolvem instrumentos, tinta, canetas, câmeras, argila nem mesmo papel maché. O sorriso de Evan ficou ainda maior e seu olhar teria sido capaz de acionar o alarme de incêndio. – Talvez você precise de um pouco de ajuda para encontrar seus talentos escondidos. - Talvez sim... – Espere. Respirei profundamente para limpar a mente e franzi o cenho para ele. É melhor ser prevenida. – Você não canta, não é? Nem toca. - Não. – Ele colocou o copo vazio em uma estante a sua esquerda. – Essas guitarras de plástico me detestam e não sou um vocalista muito bom. – Senti-me aliviada e sorri mais. - Ótimo. Você quer... Mas quando as três canções de Andi terminaram, a multidão começou a aplaudir. Eu me virei e a vi procurando em uma lista de canções na enorme TV de tela plana e quase engasguei de surpresa. Seus olhos estava brilhando – na verdade pulsavam com a luz – apesar de eu ser a única pessoa a quem ela podia ver. Assustada, fiquei na ponta dos pés procurando na multidão de rostos pelo meu jantar, mas ele não estava na parte da frente da platéia. Nem na parte de trás. Ele estava sentado sozinho em um sofá perto da parede, suado e pálido, ainda absorvendo Andi como se não conseguisse tirar os olhos de cima dela. Estava totalmente surpresa e já sofria, apesar de não parecer perceber.

- Hum... pode esperar um pouco? – perguntei a Evan, e então saí antes que ele pudesse responder, indo para a parte da frente da multidão. Ela já tinha passado pela linha de segurança, e eu estava ocupada demais paquerando para notar. Pelo menos ela não havia trocado a banda por uma carreira solo ainda. É ai que começa o problema de verdade. - Certo, este é um desafio de apenas um vocalista. – A voz cristalina de Andi continuava sem problema sem o microfone e resmunguei alto. – Vou deixar esses caras fazerem um intervalo por um minuto e vou cantar uma de minha músicas favoritas – ela disse, sorrindo para a banda de mentira. Porque aquela era sua apresentação. Droga! Ela já estava voando muito alto para descer sozinha. Andi cantava alto demais e depois de algumas notas a partir das notas de abertura cantava o que queria sem perceber. Quando isso começava, não terminava bem. Na parte da frente da platéia, eu gesticulava sem parar para chamar sua atenção, e só vi uma Andi sorrindo, ereta com dentes brancos e hipnóticos, brilhantes. – Andi, você dominou o microfone o suficiente por uma noite – disse, tentando ignorar os olhares que se viraram para mim. – Dê a outra pessoa a chance de cantar. - Quer uma chance? – Evan perguntou dos fundos do salão e eu podia ter morrido bem ali. Mas Andi apenas riu, e a multidão riu com ela. Não foi um bom sinal. Ela estava afetando a maioria deles, e não apenas seu petisco. – Mallory não sabe cantar! – ela gritou, e então piscou para mim como se tivesse acabado de me fazer um favor. Ela havia me salvado de meus fãs novos e superleais e sua adoração extrema. - Andi... – Eu comecei, mas ela tirou minha mão de seu braço. - Só mais uma música, Mal. Sei o que estou fazendo.

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Mas ela não tinha idéia do que estava fazendo. Estava embriagada de energia de ser humano, porque eu havia permitido que fosse longe demais. O que acontecia ao se concentrar em um membro da platéia? E quanto a todo o controle milagroso que ela havia obtido? Andi apertou um botão no controle sem fio de PlayStation e então o trocou pelo microfone enquanto a música saía das caixas de som de todo o salão. Ela balançou no ritmo e a platéia balançou com ela. Olhei ao redor desesperadamente, procurando por uma tomada para arrancar da parede ou por uma caixa acústica para desligar, mas isso não deteria Andi. Ela era demais na cappella. Se a platéia estivesse fora de órbita, não perceberia a música que faltava. Eu precisava de alguma coisa que chamasse a atenção deles, porque sem isso Andi não cantaria. Não havia motivo. Pensei em bater na enorme TV por “acidente”, mas era uma TV de tela de plasma – cara demais para ser substituída. As caixas de som, talvez? Não. Não tinha certeza de que tirar uma delas seria o suficiente para deter Andi. Então percebi o P3 fazendo barulho em uma estante sob uma televisão. Perfeito. Uma estante cara, mas não representava um ano virando hambúrgueres e salgando batatas fritas. Olhei ao redor até ver uma bebida som dono sobre a mesa, então a peguei de modo casual, e Andi cantou as primeiras palavras da canção. Ela estava seguindo a letra certa naquele momento, mas isso logo mudaria. Sabia por experiência própria. Por isso, casualmente, me aproximei da estante e sem querer querendo tropecei em um tapete. Eu me segurei com uma das mãos, mas derramei a cerveja de outra pessoa em cima do Playstation 3 ao fazer isso, cuidando para derramar líquido dentro de uma entrada para CD. A tela da TV falhou e ficou preta, enquanto o P3 fazia barulhos e soltava fumaça. Todos os olhas se viraram para mim e voz de Andi ecoou no silencio dolorido. Rick balançou a cabeça para afastar os pensamentos, e então correu, mas o rosto vermelho pelo álcool ou pela raiva. Ou as duas coisas. - Droga! - Sinto muito! – Eu me sentei de modo pouco firme, fingindo ter bebido mais do que bebera, ignorando os olhares que Andi lançava a mim quando o brilho de seus olhos lentamente se apagou. Ninguém a estava observando naquele momento. Ninguém estava escutando. Ela me detestava naquele momento, mas depois ficaria agradecida. - Você esta bem? – Uma mão forme me puxou por um dos braços, e eu me vi cara a cara com Evan, que parecia mais confuso do que preocupado. Ele havia me visto sair e provavelmente havia visto quando eu peguei a bebida de outra pessoa da mesa. Eu devia estar parecendo uma beberrona ou uma sabotadora. - Sim. Sinto muito. Só... perdi o equilíbrio. - Está arruinado – Rick resmungou e a multidão murmurou desapontada. Ele ergueu as mãos, decepcionado. Disfarcei a alegria pelo sucesso que secretamente zumbia dentro de mim e fiquei aliviada ao ver a raiva desaparecendo da expressão de Andi. Ela balançou a cabeça de novo, e voltou a se concentrar em mim, erguendo as sobrancelhas de modo questionador. Eu fiz que sim com a cabeça. Sim. Havia sabotado sua canção e arruinado o P3 de Rick. Tudo para salva-la. – Vou pagar por isso. – Eu disse discretamente enquanto Rick desligava sua máquina. Com o dinheiro de Andi. Tudo foi culpa dela. Ela podia pagar pelos danos. Rick ficou em pé com a máquina embaixo de um braço. – Vou esperar secar para ver o que acontece. Para poder inserir outro CD... – ele encontrou Evan olhando para ele e esboçou um leve sorriso. – Ou posso colocar meu irmão no lugar. - Evan! – alguém gritou da multidão e diversas vozes repetiram o pedido. Então alguém chegou carregando um violão. Evan revirou os olhos como se pretendesse recusar, mas pegou o violão sem hesitar, e eu não pude deixar de ver como seus olhos se acenderam. Era um brilho humano, não tão intenso ou assustador como o de Andi, mas refletia um amor verdadeiro. - Não saia daqui – ele sussurrou, descendo a mão pelo meu braço. Vou tocar só duas.

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Sem palavras, concordei, mesmo quando Andi me arrastou na direção da porta. – Vamos – ela disse, olhando para mim e depois para Evan, e depois para mim de novo. Concordei novamente. Deveríamos ir enquanto ele estava afinando o instrumento, tocando notas individuais como os primeiros pingos de chuva em um campo tomado pela seca. Eu não devia correr o risco de escutar. Uma quase-catástrofe bastava naquela noite. Então ele começou a tocar de verdade e as notas não caiam como gotas numa poça. Elas fluíam, como rios de sons. Encheram meu coração vazio e ecoaram em minha alma oca. Eu sentia desejo por aquele som. Por aquelas notas. Pelas mãos que as tocavam como se não fosse difícil, quando eram tudo. Meu mundo inteiro. Eu parei, segurando o batente da porta ao sair da casa. Andi me puxou pelo outro braço, e eu mal conseguia sentir aquilo. Mal escutei quando ela sussurrou meu nome. – Quero escutar... – Murmurei, já envolvida pelo som. Então Evan começou a cantar e Andi simplesmente deixou de ter importância. A voz dele era rouca. Grave, como se o som pudesse ferir ao sair. Bebi para satisfazer uma sede desesperada, e nunca experimentei nada tão maravilhoso. Ele havia dito que não era um vocalista muito bom, mas estava errado. Ou então tinha mentido. A modéstia pura não podia ser motivo de tal eufemismo. A voz era emoção pura, áspera e linda. Senti vontade de tirar as roupas e rolar naquela voz. Envolver-me nela. Vesti-la, respirá-la, vivê-la. Sua canção me preenchia de modo total a ponto de, pela primeira vez na vida, eu compreender como era vazia antes. Como era tola e entediante. Não sabia fazer sons como aquele. Não conseguia formar notas com meus dedos ou minha garganta. Não tinha certeza de como, agora que o havia escutado, seria capaz de continuar vivendo sem seu som ao meu redor. Em mim. Cantando. Fazendo uma música linda e dolorosa, só pra mim. - Mallory! – Andi puxou meu braço com urgência de novo. - Só uma canção. – Eu a arrastei de volta à casa comigo. – Posso agüentar uma canção. E você me deve isso. – Ousei para de olhar para Evan tempo suficiente para olhar fixamente para Andi, de repente certa de que meus olhos brilhavam intensamente. Não podia forçar como uma fada, nem envolver como uma sirena, mas eu faria ou diria o que fosse preciso para chegar perto de Evan. Para escutar sua música. Eu precisava disso. Morreria se não pudesse fazer isso. Eu tinha certeza disso. - Uma canção. E então eu vou arrastar você daqui pelos cabelos, se precisar – ela disse. Andi estava nervosa. Porque outra pessoa estava cantando, chamando a atenção? Ou porque eu queria escutar outra pessoa cantando? - Tudo bem. – Mesmo sem saber o que ela havia dito depois. Eu não conseguia escutar a voz dela acima... Da voz de Evan. Não me lembro de ter voltado pela multidão. Não lembro de ter passado por pessoas, empurrando ou pisando em pés. Mas de repente eu estava ali, e ele estava sentado na minha frente em um banco de bateria, com um belo violão no colo. O instrumento cantava para ele como ele cantava para mim. Seus dedos escorregavam pelas casas e ele tocava as cordas sem prendê-las. Sua cabeça balançava de acordo com uma batida que havia criado do nada. Ao meu redor, as pessoas dançavam. Balançavam, se mexiam e prendiam umas às outras ao ritmo da melodia dolorosa dele. Eu queria dançar – precisava viver aquelas notas -, mas não queria arruinar a canção com minha falta de habilidade. Então Evan olhou para frente e me viu. Ele sorriu e seus olhos brilharam de novo, mais forte do que antes, e de repente eu me senti quente por dentro. Seus dedos passaram pelas cordas, e a melodia triste se aprofundou, amadureceu, ganhando foco e complexidade. Sua voz provocava novas palavras no ar entre nós. Eram as letras dele, mas também eram as minhas. Eu não podia tê-las cantado. Não podia nem mesmo tê-las escrito, mas ele as tirou de mim. Deu todas elas a mim. Elas eram nossas. De repente eu compreendi.

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Evan não era como os outros. Não era como o desenhista no centro de Dallas, nem como a garçonete que cantava no mês passado. Ele era mais do que uma fixação temporária. Mais do que uma canção que por uma noite abalaria minha alma. Evan era... Um gênio A palavra pareceu delicada demais, mas eu pensei nela em um pequeno suspiro não formado, sem acreditar. Seria possível? Era por causa disso que Andi havia insistido em sair? Ela não poderia ter sabido, é claro, mas não precisava. Não se aquilo fosse real, se tivesse de acontecer. Se eu estivesse certa, Evan e eu poderíamos dar um ao outro tudo o que sempre desejamos. Poderíamos fazer mágica juntos. Poderíamos fazer musica. Eu alimentaria seu talento e ele alimentaria minha alma. Ele teria a fama e a fortuna, e o reconhecimento da critica, e eu teria ele, se ele fosse realmente... Um gênio. Então eu poderia tê-lo, poderia amá-lo. E se tomasse muito, muito cuidado, poderíamos passar quase uma vida de ser humano juntos. Minha mãe, certa vez, beneficiou-se de um gênio por 36 anos. Eu fiquei parada, uma estátua em um salão repleto de movimento, assustada e perdida no som. Não conseguia mais pensar. Mal conseguia respirar. Só podia alcançar esse gênio como um gato faminto sobre uma tigela de leite. Assim, quando ele havia terminado suas ultimas notas, quando elas ficaram pesadas e sozinhas em meu coração, a escuridão fria tomou conta de novo e eu caí. Caí no chão em uma pilha de membros sem talento, dedos sem coordenação. E chorei por causa do vazio. - Mallory! – Andi sussurrou de modo decidido, tentando me colocar em pé antes que alguém percebesse. Mas eu não consegui me mexer. O silencio era pesado demais, e eu não consegui lutar contra ele. Como voltar à vida na escuridão depois de ser aquecida pela luz? Evan soltou o violão e se ajoelhou na minha frente. – O que aconteceu? - Isso foi... lindo – sussurrei, frustrada e humilhada pelo vocabulário inadequado e sem talento. Ele havia dado a mim o presente mais maravilhoso que experimentei, e eu podia nem mesmo dizer a ele como me sentia. - Obrigada. – Ele sorriu e me colocou em pé enquanto a musica nova serpenteava pelo salão de diversas caixas de som, fria e mecânica depois da vida que ele havia compartilhado conosco. – Nunca toquei dessa maneira antes. – Ele me afastou com delicadeza da multidão, com os olhos castanhos acesos por dentro, e eu o teria seguido a todas as partes. Mal consegui perceber Andi nos seguindo. – Acho que você é boa sorte. - Ótimo – Andi murmurou. – Mallory, temos de ir. - Fique para dançar uma música – Evan disse sem olhar para ela. Seus olhos estavam me procurando. Assim como suas mãos, seus lábios e suas canções. – Só cinco minutos. Eu queria. Desesperadamente. Mas eu só me humilharia e o envergonharia na frente de seus amigos. Por isso, comecei a balançar a cabeça de modo negativo, mas Andi se apressou rindo de modo estranho. - Mallory dança pior do que canta. Eu olhei para ela, e então meneei a cabeça como se pedisse desculpas a Evan. – Ela tem razão. Não sei dançar. Quando Evan riu, o som de sua risada foi melodioso. – Não estou pedindo uma valsa de primeira. Apenas uma dança lenta. – Antes que pudéssemos reclamar, ele se virou e apertou um botão no rádio, e as caixas de som foram silenciadas. A multidão começou a resmungar, mas então apertou mais um botão e uma canção lenta e sufocante entrou na sala. Os protestos se desfizeram. As primeiras notas foram apenas de baixo e da bateria, altivas, mas o ritmo trazia com ele imagens de noites úmidas e abafadas e poucas roupas. Noites quentes demais para tocar outra pessoa, mas nas quais o desejo existia da mesma maneira. Senti o calor passar do salão com ar condicionado, porque Evan me puxou para perto e suas mãos mágicas e musicais estavam sobre mim. Quando as palavras começaram, ele sussurrou em meu ouvido, tão baixo que ninguém mais conseguia escutar.

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Eu não sabia dançar. Nem um passo. Mas eu conseguia envolve-lo com meus braços e permitia que ele movesse a nós dois com a música. Guiando-me. Tocando em mim como tocava seu violão. Eu queria fazer musica para ele, mas não conseguia. Eu sabia dar arte, não fazer. Precisei de todos os esforços de autocontrole que possuía para não dar e ele aquela canção enquanto ele a murmurava. Para não moldá-la e transformá-la. Eu me forcei a acalmar meu desejo. Eu o enterrei na sensação das mãos dele em minhas costas, de seus lábios roçando em meu ouvido. Eu o sentiria da maneira normal, mesmo que fosse por alguns minutos. Tranqüila em seus braços, fechei meus olhos e quando finalmente os abri, vi Andi nos observando olhando para trás. Olhando para mim. Rick parou ao lado dela, com dois copos na mão, e ela o afastou sem nada dizer, e não parou de olhar para mim. Fechei meus olhos de novo, bloqueando-a, mas um minuto depois ela me afastou de Evan antes de as últimas notas desaparecerem ao nosso redor. – Temos de ir – ela disse, olhando para ele. – Preciso estar em casa antes de meu irmão sair do trabalho. - Pare com isso! – eu disse quando ela me puxou na direção da porta, mas ela não soltou, e eu não queria criar outra cena. - Você não o escutou? – sussurrei desesperadamente, tropeçando atrás dela. – Temos de ficar juntos. Ele é um gênio, Andi! O meu primeiro. - Você não está pronta – ela insistiu e bati no batente enquanto ela me levava à varanda. - Espere... – Evan nos seguiu até a porta, mas Andi não parou, por isso ele desceu correndo os degraus atrás de nós. - Como você sabe para o que estou preparada? Você é uma sirena. Engana pessoas. Não sabe nada sobre arte de verdade. Andi parou na calçada e se virou para mim, com os olhos furiosos. – Pode ficar louca da vida se quiser, mas você me salvou e agora estou salvando você. Se não entrar no maldito carro, juro que vou cantar para ele, que vai se esquecer de que um dia a conheceu. - Você é amarga e invejosa – eu disse, com lagrimas nos olhos. Por um momento, parecia que eu ia estapeá-la. Então sua expressão mudou e ficou séria. – Sou tudo que você tem. Entre no carro. - Qual é o seu nome? – Evan parou na calçada. – Posso...? Talvez possamos sair juntos um dia desses? - Acho que não – Andi disse me arrastando para o carro, e senti o coração apertado ao ver sua expressão triste. - Mallory Bennett – eu disse, e Andi me apertou ainda mais, até doer. Ela abriu a porta do passageiro e pressionou meus ombros até eu me sentar, e bateu a porta. Correu dando a volta no carro pela frente, sentou-se e ligou o motor antes de Evan alcançá-la. Enquanto saíamos em disparada da festa na qual ela quase havia matado e eu quase havia morrido, me virei em meu assento para ver Evan desaparecer na escuridão, lutando contra a sensação fria em meu peito. Eu não havia perguntado qual era o sobrenome dele.

************ Andi tentou me acordar antes de sair para trabalhar, mas eu não conseguia olhar para ela sem detestá-la. Por isso joguei os cobertores em cima do ombro e fiquei olhando para a parede. Ela se acomodou ao meu lado e afastou os cabelos de minha testa. Disse que sentia muito. Prometeu que viriam outros como Evan, depois, quando eu estivesse pronto para cuidar de um gênio de verdade. Contudo, minha disposição não era o problema. Ela não estava pronta para me dividir. Ao perceber que ainda me recusava a olhar para ela, ela se vestiu e antes de fechar a porta do quarto jurou que da próxima vez em que eu encontrasse gênio, ela não me atrapalharia. Iria me ajudar. Não escutei o que disse. Só escutava Evan na minha mente e no coração. Era um eco da apresentação ao vivo, mas era o bastante para afogar todo o resto.

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Passei a manha na cama de Andi, encolhida embaixo dos cobertores, mas, independentemente de quantos cobertores usasse, não conseguia me aquecer. Teria o calor de Evan me mostrando como eu era fria? Ou como eu estava mais fria por tê-lo perdido? O sol estava alto e brilhava quando meu telefone tocou, sinalizando a chegada de uma mensagem. Rolei na cama e olhei para o relógio. Onze e vinte e três. O dia já estava pela metade. Se conseguisse sobreviver a mais algumas horas, faria com que Andi me levasse para passear de novo. Em qualquer lugar barulhento o suficiente para bloquear o eco em minha mente. Ela me devia isso. O telefone tocou de novo com a chegada de outro e-mail. Mas Andi gostava de escrever... Procurei no criado-mudo, abri meu telefone e selecionei o último e-mail. O nome do remetente era Evan Taylor. Estava escrito: “Mallory, se este for seu numero, por favor, ligue para mim”. Havia um numero de telefone sob a assinatura. Meu coração quase doeu com suas batidas enquanto eu apertava as teclas e acelerou muito quando ele atendeu: - Alo? - Evan? Sou eu, Mallory. Como conseguiu meu e-mail? Ele suspirou e o som foi melódico. – Pelo Facebook. Que bom que você colocou uma foto ali. Há quatro Mallory Bennett na região central do Texas. - Eu... – não sabia o que dizer. Ele riu. – Você está ocupada? Quer fazer alguma coisa? Almoçar? Sim. – Não. – Apesar de estar com frio e desejar vê-lo, desejar sua música, durante o dia, com a canção de Evan sendo apenas uma lembrança, sabia que não devia fazer isso. Não sem Andi para me ajudar. Apesar de ela estar errada e de eu estar pronta para Evan, eu não estava pronta para ficar sozinha com ele. Pelo menos não por muito tempo. - Não? – Ele se mostrou tão surpreso, tão magoado, que senti meu peito doer. - Sim. – Fechei meus olhos, envergonhada da minha fraqueza. – Claro que sim. - Onde você esta? Posso buscá-la. Abri os olhos e vi bagunça no quarto de Andi. Não lavávamos roupas havia duas semanas, e eu não sabia nem mesmo onde Ty guardava o aspirador de pó. Então passei a ele o meu endereço. Minha mãe sempre limpava tudo antes de sair da cidade por que detestava voltar e encontrar a casa suja. - Chego em uma hora. Escutei a ligação ser encerrada e fechei o telefone, com o coração aos pulos. Voltei a abri-lo e enviar uma mensagem a Andi. Ela tinha de deixar seu telefone no armário enquanto estivesse trabalhando, para que tivéssemos pelo menos duas horas de privacidade antes que ela saísse do trabalho às três, em tempo para nos resgatar se alguma coisa desse errado. Precavida, afastei os cobertores, peguei a calça jeans que havia vestido no dia anterior e as minhas chaves. Oito minutos depois, entrei na garagem de minha própria casa e fui diretamente para o banho. Esperei por ele no sofá da sala de estar, olhando pela janela da frente. Uma hora e quatro minutos depois que tínhamos desligado, um sedan cinza-escuro parou na frente da casa. Corri para a porta e hesitei para controlar meu coração acelerado. Então abri a porta.

Evan estava na varanda, segurando seu violão. Ele sorriu e seus olhos castanhos brilharam à luz do sol. Dei um passo para trás para permitir que ele entrasse sem nada dizer. Posso fazer isso. Não precisamos cantar hoje. As coisas não ficariam ruins se eu não permitisse.

- Não consegui parar de pensar em você – ele sussurrou. Eu me recostei na porta fechada e ele se aproximou. – Sempre que fecho os olhos, eu vejo você. Sonhei com você.

- Que tipo de sonho? – perguntei, olhando para ele, e minha pulsação se transformou no nosso ritmo.

- Um sonho do melhor tipo. – Seu olhar ficou intenso. Ele me beijou e sua boca era quente. Fervente. Deliciosa. Ele me apertou contra a porta, e deu deixei, porque beijar não era perigoso. E era quase tão bom quanto eu queria. Era o motivo de sua vinda.

Quando coloquei as mãos em seu peito e as mãos dele subiram por meu cabelo, e ambos estávamos respirando de modo ofegante e desejando dois tipos diferentes de prazer, ele afastou os

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lábios dos meus, passando-os por coma de meu queixo em direção a minha orelha, onde seu hálito quente me fez sentir arrepios. – Quero tocar algo para você – ele sussurrou e eu voltei a me arrepiar.

- Agora? - Agora. Por favor. Só consegui concordar. Uma canção não faria mal algum, e se nós não abríssemos espaço para

um violão entre nós, eu acabaria cometendo um erro diferente. Eu o levei pelo corredor pela mão, e ele hesitou por um instante na entrada de meu quarto. Eu

me sentei na cama e ele na cadeira da escrivaninha, passando os dedos pelo tecido de sua calça jeans antes de chegarem ao estofado.

- Esta é nova – ele disse. – Quando eu estava tentando encontrá-la, não conseguia parar de pensar nessa música, e precisei de um tempo para perceber qual era.

- Qual é? – Eu mal conseguia respirar. - É a sua canção, Mallory. – Ele sorriu, e meu coração bateu com tanta força que doeu. – Mas

ainda estou melhorando a letra. Ele tinha razão. Temos de ficar juntos. Temos de criar juntos. Aquela canção era diferente da que ele havia tocado na noite anterior. Mais esperançosa, mas

igualmente apaixonada. Linda. Fresca e cativante. Era assim que ele me via? As notas soavam de modo claro, e eu quase conseguia sentir a voz de Evan envolvendo-me.

Ecoando dentro de mim. Preenchendo-me com um calor preciso. Então ele sentiu a canção mudar. Progredir. Eu estava observando seu rosto no momento em

que aquilo aconteceu. A principio era uma nota aqui e outra acolá. A segunda prolongada, a primeira rápida para dar ênfase. Profundidade. Depois vieram as notas frescas, dando um tom melancólico para o refrão lindamente simples. Depois vieram novas palavras. Os olhos dele se arregalaram enquanto saboreava a nova letra. Ele a testava. Então sorriu e fechou os olhos. Recostou-se na cadeira e continuou cantando. Continuou tocando. As notas fluíam entre nós, fazendo com que eu ficasse tentada. Provocando-me. Forcei meus olhos para que ficassem abertos. Se eu os fechasse, me perderia na música. Perderia a nós dois. Então eu o observei, deliciando-me. Reduzindo a apenas um fio de água a inundação que eu queria fazer acontecer. Ele não estava pronto para aquilo. Nem eu.

Quando aquela primeira canção terminou, soltou o violão e pegou um bloco branco de minha mesa e uma caneta de meu porta-canetas. Durante cinco intermináveis minutos rabiscou e meu coração bateu ao ritmo da caneta riscando o papel. Quando finalmente voltou a pegar o violão, seus olhos brilhavam, e ele suava apesar do ar condicionado.

Já basta, eu pensei, enquanto meu coração dizia o contrário. Nunca bastaria. Evan podia passar mais de uma década cantando para mim e eu nunca ficaria satisfeita. Nunca mais. Nós sempre desejaríamos mais.

- Esta com fome? – A comida sempre dá energia e distrairia nós dois. – Posso fazer alguns sanduiches – eu disse, apresar de aquele calor dentro de mim desaparecer um pouca a cada palavra. Eu segui para o corredor, forçando meus pés a se moverem quando, na verdade, eles queriam se rebelar, mas Evan me segurou pelo pulso.

Ele sorriu, mas seu olhar era intenso. – Eu me sinto bem como não me sentia havia meses, Mallory. Como se tivesse algo a dar. Algo a dizer. Deixe-me tocar para você. Por favor.

O que eu podia dizer diante daquilo? Ele queria tocar. E eu queria permitir. - Mais uma – eu disse e em silencio jurei a mesma coisa. Mais uma e vamos parar. Comeríamos ou assistiríamos TV, ou eu encontraria outra maneira

de mantê-lo ocupado, mesmo que para isso tivesse de trocar um apetite por outro. A canção seguinte era dolorosa, crua e exposta. Ele sangrava por meio de suas notas e eu quase

consegui ver suas cicatrizes. Seja lá quem ela fosse, ela o feria e eu quis matá-la. Arrancar o que ela tivesse a oferecer ao mundo e secá-la. Acabar com ela por tê-lo magoado.

Minha reação me assustou. Como eu podia estar tão ligada a ele em tão pouco tempo? Ele não parou para escrever depois daquela. Talvez não quisesse se lembrar. Talvez soubesse

que não podia esquecer. De qualquer modo, começou a canção seguinte antes que eu pudesse me levantar e eu não consegui me controlar. Era o remorso. Seu maior arrependimento aberto, e eu

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estava quase com vergonha de ver aquilo. Eu chorei com ele e então afastei as lagrimas quando a voz dele falhou, antes que elas pudessem cair nas cordas. A madeira vibrante.

Os beijos acalentadores se tornaram algo mais, algo mais profundo, mas de alguma forma me desejavam porque queria mostrar a mim quanto ele me queria – com uma nova canção. Tentei argumentar, apesar de querer a mesma coisa, mas os dedos tocaram as cordas mesmo enquanto nos beijávamos. E quando eu o puxei contra mim e afastei o violão, ele cantou sem ele. Nós encostamos na parede onde seu tom suave e rouco fluía de modo tão intenso quanto suas mãos. E eu não queria parar nenhum dos dois. Não sabia como nos deter. Eu estava perdida no som e ao senti-lo, e o elemento físico tornava o elemento musical muito mais difícil de resistir.

Quando ele parou para respirar, pegou o violão e me puxou para o chão com ele. Ficou sentado na minha frente. Com as costas pressionadas em meu peito para me manter mais perto, e a tentação me pressionava sem piedade. Vi minha força de vontade desaparecer. Olhei para o meu relógio e inspirei profundamente, com alívio. Duas e quarenta e cinco. Andi logo viria. Eu podia relaxar por um momento. Aproveitei mais uma canção antes de ela chegar. Evan cantou sobre um relacionamento falido. Sobre uma garota que o entendera e o amara, mas que se ressentia de suas necessidades. Eu havia dito a mim mesma que apenas escutaria daquela vez. Ficaria fora do processo. Mas as notas fluíam em minha mente até eu não mais conseguir me concentrar em outra coisa. Fiquei perdida nas palavras, perdida na emoção, e comecei a pegar pedaços dela sem perceber o que estava fazendo. E depois disso, esqueci de olhar para o relógio. Em seguida veio a raiva. As notas eram traços violentos de vermelho contra meus cílios. A melodia amarga marcou meu coração. Mas no meio do caminho pensei em algo. Alguma coisa não estava certa. Precisava... Fiquei em pé e corri para o corredor. O silêncio frio caía ao meu redor como cortinas escuras e Evan apareceu na porta enquanto eu estava ajoelhada na frente de um armário dos fundos. Ele apoiou-se com uma mão no batente, mas eu tentei me convencer de que ele estava pálido por causa da luz fraca. Ele estava bem. Não teria tocado tão bem se não estivesse. O que eu queria estava no fundo do armário, preso cuidadosamente em seu prendedor. Fiquei em pé e o ofereci a ele como sacrifício em um altar. Ele precisava daquilo para fazer sua música. Para acertar. Certamente, mais uma música não poderia fazer mal. Evan pegou o strad antigo e o observou enquanto eu me virava para dentro do armário para pegar um amplificador e os fios. Eu não podia tocar o violão. Minha mãe o reservava para casos especiais. Para verdadeiros...

Gênios. Evan era um caso especial. O meu primeiro. Eu sabia daquilo no fundo da alma. Ele tocou enquanto eu prendia os fios e o pedal, e seu sorriso era tão claro que quase não percebi as marcas ai redor de sua boca. As rugas em sua testa. As coisas ainda não estavam ruins. Ele só precisava descansar, depois de mais uma canção... Evan sabia exatamente o que fazer. O ronco e o grito da guitarra pintaram meu quarto com sua raiva, atacaram a dor e a fúria com tanta habilidade que eu não conseguia respirar. Em determinado momento, meu telefone tocou, e quando eu pensei em abri-lo, percebi que o sol estava do lado errado da casa. Andi estava atrasada, mas logo estaria ali. Tudo ficaria bem assim que ela chegasse. A qualquer minuto... Depois disso, as coisas ficaram estranhas. Minha mente estava tomada pelas melodias. O tempo quase perdeu seu sentido, e meu quarto começou a ficar embaçado ao meu redor. Apenas a música continuava concentrada. Evan tornou-se sua música e eu o conhecia por meio de suas canções. Cada nota, cada verso dava uma pontada em meu coração; cada riff rouco entrava em minha alma. Ele me mostrou o que queria e o que temia. O que amava e de que precisava. Eu aprendi tudo. Ele se entregou à música e a música se entregou a mim. Então, de repente, ele parou e só se escutou a respiração ofegante. O suspiro. Seu rosto ficou retorcido de dor, um reflexo amargo da pura emoção que ele despejava em sua música. Era a canção.

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Tinha de ser. A canção o feria, mas era melhor drenar a ferida, certo? Deixá-la sair, para que ele pudesse se curar. Parar seria a pior coisa para nós dois, não é? - O que é essa batida? – A guitarra estava presa em suas mãos, como se ele tivesse perdido a força para levantá-la assim que parou de tocar. Mas ele só havia feito algumas canções, certo? Balancei a cabeça em negativa, tentando afastar a névoa, mas as notas rodavam em meu crânio, afastando toda a lógica com uma beleza terrível e incomensurável. Eu franzi o cenho quando seu olhar sério se concentrou em mim. O seu rosto sempre tinha sido tão bonito? As batidas vieram de novo e alguém gritou meu nome sem parar. – Mallory, abra! – Andi. Olhei para o relógio. Nove e oito. Da noite? Não era de surpreender que estivesse escuro. Desci uma mão pelo braço de Evan enquanto ia para o corredor e, ao passar pelo espelho, vi que meus olhos estavam totalmente dilatados. O tom marrom em minha íris tinha sido engolido pelas minha pupilas, e o preto apareceu na teia de veias vermelhas. Droga. Não, eu não podia ter ido tão longe. Tudo ficaria bem. Andi cuidaria de tudo. Quando abri a porta, ela ficou surpresa, olhando em meus olhos. Então, passou por mim. – Deixei o telefone no carro e Carl me fez trabalhar até tarde. Estou telefonando para você há três horas. Passei em seu trabalho e no shopping. Que inferno, fui até a escola. - Eu disse onde estaria... – Minhas palavras saíram arrastadas e eu franzi o cenho, confusa. – Na mensagem? - Não, você só avisou que Evan ia visitá-la. Não disse onde estaria. Mallory, o que você fez? – Então, ela partiu na direção do corredor sem esperar pela minha resposta. - Fomos feitos um para o outro, Andi. Eu peguei o que ele tinha e transformei em mais e ele devolveu tudo a mim, e foi muito bom. Andi se virou para mim com o olhar estreito pela raiva. Encostou-se na parede segurando meus ombros e me manteve ali enquanto o mundo rodava, com as notas soltas no ar. - Você esta bêbada. – Ela demonstrou desgosto em sua voz, de modo amargo, mas, por baixo daquilo, existia a inveja. Eu escutei. Sei como as coisas são. Eu também sinto inveja. Eu me afogo nela. Mas não naquele momento. Naquele momento, eu estava tomada pela bela música, colada na arte pura e podia ficar sem ela. Por isso ela estava extremamente irritada. Naquele momento ela estava fria, com raiva e tinha sido esquecida. - Que droga, Mallory! – Ela me soltou e eu a segui para dentro de meu quarto. Sua expressão de medo invadiu o silêncio. Evan estava sentado, curvado, aos pés da cama, com as mãos magras segurando o violão. Suas veias estavam saltadas, delineando seu corpo. As maças de seu rosto pareciam ter aberto sua face, e seus olhos estavam afundados nos círculos escuros de carne ao redor deles. - Não! – Eu caí no chão ao lado dele e segurei seu rosto. – Evan? Diga alguma coisa. – Ele gemeu e eu me virei para Andi – Isto não é possível. Aconteceu muito rápido. Foram apenas algumas canções. - Você acha mesmo que foram algumas canções? – Ela quis saber, mexendo os dois braços para abranger o quarto todo. Chocada, fiquei em pé e olhei. Pela primeira vez em horas, olhei de verdade. Havia papéis por todos os lados. No chão. Sobre a mesa. Sobre a cama. Folhas soltas, cadernos, até post-its, tudo rabiscado com frases, palavras e notas tortas, como se o compositor tivesse enlouquecido. As lágrimas se acumularam em meus olhos quando olhei para Evan, mas mesmo por meio deles consegui ver o lápis no chão perto de sua mão direita. Estava muito pequeno. Quando ele as havia escrito? Eu não o havia deixado, mas não tinha visto o ato de escrever. Só me lembrava da música. Das notas alegres. Da melodia dolorosa. - Ele está morrendo. – Andi sussurrou, esfregando as palmas nas laterais de sua calça jeans, como se ela pudesse afastar a morte de sua pele. – Você o matou. - Não – eu hesitei e me encostei na estante. – Evan, acorde... – Eu me ajoelhei ao lado dele de novo e ele abriu os olhos.

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Suspirou de modo curto mais uma vez, e seu peto inchou. – O que aconteceu? – ele sussurrou e eu fechei os olhos. - Diga a ele o que você fez – Andi mandou e eu fiz uma careta. Mas não consegui falar. Então ela falou por mim. – Ela deu a você gênio. Mas o gênio vive pouco, não é, Mallory? Minhas lagrimas caíram, esquentando minhas faces. As palavras dela doíam tanto que pensei que morreria, mas olhar para Evan doía mais. – Quem é você? – Seus olhos sérios e sem cor me acusaram em silêncio, sua boca ficou aberta, os lábios rachados. Ele expirou mais uma vez. Depois, ficou imóvel. - Ela é a sua musa – Andi sussurrou no terrível silêncio. Eu chorei. As lagrimas rolaram pelo meu rosto e caíram no chão, mas não eram musicais. Eram simples. Vazias. Aquele arrepio terrível entrou em meu coração de novo com dedos frios e mortos. Até mesmo meu grito de dor e arrependimento não foi ouvido. Eu estava feia e vazia. Fria. Tão oca que as batidas de meu coração ecoavam. Cada gota do calor da música que Evan havia espalhado dentro de mim morreu com ele, afastada pela consciência do que eu havia feito, congelada em milhares de pedaços de gelo, cortando-me por dentro. Solucei e enxuguei meu rosto, mas as lágrimas não paravam de rolar. E elas não trariam Evan de volta. - Você não pode... você sabe que não pode fazer isso. – Andi se virou para mim, furiosa, mas com os braços abertos, como se gritasse comigo e me abraçasse ao mesmo tempo. Mas eu a afastei. Eu o havia usado. Eu havia desperdiçado uma vida toda de talento em uma farra. E o perdera. Perdera minha chance de inspirar o amor e a arte na mesma respiração, perdera uma vida que devia ter valorizado. Fiquei em pé e me encostei na parede, sequei as lágrimas do rosto. Tentei bloquear o eco em meu peito. Mas não havia mais música para cobri-lo. Andi me puxou para a frente e me abraçou. Ela me acalentou, acariciando meus cabelos nas costas. Então, deu um passo para trás e me fez olhar para ela, e seus olhos eram o mundo todo. – Entende agora? Você e eu? Somos a única coisa que fica. Todo o resto é frágil. Passageiro. – Ela fez um gesto com uma das mãos vazias para o cadáver atrás dela. – Sempre seremos quem resta. Arrasada, abaixei até o chão e ela desceu comigo. Ficamos no canto, trêmulas. Chorando. Desejando. – Estou com tanto frio, Andi. Com um vazio enorme. Cante para mim. E ela cantou.

*****FIM*****

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Livre História de uma noite sem fim

Claudia Gray Nova Orleans Verão de 1841 A casa da Royal Street era tão refinada quanto qualquer outra de Nova Orleans. Peças em ferro forjado decoravam o portão que envolvia o pequeno jardim, onde uma profusão de hortênsias brotavam nas cores vermelha e violeta. Não ocorriam festas barulhentas ali e as lamparinas a óleo sempre se apagavam a um horário razoável. A tinta bege era de bom gosto, assim como os vestidos modestos e da moda trajada pelas moças que ali viviam. Contudo, não havia uma casa respeitável. - Você não sabe se importar com essas moças. – Althea fazia uma trança no cabelo da Patrícia enquanto falava, com os dedos rápidos e certeiros. Althea era a mãe de Patrícia, apesar de ela não ter permissão de chamá-la de “Mamma” com as pessoas por perto. Ultimamente, Patrícia não se importava em chamá-la assim quando estavam sozinhas também. – Todos estão com inveja. Fariam qualquer coisa por um vestido feito de seda parisiense. São pobre. Você e eu... nunca seremos pobres. - Elas não disseram que somos pobres. Disseram que nós... fomos trazidas e pagas por isso. As mãos de Althea pousaram nos ombros de Patrícia. O algodão fino de sua blusa ficou amassado sob as mão de Althea. - Somos mulheres negras livres – ela disse discretamente. – Nunca seremos escravas. Nunca. Patrícia havia visto escravas trabalhando na lavoura, sem chapéus ou panos para protegê-los do sol impiedoso, com o suor brilhando em sua pele enquanto capatazes gritavam para que trabalhassem com mais afinco. Ela havia visto meninas anos mais jovens do que ela esfregando a entrada da casa de joelhos, com as articulações acinzentadas e irritadas pela solução desinfetante. Ela já havia visto cicatrizes ao redor de pulsos e tornozelos, as marcas feias que mostravam onde as correntes já tinham ficado. E ela sabia que crueldades como aquelas ocorriam em outras casas requintadas no French Quarter, em Nova Orleans, em toda a região sul. Não, Patrícia e Althea tinham mais sorte do que qualquer escravo. Mas ser uma mulher negra livre não significava ser totalmente livre. Principalmente para Patrícia e sua mãe – que viviam em um luxo oferecido pelos homens brancos e ricos com um “acordo” que parecia tão inquebrável como uma corrente. Depois que os cabelos de Patrícia já estavam presos em uma trança complexa, com voltas e rolinhos, Althea a tratou como uma taça de vidro frágil que podia se quebrar antes do baile. – Não pensa em deitar e amassar seu cabelo – Althea disse ao amarrar um lenço frouxo ao redor da cabeça de Patrícia. – Pode dormir o dia todo antes do baile de amanha se estiver cansada. Patrícia que a meses tinha outros planos durante os cochilos vespertinos de sua mãe, simplesmente concordou. Quando Althea a deixou sozinha, Patrícia olhou para o relógio no mantel. O Sr. Broussard o havia trazido como um presente depois de sua última viagem para a Europa – um presente para ela, não para a mãe. Esse ato atencioso havia irritado Althea, que passou uma semana sendo dura com Patrícia. Esta suspeitara de que era esse o motivo pelo qual estava sendo apresentada naquele verão, e não no seguinte, quando teria dezesseis anos.

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Como se eu quisesse tal monstruosidade, Patrícia pensou ao olhar para as ninfas de bronze ao redor do relógio. O criador do relógio havia se esforçado para mostrar os seios nus de todas as ninfas. Como se eu quisesse receber a atenção do Sr. Broussard. É claro que Althea e Patrícia sabiam que o que Patrícia queria não importava. Depois de se passarem vinte minutos, Patrícia ficou em pé e rapidamente colocou um vestido simples e um par de chinelos. As escadas rangeram quando ela desceu os degraus correndo, mas Patrícia não se preocupou. Althea, como a maioria dos residentes livres de Nova Orleans, estava dormindo profundamente. O calor e a umidade de junho eram tão fortes que as pessoas livres não tentavam fazer nada ao meio-dia, exceto dormir. A cidade toda ficava em silêncio e era muito fácil não ser visto. Patrícia caminhou na ponta dos pés até a porta dos fundos na direção da sombra oferecida pela folhagem frondosa e brilhante de uma magnólia. Ela ainda estava se esforçando para ver, sob a forte luz do sol, quando duas mãos surgiram na escuridão e a prenderam. - Amos – ela sussurrou antes de ele beijá-la. Eles ficaram de joelhos juntos, abraçados. O abraço de amos era forte, quase exigente, mas depois dos primeiros beijos intensos, ele se afastou. Ambos sorriram, animados como sempre pelas escapadas bem-sucedidas. - Está bonita – ele disse. Com um dedo, ele levantou a barra do lenço de renda para ver o penteado que estava embaixo. – Gostaria de poder vê-la esta noite, tão lindamente vestida. - Eu também gostaria de vê-lo. – Patrícia recostou-se em seu peito largo. O trabalho na ferraria tornara seus músculos muito fortes. Ele cheirava a cinzas e cavalos, como o mundo real sujo e térreo do qual vinha sendo protegida ao longo de sua vida. Ela não considerava aquele cheiro desagradável. As roupas de Amos tinham o cheiro de seu trabalho. Isso fazia com que ela se lembrasse de que, apesar da pobreza, Amos era mais livre do que ela um dia seria. O ex-senhor de Amos era considerado uma pessoa tranqüila e tola pelos residentes mais refinados de Nova Orleans – um sujeito que era motivo de piadas por parte de senhoras brancas que atravessavam a rua para evitar passar perto de mulheres como Althea. Esse mestre havia permitido a Amos que treinasse para ser um ferreiro, e então o contratou por um bom salário. Muitos donos de escravos faziam isso em compras de variadas habilidades. Contudo, Amos tinha recebido a permissão de manter parte de seu salário. Amos era tão habilidoso no que fazia, tão requisitado, que dentro de poucos anos havia economizado o suficiente para comprar a própria liberdade. E seu mestre o tornara livre! As fofoqueiras da cidade não conseguiam encontrar explicação para essa excentricidades. - Nessa festa de hoje à noite – disse Amos, abruptamente. – Eles não se decidem na hora, certo? Não aconteceria tão rapidamente. Patrícia havia escondido a verdade o máximo de tempo que pôde. Mas estava na hora de enfrentá-la. – Não, provavelmente ninguém vai me paquerar esta noite. Mas antes de a estação terminar, Amos, alguém fará isso. Que diferença faz se for esta noite ou daqui a dois meses? - Dois meses com você valem muito para mim. Principalmente se forem os últimos dos meses que teremos juntos. – Amos recostou-se no tronco da magnólia. – Se Althea tivesse esperado por mais um ano, eu teria guardado dinheiro suficiente. O bastante para conseguir alguns cômodos para nós. Poderíamos ser marido e mulher. - Não acho que ela deixaria que eu me casasse. - Deixar você? Deixar você? – Amos não estava irritado, apenas descrente. – Seu problema está no fato de você nunca ter sido uma escrava. Você não sabe o que representa ser livre. Se soubesse, não permitiria que ela a “deixasse” fazer coisa alguma. - Amos... - Por que Althea não permitiria que você se casasse? Por que ela não desejaria algo decente para você em vez de... Ele não disse o restante em voz alta. Aquela era sua maneira de ser gentil.

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- Ela quer netos com a pele ainda mais clara que a minha – Patrícia disse. Ela quer ter a certeza de que sempre haverá o nome de um homem branco e abastado para usar se os administradores me pararem – para que ninguém nunca diga que eu não sou livre. Provavelmente, Althea também queria uma fonte de apoio se o Sr. Broussard se cansasse dela, mas Patrícia não falava sobre isso. Não gostava nem mesmo de pensar na possibilidade, porque se Althea um dia fosse abandonada, Patrícia também poderia ser. Amos suspirou com força, mostrando sua raiva. Eles sempre voltavam para essa resignação sem fim, para esse arrependimento e desejavam tudo que não receberam. – Eu imagino isso às vezes. Você e eu. Como as coisas seriam. - Eu também. Na verdade, Patrícia não sabia se poderia ser uma boa esposa a Amos. Para ser a esposa de um homem pobre, ela teria de cozinhar, fazer manteiga e esfregar roupas em uma tábua de lavar – tarefas que nunca teria de aprender a fazer. Althea também nunca as aprendera. As moças escravas que pertenciam ao Sr. Broussard chegavam todos os dias para cuidar desses afazeres. Às vezes, os olhares de desdém das escravas feriam mais do que os das senhoras brancas. Elas desviavam os olhos de seu trabalho, com o cabelo escondido sob lenços, os olhos estreitos, como se perguntasse: a quem pensam que enganam? Elas ririam muito se ela tivesse jogado sua fortuna fora para se casar com Amos. Mas teria valido a pena, se ela e Amos tivessem uma chance. Ela colocou as mãos nas duas faces dele, e eles se beijaram de novo. O que começou suave logo se tornou mais intenso. Amos a deitou de costas no tapete macio de folhas de magnólia caídas, e seu corpo pesado cobriu o dela. Sua camiseta simples estava com a gola aberta e ela sentia o calor da pela dele através de seu vestido fino. Eles nunca tinham sido namorados, porque Amos tinha idéias antiquadas. Patrícia, que não era nada antiquada, arqueou o corpo contra o dele de modo que ele sentisse seus seios avantajados, a maciez de sua barriga. - Se você fosse minha esposa... – ele sussurrou contra seu pescoço. – Eu poderia amá-la. - Você poderia me amar agora, se quisesse. Ele a colocou de lado, quase de modo grosseiro, com o semblante fechado. Depois olhou para ela, com os olhos desesperados. - Fuja comigo. Esta noite, depois da festa. - Amos! - Podemos fazer isso. – Ele segurou a manga de seu vestido. – Um ferreiro consegue trabalho em qualquer lugar. Só precisamos partir. - Não temos dinheiro. – Não é o momento para tolices. – Não conhecemos ninguém fora de Nova Orleans. Se fugirmos, não poderemos entrar em contato com nenhum de nossos parentes brancos para conseguir ajuda, nunca mais. Por quando tempo acredita que seriamos livres? Um mês? Uma semana? Amos ficou desanimado. A verdade o derrotara. Ela colocou a mão na abertura em V da gola de sua camisa. – Não quero que um homem branco seja o primeiro a me tocar. - Não quero desonrá-la. - Nós nos amamos. Há menos desonra nisso do que... em qualquer outra coisa pela qual passarei. Eles ficaram em silencio por um tempo, e ela observou o rosto de Amos com atenção. Em seus olhos estavam seu amor e desejo por ela, lutando contra a idéia do que era respeitável para ambos. Patrícia nunca tinha sido respeitável, não de fato, por isso não entendia por que era tão difícil para ele escolher. Quando viu que ele estava menos tenso, sentiu que havia vencido. Patrícia suspirou. – Meu quarto fica nos fundos da casa. A varanda pequena... sabe qual é? – Amos assentiu com a cabeça. – Vou deixar as janelas destravadas. Devemos chegar em casa antes da meia-noite. Venha... talvez uma hora depois disso. Não haverá problemas se estiver com seus documentos. As pessoas o conhecem. Tudo bem?

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Ela ainda acreditava que ele pudesse se recusar, pela devoção sem fronteiras que tinha por ela. Mas disse: - Vou até você.

************* Amos partiu antes de o sol sair no zênite. Patrícia foi para dentro da casa e tomou um banho rápido de esponja para que sua mãe não sentisse o cheiro de cavalos e cinza em sua pele. Quando Althea despertou, Patrícia estava sentada na cadeira na varanda, vestindo uma saia de seda e lendo Balldas, de Coleridge. - Você parece estar mais animada – Althea disse. – Já era hora de perceber como tem sorte. Patrícia, muito ansiosa, escondeu seu sorriso. Conforme a tarde ficava mais fria e as sombras cresciam, elas começaram a se preparar para o primeiro baile da estação. Naquela noite, as jovens conheceriam os homens abastados que queriam uma esposa negra com as quais se entreter até conseguirem uma branca . Hora de uma moça estar linda, ela pensou com amargura. Patrícia passou perfume em seus pulsos e pescoço, e enfiou saches de verbena nas dobras de seu vestido para continuar com um perfume agradável mesmo que o salão lotado ficasse muito quente. O pó evitou que sua pele do rosto ficasse brilhosa e a deixou com uma aparência ainda mais pálida. Althea amarrou uma fita de renda no pescoço de Patrícia e fez um nó na frente. Então, ajudou a filha a vestir seu espartilho; quando ele estava apertado o suficiente a ponto de Patrícia quase se sentir zonza, Althea disse que agora era a vez do vestido. - Quarenta e cinco centímetros – Althea disse com orgulho enquanto ajudava Patrícia a vestir a saia. – É a mesma medida que eu tinha na cintura antes de ter você.

Esforçando-se para respirar, Patrícia não se importava com nada daquilo – pelo menos não até ver seu reflexo no espelho. A seda de seu vestido era de um tom muito claro de lilás, a renda fina se enrugava nas mangas e na saia ampla e com formato de sino. Seu corpete era longo o suficiente para exibir nas novas curvas de seu corpo em florescimento. Patrícia sabia que não havia garota em Nova Orleans que ofuscasse sua beleza naquela noite, e por um instante seu orgulho venceu sua vergonha.

Gostaria que Amos me visse assim. Ele ficaria encantado. Mas ele não a veria naquela noite. Ela seria exposta a homens que pretendiam tê-la como

amante – incluindo, provavelmente, aquele que a tiraria de Amos para sempre. A ansiedade que ela sentia por aquela noite, por Amos, não podia esconder totalmente a

consciência de seu destino. Ela e Amos se tornariam amantes logo, mas seu destino ainda era ser a amante de um homem branco. Seu brinquedo. Sua posse de todas as formas, exceto no nome.

Aperte mais! – Althea resmungou, trazendo Patrícia de volta para a realidade, na qual ela estava apertando o espartilho da mãe. – Juro que não sei para onde sua mente vai de vez em quando.

************* A carruagem chamou por elas um pouco antes do cair da noite. Patrícia e Althea passaram pelas ruas para a Salle de Lafayette. O galopar de cavalos e as rodas das carroças passaram pelas ruas de pedras, e as luzes a gás de todas as esquinas afastavam a escuridão. Elas entraram no salão lado a lado, mas aquele seria o ultimo momento que Patrícia passaria com a mãe naquela noite. Como sempre, as amigas de Althea a puxavam para um canto para papear e fofocar. Patrícia podia ter procurado por suas amigas, que estavam no mínimo tão nervosas quando ela, mas não queria companhia. A banda afinava os instrumentos quando os homens começaram a entrar. A principio, chegaram os homens mais idosos, em maior numero, aqueles a quem Patrícia já conhecia – os homens que faziam companhia a suas mães. Ela viu o Sr. Broussard olhando para ela com interesse mal disfarçado, pelo menos até que Althea o pegou pelo braço e começou a lhe fazer os elogios de que ele tanto gostava.

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Patrícia também viu um homem alto com cabelos brancos – Laurence Deveraux, cujo sobrenome ela e a mãe mantinham, apesar de ele ter visitado Althea pela última vez muitos anos antes. Seu rosto lembrou Patrícia de seu próprio. Apesar de ninguém ter se atrevido a dizer que ele era seu pai, Patrícia conhecia a verdade. Não esperava que o Sr. Deveraux prestasse atenção a ela. Nunca se importara antes, mas teria sido gentil da parte dele no mínimo olhar para ela e ver como estava bonita em seu vestido de seda. Então vieram os homens mais jovens. Diversas carruagens iam sendo esvaziadas, todas repletas de senhores risonhos e ruidosos, a maioria deles recém-saídos da universidade. Eles entravam no salão de modo orgulhoso, com seus cravos em destaque nas camisas brancas com golas altas. Sorriam e tinham faixas de seda na cintura e a risada deles era prepotente demais para o gosto de Patrícia. Um deles não ria. Chamou a atenção de Patrícia no mesmo instante. Não apenas por ser o mais discreto no salão, mas por que era o mais bonito também. Parecia ser alguns anos mais velho do que alguns dos outros garotos, e tinha uma postura digna. Seu cabelo castanho era tão comprido quando o de uma garota. Seus olhos escuros vasculharam o salão, entediados e com desdém, como se ele não esperasse encontrar nada que despertasse seu interesse. Mas quando ele a viu, hesitou. Patrícia deveria se comportar como uma senhora de respeito, desviando o olhar diante de seu admirados. Mas ela ergueu o queixo e o encarou também. Não vou fazer papel de menininha inocente, ela jurou. Não para ele nem para ninguém! Se eu mostrar a quanto o detesto, então ele não vai me paquerar. Vou poder passar mais tempo com Amos. Lentamente, ele sorriu. Com certeza ele devia estar sorrindo para outra pessoa. Patrícia virou a cabeça e começou a passar pela multidão na direção da janela. Seria bem fácil perdê-lo de vista na multidão. Então, uma mão pousou em seu ombro. Ela se virou para ver o homem de cabelos castanhos que havia atravessado o salão cheio a uma velocidade impressionante. O couro branco de sua luva passou a sensação de maciez em sua pela nua. – Aqui está você – ele disse, como se eles fossem velhos amigos, havia muito tempo separados por um acaso qualquer. Patrícia se afastou. – Senhor, não fomos apresentados. - Sou Julien Larroux. A principio, ela não sabia como responder. Moças solteiras e rapazes não se apresentavam uns aos outros; esperavam ser apresentados por um amigo em comum ou por alguém mais velho. Julien tinha sido muito grosseiro ao se aproximar dela daquela maneira, mas parecia ainda mais grosseiro se afastar depois de ele ter dito seu nome. – Patrícia Deveraux. - É um prazer conhecê-la. – Os olhos verdes-claros de Julien se concentraram nos olhos dela com uma intensidade desconcertante. – Diga-me, Srta. Deveraux, esta é seu primeiro baile? - Sim, Senhor, é. – Ela podia ter comentado sobre a elegância do local, mas Patrícia não queria entreter aquele homem. Se ele a desejava, então era uma ameaça; pela primeira vez, ela podia estar olhando nos olhos do homem que a tiraria de Amos para sempre. Sua resposta brusca pareceu deixá-lo satisfeito. Os lábios dele estavam escuros contra sua pele clara. Patrícia achou o contraste surpreendentemente sensual – mas não tão bonito, como os traços escuros de Amos. – A senhorita não paquera como as outras meninas. - E o senhor paquera como os outros rapazes, mas de modo menos polido, devo dizer. – Isso mesmo, assim vou me livrar dele. Mas Julien riu delicadamente. – A senhorita não quer estar aqui, não é? - Não presuma saber o que eu quero. - A senhorita tem orgulho. Algo que a maioria das mulheres daqui não tem. Assim como muitos homens. Eles se rastejam. Eles se conformam. A senhorita... mantém a cabeça erguida. Acredito que a senhorita tem personalidade, Srta. Deveraux.

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Patrícia sentiu vontade de bater nele. – Se você não souber se comportar adequadamente, terei de chamar minha dama de companhia. - No fundo, acredito que a senhorita não se importa muito com um comportamento adequado. – Os olhos claros de Julien pareciam estar olhando fixamente dentro da alma dela, analisando seu plano de receber Amos em sua cama. Patrícia sentiu o desejo mais irresistível de fugir dele, como se ele fosse um ladrão em uma rua escura à noite e não um senhor em uma festa. Mas o medo e a confusão a mantiveram congeladas no lugar. Ele continuou: - Posso me comportar bem... por enquanto. A senhorita pode me conceder a grande honra da primeira dança? Ela não conseguiu pensar em nenhuma desculpa para recusar. – Posso, senhor. A primeira dança era a Virginia Reel, uma dança animada que fazia com que todos rissem e batessem palmas. Geralmente, Patrícia gostava de dançar aquela música. Com tantos casais na pista de dança – trinta e seus, no mínimo – ela iria se divertir como nunca. Não com Julien Larroux. Ela dizia a si mesma que ele a irritava simplesmente porque não conseguia compreendê-lo imediatamente. Quanto aos outros rapazes orgulhos e barulhentos, ela não precisava ser apresentada a eles para saber como eram. Não tinham preocupações que fossem além do gel de seus cabelos. Julien dançava tão bem quanto qualquer um deles, não errava um passo e sorria o tempo todo. Mas não era o sorriso tolo dos outros homens; era um sorriso tranqüilo, quase zombador. O pior de tudo é que parecia incluir Patrícia na piada. A dança terminou e por um momento ela escapou para outros parceiros – o que não foi uma escapada, uma vez que ela era elogiada por seu charme. Mas no meio da noite, Julien a chamou para dançar uma valsa. Uma dança muito superior, a valsa – a mão de Julien estava apoiada nas costas dela enquanto ela a guiava por meio de seus movimentos. Ela tinha dedos finos e ossudos que faziam com que ela se lembrasse de garras. No ar, o cheiro de camélias estava forte. – Muito mais intima. - Eu concordo. - Sua mãe lhe ensinou isso? – Ele arqueou as sobrancelhas de modo desdenhoso. – Que a senhorita deveria concordar com tudo o que eu digo? - Ela disse isso, sim. Mas eu não presto atenção ao que ela diz. Eu disse que concordo com o senhor porque concorde, mesmo. Como já deve estar sabendo, se o senhor disse alguma coisa tola, eu não concordarei. Ele sorriu mais. Os dentes de Julien eram brancos de modo quase não natural. – A senhorita não age como uma jovem tentando conseguir um homem. - Talvez eu não esteja tentando. – Ela pensou em Amos e na maneira com que ele a havia beijado embaixo da magnólia. - Por que está aqui? - Não tenho outra opção – Patrícia respondeu. Essa honestidade poderia ter arrancado o sorrisinho do rosto de Julien. Mas não arrancou. – A senhorita pode ter mais opções do que acredita. - Acredito que esteja falando de si mesmo? - É um modo de falar. Tão cedo! Patrícia esperava ter mais alguns meses em casa antes de ter de se entregar a um desconhecido. Mas ali estava Julien Larroux pedindo exatamente isso dela. - Por que eu? – ela perguntou. - Por que não uma de suas amigas desesperadas? – Ele fez um maneio de cabeça na direção de um canto, onde uma jovem estranha estava corajosamente paquerando o gorducho Beauregard Wilkins. – Porque a senhorita veste sua seda e renda da mesma maneira com que os cavaleiros já usaram uma armadura. Acredito que a senhorita veja a vida como uma batalha... e a mim como um guerreiro. Patrícia sabia que deveria se sentir grata por pelo menos o rapaz que estava com ela ser alguém inteligente e de discernimento. Ou então, ela estaria morrendo de medo da sensação interna de que tinha de que alguma coisa sobre Julien Larroux estava simplesmente errada.

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Mas só conseguia pensar: Ele está me tirando de Amos. E logo. Depois da festa, durante o trajeto de carruagem para casa, Althea estava muito feliz. – Dizem que o Sr. Larroux é novo na cidade, mas certamente é de uma boa família e tremendamente rico. Reservou uma suíte inteira no mais fino hotel e tem perguntado sobre uma mansão na St. Charles Avenue. Patrícia deu de ombros. – Ele falou com o Sr. Broussard? - Ainda não, mas espero que ele faça esse importante telefonema de manhã. - Como pode estar tão feliz? – Patrícia suspirou. – Como pode desejar isso para mim? O sorriso frio e artificial não desaparecia do rosto de Althea. – Isso é tudo que você precisa querer – ela disse. – O que mais eu poderia querer? Ela queria dizer, na verdade, O que mais você poderia querer? Julien Larroux era gentil e bonito. Sua riqueza compraria para ela uma casa bem localizada, não diferente daquela na qual havia crescido, e diversos chapéus e vestidos lindos. Seus escravos limpariam sua casa. Ela poderia ter o próprio cavalo e a própria carruagem. Aqueles eram os tipos de prêmios que Althea valorizava. Patrícia queria outra coisa: liberdade para tomar as próprias decisões. Como naquela noite, qualquer chance de isso acontecer havia sido arrancada dela para sempre. Pelo menos estaria com Amos esta noite, ela disse a si mesma. Eles nunca conseguiriam tirar isso de mim. Enquanto desciam da carruagem, patrícia ergueu a saia para evitar a lama. De soslaio, ela viu um leve movimento da cerca ao lado da casa. Seu coração acelerou.

************* Naquela noite, ela estava deitada na cama, tremendo de ansiedade e medo. Sua camisola fina de algodão grudava em seu corpo suado; o calor de Nova Orleans estava implacável, mesmo depois da meia-noite. Não vamos poder fazer barulho, ela pensou. A julgar pelos sons que às vezes escutava do quarto da mãe durante as visitas do Sr. Broussard, mas era muito fácil manter o silencio em determinados momentos. Contudo, Patrícia acreditava conseguir se controlar do que Althea. Então ela pensou nas mãos grandes de Amos em seu corpo – sem a camisola entre elas – e percebeu que manter o silencio poderia ser um desafio. Patrícia chupou a ponto do lençol, um hábito nervoso da infância do qual ela ainda recorria de vez em quando. Não queria admitir que estava nervosa, que pudesse sentir medo de Amos. Mas seu coração estava acelerado, batendo com tanta força que seus seios tremiam a cada batida. Sua respiração estava rápida e rasa. As cortinas de sua janela mostravam feixes de luar. Ela observou, com os olhos arregalados, esperando por alguma sombra ou movimento. Um grito agudo do lado de fora fez com que Patrícia se assustasse, mas logo ela percebera que ele vinha do portão lateral. Sem dúvida os gatos de rua estavam brigando de novo. Ela tentou imaginar se Julien Larroux permitiria que ela tivesse um gato. Dentro de poucas semanas, Patrícia viveria dentro da casa de um desconhecido. Ela ia querer tocá-la, e ela não teria o direito de dizer não. Havia crescido sabendo que aquele seria seu destino; já chegara a acreditar que se o homem em questão fosse jovem e bonito, todos os seus sonhos se tornariam realidade. Esses sonhos pareciam muito vãos agora. No andar de baixo, na varanda de trás, um tábua rangiu. Amos, ela pensou, mas não sentiu o coração pular de alegria. Em vez disso, segurou o lençol com força. Ela tentou escutar com muita atenção à procura de outro som. Tinha de ser Amos chegando para vê-la. Aquilo era o que eles tinham planejado, o mesmo horário combinado. Quem mais podia ser?

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Entretanto, Althea sempre a alertara para manter as portas trancadas. Caso contrário, qualquer pessoa poderia entrar. Qualquer pessoa. É Amos. Não seja tola. Ouviu-se mais um rangido pelo peso na varanda, na lateral, e então ela escutou o som inquestionável de alguém segurando as peças de ferro que delineavam a varanda. Tranque as portas, Patrícia pensou. Espere até Amos dizer seu nome. Ele pode sussurrá-lo sem ser ouvido, e você estará bem ali, pronta. É ele – tem de ser ele – mas faça isso só por precaução... No último momento possível, ela saiu de cama e correu, com as pernas trêmulas, em direção à janela. Os feixes de luar que passavam pela janela de repente se transformaram em uma sombra com forma de homem. Passos na varanda acompanhavam a sombra que ficava maior, que ficava mais próxima. Patrícia procurou a trava – ela ainda tinha tempo. Seu desejo por Amos a dominou e ela hesitou por apenas um instante. As portas se abriram. Ali estava Julien Larraux. Patrícia respirou profundamente para gritar, mas a mão pálida dele cobriu a boca da moça. – Silencio – ele murmurou. Não mais apresentava aquele sorriso simpático que usara no baile. Seu sorriso agora mostrava os dentes afiados de uma fera. Ela inclinou a cabeça. – Saia – sussurrou. Sua voz estava trêmula. – Saia neste instante ou vou gritar. - Gritar? – O rosto de traços fortes de Julien se abriu em um sorriso, como se ela tivesse sugerido uma agradável surpresa. – Sim, grite por sua mãe. Quando ela entrar, vou explicar que a senhorita deixou as portas abertas para mim. Ou de que outra forma eu teria entrado em seu quarto? Que menina prestativa a senhorita é, por ter me ajudado. - Faço qualquer coisa para me livrar do senhor. Seus olhos verdes de arregalaram. – Quando eu a chamei de guerreira, estava sendo sincero. - Pois haverá uma luta se o senhor não for embora – Patrícia cerrou os punhos. Sentiu um certo conforto ao saber que Amos chegaria a qualquer momento e quando ele visse o que Julien estava tentando fazer... Amos lutaria com ele. Talvez tentasse matar Julien Larraoux – Um homem branco. E por isso, Amos seria punido, pela lei ou em linchamento. Patrícia suspirou: - O que preciso fazer para o senhor ir embora? - A senhoria faz parecer tudo tão pouco romântico! - Podemos acabar logo com isso? – Talvez ela tivesse de agüentar o toque de Julien Larraoux, mas de jeito nenhum fingiria estar gostando. Julien inclinou a cabeça, pensando. – Só uma coisa muito simples, minha corajosa Patrícia. Permita-me beijar seu pescoço. - ... O quê? - Um beijo em seu pescoço. – Os dedos compridos e pálidos de Julien acariciaram o contorno da mandíbula dela e então foram mais fundo até encontrarem uma veia. Seu olhar ficou intenso, e Patrícia sabia que ele estava se divertindo ao sentir sua pulsação se acelerar. – Permita-me fazer isso – sem luta, sem choro – e depois partirei. Você e eu não ficaremos sozinhos juntos a menos que a senhorita deseje.

Nunca. Apesar de Patrícia duvidar de que o acordo seria tão simples ou indolor, ela não podia recusá-lo enquanto Amos estivesse correndo risco.

- Tudo bem – Patrícia deu um pequeno passo à frente. – Vamos lá. Julien sorriu para ela. – Jogue sua cabeça para trás... sim, assim... e puxe a gola de sua

camisola. Patrícia tremia tanto que pensou que fosse cair, mas os tremores eram de raiva contida e

também de medo. Seus dedos seguraram a gola da camisola enquanto ela a puxava para baixo, expondo seu

pescoço.

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Então Julien segurou seus ombros e puxou para perto. Ele tinha um cheiro... estranho, não exatamente desconhecido, mas diferente do cheiro de qualquer outra pessoa que ela conhecia. Algo metálico no ar e o odor fez com que ela se lembrasse de...

De um açougue, pensou. Os olhos de Patrícia se arregalaram. Sua alma compreendia algo que o cérebro ainda não

entendera. Naquele instante, ela teria gritado... mas os dentes de Julien se afundaram em seu pescoço.

Houve apenas escuridão e dor, mas algo doce dentro da dor.

*************

Patrícia despertou gritando. A principio, ao se sentar na cama, pensou que podia ter sonhado com o som. Ao estava tendo pesadelo? Nenhum dos detalhes estava claro; como a maioria dos sonhos, eles estavam se dissolvendo na luz clara do dia. Esforçando-se para olhar para a luz do sol que entrava pelas portas de vidro de sua janela, Patrícia pensou que Althea havia cumprido a promessa e permitido que ela dormisse até muito tarde naquele dia. Mas ela ainda assim se sentia exausta, quase fraca. Esperava mão estar doente. Aquela era a época do ano com mais incidência de febre amarela. Patrícia franziu o cenho. As portas de vidro estavam destrancadas. Contudo, não era ela quem sempre se lembrava de trancá-las? (Os olhos de Amos, suaves na luz, brilhando de amor por ela. “Vou até você”.) Mas ele não tinha ido. Ficou ainda mais confusa. Certamente, se Amos não havia ido a seu encontro, ele provavelmente havia passado a noite pensando nisso ou preocupando-se com a possibilidade de ele ter sido flagrado fora de casa depois do horário permitido. Mas ela continuava na cama. A única coisa de diferente era sua camisola aberta na gola. Parecia que ela estava se esquecendo de alguma coisa – alguma coisa importante. Mas o quê? Minha mente esta confusa, Patrícia pensou. Talvez eu esteja doente. E então ela escutou o grito de novo e dessa vez soube que era real. - Mamma? – ela gritou ao segurar seu robe de seda. Seus pés, inchados por ter dançado na noite anterior, doíam a cada passo. Vestindo o robe enquanto partia em direção à escada, ela se corrigiu. – Althea? Patrícia abriu a porta lateral e viu um pequeno grupo reunido ao redor do portão lateral. Althea estava encostada em um poste, meio desfalecida, enquanto uma criança pequena a abanava com a mão. - O que está acontecendo? – Althea está doente? – Patrícia correu e se aproximou, mas ao fazer isso percebeu eu a multidão não estava prestando atenção a sua mãe, mas a algo de lado de fora do portão lateral. O Sr. Ebbets, proprietário da casa ao lado, disse: - Menina, não veja isto. Alguém foi morto por cães. - Cães? – Era chocante demais para acreditar. Ou havia outro motivo pelo qual ela não acreditava naquilo? Patrícia sentiu-se voltando a seu pesadelo – não com imagens ou sons, porque não conseguia se lembrar, mas ainda assim havia um tipo de ligação. - Já chamamos a polícia – o Sr. Ebbets disse. – Leve sua mãe para dentro. Senhoras não deveriam ver isto. O pescoço do pobre rapaz tinha sido rasgado. Aquilo devia ter sido causado por cães ou por algum tido de animal selvagem. Patrícia disse lentamente: - Mas quem... o homem que morreu... - O ferreiro. Aquele rapaz livre de Marigny. Ele fez as ferraduras de seu cavalo no último inverno.

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No chão, entre os pés dos curiosos, estava um braço comprido e de músculos definidos grosso e moreno.

*************

À tarde, a polícia já tinha levado o que sobrara de Amos. Althea agiu como se nada tivesse acontecido. - Você chorou o dia todo – ela disse de modo contrariado, afastando a manta da cama para que Patrícia fosse descoberta. – Seus olhos focarão tão inchados como o de uma vaca. - Não me importa. - Por que está sofrendo? Aquele ferreiro não significava nada para nós – Althea parou aos pés da cama. Suas tranças enroladas emolduravam seu rosto estreito, em um estilo jovem demais para a sua idade. – Ou significava, Patrícia? - Não – Patrícia disse, porque o momento de contar a verdade a Althea já havia passado. Althea pegou o vestido amarelo-claro de Patrícia do guarda-roupa. - Deixe-me cuidar de seu cabelo e vamos vesti-la. Acredito que vamos nos atrasar para o baile desta noite, mas não há como evitar. Patrícia fechou os olhos com força, desejando estar em outro lugar, ou com outra pessoa. Passou a mão no pescoço, em um área que estava incrivelmente sensível. Estaria ela imaginando aquela dor, em razão do que havia acontecido ao pescoço de Amos na noite anterior? - O choque... é muito grande, Althea. Não posso ficar em casa esta noite? - E correr o risco de Julien Larroux cortejar outra moça? Você está maluca. Saia da cama. Julien Larroux. Os olhos de Patrícia se abriram quando ela se lembrou. (Os dentes dele em seu pescoço, o cheiro metálico do sangue, o barulho que ele fazia ao engolir, Patrícia tentando se livrar dele, incapaz de lutar...) Ela levou a mão ao pescoço de novo. A pela embaixo de seus dedos estava irritada, como se ela tivesse se lavado com produto desinfetante. Senhoras contavam histórias sobre essas criaturas. Patrícia nunca havia escutado aquelas histórias – eram apenas mais bobagem e superstição, como os contos de Marie Laveau sobre vudu. Ou então sempre acreditara nelas. (“O pescoço do pobre rapaz tinha sido rasgado. Aquilo devia ter sido causado por cães ou por algum tipo de animal selvagem”.) Patrícia sentou-se na cama. - Melhor assim – Althea disse rapidamente ao colocar grampos de cabelo sobre a escrivaninha. – Vejo que só precisei falar de seu belo para coloca-la em ação. - Sim. – Patrícia murmurou. – Acho que preciso encontrar Julien Larroux de novo.

*************

Elas chegaram quando o baile já estava ocorrendo, entrando em um salão repleto de jovens que riam e de sons de violinistas tocando. As velas na parede já estavam pela metade, deixando traços de cera derretida nos pratos sob elas. Patrícia ainda se sentia fraca, e todas as sensações eram intensas demais: o calor dos corpos das pessoas, a renda áspera ao redor de seu pescoço e o cheiro das camélias presas em seu cabelo. Quando Althea acenou para o Sr. Broussard, Patrícia se afastou dela. Naquele momento, os olhos de Julien encontraram os dela. Ele parecia ainda mais tranqüilo do que se mostrara na noite anterior. Seus olhos verdes brilharam de excitação ao vê-la e seus cabelos compridos e castanhos iam além de seus ombros. Julien abriu um sorriso de lábios escuros. Se seguisse as regras de comportamento, Patrícia deveria ter esperado até que ele se aproximasse dela. Mas, em vez de fazer isso, ela abriu caminho pela festa, passando pelas pessoas que dançavam, para encontrar Julien antes.

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- A senhorita está linda – Julien disse. Ele parecia estar se divertindo com alguma piada que só ele conhecia. – Não parece que faz um dia desde que a vi. Talvez a senhorita esteve em meus pensamentos com tanta freqüência que é como se tivéssemos passado a noite juntos. - Quero falar com o senhor – Patrícia disse. – Em particular. Ás vezes, dependendo da incidência da luz da vela, ela tinha a impressão de que os olhos dele não tinham cor. – Podemos tomar um pouco de ar fresco?

Eles saíram. Nuvens cobriam a lua naquela noite, de modo que única iluminação vinha das janelas do Salle de Lafayette, onde era possível ver as silhuetas dos convidados. Um dos seguranças deu um passo adiante como se para alerta-los para que voltassem para dentro, mas Julien lançou-lhe um olhar firme que pareceu ter feito o senhor se esquecer do casal indo para os fundos do jardim. - Aqui estamos, minha cara Patrícia – Julien pousou a mão em seus ombros nus, acima das mangas com renda de seu vestido. – Você também sentiu minha falta?

- Acho que o senhor foi à minha casa ontem à noite. Acredito que matou Am... o ferreiro. Acredito que tentou me matar também. – disse Patrícia. - Um conjunto interessante de suposições – Julien fazia pequenos círculos na pele dela com o polegar. Ela sentiu uma estranha atração por ele, como se ambos estivessem ligados de um modo que a impedisse de fugir. Os lábios dele estavam próximos de seu cabelo. – Por que eu faria essas coisas? Além de ir a sua casa à noite, é claro? Qualquer homem desejaria estar perto da senhorita. - Lembro que o senhor estava lá. Lembro que me mordeu. Ela se mexeu para encará-lo, disposta a vê-lo sem reação. Contudo, Julien sorriu e pela primeira vez sua descontração pareceu verdadeira. – Extraordinário! A maioria das pessoas não se lembra, a menos que fiquem acordadas, e eu a coloquei na cama. E, se está interessada, tentei a permanecer ali. - Então é verdade – Patrícia cobriu a parte sensível de seu pescoço com os dedos. – O senhor é... um vampiro. - E quero que a senhorita também se torne uma vampira. Patrícia tentou pensar em uma resposta para aquilo, mas não conseguiu. Ela não tinha nem palavras nem imaginação. Mais do que tudo, queria fugir, mas se lembrou do que Althea havia dito a ela quando ambas viram um cão raivoso na rua com espuma na boca: não corra. Se correr, isso dará a ele motivo para persegui-la. Ela segurou o galho de uma arvore próxima, como se quisesse se equilibrar – e rapidamente arrancou um pedaço comprido, com cerca de 16 centímetros. – Já ouvi historias sobre sua espécie. Sei o que fazer. – Dizendo isso, Patrícia mostrou sua nova estaca. Ele apenas riu. – Senhorita escutou histórias. Não a verdade. Por exemplo, estacas não nos matam. Estaria ele mentindo para se salvar? Não, Patrícia percebeu. Julien continuava sem nenhum medo dela. Ela se sentiu pequena e tola e aos poucos deixou a mão pousar ao lado do corpo. - Fogo... o fofo, sim, é perigoso. A decapitação também. – Seus cabelos sedosos e castanhos caíam por suas costas, esvoaçando com a brisa suave. – Digo essas coisas porque a senhorita terá de saber sobre elas para estar ao meu lado. E também porque não tem fogo nem lâmina. - Oh, meu Deus! – Patrícia suspirou. Ela sempre acreditara não ter opções na vida, mas não sabia exatamente como era estar presa antes daquele instante em que ela estava presa no olhar sedento de um vampiro. Julien pegou as mãos dela. – Eu soube, assim que a vi, que a senhorita tinha um brilho. A força. Nosso mundo não é para os fracos, Patrícia. Além disso, essa vida rasa e vazia de submissão disfarçada... a senhorita detesta. A raiva queima por dentro como uma fogueira. Quero lhe dar um poder nunca antes imaginado. Juntos, podemos transformar o mundo em nosso banquete. Poder. Em um instante, ela percebeu que não tinha opções. Queria fazer isso. Patrícia jogou a cabeça para trás. – Beba.

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- Minha linda moça. – O sorriso de Julien mudou quando seus caninos lentamente se transformaram em presas. Apesar de um terrível arrepio de medo, Patrícia não escapou. Pensou que se as lendas sobre vampiros fossem verdadeiras, ela estava prestes a morrer. Se Amos estivesse vivo, ela nunca entregaria a vida com tanta facilidade. Sem ele, seu caminho estava mais claro. Ela olhou para cima para ver a lua, prateada e recoberta por nuvens finas. Era estranho pensar que aquela seria a última coisa que ela veria na vida. A lua nunca havia estado tão linda. E então Julien a encostou em uma árvore próxima, com as mãos segurando os braços dela como se fossem barras de ferro, e rasgou seu pescoço. A dor foi maior do que qualquer outra coisa, maior de que Julien, maior do que a lua.

*************

Silêncio. Patrícia nunca pensou que o silêncio pudesse ser tão fortalecedor. Nunca pensara que podia escutar aos próprios batimentos cardíacos ou que todos os sons que escutava normalmente eram filtrados por um movimentar de sangue em seus ouvidos. Isso não existia mais. Ela abriu os olhos. Estava deitada no chão, com o vestido amarelo-claro manchado de lama. Julien estava em pé perto dela, observando com atenção. Estou morta, ela pensou, algo vital dentro dela – algo forte, algo bom – não existia mais, e ela se sentia oca. Como se todos os sons que escutaria a partir de então fossem apenas um eco, como se tudo o que tocasse fosse apenas uma imitação da realidade. O rio puro de mudança constante que passava por cada ser vivo tinha sido colocado dentro dela, para sempre. Não machucou. Até mesmo a dor da morte tinha sido melhor do que estar morta. - Você não vai ter essa sensação por muito tempo – Julien disse. – Não quando descobrir o que podemos fazer. Patrícia sentou-se ereta lentamente. Pétalas amassadas de camélia que ela usava voaram para dentro de seu vestido. Ela só conseguiu pensar em uma coisa a dizer: - Estou com fome. Julien sorriu. – Todos acordamos com fome. Vamos procurar um petisco. Ei, veja, tem alguém ali. No jardim estava Beauregard Wilkins, obviamente muito embriagado. Pela primeira vez Patrícia percebeu que não escutava música nem barulhos da festa que acontecia do lado de dentro; ela devia estar morta havia pelo menos algumas horas. Althea deve estar tentando me acontrar. Beauregard segurava sua grande barriga, obviamente com medo de perder o controle de si mesmo, mas pareceu esquecer seus problemas ao ver Julien em pé perto de Patrícia. – O que é isso? – ele perguntou. – Larroux, rapaz, não precisa ser grosseiro com as moças. - Não se preocupe com Patrícia – Julien disse. – Ela está melhor que nunca. Não é, querida? Patrícia mexeu a cabeça. De algum modo, ela conseguiu escutar o coração de Beauregard batendo. Cada batida era como uma bateria atraindo-a. dentro de Beauregard, o sangue fluía – quente, sangue vivo... Ela partiu para cima dele com uma força que nunca possuíra. Ele caiu de costas, olhando para ela horrorizado quando as presas se mostraram pela primeira vez. Machucava, mas ao mesmo tempo fazia com que ela estremecesse de prazer. Parecia o mais certo. É isto o que sou agora. E então ela o mordeu, rasgando sua pele quente para conseguir o que precisava: sangue. Fluiu para dentro de sua boca, quente e abundante, e Patrícia engoliu com vontade, desesperada para sentir o gosto da vida de novo. Beauregard relutou por apenas um instante antes de cair no chão, inconsciente. - Que bom – Julien disse. – Minha pequena e selvagem Patrícia.

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Quando não mais conseguiu sorver, Patrícia se sentou. O sangue grudava em seus lábios. Beauregard ainda estava respirando, o que a deixou surpresa, mas percebeu que não devia se surpreender. – Ele vai esquecer de que foi mordido. – Sua própria voz parecia estranha para ela. – Assim como eu esqueci. - Sem duvida o Sr. Wilkins vai acordar amanha acreditando que desmaiou de tanto beber. As marcas da mordida terão desaparecido até lá. Não ficarão evidências. Vai dar tudo certo, eu garanto. - Então isso não mata. Nosso ato de nos alimentarmos. – Que estranho dizer “nosso” e se referir a vampiros. - Não, a menos que queiramos que isso aconteça, como eu quis que acontecesse. Julien ajudou Patrícia a se levantar e ofereceu a ela um lenço. Ela o passou nos lábios, manchando de vermelho o tecido de linho branco. - E o que acontece agora? – ela perguntou. - Agora, minha querida, transformamos Nova Orleans em nosso parque de diversões. Podemos viver juntos abertamente, se quiser. Chocar as pessoas. Ou há outros lugares para onde podemos ir – lugares onde nenhuma criatura poderia nos encontrar. Tenho muito a lhe mostrar. Muito a ensinar. – Seus dedos passaram pela barra de seu vestido nas costas, sem deixar dúvidas do que queria que ela aprendesse primeiro. Quando ele ofereceu seu braço, ela o aceitou. Suas pernas estavam bambas – não de fraqueza, mas por causa do inesperado poder que fluía por seu corpo. - Vamos sair pela porta da frente – Patrícia disse. – Os escravos não ousarão dizer nada.

Julien sorriu de modo lento e intenso. – Excelente idéia. Eles caminharam de volta para dentro do Salle de Lafayette, que já estava quase deserto. Algumas flores dos ramalhetes das moças estavam espalhadas pelo chão, e metade das velas havia derretido. Uma escrava mais velha, com as costas curvadas, passava pelo salão limpando tudo. Um balde com panos de chão no canto indicavam que logo ela teria de começar a esfregar o chão. Já devia ser quase manha. Uma única lamparina a óleo brilhava perto da porta de entrada. - Aonde quer ir agora? – Julien perguntou. - Para a casa de minha mãe. - Vocês não eram muito próximas, não é? Acredito que ela está prestes a aprender uma lição da qual nunca se esquecerá. Mal posso esperar para ver com meus próprios olhos. Quando ele abriu a porta e parou, Patrícia hesitou na entrada. – Você não vai comigo. - Como assim? Ela pegou a lanterna a óleo e a jogou no rosto dele. A lanterna de vidro se espatifou, misturando o fogo com o óleo inflamável que havia se espalhado pelo corpo de Julien. Ele gritou – um som terrível e animalesco. Seu corpo todo era uma massa de chamas enquanto ele se jogava para trás, e então caiu. Enquanto a claridade do fogo iluminava o rosto de Patrícia, ela pensou em Amos e no quanto ele havia trabalhado para ser livre. Ela pensou nos braços fortes que a haviam segurado, e como Julien havia deixado Amos arrasado no caminho, como um lixo. Ela pensou no último beijo deles. A senhora escrava apareceu atrás de Patrícia. Quando viu Julien queimando, não gritou pela ajuda de ninguém. Simplesmente observou ao lado de Patrícia. Quando tudo estava terminado, o monte de cinzas no caminho claramente nunca mais se mexeria, então Patrícia disse: - Sou Patrícia Deveraux. Se precisar de provas de que foi um acidente, pode dizer que eu vi tudo. - Bêbados como ficam aqueles jovens, ninguém vai duvidar. As duas mulheres se entreolharam e então Patrícia começou a percorrer o caminho de volta para casa. Com seu vestido amassado e com manchas de lama, Patrícia suspeitou de que tinha causado uma forte impressão. Felizmente, as ruas estavam vazias. Althea ficaria furiosa quando Patrícia chegasse em casa, pensando que ela tivesse feito a Julien Larroux favores pelos quais ele deveria pagar. Patrícia não estava interessada em suportar esse tipo de conversa por muito tempo. Pensou em terminar a estação fingindo ser um ser humano, bebendo quando quisesse, aprendendo sobre seus

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poderes. E ficaria linda com seda e cetim, os cabelos arrumados. Julien se referira a sua beleza como sua armadura, e ela não mais queria ficar sem sua armadura. Quando se é bonita, você pode encantar as pessoas ao seu redor para que elas nunca vejam a verdade obscura. Depois de alguns meses, Patrícia saberia como lidar com suas novas habilidades. Então poderia parte partir sozinha. - Você aí! Menina! Patrícia parou de andar e se virou. Um grupo de homens brancos caminhavam em sua direção, meio incrédulos, meio alegres. Usavam aventais velhos e chapéus surrados de palha. Ela percebeu que eles eram os capatazes que impediam que as pessoas negras caminhassem por lá depois do horário de recolher – aqueles que acreditavam que quem não era branco era escravo. – Pois não? – ela disse de modo frio. - A senhorita não se veste como uma moça de cor – o líder disse com um sorriso torto. – É uma das senhoras creoulas? – Os outros perguntaram com ironia. - Estou indo para casa. - É melhor responder minha pergunta, moça. É uma escrava ou é livre? Pela primeira vez, Patrícia percebeu que nunca mais teria de carregar documentos para todos os lados. Se alguém a desafiasse, fosse negro ou branco, vivo ou morto, ela tinha o poder de rasgar seus pescoços. Pensou que pudesse até gostar daquilo. Patrícia sorriu. – Sou livre.

*****FIM*****

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feito por:

Claudiana Dias