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1 A ALMA É IMORTAL GABRIEL DELLANE DEMONSTRAÇÃO EXPERIMENTAL DA IMORTALIDADE INTRODUÇÃO O Espiritismo projeta luz nova sobre o problema da natureza da alma. Fazendo que a experimentação interviesse na filosofia, isto é, numa ciência que, como instrumento de pesquisa, apenas empregava o senso íntimo, ele facultou que o Espírito seja visto de maneira efetiva e que todos se certifiquem de que até então o mesmo Espírito estivera muito mal conhecido. O estudo do "eu", isto é, do funcionamento da sensibilidade, da inteligência e da vontade, faz se perceba a atividade da alma, no momento em que essa atividade se exerce, porém nada nos diz sobre o lugar onde se passam tais fenômenos, que não parecem guardar entre si outra relação, afora a da continuidade. Entretanto, os recentes progressos da psicologia fisiológica firmaram que íntima dependência existe entre a vida psíquica e as condições orgânicas de suas manifestações. A todo estado da alma corresponde uma modificação molecular da substância cerebral e reciprocamente. Mas, param aí as observações e a ciência se revela incapaz de explicar porque a matéria que substitui a que é destruída pela usura vital conserva as impressões anteriores do espírito. A ciência espírita se apresenta, justo, para preencher essa lacuna, provando que a alma não é uma entidade ideal, uma substância imaterial sem extensão e sim que é provida de um corpo sutil, onde se registram os fenômenos da vida mental e a que foi dado o nome de perispírito. Assim como, no homem vivo, importa distinguir do espírito a matéria que o incorpora, também não se deve confundir o perispírito com a alma. O "eu" pensante é inteiramente distinto do seu envoltório e não se poderia identificar com este, do mesmo modo que a veste não se identifica com o corpo físico. Todavia, entre o espírito e o perispírito existem as mais estreitas conexões, porquanto são inseparáveis um do outro, como mais tarde o veremos. Quererá isto dizer que encontramos a verdadeira natureza da alma? , visto que esta se mantém inacessível, tanto quanto, aliás, a essência da matéria.

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A ALMA IMORTAL

GABRIEL DELLANE

DEMONSTRAO EXPERIMENTAL DA

IMORTALIDADE

INTRODUO

O Espiritismo projeta luz nova sobre o problema da natureza da alma. Fazendo que a experimentao interviesse na filosofia, isto , numa cincia que, como instrumento de pesquisa, apenas empregava o senso ntimo, ele facultou que o Esprito seja visto de maneira efetiva e que todos se certifiquem de que at ento o mesmo Esprito estivera muito mal conhecido.

O estudo do "eu", isto , do funcionamento da sensibilidade, da inteligncia e da vontade, faz se perceba a atividade da alma, no momento em que essa atividade se exerce, porm nada nos diz sobre o lugar onde se passam tais fenmenos, que no parecem guardar entre si outra relao, afora a da continuidade. Entretanto, os recentes progressos da psicologia fisiolgica firmaram que ntima dependncia existe entre a vida psquica e as condies orgnicas de suas manifestaes. A todo estado da alma corresponde uma modificao molecular da substncia cerebral e reciprocamente. Mas, param a as observaes e a cincia se revela incapaz de explicar porque a matria que substitui a que destruda pela usura vital conserva as impresses anteriores do esprito.

A cincia esprita se apresenta, justo, para preencher essa lacuna, provando que a alma no uma entidade ideal, uma substncia imaterial sem extenso e sim que provida de um corpo sutil, onde se registram os fenmenos da vida mental e a que foi dado o nome de perisprito. Assim como, no homem vivo, importa distinguir do esprito a matria que o incorpora, tambm no se deve confundir o perisprito com a alma. O "eu" pensante inteiramente distinto do seu envoltrio e no se poderia identificar com este, do mesmo modo que a veste no se identifica com o corpo fsico. Todavia, entre o esprito e o perisprito existem as mais estreitas conexes, porquanto so inseparveis um do outro, como mais tarde o veremos.

Querer isto dizer que encontramos a verdadeira natureza da alma? , visto que esta se mantm inacessvel, tanto quanto, alis, a essncia da matria.

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vemos, no entanto, descoberto uma condio, uma maneira de ser do esprito, que explica grande cpia de fenmenos, at ento insolveis.

Evolveram, com o correr das idades, as concepes sobre a natureza da alma, desde a mais grosseira materialidade, at a espiritualidade absoluta. Os trabalhos dos filsofos, tanto quanto os ensinos religiosos, nos habituaram a considerar a alma como pura essncia, como uma chama imaterial. To diferentes formas de ver prendem-se maneira por que se encara a alma. Se estudada objetivamente, fora do organismo humano, durante as aparies, ela s vezes se afigura to material, quanto o corpo fsico. Se observada em si mesma, parece que o pensamento a sua caracterstica nica. Todas as observaes da primeira categoria foram atiradas ao rol das supersties populares e prevaleceu a idia de uma alma sem corpo. Nessas condies, impossvel se tornava compreender por que processo podia essa entidade atuar sobre a matria do corpo ou dele receber as impresses. Como se havia de imaginar que uma substncia sem extenso e, conseguintemente, fora da extenso, pudesse atuar sobre a extenso, isto , sobre corpos materiais?

Ao mesmo tempo em que nos ensinam a espiritualidade da alma, ensinam-nos a sua imortalidade. Como explicar, porm, que essa alma conserve suas lembranas? Neste mundo, temos um corpo definido pela sua forma de envoltrio fsico, um crebro que se afigura o arquivo da nossa vida mental; mas, quando esse corpo morre, quando esse substrato fsico destrudo, que sucede s lembranas da nossa existncia atual? Onde se localizaro as aquisies da nossa atividade fsica, sem as quais no h possibilidade de vida intelectual? Estar a alma destinada a fundir-se na erraticidade, a se apagar no Grande Todo, perdendo a sua personalidade?

So rigorosas estas conseqncias, porquanto a alma no poderia subsistir sem uma forma que a individualizasse. No oceano, uma gota dgua no se pode distinguir das que a cercam, no se diferencia das outras partes do lquido, a no ser que se ache contida nalguma coisa que a delimite, ou que, isolada, tome a forma esfrica, sem o que ela se perde na massa e j no tem existncia distinta.

O Espiritismo nos leva a comprovar que a alma sempre inseparvel de uma certa substancialidade material, porm com uma modalidade especial, infinitamente rarificada, cujo estado fsico procuraremos definir. Essa matria possui formas variveis, segundo o grau de evoluo do esprito e conforme ele esteja na Terra ou no espao. O caso mais geral o da alma conservar temporariamente, aps a morte, o tipo que tinha o corpo fsico aqui na Terra. Esse ser invisvel e impondervel pode, s vezes, em circunstncias determinadas, assumir um carter de objetividade, bastante para afetar os sentidos e impressionar a chapa fotogrfica, deixando assim traos durveis da

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sua ao, o que pe fora de causa toda tentativa de explicao desse fenmeno, mediante a iluso ou a alucinao.

O nosso objetivo, neste volume, apresentar algumas das provas que j se possuem da existncia de tal envoltrio, a que foi dado o nome de Perisprito (de peri, em torno, e spiritus, esprito).

Para essa demonstrao, recorreremos no s aos espritas propriamente ditos, mas tambm aos magnetizadores espiritualistas e aos sbios independentes que ho comeado a explorar este domnio novo. Ao mesmo tempo, facultado nos ser comprovar que a corporeidade da alma no uma idia nova, que teve numerosos partidrios, desde que a humanidade entrou a preocupar-se com a natureza do princpio pensante.

Veremos, primeiro, que a Antigidade, quase toda ela, mais ou menos admitiu essa doutrina; eram, porm, vagos e incompletos os conhecimentos de ento sobre o corpo etreo. Depois, medida que se foi cavando o fosso entre a alma e o corpo, que as duas substncias mais e mais se diferenavam, uma imensidade de teorias procuraram explicar a ao recproca que elas entre si exercem. Surgiram as "almas mortais" de Plato, as "almas animais e vegetativas" de Aristteles, o "ochema" e o "eidolon" dos gregos, o "nephesh" dos hebreus, o "ba" dos egpcios, o "corpo espiritual" de So Paulo, os "espritos animais" de Descartes, o "mediador plstico" de Cudworth, o "organismo sutil" de Leibnitz, ou a sua "harmonia preestabelecida"; o "influxo fsico" de Euler, o "arqueu" de Van Helmont, o "corpo aromal" de Fourier, as "idias-fora" de Fouille, etc. Todas essas hipteses, que por alguns de seus lados roam a realidade, carecem do cunho de certeza que o Espiritismo apresenta, porque no imagina, demonstra.

O esprito humano, pelo s esforo de suas especulaes, jamais pode estar certo de haver chegado at a. -lhe necessrio o auxlio da cincia, isto , da observao e da experincia, para estabelecer as bases da sua certeza. No , pois, guiados por idias preconcebidas que os espritas proclamam a existncia do perisprito: , pura e simplesmente, porque essa existncia resulta, para eles, da observao.

Os magnetizadores j haviam chegado, por outros mtodos, ao mesmo resultado. Pela correspondncia que permutaram Billot e Deleuze, bem como pelas pesquisas de Cahagnet, veremos que a alma, aps a morte, conserva uma forma corporal que a identifica. Os mdiuns, isto , as pessoas que gozam - no estado normal - da faculdade de ver os Espritos, confirmam, em absoluto, o testemunho dos sonmbulos.

Essas narrativas, entretanto, constituem uma srie de documentos de grande valor, mas ainda no nos do uma prova material. Mostraremos, por isso, que os espritas fizeram todos os esforos por oferecer a prova inatacvel

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e que o conseguiram. As fotografias de Espritos desencarnados, as impresses por estes deixadas em substncias moles ou friveis, as moldagens de formas perispirituais so outras tantas provas autnticas, absolutas, irrecusveis da existncia da alma unida ao perisprito e to grande hoje o nmero dessas provas, que impossvel se tornou dvida.

Mas, se verdadeiramente a alma possui um envoltrio, h de ser possvel comprovar-se-lhe a realidade durante a vida terrena.

E com efeito, o que se d. Abriram-nos o caminho os fenmenos de desdobramento do ser humano, denominados por vezes de bicorporeidade. Sabe-se em que eles consistem. Estando, por exemplo, em Paris um indivduo, pode a sua imagem, o seu duplo mostrar-se noutra cidade, de maneira a ser ele reconhecido. H, no atual momento, mais de dois mil fatos, bem verificados, de aparies de vivos. Veremos, no correr do nosso estudo, que no so alucinatrias essas vises e por que caracteres especiais podemos certificar-nos da objetividade de algumas de to curiosas manifestaes psquicas.

Os pesquisadores no se limitaram, porm, observao pura e simples de tais fenmenos, seno que tambm chegaram a reproduzi-los experimentalmente. Verificaremos, com o Sr. De Rochas, que a exteriorizao da motricidade constitui, de certa forma, o esboo do que se produz completamente durante o desdobramento do ser humano. Chegaremos, afinal, demonstrao fsica da distino existente entre a alma e o corpo: fotografando a alma de um vivo, fora dos limites do seu organismo material.

Para todo pesquisador imparcial, esse formidvel conjunto de documentos estabelece solidamente a existncia do perisprito. A isso, contudo, no deve limitar-se a nossa aspirao. Temos que perquirir de que matria formado esse corpo. Quanto a isso, todavia, estamos reduzidos a hipteses; veremos, porm, estudando as circunstncias que acompanham as aparies dos vivos e dos mortos, ser possvel encontrarem-se, nas ltimas descobertas cientficas sobre a matria radiante e os raios , preciosas analogias que nos permitiro compreender o estado dessa substncia impondervel e invisvel. Esperamos mostrar que nada se ope, cientificamente, concepo de semelhante invlucro da alma. Desde ento, esse estudo entra no quadro das cincias ordinrias e no pode merecer a censura de se achar eivado de sobrenatural ou de maravilhoso.

Apoiar-nos-emos longamente na identidade dos fenmenos produzidos peia alma de um vivo, sada momentaneamente do seu corpo, e os que se observam operados pelos Espritos. Veremos que eles se assemelham de tal sorte, que impossvel se torna diferena-los, a no ser por seus caracteres psquicos. Logo, e esse um dos pontos mais importantes, h continuidade real, absoluta, nas manifestaes do Esprito, encarnado ou no, em um corpo

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terrestre. Intil, portanto, atribuir os fatos espritas a seres fictcios, a demnios, a elementais, cascas astrais, egrgoros, etc. Foroso ser reconhecer que os produzem as cimas que viveram na Terra.

Estudando os altos fenmenos do Espiritismo, fcil se nos tornar demonstrar que o organismo fludico contm todas as leis organognicas segundo as quais o corpo se forma. Aqui, o Espiritismo faz surgir uma idia nova, explicando como a forma tpica do indivduo pode manter-se durante a vida toda, sem embargo da renovao incessante de todas as partes do corpo. Simultaneamente, do ponto de vista psquico, fcil se torna compreender onde e como se conservam as nossas aquisies intelectuais. Firmamos alhures (1) como concebemos o papel que o perisprito desempenha durante a encarnao; bastar-nos- dizer agora que, graas descoberta desse corpo fludico, podemos explicar, cientificamente, de que maneira a alma conserva a sua identidade na imortalidade.

Possam estes primeiros esboos de uma fisiologia psicolgica transcendental incitar os sbios a perscrutar to maravilhoso domnio/ Se os nossos trabalhos derem em resultado trazer para as nossas fileiras alguns espritos independentes, no teremos perdido o nosso tempo; mas, qualquer que seja o resultado dos nossos esforos, estamos seguro de que vem prxima a poca em que a cincia oficial, levada aos seus ltimos redutos, se ver obrigada a ocupar-se com o assunto que faz objeto das nossas pesquisas. Nesse dia, o Espiritismo aparecer qual realmente : a Cincia do Futuro.

PRIMEIRA PARTE A OBSERVAO

CAPITULO I

GOLPE DE VISTA HISTRICO

Sumrio: Necessidade de um envoltrio da alma. - As crenas antigas. - A ndia. - O Egito. - A China. - A Prsia. - A Grcia. - Os primeiros cristos. - A escola neoplatnica. - Os poetas. - Carlos Bonnet.

As crenas antigas

E nos desconhecida a natureza ntima da alma. Dizendo-se que ela imaterial, esta palavra deve ser entendida em sentido relativo e no absoluto, porquanto a imaterialidade completa seria o nada. Ora, a alma ou o esprito (2) alguma coisa que pensa, sente e quer; tem-se, pois, que entender, quando a

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qualificamos de "imaterial", que a sua essncia difere tanto do que conhecemos fisicamente, que nenhuma analogia guarda com a matria.

No se pode conceber a alma, seno acompanhada de uma matria qualquer que a individualize, visto que, sem isso, impossvel lhe fora se pr em relao com o mundo exterior. Na Terra, o corpo humano o mdium que nos pe em contacto com a Natureza; mas, aps a morte, destrudo que se acha o organismo vivo, mister se faz que a alma tenha outro envoltrio para entrar em relaes com o novo meio onde vai habitar. Desde todos os tempos, essa induo lgica foi fortemente sentida e tanto mais quanto as aparies de pessoas mortas, que se mostravam com a forma que tiveram na Terra, fundamentavam semelhante crena.

Quase sempre, o corpo espiritual reproduz o tipo que o Esprito tinha na sua ltima encarnao e, provavelmente, a essa semelhana da alma se devem as primeiras noes acerca da imortalidade.

Se tambm ponderarmos que, em sonho, muitas pessoas vem parentes ou amigos que j morreram h longo tempo, que esses parentes e amigos conversam com elas, parecendo vivos como outrora, no nos ser talvez difcil encontrar em tais fatos as causas da crena, generalizada entre os nossos ancestrais, numa outra vida.

Verifica-se, com efeito, que os homens da poca pr-histrica, a que se deu o nome de megaltica, sepultavam os mortos, colocando-lhes nos tmulos armas e adornos, pois, de supor-se que essas populaes primitivas tinham a intuio de uma existncia segunda, sucessiva existncia terrena. Ora, se h uma concepo oposta ao testemunho dos sentidos, precisamente a de uma vida futura. Quando se v o corpo fsico tornado insensvel, inerte, malgrado a todos os estmulos que se empreguem; quando se observa que ele esfria, depois se decompe, torna-se difcil imaginar que alguma coisa sobreviva a essa desagregao total. Se, apesar, porm, dessa destruio, se observa o reaparecimento completo do mesmo ser, se ele demonstra, por atos e palavras, que continua a viver, ento, mesmo aos seres mais frustros se impe, com grande autoridade, a concluso de que o homem no morreu de todo. S, provavelmente, aps mltiplas observaes desse gnero, foi que se estabeleceram o culto prestado aos despojos mortais e a crena numa outra vida em continuao da vida terrestre.

A ndia

Ainda nos dias atuais, as tribos mais selvagens crem numa certa imortalidade do ser pensante (3) e as narrativas dos viajantes so concordes no atestar que, em todas as partes do globo, a sobrevivncia unanimemente

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afirmada. Remontando aos mais antigos testemunhos que possumos, isto , aos hinos do "Rigveda", vemos que os homens que viviam nas faldas do Himalaia, no Sapta Sindhu (pas dos sete rios), tinham Intuies claras sobre o alm da morte.

Baseando-se provavelmente nas aparies naturais e nas vises em sonho, foi que os sacerdotes, ao cabo de muitos sculos, lograram codificar a vida futura. Como ser essa vida? Um poeta ria esboa assim, vigorosamente, o cu vdico:

"Morada definitiva dos deuses imortais, sede da luz eterna, origem e base de tudo o que , manso de constante alegria, de prazeres infindos, onde os desejos se realizam mal surjam, onde o ria fiel viver de eterna vida."

Desde que o cu vdico foi concebido qual morada divina habitvel pelo ser humano, posta se achou a questo de saber-se como poderia o homem "elevar-se to alto" e como, dotado de faculdades restritas, seria "capaz de viver uma vida celeste sem fim". Fora possvel que o corpo humano, to fortemente ligado a terra, levantando vo, tornado leve como uma nuvem, atravessasse o espao, para ir ter, por si mesmo, maravilhosa cidade dos deuses? Necessrio seria que um milagre se produzisse. Ora, esse milagre jamais visivelmente se produziu. Dar-se-ia, ento, que a morada divina ainda estivesse sem habitantes? A no ser mediante um prodgio, que corpo fsico pode perder o seu prprio peso? Desse mistrio, desse pensamento vago, nasceu, de certo modo, a preocupao positiva dos destinos da matria aps a morte, da sobrevivncia de uma parte do ser. Essa a mais antiga explicao que se conhece daquele misterioso alm.

Abatido pela morte, o corpo humano se desfaz por inteiro nos elementos que participaram da sua formao. Os raios do olhar, matria luminosa, o Sol os reabsorve; a respirao, tomada aos ares, a estes volve; o sangue, seiva universal, vai vivificar as plantas; os msculos e os ossos, reduzidos a p, tornam-se hmus. O olho volta para o Sol; o respiro volta para Vay; o cu e a terra recebem o que lhes devido; as guas e as plantas retomam as partes do corpo humano que lhes pertencem: O cadver do homem se dispersa. As matrias que compunham o corpo vivo, privadas do calor vital, restitudas ao Grande Todo, serviro formao de outros corpos. Nada se perdeu, nada o cu tomou para si.

Entretanto, o ria que morreu santamente receber sua recompensa: elevar-se- s alturas inacessveis; gozar da sua glorificao. Como ser isso? Assim: a pele nada mais do que o invlucro do corpo e, quando Agni, o deus quente (4), abandona o moribundo, respeita o invlucro corpreo, pele e msculos. As carnes, debaixo da pele, so apenas matrias espessas, grosseiras, que constituem segundo envoltrio destinado ao trabalho, sujeito a

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funes determinadas. Sob esse duplo envoltrio, da pele e do corpo, h o homem verdadeiro, o homem puro, o homem propriamente dito, emanao divina, suscetvel de voltar para os deuses, como o raio de luz volta para o Sol, a respirao para o ar, a carne para a terra. Depois da morte, essa alma, revestida de um novo corpo, luminosa nvoa resplandecente, de forma brilhante, "cujo prprio brilho a furta fraca viso dos vivos", transportada morada divina. (5)

Se o deus ficou satisfeito com as oferendas do ria morto, vem, ele prprio, dar-lhe "o invlucro luminoso" com que a alma ser transportada. Um hino exprime sumariamente a mesma idia, sob a forma de uma prece:

Desdobra, Deus, os teus esplendores e d assim ao morto o novo corpo em que a alma ser transportada, segundo a tua vontade." (6)

Se refletirmos que esses hinos estavam escritos, h cerca de 3.500 anos, na lngua mais rica e mais harmoniosa que j existiu, ficamos sem poder calcular a que pocas recuadas remontam essas noes, to precisas e quase justas, sobre a alma e o seu envoltrio. S mesmo toda a ignorncia da nossa poca grosseiramente materialista seria capaz de contestar uma verdade velha como o pensamento humano e que se nos depara em todos os povos. As nossas modernas experincias sobre os Espritos, que se deixam fotografar ou se materializam momentaneamente, como veremos mais adiante, mostram que o perisprito uma realidade fsica, to inegvel como o prprio corpo material. J era essa a crena dos antigos habitantes da margem do Nilo e constitui fato digno de nota que, no alvorecer de todas as civilizaes, topamos com crenas fundamentalmente semelhantes, quando quase nenhum meio de comunicao havia entre povos to distanciados uns dos outros.

O Egito

To longe quanto possamos chegar interrogando os egpcios, ouvi-los-emos afirmar a sua f numa segunda vida do homem, num lugar donde ningum pode volver, onde habitam os antepassados. Imutvel, essa idia atravessa intacta todas as civilizaes egpcias; nada consegue destru-la. Ao contrrio, apenas o que no resiste s influncias diversas, vindas de todas as partes, o "como" dessa imortalidade. Qual, no homem, a parte durvel, que resiste morte, ou que, revivificada, continua outra existncia?

A mais antiga crena, a dos comeos (5.000 anos a.C.), considerava a morte uma simples suspenso da vida. Depois de estar imvel durante certo tempo, o corpo retomava o "sopro" e ia habitar muito longe, a oeste deste mundo. Em seguida, mas sempre muito remotamente, antes mesmo, talvez, das primeiras dinastias histricas, surgiu a idia de que somente "uma parte do

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homem" Ia viver segunda vida. No era uma alma, era um corpo, diferente do primeiro, porm, proveniente deste, mais leve, menos material. Esse corpo, quase invisvel, sado do primeiro corpo mumificado, estava sujeito a todos os reclamos da existncia: era preciso aloj-lo, nutri-lo, vesti-lo. Sua forma, no outro mundo, reproduzia, pela semelhana, o primeiro corpo. E o ka, o duplo, ao qual, no antigo Imprio, se prestava o culto dos mortos. (5004-3064 a.C.)

Uma primeira modificao fez do "duplo" - do ka - um corpo menos grosseiro do que o era na concepo primitiva. No passava o segundo corpo de uma "substncia" - bi - de uma "essncia" - ba - e, afinal, de um claror, de "uma parcela de chama", de luz. Essa frmula se generalizou nos templos e nas escolas. O povo, esse, se atinha crena simples, original, do homem composto de duas partes: o corpo e a inteligncia - khou - separveis. Houve, pois, um instante, sobretudo nas proximidades da 18.a dinastia, em que coexistiam crenas diversas. Cria-se, ao mesmo tempo: no corpo duplo, ou ka; na substncia luminosa, ou ba, ba; na inteligncia, ou khou. Eram trs almas.

Assim foi, sem nenhum mal, at ao momento em que, formado o corpo sacerdotal, este, sentindo a necessidade de uma doutrina, impondo-se-lhe uma escolha, teve que tomar uma deciso. Ento, pelos fins da 18.a dinastia (3064-1703 a.C.), os sacerdotes muito habilmente, para no ferir nenhuma crena, para chamar a si todas as opinies, conceberam um sistema em que coubessem todas as hipteses.

A pessoa humana foi tida como composta de quatro partes: o corpo, o duplo (ka), a substncia inteligente (khou) e a essncia luminosa (ba ou ba). Mas, essas quatro partes se reduziam realmente a duas, no sentido de que o duplo, ou ka, era parte integrante do corpo durante a vida, como a essncia luminosa, ou ba, se achava contida na substncia inteligente, ou khou. Foi assim que, nos ltimos tempos da 18.a dinastia, pela primeira vez, o Egito, embora sem lhe compreender a verdadeira teoria, teve, na realidade, a noo do ser humano composto de uma nica alma e de um s corpo. A nova teoria se simplificou ainda mais, com o passarem o corpo e o seu duplo a ser tidos como permanecendo para sempre no tmulo, enquanto que a alma-inteligncia, "servindo de corpo essncia luminosa", ia viver com os deuses a segunda vida. A imortalidade da alma substitua desse modo imortalidade do corpo, que fora a primeira concepo egpcia. (7)

A China

Porventura, em nenhum povo o sentimento da sobrevivncia foi to vivo

quanto entre os chineses. O culto dos Espritos se lhes imps desde a mais remota Antigidade. Cria-se no Thian ou Chang-si, nomes dados

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indiferentemente ao cu; mas, sobretudo, prestavam-se honras aos Espritos e s almas dos antepassados. Confcio respeitou essas crenas antigas e certo dia, entre os que o cercavam, admirou umas mximas escritas, havia mais de mil e quinhentos anos, sobre uma esttua de ouro, no Templo da Luz, sendo uma delas a seguinte:

"Falando ou agindo, no penses, embora te aches s, que no s visto, nem ouvido: os Espritos so testemunhas de tudo." (8)

V-se que, no Celeste Imprio, os cus so povoados, como a Terra, no somente pelos gnios, mas tambm pelas almas dos homens que neste mundo viveram. A par do culto dos Espritos, estava o dos antepassados.

Tinha por objeto, alm de conservar a preciosa lembrana dos avs e de os honrar, atrair a ateno deles para os seus descendentes, que lhes pediam conselhos em todas as circunstncias importantes da vida e sobre os quais supunha-se que eles exerciam influencia decisiva, aprovando-lhes ou lhes censurando o proceder." (9)

Nessas condies, evidente que a natureza da alma tinha que ser bem conhecida dos chineses. Confcio no concebia a existncia de puros Espritos; atribua-lhes um envoltrio semimaterial, um corpo aeriforme, como o prova esta citao do grande filsofo:

"Como so vastas e profundas as faculdades dos Koci-Chie (Espritos diversos) ! A gente procura perceb-los e no os v; procura ouvi-los e no os ouve. Identificados com a substncia dos seres, no podem ser dela separados. Esto por toda parte, acima de ns, nossa esquerda, nossa direita; cercam-nos de todos os lados. Entretanto, por mais sutis e imperceptveis que sejam, eles se manifestam pelas formas corpreas dos seres; sendo real, verdadeira, a essncia deles no pode deixar de manifestar-se sob uma forma qualquer." (10)

O budismo penetrou na China e lhe assimilou as antigas crenas. Continuou as relaes estabelecidas com os mortos. Aqui est um exemplo dessas evocaes e da aparncia que toma a alma para se tornar visvel a olhos mortais.

O Sr. Estanislau Julien, que traduziu do chins a histria de Hiuen-Thsang, que viveu pelo ano 650 da nossa era, narra assim a apario do Buda, devida a uma prece daquela santa personagem.

Tendo penetrado na caverna onde, animado de f profunda, vivera o grande iniciador, Hiuen-Thsang se acusou de seus pecados, com o corao transbordante de sinceridade. Recitou devotamente suas preces, prosternando-se a cada estrofe. Depois de fazer uma centena dessas reverncias, viu surgir uma claridade na parede oriental da caverna.

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Tomado de alegria e de dor, recomeou ele as suas saudaes reverentes e viu brilhar e apagar-se qual relmpago uma luz do tamanho de uma salva. Ento, num transporte de jbilo e amor, jurou que no deixaria aquele stio sem ter visto a sombra augusta do Buda. Continuou a prestar-lhe suas homenagens e, ao cabo de duzentas saudaes, teve de sbito inundada de luz toda a gruta e o Buda, em deslumbrante brancura, apareceu, desenhando-se-lhe majestosamente a figura sobre a muralha. Ofuscante fulgor iluminava os contornos da sua face divina. Hiuen-Thsang contemplou em xtase, durante largo tempo, o objeto sublime e incomparvel de sua admirao. Prosternou-se respeitosamente, celebrou os louvores do Buda e espalhou flores e perfumes, depois do que a luz 99 extinguiu. O brmane que o acompanhara ficou to encantado quanto maravilhado daquele espetculo. "Mestre, disse ele, sem a sinceridade da tua f e o fervor dos teus votos, no terias presenciado tal prodgio."

Essa apario lembra a transfigurao de Jesus, quando se prostraram Moiss e Elias. Os Espritos superiores tm um corpo de esplendor incomparvel, por isso que a sua substncia fludica mais luminosa do que as mais rpidas vibraes do ter, como poderemos verificar pelo que se segue.

A Prsia

No antigo Ir, depara-se com uma concepo toda especial acerca da alma. Zoroastro pode reivindicar a paternidade da inveno do que hoje chamado o "eu" superior, a conscincia subliminal e, doutro ponto de vista, a paternidade da teoria dos anjos guardies.

conhecida a doutrina do grande legislador: abaixo do Ser Incriado, eterno, existem duas emanaes opostas, tendo cada uma sua misso determinada: Ormuzd tem o encargo de criar e conservar o mundo; Arim o de combater Ormuzd e destruir o mundo, se puder. H, igualmente, dois gnios celestes, emanados do Eterno, para ajudar a Ormuzd no trabalho da criao; mas, h tambm uma srie de Espritos, de "gnios", de jerers, pelos quais pode o homem crer que tem em si algo de divino. O ferer, inevitvel para cada ser, dotado de inteligncia, era, ao mesmo tempo, um inspirador e um vigia: inspirador, por insuflar o pensamento de Ormuzd no crebro do homem; vigia, por ser guardio da criatura amada do deus. Parece que os ferers imateriais existiam, por vontade divina, antes da criao do homem e que cada um deles sabia, de antemo, qual o corpo humano que lhe era destinado. (11)

A misso desse ferer consistia em combater os maus gnios produzidos por Arim, em conservar a humanidade.

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Aps a morte, o ferer se conserva unido " alma e inteligncia", para sofrer um julgamento, receber a sua recompensa ou o seu castigo. Todo homem, todo Ized (gnio celeste) e o prprio Ormuzd tinham o seu ferer, o seu frawaski, que por eles velava, que se devotava sua conservao. (12)

De certas passagens do Avest se h podido deduzir que, depois da morte do homem, o ferer voltava ao cu, para desfrutar ai de um poder independente, mais ou menos extenso, conforme fora mais ou menos pura e virtuosa a criatura que lhe estivera confiada. De todo independente do corpo humano e da alma humana, o ferer um gnio imaterial, responsvel e imortal. Todo ser teve ou ter o seu ferer. Em tudo o que existe, h um ferer certo, isto , alguma coisa de divino. O Avest invoca o ferer dos santos, do fogo, da assemblia dos sacerdotes, de Ormuzd, dos amschaspands (anjos celestes), dos izeds, da "palavra excelente", dos "seres puros", da gua, da terra, das rvores, dos rebanhos, do tourogrmen, de Zoroastro", "em quem, primeiro, Ormuzd pensou, a quem instruiu pelo ouvido e ao qual formou com grandeza, em meio das provncias do Ir." (13)

Na Judia, os hebreus, ao tempo de Moiss, desconheciam inteiramente qualquer idia de alma (14). Foi preciso o cativeiro de Babilnia, para que esse povo bebesse, entre os seus vencedores, a idia da imortalidade, ao mesmo tempo em que a da verdadeira composio do homem. Os cabalista, intrpretes do esoterismo judeu, chamam Nephesh ao corpo fludico do Princpio pensante.

A Grcia

Os gregos, desde a mais alta Antigidade, estiveram na posse da verdade sobre o mundo espiritual. Em Homero, freqente os moribundos profetizarem e a alma de Ptroclo vem visitar Aquiles na sua tenda.

"Segundo a doutrina da maioria dos filsofos gregos, cada homem tem por guia um demnio particular (eles davam o nome de dainwn aos Espritos), que lhe personifica a individualidade moral." (15)

A generalidade dos humanos era guiada por Espritos vulgares; os doutos mereciam visitados por Espritos superiores (Id.) . Thales, que viveu seis sculos e meio antes da nossa era, ensinava, tal qual na China, que o Universo era povoado de demnios e de gnios, testemunhas secretas das nossas aes, mesmo dos nossos pensamentos, sendo tambm nossos guias espirituais (16). At, desse artigo, fazia um dos pontos capitais da sua moral, confessando que nada havia mais prprio a inspirar a cada homem a necessidade de exercer sobre si mesmo essa espcie de vigilncia a que Pitgoras mais tarde chamou o sal da vida. (17)

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Epimnides, contemporneo de Slon, era guiado pelos Espritos e freqentemente recebia inspiraes divinas. Sustentava fortemente o dogma da metempsicose e, para convencer o povo, dizia que ressuscitara muitas vezes e que, particularmente, fora naco. (18)

Scrates (19) e, sobretudo, Plato, como achassem excessivamente grande distncia entre Deus e o homem, enchiam-na de Espritos, considerando-os gnios tutelares dos povos e dos indivduos e os inspiradores dos orculos. A alma preexistia ao corpo e chegava ao mundo dotada do conhecimento das idias eternas. Semelhante criana, que no dia seguinte h esquecido as coisas da vspera, esse conhecimento ficava nela amodorrado, pela sua unio com o corpo, para despertar pouco a pouco, com o tempo, o trabalho, o uso da razo e dos sentidos. Aprender era lembrar-se; morrer era voltar a ponto de partida e tornar ao primitivo estado: de felicidade, para os bons; de sofrimento, para os maus.

Cada alma possui um demnio, um Esprito familiar, que a inspira, com ela se comunica, lhe fala conscincia e a adverte do que tem que fazer ou que evitar. Firmemente convencido de que, por intermdio desses Espritos, uma comunicao podia estabelecer-se entre o mundo dos vivos e os a quem chamamos mortos, Scrates tinha um demnio, um Esprito familiar, que constantemente lhe falava e o guiava em todas as circunstncias. (20)

"Sim, diz Lamartine, ele inspirado, segundo o afirma e repete. Porque nos negaramos a crer na palavra do homem que dava a vida por amor da verdade? Haver muitos testemunhos que tenham o valor da palavra de Scrates prestes a morrer? Sim, ele era inspirado... A verdade e a sabedoria no emanam de ns; descem do cu aos coraes escolhidos, que Deus suscita, de acordo com as necessidades do tempo." (21)

O claro gnio dos gregos percebeu a necessidade de um intermedirio entre a alma e o corpo. Para explicar a unio da alma imaterial com o corpo terrestre, os filsofos da Hlade reconheceram a existncia de uma substncia mista, designada pelo nome de Ochema, que lhe servia de envoltrio e que os orculos denominavam o veculo leve, o corpo luminoso, o carro sutil. Falando daquilo que move a matria, diz Hipcrates que o movimento devido a uma fora imortal, ignis, a que d o nome de enormon, ou corpo fludico.

Os primeiros cristos

Foi obrigao lgica de explicar a ao da alma sobre o invlucro fsico que cederam os primeiros cristos, acreditando na existncia de uma substncia mediadora. Alis, no se compreende que o esprito seja puramente

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imaterial, porquanto, ento, nenhum ponto de contacto o teria com a matria fsica e no poderia existir, desde que deixasse de estar individualizado num corpo terrestre.

No conjunto das coisas, o indivduo sempre determinado pelas suas relaes com outros seres; no espao, pela forma corprea; no tempo, pela memria.

O grande apstolo S. Paulo fala vrias vezes de um corpo espiritual (22), impondervel, incorruptvel, e Orgenes, em seus Comentrios sobre o Novo Testamento, afirma que esse corpo, dotado de uma virtude plstica, acompanha a alma em todas as suas existncias e em todas as suas peregrinaes, para penetrar e os corpos mais ou menos grosseiros e materiais que ela reveste e que lhe so necessrios no exerccio de suas diversas vidas.

Eis aqui, segundo Pezzani, as opinies de alguns Pais da Igreja sobre esta questo. (23)

Orgenes e os Pais alexandrinos, que sustentavam um a certeza, os outros a possibilidade de novas provas aps a provao terrena, propunham a si mesmos a questo de saber qual o corpo que ressuscitaria no juzo final. Resolveram-na, atribuindo a ressurreio apenas ao corpo espiritual, como o fizeram S. Paulo e, mais tarde, o prprio Santo Agostinho, figurando como incorruptveis, finos, tnues e soberanamente geis os corpos dos eleitos. (24)

Ento, uma vez que esse corpo espiritual, companheiro inseparvel da alma, representava, pela sua substncia quintessencada, todos os outros envoltrios grosseiros, que a alma pudera ter revestido temporariamente e que entregara ao apodrecimento e aos vermes nos mundos por onde passara; uma vez que esse corpo havia impregnado de sua energia todas as matrias para um uso limitado e transitrio, o dogma da ressurreio da carne substancial recebia, dessa concepo sublime, brilhante confirmao. Concebido desse modo, o corpo espiritual representava todos os outros que somente mereciam o nome de corpo pela sua adjuno ao princpio vivificante da carne real, isto , ao que os espritas denominaram perisprito. (25)

Diz Tertullano (26) que os anjos tm um corpo que lhes prprio e que, como lhes possvel transfigur-lo em carne humana, eles podem, por um certo tempo, fazer-se visveis aos homens e comunicar-se com estes visivelmente. Da mesma maneira fala S. Baslio. Se bem haja ele dito algures que os anjos carecem de corpo, no tratado que escreveu sobre o Esprito Santo, avana que os anjos se tornam visveis pela espcie de corpo que possuem, aparecendo aos que de tal coisa so dignos.

Nada h na criao, ensina Santo Hilrio, que no seja corporal, quer se trate de coisas visveis, quer de coisas invisveis. As prprias almas, estejam ou no ligadas a um corpo, tm uma substncia corprea inerente natureza

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delas, pela razo de que necessrio que toda coisa esteja nalguma coisa. S Deus sendo incorpreo, segundo S. Cirino de Alexandria, s ele no pode estar circunscrito, enquanto que todas as criaturas o podem, ainda que seus corpos no se assemelhem aos nossos. Mesmo que os demnios sejam chamados animais areos, como lhes chama Apuleio, s-lo-o no sentido em que falava o grande bispo de Hipona, porque eles tm natureza corprea, sendo uns e outros da mesma essncia. (27)

S. Gregrio, por seu lado, chama ao anjo um animal racional (28) e S. Bernardo nos dirige estas palavras: "Unicamente a Deus atribuamos a imortalidade, bem como a imaterialidade, porquanto s a sua natureza no precisa, nem para si mesma, nem para outrem, do auxilio de um instrumento corpreo" (29). Essa era tambm, de certo modo, a opinio do grande Ambrsio de Milo, que a expunha nestes termos:

"No imaginemos haja algum ser isento de matria na sua composio, exceto, nica e exclusivamente, a substncia da adorvel Trindade." (30)

O mestre das sentenas, Pedro Lombardo, deixava em aberto a questo; esposava, contudo, esta opinio de Santo Agostinho:

"Os anjos devem ter um corpo, ao qual, entretanto, no se acharas sujeitos, corpo que eles, ao contrrio, governam, por lhes estar submetido, transformando-o e imprimindo-lhe as formas que lhe queiram dar, para torn-lo apropriado aos atos deles."

A escola neoplatnica

A escola neoplatnica de Alexandria foi notvel de mais de um ponto de vista. Tentou a fuso dos filsofos do Oriente com a dos gregos e, dos trabalhos de Proclo, Plotino, Porfirio,Jamblico, idias novas surgiram sobre grande nmero de questes. Sem dvida, a esses pesquisadores se pode reprochar uma tendncia por demais excessiva para a misticidade; entretanto, mais do que quaisquer outros eles se aproximaram da verdade que hoje experimentalmente conhecemos.

As vidas sucessivas e o perisprito faziam parte do ensino deles. Em Plotino, como em Plato, separao da alma e do corpo se achava ligada idia da metempsicose, ou metensomatose (pluralidade das vidas corpreas).

"Perguntamos: qual , nos animais, o princpio que os anima? Se verdade, como dizem, que os corpos dos animais encerram almas humanas que pecaram, parte dessas almas suscetvel de separar-se no pertence intrinsecamente a tais corpos; assistindo-as, essa parte, a bem dizer, no lhes est presente. Neles, a sensao comum imagem da alma e ao corpo, mas, ao corpo, enquanto organizado e modelado pela imagem da alma. Quanto aos

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animais em cujos corpos no se haja introduzido uma alma humana, esses so engendrados por uma iluminao da alma universal." (31)

A passagem da alma humana pelos corpos dos seres Inferiores aqui apresentada sob forma dubitativa. Sabemos agora que nenhum recuo possvel na senda eterna do tornar-se, porquanto nenhum progresso seria real, se pudssemos perder o que tenhamos adquirido pelo nosso esforo pessoal. A alma que chegou a vencer um vcio, dele se libertou para sempre; isso o que assegura a perfectibilidade do esprito e garante a felicidade futura para o ser que soube libertar-se das ms paixes inerentes ao seu estado inferior. Plotino afirma claramente a reencarnao, isto , a passagem da alma de um corpo humano para outros corpos.

E crena universalmente admitida que a alma comete faltas, que as expia, que sofre punio nos infernos e passa em seguida por novos corpos.

"Quando nos achamos na multiplicidade que o Universo encerra, somos punidos pelo nosso prprio desvio e pela seqncia de uma sorte menos feliz.

"Os deuses do a cada um a sorte que lhe convm, de harmonia com seus antecedentes, em suas sucessivas existncias." (32)

Profundamente justo e verdadeiro isto, porquanto, em nossas mltiplas vidas, defrontamos com dificuldades que temos de transpor, para chegarmos ao nosso melhoramento moral ou intelectual. Falso, porm, seria esse princpio, se o aplicssemos s condies sociais, porque, ento, o rico teria, merecido s-lo e o pobre se acharia aqui em punio, o que contrrio ao que se observa cotidianamente, pois podemos comprovar que a virtude no constitui apangio especial de nenhuma classe da sociedade.

"H, para a alma, duas maneiras de ser em um corpo: verifica-se uma delas quando a alma, j se encontrando num corpo celeste, sofre uma metamorfose, isto , quando passa de um corpo areo ou gneo a um corpo terrestre, migrao a que de ordinrio se chama metensomatose, porque no se v donde vem a alma; a outra maneira se verifica quando a alma passa do estado incorpreo a um corpo, seja qual for, e entra assim, pela primeira vez, em comunho com o corpo. As almas descem do mundo inteligvel ao primeiro cu; a, tomam um corpo (espiritual) e, em virtude mesmo desse corpo, passam para corpos terrestres, segundo se distanciam mais ou menos do mundo inteligvel."

Esta doutrina Porfirio a desenvolveu longamente em sua Teoria dos Inteligveis , onde assim se exprime:

Quando a alma sai do corpo slido, no se separa do esprito que recebeu das esferas celestes."

A mesma idia se nos. depara nos escritos de Proclo, que chama a esse esprito o veculo da alma.

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De um estudo atento dessas doutrinas resulta que os neoplatnicos sentiram a necessidade de um invlucro sutil para a alma, em o qual se registram, se incorporam os estados do esprito. , com efeito, indispensvel que o esprito, atravs de suas vidas sucessivas, conserve os progressos que realizou, sem o que, a cada encarnao, ele se acharia como na primeira e recomearia perpetuamente a mesma vida.

Os poetas

A Idade Mdia herdou essas concepes, como se pode verificar pela

seguinte passagem de A Divina Comdia: "Logo que um sitio h sido assinado alma (aps a morte), sua faculdade

positiva se lhe irradia em torno, do mesmo modo e tanto quanto o fazia, estando ela em seus membros vivos. Assim como a atmosfera, quando se acha bastante carregada de chuva e os raios vm nela refletir-se, ornada se mostra de cores diversas, assim tambm o ar que a cerca toma a forma que a alma lhe imprime virtualmente, desde que nele se detm. Semelhante chama que por toda parte acompanha o fogo, aonde quer que ele v, essa forma nova acompanha a alma a todos os lugares. Porque dai tira ela a sua aparncia, chamam-lhe sombra e ela, em seguida, organiza todos os sentidos, at o da vista." (33)

Unir o esprito matria constitui tanto uma obrigao para a inteligncia, que os maiores poetas jamais a isso se furtaram; sempre revestiram de formas corpreas os seres celestiais, cuja pura essncia os rgos dos sentidos no podem perceber. Milton, na Guerra dos Anjos, no hesitou em atribuir um corpo, ainda que sutis e areos, segundos entenderam de descrev-lo, a esses seres extra-humanos que ele concebia como puramente espirituais por sua prpria natureza. Eis como se exprime, em seu poema Paraso Perdido, acerca dos anjos:

"Eles vivem inteiramente pelo corao, pela cabea, pelo olho, pelo ouvido, pela inteligncia, pelos sentidos; do a si mesmos e a seu bel-prazer membros, e tomam a cor, a forma e a espessura, densa ou delgada, que prefiram."

Tambm Ossian revestiu de formas sensveis os espritos areos, que ele cria ver nos vaporem da noite e nos bramidos da tempestade.

Klopstock, em sua Messada, representou o corpo do Serafim Eloh como formado por um raio da manh e o do anjo da morte como por uma vaga de chama numa nuvem tenebrosa. Precisou mais essa idia na dissertao com que encabeou o sexto livro da sua epopia. Sustenta: "ser muito verossmil que os Espritos finitos, cuja ocupao habitual consiste em meditar sobre os

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corpos de que se compe o mundo fsico, so, tambm eles, revestidos de corpo" e que, em particular, se deve crer que os anjos, "de que Deus to amide se serve para conduzir felicidade os mortais, tero recebido qualquer espcie de corpo que corresponda aos dos eleitos, que o mesmo Deus chama a essa suprema felicidade".

O penetrante gnio de Leibnitz no se enganou a esse respeito: "Creio, diz ele, com a maioria dos antigos, que todos os gnios, todas as

almas, todas as substncias simples criadas esto sempre juntas a um corpo e que no h almas destitudas jamais de um corpo... Acrescento que nenhum desarranjo dos rgos visveis ser capaz de levar as coisas a uma inteira confuso no animal, ou a destruir todos os rgos e privar a alma de todo o seu corpo orgnico e dos restos impagveis de todos os traos precedentes. Mas, a facilidade que houve em deixarem-se os corpos sutis com os anjos (que confundiam com a corporalidade dos prprios anjos) e a introduo de pseudo-inteligncias separadas nas criaturas (para o que muito contriburam as que fazem rolar os cus de Aristteles) e, finalmente, a opinio mal-entendida, segundo a qual no se podiam conservar as almas dos animais, sem cair na metempsicose, fizeram, a meu ver, que se desprezasse o modo natural de explicar a conservao da alma." (34)

Mister se faz chegar at Carlos Bonnet (35) para se ter uma teoria que, conquanto no assente nos fatos, se aproxima singularmente da que o Espiritismo nos permitiu construir, baseada na experincia. Vamos citar livremente as passagens mais importantes de suas obras, relativas ao assunto. E de admirar-se a lgica potente desse pensador profundo que, h mais de cento e cinqenta anos, encontrou as verdadeiras condies da imortalidade.

"Estudando com algum cuidado, diz ele, as faculdades do homem, observando-lhes as mtuas dependncias ou a subordinao que as submete umas s outras e a seus objetos, logramos facilmente descobrir por que meios naturais elas se desenvolvem e aperfeioam neste mundo. Podemos, pois, conceber meios anlogos mais eficazes, que levem essas faculdades a mais alto grau de perfeio.

O grau de perfeio que o homem neste mundo pode atingir est em relao com os meios que lhe so facultados para conhecer e agir. Tambm esses meios esto em relao direta com o mundo que ele atualmente habita.

Assim, uma vez que o homem era chamado a habitar sucessivamente dois mundos diferentes, sua constituio originria tinha que conter coisas relativas a esses dois mundos. O corpo animal tinha que estar em relao direta com o primeiro mundo, o corpo espiritual com o segundo.

Por dois meios principais podero aperfeioar-se no mundo vindouro todas as faculdades do homem: mediante sentidos mais apurados e sentidos

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novos. Os sentidos so a fonte primria de todos os conhecimentos. As nossas idias mais refletivas, mais abstratas derivam sempre das nossas idias sensveis.

O esprito nada cria, mas opera incessantemente sobre a multido quase infinita de percepes diversas que ele adquire pelo ministrio dos sentidos.

Dessas operaes do esprito, que so sempre comparaes, combinaes, abstraes, nascem, por gerao natural, todas as cincias e todas as artes.

"Destinados a transmitir ao esprito as impresses dos objetos, os sentidos se acham em relao com estes. O olho est em relao com a luz, o ouvido com o som, etc." (36)

Quanto mais perfeitas, numerosas, diversas so as relaes que os sentidos mantm com os objetos, tanto mais qualidades destes elas manifestam ao esprito e, ainda, tanto mais claras, vivas e completas so as percepes dessas qualidades.

Quanto mais viva e completa a idia sensvel que o esprito adquire de um objeto, tanto mais distinta a idia refletida que deste ele forma.

Concebemos, sem dificuldade, que os nossos sentidos atuais so suscetveis de alcanar um grau de perfeio muito superior ao que lhes reconhecemos neste mundo e que nos espanta em certos indivduos. Podemos mesmo formar idia ntida desse acrscimo de perfeio, pelos prodigiosos efeitos dos Instrumentos de ptica e de acstica.

Imagine-se Aristteles a observar o microscpio, ou a contemplar Jpiter e suas luas com um telescpio. Quais no teriam sido a sua surpresa e o seu enlevo! Quais no sero tambm os nossos, quando, revestidos do nosso corpo espiritual, houver ganhado os nossos sentidos toda a perfeio que podem receber do benfazejo autor do nosso ser!

Poderemos, se quisermos, imaginar que ento os nossos olhos reuniro as vantagens do microscpio s do telescpio e que se proporcionaro exatamente a todas as distncias. Quo superiores sero as lentes dessas novas lunetas s de que a arte se gloria! Aos outros sentidos aplica-se o que acaba de ser dito do da vista. Quais no seriam os rpidos progressos das nossas cincias fsico-matemticas, se dado nos fosse descobrir os princpios primrios dos corpos, quer fluidos, quer slidos! Veramos, ento, por intuio, o que tentamos adivinhar com o auxlio de raciocnios e clculos, tanto mais incertos, quanto mais imperfeito o nosso conhecimento direto. Que infinidade de relaes nos escapa, precisamente porque no podemos perceber a figura, as propores, a disposio desses corpsculos jnfinitamente pequenos sobre os quais, entretanto, repousa o grande edifcio da natureza!

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Muito difcil igualmente nos conceber que o grmen do corpo espiritual pode conter, desde j, os elementos orgnicos de novos sentidos, que somente na ressurreio se ho de desenvolver. (37)

Esses novos sentidos nos manifestaro nos corpos propriedades que neste mundo nos sero sempre desconhecidas. Que de qualidades sensveis ainda ignoramos e que no descobriremos sem espanto! No chegamos a conhecer as diferentes foras disseminadas na natureza, a no ser em relao aos diferentes sentidos sobre os quais elas exercem sua ao. Quantas foras, de que no suspeitamos sequer a existncia, porque nenhuma relao existe entre as idias que adquirimos com os nossos cinco sentidos e as que somente com outros sentidos poderemos adquirir! (38)

Ergamos o olhar para a abbada estrelada; contemplemos essa coleo imensa de sis e de mundos pulverizados no espao e admiremos que este vermezinho a que se d o nome de homem tenha uma razo capaz de penetrar na existncia desses mundos e de lanar-se assim at aos extremos da criao!

Insistindo logicamente no que para ele era uma hiptese, mas que para ns uma certeza experimental, acrescenta aquele autor:

Se o nosso conhecimento refletido deriva essencialmente do nosso conhecimento intuitivo; se as nossas riquezas intelectuais aumentam pelas comparaes que estabelecemos entre as nossas idias sensveis de todo gnero; se quanto mais comparamos, tanto mais conhecemos; se, finalmente, a nossa inteligncia se desenvolve e aperfeioa a medida que as nossas comparaes se estendem, diversificam, multiplicam, quais no sero o acrscimo e o apuro dos nossos conhecimentos naturais, quando j no estivermos limitados a comparar indivduos com indivduos, espcies com espcies, reinos com reinos e nos for dado comparar os mundos com os mundos!.

Se a Inteligncia suprema variou neste mundo todas as suas obras; se no criou coisas idnticas; se harmnica progresso reina entre todos os seres terrenos; se uma mesma cadeia os prende a todos, como no h de ser provvel que essa mesma cadeia maravilhosa se prolongue por todos os mundos planetrios, que os una todos e que eles no sejam mais do que partes consecutivas e infinitesimais da mesma srie. (39).

"De que sentimento no se ver inundada nossa alma, quando, aps haver estudado a fundo a economia de um mundo, voarmos para outro e compararmos entre si essas duas economias! Qual no ser ento a perfeio da nossa cosmologia! Quais no ser a generalizao e a fecundidade dos nossos princpios, o encadeamento, a multido e a justeza das nossas conseqncias. Que luz no se irradiar de tantos objetos diversos sobre os outros ramos dos nossos conhecimentos, sobre a nossa astronomia, sobre as

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nossas cincias racionais e, principalmente, sobre essa cincia divina, que se ocupa com o Ser dos seres!"

Estas indues, to bem estabelecidas pelo raciocnio, se acham plenamente justificadas em nossa poca. J no organismo humano existe o corpo destinado a uma vida superior; desempenha a um papel de primeira ordem e graas a ele que podemos conservar o tesouro das nossas aquisies intelectuais. Mais adiante comprovaremos que o perisprito uma realidade fsica to certa quanto a do organismo material: ele visto, tocado, fotografado. Numa palavra: o que no passava de teoria filosfica, grandiosa e consoladora, mas sempre negvel, exato, tornou-se uns fatos cientficos, que oferece queles remdios do esprito a consagrao inatacvel da experincia.

CAPITULO II

ESTUDO DA ALMA PELO MAGNETISMO

SUMARIO: A vidente de Prvorst. - A correspondncia entre Billot e Deleuze. - Os Espritos tm um corpo afirmaes dos sonmbulos. - Trazimentos. - As narraes de Chardel. - Outros testemunhos - As experincias de Cahagnet. - Uma evocao. - Primeiras demonstraes positivas.

Acabamos de ver, no capitulo precedente, que a idia de uma certa corporeidade, Inseparvel da alma, constituiu crena quase geral da Antigidade e a de uma multido de pensadores at nossa poca (40) E evidente que essa concepo resulta da dificuldade que experimentamos em imaginar uma entidade puramente espiritual. Os nossos sentidos s nos do a conhecer a matria e mister se torna nos utilizemos a vista interior, para sentirmos que h em ns algo mais do que esse princpio. O Pensamento, por si s, nos faz admitir, dada a sua carncia de caracteres fsicos, a existncia de alguma coisa que difere do que cai sob a apreciao dos sentidos.

Mas, a idia de um corpo fludico tambm resulta das aparies. E manifesto que, quando se v a alma de uma pessoa morta, foroso se lhe reconhea uma certa objetividade, sem o que ela se conservaria invisvel. Ora, esse fenmeno se h produzido em todos os tempos e nas histrias religiosas e profanas formigam exemplos dessas manifestaes do alm.

No ignoramos que a crtica contempornea fez tbua rasa desses fatos, atribuindo-os em bloco a iluses, a alucinaes, ou credulidade supersticiosa dos nossos avs. Strauss, Tane, Littr, Renan, etc., sistematicamente passam em silncio todos os casos que poderamos reivindicar. Semelhante processo

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no se justifica, porquanto, nos dias atuais, dados nos comprovar as mesmas aparies e por mtodos que permitem submet-las a uma fiscalizao severa. Assim sendo, assiste-nos o direito de concordar em que esses sbios se enganaram e que merecem ateno as narrativas de antanho.

Alis, fato positivo que no so novos os fenmenos do Espiritismo. Produziu-se em todos os tempos. Sempre houve casas mal-assombradas e aparies (41). Concebe-se, pois, que a idia de que a alma no puramente imaterial, haja podido manter-se, a despeito do ensino em contrrio das filosofias e das religies. (42)

Era, porm, muito vaga, muito indeterminada a noo de um envoltrio da alma. Esse corpo fludico formar-se-ia subitamente, no instante da morte terrena? Seria para sempre, ou por tempo determinado, que a alma se revestia dessa substncia sutil? Ou, ento, essa aparncia vaporosa seria devida apenas a uma ao momentnea, transitria, da alma sobre a atmosfera, ao destinada a cessar com a causa que a produzira? Eram questes essas que permaneceriam insolveis, enquanto no se pudessem observar vontade as aparies.

A vidente de Prvorst O magnetismo foi o primeiro a fornecer meio de penetrar-se no domnio

inacessvel do amanh da morte. O sonambulismo, descoberto por de Puysgur, constituiu o instrumento de Investigao do mundo novo que se apresentava. Submetidos a esse estado nervoso, puderam os sonmbulos pr-se em comunicao com as almas desencarnadas e descrev-las minuciosamente, de modo a deixar convencidos, os assistentes, de que, na realidade, conversavam com os Espritos.

O Dr. Kerner, to reputado pelo seu saber, quanto pela sua perfeita honestidade, escreveu a biografia da Sr.a Hauffe, mais conhecida sob a designao de: A vidente de Prvorst (43). No precisava ela adormecer, para ver os Espritos. Sua natureza delicada e refinada pela enfermidade lhe facultava perceber formas que se conservavam invisveis s outras pessoas presentes. Teve a sua primeira viso na cozinha do castelo de Lowenstein. Era um fantasma de mulher, que ela tornou a ver alguns anos depois.

Dizia, porm s quando a interrogavam com insistncia, nunca espontaneamente, ter sempre junto de si, como o tiveram Scrates, Plato e outros, um anjo ou daimon, que a advertia dos perigos a serem evitados no s por ela, como tambm por outras pessoas. Era o Esprito de sua av, a Sr.a Schmidt Gall. Apresentava-se revestida, como, alis, todos os Espritos

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femininos que lhe apareciam, de uma tnica branca com cinto e um grande vu igualmente branco.

Declarava que, aps a morte, a alma conserva um esprito fludico, que a sua forma. Era esse envoltrio que ela possua a faculdade de ver, sem estar adormecida e muito melhor claridade do Sol ou da Lua, do que na obscuridade.

"As almas, dizia, no produzem sombra. Tm forma acinzentada. Suas vestes so as que usavam na Terra, mas tambm acinzentadas, quais elas prprias. As melhores trazem apenas grandes tnicas brancas e parecem voejar, enquanto que as ms caminham penosamente. So brilhantes os seus olhos. Elas podem, alm de falar, produzir sons, tais como suspiros, ruge-ruge de seda ou papel, pancadas nas paredes e nos mveis, rudos de areia, de seixos, ou de sapatos a roar o solo. So tambm capazes de mover os mais pesados objetos e de abrir e fechar as portas."

Eram objetivas essas vises? Quer dizer: verificavam-se algures, que no no crebro da Sr.a Hauffe? O Dr. Kerner procedeu a muitas investigaes para se certificar da realidade desses Espritos, que s a vidente percebia. Em Oberstenfald, uma dessas almas, a do conde Weiler, que assassinara seu irmo, apresentou-se Sr Hauffe, at sete vezes. Somente ela a viu; mas, vrios parentes seus ouviram uma exploso, viram ladrilhos, mveis e candelabros se deslocarem, sem que pessoa alguma os tocasse, sempre que o fantasma vinha.

Outra alma de assassino, vestindo um hbito de frade, perseguiu a vidente, durante todo um ano, a lhe pedir, tal qual o fizera o conde Weiler, preces e lies de catecismo. Essa alma abria e fechava violentamente as portas, removia de um lugar para outro a loua, derribava pilhas de lenha, dava fortes pancadas nas paredes e parecia brincar de mudar, a todo o momento, de lugar. Vinte pessoas respeitveis a ouviram, ora dentro de casa, ora na rua, e atestariam o fato, se fosse preciso.

Um fantasma de mulher, trazendo nos braos uma criana, se mostrou muitas vezes Sr Hauffe. Como isso se desse com mais freqncia na cozinha, fez que levantassem uma laje e grande profundidade foi achado o cadver de uma criana.

Em Weinsperg, a alma de um guarda-livros, que cometera algumas infidelidades durante a vida, lhe apareceu, de sobrecasaca preta surrada, pedindo dissesse sua viva que no ocultasse mais os livros em que se encontravam suas escrituraes falsas e indicou os lugares onde eles estavam, para que os entregasse justia. Ela atendeu ao pedido e com o auxilio daqueles livros foram reparadas algumas fraudes do morto.

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Em Lenach, foi a alma de um burgomestre chamado Bellon, morto em 1740 com a idade de 79 anos, quem se lhe apresentou a pedir conselhos para escapar perseguio de dois rfos. Ela lhe deu os conselhos solicitados e, ao cabo de seis meses, a alma no mais voltou.

"Essa morte est mencionada nos registros da parquia de Lenach, com uma nota assinalando que o burgomestre causara dano a muitas crianas das quais era tutor."

Acrescenta o Doutor Kerner que poderia citar uma vintena de aparies, cuja autenticidade foi depois verificada. Estando perfeitamente reconhecida a honradez desse doutor e achando-se quase sempre de cama a Sr.a Hauffe, sem poder locomover-se e cercada de membros de sua famlia, nenhum embuste fora possvel , pois, reais os fatos e, se bem hajam ocorrido muito antes que se falasse de Espiritismo, guardam as maiores analogias com os que presentemente se observam.

A correspondncia entre Billot e Deleuze Ouamos agora uma segunda testemunha abonada, mdica e homem

honestssimo, o venervel Billot, afirmando, na correspondncia que manteve com Deleuze (44), sua crena nos Espritos

Um fenmeno que provasse positivamente a existncia dos Espritos, desses seres imateriais que, segundo os "espritos fortes", no podem de maneira alguma cair ao alcance dos sentidos do homem, seria sem dvida prprio para excitar a curiosidade pblica e, sobretudo, prender a ateno dos sbios de todos os pases, quaisquer que fossem as suas opinies a respeito... Pois bem, tal fenmeno existe. Esta assero que, primeira vista, tem visos de paradoxo, para no dizer de extravagncia, nem por isso deixa de encerrar uma grande verdade.(45)

Refere o nosso autor que fez parte, durante longo tempo, de uma associao de magnetizadores e pacientes, onde observou fenmenos de comunicao com os Espritos, o que determinou a sua crena num mundo invisvel, povoada pelas almas das pessoas Mortas.

"As sesses comeavam pela parte mstica, isto , pela atanatofania, ou apario dos Espritos, e terminavam pela parte mdica, isto , pelo rafaelismo, ou medicina Anglica. Quando digo apario no quero significar que os Espritos se tornassem visveis aos associados, pois que s o eram para os sonmbulos. Entretanto, a presena deles era indicada por algum sinal positivo, fato que posso atestar, pela circunstncia de ser eu o encarregado de escrever tudo o que se passava naquelas sesses."

As mais das vezes as inteligncias que dirigem os sonmbulos tomam formas de anjos. Vestem tnicas brancas, cintos de prata e freqentemente

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asas. Acontece tambm reconhecerem, os lcidos, pessoas do lugar, mortas h mais ou menos tempo. Mesmo no estado normal, os pacientes percebem no raro a voz dos guias invisveis.

"Sinto, a principio, diz um deles, ligeiro sopro, como o da passagem de um zfiro suave, que logo me refresca e esfria o ouvido. A partir dai, perco a audio e entro a perceber um zumbido fraco no ouvido, como o de um mosquito. Prestando ento a mais acurada ateno, ouo uma voz que me diz o que em seguida repito."

Alucinao auditiva, dir o doutor moderno que ler esta narrativa, alucinao provocada, provavelmente, por auto-sugesto, ou por uma sugesto inconsciente do Dr. Billot. Mas, semelhante explicao se tornar inadmissvel, desde que se prove que o ser invisvel exerce uma ao fsica sobre o sonmbulo, sem que este haja pensado no que vai acontecer e que o fato, da primeira vez, ocorra na ausncia do doutor.

Com efeito, esses guias espirituais podem atuar sobre o corpo dos pacientes, pois o doutor foi testemunha de uma sangria que por si mesma cessara, logo que o sangue sara em quantidade suficiente, sem que, em seguida, houvesse necessidade de fazer-se qualquer ligadura. (46)

Nota-se a cada instante, nas cartas desse sbio, que ele, durante muitos anos, assistiu a vises de Espritos, cuidadosamente descritos pelos sonmbulos. Com um senso crtico notvel, Billot submeteu seus pacientes a numerosas experincias e s se pronunciou categoricamente, depois de haver estudado por longo tempo. No se trata de um crente que aceita s cegas todas as doutrinas. Ele raciocina friamente e s evidncia se rende. No lhe falta bom senso para no atribuir a causas sobrenaturais a ao do Esprito sobre a matria, no que apenas v o efeito de leis ainda ignoradas, mas que um dia sero descobertas:

"Quanto s operaes dos Espritos sobre o corpo, se algumas h que se podem qualificar de prodigiosas, nem por isso so contrrias a Natureza. Ora, havendo ainda muitas coisas ocultas na Natureza, po de espantar sejam tidos por sobrenaturais certos fenmenos que, todavia, se incluem na ordem das coisas criadas. E, se algumas leis da Natureza ainda se nos conservam ocultas, porque o homem ainda no foi estudado como o deve ser, isto , em todas as suas relaes com a Criao.(47)

Nessa correspondncia, digno de observar-se o carter particular de cada um dos contendores: Deleuze, frio e desconfiado, com dificuldade se rende s prementes objurgaes "do solitrio", conforme Billot se intitula. Entretanto, ele concorda, afinal, em que pde observar pacientes que se achavam em comunicao com as almas dos mortos.

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O magnetismo, diz, demonstra a espiritualidade da alma e a sua imortalidade; ele prova a possibilidade da comunicao das Inteligncias separadas da matria com as que lhe esto ainda ligadas;

E nunca, porm, me apresentou fenmenos que me convencessem de que essa possibilidade se efetiva com freqncia." (48)

Um pouco adiante, torna-se mais afirmativo e escreve ao Dr. Billot: O nico fenmeno que parece estabelecer a comunicao com as

Inteligncias imateriais so as aparies, das quais h muitos exemplos. Como estou convencido da imortalidade da alma, no vejo razo para negar a possibilidade da apario das pessoas que, tendo deixado esta vida, se preocupem com os que lhe foram caros e venha apresentar-se-lhes para lhes darem salutares conselhos. Acabo de colher um exemplo. Ei-lo.

Uma moa sonmbula, que perdera o pai, por duas vezes o viu muito distintamente. Viera dar-lhe conselhos importantes. Depois de lhe elogiar o proceder, anunciou-lhe que um partido se lhe ia apresentar; que esse partido pareceria convir e que o rapaz no lhe desagradaria; mas, que ela no seria feliz desposando-o, que, portanto, o recusasse. Acrescentou que, se ela no aceitasse esse partido, outro logo depois apareceria, devendo achar-se tudo concludo antes do fim do ano. Estava-se no ms de outubro.

O primeiro rapaz foi proposto me da moa; esta, porm, impressionada com o que o pai lhe dissera, o recusou.

Um segundo jovem, que acabava de chegar da provncia, foi apresentado por amigos; pediu a donzela em casamento, realizando-se este a 30 de dezembro.

"No pretendo dar este fato como prova sem rplica da realidade das aparies; mas, quando nada, ele a torna tanto mais verossmil, quanto se sabe que h outros fatos do mesmo gnero."

A fim de levar seu amigo a uma crena completa, decide-se Billot a lhe narrar os fenmenos de trazimentos de que fora testemunha. Aqui, no se pode duvidar de que uma inteligncia estranha aos assistentes esteja em comunicao com a sonmbula, pois que fica sempre uma prova tangvel dessa ao supraterrestre.

Eis como nosso doutor relata o fenmeno: Tomo a Deus por testemunha da verdade contida nas observaes que

seguem... a causa ressaltar to-s das demonstraes materiais e cair sob a percepo dos sentidos, por virtude da observao e da experincia.

1 - Observao

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"Uma senhora, atacada, havia algum tempo, de cegueira incompleta, solicitava dos nossos sonmbulos um auxilio que detivesse os progressos da amaurose que, em breve, no lhe permitiria distinguir das trevas a claridade. Certo dia (a 17 de outubro de 1820), dia de sesso, disse a sonmbula consultada: "Uma donzela me apresenta uma planta... toda coberta de flores... no a conheo absolutamente... no me dizem o nome... Entretanto, ela necessria Sr J..

P. - Onde encontr-la? perguntei, uma vez que nos campos nenhuma planta temos em florao, achando-nos, como nos achamos, na estao fria (49). Ser preciso procur-la longe daqui?

R. - No se preocupe, responde a sonmbula, ela nos ser trazida, se for preciso.

Como insistssemos para saber em que lugar a donzela nos quereria indicar a referida planta, a senhora cega, que se achava presente, defronte da sonmbula, exclamou: "Meu Deus! Palpo uma toda florida no meu avental; acabam de depor a... Veja, Virgnia (era o nome da sonmbula) ... veja: ser a que lhe ela apresentava h pouco? - Sim, senhora, essa mesma, respondeu Virgnia. Louvemos a Deus, agradecendo-lhe esse favor."

-Examinei ento a planta. Era um arbsculo, quase como um tomilho de tamanho mdio. As flores, labiadas e em espigas, exalavam delicioso perfume. Pareceu-me o tomilho de Creta. Donde vinha ela? Do seu pais natal, ou de alguma estufa? No o soube. O que sei muito bem que possuo dessa planta uma haste que a donzela me concedeu, depois de muitas instncias."

A quem, lendo-lhe o livro, se haja convencido da boa-f e da lealdade do Dr. Billot, no ser possvel pr em dvida a sinceridade dessa narrativa. Diremos, pois, com ele: "No prova, esta primeira observao, de maneira irrecusvel, o espiritualismo? Haver mister comentrios? No pe ela por terra qualquer teoria diferente da que expomos (interveno dos Espritos) ? Incorremos em erro dizendo que s esta teoria pode explicar to extraordinrio fenmeno?"

Faremos notar que no havia ali possibilidade de fraude, pois que a planta era desconhecida naquela regio e, ao demais, com flores, quando a estao absolutamente no se prestava a isso. No esqueamos tampouco o delicioso perfume que se espalhou de sbito pelo aposento, quando a planta apareceu. Este pormenor, por si s, bastaria para demonstrar a autenticidade do fenmeno. Citamos este fato, no somente para afirmar a realidade da viso, mas, tambm, para mostrar o poder que possuem os Espritos de atuar sobre a matria, por processos que ainda completamente desconhecemos.

Deleuze no pe em dvida o fenmeno, porque outros semelhantes lhe foram com freqncia descritos.

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"Tive esta manh, escreveu ele ao Dr. Billot, a visita de um mdico muito distinto, homem de esprito, que j apresentou vrias memrias Academia das Cincias. Vinha para me falar do magnetismo. Narrei-lhe alguns fatos de que voc me deu conhecimento, sem, entretanto, declinar o seu nome. Respondeu-me que disso no se admirava e me citou grande nmero de fatos anlogos, que muitos sonmbulos lhe apresentaram. Voc bem poder imaginar que fiquei muito surpreendido e que a nossa conversao se revestiu do maior interesse. Entre outros fenmenos, referiu-me ele o de objetos materiais que o sonmbulo fazia vir d sua presena, fenmeno esse da mesma ordem que o do aparecimento do ramo de tomilho de Creta..."

Por esse testemunho se v que os fenmenos de trazimento j no eram ignorados nos comeos do sculo dezenove, o que mais uma vez demonstra a continuidade das manifestaes espritas que constantemente se ho dado, mas que o pblico rejeitava como diablicas, ou considerava apcrifas, se no produzidas por charlates.

Se nos no faltasse espao, divulgaramos como Billot entrava em comunicao com os Espritos, por intermdio do dedo de seu paciente, ento perfeitamente vgil, mediante uma espcie de tiptologia especial. Limitar-nos-emos a recomendar ao leitor essa interessante correspondncia, a fim de podermos dar a palavra a outras testemunhas.

As narraes de Chardel

Vamos agora apresentar alguns extratos das narrativas de Chardel, os

quais instruem ao mesmo tempo sobre as relaes dos sonmbulos com o mundo dos desencarnados e sobre o estado do sonmbulo durante o sonambulismo. (50)

Certa vez, estando a ditar algumas prescries teraputicas ao seu magnetizador, disse-lhe em tom singular a sonmbula Lefrey:

- "Veja bem que ele me ordens. - Quem , pergunta o doutor, que lhe ordena isso? - Ora! ele; o senhor no o ouve? - No, a ningum ouo, nem vejo. - Ah! tem razo, replica ela, o senhor dorme, ao passo que eu estou

desperta... - Como voc, minha cara, est a sonhar, pretende que eu durmo, se bem

me ache com os olhos perfeitamente abertos e a tenha sob a minha influncia magntica, dependendo to-s da minha vontade faz-la voltar ao estado em que se encontrava ainda h pouco. Voc se julga desperta porque me fala e

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dispe, at certo ponto, do seu livre-arbtrio, embora no possa levantar as plpebras.

- O senhor est adormecido, repito-o. Eu, ao contrrio, estou quase to completamente acordada, quanto o estaremos um dia. Explico-me: tudo o que o senhor pode ver, atualmente, grosseiro, material; de tudo o senhor distingue a forma aparente; as belezas, reais, porm, lhe escapam, enquanto que eu, que estou com as minhas sensaes corporais temporariamente suspensas, que tenho a ,ima quase inteiramente liberto de seus entraves habituais, vejo o que lhe invisvel, ouo o que seus ouvidos no podem escutar, compreendo o que lhe incompreensvel.

Por exemplo, o senhor no v o que sai do seu corpo e vem para mim, quando me magnetiza; eu, entretanto, vejo isso muito bem. A cada passe que o senhor me d, vejo sair-lhe das extremidades dos dedos como que pequenas colunas de uma poeira gnea, que se vem incorporar em mim e, quando o senhor me isola, fico por assim dizer envolta numa atmosfera ardente, formada dessa mesma poeira gnea (51). Ouo, quando o quero, o rudo que se faz ao longe, os sons que partem e se espalham a cem lguas daqui. Numa palavra: no preciso que as coisas venham a mim; posso ir ter com elas, onde quer que estejam, e apreci-las com muito maior exatido, do que o poderia qualquer outra pessoa que no se encontre em estado anlogo ao meu."

Refere tambm o autor da Fisiologia do Magnetismo que uma sonmbula costumava ter, noite, uma espcie de xtase, que explicava assim:

"Entro, ento, num estado semelhante ao em que o magnetizador me pe e, dilatando-se o meu corpo pouco a pouco, vejo-o muito distintamente longe de mim, imvel e frio, como se estivesse morto. Quanto a mim, assemelho-me a um vapor luminoso e sinto-me a pensar separada do meu corpo. Nesse estado, compreendo e vejo muito mais coisas do que no sonambulismo, quando a faculdade de pensar se exerce sem que eu esteja separada dos meus rgos. Mas, escoados alguns minutos, um quarto de hora, no mximo, o vapor luminoso de minha alma se aproxima cada vez mais do meu corpo, perco os sentidos, cessa o xtase."

Acrescenta o autor que, chegando a esse grau de expanso do sistema nervoso, o homem espiritualizado, ou, se o preferirem, fluidificado em todo o seu ser, goza de todas as faculdades dos a quem se chama Espritos e que somente nesse estado que se acha, por assim dizer, quebrada e completamente difundida a centralizao da sensibilidade nervosa.

Havemos de ver que a narrativa dessa sonmbula, referente ao estado de vapor luminoso que ela assume desde que sai do seu corpo, tem a confirm-la experimentalmente os trabalhos de Rochas sobre a exteriorizao da sensibilidade. Prossigamos.

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Outra sonmbula que, como essa, tinha, durante a noite, vises que em nada se assemelhavam aos sonhos ordinrios e que a deixavam em extrema fadiga, disse um dia ao mesmo doutor:

"Parecia que me achava suspensa nos ares, sem forma material, tornada por inteiro vapor e luz, e que lhe mostrava, deitado na cama, qual verdadeiro cadver, o meu corpo. Veja, dizia-lhe eu, est morto e assim estar dentro de trinta dias. Depois, insensivelmente, aquela luz, que eu sentia ser eu mesma, se aproximou do cadver, meteu-se nele e recuperei os sentidos, exausta como aps longo e penoso sono magntico."

Outros testemunhos

Para os que crem na imortalidade da alma, indubitvel se torna que,

sendo possvel a comunicao com os Espritos, quem haja de realiz-la tem que se colocar numa posio to prxima quanto possvel da em que se achar depois da morte.

Ora, com certos pacientes, o sonambulismo parece eminentemente apropriado a dar esse resultado. Momentaneamente desprendido, ao menos em parte, do lao fisiolgico, o Esprito se encontra num estado quase idntico ao em que um dia se achar permanentemente. Ao demais, se admitirmos que as almas desencarnadas se comunicam entre si, o que parece evidente, claro se faz que elas podero manifestar-se aos sonmbulos, quando estes se acharem mergulhados no sono magntico.

Isso os magnetizadores, em sua maioria, se viram obrigados a reconhecer. Malgrado ao seu cepticismo, diz o Dr. Bertrand (52), falando de um sonmbulo muito lcido:

Essa mulher se exprimia sempre como se um ser distinto, separado dela e cuja voz se fazia ouvir na regio do estmago, lhe houvesse transmitido todas as noes extraordinrias que ela manifestava em sonambulismo. Verifiquei o mesmo fenmeno na maior parte dos sonmbulos que tenho observado. O caso mais vulgar o em que ao sonmbulo parece que os acontecimentos que ele anuncia lhe so revelados por uma voz."

O baro du Potet, por longo tempo incrdulo, foi, a seu turno, constrangido a confessar a verdade. Informa ele como encontrou de novo, no magnetismo, a espiritologia antiga e quais os exemplos que o levaram a crer no mundo dos Espritos, mundo que, diz (53), "o sbio rejeita como um dos maiores erros dos tempos idos, mas em o qual o homem profundo induzido a acreditar por efeito de exame srio dos fatos".

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Noutro lugar (54), afirma que se pode entrar em relaes com os Espritos desprendidos da matria, a ponto de obter-se deles aquilo de que se tenha necessidade.

Poderamos multiplicar as citaes tomadas rica biblioteca do magnetismo espiritualista e mostrar que Charpignon, Ricard, o padre Loubet, Teste, Aubin, Gauthier, Delage, etc., creram nas comunicaes entre vivos e desencarnados. No devemos, porm, esquecer que o nosso objetivo especial o estudo do perisprito e, por isso, passamos imediatamente a um pesquisador consciencioso, homem de boa-f, Cahagnet, que foi quem melhor estudou esses fenmenos.

As experincias de Cahagnet

At aqui ouvimos muitos magnetizadores afirmando a realidade das

relaes do nosso com um mundo supranormal. As mais das vezes, os pacientes vem "seus guias" ou "anjos guardies", que eles quase sempre descrevem como sendo um belo jovem, vestido de branco. As vises, muito freqentemente, so msticas: a Virgem que aparece; recitam preces para afastar os maus Espritos. Raramente a personagem descrita um defunto.

Ser que sempre os pacientes vem personagens reais? No o cremos; a maior parte do tempo, so sugestionados pelo experimentador e tambm pela prpria imaginao. Devemos, pois, preservar-nos cuidadosamente de dar qualquer crdito s suas afirmaes, desde que estas no assentem em provas absolutas, do gnero das que reproduzimos, apresentadas pelo Dr. Billot.

Carece de valor positivo a viso de um Esprito, se no h certeza absoluta de que no se trata de uma auto-sugesto do sonmbulo, ou de uma transmisso de pensamento do operador.

O seguinte fato, que o Dr. Bertrand citou numa de suas conferncias e que o general Noizet reproduziu, prova convincente do que dizemos. (55)

Um magnetizador muito imbudo de idias msticas tinha um sonmbulo que durante o sono s via anjos e Espritos de toda espcie, vises essas que serviam para confirmar cada vez mais a crena religiosa do primeiro. Como ele costumasse mencionar, em apoio do seu sistema, os sonhos desse sonmbulo, outro magnetizador tomou a si desiludi-lo, mostrando-lhe que o referido sonmbulo s tinha as vises que ele relatava, porque no seu prprio crebro existia o tipo de tais vises. Para provar o que avanava, props-se a fazer que o mesmo sonmbulo visse todos os anjos do paraso reunidos em torno de uma mesa a comer um peru. Adormeceu ento o sonmbulo e, ao cabo de algum tempo, lhe perguntou se no via algo de extraordinrio. Respondeu o interrogado que estava vendo uma grande reunio de anjos. -

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Que fazem eles? Inquire o magnetizador. - Esto ao redor de uma mesa e comem. No pde, entretanto, precisar qual o alimento de que se serviam.

Cumpre, portanto, se observe extrema circunspeo em aceitar narrativas de sonmbulos, pois toda gente sabe que eles s vezes so muito sugestionveis, mesmo mentalmente. Desconfiemos de descries do paraso e do inferno, quais as tm feito pacientes e msticos de todos os pases e de todas as pocas.

Com Cahagnet (56) tudo completamente diverso. J no so seres anglicos que se mostram, mas Espritos que viveram entre ns e que se tornam reconhecveis por se apresentarem com o mesmo aspecto que tiveram neste mundo, com vesturios semelhantes aos que aqui usavam. So ntidas e precisas as suas recordaes e do provas de discernimento e de vontade, como se ainda estivessem na Terra. No so simples reproduo de imagens dos seres desaparecidos: so individualidades que conversam, se movem, vivem e afirmam categoricamente que a morte no as atingiu. J h nisso alguma coisa de verdadeiro Espiritismo; da, aquele tolhe geral, quando apareceram Os Arcanos da vida futura desvendados. Tudo o que a ignorncia, o fanatismo, a tolice reeditaram posteriormente contra a nossa doutrina foi ento despejado sobre o pobre magnetizador. Ouamos o seu doloroso lamento.

"Nosso adversrio, o baro du Potet (57), nos dissera as seguintes palavras, para ns profticas, quando publicamos o primeiro volume desta obra: "O senhor trata destas questes com a excessiva antecipao de vinte anos; o homem ainda no est preparado para as compreender."

Ah! respondemos, porque ento banha ele de suas lgrimas as cinzas dos que julga haver perdido para sempre? Em que momento da existncia humana poder chegar mais a propsito, para dizer a esse homem: Consola-te, aquele que supes separado de ti para sempre se acha a teu lado, a te afirmar, por meu intermdio, que est vivo, que se sente mais ditoso do que na Terra e que te aguarda em esferas prximas para continuar em intimidade contigo. Se no queres acreditar no que te digo, atenta na linda cabea desta criana, que chora porque te v chorar, porque lhe dizes que ela no tornar a ver sua querida mame. Pe-lhe a mo na fronte e, ao cabo de poucos minutos, tu a vers sorrir para aquela que julgas morta e a ouvirs contar-te o que feito de sua me, onde est e o que faz. No poders duvidar um instante de que esse mrmore que te apavora a porta do templo da imortalidade, onde viveremos todos eternamente, para eternamente nos amarmos.

"Digo isto a esse irmo infortunado e ele, em vez de me apertar mo em sinal de reconhecimento, me lana um olhar de desprezo, exclamando: Este homem est louco!"

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Mas, era um lutador soberbo esse trabalhador, que teve a glria de fazer-se o que foi: um dos pioneiros da verdade. Combateu vigorosamente seus contraditores, reduzindo-os ao silncio. Os dois primeiros volumes dos Arcanos contm as descries de experincias realizadas com oito extticos que possuam a faculdade de ver os Espritos desencarnados. O ponto culminante foi atingido com um deles, Adlia Maginot, com quem ele obteve longa srie de evocaes. H na obra mais de 150 atas firmadas por testemunhas que declaram haver reconhecido os Espritos que a sonmbula descreveu. B esse um fato importantssimo, para o qual nunca ser demais chamar a ateno. No se pode razoavelmente supor que homens pertencentes a todas as esferas sociais, de indiscutvel honradez, se hajam conluiado para atestar mentiras. H, pois, nessas experincias uma nova estrada, uma mina frtil a ser explorada pelos pesquisadores vidos de conhecimentos sobre o alm. Eis aqui um exemplo que mostra como habitualmente as coisas se passavam. (58)

Uma evocao

O Sr. B. magnetizador e subscritor dos Arcanos, deseja uma sesso de

apario. Logo que Adlia cai em estado sonamblico, chamamos o Sr. B... Ernesto, Paulo, morto, irmo do Sr. B... A essa sesso assiste a me deste senhor.

"Diz Adlia: Ei-lo! D-nos alguma indicao? Vejo-lhe os cabelos castanho-claros, fronte bela e ampla, olhos tendendo para o pardo, sobrancelhas bem arqueadas, nariz um tanto pontiagudo, boca mdia; tez clara, plida e delicada, queixo redondo, corpulncia fraca, se bem deva ter sido forte; a molstia o enfraqueceu muito; traz um costume de cor escura (azeitona, creio) ; tem ar dolente, calmo e sofredor; provavelmente sofreu do corao e do peito, experimentou fraquezas nas pernas. No andava isento de pesares, muito se afligia intimamente, sem deixar que o percebessem; ficava s vezes pensativo, absorvido por idias sombrias; amava a urna pessoa, donde boa parte das suas penas; era muito sensvel.

- Que idade ele te parece ter? - Cerca de vinte e cinco anos; seu estomago se fatigou muito com excessos da mocidade.

- Quem o recebeu no cu? - Seu av. - Teve, de fato, seu pai uma viso em que o viu no cu ao lado de sua av? - E verdica essa viso, mas quem primeiro o recebeu foi seus avs paternos, que ele conheceu na Terra; esse av lhe estendia os braos, nos quais ele se precipitou; sua av estava entre os outros, no faltava gente a esper-lo... No teve agonia. No acreditava no magnetismo, mas pede que eu diga a seu irmo que agora acredita. - Quem

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velava o seu cadver? - Sua famlia. - Onde foi enterrado? - No Pre-Lachaise. - Seus restos ficaram sempre no mesmo tmulo? - No; foram reunidos-aos de sua av, desse que primeiro o recebeu no cu. - Quais as pessoas que Iam logo aps o seu esquife? - Dentre todos, ele distinguiu melhor seu irmo. - Adlia est fatigada; terminamos.

O Sr. B... ficou encantado com essa experincia; a senhora sua me se mostra imersa na mais profunda dor; seu filho lhe manda dizer por Adlia que no chore, que ele mais feliz do que ela; desejara que ela conclusse o tempo de suas provas; fora visit-la muitas vezes durante o sono para a consolar, no tendo feito que se lembrasse de suas visitas para lhe no aumentar a amargura dos pesares. Apareceu do mesmo modo ao senhor seu irmo e ainda lhe aparecer. Agradece-lhe o t-lo sepultado.

O Sr. B... no descobre uma silaba a suprimir desse acervo de detalhes; a senhora sua me apenas alimenta certas dvidas quanto cor dos olhos; no pode lembrar-se qual exatamente era. Permitiu Deus que a nossa f mais se fortalecesse. O Sr. B. . . desejando, por questes de famlia, ocultar o seu nome, assinou uma segunda via da ata desta sesso, para me garantir, no futuro, contra as reticncias que alguns homens desmemoriados e chicanistas Possam opor realidade do que ouviram e reconheceram verdadeiros. Daqui por diante procederei assim.

"No dia seguinte ao dessa sesso, o Sr. B . . . Veio a nossa casa Para dizer que, em conseqncia daquela apario, ele convocara uma reunio de famlia, a fim de se certificar da cor exata dos olhos de seu irmo; a generalidade das recordaes foi favorvel cor que Adlia descrevera. Grande satisfao me deu essa particularidade, porque, havendo aquele senhor dito a Adlia : - A senhora se engana; minha me acha que os olhos eram azuis; persiste a senhora em v-los castanhos? - ela respondeu: - Ser-me-ia muito fcil concordar com a senhora sua me, uma vez que ela os julga tais e que isso confirmaria a verdade de tudo o que por mim foi dito; mas, eu mentiria e no diria o que vejo. Para mim, so castanhos. - Foi em face dessa afirmativa que aquele senhor convocou para uma reunio o membro de sua famlia e se considerou no dever de me dar cincia do resultado de tal reunio."

A cada passo, encontram-se nesses volumes provas semelhantes. Fora, porm, conhecer mal a nossa poca imaginar-se que essas narrativas tiveram o dom de determinar convices. Ningum jamais contestou a boa-f de Cahagnet; seus contemporneos o reconheceram homem honesto, incapaz de alterar a verdade, mas, pretenderam que aqueles fenmenos podiam explicar-se todos por uma transmisso de pensamento, a se operar entre o consultante e o paciente.

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Podemos certificar-nos do nenhum valor dessa objeo, neste caso, desde que atentemos nas circunstncias que acompanharam a apario. Ela conversa, manda dizer sua me, por Adlia, que no se atormente. E porque aquela imagem estaria associada do av paterno, quando, no pensamento da me e do irmo, a av do morto era quem o devera ter recebido no Alm? (59)

Alis, para responder a semelhante objeo, que foi a arma sempre mo dos incrdulos, o autor relata certo nmero de aparies s quais ainda menos aplicveis a mencionada explicao. (60)

Aqui est uma, entre muitas outras. O padre Almignana, j citado, parecendo no mais convencido pelos

detalhes que, sobre a apario de seu irmo, Adlia lhe fornecera e que ele solicitara na segunda sesso, veio comunicar-me suas dvidas a respeito. No momento Adlia estava adormecida. Ele pie pediu evocasse a irm de sua criada, que se chamara Antonieta Carr e morrera havia alguns anos (61). Evoquei-a.

-Disse Adlia: - Vejo uma mulher de altura mediana, cabelos castanho-claros, de cerca de 45 anos, no bonita, de pequenos olhos cinzentos, nariz grande um tanto grosso na extremidade, tez amarelada, boca chata; tem o que chamamos papeira; faltam-lhe dentes da frente, sendo os poucos que lhe restam escuros como tocos; suas vestes so as que no campo se denominam trajes caseiros: corpete escuro, saia listrada um tanto curto; avental de chita em torno do corpo; no pescoo um leno de quadrados; suas mos denotam trabalhos pesados: trabalhava no campo; tinha um irmo que morreu depois dela; no est, porm, no mesmo plano que ela, porque, sem ser .um mau sujeito, no era muito regrado. Essa mulher me d a impresso de ter sido muito boa.

"O Sr. Almignana levou escritos esses pormenores e me endereou uma carta donde extraio as passagens seguintes:

"Depois de ter lido quatro vezes, para Maria Francisca Roslia "Carr, os sinais acima, ela me declarou que eram to exatos, que "no podia deixar de reconhecer sua prpria irm, Antonieta Carr, "na mulher que aparecera sonmbula. Quanto a seu irmo, confirma que morreu depois da irm, como o dissera Adlia. Acrescenta uma circunstncia que no deixa de ser digna de nota: diz "ter sonhado, na noite de 30 para 31 de janeiro (vspera da sesso), "que se achava junto do tmulo da irm e do irmo, mas que sua "ateno era mais solicitada pela primeira. (Ela jamais sonhara com a irm desde que esta morrera.).

"Assinado: ALMIGNANA."

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"Farei notar, a meu turno, que o padre Almignana, como a sua criada, no sabiam, no dia dessa sesso, que chamaramos aquela mulher. Foi de improviso que lhe dirigi a seguinte pergunta: Conhece algum morto cuja apario pudesse compense-lo? Ele me respondeu: Chame a irm de minha criada; assim, nenhuma influncia haver, nem comunicao de pensamento, pois a minha criada no est aqui e nada sabe do que se vai passar. Como se acaba de ver,